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São Paulo
2009
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GILDÁSIO JESUS BARBOSA DOS REIS
Orientador:
Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho
São Paulo
2009
GILDÁSIO JESUS BARBOSA DOS REIS
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho - Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________
Prof. Dr. Paulo Rodrigues Romeiro
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________
Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva
Universidade Metodista de São Paulo
À minha querida esposa Jamili Kury Reis,
compreensiva e envolvida nesta pesquisa;
e aos meus herdeiros, Matheus e Rebeca.
AGRADECIMENTOS
Desde o início, eu estava consciente das dificuldades que eu teria que enfrentar, a
começar pelo pouco tempo que dispunha para esta pesquisa. Assim, esta se tornou
possível apenas com a colaboração de muitas pessoas. Diante disso, penso que
justifica fazer os devidos agradecimentos a todos que me ajudaram e me incentivaram
nesta caminhada.
Agradeço o apoio do meu amigo e colega Christian Brially, pelas vezes em que
facilitou a chegada às minhas mãos de livros tão necessários a esta pesquisa.
Agradeço de modo muito particular à minha querida esposa, Jamili Paulo Kury Reis,
que, também, na qualidade de secretária do curso de pós-graduação em Ciências da
Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, muito me orientou sobre as
questões burocráticas que envolvem o relacionamento discente e universidade. Sem
ela, esta pesquisa seria impossível de ser concluída em tempo hábil. Além da esposa,
lembro também de meus filhos, Matheus e Rebeca, os quais tiveram que abrir mão de
muitas horas de lazer com o pai, este sempre absorvido nas leituras.
Agradeço à minha querida igreja que me cedeu boa parte de um tempo em que eu
poderia estar a serviço dela.
Agradeço de maneira muito especial a Deus, sem o qual nada poderia ser feito. Faço
minhas as palavras do apóstolo Paulo: “Ao Deus único e sábio seja dada glória, por
meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém!”. Sim, a Deus, tributo toda
glória!
O protestantismo é fermento algo revolucionário,
semente de liberdade que liberta o homem dos
conformismos religiosos, sociais e políticos e o
encoraja a iniciativas benéficas que lhes sugere o
Evangelho.
André Biéler
João Calvino
José Comblim
RESUMO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................... 12
1 CONCEITUAÇÕES IMPORTANTES PARA SE COMPREENDER A
MISSÃO INTEGRAL........................................................................................................................ 18
1.1 A RELAÇÃO ENTRE PRÁXIS E TEORIA............................................................. 18
1.2 ALIENAÇÃO........................................................................................................................... 22
1.3 EVANGELICALISMO........................................................................................................ 23
2 A TRAJETÓRIA DE C. RENÉ PADILLA: SUA VIDA E SUA OBRA.................. 26
2.1 O CONTEXTO DA VIDA DE PADILLA.................................................................... 26
2.1.1 O cenário político.............................................................................................. 26
2.1.2 O cenário religioso........................................................................................... 27
2.1.2.1 Equador................................................................................................................... 29
2.1.2.2 Argentina................................................................................................................. 30
2.1.2.3 Colômbia................................................................................................................. 30
2.1.3 Cenário socioeconômico.............................................................................. 31
2.2 A VIDA E OBRA DE C. RENÉ PADILLA................................................................ 32
2.2.1 Sua família, infância e juventude............................................................. 32
2.2.2 Sua preparação acadêmica........................................................................ 35
2.2.3 Sua liderança eclesiástica........................................................................... 37
3 MARCOS TEOLÓGICOS NA OBRA DE C. RENÉ PADILLA................................. 41
3.1 ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA DE C. RENÉ PADILLA.... 41
3.1.1 Conceito de Reino de Deus........................................................................ 41
3.1.2 Conceito de Escritura Sagrada................................................................. 45
3.1.2.1 A autoridade da Sagrada Escritura............................................................... 45
3.1.3 Conceito do homem........................................................................................ 46
3.1.4 O conceito de evangelho............................................................................. 47
3.1.5 O conceito de evangelização..................................................................... 52
3.1.6 O conceito de hermenêutica em René Padilla................................. 54
3.2 ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA PASTORAL DE C.
RENÉ PADILLA.................................................................................................................... 61
3.2.1 Requisitos para uma eclesiologia para a Missão Integral.......... 61
3.2.2 A integralidade do crescimento da igreja............................................ 66
3.2.3 O lugar da pregação na teologia integral de Padilla..................... 69
3.2.4 A espiritualidade em René Padilla.......................................................... 71
3.2.4.1 O conceito de mundanismo............................................................................. 72
3.2.5 O uso dos bens materiais em Padilla.................................................... 74
3.3 ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA DE MISSÃO DE C.
RENÉ PADILLA................................................................................................................... 76
3.3.1 Conceituando a missão................................................................................ 76
3.3.2 A teologia da missão transcultural de Padilla................................... 78
3.3.2.1 A universalidade do Evangelho...................................................................... 78
3.3.2.2 O senhorio de Cristo e a Missão Integral................................................... 82
3.3.2.3 O conceito de arrependimento....................................................................... 84
3.3.2.4 Sobre a singularidade de Cristo..................................................................... 85
3.3.3 A teologia da missão integral de C. René Padilla.......................... 87
3.3.3.1 A missão integral na conceituação de C. René Padilla......................... 87
3.3.3.2 Uma perspectiva correta dos propósitos de Deus.................................. 90
3.4 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA MISSÃO INTEGRAL............. 93
3.4.1 Congresso sobre a Missão Mundial da Igreja em Wheaton..... 94
3.4.2 Congresso Mundial de Berlim sobre Evangelização.................... 94
3.4.3 Congresso de Evangelização para a Ásia e Pacífico Sul.......... 95
3.4.4 Congresso de Evangelização para os Estados Unidos.............. 95
3.4.5 Congresso Latino-Americano de Evangelização (CLADE I).... 96
3.4.6 Congresso Europeu de Evangelização................................................ 96
3.4.7 Dia de Ação de Graças sobre os evangélicos e a
preocupação social......................................................................................... 97
3.5 A RELAÇÃO ENTRE MISSÃO INTEGRAL E MISSÃO
TRANSCULTURAL............................................................................................................ 100
3.6 MISSÃO INTEGRAL NO MUNDO ISLÂMICO.................................................... 103
3.7 A DIMENSÃO SOCIAL DO CRISTÃO NA SOCIEDADE PAGÃ............... 105
4 A CONTRIBUIÇÃO DA “MISSÃO INTEGRAL” PARA A AÇÃO NÃO
ALIENANTE DA IGREJA EVANGÉLICA NO BRASIL............................................... 106
4.1 O PAPEL DA IGREJA E SUA RESPONSABILIDADE FRENTE ÀS
QUESTÕES SOCIAIS...................................................................................................... 110
4.2 O PAPEL DA IGREJA E A VIOLÊNCIA URBANA............................................ 112
4.3 O PAPEL DA IGREJA FRENTE À AIDS............................................................... 114
4.4 O PAPEL DA IGREJA E A EDUCAÇÃO................................................................ 118
4.5 O PAPEL DA IGREJA E SEU ENVOLVIMENTO NA POLÍTICA.............. 121
4.6 O PAPEL DA IGREJA E SUA INFLUÊNCIA NA FAMÍLIA........................... 125
4.7 O PAPEL DA IGREJA E SUA RESPONSABILIDADE ECOLÓGICA..... 127
4.7.1 A Base Bíblica para a ação ecológica.................................................. 128
5 CONCLUSÃO...................................................................................................................................... 133
REFERÊNCIAS............................................................................................................................................. 135
12
INTRODUÇÃO
1
Embora Padilla tenha influência no âmbito da América Latina, neste estudo abordarei as implicações e
aplicações de sua “missão integral” apenas no contexto da sociedade brasileira.
2
Sou pastor presbiteriano há dezoito anos e há seis leciono no Seminário Presbiteriano “Rev. José
Manoel da Conceição” – SP, na cadeira de teologia prática, as disciplinas de missiologia, educação
cristã, liderança, entre outras.
13
3
Entrevista realizada com René Padilla em 10 de outubro de 2009, quando participou de um Congresso
realizado em Salvador, Bahia, e que teve por tema: “Transformando a Missão”.
14
Para uma coleta coerente, análise e interpretação dos dados, foram levantadas
as fontes de pesquisa em diferentes locais: 1) na Biblioteca da Universidade
Presbiteriana Mackenzie (SP); 2) na Biblioteca do Seminário Manoel da Conceição
(SP); 3) em minha biblioteca pessoal, e em bibliotecas de amigos e colegas pastores;
4) na Biblioteca da Universidade Metodista de São Paulo, localizada em São Bernardo
do Campo; 5) no site da Fundação Kairós4, da qual, atualmente, C. René Padilla é seu
presidente emérito. Nesse site, podemos ter acesso a diversos artigos escritos pelo
autor nas publicações das revistas: Revista Kairós e Revista Iglesia y Misión; e 6)
entrevista realizada com René Padilla.
Por fundamento teórico que dê suporte para a ação da Igreja protestante na
sociedade, apoio-me no humanismo social de João Calvino (1509-1564). Tal escolha
deve-se ao fato de encontrar no reformador francês um modelo histórico sobre a
prática da ação da Igreja na sociedade. Além de teólogo, trabalhou em benefício da
cidade de Genebra e liderou, no século XVI, a reconstrução daquela cidade,
produzindo mudanças profundas, não apenas na vida religiosa, como também nas
estruturas políticas e sociais.
O pensamento de Knudsen é útil para justificar a escolha de Calvino como
suporte teórico, pois esclarece a relação e a influência do Calvinismo na cultura
ocidental: “[...] o Calvinismo teve em mira não só a reforma na doutrina, na vida
individual e na vida da Igreja, mas também a transformação em toda a cultura, em
nome de Cristo.” (KNUDSEN, 1990, p. 12).
Quanto ao problema da pesquisa, chamo a atenção para o ponto em que
teóricos, como Marx (1818-1883) e Feuerbach (1804-1872), postularam que a
alienação (alienus) social resulta do fato de que os homens não se reconhecem como
agentes e autores da vida social de suas instituições. Para esses autores, a religião é
uma das fontes que alimentam essa alienação5. Sendo assim, a questão que deve
nortear esta pesquisa é a seguinte: em que medida os valores e princípios defendidos
pelo protestantismo histórico podem contribuir para melhorar a sociedade
contemporânea, a partir do conceito de “missão integral” em Carlos René Padilla. Em
outras palavras, a ideologia evangelical da “missão integral”, defendida nos escritos de
4
Disponível em: <http://www.kairos.org.ar>.
5
Como pensou Karl Max ao afirmar que a religião é o “ópio do povo” (cf. MARX, 2001, p. 45;
FEUERBACH, 1988, p. 55).
15
Padilla, favorece o afastamento da sociedade e dos desafios sociais que ela enfrenta
(alienus), ou serve como incentivo e oportunidade para melhorar a sociedade?
Minha hipótese é a de que, não obstante o evangelicalismo ser rotulado de
uma instituição alienada da realidade social, ao olhar para a sociedade e o universo
de problemas que o homem moderno enfrenta, pode-se constatar que a religião
professada pelo evangelicalismo ou protestantismo histórico não tem sido alienante ou
indiferente a essa realidade.6
O sociólogo Peter Berger (1985) percebe várias funções exercidas pela religião
na sociedade. Dentre elas, afirma que a religião tem uma função de desalienação.
Segundo esse autor, embora muitas vezes a religião exerça uma influência fazendo
com que o ser humano viva num mundo transcendente, ela pode igualmente, e em
nome da mesma transcendência, exercer um papel diverso (BERGER, 1997).
Como é possível constatar, a práxis ou ação da Igreja evangélica na sociedade,
conforme vista em René Padilla, não se limita à assistência espiritual, meta-histórica
ou transcendente. Para Padilla, a Igreja não deve estar alheia (alienus), distante da
realidade que as pessoas vivem. Ao contrário, o evangelicalismo, em sua natureza e
vocação, deve se preocupar também com a educação, com a formação profissional,
com o combate à violência urbana, com a ecologia, com a política etc. Uma
concepção de fé que não se envolve com essa realidade concreta e não liberta as
pessoas para viverem uma nova realidade, é uma fé alienada.
Diferentemente do pensamento de Marx7, busco comprovar por meio desta
pesquisa que o evangelicalismo, desenvolvido pelo teólogo equatoriano, tem forte
ênfase social, propondo uma reflexão para a ação da Igreja numa sociedade real e
empírica. Longe de anestesiar, sua proposta desafia-nos a agir integralmente em
todas as dimensões da vivência humana. A comunidade evangélica no Brasil e na
América Latina em geral não tem levado esse elemento tão a sério. No entanto, é
preciso redescobrir a integralidade da práxis da Igreja, da dimensão social do
evangelicalismo na América Latina, conforme elaborado por Padilla, e sua relevância
6
Estou consciente da vasta e complexa problemática que envolve o conceito de alienação, o qual será
definido mais adiante. No entanto, utilizo aqui o conceito no sentido de separado, alheio,
descompromissado.
