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NÚMERO 8, VOLUME 1 / 2007

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FACULDADE ESTADUAL DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE UNIÃO DA VITÓRIA


IEPS – INSTITUTO DE ENSINO, PESQUISA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

EXPEDIENTE – LUMINÁRIA, n. 8, volume 1 / 2007

ISSN 1519-745-X

Realização
FAFI – Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras - UVA
IEPS – Instituto de Ensino, Pesquisa e Prestação de Serviços

Apoio
Fundação Araucária

DIREÇÃO DA FAFIUV

Professor Eloy Tonon

VICE-DIREÇÃO DA FAFIUV

Professora Leni T. Gaspari

DIREÇÃO DO IEPS

Professor Osvaldo Nogara

COORDENAÇÃO GERAL DA REVISTA

Professor André da Silva Bueno

COMISSÃO EDITORIAL - 2007

- Prof. Alcimara Aparecida Foetsch


- Prof. Antonio Marcio Haliski
- Prof. Daniela R. H. Woldan
- Prof. Jefferson W. Gohl
- Prof. Lutécia Hiera da Cruz
- Prof. Marcelo Rodrigo F. Echterhoff
- Prof. Marcia Marlene Stenzler Garcia de
Lima
- Prof. Michel Kobelinski
- Prof. Roseli Bilobran Klein
- Prof. Sérgio Bazilio
- Prof. Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni
- Prof. Liliam Maria Bresciane Heinen

Capa & Diagramação


André da Silva Bueno

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SUMÁRIO

AVALIAÇÃO QUANTO AOS FATORES DE RISCO OFERECIDOS POR AGENTES


TERATOGÊNICOS AMBIENTAIS NA POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE UNIÃO DA P. 7
VITÓRIA – PR

A CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DA COMPLEXIDADE E DA TOTALIDADE DIALÉTICA


P. 14
PARA A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA.

QUESTÕES METODOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DA GEOGRAFIA NA


ATUALIDADE: O PAPEL DAS PERCEPÇÕES FENOMENOLÓGICAS E DAS P. 18
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

USO DAS TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL P. 23

PAISAGEM, CULTURA E IDENTIDADE, OS POLONESES EM MALLET-PR P. 30

O RETORNO DA HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E SUAS PERSPECTIVAS


P. 35
EDUCACIONAIS

REI E MONARQUIA: A SACRALIZAÇÃO DO PODER NO REINO HISPANO


P. 39
VISIGODO DE TOLEDO NO SÉCULO VII

A NECESSIDADE DA NOÇÃO DE GÊNERO TEXTUAL QUE FUNDAMENTE A


P. 43
REDAÇÃO DE VESTIBULAR

ANÁLISE DO DISCURSO - UM ESTUDO INICIAL UTILIZANDO O GÊNERO CARTAS


P. 48
AO EDITOR

NERUDA E A GUERRA P. 53

O REGIME DITATORIAL: MILITARISMO E REPRESSÃO P. 61

THE CCR THEORY: A COGNITIVE STRATEGY RESEARCH: PROPOSAL FOR


P. 69
INDIVIDUAL MULTILINGUALISM

A REPRESENTAÇÃO DA IMAGEM PAPAL NO GÊNERO REPORTAGEM: UMA


P. 73
ANÁLISE DO PROPÓSITO COMUNICATIVO E DA FORMA DO GÊNERO

O PAPEL DA GESTÃO ACADÊMICA COMO CONDIÇÃO PARA O


P. 84
DESENVOLVIMENTO DE PONTENCIALIDADES DA UNIVERSIDADE

METODOLOGIAS ALTERNATIVAS PARA O ENSINO SUPERIOR: APLICAÇÃO DE


P. 90
MÉTODOS ESPECÍFICOS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA NUCLEAR

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ARTIGOS

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AVALIAÇÃO QUANTO AOS FATORES DE RISCO OFERECIDOS POR AGENTES TERATOGÊNICOS


AMBIENTAIS NA POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE UNIÃO DA VITÓRIA – PR

Josimar Mariano Borille1


Zenilda Dutka2
Introdução
Na população mundial é muito freqüente acontecerem casos de crianças recém-nascidas que
apresentam algum tipo de malformação congênita, ou então, crianças que nascem normais e mais tarde
acabam desenvolvendo sérios problemas de saúde. Outras, no entanto, são abortadas antes do
nascimento.
Todos esses problemas podem estar relacionados algum tipo de agente químico, físico ou
biológico que tenha atingido de forma direta ou indireta a gestante. Esses produtos químicos podem ser
considerados fatores de risco teratogênico ao desenvolvimento embriofetal, sendo chamados então de
“teratógenos”.

A Influência de Teratógenos no Desenvolvimento Embriofetal

“Um agente teratogênico é definido como qualquer substância, organismo, agente


físico ou estado de deficiência que estando presente durante a vida embriofetal,
produz alterações na estrutura ou função de descendência” (SCHULER FACCINI
et al., 2002).

A influência de agentes ambientais no desenvolvimento do embrião ou do feto só passou a ser


reconhecido a partir do século XX, em 1941 com a Síndrome da Rubéola e com a tragédia da talidomida na
década de 60, constatando-se que a placenta não é uma barreira eficaz de proteção contra agentes
teratogênicos. (LAUER DE GARCIA; GARCÍA FERNÁNDEZ, 2001, p. 280)
Ao se administrar algum produto químico ou medicamento, sua ação teratogênica depende de três
princípios importantes: períodos críticos do desenvolvimento que compreende da 3ª até a 9ª semana, fase
em que os órgãos estão se formando, se estendendo ao final do período embrionário, porém, cada órgão,
cada parte do corpo tem seu período crítico no qual estão mais suscetíveis de serem atingidos por algum
agente teratogênico; dosagem da droga ou composto químico em que os efeitos teratogênicos dependem
de certa dosagem, e provavelmente, quanto maior a exposição ao teratógeno na gravidez, mais grave será
o efeito sobre o desenvolvimento embriofetal; genótipo do embrião, que está relacionado à resistência
individual da mãe ou do feto, bem como do metabolismo da droga pelo organismo. (MOORE; PERSAUD,
2000, p. 177).
Os produtos químicos ou medicamentos atravessam a membrana placentária e penetram na
circulação fetal, via cordão umbilical, contraindo os vasos e reduzindo a troca de oxigênio e nutrientes entre
o feto e a mãe, ou reduzindo o suprimento sangüíneo do feto. Isso causa lesões, desenvolvimento anormal,
morte ou problemas posteriores ao nascimento. (RODRIGUES APFEL et al., 2004).
Constataram-se nos últimos anos, que existe um elevado número de gestantes que fazem uso de
produtos químicos como medicamentos (fármacos), bem como drogas lícitas e ilícitas durante a gravidez.
Torna-se necessário verificar se esses agentes estariam causando ação teratogênica e colocando em risco
a saúde e a vida do embrião/feto no município de União da Vitória – PR.
Com base nos resultados de pesquisas e estudos de laboratórios obtidos e citados por diversos
autores quanto à possível ação teratogênica dos principais produtos químicos, medicamentos e infecções
maternas, realizou-se um levantamento de dados com um grupo de mães do município, através da
elaboração de um questionário padronizado avaliando diversos aspectos referentes ao consumo de tais

1 Professora do Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União
da Vitória – PR. Graduação em Ciências Biológicas e Especialização em Bioengenharia pela FAFIUV-PR
2 Acadêmica do Curso de Ciências Biológicas da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória
– PR, orientada pela Prof. Josimar Borille.

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produtos químicos e medicamentos, bem como a ocorrência de doenças infecciosas durante o período
gestacional.
A pesquisa foi realizada com 50 mães, abordando também dados pessoais como por exemplo,
faixa etária, região onde residem, grau de escolaridade e renda mensal, avaliando o índice de consumo de
produtos químicos e medicamentos durante a gravidez para cada um desses fatores envolvidos. As mães
entrevistadas foram abordadas de forma aleatória em suas casas, na rua, em seus locais de trabalho, e os
resultados obtidos estão apresentados em porcentagens, através de gráficos e tabelas.

Resultados e Discussão
O maior consumo de produtos químicos e medicamentos, segundo a faixa etária, deu-se entre
mulheres com idade entre 21 a 30 anos, representando 32% das mães entrevistadas. Segundo a região
onde residem, o maior consumo responde por 48% entre mães moradoras de bairros. De acordo com o
nível de escolaridade, o maior índice de consumo de produtos químicos e medicamentos na gestação
resultou em 24% de mães com ensino médio completo. Por sua vez, segundo a renda mensal, houve maior
porcentagem de usuárias entre mulheres que recebem de 01 a 03 salários, representando 44% do total de
mães entrevistadas.
Foram utilizados 17 tipos de produtos químicos ou medicamentos para serem analisados quanto
ao índice de consumo durante a gravidez: aditivos alimentares, álcool, antibióticos, anticoagulantes,
anticonvulsivantes, antidepressivos, antineoplásicos, antiulceroso, calmantes, cigarro, cocaína, crack e
maconha, medicamentos para tireóide, salicilatos, tranqüilizantes e vitaminas.
Constatou-se que o produto mais utilizado foram os suplementos nutricionais, ou seja, as
vitaminas (54%), visto que geralmente são prescritas pelos médicos, mas segundo alguns autores, tanto o
excesso quanto a falta de alguns tipos de vitaminas podem prejudicar o desenvolvimento embriofetal. Os
aditivos alimentares também representam grande porcentagem de consumo durante a gestação (30%),
sendo que estes geralmente eram questionados pelas mães durante a realização das entrevistas quanto a
ação teratogênica, pois as mesmas afirmavam não ter nenhum conhecimento dos efeitos prejudiciais que
tais produtos podem causar no desenvolvimento embriofetal.
Apenas 4% afirmaram que consumiram álcool na gravidez, porém com freqüência rara. Por sua
vez, 10% usaram antibiótico, também em alguns casos receitado pelo próprio médico. Medicamentos para
úlcera foram consumidos apenas por uma gestante (2%). Calmantes representaram 4% do uso na
gestação, já os salicilatos foram utilizados por 4 pessoas (8%) em virtude dos primeiros sintomas no início
da gestação. O índice do consumo de cigarro também foi surpreendentemente alto, embora com freqüência
diminuída, muitas mulheres não conseguiram deixar de usar o produto na gravidez.
Alguns dos produtos químicos e medicamentos constados nos questionários apresentaram 0% de
uso durante a gravidez, entre estes estão: anticoagulantes, anticonvulsivantes, antidepressivos,
antineoplásicos, cocaína, crack ou maconha, tranqüilizantes e medicamentos para tireóide.
Os principais medicamentos e produtos químicos anteriormente citados foram abordados na
aplicação dos questionários, considerando a freqüência e o período de uso obtendo assim a quantidade de
usuárias e não usuárias, bem como o índice de consumo durante o período gestacional.
Tabela 1 - Relação entre a quantidade de usuárias e não usuárias entrevistadas, incluindo o total de uso e o
não uso durante a gravidez

Produtos Total de % Total de não % Total de % Total de mães %


usuárias usuárias mães que que não
Químicos fizeram uso fizeram uso
durante a durante a
gravidez gravidez

Antibiótico 33 66 17 34 05 10 28 56

Anticoagulantes 01 2 49 98 0 0 01 2

Anticonvulsivantes 0 0 50 100 0 0 0 0

Antidepressivos 12 24 38 76 0 0 12 24

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Antineoplásicos 01 2 49 98 0 0 01 2

Antiulceroso 06 12 44 88 01 2 05 10

Calmantes 14 28 36 72 03 6 11 22

Cocaína. Crack ou 0 0 50 100 0 0 0 0


maconha

Medicamentos para 05 10 45 90 0 0 05 10
tireóide

Salicilatos 30 60 20 40 04 8 26 52

Tranqüilizantes 01 2 49 98 0 0 01 2

Vitaminas 31 62 19 38 27 54 04 8

Fonte: Dutka, Z., 2007.

Tabela 2 - Freqüência e total de mães que consumiram produtos químicos e medicamentos durante a
gravidez

FREQÜÊNCIA

Produtos Uma vez % Mais que % Freqüente % Diaria %


duas vezes
Químicos Mente Mente

Antibiótico 08 16 21 42 04 8 0 0

Anticoagulantes 01 2 0 0 0 0 0 0

Anticonvulsivantes 0 0 0 0 0 0 0 0

Antidepressivos 04 8 06 12 02 4 0 0

Antineoplásicos 0 0 0 0 01 2 0 0

Antiulceroso 01 2 05 10 0 0 0 0

Calmantes 04 8 08 16 01 2 01 2

Cocaína. Crack ou 0 0 0 0 0 0 0 0
maconha

Medicamentos para 0 0 05 10 0 0 0 0
tireóide

Salicilatos 03 6 16 32 10 20 01 2

Tranqüilizantes 0 0 01 2 0 0 0 0

Vitaminas 09 18 19 38 01 2 02 4

Fonte: Dutka, Z., 2007

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Tabela 3 - Período de consumo dos produtos químicos e medicamentos:

PERÍODO

Produtos Antes e/ou depois % Início da % Últimos % Durante a %


da gravidez gravidez – meses da gravidez
Químicos 1º trimestre gravidez

Antibiótico 28 56 0 0 01 2 04 8

Anticoagulantes 01 2 0 0 0 0 0 0

Anticonvulsivantes 0 0 0 0 0 0 0 0

Antidepressivos 12 24 0 0 0 0 0 0

Antineoplásicos 01 2 0 0 0 0 0 0

Antiulceroso 05 10 0 0 0 0 01 2

Calmantes 11 22 01 2 01 2 01 2

Cocaína. Crack ou 0 0 0 0 0 0 0 0
maconha

Medicamentos 05 10 0 0 0 0 0 0
para tireóide

Salicilatos 26 52 0 0 0 0 04 8

Tranqüilizantes 01 2 0 0 0 0 0 0

Vitaminas 04 8 05 10 04 8 18 36

Fonte: Dutka, Z., 2007.

Do total de mães entrevistadas, 46% afirmaram ter feito ou fazer uso de cigarro, enquanto 54%
declararam nunca terem consumido. Das 46% usuárias, 26% afirmaram ter consumido o produto somente
antes e/ou depois da gravidez, enquanto 20% fizeram uso do cigarro durante a gestação, resultado este,
que se aproxima da afirmação de Moore e Persaud (2000, p. 179): “apesar da alerta de que fumar é
prejudicial para o feto, mais de 25% das mulheres continuam a fumar durante a gravidez.

Tabela 4 - Freqüência do consumo de cigarro

Freqüência Quantidade %

Raramente 06 12

Até 01 carteira por dia 16 32

Duas carteiras por dia 01 2

Acima de 02 carteiras por dia 0 0

Total 23 46

Fonte: Dutka, Z., 2007

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Tabela 5 - Período do consumo de cigarro

Período Quantidade %

Antes e/ou depois da gravidez 13 26

Início da gravidez – 1º trimestre 0 0

Últimos meses da gravidez 0 0

Durante a gravidez 10 20

Total 23 46

Fonte: Dutka, Z., 2007

Das 23 usuárias de cigarro, 16 consomem até uma carteira por dia, 06 usam raramente e apenas
01 mencionou fazer uso de duas carteiras por dia. Das 10 mães que consumiram o produto na gravidez,
todas afirmaram ter feito uso durante todo o período gestacional.
Com relação ao uso de álcool, 62% das mães afirmaram que consumiram ou consomem álcool,
enquanto 38% nunca consumiram. Dessa forma, 4% afirmaram ter consumido o produto durante a
gestação, enquanto 58% não usaram na gravidez. Por sua vez, 78% mulheres costumam utilizar aditivos
alimentares, sendo que 22% não usam esses produtos. Entre as usuárias, 30% usaram no período
gestacional, enquanto 48% declararam não ter consumido aditivos alimentares na gravidez.

Tabela 6 - Freqüência do consumo de álcool e aditivos alimentares


FREQÜÊNCIA

Produto químico Raramente % Freqüentemente % Diariamente %

Álcool 28 56 03 6 0 0

Aditivos 13 26 17 34 09 18
alimentares

Fonte: Dutka, Z., 2007.


Tabela 7 - Período do consumo de álcool e aditivos alimentares
PERÍODO

Produto Antes e/ou % Início da % Últimos % Durante a %


químico depois da gravidez – meses da gravidez
gravidez 1º gravidez
trimestre

Álcool 29 58 0 0 0 0 02 4

Aditivos 24 48 0 0 0 0 15 30
alimentares

Fonte: Dutka, Z., 2007.

A pesquisa realizada confirma a citação de Moore e Persaud (2000, p. 179): “o uso de remédios
prescritos ou não por um médico, durante a gravidez é surpreendentemente alto. De 40 a 90% das
mulheres grávidas consomem pelo menos um remédio durante a gravidez [...], algumas vezes até 4 tipos de
remédios, com exceção dos suplementos nutricionais, e cerca de 50% destas mulheres usam estes
fármacos durante o período crítico do desenvolvimento.” Das 50 mães entrevistadas, constatou-se que 80%
(40 mães) já fizeram uso de pelo menos um produto químico ou medicamento durante a gravidez, enquanto
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20% (10 mães) afirmaram não terem feito uso no período gestacional. Do total de mães que usaram
fármacos ou produtos químicos na gravidez, 12% fizeram uso no período crítico do desenvolvimento fetal.
Gráfico 1 - Uso de pelo menos um dos produtos químicos ou medicamentos durante a gravidez em relação
ao não uso na gravidez

Consumo de pelo menos um produto


químico ou medicamento na gravidez
20%
Uso na gravidez

não uso na
gravidez
80%
Fonte: Dutka, Z., 2007
Constatou-se que entre as doenças infecciosas relacionadas no questionário, a rubéola e a
varicela atingiram 03 mães no período gestacional, mais precisamente, nos três primeiros meses e nos
últimos meses da gravidez. No entanto, a maior parte das doenças relacionadas no questionário obtiveram
0% de ocorrência na gestação, entre estas podemos citar: citomegalovírus, gonorréia, sífilis, toxoplasmose,
vírus da herpes e da Aids.
Tabela 8 - Número de mulheres que já adquiriram alguma doença infecciosa durante a gravidez em relação
às que não adquiriram.

PERÍODO

Infecções Antes da Início da Últimos Depois da Total de Total de mães que


gravidez gravidez – 1º meses da gravidez mães que não adquiriram a
trimestre gravidez adquiriram a doença durante a
doença gravidez
durante a
gravidez

Citomegalovírus 0 0 0 0 0 0

Gonorréia 0 0 0 0 0 0

Rubéola 06 0 01 0 01 06

Sífilis 0 0 0 0 0 0

Toxoplasmose 0 0 0 0 0 0

Varicela 11 01 01 0 02 11

Herpes (HSV) 01 0 0 01 0 02

Aids (HIV) 0 0 0 0 0 0

Total 18 01 02 01 03 19

Fonte: Dutka, Z., 2007.

Das 50 mães entrevistadas, 66% responderam que seus filhos nasceram normais, enquanto 34%
das gestações apresentaram problemas, entre os quais pode-se citar: 03 casos de aborto, 05 nascimentos
prematuros, 01 criança apresentou anomalia congênita (Tetralogia de Faloo), 01 nascimento com
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malformação (focomelia), 01 criança apresentou peso muito alto, 02 casos de baixo peso (menos que 2kg)
e 04 crianças desenvolveram problemas posteriores ao nascimento (01 problema de rinite alérgica, 02
crianças tiveram convulsões durante a infância e 01 caso de bronquite).
Nos questionários respondidos pelas mães que tiveram perda gestacional, verificou-se o consumo
de vitaminas e salicilatos mais que duas vezes, respectivamente no 1º trimestre da gestação e durante a
gravidez, bem como uso de até uma carteira de cigarro por dia no período gestacional.
Quanto aos nascimentos prematuros, duas mães afirmaram ter consumido até uma carteira de
cigarro por dia na gravidez, uma delas usou calmantes mais que duas vezes no 1º trimestre da gestação,
duas mães consumiram freqüentemente aditivos alimentares e uma usou vitaminas mais que duas vezes
durante a gestação. Quanto a ocorrência de infecções maternas, ainda pôde-se constatar um caso em que
a mãe adquiriu varicela no 1º trimestre da gestação, resultando em nascimento prematuro e peso abaixo do
normal (menos que 2 kg). Também verificou-se ocorrência de rubéola e varicela, porém antes da gravidez.
A mãe cujo filho apresentou Tetralogia de Faloo, usou vitaminas apenas uma vez nos últimos
meses da gestação, constatando-se o uso de outros medicamentos ou produtos químicos, porém apenas
antes e/ou depois da gravidez.
No caso de focomelia, houve consumo de vitaminas, com maior freqüência no 1º trimestre da
gestação, considerando que a mãe adquiriu o Vírus da Herpes Simples (HSV), porém antes de engravidar.
A mãe, cujo filho nasceu com peso muito alto, afirmou no questionário aplicado ter consumido
aditivos alimentares durante a gravidez, mas com freqüência rara, tendo usado também antibióticos mais
que duas vezes no período gestacional. Verificou-se ainda, que a mesma já adquiriu varicela e rubéola, mas
antes da gestação.
O consumo de até uma carteira de cigarro por dia, uso de álcool, embora este último raramente, o
aparecimento da rubéola nos primeiros meses e em outro caso nos últimos meses da gravidez, podem ter
influenciado na ocorrência de 02 crianças de mães entrevistadas terem apresentado peso muito baixo
(menos que 2kg) ao nascimento, como citado anteriormente.
Como a maioria dos problemas ocorridos antes ou posteriores ao nascimento, podem estar
relacionados algum produto químico ou medicamento que a mãe tenha feito uso durante a gestação, ainda
pode-se constatar que convulsões, bronquite e rinite alérgica podem ser resultado do uso de até uma
carteira de cigarro por dia, salicilatos, aditivos alimentares freqüentemente, salicilatos (mais que duas
vezes), antibióticos (uma vez) e vitaminas (mais que duas vezes) no período gestacional. Quanto aos
problemas posteriores ao nascimento, as mães também afirmaram ter adquirido rubéola ou varicela, porém
antes da gravidez.

Considerações Finais
Constatou-se que o número de mulheres que fazem uso de produtos químicos e medicamentos na
gravidez é elevado, e isso pode ser responsável por inúmeros problemas que comprometem a saúde e a
vida da mãe e embrião/feto, principalmente se o uso acontece nos três primeiros meses de gestação. Um
dos fatores responsáveis pelo elevado consumo está relacionado ao pouco conhecimento e isso impede
que a gestante tome os devidos cuidados na gestação. Dessa forma, torna-se necessário a busca de
informações para evitar o uso e os efeitos teratogênicos que alguns tipos de substâncias e organismo
possam estar causando no desenvolvimento embriofetal.

REFERÊNCIAS
LAUER DE GARCIA, S.M.; GARCÍA FERNÁNDEZ, C. Malformações congênitas. Embriologia. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2001.
MOORE, K. L.; PERSAUD, T. V. N. Defeitos Congênitos Humanos. Embriologia Clínica. 5. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.
RODRIGUES APFEL, M. I. et al. Mecanismo Embrionário das Malformações Decorrentes de Fármacos.
JBM - Jornal Brasileiro de Medicina. Rio de Janeiro: Editorial, v. 87, n. 4, p. 11 – 22, out/2004.
SCHULER FACCINI, L. S. et al. Avaliação de teratógenos potenciais na população brasileira.
Disponível em: <http://www.scielo/br/pdf/csc/v7n1/a06v07n1.pdf>. Acessado em: 11/08/2005.

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A CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DA COMPLEXIDADE E DA TOTALIDADE DIALÉTICA PARA A


EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA.

Antonio Marcio Haliski3

Totalidade dialética e a teoria da complexidade


A busca pelo conhecimento e pela verdade é inato do ser humano. Existem diversas formas de
conhecimento, cada um “com sua verdade”. Isso fica claro quando comparamos as verdades baseadas na
teologia, fruto desse conhecimento, com as verdades científicas. Sempre estamos discutindo teorias e
ciência. Por teoria (Guaresch, 2003) pode-se entender um conjunto de leis que procuram explicar a
realidade, os fatos concretos, singulares; e por ciência, pode-se dizer que ela seria um conjunto de teorias
(que por sua vez são um conjunto de leis) que tentam explicar a realidade.
O conhecimento adquirido ao longo da história humana vai se acumulando e dá suporte para o
desenvolvimento de pesquisas que ajudem a explicar os fenômenos naturais e sociais, obedecendo a gama
de questionamento da conjuntura que se vivencia. Ao pesquisador cabe estudar a realidade que o rodeia.
Muitas vezes, uma pesquisa não apresenta resultados imediatos, mas o que é construído teoricamente
servirá para outros que irão utilizar os conhecimentos adquiridos de bases precedentes para obtê-los em
outro momento. Tudo que é construído cientificamente pode, e será melhorado.
Neste contexto, verifica-se a tentativa de compreensão da realidade propostos por grandes
filósofos da história humana, com suas ideologias e métodos de interpretação da realidade. Por exemplo,
Popper afirmou que a ciência é racional na medida em que critica as suas teorias (ideal de refutabilidade), e
Khum argumentou que uma teoria, como paradigma, deve na maior parte do tempo ser desenvolvida em
vez de criticada. Outros como Lakatos e Feyrabend, tentam harmonizar esses pontos de vista. Feyrabend
fala em um pluralismo de métodos e idéias que o cientista deve se utilizar para obter uma maior
aproximação da realidade e da verdade dos fatos. Na busca da universalidade, metaciências tão diferentes
quanto à de Popper e Kuhn, tendem a ressaltar na atividade cientifica de pesquisa, características que no
fundo, não lhe são especificas e exclusivas.
Thomas Kuhn se contrapôs a teoria de Karl R. Popper, negando que o desenvolvimento da ciência
tenha sido levado a efeito pelo ideal da refutação. Ao contrário, a ciência progride pela tradição intelectual
representada pelo paradigma, que é a visão de mundo expressa numa teoria.
Já, Francis Bacon, seguindo a tradição empirista inglesa , realça a significação histórica da ciência e
do papel que ela poderia desempenhar na vida da humanidade. Ele procura no espírito da nova ciência, não
um saber contemplativo e desinteressado, que não tenha um fim em si, mas um saber instrumental, que
possibilite a dominação da natureza. Daí o interesse pelo método da ciência. Bacon critica a lógica
aristotélica, opondo ao ideal dedutivista a eficiência da indução como método de descoberta.
É inegável a contribuição desses autores para a evolução da ciência, e isto justifica o fato de os
termos citado. Em linhas gerais, o objetivo é compreendermos que a ciência não é estática, ela evolui.
Dentro desse processo evolutivo da ciência devemos voltar nossos olhares, nesse momento, a totalidade
dialética e teoria da complexidade que é o objetivo deste artigo e as suas respectivas contribuições. Os
autores bem como seus métodos aqui expostos, servirão para melhor compreendermos a ciência na
atualidade.
Para Aranha e Martins(2002), etimologicamente dialética vem do grego dia, que expressa a idéia de
“dualidade”, “troca” , e lektikós, “apto á palavra”. A palavra dialética tomou vários sentidos ao longo da
história, e na atualidade dialética “(...) é o modo de pensarmos as contradições da realidade como
essencialmente contraditória e em permanente transformação.” (Konder,1989, p.8). Se na totalidade
dialética o homem é o “centro “ de qualquer análise, na teoria ou paradigma da complexidade ele é
“apenas” mais um elemento componente da natureza. Aqui, teremos visões de mundo diferenciadas,
porém, significativas. Entende-se que qualquer um dos enfoques dão conta de explicar a relação do homem
com a natureza e a forma/modo como ocorre essa relação. A primeira prende-se mais nas relações
estabelecidas entre os homens (economia, religião, entre outros), enquanto a segunda, dedica-se mais a
inter-relação química, física e biológica.

3 Professor do colegiado de Geografia FAFI/UVA, mestre em Ciências Sociais Aplicadas –UEPG.

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A relevância deste artigo está, justamente, em mostrar a diferença metodológica da totalidade


dialética e da teoria da complexidade, para evidenciarmos que um objeto de estudo é visto sob ângulos
diferentes, mas que ambos contribuem para a evolução da ciência.
De acordo com Konder(1989) a grande preocupação de Engels era defender o caráter materialista
da dialética, tal como Marx e ele a concebiam. Era preciso evitar que a dialética da história humana fosse
analisada como se não tivesse absolutamente nada a ver com a natureza, como se o homem não tivesse
uma dimensão irredutivelmente natural e não tivesse começado sua trajetória na natureza. Uma certa
dialética na natureza (ou pelo menos uma pré-dialética) era, para Marx e Engels, uma condição prévia para
que pudesse existir a dialética humana.
O materialismo dialético foi fundamental para a consolidação do marxismo, já que, “O marxismo
compreende, precisamente, três aspectos principais: o materialismo dialético, o materialismo histórico e a
economia política”(Triviños, 1992,p49.). O materialismo dialético parte da realidade existente, entendida não
isoladamente, mas de forma dinâmica, como uma síntese de múltiplas determinações, ou seja, procura
entender a totalidade dentro de um movimento que vai da teoria à prática e da prática à teoria, que vai do
concreto a razão e da razão ao concreto, chegando ao concreto pensado.
Segundo Triviños, o materialismo dialético é a base filosófica do marxismo e como tal realiza a
tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da
sociedade e do pensamento, e aspira ser a teoria orientadora da revolução do proletariado.
O paradigma da complexidade abarca uma visão holística da realidade. Isso viria ao encontro de um
dos maiores desafios do pensamento atual, que consiste em entender a realidade de uma forma integrada,
onde todos os fenômenos naturais e sociais interagem e se interdependem. “O pensamento da
complexidade se apresenta, pois, como um edifício de muitos andares. A base está formada a partir de três
teorias (informação, cibernética e sistema) e comporta as ferramentas necessárias para uma teoria da
organização”(Morin e Moigne,2000,p.204). O paradigma da complexidade visa construir o pensamento
cientifico calcado na interação da ordem, sensibilidade e da razão. A complexidade surge (é?, seria?) como
uma “nova” forma de analisar a realidade, pois dentro de uma visão mecânica do mundo, prevalecia a
ordem, e a desordem seria fruto de nossa ignorância, e atrás da desordem aparente existia uma ordem a
ser descoberta (teoria do caos).
Percebe-se que o paradigma da complexidade é contrário a uma idéia de simplificação, que
operaria por reducionismos da realidade a ser apreendida, dito isso, afirma-se que essa forma de pensar é
anti-raciocínios reducionistas e lineares.
Assim como a teoria da complexidade possui suas leis, a dialética é composta por leis e categorias
que existem objetivamente. No materialismo dialético as categorias e as leis apresentam um valor essencial
e “Podemos entender por Lei ‘uma ligação necessária geral, interativa ou estável’. Esta conexão deve ser
interna e essencial e, dadas certas condições, assinala o caráter do desenvolvimento do
fenômeno.”(Triviños,1992,p.54); e as categorias podem ser “(...) entendidas como formas de
conscientização dos conceitos dos modos universais da relação do homem com o mundo, que refletem as
propriedades e leis mais gerais e essências da natureza, da sociedade e do
pensamento.”(Triviños,1992,p.54).
De acordo com Aranha e Martins (2002,p.89), Hegel foi o primeiro a contrapor a lógica dialética à
lógica tradicional, onde para ele compreender a natureza é representa-la como um processo. Karl Marx e
Engels partem do significado da dialética hegeliana, mas promovem uma inversão, pois são materialistas,
ao contrário de Hegel, que é idealista. Segundo Marx, no caso de Hegel a dialética apóia-se sobre a
cabeça, basta repô-la sobre os seus pés para lhe dar uma fisionomia racional. Isto significa que para Hegel,
é o pensamento que cria a realidade, já para Marx, o dado primeiro é o mundo material, e a contradição
surge entre os homens reais, em condições históricas e sociais.
No enfoque de Marx, o mundo material é dialético, está em constante movimento, e historicamente
as mudanças ocorrem em função das contradições surgidas a partir dos antagonismos das classes no
processo da produção social. Para Demo (1980,p.161), a dialética classifica-se em aberta ou fechada e
como o específico da dialética está em sua concepção de antítese, a abertura ou fechamento dela se dá
através do seu potencial negador. A dialética aberta é aquela que persiste no sentido já exposto da
alternância, e a fechada é aquela que absolutiza um tipo de interrupção histórica, ou absoluta, ou
absolutamente relativas.
Triviños ao discorrer sobre a dialética nos mostra que Engels, apoiado em Hegel, reduz o número
das leis da dialética a três:

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-1. lei da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa - o processo de transformação das coisas
se faz por saltos, onde, mudanças mínimas de quantidade vão se acumulando, e provocam em determinado
momento uma mudança qualitativa.
-2. lei da interpenetração dos contrários - a dialética considera a contradição inerente à realidade das
coisas, e justamente a contradição é a força motriz que provoca o movimento e a transformação; a
contradição é a luta que surge entre os contrários. Mas os dois pólos contrários são inseparáveis (unidade
dos contrários) e por estarem em luta há a geração do novo.
-3. lei da negação da negação – da interação das forças contraditórias, em que uma nega a outra, deriva
um terceiro momento que é a negação da negação, ou seja, a síntese, que é o surgimento do novo. Tese,
antítese, síntese é a tríade que explica o movimento do mundo e do pensamento.
Os avanços nas ciências exatas propiciaram ao homem um desenvolvimento empírico-racional
difícil de ser contestado devido a precisão dos resultados (como a da Física quântica, por exemplo). Mas
como poderia o homem reduzir a vida a experimentos? A humanidade, sedenta de informações precisava
de algo que explicasse o complexo de relações homem/natureza além do que é verificável em laboratório.
É aí que se insere a teoria da complexidade, onde, “O pensamento complexo convoca não ao
abandono dessa lógica, mas a uma combinação dialógica entre a sua utilização, segmento por segmento, e
a sua transgressão nos buracos negros onde ela para de ser operacional”(Morin e Moigne,2000,p.201).
Assim, na década de 1940 a Ordem, Separabilidade e Razão absoluta foram abaladas por novas
formas de analisar a realidade e se deparam com o surgimento da teoria da informação, da cibernética e
dos sistemas. A teoria da informação permite entrar num universo onde existe ao mesmo tempo a ordem (a
redundância), a desordem (o bruto), e o novo (a informação).
A cibernética é uma teoria das máquinas autônomas. A idéia de retroação (feedback), rompe o
principio da causalidade linear e introduz a idéia de circulo linear, onde a causa age sobre o efeito e o efeito
sobre a causa. Morin e Moigne dizem que a idéia de retroação havia sido pressentida por Marx, quando ele
dizia que infra-estrutura material de uma sociedade produz a superestrutura (social, política, ideológica),
mas, em troca, a superestrutura retroage à infra-estrutura material.
Isso nos remete a teoria dos sistemas, onde “O ponto de vista de sistema pode revelar, de um lado,
uma acentuação metodológica particular do sistemismo, mas de outro, um extremo parentesco com o
estruturalismo. É muito conhecido o apelo ao conceito de sistema na própria definição de estrutura, dentro
do estruturalismo.” (Demo,1980,p.228). Para Triviños, “A estrutura é própria de todos os fenômenos,
coisas, objetos e sistemas que existem na realidade. É uma forma interior que caracteriza a existência do
objeto. Ela preserva a unidade e peculiariza a coisa através das conexões estáveis que se estabelecem
entre os diferentes elementos que a constituem.”(Triviños,1992,p.80).
A essas teorias se acrescenta o conceito de auto-organização, onde Von Neumann diferencia as
máquinas vivas e as máquinas artificiais, para ele, a máquina artificial não pode consertar a si própria, auto-
organizar-se, enquanto a máquina viva se regenera permanentemente a partir da morte de suas células.
Foster contribui na descoberta da ordem pelo barulho, enquanto Atlan pôde então conceber a teoria do
acaso organizado, chegando ao ponto que Morin e Moigne dizem que sob as mais diversas formas, a
dialógica entre a ordem, a desordem e a organização, através de inúmeras inter-relações, está
constantemente em ação nos mundos físicos, biológico e humano.
Neste enfoque, verifica-se a preocupação em mostrar a interdependência que existe em nosso
planeta entre os seres bióticos e abióticos, onde existe um todo equilibrado e em constante movimento. O
pensamento da complexidade não expulsa a certeza para colocar a incerteza; que expulsa a lógica para
autorizar todas as transgressões; que expulsa a separação para colocar a inseparabilidade; a intenção é
integra-los e estabelecer relações do global e do local. Isso não quer dizer que só o geral ou o singular vai
ser estudado, isso vai depender do enfoque, e o que se pretende é mostrar a relação que existe entre
ambos. Em síntese o pensamento complexo não é simplificador, ele integra os fenômenos em diferentes
escalas, trabalhando a simplicidade e a complexidade.
A teoria da complexidade difere da dialética marxista por uma questão conceitual, visto que no
próprio marxismo ocorre distinção entre o materialismo histórico e dialético, “(...) significando o primeiro à
teoria da transição histórica, e o segundo seu instrumento de captação.(...), a dialética marxista trabalhou
com especial profundeza o conceito de ‘classe’ que significa a incorporação histórica do maior conflito
interno do capitalismo e que o levaria necessariamente à superação”(Demo,1980,p.154). A teoria da
complexidade preocupa-se com uma visão holística da realidade, onde “O pensamento complexo é, pois,
essencialmente o pensamento que trata com a incerteza e que é capaz de conceber a organização. É o

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pensamento capaz de reunir, (...), de contextualizar, de globalizar, mas, ao mesmo tempo, capaz de
reconhecer o singular, o individual, o concreto.”(Morin e Moigne,2000,p.2007).
Portanto, verifica-se que as contribuições tanto da dialética marxista, como da teoria da
complexidade, foram fundamentais para a evolução de conceitos que visão a interpretação da realidade. A
dialética e teoria da complexidade servem para melhor interpretarmos o que vivenciamos (em suas
contradições e inter-relações). Afirma-se que todo conhecimento é construído visando responder a
questionamentos da conjuntura que se vivencia, assim como, nenhum conhecimento e/ou método de
pesquisa é descartável, ele(s) será(ão) aplicado(s) à necessidade do pesquisador.

Considerações Finais
Através deste artigo, que teve a pretensão de dar uma visão introdutória da dialética e da teoria da
complexidade, nos deparamos com visões da realidade diferenciadas e que nos mostram que a ciência não
é estática, ela evolui de acordo com a evolução técnica e cientifica do homem. Fazendo que, com o passar
dos anos possamos aprimorar o conhecimento do passado e criar novas formas de interpretação da
realidade que contribuam para a evolução cognitiva da sociedade; e principalmente da comunidade
cientifica que, munidas dessas informações poderão desenvolver novos olhares sobre a mesma realidade.
Faz-se mister salientar que a relação entre sujeito e objeto, bem como as condições do conhecimento
verdadeiro, são fundamentais para conhecer o mundo além da sua aparência. Daí, a importância da
contribuição da dialética e da teoria da complexidade.

Bibliografia
ARANHA, Maria, L.de Arruda e MARTINS, Maria,H,P. Filosofando. Editora Moderna, 2002, São Paulo.
DEMO,Pedro. Metodologia Cientifica em Ciências Sociais.1ºed.Editora Atlas, 1980.São Paulo.
GUARESCHI,P. Sociologia Crítica: Alternativas de mudança. Porto Alegre. Mundo Jovem. 53º edição
EDIPUCRS.2003
TRIVIÑOS,Augusto.N.S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais. Editora Atlas, 1992.São Paulo.
MORIM, Edgar. O pensamento Complexo, um pensamento que pensa. In A inteligência da complexidade.
Editora Petrópolis, 1999, São Paulo.
KONDER, Leandro. O que é Dialética. Ed brasiliense, 20ºed.1989.

