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A Dialéctica de Marx possível como até absolutamente necessária.

Quem assim fala não compreendeu precisamente


o mais importante da dialéctica marxista. Como poderia, de outra forma, passar-lhe pela cabeça
A enorme importância de que se reveste a obra teórica de Karl Marx para a prática da luta que, nos nossos dias, numa época em que a luta de classes se agudiza em todas as esferas da
de classe proletária consiste em ele ter reunido pela primeira vez formalmente numa unidade vida social (e, portanto, também da chamada vida espiritual), se poderia abandonar o "método
sólida, na totalidade viva de um sistema científico, todo o conteúdo das ideias novas que essencialmente crítico e revolucionário" que Karl Marx e Friedrich Engels opuseram, como
transcendem o horizonte burguês e surgem inelutavelmente na consciência do proletariado a método novo da ciência proletária, ao "modo de pensar metafísico", ao mesmo tempo que à
partir da sua situação social. Karl Marx não criou o movimento proletário (como imagina muito a estreiteza de vistas específica dos últimos séculos" e a todas as formas anteriores de "dialéctica"
sério muito burguês adorador do diabo). Também não criou a consciência de classe proletária; (especialmente à dialéctica idealista de Fichte—Schelling—Hegel). Só quem absolutamente não
mas deu ao seu conteúdo novo a expressão teórica e científica apropriada e elevou, assim, ao vê que há uma diferença essencial entre a "dialéctica proletária" de Marx e todo o outro modo de
mesmo tempo, esta consciência proletária a um nível superior. A tradução das concepções de pensar (metafísico e dialéctico) e que essa dialéctica representa o único modo de pensar em que
classe "naturais" do proletariado em conceitos e proposições teóricas e a sua poderosa o conteúdo novo das ideias proletárias, formadas na luta de classes, pode encontrar uma
sistematização do "socialismo científico" não devem entender-se de forma alguma como simples expressão teórica e científica que corresponda à sua verdadeira natureza, só quem não vê tudo
"reflexo" do movimento histórico real do proletariado. São antes componentes imprescindíveis isto pode lembrar-se de que este modo de pensar dialéctico, porque representaria "apenas a
desse processo histórico real ele próprio. O movimento histórico do proletariado não se podia forma" do socialismo científico, seria, pois, também "algo de exterior e indiferente ao objecto", de
tornar "autónomo" nem "unitário" sem que se formasse uma consciência proletária autónoma e forma que, por conseguinte, o mesmo conteúdo conceptual objectivo se poderia exprimir tão bem
unitária. Assim como o movimento proletário amadurecido e organizado no plano político e ou até melhor noutra forma. Isto é muito parecido com o que se passa quando certos "marxistas"
económico, nacional e internacional, se distingue do primeiros movimentos e convulsões dos nossos dias imaginam que o proletariado poderia conduzir o seu combate prático contra a
dispersos e desorganizados do proletariado, também o "socialismo científico" se distingue, como ordem económica, social e política da burguesia adoptando outras "formas" que não
"consciência de classe organizada do proletariado", dos sentimentos e ideias difusos e informes precisamente a forma bárbara e primitiva da luta de classes revolucionária. Ou quando essas
em que a consciência proletária encontra a sua primeira expressão imatura. Mesmo numa mesmas pessoas fingem para si e para os outros que o proletariado poderia levara a cabo a sua
perspectiva prática, a constituição teórica do socialismo em ciência levada a cabo por Karl missão positiva, a realização da sociedade comunista, por outras vias que não a ditadura do
Marx no Manifesto Comunista e n’O Capital mostra-se portanto, como um elemento proletariado, com os meios também do Estado burguês e da democracia burguesa, por exemplo.
absolutamente necessário no contexto do grande processo de evolução histórica em que o O próprio Karl Marx, tinha, porém, uma opinião inteiramente diferente sobre essas coisas, ele que
movimento proletário se desprendeu pouco a pouco do movimento revolucionário burguês do escrevia já, numa obra de juventude: "A forma não tem valor se não for a forma do conteúdo" e
"terceiro estado" e o proletariado se constituiu em classe autónoma e unitária. Só assumindo a que, também mais tarde, sublinhou sem cessar que só a utilização consciente do método
forma de uma "ciência" rigorosa é que o conteúdo das ideias proletárias que foram o conteúdo do dialéctico permite aceder à compreensão real, a um tempo positiva e negativa, quer dizer,
"socialismo moderno" pôde purificar-se radicalmente das ideias burguesas a que começara por conscientemente revolucionária, do processo da evolução histórico-social — compreensão que
estar inseparavelmente ligado pela sua origem e que o socialismo transformado em "ciência" constitui a essência especifica do "socialismo científico". Sem dúvida que esta dialéctica nova ou
pôde então cumprir verdadeiramente a missão de Karl Marx e Friedrich Engels lhe consignaram: "proletária" em que assenta a forma científica do socialismo marxista não se destingue apenas
investigar, enquanto "expressão teórica" da acção revolucionária do proletariado, as condições da forma mais extrema do modo de pensar ordinário, estreitamente metafísico. Ela é também,
históricas e a natureza desta acção e, assim, "elevar a classe que, hoje oprimida, é chamada a pelos seus fundamentos, "absolutamente distinta" da dialéctica burguesa, que encontrou a forma
agir à consciência das condições e natureza da sua própria acção". mais acabada no filosofo alemão Hegel, e é até, em certo sentido, o seu "contrário directo". É
impossível e supérfluo abordar aqui em detalhe as múltiplas consequências destas diferenças e
Ao caracterizar-mos, na exposição precedente, o significado prático da forma científica do oposições. Para os fins que pretendemos, basta sublinhar que estas diferenças e oposições se
socialismo moderno ou marxista, definimos também já, ao mesmo tempo, o significado do método devem atribuir inteiramente a que a "dialéctica proletária" é precisamente a forma em que o
dialéctico utilizado por Karl Marx. É que, se é certo que o conteúdo do socialismo científico existia movimento revolucionário de classe do proletariado encontra a expressão teórica que lhe é
anteriormente à sua elaboração científica, como concepção informe (concepção proletária de adequada. Se se compreendeu isto ou se se entreviu, mesmo só confusamente, esta relação,
classe), não é menos certo que a forma científica que este conteúdo reveste nas obras compreende-se dum só golpe toda uma série de fenómenos de outra forma dificilmente
de Marx e Engels, quer dizer, o "socialismo científico" propriamente dito, foi essencialmente explicáveis. Compreende-se porque é que a classe burguesa dos nossos dias se esqueceu tão
produto do modo de pensar a que Marx e Engels chamaram o seu "método dialéctico". E não o completamente dos tempos em que ela própria tinha que conduzir, como "terceiro estado", uma
foi graças a um acaso histórico, como muitos "marxistas" contemporâneos gostariam de imaginar, luta ora tenaz, ora heroicamente intensificada, contra a ordem económica feudal e contra a sua
o que implicaria, portanto, que as proposições científicas que Karl Marx produziu com a aplicação superestrutura político-ideológica (nobreza e clero), tempos em que o seu porta-voz ideológico, o
do seu "método dialéctico" poderiam hoje, ao serem reproduzidas, ser à vontade separadas desse abade Sieyès, lançou à ordem social dominante uma sentença perfeitamente dialéctica: "O que
método, porventura já tornado absolutamente antiquado pelo progresso que se verificou é o terceiro estado? Tudo. — Que foi ele até hoje na ordem política? Nada. — Que exige ele?
entretanto nas ciências, e que a sua substituição por outro método seria hoje, portanto, não só Ser alguma coisa".
Para a burguesia, agora que o Estado feudal foi derrubado e que, no Estado burguês, ela Método Dialético
não é apenas alguma coisa, mas se tornou tudo, já só há duas posições face ao problema da
dialéctica. Ou a dialéctica é um ponto de vista hoje totalmente ultrapassado, só respeitável no Algumas características do que chamei de tronco das tendências positivistas no campo
plano histórico, como uma espécie de delírio sublime do pensamento filosófico no esforço para gnosiológico do pensamento filosófico e da ciência do homem ou da ciência social.
superar os seus limites naturais, delírio para que um homem sensato e bom burguês não deve
de modo algum deixar-se arrastar; ou então o movimento dialéctico tem, em qualquer caso, que Se há um tronco positivista, um conjunto de posições, não apenas as posições ligadas
se deter irrevogavelmente, hoje e sempre, no ponto final absoluto em que o último filosofo a Augusto Comte, há, por outro lado, um tronco dialético. São dois troncos e o tronco positivista
revolucionário da classe burguesa, o filosofo Hegel, o fez outrora deter-se. Ele não pode tinha gnosiologicamente, epistemologicamente, como filosofia da ciência.
ultrapassar com os seus conceitos os limites que a sociedade burguesa também não pode
ultrapassar na realidade sem se suprimir a si própria. A sua última palavra, a grande síntese
Do ponto de vista dialético não é possível pura e simplesmente adotar a subdivisão teoria
universal em que todos os antagonismos estão definitivamente resolvidos ou podem sê-lo, é o
do conhecimento, epistemologia, filosofia da ciência que já é por si o produto da perspectiva
Estado. Perante este Estado burguês que representa, no seu desenvolvimento integral, a
positivista. Do ponto de vista dialético, sem dúvida existe uma problemática do conhecimento e
satisfação completa de todos os interesses burgueses e, por conseguinte, o fim último da luta de
existe uma problemática da ciência. As coisas são extremamente interligadas. De modo que ao
classe burguesa, já não há, precisamente por isso, para a consciência burguesa, nenhuma
falar em epistemologia ou em gnosiologia eu estou remetendo sempre, simultaneamente, a uma
antítese dialéctica, nenhuma oposição inconciliável. Quem, não obstante, se coloca prática e
teorética do conhecimento e a uma teorética da episteme. Mas, de modo inverso ao positivismo,
teoricamente em oposição a esta realização absoluta da Ideia burguesa, abandona o círculo
estou remetendo a uma teoria da ciência, a uma teoria do conhecimento que não nasce a partir
sagrado do mundo burguês, coloca-se fora do direito, da liberdade e da paz burgueses e também,
de uma reflexão pura e simples da observação do procedimento científico no campo
por conseguinte, fora de toda a filosofia e ciência burguesas. Compreende-se porque é que, para
rigorosamente laboratorial, entre aspas.
este ponto de vista que vê a sociedade burguesa actual como única forma pensável e possível
de vida social, a "dialéctica idealista" de Hegel, que encontra na Ideia do Estado burguês o remate
ideal, é a única forma pensável e possível de dialéctica. Em contrapartida, como era igualmente Enquanto todas as correntes pensam a gnosiologia e a epistemologia a partir das formas
de supor, esta "dialéctica idealista" da classe burguesa já não tem valor para a outra classe da superiores da elaboração do espírito, isto é, tomam como ponto de partida resultados da
sociedade burguesa actual, que é levada directamente à revolta contra todo este mundo burguês autonomização da inteligência, do espírito, tomam um momento elevado do produto histórico da
e contra o seu Estado "por uma miséria absolutamente imperiosa, que já não se pode iludir nem elaboração científica. O que eu quero dizer: quando um Kant, quando um Descartes, quando
atenuar — a expressão prática da necessidade", porque esta classe representa já ela própria todos os pensadores da história da filosofia tomam a questão do conhecimento para tratar,
concretamente, no conjunto das suas condições materiais de vida, do seu ser material, a antítese quando convertem o fenômeno do conhecimento num objeto específico para examinar a partir da
formal, o contrário absoluto desta sociedade burguesa e do seu Estado. Para esta classe, criada elaboração já de nível elevado que a ciência tem atingido, da matemática, da física, passam a
no seio da sociedade burguesa pelo mecanismo interno do desenvolvimento da propriedade refletir sobre o problema do conhecimento como se ele se instaurasse no instante em que o
privada, por "uma evolução independente dela, inconsciente, contra a sua vontade, condicionada especialista recuasse diante do objeto, no espaço do seu laboratório – o laboratório pode ser a
pela natureza das coisas", para esta classe que vê o seu objectivo e acção revolucionários biblioteca – e começasse a refletir sobre o que é o conhecimento a partir desse instante. Tudo
"prefigurados de forma patente e irrevogável nas próprias circunstâncias da sua vida, bem como funciona como se o conhecimento se instaurasse a partir desse momento, o momento do
em toda a organização da sociedade burguesa actual", impõe-se também de forma igualmente conhecer sistemático, rigoroso, intelectual, elaborado, etc.
necessária, com base nesta sua situação social de classe, uma dialéctica nova, revolucionária, já
não burguesa e idealista, mas proletária e materialista. É que a "dialéctica idealista" da burguesia A dialética, não. A dialética toma como ponto de partida um instante muito mais natural e
só "na ideia" pode resolver os antagonismos materiais entre "riqueza" e "pobreza" que existem historicamente efetivo. A dialética instaura sua gnosiologia a partir do instante em que ela
na sociedade de classes burguesa, na ideia do Estado burguês, puro e democrático, de forma descobre no homem efetivo, não no homem especialista, no homem filósofo, no homem
que estas contradições resolvidas "idealmente" subsistem sem solução na realidade social intelectual, mas no homem comum, no homem na sua cotidianidade, a partir desse homem que
"material" e aumentam até constantemente de extensão e agudeza. A essência da nova trabalha, e eu grifo a palavra trabalha, é que instaura a problemática gnosiológica. Sendo a
"dialéctica materialista" da classe proletária consiste, pelo contrário, em que ela suprime no ciência, a filosofia, enfim as formas superiores do espírito resultado dessa gênese na
concreto a oposição material entre a riqueza burguesa (o "capital") e a miséria proletária, cotidianidade, produto de um distanciamento, produto de uma autonomização do espírito em
suprimindo esta sociedade de classes burguesa e o seu Estado de classe na realidade material relação ao cotidiano, há uma independentização deste pensamento. Sobre isto voltaremos. Eu
da sociedade comunista sem classes. A dialéctica materialista constitui, por conseguinte, como quis apenas caracterizar aqui a diferença de raiz entre uma gnosiologia de ordem marxista e uma
"expressão teórica" da luta histórica do proletariado pela libertação, o fundamento metodológico gnosiologia de ordem não marxista. Enquanto uma parte do laboratório a outra parte da condição
indispensável do "socialismo científico". histórico-concreta do homem efetivo, não do homem especulativo.
Na atualidade existem dois grandes ramos de respostas no que tange à problemática do interior do sujeito coletivo que as individualidades realizam a apreensão cognitiva objetiva
conhecimento. Há dois conjuntos de respostas. Mais simples ainda. Há um conjunto de respostas concreta exata.
e estas podem ser classificadas em dois ramos. O ramo positivista e o ramo dialético. Retomo os
traços do positivismo. Primeiro a concepção do sujeito. (Trecho sobre as implicações políticas da Aqui é preciso diferenciar a classe como aquela que cria uma perspectiva do conhecimento,
relação sujeito-objeto). é a sua condição em si, isto é, independentemente da sua consciência. A classe em si, no
conhecimento, o contorno da classe, o espaço sócio/histórico que ela ocupa, pela sua raiz de
(Obs: Falta a parte de caracterização do positivismo. Não foi gravada. Mas, foi desenvolvida produção e reprodução material, isto é, pela sua raiz econômica, ela tem uma dada perspectiva,
no dia anterior). ela tem um dado espaço, ela tem uma dada presença que demanda independentemente da sua
consciência um desdobramento. Esse desdobramento a que ela alude, no plano do conhecimento
Caracterização do ramo dialético. “A dialética trata da coisa em si”. Com estas únicas é ou não aproveitado pelas individualidades que da perspectiva dela se põem. Assim, o grande
palavras se faz a dialética de Marx ser não apenas diferente de todo o tronco positivista, mas ser pensador, o grande cientista, o grande intelectual objetiva, realiza uma possibilidade tracejada
o seu oposto. Se a dialética trata da coisa em si e o positivismo recusa, evita tratar da coisa em pela existência em si da classe, consubstanciando um conhecimento possível. Mas que a classe
si, nós estamos com dois troncos diametralmente distintos. enquanto conjunto não delimitado concretamente não efetiva. Quer dizer, a classe é o verdadeiro
sujeito cultural, consequentemente o verdadeiro sujeito cognitivo, mas quem realiza a cognição
Ao se dizer que a dialética trata da coisa em si está-se subentendendo primeiro a são as consciências individuais. Não é uma consciência coletiva.
possibilidade de o entendimento alcançar a integridade e a integralidade dos objetos postos para
o conhecimento. A posição do método dialético concebe um ser cognitivo que alcança a totalidade O que é consciência coletiva? O que se pensa aqui talvez Lucien Goldmann tenha feito
do objeto. Alcançar o todo essencial do objeto, conhecê-lo no seu núcleo mais íntimo é uma aproximação interessante, é falar numa intra-subjetividade. Não intersubjetividade, como era
compreendido como uma possibilidade real do sujeito. em Kant. A objetividade kantiana é a identidade das diferentes consciências individuais. Cada
consciência individual confere com a consciência individual do outro. Se viver a mesma situação
Desde logo, portanto, há uma afirmação ontológica da gnosiologia marxiana. Sujeito que e se tiver as mesmas informações ele conclui a mesma coisa. Resultado, a intersubjetividade
pode conhecer a totalidade do objeto e agora nós temos que parar um pouco sobre este sujeito. kantiana é uma identidade das diferentes subjetividades individuais. No caso dialético, não é esta
Sim, este sujeito pode conhecer a totalidade do objeto, mais do que isto, ele deve conhecer a intersubjetividade que é aludida. Hegel já tinha feito a crítica da intersubjetividade. Porque a
totalidade do objeto, ainda mais, conhecer é só conhecer quando a totalidade do objeto é intersubjetividade significaria, pura e simplesmente, da perspectiva hegeliana, que o objetivo é
compreendida. Só é objetivo o conhecimento da totalidade. O conhecimento só é concreto aquilo que é comum à subjetividade. Se o verde me parece vermelho e se a todos o verde parece
quando referido ao todo. vermelho, o verde passa a ser objetivamente vermelho. Isto mostra que a intersubjetividade
consolida o equívoco. A objetividade não é um parecer de.