7
Para Marx, a função da religião é a de anestesiar os oprimidos para a realidade de sua opressão.
Enquanto as pessoas acreditarem que seus sofrimentos poderão lhes garantir liberdade e felicidade no
futuro, considerarão a opressão como parte de uma ordem natural – um fardo necessário e não uma
coisa imposta pelos outros homens. Esse é o conceito de Marx ao chamar a religião de “ópio do povo”:
ela alivia sua dor, mas, ao mesmo tempo, torna-os indolentes, nublando sua percepção da realidade e
tirando-lhes a vontade de mudar (MARX, 2001).
16
Chamamos ação o que muda o mundo, aquilo que faz o homem mudar-se a
si mesmo, mudar os outros homens. A ação consiste em passar do pecado à
justiça, em mudar uma situação de pecado em uma situação de justiça, em
passar do mal para o bem [...] A ação é uma conversão [...] Agir é assumir
uma parte da missão de libertação [...] A ação intervém na luta do Espírito
contra o pecado, na luta da justiça contra a opressão, da libertação contra as
forças da escravidão.
É preciso agora estabelecer outro ponto: Qual deve ser o objeto ou referencial
para a ação? O pressuposto é que a teologia vista na Escritura Sagrada deve ser o
ponto de partida para a ação. Deve-se partir da Escritura (da teoria) para a práxis, e
não ao contrário. Inicia-se com a teoria (teologia) e não com o contexto em que a ação
deve ser exercida. Diferentemente da perspectiva libertacionista, entendo que se deve
fazer teologia prática a partir da reflexão bíblica e não a partir da realidade social.
Dr. James Olthuis8, filósofo reformado, ao analisar a subordinação no
pensamento de um dos teólogos da libertação, Juan L. Segundo, faz a seguinte
ponderação:
8
Dr. James H. Olthuis, professor emérito de filosofia e religião no Institute for Christian Studies em
Toronto, tem dado sua contribuição acadêmica nas áreas de antropologia filosófica, hermenêutica, ética
e psicoterapia.
9
Criada em 1962, conhecida pela sigla ISAL, trata-se de uma instituição organizada após a Primeira
Consulta Latino Americana sobre Igreja e Sociedade, realizada em Huampaní, Peru, nos dias 23 a 27
de julho de 1961. A ISAL veio a se tornar o principal centro de convergência dos teólogos protestantes
da libertação. O propósito da Consulta que originaria o ISAL foi o de que as igrejas tomassem
conhecimento dos problemas da sociedade latino-americana, e teve por tema geral: “A
responsabilidade social da igreja evangélica frente às rápidas mudanças sociais.” (PADILLA, 1974, p.
119, tradução nossa).
20
10
Este artigo de René Padilla faz parte do livro Discipulado, Compromisso Y Misión, obra publicada em
1974 pela Vision Mundial. Trata-se de uma coletânea de artigos do autor publicados inicialmente na
Revista Misión (agora denominada Iglesia Y Misión). Os capítulos dessa obra podem ser encontrados
no sítio da Fundação Kairós (www.kairos.org.ar).
21
cabeça até o coração e, finalmente, até a mão” (GRENZ; OLSON, 2003, p. 51). Essa
é exatamente a posição de Padilla. A ação da Igreja deve estar subordinada à teoria –
à verdade da Palavra:
Ressalto aqui a ênfase dada por ele de que compete à teologia (teoria) a
importante tarefa de avaliar o que se está fazendo (a ação). Padilla faz uma
contundente e esclarecedora declaração:
Não obstante, há razões de peso para afirmar que no que tange a vida e
missão da Igreja, não basta o pragmatismo, ou seja, a ênfase no como
22
divorciado do por que e para quê. Uma razão é que sem a iluminação da
Palavra, a ação se transforma em ativismo sem sentido de direção (PADILLA,
1994a, p. 55-56, tradução nossa).
1.2 ALIENAÇÃO
Alves (1984) continua esclarecendo que, ao ver a religião como alienação, dois
juízos são apresentados: 1º) A consciência religiosa é falsa consciência, neurose ou
ideologia; e 2º) A consciência religiosa é sempre conservadora, em oposição à
ciência, que seria crítica.
O segundo juízo representa a ideia que Marx tem da função da religião na
sociedade, ou seja, esta age como calmante: “É o ópio do povo”. “A compreensão por
trás desta expressão é que a religião exerce um papel hipnotizante gerando nos
homens uma falsa idéia de superação da miséria e dos problemas sociais” (ZILLES,
1991, p. 126). No entender marxista, a religião tem a função social de distrair os
oprimidos da realidade em que vivem. E, ao mesmo tempo, torna-os indolentes,
nublando sua percepção da realidade e tirando-lhes a vontade de mudanças (ZILLES,
1991).
1.3 EVANGELICALISMO
11
Há quem se utiliza deste termo ‘evangelical’ como um anglicismo; ou seja, termo ou expressão
inglesa introduzida na língua portuguesa. Por isso que Paul Freston diz que “evangelical” trata-se de um
“deselegante anglicismo” (FRESTON, 1992, p. 122).
24
12
O peruano Samuel Escobar é um dos mais respeitados missiólogos latino-americanos. Juntamente
dom René Padilla, tem dado grande contribuição à Missão Integral.
13
O artigo mencionado foi publicado na Revista Misión e teve por título Qué significa ser evangélico
hoy?.
25
14
Posteriormente serão dados mais alguns detalhes do Congresso de Lausanne e os CLADEs.
15
Na entrevista que fiz com Padilla perguntei qual dos termos melhor lhe caracterizava: ‘protestante’,
‘evangélico’ ou ‘evangelical’. Sua resposta foi: “eu sou um evangélico por causa do evangelho de Jesus
Cristo”.
26
Tomemos como exemplo a Colômbia, país onde Padilla passou boa parte de
sua infância. Uma nação marcada por muitas lutas, ditaduras, comunismo e golpes
militares, envolvendo os principais partidos políticos da época.
A data de 9 de abril de 1948 registra o início de um dos momentos mais
sangrentos da Colômbia. Trata-se do assassinato de Jorge Gaitán, líder do Partido
Liberal, ocorrido no centro de Bogotá, que deu início há uma série de protestos e
revoltas como reação ao seu assassinato. Esse movimento de reação ficou conhecido
como “Bogotazo”. Os acontecimentos que se seguiriam até 1958, aproximadamente,
desencadearam na Colômbia o período que viria a ser chamado de La Violencia.16
Muitos protestantes eram filiados ao Partido Liberal. Em razão disso, alguns
reflexos são imediatamente sentidos na vida da Igreja:
16
O historiador colombiano Jorge Serpa Erazo defende que as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (FARC) nasceram dentro deste período conhecido como La Violencia, etapa conseguinte ao
Bogotazo na qual o governo iniciou uma campanha de terror contra a população, matando mais de 200
mil pessoas (ERAZO, 1999).
27
Fiz meu primário na Colômbia, fui expulso da escola quando estava fazendo o
terceiro ano por não assistir a uma procissão, o qual mostra um pouco da
situação que vivem os evangélicos na Colômbia nestes anos. E na década de
30 e ainda muito posteriormente, em parte por causa da perseguição religiosa
[...] minha família voltou para o Equador (REY, 2004, p. 38, tradução nossa).
Muitas pessoas das comunidades cristãs sofreram sob esses regimes. Outras
tantas sucumbiram ao uso da força e da tortura, cidadãos comuns, líderes,
políticos, não cristãos e também católicos e evangélicos. Não obstante, houve
resistência. Geralmente, não das igrejas oficiais, ciosas de posições
equilibradas e cautelosas. Houve grupos que mantiveram uma atitude crítica,
se arriscaram para defender os direitos humanos, mesmo em favor de
militantes não-cristãos. Comissões de Justiça e Paz, Comissões de Direitos
Humanos, Grupos de Apoio Fraterno surgiram em muitas partes, com o apoio
de setores de igrejas e comunidades cristãs. Algumas personalidades
sobressaíram por seu desassombro diante do regime militar, levando suas
instituições a se posicionarem criticamente. A resistência foi um sinal de
esperança para muita gente. A missão acontecia por vias não-convencionais
(SCHNEIDER, 1998, p. 211).
17
Realizada no Salão de conferências da Igreja Unida da Escócia, na cidade de Edimburgo, de 14 a 23
de junho de 1910.
18
A obra de Arturo Piedra (2006) aborda em detalhes as correspondências trocadas entre os dois
grandes líderes presentes nessa Conferência (John Mott e J. H. Oldham), onde revelam os pontos
discordantes.
19
Robert Speer (1867-1947), secretário da Junta de Missões Estrangeira da Igreja Presbiteriana dos
Estados Unidos (1891-1937), foi assistente do Congresso de Edimburgo. Considerado um dos maiores
“estadistas missionários” da primeira parte do século XX, tinha um interesse especial na América Latina.
20
Citando John Mackay, René Padilla (1975) informa que vários líderes ameaçaram abandonar a
Conferência se a América Latina fosse considerada como campo missionário.
29
2.1.2.1 Equador
21
Em 1959 René Padilla foi eleito secretário itinerante da Comunidade Internacional de Estudantes
Evangélicos (CIEE) para visitar estes países (PADILLA, 1984a).
22
Esta obra originalmente publicada em 1969 em inglês foi traduzida para o espanhol e também na
língua portuguesa pela Editora Mundo Cristão, tendo sua primeira edição na década de 70. Trata-se de
um trabalho de pesquisa patrocinado pela Escola de Missões Mundiais e pelo Instituto de Crescimento
da Igreja do Seminário Teológico Fuller. Dr. Donald McGavran foi diretor dessa pesquisa e o Dr. Alan
Tippett foi consultor sobre os métodos de pesquisa. Estas e outras informações sobre as fases de
preparação e elaboração da pesquisa podem ser encontradas na introdução da obra, em português,
conforme citada na bibliografia no final deste trabalho.
23
A Rádio HCJB, A Voz dos Andes, ainda hoje continua com suas atividades (RÁDIO HCJB, 2009).
30
2.1.2.2 Argentina
2.1.2.3 Colômbia
24
Como veremos um pouco mais à frente, Padilla foi para a Inglaterra para fazer seu doutorado em
Manchester, tendo concluído o mesmo em 1965.
31
No entanto, Padilla não apenas admite essas dificuldades, mas reconhece que
a urbanização se constitui em um desafio para a Igreja urbana. Ele vê no discipulado
uma alternativa de ação eficaz da Igreja. Segundo esse teólogo, a Igreja não pode se
limitar a pregar uma mensagem do “evangelho do êxito”25, uma mensagem de alívio
para as necessidades físicas imediatas; mas deve ter uma ação que leve as pessoas
da urbe, escravizadas pelo materialismo e consumismo, a confessarem a Jesus Cristo
como Senhor:
Tem que ver com a urgente necessidade de formar uma comunidade que,
pese a poderosa influencia de uma sociedade da massa escravizada pelo
materialismo e o consumismo, confesse a Jesus Cristo como Senhor e viva à
luz desta confissão. As cidades modernas, incluindo as latino-americanas,
têm muito de Sodoma e Gomorra. A missão urbana da Igreja tem que estar
orientada à formação de discípulos de Cristo que, a nível pessoal e
comunitário, deem testemunho da graça e do juízo de Deus, em palavra e em
ação, no coração mesmo da cidade (PADILLA, 1994a, p. 96, tradução nossa).
Esta parte deste trabalho teve por base, além de dados que foram sendo
coletados ao longo da pesquisa, três outras fontes: a entrevista que Padilla concedeu
ao pastor batista Víctor Rey Riquelme (REY, 2004); um artigo do próprio René Padilla
25
Uma obra indispensável para se compreender bem o movimento chamado teologia da prosperidade e
as implicações para a vida da igreja, é o livro do Dr. Paulo Romeiro. Nessa obra, Romeiro, de maneira
clara, simples e profunda, apresenta um retrato fiel e contundente dos exageros e dos deslizes
teológicos da confissão positiva (ROMEIRO, 1993).
33
intitulado Siervo de la palabra (PADILLA, 1984a); e uma entrevista que fiz com ele em
Salvador, Bahia, quando da realização de um congresso sobre temas relacionados à
Missão Integral26.
C. René Padilla nasceu em um lar evangélico, em 1932, no Equador na cidade
de Quito. Buscando melhores condições de vida, seu pai viaja para a Colômbia e após
conseguir um pouco de estabilidade financeira retorna ao Equador para buscar sua
esposa e filhos. Padilla informa que, quando estava para completar dois anos e meio,
seu pai decidiu mudar com toda a família para residir definitivamente na Colômbia,
onde passaria sua infância (REY, 2004).