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QUESTÕES METODOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DA GEOGRAFIA NA ATUALIDADE: O PAPEL DAS


PERCEPÇÕES FENOMENOLÓGICAS E DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Marcos Antonio Correia4

Introdução
As questões metodológicas e pedagógicas da geografia passam pelo direcionamento dos saberes na
contemporaneidade, visto desde a reflexão valorativa da ciência, até a sua forma de divulgação, pois esta
existe para ler e interpretar um mundo construído por uma história natural, a qual o próprio homem faz parte
e começa a participar efetivamente em determinado tempo e espaço, os quais de certa forma acabam
fazendo parte de intenso relacionamento imbricado resultando de eterno refazer e repensar, os quais são
adaptados as novas aspirações e necessidades do ser humano. Daí a busca por parâmetros que auxiliem
na organização deste mundo vivido, do qual a ciência não consegue sozinha montar as suas
representações, visto que as representações organizadas pela ciência vêm deste status, ou seja, vem do
mundo já constituído dentro da capacidade dos nossos sentidos e mediado pelas apreensões intelectuais e
cognoscentes dos indivíduos, inseridos num determinado contexto sócio-cultural.
Sendo assim pode-se dizer que o ser humano é um eterno aprendiz – segundo a canção - e os
diversos movimentos que realiza no ato de aprender e a própria consumação da aprendizagem, podem na
medida de sua vontade, ambição e sonhos, transformar-se em ensino. Por outro lado, tem-se que
evidenciar a importância do conhecimento científico o qual substanciou o projeto da sociedade moderna, até
o presente momento. Ocorre que a sociedade, inspirada por sua faceta política acaba optando pelo racional
em detrimento do emocional. Tudo de gênese material ou física prevalece, inclusive na elaboração dos
saberes e suas respectivas representações, principalmente de ordem científica. Isto deixa a sociedade
refém de um pensamento hegemônico e tendencioso, e de certa forma engessa partes de seu todo. O
Homem ao ser extremamente objetivo, técnico, frio, autômato e “exato”, acaba se afastando de sua
essência humana. Estas impressões são detectadas no final do século XX, e estão sendo refletidas, neste
momento, no início do terceiro milênio as quais passam pelas diversas formas de captação, construção e
reconstrução dos diversos conhecimentos, convertendo-se em ensino aprendizagem.
Transição Teórico-Filosófico da Sociedade Atual
A sociedade no atual momento passa por alteração em seu projeto humano, nota-se que o homem
perdeu sua capacidade de imaginar e criar, através de seu sentir e segue o caminho do pensar e fazer, que
o conduziu a grandes avanços em alguns setores do conhecimento, os quais serviram, pelo menos para
parte da humanidade, em determinado momento, os quais hoje já não satisfazem aos seus anseios.
Inclusive este modo de vida causou e causa desconforto e insatisfação à maioria dos mais de seis bilhões
de pessoas que vivem no Planeta, sem falar do desgaste dos elementos naturais existentes no mesmo, os
quais serviram de base para a satisfação das necessidades imediatas e outras menos imediatas, ou até
criadas pelos habitantes do astro Terra.
Com isso conclui-se que a sociedade atual evoluiu em muitos seguimentos, mas por questões sociais
e políticas, alguns grupos menores, mas melhores representados acabaram não respeitando princípios, já
propagados desde a Revolução Francesa, ou seja, Igualdade, Liberdade e Fraternidade, fazendo destes
princípios apenas conteúdos teóricos dificilmente respeitados, os quais foram usados apenas para
aumentar a hegemonia e o poder de alguns em detrimento da maioria. Mas é importante notar que, alguns
setores desta maioria menos favorecida acabaram se conscientizando e se organizando, provocando novas
expectativa e solicitando mudanças e tomada de novos rumos à humanidade.
Todo este movimento, filosófico e científico traz como resultado, apelo a mudanças no tratamento e
elaboração dos mesmos, assim como novas incursões pedagógicas e práticas didáticas. Pois os titames
científicos assentados em base positivista, de pensamento aristotélico, linear e cartesiano, já não
satisfazem, nos dias de hoje, os apelos humanos, pois até o momento o gênero humano não conseguiu se
fazer mais presente e participante nas elaborações epistêmicas dos saberes e muito menos na produção e
reprodução do conhecimento. Além do que, chega-se à conclusão que a ciência não representa a realidade
dos acontecimentos, fatos e fenômenos, além de indicar que o processo de elaboração dos saberes não é
simplesmente uma relação sujeito/objeto, mas se realiza com a participação destes dois elementos
simultaneamente.

4 Docente da FAFIUV; Mestrando em Geografia – UFPR

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Estas transformações são evidenciadas por diversos teóricos, e estudiosos dos quais destacamos
Capra (1982, p.14-19), quando diz que atualmente o mundo esta conectado, e os fenômenos naturais,
sociais e psicológicos estão interligados e cada vez mais interdependentes, e neste contexto as
elaborações sistêmicas e cartesianas, assim como o pensamento positivista, não estão dando conta de
satisfazer o equilíbrio individual e social, suscitados pela sociedade como um todo. Pois nas últimas
décadas é estabelecida uma condição de profunda crise mundial, afetando todos os seguimentos da
sociedade delineando crises das mais profundas, interferindo nas manifestações morais, intelectuais e
espirituais do ser humano, inclusive, desencadeando perspectivas eminentes, temerárias e realísticas de
extinção do gênero humano e dos demais seres vivos do planeta.
Portanto, a que se vislumbrar novas formas de elaboração dos saberes, talvez almejando até a união
dos diversos níveis de conhecimentos, em busca de causa maior e mais nobre, ou seja, a própria
permanecia essencial e existencial do ser humano na face da Terra. Nesse sentido as estruturas filosóficas,
epistemológicas e todas as demais teorias até aqui desenvolvidas tornam-se, de certa forma, insatisfatórias
às novas pretensões e necessidades humanas. Sendo assim, alguns ramos dos saberes apresentam-se
como opções colaborativas na evolução das apreensões dos saberes no atual estágio de vida do homem e
de tudo ao seu derredor.
Perspectivas Metodológicas e Pedagógicas da Geografia: a percepção e a representação
Visando esta participação é que se apresentam algumas possibilidades epistemológicas e
pedagógicas da geografia humanista cultural, revelando ações fenomenológicas como instrumento na
elaboração e disseminação do conhecimento humano em sua ordem científica. O qual, para esse intento
posiciona-se de forma sucinta, os saberes da ciência no geral e da geografia em particular em sua
contemporaneidade. Sendo que com isto, pontua-se a necessidade de adaptação do projeto humano em
ambiente científico e pedagógico, ressaltando que esta visão positiva, assim como o mecanicismo que
formaram uma alma-racional e um corpo-mecânico devem contar também com os sentimentos mais puros
da alma humana.
Aqui cabem algumas idéias introdutórias de Bachelard (2003, p.01-2) quando diz que “A reflexão
filosófica que exerce sobre um pensamento científico longamente trabalhado deve fazer com que a nova
idéia se integre em um corpo de idéias já aceitas, ainda que a nova idéia obrigue esse corpo de idéias a um
remanejamento profundo”. Isto deve ocorrer neste momento de transição dos saberes contemporâneos. E
neste aspecto a filosofia da poesia, não apresenta passado, pelo menos um passado muito longínquo o
qual favorece a singularidade das coisas observadas, pois “o poeta não me confere o passado de sua
imagem, e, no entanto ela se enraíza imediatamente em mim. A comunicabilidade de uma imagem singular
é um fato de grande significação ontológica”.

Para esclarecer filosoficamente o problema da imagem poética, é preciso chegar a


uma fenomenologia da imaginação. Esta seria um estudo do fenômeno da
imagem poética quando a imagem emerge na consciência como um produto direto
do coração, da alma, do ser do homem tomado em sua atualidade (...). Pouco a
pouco, esse método, que tem a seu favor a prudência científica, pareceu-me
insuficiente para fundar uma metafísica da imaginação. (...). Percebemos então
que essa transubjetividade da imagem não podia ser compreendida, em sua
essência, apenas pelos hábitos das referências objetivas (...). Ao nível da imagem
poética, a dualidade do sujeito e do objeto é irisada, reverberante,
incessantemente ativa em suas inversões.(...). Para bem especificar o que pode
ser uma fenomenologia da imagem, para especificar que imagem vem antes do
pensamento, seria necessário dizer que a poesia é, mais que uma fenomenologia
do espírito, uma fenomenologia da alma. (Ibidem, 2003, p.02-4).

Este ponto colocado por Bachelard se referindo a poética e a imagem em nível fenomenológico,
também enriquece as questões epistêmico-metodológicas da ciência e sua decorrência pedagógica, que
por sua fez reforçam o já apresentado até o presente momento, principalmente quando valoriza o vindo da
alma e do coração, assegurando que estas se manifestam antes do pensamento e por dedução, pode-se
dizer, que auxiliam na organização do mesmo.
No que tange ao ensino de geografia, é fundamental colocar que obedecendo ao seu enfoque
fenomenológico, não se observa muita dificuldade em se trabalhar as representações em momento
subseqüente a percepção, que se coloca preferencialmente a priori, pois este artigo procura, de início, evitar
os conceitos e representações pré-concebidas, na intenção de privilegiar o indivíduo e sua bagagem
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cultural, assim como seus sentimentos, intenções e vontades. Portanto, se estabelece os dois momentos
crucias para a concretização de um modelo metodológico que venha a atender as necessidades das
práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino da geografia.

A fenomenologia foi concebida por Edmund Husserl (1859-1918) e se constitui


numa corrente filosófica que considera os objetos como fenômenos, os quais
devem ser analisados como aparecem na consciência. A fenomenologia prioriza a
percepção e entende que qualquer idéia prévia que se tem sobre a natureza dos
objetos deve ser abolida. (...) O objetivo, perseguido por Husserl, foi fundar uma
nova base racional para a ciência, buscando captar a essência das coisas por
meio da compreensão que nega o subjetivo e o relativismo, afirmando o mundo
vivido como possibilidade de viver a experiência sensível e de simultaneamente
poder pensá-la de forma racional.(...) Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) centrou-
se na discussão da relação entre natureza e consciência, considerando que a
relação do homem com o mundo se constitui pela percepção.(...) Acima de tudo, é
preciso ressaltar que a fenomenologia consiste num método e numa forma de
pensar, nos quais a “intencionalidade da consciência “ é considerada chave.(...).
Por exemplo, a percepção de uma paisagem se constitui num ato da consciência,
o qual se relaciona ao ato de ver que, por sua vez, relaciona-se à forma com que
esse objeto é percebido e como esse aparece na consciência. Esta formulação,
certamente, pode permitir o subjetivismo próprio da experiência interior.(...) A
Geografia de inspiração fenomenológica apresentou, no cenário da disciplina, a
discussão das representações que os homens fazem do mundo. Isso porque, ao
mesmo tempo que o espaço é vivido e percebido de maneira diferente pelos
indivíduos, uma das questões decisivas da análise geográfica que se coloca diz
respeito às representações que os indivíduos fazem do espaço. (Lencioni, 2003, p
149-52)

Neste instante, inspirado em concepções husserliana e merleau-pontyana, bem como mediante ao


indicado, ressalta-se que a geografia, pela sua estrutura teórica, dentro do humanismo, mais
especificamente a geografia cultural humanista, pode sustentar instrumentalmente e apresentar significativa
contribuição aos conhecimentos geográficos, através da descrição subjetiva, em contexto situacional e
intencional. Este devidamente suspenso, realizado através de elucubrações idiossincráticas, ônticas e
dialógicas do ser humano. Assim como, refletir as mudanças sócio-culturais e científicas e as adaptações
que a geografia fenomenológica, seu método e seu caráter pedagógico possam oferecer ao
desenvolvimento humano, a ser assegurado através do ensino formal da disciplina de geografia nos dias
atuais, as quais são evidenciadas e indicadas através de instâncias legais da estrutura educacional que
busca além do ambiente local e nacional, uma consonância aos apelos mundiais ao qual o processo de
globalização se inspira.
Na busca de se estabelecer algo mais palpável e coerente com o conhecimento produzido e seu fim
pedagógico, sem o qual não se pode disseminar e inovar as teorias já elaboradas acredita-se oportuno
introduzir o conceito de representação, sem o qual, o conhecimento torna-se mais diluído, dificultando a
sistematização do mesmo, visto que esta é de suma importância na elaboração de instrumentos efetivos no
processo epistêmico e pedagógico da ciência. Nesse sentido é importante destacar as palavras de Morin na
obra de André (1998, p.31-32), quando este diz que estamos diante de um modelo da realidade, que
apresenta um duplo objeto real, que o sujeito pode enriquecer, completar, corrigir, retrabalhar, ao sabor das
experiências sensíveis e das necessidades. “A representação é outra coisa que um reflexo quase-ótico da
realidade percebida (...). Ela é ao mesmo tempo uma tradução e uma construção”. Assim, definida, a
representação é ao mesmo tempo conhecedora (connaissante), ela permite ao sujeito se apropriar do
mundo exterior e conhecível (connaissable), já que ela se acompanha de palavras e de idéias
comunicáveis.
O autor supra citado continua relatando que este modelo se estrutura sobre um objeto ausente
fisicamente e que vem à lembrança, seja a partir de uma reprodução, imaginação tomando o lugar do real,
pelo resgate de uma lembrança, ou seja, a partir de partes retirados da realidade. O objeto pode ter sido
anteriormente percebido, ou pode ser recente, produto das idealizações criadoras da representação. Ele diz
que, M. Denis destaca entre estas elaborações cognitivas, a imagem que constitui uma modalidade de
representação mental, que tem como característica conservar a informação perceptiva sob uma forma que
possui um grau elevado de similitude estrutural com a percepção. A imagem é uma forma de representação
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que resulta de uma abstração, sem que, contudo, o grau atingido por esta abstração faça com que a
representação perca sua correspondência unívoca e estrutural em relação à percepção. Esta propriedade
confere uma grande parte de seu valor funcional, quando ela se encontra inserida em atividades como: a
compreensão da linguagem e a busca pela resolução de problemas.

Toda as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois
grupos, pressupõem representações.(...) Sempre e em todo o lugar, quando nós
encontramos pessoas ou coisas e nos familiarizamos com elas, tais
representações estão presentes. A informação que recebemos, e à qual tentamos
dar um significado, está sob seu controle e não possui outro sentido para nós além
do que elas dão a ele. (...) podemos afirmar que o que é importante é a natureza
da mudança, através da qual as representações sociais se tornam capazes de
influenciar o comportamento do indivíduo participante de uma coletividade. É
dessa maneira que elas são criadas, internamente, mentalmente, pois é dessa
maneira que o próprio processo coletivo penetra, como o fator determinante,
dentro do pensamento individual.(...) Pessoas e grupos criam representações no
decurso da comunicação e da cooperação. (...) Ao criar representações, nós
somos como o artista, que se inclina diante da estátua que ele esculpiu e a adora
como se fosse um deus. (Moscovici, 2003, p. 40-1)

André (1998, p.32-33), relata que existem outras formas de representações como: os sonhos, os
fantasmas, as alucinações e outras. Nós as recebemos, entretanto, diferentemente como um
desdobramento da realidade, excetualmente no caso da alucinação que se impõe como percepção
presente. O autor usa as idéias de E. Morin, o qual insiste sobre a unidade da representação, dizendo que
não existe diferença intrínseca nas imagens, o que ocorre é a unidade do real e do imaginário ao nível de
imagem mental. Tudo passa pela representação, ela é o elo intrínseco entre o passado e o presente, entre
o vigilha e o sonho. A representação é o ato constitutivo idêntico e radical do real e do imaginário. Esta
relação complexa do real e do imaginário no seio da representação é freqüentemente evocada na geografia.
Portanto, analisando algumas passagens da geografia humana dentro da ciência como um todo e da
geografia humanista cultural, principalmente de cunho fenomenológico, vislumbram-se algumas
possibilidades, principalmente no viés epistêmico-metodológico e didático geográfico, visto que estes
contemplam a sociedade, a ciência e sua produção cultural, através da exaltação da percepção e suas
respectivas representações, que cada um tem do todo e das partes em determinado tempo e lugar. Aqui
cabe a interferência teórica de André (1998, p.33), quando relata o pensamento de Bailly, constatando que
a geografia está consciente de sua subjetividade, ao mesmo tempo em que analisa os discursos e as
realidades espaciais, resgatando através das formas representacionais, as quais estabelecem coerência e
organização usando para tanto não apenas aspectos racionais, mas também utilizando os sentimentos
unidos a percepção que os indivíduos tem dos seus lugares de vivência.
Na obra, O Humanismo na Geografia, Bailly; Scariati (1990, p.156-61), através de vários
pensadores concluem, que a perspectiva humanista não é mais uma gaveta da geografia, mais sim uma
nova forma de conceber as manifestações geográficas, pois além dos pensamentos racionais, pode-se
conceber a lógica do sensível e do subjetivo vividos no cotidiano. Esta obra diz que a geografia não se
sente mais acanhada de sua subjetividade e que, muito pelo contrário, a usa para manifestar as
consciências coletivas, investigar os vestígios das memórias e auxiliar na criação dos lugares. Com isto o
espírito humano poderia colaborar para a sensibilidade da geografia frente aos problemas do cotidiano, do
imaginário, e assim torná-la mais eficiente. Estas visões humanistas (mais no sentido fenomenológico),
destacam que ocorrem o desvelar do mundo poético no mundo científico.
Ainda no contexto da geografia cultural humanista segundo Claval, argumenta-se que:

O conteúdo das mensagens trocadas não pode geralmente ser compreendido fora
do contexto onde se encontram os parceiros. Esta perspectiva sublinha que a
cultura é antes uma realidade de escala local: de um círculo de interação a outro,
trocas têm lugar; equivalências se desenvolvem, de modo que a comunicação seja
possível, porém nem tudo é transmitido. Não existe compreensão real dos
processos culturais se negligenciamos o jogo da intersubjetividade. Assim
concebida, a cultura não aparece como uma totalidade que encontraríamos
identicamente em todos os membros de uma sociedade, como poderia ser o caso
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de um mesmo software implantado em milhares de computadores Ela resulta de


um processo de construção sem fim, levado a cabo pelos indivíduos. A cultura
incorpora, assim, valores. Estes têm uma tripla finalidade: primeiro, guiar a ação
inscrevendo-a em um quadro normativo; segundo, sublinhar a especificidade de
tudo que é social, alçando a uma dignidade superior o que passa por
procedimentos de institucionalização, e, terceiro, dar um sentido à vida individual e
coletiva. O mundo real é duplicado por mundos imaginados, que são
indispensáveis para lhe dar sentido e aparecem freqüentemente como mais
autênticos do que aqueles que nossos olhos desvelam. Esses algures afloram em
certos lugares. Se a geografia cultural se dedica à experiência que os homens têm
do mundo, da natureza e da sociedade, ela deve partir daquilo que os seus
sentidos lhes revelam. (...). A cultura não fala somente do espaço; ela fala também
da natureza. Ela o toma simultaneamente como um meio a dominar para extrair
aquilo que é necessário à existência e como um conjunto carregado de sentidos. A
paisagem retém a atenção, uma vez que é o suporte das representações. (Claval,
1997 p.95-102).

Estas perspectivas sublinhadas por Paul Claval, tão o tom da geografia cultural humanista, as quais
fundam as idéias propostas e contribuem à elaboração e organização de outras idéias, sendo estas muito
importantes à empreitada ora realizada, principalmente quando fala da mensagem que os indivíduos
poderão trocar e que esta, imprescindivelmente, obedecem a instância local, portanto mostrando em
primeiro plano a subjetividade e, em seguida, a intersubjetividade, comportamento este elaboradores e
reelaboradores de cultura. De acordo com Correia (2006, p, 74), “Fica patente, diante do exposto, que esta
visão alternativa da geografia cultural traz contribuições epistêmicas e metodológicas para a elaboração do
conhecimento geográfico”.
Considerações Finais
Nesta sucinta reflexão pode-se destacar que a fenomenologia, tida também como construída em
representações primeiras, realizadas através de percepções, traz em si uma pedagogia diferenciada, a qual
parte de modelo husserliano baseado na suspensão intencional e situacional dos eventos, para posterior e
se necessária, comparação e construção de formas e visões diferenciadas em relação ao mundano. Esta
forma de abordar as impressões acaba se materializando nos conhecimentos geográficos através da
descrição, inicialmente subjetiva e na seqüência intersubjetiva dos seres em seus mundos e vidas.
É importante ressaltar que somente a percepção fenomenológica, embora substancial, não é
suficiente para tratar a totalidade do problema pedagógico da geografia. Neste sentido, o artigo sugere a
intersecção, do método fenomenológico de Husserl, -- repensado por Merleau-Ponty - junto a teoria das
representações sociais de Moscovici. Neste particular, ressalva-se a ausência de abordagens e técnicas
que atendam a esta prática didático-pedagógica dentro da área estudada, ou seja, dentro da geografia
enquanto disciplina escolar, as quais suscitam intervenções, à serem elaboradas, principalmente na
observação do cotidiano da escola e na vivência dos educandos.

Referências Bibliográficas
ANDRÉ, Yves. Enseigner les représentations espatiales. Paris: Anthopos, 1998.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAILLY, Antoine; SCARIATI, R. L’ Humanisme en Géographie. Paris: Anthropos, 1990.
CAPRA, Frijof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. (Trad.) Álvaro
Cabral. São Paulo: Cultrix. 1999.
CLAVAL, Paul. As Abordagens da Geografia Cultural. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César
da Costa Gomes; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Rio de Janeiro: Bertrand. 1997.
CORREIA, Marcos Antonio. Ponderações Reflexivas Sobre a contribuição da Fenomenologia à Geografia
Cultural. RA' EGA (UFPR). Curitiba, v.11, p.67-75, 2006. Editora UFPR.
LENCIONI, Sandra. Região e geografia. São Paulo: EDUSP, 2003.
MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. (Trad.) Pedrinho A.
Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

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USO DAS TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL

Gilberto Luis Gonçalves5


1 INTRODUÇÃO
Desde a Antiguidade a organização do espaço sempre foi uma premissa para pessoas e grupos que
se propõem a viver em estado gregário com objetivo e normas comuns. Essa preocupação se tornou mais
evidente com os gregos e principalmente com Aristóteles considerado o “grande teórico da cidade”. Afirma
Santos (2004, p. 16) que essa perspectiva de planejamento da cidade “perdura no tempo, da Grécia Antiga
à época da Revolução Industrial”.
Já no final do século XIX na Europa, poucos se preocupavam com a construção das cidades
conservando os elementos da natureza. Em decorrência da Teoria de Darwin (1809-1882), que muitos
estudos induziram a reorientação da relação homem e meio. Santos (2004) afirma que o movimento
romântico do final do século XVIII refletiu uma expressão social de cunho ambiental. Com o intuito de
planejamento de recursos hídricos e saneamento, contribuiu a Escola Francesa que discutia a relação entre
disponibilidade de água e preservação de mananciais. Nesse período da história, a preocupação com a
natureza era observada nas cidades japonesas, que procuravam preservar elementos naturais e
construídos.
Com a industrialização de países desenvolvidos, principalmente no pós-guerra, graves problemas
de degradação ambiental e ou social tornaram-se evidentes. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente
(MMA) em (2001, p. 9):

O aumento da conscientização das populações envolvidas levou a um


crescimento das exigências por melhores padrões de qualidade ambiental, em
que estas preocupações fossem incorporadas pelo governo seja através de
ações preventivas, corretivas e ou de alternativas quanto ao modelo de
desenvolvimento adotado.

Segundo McCormick (1992), nos meados da década de 1970, poucos países poderiam afirmar que
não haviam sido afetados por algum tipo de problema ambiental: rica ou pobre, industrial ou agrária,
autoritária ou democrática, socialista ou capitalista, quase todas as sociedades sentiam-se compelidas a
reavaliar suas atitudes em relação à administração de recursos e à condição do meio ambiente urbano.
Até meados de 1970 os instrumentos tradicionais de avaliação e priorização de projetos se
encontravam limitados à análise econômica e sem condições de identificar e incorporar conseqüências dos
efeitos causados pelos projetos. A Conferência de Estocolmo em 1972 relatou os problemas ambientais
resultantes da contaminação do ar e águas pelo aumento significativo das indústrias tendo apresentado
diversos instrumentos e métodos de avaliação com o objetivo de incorporar as questões ambientais ao
processo de decisão.
Assim, afirma Santos (2004) que nos anos 1970 e início dos anos 1980 surgiram muitas discussões
onde a conservação e preservação dos recursos naturais, o papel do homem integrado no meio, passa a ter
significativa importância para a qualidade de vida da população. Assim, os conceitos sobre planejamento,
influenciados pelos estudos de impacto, sofreram uma reformulação na qual a questão ambiental foi
amplamente contemplada.
Destarte, concordamos com McCormick (1992) quando afirma que o ambientalismo percorreu um
longo caminho em um século e, que seu início foi realmente humilde, sendo que durante a década de 1960,
fixou-se na arena dos protestos de massa e da ação dos cidadãos.
McCormick (1992), afirma que a partir desses e de outros acontecimentos, tomou forma um
movimento global de massas e o meio ambiente tornou-se uma questão política, objeto de corpos de
legislação novos e complexos, o tema de programas de pesquisa nacionais e internacionais, instigando a
descoberta de uma das mais fundamentais realidades da existência humana: que a humanidade é
totalmente dependente de um meio ambiente natural saudável.

5 Professor do Depto. De Geografia da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória-PR.

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Contudo, apesar das discussões referentes à conservação da natureza, na prática se verifica o


contrário. Em nome do progresso e do avanço tecnológico, esquecemos de um critério que rege as leis
naturais e que se refere à irreversibilidade, sendo o modelo de “desenvolvimento vigente insustentável,
desigual, provocando a degradação da natureza, sob uma maquiagem pseudo-ambiental” e ainda a
constatação sob o ponto de vista geográfico “de o homem, apesar dos avanços tecnológicos, tem ainda um
conhecimento restrito e fragmentado sobre os fatos da natureza em interação com a ação antrópica,
gerando uma incapacidade de avaliação crítica na sua relação” (MURATORI, 2006, p. 10).
Segundo a EMPRAPA (1996) citada por MMA (2001), nunca na história da humanidade houve tanto
progresso quanto no século XX e, nunca o progresso do homem pôs em tal risco a sobrevivência, não
apenas da espécie humana, mas de toda a vida no planeta Terra. Observa-se que na maioria das vezes o
crescimento da população ocorre de forma desordenada, o uso indiscriminado dos recursos e meios, que
erroneamente até pouco tempo eram tidos como renováveis as ocupações de áreas de preservação de
forma aleatória e predatória, levou a necessidade da definição de projetos voltados à preservação
ambiental.

2 A AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL E OS MÉTODOS DE ABORGAGEM


De acordo com o MMA (2001), o processo de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) foi
sistematizado primeiramente nos Estados Unidos, sendo institucionalizado no National Environment Policy
Act – NEPA no ano de 1969. A AIA foi também introduzida no Canadá nos anos 70 como instrumentos de
planejamento e recomendado aos órgãos federais nos programas ambientais. Nesse período alguns países
da Europa passaram a exigir elementos de análise dos impactos ambientais para o licenciamento de certos
empreendimentos.
O Brasil até a década de 80 não contava com instrumentos jurídico-legais que regulamentassem o
processo de avaliação de impacto ambiental. A AIA foi introduzida com embasamento jurídico no ano de
1980, a partir da Lei Federal nº 6803/1980, por exigência de órgãos financiadores internacionais e dispunha
sobre a criação de zoneamento industrial em zonas de poluição crítica. Para adoção dessa lei havia a
necessidade de estudos específicos, dentre os quais a avaliação de impactos ambientais.
De acordo com Sánchez (2006) em alguns locais onde a Avaliação de Impactos Ambientais não
está prevista na legislação, este instrumento tem sido aplicado por força das exigências de organismos
internacionais Atualmente, fazem uso da Avaliação de Impactos Ambientais, todos os principais organismos
de cooperação internacional, como os órgãos setoriais da Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco
Mundial (BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre outros.
A Avaliação de Impacto Ambiental de acordo com o MMA (2001) tem por objetivo: ser um
instrumento auxiliar do processo de decisão representando um método de análise sistemática, por meio de
parâmetros técnico-científicos, dos impactos ambientais associados a um determinado projeto. Objetiva
também ser um instrumentos de análise do processo de negociação, sendo um interlocutor entre os
projetos públicos e/ou privados com a sociedade em que estão inseridos.
Com a Resolução do CONAMA 001 de 23/01/1986 um dos instrumentos da Política de Meio
Ambiente, compreendendo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto
Ambiental (RIMA) foram estabelecidos critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da
AIA, sendo os mesmos submetidos à aprovação do órgão estadual competente e do MMA, em caráter
supletivo, para o licenciamento de atividades que alterem o meio ambiente.
Diversas são as conceituações de impacto ambiental, quase todas calçadas numa conceituação de
impactos onde está inserida a lógica do tipo ação-reação.
Segundo Baasch (2001, p. 4), a Avaliação de Impacto Ambiental é um instrumento de política
ambiental formado por um conjunto de procedimentos (projeto, programa, plano ou política), capaz de tornar
viável o desenvolvimento em harmonia com o uso dos recursos naturais e econômicos, fornecendo
subsídios a uma tomada de decisão que leve em consideração a vantagem e desvantagem de uma
determinada proposta de intervenção.
Para Bolea citado por La Rovere (2001, p. 11), a AIA é um estudo realizado para identificar, prevenir
e interpretar as conseqüências ambientais causadas por determinadas ações, projetos ou programas.
Devendo, no entanto incluir alternativas à ação do projeto, pressupondo a participação do público como um
instrumento de conhecimento a serviço da decisão. Porém, essa não tarefa fácil, pois, de acordo com o
MMA (2001, p. 10):

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A principal dificuldade encontrada na definição de impacto ambiental, e


consequentemente na sua identificação, consiste na própria delimitação do
impacto, já que o mesmo se propaga, espacialmente e temporalmente, através de
uma complexa rede de inter-relações. Outra grande dificuldade reside nas
deficiências instrumentais e metodológicas para predizer respostas dos
ecossistemas às atividades humanas. Esta questão torna-se ainda mais crítica
quando se trata da dimensão social.

Assim, percebe-se que a AIA permite uma visão ampla de todas as agressões que um
empreendimento possa causar ao meio ambiente, fazendo com que as decisões por alternativas estejam
concentradas em conjunto, de maneira que as ações sejam orientadas pela meta da empresa e de seu
gerenciamento ambiental.
Segundo o MMA (2001), para explicitar a dinâmica espaço-temporal, têm sido introduzidas
classificações de impacto ambiental como: impactos diretos (ou primários) e indiretos (ou secundários), que
consistem na alteração de determinados aspectos ambientais por ação do homem, sendo de mais fácil
identificação, impactos de curto e longo prazo, sendo que os impactos de curto prazo ocorrem normalmente
logo após a realização da ação, podendo desaparecer em seguida, impactos reversíveis e irreversíveis, em
que está em jogo o caráter reversível ou não das alterações sobre o meio, impactos cumulativos e
sinérgicos, que consideram a acumulação no tempo e no espaço de feitos sobre o meio ambiente.
São inúmeros os impactos negativos que afetam a vida na terra, provocados pela interferência
humana nos diversos ecossistemas sendo que, mesmo localizados ou circunscritos a uma determinada
região na sua evolução afetam várias regiões sob o ponto de vista ecológico.
Segundo Muratori (2006) são consideradas ameaças globais: a diminuição da biodiversidade pela
extinção de espécies da fitofauna terrestre e marinha, a poluição atmosférica, dos solos e massas líquidas.
Os fenômenos relacionados à emissão de gases e de partículas que alteram as condições físico-químicas
da atmosfera diminuindo a camada de ozônio provocando aquecimento global devido ao efeito estufa.
Muratori (2006) aponta ainda outros fatores que contribuem para a degradação do meio ambiente
como: desastres por elementos radioativos, esgotamento dos recursos do mar e dos rios, poluição hídrica,
degradação dos solos, contaminação dos solos, desertificação antrópica, desflorestamento, movimentos de
solos e fragmentos rochosos nas encostas, problemas democráficos e o meio ambiente, bem como o
ambiente urbano onde concentra-se 80% da população, sendo a preocupação com as questões ambientais
desta área fundamental.
Para a tomada de decisões, é necessário uma seleção criteriosa e adaptações face a diversidade
de métodos de AIA, muitos dos quais incompatíveis com as condições socioeconômicas e políticas do
Brasil. Segundo o UNEP (1996) é preciso usar uma abordagem lógica e sistemática para refinar a lista de
impactos que requer uma investigação detalhada, e para assegurar a identificação de todas as causas
prováveis dos impactos e suas interações.
Segundo MMA (2001) existem na literatura diversas classificações para a utilização da metodologia
de AIA que variam conforme a ótica adotada. Dentre as opções, destacam-se as seguintes linhas
metodológicas para a avaliação de impactos ambientais:
a) Metodologias Espontâneas (Ad Hoc)
São métodos no conhecimento empírico de expertos do assunto, elaborados para um projeto
específico, identificando impactos por meio de longas reflexões, caracterizando-os e sintetizando-os por
meio de tabelas ou matrizes. São adequadas para casos com escassez de dados, fornecendo orientação
para outras avaliações. Os impactos são identificados normalmente via brainstorming. Com vantagem pode
ser citada a possibilidade de estimativa rápida da evolução de impactos, de forma organizada e facilmente
compreensível pelo público. Embora muitos praticantes de AIA executem estas tarefas usando uma
abordagem ad hoc, a experiência tem mostrado que as AIAs gerenciadas desta maneira tornam-se
desestruturadas, indisciplinadas e freqüentemente falham em identificar todos os impactos significativos.
Elas também tendem a resultar em longas coleções de informação descritivas, que não fornecem uma base
adequada para a tomada de decisão.
b) Metodologia de Listagem (Checklists)
São relações padronizadas de fatores ambientais desenvolvidas geralmente a partir de listas que
identificam impactos provocados por possíveis impactos. Elas podem variar em complexidade e propósito,
consistindo em uma listagem simples ou descritiva ou em um sistema que também confere significância
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através do escalamento e ponderação dos impactos. Checklists setoriais são geralmente usadas quando os
proponentes se especializam em uma área particular de desenvolvimento. Este recurso não é efetivo na
identificação de impactos de ordem mais alta ou do inter-relacionamento dos impactos.
c) Matrizes de Interação
São metodologias e técnicas bidimensionais que relacionam ações com fatores ambientais. A
interação entre uma atividade e uma característica ambiental pode ser mostrada na célula comum a ambos.
Podem ser feitas observações nas células para destacar a severidade do impacto ou outras características
relacionadas à natureza do impacto, utilizando marcas ou símbolos que identificam o tipo de impacto (direto,
indireto, cumulativo), de forma ilustrada; números ou uma série de pontos de tamanho diferente para indicar
a escala; ou observações descritivas. A matriz de interação mais conhecida é a Matriz de Leopold, que é
formada por 100 colunas representam as ações do projeto e por 88 linhas relativas às características
ambientais, resultando em 8.800 interações possíveis. Segundo o MMA (2001, p. 15), os princípios básicos
da Matriz de Leopold consistem em:

Primeiramente, assinalar todas as possíveis interações entre as ações e os


fatores, para, em seguida, estabelecer numa escala que varia de um a 10, a
magnitude e importância de cada impacto, identificando-o como positivo ou
negativo. Enquanto a valoração da magnitude é relativamente objetiva ou
empírica, pois se refere ao grau de alteração provocado pela ação sobre o fato
ambiental, a pontuação da importância é subjetiva ou normativa, uma vez que
envolve atribuição de peso relativo ao fator afetado no âmbito do projeto.

O estabelecimento destes pesos constitui um dos pontos mais críticos, não só das técnicas
matriciais, mas também dos demais métodos quantitativos. Nesse sentido, a matriz de Leopold pode ser
criticada, pois, não explicita, com clareza, as bases de cálculo das escalas de pontuação de importância e
magnitude. Afirma Santos (2004, p. 116) que as matrizes apresentam problemas semelhantes às listagens,
pois, “propiciam somente interações primárias entre os elementos dos dois eixos, não evidenciando os
efeitos que elas desencadeiam, permitindo que um impacto seja considerado duas vezes, pois não é
estabelecido o princípio de exclusão de variáveis e não se relacionam os fatores segundo os efeitos finais”.
Outros aspectos criticáveis são a pouca ênfase atribuída aos fatores sociais e culturais.
Para completar os critérios de avaliação dos impactos ambientais, podem ser indicadas as possíveis
ações desencadeadas pela ação humana: introdução de flora ou fauna exótica; modificação no habitat;
alteração da cobertura superficial; irrigação; queimada; superfície ou pavimentação; ruído ou vibração;
urbanização; instalação de indústrias e edifícios; rodovias e pontes; estradas e picadas; ferrovias; cabos e
elevadores; linhas de transmissão; estruturas de recreação; escavação e terraplanagem; escavação da
superfície; desmatamento e outros serviços madeireiros. Por outro lado os aspectos naturais identificados
nas linhas são representados pelos recursos minerais; materiais de construção; solos; formas de relevo;
campos de força e as características físicas únicas.
Havendo múltiplos critérios para avaliar a magnitude e a importância das alterações que a paisagem
está sofrendo, deve-se organizá-los, sendo muito discutida no uso deste tipo de técnica a pertinência ou
não de se calcular um índice global de impacto ambiental resultante da soma ponderada (magnitude x
importância) dos impactos específicos. Alguns atributos poderão ter mais peso que outros, dentro de uma
escala de 1 a 10, sendo que os impactos de um empreendimento podem ser classificados desta maneira. A
título de exemplo poderíamos combinar atributos e ponderação dos mesmos. Em uma combinação de
atributos podemos adotar a seguintes escala: a) Magnitude: pequena que vai de 1 a 3; média vai de 4 a 6 e
grande de 7 a 10; b) Importância: pequena que vai de 1 a 3; média de 4 a 6 e a grande de 7 a 10.
Para a ponderação dos resultados auferidos no processo de combinação dos atributos podem ser
considerados a soma das ações de capa ponto, e posteriormente dividida pelo mesmo número de ações. O
resultado final desta simples ponderação refletirá em separado a nota final da magnitude e da importância
das alterações de cada ponto observado, dado pelo valor numérico. Sánchez (2006, p. 32) concebe que:
“[...} o resultado da ponderação de atributos não é uma “medida” do impacto, no sentido físico de uma
“grandeza que possa servir de padrão para avaliar outras do mesmo gênero”, mas uma apreciação
qualitativa da importância do impacto.
d) Redes de interação (Network)
Utilizando método gráfico, essa metodologia estabelece uma seqüência de impactos ambientais
a partir de uma determinada intervenção. Segundo o MMA (2001), a rede de Sorensen (1974), é uma das
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mais conhecidas que utiliza parâmetros valorativos de magnitude, importância e probabilidade visando um
índice global de impacto. Segundo Bolea (1984), existem outros sistemas de redes, como o método
CNYRPAB (utilizado com freqüência nos EUA), o Bereano (no Alasca) e considerações do Banco Mundial
sobre redes de interações modificadas, como muitas utilizadas no Brasil.
As redes têm por objetivo as relações precedência entre ações praticadas pelo empreendimento
e os conseqüentes impactos de primeira e demais ordens. Apresentam como vantagens o fato de
permitirem uma boa visualização de impactos secundários e demais ordens, principalmente quando
computadorizadas, e a possibilidade de introdução de parâmetros probabilísticos, mostrando tendências.
e) Metodologias Quantitativas
Os métodos quantitativos pretendem associar valores às considerações qualitativas que possam
ser formuladas quando da avaliação de impactos de um projeto. Um dos métodos quantitativos mais
importantes foi o apresentado pelo Batelle Columbus Laboratories, em 1972, para o US Bureau of
Reclamation.
Segundo Moura e Oliveira (2006) esse método utiliza indicadores de qualidade ambiental
expressos por gráficos que relacionam o estado de determinados compartimentos ou segmentos
ambientais a um estado de qualidade variando de 0 a 1. “Os indicadores são denominados como
parâmetros, oferecendo 71 gráficos de qualidade ambiental a eles relacionados. Utiliza ainda um peso
relativo para cada fator, comparando-os sob um julgamento subjetivo. Por fim estipula, para cada
parâmetro considerado”. (MOURA E OLIVEIRA, 2006, p. 9) A diferença, entre o referido produto e o peso
relativo do parâmetro considerado na fase anterior ao empreendimento e o produto verificado em cada
fase do empreendimento (implantação e operação), determina os impactos que poderão ser gerados pelo
projeto. Segundo o MMA (2001) essa técnica prevê um sistema alerta para identificar os impactos mais
significativos que devem ser submetidas a uma análise qualitativa mais detalhada.
Esse método apresenta vantagem de suprir os analistas com boas informações para
caracterizar uma dada situação ambiental, com termos de previsão dos impactos que possam ser gerados.
A subjetividade do método pode ser diminuída pelo uso de técnicas Delphi, utilizando equipes
multidisciplinares, porém apresenta falhas quanto à identificação das interações entre impactos, podendo
levar à dupla contagem e uma subestimativa dos mesmos.
f) Modelos de Simulação
Afirmam Moura e Oliveira (2006) que esses modelos estão relacionados à inteligência artificial
ou modelos matemáticos, destinados a representar tanto quanto possível o comportamento de parâmetros
ambientais ou as relações e interações entre as causas e os efeitos de determinadas ações. Podem ser
utilizados em projetos de usos múltiplos sendo capazes de processar variáveis qualitativas e quantitativas
e incorporar medidas de magnitude e importância de impactos ambientais. Podem se adaptar a diferentes
processos de decisão e facilitar o envolvimento de vários participantes no referido processo. Requer
pessoal técnico e experiente, bem como exigem programas e emprego de equipamentos apropriados e
dispendiosos.
Porém, observam-se, por vezes, dificuldades quanto à comunicação e conseqüente
entendimento do público, gerando imperfeições para futuras decisões. Observa-se a existência de limite
de variáveis a serem estudadas, sendo necessário, portanto qualidade de dados para alimentação dos
modelos.
g) Mapas de Superposição (Overlay Mapping)
As técnicas cartográficas são utilizadas na localização/extensão de impactos, na determinação
de aptidão e uso de solos, na resolução de áreas de relevante interesse ecológico, cultural, arqueológico,
sócio-econômico; logo, em zoneamentos e gerenciamentos ambientais. Segundo Afirmam Moura e
Oliveira (2006, p. 10):

Perfeitamente adaptável a diagnósticos e avaliações ambientais, tal metodologia


consiste na confecção de uma série de cartas temáticas, uma para cada
compartimento ambiental. Esses mapas desenhados em material transparente,
quando sobrepostos, orientam os estudos em questão.