A concepção do sujeito já é distinta da concepção do sujeito do positivismo. De um lado,


no positivismo, o sujeito é um sujeito de consciência limitada, no caso da dialética, o sujeito é A objetividade é realmente uma subordinação da subjetividade. A objetividade implica a
ilimitado. E essa infinitude do sujeito não está remetida pura e simplesmente à individualidade. O regência objetiva sobre a subjetividade. Como o conhecimento, no método dialético, subentende
sujeito do conhecimento não é entendido como a individualidade singular concreta. O sujeito do o objeto regendo a cognição, enfim o primado gnosiológico está no objeto não no sujeito, ainda
conhecimento não é apenas a consciência individual isolada. Mais do que isso. A consciência que o sujeito não seja inativo. Em última análise, quem configura a subjetividade é o objeto.
individual isolada é de fato a consciência real, mas ela expressa um sujeito coletivo de Em Kant, é a subjetividade que organiza a objetividade. No caso da dialética, é a objetividade que
conhecimento, que é o real responsável pela constituição da perspectiva que permite o organiza a consciência. Em vários pontos, pensando ao inverso de Kant temos a dialética.
conhecimento. Em última análise, os indivíduos reais é que consubstanciam esse conhecimento,
mas eles consubstanciam em termos e na medida em que eles realizam uma condição de Este sujeito coletivo, dentro do qual atuam e realizam os seus objetivos os sujeitos
possibilidade objetiva que os ultrapassa. individuais, estes sujeitos individuais o realizam na medida em que o fazem da perspectiva de
certas classes. Aí então, a objetividade é entendida como uma possibilidade de classe. É
Aqui o sujeito do conhecimento é, à semelhança do sujeito da história, um sujeito coletivo. entendida como uma possibilidade do sujeito coletivo. E não como uma escolha do sujeito
Quem é o sujeito da história? São os indivíduos isolados? Não. As classes sociais são os sujeitos individual. Isso é um ponto decisivo. A objetividade não é o resultado da construção de um
coletivos da história. As classes sociais é que realizam a história. Os dirigentes ostensivos discurso rigoroso, mas a objetividade é o resultado de uma condição objetiva de possibilidade
individuais, que detêm as alavancas do poder do Estado, são representantes de uma política, social que permite então a geração do discurso rigoroso. Dito de outro modo, a objetividade não
quer dizer, de um interesse global de categorias sociais. O sujeito cognitivo é a classe. É no é alcançada por um discurso de rigor, mas o discurso de rigor é constituído, possibilitado por uma
potencialidade de classe.
Fora da dialética, a objetividade, isto é, a captura do real pelo discurso científico é resultado Este sujeito coletivo gerará os produtores de teoria individuais que vão constituir a verdade ou
do encaminhamento de um discurso rigorosamente conduzido. É o discurso que tem o segredo que vão constituir a falsidade. Verdade e falsidade que serão vistas para esta classe como
da captura da realidade. simples verdade. O falso é visto como verdade. Só uma outra classe, contraposta a essa, é que
pode denunciar a falsidade da primeira. Não também porque seja uma classe que ame a verdade
A dialética não nega a necessidade de um discurso rigoroso. Ao contrário, acentua que ele acima de tudo. Porque ela tem necessidade da verdade para derrubar a verdade falsa da outra.
é imprescindível, porém dá um passo mais profundo. O discurso rigoroso é gerado por uma A luta entre verdadeiro e falso corresponde, no campo da compreensão, do conhecimento teórico,
condição de possibilidade objetiva que transcende esse discurso e que é posto pelas ao mesmo jogo e luta de interesses no sentido infraestrutural. Conhecer é credenciar-se ao poder.
necessidades e possibilidades das categorias sociais. As formas do discurso rigoroso não são É por aí que fundamentalmente Marx colocava: socialismo é ciência. Não há socialismo sem
consequência de uma opção do cientista, que escolhe entre o instrumento adequado e o ciência. Isto é, não há socialismo se[m] conhecimento da própria classe que pode construir o
instrumento inadequado. A própria escolha do instrumento é uma condição de possibilidade que socialismo e de todas as outras classes com as quais a classe revolucionária convive em
ultrapassa o indivíduo e é tornada possível pela categoria social à qual o investigador se liga. Não harmonia contraditória. Ou melhor, em articulação contraditória. A falsidade socialmente
é a ideia de que o investigador tenha que nascer naquela categoria social, isto é, só o investigador necessária é ideologia. O pensamento falso, que é necessário à sobrevivência de certo tipo de
proletário conhecerá a verdade, todo investigador burguês só conhecerá a falsidade. Se o sociedade, para a sobrevivência de certo tipo de classe social, é o pensamento falso, que precisa
investigador burguês se colocar da perspectiva da categoria social proletária, abre para si a ser produzido e tornado dominante, é o pensamento ideológico.
possibilidade da objetividade. O investigador proletário que se perspectiva pelas condições de
possibilidade da burguesia, constituirá uma ciência falsa. A maior parte dos investigadores da Há mais de um sentido da palavra ideologia. Há mais de trinta. Mas isso (esse levantamento
perspectiva proletária, não são proletários. Não houve, até hoje, nenhum grande dialeta proletário. de sentidos) é baboseira acadêmica. Existem dois sentidos reais e importantes. Um, que é o mais
usado, que o Marx usava, de falsa consciência. Ideologia é o pensamento falso, é a consciência
Naquele momento, que é um largo momento de alguns séculos, a burguesia tem falsa. É o pensamento que não corresponde à realidade concreta.
necessidade da verdade. Ela precisa da verdade para constituir o seu mundo. Ser objetiva
corresponde às suas necessidade sociais. Ela então efetiva uma cognição objetiva. A partir de O outro sentido de ideologia, e esse foi instaurado por Lênin, ideologia significa sistema de
meados do século passado, a burguesia entra numa outra fase, numa fase em que, consolidado ideias verdadeiro do proletariado. Quando Lênin dizia ideologia burguesa, ele pensava em termos
o seu poder, estruturada em todos os níveis a sua dominação, o prosseguir da efetuação do iguais a Marx, de falsa consciência. Quando ele dizia ideologia do proletariado, ele queria dizer
conhecimento objetivo leva a abalar a sua posição de dominação. Do ponto de vista intelectual, sistema de ideias científico do proletariado. No nascimento do termo ideologia, que foi no século
a verdade passa a ser inimiga de classe. O seu conhecimento tem de passar a ser um XIX, ideologia pretendia ser, para o seu criador, que foi Destutt de Tracy, ciência das ideias. É
conhecimento que veda a possibilidade da objetividade. Não é uma escolha dos indivíduos da um sentido que não pegou. É um sentido que foi derrubado rapidamente. Ele pretendia constituir
burguesia, é uma determinação coletiva de classe. Ela tem que recusar até mesmo os princípios uma disciplina para conduzir a reflexão de tal forma que o erro ficasse impossibilidade. Um estudo
com os quais ela lidou e a partir dos quais ela articulou a sua compreensão efetiva de mundo. do sistema de causação dos erros para evitá-los. E para ela, inclusive, era uma ciência de origem
Agora a sua compreensão de mundo tem de ser no mínimo uma barragem ao entendimento. zoológica.