Sua infância foi passada na cidade de Santa Fé de Bogotá, antigo nome da
capital da Colômbia, e, como já mencionado, cidade onde a presença do catolicismo
era muito forte. Em razão disso, Padilla (1984a) afirma ter presenciado muitas
discussões de seu pai com seus vizinhos católicos. Segundo ele, nessa época os
protestantes sofriam ameaças, e, juntamente com sua família, foi objeto de muita
perseguição religiosa. Padilla fala algo sobre essa perseguição naqueles anos na
Colômbia:
Fiz meu primário na Colômbia, fui expulso da escola quando estava fazendo o
terceiro ano por não assistir a uma procissão, o qual mostra um pouco da
situação que vivem os evangélicos na Colômbia nestes anos. E na década
de 30 e ainda mui posteriormente, em parte por causa da perseguição
religiosa [...] minha família voltou para o Equador (REY, 2004, p. 38,
tradução e grifo nossos).
René Padilla era o filho do meio, pois tinha outros três irmãos e três irmãs.
Sobre sua mãe, Padilla me informou que ela era muito católica e que chegou a pedir
ao esposo que não lhe falasse mais do Evangelho. Mas algum tempo depois, por volta
de 1921, sua mãe recebeu um convite para ir à inauguração do primeiro templo
evangélico em Quito. Aceitou o convite e, ao ouvir a mensagem pregada por um
missionário, veio a se converter (ENTREVISTA, 2009). Outra informação que Padilla
fez questão de ressaltar é que sua mãe era uma mulher muito inteligente. Embora não
tivesse mais que quatro anos de estudos. Contrariando ao esposo, o qual desejava
26
Esse congresso aconteceu entre os dias 08 e 10 de outubro de 2009, nas dependências da Igreja
Batista da Graça – Salvador, Bahia. Teve por tema “Transformando a Missão: justiça, espiritualidade e
cidadania”. Padilla, juntamente com outros líderes ligados à Missão Integral, foi um dos preletores. No
sábado, dia 10, tive um encontro com Padilla, onde pude realizar com ele uma longa entrevista. De
agora em diante, nesta pesquisa, farei referência a essa entrevista como “Entrevista, 2009”.
34
nessa idade já tinha, por parte de sua igreja, o reconhecimento de sua liderança; e,
por último, também aos 17 anos, começou a pregar o Evangelho, tanto na
Penitenciária Garcia Moreno como na Rádio HCJB.
Durante os anos de adolescência em que estava cursando o secundário,
Padilla já se sentia desafiado a pensar sobre os desafios que o marxismo impunha
sobre a teologia. Ele diz que nessa época dois ou três professores marxistas já
haviam lhe incomodado com questões sobre a relevância da Igreja na sociedade:
Algumas das lembranças mais vívidas que eu tenho do que Deus quis fazer
em minha vida se deu em um contexto de momentos difíceis, por exemplo,
quando na Universidade de Wheaton não dispunha de meios necessários
para meu próprio sustento porque não tinha como pagar tudo, eu não tive
nenhum tipo de ajuda de minha instituição. Recebi uma beca da própria
universidade e isso foi tudo, porém isso para mim foi uma disciplina que me
ajudou muito a crescer e a confiar no Senhor e saber que Ele era capaz de
27
É interessante ressaltar que nesse mesmo colégio também estudaria Carl F. H. Henry, chamado de
“o principal intérprete da teologia evangélica, um de seus mais importantes teóricos” (GRENZ; OLSON,
2003, p. 350). Henry daria uma grande contribuição ao evangelicalismo nos anos seguintes,
principalmente quando fundou a Revista Christianity Today, ficando responsável como seu editor até o
ano de 1967. Lembro que foi essa revista que convocou o Primeiro Congresso Latino Americano de
Evangelização (CLADE I).
36
28
Ruth Padilla DeBorst exerceu até este ano de 2009, o cargo de Secretária Geral da FTL.
29
Frederick Fyvie Bruce nasceu em Elgin, Escócia, em 12 de outubro de 1910. Recebeu seu M. A.
(grau de Mestre em Artes) em letras clássicas em Aberdeen e em Cambridge, e recebeu de Aberdenn o
seu D. D. (grau de Doutor em Divindade). De 1947 a 1959 foi professor de História e Literatura Bíblicas
da Universidade de Sheffield. Em 1959 mudou-se para a Universidade de Manchester, onde se tornou
professor de Crítica Bíblica e Exegese.
30
Elisa Padilla exerce atualmente o cargo de secretária executiva na Fundação Kairós (antes Editora
Kairós), organizada por René Padilla e que em 1987 se tornou uma Fundação, entidade que funciona
como uma ONG sem fins lucrativos, de acordo com as leis da Argentina (FUNDAÇÃO KAIRÓS, 2009).
31
Algumas informações sobre seus filhos: Rubens mora atualmente na Costa Rica com sua esposa e
tem seis filhos. Ruth, conforme já mencionado em nota anterior, exerceu o cargo de Secretária Geral da
FTL. Reside atualmente em Bogotá, em Costa Rica. Sara vive atualmente nos Estados Unidos e
desenvolve, juntamente com seu esposo, um ministério de evangelização dos imigrantes que vivem
ilegalmente naquele país. Padilla me informou na entrevista que se trata de um trabalho extremamente
difícil. Elisa vive em Buenos Aires, e é a atual Diretora da Editora Kairós. Padilla também informa que,
37
envolvidos na Missão Integral. Sua estada no Peru durou pouco mais de um ano,
após o qual foi para a Argentina.
assim que Elisa se casou, ela e seu esposo foram morar em uma favela, não por dificuldades
financeiras, mas como uma opção ministerial, com a finalidade de evangelizar os pobres. Por 12 anos
desenvolveram esse trabalho. Margarita vive em Buenos Aires e também está envolvida na Missão
Integral. Desenvolve um ministério trabalhando no que Padilla denominou de Recursos Naturais
Renováveis. Trata-se de uma missão que busca cuidar das questões ambientais. O caçula, René, vive
também em Buenos Aires e é funcionário da Toyota. Também está envolvido na Missão Integral, onde
desenvolve um programa de capacitação profissional de jovens em situação de pobreza (ENTREVISTA,
2009).
38
Após ter deixado suas funções na CIEE, Padilla investiu boa parte de seus
esforços na área de publicações. Por vários anos esteve à frente da Revista Certeza e
depois foi editor do editorial Caribe. Atualmente, Padilla é presidente emérito da
Editora Kairós, com sede em Buenos Aires.
Uma das atividades desenvolvidas por Padilla que merece destaque foi sua
liderança frente à Fraternidade Teológica Latina Americana (FTL). Essa importante
instituição, veículo de divulgação da teologia evangelical e da Missão Integral, teve
seu início em dezembro de 1970, na Bolívia, quando da realização do CLADE I.
Contando com 920 pessoas de todo o continente, o CLADE I aconteceu em
novembro de 1969, na cidade de Bogotá. Conforme já mencionei, esse CLADE foi
convocado pela revista evangélica Christianity Today, e a responsabilidade por sua
organização ficou com a Associação Evangelística Billy Graham. Devido à forte
consciência das necessidades de mudanças que precisam acontecer na América
Latina, nasce um desejo de unir esforços para trabalhar para promover mudanças na
sociedade. O próprio tema do Congresso já é revelador quanto a essa consciência:
“Ação de Cristo para um Continente em Crise”.
Segundo o pastor luterano Valdir Steuernagel, um dos principais líderes do
movimento evangelical, o CLADE I teve duas marcas distintivas: manifestou com
clareza que, na América Latina, somos e queremos ser evangélicos. E, como
evangélicos, somos e queremos ser latino-americanos. Naquela ocasião e naquele
contexto, tornava-se urgente que, sendo evangélicos, buscássemos uma teologia da
encarnação que estabelecesse as pautas para um diálogo com a situação de
sofrimento e opressão que se vivia em toda a América Latina (PAREDES, 1999).
Um dos resultados do CLADE I foi a criação da FTL; uma Fraternidade que
pudesse canalizar a inquietude teológica de novas gerações evangélicas que estavam
desejando mudanças na forma de ver a Igreja e sua ação na sociedade. A FTL é
organizada e tem na figura de René Padilla um de seus fundadores, juntamente com
outros líderes, como Samuel Escobar, Pedro Savage, Pedro Arana, J. Andrés Kirk,
39
32
Essa palestra de Padilla é o capítulo 5 do livro Missão Integral: Ensaios sobre o Reino e a igreja
(1992a). Além disso, o documento do CLADE II foi publicado em português, embora numa versão
simplificada, pela ABU (STEUERNAGEL, 1980).
33
O número 23 do Boletim Teológico da FTL trás um artigo de Samuel Escobar, Balanços e
perspectivas do Clade III, onde fornece uma visão dos antecedentes históricos desse congresso
(ESCOBAR, 1994).
40
Em seu artigo que trás como título A Missão da Igreja à luz do Reino de Deus34,
Padilla expressa o conceito de “reino de Deus” e de como esse tema é fundamental
na sua teologia. A missão da Igreja, segundo ele, não poderá ser compreendida de
maneira adequada, a menos que se entenda à luz da Escritura o significado de “reino
de Deus”. Ele ressalta que
34
O mesmo Padilla menciona que, dois anos antes, já havia apresentado esse tema numa consulta
sobre a Evangelização e a Responsabilidade Social, realizada em Michigan em 1982. Na qualidade de
preletor, foi convidado para falar nessa consulta, onde abordou o tema sobre a relação entre “o reino
em relação à igreja e o mundo” (PADILLA, 1992a, p. 12).
42
debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo a ser destruído é a morte” (I Co 15.25-26).
Ao afirmar que é necessário que Jesus reine pondo seus inimigos debaixo de seus
pés, e, ao falar que o último inimigo a ser destruído é a morte, Paulo nos ensina que o
Reino de Deus já está presente. E, ao mesmo tempo, ainda nesse mesmo capítulo,
Paulo mostra que a morte será tragada pela vitória da ressurreição que se dará por
ocasião da Segunda Vinda de Cristo. Dessa forma, a parousia (Segunda Vinda)
marcaria o fim e não o começo dessa etapa do Reino de Deus. A primeira vinda de
Cristo marca a inauguração do Reino, ou seja, o “já”, e a segunda vinda marca o
“ainda não” desse Reino.
Padilla faz algumas críticas à escatologia judaica em razão do seu dualismo,
onde o mesmo reflete grande dose de pessimismo, em que “surgiu em Israel um
conceito de história com um interesse exagerado no futuro e um persistente desprezo
para com o presente” (2002a, p. 197, tradução nossa). A ideia que permeava essa
escatologia fatalista ou pessimista entendia que a Era presente estava abandonada,
sob o domínio do mal e do sofrimento. Padilla ressalta que essa visão escatológica
não está em harmonia com a mensagem pregada pelos “profetas do Antigo
Testamento, para os quais o cumprimento dos propósitos de Deus na história era de
suma importância” (1992a, p. 197).
35
Embora não seja tão clara a origem desse nome, essa é uma das formas que o Senhor Jesus Cristo
usou para revelar quem Ele era. O uso da expressão ‘Filho do Homem’ era conhecida pelos judeus,
conforme pode ser visto em Daniel 7.13,14.
45
Por último, a Igreja não é o Reino de Deus, mas sim o resultado do Reino. Para
Padilla, a Igreja leva as marcas de sua existência histórica, do “ainda não” que
caracteriza o tempo presente. Em razão disso, a Igreja não deve se alienar. Ela, aqui
e agora, participa do “já” do Reino que o Senhor Jesus iniciou. Como a comunidade
do Reino é habilitada pelo Espírito Santo, a Igreja é claramente chamada a ser uma
nova sociedade, uma terceira força junto com os judeus e gentios (I Co 10.32). Ela
não deve ser equiparada com o Reino, mas tampouco separada dele (PADILLA,
1992b).
36
Esse texto foi preparado por Padilla e apresentado numa consulta realizada pela Associação de
Seminários e Instituições Teológicas (ASIT). Publicado posteriormente no Boletín Teológico de 1991.
47
Van Groningen parece concordar com esse conceito de Padilla. Ele afirma que,
Em sua obra intitulada El Evangelio Hoy, Padilla (1975) estabelece por objetivo
mostrar sua compreensão do que seja o genuíno Evangelho. Conforme ele mesmo
aponta, diante do crescimento quantitativo fenomenal do evangelicalismo na América
Latina, tal crescimento não tem correspondido na mesma proporção, visto não estar
acompanhado também de seus qualitativos orgânicos.