Estas cartas se interagem para produzir a síntese da situação ambiental de uma área
geográfica, podendo ser elaboradas de acordo com os conceitos de vulnerabilidade ou potencialidade dos
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recursos ambientais (segundo se desejam obter cartas de restrição ou de aptidão do solo). Essa
metodologia é útil para a localização de conflitos de uso e outras questões de dimensão espacial, como a
comparação entre alternativas a serem analisadas num Estudo de Impacto Ambiental de um determinado
empreendimento.
h) Método do Banco Mundial
De acordo com Muratori (2006) os objetivos desta metodologia consistem na identificação e
medição dos efeitos dos projetos de desenvolvimento sobre a ecologia humana e ambiental, assinalando
os pontos gerais que analisam as possíveis conseqüências do projeto apontando informações e
experiências para estudar os aspectos de um projeto. Para atuar em projetos na agricultura, indústria,
transporte e serviços públicos, seis categorias foram adotadas pelo Banco Mundial: vinculação entre meio
ambiente e os recursos; desenho e construção do projeto; operações; fatores sócio-culturais;
repercussões na saúde e considerações de longo prazo.
i) Projeção de Cenários
Essa metodologia está baseada na análise de situações ambientais prováveis em termos de
evolução de um ambiente (cada situação corresponde a um cenário) e/ou de situações hipotéticas,
referentes a situações diferenciadas geradas por proposição de alternativas de projetos e programas.
Moura e Oliveira (2006) afirmam que essa abordagem tem por objetivo orientar as autoridades
governamentais no cumprimento de suas metas de longo prazo, através de indicadores de tendências
prováveis, assim, os cenários surgem a partir da ação contínua do(s) planejador(es) e do ambiente a ser
estudado, incluídos aí fatores naturais e de externalidades.
De acordo com Ávila & Santos (1989) citados por Moura e Oliveira (2006), os cenários podem
ser classificados em três categorias:

a) Cenários evolutivos e antecipatórios – cenários evolutivos descrevem as


trajetórias do sistema em estudo, verificando as conseqüências de decisões
tomadas hoje e no futuro. Já os cenários antecipatórios descrevem um estado
futuro do sistema, omitindo considerações de como chegar lá. b) Cenários
tendenciais e cenários alternativos – A distinção entre tendências e
alternativas está no escopo da análise. Nos cenários tendenciais, políticas e
situações não diferem radicalmente das tradicionais; para alternativos, no
entanto, procura-se investigar possibilidades estruturalmente distintas daquelas.
c) Cenários exploratórios e cenários normativos – Os cenários exploratórios
procuram, para uma dada situação, analisar as conseqüências de várias
políticas escolhidas a priori ou de maneira interativa; ao contrário, os normativos
estabelecem as conseqüências desejadas e procuram determinar, para cada
situação, que políticas permitem atingir a meta desejada.

Na construção de cenários, a primeira etapa é a construção de uma base, ou seja, a imagem do


estado atual do sistema a partir da qual o estudo prospectivo pode se desenvolver. Uma desvantagem
dessa metodologia é a necessidade de filtrar apenas as hipóteses plausíveis, o que exige o
estabelecimento arbitrário de grande quantidade de coeficiente de impacto entre os eventos e as variáveis
e políticas consideradas, normalmente condicionadas a probabilidade ou níveis de coerência.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas últimas décadas houve um grande aprimoramento de iniciativas legais relativas às questões
ambiental e social, diversos instrumentos vêm sendo utilizados como suporte para se alcançar formas
sustentáveis de desenvolvimento. No Brasil, dentre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente,
o processo de Avaliação de Impactos Ambientais, destaca-se como uma ferramenta de planejamento e
tomada de decisão relativa à autorização e licenciamento de implantação de empreendimentos, levando em
consideração as vantagens e desvantagens de uma determinada proposta de intervenção, em suas
dimensões econômica, social e ecológica, assegurando a participação da população em busca do
desenvolvimento sustentável.
Pelo exposto no estudo verifica-se como ponto fraco nas metodologias de impacto ambiental a
subjetividade do pesquisador, assim concorda-se com Diniz (2004) quando afirma que os métodos
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encontrados para avaliação ambiental são subjetivos. A maioria dos métodos tenta procura reverter esta
subjetividade, porém com sucessos variados, e mesmo assim não tem como se obter isto totalmente, pois,
a análise ambiental é resultado de um consenso de uma equipe multidisciplinar, e neste caso, um
determinado impacto recebe um valor, nota ou classificação depois de ser avaliado sobre ângulos
diferentes, compostos exatamente pela experiência e especialidade de cada membro dessa equipe.
Um dos problemas encontrados nessas análises é que esse mecanismo propicia uma equalização
da avaliação, porque de outra forma, cada especialista vai achar o impacto dele mais relevante do que o do
outro, e não se chegaria a uma análise ponderada de uma dada situação. Quanto mais experiente o
analista, mais refinada é a escala.
Acreditamos com base nos estudos de metodologias AIA, que é de fundamental importância à
análise aprofundada das mesmas, procurando utilizar a mais adequada ao projeto pretendido ou mesmo a
associação delas tornando mais eficazes a avaliação e interpretação do ambiente minimizando os impactos
ambientais.
Neste contexto, concordamos com Kofi Annan, secretário-geral da ONU quando afirma: “Agora o
mundo entende melhor que nunca que a prosperidade às custas do meio ambiente não supõe prosperidade
alguma. Proteger o meio ambiente e lutar contra a pobreza são duas faces de uma mesma moeda".

4 REFERÊNCIAS
BAASCH, S. S. Avaliação de Impactos Ambientais. Unioeste: 2001.
DINIZ, Arlete Martins. Uma avaliação do impacto ambiental oriundo dos deslocamentos promovidos
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PAISAGEM, CULTURA E IDENTIDADE, OS POLONESES EM MALLET-PR

Alcimara Aparecida Foetsch6

1. INTRODUÇÃO
Ao lançar um olhar sobre a constituição de uma sociedade e as características que esta imprime no
lugar em que habita, percebe-se que o espaço, visto como algo abstrato, passa gradativamente a tomar
uma conotação de lugar. Isso se deve principalmente ao fato de que são nas relações banais do cotidiano
que se constroem laços afetivos e vastas associações com os mais variados pontos do lugar vivido.
Admitem-se inicialmente as controvérsias existentes na adoção e utilização dos conceitos de
identidade cultural, “raça” e etnicidade, bem como o estabelecer de períodos modernos e pós-modernos; no
entanto, sua utilização corriqueira sugere justamente uma rica e contemporânea discussão, sobretudo se há
a possibilidade de situá-lo em uma porção do espaço transformada em lugar para uma comunidade que
sugere as particularidades para tal abordagem.
Assim sendo, acreditando que cada grupo social, ou melhor, cada grupo étnico, busca manter
incólume seu tradicional e cotidiano modo de vida, se torna interessante observar como determinados
povos, no decorrer da história, após se depararem com a necessidade de uma mudança de nacionalidade,
passam a encarar um novo espaço e de que maneira tentam transformar esse novo espaço novamente em
lugar. Enfocam-se nesta perspectiva, os imigrantes provindos da Polônia que se instalaram no distrito de
Rio Claro do Sul, Mallet/PR.
Partindo da fenomenologia como aporte metodológico e do balizamento oferecido pela história, pela
arquitetura e pela sociologia é que se pode, no âmbito da ciência geográfica, valorizar os estudos de ordem
cultural sob a óptica do lugar. A arquitetura contribui fornecendo os subsídios necessários para um
entendimento da dinâmica espacial dos elementos materiais e móveis na paisagem cultural do ponto de
vista da forma e da função. A sociologia permite o construir de um alicerce conceitual de cunho científico
referente às sociedades, à nação, ao povo e à identidade. A história torna viável o estabelecer de uma
cronologia espaço-temporal e o desvendar de acontecimentos fundamentais para o trabalho em questão. A
geografia, por sua vez, através da vertente humanista e fenomenológica, abarca estas considerações e
sugestiona uma aplicação prática nas relações construídas entre os moradores e sua “porção do espaço”
transformada em lugar.
Nesta valorização dos estudos culturais, as marcas identitárias se apresentam como fontes
promissoras para análises. Assim sendo, tendo como pano de fundo o núcleo central do distrito de Rio
Claro do Sul, Mallet/PR, cujas características étnicas polonesas são relevantes, discute-se a paisagem
como portadora de simbolismo e sua contribuição para o despertar do imaginário – evidenciado no trabalho
empírico; a identidade cultural, tomada como identidade étnico-cultural, sua descaracterização ou retomada;
e, as relações dos moradores para com seu espaço vivido.
Ressalta-se que as comunidades polonesas que se formaram no Brasil durante todo o período de
imigração certamente trouxeram consigo um profundo sentimento de patriotismo, fortes laços de
religiosidade e uma necessidade constante de preservar sua identidade. Destes núcleos, alguns
assimilaram os modos de vida da nova nação e “despolonizaram-se”, sobretudo devido à dispersão
populacional, o que contribuiu para a limitação dos laços comuns, para estas a Polônia passou a ser um
país distante não só geograficamente. Outras, vivendo mais no interior, no meio rural, como estavam
acostumadas em seu próprio país, longe da correria urbana, em condições de certo isolamento,
conseguiram manter as peculiaridades que as caracterizam como um grupo étnico distinto. Acredita-se que
isto tenha acontecido com a colônia de poloneses em Rio Claro do Sul.
Nesta localidade os poloneses foram os primeiros a fixar residência, num sistema considerado rural
em virtude da própria característica camponesa. Objetivando observar as relações com o espaço vivido,
apreendido e incorporado, valorizando os aspectos culturais étnicos abordou-se inicialmente alguns
elementos que compõe a paisagem cultural, partindo num segundo momento para o discutir as associações
entre os moradores, estes elementos delimitados e o despertar do imaginário. Isto para que se tornasse
finalmente possível, uma discussão acerca do que vem a ser a identidade étnica polonesa no distrito e se
esta foi sendo descaracterizada ou retomada, enfim, discutindo sua inserção na dinâmica cultural.

6 Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professora do Colégio SESI/SENAI e do Colégio
Imaculado Coração de Maria de União da Vitória/PR

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2. PAISAGEM, CULTURA E IDENTIDADE EM MALLET/PR


Talvez uma das maiores controvérsias na busca por definições de padrões sociais comuns está na
tentativa de estabelecer modelos culturais teóricos aplicáveis a todas as sociedades pluralistas existentes
no mundo. As peculiaridades encontradas em cada uma destas sociedades as fazem únicas e sua herança
cultural se apresenta moldada historicamente e diretamente ligada ao lugar geográfico no qual está inserida.
Assim sendo, a relevância nesses estudos repousa nas análises das identidades locais, onde se percebe
um gênero de identidade uniforme, onde se professam os mesmos princípios e se observam os mesmos
valores culturais.
Para decodificar as simbologias que os grupos étnicos buscam expressar visualmente através da
paisagem de um lugar é importante compreender as diferenças existentes entre identidade cultural, raça,
etnicidade, povo e nação, para que estes não acabem por serem tomados como sinônimos. Após o
entendimento destas conceituações se pode buscar compreender de que maneira a paisagem vista como
algo construído culturalmente pode despertar o imaginário e aprofundar as relações dos moradores para
com seu lugar.
Quanto à definição do que vem a ser a identidade cultural (HALL, 2005), acredita-se que algumas
principais fontes de identidade incluem gênero, nacionalidade e etnicidade. Esta, entretanto, deve ser vista
como um processo social, onde o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, definida
histórica e não biologicamente, vista, portanto, como algo formado ao longo do tempo, através de processos
inconscientes, e não algo inato existente na consciência no momento do nascimento, ressaltando que a
sociedade na qual se está inserido desempenha um papel crucial na formação da identidade.
A identidade cultural, portanto, passa a ser entendida na perspectiva da identidade “étnico-cultural”,
pois, ao se retratar de identidade de uma cultura, deve-se localiza-la num determinado tempo e espaço e no
interior de um grupo étnico. Considerando estas questões, tem-se que a construção da identidade depende
dos fatores de ordem cultural que os atores cultivaram e que vêm sendo constantemente colocados à prova
em todos os lugares.
Para um melhor detalhamento, essas identidades devem ser analisadas sob o ponto de vista do
“lugar”, uma vez que este assume a forma de um ponto no espaço geográfico onde todas as significações
culturais e individuais se concentram, ou seja, é recortado nas experiências cotidianas emocionalmente, ao
contrário do espaço, que é amplo, desconhecido, temido e rejeitado (TUAN, 1983). Este lugar se faz
representar e se dá a conhecer concretamente pelas suas imagens, que são seus signos e atuam como
mediadoras do conhecimento, são as formadoras do imaginário.
Tendo considerado esta dimensão teórico-conceitual, delimitou-se o distrito de Rio Claro do Sul, no
município de Mallet/PR para um estudo enfatizando a discussão entre paisagem e identidade cultural, tendo
como pano de fundo os conceitos de raça, etnicidade, povo e nação. A escolha do lugar se justifica no fato
de que até hoje a maior parte da população do local é composta por poloneses; além disso, o lugar
apresenta uma paisagem peculiar, com características materiais polonesas ainda fortemente preservadas,
embora famílias não-polonesas partilhem o mesmo espaço. Tudo isto possibilitou uma rica discussão sobre
os aspectos de ordem identitária e étnica.
No Brasil, em geral, as comunidades polonesas que se formaram tentaram permanecer fechadas a
influências externas, em virtude da busca por manter as tradições; porém outras perderam seu caráter
polônico assimilando outros modos de vida onde a dispersão populacional enfrentada por algumas dessas
comunidades contribuiu para a limitação dos laços étnicos. Para estes, a Polônia é um país bem distante,
não só geograficamente. Dessa maneira, percebe-se que vivendo no interior, em condições de certo
isolamento, é mais fácil conservar os costumes, preservar a língua, a consciência de sua origem, enfim sua
identidade étnica. Acredita-se que foi isso que ocorreu com a colônia de poloneses em Rio Claro do Sul.
Sabe-se que não foram os poloneses os primeiros a chegar à localidade. Antes destes, existiam os
caboclos, com os quais os imigrantes teriam que aprender a se relacionar. Os primeiros poloneses
chegaram a Rio Claro do Sul por volta de 1884, provindos de Campo Largo da Piedade (PR) e Ponta
Grossa (PR) seguindo antigos caminhos de tropeiros, fixaram residência próximo a um rio de águas claras e
límpidas, que deu nome á localidade: Rio Claro do Sul, tornado distrito político administrativo em 1938,
fazendo parte do município de Mallet no centro sul do estado do Paraná.
O que ocorreu em Rio Claro do Sul, foi uma mútua incorporação de traços culturais. Entretanto,
embora tenha havido incorporação de traços da cultura dos caboclos pelos poloneses; a cultura polonesa
se impôs. Os caboclos passaram, de forma mais marcante, a incorporar em suas práticas diárias
características polonesas.
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Gradativamente passaram a freqüentar a Igreja, causando inicialmente certa revolta nos poloneses
pela julgada “falta de respeito” dos caboclos que permitiam que o cachorro os acompanhasse até as
celebrações religiosas; depois passaram a sepultar seus mortos no cemitério da localidade; a freqüentar as
festas, a catequese, os bailes, o “Junak”, a se envolver na banda musical e cantar, dançar e se divertir com
os poloneses; valendo-se também da carroça, dos grãos, e da rica gastronomia polonesa.

3. A PAISAGEM POLONESA EM RIO CLARO DO SUL


Referente à paisagem, e dada a dificuldade no encontro de fontes bibliográficas idôneas que
auxiliassem na caracterização histórica da área de estudo, utilizou-se da obra de Mário Deina, intitulada
“Colônia Rio Claro: Esta terra tem História”, publicada em 1990 pela BRASPOL para se delimitar alguns
elementos da paisagem do passado e que foram extintos, bem como se dispor de informações sobre os
elementos ainda existentes e também da história do lugar.
Da obra de Mário Deina (1990) foram retirados alguns elementos religiosos e sociais de origem
polonesa, ao passo que os elementos mais recentes foram delimitados a partir do particular propósito da
dissertação e considerando o seu aparecimento após a publicação da obra de Deina (1990); são eles: os
bares e lanchonetes, o conjunto habitacional, o posto de gasolina, mercados e uma construção datada de
1928 que vem sendo ampliada pelo proprietário, descendente de poloneses, com o objetivo de manter, na
medida do possível as características da arquitetura original.
A etnia polonesa simpatizante dos lambrequins, casas com varandas, tonalidades de cores
vibrantes, busca também expor suas peculiaridades na paisagem de Rio Claro do Sul, onde além da
arquitetura, o simbolismo das construções erigidas contribuem para tornar o espaço em “lugar” para esta
comunidade.
Analisou-se num primeiro momento, utilizando-se da arquitetura para enfocar a paisagem, a forma e
suas correlações com o contexto e a função, onde a forma física é a materialização no espaço da resposta
a um contexto preciso, isto considerando que os cidadãos ao pertencerem a uma dada etnia buscam
expressar suas características visualmente.
Evidenciou-se que os elementos da paisagem revelam as relações existentes entre forma e função
(LAMAS, 2000), contribuindo para uma desmistificação do simbolismo que estes elementos portam, cujas
alterações, incorporações e desaparecimento despertam nos moradores os mais variados sentimentos de
nostalgia.
No sentido das relações entre forma e função com vistas na paisagem, destacou-se a Paróquia
Nossa Senhora do Rosário de Rio Claro do Sul como um elemento de considerável abrangência territorial e
de extrema importância para os poloneses católicos do lugar e também a Igreja Nossa Senhora do Rosário
como cópia da famosa "Czestochowa" do Santuário Nacional da Polônia Católica, um marco para toda
comunidade.
A criação desta instituição religiosa proporcionou aos moradores a possibilidade de exercer sua
religiosidade amplamente pelas missas, grupos de reflexões, novenas, catequese, entre outros ritos e
rituais. A forma e a função, tanto da Igreja quanto da Paróquia, são condizentes e contribuem para a
afirmação do catolicismo dos moradores, aspecto fundamental na formação da identidade étnica dos
poloneses.
Ainda sob o ponto de vista religioso católico, destacou-se a Gruta Nossa Senhora de Lourdes,
inaugurada em 1940, atual Santuário Mariano Diocesano de Rio Claro do Sul, fundada por religiosos
poloneses e grande orgulho da comunidade. Este lugar, visto como milagroso, pelos moradores conta com
inúmeras histórias santas, é visto como um lugar santo, onde o imaginário religioso é alimentado.
Ressaltou-se também o "Kolegium Sw. Klary" (Colégio Santa Clara), que inicialmente funcionava
onde atualmente é a residência do Sr. Sebastião do Rosário, e que na década de 1920 foi mudado para o
lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário. Muitos são os relatos sobre este colégio, nele se ministravam as
aulas e organizavam cursos de bordado, costura, culinária, entre outros.
A construção da década de 1920 ainda faz parte da paisagem e é muito reverenciada pelos
moradores, pois neste local funcionava uma biblioteca rica e valiosa, um hospital e um internato masculino e
feminino; atualmente abriga encontros de catequese, da Terceira Idade, palestras e reuniões de cunho
católico, não é habitado, mas apresenta uma estrutura razoável quanto a acomodações e instalações.
Pode-se notar que os elementos religiosos destacados na paisagem do local representam para a
comunidade as vias necessárias para a construção de uma identificação com o lugar, onde a imagem do

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ambiente construído reforça a solidificação do imaginário onde a religiosidade é realmente considerada


como uma das principais formas de se manter o vínculo com as tradições caracterizando a identidade.
Discutiu-se também o papel das escolas que atenderam às necessidades educacionais dos alunos;
as bibliotecas que serviram de fonte de consulta para os interessados e que hoje inexistem no local; a
“Casa do Povo” que representa uma instituição de entretenimento e que atualmente ainda procura divulgar
as características polonesas; as indústrias que apesar de não serem públicas como os outros elementos,
atendem e empregam uma parcela significativa dos moradores desempenhando seu papel econômico; e o
hospital que, no pouco tempo que existiu, tratou das enfermidades que ocorreram, e que hoje faz muita falta
na localidade.
Frente a todas estas considerações, pode-se concluir que a identidade étnica polonesa não se
manifesta apenas na paisagem, embora tenha sido este o recorte estabelecido nesta pesquisa, e sim que
em Rio Claro do Sul a identidade polonesa se caracteriza por três elementos fundamentais: a paisagem, a
religião e a língua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma íntima relação com o interior, a carroça, os grãos, os animais, a religiosidade cristã, a língua
polonesa as casas com tonalidades marcantes e os lambrequins, são marcas polonesas muito presentes
em Rio Claro do Sul.
Essa consideração merece uma ressalva especial. Além dos poloneses de Rio Claro do Sul manter
sua identidade étnica, estes acabam por conquistar a simpatia dos que vêm morar na localidade e não são
de origem polonesa, construindo assim relações culturais íntimas de uma forma sutil para com os novos
moradores. Essa atitude pode ser considerada relevante já que o polaco é bastante conservador, percebe-
se uma abertura, já que a dinâmica cultural é inevitável, que pelo menos ela se processe de uma maneira a
não descaracterizar ou desalojar os modos de vida poloneses, pelo contrário, que essa dinâmica contribua
para reafirmar os hábitos culturais étnicos desta etnia em Rio Claro do Sul.
Finalmente, notou-se na localidade, que as características peculiares que conferem ao polonês sua
identidade, nunca foram abandonadas, foram sim se adaptando à dinâmica cultural, ou seja, se
modernizando, mas sempre referenciando suas características próprias, seja visualmente através da
paisagem, seja socialmente através da língua, seja no imaginário através da religião.
Ser polaco ou polonês parece significar morar no interior, longe da correria urbana, andar de
carroça, plantar grãos, cuidar dos animais (como porcos, galinhas, vacas e cavalos), usar o arado, o radnik,
ser cristão praticante, cantar cânticos poloneses, falar a língua polonesa, construir casas com tonalidades
de cores diferentes, ornamentar as cercas imprimindo elementos decorativos e, sobretudo, manter vivo o
imaginário alimentando-o pelo simbolismo material da paisagem.

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O RETORNO DA HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E SUAS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

André Bueno7

A Questão

Em meio às revoluções tecnológicas levadas a cabo pelo processo de


globalização, sociedades de todo o mundo têm se questionado sobre
um ponto fundamental para sua sobrevivência: com o fim das utopias
socialistas e comunistas, que tipo de sistema político prevalecerá num
futuro próximo? Que tipos de ideologias ocuparão o vácuo deixado pelo
conflito entre os regimes ditos “democráticos” e os de esquerda? Tal
pergunta se encaixa na decepção que os regimes neoliberais têm
provocado em todas as partes onde puderam prevalecer de modo
constante ao longo das décadas de 80 e 09: altas taxas de
desemprego, inflação preocupante, abandono das conquistas
trabalhistas em prol de contratos “enxutos e dinâmicos, adequados a lei
de mercado”....com a ausência do grande inimigo (o comunismo), a
promessa de felicidade do capitalismo não se cumpriu – e agora, as
pessoas se vêem lançadas a necessidade de elaborar uma nova
identidade ideológica para si mesmas, na qual possam depositar suas
A “Regra de Ouro”, de Normal
Rockwell (1894 – 1978). esperanças para um futuro melhor (MATOS, O. 2000: 33-39).
Neste contexto, a retomada do sentido religioso da vida tem
angariado uma força incrível junto às massas menos favorecidas, caracterizando-se como uma alternativa
para suas angústias existenciais, políticas e sociais. A retomada do espírito devocional e da idéia de
comunidade religiosa têm surgido como uma alternativa para resgatar os laços humanos que uniam a
coletividade, dando um novo caráter às propostas de reforma social.
Do mesmo modo, a forças atuantes na política pública vem refletido este conjunto de
transformações, ensejando o surgimento de candidatos que se dirigem aos seus votantes como
representantes de uma ou outra congregação religiosa (os chamados “populistas autoritários”, bem
descritos no texto de APPLE, M. 2004:136-7). Devemos, portanto, assumir que a realidade da “fusão
cultural total” defendida pelos adeptos da globalização está longe de se verificar, bem como de se tornar
completa (se levarmos em conta, ainda, o grande número de excluídos sociais, digitais, étnicos existentes):
Hoje a comunidade não é uma única tradição: ela é o planeta. A cada dia que
passa o mundo fica menor, fazendo da compreensão o único lugar onde a Paz
pode encontrar seu lar. Não estamos preparados para a aniquilação da distância,
realizada pela ciência. Quem, hoje em dia, está preparado a aceitar a solene
igualdade dos povos? (SMITH, H. 2001:366).
Transportada, pois, para a educação, esta realidade torna-se problemática: como devemos lidar
com a questão religiosa no mundo atual? As sociedades ocidentais – defensoras de uma suposta tolerância
religiosa – tem sido de uma inabilidade quase absoluta para reconhecer o papel que as crenças não-cristãs
possuem em relação às culturas asiáticas e africanas.
Citemos um exemplo breve: nenhum brasileiro, por exemplo, vê algo errado num jogador que faz o
sinal da cruz antes de entrar num jogo, ou num professor prestes a entrar na sala de aula. Mas, se qualquer
um deles rezasse para Meca ou invocasse um canto ritualístico africano antes de executar seu ato
profissional, seria provavelmente ridicularizado pelos colegas ou no mínimo tido como estranho (se não
sofresse ainda uma reprimenda, por realizar atos estranhos do que pejorativamente se qualifica como
“macumba”). Entendemos aí que existem dois pontos fundamentais nesta questão: primeiro, de que os
ocidentais tendem a se qualificar como tolerantes, mas não o são – e pior, quando se assumem (o que
ocorre raramente) intolerantes, crêem que existe uma boa justificativa lógica para isso, entendendo o
preconceito como algo natural e justificável, fruto de uma diversidade cultural qualificada hierarquicamente;
em segundo lugar, que a educação não tem previsto qualquer tipo de auxílio ao problema da formação da
consciência religiosa, que vem sido realizada por grupos autônomos sem nenhum tipo de fiscalização ou

7 Professor Adjunto de História e Filosofia da FAFIUV – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória,
Paraná.

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vínculo com as diretrizes educacionais governamentais, dando margem a uma formação confessional estrita
e fechada.

Quem não precisa combater aquela tendência inconsciente de equiparar estranho


ao inferior? [...] As pessoas que trabalham pela Paz, uma paz que não é
construída sobre hegemonias eclesiásticas ou políticas, mas sobre a
compreensão e o interesse mútuo. Pois a compreensão, pelo menos em áreas
tão inerentemente nobres como as grandes fés da humanidade, traz o respeito; e
o respeito prepara o caminho para um poder mais elevado, o amor – o único
poder que apaga as chama do medo, da suspeita e do preconceito, oferecendo
os meios para que os povos desta pequena, porém preciosa Terra se unam
realmente uns aos outros. (SMITH, H. 2001:366)

Esta tendência se manifestou de maneira clara no Brasil nos fins dos anos 90, quando alguns
estados brasileiros não somente elegeram governantes vinculados a comunidades religiosas como, ainda
por cima, viram ser aprovadas propostas educacionais que previam o ensino confessional (e não
ecumênico) das religiões. As chamadas “minorias religiosas” – assim classificadas em função de não serem
majoritárias, apesar de bem numerosas – foram praticamente deixadas de fora dos programas escolares,
caracterizando uma situação clara de rejeição e preconceito social, intelectual e cultural. Como afirma
Incontri:

"Se entendermos a religiosidade como autêntica dimensão humana, cujo cultivo é


necessário para a plena realização do homem, então será óbvia a necessidade
de contemplarmos também este aspecto na proposta de sua educação.
Presentes em todas as culturas, entre todos os povos, de todos os tempos, e
assumindo diversas formas de devoção, doutrinas e princípios éticos, buscando o
sentido da vida e a transcendência em relação à morte, as religiões têm suas
especificidades, mas têm também um patamar comum de moralidade e busca
humana, onde é possível e urgente estabelecer um diálogo respeitoso e solidário.
O reconhecimento de uma raiz comum, profundamente humana e, por isso
mesmo, divina, é vital para que o diálogo se projete além de uma conversa
cordialmente superficial, para se tornar uma vivência enriquecedora" (INCONTRI,
2002 in VIDETUR, n.13).

A questão que se insere aqui é a seguinte: como a educação pode dar uma resposta a este novo
problema da modernidade? Como podem os profissionais docentes ajudar na formação intelectual e ética
dos seus alunos através do estudo da religião?

A História das Religiões


Se não queremos aceitar a globalização como um movimento massificante das culturas mundiais,
não devemos, também, aceitar o retorno das religiões como um processo natural e pacífico das sociedades,
o que resultaria no obscurantismo da retomada de velhas crenças e visões excludentes do passado. A
necessidade do ensino ecumênico das religiões visa proporcionar aos alunos uma conscientização maior
sobre os sistemas, crenças e cultos existentes, proporcionando-lhes ao menos um conhecimento geral
sobre estes temas.

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____________________________________________________________________________________________________________ Volume 1 , Número 8 / 2007

A pluralidade das realidades torna a experiência da diferença um


momento determinado de manejo da moralidade. Essa pluralidade fática
possibilita um exame de nossas convicções morais, permite-nos
aprender com a suspeita do absurdo diante do limite que o outro nos
impõe e abre espaço para a tolerância. A contingência vincula-se a idéia
de como o outro é possível, enquanto abertura de possibilidades. A
diferença proveniente da pluralidade abre chance de renovar
periodicamente os objetivos da educação, que se desenvolvem através
de uma diversidade de programas e expressam variantes de uma idéia
de bem. (HERMANN, N. 2004: 134)
E
Ensino Religioso é a disciplina à qual se confia, do ponto de vista da
escola leiga e pluralista a indispensável educação da religiosidade. Aqui,
já vale observar a necessidade de se superar uma posição monopolista
e proselitista, para que haja uma autêntica educação da religiosidade
inserida no sistema público de educação em benefício do povo
(MAKIYAMA, 1998 IN VIDETUR, N.4).
Para isso, torna-se premente a retomada do campo de estudos
Os debates ecumênicos não são da História das Religiões, cujo prestígio foi bastante abalado em função
novos: neste relevo indiano, o dos anos de Guerra Fria. A disputa entre as ideologias do capitalismo e
sábio budista Nagasena discute
do comunismo deslocou o centro das atenções intelectuais entre os anos
filosofia e religião com o rei grego
Menandro (séc. 3 a.C.). 50 e 80 para as questões econômicas e políticas dos países, e o
fenômeno da religiosidade acabou sendo negligenciado ou colocado em
segundo plano neste ínterim. Por conta disso, o estudo comparativo realizado pela disciplina da História das
Religiões parecia carecer de sentido, e seu desenvolvimento acadêmico e pedagógico viu-se prejudicado.
Ao longo deste tempo, uma parte substancial das escolas – no caso brasileiro - simplesmente manteve seus
programas de ensino religioso confessional, até que estes fossem suspensos pelo Estado. A situação atual,
portanto, apresenta-se como um contexto fértil para a multiplicação de pregadores profissionais, disfarçados
de docentes de última hora, cujo fim último – para além da divulgação de sua própria fé – é o de transformar
o caráter laico das instituições de ensino, formando gerações de alunos moldados na intolerância e
preconceito. Não se propicia para os discentes um panorama de estudo e escolha religiosa, mas sim de
condicionamento – fenômeno que aparentemente seria recorrente nas sociedades africanas e asiáticas
usualmente apontadas como “radicais, fanáticas e excludentes” segundo a crítica ocidental liderada pelo
atual governo Bush. Eis a razão pelo qual ideólogos como Samuel Huntington (1997) pregam um inevitável
“choque de civilizações” entre Oriente e Ocidente, posto que suas considerações não conseguem enxergar
as próprias contradições sobre as quais são construídas.

Por conta disso, o ensino da História das Religiões poderia ser


retomado como uma interessante opção de estudo comparativo entre os
sistemas de crença existentes no mundo, oferecendo uma perspectiva
intelectual e mental mais abrangente sobre as culturas mundiais. Tomando
como suporte a extensa obra de Mircea Eliade (1978, 1997), por exemplo,
podemos visualizar como efetuar um processo associativo entre várias formas
de crença ou ritual que se encontram nas diversas religiões, permitindo um
trabalho fértil de reflexão e impedindo o surgimento de barreiras intelectuais a
um pensar religioso diferente daquele no qual fomos culturalmente formados.
Igualmente, podemos acessar uma grande quantidade de informações e uma
metodologia de trabalho adequada ao estudo do tema, auxiliando a realização
do trabalho pedagógico. Devemos ter em mente, no entanto, que a proposta da
disciplina não consistiria em gerar – diretamente – opções de crença. Como tal,
os conteúdos propostos para sua realização devem cobrir os aspectos gerais
dos temas, e não realizar um processo múltiplo de “conversões artificiais”. Tal Mircea Eliade (1907-1986)
atitude seria a de banalizar e superficializar por demais a abordagem do tema
“religião”, gerando um ensino “multi-confessional” às avessas. Deve-se ter cuidado também com os
docentes que, desconhecendo a necessidade de um ensino laico do tema, terminariam por enfatizar, no
exercício da disciplina, as suas próprias opções religiosas, mascarando uma forma sutil de conversão. Por
fim, há uma total ausência de material didático concatenado com as diretrizes educativas, o que deixa um
espaço totalmente aberto tanto para a produção séria e inovadora como para os manuais confessionais:

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A educação não deve ser apenas uma reprodução, mas, principalmente, uma
produção e uma adaptação dos conhecimentos e culturas. A complexidade da
problemática das relações entre escola e cultura(s) e as diferentes formas dos
professores se situarem em relação a ela tem mobilizado nosso olhar, nossa
reflexão e nossa pesquisa para as formas concretas através das quais os
professores tentam trabalhar essa relação no cotidiano escolar. Cada vez mais
fica evidente a necessidade do reconhecimento do caráter polissêmico da
educação. (MACHADO, C. 2004:51)

O ensino da História das Religiões é, antes de tudo, uma opção para lidar com as necessidades
impostas pela realidade contemporânea das culturas – globalizadas ou não. Em sociedades multi-religiosas
como a brasileira, ela se torna um instrumento mais do que premente para a formação de uma consciência
ética e tolerante, atuando sobre um viés que atinge todas as camadas da sociedade. Talvez valham aqui
dois comentários preciosos do sábio (e ecumenista) indiano Ramakrishna para terminar este texto:

Nem o sol nem a lua podem refletir-se claramente na água lamacenta. Assim a
Alma Universal não pode realizar-se perfeitamente em nós enquanto não
afastamos o véu da ilusão, isto é, enquanto perdurar o sentido do ‘eu’ e do ‘meu’.
[...] Há duas classes de homens perfeitos neste mundo: aqueles que, ao
realizarem a Verdade, tornam-se silenciosos e desfrutam em si mesmos de
felicidade sem pensar nos outros; e aqueles que, depois de realizarem a
Verdade, não acham felicidade em conservá-la oculta e pregam em voz alta:
Vinde todos e gozai da felicidade comigo!
Bibliografia
APPLE, M. “A educação e os novos blocos hegemônicos” in TOSI, A. Sociologia da Educação. Rio de
Janeiro: DP&A, 2004.
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cultura nacional / teoria internacional. Rio de Janeiro: Aeroplano-UFRJ, 2001.
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ELIADE, M. Tratado da História das Religiões. Lisboa: ASA, 1997.
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HUNTINGTON, S. O Choque das civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
INCONTRI, D. & BIGHETO, A. Ensino religioso sem proselitismo: é possível? In Videtur, n.13. São Paulo:
Mandruvá, 2002.
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____________________________________________________________________________________________________________ Volume 1 , Número 8 / 2007

REI E MONARQUIA: A SACRALIZAÇÃO DO PODER NO REINO HISPANO VISIGODO DE TOLEDO NO


SÉCULO VII

Mdo. GREIN, Everton8


Orientador: Dr. Renan Frighetto – Universidade Federal do Paraná.

Segundo Orlandis (1987) a estruturação definitiva da sociedade hispano-visigoda no século VII


pode ser desdobrada em três momentos distintos: primeiramente a consolidação do domínio territorial (que
daria origem ao reino de Toledo); em seguida a política unificadora com o fortalecimento da monarquia
empreendida pelo monarca Leovigildo (568-586); e finalmente, a unidade religiosa de godos e romanos com
a conversão de Recaredo ao catolicismo cristão em 5899, que foi ratificado pelo III Concílio na capital régia
de Toledo no mesmo ano (Vives, 1963).
A consolidação do reino hispano-visigodo se deu principalmente a partir do reinado de Alarico II,
entre os séculos V e VII da era cristã, conforme Orlandis (2006, p.46):

El reinado del hijo de Eurico, Alarico II (484-507), traería consigo un decisivo


cambio histórico provocado por el derrubamiento del reino de Tolosa. La secuela
de esta catástrofe sería el nascimiento del reino visigodo español.

Esta conquista se dá principalmente após a anexação da Tarraconensis pelos visigodos, fato que
caracteriza também a configuração política visigótica. A formação do reino de Hispania trouxe a
conseqüente configuração social baseada na mescla étnica e cultural que logo daria os moldes à formação
da sociedade visigoda.
A sociedade hispano-visigoda compunha-se basicamente de homens livres e servos, com uma
acentuada desigualdade social entre ambos os grupos. A nobreza constituía-se no estamento superior da
sociedade, desempenhando funções na administração civil e militar. A nobreza toledana teve um caráter
muito mais de oligarquia dirigente do que aristocracia de sangue (Orlandis, op. cit. p.170). Na esteira dos
pensamentos de Orlandis oligarquia dirigente, portanto, era composta ainda pelos privatii – pequenos
proprietários; pelos senatores de origem hispano-romana (ainda da época tolosana) e pelos seniores gentes
gothorum que eram representantes das antigas famílias aristocráticas godas e, por fim, pelos membros da
alta nobreza: seniores palati, primates e os optimates. Muitos destes membros da oligarquia nobiliária
formaram a “clientela real” os fideles regis; dentre os quais se destacam os gardingos (os continuadores do
séqüito militar de origem goda), os comites (procedentes da comitiva baixo-imperial romana), e mais tarde
os potentes (incluídos no grupo da nobreza palatina). Já para Garcia Moreno (1998) aristocracia e a classe
dirigente na Hispania é a mesma aristocracia fundiária romana que lá permaneceu mesmo depois das
invasões, esta tinha uma forte tendência centralizadora e uma grande dependência dos soberanos
visigodos, fato que mais tarde desencadearia a protofeudalização, onde, esta chamada classe dirigente
ocuparia alguns dos cargos chaves na administração do Estado visigodo ou na hierarquia eclesiástica, o
que determina terminantemente sua participação na vida pública na sociedade. Esta sofreria também, a
exemplo da romana, uma forte ruralização, gerando ao mesmo tempo uma ampla distinção no tratamento
por parte da política visigoda, com diferenças entre os grandes e pequenos proprietários. A plebe urbana
ocupava a base da sociedade agrária, porém com significância social marginal.
Porém de todos os cargos – altos ou baixos – da nobreza palatina de Toledo, concordam nossos
comentadores que, sem dúvidas, os cargos episcopais foram os de maior destaque no século VII.
No último terço da sétima centúria, os prelados de origem germânica representavam cerca de 40%
a 45% do total de membros do episcopado (Orlandis, 1987, op. cit.). Dentre os prelados visigodos deste
período, Bráulio de Zaragoza, Juliano de Toledo merecem menção, mas, indubitavelmente, a figura de
maior destaque é a de Isidoro de Sevilha.

