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227
REVISTA TRIMESTRAL
DE JURISPRUDÊNCIA
janeiro a março de 2014
REVISTA TRIMESTRAL
DE JURISPRUDÊNCIA
volume 227
janeiro a março de 2014
Disponível também em: <http://stf.jus.br/portal/indiceRtj/pesquisarIndiceRtj.asp>
Secretaria-Geral da Presidência
Flávia Beatriz Eckhardt da Silva
Secretaria de Documentação
Janeth Aparecida Dias de Melo
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
Juliana Viana Cardoso
Equipe técnica:Jessica Scheidemantel Conceição Silva (estagiária), Juliana Aparecida de
Souza Figueiredo, Priscila Heringer Cerqueira Pooter e Valquirio Cubo Junior
Diagramação:Eduardo Franco Dias e Roberto Hara Watanabe
Revisão:Amélia Lopes Dias de Araújo, Divina Célia Duarte Pereira Brandão, Mariana
Sanmartin de Mello, Patrícia Keico Honda Daher, Rayane Lima Martins (estagiária) e
Rochelle Quito
Capa e projeto gráfico:Eduardo Franco Dias
PRIMEIRA TURMA
SEGUNDA TURMA
PROCURADOR‑GERAL DA REPÚBLICA
COMISSÃO DE REGIMENTO
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO
A
Ct Ação civil pública. Legitimidade ativa. Ministério Público: 749
defesa do direito à saúde. CF/1988, art. 129, III. AI 759.543 AgR
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Cabimento. Decreto 114
autônomo. ADI 3.702
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Ilegitimidade ativa. 125
Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMA‑
GES). Representação parcial da categoria. Extinção sem
exame de mérito da ADI 4.372. ADI 4.425
PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. 114
Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipa‑
mentos (ABIMAQ). Entidade de classe de âmbito nacional.
Pertinência temática. CF/1988, art. 103, IX. ADI 3.702
PrPn Ação penal. Diplomação do réu como parlamentar. Alte‑ 28
ração superveniente de competência. Nulidade absoluta
inocorrente. Ratificação dos atos de instrução pelo juízo
competente: possibilidade. CPP/1941, art. 567: inaplicabili‑
dade. AP 695 AgR
Ct Ação penal no Superior Tribunal de Justiça (STJ). (...) Pro 46
curador-geral da República. ADI 2.913
Ct ADCT da Constituição Federal/1988, art. 97, redação da EC 125
62/2009: inconstitucionalidade. (...) Precatório. ADI 4.425
ADC-Ass
B
Trbt Benefício fiscal: concessão indireta. (...) Imposto sobre Cir 114
culação de Mercadorias e Serviços (ICMS). ADI 3.702
C
PrSTF Cabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 114
3.702
Pn Cabimento excepcional. (...) Prisão domiciliar. RHC 94.358 546
Ct CF/1988, arts. 1º, caput; 2º; e 5º, caput, XXXV e XXXVI: ofen‑ 125
sa. (...) Precatório. ADI 4.425
CF/-CF/
Pn CF/1988, arts. 1º, III; e 5º, XLIX. (...) Prisão domiciliar. RHC 546
94.358
El CF/1988, art. 14, § 5º: nova interpretação. (...) Mandato eleti 675
vo. RE 637.485
El CF/1988, arts. 14, § 5º; e 16. (...) Processo eleitoral. RE 637.485 675
Ct CF/1988, art. 30, VII. (...) Direito à saúde. AI 759.543 AgR 749
Adm CF/1988, art. 41, § 1º, II. (...) Servidor público. RE 594.040 AgR 633
Ct CF/1988, art. 60, § 2º: ofensa inocorrente. (...) Processo legis 125
lativo. ADI 4.425
Ct CF/1988, art. 84, XXV e parágrafo único. (...) Cargo público 671
estadual. RE 633.009 AgR
Ct CF/1988, art. 100, § 2º, redação da EC 62/2009. (...) Precató 125
rio. ADI 4.425
Ct CF/1988, art. 100, § 9º e § 10, redação da EC 62/2009: incons‑ 125
titucionalidade. (...) Precatório. ADI 4.425
Ct CF/1988, art. 100, § 12, redação da EC 62/2009, expressão “in‑ 125
dependentemente de sua natureza”: inconstitucionalidade
parcial sem redução de texto. (...) Precatório. ADI 4.425
Ct CF/1988, art. 100, § 12, redação da EC 62/2009, expressão 125
“índice oficial de remuneração básica da caderneta de pou‑
pança”: inconstitucionalidade. (...) Precatório. ADI 4.425
Ct CF/1988, art. 100, § 15, redação da EC 62/2009: inconstitucio‑ 125
nalidade. (...) Precatório. ADI 4.425
PrSTF CF/1988, art. 103, IX. (...) Ação direta de inconstitucionali 114
dade. ADI 3.702
Ct CF/1988, art. 105, I, a. (...) Procurador-geral da República. 46
ADI 2.913
Ct CF/1988, art. 129, III. (...) Ação civil pública. AI 759.543 AgR 749
Trbt CF/1988, art. 150, VI, c. (...) Imunidade tributária recíproca. 745
AI 731.786 AgR
CF/-Con
Trbt CF/1988, art. 150, VI, d: interpretação restritiva. (...) Imposto 625
sobre Serviços (ISS). RE 530.121 AgR
Trbt CF/1988, arts. 150, § 6º; e 155, § 2º, XII, g: ofensa. (...) Imposto so 114
bre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). ADI 3.702
Trbt CF/1988, art. 155, § 2º, X, a. (...) Contribuição social. RE 636
606.107
Ct CF/1988, art. 220: ofensa inocorrente. (...) Programa de rádio 771
“A Voz do Brasil”. RE 646.135
El Chefe do Poder Executivo. (...) Mandato eletivo. RE 637.485 675
PrPn CPP/1941, art. 567: inaplicabilidade. (...) Ação penal. AP 695 AgR 28
D
PrCv Decisão proferida na Pet 3.388 e suas condicionantes: não 57
vinculação a processos relativos a terras indígenas diversas.
(...) Embargos de declaração. Pet 3.388 ED
PrSTF Decreto autônomo. (...) Ação direta de inconstitucionalida 114
de. ADI 3.702
Trbt Decreto estadual 1.542-R/2005/ES: inconstitucionalidade. 114
(...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS). ADI 3.702
Dec-Des
E
Pn Elisão de tributo federal. (...) Descaminho. HC 120.617 618
F
El Figura do “prefeito itinerante” ou do “prefeito profissional”: 675
vedação. (...) Mandato eletivo. RE 637.485
PrPn Formalidade essencial à validade da prova: previsão legal. 11
(...) Prova criminal. AP 508 AgR
PrCv Funcionamento de escolas públicas na reserva: currículo 57
escolar. (...) Embargos de declaração. Pet 3.388 ED
Gar-Imp
H
PrPn Habeas corpus. Descabimento. Sucedâneo de recurso ordi‑ 603
nário. RHC 118.615
PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo STJ. Supressão 532
de instância. Lei 8.137/1990, art. 1º, I: pedido de desclassifica‑
ção do tipo penal. HC 94.240
PrPn Habeas corpus: medida liminar indeferida no STJ. (...) Agravo 574
regimental. HC 102.836 AgR
Ct Horário oficialmente estabelecido. (...) Programa de rádio “A 771
Voz do Brasil”. RE 646.135
Ct Hospital Municipal Souza Aguiar: ampliação e melhoria no 749
atendimento. (...) Direito à saúde. AI 759.543 AgR
I
Pn Idosa com grave patologia cardíaca: risco de morte iminen‑ 546
te. (...) Prisão domiciliar. RHC 94.358
PrSTF Ilegitimidade ativa. (...) Ação direta de inconstitucionalida 125
de. ADI 4.425
PrCv Impacto decorrente de obras públicas fora da área demar‑ 57
cada: eventual indenização. (...) Embargos de declaração.
Pet 3.388 ED
Imp-Ina
J
Ct Julgamento de mérito: ausência. (...) Controle abstrato de 629
constitucionalidade. AI 589.182 AgR
PrPn Julgamento de mérito do HC: não abrandamento da Súmula 574
691. (...) Agravo regimental. HC 102.836 AgR
Ct Julgamento de outros processos sobre idêntica controvérsia: 629
possibilidade. (...) Controle abstrato de constitucionalida
de. AI 589.182 AgR
Júr-Lei
L
Adm Laudo Agronômico de Fiscalização: entrega fora do prazo. 315
(...) Desapropriação. MS 28.160
Ct Legitimidade ativa. (...) Ação civil pública. AI 759.543 AgR 749
Int Lei 6.815/1980, art. 91, II. (...) Extradição. Ext 1.259 36
M
Ct Mandado de segurança. Controle preventivo de constitu‑ 330
cionalidade de projeto de lei. Admissibilidade excepcional:
hipóteses. Inconstitucionalidade formal: vício concretizado
no curso de formação da norma. Amici curiae: admissibili‑
dade de parlamentares. MS 32.033
PrCv Mandado de segurança. Descabimento. Matéria de prova: 315
produtividade de imóvel objeto de desapropriação. MS 28.160
Ct Mandado de segurança: indeferimento. (...) Controle preven 330
tivo de constitucionalidade. MS 32.033
El Mandado eletivo. Chefe do Poder Executivo. Segunda reelei‑ 675
ção em cargo da mesma natureza: proibição. Inelegibilidade
para o mesmo cargo em qualquer Município da Federação.
Figura do “prefeito itinerante” ou do “prefeito profissional”:
vedação. Princípio republicano. Postulado da temporarie‑
dade/alternância do exercício do poder. CF/1988, art. 14, § 5º:
nova interpretação. RE 637.485
Man-Omi
N
PrCv Não conhecimento. (...) Embargos de declaração. Pet 3.388 ED 57
O
Ct Obrigação do Município: configuração de omissão inconsti‑ 749
tucional. (...) Direito à saúde. AI 759.543 AgR
PrCv Obscuridade, contradição e omissão: ausência. (...) Embar 57
gos de declaração. Pet 3.388 ED
PrCv Omissão, contradição ou obscuridade: não demonstração. 57
(...) Embargos de declaração. Pet 3.388 ED
Par-Pos
Q
Pn Quantia inferior a vinte mil reais: atipicidade material. (...) 618
Descaminho. HC 120.617
Ct Quantificação pelo índice oficial de remuneração da cader‑ 125
neta de poupança. (...) Precatório. ADI 4.425
PrPn Questão não apreciada pelo STJ. (...) Habeas corpus. HC 532
94.240
PrCv Questão superada no acórdão embargado. (...) Embargos de 57
declaração. Pet 3.388 ED
Rad-Sen
S
El Segunda reeleição em cargo da mesma natureza: proibição. 675
(...) Mandato eletivo. RE 637.485
PrCv Sentença declaratória: possibilidade de execução. (...) Em 57
bargos de declaração. Pet 3.388 ED
Sen-Tra
T
PrCv Terceiro prejudicado. (...) Embargos de declaração. Pet 57
3.388 ED
Int Tráfico de drogas. (...) Extradição. Ext 1.259 36
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal em desprover o agravo regimental na ação penal, nos termos
do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo ministro Ayres Britto,
na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.
Brasília, 7 de fevereiro de 2013 — Marco Aurélio, relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Marco Aurélio: O Gabinete prestou as seguintes informações:
Às fls. 2754 e 2755, Vossa Excelência determinou a degravação de mídia eletrônica
referente a diálogos telefônicos interceptados durante investigação policial.
O agravante, na peça de fls. 2760 a 2765, sustenta ter a questão se esgotado na
simples entrega da aludida mídia ao réu, não sendo cabível, na fase final da ação
penal e após a defesa quedar silente, a degravação integral de todos os diálogos
interceptados. Alega encontrarem-se as conversas transcritas no documento de
fls. 409 a 453, constando do processo certidão comprobatória da vista à defesa, a
fim de examinar o teor dos diálogos, e a consequente devolução posterior. Assevera
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Na interposição deste agravo, atendeu‑
-se aos pressupostos de recorribilidade. A peça, subscrita pelo procurador-geral
da República, foi protocolada no prazo assinado em lei.
Cabe lembrar que pronunciamento do relator com carga decisória desafia o
agravo regimental interposto quer pela defesa, quer pela acusação, como ocorreu
no caso. No mais, reitero o que consignei ao deferir a degravação:
2. A existência de processo eletrônico não implica o afastamento da Lei 9.296/1996.
O conteúdo da interceptação telefônica verificada, registrado em mídia, há de
passar pela degravação. Também cumpre solicitar ao Juízo da 2ª Vara Federal da
Seção Judiciária do Amapá a mídia, para degravação, da interceptação telefônica
mencionada na denúncia.
Frise-se, por oportuno, que a referida formalidade não está retratada no do
cumento de fls. 409 a 453. Neste constam apenas trechos de inúmeros diálo‑
gos obtidos em dias e horários diversos, não havendo a transcrição integral de
nenhum debate envolvendo o agravado e os demais envolvidos.
Desprovejo o agravo regimental.
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Bom, aqui o que está em discussão
é aquela questão consistente em saber se há obrigatoriedade de degravação da
integralidade da interceptação ou se apenas do que for necessário à instrução.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Desde que disponibilizada toda a gravação.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Nós sabemos que há situa‑
ções em que, se for fazer toda a degravação, paralisa-se na prática a ação penal.
Eu ouço o ministro Teori Zavascki...
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Lembro-me do precedente. Lanço um
esclarecimento. No caso da Operação Furacão, não se observou o prazo peremp‑
tório alusivo à interceptação e alcançou-se mais de quarenta mil horas de gra‑
vação. Então, o Tribunal, diante dessa peculiaridade, determinou a entrega da
mídia. Esse não é o caso concreto. A própria lei prevê que, feita a degravação,
deverá ser expungido o que não diga respeito ao próprio processo.
VOTO
O sr. ministro Teori Zavascki: Presidente, vou pedir vênia ao ministro Marco
Aurélio para, adotando a jurisprudência firmada no Plenário do Supremo, que
tive oportunidade de consultar, considerar legítima a degravação das partes
que interessam, sem necessidade de degravar justamente aquilo que não inte‑
ressa, nada impedindo que se dê acesso amplo aos interessados da totalidade
da mídia eletrônica.
O voto é, pois, pelo provimento.
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, também peço vênia ao eminente
relator e, forte na decisão do Plenário – o Inq 2.424 –, estou acompanhando a
divergência aberta pelo ministro Teori Zavascki, entendendo pela necessidade
de degravação apenas daqueles trechos da interceptação que a embasam. E aqui,
no caso, ainda destaco o aspecto de uma quase preclusão, porque esta matéria já
está sendo debatida em oportunidades anteriores e não foi levantada pela parte.
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ressalto, mais uma vez, que se ficou
VOTO
(Confirmação)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, mantenho, com todo respeito,
o meu voto, porque vislumbro uma atitude absolutamente protelatória nesse
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, apenas um detalhe: trata-se de
nulidade absoluta, que não preclui com a passagem do tempo, já que a formalidade
é essencial à valia do ato, à valia da prova. Hoje sabemos que não há mais, prin‑
cipalmente no processo penal, campo específico para o saneamento processual.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Vossa Excelência deferiu?
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Deferi, Presidente. Pedi que o Juízo
enviasse a mídia que serviu de base à denúncia, porque esse processo veio des‑
locado, ante assunção da cadeira de deputado federal pelo acusado. Ocorreu
desmembramento, mandaram o processo quanto ao acusado. Então, solicitei o
envio da mídia e determinei a degravação.
VOTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu também tenho aqui anotações que
conduzem exatamente a essa preclusão. Só depois, nas alegações finais, depois
de ter obtido a mídia, e, de posse da mídia, poderia ter impugnado degravações
eventualmente incorretas, é que a parte vem, depois das alegações finais, solici‑
tar a degravação integral pelo mesmo advogado constituído no processo. Data
maxima venia, os magistrados sabem quando essas manobras da defesa tendem
a tornar infindável o processo.
Eu tenho essa cautela e eu vou acompanhar a jurisprudência, exatamente
por esse quadro fático. Peço vênia para prover o recurso do Ministério Público.
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, penso que a situação colocada
nestes autos é distinta da daqueles precedentes que foram citados. Por quê?
Porque aqui, o que nós temos? Na fase final de diligência requereu a defesa a
degravação. O relator entendeu por bem deferir. Pelo tempo entre o despacho
e o julgamento desse agravo, era provável que essa degravação já estivesse nos
autos. Vamos e venhamos. Vamos trazer à realidade temporal as coisas.
O sr. ministro Teori Zavascki: E reabrir a instrução.
O sr. ministro Dias Toffoli: Não se reabriu a instrução, porque o ministro
relator, no seu despacho, não anulou nada. Simplesmente, deferiu a degravação
na fase do antigo 499 (atual 402 do CPP). Não foi isso, Ministro Marco Aurélio?
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Sim, a degravação...
O sr. ministro Dias Toffoli: O despacho que é agravado não assenta nenhuma
nulidade: não assenta nulidade de denúncia, de instrução, de nada.
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Não, não, tanto que refutei – e essa
matéria não está em jogo – o pleito de abertura de prazo para o acusado se
manifestar quanto à denúncia. Disse que o Direito é orgânico e dinâmico e que,
à época própria, não incidia a lei que previa essa abertura de prazo.
O sr. ministro Dias Toffoli: Então, Vossa Excelência indeferiu essa parte do
pedido da defesa.
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Indeferi essa parte.
O sr. ministro Dias Toffoli: O que se discute aqui é uma ordem do instru‑
tor do processo de deferir a degravação. Vamos e venhamos, qual o prejuízo à
acusação?
Eu não estou partindo de premissas de nulidade, de impossibilidade de julgar
sem degravação, não estou entrando nessas questões. Eu estou aqui analisando o
tema do ponto de vista de um Colegiado que julga ação penal. Por ser um Cole‑
giado, as ações e os inquéritos são dados a um dos juízes, para que este faça a
instrução do processo.
Ora, essa decisão do eminente ministro Marco Aurélio poderia ser feita de
ofício, de ofício! E nós vamos cassá-la aqui? Não envolveu decisão de nulidade.
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Em outra decisão, atentei que não
estava em curso ainda o prazo para alegações finais, porque nem a mídia a defesa
recebera.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: E aí há um fato que está me impres‑
sionando, data venia, no sentido da argumentação do eminente ministro relator.
O item 12 do parecer do Ministério Público.
Os diálogos referidos na denúncia e que sustentam a acusação foram degra‑
vados, estão transcritos no documento de folhas tais. O acusado, quando o feito
ainda tramitava perante o Juízo da Segunda Vara da Seção Judiciária do Amapá,
solicitou vista dos autos, do procedimento de interceptação que continha as
gravações de todos os diálogos interceptados, tendo-se deferido o requerimento.
O documento anexo comprova que o advogado do acusado retirou os autos do
cartório, somente os devolveu após trinta dias.
O que eu estou verificando aqui é o seguinte: na verdade, a transcrição que
foi feita e que chegou às mãos do acusado são só aqueles trechos que constam
da denúncia. E ele, agora, quer a transcrição integral, até para contextualizar.
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): E, claro, pinçou-se da fita e se degra‑
vou o que interessou à persecução criminal. E a defesa, como fica?
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Isso é que impressiona.
O sr. ministro Luiz Fux: E aí a defesa tem vista da mídia e não aponta nenhuma
incorreção naquela degravação nem diz que, do contexto...
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas ela não teve vista.