Conhecendo um pouco o cenário evangélico atual, não é difícil concordar com
a análise de Padilla. Inquestionalvelmente, o evangelicalismo em nossos dias
encontra-se em um estado de perplexidade e confusão. J. I. Packer aponta a causa
dessa perplexidade:
No ensaio escrito por Padilla, o autor procura defender um Evangelho que não
seja reduzido a uma ideologia, que não esteja divorciado da prática, limitado a
fórmulas doutrinárias sem qualquer referência à realidade histórica em que está
inserido. A convicção de Padilla (1975) é a de que o Evangelho autêntico é a resposta
para a renovação da Igreja e sua crise de missão.
Não é difícil entender que a inércia das igrejas no campo da ação e do serviço
em favor dos ‘extirpados da terra’ tenha compelido especialmente a juventude
a menosprezar o valor da fé e a absolutizar a política. Porém o fato é que,
quando a fé se reduz a uma ideologia que se esgota no plano horizontal, o
Evangelho perde toda a verdadeira relevância e a Igreja se converte em um
movimento sem especificidade cristã (1975, p. 15, tradução nossa).
O Espírito do Senhor está sobre mim porquanto me ungiu para anunciar boas
novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e
restauração da vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos, e para
proclamar o ano aceitável ao Senhor.
Ela deixa claro, para começar, o fato de que evangelizar significa declarar
uma mensagem específica. Segundo esta definição, evangelização não
significa meramente ensinar verdades gerais sobre a existência de Deus ou a
lei moral; evangelizar significa apresentar a Jesus Cristo, o Filho divino que se
tornou homem em um ponto particular da história do mundo, a fim de salvar
uma raça arruinada (PACKER, 2002, p. 34).
37
Várias outras passagens podem ser lidas para se conferir esse aspecto: At 11.18; Lc 24.47; Mc 1. 15;
At 20.21; Ez 18.30-31; 34.31; Sl 51.4; Jr 31.18-19; II Co 7.11; Sl 119.6,59,106; Mt 21.28-29.
52
Evangelizar é difundir as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos
pecados e ressuscitou segundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei,
ele agora oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a
todos os que se arrependem e crêem. A nossa presença cristã no mundo é
indispensável à evangelização, e o mesmo se dá com aquele tipo de diálogo
cujo propósito é ouvir com sensibilidade, a fim de compreender. Mas a
evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico
como Salvador e Senhor, com o intuito de persuadir as pessoas a vir a ele
pessoalmente e, assim, se reconciliarem com Deus. Ao fazermos o convite do
evangelho, não temos o direito de esconder o custo do discipulado. Jesus
ainda convida todos os que queiram segui-lo e negarem-se a si mesmos,
tomarem a cruz e identificarem-se com a sua nova comunidade. Os
resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em
sua igreja e um serviço responsável no mundo (PACTO DE LAUSANNE,
1974, artigo 4).
Para Padilla (1992b), o diabo e suas hostes malignas agem para dominar e
escravizar o ser humano e, por isso, precisamos estar conscientes dessa realidade. O
homem está aprisionado dentro de um sistema e é exatamente por isso que a
evangelização não pode estar reduzida a uma mera apresentação verbal de
conteúdos doutrinais. “A proclamação do Evangelho que não toma a sério o poder do
inimigo tampouco poderá tomar a sério a necessidade dos recursos de Deus para a
luta” (p. 21).
38
Rubem Martins Amorese atua como consultor legislativo no Senado Federal e é considerado um dos
grandes escritores evangelicais em nossos dias. Na obra citada, Amorese apresenta as três forças da
modernidade e como estas agem de maneira devastadora na vida da igreja: a pluralização, a
privatização e a secularização.
54
O ato de ‘aceitar a Cristo’ é o meio para alcançar o ideal da ‘boa vida’ sem
custo algum. A cruz perde seu escândalo, uma vez que aponta para o
sacrifício de Jesus Cristo por nós, mas não é um chamado para o discipulado
[...] o Deus deste cristianismo é o Deus da ‘graça barata’, o Deus que sempre
dá, mas nunca exige nada, o Deus feito expressamente para o homem-
massa que se rege pela lei do menor esforço e busca as soluções fáceis, o
Deus que se concentra naqueles que não tem possibilidade de negarem-se a
ele, porque o necessitam como analgésico (PADILLA, 1992b, p. 29).
evangelizar é proclamar Jesus Cristo como Senhor e Salvador, por cuja obra
o homem é liberto tanto da culpa como do poder do pecado, integrando-se ao
propósito de Deus de colocar todas as coisas sob o mando de Cristo (1992b,
p. 23).
39
Conforme veremos ainda, Padilla faz críticas ao chamado “evangelho do êxito”. Um evangelho que
procura se ajustar a uma sociedade como a nossa que cultua a saúde, a riqueza e a felicidade. O
evangelho do êxito é uma mensagem barata destinada às pessoas que procuram uma “solução rápida”
para os seus problemas, mas não mudança permanente em seu caráter.
55
24.25-28, onde é traduzido para o português por ‘explicar’. É possível afirmar que a
hermenêutica nos ensina os métodos ou princípios para tornar algo compreensível
(KAISER JUNIOR; SILVA, 2002).
Minha preocupação aqui é com a chamada hermenêutica bíblica e sua relação
com o tema da Missão Integral. Com a questão: “De que vale as Escrituras serem
normativas se não respondem as perguntas que surgem em nossa situação
contemporânea?” (1984b, p. 13, tradução nossa), Padilla quer mostrar que uma
hermenêutica para ser fiel à Bíblia, e também relevante para nossos dias, precisa ser
contextual. Em seu artigo Hacia una hermenêutica contextual, Padilla propõe:
40
Pelo termo ‘exegese’ entende-se o estudo sistemático da Escritura para descobrir o significado
original que foi pretendido por seu autor. A exegese é basicamente uma tarefa histórica. É a tentativa de
escutar a Palavra conforme os destinatários originais devem tê-la ouvido; descobrir qual era a intenção
original das palavras da Bíblia.
41
O livro de Walter C. Kaiser Jr. e Moisés Silva, Introdução à Hermenêutica Bíblica, pode ser
consultado para se conhecer melhor esse método.
56
não são apenas os leitores da Bíblia que são produtos de uma determinada
cultura; os autores bíblicos também o eram. E Deus levou isso em
consideração quando quis comunicar-se com o seu povo. Ou seja, ao falar,
ele não usou a sua própria língua (se é que ele fala alguma língua), nem se
expressou em termos de sua própria cultura celestial, pois tal comunicação
teria sido ininteligível para os seres humanos aqui na terra. Deus tampouco
gritou, lá do imenso céu azul, máximas descontextualizadas. Pelo contrário,
ele se humilhou e expressou-se na língua do seu povo (hebraico clássico,
aramaico e grego comum), e dentro das culturas do antigo Oriente Médio (o
Antigo Testamento), do judaísmo palestino (os Evangelhos) e do Império Ro-
mano helenizado (o resto do Novo Testamento). Nada da Palavra de Deus foi
dito em um vazio cultural; cada palavra de Deus se expressou em um
contexto cultural (STOTT, 2005, p. 214).
42
A linguagem de Padilla deixa explícita sua aproximação com o conceito de ‘fusão de horizontes’ de H.
G. Gadamer. O que não significa que Padilla se apresente como adepto dos pressupostos de Gadamer.
58
b) A cosmovisão do intérprete
o intérprete cuja perspectiva de mundo e da vida tem sido marcada por uma
situação histórica dominada pelo pressuposto de um universo fechado, no
qual tudo pode ser explicado na base das causas naturais, necessita da
correção que proporciona as Escrituras com sua ênfase em um Criador
pessoal que age com sentido em e através da história; e na criação como
totalmente dependente de Deus; no homem como ‘imagem de Deus’, afetado
pelo pecado e necessitado da redenção. Tais elementos constituem as
substâncias da perspectiva bíblica do mundo e da vida, a parte da qual não
pode haver uma compreensão nem da realidade nem das Escrituras (1984b,
p. 8, tradução nossa).
43
O termo ‘cosmovisão’ veio da língua Inglesa como uma tradução da palavra alemã Weltanschauung
(percepção de mundo, ponto de vista, concepção).
59
c) As Escrituras Sagradas
Em certo sentido a Bíblia deve ser lida como qualquer outro livro, o qual
significa que o intérprete tem que levar a sério o fato de que está frente a um
texto antigo com seus próprios horizontes. Sua tarefa é fazer que o texto
mesmo fale, ele estando de acordo com o que diz o texto ou não. [...] Nenhum
intérprete, qualquer que seja sua cultura, tem liberdade para fazer dizer o
texto qualquer coisa que ele queira fazer dizer. Sua tarefa é conseguir que o
texto fale por si mesmo, e com este fim, inevitavelmente, tem que tomar
contato com os horizontes do texto pela via do contexto literário, da
gramática, da história etc. (1984b, p. 8-9, tradução nossa).
d) A teologia
44
J. Severino Croatto, teólogo católico e ligado à hermenêutica libertacionista, entende a leitura da
Escritura a partir das experiências de cada leitor. Croatto defende uma leitura aberta do texto bíblico,
sem considerar o seu contexto histórico, gramático e cultural. Para ele, a Escritura está aberta a muitas
leituras e diferentes interpretações.
61
texto bíblico, tanto mais profundo e rico será nosso entendimento do contexto histórico
e do significado da obediência cristã neste contexto” (1984b, p. 13, tradução nossa).
No que diz respeito à questão da subjetividade e da objetividade, Padilla
posiciona-se com certo conservadorismo hermenêutico. Faço uso de uma citação, a
qual revela esse conservadorismo e deixa claro, inclusive, o seu posicionamento
quanto à hermenêutica da Teologia da Libertação:
Ainda que a objetividade científica absoluta seja um mito, razão pela qual a
‘suspeita ideológica’ é essencial na hermenêutica, a interpretação bíblica está
condenada ao fracasso se de entrada se dá por certo que a compreensão
objetiva do texto bíblico está totalmente bloqueada. Devemos duvidar de
nossa objetividade, por outro lado, devemos nos aproximar do texto com a
esperança de que nossos prejuízos nos impedem que as Escrituras nos falem
(PADILLA, 1982, p. 17, tradução nossa).
A fim de tornar a Missão Integral uma realidade, Padilla entende que se faz
necessária uma boa teologia sobre a Igreja. Caso contrário, ela “não conseguirá levar
avante sua função de ser sal da terra e luz do mundo” (2003, p. 14, tradução nossa).
Em razão disso, com o propósito de estabelecer uma eclesiologia que atenda aos
referenciais da Missão Integral, Padilla concebe que essa igreja precisa reunir quatro
características:
A ideia neste ponto é que existe uma estreita relação entre a missão de Cristo
e a missão da igreja. Citando João 20.21, onde Jesus diz: “Assim como o Pai me
enviou eu também vos envio”, Padilla (2003) afirma que o ministério da igreja é uma
extensão do ministério de Jesus.
Essa é a afirmação feita também no Relatório de Willowbank45, Sobre
Evangelho e Cultura (1978): a encarnação foi “o exemplo mais espetacular de
identificação cultural na história da humanidade” (COMISSÃO DE LAUSANNE, 1983,
p. 25).
John Stott corrobora com essa opinião e se expressa de maneira clara e
consistente:
Nossa missão deve ser modelada a partir da sua missão. Na verdade, toda
missão de verdade é missão encarnacional. Exige identificação sem perda de
identidade. Significa entrar no mundo dos outros, assim como ele entrou no
nosso mundo, mas sem comprometer nossas convicções, valores e padrões
cristãos (STOTT, 2005, p. 157).
45
O conhecido “Relatório de Willowbank” é resultado de uma consulta internacional realizada entre 6 e
13 de janeiro de 1978, nas Ilhas Bermudas e contou com John Stott como moderador. Esta reunião teve
a presença de teólogos, antropólogos, linguistas, missionários e pastores. A ABU, em parceria com a
Visão Mundial, publicou todos este relatório na série que leva o título Série Lausanne.
63
Todo crente é chamado ao ministério cristão, seja qual for a sua vocação.
Como consequência, entre o povo evangélico se fez comum a ideia de que
era possível separar os benefícios da salvação da responsabilidade
missionária. A missão integral exige a recuperação do sacerdócio de todos os
crentes de tal modo que a igreja seja uma comunidade donde todos os
membros por igual se estimulem mutuamente na descoberta e
desenvolvimento dos dons e ministérios nas múltiplas áreas da vida humana
que requerem ser transformadas pelo poder do Evangelho (PADILLA, 2003,
p. 41, tradução nossa).
Os discípulos são homens que se comprometem com Cristo sem restrição, que
aceitam a Palavra, que levam sua cruz, que têm um testemunho cristão em cada
esfera da sua vida. O discípulo é alguém que demonstra uma vida transformada e
pode ser identificado por seu fruto.