8
Graduado em História pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras – FAFIUV – PR, Mestrando em História
na Universidade Federal do Paraná. Bolsista da CAPES. Professor Colaborador do Departamento de História da
FAFIUV.
9
ORLANDIS, J. Historia de España: época visigoda (409-711). Madrid: Gredos, 1987 p. 167 que traça uma tipologia
da sociedade hispano-visigoda.

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Santo Isidoro (560-636) foi Bispo de Sevilha entre 600-636, sucedendo ao irmão Leandro (534-
600). Pertencia a uma família católica devota de origem bizantina ou hispano-romana (Loyn, 1990, pp.212-
213). Durante seu bispado, Sevilha desfruta de preeminência enquanto centro intelectual de toda Hispania,
que por sua vez torna-se o foco cultural do ocidente cristão. O Bispo Hispalense, escreve diversas obras
que tiveram influência fundamental no pensamento cristão e político na tardo-antigüidade e na Idade Média.
Dentre as suas obras mais destacadas estão as Etimologias (origem das palavras); a sua Historia dos
Godos, Vândalos e Suevos (único registro da história visigoda entre 589-625); as Sentenças (Suma
dogmática e moral); Viris Illustribus (dos varões ilustres, sobre os grandes homens do seu tempo); De
Ecclesiasticis Officiis (sobre liturgia e disciplina) e De Natura Rerum (um manual de ciências naturais).
Os escritos isidorianos contribuem para a vitalidade da Igreja Católica do século VII, com
uniformidade litúrgica emanando a consonância necessária entre o clero e a realeza. Na concepção de
Santo Isidoro, o rei conservava este nome justamente por ‘obrar retamente’, e o perdia pecando. Ao rei
compete o exercício do poder sob a regra da justiça e da piedade. Desta forma, fica implícita a proximidade
do exercício do poder régio e sua conformidade com as virtudes cristãs10 de uistitia e pietàs, sendo estas
suas principais virtudes. A máxima isidoriana “rex eris, si recte facias [...]”, descrita no livro nono das
Etimologias (IX, 3,4) refere-se não apenas às virtudes do bom rei, mas, do rei cristão; concebendo,
naturalmente, a realeza como serviço da cristandade. Na concepção isidoriana, o rei conservava este nome
justamente por ‘obrar retamente’, e o perdia pecando. Ao rei compete o exercício do poder sob a regra da
justiça e da piedade.
Para Santo Isidoro, as virtudes do rei cristão denotam também mudanças nas maneiras de
conduzir seu reino, posto que o rei deva, a partir de então, ser não apenas um bom rei, mas também, um
bom cristão. Tal relação nos faz inferir sobre a proximidade entre a monarquia e a igreja na Hispania
visigoda do século VII. A teoria política isidoriana almejava uma Hispania próspera, sob o domínio visigótico,
tendo na monarquia – segundo ele, monas do grego, que significa uno, singular – a principal via para a
unidade. A preocupação do bispo Hispalense com a unidade do regnum visigothorum christianorum dá-se
em conseqüência principalmente da fortíssima presença bizantina desde finais do século VI e início do
século seguinte.
A efetivação da unidade religiosa e política podem ser verificadas a partir das próprias Atas
Conciliares visigodas desde 589 com o III Concílio de Toledo, aonde havia a necessidade da confirmação
do poder do rei visigodo sob a égide da igreja. Salientamos, contudo, que a sustentação da supremacia
régia diante os diversos grupos nobiliárquicos hispano-visigodos, sobretudo na primeira metade do século
VII, esteve intimamente ligado ao reconhecimento do clero, sendo esta, ligada ou não às atividades
conciliares11. Segundo Rouche (1992, p.46) “Cette obsession de l’unité de l’Espagne conforme à une
idéologie romaine et imperial du pouvoir marque les actes de tous les conciles de Tolède”, mas
principalmente com o IV Concílio de Toledo de 63312 que teve no Cânone 75 a formulação de uma teoria
política e de poder modelar ao reino hispano-visigodo.
A centralização do poder da monarquia visigoda, tomava enquanto referência à tradição imperial
romana – a imitatio imperii13 –, tendo como modelo máximo o Império Bizantino. As relações políticas,

10
No mundo clássico a propaganda política e a justificação do poder imperial se davam de diversas formas,
principalmente com inscrições em edifícios públicos, na cunhagem de moedas – especialmente nos reversos e
pronunciamentos públicos (panegíricos), todos os quais ressaltavam as virtudes dos imperadores. A concepção do
poder imperial e, mesmo a conjuntura política aonde permeava este mesmo poder, estavam intimamente ligado às
“virtudes” de cada imperador. Por suposto, as “virtus” tinham a função de elaborar, formalizar e intensificar a imagem
imperial com o objetivo de cria uma estrutura unitária de poder. Na antigüidade tardia, tais preceitos são transformados
pelo cristianismo de forma que sua reinterpretação remete igualmente à concepção do poder aliado aos ideais do bom
governante. Sobre esta questão indicamos GERVÁS, M. J. R. Propaganda Política y opinión pública en los
panegíricos latinos del Bajo Imperio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 1981, principalmente pp.77-
109. E, igualmente FEARS, J. R. “The cult of virtues and Roman Imperial ideology”, ANRW, VII, 2, 1981 p.925.
11
Para o professor Frighetto (p. 77), o reconhecimento eclesiástico para o monarca visigodo era essencial enquanto
elemento definidor dos desígnios divinos contribuintes para a coroação do futuro monarca. “Aspectos da Teoria política
isidoriana: o Cânone 75 do Quarto Concílio de Toledo e a constituição monárquica do Reino Visigodo de Toledo”
FRIGHETTO R. e FERNANDES, F. R. Cultura e Poder na Península Ibérica. Curitiba: Juruá, 2000.
12
Conforme nos advertiu Frighetto em “Aspectos da Teoria política isidoriana: o Cânone 75 do Quarto Concílio de
Toledo e a constituição monárquica do Reino Visigodo de Toledo” sobre a fundamental importância do Quarto
Concílio toledano de 633 principalmente sobre o conteúdo do Cânone 75 “[...] a qual se encontrava uma teoria política e
de poder válido para a monarquia hispano-visigoda.” FRIGHETTO R. e FERNANDES, F. R. op. Cit. pp.73-82.
13
Sobre a questão da imitatio imperii ver: VALVERDE CASTRO, M. R. Ideología, Simbolismo y Ejercicio del Poder
Real en la Monarquía Visigoda: un proceso de Cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000.
___________________________________ 40 ___________________________________
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militares e ideológicas entre Bizâncio e Toledo datam de aproximadamente o ano 550, quando Justiniano
empreende a política da Renovatio Imperii, envolvendo diretamente os territórios hispanos14.
Esta centralização de poder no reino hispano-visigodo foi levada a cabo pelo monarca Leovigildo,
que provoca profundas alterações nas relações entre os vários elementos da população visigoda. No plano
legislativo, o rex gothorum implementou uma atualização do Código de Eurico, versão conhecida como
Codex Revisus. Porém, sua política unificadora enfrentou graves problemas ao adentrar o campo religioso.
Por outro lado, a estrutura modelar de Imperium fornecido por Bizâncio é tomado como referencial para a
monarquia visigótica – imitatio imperii –, principalmente a partir de Leovigildo (568-586)15. Leovigildo adota
todo um cerimonial majestático impregnado de simbolismo inspirado nos usos e costumes palatinos de
Bizâncio (Orlandis, op. cit., 1987 p. 100). Mesmo o arquétipo de rei emanado de Bizâncio, o Basileus, que
na concepção de Isidoro assim era chamado porque são como as bases sobre as quais se assentam os
povos16, foi tomado como referencial.
As relações entre o Reino Visigodo de Toledo e Bizâncio são abertamente claras e notáveis desde
o reinado de Leovigildo, conforme observa RIVEROS (2007, p.30):

Para la monarquía goda, que buscaba la centralización del poder y la unidad del
reino, el Imperio Bizantino fue admirado como modelo digno de imitar. Leovigildo,
primer rey visigodo con un claro programa político, quien combatió a los bizantinos
en Málaga (570), Medina-Sidonia ((571) y Córdoba (572), no pudo, por otro lado,
sino sucumbir ante el modelo estatal bizantino, al que intentó emular
deliberadamente en diversos aspectos.

Tal intento de Leovigildo, ainda segundo Riveros, caracteriza não apenas uma bizantinização do
reino visigodo, mas, fortemente uma imperialização da monarquia goda, justificando assim a preocupação
dos escritos isidorianos. A clara postura anti-bizantina de Santo Isidoro é bastante explícita, para ele a
antiga tradição imperial romano-latina estava abrigada na Hispania. O legado da romanidade hispânica e o
imperium dos godos na Hispania unificada e sob o governo de um monarca católico-cristão com o seu
poder assentado na égide da igreja era o maior exemplo disto.
A ‘era isidoriana’ na Hispania visigoda pode ser caracterizada, sem dúvida alguma, como o
momento em que a política régia assenta suas bases no cristianismo, e o ideal de formação do clero
durante o século VII, estava aliado à legitimação dos espaços de atuação da política do rei católico. A
sucessão monárquica eletiva17, firmada em 633 com o IV Concílio Nacional de Toledo, perduraria pelo
menos até o último quarto do sétimo século. A sacralização do poder régio era o laço unificador dos dois
poderes (temporal e espiritual) para a condução do reino e o mantenimento da unidade territorial na
Hispania de Santo Isidoro, ao mesmo tempo afastando qualquer perigo bizantino. Conforme observou
Orlandis (2006, p.102): “El fortalecimiento de la autoridad regia se llevó a cabo a través de una sacralización
del poder monárquico, cuya la legitimidad se hacía derivar esencialmente de la idea de que el rey visigodo
católico fuese el ungido del señor”. Para tanto, a sacralidade da realeza goda reforçada pelo acento
religioso nos faz inferir sobre a fidelidade da corte e do reino. A doutrina isidoriana traz consigo a
consonância do poder régio sobre as bases religiosas, aonde o monarca cristão é o modelo máximo da

14
Sobre o intento de Justiniano e a Renovatio Imperii: DÍAZ, P. C. En Tierra de nadie: Visigodos frente a Bizantinos.
Reflexiones sobre la frontera. Bizancio y la Península Ibérica. De la Antigüedad Tardía a la Edad Moderna. In: Nueva
Roma 24. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2004 pp. 37-39. Também GIVÉS (2002, p.82) “Ya
cuando asume el poder imperial, Justiniano tiene formulados los principios de su política de Renouatio Imperii, esto es
de recuperar la antigua grandeza del Imperio Romano […]” GIRVÉS, M. V. Las relaciones políticas entre la España
Visigoda y Bizancio. In: ARRESE, M. C. Toledo y Bizancio. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La
Mancha, 2002 p. 82.
15
RIVEROS (2007) destaca que a imitação de Leovigildo do modelo bizantino de Império pode ser verificada desde a
adoção em sua corte dos usos cerimoniais do oriente; a indumentária visigótica juntamente com a adoção de símbolos
régios como o cetro e a coroa e as próprias moedas de Leovigildo que representam uma mudança no sentido não
puramente econômico, mas também ideológico. RIVEROS, J. M. Noticias Bizantinas en la España Visigoda – El
caso de San Isidoro de Sevilla. In: FRIGHETTO, R. e GUIMARÃES, M. L. Instituições, Poderes e Jurisdições: I
Seminário Argentina – Brasil – Chile de História Antiga e Medieval. Curitiba: Juruá, 2007.
16
Segundo Santo Isidoro “Los reyes son llamados por los griegos basileis, porque son como bases sobre las que se
asientan los pueblos; de ahí que las bases o pedestales suelen tener coronas. Pues cuanto más alto es el cargo que se
tiene, tanto mayor es el peso del trabajo.” Isid., Etym., IX, 3, 18. op. Cit. p.225.
17
Sobre a sucessão régia no reino hispano visigodo: ORLANDIS, J. La vida en España en tiempo de los Godos.
Madrid: Rialp: 2006.
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unidade do reino em torno da religião. Portanto, para Santo Isidoro, rei e a monarquia para se tornarem
legítimos teriam de se estabelecer sobre as bases e preceitos cristãos, e a sacralização do poder era a
fórmula efetiva de unidade do reino.

FONTES
ISIDORO DE SEVILLA. Etimologias. (2 vols. – obra completa): Madrid: B.A.C. 1951.
VIVES, J. Concílios Visigóticos e Hispano-Romanos. Barcelona: Consejo Superior de Investigaciones
Científicas Instituto Henrique Flores, 1963.

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Bizancio y la Península Ibérica. De la Antigüedad Tardía a la Edad Moderna: Nueva Roma 24. Madrid:
Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2004.
FEARS, J. R. “The cult of virtues and Roman Imperial ideology”, ANRW, VII, 2, 1981.
FRIGHETTO R. e FERNANDES, F. R. Cultura e Poder na Península Ibérica. Curitiba: Juruá, 2000.
GARCIA MORENO, L. A. Historia de España Visigoda. Madrid: Cátedra, 1998.
GERVÁS, M. J. R. Propaganda Política y opinión pública en los panegíricos latinos del Bajo Imperio.
Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 1981.
GIRVÉS, M. V. Las relaciones políticas entre la España Visigoda y Bizancio. In: ARRESE, M. C. Toledo
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LOYN, H. (org.) Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
ORLANDIS, J. Historia de España: época visigoda (409-711). Madrid: Gredos, 1987.
____________. La vida en España en tiempo de los Godos. Madrid: Rialp: 2006.
____________. Historia el Reino Visigodo Español. Madrid: Rialp: 2006.
RIVEROS, J. M. Noticias Bizantinas en la España Visigoda – El caso de San Isidoro de Sevilla. In:
FRIGHETTO, R. e GUIMARÃES, M. L. Instituições, Poderes e Jurisdições: I Seminário Argentina –
Brasil – Chile de História Antiga e Medieval. Curitiba: Juruá, 2007.
ROUCHE, M. L’Europe Héritière de L’Espagne Wisigothique. Madrid : Casa de Velázquez, 1992.
VALVERDE CASTRO, M. R. Ideología, Simbolismo y Ejercicio del Poder Real en la Monarquía
Visigoda: un proceso de Cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000.

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A NECESSIDADE DA NOÇÃO DE GÊNERO TEXTUAL QUE FUNDAMENTE A REDAÇÃO DE


VESTIBULAR

Karim Siebeneicher Brito18

Introdução
A escrita fornece aos alunos algo que é somente seu. Escrever bem significa participar e engajar-
se num mundo de idéias, como produtor, e não apenas consumidor de conhecimento. Mas, para isso, são
necessárias algumas condições: que os alunos escrevam contínua e intensamente ao longo dos anos de
estudo; é preciso que lhes sejam dadas tarefas autênticas, questões reais sobre as quais ponderar, ao
invés de fazê-los reproduzir outros textos. Tarefas de escrita interessantes ajudam os alunos a entender
que esta atividade é um processo que envolve pensar, aprender, e descobrir o que os eles próprios ainda
não sabem.
Paralelamente, a atividade de escrita, assim como qualquer outra prática de uso da linguagem,
envolve outros participantes, diferentes do autor do texto, e também vários fatores aos quais ela está
condicionada. Desvinculada dessa situação, perde sua significação. Tão importante quanto ensinar
aspectos referentes à estrutura lingüística e às formas organizacionais, é vincular o que se escreve aos
contextos sociais. Daí a importância das contribuições dos estudos dos gêneros textuais.
Este artigo foi organizado em três partes distintas: Primeiramente, apontamos o caráter social das
atividades que envolvem a linguagem, entre elas a escrita, e o conseqüente envolvimento da moderna
noção de gênero textual no trabalho com tais atividades; em seguida, ativemo-nos aos gêneros específicos
“carta” e “redação de vestibular”, aos quais se refere nossa pesquisa empírica; finalmente, apresentamos o
relato da pesquisa utilizando para análise as produções textuais dos candidatos no Concurso Vestibular,
dirigindo nossas conclusões às suas implicações para o ensino de Língua Portuguesa.

Como o ensino com base em gêneros pode ajudar nossos alunos a escrever melhor?
Partimos do pressuposto de que a atividade escrita é essencialmente uma prática social. De
acordo com Schneuwly e Dolz (2004), numa perspectiva interacionista, as práticas de linguagem
caracterizam, ao mesmo tempo, o reflexo e o principal instrumento de interação social. É a realidade social,
portanto, que determina o uso da linguagem e lhe confere, de fato, relevância.
Como apontam Cristóvão e Nascimento (2005, p. 46),

os modos de organização de nossas atividades são definidos em função da base


de orientação que é constituída pela forma como são representados o contexto
físico e social (econômico, cultural e histórico) e se servem da linguagem para se
constituírem tanto para sua regulação quanto para sua representação. Esses
sentidos (regulados e representados) se materializam em textos, unidades
comunicativas, que mobilizam unidades lingüísticas e carregam características do
mundo objetivo, social e subjetivo.
Trataremos agora de como se insere o gênero textual nessa perspectiva. Mesmo sendo mutáveis e
flexíveis, os gêneros possuem certa estabilidade, definida pela função que exercem num determinado meio,
o que lhes possibilita serem compreendidos e utilizados socialmente pelos membros da comunidade. Ela
permite que o discurso verbal se relacione com a situação extraverbal que lhe dá existência. Concluímos,
como Marcuschi (2002, p.22), que “os gêneros textuais se constituem como ações sócio-discursivas para
agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo”.
Na concepção teórica do interacionismo sócio-discursivo, a partir de Bronckart (1997/1999) e
Schneuwly e Dolz (2004), entre outros, a apropriação dos gêneros pelo usuário de uma língua é o que lhe
permite a interação com seus interlocutores. Aqui é que entra o papel da escola, e mais especificamente o
do ensino da Língua Portuguesa. Nas palavras de Machado, Lousada e Abreu Tardelli (2005), “(...) o aluno

¹ Doutoranda em Letras pela UFPR; Mestre em Letras pela UFPR; Membro do Grupo de Pesquisa GPELLP, da UFTM;
Membro do Grupo de Estudos GenTE-Gêneros Textuais e Ensino da FAFIUV; Professora do Curso de Letras da
FAFIUV.

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se depara freqüentemente com a obrigação de saber escrever algo que nunca lhe foi ensinado.” Conhecer
quais são e como são utilizados os diversos gêneros textuais envolvidos nas relações sociais é
imprescindível para a participação efetiva do usuário da língua na construção de sua sociedade, quaisquer
que sejam suas intenções. Ousamos dizer mais, que sem esse conhecimento o usuário da língua fica
impossibilitado até de optar por essa participação, já que precisará de intérpretes que o auxiliem em
importantes atividades de leitura ou escrita. A ênfase a uma apropriação adequada do gênero pode ser
justificada com as palavras de Lopes-Rossi (2003, p.63): “Transgredir além de certos limites a convenção
estabelecida socialmente para a organização e representação no papel do gênero pretendido resultará em
uma produção escrita que será rejeitada nos meios em que ela deveria circular. Isso ocorre mesmo que o
conteúdo das informações seja adequado.”

O gênero carta inserido no gênero redação de vestibular


Como vimos, o gênero é um elemento da comunicação de uma comunidade discursiva,
caracterizando-a e sendo caracterizado por ela. Suas manifestações decorrem, portanto, de sua
convencionalização dentro da comunidade discursiva, ao adquirir função, posicionamento e uma forma
característica. Como requisito à adesão a determinadas comunidades discursivas e à ascensão em sua
estrutura hierárquica de participação, fica claro, quando nos deparamos com modelos de provas de
produção textual, por exemplo, que o conhecimento de padrões lingüísticos particulares (estilo, léxico,
gêneros textuais, etc.) faz-se necessário. Na pesquisa descrita neste artigo, focaliza-se o gênero carta.
Como sua produção foi exigida dos candidatos durante o Concurso Vestibular, achamos conveniente
também explorar o tratamento dado à redação de vestibular como gênero específico.
A carta é uma unidade funcional da língua, utilizada na situação específica da ausência de
contato imediato entre o emissor e o destinatário, e constitui um gênero formalizado há bastante tempo.
Quais seriam, então, os elementos da carta que se esperava ver apresentados pelos candidatos
em suas produções? Em sua estrutura básica, o gênero escrito carta apresenta os seguintes traços: seção
de contato, núcleo, e seção de despedida. Porém, mais importante do que ater-se a esses aspectos, é
sabido que os organizadores da prova esperavam identificar nos textos produzidos diversas capacidades
dos autores, como a sua adaptação às características do contexto (quem constituía o leitor de sua carta, o
domínio social em que estava envolvida), suas condições de produção e de circulação, e o domínio das
unidades lingüísticas (escolha vocabular, estilo), o que lhes permitiria adequar o gênero (já existente) às
condições estipuladas.
Pela configuração que faz de uma situação recorrente de interlocução, atendendo a propósitos
específicos dos interlocutores, diversos pesquisadores consideram a redação de vestibular um gênero
textual (PAVANI; KÖCHE; BOFF, 2006; CALDEIRA). Ela adquire, assim, caráter de meio de comunicação
de uma comunidade discursiva particular, e seus participantes assumem papéis definidos: o candidato
deseja obter aprovação no concurso vestibular, e a banca avaliadora deseja selecionar alunos para a
graduação. Neste caso específico, os produtores das cartas eram candidatos do Concurso Vestibular, que
escreviam aos membros da Comissão de Avaliação, a fim de apresentar e argumentar sobre suas opiniões
acerca de um tema, a democracia. A motivação dos candidatos era produzir um texto que fosse
considerado adequado para que lhes fosse conferida uma nota suficiente para sua aprovação no Concurso.
Nesta situação, o enunciador fará uso de recursos textuais e discursivos que lhe permitam demonstrar sua
competência e ser considerado apto a ser aceito numa instituição de nível superior.
Em virtude do exposto acima, decidimos ampliar o escopo da nossa proposta de análise inicial,
que visava identificar o reconhecimento do gênero carta, pelos candidatos, através da presença ou
ausência de seus itens essenciais, para incluir também a identificação da ocorrência de aspectos que
subjazem ao contexto específico da redação de vestibular, independente do gênero nela inserido. Com essa
intenção, conseguimos identificar elementos que, podendo ser também inseridos numa carta ou outro
gênero epistolar, indicam principalmente, a nosso ver, uma tentativa de adequação à situação de avaliação.

Análise
Nosso experimento faz uma investigação a respeito de como o conhecimento sobre um
determinado gênero textual, a carta, é organizado e utilizado por candidatos ao Ensino Superior numa prova
de produção textual do Concurso Vestibular de Inverno da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e
Letras de União da Vitória – PR, realizada no dia 10 de julho de 2005. Os sujeitos escolhidos são, desse
modo, seiscentos e vinte e seis (626) candidatos, tendo a maioria concluído o Ensino Médio. Todas as
redações produzidas foram avaliadas, cada uma delas por dois avaliadores, sendo que sua nota tem peso
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4,0 e o restante da prova tem peso 6,0. Esses valores conferem à redação importância significativa em
relação às demais questões da prova.
Ao elaborar a proposta de produção textual para o Concurso Vestibular de Inverno – 2005 da
FAFIUV, a Comissão Organizadora considerou o fato de que os candidatos já conheceriam o gênero carta e
que não deveriam apresentar muita dificuldade em saber organizá-lo, incorporando seus elementos básicos.
Neste caso, a proposta pedia explicitamente a produção do gênero carta, numa temática também fechada:
a democracia. Indicaram-se ainda itens que o candidato deveria privilegiar no momento da elaboração do
texto, e a forma de fazê-lo. Juntamente a tudo o que lhe é apresentado como característico de um
determinado gênero, porém, em sua produção o usuário utilizará também suas características singulares,
ou seja, aplicará as suas representações pessoais, cuja análise pode permitir acompanhar as decisões
tomadas pelo produtor. Conforme Cristóvão e Nascimento (in Karwoski, Gaydeczka e Brito, 2005), são
justamente as marcas das escolhas efetuadas, textualizadas pelo autor do texto, que devem ser objeto de
análise.
A questão investigada no experimento é: que conhecimento sobre o gênero está associado aos
esquemas cognitivos de reconhecimento e utilização deste em sua produção? Para respondê-la
focalizamos nossa análise em dois aspectos mais específicos:
a) a observação efetiva da presença ou ausência dos elementos listados como critérios pela
Comissão Organizadora;
b) marcas específicas encontradas nas redações, que pudessem remeter à identificação de um
propósito comunicativo que vai além daquele atribuído às cartas em geral, e que se aproximaria do
propósito específico da redação de vestibular: ser aprovado.
Os dados levantados foram analisados de forma quantitativa e qualitativa com base no que se
buscava analisar.
Resultados
Os resultados são apresentados a seguir, primeiro em relação às categorias de análise
relacionadas no item anterior e, mais adiante, como balanço geral. Para maior facilidade na leitura e
associação dos resultados aos critérios estabelecidos pela Comissão Organizadora para a produção do
texto, transcrevemos a seguir a proposta que os candidatos receberam:
PROPOSTA DE REDAÇÃO:
Produza uma carta dirigida para a Comissão de Avaliação do Vestibular da FAFI expressando uma opinião
a respeito de DEMOCRACIA. Siga os seguintes critérios:
a) local e data;
b) saudação;
c) dois parágrafos apresentando seus argumentos;
d) parágrafo conclusivo: despedida;
e) não assine a carta para não se identificar;
f) mínimo de 20 e máximo de 30 linhas.
Dos critérios estabelecidos, apresentamos no quadro seguinte os três que se caracterizam
como elementos constitutivos do gênero carta e sua ocorrência nas produções analisadas:

CRITÉRIOS PRESENÇA AUSÊNCIA

Local e data 138 – 22% 488 – 78%

Saudação 276 – 44% 350 – 56%

Despedida 238 – 38% 388 – 62%

Apesar de especificada na proposta apresentada, e de ser reconhecida como um dos elementos


indispensáveis ao gênero carta, a saudação aparece em apenas 276 (duzentas e setenta e seis) produções

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dos candidatos. Isso equivale a 44% (quarenta e quatro por cento) do total, indicando que menos da metade
dos candidatos preocupou-se (ou lembrou-se!) em inseri-la.
Mais rara ainda foi a inclusão de local e data, dados que aparecem em apenas 138 (cento e trinta
e oito), ou 22% (vinte e dois por cento) das redações analisadas, contrastando com um total de 488 em que
esses dados não se apresentam.
Consideramos despedidas as frases e parágrafos finais que iniciavam com algum marcador de
conclusão ou sumarização de idéias, como “Portanto”, “Enfim”, “Para finalizar”, e os que constituem uma
despedida clara, como “Aqui me despeço”, ou “Atenciosamente”. Este critério, como os outros dois, está
ausente na maioria das redações.
A conclusão que os dados sugerem é a de que a nomeação de um gênero acompanhada de dicas
sobre sua elaboração não é suficiente para ativar o esquema cognitivo sobre como o gênero se organiza,
ou então que os candidatos em geral não possuem esse domínio. Elas não garantem ao produtor assumir
uma posição enunciativa evidente para ele próprio.
Para dominar a produção de textos que circulam em seu ambiente social é preciso desenvolver
competência genérica, à qual concerne a capacidade de o escritor identificar os elementos constitutivos dos
gêneros discursivos para produzi-los, respeitando sua forma relativamente estável. Os candidatos cujas
produções foram por nós analisadas demonstram conhecer as características do gênero carta apenas
parcialmente.
O segundo aspecto que nos propusemos a analisar refere-se às marcas que vinculariam as
produções textuais à situação da redação de vestibular, porém não necessariamente afastando-as da do
gênero carta. Identificamos alguns itens, que procuramos analisar abaixo.
Primeiramente, o que mais nos chama à atenção é que a maioria das redações não apresenta os
três critérios estabelecidos nas instruções, que caracterizam externamente o gênero carta; em
contrapartida, seguem o modelo de textos de cunho dissertativo, cujo foco é a argumentação em favor de
uma posição assumida. A proposta da prova previa a possibilidade dos candidatos se utilizarem desse
modelo como parte do seu texto, já que solicitava a expressão de sua opinião a respeito de um assunto; o
que não se previa, porém, é que isso se fizesse em detrimento das características do gênero solicitado.
Outra presença identificada foi a de frases que apelavam aos interlocutores em sua posição de
avaliadores, como: “Por isso a vocês, comissão da FAFI do Vestibular, quando usarem a democracia usem
ela com responsabilidade, com direitos iguais, sem mentiras, sejam justos (...)”;“Desde já agradeço à
comissão a sua atenção e se Deus e vocês quiserem serei sua futura aluna, obrigada!”; “(...) por isso estou
hoje escrevendo esta carta, e rezando para passar no vestibular, com a ajuda dos senhores, para que
também possa no próximo ano participar dessa democracia ocorrida na faculdade”; “E com isso termino
essa carta, que espero ter agradado”; “Espero sua atenção e dedicação na leitura desta carta”; “Até um dia
e que seja breve”. Alguns dos agradecimentos ao final do texto também parecem remeter a esse apelo. São
exemplos: “Agradeço a oportunidade de opinar sobre algo tão importante para o desenvolvimento da
sociedade”, “Agradeço a oportunidade e atenção dispensadas”, “Desde já o meu singelo agradecimento” e
“Agradeço por terem lido esta carta”. Como o gênero redação de vestibular envolve também questões de
poder, uma vez que é delegado a uma banca o poder de avaliar o grau de eficiência dos candidatos,
acreditamos que essas marcas revelam o posicionamento dos autores. Seria exagerado inferir delas a
preocupação em demonstrar respeito a ou procurar agradar um interlocutor hierarquicamente mais
elevado? Se a resposta for negativa, identificamos nos candidatos uma identificação premente e constante
de que seu texto insere-se no gênero redação de vestibular, no sentido de que reconhecem seu interlocutor
como aquele que pode aprová-lo ou reprová-lo, e não apenas como leitor da carta que expressa sua
opinião.
Com relação a como os traços típicos são manipulados e de onde partem, os dados revelam que o
sujeito vai organizar um texto a partir daquilo que considera estar mais próximo do que normalmente seria
requerido naquele momento de exame, dado que alunos do Ensino Médio e de cursinhos pré-vestibular
ouvem repetidamente que os textos mais pedidos são dissertativos, e a esses vinculam as noções
tradicionais de composição de uma dissertação. Os sujeitos tendem a produzir mais prontamente o texto
mais próximo de sua prática escolar, fazendo um uso parcial do esquema textual.
Parece-nos que, apesar dos estudos já realizados e divulgados, ainda se privilegia o trabalho de
produção textual com base numa tipologia restritiva, e não em gêneros historicamente constituídos, os quais
circulam na sociedade dos estudantes. Desta forma, os estudantes não são incentivados a questionar para
que servem os textos que produzem, e a considerá-los como parte inquestionável de um preparo para um
fim específico: passar no vestibular.

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Conclusão
Nossa reflexão desloca-se agora para o plano pedagógico. Bakhtin (1992) sugere que se comece
o estudo das línguas pelas suas manifestações materiais nas comunidades. Isto significa associar os
gêneros aos seus contextos imediatos e mediatos. E nas comunidades não circulam dissertações.
Podemos, sem qualquer sofisticação teórica, recorrer aos materiais discursivos abundantes nas
comunidades para trabalhar a língua.
Quanto ao que vem acontecendo nas escolas, é difícil e injusto fazer generalizações sobre
assunto de tal importância. Pode ser que durante os anos que passa na escola, a criança / o jovem não
imagina como escrever um trabalho sobre história, por exemplo, pode ajudá-lo em sua vida. Talvez a forma
como as aulas são conduzidas não façam o aluno interessar-se por escrever. É possível, ainda, que o
professor de Língua Portuguesa não saiba exatamente como auxiliar seus alunos nessa direção.
O trabalho norteado pela noção de gêneros textuais, em sala de aula de línguas, principalmente
em forma de seqüências didáticas, parece-nos ter bastante a contribuir nesse sentido, por seu caráter
extensivo, partindo da identificação do gênero até sua produção e veiculação.

Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa.
Brasília: MEC, 1998.
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo.
Trad. Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: EDUC, 1997/1999.
CALDEIRA, J. R. Alguns conceitos da lingüística sistêmico-funcional aplicados à análise do gênero “redação
do vestibular”. In VIII Fórum de Estudos Lingüísticos. UERJ. Disponível
em<http://www.filologia.org.br/viiifelin/13.htm> Acessado em 26 ago 2007.
CRISTÓVÃO, V. L. L.; NASCIMENTO, E. L. Gêneros textuais e ensino: contribuições do interacionismo
sócio-discursivo. In KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B. e BRITO, K. S. Gêneros textuais: reflexões e
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KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. Gêneros textuais: reflexões e ensino. União da
Vitória - PR: Kaygangue, 2005.
LOPES-ROSSI, M. A. G. Níveis de conhecimento necessários ao domínio da escrita formal. Revista
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MACHADO, A. R.; LOUSADA, E.; ABREU-TARDELLI, L. S. O resumo escolar: uma proposta de ensino de
gênero. In Revista Signum: estudos da linguagem, n. 8/1. Londrina: UEL, 2005, p. 89 – 101.
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__________. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In KARWOSKI, Acir Mário;
GAYDECZKA, Beatriz e BRITO, Karim Siebeneicher. Gêneros textuais: reflexões e ensino. União da
Vitória – PR: Kaygangue, 2005.
PAVANI, C. F.; KÖCHE, V. S.; BOFF, O. M. B. Redação de vestibular: gênero heterogêneo. Revista Virtual
de Estudos da Linguagem – ReVEL, v. 4, n. 6, março de 2006. Disponível em <www.revel.inf.br>.
Acessado em 25 ago 2007.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales
Cordeiro. São Paulo: Mercado de Letras, 2004.

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ANÁLISE DO DISCURSO - UM ESTUDO INICIAL UTILIZANDO O GÊNERO CARTAS AO EDITOR

Bernardete Ryba19

1. INTRODUÇÃO
Este estudo tem a finalidade de examinar cinco cartas ao editor, abordando discussões sobre o livro
de Chris Glover, cuja capa reproduzimos a seguir, traduzindo-a para a Língua Materna.

¨THERE IS NEW WEAPON IN THE WAR AGAINST CANCER. THERE ARE THE BULLETS¨
¨NEW HOPE FOR CANCER: WHY ATTACK THIS DISEASE ONLY ON THE BATTLEFIELD? WHY NOT
GO AFTER ITS SUPPLY LINES OF TOBACCO, FOOD ADDITIVES AND POLUTION?¨
CHRIS GLOVER (ISTANBUL).

¨HÁ UMA NOVA ARMA NA GUERRA CONTRA O CÂNCER. ESTAS SÃO AS BALAS¨
¨NOVA ESPERANÇA PARA O CÂNCER: POR QUE ATACAR ESTA DOENÇA SÓ NO CAMPO DE
BATALHA? POR QUE NÃO IR ÀS LINHAS DE SUPRIMENTO DE FUMO, COMIDAS ADITIVAS E
POLUIÇÃO?¨
CHRIS GLOVER (ISTAMBUL).

Para fundamentar o nosso estudo fizemos uso das considerações de Halliday (1975), de Kress e
Hodge (1979) e de Stubbs (1988) sobre conceitos de linguagem.
Embora o gênero ¨cartas ao editor¨, espaços da mídia impressa, nos quais os leitores podem
expressar suas opiniões pessoais sobre determinada matéria publicada, sofram uma seleção prévia por
parte de um editor, podemos observar que este gênero reflete formas de perceber a realidade e sua
linguagem é um instrumento de persuasão que expressa padrões ideológicos de seus autores.
As cinco cartas analisadas foram publicadas na Revista Time de 18 de junho de 2005 e revelam-nos
aspectos positivos que a pesquisa científica, através de novos medicamentos/terapias, consegue propiciar
às vítimas de câncer, proporcionando-lhes uma prorrogação de vida, mas, em contrapartida, trazem à tona
os aspectos materiais que envolvem os tratamentos, cujos custos são inviáveis para muitas pessoas.

2. CORPUS UTILIZADO NA PESQUISA


Os textos das cinco cartas foram transcritos a seguir para uma melhor discussão. Estamos usando,
a exemplo do que fizemos com o livro, a transcrição em inglês e as respectivas traduções. A numeração e a
tradução das cartas são nossas.

Carta no. 1 – Thomas J. Wright – Pinellas Park, Florida


¨Thank you for the mostly encouraging article about new cancer treatments (May 28). However, you said `If
you have cancer today, these treatments are likely to come too late to help you .` I respectfully disagree. I
was diagnosed with chronic myeloid leukemia long before the development of Glivec. While previous drugs
were not totally sucessful, they did keep me alive long enough to be accepted as a participant in one of the
studies of Glivec. This new drug worked its wonders, and in just three months I achieved complete
hematological and cytological remission. The side effects are so minimal that my quality of life has improved
dramatically. Today´s cancer patients should be encouraged to seek out whatever treatment is available in
the expectation that they will survive to benefit from new discoveries.

19 Docente do Curso de Letras da FAFIUV

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¨Agradeço principalmente por este artigo encorajador sobre novos tratamentos para o câncer (28 de maio).
Por mais que você diga ¨Se você tem câncer hoje, estes tratamentos provavelmente vêm muito tarde para
ajudar você¨. Eu respeitosamente discordo. Eu estava diagnosticado com leucemia mielóide crônica antes
de colaborar com as pesquisas de Glivec. Enquanto os remédios previam que eu não estava totalmente
vitorioso, eles mantinham-me vivo o suficiente para ser aceito como um participante de um dos estudos de
Glivec. Este novo remédio surtiu efeito como um milagre, e em três meses eu obtive a completa remissão
hematológica e citológica. Os efeitos colaterais são tão pequenos que minha qualidade de vida melhorou
dramaticamente. Hoje os pacientes com câncer são encorajados a ir ao encontro de todo tipo de tratamento
disponível na expectativa de que eles sobrevivam com o benefício de novas descobertas.¨

Carta no. 2 – Chris Glover (o autor do livro) – Istanbul


¨If there really is a war against cancer, as you contend, then why attack this disease only on the battlefield?
Why not go after its supply lines of tobacco, food additives and pollution? The drive for corporate profits
generates many of the products that can cause this illness, and even more profits are made in treating it.
Meanwhile, cancer victims fall by the wayside as collateral damage.

¨Se há realmente uma guerra contra o câncer, assim como você enfrenta, então por que atacar esta doença
só no campo de batalha? Por que não ir às linhas de suprimento de fumo, comidas aditivas e poluição? As
campanhas para o ganho coletivo geram muitos produtos que podem causar esta doença e muitos mais
ganhos são feitos, tratando-a. Enquanto isto, as vítimas de câncer são deixadas de lado assim como os
danos colaterias.¨

Carta no. 3 – David Chesterton – Marblehead, Massachusetts


¨Finally, the breakthrough in cancer drugs that we have long been searching for! Too bad that few of us will
be able to afford them.¨

¨Finalmente, o avanço nas drogas contra o câncer que nós temos buscado! Uma pena que poucos de nós
somos capazes de dar-nos ao luxo!¨

Carta no. 4 – Payal Kapoor – Longmeadow, Massachusetts


¨Every life saved from cancer is worth the time, effort and money that go into research, development and
production. In the new millennium, even the most dreaded (and once `incurable`) disease can now be
regarded as one from which people can recover.¨
¨Cada vida salva do câncer é tempo, esforço e dinheiro que vai na pesquisa, desenvolvimento e produção
válidos. No novo milênio, já a mais terrível (e uma vez ¨incurável¨) doença pode ser agora considerada
como uma das quais uma pessoa pode recuperar-se.¨

Carta no. 5 – Rue Rivera-Ramas – General Santos City, the Philippines


¨I lost my brother after his battle with prostate cancer. Attending to him cost me my life savings and my job.
Had the promising new drugs been developed earlier, my brother would still have died, since only the rich
can afford them. Are drug companies heroes or villains? Can the U.N. do something about making cancer
drugs affordable for the less fortunate, as it is doing for those with AIDS?¨

¨Eu perdi meu irmão depois de uma batalha contra o câncer de próstata. Assistindo-o custou-me a
poupança da minha vida e o meu trabalho. Havia a promessa de novas drogas serem desenvolvidas logo,
mas meu irmão já tinha falecido, e só um rico pode dar-se ao luxo de tê-las. As indústrias de remédios são
heroínas ou vilãs? Pode os EU fazer alguma coisa sobre a fabricação de remédios contra o câncer ser
acessível para pouco afortunados, como é feito para aqueles com AIDS?¨

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Na breve análise feita a partir das cinco cartas em questão, não somente as simples opiniões de
leitores são evidenciadas, mas também os reflexos de ideologias que permeiam os padrões de conduta,
valores e crenças que regem nossa sociedade, segundo Halliday (1975), Kress e Hodge (1979) e Stubbs
(1988).

