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Licenciado em História e mestre em Estudos de Linguagem, ambos pela Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT). Atualmente, é estudante de doutorado em História (PPGHIS) pela mesma
universidade e professor da Educação Básica pela Secretaria de Estado de Educação Esporte e Lazer de
Mato Grosso (SEDUC-MT). Orientadora: Profa. Dra. Thaís Leão Vieira (PPGHIS/UFMT).
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Aqui é preciso um esclarecimento: 1964 refere-se à data de publicação da primeira edição do
trabalho de Antonio Candido que, contudo, fora defendido já em 1954. Para o livro de Florestan
Fernandes, do contrário, a distância entre defesa e data de publicação é de apenas um ano; coincidindo
o ano da defesa da tese de Florestan com o da publicação do livro de Antonio Candido.
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modernização e desagregação dos modos de vida e identidades destes tipos sociais para melhor
implementar o desenvolvimento nacional aliado a integração destes que, em nome do progresso,
são considerados como espólio. É este mesmo “sentido civilizacional” que consolida a imagem
do caipira e do negro nas obras referidas. É a relação temporal exposta que determina a origem
destes tipos, dá coerência e lastro histórico às formações respectivas, localiza, do ponto de vista
da démarche, a situação atual para apontar a solução rumo ao desenvolvimento integrado. Tudo
isso está mais no senso analítico do sujeito que pesquisa do que na natureza factualmente
irredutível do objeto. Como tal, portanto, é possível conceber esse “senso” como algo
historicamente localizável e não como uma constante da pesquisa antropológica. Por isso
mesmo é que, desta construção de um objeto científico, miramos uma hipótese posterior,
segundo a qual Antonio Candido lançou mão deste objeto, teórica e coletivamente construído,
para garantir legitimidade científica ao objeto que construía concomitantemente, a saber, o da
crítica literária no Brasil.
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Concomitantemente, posto que Parceiros do Rio Bonito e Formação da Literatura Brasileira
são escritos em conjunto por Antonio Candido. Esforço hercúleo, deste ponto de vista, mas que nos dá
a dimensão do trabalho de fundação de um objeto científico empenhado pelo autor.
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A questão que levantaremos é retomada pelo autor em muitos outros livros, dos quais
destacamos: FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
sociológica. 2ed. RJ: Zahar, 1976. e: FERNANDES, Florestan. A contestação necessária: Retratos
intelectuais de inconformistas e revolucionários. 1ed. SP: Expressão Popular, 2000.
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verdadeiramente dramático: o sistema de substituição dos agentes fora engendrado pela própria
dinâmica do desenvolvimento histórico. Incapaz, o próprio negro, de formar-se como artesão
ou no comércio liberal, estaria ele imerso numa competição atroz, em que o migrante se sagraria
como grande privilegiado, na medida em que tinha todas as aptidões necessárias, tanto ao
comércio quanto ao trabalho autônomo (que Fernandes chama de “artesanato”)
(FERNANDES, 2008: 33).
Sobre isso, ainda destaquemos a exterioridade com a qual Fernandes trata do problema,
sempre remetido à objetividade do processo histórico. A situação do negro é produto de uma
desagregação abrupta da ordem social, em que se preferiu a vinda do migrante, construtor da
ruptura, do que a gestão do negro como sujeito deste processo. É neste sentido que Fernandes
lamenta a “marginalização do negro”:
Façamos jus ao trabalho de Florestan Fernandes. Por mais que sua atenção esteja voltada
a um processo histórico, exercido de modo objetivo, seu texto demarca bem os sujeitos que, no
seu próprio dizer, conduzem o processo: as classes dominantes. Dessa forma, a objetividade
buscada por Florestan não se confunde com determinada pretensão de neutralidade. Contudo,
devemos marcar que a relação entre processo histórico e classes subalternas e dominantes é
levada ao extremo. Este dado nos vale uma digressão necessária.
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Artesanato, na economia textual de Florestan Fernandes, refere-se ao trabalho “pré-capitalista”,
ou seja, ao trabalho autônomo no sentido de não dividido pela dinâmica da produção; “não alienado”,
em termos marxistas.