Paulo, em Cl 1.28, diz: “o qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e
ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo
homem perfeito em Cristo”. Nessa passagem, o apóstolo nos revela o objetivo pelo
qual ele ensinava: “apresentar todo homem perfeito em Cristo”.
65
René Padilla (2003) afirma que a conversão é apenas o início da vida cristã, e
que o discipulado é o caminho progressivo para a conformidade à imagem de Cristo.
Nessa expressão temos a essência do discipulado.
Sabe-se que a conversão apenas dá início a uma nova vida; ao nascer, o novo
crente inicia uma longa caminhada na espiritualidade, a qual necessitará de uma
educação a fim de proporcionar-lhe crescimento na fé, e, assim, torná-lo “perfeito” em
Cristo, ou seja, um discípulo (Cl 3.10).
No pensamento de Padilla (2003), o que distingue um discípulo não é o fato de
ele participar de uma igreja, mas sim o fato de manifestar um estilo de vida que reflita
o amor e a justiça do Reino de Deus. Em relação a esse aspecto, Padilla esclarece
que a verdadeira natureza do Evangelho não se limita a “ganhar almas”:
Ressalto ainda as palavras de Padilla, pelas quais demonstra haver uma clara
relação entre um relacionamento vital com Jesus e uma vida dedicada de serviço a
Ele, até mesmo como expressão de que, de fato, o cristão está envolvido de maneira
integral com Seu reino:
Que significa hoje ‘aceitar a Cristo’? Para muitos tudo se reduz a uma
experiência religiosa vagamente referida a Jesus Cristo, da qual se derivam
benefícios ‘espirituais’. Essa maneira de entender a profissão de fé é, no
mínimo, deficiente. Necessita ser corrigida por uma visão evangélica das
implicações do discipulado cristão. Desde esta perspectiva, ‘aceitar a Cristo’ é
adotar a prática profética de Jesus, é apropriar-se de seu compromisso com o
Reino de Deus e sua justiça, é disponibilizar-se a seguir seu caminho e a
‘participar em seus sofrimentos e chegar a ser semelhante a ele em sua
morte’ (Fl 3.10). Em outras palavras, é compartilhar sua missão e seu
sofrimento (PADILLA, 1994a, p. 53, tradução nossa).
66
d) A visão da igreja como uma comunidade que confessa a Jesus Cristo como
Senhor e vive à luz dessa confissão, de tal modo que nela se vislumbra a
iniciação de uma nova comunidade.
Nessa mesma direção, John MacArthur Junior faz eco às palavras de Padilla;
entendendo também que há um perigo envolvido na pregação pragmática:
O Evangelho que está em voga hoje em dia oferece uma falsa esperança aos
pecadores. Promete-lhes que terão a vida eterna apesar de continuarem a
viver em rebeldia contra Deus. Na verdade, encoraja as pessoas a
reivindicarem Jesus como Salvador, mas podendo deixar para mais tarde o
compromisso de obedecê-Lo como Senhor. Promete livramento do inferno,
mas não necessariamente libertação da iniqüidade. Oferece uma falsa
esperança às pessoas que folgam em seus pecados da carne e desprezam o
caminho da santidade (1991, p. 18).
46
Uma obra sobre a vida e obra desse teólogo é o livro Orlando Costas: sua contribuição na história da
teologia latino-americana (CALDAS, 2007).
68
Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se
envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.
(I Tim 2.15)
47
A Declaração Evangélica de Cochabamba é fruto da reunião inaugural da Fraternidade Latino-
Americana, realizada em 1970.
70
A crise do púlpito é por sua vez uma causa e um sintoma da crise da igreja. É
causa porque não se pode esperar que sem o cultivo da Palavra a igreja dê
seus melhores frutos: a uma pregação pobre corresponde uma vida eclesial
igualmente pobre: as debilidades e carências que a afetam, necessariamente,
repercutem nos portadores de sua mensagem (1994a, p. 40, tradução nossa).
Há pelo menos 20 anos, Padilla fazia essa afirmação. E ainda em nossos dias
continuamos enfrentando esse mesmo descuido pela pregação bíblica. Albert Mohler
Junior descreve essa erosão nos seguintes termos:
Nossa maior necessidade é um Evangelho mais bíblico e uma igreja mais fiel.
Podemos sair deste Congresso com uma bela quantidade de palestras e
resoluções que entrarão para os arquivos e logo serão esquecidas, e com a
recordação de uma reunião mundial impressionante. Ou podemos sair com a
convicção de que temos fórmulas mágicas para a conversão das pessoas.
Minha esperança e oração é que saiamos com a atitude de arrependimento
por nossa escravização ao mundo e nosso triunfalismo arrogante, e com a
confiança de que Deus ‘tem poder para fazer muitíssimo mais do que nós
pedimos ou sequer pensamos, por meio de seu poder que trabalha em nós.
Glória a Deus na igreja e em Cristo Jesus, por todos os séculos e para
sempre! Amém’ (1992b, p. 7).
Nessa fala, chamo a atenção para outro aspecto marcante na teologia pastoral
de Padilla: sua espiritualidade. Ao escrever sobre esse ponto e sua relevância para a
vida e missão da igreja, Padilla (2006a) diz haver dois déficits que se constituem numa
ameaça para a prática da Missão Integral; são eles: a ausência de reflexão teológica e
ausência de espiritualidade. Ele afirma que
uma igreja sem reflexão teológica está ameaçada pelo perigo da heresia ou
do mundanismo [...] uma igreja que não presta maior atenção a sua
espiritualidade está ameaçada pelo perigo do ativismo (2006a, p. 184,
tradução nossa).
Mas o que vem a ser ‘espiritualidade’? Qual o seu conceito? Padilla oferece um
conceito de espiritualidade, que, para ele, não trata de religiosidade, muito menos de
um espiritualismo individualista desvinculado da vida diária ou do mundo presente. Eis
sua definição:
A espiritualidade tem muito mais a ver com o que somos, do que com
experiências espirituais, ordinárias ou extraordinárias, que podemos ou não
ter. Na realidade, falar de espiritualidade e falar de um estilo de vida que se
orienta para o cumprimento do propósito de Deus para a vida humana e a
totalidade da criação, se concentra em uma maneira de pensar, sentir e agir
coerentemente com Jesus Cristo como modelo da nova humanidade, e
depende do poder do Espírito Santo (2006a, p. 186, tradução nossa).
72
Para Padilla (1992b), o termo ‘cosmos’ tem pelo menos três significados
distintos na Escritura: 1) mundo, como a soma de toda a criação (Mt 24.21; Jo 1.9,10);
2) mundo, como a ordem presente da existência humana (Mt 4.8; Jo 8.23; 12.25;
16.33); e 3) mundo, a realidade formada por pessoas, sendo estas escravizadas pelo
pecado e rebeldes contra Deus.
Através de uma breve análise, porém profunda, Padilla observa que o termo
‘cosmos’ inclui o significado de “uma humanidade em aberta hostilidade contra Deus,
personificada no inimigo de Jesus Cristo e em seus seguidores” (1992b, p. 19).
Para Padilla, o grande problema do homem não é o fato dele cometer alguns pecados
ou ceder às tentações particulares, o problema é “que está aprisionado dentro de um
73
Por essa expressão, o autor entende que, mesmo que haja diversas versões do
“cristianismo secular”, todas partem de um pressuposto básico: “o homem moderno
chegou à maturidade [...] e não precisa mais do sobrenatural” (PADILLA, 1992b, p.
26). Em outras palavras,
John Stott (2005) nos ajuda mostrando que a sociedade secularizada, ao abrir
mão da transcendência, trouxe diversos problemas a ela mesma. Dentre alguns
desses problemas, Stott menciona o abuso de drogas, busca pelo ocultismo e
misticismo, e apego ao materialismo.
Insiste que a solução para esses problemas é um retorno à velha doutrina da
transcendência:
48
O conceito American way of life é amplamente conhecido. Esse movimento de ascensão que os
Estados Unidos experimentaram teve seu auge após a Segunda Guerra, mas seus primeiros contornos
já se faziam presentes em meados do século XIX e tornaram-se mais claros na década de 1920. Devido
a um período de ascensão socioeconômica, os Estados Unidos experimentaram um período de grande
prosperidade e bem-estar social. O American way of life se espalhou pelo mundo, influenciando os
costumes em diversos países, alimentando o sonho de se parecer com a potência americana.
75
Essa última afirmação feita por Padilla (2008a, p. 42), de que “os bens
materiais, poucos ou muitos, são postos ao serviço de Deus e do próximo”, está em
harmonia com o pensamento de Calvino. Segundo o reformador,
a vontade de Deus é que haja tal analogia e igualdade entre nós, [...] que
cada um socorra os indigentes na medida de suas possibilidades, a fim de
que alguns não sofram necessidades enquanto outros têm em supérflua
abundância (CALVINO apud BIÉLER, 1970, p. 43).
Comentando Efésios 4.28, Calvino mostra que é o amor ao próximo que nos
leva a ver o trabalho não apenas como uma atividade em benefício próprio, mas
também para ajudar a satisfazer as necessidades dos outros: “O amor nos leva a
fazer muito mais. Ninguém pode viver exclusivamente para si mesmo e negligenciar o
76
algo anda muito mal se entendermos que, se ganhamos bem ou temos sido
bem sucedidos, temos o direito de desfrutarmos dos luxos que nos oferece a
sociedade de consumo, sem que sequer perguntamos se tais luxos não
devem ser postergados a fim de liberar recursos para satisfazer necessidades
mais urgentes, não nossas mas dos outros (PADILLA, 1994a, p. 118-119,
tradução nossa).
Em I João 3.17,18 lemos: “Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e
ver seu irmão passar necessidade e, fechar-lhe o coração, como pode permanecer
nele o amor de Deus?”. Padilla (1994a) pondera que, “em um contexto de
necessidades físicas e materiais prementes, um estilo de vida sensível, em função do
serviço ao próximo, é uma exigência do amor” (p. 119, tradução nossa).
Na percepção de Padilla e de Calvino, não deve existir um tipo de
espiritualismo que separe a vida material da vida espiritual. A doutrina reformada não
advoga esse tipo de alienação, a vida espiritual e a vida do corpo estão intimamente
ligadas.
pressupostos teológicos, uma gama muito grande de respostas pode ser dada a
essas questões.
Desde o começo da história da Igreja muitas derivações de termos têm
aparecido nas traduções latinas procedentes do termo grego ‘apóstolo’, onde o verbo
significa “a arte de exercer o apostolado, o ofício de um apóstolo”. A terminologia
‘missio’ somente veio a aparecer no século XVI quando os Jesuítas e Carmelitas
enviaram ao Novo Mundo de então centenas de missionários. Inácio de Loyola e
Jacob Loyonez consistentemente empregaram o termo ‘missio’. Eles, os jesuítas,
foram os primeiros a utilizarem a terminologia ‘missão’ como a propagação da fé cristã
entre os povos não cristãos, ou seja, a disseminação da fé entre os povos não
católicos (os protestantes foram vistos como indivíduos a serem alcançados). Esse
sentido estava intimamente associado com a expansão colonial do mundo ocidental
aos demais povos (atualmente chamado de terceiro mundo) (NOLL, 2000).
Francisco Xavier (1506-1552), um dos companheiros de Loyola, embarcou em
diversas viagens missionárias levando a mensagem do cristianismo católico para a
Índia, Malásia, Indonésia e Japão (NOLL, 2000).
Desde meados do século XX, vários sentidos têm sido aplicados ao termo
‘missão’, alguns mais estreitos, outros mais amplos. A seguir, alguns conceitos de
missão.
Até o século XVI, o termo ‘missão’ foi usado exclusivamente para fazer
referência à doutrina da trindade, isto é, ao seu papel na história da redenção; o envio
do filho pelo Pai e, por sua vez, o envio do Espírito Santo pelo Pai e pelo Filho. Essa
interpretação, contanto que aceita como doutrina básica da Igreja Cristã, foi um dos
motivos da cisão do Cristianismo medieval no ano de 1054.