A questão que nós estudamos do entendimento e da razão. O homem limitado, o homem Aproveitei a passagem da determinação social do pensamento para mostrar que essa
ilimitado. Para o iluminismo, a razão era ilimitada. A razão humana tinha a possibilidade de verdade ou esta falsidade corresponde a determinações objetivas do ser social. O falso pode ser,
organizar o mundo do homem e o mundo da sociedade sob a forma racional total. É a mesma em determinados momentos, tão importante para a sobrevivência de uma sociedade, de uma
burguesia que dirá, comAugusto Comte, já antes um pouco, que o entendimento, a razão é classe, quanto o verdadeiro. O verdadeiro não tem [em] si a força de ser prevalecente. Por isso
limitada, o espírito é encolhido, o mundo não é capturável no seu todo. Exatamente o oposto do que a evolução da humanidade não é uma linha reta cultural. Por isso que a cultura não é um
que ela dizia um ou dois séculos antes. É o mesmo sujeito que, em momentos históricos distintos sistema cumulativo de conhecimentos. A ciência avança e recua.
de sua evolução sintetiza o mundo intelectualmente, teoricamente de modos diferentes.
Contraditórios, contrapostos, antagônicos. Por isso que no início dessa exposição eu pude dizer que hoje estamos muito abaixo do
que estávamos enquanto humanidade no começo do século. Como visão, como padrão, como
Um elemento fundamental da prova que você quer é a própria prova histórica. A mesma consciência média mundial estamos hoje, com uma diferença de cem anos, num padrão inferior.
classe que gera a verdade passa a gerar a falsidade. A verdade ou a falsidade correspondem a O que não quer dizer que hoje não poderíamos estar num padrão muito superior. Mas, não
necessidades sociais. A verdade não é o luminoso universo maravilhoso dos nossos anseios de estamos. É um zigue-zague. Que haja obras que estejam muito acima do padrão médio, é outra
verdade pura, nem a falsidade é o mundo obscuro, demoníaco do desejo de obscuridade. Falso conversa. Mas, elas estão nas prateleiras. Eu dou um exemplo disso. Quanto se estuda de
e verdadeiro correspondem a necessidades sociais em momentos distintos do mesmo sujeito. marxismo na academia, seja a nível de Brasil, seja a nível internacional? E irrecusavelmente o
marxismo é, esteja ele certo, esteja ele atravessado por equívocos, a expressão mais alta de todo tenho? Que a lei abstrata é a generalização da verdade falsa. E o positivismo comete esse engano
o pensamento ocidental. De Aristóteles aos nossos dias, a fórmula mais avançada de cognição é sempre.
de Marx. Pode estar incompleta, pode estar cheia de equívocos, contudo não há nenhuma
postura mais avançada, mais perfeitamente constituída para a captura da verdade. No entanto, Então, eu tenho que partir do fenomênico. Não há alternativa. Mas, eu tenho que cotejar
ela não é uma ideologia dominante. No sentido de sistema de ideias. O que é dominante hoje é esse fenomênico com a interioridade ontológica do objeto real e aí então fazer a crítica do
o neopositivismo e o existencialismo. Ambos, sistemas de ideias constituídos depois de Marx, fenomênico. Eu tenho que desmistificar o fenomênico. Na maioria das vezes há uma
como reação inclusive a Marx e que constituem parcelas de vedação do real. Portanto, involução, contraposição entre fenômeno e essência. A essência é o oposto do fenômeno. A essência é o
flexão para trás. Por mais sofisticado que apareça o texto e o texto aparece sob alta sofisticação inverso daquilo que eu vejo na imediaticidade. Não é que eu não veja objetivamente. Eu vejo
técnica. objetivamente. Mas, a objetividade em si vista é que é falsa. Eu não estou duvidando dos olhos,
dos sentidos, como Descartes. Os órgãos dos sentidos me enganam. Não é isto. Descartes aí
Recapitulando: sujeito concebido coletivamente, capaz de um entendimento total do objeto. está enganado.
Sem limites, portanto, e que captura o objeto na sua dimensão integral, portanto indicando e
exigindo uma ontologia. Os órgãos dos sentidos me enganam, às vezes, por uma ilusão de ótica. Eu vejo uma
chaminé de longe e em vez de um cilindro eu vejo um retângulo. Mas, vejam que na prática, por
Com relação à empiricidade, reconhece a dialética que o ponto de partida de todo e conhecimento de essência, eu venço o empírico. Eu continuo dirigindo a 120, sabendo que lá
qualquer conhecimento começa pela janela do fenômeno. Não há outra janela. É a experiência embaixo a estrada não fecha. Se eu fosse me basear só na empiricidade, eu ia a cinco. O
imediata que me traz ao espírito, ao entendimento, à razão, elementos iniciais de contato com o ontológico me corrigindo na prática as ilusões fenomênicas. A essência corrigindo, portanto, os
real. E Hegel já compreendia isso e dizia: o empírico é verdadeiro enquanto empírico. Quer dizer, órgãos dos sentidos. A razão corrigindo o meramente sensorial. Vejam que na prática o ontológico
já para Hegel, mas com mais força ainda para Marx, não se recusa o empírico. Parte-se do interfere, ao passo que o positivismo nega o ontológico, quando a própria evidência individual de
empírico. Mas, desde logo, compreendendo que o empírico é parte. Não é todo. Mais ainda cada um de nós recusa negar o ontológico. A própria experiência individual nos dá exemplos de
no Marx, que o empírico, aquilo que se manifesta de imediato, pode estar sob a forma do inverso que nós nos comportamos levando em consideração o ontológico, isto é, o em si das coisas.
da essência. Isto é, meu contato inicial do empírico me traduz uma situação dada, a nível Depois vem um ramo do conhecimento e me diz que o em si é inalcançável.
fenomênico, e este nível fenomênico, que me é capturável na imediaticidade, pode ser o oposto
de verdade. Isto quer dizer, o real pode aparecer sob forma mistificada. Não mistificada pela É claro que essas formas rudimentares de tomar em consideração o ontológico – atravessar
consciência do outro. Mistificada pela própria realidade objetiva. a rua, o navio, a chaminé – são formas elementares. O ontológico que se quer científico tem uma
outra estatura, porém não uma outra natureza. Já na vida prática imediata o ontológico atravessa
Dou um exemplo a nível do social. Quanto um operário encosta a barriga no balcão do a nossa existência. Por outro lado, no entanto, não é o aspecto dominante. O aspecto dominante
Departamento de Pessoal de uma fábrica qualquer para pedir emprego, ele está disposto a que? é um conhecimento meramente do bom senso. É um conhecimento do cotidiano, que é um
A vender a sua força de trabalho. E o sujeito que o atende no balcão, que representa o capital, conhecimento da superfície das coisas. Dou um exemplo. Nós todos lidamos com dinheiro. Na
está disposto a comprar a força de trabalho. Tendo o balcão por peça de referência. Tendo hora em que entramos num banco e descontamos um cheque, entramos no sistema
indivíduos de cada lado que estabelecem um diálogo muito preciso, um querendo vender uma complexíssimo das finanças, operamos com esse dinheiro cotidianamente. E todavia não
coisa, o outro querendo comprar uma coisa. Qual é o suposto disso? Está suposta uma igualdade. sabemos o que é o dinheiro. E não importa, ontologicamente, o que é o dinheiro, o em si do
Entre o que compra e o que vende. Um é livre para vender, o outro é livre para comprar. Tudo dinheiro, como ele é de fato nos escapa por completo.
aparece ali como se fosse uma transação entre iguais. E o é a nível fenomênico. Mas, e a nível
essencial, ontológico? Aquela igualdade esconde uma desigualdade de raiz e de essência. Há dois instantes reais de conhecimento. Há mais, mas quero, aqui, fixar dois. Um, que é
Esconde que o sujeito só vai lá vender porque é a única maneira de sobreviver. Portanto, a o instante da imediaticidade, onde a gente se move a nível dos fenômenos, dos fenômenos
pseudoliberdade, a aparência fenomênica, tem uma subordinação de raiz, que ele não pode mistificados. Esta mistificação, esta empiricidade, esta imediaticidade, no entanto, nós formamos
vencer a não ser pela morte. Ele está coagido a vender, mas a aparência é de livre venda. Ora, algumas ideias a respeito disso e nos movemos. O plano do conceito, o plano da interioridade
o fenômeno aparece objetivamente como mistificação. Não é a mistificação da palavra ou da efetiva, ontológica, do objeto, já é outro campo. É o campo da ciência. Entre um e outro pode, às
consciência, é da própria realidade. A realidade é mistificada. É uma realidade que em linguagem vezes, haver mesmo um abismo. Mas há, realmente, no sentido mais essencial, uma continuidade
hegeliana e mesmo marxista se pode dizer falsa. O empírico é falso. Olha como isso acaba com superadora.
o positivismo de uma vez. Se o dado empírico é o ponto de partida e de chegada, se a partir do
dado empírico eu faço ilações em termos de leis abstratas e genéricas, se toda a ciência é a Novamente recapitulando: o sujeito não é limitado e não limitado é também o conhecimento
constituição de universais abstratos a partir do fenomênico, num fenomênico falso o que eu que se pode ter dos objetos. Ao contrário, o conhecimento é integral. O sujeito não é meramente
o sujeito individual. Este é o expressador, o efetuador, mas não é ele que cria as condições de multiplicidade de elementos que o compõem. Esse é o segredo da frase do Marx que “O concreto
objetividade possível. Isto é a classe. A verdade é regida pelo objeto, não é regida pela é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações”.
consciência. Daí a necessidade de uma teoria do ser, da ontologia. Daí aquela colocação
do Marx desde a juventude, de buscar a ideia no real. Onde eu posso buscar a ideia? Em dois Consequentemente, o empírico que chega ao concreto, a prova da teoria não é o empírico,
lugares: ou no real, ou na consciência. O que não quer dizer que a consciência não seja um mas é o concreto ontologicamente compreendido.
elemento do real. Mas, aqui, está-se distinguindo a interioridade e a exterioridade. A perspectiva
da dialeticidade é buscar a ideia no real, o que não quer dizer que se despreze nem a ideia nem O empírico é a manifestação fenomênica tópica, ele remete às relações fenomênicas mais
a consciência. Mas, a consciência tem a regência, o primado cognitivo do objeto. A objetivação é elementares e superficiais. E pode aparecer, na maioria das vezes aparece sob forma mistificada.
saber subordinar, ter a possibilidade social objetiva de subordinar a subjetividade à objetividade. Exemplo de empiricidade: toda descrição, no mais vasto rol possível, a respeito, por exemplo, de
Não à empiricidade, mas à ontologia deste objeto, partindo da empiricidade e esta empiricidade uma comunidade. Descrevo quantas casas, quantos aposentos existem em cada casa, a
sendo desmistificada. Ora, a empiricidade desmistificada pela consciência, basta aí para mostrar alimentação, a organização familiar, as doenças, as festas, os cultos, etc. Faço a enumeração
a alta importância da consciência; é ela que é a desmistificadora. Ela desmistifica para superar o exaustiva de todos os dados que sensibilizam os meus órgãos dos sentidos. Eu tenho uma visão
plano da empiricidade e alcançar o plano da concreticidade. Entre empírico e concreto, uma forte empírica das coisas. O concreto é a descrição do quadro da comunidade, mas que chega ao
distinção. sentido lógico, íntimo da comunidade. Não é apenas o empírico pensado. É o empírico elevado
de nível, para além apenas das suas aparências. Não é apenas aquilo que aparece, mas aquilo
A essência também é mutável. No caso da perspectiva dialética, não há uma contraposição que está subjacente e que causa o próprio empírico. O iceberg é um exemplo claro disto. O
radical entre fenômeno e essência. Há uma conjugação dialética. A essência também não é uma pedaço de gelo que está acima da água é a porção menor do ser que lá existe e o pedaço que
imutabilidade, não é uma mônada leibniziana, não é o uno parmenidiano, é um ser real que pode está por cima depende do pedaço que está embaixo. Quanto maior for o pedaço que estiver
mudar. A própria essencialidade não é uma eternidade. Ao contrário, a eternidade da essência é embaixo d’água, tanto menor o de cima. Se eu fico só no pedaço de cima, me escapa a maior
a sua não eternidade. Donde, o homem não tem uma essência, mas tem uma condição. A parte do real. Tudo isso são metáforas. O empírico não está fora do concreto, mas o concreto é
essência é a verdade do em si. A essência não é um caroço. A essência atravessa no passado, muito mais amplo do que o empírico. O concreto é essa totalidade, essa integralidade, este em-
no presente e no futuro, sob modos diversos da condição diversa, todos os fenômenos, todas as si capturado pela lógica interna, íntima do objeto. Não uma lógica da minha cabeça conferida ao
partes do fenômeno. objeto, mas a lógica do objeto capturada, reproduzida pela consciência. Neste sentido, no meu
modo de entender, o melhor modo de dizer o que é dialética é dizer que dialética é a lógica do
A ideia de essência, em Parmênides, com relação à dialética, não tem uma contraposição real.
excludente. A potência, em Aristóteles, é uma possibilidade em aberto. É, ao meu ver, a visão
medieval de Aristóteles, a calificação do tomismo, não de S. Tomás, mas do tomismo, é a A retomada, através das reenumerações das características ontem apontadas. A primeira
calificação da essência, que em Aristóteles é, no entanto, um princípio móvel. Não é à toa, por delas, a caracterização da consciência, do entendimento, da inteligência, enquanto interioridade
exemplo, quando se vai constituir a ontologia do marxismo, que certos aspectos da ontologia de humana capaz da captura da totalidade do objeto e a própria concepção desta consciência como
Aristóteles são retomados. Lukács faz isto. E Marx, mesmo, no Capital, referia com muito respeito consciência ilimitada. A concepção positivista da consciência é de uma consciência finita. A
Aristóteles. concepção da consciência na dialética é de uma consciência infinita. Era preciso explicar essa
infinitude. Totalidade do objeto é capturável; fenômeno e essência não mais conhecem uma
O problema da empiricidade. diferença abismal. Ao contrário, a relação entre as duas constitui um dos traços marcantes dessa
metodologia.
Essa empiricidade é ponto de partida. Eu tenho que lixar essa empiricidade, se ela estiver
mistificada, eliminar essa mistificação, se ela não estiver mistificada, a partir dela chegar à O elemento empírico é o ponto de partida, mas o ponto de chegada é a individualidade
essencialidade ontológica, isto é, ao concreto. O segredo fundamental do método dialético é concreta. Do empírico ao concreto estabelece-se uma imensa e rica gama de abstrações. Em
exatamente estabelecer a concretude. É exatamente caminhar a partir da visão difusa e confusa, contraposição à tendência positivista, que parte do empírico, portanto, da parcialidade do todo e
caótica, da completude da empiricidade, para a concretude, passando pela abstração. Parte-se estabelece meramente uma abstração, a pretensão dialética é partir do empírico, da parte,
da pletora empírica desordenada, ordena-se por abstrações e destas abstrações se volta à alcançar um nível classificatório através da abstração, através de um segundo movimento de
empiricidade, mas agora essa empiricidade não é mais a empiricidade, mas a concretude. O manuseio das abstrações ir recompondo, em determinações cada vez menos abstratas e mais
caminho é esse: a empiricidade caótica, a organização abstrata e a concreção a partir do abstrato. concretas, até chegar ao concreto efetivo. O caminho é completamente diferente. O que é ponto
O empírico agora é integrado na totalidade do real. Ele passa a ser determinado pela de chegada no positivismo, a abstração, na dialética é a cadeia de concatenações que se faz a
partir das abstrações; é pura e simplesmente mediação. Em última instância, na dialética o
objetivo não é a lei, mas a lógica da individualidade. Para isso é preciso conhecer a lógica da alienada do verdadeiro espírito do homem. A religião é, para Marx, o espírito de um mundo que
universalidade. joga fora o espírito. A religião é uma forma de reagarrar o espírito, mas é uma forma alienada.