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Não, Ministro. Não sei se teve no
Juízo, mas determinei para a entrega, como preconizado pelo procurador-geral
da República, a remessa da mídia. Chegando a mídia, é que veio, então, o pleito
da defesa no sentido da degravação, porque da denúncia e do documento que a
acompanha só constam alguns trechos das conversas.
O sr. ministro Luiz Fux: É porque a informação que há aqui é a de que ele
obteve.
O sr. ministro Dias Toffoli: Só queria concluir o meu voto, Senhor Presidente.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Ministro Toffoli, antes de Vossa
Excelência...
O sr. ministro Dias Toffoli: Pois não!
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): É bom que estejamos atentos
para o seguinte fato: mantida a decisão do relator, é muito provável que a parte,
logo em seguida, venha com um pedido de reabertura do prazo.
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): O prazo para as alegações finais ainda
não começou a correr.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Ele vai dizer que respondeu
a denúncia sobre os fatos que foram pinçados, e que, agora com a degravação,
novos elementos surgiram. Então, portanto...
O sr. ministro Dias Toffoli: Mas o ministro relator indeferiu a retomada
dos prazos.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas o ministro relator indeferiu.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Oi?
A sra. ministra Cármen Lúcia: O ministro relator indeferiu qualquer reaber‑
tura de prazo.
O sr. ministro Dias Toffoli: A fase do 402 é para fins de manifestação e ale‑
gações finais. Não é para reabrir instrução.
A sra. ministra Cármen Lúcia: E o ministro relator informa que nem começou
a correr prazo para as alegações.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Eu entendo. Nós podemos
manter a decisão do relator sem proclamar nenhuma nulidade.
O sr. ministro Dias Toffoli: Sem proclamar nenhuma nulidade. Exatamente!
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Sim, Presidente, ressaltando-se que
o prazo para as alegações finais não chegou a ser aberto.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Ainda não.
DEBATE
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu só queria ponderar que o desti‑
natário da prova é o órgão julgador. E, no caso aqui, um órgão subjetivamente
complexo.
O que dispõe a Lei? Que o juiz do caso, quem vai julgar, que é o destinatário
da prova, deverá rejeitar as provas inúteis ou meramente protelatórias.
Então, suponhamos que o relator entenda que a prova seja útil e o Ministério
Público, que é parte, entenda que a prova seja inútil, seja meramente protelató‑
ria, e que vai acabar, por exemplo, implicando a prescrição da persecução penal;
quer dizer, o Ministério Público tem o direito de agravar. E quem vai julgar esse
agravo? O Plenário. Então, quer dizer, na verdade, o Plenário, eventualmente,
pode entender que, muito embora o relator seja o instrutor do feito...
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministro, mas veja a situação concreta.
Houve a degravação parcial, e esta serviu de base à denúncia.
O sr. ministro Luiz Fux: Não, não. Não é no caso concreto, é de uma tese
afirmada.
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, gostaria de fazer duas obser‑
vações, apenas para pontuar e para que em outros julgamentos não haja nenhum
tipo de confusão sobre o meu posicionamento. Considero que não há nulidade,
tanto de ser deferida quanto de ser indeferida; que não é imprescindível que haja
degravação; isto fica ao talante, segundo o que se comprovar como necessário
pelo juiz, pelo órgão julgador. Considero que é válido, sim, o processo no qual
não se tem a degravação de todo o conjunto, desde que o órgão julgador assim
entenda. Portanto, não vejo nenhuma nulidade em qualquer tipo de apresenta‑
ção de transcrição de conteúdo que não seja integral de degravações de escutas
telefônicas que sejam realizadas.
Entretanto, o que se mostra neste caso parece-me diferenciado: o relator do
caso no Supremo entendeu como não sendo protelatório, não sendo indevido, e
não é antijurídico o deferimento do pleito da defesa em momento próprio, sem
qualquer reabertura do prazo que me levaria a pensar numa protelação.
Então, com essas pontuações expressas, Senhor Presidente, porque, inclusive,
fui redatora para o acórdão num habeas corpus no qual se discutiu exatamente a
possibilidade de não haver a degravação – e permaneço com esse mesmo enten‑
dimento –, mas, no caso específico agora posto, tenho que não há nenhuma ile‑
galidade, não há nada a ser acolhido ou provido no agravo do Ministério Público.
Razão pela qual, com essas ponderações e acentuando esses pontos, estou,
neste caso, também negando provimento ao agravo e acompanhando, portanto,
o ministro relator, com as vênias da divergência.
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, peço vênia aos que
divergem, mas vou acompanhar o relator para negar provimento ao agravo. Isto
sem entrar nas teses veiculadas aqui. Também já manifestei a minha posição
com relação à entrega da mídia, mas, neste caso concreto, entendo que o rela‑
tor, utilizando o seu prudente arbítrio, entendeu que era necessária a juntada
da transcrição das escutas telefônicas para melhor compreensão da questão.
Entendo e vejo, com o devido respeito, que o Ministério Público se insurge contra
essa providência, que é própria do relator – a meu ver, poderia ser determinada até
de ofício –, dizendo o seguinte, no item 17, de forma vaga e um tanto quanto abstrata,
sempre com o devido respeito: “(...) A transcrição integral das interceptações, como
quer a defesa, certamente levará anos para ser executada [não acredito, data venia,
que levará anos], levando os crimes necessariamente à prescrição”.
Também, numa análise muito superficial, tendo em conta inclusive que o réu
é acusado de inúmeros crimes – 288 do Código Penal; 317, que é corrupção pas‑
siva, cuja pena varia de dois a doze anos, ainda que medeiem cinco anos entre
o recebimento da denúncia e até a presente data –, não creio, data venia, pelo
menos nessa avaliação preliminar, que a denúncia esteja próxima. Ademais,
imputa-se ao acusado não só esse art. 317, 319, mas ainda o art. 90 da Lei 9.866,
que é a Lei de Licitações. Se houvesse realmente a possibilidade real e efetiva da
prescrição, penso que o Ministério Público deveria ter colocado isso com todas
as letras, apresentando, inclusive, dados concretos.
De modo que, especialmente em respeito à decisão do relator, que, no caso
concreto, considerou imprescindível essa prova, acompanho Sua Excelência,
negando provimento ao agravo.
VOTO
O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, este é um caso que me causa
desconforto. Já naquele precedente, eu me manifestei no sentido da necessidade
da degravação. Era um caso de todo singular, mas evidente que nós estamos
sendo, a toda hora, atropelados por essa evolução tecnológica, não só hoje, na
capacidade da escuta telefônica, todos esses novos aparatos, há um pouco de mito,
mas também de realidade em torno desse assunto. A própria vulnerabilidade, no
que diz respeito à privacidade, quando se fala hoje – ainda há pouco lia um texto
em que se falava da possibilidade de fazer monitoramentos de residências, o que
esvazia a ideia da inviolabilidade do domicílio –, na possibilidade de se fazer busca
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Quarenta mil horas, e com certo
aparelho de interceptação, que é multiplicador quanto aos telefones apanhados.
O sr. ministro Gilmar Mendes: É isso que estou dizendo, fruto dessa tec‑
nologia, desses avanços, e por isso nós chegaríamos também a um resultado...
O sr. ministro Teori Zavascki: Vossa Excelência me permite?
Na verdade, a discussão aqui se resume em definir um meio de prova. Ninguém
pode, obviamente, negar ao réu o acesso às conversas interceptadas. O que se
discute aqui é se ele tem direito de obter isso no papel ou se basta que ele tenha
acesso pela via eletrônica. Esse problema, provavelmente no futuro, vai desa‑
parecer, na medida em que o próprio processo será todo eletrônico. No futuro,
provavelmente, esse problema...
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): E o processo aqui é eletrônico.
O sr. ministro Dias Toffoli: O fato de o processo ser eletrônico não invia‑
biliza a transcrição do áudio, porque uma coisa é o áudio, outra coisa é o texto
escrito. Imagine se o juiz fosse surdo, ele não poderia mandar degravar o áudio
e ler o texto?
O sr. ministro Teori Zavascki: Evidentemente que não, evidentemente que não.
O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Originariamente, não. Ele foi digitali‑
zado. O processo originariamente se mostrou físico. No Supremo, foi digitalizado.
O sr. ministro Teori Zavascki: Agora, nada impede que se considere a mídia
eletrônica, para todos os efeitos, como prova no processo.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Talvez até a própria evolução tecnológica
permita, daqui a pouco, a transcrição.
O sr. ministro Dias Toffoli: Podemos ter um juiz cego – esse passará o texto
para a sua versão oral – ou um juiz surdo – que passará o texto para a sua versão
escrita.
Mas eu queria ponderar aqui: essa denúncia é de 2005. Ao longo das intercep‑
tações, os órgãos persecutórios já poderiam vir fazendo as transcrições. Eu tenho
no meu gabinete quatorze ações penais. Portanto, sou instrutor, sou juiz ins‑
trutor, de quatorze ações penais. E tenho quarenta e três inquéritos. Todo dia,
estamos a proferir despachos decisórios nesses procedimentos. Se, toda hora,
isso for colocado em suspeição, se houver necessidade de trazer isso a Plenário,
realmente não andarão os procedimentos.
Eu penso que nós temos que considerar o juízo daquele que está com o pro‑
cesso instrutório, que é o relator. E eu volto a perguntar: não poderia Sua Exce‑
lência tê-lo feito de ofício? Não poderá Sua excelência fazê-lo de ofício após este
julgamento?
EXTRATO DA ATA
AP 508 AgR/AP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Agravante: Ministério Público
Federal (Procurador: Procurador-geral da República). Agravado: Sebastião Fer‑
reira da Rocha (Advogados: Walter José Faiad de Moura e outros).
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do relator, negou
provimento ao agravo regimental, vencidos os ministros Teori Zavascki, Rosa
Weber, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Votou o presidente, ministro Joaquim Barbosa.
Ausente, justificadamente, o ministro Celso de Mello.
Presidência do ministro Joaquim Barbosa. Presentes à sessão os ministros
Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias
Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Procurador-geral da República,
doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 7 de fevereiro de 2013 — Luiz Tomimatsu, assessor-chefe do Plenário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Ricardo
Lewandowski – vice-presidente no exercício da presidência –, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos e nos
termos do voto da relatora, em negar provimento ao agravo regimental. Ausentes,
RELATÓRIO
A sra. ministra Rosa Weber: Trata-se de agravo regimental contra decisão mono‑
crática de minha lavra em que, diante da vinda dos autos de ação penal a esta
Suprema Corte em razão de o acusado Josué Bengtson ter assumido o mandato
de deputado federal, reputei válidos, na linha requerida pelo Ministério Público
Federal, os atos processuais anteriormente praticados pelo Juízo competente,
ressalvando expressamente a quebra de sigilo bancário.
Em síntese, argumenta o recorrente que o acusado se diplomou deputado
federal no dia 1º-1-2011, motivo pelo qual, à luz dos arts. 564 e 567 do CPP, defende
seja declarada nula a decisão das fls. 826-30 do Juízo de primeiro grau, prolatada
em 19-4-2011, quando já competente o STF, e da qual afirma advir prejuízo à
defesa. Pede o desentranhamento dos documentos das fls. 731 e 744-822 (laudos
do Denasus), bem como de todos os documentos acostados após a posse do réu
na Câmara dos Deputados que se relacionam com a imputação do crime previsto
no art. 90 da Lei de Licitações.
O Ministério Público Federal manifesta-se às fls. 1083-5 pelo desprovimento
do agravo regimental.
É o relatório.
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber (relatora): 1. Como relatado, ataca o presente agravo
regimental, nos autos da presente ação penal – AP 695 –, decisão monocrática da
minha lavra em que reputei válidos os atos processuais praticados no primeiro
grau de jurisdição antes de sua remessa a esta Suprema Corte, por força da diplo‑
mação do acusado como deputado federal em 1º-1-2011 – com expressa ressalva
da decretação da quebra de sigilo bancário –, na linha do requerido pelo Minis‑
tério Público Federal. Busca o agravante ver decretada a nulidade da decisão do
Juízo da 7ª Vara Federal Criminal de Mato Grosso das fls. 826-30, porque exarada
em 19-4-2011 e à alegação de prejuízo à defesa, bem como o desentranhamento
dos documentos das fls. 731 e 744-822 e de todos os acostados aos autos após sua
posse como parlamentar federal pertinentes à imputação do crime de fraude à
licitação previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993.
Por outro lado, o conteúdo decisório das fls. 826-30, a despeito da ressalva
expressa, na decisão agravada, apenas à quebra de sigilo bancário, não foi rati‑
ficado em prejuízo ao réu. Confira-se:
(i e ii) rejeitada, na decisão das fls. 826-30, a arguição de nulidade da oitiva
das testemunhas de defesa sob duplo fundamento – falta de intimação da defesa
da data das audiências nos juízos deprecados e ausência, nos autos das precató‑
rias, de peças relativas aos fatos apurados em outro processo –, oportunizou-se à
defesa a reinquirição das testemunhas já ouvidas quando em trâmite o processo
em primeiro grau, e, ainda, a oitiva das não ouvidas. Com efeito, apresentados os
novos endereços das testemunhas às fls. 1076-7, com pedido de reinquirição das
já ouvidas, operacionalizou-se o comando para a oitiva de todas as testemunhas
de defesa por meio do despacho das fls. 1132-3;
(iii) a decisão das fls. 826-30 acolheu a arguição de nulidade quanto à teste‑
munha Denilson, e determinou sua reinquirição;
(iv e v) as teses defensivas relativas à inépcia da denúncia, incompetência
da Justiça Federal e rejeição da acusação quanto à imputação de formação de
quadrilha foram matérias analisadas quando da fase de recebimento da denún‑
cia e apreciação da resposta à acusação, período no qual o Juízo de primeiro
grau detinha competência para tanto, restando superadas. Ademais, constituem
matérias passíveis de apreciação nesta Suprema Corte na fase de julgamento;
(vi) a decisão de quebra do sigilo bancário do réu, a seu turno, não foi – de
forma expressa – ratificada na decisão por mim prolatada, presente inclusive
a manifestação do titular da ação penal nesta Corte no sentido de sua desneces‑
sidade (fls. 1064-7 e 1069-73).
Quanto ao deferimento do requerimento do Ministério Público Federal de
remessa dos laudos elaborados pelo Departamento Nacional de Auditoria do
Sistema Único de Saúde (DENASUS) – mero ato instrutório de coleta de provas
não alcançado pelo art. 567 do Código de Processo Penal –, ditos laudos, conforme
bem destaca o Ministério Público Federal nesta Suprema Corte, foram juntados
aos autos em agosto de 2010, antes da diplomação do denunciado. Tendo em
conta que se impunha o desentranhamento dos documentos que formavam os
apensos II a V, os quais não possuíam relação com os fatos investigados nessa
ação penal, foi determinada a vinda dos laudos elaborados pelo Denasus em
substituição aos processos licitatórios solicitados pelo acusado (fls. 1083-5).
Pelos mesmos motivos, nada colhe a alegação da defesa de que deveriam ser
desentranhados dos autos todos os documentos trazidos após a diplomação
do réu, enquanto atos de mera instrução do procedimento, cuja juntada é pas‑
sível de ser objeto de requerimento das partes a qualquer momento (art. 231 do
Código de Processo Penal), desde a fase investigatória, forte no art. 155, in fine, do
Código de Processo Penal, até a fase do art. 10 da Lei 8.038/1990, sem que se possa
cogitar de nulidade ou prejuízo. Além disso, o ofício para a Controladoria-Geral
da União foi mera reiteração de pedido formulado ainda em 15-12-2008 (fl. 317).
Para além disso, a imputação do crime de fraude à licitação capitulado no
art. 90 da Lei 8.666/1993 não é objeto de apuração nestes autos, mas, sim, na
AP 702. Conforme se constata da decisão das fls. 1069-73, este segundo procedi‑
mento havia sido autuado de forma inadequada, em apenso a esta AP 695, motivo
pelo qual foi determinada a correção, com a separação dos apensos I, II e III, e
sua distribuição como nova ação penal, conexa a este feito, formando então a
AP 702. Vale observar, aqui, que o próprio agravante afirma aviado, o presente
recurso, no aspecto, apenas ad cautelam.
Nessa linha, a pretensão do recorrente de que venham aos autos os procedi‑
mentos administrativos realizados pelos Municípios destinatários de emendas
orçamentárias de autoria do réu – na esteira do que fora decidido pelo e. TRF da
1ª Região no HC 2009.01.59464 –, de modo a permitir a comprovação da inexis‑
tência de fraude à licitação, deve ser formulada nos autos da AP 702. De qualquer
modo, entendendo a defesa pela juntada de novos documentos neste feito, basta
requerer a qualquer tempo até a fase do art. 10 da Lei 8.038/1990.
Sendo assim, resta claro que a decisão objurgada em nada ratificou a decisão
das fls. 826-30 em prejuízo ao agravante.
4. A jurisprudência desta Suprema Corte é tranquila quanto à validade da
ratificação, pelo juízo competente, de atos instrutórios praticados pelo juízo
anterior, quando ocorrer alteração superveniente de competência. Nesse sentido,
anoto a seguinte ementa, que não tem grifos no original:
Processual penal. Habeas corpus. Tráfico internacional de drogas. Ratificação da
denúncia e de atos instrutórios pelo juízo competente. Nulidade do processo. Ine-
xistência. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Matérias não levantadas na Corte
a quo. Indevida supressão de instância. Ordem parcialmente conhecida, e, nessa
parte, denegada. I – No processo penal não há que se cogitar de nulidade se o vício
alegado não causou nenhum prejuízo ao réu. II – Com a superveniente alteração
de competência do juízo, é possível a ratificação da denúncia pelo Ministério
Público e dos atos instrutórios pelo magistrado competente. III – Alegações
não apreciadas nas instâncias inferiores impedem o seu conhecimento em sede
originária pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de indevida supressão de ins‑
tância. IV – Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, denegada. [HC 98.373/
SP, Primeira Turma, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJ de 23-4-2010.]
EXTRATO DA ATA
AP 695 AgR/MT — Relatora: Ministra Rosa Weber. Agravante: Josué Bengtson
(Advogado: Luís Maximiliano Telesca). Agravado: Ministério Público Federal
(Procurador: Procurador-geral da República).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da relatora, negou
provimento ao agravo regimental. Votou o presidente. Ausentes, justificadamente,
o ministro Celso de Mello e, neste julgamento, os ministros Joaquim Barbosa
EXTRADIÇÃO 1.259 — DF
Relator: O sr. ministro Dias Toffoli
Requerente: Governo da Argentina
Extraditando: José Martín Martín
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do ministro Dias Toffoli,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimi‑
dade de votos, em deferir a extradição, nos termos do voto do relator.
Brasília, 22 de maio de 2012 — Dias Toffoli, relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Dias Toffoli: Trata-se de pedido de extradição instrutória, encami‑
nhado por via diplomática ao Ministério das Relações Exteriores, formulado pelo
Governo da Argentina, com base em tratado de extradição firmado entre os Estados
componentes do Mercosul, pelo qual pede a extradição do nacional venezuelano José
Martín Martín, investigado naquele país por suposto delito de tráfico de entorpecentes.
Colhe-se da Nota Verbal 280/2011:
A embaixada da República Argentina apresenta seus atenciosos cumprimentos
ao Ministério das Relações Exteriores – Divisão de Cooperação Jurídica Internacio-
nal – na oportunidade de solicitar, em nome do Governo argentino, com base no
artigo 6º do Tratado de Extradição firmado entre a Argentina e o Brasil, a prisão
preventiva com fins de extradição de: 1) José Martín Martín, nacionalidade vene‑
zuelana (...); e (...), nacionalidade espanhola (...).