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Esse debate possui vasta bibliografia: no que diz respeito às linhas gerais, um bom número de
trabalhos vêm questionando essa leitura que atribui ao negro exagerada passividade ao longo da história
nacional. É interessante salientar, ainda, que a crítica à passividade do negro veio acompanhada de uma
interpretação particularista, com trabalhos historiográficos, inclusive, aplicando o método da “descrição
densa” para mostrar como os negros tinham sentidos próprios e muito significativos no bojo de suas
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Se essa digressão nos mostra um caráter reificante da situação do negro por parte do
próprio trabalho de Fernandes, como um sujeito datado que pensa seu objeto de estudo remetido
a determinada historicidade, nos resta perguntar o motivo pelo qual essa reificação passa sem
um depuro maior por parte do pesquisador. Para dar uma resposta, precisamos voltar à noção
temporal que estrutura a obra de Fernandes. À ruptura histórica, Florestan Fernandes atrela o
desenvolvimento produtivo. Sem o capitalismo como ordenamento social que se realiza pelo
salto produtivo, não haveria desenvolvimento histórico. A questão do desenvolvimento como
progresso é o próprio fulcro da análise de Fernandes. Seu anseio pela ruptura dá a tônica de sua
interpretação. Disto, podemos concluir que o negro, cavando ele próprio seu destino e sem a
intervenção do Estado para impedir esta tragédia, é uma peça obsoleta no desenvolvimento
deste progresso. Essa é a própria lógica do capital atribuindo sentido à interpretação do processo
histórico. A preocupação de Fernandes não está em negar essa lógica, mas em conduzi-la de
um ponto de vista integrador; como projeto de desenvolvimento nacional, do que resulta o
sentido do próprio nome de seu livro. Nesta linha, conclui-se que a obra de Florestan não
problematiza a passividade do negro porque enxerga o próprio Estado como um demiurgo do
progresso. O projeto de sua conquista e condução está num escopo civilizacional preciso: para
formar-se como povo, a classe subalterna precisa, antes, reconhecer-se como classe. Esse
processo de reconhecimento, de consciência, escaparia à competência do negro, posto que
marginalizado e tornado “bárbaro” ao longo de séculos de regime servil.
práticas sociais. Sobre isso, ver: CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas
décadas da escravidão na corte. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. CHALHOUB, Sidney. Machado de
Assis, historiador. São Paulo: Cia. das Letras, 2003. CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira
da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os
anos 1980. Cadernos AEL, v. 14, n. 26, p. 12-47, 2009. SILVA, Silvia Cristina Martins de Souza e.
Idéias encenadas: uma interpretação de “O Demônio Familiar”, de José de Alencar. 1996. 205 f.
Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1996.
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Sobre como o binômio entre trabalho escravo e trabalho livre opera, na historiografia brasileira,
de modo a perpetuar a “memória vencedora”, ver: MARSON, Adalberto. Reflexões sobre o
procedimento histórico. In: SILVA, Marcos A. da. (org.). Repensando a História. RJ: Marco Zero,
1984.
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Para demarcar este não-lugar impingido ao negro pelo processo histórico, observemos
um momento específico do livro em que Fernandes irá se deter na comparação deste com o
migrante. Para o autor, haveria uma psicologia social particular aos respectivos tipos e que
aponta para a relação temporal entre ruptura e continuidade que havíamos destacado. Cumpre
salientar que, mesmo o negro visto como elemento da continuidade, sua autoimagem é mero
reflexo da concepção absoluta de liberdade preconizada pelo antigo senhor de engenho que,
como eixo do poder, mostrava-se pleno de si para o escravo:
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Esse quadro de referência permite compreender e explicar tanto o “porque” quanto o “sentido”
da irracionalidade do comportamento dos libertos. Doutro lado, esse oferece um desmentido cabal às
interpretações malévolas, que passaram a ser ventiladas com insistência, de que os “ex-escravos fugiam
do trabalho”. Eles tentavam participar dos fluxos da vida econômica da cidade; apenas fizeram-no à sua
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maneira – porque não podiam proceder de outro modo – e se viram repudiados, na medida em que
pretenderam assumir os papéis de homem livre com demasiada latitude ou ingenuidade num ambiente
em que tais pretensões se chocavam com generalizada falta de tolerância, de simpatia militante e de
solidariedade. Aliás, mesmo no campo o liberto tentou manter sua posição no sistema ocupacional e
competir como assalariado (FERNANDES, 2008: 47).