Ainda quanto ao sujeito, há uma dialética entre o sujeito individual e o sujeito coletivo. Ora, esse espírito, essa espiritualização do homem, tem imbricado em si um conjunto de
Enquanto o sujeito individual é suposto, é concebido como sujeito efetuador, o sujeito coletivo é características e fatores, entre os quais aqui interessa uma, que é a mais importante delas, a mais
a classe. (Os agrupamentos sociais não são apenas aqueles constituídos pelas classes. Há decisiva, a mais alta: a razão. A razão não é um ponto de partida, é um ponto de chegada. Ou,
outros. O grupo de uma Igreja, o grupo de uma escola, etc. O grupo constitui o sujeito que cria o melhor ainda, é um ponto de chegada ao qual nunca se chega. Porque a razão é uma
espaço de. Ex: O grupo de jogadores de futebol. Só é possível jogar futebol num grupo. A classe possibilidade de efetivação que progressivamente se transforma, amplia, torna mais profunda,
social é, nesse sentido, o sujeito cultural em potência). Isto se refere à determinação social do complexa e rica. A racionalidade é algo que cresce. Ao mesmo tempo é preciso notar que esse
pensamento e da razão. A razão é então concebida como um produto histórico. E na medida em crescimento, esta evolução não é algo que se dá em linha reta. Há regressões na racionalidade.
que é um produto histórico é um produto social. Isto é, as individualidades não nascem racionais. E não é preciso que regrida a racionalidade em todos os setores da vida, ao mesmo tempo, num
O ser humano não nasce racional. É a sociedade que faz com que esta possibilidade se converta momento dado. É possível regredir em certas atividades e progredir em outras. No momento
em efetividade. Em ato real. A razão não é, neste sentido, um dom ou um dote da natureza, mas atual, a racionalidade que diz respeito ao manuseio, à capacidade de manipulação dos
um produto da própria vida humana. Vale dizer, da própria vida social. Não existe humanidade fenômenos da natureza, é progressiva. A capacidade racional de entender a totalidade da
fora da sociedade. O que confere humanidade ao homem é o fato de ele ser um fragmento, uma dimensão humana, neste sentido social, este é um momento regressivo em termos de média
individualidade dentro do contexto social. dominante no mundo. A dialética é capaz de explicar precisamente como uma coisa pode
ascender e outra descender simultaneamente. Coisa que era um enigma para toda a história do
Tome-se a questão da fome e da sexualidade. A forma de satisfazer a fome e a forma de pensamento anterior, onde os historiadores se viam embaraçados com coisas desse tipo:
satisfazer a sexualidade, ambas como pulsões biológicas naturais, são totalmente reformuladas avançou aqui, porém lá não, por quê?
pela história. Nem a fome é uma fome natural. A fome que só se resolve junto a uma mesa, no
uso de talheres, com alimentos preparados, cozidos, condimentados, etc. é obviamente uma fome Com todo esse discurso eu quis caracterizar de forma muito nítida a ideia de concepção de
distinta daquela que através do dilaceramento direto e imediato do animal que acaba de ser racionalidade que não é uma entidade natural. A razão da dialética não é uma razão natural, mas
abatido pode fazer imaginar. Em última análise, a forma de produzir o homem produz as é uma razão histórica. É como tal que se desdobra, que evolui e involui, que se amplia e se reduz.
necessidades e as formas de satisfação do homem. Não há uma única razão humana. Aristóteles: o homem é um animal racional. Parece aqui
embutida a ideia de uma razão padronizada, uniforme, que nem decresce nem evolui. Uma razão
Enquanto o homem é homem, se o homem pode admitir já a denotação de homem, neste que tem configurações estabelecidas, configurações estas que não se alteram. Quando a
instante ele já não é inteiramente natural. Já há uma elaboração do próprio homem. O que não perspectiva que aqui se traduz é precisamente o inverso. E as mutações têm momentos decisivos
quer dizer que o homem perca por inteiro as suas características de ser natural que evoluiu. Na para ocorrerem. Ocorrem em consonância com a alteração das formas de organização da
visão do marxismo, o metabolismo entre homem e natureza é permanente. Cada vez mais ele se sociedade. Mais um elemento pelo qual a determinação social do pensamento se justifica.
distancia da natureza e cada vez mais ele se torna histórico, social, produto da sua própria
história, da sua própria atividade. Mas, ele não tem condição, ao limite, de romper com a Neste sentido, inclusive, como elemento entre aspas de prova, o que temos: que até a prova
naturalidade. Sempre haverá um gancho na natureza. A nossa dimensão biológica tem que ser empírica disto existe. A análise mostra que as teorias, por exemplo, gnosiológicas, metodológicas,
mantida. Ela pode ser transformada, mas deve ser mantida como dimensão biológica. Civilização as formas da ciência, as ciências que aparecem e as ciências que desaparecem, as disciplinas
é progressivo afastamento do natural. Contudo, não há um rompimento absoluto em nenhum que são consagradas num determinado momento e noutro somem, formas literárias, por exemplo,
momento, nem este rompimento é possível. Mas, há uma transfiguração absoluta. De modo que o romance. O romance não existiu eternamente. Formas de inteligência que são típicas de
não há nada no homem que seja puramente natural. Esta história que hoje em dia corre de voltar momentos históricos. Formas de consciência política, social, econômica, etc.
ao natural, de ser natural, é estupidez de sub-homem.
O que eu quero marcar, aqui, é a ideia de uma razão historicamente dada. Uma razão que
Este naturalismo é a concepção da espiritualização do homem. O espírito do homem, é aí não é uma faculdade meramente natural, consequentemente, é claro que não é uma mera
que eu quero chegar para poder reencadear com a razão, é produto da atividade social do subjetividade. Claro que a razão não existe fora do indivíduo, da inteligência, portanto ela é um
homem. O homem não nasce com um espírito, mas forja um espírito. Esse espírito não é uma elemento interior do homem. Mas, o que eu quero dizer que ela não é pura subjetividade é no
realidade metafísica, sobrenatural, mas é a elaboração mais alta possível. Não estou aqui ferindo seguinte sentido: ela não tem regras próprias, a sua lógica não é gerida por ela. A lógica da
a questão da transcendência, da religiosidade. O materialismo de Marx tem diante disto uma clara cabeça não é um produto da cabeça. É um instante abstrato da lógica da realidade que passou
posição. Subentende que a espiritualidade da religiosidade é a forma corrompida, é a forma para a cabeça.
É o concreto pensado, mas aí, como forma lógica, um concreto pensado vazio de conteúdo. consequentemente cada pedaço é relativo e eles se equivalem. Para a dialética está inteiramente
Retida apenas a logicidade de conteúdos agora não referidos. Então, um silogismo, que parece excluído o relativismo. Ou a verdade está aqui ou está ali. Ela não pode estar em dois lugares ao
algo constituído puramente pela mente, é facilmente perceptível como o resultado de mesmo tempo. A verdade é uma. Eu posso ter dez posições diferentes. Ou todas as dez estão
encadeamento de afirmações e negações que derivam de afirmações e negações trazidas erradas, ou uma das dez está certa. E não é preciso que a maioria acredite nesta única. Pode ser
diretamente de uma longa e milenar exercitação de atividade prática. Se eu tenho A igual a B, B que seja a minoria. O fato de a maioria acreditar em alguma coisa não é nenhuma prova de que
igual a C, portanto, A igual a C, sob esta forma genérica e abstrata total, eu tenho passagens da aquilo seja a verdade. Pode provar simplesmente que a maioria está alienada.
vida absolutamente concreta e imediata que, abstraídas do seu conteúdo me dão esta forma.
Esta forma não é o que gera a possibilidade de operação com elas, mas elas são o resultado de Essa relação relativo/absoluto tem esse caráter: o conhecimento, em cada momento
uma operação na realidade. Em última análise, é o resíduo purificado que fica na cabeça depois histórico, é delimitado, mas ele abre para o conhecimento integral que é o absoluto. Absoluto não
de milênios de exercício efetivo e real do homem. Que se fixa como um território homogêneo e é imóvel, eterno, inamovível, perene. Absoluto é totalidade.
que é utilizado para mexer nas coisas que antes não eram mexidas.
Esta última palavra me abre para um novo subcapítulo da exposição. A noção, o conceito
Todas as categorias do entendimento seriam abstrações de operações que a realidade fundamental no marxismo, no plano metodológico, da totalidade. O conceito de totalidade é
prática estabeleceu. absolutamente decisivo. Em última análise, o método dialético é a pretensão de reproduzir na
cabeça a totalidade do objeto inquirido. E, do ponto de vista da dialética, só a totalidade contém
Essa razão que se constitui historicamente tem agora que ser vista na relação entre e revela a verdade. Fora da totalidade não há verdade. Um exemplo: se eu pego minha orelha,
conhecimento absoluto e conhecimento relativo e que está ligado ao que já foi aludido como corto fora e ponho em cima da mesa, essa orelha em cima da mesa já não é mais orelha. Porque
infinitude e finitude da razão. A concepção da infinitude da razão significa para a dialética o ela se define como orelha enquanto está numa posição dentro do todo que lhe permite ser a
seguinte: o homem é capaz de apreender o significado, conhecer, portanto, todas as coisas do especificidade do seu elemento peculiar. A orelha recortada e colocada na mesa, ela não ouve
mundo na sua máxima interioridade e profundidade. O homem individual, sua consciência real mais, ela perdeu a sua essência.
objetiva é uma consciência que pode se expandir. Está ligado isto à constituição histórica da
razão. E esta infinitude da razão individual não significa que a nível de cada individualidade seja A totalidade é um todo, porém um todo ordenado. Mas, seu eu pego esse mesmo cão,
realizada efetivamente. Porque é que ela não é realizada efetivamente? Porque o conhecimento antes de tê-lo retalhado, e o acompanho desde o seu nascimento até à sua morte, eu hei de notar
absoluto não depende pura e simplesmente da individualidade. Segundo todo e qualquer claramente que de início ele é um cãozinho, que se desenvolve, muda permanentemente. Entre
conhecimento depende do estágio histórico em que os entes já tenham se explicitado. Eu não o cãozinho e o cão já velho que morre há uma só totalidade, mas eu tenho aspectos diferentes
posso efetivamente conhecer o segredo do trabalho antes que o trabalho tenha chegado à sua em cada momento. Como fica isso? Portanto, a totalidade é um todo ordenado em processo. O
forma mais completa e fundamental. Aristóteles, que aludiu à questão do trabalho e aludiu com todo não é apenas um conjunto estável, ao contrário, dialeticamente pensando, não existe nada
muito rigor, esta noção de trabalho que ele tinha era uma noção limitada na medida em que a estável. O todo está em processo, o todo é, por excelência, esse conjunto de mutações. Assim,
forma trabalho é uma forma limitada. Só quando se chega ao trabalho mais alto que a história já eu pergunto: aquela árvore, aquela árvore é uma totalidade? É apenas um instante da totalidade.
gerou, que é a forma do capitalismo, é que eu posso entender a totalidade ou a quase totalidade A totalidade dessa árvore vai da semente à morte da árvore. Esse é apenas um instante empírico.
do trabalho. Que quer dizer então isso? Que a infinitude da consciência está delimitada pelas Essa árvore, na imagem imediata dela é uma abstração porque é um pedaço. Eis um dos grandes
aquisições possíveis a cada momento histórico dado. Significa que a infinitude da consciência, erros da fenomenologia: tomar a experiência imediata fenomênica como todo o real.
em realidade, para cada instante histórico, é uma finitude, mas essa finitude não se fecha em si,
é uma finitude aberta para a infinitude do gênero. Se eu tomo agora a noção já apresentada de De modo que a totalidade é um todo matrizado, é um todo ordenado em processo e o real
sujeito coletivo, a infinitude é uma possibilidade do sujeito do conhecimento. Do sujeito coletivo tem momentos distintos de determinação. Nessa totalidade total eu posso perfeitamente distinguir
do conhecimento, não simplesmente da singularidade. Ainda que esta singularidade, em Marx, totalidades momentâneas ou parciais. A totalidade desta árvore neste momento.
seja concebida como cada indivíduo sendo o elemento que reproduz em si o seu gênero. Isto é,
cada homem é, ao mesmo tempo, a totalidade da humanidade à qual pertence. Ele pode
Eu falei de conceitos que. Se a totalidade é esse conjunto, o conhecimento é a reprodução
reproduzir em si; não quer dizer que ele reproduza sempre porque há o problema da alienação
deste conjunto. Com todas aquelas características ontológicas anteriormente anunciadas, a
que o priva disso. Cada indivíduo traduz dentro de si o gênero, a totalidade da humanidade. Mas
concepção de ciência, da dialética em Marx é ser capaz de reproduzir a totalidade na cabeça.
esta humanidade tem, como sujeito coletivo do conhecimento, também os seus limites
Aquela ideia: o sujeito infinito; o objeto capturável na sua totalidade, historicamente determinada,
historicamente postos. É a isto que se chama relação dialética entre conhecimento relativo e
na relação de essência e aparência, na relação de conhecimento relativo e absoluto.
conhecimento absoluto. O relativo não é aqui sinônimo de relativismo. No sentido de que o sujeito
A conhece A’, o sujeito B conhece B’, o sujeito C conhece C’ e são conhecimentos diferentes,
cada um conhece um pedaço, cada um tem uma certa apreensão, mas não é o todo,
Retomando por onde havíamos deixado o percurso do raciocínio. Que era precisamente a no mesmo nível. Alguns dos conceitos entram com maior concreticidade, outros entram com
ideia de constelação. Que era para abrir um momento decisivo no método dialético que são as maior abstratividade.
determinações recíprocas. A ideia de constelação conceitual ganha na dialética de Marx uma
importância capital. A ponto de não ser possível a compreensão de um rol de conceitos como é A gente está muito agarrado a ter noções rigidamente firmadas, como formas vazias, onde
feito noutras tendências. Aliás, muitos cursos de introdução iniciam com um longo capítulo sobre atira os dados empíricos. No método dialético isso tudo tem que ser esquecido, porque concreto
as noções e conceitos fundamentais de. Isso é absolutamente impossível em termos de dialética. e abstrato, dado empírico e caminho para a concreção, permeado pela abstratividade que está
Uma listagem de conceitos metodológicos, apresentados um a um, isoladamente, levaria a uma pulsando em todos os sentidos. Discernir precisamente os níveis é controlar a “aplicabilidade” do
visão inteiramente paralisante da própria concepção. método. Por que isto ocorre? Por que é uma exigência do método? Não. Porque a realidade
procede deste modo. As constelações conceituais chegam a ganhar esta forma porque a
Sempre a necessidade está expondo no mínimo dois ou três conceitos ao mesmo tempo, realidade se comporta desta forma.
o que não quer dizer que não se possa deter-se com o máximo de rigor sobre cada conceito, mas
esse deter-se sobre cada conceito implica falar simultaneamente de mais algum. Sempre a ideia Exemplo: a forma mais concreta do trabalho só surgiu no capitalismo. Mas, um conceito em
na arquitetura conceitual da constelação. Porque na medida em que se toma a sério a noção de nível abstrato muito mais amplo do que o próprio trabalho concreto surgiu no escravismo. O
totalidade, onde uma ordenação do conjunto das partes é que preside a instalação efetiva do fenômeno real trabalho só ganha a sua plenitude no capitalismo. O trabalho nos modos de
significado, isto é, o sentido real da coisa vem pelo conjunto interligado. produção anteriores é, em relação à forma trabalho concreta do capitalismo, uma forma mais
primária, portanto, pode-se dizer mais abstrata, menos complexa e menos rica. Mas, o conceito
O conceito isolado é uma coisa totalmente abstrata no pior sentido do termo, no sentido de que Aristóteles tinha do trabalho era mais amplo do que a concretude do trabalho no seu tempo.
parte unilateralizante, de parte que faz o peso cair para um dos lados, com um peso indevido.
Mesmo a ideia de modo de produção, a gente está compreendendo no modo de produção ao A exigência lógica ao tratar o conceito de trabalho imediatamente o obrigou a perceber
mesmo tempo um conjunto muito grande constelar de conceitos. Se não o compreendo assim ele certos componentes universais que não estavam ali, mas só vão aparecer no capitalismo. Quando
vira uma forma. Ele vira exatamente o que Marx não quer que vire, uma mera abstração. ele distinguiu trabalho efetivo e o momento de apreensão mental. A consciência do trabalho e o
trabalho. O trabalho compreende sempre dois momentos: consciência e trabalho efetivo. Está
Alguém poderia perguntar: mas, então, o marxismo não opera com abstrações? Sim, opera. presente na dimensão teleológica do trabalho o elemento consciência. A consciência, o por
A grande dificuldade do método dialético, o elemento da prova, é precisamente o seguinte: cada teleológico no escravismo é muito rarefeito. O escravo não tem teleologia nenhuma. Mas,
conceito pode ser usado em níveis distintos. Que níveis são esses? São os níveis, são os planos Aristóteles percebeu que o trabalho tem teleologia. Ele percebe que o trabalho não é mera
de concreção. Que plano de concreção é esse? É o espaço entre dois polos. Entre o abstrato- atividade física. Que a atividade física compreende um momento de consciência. Assim, o
abstrato e o concreto-concreto. Entre a abstratividade e a concreticidade. A concreticidade como trabalho é muito mais abstrato no escravismo e muito mais concreto no capitalismo. Como
objeto real, como efetividade da existência, a coisa existente efetivamente na realidade e o realidade, em nível de conceito, a noção trabalho, em Aristóteles, é muito mais ampla que o
abstrato, isto é, algo que diz respeito a isso, mas diz respeito de forma genérica, próprio trabalho que ele conseguiu ver. Por exigência do próprio conceito. O grão de teleologia
consequentemente eliminadora de um conjunto de suas partes. que existe implica trabalhar a teleologia.