Em seu sentido mais amplo, a missão é tudo o que a Igreja faz a serviço do
Reino de Deus (Missões no plural). Em sentido mais restrito, contudo, a missão
refere-se à atividade missionária, à pregação do Evangelho entre povos e culturas em
cujo meio ele não é conhecido (Missão no singular). A seguir, duas definições:
J. H. Bavinck define missões como sendo uma
49
David Jacobus Bosch (1929-1992), membro da Igreja Reformada Holandesa, foi professor de
missiologia na Universidade de Pretória, na África do Sul, por 24 anos. Secretário geral da Sociedade
Sul-Africana de missiologia desde sua instituição em 1968. Foi editor da revista Missionalia desde sua
fundação em 1973. Além de Bacharel em teologia, Bosch graduou-se como mestre de artes em línguas
(afrikaans, holandês e alemão). Fez seu doutorado na Suíça (Universidade de Basileia), na área de
Missiologia, com orientação de Oscar Cullman, que exerceu grande influência em sua vida. Bosch
escreveu mais de 150 artigos em periódicos e muitos livros, incluindo a sua obra magna Transforming
Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission (1991). Esse livro foi selecionado como um dos “Quinze
livros de destaque de 1991” pela International Bulletin of Missionary Research. Lesslie Newbigin fez
elogios aos mesmo chamando-o de “uma espécie de Summa Missiológica” em referência à obra
Summa Teológica de Tomás de Aquino. Sua contribuição e influência nos estudos da missiologia foi
imensa. Convém destacar que Bosch constitui num modelo da prática da Missão Integral, pois ele muito
lutou contra o racismo na África do Sul. Morreu tragicamente, num acidente de carro, no dia 5 de abril
de 1992, aos 62 anos (DAVID BOSCH, 2009).
79
50
Filho do Homem, título utilizado, inclusive pelo próprio Jesus ao falar de si mesmo, que traz como
significado o fato que Ele possuía humanidade real (Mc 8.31; 10.45; Lc 9.58).
81
51
A chamada Grande Comissão também foi objeto de análise de David Bosch, o qual ensina que
nesses versículos temos quatro verbos: matheteusate (imperativo aoristo ativo), poreuthentes (particípio
aoristo passivo), baptízontes (particípio presente ativo) e didaskontes (particípio presente ativo). O verbo
principal e, também, aquele que constitui o coração da perícope, como dito acima, é matheteusate
(BOSCH, 1996). Os demais particípios, pelo simples fato de serem particípios, denotam o meio, “o
modo de emprego relacionado à ação do verbo principal” (LASOR, 1990, p. 77; CHAMBERLAIN, 1989,
p. 128). Bosch comenta que os particípios estão subordinados ao verbo principal e que estes
descrevem a forma pelo qual o fazer discípulos será tomada (BOSCH, 1996).
82
No início do artigo, Padilla deixa claro que sua proposta era mostrar que a
Grande Comissão não deveria ser reduzida a um “mandato evangelístico”,
enfatizando a pregação do Evangelho por todo o mundo. No entanto, entendo que há
na Grande Comissão (v. 20) dois outros aspectos que poderiam ter sido explorados: a
promessa de Cristo em enviar o Espírito Santo e o alcance da missão, ou seja, por
todas as nações.
Igreja não entender que esse domínio também devesse se estender sobre todas as
áreas da vida humana. A missão é consequência natural da coroação do Senhor
ressurreto e da autoridade que isto traz. “O senhorio de Cristo é o fundamento da
eclesiologia integral e da missão integral” (PADILLA, 2003, p. 20, tradução nossa).
Padilla, de maneira clara e incisiva, declara que
se Jesus Cristo é Senhor de todo o universo, a quem lhe foi dado toda
autoridade no céu e na terra, sua soberania se estende tanto no âmbito
econômico como no político, tanto no âmbito social como no cultural, tanto no
âmbito estético como no ecológico, tanto no âmbito pessoal como no
comunitário. Nada nem ninguém pode ser excluído de seu senhorio (2003, p.
21-22, tradução nossa).
Uma questão tratada por Padilla está relacionada às abordagens cristãs sobre
a dimensão universal do Evangelho. O ponto é: se Jesus é o Salvador do mundo, e
não de uma seita, pode-se afirmar que todos serão salvos ou apenas alguns? Já que
existem pessoas devotas em outras religiões, pode-se afirmar que tais pessoas
podem ser salvas mesmo que não tenham ouvido a pregação do Evangelho? Seu
posicionamento, o qual defende a singularidade de Cristo, é assim expresso:
52
Sobre esse tema há um livro que sugiro que seja consultado por aqueles que queiram se aprofundar
um pouco nos estudos sobre essas três posições: O que será dos que nunca ouviram? (PRICE, 2004).
86
homens estão perecendo por causa do pecado, mas Deus ama todos os
homens, desejando que nenhum pereça, mas que todos se arrependam.
Entretanto, os que rejeitam Cristo repudiam o gozo da salvação e condenam-
se à separação eterna de Deus. Proclamar Jesus como ‘o Salvador do
mundo’ não é afirmar que todos os homens, automaticamente, ou ao final de
tudo, serão salvos; e muito menos que todas as religiões ofereçam salvação
em Cristo. Trata-se antes de proclamar o amor de Deus por um mundo de
pecadores e convidar todos os homens a se entregarem a ele como Salvador
e Senhor no sincero compromisso pessoal de arrependimento e fé. Jesus
Cristo foi exaltado sobre todo e qualquer nome. Anelamos pelo dia em que
todo joelho se dobrará diante dele e toda língua o confessará como Senhor
(PACTO DE LAUSANNE, 1974, artigo 3).
53
Afirmação feita em sua palestra intitulada Hacia una definición de la misión integral, proferida durante
o Congresso Nacional de Evangelização em 12 de junho de 2001, em Honduras. Posteriormente, em
2006, a Editora Kairós publicou essa palestra como o primeiro capítulo no livro El Proyecto de Dios y las
necesidades humanas, em que Padilla é editor juntamente com Tetsunao Yamamori (2006b).
88
54
Após citar o teólogo David Bosch, que afirmara que já nos séculos XVIII e XIX a Igreja, ao pregar o
Evangelho, pouca separação fazia entre o “serviço à alma” (soteriológico) e o “serviço ao corpo”
(humanitário) (PADILLA, 2006b, p. 21, tradução nossa).
55
Lembro a controvérsia presente no Congresso de Edimburgo, em 1910, sobre a questão de se
considerar a América Latina como um território cristianizado ou não.
89
Ela pode ser definida sob várias perspectivas. Uma delas diz que o homem é
um ser não só espiritual, mas também possui as instâncias psicológica e
física. Então, a missão integral tem a ver com a totalidade da vida humana e
leva muito a sério as necessidades de cada uma dessas áreas – ora,
ninguém pode viver sem alimento ou sem abrigo, mesmo que conheça a
Deus. Falar de missão integral é falar do ser humano em todos os aspectos
de sua vida individual e em sociedade. Outra perspectiva seria a de que o
Deus da Criação tem interesse e soberania sobre cada aspecto de sua obra.
A missão integral nos motiva a alcançar o homem na plenitude de suas
necessidades, sem separar religioso ou profano, sacro ou secular. E em cada
um desses aspectos da vida, somos chamados a dar glórias a Deus
(PADILLA, 2008b).
a) A doutrina da criação
Ele é uma unidade de corpo e alma, inseparáveis entre si. Em razão disso,
não se pode ajudar alguém dando atenção apenas a um destes aspectos. A
‘missão integral’ é uma missão que busca satisfazer o ser humano em suas
necessidades básicas, incluindo sua necessidade de Deus (necessidade
espiritual), mas também suas necessidades de abrigo, alimento, saúde física
e dignidade humana (PADILLA, 2006b, p. 31, tradução nossa).
A única missão que sabe honrar o nome de Jesus Cristo é a missão em que
se mostra uma compaixão real pelo homem integral, como pessoa e como
membro de uma sociedade, em seu aspecto pessoal e em seu aspecto
comunitário. Eu creio que na América Latina por muito tempo trabalhamos
como se as pessoas não tivessem corpo, só alma. Hoje em dia as coisas
estão mudando. Somos seres psicossomáticos e espirituais e, portanto, a
atenção tem que ser ao homem integral na sociedade e na comunidade
(REY, 2004, p. 43, tradução nossa).
Para Calvino, com efeito, dúvida não há de que a Palavra de Deus se dirige
ao homem integral, como um todo, na presente vida como na vida futura, em
sua alma como em seu corpo, na vida espiritual como na vida material, em
seu ser pessoal como em sua vida em sociedade. Quando Deus fala, Ele
encontra o homem na totalidade do seu ser e de seu vir-a-ser, Sua voz se
dirige a ele, tanto quanto à humanidade, ao universo e à Criação toda: todo o
profano se torna sagrado, nada escapa ao desígnio, nem ao julgamento, nem
ao amor de Deus (BIÉLER, 1990, p. 257).
56
Quando da minha entrevista com Padilla, em resposta a minha pergunta sobre quais os desvios que
ele tem percebido na atualidade na teologia da Missão Integral, sua resposta foi que “muitas pessoas
pensam que a Missão Integral tem seu início em Lausanne”.
94
forte impacto nos delegados. Padilla faz referência a isso dizendo que um dos
presentes chegou a afirmar que
o consenso dos delegados foi que qualquer igreja ou membro da mesma que
cante no mundo uma melodia celestial, porém não segue a Cristo enquanto
não aliviar a opressão e o sofrimento humano, é um barco encalhado. Em
Minneapolis observaram como a direção do Espírito de Deus afasta a Igreja
da armadilha do isolamento social e a coloca com a proa rumo ao amplo mar
da humanidade (PADILLA, 2008d, p. 61, tradução nossa).
foi recebida com entusiasmo por muitos que viram nela clara evidência de
que os evangélicos estavam superando a tradicional dicotomia entre
evangelização e responsabilidade social (PADILLA, 2008d, p. 62, tradução
nossa).
Como podemos perceber, a Missão Integral não tem seu início no Congresso
Mundial de Evangelização em Lausanne (1974). No entanto, foi nesse Congresso que
ela iria fincar definitivamente suas estacas. Realizado na cidade suíça de Lausanne,
entre os dias 16 e 25 de julho de 1974, esse congresso, na opinião de Padilla, “deu
um passo definitivo na afirmação de que a evangelização e a responsabilidade social
são aspectos essenciais da missão da Igreja” (2002a, p. 63, tradução nossa).
Ao destacar algumas afirmações do parágrafo 5 do Pacto de Lausanne, onde a
relação entre evangelização e responsabilidade social aparece como sendo parte do
nosso dever como cristãos, Padilla ressalta várias expressões do Pacto, entre elas:
“Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes
considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas”; e “a
mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de
alienação, de opressão e de discriminação”. Nas palavras de Padilla, tal declaração
“foi um golpe mortal a toda intenção de reduzir a missão da Igreja à multiplicação de
cristãos e de igrejas por meio da evangelização” (2002a, p. 66, tradução nossa).
Mesmo tendo sido bem recebido nos diversos seguimentos do evangelicalismo
mundial, o Pacto de Lausanne não passou isento de muitas críticas e rejeição. John
Stott esclarece que uma das razões dessa rejeição é que “os evangélicos reagiram
contra o assim chamado ‘evangelho social’, que na época estava sendo desenvolvido
pelos teólogos liberais” (STOTT, 1989, p. 24).
98
Padilla nos informa que em resposta a essas críticas, John Stott publicou na
revista Christianity Today, publicada em 5 de janeiro de 1979, uma defesa do Pacto,
reafirmando
Não há dicotomia bíblica entre a palavra falada e a palavra que se faz visível
na vida do povo de Deus. Os homens olharão ao escutarem, e o que eles
virem deve estar em consonância com o que ouvem [...] Há tempos em que
nossa comunicação pode dar-se apenas por atitudes e ações, e há outros em
que a palavra falada estará só: mas precisamos repudiar como demoníaca a
tentativa de meter uma cunha entre a evangelização e a preocupação social
(BOSCH, 2002, p. 486).
Aqueles que estão famintos e sedentos por justiça, aqueles que são privados
do que precisam para sobreviver, grupos étnicos marginalizados, famílias
destruídas, mulheres que não têm direito algum, jovens dedicados ao vício ou
com tendência à violência, crianças sofrendo por causa da fome, abandono,
ignorância e exploração (PADILLA, 2002a, p. 69-70, tradução nossa).
Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai
o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e
sacrificial. Precisamos deixar os nossos guetos eclesiásticos e penetrar na
sociedade não-cristã. Na missão de serviço sacrificial da igreja a
evangelização é primordial (PACTO DE LAUSANNE, 1964).
Com relação a essa Declaração, David Bosch afirma que “pela primeira vez
uma declaração oficial emitida por uma conferência evangélica supera o eterno
problema entre a evangelização e o envolvimento social” (BOSCH apud PADILLA,
2002a, p. 80, tradução nossa).
comuns e ordinários, que podem desfrutar dos benefícios da salvação, mas estão
exonerados de participar no que Deus quer fazer no mundo. Essa dicotomia, no
entender de Padilla, pode ser a razão do ensino errôneo da separação entre “clérigos”
e “leigos”; e 4) A dicotomia entre a vida e a missão da Igreja (2009b). Sobre essa
quarta dicotomia, Padilla é claro ao afirmar que
se, para que a igreja fosse ‘missionária’ bastasse enviar e apoiar alguns de
seus membros para que se ocupassem da missão, algumas igrejas não
teriam nenhum impacto significativo na sua vizinhança: a vida se
desenvolveria na situação local (‘at home’); mas a missão, em outro lugar,
preferivelmente no exterior (‘the mission field’) (2009b, p. 17).