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Tanto com relação ao negro quanto ao destino da obra do reformista social, os impulsos
revolucionários são “desviados” pelos que operam o curso do processo histórico. A obra de
Florestan Fernandes não deixa de se estruturar nessa significativa sensação de perda com a qual
se constrói um projeto revolucionário e civilizacional para por em contrapartida. Desta forma
também constrói Fernandes seu próprio objeto de estudo. Este dado de subjetividade não se
esgota na figura individual de Florestan Fernandes (como tampouco tem nele a figura de um
“precursor”) e, como projeto, fora encampado por diversos intelectuais, construídos por estes
na medida em que se faziam sujeito de seu tempo. Nosso texto seguirá tentando mostrar como
a obra de Antonio Candido, do ponto de vista do caipira, tem em mente este projeto, alicerçado
por um problema de ordem local (“América Latina”): Por que somos atrasados e como
compensamos esse atraso de um ponto de vista integrador?
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O leitor verá que aqui se combinam, mais ou menos livremente, certas orientações do
antropólogo a outras mais próprias do sociólogo. Aquelas, desenvolvidas sobretudo
para investigar povos primitivos, reunidos na maioria dos casos em grupos pequenos
e relativamente homogêneos; estas, apropriadas ao estudo das sociedades civilizadas,
diferenciadas ao extremo, ligadas a territórios vastos e grande população.
Esquematizando com certa violência, poderíamos dizer, talvez, que aquelas recorrem
à descrição, atêm-se aos detalhes e às pessoas, a fim de integrá-los numa visão que
abranja, em princípio, todos os aspectos da cultura; estas, eminentemente sintéticas
no objetivo, valem-se de amostras representativas dos grandes números, interessam-
se pelas médias em que os indivíduos se dissolvem, limitando-se quase sempre a
interpretar certos aspectos da cultura. Como já se escreveu, a Antropologia tende, no
limite, à descrição dos casos individuais, enquanto a Sociologia tende à estatística
(CANDIDO, 2010: 21) grifos do autor.
O sentido desta passagem nos leva a confirmar que o método, a orientação conceitual,
bem como a própria configuração do objeto destinado à análise estão imbricados à noção de
civilização partilhada pelos intelectuais da época, com destaque para Florestan Fernandes. O
binômio civilização/primitivismo é o que concatena toda a sorte de binômios de que Candido
lança mão para fomentar sua síntese, posto que o caipira de sua análise é um tipo cultural que
estaria, justamente, entre a civilização e o isolamento: Indivíduo/Coletivo,
Homogêneo/Heterogêneo, Moderno/Tradicional estão, pois, dando sentido à separação entre
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particular (Antropologia) e geral (Sociologia) no bojo das disciplinas e que resulta numa cisão
básica: a Antropologia dedica-se à totalidade da cultura enquanto a Sociologia só tange em
certos aspectos desta, conforme o autor mesmo deixa claro e reforça a partir dos grifos
(CANDIDO, 2010: 21).