Entre esses dois polos da máxima concretude possível e da abstratividade possível, que O abstrato é parte, é algo segmentado, é algo que perdeu a diferenciação. Nesse caso, o
caminhando entre as duas, todos os instantes em que concreto e abstrato estão misturados. Mas, trabalho concreto do escravismo é mais incipiente e mais abstrato. Mas, o verdadeiro trabalho
cada um desses infinitos pontos é uma condensação onde o elemento abstrato e o elemento abstrato só aparece no capitalismo, que expressa o verdadeiro trabalho concreto. Trabalho
concreto estão simultaneamente presentes. Isto é, cada um destes pontos corresponde a dois abstrato do capitalismo é um concreto abstrato da realidade. Exemplo: eu tenho uma fábrica num
níveis: a determinação muito rigorosa em que nível se fala é muito decisiva no método dialético. setor da economia, que produz mercadorias do tipo metalurgia, outro setor que produz artefatos
Se eu estou falando no nível abstrato, se eu estou falando no nível concreto. de madeira, um terceiro, roupas, um quarto, alimentos, etc. Para que possa haver a troca de
parafuso por arroz, de arroz por calça, de calça por remédio, deve haver alguma coisa que igualize
Com as constelações acontece o mesmo. Eu posso ter a constelação na concretude tudo isso. A igualdade é o trabalho abstrato. Que quer dizer isso? Não interessa mais se eu mexo
máxima e posso ter a constelação no polo da máxima abstratividade. Entre esses dois polos, a com madeira, com ferro ou com tecido. O que interessa agora, para poder medir essa igualdade,
própria constelação, que não é apenas objeto, ou uma ideia que pode estar nos polos, mas o é saber qual o tempo social consumido para fazer qualquer dessas atividades. O trabalhador da
conjunto das ideias é que pode estar neste contínuo puntiforme. A grande dificuldade é nunca fábrica não trabalha mais concretamente. E sob nenhum aspecto. Em primeiro lugar, ele trabalha
perder de vista, por quem faz a investigação, em que níveis ele está pondo a constelação. Mais pedaços. Já é uma abstração. O que importa não é o que ele faz, mas quanto tempo ele consome
ainda: os diferentes conceitos de uma constelação não precisam estar todos ao mesmo tempo para fazer aquilo. consequentemente, o trabalho tem como essência a abstração do trabalho
concreto e a retenção do tempo social consumido. Isto é que é o valor. O ser do trabalho concreto pragmatismo. Assim se eu tenho uma teoria sobre um conjunto social num momento eleitoral, se
é o trabalho abstrato. eu ganho as eleições eu tinha lido a sociedade de direito, se eu perco, eu tinha lido errado. Isto é
falso, dialeticamente. Eu posso estar certo perdendo as eleições e posso estar errado ganhando.
Toda esta questão foi posta relativamente ao problema das abstrações que estão sempre
permeando as constelações. O que é praticamente interessante de reter: quando se constitui o A práxis é uma prova, mas não concebida como empiricidade, mas como ontologia. Isto é,
trabalho orientado pelo método dialético, em primeiro lugar busca-se a totalidade. A totalidade não é funcionalmente concebida, como resultados positivos ou negativos, mas é a compreensão
garrafa, como forma de conhecimento é uma constelação conceitual. Essa totalidade conceitual dos resultados da prática pela lógica dos seres em movimento. Prova ontológica (não no sentido
vai ficar em níveis distintos de abstração e concreção. Quando eu disse: a essência da garrafa é medieval do termo), significa a compreensão, pela interioridade do objeto, daquilo que lhe
ser mercadoria, esse é um instante de determinação abstrata. É a essência abstrata dela. Sem o ocorreu. Perder ou ganhar uma eleição em si não prova nem desmente uma teoria. A própria
que o restante não dá para ser devidamente amarrado. Por sinal, o copo também é mercadoria, teorização, ontologicamente posta, é tomada como prova.
o cigarro também. Se eu ficar só na determinação mercadoria, todos esses objetos viram um só.
É que a chave abstrata aqui me permite, na sequência, fazer a determinação concreta. A Seria mais interessante, mais compreensível se em vez de prova se usasse demonstração.
determinação concreta não significa superar a noção de mercadoria, mas concretá-la. Eu não vou Como a corrente positivista tem no dado empírico a prova, ela transforma problema em prova,
mais perder de vista a noção de mercadoria. Por que ela imediatamente me dá o que? O fato de porque o dado empírico é sempre problema, é algo que tem que ser explicado, ela mistifica e diz:
este objeto não ser um objeto natural, mas um objeto histórico. Se é um objeto histórico, ela me a prova está pelo dado empírico, ela não demonstra, mas aponta algo externo à teoria como
dá o conjunto de operações necessárias para chegar à mercadoria garrafa, a esta mesa. Significa prova.
um ciclo produtivo, um ciclo distributivo, um ciclo de aquisição. A determinação concreta disso
implica trazer à tona todas as formas de concreção. Agora, a concreção absoluta é desnecessária A demonstração dialética é de outro tipo. Ela não se satisfaz em recolher pura e
cientificamente. A concreção absoluta implicaria tomar todos os detalhes, mesmo ínfimos, e simplesmente algumas evidências empíricas, externas à construção teórica. Exemplo: ela toma
integrá-los na teoria construída. Porém, isto não é necessário, na medida em que graus ainda uma teoria, que não é algo entendido como hipótese (na dialética a teoria não é hipótese de
não tão concretos já me traduzem toda a concreção necessária para a compreensão. Então, eu explicação, ela subentende que é a reprodução conceitual do real) através dela, a realidade terá
me limito àquele instante. Como é que eu sei que o limite chegou? É quando a reconstrução que se comportar provavelmente de um jeito ou de outro. Seja qual for o comportamento desta
conceitual ganhou um corpo de identidade concreta, que tem consciência de certos buracos realidade, se a reprodução deste segundo comportamento estiver em articulação adequada com
abstratos, mas sabe que o preenchimento destes buracos abstratos já não altera o conjunto. aquilo que a primeira teoria reproduziu do movimento, está provado. Quer dizer que eu tenho a
Como eu sei isto? Nunca antes de fazê-lo. ideia de que a luta de classes é o motor da história. E tenho a atualidade, por exemplo, os Estados
Unidos. Nessa luta de classes, para Marx, o agente transformador é o proletariado. Eu pego na
Não há um requisito formal, na dialética, para dizer você chega até tal ponto, senão nós empiricidade, nos EUA, e a classe operária é uma das camadas menos inquietas e mais
cairíamos novamente no método formalizante. A completude formal. Como a completude não é conformistas. Se eu tomar a prova empírica para este caso, o marxismo é falso. Porque o país
formal, quem rege a completude é o próprio objeto. mais altamente desenvolvido do ponto de vista capitalista, com o seu proletariado mais
desenvolvido e organizado, é o menos revolucionário. Portanto, a teoria de Marx é falsa.
Alguém dirá: mas isso é inteiramente incontrolável! Absolutamente. É rigorosamente
controlável. É muito mais controlável do que a forma, porque a forma é um atendimento artificial, Mas, nenhum marxista aceita que a classe operária não seja a classe revolucionária. Só
ao passo que o atendimento concreto deriva de estar permanentemente revendo o suposto da que a maioria não sabe o que dizer com relação à classe operária norte-americana. Porque ela
própria concreção. Isto é, o método, em cada instante, está sendo revisto. A prova não nasce passou a pensar também a prova como empírica. Quando, para Marx ela jamais foi. Aliás,
formalmente de fora, a prova se põe pela constituição concreta. A prova não me vem como nos Manuscritos econômico-filosóficos, ele começa uma crítica à economia política. Então, lá ele
alguma coisa que eu tenho fora do meu trabalho e seu eu chegar a este padrão eu concluí. A diz que a Economia Política parte da propriedade privada, mas não nos diz nada a respeito da
prova me vem pelo próprio texto constituído. É quando o texto ganhou uma identidade de sua constituição. Portanto, a Economia Política nada nos explica a respeito da propriedade
reprodução que eu posso parar. privada. Eis aí um lance metodológico-ontológico. Não adianta partir do dado empírico e provar
pelo dado empírico. Eu tenho que explicar, que demonstrar. A prova é demonstração.
Agora, eu posso me enganar. Onde, então, a outra prova ontológica se porá? Ela se porá
na famosa palavra práxis. Mas, não na forma em que ela é comumente utilizada. Vulgarmente, a Então, a classe operária americana. Se eu tomar empiricamente, eu estou diante de uma
palavra práxis é entendida como a prática imediata empírica. Resultado: se eu tenho uma teoria, factualidade que me recusa o caráter revolucionário dessa classe. Ora, para obter uma
se eu monto uma teoria e testo pela prática, se empiricamente ela dá resultados positivos, ela é demonstração eu preciso explicar esta factualidade. Então, se o método dialético tem a
verdadeira. Se empiricamente, ela dá resultados negativos, ela é falsa. Isto não é dialética, é capacidade de me permitir explicar porque a classe operária norte-americana tem esse
comportamento durante esse período, não só eu entendo porque ela tem, mas continuo a afirmar Nesses modos de produção, as categorias sociais se recortam e entre elas há sempre dois
o caráter revolucionário caso eu possa demonstrar que esse estágio atual é resultado de uma ramos antagônicos. O conflito entre elas gera a história desse modo de produção, gera, por
integração ontológica que não é permanente, mas é circunstancial e nesse instante leva a um determinação não linear e não mecanicista, as ideias, gera a consciência. Ora, se eu vou estudar
amordaçamento da consciência desta classe e leva a uma situação de equilíbrio material onde uma ideologia, essa parametração ontológica me faz localizar a ideologia obrigatoriamente nesse
ela não tem como nem porque reagir. Então a prova não está pela derivação do seu contexto. De modo que eu tenho que descobrir a gênese daquele sistema de ideias, a função
comportamento imediato, mas pela sua essencialidade ontológica. Para dar o remate. Não é social daquele grupo de ideias e tenho que obrigatoriamente fazer aquilo que nós chamamos o
porque a classe operária norte-americana, hoje, não levanta a bandeira revolucionária que esteja plano filosófico, que é a análise imanente dessas ideias. É o conjugado dessas três coisas que
resolvida a contradição capital-trabalho. permite entender a ideologia. Se eu arranco a ideologia fora desse contexto, eu passo a ter um
sistema de ideias incompreensível. Nem na sua estrutura lógica, porque esta depende do modo
Eu vou finalizar agora tentando mostrar como se faz essa concreção. Para que não se de produção. Não é ter a matriz social, mas ter a matriz ontológica do ser social. A linguagem não
pense que o método dialético é apenas uma atitude. É um procedimento exatamente rigoroso e é uma linguagem fora do homem. A linguagem é uma linguagem no homem e o homem só é
exatamente preciso porque ele não é formal. Exatamente porque ele não tem um conjunto de homem na sociedade. Não existe linguagem pura, só existe linguagem humana. Isto não é um
regras, um conjunto de procedimentos. Mas, ele tem isto sim, um conjunto de referenciais pressuposto tranquilo. Tranquilo é que a linguagem está num contexto social. Mas, que a
ontológicos. Eu vou tentar articular uma súmula dos referenciais ontológicos e num ponto tentar linguagem seja produto ontológico do social, já é diferente. Qualquer filósofo não marxista
trabalhar no plano lógico a exigência de concreção. admitiria hoje que a economia é um fator. Mas, para o marxista, a economia não é fator, é matriz.
Não é nem causa, é matriz. A política é a forma do econômico ao nível do poder de Estado. Não
Uma evidência espero ter constituído: que o método, na dialética de Marx, está quer dizer que haja uma derivação como uma corrente linear. A linguagem. O que é a linguagem?
rigorosamente colado à ontologia. Não existe método sem ontologia.Lukács dizia que qualquer A linguagem é a consciência prática. É a consciência que se comunica, mas não no sentido de
questão séria de metodologia desemboca em ontologia. Todas as questões de metodologia que passar informações, mas passa informações porque propõe ações ao outro.
não desembocam em ontologia são baboseira. O que há de sério, no método, está na sua
essencialidade ontológica. Resultado: o método dialético dá um conjunto de equipamentos Esses elementos norteadores, que demarcam o caminho, são fundamentos filosóficos da
operacionais que são os instantes de abstratividade ontológica que norteiam os passos de modo investigação científica do objeto. Se a ciência busca alguma coisa, ela tem que saber o que busca.
decisivo. Primeiro equipamento é um conjunto crescente, nunca estabilizado, de parâmetros É o preconceito positivista que supõe um investigador que desconhece tudo em relação ao objeto,
ontológicos, que, pela sua abstratividade, configura itinerários metodológicos. ser capaz de investigar o objeto. Se ele desconhece tudo do objeto, nem este objeto existe para
ele. O positivismo configura uma mistificação grosseira de supor um investigador dentro da sala
O conjunto de noções abstratas, nunca formais. O que é uma abstração nesse sentido? É escura, procurando um gato escuro que lá não está. Se eu não sei algo do objeto, não sei o que
uma parte de um conteúdo seccionado de outros. Uma abstração é um seccionamento procurar. Então, o que eu sei de início? Eu sei uma abstração ontológica. Mínima que seja. Essa
conteudístico e genérico. É um conteúdo genérico. Não é uma forma vazia, como a forma abstração ontológica, configurada por todos os elementos mais ou menos aflorados, me permite
matemática. O método não trabalha com a noção de forma vazia, forma matemática, mas com buscar a concreção. A concreção seria o momento de ciência deste saber que começou ao nível
nódulos genéricos conteudísticos, abstração, resumo genérico de alguma coisa. filosófico-ontológico.