O presente pedido de prisão preventiva com fins de extradição está baseado na
solicitação efetuada na Chancelaria argentina mediante Ofício do Juzgado Nacional
em lo Criminal y Correccional Federal n. 5, Secretaria n. 9, causa n. 7.429/11, intitu‑
lada “Martín Martín José y Ostros/Infracción Ley 23.737” (art. 5 inc. C).
O fato pelo qual os nominados são acusados consiste em que no dia 15 de junho
de 2011, como tripulantes do veleiro Traful (...) que navegava no território argentino
em direção à Punta del Este, Uruguai, solicitaram auxílio por uma falha técnica.
Os nominados solicitaram ser escoltados até Piriápolis, Uruguai. Não obstante, o
pessoal da Prefectura Naval Argentina os trasladou à doca e do porto da Cidade de
Buenos Aires, para logo ser amarrado o veleiro no Yacht Club Argentino.
Posteriormente, no dia 17 de junho de 2011, técnicos da empresa de manuten‑
ção encontraram no interior do veleiro Traful um total de 444 quilos de cocaína.
Os nominados foram trasladados a Colônia, Uruguai, no dia 15 de junho de 2011,
e se encontrariam, atualmente, em Canoas, Pelotas, Capo do Leto, Rio Grande do
Sul, República Federativa do Brasil.
O descrito se enquadraria nas previsões do Artigo 5, inciso “C”, na modalidade
de transporte da Lei 23.737, que tem prevista pena entre 4 e 15 anos, e autoriza a
extradição de acordo com o Tratado de Extradição vigente entre Argentina e Brasil.
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): Conforme relatado, trata-se de extradição
fundada em título prisional preventivo decretado contra o extraditando no país
requerente, visando ao seu processamento por suposta prática do crime de trá‑
fico de entorpecentes, tendo a nota verbal fornecido indicações concretas sobre
local, data, natureza e circunstâncias dos fatos delituosos.
Colhe-se do ato de indictment do extraditando (fl. 12/12v.) a descrição do crime
que lhe é atribuído:
c. Relação sumária dos fatos: No dia 15 de junho deste ano, o veleiro denominado
“Traful”, matrícula DL 4451X, com bandeira estadunidense, se encontrava nave‑
gando à altura do quilômetro 30 do canal Emilio Mitre, em um percurso entre
a cidade de La Plata, em território argentino, e a cidade de Punta del Este, em
território uruguaio quando seus tripulantes solicitaram o auxílio do pessoal da
“Prefectura Naval Argentina” a causa de uma avaria técnica. Corresponde destacar
que na embarcação mencionada estavam duas pessoas, identificadas como José
Martín Martín, passaporte espanhol AD 703469 e (...), com passaporte espanhol
BE 539819, que solicitam ser escoltados até a cidade de Piriápolis, no Uruguai.
Contudo, o pessoal da “Prefectura Naval Argentina” trasladaram o navio até a Doca
“E” do Porto de Cidade de Buenos Aires, Argentina, para ser finalmente amarrado
no Yacht Club Argentino.
EXTRATO DA ATA
Ext 1.259/DF — Relator: Ministro Dias Toffoli. Requerente: Governo da Argen‑
tina. Extraditando: José Martín Martín (Advogado dativo: Charlô Lorenz da Silva
Seifert) (Procurador: Defensor público-geral federal).
Decisão: A Turma deferiu a extradição, nos termos do voto do relator. Unâ‑
nime. Presidência do ministro Dias Toffoli.
Presidência do ministro Dias Toffoli. Presentes à sessão os ministros Marco
Aurélio, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber. Subprocurador-geral da Repú‑
blica, doutor Wagner Mathias.
Brasília, 22 de maio de 2012 — Carmen Lilian Oliveira de Souza, secretária
da Primeira Turma.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tri‑
bunal Federal, em Tribunal Pleno, sob a presidência do ministro Gilmar Mendes,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de
votos, em julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos
do voto do relator. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Votou
o presidente, ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, a ministra
RELATÓRIO
O sr. ministro Carlos Velloso: O procurador-geral da República, com funda‑
mento no art. 103, VI, da Constituição Federal, propõe ação direta de inconsti-
tucionalidade do art. 48, II e parágrafo único, da Lei Complementar 75/1993.
O dispositivo impugnado tem o seguinte teor:
Art. 48. Incumbe ao Procurador-Geral da República propor perante o Superior
Tribunal de Justiça:
(...)
II – a ação penal, nos casos previstos no art. 105, I, a, da Constituição Federal.
Parágrafo único. A competência prevista neste artigo poderá ser delegada a
Subprocurador-Geral da República.
VOTO
O sr. ministro Carlos Velloso (relator): Trata-se de ação direta de inconstitu‑
cionalidade proposta pelo procurador-geral da República, com o objetivo de ser
declarada a inconstitucionalidade do art. 48, II e parágrafo único, da Lei Com‑
plementar 75, de 1993, Lei Orgânica do Ministério Público, que dispõe:
Art. 48. Incumbe ao Procurador-Geral da República propor perante o Superior
Tribunal de Justiça:
(...)
II – a ação penal, nos casos previstos no art. 105, I, a, da Constituição Federal.
Parágrafo único. A competência prevista neste artigo poderá ser delegada a Sub‑
procurador-Geral da República.
VOTO
O sr. ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, estou para levar à Turma
um habeas corpus que aventa este problema. Concluí, também, pela constitu‑
cionalidade da norma ora questionada, que outorga ao procurador-geral da
República a atribuição de propor a ação penal de competência originária do
Superior Tribunal de Justiça.
Basta ver, na estrutura do próprio Ministério Público, um dado fundamental:
incumbe originariamente ao Superior Tribunal de Justiça julgar os subprocura‑
dores-gerais da República: mais que autorizar, a circunstância recomenda que
seja o único membro do Ministério Público de hierarquia superior o autor da
eventual ação penal contra um deles.
Afora o que Vossa Excelência lembrou – quer dizer, a representação interven‑
tiva que se propunha perante o Superior Tribunal de Justiça, que, pela Constitui‑
ção, era privativa do procurador-geral, hoje, com a EC 45, avocação dos processos
por “crimes contra os direitos humanos”, também é decidida pelo STJ mediante
provocação do procurador-geral.
Para não falar de outra tradicional atribuição cumulativa do procurador-geral
da República, que é o exercício das funções de procurador-geral eleitoral perante
o TSE, por força de lei.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.913/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente: Procurador-geral
da República. Interessados: Presidente da República e Congresso Nacional.
Decisão: Após os votos dos ministros Carlos Velloso (relator) e Sepúlveda
Pertence, que julgavam improcedente a ação, pediu vista dos autos o ministro
Marco Aurélio. Presidência do ministro Nelson Jobim. Plenário, 17-11-2005.
Decisão: Renovado o pedido de vista do ministro Marco Aurélio, justificada‑
mente, nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003.
Presidência do ministro Nelson Jobim.
Presidência do ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os ministros Sepúl‑
veda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar
Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-pro
curador-geral da República, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 8 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, secretário.
VOTO-VISTA
O sr. ministro Marco Aurélio: Esta ação direta de inconstitucionalidade foi
formalizada pelo procurador-geral da República e está dirigida contra o inciso II
do art. 48 da Lei Complementar 75/1993, que estabelece incumbir ao procurador‑
-geral da República propor a ação penal perante o Superior Tribunal de Justiça
nos casos previstos no art. 105, I, a, da Constituição Federal, podendo a compe‑
tência ser delegada a subprocurador-geral da República, conforme versado no
parágrafo único do citado artigo. Na assentada em que teve início o julgamento,
os ministros Carlos Velloso – relator – e Sepúlveda Pertence pronunciaram-se
no sentido da improcedência do pedido.
Passo a votar na matéria.
A Constituição Federal revela serem princípios institucionais do Ministério
Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Em termos
gerais, esse preceito corresponde à unidade do Judiciário – § 1º do art. 127 da Lei
Maior. Relativamente ao Ministério Público da União, observa-se a chefia dos
diversos segmentos – Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho,
Ministério Público Militar, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios –
pelo procurador-geral da República – § 1º do art. 128 da Carta Federal. Neste
mesmo artigo, o § 5º preceitua que leis complementares da União e dos Estados,
cuja iniciativa é facultada aos respectivos procuradores-gerais, estabelecerão a
organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas
as garantias e as vedações explicitadas. Entrementes, deve-se levar em conta,
na edição da lei complementar, o sistema consagrado pela Constituição Federal.
Pois bem, o exame do Diploma Maior revela, considerada até mesmo a tradição,
a atuação direta do procurador-geral da República no órgão máximo do Judiciário,
ou seja, no Supremo – arts. 36, III (decretação da intervenção), 103, VI e § 1º, da Carta
Federal. Quanto à ação penal, também ele atua junto ao Plenário, sendo que, nos
processos em geral, pode haver, tratando-se de jurisdição das turmas, o credencia‑
mento de subprocurador. Mais do que isso, a íntima ligação do procurador-geral da
República com o Supremo está demonstrada na competência deste para proces‑
sar e julgar aquele, originariamente, nas infrações penais comuns e também nos
habeas corpus quando seja coator ou paciente – art. 102, I, b e i, da Carta de 1988.
No tocante ao Superior Tribunal de Justiça, reserva-lhe a Constituição Federal
a competência para processar e julgar, originariamente, os membros do Ministé‑
rio Público da União que oficiem perante tribunais, bem como os habeas quando
qualquer deles seja coator ou paciente – art. 105, I, a e c, da Constituição Federal.
Além do mais, a participação direta do procurador-geral da República em ins‑
tância estranha ao Supremo veio a ser versada expressamente no § 5º do art. 109
do Diploma Maior, a preceituar que, nas hipóteses de grave violação de direitos
humanos, o procurador-geral da República – com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos
humanos dos quais o Brasil seja parte – poderá suscitar, perante o Superior
Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de
deslocamento de competência para a Justiça Federal. Vale dizer que a Lei Fun‑
damental é explícita ao prever situação jurídica em que possível a atuação direta
do procurador-geral da República junto ao Superior Tribunal de Justiça.
Ora, tanto o Judiciário quanto o Ministério Público estão organizados em
patamares, havendo elos reveladores da atuação nos diversos órgãos. Daí a con‑
clusão de o art. 48 da Lei Complementar 75/1993 – ao estabelecer que incumbe
ao procurador-geral da República ajuizar também ação penal da competência
do Superior Tribunal de Justiça, nesse último – discrepar do sistema consagrado
na Constituição Federal, do princípio da razoabilidade com o qual guarda perti‑
nência a proporcionalidade. Nem se diga sobre a possibilidade de ser delegada
a atuação. O parágrafo único do citado art. 48 encerra a exceção e não a regra.
Notem que a concentração prevista não atende sequer ao sistema de
freios e contrapesos inerente à Constituição Federal. Sabidamente, pleiteado
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, li os votos do ministro rela‑
tor e vou pedir vênia ao ministro Marco Aurélio, mas me convenci das razões
apresentadas pelo ministro Carlos Velloso, que julgou improcedente a ação, e
vou acompanhá-lo.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.913/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente: Procurador-geral
da República. Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional.
Decisão: Após os votos dos ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, julgando
procedente a ação, e dos votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Eros
Grau, acompanhando o relator, julgando improcedente a ação, pediu vista dos
autos o ministro Cezar Peluso. Não participam da votação os ministros Ricardo
Lewandowski e Menezes Direito por sucederem aos ministros Carlos Velloso
(relator) e Sepúlveda Pertence. Ausente, justificadamente, o ministro Joaquim
Barbosa. Presidência do ministro Gilmar Mendes.
VOTO-VISTA
O sr. ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
que, ajuizada pelo procurador-geral da República, tem por objeto o art. 48, II
e parágrafo único, da Lei Complementar 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério
Público da União – LOMP). Essa norma atribui ao procurador-geral da República
legitimação ativa para as ações penais previstas no art. 105, I, a, da Constituição
Federal, permitida delegação ao subprocurador-geral da República.
Alega o demandante que tal dispositivo teria transposto os limites das atribui‑
ções constitucionais conferidas ao procurador-geral (PGR), bem como ferido a cor‑
respondência de níveis com os quadros estruturais dos demais poderes da União.
Extrai-se da petição inicial:
12. É por isso que a Constituição Federal estabelecendo esta correspondência faz
da Suprema Corte o juízo natural originário ao processo criminal do Procurador‑
-Geral da República (artigo 102, I, b). Também, no âmbito do Ministério Público,
só o Procurador-Geral da República legitima-se à propositura da ação direta de
inconstitucionalidade ante a Suprema Corte (artigo 103, VI).
13. É do Procurador-Geral da República a legitimação exclusiva à representação
interventiva para assegurar observância aos princípios constitucionais nominados
na Carta Maior (artigo 36, III).
14. Sem dúvida que neste espaço, representação interventiva da União no
Estado-membro – a Constituição Federal expressamente legitimou o Procurador‑
-Geral da República a postular, por tanto, ante o Superior Tribunal de Justiça, “no
caso de recusa à execução da lei federal” (artigo 36, IV).
15. Mas fê-lo a própria Constituição Federal.
16. E fê-lo, não para quebrar o sistema de correspondência, preservado no jul‑
gamento aqui comentado da Suprema Corte, mas tendo em conta a natureza do
pleito, que é sempre de intervenção da Federação na Unidade federada.
17. Nesta perspectiva excepcional, quem há de pedir, em tema de grave com‑
prometimento ao pacto federativo, é sempre o Procurador-Geral da República e,
segundo a matéria que deduzirá, o foro será tal, ou qual, pela própria definição
constitucional da missão da Suprema Corte, e do Superior Tribunal de Justiça.
18. Contudo, insistimos, a perspectiva é excepcional, e portanto posta nos exatos
limites do enunciado constitucional, que não pode transbordar.
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no caso concreto, alcançada
foi a maioria absoluta exigida para a declaração de constitucionalidade.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.913/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Relatora para o acórdão: Minis‑
tra Cármen Lúcia (art. 38, IV, b, do RISTF). Requerente: Procurador-geral da Repú‑
blica. Interessados: Presidente da República e Congresso Nacional.
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do
voto do relator, julgou improcedente a ação direta, vencidos os ministros Marco
Aurélio e Carlos Britto. Votou o presidente, ministro Gilmar Mendes. Redigirá o
acórdão a ministra Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, a ministra Ellen
Gracie e os ministros Joaquim Barbosa e Menezes Direito. Não votou o ministro
Ricardo Lewandowski, por suceder ao ministro Carlos Velloso (relator).
Presidência do ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os ministros Celso
de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau, Ricardo Lewan‑
dowski e Cármen Lúcia. Procurador-geral da República, doutor Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza.
Brasília, 20 de maio de 2009 — Luiz Tomimatsu, secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Joaquim
Barbosa, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, em:
(i) por unanimidade, não conhecer dos embargos de declaração opostos por
Ação Integralista Brasileira, Movimento Integralista Brasileiro e Anésio de Lara
Campos Júnior, nos termos do voto do relator;
(ii) por unanimidade, negar provimento aos embargos opostos por Lawrence
Manly Harte e outros e pelo Estado de Roraima, nos termos do voto do relator;
(iii) por maioria, dar parcial provimento, sem efeitos modificativos, aos embar‑
gos de declaração opostos pelo senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti,
pela Procuradoria-Geral da República e pelas comunidades indígenas, apenas
para prestar os esclarecimentos expressos na ementa, nos termos do voto do
relator. Quanto aos embargos opostos pelo senador Mozarildo Cavalcanti, ficou
vencido o ministro Marco Aurélio, que lhes dava provimento em maior extensão.
Quanto aos embargos da Procuradoria-Geral da República, ficaram vencidos os
ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa (presidente), que lhe davam provi‑
mento com efeitos modificativos;
(iv) por unanimidade, delegar ao relator a incumbência de dirigir um ofício,
em nome da Corte, ao desembargador federal Jirair Aram Meguerian, cumpri‑
mentando-o pela dedicação e pelo excelente trabalho desenvolvido na supervi‑
são judicial sobre a execução da portaria e do decreto que demarcaram a Terra
Indígena Raposa Serra do Sol; e
RELATÓRIO
O sr. ministro Roberto Barroso: 1. Trata-se de embargos de declaração opostos
em face do acórdão do Tribunal Pleno que julgou parcialmente procedente o
pedido formulado na ação popular para, observadas algumas condições, decla‑
rar a validade da Portaria 534, de 13-4-2005, do ministro de Estado da Justiça,
que demarcou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e do Decreto de 15-4-2005,
que a homologou. Confira-se a ementa e o dispositivo do acórdão embargado:
Ação popular. Demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Inexistência de
vícios no processo administrativo-demarcatório. Observância dos arts. 231 e 232 da
Constituição Federal, bem como da Lei 6.001/1973 e seus decretos regulamentares.
Constitucionalidade e legalidade da Portaria 534/2005, do ministro da Justiça, assim
como do decreto presidencial homologatório. Reconhecimento da condição indígena
da área demarcada, em sua totalidade. Modelo contínuo de demarcação. Constitu-
cionalidade. Revelação do regime constitucional de demarcação das terras indígenas.
A Constituição Federal como estatuto jurídico da causa indígena. A demarcação das
terras indígenas como capítulo avançado do constitucionalismo fraternal. Inclusão
comunitária pela via da identidade étnica. Voto do relator que faz agregar aos respec-
tivos fundamentos salvaguardas institucionais ditadas pela superlativa importância
histórico-cultural da causa. Salvaguardas ampliadas a partir de voto-vista do ministro
Menezes Direito e deslocadas para a parte dispositiva da decisão.
1. Ação não conhecida em parte. Ação não conhecida quanto à pretensão autoral
de excluir da área demarcada o que dela já fora excluída: o 6º Pelotão Especial
de Fronteira, os núcleos urbanos dos Municípios de Uiramutã e Normandia, os
equipamentos e instalações públicos federais e estaduais atualmente existentes,
as linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias federais e esta‑
duais também já existentes. Ausência de interesse jurídico. Pedidos já contempla‑
dos na Portaria 534/2005 do ministro da Justiça. Quanto à sede do Município de
Pacaraima, cuida-se de território encravado na Terra Indígena São Marcos, matéria
estranha à presente demanda. Pleito, por igual, não conhecido.
2. Inexistência de vícios processuais na ação popular. 2.1. Nulidade dos atos, ainda
que formais, tendo por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras situadas na
área indígena Raposa Serra do Sol. Pretensos titulares privados que não são partes
na presente ação popular. Ação que se destina à proteção do patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe (inciso LXXIII do art. 5º da Constituição
e tradições dos não índios). Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é
um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que
resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma
etnia. Donde a proibição constitucional de se remover os índios das terras por eles
tradicionalmente ocupadas, assim como o reconhecimento do direito a uma posse
permanente e usufruto exclusivo, de parelha com a regra de que todas essas terras são
inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis (§ 4º do art. 231
da Constituição Federal). O que termina por fazer desse tipo tradicional de posse um
heterodoxo instituto de direito constitucional, e não uma ortodoxa figura de direito
civil. Donde a clara intelecção de que os arts. 231 e 232 da Constituição Federal cons‑
tituem um completo estatuto jurídico da causa indígena. 11.4. O marco do conceito
fundiariamente extensivo do chamado princípio da proporcionalidade. A Consti‑
tuição de 1988 faz dos usos, costumes e tradições indígenas o engate lógico para a
compreensão, entre outras, das semânticas da posse, da permanência, da habitação,
da produção econômica e da reprodução física e cultural das etnias nativas. O pró‑
prio conceito do chamado princípio da proporcionalidade, quando aplicado ao tema
da demarcação das terras indígenas, ganha um conteúdo peculiarmente extensivo.