Essa noção de homogeneidade cultural ligada ao primitivo expressa uma orientação pela
tradição como algo estagnado no tempo. A linha evolutiva, que caminha para a heterogeneidade
da civilização, é perpassada por essas expressões da continuidade que é a tradição. Num sentido
específico, a tradição, como par da civilização, está contida tanto no trabalho de Candido quanto
no de Fernandes: é ela quem mobiliza as preocupações que vão na direção de desenvolver a
nação sem perder sua tradição, qual seja, sem obliterar as formas de vida do caipira ou sem
marginalizar o negro, cuja mentalidade não fora preparada para o trabalho livre, estágio superior
ao “antigo regime”. Sobre esse sentido da tradição, bem como este mesmo sentido confunde a
materialidade do objeto com a representação construída a respeito dele, Gérard Lenclud afirma:
Tal concepção da tradição como mensagem cultural significa dizer que as práticas e
os enunciados que observa e registra o etnólogo não são, propriamente falando,
tradições, mas expressões da tradição. Um mito, um ritual, um conto, um objeto
constituiriam menos objetos tradicionais enquanto tais do que manifestações de
representações, de ideias e de valores, que seriam, apenas eles, a tradição. Esta estaria
escondida por detrás das palavras e dos gestos, orientando-os sub-repticiamente, mas
permanecendo sempre a decifrar. Para dar um exemplo simples, o que haveria de
tradicional em uma casa tradicional seria menos sua arquitetura exata ou os materiais
de que é feita e mais a “ideia” que presidiu sua construção, o complexo de sentido
cristalizado nela e que sobreviveu intacto à transformação eventual de seus elementos
constitutivos. A tradição seria esse núcleo duro, imaterial e intangível, em torno do
qual se ordenariam as variações. Observemos, logo, que essa representação da
tradição como mensagem sub-reptícia, imersa nos comportamentos e nos discursos, é
perfeitamente congruente com um outro uso do termo “tradição”. Quando falamos de
tradição dogon, puebla, kabyla ou bretã, não nos referimos a uma visão geral do
mundo, a um estilo cultural de sentir, pensar e agir que constituiria, de certa maneira,
o “gênio” dos povos? (LENCLUD, 2013: 154).
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Não há qualquer sombra de novidade nesta questão. Trata-se, apenas, de ressaltar que há um sentido
profundo no esquematismo metodológico de Antonio Candido, tido como objetivo, mas que denota uma
construção epistemológica em favor de um projeto civilizacional específico. Sobre esta discussão no bojo da
própria etnografia, mencionemos, rapidamente, um trecho creditado a Gérard Lenclud: Não há garantias, por outro
lado, que o emprego quase obrigatório do termo “tradicional” em etnologia esteja livre de inconvenientes. Com
efeito, ele contribui para a consolidação de um quadro de referência intelectual, constituído por um sistema de
oposições binárias (tradição/mudança, sociedade tradicional/sociedade moderna), cuja pertinência se revela
bastante problemática ao se atribuir a tais oposições um valor genérico. As reflexões que se seguem encontram
seu ponto de partida nessa constatação bem banal feita por muitos etnólogos, mas da qual muito poucos se
preocuparam em tirar conclusões (LENCLUD, 2013: 149).
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Essa noção de tradição, com efeito, é o que modela a própria análise de Antonio
Candido. Como Florestan, seu foco está centrado no processo de urbanização de SP, do qual a
desagregação da tradição é uma consequência (CANDIDO, 2010: 13). Observa-se, pois, que a
tradição só é observada como processo de perda do avanço civilizacional. Disto decorre que o
projeto de Antonio Candido não intenta uma recuperação, posto que ciente da condução
inevitável desse processo, mas uma integração do caipira à nova ordem social, desde que esta
não signifique a “decomposição total” de seu estilo de vida.
Vejamos como, neste sentido, uma certa postura histórica é determinante para sua
leitura: o que preocupa Antonio Candido é a identificação de um modo de vida caipira e a
posterior análise das transformações desse modo de vida frente à urbanização de SP. Seguindo
essa lógica que, em si, depende da observância do processo histórico, Candido estipula a vida
caipira como uma resultante tipicamente brasileira. Neste sentido, o caipira seria como que um
primeiro “povo tradicionalmente brasileiro”: sua vida está ligada a uma “cultura rústica” como
uma sociedade circunscrita e em interação com o espectro das tradições brasileiras formadas no
campo: “as que resultaram do ajustamento do colonizador português ao Novo Mundo, seja por
transferência e modificação dos traços da cultura original, seja em virtude do contacto com o
aborígene” (CANDIDO, 2010: 25).