Primeiro, o ser é uma totalidade, ordenada, em processo. Qualquer objeto, para que possa Para a dialética, não existe diferença entre ciência e filosofia. Ambas são apenas momentos
ser estudado, tem que ser tomado na sua integridade. Quer dizer, então, que só posso estudar o distintos de um mesmo saber. O saber das coisas. Então, agarrar as coisas subentenderia a
mundo todo de uma vez? Não. Eu posso recortar no mundo elementos que, mantidos na sua existência de um vai-e-vem entre o momento filosófico e o momento científico – o filosófico como
integralidade, sejam possíveis de concreção. Se só na totalidade é possível a descoberta da mais abstrato e o científico como mais concreto – ainda que as coisas possam ter momentos mais
lógica interior que a rege, um recorte inadequado mutila a lógica interna e impossibilita a abstratos do concreto científico e momentos mais concretos do abstrato filosófico. Esta malha
descoberta da lógica interna que aquilo possui. A ontologia dá os lineamentos dos objetos. A que vai se formando, busca desse perfil, desse desenho preliminar ontológico, percorrer o
ontologia seria, pelo menos no seu nível abstrato, os lineamentos mais gerais do ser. Então, o caminho de concreção e chegar ao objeto efetivamente concreto. Isto é, transformar a ontologia
ser social. O ser social é uma forma da materialidade, é matrizado pelas formas de produção e abstrata em ontologia concreta. A ontologia concreta, se pensada em termos de uma ciência
reprodução material da existência. Estas formas são a carapaça, o solo matrizador desse todo, autônoma, “independente”, nós temos o produto científico.
que não é constituído apenas pela base material, mas gera outras especificidades. O corpo
humano não é apenas a coluna vertebral, mas também braços e pernas que são derivados dessa Sintetizar todos os dados, integrar sob todos os ângulos, por aquilo que eu chamei de
coluna, ou melhor, só têm sentido em relação a esta coluna. determinações recíprocas e por constituição constelar conceitual, eu chego ao concreto.
Acontecem várias coisas. Duas mais importantes: uma, eu concretei; outra, a abstração empíricos desinstrumentalizada ontologicamente significa arrancar manchas empíricas,
ontológica inicial agora pode se converter num perfil ontológico mais abstrato e mais concreto. factualidades de uma lógica à qual eles pertencem sem respeitar essa lógica. E depois arrumá-
Portanto, quando eu faço ciência eu não abandono a filosofia. E a retomada, no plano ontológico, las.
permite engordar esse ontológico, significa torná-lo mais complexo, mais rico, mais concreto, e
ele passa servir para uma segunda investigação de forma mais profunda. Mais do que isso. Em Se eu tomo a laranja e a recorto de acordo com a lógica orgânica dela própria, aí então eu
última análise, aquela ideia de aproximação do conhecimento que eu coloquei tem aqui um dos respeito o seu em si. Este passo é também o passo que esclarece como se gera a ontologia. Ora,
seus momentos importantes. Eu parto de uma abstração ontológica, chego ao produto científico se o método deriva da ontologia, a ontologia norteia o método. De onde vem a ontologia?
concreto. Mas, com esse produto científico eu realimento a minha ontologia. Então, eu posso
agora fazer novamente o percurso e melhorar a minha ciência. Aí, quando eu cheguei, pela Se eu tomo a laranja e me aproximo dela já com a atitude de quem a respeita. Supondo
segunda vez, ao final da ciência, eu posso, pela terceira vez, melhorar a ontologia. Eu posso fazer que ela tem uma lógica dela, que não sou eu que vou dar a lógica a ela, através da minha cabeça,
de novo o caminho da ciência. De forma que cada um desses círculos é um círculo de maior mas que a minha cabeça vai descobrir a lógica dela, eu já tenho uma atitude completamente
amplitude concreta. Hegel falava que a ciência é um círculo feito de círculos. Nesse sentido, diferente da do coletor de dados empíricos. Tiro a casca da laranja; tiro a película que resta; vejo
estamos aqui numa plataforma hegeliana. Para passar para o marxismo, é preciso substituir que ela é formada de gomos. Em vez de dar um corte, eu separo os gomos. Eu mantive unidades,
círculos por espirais. Então, eu digo: uma espiral de espirais. Onde se vai elevando o nível. E a eu mantive recortes de integralidade do fruto. Abro a película de um dos gomos e descubro que
elevação do nível não está na fixação de generalidades, mas na retratação concreta das lá dentro existem aqueles grânulos, que separados são unidades reais. Só nesse descascar, só
singularidades. Mas, para que isso possa ser feito, as tuas generalidades são generalidades nessa dissecação eu estou descobrindo as partes da sua integralidade. Eu não vou reinventar
agora que abandonam o terreno pura e simplesmente da generalidade abstrata e são depois uma lógica, mas eu já sei que debaixo da casca há gomos, dentro dos gomos há aquelas
generalidade concreta. cápsulas...

O que é generalidade concreta? É a generalização que não contém apenas as igualdades O recorte legítimo está em vários níveis. O gomo é um recorte legítimo; a cápsula é outro;
de elementos diversos, mas contém a igualdade e as diferenças. O universal, para Hegel, e a semente é outro...e o meu estudo de integralização que vai do suco que está na cápsula,
especialmente para Marx, não é aquilo que contém apenas o denominador comum de objetos do passando pela cápsula, pelo gomo, pela articulação dos gomos, na junção dentro da cápsula, da
mesmo tipo, mas contém os elementos diversos. A ciência usa a abstração como mediação. A casca que se fecha e solta o galho, que se prende à árvore e se liga a um tronco, que desce a
abstração não é o ponto de chegada, na dialética. É meio. É instrumento. uma raiz, que está num solo. A laranja na sua integralidade é esse todo. Esta é a totalidade, o
que não quer dizer que eu tenha que estudá-la toda de uma vez. Posso estudar por partes se
(Marilu: generalidade concreta é um absurdo! Ou é concreto ou é abstrato). cada parte estiver referida ao conjunto, se não é uma abstração. Se eu estudo uma parte, em
diferentes camadas de concreção eu fico. É legítimo, numa tese, dizer: vou ficar mais abstrato
Isto é o preconceito lógico do positivismo. Isto está estourado desde Hegel. O universal aqui e mais concreto acolá.
concreto é um conceito decisivo em Hegel. Comte também fez de conta que não existia. O
universal concreto é o universal que contém em si, enquanto conceito, a igualdade e a Na sociedade, o recorte legítimo obedece a um procedimento muito semelhante. Eu preciso
desigualdade e supõe a sua existência na realidade. Trabalho abstrato é um universal concreto. partir da configuração ontológica, que me dá os lineamentos (os modos de produção, as
categorias sociais...).
O momento do perfil ontológico norteia os passos do andamento científico. O arcabouço
ontológico me instrui sobre o que fazer no terreno científico. Primeira coisa: o recorte legítimo. Seguindo, na sociedade, a questão ontológica, eu tenho a possibilidade de recortar.
Como é que eu recorto legitimamente um objeto? Se eu tomar uma laranja e recortá-la Recortar sempre remetendo ao todo. A primeira coisa das duas últimas que eu quero mencionar
empiricamente, eu posso passar a faca de qualquer lado e de qualquer jeito. Essa talhada corta é a seguinte: os seres reais se põem na existência e para o pensamento, em três categorias de
não ao nível orgânico da laranja e seu eu começo a estudar assim, eu tenho uma arbitrariedade. generalização. Para o pensamento e para a realidade, essas três formas são existentes, isto é,
Qual foi a lógica que me inspirou o corte? Nenhuma. A casualidade. A coleta de dados empíricos essas três categorias: singularidade, particularidade e universalidade. Não são apenas conceitos,
é uma causalidade arbitrária. O que eu colho é um caos que não tem ordenação. mas são existência. São categorias da consciência e da realidade. Exemplo: cada uma das
pessoas aqui presentes é uma singular da universalidade humanidade. Exemplo de
(Marilu: depois eu arrumo) particularidade: os homens de um lado, as mulheres de outro.