12. Direitos originários. Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente
ocupam foram constitucionalmente reconhecidos, e não simplesmente outorgados,
com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propria‑
mente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente.
Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de originários, a traduzir um
direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pre‑
tensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou
títulos de legitimação de posse em favor de não índios. Atos, estes, que a própria
Constituição declarou como nulos e extintos (§ 6º do art. 231 da CF).
13. O modelo peculiarmente contínuo de demarcação das terras indígenas. O modelo
de demarcação das terras indígenas é orientado pela ideia de continuidade. Demarca‑
ção por fronteiras vivas ou abertas em seu interior, para que se forme um perfil cole‑
tivo e se afirme a autossuficiência econômica de toda uma comunidade usufrutuária.
Modelo bem mais serviente da ideia cultural e econômica de abertura de horizontes
do que de fechamento em bolsões, ilhas, blocos ou clusters, a evitar que se dizime o
espírito pela eliminação progressiva dos elementos de uma dada cultura (etnocídio).
14. A conciliação entre terras indígenas e a visita de não índios, tanto quanto com a
abertura de vias de comunicação e a montagem de bases físicas para a prestação de
serviços públicos ou de relevância pública. A exclusividade de usufruto das rique‑
zas do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual
presença de não índios, bem assim com a instalação de equipamentos públicos, a
abertura de estradas e outras vias de comunicação, a montagem ou construção de
bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública, desde
que tudo se processe sob a liderança institucional da União, controle do Ministério
Público e atuação coadjuvante de entidades tanto da administração federal quanto
representativas dos próprios indígenas. O que já impede os próprios índios e suas
ou à Funai; g) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal,
de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte,
além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União,
especialmente os de saúde e educação; h) o usufruto dos índios na área afetada por
unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade, respeitada a legislação ambiental; i) o Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração
da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena, com a
participação das comunidades aborígines, que deverão ser ouvidas, levando-se
em conta os usos, tradições e costumes deles, indígenas, que poderão contar com
a consultoria da Funai, observada a legislação ambiental; j) o trânsito de visitantes
e pesquisadores não índios é de ser admitido na área afetada à unidade de conser‑
vação, nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Con‑
servação da Biodiversidade; l) admitem-se o ingresso, o trânsito e a permanência de
não índios em terras indígenas não ecologicamente afetadas, observados, porém, as
condições estabelecidas pela Funai e os fundamentos desta decisão; m) o ingresso,
o trânsito e a permanência de não índios, respeitado o disposto na letra l, não
podem ser objeto de cobrança de nenhuma tarifa ou quantia de qualquer natureza
por parte das comunidades indígenas; n) a cobrança de qualquer tarifa ou quantia
também não é exigível pela utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas
de transmissão de energia ou outros equipamentos e instalações públicas, ainda
que não expressamente excluídos da homologação; o) as terras indígenas não pode‑
rão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que atente
contra o pleno exercício do usufruto e da posse direta por comunidade indígena
ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei 6.001/1973);
p) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha às etnias nativas a
prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária
ou extrativista (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei 6.001/1973);
q) as terras sob ocupação e posse das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo
das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado
o disposto nos arts. 49, XVI, e 231, § 3º, da CR/1988, bem como a renda indígena
(art. 43 da Lei 6.001/1973), gozam de imunidade tributária, não cabendo a cobrança
de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros; r) é vedada a
ampliação da terra indígena já demarcada; s) os direitos dos índios sobre as suas
terras são imprescritíveis, reputando-se todas elas como inalienáveis e indisponí‑
veis (art. 231, § 4º, CR/1988); t) é assegurada a participação dos entes federados no
procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, situadas em
seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento. Vencidos,
quanto à alínea r, a ministra Cármen Lúcia e os ministros Eros Grau e Carlos Ayres
Britto, relator. Cassada a liminar concedida na AC 2.009-3/RR. Quanto à execução
da decisão, o Tribunal determinou seu imediato cumprimento, independentemente
da publicação deste acórdão, confiando sua supervisão ao relator do feito, ministro
Carlos Ayres Britto, em entendimento com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
VOTO
O sr. ministro Roberto Barroso (relator): 1. Antes de passar ao exame dos itens
específicos que foram objeto de embargos de declaração, penso que é importante
fazer três registros gerais. O primeiro diz respeito ao alcance dos embargos de
declaração, cujos pressupostos de cabimento e análise são restritos, limitando-se à
verificação de eventuais omissões, contradições ou obscuridades. Isso faz com que
o exame desse recurso seja um exercício de apuro técnico e humildade, incompatí‑
vel com a pretensão de se reabrir o julgamento. Atento a esse parâmetro legal, não
estudei o acórdão com olhos de quem quer fazer dele algo diverso do que é. Não
proponho, nem poderia propor, uma revisão de mérito da decisão. Em vez disso, o
voto se concentra na análise dos supostos vícios internos suscitados pelas partes.
2. Em segundo lugar, entendo que a premissa mais destacada do acórdão é a
importância diferenciada que a Constituição atribui à proteção dos índios e do
seu modo de viver. De forma objetiva, aliás, o cerne da decisão foi a confirmação
da validade da demarcação contínua realizada pela União, assentando que o
direito das comunidades indígenas é reconhecido a partir da identificação de suas
terras tradicionais, e não constituído por escolha política. Mesmo quando isso
Seria o caso dos imóveis com posse ou propriedade anteriores ao ano de 1934,
quando foi promulgada a primeira Constituição que assegurou o direito dos índios
à posse da terra que tradicionalmente ocupavam. Antes disso, sustentam, não
havia proteção quanto às terras indígenas.
Mas essa argumentação não pode prosperar nos termos do art. 231 da Consti‑
tuição de 1988, que reconhece um direito insuscetível de prescrição aquisitiva (...).
Ainda que assim não fosse, as imagens de satélite juntadas aos autos (fls. 5003
a 5011, v. 19, e fl. 9440, v. 38) demonstram nitidamente que a ocupação das Fazen‑
das Depósito e Guanabara-Canadá, junto ao rio Surumu, e Iemanjá, junto ao rio
Tacutu, não existia como tal antes de 1991. [Fl. 385 – Negrito no original.]
Restam, portanto, as áreas correspondentes às Vilas Água Fria, Socó, Vila Pereira e
Mutum, às titulações conferidas pelo Incra, à Fazenda Guanabara e às propriedades
dos pequenos rizicultores privados que passaram a ocupar as terras a partir de 1992.
Com relação a essas áreas, cumpre ressaltar que as ocupações e domínios ante‑
riores à demarcação, como consignado pelo ministro Menezes Direito em seu
voto-vista, não prevalecem sobre o direito do índio à demarcação de suas terras,
nos termos do § 6º do art. 231 da Constituição Federal (...).
Assim, ainda que algumas áreas abrangidas pela demarcação sejam ocupadas por
não índios há muitas décadas, estando situadas em terras de posse indígena, o direito
de seus ocupantes não poderá prevalecer sobre o direito dos índios. [Fls. 812-3.]
1 V., por todos: CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença civil e procedimentos execu-
tivos. 2010, p. 69 et seq.; FUX, Luiz. A reforma do processo civil: comentários e análise crítica da
reforma infraconstitucional do Poder Judiciário e da reforma do CPC. 2006, p. 112-3; ROCHA,
Elias Gazal. Execução de sentenças de improcedência. Revista de Direito da Procuradoria-Geral
do Estado do Rio de Janeiro 62:64 et seq. 2007.
Pessoas miscigenadas, ou que vivam maritalmente com índios, podem permanecer na área?
21. Com base no caráter pluralista e inclusivo da Constituição de 1988, o critério
adotado pelo acórdão não foi genético, mas sociocultural: podem permanecer
Nesses espaços, a presença dos brasileiros índios e não índios faz com que se acei‑
tem, segundo a legislação aplicável pelo regime especial que submete a condição e os
direitos dos índios, manterem tais espaços possíveis da presença dos que passaram
a compor inclusive núcleos familiares complexos, formados por índios e não índios.
Não haveria como, juridicamente, decotar a presença dos não índios que com‑
ponham tais núcleos, o que faz com que seja possível, apenas nestes casos e não
para qualquer outro efeito, permitir-se tal presença, mesmo sendo a área, como
é, na forma da demarcação feita, indígena. (...) Daí porque não se há de impor
restrição a tais presenças, nem cabe, aqui, proibir-se ou exilar-se de tais áreas os
não índios que com eles se tenham composto em comunidades estáveis, como
famílias constituídas. [Fls. 477-8.]
tenham como propósito interferir com a religião dos índios, aspecto destacado
de sua cultura. No passado, a presença desses missionários pode ter sido até
encorajada, a fim de promover a assimilação dos índios à cultura majoritária no
Brasil. Esse fim certamente não foi acolhido pela Constituição de 1988.
25. No entanto, nem por isso se deve supor – incidindo no equívoco oposto –
que a Constituição tenha o papel de proteger os índios contra suas próprias
escolhas, transformando o direito de preservarem sua cultura em um dever de
isolamento incondicional. Nessa matéria, o maior erro é imaginar que caberia a
alguém, senão aos próprios índios, decidir sobre o seu presente e o seu futuro – o
que ocorre tanto pela imposição de valores externos quanto pela proibição de
contato com outros modos de vida. Por certo, a ideia não é assimilar ou aculturar
os índios, mas tampouco se pode impedir que eles mesmos decidam entrar em
contato com outros grupos humanos e ideias.
26. Dessa forma, parece possível concluir que também a situação dos mis‑
sionários e templos de denominações não indígenas se encaixa na equilibrada
moldura definida pelo acórdão embargado. Incide aqui a diretriz contida na
própria ementa do julgado – no sentido de que a “exclusividade de usufruto das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a
eventual presença de não índios (...), desde que tudo se processe sob a liderança
institucional da União, controle do Ministério Público e atuação coadjuvante
de entidades tanto da administração federal quanto representativas dos pró‑
prios indígenas”.
27. Nessa matéria específica, porém, a liderança da União não pode se traduzir
em uma espécie de dirigismo cultural por parte do poder público. Aqui estão em
jogo dois direitos atribuídos exclusivamente aos índios, a saber: (i) a proteção
de suas culturas, como integrantes de grupos minoritários; e (ii) sua autonomia
individual, como quaisquer outros seres humanos. Por ser assim, deve caber às
comunidades indígenas, e apenas a elas, o direito de decidir se, como e em que
circunstâncias se admitirá a presença dos missionários e seus templos. Não se
trata, portanto, de ouvir a sua opinião, mas de dar a ela o caráter definitivo que
qualquer escolha existencial deve ter, infensa à imposição externa, por parte da
União, das denominações religiosas ou de quem quer que seja.
28. Observada essa premissa, caberá à União e ao Ministério Público organizar
e supervisionar a entrada, a permanência e a saída de missionários e a construção
de templos na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, tomando as medidas necessá‑
rias para que a escolha dos grupos indígenas seja respeitada a cada tempo e para
que os não índios tenham os seus direitos preservados durante seus períodos
de permanência. Quanto aos templos e demais instalações erguidas por essas
pessoas, como é natural, sua eventual construção não gerará qualquer direito
de propriedade, nem tutela possessória.
29. Seja como for, todas essas considerações são compatíveis com as pre‑
missas adotadas no acórdão embargado. Também nesta parte, portanto, nego
provimento aos embargos.
31. Além do voto do relator (fls. 272-6 e 306-7), constam referências ao tema,
por exemplo, nos votos do ministro Ricardo Lewandowski (fl. 495) – que fala em
“prestação compartilhada” de serviços públicos, mencionando a educação – e
do ministro Gilmar Mendes, que fez referência expressa aos diplomas ordinários
que tratam do tema.
32. Nos termos do acórdão, as terras indígenas não são entidades políticas
autônomas, como os entes federativos; nem autarquias territoriais da União,
como os territórios federais. A demarcação não altera o status político da região,
mas opera apenas no plano dominial, declarando o direito de propriedade da
União sobre a área (CF/1988, art. 20, XI) e afetando-a a uma finalidade específica.
Nessas condições, o reconhecimento da terra indígena não afasta dos Estados e
Municípios as atribuições que a Constituição e suas respectivas ordens jurídicas
lhes impõem, em particular quanto aos serviços públicos, como a educação.
33. Entretanto, a atuação dos entes locais nas áreas demarcadas deve obser‑
var a legislação federal pertinente – não porque a região se submeta ao controle
direto da União, mas porque cabe a esta legislar, em caráter privativo, sobre
as “populações indígenas” (CF/1988, art. 22, XIV) e o uso das terras indígenas
(CF/1988, art. 231). Vale dizer: a liderança atribuída à União não decorre de um
ato de vontade do Supremo Tribunal Federal e nem mesmo do seu domínio sobre
a área, e sim de um elemento pessoal e um patrimonial, quais sejam: a presença
de populações indígenas no local e o usufruto de um bem público federal.
34. Em suma: é perfeitamente viável o funcionamento das escolas estaduais e
municipais na área, desde que se respeitem as normas federais sobre a educação
dos índios, o que abarca, naturalmente, o currículo escolar e o conteúdo pro‑
gramático. Como o tema já fora decidido pelo acórdão, devem ser desprovidos
os embargos no ponto.
A passagem de não índios pela única rodovia federal que liga Boa Vista à cidade de
Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, foi negada ou assegurada, no todo ou em
parte (i.e., dependente de autorização)? E quanto à rodovia BR-433, que liga Normandia
a Pacaraima? A quem cabe autorizar a passagem por essas rodovias?
35. O acórdão afirma claramente que os índios não exercem poder de polícia,
nem podem tornar inviável a passagem de outras pessoas pelas vias públicas
que atravessem a área demarcada. Confira-se o trecho pertinente da ementa:
A exclusividade de usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nas terras indí‑
genas é conciliável com a eventual presença de não índios, bem assim com a instala‑
ção de equipamentos públicos, a abertura de estradas e outras vias de comunicação,
a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou
de relevância pública (...) O que já impede os próprios índios e suas comunidades,
por exemplo, de interditar ou bloquear estradas, cobrar pedágio pelo uso delas e
inibir o regular funcionamento das repartições públicas. [Negrito acrescentado.]
36. O ponto foi destacado, por exemplo, nos votos dos ministros Carlos Ayres
Britto (fl. 310) e Gilmar Mendes (fl. 795). Como ressaltou a ministra Cármen Lúcia
(fl. 475), o próprio Despacho 80/1996, do ministro de Estado da Justiça (DOU de
24-12-1996, p. 28285) – mantido nesta parte pela Portaria 534/2005 –, já havia
excluído “da fruição indígena exclusiva as estradas e vias públicas que atravessam
a área indígena, bem como suas respectivas faixas de domínio público a assegurar
a livre circulação de pessoas e veículos em tais estradas” (negrito acrescentado).
37. Naturalmente, o tráfego por vias públicas não importa uma autorização
para o ingresso em outras partes da terra indígena, nem para o usufruto das rique‑
zas do solo, dos rios ou dos lagos (e.g., a pesca nos rios que servem de hidrovia).
38. Inexistindo omissão, voto pelo desprovimento dos embargos nesta parte.
Como ficam as ações individuais que questionam a boa-fé dos portadores dos títulos
de propriedade? Foram automaticamente extintas ou serão julgadas individualmente?
39. Convém explicitar o ponto. Na Pet 3.388/RR, o Supremo Tribunal Federal
julgou tão somente a validade da Portaria/MJ 534/2005 e do decreto presidencial
de 15-4-2005. Não foram apreciados os outros processos que discutem questões
individuais relacionadas à Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
40. Ocorre, porém, que, uma vez transitadas em julgado, as sentenças de
mérito proferidas em ação popular são oponíveis erga omnes, nos termos do
art. 18 da Lei 4.717/1965, ressalvados apenas os casos de insuficiência de provas.2
Disso resulta que todos os processos relacionados a essa terra indígena deverão
adotar, como necessárias, as seguintes premissas: (i) a validade da Portaria/
MJ 534/2005 e do decreto presidencial de 15-4-2005, observadas as condições
previstas no acórdão; e (ii) a caracterização da área como terra indígena, para
os fins dos arts. 20, XI, e 231 da Constituição – do que resulta não poderem per‑
sistir pretensões possessórias ou dominiais de particulares, salvo no tocante a
benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (CF/1988, art. 231, § 6º).
41. Nessa linha, dou parcial provimento aos embargos apenas para prestar
os esclarecimentos acima, sem efeitos modificativos.
2 Lei 4.717/1965, art. 18: “A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no
caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer
cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”
curso da lide” (fl. 10158). Sua Excelência reconhece que o Tribunal vem relativizando
sua autolimitação à condição de “legislador negativo”, mas afirma que (fls. 10158-9):
(...) os princípios democrático e da separação de poderes impõem limites para
esta atividade normativa do STF, que foram ostensivamente ultrapassados no
caso. Na hipótese, sem nenhuma discussão prévia na sociedade, simplesmente
foi proposta a edição de comandos gerais e abstratos, em tema extremamente
complexo e de enorme relevância social e jurídica.
Tal procedimento viola não apenas as regras legais concernentes aos limites obje‑
tivos e subjetivo da coisa julgada (CPC, arts. 469 e 472, art. 18 da Lei n. 4.717/65),
como também fere de morte os princípios do Estado Democrático de Direito (art. 1º,
CF) e da Separação de Poderes (art. 2º, CF), segundo os quais cabe ao legislador,
devidamente legitimado pelo voto popular, a prerrogativa constitucional de expedir
normas gerais e abstratas de conduta.
Não bastasse, o procedimento adotado para imposição das mencionadas condi‑
ções ofendeu também a garantia constitucional do devido processo legal (art. 5º,
LIV, CF). Com efeito, a maior parte das questões abordadas nas referidas condições
não guarda qualquer relação com o objeto específico da lide, ou seja, os limites
traçados para a procedência ou não de uma ação popular. Portanto, sobre elas não
se estabeleceu o contraditório. Não se concedeu nem às partes, nem aos diversos
grupos e instituições afetadas por medidas tão impactantes, qualquer possibilidade
de se manifestarem e de tentarem influir na elaboração das citadas condições.
50. Por fim, alega que condições definidas em caráter geral e abstrato só poderiam
ser impostas, a partir de casos concretos, pela via das súmulas vinculantes. Mas isso,
de todo modo, não seria viável na hipótese porque inexistiriam reiteradas decisões
do Tribunal sobre o tema ou risco de multiplicação de processos sobre essa matéria.
51. Passo a examinar o ponto. Embora o acórdão me pareça bastante claro
neste aspecto, é fato que as chamadas condicionantes a ele incorporadas vêm
gerando alguma polêmica. Por conta disso, convém fazer alguns esclarecimentos.
Para tanto, sequer é necessário debater a limitação do Tribunal à condição de
“legislador negativo”. Embora instigante, o debate seria irrelevante para o caso
em exame. Não é difícil observar por quê.
52. As condições em tela são elementos que a maioria dos ministros considerou
pressupostos para o reconhecimento da demarcação válida, notadamente por
decorrerem essencialmente da própria Constituição. Na prática, a sua inserção
no acórdão pode ser lida da seguinte forma: se o fundamento para se reconhecer
a validade da demarcação é o sistema constitucional, a Corte achou por bem
explicitar não apenas esse resultado isoladamente, mas também as diretrizes
desse mesmo sistema que conferem substância ao usufruto indígena e o com‑
patibilizam com outros elementos igualmente protegidos pela Constituição.