3. METODOLOGIA E LOCAL DA PESQUISA


O presente estudo foi realizado em uma 3ª. Série (A) do Ensino Médio do Colégio Estadual São
Mateus, período matutino, em São Mateus do Sul, PR.
Inicialmente, os alunos foram preparados para fazer as análises das cartas. Para isso foram
informados e discutidos alguns conceitos de análise do discurso necessários à tarefa proposta, bem como
trabalhados alguns exemplos, a fim de verificar se houve um perfeito entendimento por parte da turma.
Sabemos que, discussões e interpretações de textos são feitas a todo momento em diversas disciplinas,
mas optamos por fazer essa preparação inicial por termos conhecimento de que a análise do discurso é um
trabalho de maior profundidade, que vai além da discussão e interpretação feita normalmente com os
alunos de Ensino Médio.
Em seguida, a turma foi dividida em cinco grupos (cinco cartas) e cada um recebeu cópias de todo o
material. Após uma primeira leitura, combinamos quais os aspectos que seriam identificados nas cartas.
Cada grupo passou então a trabalhar uma carta (sorteada). Os trabalhos foram feitos em sala de aula,
apresentados e abertos à discussão de todos os alunos da classe e entregues a nós. As análises feitas
pelos cinco grupos foram compiladas e estão relacionadas a seguir (em 5).

4. EMBASAMENTO TEÓRICO
Ao definirmos a linguagem como um meio de comunicação, estamos apenas determinando uma das
múltiplas funções a ela atribuída. No ato discursivo há um processo complexo de relações textuais e
contextuais entrelaçadas que servem a propósitos diversos, além do simples fato de informar algo a
alguém.
Selecionamos três conceitos sobre linguagem, dos inúmeros que há, para embasar teoricamente
este estudo. O primeiro, de Halliday (1975), considera a sociedade, a linguagem e a mente como
indissoluvelmente interligadas. Segundo ele, nossos pensamentos são moldados pela sociedade na qual
vivemos e a linguagem serve como forma de expressão do indivíduo e, portanto, está ligada a valores e
crenças e aos contextos onde este indivíduo executa suas práticas sociais. O segundo conceito, de Kress e
Hodge (1979), nos diz que a linguagem, além de ser uma forma de comunicação, é usada como um
instrumento de manipulação e o terceiro conceito, o de Stubbs (1988), nos ensina que a linguagem é uma
prática social, não é neutra e usa a gramática para convencer alguém de algo, portanto, a forma como a
linguagem é elaborada em um texto contém um maior ou menor poder de persuasão.
Ao utilizarmos os três estudiosos acima, pressupomos que, ao analisarmos qualquer tipo de texto,
teremos, de forma explícita ou implicita, as características ideológicas do autor, tais como: suas crenças,
valores, propósito discursivo e os aspectos que dizem respeito aos fatores sociais que o influenciaram no
momento da produção do texto em questão. Olhando por esta perspectiva, a ideologia é vista como a
responsável por moldar nossos pensamentos e fazer parte do processo do estabelecimento de nossa
identidade.
Para definir ideologia, recorremos a Eagleton (1991, p.2) “ processo de produção de significados,
símbolos e valores na sociedade; corpo de idéias características de um determinado grupo ou classe
social;(...) a união entre discurso e poder; o processo pelo qual a vida social é convertida em uma realidade
natural” e ao examinarmos o corpus dessa pesquisa observamos como certos aspectos ideológicos moldam
o discurso de indivíduos e refletem formas de perceber a realidade, de estabelecer identidades e padrões
de conduta vigentes na sociedade contemporânea. Verificamos, também, como a linguagem usada na
elaboração dos textos estudados (cartas ao editor) é um instrumento de persuasão que, de forma
consciente ou inconsciente por parte de seus autores, legitima padrões ideológicos existentes.
Com relação ao gênero escolhido, cartas ao editor são espaços da mídia impressa, em revistas ou
jornais, nos quais são expressos pareceres pessoais, favoráveis ou desfavoráveis a determinadas matérias
publicadas. Sotillo e Starace-Nastasi (1999, p.251), sobre o gênero cartas ao editor, nos diz que elas são
“... um meio termo entre os domínios privado e público, pois os leitores/escritores expressam suas vozes
individuais em um fórum público, a respeito de assuntos de importância para eles.” Com relação à seleção
prévia e a editoração ficar nas mãos de um editor e, portanto, sofrer um controle que garante a não
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publicação de pareceres ofensivos e/ou difamatórios, Sotillo e Starace-Nastasi (1999), nos garantem que as
cartas ao editor nos trazem “insights” sobre as dimensões sócio-culturais da comunidade onde vivem os
leitores/escritores.

5. ANÁLISE DAS CARTAS


Na análise procuramos levar em consideração as relações intrínsecas entre o texto e o contexto,
buscando evidências dos aspectos ideológicos e de como os autores das cartas estabeleceram relações
sociais no tocante à forma de poder e tipo de autoridade da argumentação.

A – Aspectos ideológicos: as crenças e as representações da realidade


Embora possamos considerar que haja individualidade do leitor/autor, esta reflete, de alguma forma,
o meio em que o produtor da carta vive e o aspecto (padrão) ideológico encontrado em seu meio.
Segundo Halliday (1985/1994) a representação da realidade em um texto é feita através de
processos caracterizados por verbos e seus participantes, chamados de transitividade, que tornam
explícitas ou não as ações e quem os pratica.
Os autores são explícitos nas cartas 1 ¨Agradeço...¨, ¨Eu respeitosamente discordo¨; 3 ¨...que nós
temos buscado!¨ e 5 ¨Eu perdi ...¨, ¨... custou-me ... minha vida e o meu trabalho¨ e estão implícitos nas
cartas 2 ¨... por que atacar ...¨, ¨Por que não ir ...¨ e 4 ¨Cada vida salva do câncer...¨, como podemos ver
pelos verbos e pronomes de primeira pessoa para os explícitos e de terceira pessoa (sujeitos
indeterminados) para os implícitos.
Nas cartas em questão também estão presentes os processos mentais que estabelecem
conhecimentos, julgamentos ou comentários baseados em pareceres ou sentimentos pessoais: ¨Agradeço
principalmente por este artigo encorajador ...¨ (carta 1) e os processos materiais que dizem respeito às
ações: ¨Eu perdi meu irmão ...¨(carta 5).
A representação da realidade social no que diz respeito aos padrões e preconceitos que certas
classes sociais sofrem quando necessitam tratamento de saúde especializado está patente – pessoas de
classes menos favorecidas monetariamente não conseguem fazer tratamentos caros por não possuírem
lastro monetário (carta 5). Isto não acontece com quem se encontra em classes mais favorecidas
monetariamente (carta 4). Abre-se, no entanto, uma terceira alternativa: para quem não tem condições
financeiras favoráveis, há a possibilidade de fazer parte de projetos de pesquisas que visam à cura de
doenças (carta 1).

B – Relações sociais: o poder econômico


A relação social que mais desponta nas cartas está associada ao poder econômico. As cartas 1, 2 e
4 são a favor de toda e qualquer pesquisa que possa trazer às vítimas de câncer algum alento, seja de cura
ou de prorrogação de vida. Este posicionamento fica muito óbvio na cara 4 ¨Cada vida salva do câncer é
tempo, esforço e dinheiro que vai na pesquisa, desenvolvimento e produção válidos...¨, quando,
categoricamente, afirma que todo o dinheiro usado para este fim, vale a pena.
O autor da carta 1 deixa claro que usufruiu o poder econômico de outrem ¨... para ser aceito como
um dos participantes de um dos estudos de Glivec.¨, mas admite que ele (o poder econômico) existe.
Na carta 2 também há a presença do poder econômico e está claro que ele se encontra em mãos
de pessoas para as quais os efeitos colaterais, tais como doenças, não são importantes ¨As campanhas
para o ganho coletivo geram muitos produtos que podem causar esta doença...¨e faz acusações de que o
poder econômico está por trás dos tratamentos de saúde de doenças causadas por cigarros (plantações de
fumo), por comidas aditivas e por poluição ¨... e muitos mais ganhos são feitos, tratando-a.¨
Embora esta acusação também esteja presente na carta 5 ¨As indústrias de remédios são heroínas
ou vilãs? ... fazer alguma coisa sobre a fabricação de remédios contra o câncer ser acessível ...¨, as cartas 3
e 5 são exemplos de que quem não tem alto poder econômico, não pode fazer um tratamento digno para se
curar de câncer. Esta constatação é feita de duas formas diferentes: na carta 3 de uma forma irônica
¨Finalmente ... uma pena...¨, usando sinais de exclamação para enfatizar os posicionamentos, na carta 5 o
autor faz uso de um tom acusatório (a quem de direito) ¨Pode os EUA fazer alguma coisa ... ser acessível
para poucos afortunados ...¨e queixa-se de ter gasto em vão todas as economias conseguidas ao longo de
uma vida ¨... custou-me a poupança da minha vida e o meu trabalho.¨
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C – Relações sociais: tipos de autoridade de argumentação


A autoridade de argumentação é minimizada em alguns trechos da carta 1 ¨Por mais que você diga
...¨, ¨Eu respeitosamente discordo.¨, ¨... previam que eu não estava totalmente vitorioso ...¨, ¨... pacientes
com câncer são encorajados ...¨, quando o autor é discreto ao fazer uso de termos pouco enfáticos em sua
argumentação. O mesmo acontece na carta 2 ¨Se há realmente ...¨, ¨Por que não ir ...¨, ¨... produtos que
podem causar esta doença.¨
Nas outras cartas (3, 4 e 5), a autoridade da argumentação é enfática: ¨Finalmente ... que nós
temos buscado!¨ (na 3), ¨Cada vida salva do câncer é tempo, esforço e dinheiro ... válidos ...¨ (na 4), ¨... e só
um rico pode dar-se ao luxo de tê-las.¨ (na 5).

6. CONCLUSÃO
A linguagem é um veículo de expressão de experiências e idéias que refletem o contexto
sociocultural onde ela é produzida. Quando analisamos um texto estamos visualizando não só a realidade
de quem escreveu, mas também os padrões ideológicos que regem condutas, opiniões e comportamentos
do grupo social ao qual o escritor pertence.
As cartas ao editor analisadas representam um gênero textual que pode ser estudado em relação às
ideologias vigentes. A linguagem usada pelo leitor/escritor é representativa de pareceres que procuram
enfatizar, apoiar, denegrir ou mudar, de forma consciente ou inconsciente, princípios e normas que regem
pensamentos coletivos. Pode ser que o resultado não seja reconhecido imediatamente, pois “o poder não
está apenas ligado às armas e ao parlamento, ao invés disso, ele tende a ser uma rede intangível de força
que se mistura em nossos gestos mais simples e em nossas frases mais íntimas” (FOUCAULT, apud
EAGLETON, 1991, p.7).
Concluindo, quando um autor de uma carta ou de um texto de outro gênero expressa seu ponto de
vista, ele poderá influenciar os leitores a refletirem sobre suas palavras e essa reflexão pode ser o início de
uma mudança ideológica e, conseqüentemente, de mudança de uma prática social.

REFERÊNCIAS
EAGLETON, T. Ideology. London:Longman, 1991.
HALLIDAY, M. A. K. Learning how to mean: explorations in the development of language. London:Edward
Arnold, 1975
_____. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, 1985/1994
KRESS, G. R. e HODGE, R. Language as ideology. London:Routlege & Kegan Paul, 1979
SOTILLO, S. M. e STARACE-NASTASI, D. Political discourse of a working class town – Discourse and
society, v. 10, no. 2, p.249-276, 1999.
STUBBS, M. Text and corpus analysis. London:Blackwell, 1988.

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NERUDA E A GUERRA
Inês Skrepetz20
Orientador: André Bueno21

Introdução
O presente trabalho se insere num ponto paradigmático para a área da literatura: pode-se construir a idéia
de um autor dividindo-o entre “homem político” e “homem poético”? O que nos faz pensar que os autores
podem ser separados em entidades distintas, como se sofressem de uma dupla personalidade? Como
acreditar nas palavras de um escritor que não viveu suas próprias fantasias e utopias, tentando construir
nas múltiplas realidades a vivência de seu sonho?
Esta constatação se dá plenamente em Pablo Neruda. O autor chileno foi um eterno engajado, um
incansável defensor do povo, para além de todos os “istas” que pudessem lhe atribuir: “comunista”,
“pacifista”, etc. Talvez só o epíteto de Humanista lhe caia apropriadamente bem, sem nenhuma conotação
pedante.
Nesse artigo buscaremos analisar, pois – e ainda que de maneira breve – como Neruda constrói
uma atitude poética distinta, engajada na luta social, calcada antes de tudo em uma atitude não conformista,
que não nos permite separá-lo na dicotomia teórica do “homem-político” e do “homem-poético”; e como esta
atividade literária se concretiza num movimento de protesto real, dedicado, decidido até o fim a combater a
violência da opressão e da barbárie, manifestas em dois momentos decisivos de sua vida: a Guerra Civil
Espanhola e iminência do golpe militar no Chile.

O Neruda Histórico
Ao longo da segunda metade da década de 30, os espanhóis aprenderam a ter medo dos dias
bonitos e de céu claro. Não um simples medo, mas talvez um completo pavor: um horror absurdo, abjeto,
capaz de tornar uma das mais belas manifestações da natureza numa preocupação paranóica de terror e
angústia. A vida cotidiana da sociedade espanhola havia se tornado numa dura condição psicológica,
causada pelos constantes e inevitáveis bombardeios aéreos. A aviação da época havia adotado, como
estratégia de ataque, realizar suas incursões ao longo do dia, com céu claro, o que possibilitava uma boa
visualização dos alvos. Uma mudança na doutrina militar também anunciava o aumento da eficácia destes
ataques: bombardeios concentrados, cerrados, feitos por formações de aviões modernos – as máquinas de
última geração dos países desenvolvidos da Europa – cujo poder media-se, agora, em tonelagens de
bombas, muito distantemente dos cavaleiros aéreos da Primeira Guerra mundial (LOPES, 2007).
O que se via, pois, era um povo amedrontado com o nascer do sol. Um alvorecer magnífico
significava, também, a eleição automática de um alvo – civil ou militar – que em algumas horas poderia
testemunhar o zumbido tétrico e fatal das esquadrilhas de ataque. O exemplo clássico deste cenário sinistro
deu-se em Guernica, a capital histórica da cultura Basca. Em 1937, este pouco provável “ponto estratégico”
viu-se destruído por milhares de bombas incendiárias, atiradas pela mortífera Legião Condor - força militar
da Alemanha nazista devidamente preparada e eficaz em suas funções-, aos serviços dos nacionalistas de
Franco (idem, 2007). Tudo ocorreu de forma rápida e extremamente dolorosa numa bela tarde de abril,
deixando poucas chances ao povo indefeso de escapar. O horror psicológico de uma guerra como essa
estava previsto nos discursos dos defensores de novas teorias sobre conflitos militares, como o chefe da
Legião Condor, o comandante Richthofen (KAUFFER, 2007, p.44-51). Suas perspectivas sobre o conflito
estavam para além das causas políticas: buscavam apenas entender, de modo frio e metódico, como
poderiam causar a maior quantidade de destruição possível, abalando por completo a moral do inimigo.
A perversidade deste discurso de eficácia, responsável por tantas mortes inocentes, não passou
despercebida pela opinião crítica da época. A guerra na Espanha se tornara uma luta não só pela liberdade,
como também pela humanidade. Uma intelectualidade ativa e idealista se pôs em marcha para denunciar,
protestar e enfrentar esta escalada de violência, criticando a atitude passiva das grandes nações da época,
como Inglaterra e França, que nada faziam contra esta situação; e mais, pregaram uma luta direta contra as
forças opressivas do fascismo, cujo poder crescia a cada dia trazendo consigo a intolerância, o radicalismo

20
Prof. Esp. Língua e Literatura Espanhola e Hispano Americana / FAFIUV.
21
Prof. Dr. em Filosofia, prof. Adjunto de História e Filosofia da FAFIUV.

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e o obscurantismo das doutrinas marcadas por um discurso de agressão e exclusão (VILAR, 1989, p.100-
08).
Entre os críticos desta época, estavam muitos Pablos. A maior parte viveu no anonimato, e
possivelmente deu sua vida no campo de batalha antes da desastrosa derrota frente aos fascistas. Dois,
porém, destacaram-se: um, Pablo Picasso, o infatigável e controverso pintor que cristalizou, de modo
absoluto, a tragédia de Guernica no seu famoso quadro com o mesmo nome da cidade (mas sobre ele não
deteremos neste trabalho, devemos prosseguir): outro, o nosso personagem fundamental, era o jovem
cônsul chileno que testemunhava poeticamente a banalização das atrocidades da Guerra civil espanhola;
este era Pablo Neruda.
Neruda (nome artístico para um pouco sonoro Neftali Ricardo Reyes, seu nome original), afirmava
categoricamente o seu engajamento na defesa dos interesses populares. Assim sendo, era mais do que
natural a sua empatia pela causa republicana espanhola, a qual ele viu se desenvolver de perto, servindo
nesta época como adido na embaixada chilena em Madrid. Sua experiência com o conflito foi direta e
pessoal, e suas denúncias pautaram-se em suas próprias vivências.

En su libro de memorias Confieso que he vivido, comenta Pablo Neruda que al


regresar a Chile, luego de su apasionante periplo por la India y el Oriente y de
haber experimentado durante la guerra civil española la metamorfosis que lo llevó
del hermetismo surrealista de Residencia en la tierra a la poesía social de España
en el corazón, sintió como una obligación urgente la tarea de crear una poesía
que agrupara «las incidencias históricas, las condiciones geográficas, la vida y las
luchas de nuestros pueblos». (SERRANO, 2007)

O mundo da época segmentava-se, paulatinamente, em três campos políticos fundamentais: o


capitalismo, o comunismo e o fascismo, este último manifestação de uma tendência de radicalização da
direita capitalista. Para os idealistas, o comunismo – representado pela inequívoca conquista soviética –
aparentava representar a concretização da utopia marxista de criar um mundo livre, justo e igualitário para
os trabalhadores, e os crimes cometidos por Stálin contra seu próprio povo não pareciam esmaecer a
possibilidade de vitória. Na verdade, acreditava-se na possibilidade real de uma frente anti-fascista
comandada pelos soviéticos (SPINDEL, 1993, p. 154-55), e o mundo comunista era o único contraponto
existente para a exaustão do mundo capitalista ainda alquebrado pela crise de 1929.

É perigoso, entre 1936 e 1939, ser ao mesmo tempo antifascista e anticomunista:


as democracias ocidentais o constataram, assim como os partidos revolucionários
antistalinistas. É assim que o conservadorismo e o tradicionalismo espanhóis
adotaram os gestos, os métodos e a aliança dos nazistas e dos fascistas,
enquanto que a República espanhola só encontrava apoio externo seguro e
contínuo no comunismo no poder. (VILAR, 1989, p.109)

Neste contexto, pois, encontra-se Neruda, decidido a encarar o conflito espanhol em seus aspectos
trágicos, revelando as perversas manifestações de crueldade que se desenrolavam. Suas atitudes podem
ser consideradas, em linhas gerais, como as de um defensor da República espanhola e de um praticante
contumaz do comunismo, mas esta é uma representação errônea de sua figura. Neruda era, por exemplo,
um admirador confesso de Walt Whitman, intelectual americano e defensor absoluto do ideal de uma
democracia mais justa e igualitária – algo estranho para um comunista dedicado. Sua postura era
deliberadamente antifascista, como atesta no seu memorial Confesso que vivi:

Embora eu tenha me tornado militante muito mais tarde no Chile, quando


ingressei oficialmente no Partido, creio ter-me definido como um comunista diante
de mim mesmo durante a guerra da Espanha. Muitas coisas contribuíram para
minha profunda convicção. [...] os comunistas eram a única força organizada que
criava um exército para enfrentar os italianos, os alemães, os mouros e os
falangistas. E eram, ao mesmo tempo, a força moral que mantinha a resistência e
a luta antifascista. Simplesmente tinha que escolher um caminho. Foi o que fiz

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naqueles dias e nunca me arrependi da decisão tomada entre as trevas e a


esperança daquela época trágica. (NERUDA, Confesso que vivi, p.141-42).

Sua opção política, portanto, era condicionada por uma realidade do contexto. Doravante, sua ação
nos tempos da Guerra Civil marcou-se pelo envolvimento com as causas populares, muito mais do que por
um alinhamento político ou institucional. Isso fica claro quando ele escreve e lança, de modo quase
artesanal, seu libelo contra a guerra, España en el corazón. Não importando a tiragem exígua do livro, o
compromisso de seu texto o leva a perder o cargo de cônsul chileno no país. (idem, p.129-130) Mas a
decisão de levar adiante seu combate contra o fascismo e a opressão frutifica; em 1939, ainda, muda o
governo do Chile, que:

Decidiu-me enviar a França para cumprir a mais nobre missão que exerci em
minha vida: a de tirar espanhóis de suas prisões e enviá-los a minha pátria. Assim
podia minha poesia espalhar-se como uma luz radiante, vinda América, entre
esses montões de homens carregados como ninguém de sofrimento e heroísmo.
Assim minha poesia chegaria a se confundir com a ajuda material da América,
que, ao receber os espanhóis, pagava uma dívida imemorial (idem, p. 147).

O fracasso da experiência republicana na Guerra Civil Espanhola não esmoreceu as crenças de


Neruda num mundo melhor. Tendo atravessado a Grande Guerra e a subseqüente Guerra Fria entre
viagens pelo mundo, perseguições políticas e refúgios ocasionais em Isla Negra (sua residência particular),
Neruda continuou a pregar sua insatisfação contra as desigualdades sociais e os males dos sistemas
políticos. Obviamente ele comemorou a queda do fascismo em Stalingrado, por exemplo, mas ainda assim
sua atitude poética centrava-se na união pelo bem, e não simplesmente na cessação do mal:

Nasci para cantar a Stalingrado.[...]


Agora americanos combatentes
Brancos e negros como grãos semeados,
Vão matar no deserto a serpente.
Já não estás sozinha, Stalingrado.
A França volta às velhas barricadas
Com o pavilhão de fúria levantado
Sobre as lágrimas recém apagadas.
Já não estás sozinha, Stalingrado.
(NERUDA, Terceira Residência, V)

Este sentimento de unidade não duraria muito tempo - mas Neruda o sabia, por trás dele estava o
verdadeiro sentimento poético, o sentimento do povo – os reais atores de toda a luta fratricida e inglória
eram a gente do povo, que lutava por causas desconhecidas e pela promessa de certeza dos seus líderes.
O poeta não podia suportar isso. Sua luta começa a delinear-se, no seguir, por uma saída popular (mais
que comunista, capitalista ou modernista), que pareceu concretizar-se, décadas depois, na eleição em 1970
de Salvador Allende para presidente do Chile. Com apoio de uma esquerda ativa e resoluta, Allende
conseguiu um governo de grande aprovação popular, apesar de todas as dificuldades econômicas e
políticas enfrentadas (embargos, sabotagens e conspirações da direita) (SALAZAR & PINTO, 1999, p. 141-
166). Neruda já havia testemunhado isso antes. Já em 1947, ele se viu obrigado a fugir do governo de
Gonzalez Videla por sua atividade crítica ao regime, e contou para isso com a ajuda decisiva de seu povo.
Seu amigo íntimo Vinicius de Moraes deixou-nos um testemunho poético desta passagem;

O Senador Pablo Neruda


Perseguido pela polícia de Gonzalez Videla
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Refugia-se no seio do povo, que o oculta


De casa em casa, de choupana em choupana
Cada vez que o perigo o ameaça, o povo
Ama o seu poeta, faz em torno dele um muro
De silêncio, dá-lhe pão
Queijo e morte, a ronda com os patrulheiros
A senha passa, à noite levam-no embuçado
Para outro sítio, mil olhos campesinos
Vigiam, as estrelas vigiam [...]
(Vinicius de MORAES, História Natural de Pablo Neruda, p.43)
Neruda voltava agora com o apoio do povo, e retornava para ajudar e sustentar aquele que parecia
ser a realização viva de uma revolução popular, seu amigo Allende. Seu otimismo era confesso, e o poeta
viu-se diante da possibilidade inequívoca de uma verdadeira revolução social (não necessariamente
socialista) no Chile da época. Os inícios dos conflitos entre o governo e os partidos de direita fizeram-no, no
entanto, preocupar-se com os destinos da nação. Direita e esquerda pareciam estar entrando num turbilhão
de violência inevitável e tão trágico quanto ele já havia testemunhado:

Dei-me conta de que há alguns chilenos que nos querem arrastar a um confronto,
a uma guerra civil. E ainda que não seja meu propósito, neste lugar e nesta
ocasião, entrar na arena política, tenho o dever poético, político e patriótico, de
prevenir o Chile inteiro deste perigo. Meu papel de escritor e de cidadão tem sido
sempre o de unir os chilenos. Mas sofro agora o grave pesar de vê-los
empenhados em ferir-se. As feridas do Chile, do corpo do Chile, fariam sangrar
minha poesia. Não pode ser. [...] A guerra civil é coisa muito séria. [...] Assisti a
uma guerra civil e foi tão cruel e dolorosa, que marcou para sempre minha
poesia. [...] vi, pois, exterminarem-se os homens que nasceram para ser irmãos,
os que falavam a mesma língua e eram filhos da mesma terra. Para minha Pátria
não quero um destino semelhante. (NERUDA, Para nascer, nasci, 1980, p. 306)

O poeta deixava transparecer, mais do que nunca, sua preocupação com os desatinos dos
partidarismos. Quase como um profeta do que viria a ocorrer, Neruda sentia a agitação incontrolável da
morte aproximar-se na disputa que se seguiria. A mesma morte resolveu levá-lo antes, poupando-o de
testemunhar a tragédia chilena. Em 1973, mesmo ano do falecimento de Neruda, o General Pinochet,
ministro da defesa de Allende, trai-o ardilosamente, bombardeando inclusive o palácio presidencial, onde
amontoavam-se os partidários do presidente e ele próprio, armado de fuzil, disposto a lutar até a inevitável
morte. O governo americano aplaude a iniciativa (já denunciada no livro de poeta, Incitação ao Nixoncídio).
Que mensagem extrair podemos extrair desta longa vivência histórica? Teria Neruda falhado em
seus propósitos libertários? Teria sido engabelado pelo fascínio da poesia e das causas populares? Pensar
assim seria raciocinar de modo muito restrito e pouco compreensivo. Décadas depois o regime militar
acabou, e como todo totalitarismo, foi denunciado, expulso e vencido. Neruda, infelizmente, não ficou vivo
para ver. No entanto, sua obra é um arcabouço de esperança, fiel depositário de que a poesia social não se
enganava: o povo é capaz de mudar seus destinos, e não está alheio à realidade. Muitas vezes, somos nós
que estamos alienados sobre o povo - mas a poesia há de nos salvar, se quisermos.
Resta-nos nesta breve introdução histórica da vida de Neruda apenas findar, novamente, com a
bela poesia de despedida do seu fiel amigo Vinicius:

Que ano mais sem critério


Esse de setenta e três...
Levou para o cemitério
Três Pablos de uma só vez
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Três Pablões, não três pablinhos


No tempo como no espaço
Pablos de muitos caminhos:
Neruda, Casals, Picasso [...]
Três Pablos de muita ajuda
Três líderes cuja morte
O mundo inteiro sentiu
Ô ano triste e sem sorte:
VÁ PRA PUTA QUE O PARIU!
(História Natural de Neruda, p. 25)

A poesia é uma denúncia, e o poeta é um delator!


Tanto na guerra civil espanhola quanto na época da revolução chilena, Neruda se fez presente com
sua voz e sua poesia, cantando a coragem dos fracos e denunciando a covardia dos detentores do poder.
Tendo sempre a ousadia e a serenidade de um ser humano sensível, inconformado e cheio de esperanças:
inconformado no sentido de crer que a indignação também faz poesia, e que a sensibilidade transforma o
ser humano. Gabriele Mistral soube definir sutilmente a personalidade de Neruda quando escreveu que:

Viva donde viva y lance de la manera que sea su mensaje, el hecho de


contemplar y respetar en Pablo Neruda es el de la personalidad. Neruda significa
un hombre nuevo en la América, una sensibilidad con la cual abre otro capítulo
emocional americano. (MISTRAL, 1936)

E este envolvimento do poeta com a arte, contra as injustiças e as incertezas de uma época que
não apresenta muitas saídas, que nos remetem ao pensamento de Padre António Vieira, em quem “a minha
esperança não limita lugar nem elemento” (apud MENDES, 1972, p.5). Ou seja, Neruda não se envolveu
em ideologias políticas pela inescrupulosa sede de poder, mas sim por acreditar na mudança social e na
transformação do próprio ser humano. A poesia é uma denúncia, e o poeta é um delator, que não quer
cantar apenas versos “melosos”, com muitas vezes é definido por aqueles que não conhecem sua obra e
seu perfil (senão de modo superficial). Neruda cantou a vida, denunciou tudo e todos que eram contra ela,
como podemos perceber neste fragmento:

¿Preguntareis por qué su poesia no nos habla del sueño, de los hojos, de los
grandes volcanes de su país natal? Venid a ver lo sangre por las calles, venid a
ver lo sangre por las calles, venid a ver lo sangre por las calles! (España en el
corazón, p.24)

Mas esta agitação violenta, esta ira inconformada nas palavras do poeta não devem ser assimilados num
tom pejorativo porque a arma do poeta, intimamente Neruda, é a própria poesia; e tal como a arte, sua
intenção é provocar reações, sentimentos... É pôr em movimento o ser humano por completo com seu
sonhos, desejos, fantasias e ideologias, procurando sempre a sabedoria da valorização da vida.

Es claro que los enemigos de la poesía siempre pretendieron asestarle una


pedrada en un ojo o un golpe de garrote en la nuca. Lo hicieron en diversas
formas, como mariscales individuales, enemigos de la luz, o regimientos
burocráticos que con paso de ganso marcharon en contra de los poetas. Lograron
la desesperación de algunos, la decepción de otros, las tristes rectificaciones de
los menos. Pero la poesía siguió brotando como una fuente o manando como una
herida, […] La poesía acompañó a los agonizantes y restañó los dolores, condujo
a las victorias, acompañó a los solitarios, fue quemante como el fuego, ligera y
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fresca como la nieve, tuvo manos, dedos y puños, tuvo brotes como la primavera,
tuvo ojos como la ciudad de Granada, fue más veloz que los proyectiles dirigidos,
fue más fuerte que las fortalezas: echó raíces en el corazón del hombre
(NERUDA, 1979, p.163).

Refletindo melhor, o poeta, primeiramente, é transformado por sua própria poesia – e esta
transformação é tão imensa que ele deseja que aconteça por onde ele passe. Neruda, no fundo, não era
nem de esquerda nem de direita (apesar de seus flertes políticos ocasionais), mas na verdade era um
defensor da vida, da justiça e da paz, do direito de todos terem sua dignidade respeitada, enfim, um espírito
muito mais poético e humanista do que propriamente político.

He escrito “transitoriamente”, porque no existe poeta, por grande que sea su


compromiso con el mundo, que no vuelva pronto a sí mismo y busque, en las
vicisitudes del propio yo el fuego de su creación. Y esto también le aconteció a
Neruda. Sin embargo, ahí están, como insobornables testigos de sus combates
por la justicia del hombre, unos cuantos cientos de páginas comprometidas,
inexorablemente comprometidas. (PANERO, 1990)

Sua poética, porém, não se assentava num sentido utópico, mas no devir do sonhar realizante, da
luta real por uma sociedade mais justa e libertadora. Conseqüentemente, percebemos que o deslocamento
ideológico de Neruda centra-se numa posição para além das ideologias, transcendendo com sua poesia:

“Pec” y “Punto final”, que manchan juntos


Como va el explosivo con lamecha
Y se confunden en su mismo punto
Ultras de izquierda y ultras de derecha,
Duros de la derecha y de la izquierda,
Trabajna juntos en la misma brecha
Para que la victoria conseguida
Por un pueblo que lucha y que recuerda
(el cobre, el pueblo, la paz y la vida)
Todo lo manden ellos a al mierda
Y así están juntos en el mismo cielo
Los locos de derecha y los locuelos
(NERUDA, 1980, p.113)

Poeta ou Político? Ou um ser humano envolvido na luta do povo!


Neruda foi, acima de tudo, um POETA que cantou o amor, a luta, as idéias de liberdade e
igualdade, atravessando todas as fronteiras. Desta maneira, seria uma redução de pensamento se
classificássemos Pablo Neruda entre um pólo e outro, “político versus poeta”, pois:

Neruda foi o poeta que tocou o coração das pessoas, mas ainda apaixonado e
entusiasta político. Foi comunista ao miolo, mas não um fanático. Acreditava na
sua luta, acreditava que esta seria desembocada em um bem maior. Talvez se
enganava, a falência do comunismo real não era evidente como agora. Ele
acreditava neste caminho para um mundo melhor que haveria de trazer maior
justiça para todos; senão até de uma partilha de universal ternura. (GENISIO,
2004, p. 54-55)
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Neruda via no comunismo um caminho para a igualdade e a liberdade, mas se enganou,


principalmente quando ele percebeu os caminhos obscuros que esta ideologia estava tomando, ou seja, os
da esquerda estavam se transformando em seres tão cruéis quanto os da direita. Este radicalismo frenético
levou o poeta para uma profunda reflexão, pois, na essência ele não era um fanático político e sim um
homem que acreditava no verdadeiro Ser humano. É este o desabafo que ele faz em sua fascinante
autobiografia “Confesso que vivi”:

Quero viver em um mundo onde os seres sejam somente humanos, sem outros
títulos que este, sem aprisionar a mente com regras, com uma palavra, com
etiqueta. (apud GENISIO, 2004, p.54)

No livro Neruda por Skármeta, o autor faz uma introdução instigante sobre este enlace do poeta e
sua obra:

Não sei se foi um grande amante, mas sua poesia fez os casais se amarem. Não
sei se foi um grande político, mas semeou sua palavra em tempos de conflito e
com ela animou a esperança em luminosas cidades de justiça. (SKARMETA,
2005, p.11)

Neste sentido, Neruda não se declara um poeta político ou vice-versa, mas partilha a sua vivência, e
confessa que tudo o que ele viveu, como ser humano, refletiu em cada verso de sua poesia. Sentindo todo
esse vigor poético é que Genisio (2004, p.55) aponta, de forma sensível, que:

Neruda foi, sobretudo poeta, além de qualquer classificação política. Poeta dos
sentimentos, do amor, da sua terra, da luta, da simplicidade e da transparência da
alma humana. Poeta da ternura, como há sido mostrado em algumas cenas do
“Carteiro e o Poeta”.

Transfiguração Poética
Muitos lutam com armamentos e bombas, Neruda lutou com uma arma maior: a Poesia. Tanto na
Guerra Civil Espanhola com a España em el corazón quanto na guerra civil chilena com Incitação ao
Nixoncídio, o poeta dá seu testemunho libertário. Neste ultimo livro, aliás, ele faz uma introdução decisiva
explicando que: “A História tem provado a capacidade demolidora da poesia e dela faço uso sem nenhuma
cerimônia” (NERUDA, 1980, p.ix).
E esta preocupação diante da guerra, em relação ao povo inocente, aguçou ainda mais a sua
sensibilidade poética, a qual ele dispara cheio de indignação. Como a guerra civil espanhola já havia
provocado a sua poesia, na guerra civil chilena não foi diferente. Neruda retorna a escrever, a criar, a
delatar....e seus versos ainda são mais violentos. Perante toda a covardia burguesa ele declara em janeiro
de 1973:

Sou ferrenho adversário do terrorismo. Não só porque é quase sempre exercido


com irresponsável covardia e anônima crueldade, como também pelas suas
conseqüências, pois, como punhais voadores, voltam para ferir o povo inocente.
No entanto, as circunstancias de meu país, os atos terríveis que enlutaram às
vezes nossa paz política, chegaram-me à alma. (NERUDA, 1980, p.x).

Esta luta com as palavras fez de Neruda a voz mais alta da revolução chilena, e é interessante
ressaltar que ele foi laureado com o Prêmio Nobel por sua atitude poética, e não como político. Neste
sentido, devemos ter a clareza que Neruda foi sobretudo poeta, capaz de denunciar e se indignar perante
as atrocidades cometidas contra o povo, como nesta última poesia, particularmente, sobre o povo chileno:

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Só o que mata é a categoria


Que deixo fora do meu sentimento
Não levemos a pátria à agonia
Condenada ao sangue e lamento
E contra isso está minha poesia
Que vai por toda parte, como o vento.
(NERUDA, 1980, p.80)

REFERÊNCIAS
GENISIO, M. Verso una grande tenerezza in Città Nuova, n.17, 2004.
KAUFFER, R. Uma tragédia planejada in História Viva, Ano IV, n.46, 2007.
LOPES, R. Guerra Civil Espanhola in Aventuras da História – Especial “Grandes Guerras”, edição 11,
São Paulo: Abril, Maio de 2006.
MENDES, J. (org.) Padre António Vieira. Lisboa: Verbo, 1972.
MISTRAL, G. Recado sobre Pablo Neruda in Repertorio Americano, t. XXXI, San José de Costa Rica,
1936.
MORAES, V. História natural de Pablo Neruda. São Paulo: Companhia das Letras, 2006 (original: 1974).
NERUDA, P. Confesso que vivi. São Paulo: Círculo do Livro, 1983.
________. España en el corazón. Madrid: Fundación Miguel de Cervantes, 2006 (Reprodução do Original
de 1937
________. Incitação ao Nixoncídio e louvor da revolução chilena. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.
________. Para Nascer nasci. São Paulo: Difel, 1979.
________. Terceira Residência. Porto Alegre: LPM, 2004 (contém uma edição bilíngüe de “España en el
corazón”).
PANERO, M. Releyendo el canto general in Boletín de la Fundación Pablo Neruda, Otoño. Santiago del
Chile: BFPN, 1990.
SALAZAR, G. & PINTO, J. História contemporânea de Chile (5 volumes). Santiago: LOM, 1999.
SERRANO, S. Canto general, la conjunción de dos epifanías. Madrid: Centro Virtual Cervantes, 2007
SKÁRMETA, A. Neruda por Skármeta. São Paulo: Record, 2005.
SPINDEL, A. Socialismo. São Paulo: Círculo do Livro, 1993.
VILAR, P. A guerra da Espanha. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

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O REGIME DITATORIAL: MILITARISMO E REPRESSÃO

Ana Paula Such22

O MILITARISMO

Não existe instituição militar sem embasamento filosófico, moral, doutrinário e


metodológico. Não existe conflito sem razão de ser, sem antecedentes, e nunca
um país prevenido entrou numa guerra sem conhecer o inimigo, sem uma
doutrina operacional, adestramento, organização. Do contrário, seria a mesma
coisa que exercer a Medicina sem conhecer anatomia ou patologia, ou um juiz
sentenciar sem base na lei. (PEDROSA, 1998, p. 315)

Chama-se ditadura o regime autoritário de uma forma de organização política segundo a qual o
poder está centrado numa pessoa ou num pequeno número de pessoas que o exercem de maneira
absoluta.
Geralmente um regime ditatorial costuma ser o resultado de um processo de profunda convulsão
social, provocada por uma situação revolucionária ou por uma guerra, e se produz, normalmente, por meio
de um movimento militar contra as estruturas de poder anteriormente estabelecido, movimento que adota a
forma de golpe de Estado.
É a doutrina ou sistema que valoriza positivamente a guerra e atribui às forças armadas primazia no
Estado e na sociedade. Exalta uma função, a aplicação da violência e uma estrutura institucional: a
organização militar, o que implica por sua vez uma orientação política e uma relação de poder.
O Exército é quem decide, unilateralmente, o caráter das instituições básicas, a forma de governo,
os direitos e deveres dos cidadãos (escritos em “novas constituições”) e a parte dos recursos nacionais
destinados às funções militares. Algo parecido ocorreu no Chile de Pinochet, onde se dá um “novo código
de direitos e deveres nacionais” (Constituição de 1980) e destinam-se enormes somas monetárias (20% das
exportações de cobre) para sustentar não só a compra de equipamentos militares, como também, para
financiar o crescente aparato burocrático militar e as despesas do Estado Maior do Exército.