Eis o crime. Eu começo a ordenar pela cabeça e não pela lógica que eles tinham na Na sociedade, na vida humana no seu conjunto, essas três formas, tem três formas muito
realidade. Eu dou a ordem, ainda que eles estivessem numa ordem dada. A coleta de dados importantes e o pensamento não dialético elimina uma delas. Faz uma operação de eliminação
no plano lógico para poder eliminar a nível sociológico. Entre a singularidade indivíduo e a Par Marx, este momento que foi da singularidade muda à universalidade abstrata, que designa,
universalidade humanidade estabelece-se em geral o vácuo, isto é, entre a individualidade e a que fala, esse é o instante preliminar classificatório ainda não científico. A ciência é um outro
universalidade não aparece nenhuma mediação. O indivíduo é remetido à universalidade da movimento, que partindo dessas abstrações faz o caminho de volta para reencontrar a
humanidade diretamente. Contudo, em termos reais, este elemento é a mediação que liga o singularidade concreta não mais na imediaticidade da sua mudez, mas na voz multifacética da
indivíduo à humanidade. A particularidade que é eliminada por um golpe mágico das correntes sua concretude, que é a síntese de todas as determinações colhidas no percurso que vai da
não dialéticas é a classe. A classe é, do ponto de vista histórico, a mais importante das abstração à concreção. Como isto é feito? Isto é operado pela lógica da particularidade.
particularidades. O indivíduo pertence à humanidade passando pela sua pertinência à classe. A
lógica das ciências humanas, em geral, aboliu a lógica da particularidade precisamente para Falávamos em universal, particular, singular. O singular é uma unidade, é um ponto. O
poder abolir a efetividade das classes sociais. Ou apenas preserva a particularidade como forma universal também é um ponto. O particular é diferente. O particular é um campo infinito. A
lógica da mediação ao estilo aristotélico onde o particular é pura e simplesmente um elo de particularidade é o instrumento da concreção. É um instrumento que vai limitando, determinando
ligação. No silogismo, o termo médio só funciona como mediação conceitual. Na dialética, a a universalidade.
particularidade é concebida como existência real e por isso ela redunda, na consciência, numa
categoria que é lógica, mas é lógica porque é real. E a concreção tem nesta particularidade toda Mesmo a universalidade, na medida em que ela é tomada como universalidade concreta,
a chave do método. então ela não é mais entendida apenas como a súmula das desigualdades, mas ela é a súmula
das desigualdades e das diferenças. Então, a própria universalidade contém em si a
Quando eu quero designar um objeto, uma coisa qualquer (o método dialético se posta desigualdade. Vale aqui, por aproximação, lembrar de um dos princípios básicos da lógica
diante da coisa – aqui coisa não necessariamente entendida como pedra – a coisa social é muito hegeliana retomado por Marx: a identidade da identidade e da não identidade, isto é, o idêntico
diferente de uma coisa pedra, mas da coisa enquanto coisa que não está convertida ainda em entre o igual e o diferente. Isto é que dá origem à noção de contradição. Elementos contrapostos,
objeto – eu dizia que o método dialético presta atenção a este momento e busca a conversão da idênticos entre si e diferentes entre si. O importante é esta volta daqui para o concreto através do
coisa em objeto. O que é a coisa? É aquilo que ainda não entrou numa relação com um sujeito particular, que é um campo. Um campo significa que ele não é unitário, ele é multifacético. Ele
qualquer que a transforma em objeto. Objeto é a designação da coisa quando há um sujeito que traz para a universalidade o recorte da determinação. A universalidade é uma indeterminação. A
se relaciona com ela. O em si de um objeto é a coisa. É algo que a dialética de Marx quer apanhar particularidade vai conferindo determinação a algo indeterminado. O processo puntiforme opera
independentemente da relação com o sujeito cognoscente. Através do objeto ela vai buscar a que progressivamente a universalidade vai perdendo universalidade porque ela vai sendo
coisa. Por aí estão eliminadas todas aquelas colocações bachelardianas da construção do determinada e ganhando concretude, exatamente porque ela está perdendo generalidade. Ao
objeto. Marx é o oposto de Bachelard. Bachelard é uma sofisticação da retomada do construto perder generalidade, ela está ganhando uma consubstanciação de determinantes da sua
racionalista. E está naquele ramo dos positivismos. Se Bachelard quer construir o limitação. A síntese de componentes distintas que constituem o total neste campo de mediação
objeto, Marx quer, através do objeto, que não é construído, mas tomado, chegar à coisa. Chegar e neste campo de efetivação do real faz com que o particular vá costurando os diferentes pedaços
à coisa é operar a concreção. na medida certa da identidade e da não identidade, articulando o igual e o desigual a ponto de
que todas as abstrações que estavam recambiadas para cá, mas não na indeterminação em que
Partindo de Hegel, que na Fenomenologia do espírito aponta isto com muito talento: a estavam aqui, mas sim na extensão, na qualidade e no tamanho que elas têm efetivamente sob
mudez da singularidade imediata. A singularidade imediata é muda. Significa: diante de uma coisa o singular concreto. Resultado: os conceitos assim articulados fazem agora com que reencontrem
dada singularmente na sua imediaticidade essa coisa não pode ser dita nem pensada. Tente-se o singular não mais mudo, mas sim falante e falante sob todas as abstrações, mas abstrações na
pensar essa garrafa sem pensar na palavra garrafa. Para dizê-lo, eu determino: esta é garrafa. O medida certa em cada singular. Isto é a concreção.
que é garrafa do ponto de vista lógico? É uma universalidade abstrata. Para designar a
singularidade eu tenho que lançar mão imediatamente da universalidade. O objeto singular Dialética e Visão de Mundo
concreto, na sua imediaticidade, ganha voz pelo seu contrário, pela sua abstração. O objeto, uma
vez atado a esse universal, passa a ser dizível, passa a ser pensável. Mas, note que para passar Nas discussões sobre como procede elaborar e expor a teoria da dialética, a questão da
a ser pensável e dizível ele perdeu todo o seu conteúdo concreto. Quando, numa ciência, eu parto correlação entre a dialética e a visão de mundo [мировоззрения] surge com regularidade, embora
da visão caótica de mundo, para começar a falar desse caos de coisas eu começo a classificá- parecesse que na literatura marxista-leninista clássica isso estivesse resultado há muito tempo,
las através de abstrações. Exemplo: sociedade: o sistema de produção, o sistema de distribuição, de modo inequívoco e completo.
o sistema bancário, etc. Para falar delas, eu fujo para um universo vazio de conteúdo, mas que é
significante. A operação científica do positivismo se encerra aqui. Claro que a partir dessas
Vejamos mais atentamente em que contexto preciso surge a necessidade de voltar outra
abstrações a ciência começa a fazer o que. No positivismo? Começa a procurar articular estas
vez a debate-la, para colocar em evidência onde se escondem justamente essas imprecisões que
palavras pelas palavras, não mais pela sua realidade. Os modelos são isso. Por isso que o
marxismo não trabalha com modelos. A dialética rejeita completamente a noção de modelo.
tornam possível o aparecimento de pontos de vista diferentes que chocam em discrepâncias e quadro filosófico específico do mundo. Nessa tarefa ele não via materialismo algum, para não
contradições. dizer dialético:

Deve-se notar, em primeiro lugar, que não é possível solucionar, nem ao menos colocar “E se pudéssemos derivar o esquematismo do mundo, não de nosso
essa questão de forma abstrata geral, ahistórica, como a questão da relação da “visão de mundo cérebro, mas por meio dele, do mundo real, se pudéssemos derivar
em geral” [мировоззрения вообще] com a “dialética em geral”. Já que a mais minuciosa precisão os princípios da existência daquilo que existe, não seria necessária
dos termos correspondentes não nos fornece qualquer coisa para o entendimento da essência essa filosofia, mas, pelo contrário, contentar-nos-íamos com uma
desses debates que hoje surgem ao redor da questão sobre que aspecto deve ter a teoria série de conhecimentos positivos do mundo e do que nele ocorre,
científica materialista da dialética; posto que ela é entendida e elaborada como parte inseparável conhecimentos que não formam uma filosofia, mas apenas uma
da visão de mundo científica materialista. ciência positiva”(4).

Os clássicos do marxismo-leninismo jamais e em nenhuma parte encomendaram à filosofia Disso é evidente que F. Engels rechaça de imediato não a ideia em si da criação de um
a obrigação de construir certo quadro ou sistema geral do “mundo em seu conjunto”, a partir dos quadro do mundo generalizado e esquematizado. Pelo contrário, ele parte justamente da
resultados das “ciências positivas”. Ainda menos razão tem atribuir a eles a opinião segundo a circunstância de que toda representação científica (quer se trate de uma ciência em separado ou
qual uma “filosofia” [философия] desse tipo – se somente esta – deve armar a gente de uma de todo o conjunto das ciências, da Ciência com maiúscula) é, de um modo ou de outro, uma
“visão de mundo” [мировоззрением]. A visão de mundo científica, segundo F. Engels, consiste e representação esquematizada do mundo que nos rodeia. Justamente por isso ele insiste em que
se plasma não em um sistema abstrato de postulados filosóficos, e sim nas “ciências reais a criação de um sistema generalizado de representações sobre o mundo pode somente o
mesmas”, em um sistema de conhecimentos científicos reais. conjunto das ciências positivas, “reais”, que clareiam a travação mútua e as transições dentro de
uma concepção de mundo única e total, e são as mesmas que nos armam com a compreensão
Toda tentativa de erigir sobre (ou “junto” a) as ciências positivas também uma ciência do vínculo universal das coisas e o conhecimento sobre essas coisas, mostrando e demonstrando
especial sobre os vínculos “universais” das coisas, F. Engelsjulga, incondicionalmente, como uma essa ligação tanto em seu conjunto com nas particularidades.
tarefa, no melhor dos casos, supérflua e infrutífera. No melhor dos casos. E, geralmente – como
demonstrou e continua demonstrando a experiência – tal “filosofia” inescapavelmente se Não se pode deixar de notar que F. Engels jamais nem em parte alguma chama as ciências
transforma em um pesado lastro, por assim dizer, em “pesos sobre os pés da ciência” e um positivas – física, química, biologia ou economia política – com o nome depreciativo de
estorvo ativo ao progresso das ciências reais, já que, sendo uma descrição generalizadora dos “particulares”, pois o próprio uso de tal predicado pressupõe que além das ciências “particulares”
resultados da investigação de hoje, cada passo da ciência além dos limites desses resultados, deve existir certa “ciência universal”, a “ciência da totalidade”. Mas se tal ou qual ciência se dirige
naturalmente, ela os considera como um atentado contra suas próprias construções, como seu exclusivamente ao conhecimento das “particularidades”, não ligadas a qualquer forma
rompimento e “revisão”, enquanto não há aqui nem vestígio de revisão alguma das teses essencialmente nem entre si, nem com outra categoria dessas “particularidades”, então ela, no
genuínas da filosofia científica materialista dialética. melhor dos casos, caracteriza sua imaturidade histórica. Se, em troca, ela revela nestas
“particularidades” certa lei, então isso significa que ela descobre na forma finita o infinito, no
Por outro lado, essa filosofia – orientada à maneira positivista – permanece, como regra, singular o universal, no transitório o eterno:
completamente apática e condescendente ali onde tem lugar uma revisão verdadeira dos
princípios do materialismo filosófico e da dialética filosófica, e inclusive incentiva essa revisão nos “Todo verdadeiro conhecimento da natureza é conhecimento de algo
casos quando ela se conduz sob a bandeira das conclusões “das ciências naturais eterno, infinito e, portanto, de algo essencialmente absoluto”(5).
contemporâneas”, ali onde os descobrimentos mais novos na física ou astronomia (e para o
positivista estes sempre têm o significado de critério superior das verdades “filosóficas”) não E aquele que não compreende essa simples circunstância descobre seu mais absoluto
correspondam diretamente com as afirmações da filosofia realmente científica, a materialista desconhecimento dos axiomas da dialética e do materialismo. Linda visão de mundo “científica”
dialética. E aqui o positivista sempre se apressa a “corrigir” os conceitos filosóficos para favorecer teríamos se ela se formasse a partir das ciências “particulares” que estudam umas
os “descobrimentos mais novos” e no âmbito deles(3). “particularidades” sem ligação, e uma “filosofia que, ao contrário, nos retrata a ligação sem as
particularidades que ela vincula! Essa divisão ridícula da ciência em duas categorias – na
Levando em conta a constante possibilidade do surgimento de filósofos semelhantes e de investigação das coisas sem suas relações mútuas e a investigação das relações sem as coisas
“filosofias” nesse modelo, F. Engels afastou qualquer argumento sobre a necessidade de – é justamente onde se assenta o cimento da noção positivista do papel e função da filosofia no
construir junto a uma visão de mundo genuinamente científico, isto é, junto ao conjunto corpo da “visão de mundo científica”. E essa “emenda” com a qual certos autores procuram uma
entrelaçado de conhecimentos científicos reais (“positivos”) sobre o mundo, também um vez ou outra atenuar o ridículo dessa noção, emenda segundo a qual as travações “particulares
e singulares” das coisas não têm a ver com as relações “gerais”, “universais” entre elas (isso seria universal do ser, a sua “nova” esquemática do mundo, que se corresponderia às novíssimas
prerrogativa da “filosofia”), não muda qualquer coisa no assunto. Um ponto de vista semelhante realizações da ciência.
condena as ciências “particulares” a uma existência decadente, uma vez que, essencialmente
(consciente ou inconscientemente, aqui isso não têm importância) lhes proíbe chegar até a O materialismo dialético é uma visão de mundo [мировоззрение], de outra maneira, uma
dialética dentro de seu objeto, lhes proíbe implementar dialeticamente a compreensão desse visão científica do mundo, quer dizer, um conjunto de representações científicas sobre a natureza,
objeto, pois, caso contrário, a “filosofia” se veria sem trabalho. a sociedade e o pensamento humano; como tal, este não pode sob nenhuma circunstância ser
construído pelos esforços da “filosofia” somente, e sim unicamente pelos esforços comuns de
Nisso consiste justamente o dano de representar a filosofia como ciência especial sobre o todas as ciências “reais”, incluindo, naturalmente, a filosofia científica. A visão de mundo
“mundo em geral”. Essa representação, arcaica por seu conteúdo, sempre resulta não somente denominada materialismo dialético, não é uma filosofia no velho sentido da palavra, a que
conservadora, mas também diretamente reacionária. Justamente por isso F. Engels valoriza a carregou sobre seus ombros uma tarefa ao alcance unicamente de todo o conhecimento
fantasia positivista de criação de um quadro ou sistema filosófico do mundo em seu conjunto não científico, e isso em perspectiva. Se a “filosofia anterior” se colocou diante de si essa tarefa
somente como falta de perspectiva, mas também como uma tarefa anticientífica e antidialética utópica, a única justificativa para suas pretensões então era o insuficiente desenvolvimento
que dificulta ativamente a penetração da dialética na consciência e na teoria dos mesmíssimos histórico das outras ciências. Mas,
cientistas “positivos”, isto é, dos naturalistas e historiadores. As próprias ciências naturais não só
podem, mas estão obrigadas a revelar plenamente e sem desperdício a dialética na natureza, o "desde o instante em que cada ciência tenha que se colocar no
mesmo que a dialética do processo histórico social a evidencia e está em capacidade de quadro universal das coisas e do conhecimento delas, já não há
evidenciar todo o conjunto das ciências sociais: a economia política, a teoria do estado e do margem para uma ciência que seja especialmente consagrada a
direito, a psicologia etc. estudar as concatenações universais”(8),

