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Cap. 11
Experiência e Pensamento
Tradução de
Helder Silvério
A natureza da Experiência.
(A) A actividade corporal torna-se parcialmente um intruso. Como pensamos que não
tem nada a ver com a pensamento, torna-se uma distracção, um mal a ser combatido.
Mas, de facto, o aluno tem um corpo e trá-lo para a escola juntamente com a mente.
E o corpo, que é necessariamente uma fonte de energia, tem que fazer alguma coisa.
Mas, uma vez que as suas actividades não são usadas numa ocupação com coisas que
produzam resultados significativos, têm estas que ser refreadas. Elas afastam o aluno
das lições com que a sua «mente» era suposta estar ocupada; são fontes de prejuízo.
A fonte principal do «problema de disciplina» nas escolas consiste no facto de o
professor ter muitas que despender vezes uma grande parte do seu tempo na
supressão de actividades que desviam a mente daquilo que lhe é próprio. Premeia-se a
quietude; o silêncio, a rígida uniformidade da postura e do movimento; procura-se
como que uma simulação maquinal de atitudes do interesse intelectual. A tarefa do
professor é manter os alunos dentro deste quadro de exigências e punir os casos de
inevitáveis desvios que possam acontecer.
A tensão nervosa e o cansaço que daqui decorrem tanto no professor como no aluno
são uma consequência inevitável desta situação anómala em que a actividade
corporal está divorciada da percepção do sentido. Uma clamorosa indiferença alterna
com explosões de tensão. O corpo reprimido, sem canais organizados e frutíferos de
actividade, irrompe, sabendo-se lá porquê e como, numa agitação sem sentido, ou
agita-se, igualmente sem sentido – duas actividades muito diferentes do normal
brincar das crianças. As crianças fisicamente activas, tornam-se inquietas e
desregradas. As mais calmas, as chamadas mais conscienciosas, gastam a energia
que têm na tarefa negativa de manter controlados os seus instintos e tendências
activas, em vez de adoptarem uma atitude positiva de planificação construtiva e
executiva. Deste modo, por exemplo, são educadas, não para a responsabilidade em
relação ao uso gracioso e significativo das suas forças corporais, mas para um dever
forçado que não lhes dá espaço para livre expressão. Convém reconhecer seriamente
que a causa principal dos sucessos notáveis da educação Grega se encontra
exactamente no facto de que estes nunca se deixaram enganar com a perspectiva
errónea de tentar separar corpo e mente.
(B) Mesmo em relação às lições que têm que ser aprendidas pela aplicação da
'mente', têm de ser usadas algumas actividades corporais. Os sentidos –
especialmente o olho e o ouvido – têm de ser empregues para captar o que está no
livro, no mapa, no quadro e naquilo que o professor diz. Os lábios, os órgãos vocais e
as mãos, têm que ser usadas para reproduzir na fala e na escrita o que foi
armazenado. Os sentidos são então vistos como uma espécie de misteriosa conduta
através da qual a informação é conduzida do mundo exterior para a mente, portas e
avenidas do conhecimento. Manter os olhos fixos sobre o livro e o ouvido aberto para
as palavras do professor torna-se uma fonte misteriosa de graça intelectual. Mais,
leitura, escrita e cálculo - importantes artes escolares – supõem treino muscular ou
motor. Os músculos do olho, da mão e dos órgãos vocais têm consequentemente que
ser treinados para actuar como tubos que transportam o conhecimento da mente para
a acção externa. Pois é um facto que o uso repetido de músculos de uma mesma
forma estabelece neles uma tendência à repetição automática.
As palavras, âncoras das ideias, são no entanto facilmente tomadas por ideias. E
precisamente na medida em que a actividade mental é separada do relacionamento
activo com o mundo, do fazer alguma coisa e do conectar do fazer com o que é
sentido, as palavras e os símbolos tomam o lugar das ideias. A substituição é mais
subtil porque algum sentido é reconhecido. Mas somos facilmente treinados para nos
contentarmos com um mínimo de sentido e para não reconhecermos quão restrita é a
nossa percepção das relações que confere significado. Estamos tão habituados a uma
forma de pseudo-ideia, uma semi percepção, que não nos damos conta de que modo a
nossa acção mental está meio morta e de que modo as nossas observações e ideias
seriam muito mais inteligentes e abrangentes se tivessem sido formadas na situação
de uma experiência vital que nos exigiria o recurso ao juízo; à procura das conexões
com a coisa de que nos ocupamos.
Dizer que o pensamento ocorre em referência a situações que estão ainda a continuar
e são incompletas, é dizer que o pensamento ocorre quando as coisas são incertas,
duvidosas ou problemáticas. Apenas aquilo que é acabado, completo, é totalmente
assegurado. Onde há reflexão há suspensão. O objecto do pensamento é ajudar a
alcançar a conclusão, a projectar o final possível com base naquilo que já é dado.
Outros factos acerca do pensamento acompanham esta característica. Uma vez que a
situação em que o pensamento ocorre é duvidosa, o pensamento é um processo de
procura, de observação das coisas, de investigação. Adquirir é sempre secundário,
sempre um aspecto instrumental para o acto de interrogação. É procurar, pesquisar
alguma coisa que não está à mão. Por vezes falamos como se a “investigação
original” fosse uma prerrogativa peculiar do cientista ou pelo menos de estudantes
mais avançados. Mas todo o pensamento é investigação e toda a investigação é
original para aquele que a realiza, mesmo se qualquer outra pessoa no mundo tem já
a certeza daquilo que estamos ainda a procurar.