Precedente, no direito brasileiro, não pode ser o que a doutrina aproveita ao cuidar
dos sistemas do common law. Conquanto já não se creia que o sistema do civil
law possa ser tido como o modelo que cobre, com todo rigor, o sistema jurídico
brasileiro, é certo que o leading case não tem, aqui, as consequências vinculantes
para os juízes daquele primeiro sistema. O papel de fonte do direito que o prece‑
dente tem, naquele, não é desempenhado pelo precedente no direito brasileiro,
salvo nos casos constitucional ou legalmente previstos, como se dá com as ações
constitucionais para o controle abstrato.
Mas também é certo que o precedente judicial – julgado anterior sobre a matéria
não substituído ou desautorizado por entendimento sobre aplicação de norma
jurídica em sentido contrário exarado pelo Supremo Tribunal – influi, direta ou
indiretamente, na aplicação do direito pela jurisdição inferior. O precedente serve,
no sistema brasileiro, apenas como elemento judicial orientador, inicialmente, para
a solução dos casos postos a exame. É ponto de partida, não é ponto de chegada.
Não se faz inexorável a decisão proferida por ter tido outra em determinado sentido.
58. Isto é: embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal, o acórdão
embargado ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte
São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por
objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou
a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existen‑
tes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei
complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a
ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da
ocupação de boa-fé.
65. Também neste ponto, os embargos não merecem ser acolhidos. O tema
foi explicitamente tratado no voto do ministro Menezes Direito, que integrou a
maioria (fls. 391-2):
Ainda de acordo com o art. 231, § 2º, da Constituição, cabe aos índios o usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas,
salvo, como dispõe o art. 231, § 6º, quando houver relevante interesse público
da União, na forma de lei complementar, caso em que esta poderá iniciar a
exploração dessas riquezas.
Merecem destaque as restrições referentes à exploração dos recursos hídricos e
potenciais energéticos e à pesquisa e lavra de riquezas minerais, especialmente
em razão da incongruência que a uma primeira vista se apresenta entre os §§ 3º
e 6º do art. 231.
(...)
De fato, a lei de que trata o § 3º do art. 231 é exigida para a fixação do percen‑
tual de participação dos índios na exploração dos recursos em suas terras. Nada
mais. A lei complementar referida no § 6º do art. 231, por sua vez, é requisito para
a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos existentes nas
terras indígenas. Não alcança a exploração de recursos hídricos e, principalmente
do potencial energético ou a pesquisa e lavra dos recursos minerais, presente o
interesse público da União.
VI.4 A participação das comunidades indígenas nas deliberações que afetem os seus
interesses e direitos
67. A consulta aos indígenas é um elemento central da Convenção 169, da
Organização Internacional do Trabalho. Essa convenção integra o direito brasi‑
leiro, tendo sido internalizada pelo Decreto Legislativo 143/2002 e pelo Decreto
presidencial 5.051/2004, e foi considerada em diversas passagens do acórdão
68. Na mesma linha, confira-se trecho do voto do ministro Celso de Mello (fl. 731):
A circunstância de a faixa de fronteira constituir área indispensável à segurança
nacional, à defesa da integridade territorial do Brasil e à proteção da soberania
nacional justifica, plenamente, todas as medidas preconizadas no voto que o
eminente ministro Menezes Direito proferiu nesta causa, notadamente aquelas
concernentes à desnecessidade de prévia autorização da Funai ou de consulta
prévia às comunidades tribais interessadas, para efeito de instalação, em tais áreas
indígenas, de unidades militares e de atuação, nessas mesmas áreas, de qualquer
das Forças Singulares.
a ampliação, vamos, a meu ver, criar esse problema, que pode ser resolvido, man‑
tido o critério da vedação da ampliação, pelo sistema ordinário das expropriações.
Pode ser necessário, e a União pode exercer o direito expropriatório.
76. Em segundo lugar, o acórdão embargado não proíbe toda e qualquer revi‑
são do ato de demarcação. O controle judicial, por exemplo, é plenamente admi‑
tido (CF/1988, 5º, XXXV) – não fosse assim, a presente ação jamais poderia ter sido
julgada no mérito, já que seu objeto era justamente a validade de uma demar‑
cação. A limitação prevista no acórdão alcança apenas o exercício da autotutela
administrativa. Em absoluta coerência com as razões expostas, assentou-se que
a demarcação de terras indígenas “não abre espaço para nenhum tipo de revisão
fundada na conveniência e oportunidade do administrador” (ministro Menezes
Direito, fl. 395). Isso porque a inclusão de determinada área entre as “terras tradi‑
cionalmente ocupadas pelos índios” não depende de uma avaliação puramente
política das autoridades envolvidas, e sim de um estudo técnico antropológico.
Sendo assim, a modificação da área demarcada não pode decorrer apenas das
preferências políticas do agente decisório.
77. O mesmo não ocorre, porém, nos casos em que haja vícios no processo
de demarcação. A vinculação do poder público à juridicidade – que autoriza
o controle judicial dos seus atos – impõe à administração pública o dever de
anular suas decisões quando ilícitas, observado o prazo decadencial de cinco
anos (Súmula 473/STF; Lei 9.784/1999, arts. 53 e 54). Nesses casos, em homena‑
gem aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa
(CF/1988, art. 5º, LVI e LV), a anulação deve ser precedida de procedimento admi‑
nistrativo idôneo, em que se permita a participação de todos os envolvidos (Lei
9.784/1999, arts. 3º e 9º) e do Ministério Público Federal (CF/1988, art. 232; Lei
Complementar 75/1993, art. 5º, III, e), e deve ser sempre veiculada por decisão
motivada (Lei 9.784/1999, art. 50, I e VIII). Ademais, como a nulidade é um vício
de origem, fatos ou interesses supervenientes à demarcação não podem dar
ensejo à cassação administrativa do ato. Esses pontos foram bem sintetizados
no voto do ministro Gilmar Mendes (fls. 776, 782-3):
Terminado o procedimento demarcatório, com o registro da área demarcada no
Cartório de Imóveis, resta configurada a denominada coisa julgada administra‑
tiva, que veda à União nova análise da questão. No entanto, caso se faça neces‑
sária a revisão do procedimento, tendo em vista a existência de graves vícios ou
erros em sua condução, será imprescindível a instauração de novo procedimento
administrativo, em que sejam adotadas as mesmas cautelas empregadas anterior‑
mente e seja garantido aos interessados o direito de manifestação. Não se revela
admissível, contudo, a revisão fundada apenas na conveniência e oportunidade
Embora não se trate de enfrentar este tema agora, haverá de ser examinada no
momento próprio a questão da recepção do caput do art. 22, do art. 24, do inciso II
do art. 39, do art. 44 e do art. 45 da Lei 6.001/1973, bem como do Decreto 88.985,
de 10 de novembro de 1983.
VIII. Conclusão
89. Por todo o exposto, voto no sentido de:
(i) não conhecer dos embargos de declaração opostos por Ação Integralista
Brasileira, Movimento Integralista Brasileiro e Anésio de Lara Campos Júnior;
(ii) desprover os embargos opostos por Lawrence Manly Harte e outros e pelo
Estado de Roraima; e
(iii) acolher parcialmente, sem efeitos modificativos, os embargos de declara‑
ção opostos pelo senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti, pela Procurado-
ria-Geral da República e pelas Comunidades Indígenas, apenas para esclarecer que:
a) A decisão proferida na Pet 3.388/RR tem a força intelectual e persuasiva de
uma decisão do Supremo Tribunal Federal, mas não é vinculante, em sentido
técnico, para juízes e tribunais, quando do exame de outros processos, relativos
a terras indígenas diversas;
b) Com o trânsito em julgado do acórdão proferido na Pet 3.388/RR, todos os
processos relacionados à Terra Indígena Raposa Serra do Sol deverão adotar as
seguintes premissas como necessárias: (i) são válidos a Portaria/MJ 534/2005 e
o decreto presidencial de 15-4-2005, que demarcaram a área, observadas as con‑
dições indicadas no acórdão; e (ii) a caracterização da área como terra indígena,
para os fins dos arts. 20, XI, e 231 da Constituição, importa em nela não poderem
VOTO
(Sobre os terceiros embargos de declaração –
Embargos opostos pelo senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti)
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, acompanho o relator, sem
prejuízo de algumas observações que farei, mais adiante, em relação à eficácia
geral dessa decisão do Supremo Tribunal Federal.
VOTO
(Sobre os terceiros embargos de declaração)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, estou de acordo também.
Quanto aos templos religiosos e locais de culto, eu apenas, como obiter dictum,
me permitiria salientar que é preciso conciliar essa excelente solução dada pelo
eminente relator com aquilo que consta no art. 5º, VI, da nossa Constituição,
que assevera que:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais
de culto e a suas liturgias;
VOTO
(Sobre os terceiros embargos de declaração)
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, tenho uma única divergência rela‑
cionada à conclusão, até mesmo para que não ocorram leituras equivocadas do
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração –
Embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República – Antecipação)
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, pediria licença para, nesse
ponto, tecer algumas considerações a mais, devendo desde logo antecipar que,
nas conclusões, acompanho o ministro relator. Apenas registro um enfoque um
pouco diferente no que se refere à eficácia subjetiva e a alguns aspectos da efi‑
cácia temporal da decisão que aqui se proferiu.
eficaz exercício dessa função perante todo o ordenamento jurídico e todos os sujei‑
tos que nele operam. Certamente, muitos terceiros permanecem indiferentes em
face da sentença que decidiu somente a relação jurídica que em caso concreto foi
submetida a exame do juiz; mas todos, sem distinção, se encontram potencialmente
em pé de igualdade de sujeição a respeito dos efeitos da sentença, efeitos que se
produzirão efetivamente para todos aqueles cuja posição jurídica tenha qualquer
conexão com o objeto do processo, porque para todos contém a decisão a atuação
da vontade da lei no caso concreto. O juiz, que na plenitude de seus poderes e com
todas as garantias outorgadas pela lei, cumpre sua função, declarando, resolvendo
ou modificando uma relação jurídica, exerce essa atividade (e não é possível pensar
diversamente) para um escopo que outra coisa não é senão a rigorosa e imparcial
aplicação e atuação da lei; e não se compreenderia como esse resultado todo objetivo
e de interesse geral pudesse ser válido e eficaz só para determinados destinatários
e limitado a eles. [LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradu‑
ção de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 123.]
É nesse sentido também a doutrina pátria, fundada no sistema que entre nós
disciplina a eficácia subjetiva da sentença e da coisa julgada, notadamente no
art. 472 do CPC:
Verifica-se, portanto [do art. 472], que o julgamento apenas entre as partes é imutá‑
vel. Disto não se deduz, porém, que não deva produzir efeitos em relação a terceiros.
Todo julgamento tem eficácia natural e imperativa, que resulta de sua qualidade
de ato estatal. (...) Donde deve concluir-se que o julgamento final, como ato de
órgão do Estado, tem eficácia erga omnes; mas seus efeitos somente são imutá‑
veis entre as inter partes, pelo que o terceiro, que tenha interesse jurídico, poderá
impugnar os efeitos do julgamento, demonstranto estar ele em desacordo com o
direito objetivo. [MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9. ed.
São Paulo: Saraiva, 1987. v. 3, p. 243.]
A sentença, do mesmo modo que todo ato jurídico – diz Chiovenda – existe e vale
em relação a todos (...). Mas afirmar que a sentença, e, pois, a coisa julgada, vale
em relação a terceiros, não quer dizer que possa prejudicar terceiros. Apenas quer
dizer que terceiros não podem desconhecê-la, não que por ela podem ser preju‑
dicados. [SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3, p. 75⁄76.]
“A sentença faz coisa julgada às partes entre aos quais é dada, não beneficiando
nem prejudicando terceiros”. Não quer dizer isto que os estranhos possam ignorar
a coisa julgada. “Como todo ato jurídico relativamente às partes entre as quais
intervém, a sentença existe e vale com respeito a todos” [Chiovenda, Instituições
de Direito Processual Civil, 3. ed. v. I, n. 133, p. 414]. Não é certo, portanto, dizer
que a sentença só prevalece ou somente vale entre as partes. O que ocorre é que
apenas a imutabilidade e a indiscutibilidade da sentença não podem prejudicar,
nem beneficiar, estranhos ao processo em que foi preferida a decisão trânsita em
julgado (...) Assim, um estranho pode rebelar-se contra aquilo que foi julgado entre
as partes e que se acha sob a autoridade da coisa julgada, em outro processo, desde
que tenha sofrido prejuízo jurídico. [THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito
processual civil. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. I, p. 557.]
OBSERVAÇÃO
O sr. ministro Roberto Barroso (relator): Senhor Presidente, não tenho nenhuma
divergência substancial em relação ao que diz o eminente ministro Teori Zavascki.
O acórdão, rigorosamente, faz coisa julgada a propósito de duas coisas: a por‑
taria do Ministério da Justiça, que fez a demarcação, e o decreto presidencial,
que a homologou, são válidos. Penso que isso, fora de dúvida, faz coisa julgada.
Ademais, acho que faz coisa julgada a caracterização desta terra como terra
indígena para as consequências constitucionais, inclusive no tocante à inde‑
nização ou benfeitorias derivadas de ocupação de boa-fé. Essas duas questões
inequivocamente fazem coisa julgada.
Agora, concordo com o ministro Teori em que, se houver uma substancial
mudança de fato no mundo, ou se houver uma substancial mudança na disciplina
constitucional da matéria, é possível que eventualmente haja algum impacto.
Estou de acordo. Mas acho que qualquer coisa julgada no mundo está sujeita a
esse tipo de modificação – pode cair um meteorito na região...
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Mas é para isso que os parla‑
mentos são eleitos a cada quatro, cinco anos, para examinar eventuais mudanças
sociais, políticas, econômicas.
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração –
Embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República)
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, no quadro ao qual objetiva, a deci‑
são faz coisa julgada em relação ao pedido principal, e, no meu modo de ver, há
os efeitos acessórios dessa decisão, porque, não fossem essas condicionantes,
talvez até se inutilizaria o resultado do processo. Quer dizer, se não houvesse
essa aplicação das condicionantes, que, na verdade, são efeitos acessórios até
contidos no pedido principal, não teria a menor relevância a procedência, em
parte, do pedido.
Agora, se houver uma modificação tal como se prevê, aí não se estará falando
de coisa julgada, porque, para se falar de coisa julgada, é preciso que haja uma
tríplice identidade: é preciso que sejam os bens sujeitos; é preciso que seja o
mesmo pedido e a mesma causa petendi. Ora, se isso tudo for transformado, a
causa petendi, por exemplo, ela é composta por fatos, e, se os fatos são novos,
não é a mesma causa petendi, não estaremos falando de coisa julgada. Essa coisa
julgada, ela se mantém tal como ela está hoje assentada: essa terra foi demar‑
cada, com essas condições e com esses efeitos acessórios, que inclusive estão
previstos na própria Constituição. Por exemplo, diz a Lei de Locações: Extinta
a locação, automaticamente estará extinta a sua locação; extinto o casamento,
automaticamente será extinto o regime matrimonial de bens.
Diz a Constituição:
Art. 231. (...)
(...)
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham
por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras (...) [dessas que aqui foram
demarcadas].
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração)
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, evidentemente já há convencimento
da maioria sobre a matéria, mas começo subscrevendo as preocupações do minis‑
tro Teori Zavascki. Nós não julgamos mandado de injunção e, mesmo assim,
quando o fazemos, fixamos as condições para o exercício do direito assegurado
constitucionalmente, compondo o pronunciamento uma condição resolutiva,
que é a revelada por lei superveniente disciplinando a matéria. A decisão, então,
perde eficácia em termos de regulamentação.
Vou me restringir, quanto aos embargos do Ministério Público, à questão
estritamente instrumental. Ressalto, de início, que as condicionantes contidas
na parte dispositiva do pronunciamento do Tribunal encerram normas abstratas
autônomas. Sabemos que a ação popular não é uma ação de mão dupla, como
a possessória, por exemplo. O que se pleiteou na inicial desta ação – e digo que
o autor, talvez, tenha vindo à ultima trincheira da cidadania buscar lã e acabou
tosqueado? Unicamente a declaração de nulidade da Portaria 534, de 2005, do
Ministério da Justiça, homologada pelo presidente da República em 15 de abril
de 2005, em que definidos os limites da Terra Indígena Raposa Serra do Sol –
sustentando que, em síntese, o ato derivou de procedimento de demarcação
viciado e ofensivo aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, segurança
jurídica, legalidade e devido processo legal.
Fiquei a imaginar-me, atuando no campo extraordinário, julgando recurso
extraordinário, em que as condições tivessem sido fixadas por órgão do Judiciário.
Diria que o Tribunal, presumido o que normalmente ocorre, partiria para a glosa.
Mas o Supremo não pode, atuando originariamente – e isso restou proclamado
na decisão proferida e ora embargada –, abandonar, com a devida vênia daque‑
les que entendem de forma diversa, o arcabouço normativo regedor da maté‑
ria. E, em vez de julgar simplesmente improcedente o pedido de declaração de
nulidade, partir para a fixação de normas que não foram discutidas no processo.
Digo que o Executivo nacional está aguardando o julgamento desses embargos
declaratórios para ter diretriz quanto a outras situações conflituosas envolvendo
povos indígenas e que tomará de empréstimo porque, repito, as condicionantes
ou as salvaguardas institucionais criadas são abrangentes, abstratas – o que for
proclamado pelo Tribunal. E fomos muito criativos. Quem sabe talvez o Con‑
gresso não o fosse, isso na estipulação do que deve ser observado em termos do
gênero terras indígenas, não apenas quanto à Raposa Serra do Sol, à reserva que
revista de grande circulação, após o afastamento dos cidadãos em geral, apon‑
tou – refiro-me à Veja, não me lembro o número – como a reserva da miséria.
Não tenho, Presidente, sob pena de colocar em segundo plano a ordem jurí‑
dica, como deixar de agasalhar o que assentado pelo Ministério Público. Não con‑
cebo o Supremo atuando de forma tão larga, tão linear, como legislador positivo.
Sempre soube que a atuação possível é como legislador negativo e não positivo.
Mas acabou, no lançamento das salvaguardas, na parte dispositiva do acórdão,
como se isso implicasse a procedência do pedido inicial, estivesse compreendido
no pedido inicial, por introduzir, no cenário normativo, normas que somente
poderiam vir à balha mediante a atuação dos deputados federais e dos senado‑
res da República. Substituiu-se o Supremo – e devo dizer com desassombro – ao
Congresso Nacional, atuando no vácuo por ele deixado, e o fez abandonando a
postura que se aguarda do Judiciário, principalmente diante de lide que tem
balizas certas, já que, até mesmo no processo objetivo, o Tribunal está submetido
ao pedido formulado pelo requerente.
Presidente, longe de mim buscar a prevalência do voto vencido que proferi pela
procedência total do pedido veiculado na ação popular. Um voto que, inclusive,
como deixei registrado para histórico da própria Corte, para ficar nos anais da
Corte, acabei proferindo quando o imaginei inicialmente como o terceiro voto e
acabou sendo o nono, porque o presidente, à época, em vez de proclamar o pedido
de vista, suspendeu a sessão para o lanche e, no retorno, os colegas, mesmo diante
do pedido de vista, anteciparam o convencimento. Houve, inclusive, um colega que
queria que a Corte proclamasse o resultado do julgamento sem o meu voto. Então
lembrei a ele que ainda havia um Colegiado e que essa proclamação seria impossível.