O Chile nasceu em 1810 como República unitária e teve desenvolvimento político


democrático paulatino desde 1833 até setembro de 1973 quando, em pleno
funcionamento das instituições e grande ativação partidária e social, teve lugar o
cruento golpe militar liderado por Pinochet. Este permaneceu no poder até março
de 1990, ao assumir o candidato recém-eleito, da coalizão de centro-esquerdo
"Concertação de Partidos pela Democracia". Tal aliança restaurou o histórico
papel de eixo das relações Estado-sociedade do sistema partidário, que já nos
anos 30 abrangia formações ideológicas e programáticas de amplo espectro e
bem definidas, sendo o centro ocupado desde os anos 60 até hoje pela
Democracia Cristã. A "Concertação", que ainda governa, empenhou-se na
manutenção da ordem econômica liberal, por um lado e, por outro, no
restabelecimento da democracia, obstaculizado porém pelas "amarras" deixadas
na Constituição autoritária de 1980 para impedir reformas institucionais de fundo.
(LABRA, 2001).

O militarismo começa quando as Forças Armadas acompanham suas reivindicações com ameaças
de sanções ou castigos, caso não sejam ouvidas.
Caso as pressões e chantagens tenham resultado, os militares entram no cenário político,
governando diretamente ou de forma velada. Os militares podem intervir sozinhos ou coadunados com
políticos, seguros por títulos civis. É o poder por trás das sombras. Deve-se levar ainda em conta que os

22 Professora de Literatura Portuguesa da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória.

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militares possuem vantagens sobre seus adversários civis: têm seguidores disciplinados, uma ampla rede
de comunicações e, além de tudo, armamento pesado. Com isto podem manipular eleições, intimidar os
oponentes, podem ocupar pontos estratégicos e ainda deter ou cometer assassinatos.
O que fora mencionado é aplicável nos países latino-americanos onde ocorreram fraudes eleitorais,
assassinatos políticos e desaparecimentos, não podendo deixar de serem mencionados ainda os chamados
“pronunciamentos militares” ou golpes de Estado. Podemos distinguir as intervenções esporádicas ou
constantes e os governos militares prolongados ou breves, nas quais as juntas militares assumem, com
freqüência, o poder com a promessa de que servirão apenas como custódia até que um poder legítimo
possa ser estabelecido, porém essas promessas não se cumprem. Para o Chile do século XX podemos
mencionar que as intervenções foram esporádicas (Ibáñez Del Campo nos anos 30 e Pinochet nos 70),
entretanto, os governos foram prolongados, em especial o de Pinochet, que permaneceu durante 17 anos.

As “novas” ditaduras militares surgidas na década de 1970, inclusive quando


eram só a reformulação de ditaduras já existentes (como no caso de Peru e
Brasil), não se distinguiram apenas por um grau muito maior de brutalidade contra
seus opositores do que as precedentes. Elas também correspondiam a uma
situação histórica nova, tanto no plano interno como no plano internacional.
(COGGIOLA, 2001p. 35)

Augusto Pinochet Ugarte protagonizou o golpe de Estado de 1973, apoiado pelos Estados Unidos.
Como novo chefe da junta de governo, limitou a atividade política e seu regime de repressão e autoritarismo
foi condenado pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 1977. Pinochet suspendeu
imediatamente a Constituição e dissolveu o Congresso, impôs uma restrita censura e proibiu todos os
partidos políticos. Lançou mão de uma forte campanha repressiva contra elementos esquerdistas do país.
Milhares de pessoas foram presas e centenas delas executadas ou torturadas; milhares de chilenos
exilaram-se, enquanto outros passaram longos anos na prisão ou foram dados como desaparecidos

O golpe de Pinochet se distinguiu por uma selvageria que, de saída, não perdoou
sequer representantes internacionalmente reconhecidos da cultura chilena, como
o cantautor Victor Lara,morto sob tortura, e por uma repressão de extrema
violência, da qual as arquibancadas do Estádio Nacional de Santiago de Chile
cheias de detidos políticos, muitos dos quais seriam fuzilados, ficaram como
símbolo mundial. (COGGIOLA, 2001, p.43)

A supremacia militar está relacionada diretamente às tradições nacionais de cada país. O Chile era
um desses países onde os líderes das forças armadas formavam uma classe de prestígio e respeitada, os
militares chegaram a ser considerados heróis nacionais durante o século XIX. Os primeiros presidentes
chilenos no século XIX foram militares de alta popularidade: José Joaquín Prieto, vitorioso general da
Guerra Civil de 1830 e, Manuel Bulnes, comandante das forças expedicionárias chilenas que derrotaram os
exércitos da Conferederação Peru-Bolívia. Nessas circunstâncias os militares desenvolveram um orgulho
corporativo e a confiança em si mesmos. Os militares chilenos, não só ganharam todas as guerras em que
lutaram como vangloriavam-se de terem sido os salvadores da pátria ao salvar o Chile das mãos do
marxismo leninismo e mais ainda do modelo econômico que implantaram em seu governo, hoje, em plena
vigência e que é mostrado como exemplo de estabilidade e desenvolvimento na América Latina.
Distante dos exércitos do século XIX, com seus oficiais pertencentes às classes oligárquicas, no
século XX o exército teve que ocupar, forçadamente e, cada vez em maior proporção, as classes sociais
média e baixa. Frente a essa nova situação o doutrinamento ideológico se fez necessário para educar o
novo corpo de oficiais. Assim, através de um ensino acadêmico radicalmente anti-comunista, formaram-se
as bases de uma atitude intervencionista em matéria política, bem como a aguda intensificação quanto aos
conhecimentos táticos, os quais materializariam a doutrina da segurança nacional.
A idéia tradicional era que o exército era o braço armado da nação para sua defesa diante de
inimigos externos que pusessem em risco a soberania da pátria, porém esse foco desvia-se do inimigo
exterior para o inimigo interno, a ameaça eminente. A implantação da Doutrina da Segurança Nacional foi
fruto do desenvolvimento de teorias elaboradas nos centros militares dos EUA e na Escola Superior de
Guerra do Brasil.

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O fato de que qualquer contestação social seja considerada crime, fez com que
se dissesse que o Chile transformou-se “em uma casa de correção para
delinqüentes políticos”. Entretanto, esse Estado autoritário, com suas nuanças de
cruzada antidemocrática ressente-se da ausência de um discurso ideológico
capaz de fundar um consenso ou ainda de mobilizar os cidadãos. É verdade que
uma “doutrina de segurança nacional” foi elaborada depois do golpe de Estado de
1973 e uma Academia de segurança nacional foi criada em 1974 pelos oficiais,
com professores civis, oriundos da direita da democracia-cristã, do partido
nacional e do grupo fascista “Patria y Libertad”. Mas a “doutrina” não tem nenhum
outro objetivo além de unificar as fileiras militares, fundamentar a posteriori e
estrategicamente a intervenção política do Exército evitando assim qualquer
agitação nas casernas. (ROUQUIÉ, 1984 p. 308)

Nas ditaduras da América-Latina teremos o progressivo desvio das Forças Armadas para as
funções de caráter policial: dessa forma o exército latino-americano passa a vigiar, controlar, perseguir,
pegar e castigar com tortura e morte qualquer pessoa que fosse tida como ameaça real ou em potencial.
Isso produziu uma militarização da polícia e uma homogeneização entra as funções militares e policiais.
A luta contra o inimigo interior fez com que se produzisse um relaxamento dos conceitos ético
militares, assumindo a tortura como método habitual e sistemático no campo da informação. Para localizar o
inimigo comum era preciso ter informações e estas conseguem-se a qualquer custo, dessa forma a
inteligência militar ou a guerra suja estabelece: "...la incorporación pragmática de la tortura como eficaz
método de información. La degradación moral que implica este método endurece y pervierte de tal modo la
conciencia de quienes lo practican que, muy pronto asumen como normal el que se torture brutalmente a
simples sospechosos, sobre la base de que si saben algo lo dirán, y si nada saben nada tendrán que
responder. Casos emblemáticos son la CNI y la DINA, en la dictadura de Pinochet.." (GARCÌA, 1995 p. 44)23
Dezenas de milhares de pessoas foram detidas, torturadas, assassinadas e desaparecidas ou
forçadas ao exílio, como parte do plano de extermínio das organizações guerrilheiras, as quais atentavam
contra a segurança nacional, mediante enfrentamentos armados. Essas ações de repressão ilegal
constituíam a chamada “guerra suja” e agravaram a situação de legitimidade e legalidade em que haviam
incorrido as Forças Armadas ao interromper a ordem constitucional. Até hoje o número exato de
desaparecidos durante o período de ditadura militar não foi estabelecido: os organismos de direitos
humanos estimam a quantidade de umas 30 000, cifras estas nunca aceitas pelos defensores da ditadura
militar que,inclusive, insistem em alguns casos isolados de supostos desaparecidos que retornaram à vida
pública.

A repressão selvagem – as prisões em massa no estádio de Santiago e as


execuções sumárias – institucionalizam-se pouco a pouco. As operações de
limpeza da “lepra vermelha” teriam feito de 30 000 a 50 000 vítimas, segundo as
estimativas realizadas durante o primeiro ano e 90 000 chilenos (em uma
população de aproximadamente de 9 milhões de habitantes) teriam sido detidos.
(ROUQUIÈ, 1984 p.306)

O REGIME MILITAR: A TORTURA E SUAS CICATRIZES

Em vinte anos de Regime Militar, este princípio foi ignorado pelas autoridades
brasileiras. A pesquisa revelou quase uma centena de modos diferentes de
tortura, mediante agressão física, pressão psicológica e utilização dos mais
variados instrumentos, aplicados aos presos políticos brasileiros. A

23 “(...) a incorporação pragmática da tortura como método eficaz de informação. A degradação moral que esse método
implica endurece e perverte de tal modo a consciência de quem o pratica que, rapidamente assumem como normal que
se torture brutalmente simples suspeitos, baseados que se sabem de algo o dirão, e se nada sabem nada terão que
responder. Casos emblemáticos são a CNI e a DINA, na ditadura de Pinochet." (GARCÌA, 1995p. 44)

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documentação processual recolhida revela com riqueza de detalhes essa ação


criminosa exercida sob auspício do Estado. (ARNS, 2003p.34)

Durante o período de Regime Ditatorial Militar, o Estado é que deteve o poder de impor, muitas
vezes, pela força, as normas de condutas que deveriam ser obedecidas por todos. “A tortura, como se vê,
transformar-se-ia em tema constante de todo aquele que tratasse da ditadura”. (FICO, 2003 apud
FERREIRA; DELGADO, 2003 p. 171) O Estado, como uma entidade política, deteve o monopólio
governamental pela coerção e passou a ser o centro nevrálgico de todas as atividades quer fossem sociais,
políticas, econômicas e culturais.
No Chile, a tradição democrática foi rompida pelo golpe militar de 11 de setembro de 1973, quando
o governo da Unidade Popular foi derrubado, após um período de acirramento dos conflitos entre as partes
que defendiam a transição para o socialismo e as que eram favoráveis ao capitalismo.

Constata-se, pois, que a geopolítica dos militares latino-americanos em geral visa


não somente a estabelecer os limites geográficos do Estado, mas trabalhar com
fronteiras ideológicas (Doutrina de Segurança Nacional), um tipo de fronteira que
não separa um Estado-Nação de outro Estado-Nação, mas uma parte do povo de
outra parte do povo, no interior de cada Nação. Ocupando posições estratégicas
no interior do Estado, os militarees estabelecem os limites e restringem a ação
civil. (BORGES, 2003 apud FERREIRA; DELGADO, 2003 p.17)

O regime do general Pinochet manteve-se por 16 anos. Até 1976 consolidou o poder de forma
pessoal pela repressão política. O período entre 1977 a 1981 foi marcado pela implantação de uma nova
política econômica.
Ao contrário dos outros países latino-americanos, o governo militar chileno conseguiu um certo
sucesso em sua política liberal, incorporando novos padrões de consumo a uma nova parcela da sociedade.
O poder mantido pelos militares impediu por muito tempo o aprofundamento de discussões em torno
da relação vítimas versus agressores.

Infelizmente, os militares não costumam escrever memórias. Talvez pelo caráter


reservado de seus conhecimentos que, pela ética militar, não lhes pertencem e
sim ao Estado, o que é um exagero de apreciação. Para a História, isso é
desastroso porque não revela ao cidadão as experiências mais fortes, a
hipocrisia da sociedade e as motivações dos homens quando se vêem diante de
um ajuste de contas, uma oportunidade de eliminar concorrentes, adversários e
desafetos, induzir posições políticas. Também não se mostra para a sociedade
como os quartéis evitaram pretendidas vinganças entre civis concorrentes e
violências políticas na sombra do movimento revolucionário. (PEDROSA, 1998
p.410)

Hoje há uma nova correlação de forças, mas a sociedade chilena é extremamente dividida em
relação ao tema, fazendo abrir ainda mais feridas nunca cicatrizadas.
O período em que se instaurou o regime militar pode ser, sem dúvida alguma, comparado ao terror
medieval instaurado pelos tribunais do Santo Oficio e seus métodos cruéis e bizarros de tortura.
A tortura passa dos limites, ela está além da barreira imaginária que se cria para definir o que é
normal na acepção da palavra. Mas para que essa linha imaginária possa ser percebida como tal, faz-se
necessário que se conheça o que está além dela. E é exatamente isso que acontece no caso da tortura. Ela
é bem conhecida pela consciência humana e é por essa razão que sempre que possível é ignorada. Caso
contrário teríamos que julgar, sempre, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer a partir dos dois lados
dessa linha. E isso nos enlouqueceria.
A tortura subverte a ordem estabelecida. A conexão entre dois seres humanos restringe-se ao
sofrimento, provocado por um e sofrido pelo outro. Dentro da hierarquia militar, que fez (e faz?) da tortura
uma ferramenta, ela concede mais poder àquele que tortura que ao seu superior por duas razões. Primeiro
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porque torturadores são efetivos, afinal de contas a tortura é efetiva. Segundo porque os torturadores são,
por um lado, protegidos e premiados por seus superiores, que querem garantir sua lealdade e eficiência.
Por outro lado, tortura e torturadores têm que ser desmentidos, para que a funcionalidade do sistema que é
considerado normal não seja colocada em risco. Dessa maneira, a tortura é uma faca de dois gumes, pois,
ao mesmo tempo em que se impõe através do medo, enfraquece não apenas a hierarquia militar, porque
cria privilégios extraordinários, mas também a política e a justiça, que tentam declarar a injustiça por justiça,
ou de negar simplesmente a verdade. Além do mais, a imprensa é também corrompida porque não
consegue denunciar publicamente aquilo que ela sabe que está acontecendo. A tortura, por fim,
desmoraliza toda uma sociedade.
A reação do regime militar contra a minoria ativa, que em geral era composta por estudantes,
intelectuais e professores universitários, era bastante rigorosa.
No Brasil, nos anos seguintes da promulgação do Ato Institucional número 5 (AI-5), a tortura
institucionalizou-se.

(...) do AI-5 até a liberação política, iniciada no governo Geisel, com a revogação
deste Ato. E nessa faz-se, principalmente durante o governo do presidente
Médici, que se vão conhecer mais profundamente os desatinos da comunidade
de segurança e informação do regime militar, na qual a tortura de presos era
prática usual. (BORGES, 2003 apud FERREIRA; DELGADO, 2003 p.22)

Ou ainda como Borges (2003, apud FERREIRA; DELGADO, 2003 p. 40) nos aponta: “ No período
subseqüente, sob a égide do AI-5 e com o general Médici na presidência da República, a dinâmica do
regime será a violência, mediante a articulação dos diversos aparatos repressivos disponíveis e a serviço do
terrorismo estatal.”
Oficiais brasileiros davam aulas de tortura nas escolas militares e a partir de 1973 foram enviados
especialistas em tortura ao Chile para ensinarem essa arte aos novos donos do poder local, pois segundo
BORGES (2003 apud FERREIRA; DELGADO, 2003 p. 29)

O terror é utilizado diretamente a fim de intimidar o inimigo (interno) e dissuadir os


indecisos. O uso sistemático dos órgãos de segurança e informações, através da
tortura, do assassinato, do desaparecimento de pessoas e de prisões arbitrarias,
é forma de guerra psicológica colocada em prática pelo Estado de Segurança
Nacional.

Basicamente o processo tinha seu início com o seqüestro relâmpago do “subversivo”, que durante o
caminho já levava socos, tapas, coronhada e telefones ( é normalmente desferido um golpe, pelas costas
com a mão em concha nos ouvidos da vítima, o que provoca simultaneamente desnorteamento e dores
fortes.). O processo de selvageria, propriamente dito tem início com um brutal espancamento, murros,
chutes no estomago, tapas, telefones, cacetadas nos joelhos e nos cotovelos, pisões nos rins. Depois, era
tirada a roupa do acusado e esse era amarrado no pau-de-arara (uma barra de ferro sobre dois cavaletes,
onde o preso, amarrado pelos pulsos e tornozelos, ficava dependurado; com o tempo, o corpo vai sendo
puxado para baixo causando doloríssima distensão dos braços e pernas), também eram aplicados
afogamentos (infiltração de água na boca e nas narinas através de mangueiras de borracha), choques
elétricos com descargas de 140 volts na cabeça, nos órgãos genitais e na língua.
Logo em seguida vinham os interrogatórios, com luzes e refletores, ameaças, pressões emocionais.
Tudo baseado num processo que visava desintegrar as faculdades mentais e a personalidade do preso, um
verdadeiro processo de enlouquecimento.
Outro instrumento utilizado era a “Câmara do Vietnã” ou “Paraíso” , hoje conhecida por “Geladeira”
entre os presos, era um cubículo de mais ou menos 2,00 X 1,0 metros, formado por paredes de um material
semelhante ao “eucatex”, totalmente escuro, este cubículo está dentro de um outro maior, de cimento. Lá
dentro intercalam-se silêncio total com sons eletrônicos altíssimos, como os de uma sirene fracionada,
utilizada pelas rádio- patrulhas. Dentro dessa câmara perdia-se completamente a noção do tempo. Sem
comer, sem beber, sem poder dormir, nem proteger os ouvidos, muito menos fazer qualquer necessidade

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fisiológica, sob o risco de ser obrigado a engolir qualquer coisa que expelisse, o preso passa a ter acessos
de delírios. Na seqüência passa-se à perda do controle das reações motoras.
Também era utilizada a chamada “Cadeira do Dragão”, cuja descrição, de acordo com o
depoimento de um torturado, conforme cita ARNS (2003 p.37 ) é:

“(...) o interrogado foi obrigado a se sentar em uma cadeira, tipo barbeiro, à qual
foi amarrado com correias revestidas de espumas, além de outras placas de
espuma que cobriam seu corpo; que amarraram seus dedos com fios elétricos,
dedos dos pés e mãos, iniciando-se, também, então uma série de choques
elétricos; que, ao mesmo tempo, outro torturador com um bastão elétrico dava
choques entre as pernas e pênis do interrogado;(...)”

Quem sobrevivia a essa etapa, ainda restava uma segunda, na qual o preso fica sentado em uma
cadeira cheia de fios elétricos que prendiam os pulsos. Essa cadeira localizava-se dentro de um triângulo
negro, dentro de uma sala completamente branca, cheia de luzes, dentro da qual o interrogador colocava-se
numa espécie de púlpito. Tudo cientificamente preparado para o mais completo aniquilamento físico e
mental do homem.
O processo traumatizante (ou "a demolição" do ser) comportava três etapas:
A primeira, e mais conhecida, tinha como alvo a destruição da pessoa, dos seus valores e
convicções; a segunda é uma experiência limite de desorganização da relação do sujeito consigo mesmo e
com o mundo, é a demolição propriamente dita, também conhecida como "esvaziamento narcisista", na qual
é usurpada a identidade e a história do sujeito; na terceira, abre-se a possibilidade de "resolução" da crise
dessa situação-limite perante a organização de uma conduta substitutiva em maior ou menor consonância
com os "valores" do torturador e daqueles que o comandam.
Um dos aspectos centrais da tortura é que ela constitui uma experiência extrema que produz
sempre marcas e que essas transformam o destino. O torturado apresenta-se como a testemunha
encarnada de uma ferida que concerne à humanidade inteira. Seu corpo ferido se oferece como símbolo,
como bandeira onde se inscreve o que nele foi atingido. Tal qual ocorria nos tribunais do Santo Oficio.

Se o acusado continuar a negar, multiplicará os interrogatórios e as


interrogações. E desta forma, ou o Acusado há-de confessar ou há-de dar
respostas diversas. Se der várias respostas diferentes, é o bastante para o
conduzir à tortura com o conselho e indicações de pessoas avisadas; aplicar-se-
lhe-á a tortura a fim de lhe tirar da boca toda a verdade.(EMÉRICO, 1972 p.42)

As artimanhas utilizadas pelos torturadores eram a mesma dos inquisidores. Da mesma forma, era
o proceder desde a prisão.

Os tribunais de Inquisição não seguiam ordem jurídica alguma e os processos


não obedeciam às formalidades do Direito. Estimulava-se a delação, que
formalizava a peça acusatória.(...) Mesmo quando a acusação intentada era
completamente desprovida de verdade, o inquisidor não era obrigado a apagar de
seu livro de registros processuais os dados referentes aos supostos hereges. Isso
porque, dizia-se “aquilo que não se descobre em certa altura, pode vir a
descobrir-se noutra”. (ARNS, 2003 p.288)

Assim, o clima de terror generalizado e a institucionalização da tortura traduzem-se, na


subjetividade, como perda do apoio social necessário ao funcionamento psíquico e com a interiorização do
terror.

No Chile, nas primeiras semanas depois do golpe de Pinochet, a tristemente


célebre “caravana da morte” – detenção sistemática de ativistas políticos
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destinados aos campos de concentração e ao assassinato – impôs torturas


indescritíveis e covardes a inúmeros opositores. Sob o regime de Pinochet
surgiria a figura do “desaparecido político”, o preso não–reconhecido submetido a
torturas piores que as da Inquisição, e posteriormente assassinado na
clandestinidade. (COGGIOLA, 2001 p. 52)

Esse processo, de uma violência inusitada em todos os níveis, deixa sempre as suas seqüelas. As
seqüelas somáticas mais freqüentes são: danos cefálicos, perda do conhecimento, infecções com
compromisso cefálico, cefaléias, neuralgias e mialgias, debilidade orgânica geral, com emagrecimento e
anorexia, cardialgias, dores estomacais e diarréias, dores generalizadas no corpo, cicatrizes, contusões,
hematomas, escoriações, problemas sexuais (impotência, esterilidade, afecções ginecológicas, etc.),
doenças respiratórias, fraturas e queimaduras várias, sofrendo o torturado, em geral, seqüelas crônicas por
mais de três anos.
É de assinalar que nem sempre é possível encontrar lesões físicas claramente vinculadas à tortura,
devido, principalmente, aos métodos utilizados, cada vez mais sofisticados, precisamente para "não deixar
provas". Contudo, deve-se ter em consideração que algumas lesões traumáticas podem produzir seqüelas
tardias, mesmo nas pessoas que não tinham nenhum problema de saúde prévio às torturas; cuidadosos
exames médicos podem ser necessários para despistar lesões escondidas por trás de outros
sintomas.Quanto às seqüelas psicológicas, são provocadas tanto pela situação da tortura (métodos
diversos, seqüências e períodos variáveis, associadas a outras circunstâncias traumáticas - tortura de outro
membro da família, violação, simulacros de fuzilamento, desaparecimento, exílio, etc.), pelos traumatismos
físicos e as suas seqüelas fisiológicas, como pelo refinamento das próprias torturas psicológicas utilizadas e
a significação social e política que fora dada a esses gravíssimos fatos, (a impunidade judicial dos
torturadores, a cumplicidade governamental e institucional, o silêncio da mídia, o esquecimento, a rejeição,
etc.).
As seqüelas mais freqüentes são: os problemas identitários, os processos dissociativos graves, os
comportamentos regressivos, os lutos não elaborados, a angústia crônica, a ansiedade e a depressão, a
insônia persistente, os pesadelos, a repetição, os transtornos neuróticos ou psicóticos, as alterações dos
hábitos alimentares, sexuais, etc., associadas à alta irritabilidade, com crises de clausura mais ou menos
graves, os sentimentos de culpabilidade e de vergonha, de perseguição e de dano permanente, a
incapacidade de trabalho e perda profissional, o isolamento, os transtornos da memória, da percepção e da
atenção (estado de alerta permanente), as dificuldades relacionais com o casal, a família, etc, são
assinaladas as freqüentes e crescentes dificuldades de inserção laboral.
A maioria desses traumatismos pode deixar seqüelas crônicas ou de aparecimento tardio, periódico
ou, surpreendentemente, muitos anos depois. Aqueles que foram torturados continuam e continuarão sendo
torturados, congelando a situação traumática como seqüela suplementar.
Uma outra consideração de importância se refere às seqüelas produzidas pela re-traumatização, ou
reativação das situações traumáticas vividas na tortura devido à impunidade dos torturadores, às leis de
anistia, à continuidade da repressão, à negação do reconhecimento social e jurídico dos danos sofridos.

CONSIDERAÇÔES FINAIS
O regime militar é um governo que, invocando o interesse público, exerce sua gestão sem levar em
conta as leis constitucionais de um país, pois, a constituição é uma das primeiras coisas a ser derrubada
pelo novo tipo de governo; não representa a vontade geral e não permite nenhuma oposição nem controle a
sua maneira de governar.
Diferencia-se dos regimes totalitários de governo porque a ditadura não tem uma ideologia
elaborada, não busca o apoio das massas. É um regime de governo “de fato” e não “de direito”, utiliza-se
das armas e da força para defendê-lo dos “inimigos” e impor sua vontade. Não respeita os direitos das
pessoas; a liberdade é castrada e os que a buscam pagam um preço muito alto. Todos devem fazer apenas
o que é permitido e nada mais. Toda e qualquer forma de manifestação é vista como um ato subversivo e,
por uma lógica muito particular, deve ser exemplarmente punido, ou torturado até que se confesse o que se
quer ouvir.
É um regime que deixa marcas não apenas pelo aspecto político, mas principalmente cicatrizes
físicas e psicológicas.

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REFERÊNCIAS
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COGGIOLA, O. Governos militares na América Latina. Contexto. São Paulo, 2001.
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FERREIRA, J. ; DELGADO, L. De A. N. (org) O Brasil republicano: O tempo da ditadura. Civilização
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GARCÍA. P. El drama de la autonomía militar. Editorial Alianza. Madrid 1995.
LABRA, M.E. Política e saúde no Chile e no Brasil. Contribuições para uma comparação. Ciênc. saúde
coletiva vol.6 no.2 Rio de Janeiro 2001. DISPONIVEL EM: http://www.scielo.br/scielo.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
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UREÑA, P.H. Las corrientes literarias en la América Hispânica. México- Buenos Aires. Fondo de Cultura
Econômica, 1946.

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THE CCR THEORY: A COGNITIVE STRATEGY RESEARCH: PROPOSAL FOR INDIVIDUAL


MULTILINGUALISM

Marcia Helena Boëchat Fernandes24

Introduction
Foreign language students highly motivated to learn a target language often complain that they
encounter many difficulties learning specific foreign languages. The language(s) pointed out as problematic
vary depending on the learner's sequence of foreign language learning experience and the underlying
learning processes involved. Eventually demotivated, these learners, who intended to succeed in learning
the target language, decide to give up by the end of the second semester of study.
The CCR Theory25 attempts to explain one of the reasons for the difficulties encountered by the
principles of the theory regarding individual multilingualism and of which multilingual learners should be
made aware of. Research findings were first developed in France where adults from several countres
(Cultural Diversity) converged to a highly qualified center to learn french (Linguistic Unity) as a foreign
language. Another research project concerning the CCR Theory carried out at brazilian universities where
there is Cultural Unity (brazilians) and Linguistic Diversity (brazilians learning different foreign languages)
confirmed similar results. The CCR theory has therefore validated from research findings of projects since
1997 that each new foreign language learning experience is linked involuntarily by the learner to one's
preceding foreign language learning experience in a chain-like domino-effect fashion and as multilingual
learners advance from intermediate to advanced levels of achievement in their target language studies, the
less they will involuntarily refer back to the preceding foreign language while learning the target language.
The results of a task performed by multilingual students, elaborated and administered to measure
the learner´s performance specifically within the first two semesters of target language study, identifies which
foreign language the learners refer mostly back to for occasional comparison or contrast of lexical and
grammatical similarities or differences with the target language.
If the preceding foreign language tends to hinder target language performance on account of
involuntary referral to the preceding foreign language, students could be instructed to adopt specific
cognitive and metacognitive strategies in order to make attempts to avoid undesirable cross-linguistic
interference. A survey could therefore be conducted with multilingual learners to identify strategies they
adopt to overcome their difficulties. A record of their target languages as well as their corresponding
preceding foreign languages would serve as further data for analysis.
Given that the population of interest, which also fits the description of methodological criteria
regarding the CCR Theory, are learners who have engaged in learning two, three or more foreign languages,
I would also find it most appropriate to propose a more specific nomenclature and code for each language
learning experience. In the literature of learning second and foreign languages, the abbreviation or code
mostly attributed has been L2 (second language)26 regardless of the number of languages learned or the
sequence of foreign language learning. As a unique language learning process, however, is involved in each
foreign language learning experience, the following codes would be more precise when referring to specific
language learning processes: L1 (native language); L2 (second language); FL1 (first foreign language);
FL2 (second foreign language); FL3 (third foreign language); FL4 (fourth foreign language) and so forth.

Attempts to explain foreign language learning difficulties


Contrastive Analysis (CA) and Error Analysis (EA) (cf. CORDER, 1981) were developed as attempts
to explain foreign language learning difficulties. Contrastive Analysis is the comparison of the linguistic
systems of two languages, developed and practised in the 1950's and 1960's and applied to Structural
Linguistics as far as language teaching is concerned. According to the based assumptions of Contrastive

24 Ph.D. In Linguistics at The University of Newcastle, Australia. Post-doctorate in Neuropsycholinguistics at Université


Stendhal Grenoble III, France; Professor at Universidade Federal do Paraná, Brazil.
25 The CCR Theory was developed during my post-doctorate study leave in a research project carried out at the Centre
Universitaire d’Etudes Françaises at Université Stendhal Grenoble III.

26 Second language learning (L2), for the purposes of this article, is referred to a language which is not a native one but
which is also used as a means of communication in a country. For instance, in Canada, english as well as french are
spoken.
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Analysis, language learning difficulties could be predicted and consequently teaching materials could be
designed to reduce the effects of cross-linguistic interference.
Interference was then replaced by other more adequate explanations for cross-linguistic learning
difficulties. Error analysis was developed as the study and analysis of the errors made by second and foreign
language learners, emerging as a reaction to CA. Error Analysis would be helpful in order to identify
strategies which learners use in language learning and to try to identify the causes of learners errors. There
is no trace of prediction in EA as there is in CA. In EA, there are empirical facts relating to or based on
experience and observation. The principles of the CCR Theory were developed basically through the
practice and the results of Error Analysis to find out how foreign languages are learned based on the
sequence of the learner's foreign language learning experience.

Errors as evidence of learning processes


Learning is a cognitive process because various mental processes are used in thinking,
remembering , perceiving, recognizing, classifying, etc. (cf. McLAUGHLIN 1987, ANDERSON 1983 and
1985, HAMPSON & MORRIS 1996).
As far as the CCR Theory is concerned, through the result of observed errors made by second and
foreign language learners this theory was brought to light and through error analysis the principles of such
cognitive theory were defined..
Many issues in language teaching can be solved with a clear understanding of the nature of second
and foreign language learning. The fields and studies of Multilingualism and Second Language Acquisition
research, for example, developed because of the interest in learners' errors as evidence of learning
processes. Initially, EA merely presented an alternative explanation for errors, but as research developed
throughout the 1970's a more rigorous methodology for the study of language acquisition developed. Error
analysis studies often focused primarily on describing the products of language learning in terms of error
types. The CCR Theory in the 1990's, focuses on tracing the cause of the learner's errors and by doing so,
explains in part the reason why certain students encounter difficulties learning certain foreign languages and
others do not.
The measurement device utilized to confirm and validate the claims of the CCR Theory aimed at
finding out whether the learner would involuntarily draw back on one's preceding foreign language while
learning the target language as in a chain-reaction domino-effect like fashion. Evidence of this reaction was
revealed by the errors committed in a recorded reading task of a text which the learner was instructed to
read with focus on meaning rather than on form. The criterion for error analysis, according to the CCR
Theory, was the analysis of the syllable stress given by students to keywords which were inserted in the text
written in the target language they were indicated to read.

The CCR Theory and Communication Strategy Styles


Students make use of communication strategies in order to fill the gap between their knowledge of
the target language and their communicative intent. These strategies may be classified under four macro
communication strategy styles: 1) non-linguistic strategies (mime and gesture); 2) cooperative strategies
(appeal for assistance); 3) L1 based strategies as interlingual or interference errors (code-switching,
borrowing, anglicising, literal translation, etc); 4) IL based strategies, intralingual or developmental errors
(additions: double-marking and regularization, overgeneralization or analogies, paraphrase, word coinage,
etc.). These are communication strategy styles which have been labeled by linguists such as Faerch and
Kasper 1983, Ellis 2000 and Tarone 1985,etc.
To the above list of communication strategy styles, I would add a fifth macro-strategy style based on
the CCR Theory in foreign language learning. Supported by evidence and labeled as Cognitive Chain
Reaction- based communication strategies or errors of chaining, the CCR theory is a cognitive theory which
infers sources of errors in error analysis based on previous experiences of foreign language learning. The
cause of errors may therefore also be traced by identifying one's preceding foreign or second language
learning experience and checking if there is any connection which may explain the target language learning
difficulties. Error correction treatment would most likely be more successful if we made attempts to do so.

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The CCR Theory and Language Learning Cognitive Strategies


According to learning strategy specialists (cf. O'MALLEY 1990; WENDEN & RUBIN 1987, BROWN
2006 etc.) successful language learners make use of cognitive and metacognitive learning strategies which
facilitate the storage retrieval and use of language. Wenden and Rubin 1987 classify cognitive strategies as
specific learning skills and that they are techniques learners use to process how to make the information in
their memory storage come back out on demand. This is all about what the learner does in the mind in
order to guarantee learning such as making visual and/or acoustic associations, instantiating something in a
context the learner is already familiar with or any cue which may guarantee storage retrieval.
On the other hand, metacognitive strategies are general and organizational strategies learners use in
order to plan and evaluate how they are doing in terms of progress. The learner steps back form the learning
about language (use of cognitive strategies) to the learning about learning (use of metacognitive strategies).
In other words, if the learner decides that what he is doing is not helpful, he will make conscious decisions to
adopt another metacognitve strategy that will. For example, on the list of these latter strategies revealed by
the learning strategy specialists mentioned above, there are the "advance organizers", those that skim over
and review material before going into the classroom; the one of "directed attention" and "selective attention"
when it is decided to ignore in advance irrelevant information; use of "self-monitoring strategies" by
correcting speech for accuracy or appropriateness; "self-management strategies" by asking themselves if
what they are doing is helpful or not and last but not least, "self-prescription strategies", i.e. if one thing does
not work then something else will and so forth. We are, therefore, creating opportunities to tap the learners'
conscious mental processes.

Conclusion
As for the CCR Theory, multilingual learners could adopt both cognitive and metacognitive
strategies in order to facilitate their target learning process. Many foreign language learners would not have
decided to give up learning certain foreign languages if research provided alternatives for coping with
multilingual matters. Despite the involuntary tendency to refer back to the preceding foreign language
learning experience which is not always the language which shares similarities with the target language (cf.
FERNANDES-BOECHAT & BRITO 2006), every foreign language learner should make conscious attempts
to turn to a language he has learned which shares at least some similarities with the target language for
occasional comparison and contrast of the lexical, morphological and syntactical systems. Although
unintentionally or involuntarily the learner refers back to the preceding foreign language during the first
stages of target language study, metacognitive strategies would help plan, monitor and evaluate their
progress. It would therefore be considered relevant to add Cognitive Chain Reaction- based learning
strategies to the lists of both cognitive and metacognitive learning strategies and propose research in this
area in order to provide alternative strategies for their target language learning limitations.

Bibliographical references:
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ANDERSON, J.R. Cognitive Psychology and its Implications. 2nd Edition. NY: W. H. Freeman &
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FERNANDES-BOËCHAT, M. H.; BRITO, K. S. A psico-tipologia e suas implicações no aprendizado de
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A REPRESENTAÇÃO DA IMAGEM PAPAL NO GÊNERO REPORTAGEM: UMA ANÁLISE DO


PROPÓSITO COMUNICATIVO E DA FORMA DO GÊNERO

Atílio Augustinho Matozzo27

Introdução
Ao fazermos uso da linguagem em nosso dia-a-dia, conseqüentemente fazemos uso dos gêneros,
pois nossos discursos se dão em forma de textos, centralizados e catalizados nos diversos gêneros que
produzimos, conscientemente, ou inconscientemente, isso é que nos permite a comunicação verbal, nesse
sentido percebemos que os gêneros servem como mediadores e organizadores de nossas atividades
sociais, eis a importância e a relevância de seu estudo de forma aprofundada e dialogizada, como faremos
aqui.
Sendo assim, neste trabalho nos propomos a realizar algumas discussões que cercam os estudos
dos gêneros, entre eles a definição bakhtiniana que marca a relação entre os gêneros e a sociedade,
mostrando a instabilidade do gênero que sempre acompanhará a evolução da sociedade. Desta forma,
discutiremos, num primeiro momento, a noção de gênero, desenvolvendo uma reflexão em torno do seu
conceito e do conceito de comunidade discursiva, mostrando pontos característicos da noção bakhtiniana
que completam, ou iniciam, as outras teorias.
Em seguida, apontaremos dois aspectos importantes que acompanham os gêneros, a forma e o
propósito comunicativo, nossa discussão gira em torno de um trabalho produzido por Marcuschi (2005),
apresentamos aqui a relevância desses dois pontos para a definição do gênero, bem como conceituamos o
gênero reportagem a partir da análise desses dois aspectos.
E, em um terceiro momento, realizaremos uma análise em torno da representação da imagem papal
no gênero reportagem, delineamos nossa análise a partir das teorias dos gêneros e do discurso, que se
entrecruzam na formação/produção de diversos textos que circulam socialmente e são uma representação
altamente social.

1 A noção de Gênero Textual


Iniciaremos este trabalho fazendo algumas discussões a respeito da teoria bakhtiniana sobre
Gêneros do Discurso/Textual. A primeira discussão que abordaremos em nossas formulações teóricas é
sobre a constituição de uma noção de gênero. Cabe aqui a celebre definição bakhtiniana de “tipos
relativamente estáveis de enunciados”, a qual, basicamente, desencadeia uma série de estudos a respeito
dos gêneros.
Assim, Bakhtin (1992, p. 262) afirma que:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos)


concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da
atividade humana. (...) Evidentemente, cada enunciado particular é individual,
mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso.
Destacamos desta definição um ponto importante, entre tantos, Bakhtin, ao afirmar que os
enunciados são relativamente estáveis, mostra que há uma incerteza em relação à estabilidade formal de
um enunciado, ou seja, o gênero não será sempre o mesmo, sofrerá mudanças, tanto estruturais como
funcionais. O que mais tarde ficará caracterizado, principalmente nos estudos de Marcuschi (2002), como
hibridismo. Podemos afirmar, então, que há uma evolução dos gêneros, acompanhando as evoluções
sociais, incorporado às necessidades de cada comunidade discursiva.
A segunda discussão centra-se na noção de gêneros primários e secundários. Bakhtin realça que é
importante atentarmos paras as diferenças entre ambos, não se tratando de uma diferença puramente

27
Docente da FAFIUV; Mestrando em Letras na UFPR; Coordenador do GenTE – GPELLP.

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funcional, mas de uma diferença que aborda a complexidade genérica, para ele os gêneros secundários
serão muito mais complexos que os primários (simples). Exemplificando, podemos citar o romance, este se
caracteriza como um gênero secundário, por sua alta complexidade (questões organizacionais e sociais).
Agora, uma carta dentro deste romance passa a ser um gênero primário, pois não tem o mesmo nível de
complexidade e é formada a partir de um contexto imediato de produção discursiva, ou seja, ela
simplesmente aparece dentro do romance, o leitor realiza a leitura e prossegue concentrado no enredo do
romance. Portanto, o que define os gêneros primários e secundários é a relação de simplicidade e
complexidade.
Podemos chegar, então, a partir dessas duas discussões a uma primeira conclusão: os gêneros
sempre estão em intrínseca relação com a sociedade, sendo assim, a sua produção está centrada nas
necessidades estabelecidas por esta, é desta forma que surgem os gêneros, a partir de produções
discursivas contextualizadas dentro das comunidades discursivas. Marcuschi (2006, p. 25) assim completa
a nossa primeira conclusão: “todas as nossas manifestações verbais mediante a língua se dão como textos
e não como elementos lingüísticos isolados. Esses textos são enunciados no plano das ações sociais
situadas e históricas”. Ou seja, são gêneros.
A nossa primeira conclusão nos leva a uma terceira discussão centrada nas relações sociais
representadas pelos gêneros. Carolyn Miller (1984) caracteriza, num primeiro momento, os gêneros como
uma forma de ação social, ou seja, o gênero está centralizado nas ações que fazemos diariamente, como ir
a padaria todos os dias, por exemplo, isso marca uma ação (uma forma) tipificada. Mais tarde em 1994, ela
revê sua teoria e caracteriza, também, o gênero com um artefato cultural, fundado nos conceitos
comunicativos que o abrange. A autora postula que os gêneros se dão em comunidades retóricas (para
Swales comunidades discursivas) e nelas há o empreendimento social.
Na esteira de Carolyn Miller, Charles Bazerman (1994) defende, também, a posição do gênero
enquanto ato social, indo mais a fundo, para ele os gêneros são sistemas de ações sociais baseados em
situações recorrentes. Como declarar o imposto de renda, por exemplo.
Bazerman (2006, p. 23) afirma que:

Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser.
São frames para a ação social. São ambientes para a aprendizagem. São os
lugares onde o sentido é construído. Os gêneros moldam os pensamentos que
formamos e as comunicações através das quais interagimos. Gêneros são os
lugares familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas
inteligíveis uns com os outros e são os modelos que utilizamos para explorar o
não-familiar.