Daqui também se segue que todo o pensamento envolve riscos. A certeza não pode ser
dada de antemão. A invasão do desconhecido é por natureza uma aventura. Não
podemos ter certeza de antemão. As conclusões a que o pensamento chega, até serem
confirmadas por um acontecimento, têm, consequentemente, de facto mais ou menos
a natureza de tentativa ou hipótese. A afirmação dogmática final está fora de questão.
De forma muito acertada, os Gregos levantaram a questão: Como podemos
aprender? Ou cada um de nós já sabe o que procura, ou não sabe. Em nenhum dos
casos é possível aprender. No primeiro caso, porque já sabemos; no segundo, porque
não sabemos o que devemos procurar, e se, por sorte, o encontrássemos, não
poderíamos dizer que era aquilo que procurávamos. O dilema não fornece nenhuma
previsão em relação ao que chegaremos a saber, a aprender, ainda assume quer um
completo conhecimento quer uma total ignorância. No entanto, existe uma zona
intermédia de investigação, de pensamento. A possibilidade de conclusões hipotéticas,
de resultados provisórios, é um facto que o dilema grego não contemplava. A
perplexidade da situação sugere algumas saídas. Tentámos estes caminhos e, ou
conseguimos sair, caso no qual sabemos que encontrámos o que andávamos à
procura, ou a situação torna-se mais obscura e mais confusa – caso em que sabemos
que somos ainda ignorantes. Tentativa significa procura de saídas, estabelecimento,
se bem que em termos provisório, de um caminho a percorrer. Tomado como tal, o
argumento grego constitui uma bonita peça de lógica formal. Mas também é verdade
que, enquanto o ser humano manteve uma distinção forte entre conhecimento e
ignorância, a ciência apenas conseguiu avançar muito lentamente e de forma
acidental. O avanço sistemático na invenção e na descoberta começou quando o ser
humano reconheceu que poderia utilizar a dúvida para fins de investigação ao
explorar conjecturas como guia de acção na experimentação, cujo desenvolvimento
poderia confirmar, refutar ou modificar a conjectura proposta. Enquanto que os
gregos fizeram com que o conhecimento fosse mais do que a aprendizagem, a ciência
moderna tomou o conhecimento adquirido apenas como forma para aprender, para
descobrir.
Voltemos à nossa demonstração. O comandante geral não pode basear as suas acções
nem numa certeza absoluta nem numa ignorância total. Tem uma certa quantidade
de informação disponível na qual, assumimos isso, terá razoável grau de confiança.
Daí infere então certos movimentos prospectivos dando sentido aos factos reais da
situação concreta. A sua inferência é mais ou menos dúbia e hipotética. Mas ele
actua com base nela. Desenvolve um plano de acção, um método para lidar com a
situação. As consequências que vão derivar directamente do seu modo de agir é que
vão testar e revelar a veracidade das suas reflexões. O que ele já sabe funciona e tem
valor para o que vai aprender. Mas será que este cálculo tem aplicação no caso de
alguém que, num país neutral, segue da melhor maneira e com atenção o desenrolar
dos acontecimentos? Formalmente sim, mas não no decurso dos acontecimentos. É
evidente que as suposições sobre o futuro para que apontam os factos actuais,
suposições pelas quais o general tenta encontrar sentido para uma quantidade de
dados não relacionados, não podem servir de base para um método a aplicar no
campo da batalha. Este não é o seu problema. Mas, na medida em que está em
actividade de pensamento, e não de forma meramente passiva a seguir o curso dos
acontecimentos, as suas inferências provisórias terão efeito num método de
procedimento apropriado para a sua situação. Antecipará certos movimentos futuros
e estará alerta para verificar se eles acontecem ou não. Se estiver intelectualmente
empenhado ou em actividade de pensamento, será activo no desenrolar dos
acontecimentos. Formulará passos que, embora não afectem a campanha, modificam
em certa medida as suas acções consequentes. De outro modo, o seu posterior “Eu
bem te tinha dito” não terá nenhuma qualidade intelectual, não serve para
determinar nenhum teste ou verificação do pensamento anterior, mas apenas uma
coincidência que supõe uma satisfação emocional - e inclui um grande factor de
decepção.
Tudo isso para falar das características da experiência reflexiva. Elas são (i)
perplexidade, confusão, dúvida, devido ao facto de ela estar implicada numa situação
incompleta cujo carácter real ainda não está determinado; (ii) antecipação
conjuntural - uma tentativa de interpretação dos dados disponíveis aos quais se
atribui a tendência para produzir certas consequências; (iii) análise cuidadosa
(exame, inspecção, exploração, análise) de todas as considerações que permitirão
definir e clarificar o problema em questão; (iv) elaboração consequente da hipótese
avançada para a tornar mais precisa e mais consistente, para enquadrar, uma gama
mais larga de factos; (v) tomar posição em relação à hipótese projectada como plano
de acção que é aplicado à situação presente do assunto, fazer alguma coisa extra para
produzir o resultado antecipado, e assim testar a hipótese.
É o alargamento e a acuidade dos passos três e quatro que marcam uma experiência
reflexiva distinta e a partir da qual se planeia a tentativa e erro. Esses passos
transformam o próprio pensamento numa experiência. No entanto, nunca passamos
totalmente de uma situação de tentativa e erro. O nosso pensamento mais elaborado e
racionalmente mais consistente tem de ser posto à prova do mundo e, assim,
experimentado. E já que nunca se podem ter em conta todas as conexões, também
não se podem nunca antecipar, com perfeita segurança, todas as consequências.
Contudo, a análise atenta das condições é tão cuidadosa e a previsão dos resultados
tão controlada que temos o direito de distinguir a experiência reflexiva de formas
mais grosseiras da acção de tentativa e erro.
Resumo