Mas, se apreciarmos, com a equidistância que se imagina tenha o juiz, o que
fixado em termos de salvaguardas, colocando em segundo plano as balizas da
lide, concluiremos – daí ter subscrito as preocupações do ministro Teori Zavas‑
cki – que, realmente, foram criadas condições não apenas para essa situação
concreta de “Raposa Serra do Sol”, mas que se irradiam a outras áreas, já que o
tratamento deve ser, pela própria Carta da República, igualitário.
Acolho, Presidente, com eficácia modificativa substancial, para afastar, portanto,
as salvaguardas, que, para mim, são normas abstratas autônomas, ao todo, deze‑
nove salvaguardas – chegou-se ao ponto de disciplinar questão tributária, questão
de usufruto, questão de atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal, questões
não colocadas, como disse, no processo –, os embargos interpostos para afastar
essas salvaguardas e concluir, pura e simplesmente, porque não houve procedên‑
cia parcial, já que não compreendo, no pedido do autor, as questões decididas, e o
meu voto no sentido da procedência ficou isolado pela improcedência do pedido.
É como voto.
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração)
O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, a essa altura, a gente tem
enorme dificuldade de reconstituir todas as questões que foram postas nesse já
longínquo julgamento de 2009; isso mostra também um pouco a nossa disfun‑
cionalidade em termos de atuação do Plenário, uma vez que estamos discutindo
somente agora, em 2013, essa questão.
O sr. ministro Marco Aurélio: E prolação de uma decisão, sem dúvida al
guma, constitutiva.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Claro, o ministro Teori chama a atenção para
um tema que é extremamente importante e que tem ocupado a própria doutrina
processual, a partir das próprias lições clássicas de Liebmen, sobre a submissão
da coisa julgada à cláusula rebus sic stantibus. Mas, de qualquer forma, o eminente
ministro Roberto Barroso já precisou que essas condições deveriam estar e ser
observadas. De modo que eu também não vejo aqui contradição substancial
entre as duas posições elencadas.
O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me permite, Ministro Gilmar
Mendes? Inicialmente, o relator apontou que as salvaguardas somente seriam –
a não ser que tenha ouvido mal – aplicáveis a essa reserva.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, mas, na verdade, o relator também res‑
salta que isso funciona como precedente para efeito de orientação geral, isso
está claro. Agora – ele dizia condizente com a nossa doutrina e a nossa jurispru‑
dência –, é que essa decisão não é dotada de efeito vinculante, tanto é que citou
precedentes nos quais nós já indeferimos reclamações, mas é uma orientação
que demanda do Tribunal.
De qualquer forma, eu gostaria de lembrar que essas questões todas, por exem‑
plo, hoje a memória já está um tanto quanto prejudicada em relação às questões
que se colocaram, mas, à época, quando essa questão chegou ao Tribunal, se
dizia até que tinha que se pedir licença ou tinha que fazer tratado com as tribos
indígenas para assentar bases militares – portanto, essas questões todas foram
devidamente contempladas – ou para passar uma estrada, ou realizar uma obra
pública. Portanto, a rigor, não são respostas dadas no vazio, mas a partir das
situações que se colocaram neste caso.
O debate foi muito intenso a propósito da chamada demarcação em ilha, ou
demarcação de forma alongada, a colocação de distritos dentro desta demar‑
cação, mais ampla, que provocou tanta discussão. Vossa Excelência, mesmo,
Ministro Marco Aurélio, sustentou, e depois veio, inclusive, este resultado, que é
altamente constrangedor, quer dizer, a exclusão da área de atividade econômica,
que empregava parte da população indígena, e que levou depois aos resultados
que nós conhecemos.
Eu me lembro dessa reportagem e de outras que mostravam que muitos desses...
O sr. ministro Marco Aurélio: Todos aculturados, migraram para a capital
para mendigar.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Exatamente. Ou mostraram parte desses
índios, hoje, vivendo nos lixões de Boa Vista, tendo em vista a desativação da ati‑
vidade econômica, o que faz parte do aprendizado em que sugere a necessidade
talvez de revisão de regime. E, aí, sim, entra o legislador para permitir parcerias.
É nesse sentido que eu entendo a observação do ministro Teori. É no sentido de
que esse modelo, esse regime, esse estatuto é passível de atualização no tempo,
tendo em vista as mudanças que inevitavelmente já ocorreram, e ocorrem.
Agora, essas questões todas que foram tratadas, muitas delas, claro, proma‑
nam efeitos, em função da jurisprudência, para outras situações, de qualquer
forma, essas questões estavam postas no caso. Por exemplo, o Estado de Roraima
suscitava que não só neste caso, mas, em relação às demais demarcações de
terra, ele estava ficando desprovido de base territorial, sem que participasse do
processo de demarcação. Então, se chamou a atenção para a necessidade de que
a unidade federada... ora, o texto constitucional consagra como cláusula pétrea.
O sr. ministro Marco Aurélio: E foi tomado como um assistente simples.
Onde está o conflito federativo?
O sr. ministro Gilmar Mendes: Pois é. Mas veja, essa questão veio: era impor‑
tante que, tendo em vista inclusive que o princípio federativo compõe a Cons‑
tituição como cláusula pétrea, que o Estado-membro participasse do processo
demarcatório. Nesta própria demarcação, retirava-se base territorial de Municí‑
pios, sem que houvesse nenhuma participação do Município. Então, chamava-se
a atenção para a necessidade de que se observasse.
E por isso, inclusive, no debate, no Plenário, o ministro Barroso já respondeu
bem quando falou da questão da legislação negativa e legislação positiva, no
âmbito dos tribunais. E disse que, já há muito, não se pode falar que a resposta
há de ser apenas no sentido de um juízo cassatório, muitas vezes é inevitável
buscar uma outra solução.
Aqui, o Tribunal debateu isso de forma bastante clara, para dizer, inclusive,
que estava julgando parcialmente procedente a ação para estabelecer, inclusive,
essas condições. Vossa Excelência se lembra, não é, Ministro Celso de Mello, de
que nós discutimos isso, tendo em vista a necessidade de que essas condições
compusessem a coisa julgada. Então, houve consciência em relação a esse debate.
Só gostaria de deixar claro que a própria referência que Kelsen faz a propósito
desse chamado legislador negativo tinha, na sua origem, não apenas um referen‑
cial histórico, que é claro. Evidente que, naquele momento, dominava o modelo
de direitos fundamentais e de relações com o Estado de caráter negativo, logo,
a intervenção judicial seria basicamente de caráter cassatório. Era o modelo do
chamado status negativus, era o que era o modelo dominante na relação entre o
indivíduo e o Estado. Mas Kelsen também partia de uma premissa filosófica, tanto
é que, em princípio, ele dizia: “Não pode haver uma declaração de nulidade da
lei inconstitucional, a lei terá que ser apenas anulada”. E a Corte constitucional
austríaca, que é por ele inspirada e desenvolvida, ela, só em casos excepcionais,
aceita a eficácia assim chamada retroativa. Dizia Kelsen que isso era um absurdo,
porque declarar a nulidade de uma lei era mandar alguém fazer algo ontem.
Então, dizia ele, isso é incompossível com as próprias premissas do sistema.
Então, a rigor, essa imagem diz com o seu próprio modelo ou sistema, mas diz
também com a sua historicidade. Claro que, depois, com a própria evolução que
tivemos em matéria de omissão inconstitucional, passamos a ter necessidade
de dar outras respostas. E aqui ficou evidente, porque o Tribunal, a partir das
questões que se colocavam, deu respostas para as várias questões, como essa:
saber se era possível ou não instalar quartel ou se precisava de licença da comu‑
nidade para instalar quartel nas áreas indígenas, ou para passar uma estrada, ou
para realizar uma obra pública, ou uma obra de comunicação, que muitas vezes
levava benefício para a própria comunidade.
Então, essas questões estavam postas. E, nesse sentido, vou pedir vênia ao
ministro Marco Aurélio para assentar que o Tribunal discutiu essas condições,
claro que olhando também para o futuro, o desenvolvimento, mas tendo em
vista as questões concretas que se colocaram neste caso, daí o juízo inclusive
de procedência parcial.
Tendo feito essas considerações, Presidente, eu gostaria também de agregar
o meu voto, a minha manifestação, e cumprimentar a manifestação cuidadosa
e bem elaborada do ministro Barroso.
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, eu quero fazer uma
rapidíssima intervenção também, porque acabei não sendo ouvido, pelo fato
de os demais ministros exercerem o seu direito regimental de se manifestarem.
Mas eu queria assentar que o ministro Barroso, em boa hora, afasta esta
expressão “condições”, dizendo que, na verdade, e leio trecho aqui, páginas 32 e
seguintes do voto do ministro relator, que diz que não são propriamente condi‑
ções, mas a maioria dos ministros, na verdade, explicitou os pressupostos para
o reconhecimento da demarcação válida da terra indígena.
E mais ainda, disse o eminente relator, a meu ver, com bastante propriedade,
que a Corte, por sua maioria, entendeu que não era possível pôr fim ao conflito
fundiário e social que lhe foi submetido sem enunciar os aspectos básicos do
regime jurídico aplicável à terra indígena.
Então, o que nós fizemos aqui, e eu me recordo bem, apesar do tempo que já se
passou desde aquele julgamento, que, a rigor, nós não estabelecemos condições, nós
não legislamos em abstrato, mas nós simplesmente assentamos o regime jurídico
que deve reger as terras indígenas, e que era necessário, naquele momento, explicitar
para pormos fim a um conflito social e fundiário que objetivamente posto à Corte.
Eu também queria me reportar e dizer que fui honrado com a menção a uma
reclamação da qual fui relator, a 15.668, em que eu assento que, na verdade,
quando nós julgamos aquela ação popular, em nenhum momento, nós tomamos
a decisão com efeito vinculante, que é próprio das decisões de natureza abstrata,
mas simplesmente nós enunciamos uma decisão com efeitos erga omnes.
Não obstante isso, consta do meu voto, e Sua Excelência o relator também
traz à colação um trecho da manifestação do ministro Cezar Peluso, dizendo
que: não obstante aquele julgamento não tenha efeito vinculante, mas, sim, erga
omnes – e há uma distinção muito clara, que os teóricos conhecem muito bem –,
o ministro Cezar Peluso disse que, naquele momento, a Corte estava, na ver‑
dade, enunciando um voto ou manifestando um pronunciamento que era um
verdadeiro leading case, um caso padrão que traçava diretrizes não apenas para
a solução concreta que se estava examinando, mas para a disciplina de todas as
ações futuras. E até o ministro Cezar Peluso dizia que, num certo sentido, pode‑
ria nortear a solução até de questões pretéritas já colocadas acerca do tema.
Então, com essas ponderações, Senhor Presidente, eu quero dizer que também
não vejo nenhum conflito fundamental básico entre as posições do ministro
Teori e do ministro relator, Luís Roberto Barroso, porque, claro, todas as decisões
judiciais e os contratos, de modo geral, se baseiam na cláusula rebus sic stantibus.
Se as condições se alterarem fundamentalmente, este vínculo jurídico, seja de
natureza judicial, seja de natureza contratual, não pode mais subsistir.
Acompanho o relator, portanto, Senhor Presidente.
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração –
Embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, faço questão de registrar, ini‑
cialmente, a profundidade e clareza, não só do voto do eminente relator, mas
da exposição que fez aqui, neste Plenário. Sabe-se que não é fácil sintetizar de
uma forma – talvez, porque tenha ocupado tanto tempo a tribuna – e expressar
o pensamento. Então, faço esse registro primeiro.
Senhor Presidente, em um segundo momento, registro que estamos – todos
sabemos – em sede de embargos de declaração. E tenho uma posição restritiva
quando da análise de embargos de declaração. Claro que as visões, os olhares e as
compreensões são diferentes, cada um de nós com a sua circunstância – já dizia
Ortega y Gasset – e sequer a decisão foi unânime, foi majoritária. Vossa Exce‑
lência emitiu um juízo de improcedência da ação; o eminente ministro Marco
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração –
Embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República)
O sr. ministro Celso de Mello: Peço vênia, Senhor Presidente, para acom-
panhar o eminente relator, cujo voto examinou, com absoluta clareza e total
precisão, os diversos aspectos que foram suscitados nos vários embargos de
declaração opostos à decisão plenária, explicitando, inclusive, algumas passa‑
gens dela constantes, o que se tornou importante para efeito de clarificação do
próprio alcance da parte dispositiva do acórdão em questão.
É o meu voto.
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração –
Embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República – Continuação)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, posso concluir o meu voto?
Concedi um aparte ao ministro Teori, e foi excelente, porque Sua Excelência disse
exatamente o que eu ia dizer, portanto, concluo o meu voto. Na minha compreensão,
os fundamentos trazidos pelo ministro Teori, na sua explicitação quanto à eficácia
subjetiva e à eficácia temporal da decisão, na verdade, complementam – na minha
compreensão, repito – todos os fundamentos adotados pelo eminente relator.
Por isso, endosso a fundamentação de ambos. Acompanho o que foi deci‑
dido com relação ao acolhimento dos embargos, nos termos propostos por Suas
Excelências.
É como voto, Senhor Presidente.
VOTO
(Sobre os sextos embargos de declaração –
Embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Eu peço vênia ao eminente relator
e aos que o acompanham para acolher os embargos com efeitos infringentes,
tal como fez o ministro Marco Aurélio, por entender que, realmente, o Tribunal
extrapolou, o Tribunal traçou parâmetros excessivamente abstratos e comple‑
tamente alheios ao que foi proposto na ação originariamente. O Tribunal agiu
como um verdadeiro legislador.
Por essas razões, eu acolho parcialmente os embargos para expungir da deci‑
são as dezenove condicionantes que foram acrescentadas.
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Roberto Barroso (relator): Senhor Presidente, eu gostaria só
de fazer uma brevíssima observação. Eu li o voto de Vossa Excelência, como li
o voto do ministro Marco Aurélio. Acho que Sua Excelência, o ministro Marco
Aurélio, vocalizou com grande empenho, num voto analítico, uma posição que era
importante, que vicejava na sociedade brasileira. Teria sido ruim se essa posição
não tivesse sido vocalizada por alguém no Tribunal. Embora não corresponda
ao meu ponto de vista, ela foi sustentada com grande proficiência, como tudo o
que o ministro Marco Aurélio faz.
Agora, eu gostaria de fazer uma defesa do acórdão, do ponto de vista do inte‑
resse das comunidades indígenas, que é a minha constatação, depois de ter lido
os votos – em particular, os votos do ministro Carlos Ayres Britto e o do minis‑
tro Carlos Alberto Direito, que merecem ambos a minha reverência pelo traba‑
lho que fizeram, o voto do ministro Gilmar, o voto do ministro Celso... A minha
constatação é que, se o Tribunal não tivesse feito do modo como fez – se tivesse
se limitado a julgar a ação improcedente ou procedente em parte –, a execução
do julgado não teria sido concretizada. Então, eu acho que o Tribunal foi ousado
e que esta é uma decisão atípica. Como um padrão, não creio que seja o melhor
e, portanto, não acho que o Tribunal deva fazer isso rotineiramente. Mas, neste
caso, não se decidiu só a questão pontual, mas se definiu o sistema: nós vamos
executar e o modo de executar é esse, está aqui o pacote. Portanto, eu reconheço,
na linha do que falaram o ministro Marco Aurélio e Vossa Excelência, que houve
uma atuação um tanto atípica, talvez uma sentença quase aditiva.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): O ministro Marco Aurélio disse
que um pouco criativa, uma atuação um pouco criativa.
O sr. ministro Marco Aurélio: Atuamos como se estivéssemos julgando, na
Justiça do Trabalho, um dissídio coletivo de natureza econômica: criando normas.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência me permite só uma ob
servação?
O sr. ministro Roberto Barroso (relator): Claro.
O sr. ministro Gilmar Mendes: O ministro Celso lembrava há pouco que,
quando dessa discussão, e de fato os fatos vão se perdendo diante da distância
no tempo, mas lembrava um pronunciamento do general Heleno – todos devem
se lembrar – em que ele disse da necessidade que se impunha ao Exército de ter
licença para entrar no âmbito territorial de determinadas comunidades.
O sr. ministro Marco Aurélio: Ministro, o Exército não precisou recorrer
ao Supremo!
O sr. ministro Gilmar Mendes: Não, mas o quadro de conflito estava estrutu‑
rado; o ministro Barroso acaba de mencionar: nós tínhamos queima de pontes,
episódios vários ligados com a dificuldade de execução. Portanto, as questões que
foram tratadas, nessas condições estabelecidas, a rigor, foram suscitadas nesse
contexto, nesse processo, e, claro, irradia para os demais processos.
Não é demais recordar que este Tribunal já tinha anteriormente se pronun‑
ciado sobre a necessidade do contraditório e da ampla defesa no contexto da
demarcação, porque antes isso não era previsto, até que veio o célebre caso da
impetração, acho que ligado a uma dada fazenda no Mato Grosso do Sul, em que
o Tribunal, seguindo a jurisprudência que já se acentuava de que, em qualquer
procedimento administrativo, era de observar o devido processo legal e o con‑
traditório; impunha-se então essa revisão. E, aí, então houve um pedido de vista,
e, enquanto não se retomava o julgamento, o próprio governo, sabedor de que
haveria a revisão da jurisprudência do Tribunal, com risco de anulação de tudo
o que fora feito antes, ao contrário do que se dizia, a cláusula do contraditório e
da ampla defesa, que foi estabelecido em decreto, veio para inclusive proteger –
como Vossa Excelência está dizendo também – as demarcações já realizadas,
para evitar que houvesse a possibilidade de anulação. Esse foi o primeiro passo:
foi a questão do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista o que está esta‑
belecido no texto constitucional.
Por isso que é importante, realmente, o que Vossa Excelência está ressaltando.
O sr. ministro Roberto Barroso (relator): Obrigado pelo aparte.
O que eu queria concluir, em defesa do Tribunal e do meu estudo do processo,
é que não teria acontecido, com a presteza e a eficiência que aconteceu, se o Tri‑
bunal não tivesse ousado, indo um pouco além do convencional, ao estabelecer
essas salvaguardas. Via de regra, eu me alinho a uma visão mais crítica do excesso
de normatização abstrata feita pelo Tribunal. Mas, neste caso, eu acho que hoje
nós não estaríamos celebrando uma execução bem sucedida de um caso difícil,
sem que o Tribunal tivesse sido mais ousado.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Veja, Ministro Barroso, eu, nos
últimos meses, recebi, por mais de uma vez, os representantes dos dois lados
nesse conflito e, em razão disso, estou informado de que, talvez, algumas dessas
condicionantes sejam até do agrado dos representantes das comunidades indí‑
genas. Apenas eu externei o meu ponto de vista quanto à restrição, o aspecto
restrito, limitado do que foi postulado, aqui, perante o Tribunal.
EXTRATO DA ATA
Pet 3.388 ED/RR — Relator: Ministro Roberto Barroso. Embargantes: Augusto
Affonso Botelho Neto (Advogado: Antônio Márcio Gomes das Chagas), Lawrence
Manly Harte e outros (Advogado: Luiz Valdemar Albrecth), Francisco Mozarildo
de Melo Cavalcanti (Advogado: Antonio Glaucius de Morais), Comunidade Indí‑
gena Socó e outros (Advogado: Paulo Machado Guimarães), Estado de Roraima
(Procurador: Procurador-geral do Estado de Roraima), Ministério Público Federal
(Procurador: Procurador-geral da República) e Ação Integralista Brasileira e
outros (Advogado: Cármino Eudóxio Santoléri). Embargados: União (Procurador:
Advogado-geral da União) e Augusto Affonso Botelho Neto (Advogado: Antônio
Márcio Gomes das Chagas). Interessada: Fundação Nacional do Índio – FUNAI
(Procurador: Procurador-geral federal).