Podemos perceber que a idéia central de Bazerman é a de que através dos gêneros praticamos
ações retóricas tipificadas (assim como em Miller) com intenções definidas, essas ações e intenções podem
ser vistas como atos de fala.
Caímos, assim, no campo da Nova Retórica, já que tanto Miller como Bazerman encaram os
gêneros como uma forma retórica tipificada de ação que, muitas vezes, foi convencionalizada. Voltemos a
exemplificar utilizando o exemplo anterior: quando vamos à padaria todos os dias e pedimos a mesma
coisa, acabamos de convencionalizar uma ação. Porém, isso poderá ser quebrado a qualquer momento. Aí
entra o gênero enquanto relativamente estável, pois não há, como apontado na citação de Bazerman, uma
forma padrão, mas sim uma convenção. Isto tudo vai desencadear um sistema de gêneros que estão
interligados através do propósito comunicativo.
Após essas discussões chegamos a uma noção bem específica de gênero como enunciados
situados no tempo, que representam uma dada ação (tipificada ou não) de linguagem realizada por um
dado indivíduo histórico-social, ou seja, discursivamente.

1.1 A comunidade discursiva: o espaço de produção e circulação dos gêneros


Sobre o conceito de comunidade discursiva Hemais e Biasi-Rodrigues (2005, p. 115) mostra que:

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A noção de comunidade discursiva é empregada em relação ao ensino de


produção de texto como uma atividade social, realizada por comunidades que
têm convenções específicas e para as quais o discurso faz parte de seu
comportamento social. Dentro desta visão o discurso mostra o conhecimento do
grupo. As convenções discursivas facilitam a iniciação de novos membros na
comunidade, ou seja, os novatos são estimulados a usar de forma apropriada as
convenções discursivas reconhecidas pela comunidade.

Como sabemos o gênero é produzido com finalidades específicas, bem como em locais específicos
entrelaçados a contextos também específicos, e é isso que os determinará enquanto tal. Os gêneros
circulam nas mais variadas comunidades discursivas (ou retóricas na visão de Carolyn Miller). Basicamente,
como percebemos acima, a comunidade discursiva é o espaço onde um grupo de sujeitos com interesses
em comum atuam enquanto agentes sociais, a diretoria de uma empresa, por exemplo, é uma comunidade,
e nela irão circular gêneros específicos, como: requerimento; memorando; circular; etc. Sabemos que esses
gêneros não pertencem apenas a esta comunidade (considerada como uma esfera privada de circulação),
mas em uma prefeitura os mesmos gêneros (memorando, requerimento e etc.) também irão circular (esfera
pública), porém nem sempre tem a mesma estrutura e mesmo propósito, sofrendo variações em cada uma
das comunidades, assim os gêneros, tanto da esfera pública como da privada, podem ter o mesmo nome,
mas muitas vezes não realizam a mesma ação.
Swales (1990) vai chamar a atenção para um detalhe importante, para ele os membros mais
experientes de uma comunidade discursiva manipulam os gêneros que ali circulam, ficando, então, a cargo
do membro menos experiente buscar orientações para que consiga utilizar, de forma correta e eficiente, os
gêneros pertencentes à sua comunidade discursiva.
Com tudo isso, pode-se pensar que os gêneros são categorias semi-prontas para o uso dentro das
comunidades, isso seria um erro, pois os gêneros são produzidos de acordo com as necessidades das
comunidades. Sobre isto Marcuschi (2006, p. 28) aponta que: “[...] pode-se dizer que os gêneros não pré-
existem como formas prontas e acabadas, para um investimento em situações reais, mas são categorias
operativas, instrumentos globais de ação social e cognitiva”.
Dentro desses habitats sociais em que se encontram os gêneros Güter Kress (2003) afirma que
caminhamos para uma mesclagem sem fim dos gêneros, assim criamos as formas híbridas, desta forma
podemos chegar ao ponto de não termos mais as formas puras dos gêneros. Muitos teóricos tratam essa
visão como uma forma de evolução apresentada pelos gêneros.
Marcuschi (2006, p. 29) apresenta uma visão mais centrada a respeito da mesclagem ou
hibridização: “a hibridização é a confluência de dois gêneros e este é o fato mais corriqueiro do dia-a-dia em
que passamos de um gênero a outro ou até mesmo inserimos um no outro seja na fala ou na escrita”. O
hibridismo ocorre dentro e fora das mais variadas comunidades discursivas. Esse fenômeno ganhou um
novo nome e uma nova visão a partir das teorias de Koch & Elias (2006)28 e Koch, Bentes & Cavalcante
29
(2007) que encaram essa transformação como relações intergêneros ou intergenericidade.
A circulação dos gêneros textuais mostra como a sociedade se organiza, pois como afirma
Marcuschi (2006) os gêneros são a manifestação mais visível do funcionamento social, envolvendo
crucialmente a linguagem.
Bazerman (2005, p. 31) mostra a função do gênero enquanto organizador das atividades sociais
desta forma:

Podemos chegar a uma compreensão mais profunda de gêneros se os


compreendermos como fenômenos de reconhecimento psicossocial que são
parte de processos de atividades socialmente organizadas. [...] (os gêneros) são
fatos sociais sobre tipos de atos de fala que as pessoas podem realizar e sobre
os modos como elas os realizam. Gêneros emergem nos processos sociais em
que as pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem para
coordenar atividades e compartilhar significados com vistas a seus propósitos
práticos. (grifos nossos).

28 KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos dos textos. São Paulo: Contexto, 2006.
29 ______; BENTES, A. C; CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade. São Paulo: Cortez, 2007.

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Percebemos, então, que não existe sociedade sem a organização dos gêneros textuais, e a todo o
momento estamos em contato com esses gêneros, seja para pagar a conta de luz, seja para prestar
declarações sobre um acidente de trânsito. A circulação e a produção dos gêneros estão intrinsecamente
ligadas aos fatores sociais que os cercam (ou seja, as ações que realizamos).

2 Entre a forma e propósito comunicativo: a definição do gênero reportagem


Iniciamos, neste ponto, nossa reflexão sobre a forma e propósito a partir de uma conferência
proferida no III SIGET (Simpósio Internacional de Estudos dos Gêneros Textuais) por Luiz Antônio
Marcuschi, no ano de 2005, na Universidade Federal de Santa Maria - RS, na qual ele discute, de forma
clara, sobre a importância do propósito e da forma, deixando em evidência a sua preferência pelo propósito.
O que faremos aqui é um diálogo com as teorias de Marcuschi, bem como de outros teóricos, na
busca da identificação, num primeiro momento do gênero propaganda a partir do seu propósito, num
segundo momento, faremos o mesmo com a forma, para daí chegarmos a uma conclusão sobre estes dois
pontos primordiais nos estudos dos gêneros.
Nosso material de análise é formado por três reportagens vinculadas à mídia impressa, duas do
suporte revista e uma do suporte jornal. Para questões de análise vamos nomear essas reportagens
esquematicamente desta forma: chamaremos de R1 a reportagem do Jornal Folha de S. Paulo, do dia 9 de
abril de 2005, escrita por Clovis Rossi, com o título: “Papa faz milagre de aproximar rivais”, esta servirá de
corpus na análise que faremos sobre o propósito comunicativo e a forma; de R2 a reportagem da Revista
Época, de 25 de Dezembro de 2006, edição número 449, escrita por Marcelo Musa Cavallari, intitulada “O
Evangelho segundo Bento XVI”; e R3 a reportagem retirada da Revista Veja, datada em 16 de maio de
2007, edição número 2008, produzida por Mario Sabino, intitulada “Bento XVI: a verdade, nada mais que a
verdade”. Estas duas reportagens servirão de corpus para as nossas análises em torno da constituição do
sujeito papa e sua imagem.
A escolha dessa material deu-se a partir da ideologia representada por cada um desses suportes,
ao fazermos a leitura notamos que seguem propósitos distintos, em R1 temos uma aproximação do
propósito apresentada por R3, pois seguem a mesma vertente ideológica, porém ambas apresentam
propósitos distintos se comparadas com R2.
Quando falamos em propósito comunicativo estamos nos referindo ao efeito que a ação da
produção do gênero quer causar, ou seja, qual é a intenção que temos ao produzir dado gênero, desta
forma sempre haverá um propósito por trás dele.
Sobre isso Swales (1990, p. 10)30 aponta que:

É o propósito comunicativo que conduz as atividades lingüísticas da comunidade


discursiva; é o propósito comunicativo que serve de critério prototípico para a
identidade do gênero e é o propósito comunicativo que opera como o
determinante primário da tarefa. (tradução nossa)

Vemos que é o propósito comunicativo que serve de organizador das ações a serem feitas com o
gênero dentro das comunidades discursivas, Swales comprova a importância do propósito, que serve,
também, como determinante da produção do gênero.
Em R1 encontramos dois propósitos, o primeiro é o de fazer um apanhado geral sobre o funeral do
Papa João Paulo II (doravante JP II), bem como o que ele representa(va) para os fiéis presentes na praça
de São Pedro, no nono parágrafo temos a seguinte colocação: “em toda a parte, escorrem lágrimas de
olhos fixos no caixão que vai cruzando a porta principal da basílica, adornada por um cortinado vermelho e
por um pano com a imagem da ascensão de Cristo aos céus”. Percebemos nesta colocação a presença do
propósito de narrar os fatos, mostrar ao leitor o que JP II representa(va) à população em geral, marcamos
aqui, então, a presença de um propósito definido: mostrar ao leitor como fora o funeral do papa.

30 Swales (1990, p. 10): “It is communicative purpose that drives the language actives of the discourse community; it is
communicative purpose that is prototypical criterion for genre identity, and it is communicative purpose that operates as
the primary determinant of task”.

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No primeiro parágrafo encontramos o seguinte: “os gritos de ‘santo, santo, santo’ certamente teriam
sido mais fortes se os fiéis tivessem visto o que os mais fanáticos tomariam por milagre: o aperto de mão
entre o presidente de Israel, Moshe Katsav, e o da Síria, Bashar Assad. Os países estão tecnicamente
ainda em guerra”. Já neste parágrafo de introdução da R1, percebemos outro propósito, o de mostrar o lado
político presente no funeral de JP II, os comentários sobre esse aperto de mão continuam até o quarto
parágrafo, delineando, assim, outro propósito: a relação política exercida pela morte do papa, bem como
pelo cargo que ocupara.
Podemos dizer que um propósito está sobreposto ao outro, pois a intenção inicial (narrar, contar,
como foi o funeral e o enterro de JP II) ficou escondida por trás de uma intenção política, anunciada,
inclusive no subtítulo da reportagem: “Presidente de Israel, Moshe Katsav, cumprimenta ditador sírio,
Bashar Assad, e presidente iraniano, Mahammad Khatami, no funeral”, com certeza a intenção política
é maior nesta reportagem. Isso fica comprovado nas fotos presentes na R1, nenhuma delas é do funeral,
mas sim dos políticos presentes e cumprimentos realizados. Diferentemente do que foi enunciado no
subtítulo do caderno especial da Folha: “A morte do papa”, que ficou como pano de fundo.
Com relação a forma, o que podemos perceber na R1 é uma colocação multimodal, transformando-
se assim em um gênero multimodalizado. Nas palavras de Dionísio (2006, p. 133) temos uma definição de
multimodalidade:

Se as ações sociais são fenômenos multimodais, conseqüentemente, os gêneros


textuais falados ou escritos são também multimodais porque, quando falamos ou
escrevemos um texto, estamos usando no mínimo dois modos de representação:
palavras e gestos, palavras e entonações, palavras e imagens, palavras
tipográficas, palavras e sorrisos, palavras e animações etc.

A utilização de fotos, além de outros recursos, facilitam a leitura da R1. No canto direito da folha
temos informações adicionais à reportagem (Vantagens e o que dizem os cardeais eleitores), mostrando um
recurso a mais utilizado na forma de apresentação da R1 pelo jornalista Clóvis Rossi.
Levando em consideração as palavras de Marcuschi (2005) que afirma que o propósito
comunicativo é realmente o definidor do gênero e o que realmente devemos levar em consideração. Temos
algumas considerações a fazer sobre essa, principalmente depois da análise realizada na R1: (i) ao
fazermos a leitura da reportagem percebemos, então, dois propósitos explícitos, o que dificulta ao leitor a
identificação do gênero, ou no mínimo o deixa confuso; (ii) a forma apresentada em R1 deixa mais clara a
identificação do gênero, ou seja, a formatação escolhida pelo jornalista representa um formato mais próximo
do conhecimento popular de reportagem, apresentando (do lado direito) informações adicionais, entre elas
uma pequena entrevista, temos, desta forma, uma relação híbrida (um gênero dentro do outro) o que acaba
ajudando a identificação do gênero reportagem; (iii) a presença da multimodalidade é uma constante no
gênero reportagem (é o que percebemos nas três que analisamos), a maioria trazem fotos, imagens,
gráficos etc., o que também facilita na identificação. Sendo assim, na R1, tanto a forma como o propósito
colaboraram para a identificação do gênero reportagem, pendendo a identificação mais para a forma.
Unido a afirmação de Marcuschi (2005) temos a afirmação de Bhatia (1993, p. 13)31 que diz:

Gênero é um evento comunicativo reconhecível caracterizado por um conjunto de


propósito(s) identificado(s) e mutuamente entendidos pelos membros da
comunidade profissional ou acadêmica na qual ele regularmente ocorre.
(tradução nossa).

Vemos aqui uma definição de gênero realizada por Bhatia, focalizando o propósito comunicativo.
Porém, não podemos, como vimos na análise feita na R1, fixarmos os olhares apenas em um dos pontos,
criando uma dicotomia entre eles, sabemos que muitas vezes um gênero só é identificado através de sua
forma (daí vem a idéia de protótipos de Swales), assim como sabemos que se não houvesse um propósito

31 Bhatia (1993, p. 13): genre is a recognizable communicative event characterized by a set of communicative
purpose(s) identified and mutually understood by members of professional or academic community in which it regularly
occurs.

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comunicativo não teríamos a produção do gênero, dessa forma, devemos levar em consideração os dois
pontos (forma e propósito) durante os (futuros) processos de análise de gêneros.

3 A representação da imagem papal no gênero reportagem


A partir de agora faremos um paralelo entre as teorias do gênero textual e da análise do discurso
(de linha francesa) na análise da R2 e R3, buscando apresentar a identificação da imagem do Papa Bento
XVI criada pela mídia dentro do gênero reportagem.
Nossa busca nestes materiais centrou-se, basicamente, na visão que os jornalistas têm de Bento
XVI, a análise que apresentaremos agora, destina-se em mostrar, ou compreender, como é construída uma
imagem e esta repassada ao público leitor.
Desta maneira, durante nossa observação notamos que os autores desses textos mostram
toda a sua ideologia, que muitas vezes, estão ligadas aos interesses do meio de comunicação ao qual estão
integrados (comunidades discursivas).
Sobre isso Orlandi (1999, p. 47 – 48) mostra que:

A ideologia não é ocultação, mas função da relação necessária entre linguagem e


mundo. Linguagem e mundo se refletem no sentido da refração, de efeito
imaginário de um sobre o outro. A ideologia não pode ser vista como um conjunto
de representações, ou como uma visão de mundo. Não há, aliás, realidade sem
ideologia. Enquanto prática significante, a ideologia aparece como efeito de
relação necessária do sujeito com a língua e com a história para que haja sentido.

Todo ato realizado a partir da linguagem apresenta essa relação ideológica. Desse modo, o
jornalista/repórter se apresenta como um sujeito constituído de uma ideologia, servindo de construtor
ideológico também, já que será responsável direto, durante a produção do gênero, pela opinião ali
expressa, assim, não podemos separar o sujeito de sua ideologia.
Segundo a teoria da alteridade de Bakhtin (1992) todo sujeito tem um caráter que é constituído
através do grupo social ao qual está inserido, a relação eu – outro, na qual receberá todas as influências
possíveis e é, também, nesta relação que surgirá a ideologia, bem como o dialogismo. A partir disso surge
uma relação na qual um sujeito agirá sobre o outro, fazendo um trabalho de (re)constituição, através da
ideologia ou não. É o que encontramos na R2 e R3.
De forma multimodalizada, a R2 começa apresentando a foto de Bento XVI ao lado de uma imagem
de Jesus, um breve texto explicativo, diz: “VOZ DO VATICANO: Bento XVI trabalha em sua mesa. O papa
resolveu dar sua opinião na polêmica contemporânea que cerca o Jesus histórico” (p. 83). Esta breve nota
explicativa, neste texto, tem um caráter discursivo que marca a presença da “maior” autoridade sobre o
assunto, através da metáfora (voz do Vaticano) Cavallari mede o peso das palavras do papa, que
representa a voz de todos os católicos quando o assunto é religião, marcando, assim, o seu respeito ao que
papa escreve/diz.
Apesar de nosso trabalho não estar relacionado diretamente à Semiótica, porém como trabalhamos
com a linguagem não há como deixarmos de lado a sua relação com a semiologia, verificamos que a
imagem, de Bento XVI e de Jesus estão concentradas no texto que o Papa está produzindo, isso mostra a
relação ideológica apresentada pelo jornalista, seria o mesmo que dizer: “O livro de Bento XVI é o único
correto, pois ele está sob a guarda/orientação de Jesus”, isso está marcado no olhar fixo que a imagem de
Jesus tem em relação a posição ocupada pelas folhas nas mãos de Bento XVI. Uma outra relação
imagética importante é posição da mão esquerda de Jesus, a qual parece abençoar o papa durante o tempo
em que trabalha na produção do livro.
Sobre isso Dionisio (2006, p. 131) afirma o seguinte:

Imagem e palavra mantêm uma relação cada vez mais próxima, cada vez mais
integrada. Com o advento de novas tecnologias, com muita facilidade se criam
novas imagens, novos layouts, bem como se divulgam tais criações para uma
ampla audiência.

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O título da R2: “O Evangelho segundo Bento XVI” chama a atenção do leitor, pois como sabemos,
cada discípulo de Jesus escreveu um Evangelho, logo somente faltava a voz de Deus na Terra escrever
um. O interessante é o subtítulo da reportagem: “O papa prepara um livro com sua versão sobre quem foi
realmente Jesus” (p. 83), percebemos que o repórter coloca o pronome sua, assim, coloca toda a
responsabilidade da produção da obra sobre Jesus na mão de um sujeito: o papa, ou seja, não é a versão
da Igreja Católica, mas de seu representante legal. Isso determina o sujeito o qual será o tema central da
reportagem, essa definição é típica da maioria das reportagens, pois segundo Kindermann (2005), esse
jogo apura as razões e os efeitos, abrindo um debate sobre os acontecimentos presentes no texto.
No primeiro parágrafo temos o seguinte enunciado: “JESUS É UM SUCESSO. HÁ ALGUNS ANOS,
FALAR DELE RENDE BONS LUCROS PARA EDITORAS DE LIVROS, REVISTAS, ESTUDIOS
CINEMATOGRÁFICOS E REDES DE TV. E NÃO É SÓ A FICÇÃO delirante de livros como O Código da
Vinci ou o uso da figura de Jesus em obras de auto-ajuda” (p. 84), notamos que o uso da caixa alta no texto
serve para chamar a atenção do leitor com relação aos grandes sucessos provocados pelo nome de Jesus,
isso caba minimizando o trabalho de Bento XVI como apenas uma busca pelo sucesso, já que ele foi alvo
de inúmeras críticas durante os primeiros meses de pontificado, ainda sendo marcado de perto pela
imagem de Joseph Ratzinger, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Santa Inquisição.
Juntando isso a imagem do lado esquerdo da folha introdutória da reportagem, podemos, com certeza,
verificar a imagem que Cavallari faz de Bento XVI: a imagem de um escritor de Best Sellers, porém este tem
a ajuda do personagem principal, isso é causado pela presença da multimodalidade, ou seja, o papa
escreve sob a tutela de Jesus.
A partir das primeiras indagações o texto segue para uma grande explicação sobre a vida de Jesus,
textos e obras que falam sobre ele, apresentando imagens com descrições e explicações, o que deixa a
reportagem mais interessante, sendo isso que abre o debate sobre o assunto, pois no decorrer dela o leitor
ficará integrando com o assunto abordado. Podemos, desta forma, segundo Kindermann (2005) chamar ou
classificar essa reportagem como Reportagem Retrospectiva, pois relembra inúmeros fatos históricos, bem
como aborda novos fatos, fazendo, assim, uma (re)constituição histórica. Porém, encontramos uma mescla
presente nesta reportagem, pois temos partes centradas em entrevistas, que ainda segundo Kindermann
(2005), será representado por um relato da experiência, pois o jornalista citará o que ouviu do papa e não
citará diretamente o que papa disse, fazendo, como na maioria das reportagens, uso do discurso indireto,
assumindo o controle do discurso do outro de forma heterogênea (este outro é o papa).
Foucault (1996, p. 8 – 9) assim afirma que:

Suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo


controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Nenhum discurso é livre, sendo controlado por um sujeito, ou pela sociedade, ou por determinados
aparelhos repressores, que muitas vezes ditam as normas para o proferimento de todo e qualquer discurso.
Dessa maneira Cavallari realiza uma imagem positiva de Bento XVI, buscando colocar sob a
responsabilidade do Papa a produção de uma obra que fale somente a verdade sobre a vida de Jesus, pois
este representa a voz do povo. Através do estilo apresentado pelo jornalista conseguimos, segundo Amossy
(2005) observar a imagem feita por ele sobre Bento XVI, neste caso, uma imagem positiva, constituída por
seu discurso heterogêneo.
Maingueneau (1997) afirma que a realidade heterogênea do discurso reflete-se nas palavras dos
enunciadores, fazendo, desta forma, uma relação com interior e o exterior do discurso para encontrarmos
as relações entre o funcionamento do nosso discurso com a materialidade por ele conduzido, assim,
chegamos ao discurso positivista do jornalista em R2.
Em contraposição a R2 temos a R3, que mostrará uma imagem não muito positiva de Bento XVI,
encarando-o ainda como o “velho” Joseph Ratzinger, com uma ideologia altamente política e centrada na
produção de uma imagem constituída a partir da visão do repórter.
Na primeira página da reportagem temos, ao lado esquerdo a imagem de Bento XVI, e ao lado
direito, escrito com letras garrafais o seu nome em cor cinza e em branco o título da reportagem: “A
VERDADE, NADA MAIS QUE A VERDADE” (p. 70), fazendo-nos lembrar do enunciado proferido diante de

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um juiz em um julgamento, no qual sempre devemos dizer a verdade sobre todos os efeitos, isso cria uma
relação polifônica dentro do gênero, fazendo com que o leitor ative frames sobre assunto, aliás, essa é uma
das características mais marcantes do gênero reportagem.
Na seqüência temos o texto introdutório, o qual mostra, de início, a visão sobre a qual o gênero está
calcado: “por mais que fotógrafos e câmeras de televisão tentassem o contrário, em sua busca por uma
imagem eloqüente ou tocante. A visita de Bento XVI ao país revelou aos brasileiros que o papa está longe
de seu antecessor, João Paulo II” (p. 71), notamos, então, aqui a ideologia apresentada pelo repórter, que
aponta JP II como o melhor papa (neste caso, melhor que Bento XVI), porém Ratzinger teve apenas dois
anos para criar uma nova imagem, assumindo outro cargo político, com um nível mais elevado de
responsabilidade e popularidade. Também não podemos deixar de lembrar que muitos, na sua maioria não
católicos, não sabiam do verdadeiro nome de João Paulo II, e ficaram sabendo apenas depois de sua
morte, bem como para outros tantos que conhecerão apenas Bento XVI como papa, desta forma, o
jornalista assume, aqui, publicamente a sua posição ideológica com relação aos papas, deixando claro a
sua preferência por JPII, principalmente quando comenta que: “Encurvado pelos 80 anos, com passos
rápidos como se quisesse fugir dos olhos que sobre ele fixavam, titubeante nos momentos de posicionar-se
ao lado de autoridades seculares, Bento XVI definitivamente não exerce – nem quer exercer – fascínio
pessoal. Basta-lhe a força do cargo”, como num comício eleitoral, Sabino, entoa um discurso de oposição
ao papa, justamente pela sua falta de carisma, repercutindo a imagem que ele faz de Ratzinger enquanto
papa, numa comparação, muitas vezes ilógica, com Wojtila.
Essa relação comparativa nos faz lembrar das palavras de Bakhtin (2004, p. 31) que faz a seguinte
observação sobre ideologia:

Todo corpo físico pode ser percebido como símbolo: é o caso, por exemplo, da
simbolização do princípio da inércia e de necessidade de natureza (determinismo)
por determinado objeto único. E toda imagem artístico-simbólica ocasionada por
objeto físico particular já é um produto ideológico. Converte-se, assim, em signo o
objeto físico, o qual, sem deixar de fazer parte da realidade material, passa a
refletir e a refratar, numa certa medida, uma outra realidade.
Sabino, ao criar a imagem negativa do papa, cria, também, uma ideologia centrada no ser físico que
surgiu antes de Ratzinger, nesse caso Karol Wojtila, que representa o papa ideal, para Sabino, mas e a
opinião dos leitores? Onde está a imparcialidade jornalística, se é que ela existe? Esse breve texto
introdutório da reportagem nos lembra muito um artigo de opinião, altamente ideológico, mas pela extensão
do texto percebemos que é, realmente, uma reportagem, ou seja, se observarmos R3 do ponto de vista do
propósito teremos o gênero artigo de opinião, por causa das duras críticas feitas ao papa, mas se
analisarmos pela ótica da forma, temos, com certeza, o gênero reportagem, por causa de sua extensão,
bem com dos demais recursos utilizados no decorrer do texto, como: imagens, retrospectivas, entrevistas,
etc. Isso coloca em xeque a teoria de Marcuschi (2005), pois ele afirma que é o propósito o definidor do
gênero, mas neste caso o que nos define o gênero é a forma, justamente o oposto que Marcuschi afirmou,
mas como definimos anteriormente, não podemos dicotomizar a forma do propósito comunicativo, mas sim
englobá-los na análise como duas formas definidoras do gênero.
Prosseguindo texto adentro encontramos inúmeros comentários sobre a preservação da moral pela
Igreja Católica por Bento XVI, quando Sabino afirma que: “a conservação da moralidade católica tornou-se,
desse modo, o único campo de afirmação da Igreja” (p. 72). As imagens presentes ao lado do texto
mostram a grandiosidade da fé do brasileiro, quando mais de cem mil pessoas foram recepcionar Bento
XVI. O embate sobre os princípios morais continuam no decorrer do texto, com essa linha una, o repórter
chega a conclusão que Bento XVI trouxe para o país uma única verdade: “ele não abrirá mão dos princípios
morais, o cerne da doutrina católica, para atrair um imenso contingente de ovelhas desgarradas. Prefere um
rebanho menor, mas seguidor dos mandamentos da Igreja” (p. 74), isso que embasa, então, o pensamento
do repórter no seu processo comparativo entre Bento XVI e JP II, bem como constitui a imagem que ele
passa ao leitor
A comprovação de que a visão de Sabino recaiu sobre Ratzinger e não Bento XVI, vale lembrar que
são dois sujeitos diferentes, pois são constituídos diferentemente, vive(ra)m realidades diferentes (o mesmo
aconteceu com Karol Wojtila/João Paulo II), vem quando ele utiliza o seguinte enunciado: “cite-se outra vez
uma fala do então cardeal Joseph Ratzinger, que já expressava a visão do futuro papa: ‘A Igreja diminuirá
de tamanho. Mas dessa provação sairá uma Igreja que terá extraído uma grande força do processo de
simplificação que atravessou, da capacidade renovada de olhar para dentro de si’” (p. 76). Isso nos mostra
uma visão de quem ainda vê o papa como cardeal durão que dirigiu a antiga Santa Inquisição.

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Sabino também explora o lado político do papa, principalmente através do uso de imagens, em uma
delas o papa está ao lado do presidente Lula, pedindo um acordo diplomático entre Brasil e seu pontificado.
Sabino fecha, em tom de ironia, sua reportagem dizendo que Bento XVI, gostemos ou não, é a
maior representação dos conceitos básicos da Igreja Católica, desempenhando um papel de mediador, ao
mesmo tempo repressor, das inovações religiosas.
Traçando um paralelo entre R2 e R3 percebemos grande diferença entre a visão imagética dos
jornalistas, conforme Amossy (2005) cada sujeito poderá criar uma imagem de si, os papas enquanto
sujeitos fizeram isso, porém, muitas vezes, não é a imagem que eles criam, mas a que nós criamos
enquanto leitores do mundo, numa percepção semiológica fazemos uso das imagens que nos são
apresentadas, desta forma damos uma característica pessoal a cada coisa, não foi diferente nas duas
reportagens, cada qual seguiu um dado diferenciado e uma maneira diversificada para conduzir o leitor na
apresentação de uma imagem e de uma opinião. De um lado temos um papa constituído em R2 como o
mais qualificado e realista para falar de um assunto que envolve religião, de outro, em R3, temos um papa
preocupado com sua imagem de “chefe”, que faz vistas grossas para a imagem de um papa bondoso, e
está mais preocupado com a imagem da Igreja, de um lado a ideologia menos marcada e constituída, de
outro a ideologia do repórter veio à tona durante o processo comparativo entre os papas. Percebemos,
assim, que os dois textos, apesar de pertencerem ao mesmo gênero, seguem tanto uma forma diferente
como um propósito, apresentando semelhanças na composição de imagens no decorrer do texto, que é um
dos novos recursos utilizados pela mídia impressa nos últimos anos segundo Dionísio (2006).
O que nos ajudou a definir e analisar esse gênero como sendo reportagens foi o trabalho
desenvolvido por Kindermann (2005, p. 130) que apresenta uma pequena tabela mostrando as diferenças
entre a reportagem e a notícia:

REPORTAGEM NOTÍCIA

Parte da notícia Exatidão

Apura as razões e efeitos Notícia antecipada e em seqüência

Abre debate sobre o acontecimento Cobertura de fatos

Desdobra Independente das intenções do jornalista

Retrancas O quê? Quem? Quando? Onde? Por quê? Como?

Abordagem de um tema sem ligação direta com o Registro dos fatos sem comentários e interpretações
dia da edição

Cobertura de um fato do dia

Matérias alencadas

Levantamento de um assunto pré-estabelecido

Pauta planejada

Não cuida de um fato ou uma série de fatos

Quadro 1 – comparativo entre reportagem e notícia, Kindermann (2005)

A partir desse quadro, conseguimos perceber a diferença existente entre notícia e a reportagem, no
decorrer de nossa análise notamos a presença da maioria dos fatos mostrados no quadro em relação à
reportagem, todas elas (R1, R2 e R3) partem de uma notícia, em R1 é a morte do papa, em R2 a
criação/produção de inúmeras obras sobre o Jesus histórico e, em R3, a abordagem da visita de Bento XVI
ao Brasil, todas apuram os fatos, principalmente no que tange a discussão sobre o assunto (debate)
apresentando subgêneros à reportagem, como entrevistas e comentários, todas discutem um tema sem a
ligação direta com o dia da edição, mostram fatos já ocorridos, porém sem muito distanciamento, etc.. Desta
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forma definimos, então, estes três textos, analisados, como reportagens, não somente pela forma, ou pelo
propósito comunicativo, mas pela relação dialógica que esses dois pontos exercem na constituição de um
gênero.

4 Considerações finais
Desenvolvemos neste trabalho uma reflexão em torno dos Gêneros Textuais/Discursivos, detendo-
nos nas discussões a cerca do propósito comunicativo e de forma, percebemos a partir dessas discussões
que ambos são imprescindíveis na(o) definição/conhecimento do gênero, pois ambos o constitui, pois
podemos ora encaramos o gênero constituído a partir de sua forma, como uma carta, ou um cheque, ora
pelo seu propósito, como o propósito centrado no uso do dinheiro, ou na escrita de uma carta. Ao
realizarmos essa discussão envolvemos outros embates que corroboraram no fortalecimento da teoria dos
gêneros, bem como o lugar que eles ocupam na sociedade, no que diz respeito à ação (na visão de Miller
(1994)).
Com relação à análise realizada sobre a representação da imagem do papa dentro do gênero
reportagem, chegamos a algumas conclusões, entre elas, a relação estabelecida entre a ideologia e o
discurso presente na reportagem, mostra dois lados puramente distintos, de um lado um papa responsável
pela integridade da Igreja, de outro ou papa altamente centrado no poder de seu cargo, que se vê como o
salvador dos católicos e o recriador da religião, percebemos, também, que o sujeito ao produzir o gênero
deixa transparecer sua subjetividade e se estilo, segundo Bakhtin (1992), como no caso da R3.
Concluímos, previamente, que os gêneros são uma representação dos atos sociais que envolvem
muito mais do que atos, envolvem discursos materializados e constituídos por sujeitos historicamente
situados, que através de uma forma e de um propósito comunicativo, produzem uma série de gêneros que
circulam socialmente, e ora são reconhecidos em suas comunidades pela forma e ora pelo propósito
comunicativo.

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O PAPEL DA GESTÃO ACADÊMICA COMO CONDIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DE


PONTENCIALIDADES DA UNIVERSIDADE

Elizabete de Fátima dos Santos Gomes Empinotti32

1 INTRODUÇÃO
Múltiplas são as funções de um sistema universitário, sendo complexo o seu funcionamento, seja
pela diversidade de inter-relações com os ambientes interno e externo, ou como elo aglutinador de uma
linguagem universal e globalizada: o conhecimento.
Baldridge et al. (1983, p. 20), “universidades são organizações complexas que têm objetivos,
sistemas hierárquicos e estruturas, diferenciados das demais organizações burocráticas”. Além de serem
aglutinadoras do saber produzido na humanidade, as universidades, ao mesmo tempo, têm a função básica
de promover a educação superior, na tridimensionalidade ensino, pesquisa e a extensão.
Neste contexto, a gestão estratégica visa desenvolver a capacidade estratégica da instituição,
analisando as competências essenciais e aptidões ou estilos estratégicos e serem capazes de transformar
investimento e tecnologia num recurso único de valor sustentável.
A exemplo das demais instituições de ensino superior, a Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências
e Letras de União da Vitória-PR (FAFI) também passa por uma série de questionamentos não apenas sobre
sua missão, mas principalmente por ser uma Instituição pública, indaga-se também no que se refere à sua
estrutura, organização e administração, assim como sobre a eficiência e qualidade do seu trabalho, seus
serviços, e a maneira como vem empregando os recursos oriundos da sociedade. Concebe-se que a
questão do desempenho na Gestão Acadêmica está vinculada ao conceito de planejamento estratégico,
sendo um esforço estruturado capaz de criar visões do estado futuro que se almeja, avaliando o estado em
que a organização se encontra no momento.

2 INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR, O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E A GESTÃO


ACADÊMICA
Baldridge et al. (1983) afirmam que as universidades, são um tipo único de organização, seus
processos e demandas são diferenciadas, as quais diferem de organizações industriais, órgãos
governamentais e empresas de serviços. Em seus estudos de Baldridge et al. (1983) destacam as
características centrais da universidade, onde com freqüência encontra-se ambigüidade de objetivos, com
uma clientela especial que tem voz ativa no processo decisório; tecnologia problemática – como atendem
clientes com características diversas, precisam possuir processos, métodos e tecnologias diversificadas
para atender as diferentes demandas; profissionalismo – por trabalhar com objetivos ambíguos, com
clientela especial e com tecnologia problemática, as universidades possuem corpo de pessoal que
desenvolvem funções não-rotinizáveis, o que demanda autonomia e lealdade, vulnerabilidade ambiental –
tais instituições situam-se num ponto de um continuum entre autonomia e pressão do ambiente externo, o
que pode afetar os processos organizacionais da gestão universitária.
Quanto a estrutura organizacional as instituições de ensino superior classificam-se de acordo com a
Lei 9394/1996 e o Decreto 3860/2001 do Ministério da Educação nas quais se destacam as universidades,
os centros acadêmicos, as faculdades integradas ou faculdades, e os institutos ou escolas superiores.
Meyer (1988) também concebe que as universidades são instituições com características atípicas,
pois, nelas a natureza política predomina nas decisões existindo uma estrutura fragmentada e
descentralizada em que as decisões são diluídas em órgãos colegiados, havendo dificuldade de se
mensurar os produtos resultantes da ação organizacional e há ausência de padrões de performance e
compromissos com resultado.
As Instituições de Ensino Superior, que são sistemas organizacionais complexos, com regras e
processos muito próprios. Nestas Instituições, a informação assume-se como acadêmica, administrativa,
docente e financeira, entre outras, representando diversas unidades orgânicas com necessidades
informacionais específicas.

32 Mestre em Educação pela UEPG e Chefe do Setor de Controle Acadêmico da Faculdade Estadual de Filosofia,
Ciências e Letras de União da Vitória-Pr.

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As organizações universitárias têm um papel fundamental na sociedade atual, pois, segundo Rebelo
(2004, p. 30):

Uma vez que preparam os profissionais que irão aplicar e lidar com as mudanças
necessárias à adaptação e à sobrevivência organizacional necessária frente aos
novos tempos e às novas demandas sociais. A organização universitária tem,
assim, o dever de se atualizar, de “fazer escola” no seu gênero, considerando o
seu caráter de formadora das classes dirigentes tanto no setor público quanto
empresarial.