V. I. Lenin não é menos categórico na valorização da interpretação positivista do lugar e repete incansavelmente F. Engels, vinculando diretamente essa compreensão com a
papel da filosofia dentro da visão de mundo científica contemporânea. Nas margens do livro própria essência do materialismo. É completamente indiscutível que a clara e inequívoca posição
de Abel Rey, A Filosofia Contemporânea, a propósito de um juízo do autor que reitera esse ponto de F. Engels, antes expostas em suas próprias palavras, foi o ponto de partida axiomático também
os critérios de A. Comte e E. Dühring, V. I. Lenin faz anotações breves, mas suficientemente para V. I. Lenin em todas suas discussões com gente do tipo de Y. Berman e A. Bogdanov, de P.
expressivas(6). Está aqui sua apreciação da “teoria universal do ser” de Suvorov: Yuschkevich e A. Lunacharski, de V. Bazarov e S. Suvorov, no que eles se esforçavam para erigir
no sonho da visão de mundo marxista científica e materialista outra “teoria universal do ser”, uma
“Bem. A ‘teoria geral do ser’ é novamente descoberta por S. singular – “filosófica” – “visão de mundo”, posto que a genuína visão de mundo de K. Marx e F.
Suvórov depois de numerosos representantes da escolástica Engels exposta em O Capital e Anti-Dühring, em O 18 de Brumário de Luis Bonaparte e na Crítica
filosófica a terem descoberto muitas vezes sob as mais variadas ao Programa de Gotha, não os satisfazia de forma alguma e eles neste trabalhos não leram
formas. Felicitemos os machistas russos por esta nova ‘teoria geral qualquer coisa que tenha a ver com uma visão de mundo de conjunto. A “visão de mundo” eles
do ser’! Esperemos que a sua próxima obra colectiva seja viam, exclusivamente, na forma de uma ciência especial acima das outras ciências (“particulares”
inteiramente consagrada à fundamentação e desenvolvimento desta e por isso “insuficientes”).
grande descoberta!”(7).
Daqui também a incompreensão orgânica dessa gente para a dialética como lógica e teoria
A acuidade e clareza da reação de V. I. Lenin se explica, em primeiro lugar, pelo fato de do conhecimento, como a lógica verdadeira do desenvolvimento da visão de mundo científica,
que todas as fantasias similares no caminho de criar “teorias universais do ser” surgiram nessa como teoria do conhecimento do mundo pelo homem, conhecimento realizado não pela “filosofia”,
época não como entretenimentos vazios, e sim como antíteses diretas da concepção engelsiana e sim por todas as ciências reais em colaboração com a filosofia materialista científica, como a
da dialética como ciência, dessa mesma concepção que V. I. Lenin defendeu consequentemente concebeu F. Engels. Os positivistas russos, ao negar de antemão o valor da dialética como lógica
na polêmica com os revisionistas. Não pode haver qualquer dúvida que V. I. Lenin, ao insistir na do pensamento, de lógica do desenvolvimento dos conceitos em toda esfera concreta do
compreensão da dialética como lógica e teoria do conhecimento do “materialismo conhecimento científico e da prática, o marxismo russo e os positivistas interpretaram também
contemporâneo” e ao observar os limites de todas as tagarelices sobre as “teorias universais do essa dialética como a ação passiva e não obrigatória de “complemento” à análise científica,
ser”, defendeu também a essência genuína da posição de Engels expostas no Anti-Dühring, já somente como a “linguagem” na qual por algum motivo (e por algum motivo desconhecido) K.
que essa posição era justamente a que os positivistas se apressavam em falsificar de qualquer Marx e F. Engels expressaram alguns dos “resultados positivos” de seu estudo da economia
forma no espírito de uma “teoria universal do ser”, para logo contrapô-la a sua – “nova” – teoria política e da história.
O próprio V. I. Lenin vê na dialética, primeiro de tudo, o método universal, a forma ativa do pensamento em sua realidade não é, de fato, outra coisa que o processo de reflexo da natureza
pensamento de K. Marx e F. Engels, a lógica genuína do desenvolvimento dos conceitos ao longo e sociedade que realiza o esforço conjunto de todas as ciências, e é exatamente por isso que as
da investigação concreta daquelas esferas concretas da realidade, das quais se ocuparam leis da Lógica em si não são outra coisa que as leis universais do desenvolvimento natural e
diretamente os fundadores da visão de mundo comunista, e em absoluto um conjunto “das sócio-histórico refletidas na cabeça humana (e comprovadas pela milenar prática humana). Esta
generalizações mais comuns”, feitas post factum, como tentaram mostrar os revisionistas, circunstância se expressa pela fórmula segundo a qual a dialética é a doutrina sobre aquelas leis
começando com E. Bernstein e K. Schmidt e terminando com Y. Berman e S. Suvorov. Por isso universais as quais se subordinam, por igual, tanto o desenvolvimento do pensamento, como o
mesmo V. I. Lenin salienta também que a essência da dialética materialista consiste não em que desenvolvimento da realidade (quer dizer, da natureza e sociedade); “estudar as leis gerais que
ela seja o conjunto das “afirmações mais gerais” relativas ao “mundo em geral”, e sim em que ela presidem à dinâmica e ao desenvolvimento da natureza e do pensamento” (10), e não somente do
é a lógica do desenvolvimento da visão de mundo científica realizada por K. Marx e F. Engels de “pensamento” concebido como processo psíquico subjetivo que tem lugar nas profundezas do
modo algum na forma de uma “teoria universal do ser”, e sim justamente na forma de cérebro e na psique do indivíduo humano, pois o “pensamento” em semelhante concepção não é
compreensão científica materialista de leis concretas do desenvolvimento da sociedade em um estudado em absoluto na filosofia, nem na “dialética”, e sim na psicologia, na fisiologia da
estado histórico concreto determinado de seu desenvolvimento; na forma da economia política atividade nervosa superior, etc.
científica de O Capital, na forma de princípios concretamente formulados de estratégia e tática da
luta do proletariado, na forma de compreensão teórica da sujeição a leis do processo O “pensamento” para a filosofia (para a dialética como ciência especial” é, em primeiro
revolucionário de transformação da sociedade mercantil capitalista em sociedade socialista (na lugar, o conhecimento em pleno desenvolvimento, o conhecimento em seu devir, isto é, o
forma disso que V. I. Lenin chama “socialismo científico”). Nestes resultados absolutamente processo de desenvolvimento histórico do conhecimento real, (das ciências naturais e das
concretos da investigação teórica, realizada com ajuda da dialética como método de investigação, ciências sobre a história). Toda dialética estuda as leis universais da natureza, a sociedade e o
se encerra também a visão de mundo que se desenvolve e precisa ininterruptamente com cada pensamento. O específico da dialética marxista consiste em que esta dialética é materialista. E
novo passo da investigação da realidade histórica concreta, com cada novo descobrimento em isso significa que ela compreende as leis universais do pensamento como leis universais da
qualquer esfera da natureza e da história. V. I. Lenin via justamente nisso a essência da dialética natureza e a história refletidas pelo conhecimento científico (e comprovadas pela milenar prática
materialista. E nisso – e não em outra coisa – consistia também a contradição (e não somente humana). Nisso se resume tudo, nisso também se encontra a diferença específica entre a dialética
“diferença”) entre as posições de V. I. Lenin e as posições dos positivistas a respeito do marxismo. marxista e a hegeliana ou qualquer outra. Portanto, se falamos sobre uma definição mais concisa,
que expresse o “objeto específico da dialética marxista”, então esta de modo algum é
É difícil sobrestimar toda a profundidade do seguinte enunciado feito pelo acadêmico N. N. simplesmente “as leis universais do ser e do pensamento”, e sim – em uma expressão mais
Semenov: concisa – as leis gerais do reflexo do ser no pensamento. Aqui se observa a alternativa à dialética
hegeliana, pois na variante hegeliana o assunto é justamente o inverso, e as leis universais do
“Alguns filósofos expressam às vezes ressentimento: como considerar a filosofia marxista movimento e o desenvolvimento na natureza e na história aparecem como “alienação”, quer dizer,
leninista como Lógica, como teoria do conhecimento? E não levará isso à perda do valor de como leis do pensamento, projetadas na natureza e na história, como esquemas lógicos do
visão de mundo da filosofia marxista, ao prejuízo de seu papel e inclusive à ‘separação da “autodesenvolvimento do pensamento”.
filosofia com respeito às ciências naturais’? [...] Se a lógica vai ser compreendida realmente ao
modo leninista, então não há o que temer. Pelo contrário: pois todas nossas ciências, toda Assim, a concreticidade da determinação da dialética em geral (de qualquer dialética), que
nossa cultura se desenvolve com ajuda de um pensamento fundado na prática humana, e por transforma essa determinação em determinação “específica” da dialética marxista (e somente da
isso a ciência sobre o pensamento desempenha um papel primordial no desenvolvimento da marxista), consiste justamente na sinalização clara do fato de que as leis do pensamento (as leis
compreensão científica do mundo”(9). lógicas, as leis do desenvolvimento do conhecimento do mundo pelo homem) são leis do
desenvolvimento da mesmíssima realidade refletidas, quer dizer, conhecidas e comprovadas pela
Algo é indiscutível: as pessoas que reprovam a compreensão acima exposta por prática, leis do desenvolvimento da natureza e dos acontecimentos sócio-históricos. Nisso
“subestimar o valor de visão de mundo da filosofia”, reconhece publicamente, pura e consiste, de forma resumida, a determinação específica do objeto da dialética marxista como
simplesmente, que concebem o “pensamento” de uma maneira algo estranho, para nada ciência especial, e não como método aplicado a qualquer objeto no universo (estes dois sentidos
materialista: como certa capacidade puramente subjetiva que não tem relação alguma como da palavra “dialética” sob nenhuma circunstância se podem confundir!).
mundo real, com a natureza e a sociedade, com o conhecimento genuíno das leis do
desenvolvimento da natureza e da sociedade. Como ciência especial, particular, que se encontra não “sobre” as outras ciências, e sim
junto a elas, como ciência com plenos direitos, que tem seu objeto rigorosamente delimitado, a
Se partimos dessa compreensão do pensamento, que se apresenta nos trabalhos de K. dialética é também a ciência sobre o processo do reflexo do mundo exterior (da natureza e da
Marx, F. Engels e V. I. Lenin, então esta reprovação é francamente um disparate, pois o história) no pensamento humano. A ciência sobre as leis da metamorfose da realidade no
pensamento (isto é, sobre as leis do conhecimento, das leis da forma superior do reflexo), e do
pensamento na realidade (isto é, sobre as leis da realização prática dos conceitos, as
representações teóricas no material natural e na história). A teoria e a prática (quer dizer, o reflexo
e a ação na base do reflexo) se ligam, de tal modo, em um processo, dirigido pelas mesmas leis
(dialética, justamente), pelas leis da Lógica e o conhecimento teórico e da atividade prática.

Por isso a dialética entra em cena como Lógica, como ciência sobre o domínio teórico e prático,
da assimilação do mundo pelo homem social. Nisso consiste sua primordial e grandiosa
importância de visão de mundo, seu papel e função, não na composição de “teorias universais do
ser”, nem nas tentativas de solucionar uma tarefa que está ao alcance somente do conjunto todo
das “ciências reais”, e isso em sua perspectiva.

Seria justo por isso dizer que a importância de visão de mundo da dialética filosófica a
“subestima” justamente aqueles teóricos que, por princípio, não promovem a compreensão
engelsiana-leniniana da dialética como lógica e teoria do conhecimento do mundo pelo homem,
como ciência sobre as leis do desenvolvimento de toda a visão de mundo científica, quer dizer,
de todo o pensamento humano que se realiza a si mesmo na ciência e nos assuntos práticos. E
por causa desse interesse direto de afirmar o marxismo-leninismo na filosofia consiste no
tratamento consequente da dialética como lógica e teoria do conhecimento, pois nisso constitui
sua importância de caráter de visão de mundo, seu papel de lógica do desenvolvimento da visão
de mundo científica materialista contemporânea.

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