Decisão: Retirado de mesa em face da aposentadoria do relator. Presidência
do ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 26-11-2012.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, não conheceu dos embargos de decla‑
ração opostos por Ação Integralista Brasileira, Movimento Integralista Brasileiro
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tri‑
bunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Cezar Peluso,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimi‑
dade de votos, em julgar procedente a ação direta, nos termos do voto do relator.
Brasília, 1º de junho de 2011 — Dias Toffoli, relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Dias Toffoli: Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade
proposta pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamen‑
tos (ABIMAQ) dirigida contra o Decreto 1.542-R, de 15 de setembro de 2005, do
(...) (...)
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): Como relatado, versa a presente ação de
controle concentrado sobre a constitucionalidade de decreto estadual que prevê
hipótese de diferimento do pagamento do ICMS sobre a importação de máquinas
e equipamentos destinados à avicultura e à suinocultura para o momento da
desincorporação desses equipamentos do ativo permanente do estabelecimento.
Ademais, de acordo com o novo estatuto social da Abimaq (art. 5º), com data
de 2004, a associação passou a ser composta apenas por empresas fabricantes dos
bens mencionados no art. 1º do seu estatuto e, portanto, somente por entidades
singulares de natureza empresarial, não mais restando caracterizada a hetero‑
geneidade de sua composição, que impedira o conhecimento da ADI 1.804/RS.
interestadual viola o art. 155, § 2º, IV, V e VI, da CF. A Constituição é clara ao vedar
aos Estados e ao Distrito Federal a fixação de alíquotas internas em patamares
inferiores àquele instituído pelo Senado para a alíquota interestadual. Violação
ao art. 152 da CF/1988, que constitui o princípio da não diferenciação ou da uni‑
formidade tributária, que veda aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em
razão de sua procedência ou destino. 5. Medida cautelar deferida. [ADI 3.936 MC/
PR, Tribunal Pleno, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 9-11-2007.]
C. Do mérito
A questão nodal posta na presente ação direta é verificar se o decreto questio‑
nado estabelece efetiva causa de diferimento, visando à simples postergação do
momento do pagamento do imposto, ou institui, em verdade, fórmula indireta
de concessão de isenção tributária.
A tradicional jurisprudência da Corte encara a figura do diferimento do ICMS
como mero adiamento no recolhimento do valor devido, não implicando qual‑
quer dispensa do pagamento do tributo ou outra forma de benefício fiscal. Vide:
Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 9º a 11 e 22 da Lei 1.963, de 1999, do
Estado do Mato Grosso do Sul. 2. Criação do Fundo de Desenvolvimento do Sistema
Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDERSUL). Diferimento do ICMS
em operações internas com produtos agropecuários. 3. A contribuição criada pela
lei estadual não possui natureza tributária, pois está despida do elemento essencial
da compulsoriedade. Assim, não se submete aos limites constitucionais ao poder
de tributar. 4. O diferimento, pelo qual se transfere o momento do recolhimento
do tributo cujo fato gerador já ocorreu, não pode ser confundido com a isenção
ou com a imunidade e, dessa forma, pode ser disciplinado por lei estadual sem
a prévia celebração de convênio. 5. Precedentes. 6. Ação que se julga improce‑
dente. [ADI 2.056/MS, Tribunal Pleno, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 17-8-2007.]
Por sua vez, a norma em exame efetua o diferimento do ICMS incidente sobre
a importação de equipamentos para o momento da desincorporação do bem do
ativo permanente do estabelecimento importador, ou seja, para a ocasião em que
o produto importado é transferido a outrem, onerosamente ou não.
Ocorre que os bens pertencentes ao ativo permanente – ou, num conceito
mais estrito, ao ativo imobilizado, composto por aqueles bens destinados à manu‑
tenção das atividades da empresa, tais como máquinas, equipamentos e mobili‑
ário –, em regra, não pertencem a qualquer cadeia de consumo mais ampla,
restando, então, ausente o potencial de posterior circulação jurídica, uma vez
EXTRATO DA ATA
ADI 3.702/ES — Relator: Ministro Dias Toffoli. Requerente: Associação Brasileira
da Indústria de Máquinas e Equipamentos – ABIMAQ (Advogados: Denis Che‑
quer Angher e outros, Anne Joyce Angher e Nivaldo Ary Nogueira). Interessado:
Governador do Estado do Espírito Santo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, julgou
procedente a ação direta. Votou o presidente, ministro Cezar Peluso. Ausente,
justificadamente, o ministro Celso de Mello.
Presidência do ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os ministros Marco
Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux. Procurador-geral da Repú‑
blica, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 1º de junho de 2011 — Luiz Tomimatsu, secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Joaquim
Barbosa, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
maioria de votos e nos termos do voto do ministro Ayres Britto (relator), em julgar
parcialmente procedente a ação direta, vencidos os ministros Gilmar Mendes,
Teori Zavascki e Dias Toffoli, que a julgavam totalmente improcedente, e os
ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que a julgavam procedente
em menor extensão.
Brasília, 14 de março de 2013 — Luiz Fux, relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O sr. ministro Ayres Britto: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade,
aparelhada com pedido de medida liminar, proposta pela Confederação Nacional
da Indústria (CNI). Ação que se volta contra os §§ 9º e 12 do art. 100 da Constituição
Federal, contra o art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, todos
com a redação dada pela Emenda Constitucional 62, de 9 de dezembro de 2009,
além dos arts. 3º, 4º e 6º da referida emenda. Eis o teor das normas impugnadas:
Art. 1º O art. 100 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais,
Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusiva‑
mente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos
créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações
orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(...)
§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de re
gulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor cor‑
respondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e
constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas
parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja
suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.
(...)
a) de, no mínimo, 1%, para Municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro‑
-Oeste, ou cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta
e indireta corresponder a até 35% da receita corrente líquida;
b) de, no mínimo, 1,5%, para Municípios das regiões Sul e Sudeste, cujo estoque
de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta correspon‑
der a mais de 35 % da receita corrente líquida.
§ 3º Entende-se como receita corrente líquida, para os fins de que trata este
artigo, o somatório das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agrope‑
cuárias, de contribuições e de serviços, transferências correntes e outras recei‑
tas correntes, incluindo as oriundas do § 1º do art. 20 da Constituição Federal,
verificado no período compreendido pelo mês de referência e os 11 (onze) meses
anteriores, excluídas as duplicidades, e deduzidas:
I – nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação cons‑
titucional;
II – nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, a contribuição dos
servidores para custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as
receitas provenientes da compensação financeira referida no § 9º do art. 201
da Constituição Federal.
§ 4º As contas especiais de que tratam os §§ 1º e 2º serão administradas pelo Tri‑
bunal de Justiça local, para pagamento de precatórios expedidos pelos tribunais.
§ 5º Os recursos depositados nas contas especiais de que tratam os §§ 1º e 2º deste
artigo não poderão retornar para Estados, Distrito Federal e Municípios devedores.
§ 6º Pelo menos 50% dos recursos de que tratam os §§ 1º e 2º deste artigo serão
utilizados para pagamento de precatórios em ordem cronológica de apresen‑
tação, respeitadas as preferências definidas no § 1º, para os requisitórios do
mesmo ano e no § 2º do art. 100, para requisitórios de todos os anos.
§ 7º Nos casos em que não se possa estabelecer a precedência cronológica
entre 2 precatórios, pagar-se-á primeiramente o precatório de menor valor.
§ 8º A aplicação dos recursos restantes dependerá de opção a ser exercida
por Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, por ato do Poder Execu‑
tivo, obedecendo à seguinte forma, que poderá ser aplicada isoladamente ou
simultaneamente:
I – destinados ao pagamento dos precatórios por meio do leilão;
II – destinados a pagamento a vista de precatórios não quitados na forma do
§ 6° e do inciso I, em ordem única e crescente de valor por precatório;
III – destinados a pagamento por acordo direto com os credores, na forma
estabelecida por lei própria da entidade devedora, que poderá prever criação
e forma de funcionamento de câmara de conciliação.
§ 9º Os leilões de que trata o inciso I do § 8º deste artigo:
I – serão realizados por meio de sistema eletrônico administrado por entidade
autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários ou pelo Banco Central do Brasil;
II – admitirão a habilitação de precatórios, ou parcela de cada precatório indi‑
cada pelo seu detentor, em relação aos quais não esteja pendente, no âmbito do
III – § 12 do art. 100 da CF, inciso II do § 1º e § 16, ambos do art. 97 do ADCT:
esses dispositivos, acrescentados pela Emenda Constitucional 62/2009, viola‑
riam a garantia constitucional da coisa julgada (inciso XXXVI do art. 5º da CF) e
o princípio da moralidade (caput do art. 37 da CF). É que os membros do Poder
Judiciário perderão a autonomia para fixar o critério que considerem adequado
para atualização do débito, atingindo, de igual forma, as sentenças judiciais já
prolatadas. Ademais, o índice oficial de remuneração básica da caderneta de pou‑
pança “cria distorções em favor do Poder Público, na medida em que enquanto
devedor os seus débitos serão corrigidos pela TR e, na condição de credor, os
seus créditos fiscais se corrigem por meio da Selic”.
3. Ao fim da petição inicial, a requerente defende a necessidade de concessão
da medida cautelar. Após o que pleiteia a declaração de inconstitucionalidade
dos arts. 2º, 3º, 4º e 6º da Emenda Constitucional 62, de 9 de dezembro de 2009,
bem como dos §§ 9º e 12 do art. 100 da Constituição Federal, com a redação dada
pela multicitada emenda constitucional.
4. Continuo neste reavivar das coisas para dizer que adotei o procedimento
abreviado de que trata o art. 12 da Lei 9.868/1999 e solicitei informações aos
requeridos. Informações que foram prestadas pela Câmara dos Deputados (peti‑
ção 35.858/2010) e pelo Senado Federal (petição 42.082/2010).
5. Aberta vista do processo ao advogado-geral da União, este pugnou, prelimi‑
narmente, pelo não conhecimento da ação direta, por ausência parcial de fun‑
damentação do pedido. No mérito, manifestou-se pela improcedência da ação.
Já o procurador-geral da República, este opinou pela “procedência do pedido, em
face da inconstitucionalidade formal relativa ao modo como se deu a votação
da proposta que veio a resultar na EC 62, e acaso superada essa questão, pela
procedência parcial, a fim seja declarada a inconstitucionalidade do art. 97 do
ADCT, introduzido pela EC 62/2009”.
6. Por fim, registro que admiti o ingresso nos autos, na condição de amicus
curiae do Estado do Pará.
É o relatório.
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Ayres Britto (relator): Analiso a preliminar, suscitada pelo advo‑
gado-geral da União, de que o pedido de declaração de inconstitucionalidade do
art. 97 do ADCT, à exceção dos §§ 1º e 16, e dos arts. 3º, 4º e 6º da EC 62/2009 estaria
PROPOSTA
O sr. ministro Ayres Britto (relator): Senhor Presidente, com esse enfrenta‑
mento das preliminares, gostaria de propor à Corte a suspensão do julgamento.
Deixaríamos para outra oportunidade as questões de mérito, porque há sessões
eleitorais de três ministros da Casa, que precisam sair, e não há quorum expres‑
sivo para deliberar sobre matéria tão importante. Basta lembrar aos senhores
que essa Emenda 62 aportou consigo, entre disposições permanentes e transi‑
tórias, 76 dispositivos.
O sr. ministro Luiz Fux: Vossa Excelência não irá nem abordar a questão da
inconstitucionalidade formal?
O sr. ministro Ayres Britto (relator): Não. Nem a questão formal. Eu deixaria
também a questão formal, se o ministro Cezar Peluso concordar, para a próxima
assentada de julgamento.
EXTRATO DA ATA
ADI 4.425/DF — Relator: Ministro Ayres Britto. Requerente: Confederação Nacio‑
nal da Indústria – CNI (Advogados: Cassio Augusto Muniz Borges e outros).
Interessado: Congresso Nacional. Amicus curiae: Estado do Pará (Procurador:
Procurador-geral do Estado do Pará).
Decisão: Chamadas para julgamento em conjunto as ADI 4.357, 4.372, 4.400
e 4.425, e após o voto do ministro Ayres Britto (relator), rejeitando as prelimina‑
res e conhecendo, em parte, da ADI 4.372, foi o julgamento dos feitos suspenso.
Ausentes o ministro Celso de Mello, justificadamente; o ministro Gilmar Mendes,
representando o Tribunal na Comissão de Veneza, Itália; e o ministro Joaquim
Barbosa, licenciado. Falaram, pelos requerentes Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil (ADI 4.357 e 4.372); Associação Nacional dos Servidores
VOTO
O sr. ministro Ayres Britto (relator): Principio por examinar os vícios de incons‑
titucionalidade atinentes aos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal. Con‑
fira-se a redação dos dispositivos impugnados:
§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regula‑
mentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente
aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra
o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de
parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de
contestação administrativa ou judicial.
§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública
devedora, para resposta em até 30 dias, sob pena de perda do direito de abatimento,
informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º,
para os fins nele previstos.
12. Com efeito, esse tipo de conformação normativa, mesmo que veiculada por
emenda à Constituição, também importa contratura no princípio da Separação dos
Poderes. No caso, em desfavor do Poder Judiciário. Como ainda se contrapõe àquele
traço ou àquela nota que, integrativa da proporcionalidade, demanda a observância
obrigatória da exigibilidade/necessidade para a restrição de direito. Isso porque a
Fazenda Pública dispõe de outros meios igualmente eficazes para a cobrança de
seus créditos tributários e não tributários. Basta pensar que o crédito, constituído
e inscrito em dívida ativa pelo próprio poder público, pode imediatamente ser exe‑
cutado, inclusive com a obtenção de penhora de eventual precatório existente
em favor do administrado. Sem falar na inclusão do devedor nos cadastros de
inadimplentes. A propósito, este Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência
firme no sentido de vedar o uso, pelo Estado, de meios coercitivos indiretos de
cobrança de tributo. Confiram-se, nesse sentido, as Súmulas 70, 323 e 547.5 Assim
também vocalizou o ministro Joaquim Barbosa na citada ADI 3.453, verbis:
Também eu entendo que a subordinação da solução de créditos, que devem ser
pagos mediante precatório, à comprovação da ausência de débitos inscritos em
dívida ativa é desproporcional em relação aos limites impostos pelo art. 100 da
Constituição, especialmente o seu respectivo § 1º, que afirma ser obrigatória a
inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verbas necessárias ao
pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado. Assim,
o Estado está obrigado a solver suas obrigações, independentemente da existência
ou inexistência de créditos oponíveis ao seu credor.
5 Súmula 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança
de tributo.”
Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para paga-
mento de tributos.”
Súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estam-
pilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”
13. Não é tudo, porque também me parece resultar preterido o princípio cons‑
titucional da isonomia. Explico. Exige-se do poder público, para o recebimento
de valores em execução fiscal, a prova de que o Estado nada deve à contraparte
privada? Claro que não! Ao cobrar o crédito de que é titular, a Fazenda Pública não
é obrigada a compensá-lo com eventual débito dela (Fazenda Pública) em face do
credor-contribuinte. Por conseguinte, revela-se, por mais um título, anti-isonômica
a sistemática dos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição da República, incluídos
pela Emenda Constitucional 62/2009. Pelas mesmas razões, é inconstitucional a
expressão “permitida por iniciativa do Poder Executivo a compensação com débitos
líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o devedor
originário pela Fazenda Pública devedora até a data da expedição do precatório,
ressalvados aqueles cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos do § 9º do art. 100
da Constituição Federal”, contida no inciso II do § 9º do art. 97 do ADCT.
14. Prossigo neste voto para assentar, agora, a inconstitucionalidade parcial
do atual § 12 do art. 100 da Constituição da República. Dispositivo assim verna‑
cularmente posto pela Emenda Constitucional 62/2009:
§ 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valo‑
res de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independente‑
mente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da
caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros
simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança,
ficando excluída a incidência de juros compensatórios. [Grifei.]
15. Ora, o § 5º do art. 100 da Magna Carta, cuja redação é idêntica àquela
que já constava do § 1º do mesmo artigo da Constituição originária, dispõe ser
“obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba
necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas
em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho,
fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus
valores atualizados monetariamente”. Pois foi justamente em face desse dispo‑
sitivo constitucional (e também do art. 33 do ADCT) que este Supremo Tribunal
8 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social:
(...)
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas neces-
sidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem
o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.”
público, ou, então, privado. Não, porém, uma nova categoria de direito subjetivo,
superposta àquele de receber uma prestação obrigacional em dinheiro. O direito
mesmo à percepção da originária paga é que só existe em plenitude, se mone-
tariamente corrigido. Donde a correção monetária constituir-se em elemento do
direito subjetivo à percepção de uma determinada paga (integral) em dinheiro.
Não há dois direitos, portanto, mas um único direito de receber, corrigidamente,
um valor em dinheiro. Pois que, sem a correção, o titular do direito só o recebe
mutilada ou parcialmente. Enquanto o sujeito passivo da obrigação, correlata‑
mente, dessa obrigação apenas se desincumbe de modo reduzido.
19. Convém insistir no raciocínio. Se há um direito subjetivo à correção mone‑
tária de determinado crédito, direito que, como visto, não difere do crédito ori‑
ginário, fica evidente que o reajuste há de corresponder ao preciso índice de
desvalorização da moeda, ao cabo de um certo período; quer dizer, conhecido
que seja o índice de depreciação do valor real da moeda – a cada período
legalmente estabelecido para a respectiva medição –, é ele que por inteiro
vai recair sobre a expressão financeira do instituto jurídico protegido com a
cláusula de permanente atualização monetária. É o mesmo que dizer: medido
que seja o tamanho da inflação num dado período, tem-se, naturalmente, o per‑
centual de defasagem ou de efetiva perda de poder aquisitivo da moeda que vai
servir de critério matemático para a necessária preservação do valor real do bem
ou direito constitucionalmente protegido.
20. O que determinou, no entanto, a EC 62/2009? Que a atualização monetária
dos valores inscritos em precatório, após sua expedição e até o efetivo pagamento,
se dará pelo “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”.
Índice que, segundo já assentou este Supremo Tribunal Federal na ADI 493, não
reflete a perda de poder aquisitivo da moeda.9 Cito passagem do minucioso
voto do ministro Moreira Alves:
Como se vê, a TR é a taxa que resulta, com a utilização das complexas e suces‑
sivas fórmulas contidas na Resolução 1.085 do Conselho Monetário Nacional, do
9 A Segunda Turma deste Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 175.678, de relatoria do minis-
tro Carlos Velloso, assentou a não exclusão da TR do universo jurídico; vale dizer, não houve
proibição de sua utilização como índice de indexação. Acertado tal entendimento, mas que
em nada se aplica ao caso sob análise. Naquela oportunidade, esta nossa Corte julgava recurso
extraordinário em embargos à execução. Embargos que se manejavam contra a utilização da
TR para atualizar monetariamente um crédito trabalhista. Sucede que o recorrente, no caso,
“em momento algum apontou ou sugeriu índice que, a seu ver, melhor refletisse a inflação do
período, pretendendo, tão somente, a não aplicação de qualquer índice, o que importaria na
liquidação da dívida sem correção, com total injustiça para o credor”.
cálculo da taxa média ponderada da remuneração dos CDB/RDB das vinte ins‑
tituições selecionadas, expurgada esta de 2% que representam genericamente
o valor da tributação e da “taxa real histórica de juros da economia” embutidos
nessa remuneração.