Para Candido, ainda é importante demarcar a diferença entre rústico e folclórico. O autor
sente essa necessidade, pois declara não tencionar ser o seu trabalho algo de relacionado aos
estudos da folklore. Isso porque, para a dinâmica de seu estudo, a dimensão temporal é a de
maior importância. É imerso na dinâmica civilizacional que Candido preconiza seu objeto: o
rústico é, assim, historicamente situável e, por conseguinte, em constante transformação
remetida à dinâmica do “contínuo rural-urbano”. Isso explica porque, de igual modo, o caipira
é um tipo cultural cujo sistema de valores é partilhado com a “gente da cidade” (CANDIDO,
2010: 26-7).
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É importante demarcar como Candido insiste na categoria cultural. Por isso ele prefere a
denominação caipira à de caboclo, já que esta está mais ligada a uma perspectiva de raça do que de
cultura (CANDIDO, 2010: 27).
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Nesta dinâmica, Candido subscreve (em inúmeras passagens) a importância do sal. No limite,
era ele quem estabelecia o contato da cultura rústica com a dinâmica competitiva do centro urbano de
SP. De acordo com essa maior ou menor interação no contínuo rural-urbano, tendo o sal como referência
mínima, podemos ter uma ideia do sentido histórico/tradicional na obra de Candido. Mencionemos,
rapidamente, a estruturação da obra por capítulos: CAP I: A Vida Caipira Tradicional; CAP II: A
Situação Presente e CAP III: A Análise da Mudança. Esta própria estrutura segue o sentido,
eminentemente moderno, exposto por Lenclud a respeito da tradição no trabalho do etnólogo
(LENCLUD, 2013: 149).
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A precariedade dos seus direitos à ocupação da terra contribuiu para manter os níveis
mínimos de sobrevivência biossocial. As formas culturais, condicionadas por ela,
favoreceram sua permanência naqueles níveis. A cultura do caipira, como a do
primitivo, não foi feita para o progresso: a sua mudança é o seu fim, porque está
baseada em tipos tão precários de ajustamento ecológico e social, que a alteração
destes provoca a derrocada das formas de cultura por eles condicionada. Daí o fato de
encontrarmos nela uma continuidade impressionante, uma sobrevivência das formas
essenciais, sob transformações de superfície, que não atingem o cerne senão quando
a árvore já foi derrubada – e o caipira deixou de o ser (CANDIDO, 2010: 97).
Assinalemos, em primeiro lugar, que da formação histórica de São Paulo resultou uma
sociedade cujo tipo humano ideal foi o aventureiro. Se nem todos os paulistas o foram,
o certo é que ele representou, por dois séculos, o elemento mais dinâmico, em torno
do qual se ordenaram as tendências sociais características. Aventureiros foram tanto
os homens de prol quanto os pobres-diabos; os brancos e os mamelucos; os chefes e
os apaniguados – irmanando-se na vida precária imposta pela mobilidade, num
igualitarismo forçado, que foi sem dúvida um dos fatores que obstaram, aqui, ao
desenvolvimento de tendências aristocráticas, surgidas muito mais tarde, com a
lavoura escravocrata do café. E que, depois da estabilização, em meados do século
XVIII, deixou no caipira não apenas certa mentalidade de acampamento – provisório
e sumário – como o sentimento de igualdade, que, mesmo nos mais humildes e
desfavorecidos, faz refugar a submissão e a obediência constantes. Esta, nele, é
sempre relativa e muito precária, comparada à do negro, escravo ou ex-escravo, e
mesmo à do colono europeu, fruto de uma sociedade rural fortemente hierarquizada
sobre os restos do senhorio e da escravidão (CANDIDO, 2010: 99).