Padilla continua:
Em outras palavras, cada igreja, seja qual for sua localização, é chamada a
participar na missão de Deus – uma missão que tem um alcance local, um
alcance regional e um alcance mundial – começando em sua própria
‘Jerusalém’. Para cruzar a fronteira entre o que é fé e o que não é não é
necessário cruzar fronteiras geográficas: o fator geográfico é secundário. O
compromisso com a missão está própria essência de ser igreja; portanto, a
igreja que não se compromete com a missão de testificar acerca de Jesus
Cristo e assim cruzar a fronteira entre o que é fé e o que não é, deixa de ser
igreja e se converte em um clube religioso, um mero grupo de amigos ou uma
agência de bem-estar social (2009b, p. 17,18).
Concordo com Padilla quando este afirma que para se fazer missões não é
necessário cruzar as barreiras geográficas. No entanto, entendo que o compromisso
principal da Igreja não é a missão e sim a adoração, o culto a Deus.
Martyn Lloyd-Jones assim se expressa:
102
O pastor batista John Piper também defende essa posição, de que o culto a
Deus e não à obra missionária deve ser a preocupação principal da igreja do Senhor.
Eis o seu argumento: “O desafio missionário existe e persiste porque o culto pleno a
Deus ainda não existe [...] O culto é o alvo último da igreja. O culto a Deus deve ter
prioridade na igreja, não a obra missionária, porque Deus é último, e não o ser
humano” (2001, p. 13).
Por mais que o nosso desejo seja o de afirmar a prioridade da obra missionária,
precisamos acompanhar o pensamento de John Piper, para o qual uma análise
honesta da revelação bíblica leva à conclusão que o culto é o fim último da igreja e o
desejo máximo de Deus para toda a humanidade (PIPER, 2001). A primeira pergunta
do Catecismo de Westminster diz: “Qual é o fim principal do ser humano?” E a
resposta acertada é: “O fim principal do ser humano é glorificar a Deus e gozá-Lo para
sempre”. É dentro dessa perspectiva reformada que a minha reflexão a respeito da
obra missionária se encontra.
Padilla é de opinião que, pelo fato desses países serem tão fechados ao
Evangelho, os métodos modernos de evangelização, como a televisão, internet etc.,
não teriam alcance. Em razão disso, e até mesmo pelo exemplo que temos de Jesus,
104
3ª) Por último, a terceira lição a ser aprendida do trabalho missionário entre
povos islâmicos é que, segundo os critérios do Reino de Deus, o sucesso
não pode ser medido em termos de números de conversões, mas sim em
termos de fidelidade à vontade de Deus.
Os cristãos não têm apenas responsabilidade para com o Estado, mas também
para com o próximo. Escrevendo a Tito (3.1), Paulo diz que o cristão deve ser alguém
“preparado para toda boa obra”. Obviamente, que a base para essa dimensão social
não é o conceito de salvação pelas obras, mas no amor a Deus e ao próximo
(HENDRIKSEN, 1975).
Calvino, também no exercício de seu pastorado, sempre procurou encorajar
pessoas sobrecarregadas, que não conseguiam encontrar consolo mediante sua
própria aproximação de Deus, a procurarem seu pastor para aconselhamento
particular e pessoal. Nas palavras de Ferreira, “Calvino é pastor zeloso e incansável
no seu esforço em favor de suas muitas ovelhas, sofridas e angustiadas por males de
toda sorte” (FERREIRA, 1985, p. 153).
Antônio José do Nascimento Filho vai ao encontro do pensamento de Calvino
quando afirma que
Ou seja,
Neste capítulo, temos por objetivo mostrar que a teologia da Missão Integral,
através de sua proposta, oferece ao cristão a oportunidade de ser não apenas
expectador, mas autor das transformações na sociedade. Penso ter ficado claro que
os pressupostos que norteiam a Missão Integral, à semelhança do calvinismo, não
fazem distinção entre sagrado e profano, entre o que é religioso e o que é social. A
Missão Integral não dissocia a vida cristã da vida na sociedade.
Marx não deixa de ter alguma razão quando diz que a religião projeta o homem
para um mundo ilusório (ZILLES, 1991). Muitas vezes, tenho percebido que, na
prática, os evangélicos têm adotado a postura de Tertuliano (HORTON, 1998), ou
seja, estão apenas defendendo um Evangelho com implicações meta-históricas,
totalmente indiferentes aos problemas da era moderna; uma pregação preocupada
apenas na salvação da alma, voltada para a eternidade; mas sem qualquer vinculação
com a realidade presente. Há uma espécie de niilismo cristão, na forma como esboça
Israel Belo de Azevedo, ao expor algumas razões do “redomismo” (AZEVEDO, 2005)
evangélico:
Portanto,
é preciso que continuemos a nos interessar por este presente mundo, sua
política, sua economia, sua vida e sua cultura. Não que devamos esperar um
mundo totalmente cristianizado antes da nova terra; não esperamos. Mas
devemos continuar a lutar por um mundo melhor aqui e agora. Para esse fim,
devemos usar os recursos educacionais e editoriais. Devemos ser ativos na
área política, por meio dos esforços dos legisladores, juízes e magistrados
cristãos; por meio das urnas, petições e referendos; por meio da pressão para
persuadir os representantes que elegemos. Devemos continuar fazendo tudo
o que podemos para aliviar o sofrimento e a fome no mundo e para fazer
justiça aos oprimidos. Devemos fazer oposição permanente à corrida insana
às armas nucleares e trabalhar incessantemente pela paz mundial. Devemos
nos esforçar permanentemente pela eliminação da escravidão causada pela
pobreza e das condições desumanas em que muitos vivem. Devemos nos
opor persistentemente a todas as formas de racismo (HOEKEMA, 1999, p.
222-223).
108
1ª) A primeira causa foi a luta contra a teologia liberal que na virada do
século devastava as igrejas da Europa e da América. Nessa época os
evangélicos estavam tão ocupados em vindicar os fundamentos da fé
que julgavam não haver tempo a perder com preocupações sociais [...]
2ª) Em segundo lugar, os evangélicos reagiram contra o assim chamado
‘evangelho social’, que na época estava sendo desenvolvido pelos
teólogos liberais.
3ª) A terceira razão de os evangélicos negligenciarem a responsabilidade
social foi a desilusão e pessimismo que se seguiram à 1ª Guerra
Mundial, devido à exposição da maldade humana. Programas sociais
anteriores haviam falhado. O homem e a sociedade pareciam
irreformáveis. Qualquer tentativa de reforma era inútil. Para dizer a
verdade, os evangélicos, conhecendo as doutrinas bíblicas do pecado
original e da depravação humana, nem deveriam ter se surpreendido
com isso.
4ª) Em quarto lugar, disseminavam-se (especialmente através dos
ensinamentos de J. N. Darby e sua popularização da Bíblia de Scofield)
o esquema pré-milenista. Segundo o pré-milenismo o mundo atual é tão
mau que qualquer melhora ou redenção se torna impossível; ele
continuará se deteriorando mais e mais, até a vinda de Jesus, que
estabelecerá então o seu reino milenial aqui na terra. Se o mundo vai
piorar cada vez mais, e se somente a vinda de Jesus dará um jeito nisso,
diz o argumento, não faz sentido algum tentar reformá-lo nesse meio
tempo.
5ª) A quinta razão de os evangélicos se alienarem das questões sociais foi
provavelmente a difusão do cristianismo entre as pessoas da classe
média, cuja tendência era diluí-lo no processo de sua identificação com a
própria cultura (STOTT, 1989, p. 22-25).
109
De acordo com Michael Horton (1998, p. 48), existem pelo menos três
convicções teológicas que sustentam essa visão: 1) a importância da doutrina da
criação (“graça comum” e a Imago Dei): “o mundo é o teatro da glória de Deus”; 2) a
humanidade é caída: porém a depravação total não se constitui no mal ontológico, isto
é, o homem não é mal meramente porque é humano; e 3) o mundo aguarda completa
redenção, podemos ter vitórias parciais ocasionais enquanto aguardamos a volta de
Cristo.
Padilla faz uma observação sobre essa primazia e chama a atenção para dois
aspectos importantes da mesma: trata-se de uma prioridade lógica e teológica. Em
suas palavras:
Diante de tão grandes desafios sociais, e para que a Igreja pudesse ter uma
ação mais prática na vida de Genebra, Calvino criou o serviço diaconal. Sua prática
pastoral não estava circunscrita aos limites da Igreja, mas contemplava também uma
dimensão social. Biéler faz um comentário sobre essa preocupação social do
reformador francês e sua ação na cidade genebrina:
Calvino trabalhava de uma maneira que teria esgotado qualquer homem com
saúde. Estava em pé e ocupado às cinco da manhã. Se doente, ele estava na
cama e ocupado, com livros espalhados sobre a colcha. Aos domingos ele
pregava duas ou três vezes em Saint Pierre. Em semanas alternadas,
pregava sermões na segunda, quarta e sexta-feira. Semanalmente, fazia
conferências públicas na terça, quinta e sábado. Nas quintas-feiras ele
também presidia a reunião do conselho da igreja, na qual todos os ministros e
presbíteros se reuniam para estudar as Escrituras. Calvino assumia sua
parcela de responsabilidades nas visitas aos doentes e prisioneiros. Visitava
as famílias da sua paróquia com regularidade, como tivera estabelecido nas
Ordens. Esses eram os deveres normais (HALSEMA, 1968, p. 139).
57
Em que pese o fato, a incapacidade endêmica do Poder Público brasileiro de deter criminosos,
condená-los a castigos proporcionais a seus delitos e assegurar que eles serão cumpridos em sua
exata extensão, de forma previsível.
114
eram responsáveis por 45% dos homicídios, em 2003 elas responderam por 68,8% no
estado de São Paulo.
Essa realidade representa um grande desafio para a Igreja. Portanto, podemos
nos perguntar: em que medida o evangelicalismo ou a teologia prática pode contribuir
para diminuir a violência urbana? Ernst Troeltsch (1865-1923), sociólogo e historiador
alemão, tratou dessa questão. Ele afirma que
a reconciliação do mundo com Deus, pelo qual morreu Jesus, se faz efetiva
por meio da mensagem ou ministério da reconciliação que nos tem sido
recomendado (ver II Co. 5.18-19). A reconciliação é entre judeus e gentios,
pelos quais Jesus deu a sua vida, se fez carne nesta comunidade de perdão
e reconciliação que é a Igreja (ver Ef 2.11-12). Assim, pois, somos
‘colaboradores de Deus’, agentes de reconciliação em meio de um mundo
profundamente afetado pela inimizade com Deus e com o próximo. As
implicações desta relação com o problema da violência na sociedade
moderna são claras. Não se exige maior conhecimento bíblico ou erudição
teológica para afirmar que, dentro da perspectiva do Novo Testamento, ser
seguidor de Jesus é (entre outras coisas) viver em função do Reino de Deus
e de sua justiça, no qual supõe a prática da não violência (PADILLA, 1994a,
p. 137-138, tradução nossa).
Há muitos anos a AIDS tem sido uma das questões mais preocupantes para as
lideranças que atuam na área da saúde. Segundo dados do Ministério da Saúde do
115
Brasil, de 1980 a junho de 2008 foram identificados 506.499 casos de AIDS no país. O
total de óbitos por AIDS acumulados até 2007 foi de 205.409. Com relação às
gestantes infectadas pelo HIV, foram notificados 41.777 casos desde 2000. De julho
de 2005 a junho de 2008 foram notificados 10.792 casos de sífilis em gestantes. A
sífilis congênita apresenta 46.530 notificações desde 1998. Os óbitos por sífilis
congênita totalizaram 1.189 no período de 1996 a 2007 (AIDS E DST, 2008).
Também, de acordo com o Jornal do Brasil (2006), o número de infecções por
HIV ainda naquele ano continuava a crescer em todas as regiões do planeta. Quase
40 milhões de pessoas no mundo têm essa doença, e o maior aumento de casos
ocorreu no Leste da Ásia e da Europa, e na Ásia Central. O crescimento foi provocado
pelo uso de drogas e a prática sexual.
Ainda segundo números informados pelo Jornal do Brasil (2006),
na América Latina, dois terços dos 1,7 milhões de pessoas infectadas pelo HIV
moram no Brasil, México, Colômbia e Argentina. De acordo com o relatório, a
África Subsaariana ainda é a maior atingida pela Aids, com 24,7 milhões, ou
praticamente dois terços das pessoas infectadas no mundo. A epidemia de HIV
na China, que responde por cerca da metade das 650 mil infecções no país,
alcançou proporções alarmantes, de acordo com as organizações do estudo.