A informação está em toda a parte e o conhecimento é a matéria-prima da gestão eficiente, uma


das tarefas mais críticas do quotidiano de uma Instituição de Ensino Superior é, pois, assegurar que a
comunidade acadêmica - alunos, docentes, administrativos e gestores - tenha acesso à informação
necessária, em tempo útil e de forma segura e eficiente.
Percebe-se que o ambiente onde as instituições desenvolvem seu processo de planejamento
mudou muito nos últimos anos. Assim, a atenção dos gestores se volta para realizar a façanha ímpar de
proporcionar novas formas de organizar o pensamento em uma época turbulenta e oferecer um norte
seguro para o mapeamento da estratégia em um ambiente geralmente instável.
O Planejamento Estratégico, se tornou o foco de atenção da alta administração nas organizações
de maneira geral e ainda se pode encontrar uma série de interpretações em relação a esta ferramenta da
administração.
A estratégia organizacional é a mobilização de todos os recursos no âmbito global da organização
visando atingir objetivos situados por muito tempo. Na realidade, a estratégia representa o comportamento
global da organização em relação ao seu ambiente. Ela representa a resposta organizacional à condições
ambientais que envolvem toda a organização. Como se trata de um comportamento molar e total, a
estratégia precisa ser implementada através de táticas organizacionais. A tática é um esquema específico
de emprego de alguns, dentro de uma estratégia geral. Cada tática exige planos operacionais para a sua
implementação. O desdobramento da estratégia em táticas e planos operacionais permite atender a dois
requisitos: o primeiro é a integração de todos os esforços em um só sistema de simultâneas ações
estratégicas, táticas e operacionais; o segundo é a filtragem e gradativa decomposição dos objetivos
estratégicos em uma multiplicidade de objetivos táticos e operacionais.
Assim, o planejamento estratégico volta-se para as medidas positivas que uma instituição poderá
tomar para enfrentar ameaças e aproveitar as oportunidades encontradas em seu ambiente. Afirma
Zaccarelli (1990), que empresas de todos os tipos estão chegando à conclusão de que essa atenção
sistemática à estratégia é uma atividade muito proveitosa e, é preciso tanto planejar quanto projetar o
futuro para tornar uma instituição bem-sucedida.
Assim, neste contexto concordamos com Marcovitch (1998) quando afirma que o futuro é o
referencial em Instituições de Ensino Superior, e é ele que deve orientar o plano diretor das mesmas,
inspirando ações de todas as unidades de ensino e pesquisa, pois, toda educação emana de imagens do
futuro e cria imagens nessa direção numa projeção contínua de um mundo melhor.
Alday (2002, p. 10) com referência a planejar e projetar o futuro de uma instituição afirma que:
“Requer-se líderes que dominem ambas as práticas. Enquanto projetar o futuro é um processo que envolve
decidir como agir com base no que está ocorrendo no ambiente imediato e no futuro próximo, planejar é a
tradução dessa decisão em ações gerenciáveis”.
Segundo Chiavenato (2001), a visão estratégica implica pensar e raciocinar em relação ao futuro,
destacando metas e objetivos a longo prazo. Trata-se de uma maneira diferente de ver partes internas e
externas do mercado onde se atua, a partir de uma visão do todo, uma visão holística, e não apenas das
partes integrantes, procurando coordenar ações futuras que solucionem problemas da instituição.
O planejamento estratégico é o resultado final de uma estratégia. Quanto maior a organização,
maior a necessidade de desenvolver uma estratégia organizacional que lhe dê unidade e consistência com
seus objetivos e propósitos.
A imagem que a organização tem a respeito de si mesma e do seu futuro corresponde à sua visão
estratégica. Toda organização deve ter uma visão adequada de si mesma, dos recursos de que dispõe, do

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tipo de relacionamento que deseja manter e de como irá atingir os seus objetivos organizacionais, das
oportunidades e desafios que deve enfrentar.
O planejamento estratégico é definido no nível institucional da organização em função dos destinos
que ela pretende seguir em seu futuro e em função do ambiente de operações em que se encontra.
A visão estratégica procura eliminar a improvisação, promovendo um processo de aprendizagem
contínua, buscando, desse modo, vantagens competitivas. Esse processo de aprendizagem permite
resultados essenciais ao negócio, tais como: melhor interpretação do ambiente em condição de turbulência;
um tempo de antecipação cada vez mais rápido e respostas cada vez mais ajustadas.
Assim, a estratégia organizacional constitui o meio através do qual, a organização procura atingir
seu objetivo da maneira mais eficaz possível. A estratégia está, portanto, preocupada com a eficácia da
organização como um todo.
A estratégia é decidida no nível institucional com diferentes graus de participação dos níveis
inferiores na sua elaboração e formulação. O levantamento de informações relevantes, necessárias e
precisas proporcionará novos conhecimentos, que auxiliarão de uma maneira mais adequada às visões e
ações estratégicas, objetivando projeções mais seguras dos cenários e ambientes futuros e assegurando
melhor posição no mercado.
A estratégia representa o comportamento global e motor da organização. Ela é eminentemente
sistêmica e envolve a totalidade da organização. Quanto à dimensão de espaço, a estratégia é ampla
envolvente.
A estratégia representa o comportamento da organização em seu meio ambiente. Constituí uma
resposta organizacional às ambientais, uma maneira de lidar com as oportunidades e com as ameaças do
ambiente.
Segundo Ansoff e Mcdonnell (1993, p. 75) estratégia é:

Estratégia é uma ferramenta potencialmente muito poderosa para lidar com as


condições de mudança [...]. A estratégia é uma ferramenta que oferece
importante ajuda para lidar com a turbulência enfrentada pelas empresas, a perda
de relevância sentida pelas universidades, a deterioração de organismos de
cumprimento da lei, o declínio de sistemas de apoio à saúde, o congestionamento
urbano. Portanto, merece atenção como uma ferramenta de gestão, não apenas
para a empresa com o também para uma ampla gama de organizações sociais.

Os processos de planejamento vem sendo adotados cada vez de forma mais intensiva nas
universidades, por verem nesse instrumento a possibilidade de melhor cumprirem sua missão. A missão é a
razão de ser de cada Instituição, delimitando seu campo de atuação e conforme ressalta Almeida (2001), a
missão estratégica busca definir o lugar, imagem e atitude que a Instituição deve ter perante o mercado.
O uso do Planejamento Estratégico para fins organizacionais teve início nas primeiras décadas do
século XX. De acordo com Silva (2000) foram as seguintes etapas que marcaram seu início: a) surgimento
acadêmico nos anos 20; b) crescimento no setor privado nos anos 70; c) apogeu e declínio no setor privado
nos anos 80; e, d) utilização pelo setor público nos anos 80, e sua revalorização nos anos 90.
O Planejamento Estratégico deve ser assumido pelos gestores da organização para ser bem
implantado, porém ele não é uma caixa de mágicas, nem um amontoado de técnicas, e não opera com
decisões futuras, mas com o que há de futuro nas decisões atuais. Nas universidades encontramos a
Gestão Estratégica, a Gestão Administrativa e a Gestão Acadêmica. A Gestão Estratégica é desenvolvida
pelo Conselho Universitário em conjunto com o Reitor ou Diretor da faculdade, sendo que o Conselho
Universitário define os objetivos estratégicos com base nas propostas apresentadas pelo Reitor. Na Gestão
Administrativa os esforços e recursos estão voltados para atividades que possibilitem o funcionamento geral
da Instituição, ou seja, referente aos aspectos financeiros, patrimoniais, administrativos e outros.
A universidade é complexa e com múltiplos fins, assim concordamos com Trigueiro (1994 apud
BUNDT, 2000, p. 12) quando afirma:

A instituição universitária consiste numa organização multifinalista, isto é, realiza


vários produtos, sendo os seus principais a formação de recursos humanos, a
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produção de conhecimento (artísticos e científicos) e a prestação de serviços


para diferentes setores da sociedade [...]. Por outro lado, como se trata de uma
organização multifinalista, dever-se-á ter o cuidado de não se cair em abordagens
reducionistas, que enfatizam unicamente a difícil gestão do processo educacional
[...], em detrimento de outras atividades e produções da vida universitária. Em
suma, questões de qualidade e de magnitude numa universidade, não se limitam
ao âmbito acadêmico, tampouco pedagógico, transcendendo-os
consideravelmente.

Marcovitch (1998), afirma que muitas vezes se confunde administração com burocracia em
instituições de ensino superior. Para esse autor há uma tendência de confundir procedimentos gerenciais e
procedimentos autoritários, burocratizantes e inibidores da vontade de atender a anseios justos. Assim, é
preciso planejar, definir metas e objetivos, distribuir responsabilidades e executar o que foi planejado.
Até pouco tempo, as IES investiam pouco no planejamento do seu futuro, sendo considerado pouco
essencial na administração universitária “tendo sua ação limitada a ações de curto prazo, de modo reativo,
fruto de situações momentâneas, sem considerar uma análise mais profunda do ambiente externo no
sentido de considerar as expectativas da comunidade” (REBELO, 2004, p. 55).
Neste contexto, o planejamento estratégico, se constitui num importante instrumento de gestão que
deve visar desenvolver a capacidade estratégica da instituição, analisando as competências essenciais, e
serem capazes de transformar investimento e tecnologia num recurso único de valor sustentável.
Porém, percebe-se analisando a história das IES que o planejamento e a gestão estratégica nem
sempre fizeram parte de sua história. Rebelo (2004, p. 65) afirma que em instituições públicas de ensino
superior essas atividades “são incipientes e que a experiência acumulada é muito restrita, limitada e carece
de sistematização”.
Acreditamos que por força da legislação essa situação está sendo modificada, pois, com a edição
da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, que estabelece a Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (SINAES), o Ministério da Educação iniciou um processo de revisão das atribuições e
competências da Secretaria de Educação Superior – SESu, da Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica – SETEC, do Conselho Nacional de Educação – CNE e do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisa Educacionais – INEP, objetivando consolidar o trabalho realizado e conferir maior eficiência e
eficácia aos dispositivos contidos na Lei nº 9.394/96.
Assim, constatou-se a necessidade de introduzir, como parte integrante do processo avaliativo das
Instituições de Ensino Superior, o seu planejamento estratégico, sintetizado no que se convencionou
denominar de Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI. Para dar continuidade a sua missão
institucional das IES este Plano de Desenvolvimento Institucional, contempla políticas, estratégias e metas
de ação com vistos a tranqüilidade do fazer cotidiano, uma vez que se pode, a partir do plano, agir com
segurança, efetividade e tranqüilidade.

3 A GESTÃO ACADÊMICA DA FAFI


Ao longo dos 47 anos de sua existência a FAFI construiu, num esforço conjunto, a consolidação do
ensino superior na região. Para implementar estratégias de ação os gestores buscam no diagnóstico da
realidade institucional, levando em consideração as transformações da comunidade local, regional e o
cenário da sociedade brasileira e do mundo globalizado.
Pela própria dinâmica das mudanças desse mundo, pela rapidez com que ocorrem os avanços
tecnológicos e a fluidez de informações, a FAFI acreditando na utopia, no trabalho e tendo a coragem de se
imiscuir numa nova realidade, indica através de seu PDI os passos que deve dar para aproximar-se do ideal
institucional. O PDI representa um indispensável instrumento político-pedagógico e de políticas
administrativas nas mãos da administração da FAFI, como audição necessária à formação de intelectuais
comprometidos com a transformação e humanização das relações sociais, com a liberdade e justiça social.
A gestão dos processos no Setor de Controle Acadêmico, ao longo de seus 47 anos de existência,
passou por diversas fases, onde percebe-se que a falta de planejamento e estratégias no início de seu
caminhar, fez com que muitas das informações de seus processos fossem esquecidos e perdidos com o
tempo.

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O Setor de Controle Acadêmico (SCA) está informatizado desde o ano de 1987, tendo sido a
informatização um processo lento e gradativo, sendo a FAFI umas das primeiras instituições de ensino a
emitir históricos nesse sistema no Estado do Paraná.
Assim, a FAFI em face da revolução tecnológica, como qualquer outra organização do nosso tempo,
não pode ignorá-la e deixar de aproveitar todos os seus benefícios e o SCA como centro crítico e
questionador por natureza, não poderia deixar de ser um usuário incondicional da tecnologia, que por muito
tempo foi considerada como mero suporte à organização, ou seja, custos que a princípio não geravam
muito retorno para a instituição.
Com a redução dos custos dos computadores e a facilidade do uso dos mesmos, o SCA passou a
dispor de uma infra-estrutura de tecnologia da informação cada vez mais completa e complexa, melhorando
seus processos. O sistema desenvolvido exclusivamente para essa Instituição é aberto, com capacidade de
coletar, armazenar, processar e acessar dados e informações, possibilitando alterações para a melhoria e
tratamento de dados. O uso da tecnologia apropriada, ou seja, aquela que não é mais complexa que o
necessário, traz inúmeros benefícios às organizações orientadas para a informação, que necessitam
equilibrar a aplicação de recursos, investindo em processos organizacionais relativos à informação.
Não há com o desprezar o papel das IES na constituição de uma sociedade melhor, assim, é
necessário repensar essa organização que deve estar comprometida com a transformação social,
utilizando-se dos recursos da tecnologia, mas não esquecendo da importância das pessoas no
planejamento e gestão estratégicas. Concordamos com Meyer (1991) citado por Rebelo (2004, p. 60)
quando afirma:

Cabe lembrar que as instituições universitárias são organizações cuja produção


está calcada no trabalho humano, diferentemente de outras organizações cujo
trabalho caracteriza-se por produção em série, rotinizada e automatizada. Assim,
nas instituições universitárias não se planejam coisas mas sim indivíduos, estes
com valores, percepções, necessidades e expectativas. [...] Talvez o segredo do
planejamento bem sucedido é saber combinar o tecnicismo dos modelos e o
humanismo presente em cada ser humano.

Neste contexto, a gestão acadêmica que representa o conjunto de decisões, direcionamentos e


diretrizes adotadas pelo gestor acadêmico visando à contínua melhoria dos processos dentro da Instituição,
não pode esquecer das pessoas, que em toda a sua complexidade, são recursos essenciais incluindo toda
a sua história e sua carga emocional, e não apenas como ocupante de um cargo vago, com as qualidades
exigidas por ele. Portanto, a vida das pessoas deve ser considerada porque é indissociável de sua vida
como integrante de uma organização.
Neste contexto quando os funcionários se tornam competentes, o know-how se reflete em toda a
Instituição e na administração da transformação e da mudança, assim, também os gestores acadêmicos
tornam-se agentes quando realizam mudanças em forma de iniciativa com foco na implementação de novos
programas, projetos ou procedimentos, reunindo forças para desenvolver e implantar eficazmente
intervenções específicas na gestão.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo geral analisar a prática de planejamento estratégico e gestão
estratégica em Instituições de Ensino Superior enfocando a FAFI de União da Vitória- Pr, para tanto,
estabeleceu uma referência conceitual sobre a importância da educação, planejamento e gestão
estratégica.
Conforme o Relatório da UNESCO (DELORS, 1999) para educação do século XXI, a complexidade
dessa instituição denominada Universidade está relacionada aos vários papéis que ela desenvolve, dentre
os quais se destaca: ser o lugar onde se aprende e fonte de saber; acompanhar a evolução do mercado de
trabalho; ser o lugar de cultura e de estudo aberto a todos; ser o lugar onde se produz e se socializa o
conhecimento.
Para a condução das Instituições de Ensino Superior com tamanha complexidade, se faz necessário
planejar e administrar estrategicamente. Nesse cenário, em função dos papéis desempenhados, os
gestores precisam estar no centro do processo de mudança, participando ativamente como geradores de

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Instituições competentes no seu fazer, em estreita relação com o meio-ambiente onde está situada,
entendendo que planejamento estratégico é muito mais que uma metodologia. Para tanto, é interessante
que utilizem processos de gestão mais interativos, que permitam agir de forma analítica e diagnóstica a
partir de uma visão estratégica e empreendedora, que possa auxiliar na tomada de decisão, implicando uma
nova postura organizacional, ou seja, um exercício intelectual que combina criatividade e racionalidade,
requerendo visão e liderança, implicando também na forma de trabalhar com pessoas.
As considerações feitas neste estudo não tiveram a pretensão de aprofundar o assunto no que diz
respeito às ferramentas que podem auxiliar no processo de gestão, mas apontar alguns aspectos relevantes
em relação à sua utilização. Deseja-se, aqui, ressaltar que os seus resultados só poderão ser maximizados
se tais ferramentas forem utilizadas de forma compatível com a realidade da Instituição, considerando as
características de sua estrutura, processos e cultura.

5 REFERENCIAS
ALMEIDA, P. E. A universidade como núcleo de inteligência estratégica. In: MEYER JR., V.; MURPHY, J. P.
Dinossauros, gazelas e tigres: novas abordagens da administração universitária. Florianópolis: Insular,
2000.
ANSOFF, H. I.; MCDONNELL, E. J. Implantando a administração estratégica. Trad. De Antonio Zoratto
Sanvicente, Guilher Ary Plonky, 2. ed. –São Paulo: Atlas, 1993.
ALDAY, H. E. C. Estratégias Empresariais. Economia empresarial / Fae Business School. (Coleção
gestão empresarial, 1) Curitiba: 2002.
BALDRIDGE, J. V. et al. Policy making and effective leadership. San Francisco: Jossey-Bass Publishers,
1983.
BUNDT, C. F. da C. Universidade: mudanças e estratégias de ação. 2000. Dissertação (Mestrado em
Administração) - Centro Sócio-Econômico - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
CHIAVENATTO, I. Introdução à teoria geral da administração. 2.ed. – Rio de Janeiro: Campus 1999.
DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
MARCOVITCH, J. A universidade (im)possível. São Paulo: Futura, 1998
MEYER JR., V. Considerações sobre o planejamento estratégico na universidade. In: FINGER, A. P. (Org.).
Universidade: organização, planejamento, gestão. Florianópolis: UFSC/CPGA/NUPEAU, 1988.
MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O processo da estratégia. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
REBELO. L.M.B. A dinâmica do processo de formação de estratégias de gestão em Universidade: a
perspectiva da teoria da complexidade. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis. 2004.
SILVA, D. J. O tao da estratégia: uma perspectiva dialógica para o planejamento estratégico da
sustentabilidade. Florianópolis, 2000. Apostila.
ZACCARELLI, S. B. Administração estratégica da produção. São Paulo: Atlas, 1990.

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METODOLOGIAS ALTERNATIVAS PARA O ENSINO SUPERIOR: APLICAÇÃO DE MÉTODOS


ESPECÍFICOS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA NUCLEAR

Marco Aurélio Bittencourt 33


Sirlei Terezinha Bittencourt 34 – Orientadora

1. INTRODUÇÃO
O professor de ensino superior é a principal ferramenta entre o processo de ensino-aprendizagem.
Deve ser o mediador do conhecimento e formador de opiniões. Tem sob sua responsabilidade várias
mentes que logo estarão inseridos no mercado de trabalho e que podem transformar o mundo em que
vivemos.
Esta pesquisa limita-se a uma análise e sugestão de um novo re-significado do ensino de química
na Instituição de Ensino Superior: Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras no Estado do Paraná,
particularmente no colegiado de química, com o uso de Metodologias alternativas na disciplina de química
nuclear, prevista no 4º ano da graduação em Licenciatura em Química. O foco dado para a metodologia
utilizada em sala de aula, através de métodos específicos que podem auxiliar o docente na melhoria de
suas aulas, repercutindo em um melhor processo de ensino-aprendizagem universitário. Portanto, cabe aos
educadores compilarem as informações aqui apresentadas no intuito de refletir sobre suas práticas
pedagógicas e métodos de ensino, para o ensino superior de química ou áreas afins.

2. ASSUNTOS ABORDADOS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA NUCLEAR


Os assuntos que foram lecionados durante o primeiro semestre de 2007 na Instituição FAFIUV, para
as turmas do 4º ano, foram: a radioatividade (histórico, conceitos, classificações, emissões); reações
nucleares (fissão nuclear, fusão nuclear, bombas atômicas e transmutação); Os acadêmicos realizaram
várias atividades propostas por este pesquisador com relação à absorção de conhecimentos e mediação
das informações que lhe eram fornecidas. Os resultados positivos foram colhidos na avaliação teórica e
posteriormente, em uma pesquisa individual dos acadêmicos, em relação à metodologia aplicada no I
semestre de 2007, que será demonstrada na análise dos resultados desta pesquisa adiante.

3. APLICAÇÃO DE MÉTODOS ESPECÍFICOS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA NUCLEAR


Há muitos educadores, que pensam desta forma: promover técnicas alternativas ou dinâmicas em
sala de aula é perca de tempo. E que o acadêmico está na obrigação de aprender, logo, desprezam
metodologias inovadoras nas suas aulas. No entanto, cabe lembrar, que a responsabilidade é mais do
professor do que do acadêmico, uma vez que está sendo pago e formando pessoas que podem transformar
o mundo. Para o pesquisador: “O educador que não tem amor pelo que faz, é melhor deserdar a profissão e
procurar outro trabalho”. Acentua ainda Vasconcelos (2003:46) que:

O professor percebe o aluno com dificuldade e... Continua a aula!? (...) o professor
nota que o aluno não está entendendo, não está acompanhando a turma. E
então? O que acontece, quais são os procedimentos tomados? Normalmente,
explica de novo. Se o aluno ainda não entendeu, e se o professor for condescente,
repete mais uma vez. Se continuar não entendendo... Não precisa parar: o aluno
não está entendendo agora, mas mais para frente entenderá; (...) Não adianta
parar: o aluno não é capaz de aprender mesmo (...); Não pode parar: não pode
atrasar o programa, dispensar outros alunos ou re-agrupar para não perder dia
letivo (...); Não quer parar: o professor não para porque entende que isto não é
problema dele (...); Não sabe parar: não sabe ensinar de outra forma... (formação
precária do professor). (VASCONCELOS, 2003:46-47).

33 Professor de Química Nuclear – FAFIUV/PR – Esp. em Metodologia da Ação Docente – UNIUV/PR.


34 Professora Ms. Orientadora – Didática e Metodologia de Ensino em Cursos de Pós-Graduação Mestrado e
Doutorado em diversas Universidades do Brasil. Professora da Faculdade Evangélica do Paraná –Curitiba-PR.

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Cabe ressaltar que, tudo é associado ao grau de competência do educador e da situação típica de
que o acadêmico é o centro das atenções. Partindo desse pressuposto, certamente o professor universitário
terá boas atuações em sala de aula, agindo como mediador do conhecimento e favorecendo a
exteriorização do meio acadêmico com o mundo. (BRANDÃO, 1981).

3.1 Aula Expositiva: superando o tradicional


Este método é o mais utilizado pelo corpo docente da Instituição FAFIUV, e creio que seja também
a mais importante. Muitos professores adotam essa prática como a única alternativa do processo de
ensino/aprendizagem ou ainda, como a válvula de escape para cumprir sua carga horária de aula. “Para
muitos professores a exposição foi à única forma de passagem de informação a que foram submetidos ao
longo de sua vida acadêmica”. GIL (1997:69).
Para ABREU & MASETTO (1990:78) aula expositiva é:

(...) estratégia, em termos de quantidade, mais empregada em nossas escolas


superiores e até vista por alguns como a única possível nesse nível de ensino.
Não há nada de errado com a aula expositiva, exatamente como não há nada de
errado em qualquer outra estratégia; o importante é averiguar quando a estratégia
de aprendizagem é a melhor para se alcançar determinada objetos, e então
emprega-la com correção e preparo anterior adequado.

3.2 Discussão X Debate


Este método/técnica procura despertar o senso crítico dos acadêmicos, uma vez que geralmente
distribui lados opostos na classe, os contra e os a favor. O debate orientado pelo docente e repercute em
um aprendizado mútuo e inovador, onde todos podem manifestar-se ou contribuir com conhecimentos
específicos para com o todo. A discussão pode ser iniciada por pequenos grupos de três a cinco pessoas
(de preferência com números ímpares) e posteriormente ser projetada para um debate onde os grupos
pequenos, podem manifestar-se sobre o tema de acordo com a desenvoltura dos acadêmicos perante um
todo. VEIGA (1996).
Segundo GIL (1997:78), a discussão responde a vários objetivos, como:

(...) favorecer a reflexão acerca de conhecimentos obtidos mediante a leitura ou


exposição; desenvolver novos conhecimentos mediante a utilização de
conhecimentos e experiências anteriores; dar oportunidade aos alunos para
formular princípios com suas próprias palavras e sugerir aplicações para esses
princípios; ajudar os alunos a se tornarem conscientes dos problemas que
aparecem na informação obtida a partir de leituras; facilitar a aceitação de
informações ou teorias contrárias às crenças tradicionais ou idéias prévias.

3.3 Estudo de Texto


O estudo de texto surge com um ato produtivo, desde que o acadêmico esteja preparado para a
leitura, caso contrário esta técnica será ineficaz. Logo, o texto pré-selecionado pelo docente, deverá ser
atrativo, instigante e capaz de despertar o interesse pela leitura dos seus acadêmicos. Considerando que ler
é um ato ativo, o acadêmico certamente dará uma contribuição pessoal ao que foi escrito pelo autor
acrescentando informações, reflexões e conclusões pessoais. Porém, este fator, apenas poderá ser
concretizado, se previamente propiciado pelo educador o interesse, a curiosidade, a fugacidade de idéias e
informações do acadêmico. Caso contrário será uma aula desgastante e ineficaz, podendo assim,
comprometer a imagem prévia do educador. ABREU & MASETTO (1990).

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3.4 Estudo de Caso


Pode ser específico de algum caso35 ocorrido, que se relacione com o assunto previsto para a aula,
no intuito de exemplificar melhor e mediar o tema ao cotidiano. Esta técnica está associada ao estudo de
texto, uma vez que, a maioria dos casos é repassada pelos professores em impressos como: reportagens,
matérias publicadas em revistas, artigos, teses, pesquisas, dentre outros. Mas, existe a possibilidade do
educador fornecer subsídios para que o próprio acadêmico monte um estudo de caso com base em
informações que podem ser apanhadas individualmente ou coletivamente.
De acordo com Castanho & Castanho, no estudo de casos supõe-se que:

(...) os alunos tenham clareza quanto aos objetivos da atividade proposta e que se
preparem para coletar o material necessário, organizando um roteiro de
observação no campo e das respostas obtidas – caso tenha havido entrevista,
organização dos dados obtidos e redação desses dados para sua comunicação
aos demais colegas; CASTANHO & CASTANHO (2001:95).

3.5 Dramatização
Entende-se como o ato ou efeito de dramatizar, ou seja, é uma designação dialogada de algum
texto ou peça teatral, que poderá ser apresentado pelos acadêmicos, como técnica de ensino. Onde um
pequeno grupo (de quatro a seis pessoas) articula um drama com base em um texto pré-determinado pelo
educador com objetivos específicos.
Para BITTENCOURT (2007:40) “a dramatização é uma forma particular de estudo de casos, já que
a teatralização de um problema ou situação frente aos alunos equivale a apresentar-lhes um caso de
relações humanas”. Esta técnica poderá ser antecipadamente planejada ou ainda instaurada
espontaneamente na sala de aula pelo educador, ocasionando o efeito surpresa e ainda estimulando a
interação dos alunos nos aspectos cognitivos. Pode ser observada ainda, a empatia, a desinibição, a
liberdade de expressão, a capacidade de liderança, criatividade, espírito de grupo e reação diante de
imprevistos ou situações de exposição do ser humano diante do público.

3.6 Seminário
A técnica do seminário36 é utilizada quando o tema a ser estudado será aprofundado, por diferentes
ângulos pelos acadêmicos. Chega-se a uma soma de parciais e posteriormente a um resultado final ou
conclusão. Em um primeiro momento o professor distribui os assuntos ao corpo discente, que buscará o
aprimoramento intelectual com fundamentação teórica tornando-se um “especialista” no tópico/assunto.
Posteriormente surge um encontro onde parcialmente ou todos os especialistas apresentam os resultados
de seus estudos como “especializados” na área para os demais colegas de classe. E finalmente chegam-se
as conclusões sobre os trabalhos apresentados verbalmente e escritos, possibilitando ainda que todos
tenham cópias dos trabalhos dos demais. ABREU & MASETTO (1990:76).
Para Castanho & Castanho:

Seminário é uma atividade que se compõe de dois momentos: o primeiro, no qual


pequenos grupos realizam uma pesquisa sobre um determinado tema proposto
pelo professor, pesquisa esta que é orientada por esse professor e que deverá
seguir os passos tradicionais de uma pesquisa: coletar dados organizá-los,
analisá-los e produzir um trabalho científico. Mas, (...), de tal forma que se
aprenda a pesquisar e produzir conhecimento de forma coletiva. (...). O segundo
momento de um seminário acontece com a marcação de uma data, na qual se
fará uma mesa-redonda coordenada pelo professor, sobre um tema que não tenha
sido diretamente pesquisado por nenhum grupo, mas cuja discussão todos os
grupos de pesquisa disponham de dados. (...). Com isso, após a mesa-redonda,

35 Acontecimento, fato, sucesso, ocorrência. Acontecimento proveniente de alguma situação específica.


36 Seminário vem de “semente”, o que representa a idéia de que um seminário é uma ocasião de semear idéias.

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tem-se um novo tema estudado e debatido a partir de dados de pesquisa, com


produção coletiva. CASTANHO & CASTANHO (2001:96).

3.7 Simpósio
Nesta técnica, o docente distribui uma série de itens ou tópicos de um mesmo tema aos
acadêmicos, onde eles terão um tempo estimado para prepararem-se intelectualmente em um primeiro
momento. Na segunda parte, inicia-se o simpósio propriamente dito, com as apresentações breves dos
acadêmicos sobre diferentes aspectos de um mesmo tema ou problema. É importante lembrar, que se deve
estipular um tempo limite para as apresentações (ideal é de que não exceda dez minutos), e o professor
deve orientar seus acadêmicos quanto às bibliografias que serão utilizadas ou pré-selecionar artigos de
forma a propiciar o melhor material possível para as apresentações. BITTENCOURT (2007).
O simpósio, no entanto, deve ser coordenado pelo professor, onde, este por sua vez, anuncia os
responsáveis pelo simpósio e salienta aos acadêmicos de que o expositor não poderá ser interrompido
durante a sua apresentação e que haverá um espaço para as perguntas no final da exposição de cada
orador (acadêmico). ABREU E MASETTO (1990). Ao término das exposições é sempre recomendável que
o docente faça uma discussão coletiva com os acadêmicos da importância do assunto abordado, ou uma
síntese de tudo o que ocorreu no simpósio, enfocando os pontos mais importantes.

3.8 Tempestade Cerebral


A tempestade cerebral, propicia uma atividade cerebral intensa, em propósito de imaginações,
reflexões, criatividade, de cada acadêmico em prol de um objetivo proposto pelo professor. O método
fornece um desbloqueio individual em muitos acadêmicos mais recatados, instigando-os a uma certa
desinibição, gerada pelo resultado da soma de idéias formadas na mente do acadêmico. Ou seja, a
tempestade cerebral estimula a geração de novas idéias.

Seu funcionamento geral é o seguinte: dado um tema, cada participante expressa


oralmente, em uma palavra ou em frases bem curtas, tudo o que lhe vem à
cabeça, sugerido por aquele tema, sem se preocupar em “censurar” essas idéias.
Alguém vai anotando tudo o que é dito, no quadro-negro ou num papel. O
professor funciona como um animador de grupo, podendo ou não ser ele quem faz
as anotações. Dá-se um tempo para esta parte. Só então, numa segunda parte, é
que se faz a seleção de todas as idéias que o grupo produziu, segundo algum
critério prévio, seja agrupando-as por alguma semelhança, seja eliminando as que
podem ser postas em prática, etc. Como uma variante pode-se, no primeiro
momento, subdividir a classe em grupos e estimular a competição, estabelecendo
que se vai ver qual grupo produz maior quantidade de idéias. ABREU &
MASETTO (1990:66).

Em química, este método/técnica é muito aplicado para a abordagem de assuntos complexos, ou de


pouco conhecimento do corpo discente, no intuito de gerar uma redescoberta do assunto, com base nas
palavras e/ou informações obtidas pelos acadêmicos. Num segundo instante, o docente aborda o assunto
com mais ênfase, utilizando-se dos tópicos, aspectos ou suposições levantadas pelos acadêmicos,
tornando a aula mais atrativa e participativa.

3.8.1 Tempestade Cerebral na Química


Adaptado por este pesquisador, onde o diferencial do método está nos os objetivos propostos de
resgatar conhecimentos específicos de química, já vistos na graduação pelos acadêmicos, de forma a
propiciar a inserção de um outro tema mais complexo e que exija o resgate de assuntos que aparentemente
eles não se lembram ou tiveram alguma deficiência de aprendizado. Por outro lado, visa ainda buscar por
personalidades ou identificar possíveis monitores(as) que tenham pendor para realizar experimentos ou
pesquisas em laboratórios.

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6.9 Painel
O painel pode ser um método empregado com estratégia de fracionamento que pode ser
desenvolvida em dois momentos: no primeiro momento, a classe é dividida em pequenos grupos, com
tarefas distintas, para debaterem sobre assuntos previstos para a atividade proposta pelo educador.
Posteriormente, tão logo os acadêmicos tenham fixado suas conclusões e discussões nos grupos que
estavam, são redistribuídos de forma que apresentem outros grupos formados por cada integrante diferente
ao grupo de origem. Posteriormente são apresentadas as conclusões iniciais e ao término um novo grupo
formula as considerações finais. Logo, o novo grupo é afetado pelo problema em questão e geralmente
apresentam pontos de vista antagônicos. “O painel funciona como motivador e pressionador”. GIL
(1997:84).
De acordo com BITTENCOURT (2007:38), pode ser classificada:

a) de autoridade ou especialista (ou alunos que se especializaram no tema); b) de


pessoas interessadas no assunto (Ex.: se o tema é “produtividade agrícola” podem
participar um agricultor, um extensionista, um pesquisador, um economista); c) de
posições antagônicas (Ex.: pró e contra a reforma agrária). Temos também outra
forma de distinguir tipos de painéis: a) Painel de interrogação. Um, dois ou três
especialistas são interrogados por um painel de alunos. (...). b) Painel de oposição
ou debate. Dois grupos de painelistas, frente a frente, enfrentam pontos de vista
sob a coordenação do moderador que regula o intercâmbio.

6.10 Grupo de Verbalização e Grupo de Observação (GVGO)


A técnica é bastante simples e eficiente para qualquer assunto de química, uma vez que propicia a
discussão e ao mesmo tempo a observação do grupo verbalizante. A disposição da turma consiste no
seguinte: são formados dois círculos concêntricos na sala, um interno com no mínimo três ou cinco pessoas
(preferencialmente, sempre use número ímpar no grupo de verbalização) e o restante da turma estará no
círculo maior em volta do círculo menor. O grupo de verbalização inicia a discussão do tema proposto, por
um período de tempo estipulado pelo educador. A posteriori, o grupo de observação fará a análise da
discussão interna do grupo verbalizante, apontando os pontos positivos, negativos, quem falou mais ou
menos, qualidades na discussão, em que sentido estavam se portando diante de tal situação, entre outras
observações que o educador defina como necessário. CASTANHO & CASTANHO (2001).
O educador deve atentar para que o tema discutido pelo grupo verbalizante, seja um assunto
previamente conhecido, partindo do pressuposto que todos na sala de aula já tenham noção sobre o
assunto. O tempo, para a discussão do grupo verbalizante, não pode exceder a vinte minutos, que num
segundo momento agirá como grupo de observação, devido ao grupo externo iniciar um debate em cima do
que foi exposto pelo grupo menor do centro. “É o tipo de atividade pedagógica que serve tanto para
introduzir um assunto, explorando as experiências pessoais dos alunos, ou seus conhecimentos (...)”.
CASTANHO & CASTANHO (2001:98).

6.11 Demonstração
O objetivo é facilitar o processo de ensino-aprendizagem estimulando o raciocínio lógico,
envolvendo todo o corpo discente. A característica principal está no fato de desnvolver o sistema psicomotor
do acadêmico, onde a demonstração pode ser entendida como uma forma de simulação.

A demonstração é a mais antiga de todas as estratégias de ensino usadas pelo


homem. De modo bem amplo refere-se à comprovação de qualquer coisa por
meio de raciocínio concludente. Assim a demonstração envolve tanto a
comprovação teórica ou prática de um enunciado ou de uma teoria quanto a
revelação dos procedimentos necessários para a execução de uma tarefa
qualquer. GIL (1997: 89).
A demosntração por meio de maquetes, exige criatividade do educador, uma vez que, haverá um
protótipo que exemplifique o tema em questão abordado em sala de aula. Um exemplo, utilizado na
disciplina de química nuclear, com o tema de armas nucleares, foi a confecção de duas bombas atômicas e
reatores nucleares (maquete) escalonadas no seu tamanho, que pode exemplificar as suas principais
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características bélicas e atuação após detonação. Pode-se ainda, propiciar que os acadêmicos
desenvolvam este trabalho devidamente orientados pelo educador. Sabe-se que o cérebro possui uma
capacidade muito superior de armazenar muito mais imagens do que palavras proferidas por uma pessoa.
Nesse sentido, outra alternativa é através da demonstração de imagens, fotos, figuras, que realmente
exemplifique o assunto explanado em sala de aula. Uma boa imagem associada a uma boa aula expositiva,
pode repercutir em um aprimoramento intelectual bem mais acurado e significativo para o acadêmico.
Segundo ASSMANN (2001:29):

O ambiente pedagógico tem de ser um lugar de fascinação e inventividade. Não


inibir, mas propiciar, aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida
para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos.
Reviravolta dos sentidos com os quais sensoriamos corporalmente o mundo.
Porque a aprendizagem é, antes de mais nada um processo corporal.

6.11.3 Recursos Audiovisuais


Atualmente estamos condicionados a uma tecnologia extraordinária onde vídeo-aulas são tão
atrativas quanto jogos interativos. Devido a esta situação, é que nos condicionamos e temos a obrigação de
utilizar estes recursos para melhor ineteragir com o acadêmico, no intuito de manter a sua atenção em sala
de aula. Outro fator causador desta inclusão, é o problema que muitos educadores possuem na sua
expressão verbal diante dos seus acadêmicos, o verbalismo37 sem significados, aplicado pelo professor em
sala de aula.

As limitações das explicações verbais são facilmente verificadas. Tente-se


descrever alguém a planta de uma casa e depois peça para desenhá-la com base
apenas na descrição verbal. Proponha-se a alguém montar uma máquina a partir
de instruções escritas, sem olhar ilustrações. Ou, então, peça-se a uma pessoa
para chegar a uma rua desconhecida por meio de indicações verbais e a outra pro
meio de um mapa da cidade. GIL (1997:95).

Muitos filmes e documentários são extremamente importantes, além de ser um meio fácil de
absorção de conhecimento pelos acadêmicos. Recomenda-se que caso o filme ou documentário
selecionado para exibição, seja muito extenso, que o educador, faça um compilamento das cenas mais
importantes que estão diretamente relacionados ao assunto que será abordado. Um detale importante é que
tudo tem um limite de aceitação, o educador não pode exceder-se na exibição dos mesmos, pois poderá ser
encarado como matação de aula e assim desviara totalmente o objetivo.

7. ANÁLISE DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante dos métodos apresentados o rendimento intelectual dos acadêmicos foi muito bom com
relação aos critérios: atenção em sala de aula, aprendizado, participação e produção científica;
comprovado por citações dos acadêmicos e pelos resultados de provas aplicadas durante o I semestre de
2007. Pode-se observar que houve uma participação efetiva e consistente nas aulas em que foram
ministradas, bem como, a facilidade em exercer a docência no Ensino Superior através dos métodos
descritos neste artigo. Além de propiciar algumas formas alternativas para o Ensino Superior de química e
favorecer o processo de ensino-aprendizagem, a pesquisa demonstra uma reflexão por parte do corpo
docente e até mesmo da qualificação profissional deste pesquisador, aprimorando seus conhecimentos e
repassando-os aos seus acadêmicos e demais educadores da Instituição FAFIUV. Educar é mais do que
ensinar! Educar é ser fascinante!

37 É a transmissão de conhecimento e habilidades mediante o emprego exagerado de palavras.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Associados, 1990.
ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
AURÉLIO, D. B. O Novo Dicionário AURÉLIO (versão eletrônica). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, séc.
XXI. 01 CD ROW.
BITTENCOURT, S. T. Práticas Pedagógicas no Ensino Superior. Apostila elaborada para curso de
Especialização Latus Sensu em Metodologia da Ação Docente/UNIUV-PR. Curitiba, 2007.
BRANDÃO, C. R. O que é educação? 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
CASTANHO, S.; CASTANHO, M. E. (orgs). Temas e textos em metodologia do ensino superior. São
Paulo: Papirus, 2001.
CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
GIL, A. C.; Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
________. Metodologia do Ensino Superior. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997.
VASCONCELLOS, C. D. S. Avaliação da Aprendizagem: práticas de mudança. 5. ed. São Paulo:
Libertad, 2003.
VEIGA, L. P. A. Técnicas de Ensino: por que não? 4. ed. São Paulo: Papirus, 1996.

Para saber mais:


CHASSOT, a. A educação conSciência. Santa Cruz do Sul, RS: EDUNISC, 2003.
__________. Para que(m) é útil o ensino? 2. ed. Canoas: ULBRA, 2004.
__________. A Ciência é masculina? 3. ed. São Leopoldo: UNISINOS, 2007.
__________. Educação 2006. Curitiba: Humana Editorial, 2006.
ESTEVES, M. G. B. Relações Humanas e Dinâmicas de Grupo. Apostila do Curso de Especialização
Latus Sensu em Metodologia da Ação Docente. União da Vitória: UNIUV, 2007.
FREINET, C. Pedagogia do bom senso. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
KLEIMAN, a. b. A formação do professor: perspectiva da lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado
de Letras, 2001.
LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização.
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LIMA, L. de O. Dinâmicas de grupo na empresa, no lar e na escola. Petrópolis: Vozes, 2005.
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MALDANER, O. A. A formação inicial e continuada de Professores de Química. Ijuí: UNIJUÍ, 2000.
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