construída nos idos do próprio romantismo indianista. Ao negro, fica a marca do “agente do
trabalho escravo” propugnada por Florestan Fernandes. Como eixo articulador, o mesmo
binômio civilizacional empenhado no projeto da revolução burguesa. A dimensão de
construção de um objeto de estudo ganha, aqui, todo sentido. Como tais, os dois personagens
desta história, por focos analíticos diferentes, estão numa mesma chave interpretativa, em que
o problema está, por um lado, em identificar a defasagem deste para com o ideário do progresso
e, por outro, em propor sua integração à dinâmica social sem que se descaracterize suas
particularidades: Se, em Florestan Fernandes, essa proposta reside na projeção do “preparo” do
negro à lide do homem livre; em Antonio Candido, fica o apelo político do autor pela reforma
agrária. Num caso e noutro, a proposta passa, efetivamente, pela utilização do Estado na
condução progressista do processo histórico.
CONCLUSÃO:
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Sobre essa discussão, ver: SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um
monarca nos trópicos. SP: Cia das Letras, 2012.
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esgotar-se em sua leitura. Contudo, fora apenas este primeiro passo o foco do presente texto. A
conclusão permanece, portanto, aberta para novas investidas, a saber, para a relação entre
interpretações e ações políticas de Antonio Candido: Neste sentido, nosso próximo passo será
explorar a relação de Formação da literatura brasileira com nossa análise que resulta do
entrecruzamento de Parceiros do Rio Bonito e A integração do Negro na sociedade de classes
para, a partir disto, tentar compreender algumas ações específicas de Antonio Candido, como
sua investida na formação, dentro da USP, de um curso de teoria literária e literatura comparada;
curso explorado por Candido para formar discípulos e, num sentido verdadeiramente
acadêmico, explorar as interpretações entorno do problema da “modernização periférica da
América Latina” a partir do sistema literário no Brasil. Fazemos isso porque, de fato,
concordamos com a leitura de Florestan Fernandes sobre o sentido prático da obra de Antonio
Candido:
Sua ótica do homem e da civilização difunde-se por sua obra, porque ela não é mera
superposição de convicções em moda. Sua marca de socialismo é tolerante e aberta,
facilitando a compreensão de correntes destoantes e o balanço crítico de seus
significados e contribuições (FERNANDES, 2015: 44).
Como alguém que está sempre sendo alocado entre a sociologia e a literatura, sentimos
a necessidade de destacar que, entre um e outro, há um compromisso ético/civilizacional, como
diretriz de uma geração, a enlaçar a mais pura das análises, seja do lado da sociologia ou da
literatura. É deste sentido que provém a própria forma com a qual Candido investe na literatura:
ao colocar a literatura brasileira no circuito de um sistema (algo verdadeiramente original para
a época) Candido estava preconizando uma visada científica para a crítica literária e fazendo
desta sua ponta de lança em seu projeto civilizacional.
REFERÊNCIAS:
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 5ª edição, 2001.
CANDIDO, Antonio. Os Parceiros do Rio Bonito: Estudo sobre o caipira paulista e seus meios de
vida. 11 ed. RJ: Ouro sobre azul, 2010.
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e
trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos AEL, v. 14, n. 26, p. 12-47,
2009.
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CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte.
São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: (vol. 1) ensaio de
interpretação sociológica. 5 ed. , SP: Globo, 2008.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 2ed.
RJ: Zahar, 1976.
Florestan. A contestação necessária: Retratos intelectuais de inconformistas e revolucionários. 1ed.
SP: Expressão Popular, 2015.
LENCLUD, Gérard. A tradição não é mais o que era... Sobre as noções de tradição e de sociedade
tradicional em etnologia. História, história. Brasília, vol 1, n. 1, 2013.
MARSON, Adalberto. Reflexões sobre o procedimento histórico. In: SILVA, Marcos A. da. (org.).
Repensando a História. RJ: Marco Zero, 1984.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Sobre o pensamento antropológico. 1 ed. RJ: Tempo Brasileiro;
Brasília: CNPQ, 1988.
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. SP: Cia das
Letras, 2012.
SILVA, Silvia Cristina Martins de Souza e. Idéias encenadas: uma interpretação de “O Demônio
Familiar”, de José de Alencar. 1996. 205 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996.