Na Ásia, 8,6 milhões de pessoas têm Aids, um aumento de cerca de 1 milhão.
Na Índia, onde a epidemia parece estar estável e em queda em algumas
regiões, há 5,7 milhões de pessoas infectadas. Cerca de 4 milhões de pessoas
no planeta foram atingidas pelo HIV em 2008, com uma grande concentração
em jovens. A epidemia de HIV em jovens na Europa Oriental e na Ásia Central
continua a crescer.
Não resta dúvida que esses números representam não apenas uma
preocupação para as autoridades médicas e governamentais, mas também um
desafio para a Igreja evangélica. É fato inconteste que esse assunto provoca diversas
reações e impasses dentro da Igreja, e não podemos negar que existem barreiras ao
se abordar o tema entre os evangélicos. Isso porque falar de AIDS é falar de corpo, de
sexualidade, de pecado, de doença. Não obstante essas dificuldades, é preciso se
conscientizar que cabe às igrejas, na qualidade de agências do Reino de Deus, o
urgente retorno à sua missão.
Segundo René Padilla (1994a), existem pelo menos quatro ações que a Igreja
deve exercer, a fim de se tornar uma comunidade terapêutica: informação,
santificação, compaixão e consolação:
116
Nunca foi correto o fato de nossos líderes eclesiásticos terem feito da moral
um moralismo e de nos ensinarem como se fossemos seres angelicais sem
instintos e necessidades sexuais. Hoje, muito menos. Porém não nos
enganemos: a prevenção da AIDS não depende de campanhas em defesa do
uso massivo de preservativos e seringas descartáveis. Depende, sim, de uma
58
Professor emérito de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo de 1976 a 1997; professor Titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade
Estadual de Campinas de 1968 a 1976; professor emérito de Doenças Infecciosas e Parasitárias da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Chefe do Laboratório de Parasitologia do
Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (AMATO NETO, 2009).
117
Concordo com Padilla. De fato não podemos negar a sexualidade, pois esta faz
parte dos desígnios de Deus para os seres humanos. Mas devemos, como Igreja, ter
uma ação educativa e mostrar às pessoas um ensino ético e bíblico a respeito da
sexualidade. Mesmo correndo o risco de incompreensão diante da massa discordante,
temos que agir de conformidade com os preceitos da Escritura. Devemos ensinar aos
jovens a importância em se adiar a prática sexual para o momento certo. E adiamento
não é a mesma coisa que negação. Precisamos deixar claro que, com essa medida,
os evangélicos não estão negando a sexualidade. Esta faz parte da essência de
nossa personalidade. Deus não fez nossos corpos para serem as prisões de nossas
almas. Tenho consciência disso. Não podemos negar nossos apetites sexuais, mas
também não devemos gratificá-los sempre que tivermos vontade, aderindo assim à
promiscuidade.
Portanto, que tipo de atitude a Igreja deveria ter diante desse desafio? Usando
de interrogações, ele nos dá a resposta:
Que atitude devemos adotar frente a estes se não a daquele que devolveu
sua dignidade aos leprosos ao tocá-los com poder curador? Deveríamos fugir
da nossa responsabilidade, interpretando a AIDS como evidência do juízo de
Deus, e nada mais, ou temos de atuar movidos por uma compaixão que levou
o Senhor a fazer seu o sofrimento de todos os marginalizados sociais,
incluindo os leprosos? (1994a, p. 162-163, tradução nossa).
118
Ao longo da vida experimentamos algumas dores. Por vezes, são dores bem
definidas, dores físicas, que se intensificam ou se abrandam, dores que falam, ou
gritam, e logo corremos a atendê-las e, comumente, encontramos um paliativo ou uma
solução para elas. No entanto, existem dores para as quais não há remédio para o
alívio imediato. Dentre elas, temos a dor de quem está vivendo a perda de alguém
querido. É uma dor movida por sentimentos de tristeza, de medo, de abandono, de
fragilidade e insegurança.
Como Igreja, e porque conhecemos Aquele que é o Consolador por excelência,
podemos oferecer ajuda e consolar aqueles que sofrem as consequências desse mal.
Ao invés de adotarmos uma postura de juízes, acusando as pessoas dos seus erros,
podemos levar uma palavra de ânimo e encorajamento (Is 41.10; Sl 46.1,11).
A educação teológica não tem razão de ser se não está a serviço da vida e da
missão da Igreja [...] o sacerdócio universal de todos os crentes exige uma
educação teológica de caráter interdisciplinar, uma educação em que a
teologia busque relacionar a fé cristã com todas as múltiplas dimensões da
vida prática, bem como, consequentemente, está disposta a dialogar com as
disciplinas humanas que se ocupam de tais dimensões. A educação teológica
tem que estar preparada para capacitar o educando a superar a dicotomia
entre ‘o secular’ e o ‘sagrado’ e poder discernir as maneiras em que o
evangelho afeta a totalidade da vida humana (PADILLA, 1994b, tradução
nossa).
durante este período, pode-se ver que muito da mudança ocorrida ali foi
provocada por suas atividades (1990, p. 51).
Como seres sociais, somos naturalmente seres políticos. Não há uma escolha
de exercermos ou não a nossa cidadania. A questão é como a exercemos:
com consciência e responsabilidade ou de modo alienado e irresponsável.
(CAVALCANTI, 1993, p. 27)
2ª) A Igreja precisa estar consciente dos limites do poder. Existe uma
grande diferença entre a política deste reino e a política do Reino de
Deus. Para uma ação diferenciada de uma política centrada no homem, a
política com sentido de missão deve agir profeticamente, tendo sempre
em mente os valores do Reino de Deus.
3ª) A Igreja precisa estar capacitada. Padilla defende que, para uma ação
mais eficaz da Igreja na sociedade, é necessário abandonar a
improvisação e se preparar. Ele usa a expressão “teologia política” para
mostrar a importância de se relacionar a política à teologia. A fé cristã
precisa capacitar-se para criticar, avaliar, comparar e intervir na realidade
123
Não apenas dedicar-se às orações, a Igreja precisa estar atenta e exigir que os
magistrados cumpram com as responsabilidades de seu ofício. Biéler (1990, p. 384)
observa que “se a igreja cessa de ser vigilante, ela própria se torna cúmplice da
injustiça social e, cessando assim de cumprir sua missão, não mais lhe resta que ser
destruída”.
virtudes que lhe são próprias, o tecido social não se continue a corromper; como luz,
para que, pela propriedade que tem de iluminar, brilhe na escuridão da mentira, de
outros males morais a luz da verdade que é Cristo (STOTT, 1989).
São oportunas as palavras de Stott:
Um quarto e último aspecto que Padilla nos lembra é que “o chamado a nos
submetermos às autoridades não é um chamado a obedecer ao governo
incondicionalmente nem para contribuir para manter o status quo” (1986, p. 36,
tradução nossa).
Podemos observar que, na visão de Padilla, essa obediência às autoridades
não deve ser de maneira cega, a qualquer custo. Segundo ele, a autoridade do
Estado, como qualquer outra autoridade neste mundo, é uma autoridade delegada por
Deus. Nesse caso, Deus ordena ao Estado para trabalhar em promoção do bem e da
justiça (Rm 13.4), e sempre que esse propósito é contrariado o Estado passa a
usurpar a autoridade recebida (SCHAEFFER, 1985). Sendo assim, de acordo com
Padilla (1986), nenhum cristão está obrigado a obedecer às autoridades, visto que sua
obediência, primeiramente, é cativa à sua fidelidade a Deus.
A Igreja nunca foi anarquista, ao contrário, sempre ensinou a ordem e o
respeito às autoridades legitimamente constituídas, bem como às instituições
necessárias ao bem do povo. Calvino, embora tenha ensinado sobre o direito de
resistir ao Estado, insistiu, antes, na obediência que devemos ter para com as
autoridades (BIÉLER, 1999).
Jesus ensinou que toda autoridade vem de Deus. Ele disse a Pilatos: “Não
terias poder algum sobre mim, se de cima não te fosse dado” (Jo 19.11). Os apóstolos
125
Padilla, ao comentar essa passagem de Romanos 13, mostra que a razão que
motivou o apóstolo a exigir a obediência às autoridades não era apenas para evitar o
castigo por parte do Estado, mas também por uma questão de consciência cristã.
Conforme Padilla,
Para Padilla, nenhuma outra relação humana alcança tal grau de intimidade.
Em razão disso, afirma: “E por isso que a relação matrimonial exige, figuradamente,
um novo rompimento do cordão umbilical que liga os cônjuges a seus respectivos
ligamentos, com o objetivo de formar a nova família” (2002b, p. 13, tradução nossa).
Padilla aponta (2002b) que a base, na qual o casamento encontra seu firme
alicerce, é o compromisso. Diz ele:
59
Essa analogia refere-se a uma torta, a qual para ficar pronta e saborosa precisa reunir os seguintes
ingredientes: farinha, frutas, nozes e cobertura de creme (sacrifício, intimidade e responsabilidade).
127
Não é novidade para ninguém a grave crise ecológica vivida atualmente pela
humanidade. O chamado “aquecimento global” e “o efeito estufa”62 têm provocado
intenso debate por parte de vários seguimentos da sociedade em busca de soluções.
Essas questões também foram objetos dos estudos de René Padilla (1994a). Com
razão, ele faz críticas aos países ricos, que, em razão da ambição econômica, têm
trazido prejuízos para a ecologia. Devemos concordar com Padilla de que as causas
60
Essa informação consta na página 37.
61
Conferir a nota 31, onde informo a atuação dos seus filhos na Missão Integral.
62
Um tema muito discutido foi o chamado “Protocolo de Quioto”, um tratado internacional que
estabelece compromissos para a redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa,
considerados como a principal causa do aquecimento global.
128
Criador e criação são palavras e conceitos que a Igreja deve recuperar se ela
quiser conduzir, com sucesso, as pessoas a conhecerem a Deus e seu
mundo conforme são, e não meramente como pensamos que sejam.
Conhecer a Deus como Criador é saber que ele é pré e auto-existente, que
ele é transcendente (não a mesma coisa que ele criou) que ele é imanente
(presente conosco) e que ele é livre, e cria para as suas próprias finalidades,
não para as nossas (VAN DYKE et al., 1999, p. 220).
Se bem que seja preciso evitar que a missão se dilua na luta pela ecologia e
que esta se transforme numa bandeira discursiva e vazia, uma prática
missionária séria terá de abraçar a luta pela preservação da natureza, pois
este pedaço de terra onde vivemos é parte do mundo criado por Deus. A
glória de Deus ainda se percebe e se expressa na terra que produz, no rio
que corre e no pássaro que canta [...] E isto é uma boa nova que deve ser
anunciada quando se fala da Boa Nova. A nossa prática missionária só será
íntegra e completa quando ela desembocar também na ecologia, e a nossa
luta pela preservação da natureza só será sólida quando trouxer no seu bojo
‘todo o conselho de Deus’ e o nosso compromisso com a totalidade do
Evangelho (1993, p. 85).
130
63
A Rede Miqueias, fundada em 1999, é uma organização que está envolvida com a Missão Integral e
tem atualmente René Padilla como seu presidente. Alguns de seus objetivos “envolvem ajuda mútua
para combater as necessidades dos pobres e oprimidos, através do que chamamos de Missão Integral,
e o encorajamento da igreja mais ampla na sua responsabilidade, atribuída por Deus, em demonstrar o
Seu amor pelos pobres”. O documento “Declaração sobre mordomia da criação e mudança climática”,
bem como outras informações podem ser adquiridas no site <http://www.micahnetwork.org>.
131
Penso que pelo menos quatro medidas podem ajudar à Igreja em direção a
uma práxis restauradora na ecologia:
Como Igreja, que adora ao Deus Criador, não podemos ficar indiferentes às
questões ambientais. Devemos, com oração e ação, cuidar do Jardim de Deus, o qual
132
nos foi dado para que, como bons mordomos, cuidássemos dele. Fazendo assim,
além de obedecer e honrar a Deus, deixaremos um ambiente e um clima seguros
para nossos filhos e para os filhos de nossos filhos.
133
5 CONCLUSÃO
Fiz questão de conceituar, desde o início, o que deve ser entendido pelo termo
‘protestante’. Algumas críticas, as quais são feitas a determinados movimentos
religiosos, não devem ser aplicadas ao tipo de protestantismo conforme defini. Em sua
análise sobre a resposta que o neopentecostalismo tem dado às questões sociais,
Mariano diz:
Acho que a única coisa que pode tornar o Evangelho confiável, a única coisa
que torna possível o acreditar que a autoridade máxima sobre o universo todo
reside em um homem pregado na cruz, é a companhia de pessoas que vivem
uma histórica bíblica para que saibam que esta é como a sua própria história,
e como uma pista para toda a história da humanidade.
135
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