Seria a TR índice de correção monetária, e, portanto, índice de desvalorização
da moeda, se inequivocamente essa taxa média ponderada da remuneração dos
CDB/RDB com o expurgo de 2% fosse constituída apenas do valor correspondente à
desvalorização esperada da moeda em virtude da inflação. Em se tratando, porém,
de taxa de remuneração de títulos para efeito de captação de recursos por parte de
entidades financeiras, isso não ocorre por causa dos diversos fatores que influem
na fixação do custo do dinheiro a ser captado.
(...)
A variação dos valores das taxas desse custo prefixados por essas entidades decorre
de fatores econômicos vários, inclusive peculiares a cada uma delas (assim, suas
necessidades de liquidez) ou comuns a todas (como, por exemplo, a concorrência com
outras fontes de captação de dinheiro, a política de juros adotada pelo Banco Central,
a maior ou menor oferta de moeda), e fatores esses que nada têm que ver com o valor
de troca da moeda, mas, sim – o que é diverso –, com o custo da captação desta.
10 Atualização esta que hoje se encontra inconstitucionalmente regida pelo art. 1º-F da Lei
9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009.
11 Correta atualização que, como visto na nota de rodapé anterior, também se encontra obstada
pela atual redação do art. 1º-F da Lei 9.494/1997.
12 “Art. 182. (...)
(...)
§ 4º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no
plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, suces-
sivamente, de:
(...)
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previa-
mente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais,
iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”
“Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização
em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de
até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”
13 “Art. 97. (...)
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sujeitos ao regime especial de que trata
este artigo optarão, por meio de ato do Poder Executivo:
(...)
II – pela adoção do regime especial pelo prazo de até 15 (quinze) anos, caso em que o per-
centual a ser depositado na conta especial a que se refere o § 2º deste artigo corresponderá,
anualmente, ao saldo total dos precatórios devidos, acrescido do índice oficial de remuneração
básica da caderneta de poupança e de juros simples no mesmo percentual de juros incidentes
sobre a caderneta de poupança para fins de compensação da mora, excluída a incidência de
juros compensatórios, diminuído das amortizações e dividido pelo número de anos restantes
no regime especial de pagamento.
(...)
§ 16. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de
requisitórios, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo
índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da
mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de
poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.”
14 Parece-me oportuno ajuizar, até porque o Conselho Federal da OAB pugnou pela declaração
de inconstitucionalidade por arrastamento, que o art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação
dada pela Lei 11.960/2009, sofre dos mesmos vícios de inconstitucionalidade do § 12 do art. 100
da Constituição Federal. Tanto no que diz respeito à correção monetária, em descompasso
com a perda do valor real da moeda, quanto à aplicação dos juros de mora nas condenações
impostas à Fazenda Pública, “independentemente de sua natureza”.
15 Se se entender que a expressão “independentemente de sua natureza” tanto se refere aos
créditos de natureza alimentícia quanto aos de outra natureza, sem qualquer remissão aos
precatórios representativos de indébito tributário, basta que, em vez da declaração de incons-
titucionalidade com redução de texto, proceda-se à interpretação conforme à Constituição.
§ 15. Sem prejuízo do disposto neste artigo, lei complementar a esta Constituição
Federal poderá estabelecer regime especial para pagamento de crédito de preca‑
tórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, dispondo sobre vinculações à
receita corrente líquida e forma e prazo de liquidação.
Art. 97. Até que seja editada a lei complementar de que trata o § 15 do art. 100 da
Constituição Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, na data
de publicação desta Emenda Constitucional, estejam em mora na quitação de
precatórios vencidos, relativos às suas administrações direta e indireta, inclusive
os emitidos durante o período de vigência do regime especial instituído por este
artigo, farão esses pagamentos de acordo com as normas a seguir estabelecidas,
sendo inaplicável o disposto no art. 100 desta Constituição Federal, exceto em seus
§§ 2º, 3º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14, e sem prejuízo dos acordos de juízos conciliatórios já
formalizados na data de promulgação desta Emenda Constitucional.
16 Emenda constitucional que é objeto das ADI 2.356 e 2.362, em trâmite neste Supremo Tribunal
Federal. Ações diretas em que foram recentemente deferidas medidas cautelares para suspen-
der a eficácia do art. 78 do ADCT.
17 “L’exécution d’un jugement ou arrêêt, de quelque juridiction que ce soit doit donc eê tre considérée
comme faisant intégrate du ‘procès’. ”
18 Art. 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos: “Qualquer pessoa tem direito a que a
sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal
independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação
dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação
em matéria penal dirigida contra ela. (...)”
19 “Si l’administration refuse ou omet de s’exécuter, ou encore tarde à le faire, les garanties de l’article
6 (art. 6) dont a bénéficié le justiciable pendant la phase judiciaire de la procédure perdraient toute
raison d’eêtre.”
20 “§ 15. Os precatórios parcelados na forma do art. 33 ou do art. 78 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e ainda pendentes de pagamento ingressarão no regime especial
com o valor atualizado das parcelas não pagas relativas a cada precatório, bem como o saldo
dos acordos judiciais e extrajudiciais.”
21 Os requerentes impugnam o art. 6º da EC 62/2009, sob a alegação de que o poder liberatório
do pagamento de tributos da entidade devedora, a que se refere o § 2º do art. 78 do ADCT,
teria sido cassado. Na verdade, o que fez o art. 6º da referida emenda constitucional foi apenas
convalidar as compensações de precatórios com tributos, realizadas antes da promulgação
dela própria. O dispositivo que cassou o poder liberatório previsto no § 2º do art. 78 do ADCT
foi o § 15 do art. 97 do ADCT, ao incluir no novo regime especial os precatórios parcelados na
forma do art. 78 do ADCT, mas ainda pendentes de pagamento.
22 O menor valor do precatório também é previsto como critério de precedência no § 7º do art. 97
do ADCT. Aqui, no entanto, não há violação ao princípio da igualdade. É que o critério se aplica
apenas quando “não se possa estabelecer a precedência cronológica entre 2 (dois) precatórios”.
Noutro dizer: havendo os pagamentos sido requisitados na mesma data, e sendo da mesma
natureza, atende-se primeiro àquele de menor valor.
os particulares. E, de posse de alguns dados dos últimos dez anos (receitas cor‑
rentes líquidas, pagamento anual de precatórios e estoque da dívida vencida e
vincenda), minha conclusão foi a de que, o mais das vezes, não falta dinheiro para
o pagamento de precatórios. Em alguns casos, fica até evidente que o montante
atual da dívida é resultado da falta de compromisso dos governantes quanto
ao cumprimento das decisões judiciais.23 Ainda que apenas por amostragem,
tendo em vista a incompletude de algumas informações e a carência de outras,
foi-me possível constatar que:
I – em 2007, o Distrito Federal despendeu R$ 1,7 milhão em precatórios e R$ 103,8
milhões em publicidade e propaganda (os dados sobre publicidade e propaganda
foram obtidos nos pareceres prévios sobre as contas do governo, disponíveis na
página eletrônica oficial do Tribunal de Contas do Distrito Federal, na rede mun‑
dial de computadores). Já em 2008, essas despesas foram de R$ 6,57 milhões em
precatórios e de R$ 152,8 milhões em publicidade e propaganda. A despesa com
publicidade e propaganda registrou um aumento de 47,6% entre 2007 e 2008, já
considerada a variação média pelo IPCA. Flagrante desproporção que fica ainda
mais patente diante de uma dívida total de mais de R$ 2,4 bilhões, apurada em 2009;
II – o Estado do Espírito Santo responde por uma dívida judicial de R$ 9,54
bilhões, aproximadamente. No entanto, nada pagou em precatórios nos últimos
dez anos, à exceção de uma liquidação de R$ 2,5 milhões em 2004, mesmo assim
mediante acordo levado a efeito por iniciativa judicial. Esse valor corresponde a
ínfimos 0,033% da receita corrente líquida do Estado no exercício 2009. Receita
corrente líquida que alcançou a cifra de R$ 7,5 bilhões. Ajunto: mesmo que se
adote a sistemática de reserva de 1,5% da RCL, prevista na emenda constitucional
objeto desta ação direta, o Espírito Santo levará 85 anos para quitar seus preca‑
tórios, desconsideradas as novas obrigações que surgirem por força de sentença
judicial. Situação vexatória para a qual certamente não contribuíram os credores;
III – a dívida do Rio Grande do Sul é de R$ 1,6 bilhão, em valores aproximados.
Contudo, seus gastos com precatórios em 2009 foram de R$ 38,6 milhões, embora
suas despesas com publicidade e propaganda hajam alcançado montante supe‑
rior a R$ 55 milhões (os dados de publicidade e propaganda foram extraídos do
parecer prévio das contas do governo gaúcho, na página oficial do tribunal de
contas daquele Estado, na rede mundial de computadores). Tudo num contexto
de absoluta inversão de prioridades, na medida em que o Município de Porto
23 Descaso para o qual – é necessário que se faça o mea culpa – este Supremo Tribunal Federal
contribuiu, ao não deferir pedidos de intervenção federal, sob a alegação de que os Estados
se encontravam sob dificuldades financeiras.
EXTRATO DA ATA
ADI 4.425/DF — Relator: Ministro Ayres Britto. Requerente: Confederação Nacio‑
nal da Indústria – CNI (Advogados: Cassio Augusto Muniz Borges e outros).
Interessado: Congresso Nacional. Amicus curiae: Estado do Pará (Procurador:
Procurador-geral do Estado do Pará).
Decisão: Após o voto do ministro Ayres Britto (relator), que julgava parcial‑
mente procedente a ação direta, pediu vista dos autos o ministro Luiz Fux. Ausen‑
tes, justificadamente, os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Presidên‑
cia do ministro Cezar Peluso.
Presidência do ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os ministros Celso
de Mello, Marco Aurélio, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia,
Dias Toffoli e Luiz Fux. Procurador-geral da República, doutor Roberto Monteiro
Gurgel Santos.
Brasília, 6 de outubro de 2011 — Luiz Tomimatsu, secretário.
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, egrégio Plenário, ilustre Represen‑
tante do Ministério Público, Senhores Advogados aqui presentes, Procuradores.
Senhor Presidente, gostaria de fazer apenas duas observações: nessas ações
diretas de inconstitucionalidade, há uma preliminar de natureza formal, que é
uma preliminar extensível a todas as demandas, que é uma preliminar de legiti-
matio ad causam. E, além disso, há uma questão prévia de mérito, porque o mérito
aqui é a inconstitucionalidade. Então, são apontadas inconstitucionalidades:
uma, de natureza formal; e a outra, de natureza material. E essa de natureza
material tem várias causas petendi; a de natureza formal é apenas uma razão
do pedido. E, no meu modo de ver, ela é uma questão prévia que precisa ser
enfrentada antes, porque ela é, por si só, suficiente para inibir eventualmente a
apreciação das demais matérias.
Muito embora eu tenha voto integral, sugiro, em primeiro lugar, a aprecia‑
ção da legitimatio ad causam de uma das entidades que promoveu essa ação
direta de inconstitucionalidade, e depois, então, debateremos a questão prévia
da inconstitucionalidade formal, porque isso evidentemente prejudica a análise
da inconstitucionalidade material.
VOTO-VISTA
O sr. ministro Luiz Fux: Cuida-se de quatro ações diretas de inconstitucionalidade,
autuadas sob os números 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, ajuizadas, respectivamente pelo
Conselho Federal da OAB (e outros), pela Associação dos Magistrados Estaduais
(ANAMAGES), pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMA‑
TRA) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), todas em face da Emenda
Constitucional 62, de 9 de dezembro de 2009, que modificou o regime jurídico dos
precatórios devidos pela Fazenda Pública, alterando o art. 100 da Constituição e
inserindo o art. 97 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Na assentada de 16 de junho de 2011, o ministro relator trouxe o feito a julga‑
mento e votou pela procedência do pedido de declaração de inconstituciona‑
lidade da aludida emenda por vício formal durante sua tramitação pelas casas
legislativas e, caso vencido neste ponto, pela procedência parcial da demanda
com base em diferentes fundamentos de índole material.
Pedi vista dos autos para aprofundar minhas reflexões sobre a matéria. Ama‑
durecidas minhas considerações, submeto-as à apreciação do Plenário.
I. Preliminarmente
I.1 Legitimidade
O voto do eminente relator, em preliminar, conheceu apenas em parte da
ADI 4.372/DF, reputando inexistente a necessária fundamentação da inicial
quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 100, § 2º, da
Constituição.
Entendo, no entanto, que a referida ADI 4.372/DF não deve ser conhecida in
totum, porquanto carece a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANA‑
MAGES) de legitimidade ad causam para provocar a fiscalização abstrata de consti‑
tucionalidade. É que a referida entidade expressa uma representação apenas parcial
da categoria dos magistrados, conforme já decidido por esta Corte (ADI 3.843, rel.
min. Cezar Peluso; ADI 3.617, rel. min. Cezar Peluso; e ADI 4.600, rel. min. Luiz Fux).
E tal constatação se torna ainda mais evidente, in casu, pelo fato de a Associação
dos Magistrados Brasileiro (AMB) ter igualmente ajuizado uma ação direta de
inconstitucionalidade contra a Emenda Constitucional 62/2009 (ADI 4.357, em
julgamento também nesta oportunidade), assim já manifestando a insurgência de
toda a categoria quanto à reforma da sistemática constitucional dos precatórios.
A mesma ordem de razões, em tese, conduziria ao reconhecimento da ilegiti‑
midade também da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(ANAMATRA), autora da ADI 4.400. Ocorre, entretanto, que a referida autora
II. Mérito
Passo, então, ao exame de mérito das alegações, que se desdobram em argu‑
mentos de inconstitucionalidade formal e material.
II.2.1 Superpreferência
Impugnam os autores, em primeiro lugar, o regime da assim chamada “super‑
preferência” instituída pelo § 2º do art. 100 da Constituição, segundo o qual “os
débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade
ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave,
definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais
débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto
no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o
restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”.
Ao assim dispor, o constituinte reformador teria infringido, segundo a inicial,
os princípios da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e da igualdade (CF,
art. 5º, caput), de vez que irrazoável a eleição da data da expedição do precatório
como critério para a aferição do direito à preferência, porquanto afastados do
benefício aqueles cujos precatórios já tenham sido expedidos antes da entrada
em vigor da emenda, ainda que com 60 anos, e, da mesma forma, por não pro‑
teger quem venha a completar 60 anos apenas após a expedição do precatório, a
despeito de revelar a mesma necessidade na satisfação do crédito. De outro lado,
a restrição da preferência em até três vezes o valor fixado em lei como limite para
a expedição de requisição de pequeno valor – quarenta salários mínimos para
Estados e trinta para Municípios, quando omissos na edição de leis próprias (CF,
100, §§ 3º e 4º, c/c art. 97, § 12, do ADCT), valendo para a União o limite de sessenta
salários mínimos (Lei 10.259/2001, art. 17, § 1º, c/c art. 3º, caput) – fragilizaria o
princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e afrontaria a razoabili‑
dade e a proporcionalidade, ao tolher a eficácia integral dos créditos titularizados
por pessoas em condições de fragilidade, sem justificativa suficiente para tanto.
O eminente ministro relator acolheu, em parte, as alegações dos requerentes,
apenas no que toca à inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição
do precatório”, porquanto, segundo seu juízo, “a providência correta, à luz do prin‑
cípio isonômico, seria destinar a preferência a todos que (e à medida que) com‑
pletem 60 anos de idade na pendência de pagamento de precatório de natureza
alimentícia”. Quanto ao teto fixado pelo constituinte reformador, o ministro relator
rejeitou a arguição de inconstitucionalidade, forte no argumento de que o regime
de “superpreferência”, por ter sido originalmente criado pela própria EC 62/2009,
não possuía contornos anteriores na Carta de 1988, de sorte que o legislador deti‑
nha liberdade para criá-lo limitadamente, isto é, dentro de balizas bem definidas.
Entendo inteiramente acertado o entendimento do eminente ministro relator,
de modo que o acompanho integralmente neste item.
Sabe-se que foi a redação original da Constituição Federal de 1988 que inovou,
no histórico constitucional brasileiro, ao estabelecer um regime diferenciado para
os créditos de natureza alimentar contra a Fazenda Pública no universo dos pre‑
catórios judiciais (CF/1988, art. 100, caput, primeira parte). Fundou-se tal regime
na consideração da premência a que se sujeitam os titulares de créditos alimen‑
tares não adimplidos, já que intimamente ligados a necessidades essenciais,
assim merecedores de um tratamento privilegiado em face dos demais débitos
judiciais da Fazenda. Discutiu-se muito, após a entrada em vigor da Carta, se
tal inovação teria o condão de simplesmente retirar os créditos alimentares do
sistema de precatórios, para que com isso fosse devido o pagamento imediato
pela Fazenda Pública, conforme narra Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva em
obra doutrinária (Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Malheiros, 1999.
p. 127-30). Referida tese restou vencida nesta Suprema Corte a partir do julga‑
mento da ADI 47/SP, rel. min. Octavio Gallotti, assentando-se o entendimento de
que os créditos alimentares estão submetidos a uma ordem cronológica prefe‑
rencial para satisfação dos respectivos precatórios, em sequenciamento paralelo
à ordem cronológica dos demais credores da Fazenda, conforme hoje afirma a
Súmula 655 deste Tribunal (“A exceção prevista no art. 100, caput, da Constitui‑
ção, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de
precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos
precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”).
Sob esse pano de fundo, o que pretendeu a EC 62/2009 foi incrementar essa
diferenciação no regime de pagamentos, adicionando agora, ao referido critério
objetivo da natureza do crédito alimentar, alguns parâmetros subjetivos quanto
à pessoa do credor, cujo preenchimento alça o precatório de que é titular a uma
segunda e mais elevada ordem de precedência, acima dos precatórios alimenta‑
res ordinários e dos precatórios sem qualquer qualificativo. Daí a denominação
de “superpreferência” ao regime instituído pelo § 2º do art. 100 da Constituição,
que toca os créditos alimentícios cujos titulares (i) tenham 60 anos de idade
ou mais na data de expedição do precatório ou (ii) sejam portadores de doença
grave, definidos na forma da lei, limitada a preferência, em qualquer caso, “até o
valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste
artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será
pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”.
II.2.2 Compensação
De outro lado, sustentam os autores a inconstitucionalidade do disposto nos
§§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição, nos quais se lê, respectivamente, que, “no
momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamenta‑
ção, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos
débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra
o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas
de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude
de contestação administrativa ou judicial”, e, sob o ângulo procedimental, que,
“antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública
devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito
de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições esta‑
belecidas no § 9º, para os fins nele previstos”. As alegações, nesse ponto, são
numerosas e podem ser assim sumariadas.
Em primeiro lugar, ao tornar obrigatória a compensação do crédito executado
com tributos, a EC 62/2009 teria violado o direito à liberdade do credor (CF,
art. 5º, caput), já que limitado o poder da vontade do indivíduo sobre a dispo‑
sição de seus bens, automaticamente destinados à compensação, em hipótese
coercitiva de cobrança de tributos, de modo que, segue o argumento, dever-se-ia
conferir interpretação conforme para condicionar a compensação à anuência
do credor privado. Aponta-se, ainda, suposta afronta à duração razoável do pro‑
cesso (CF, art. 5º, LXXVIII), pois o incidente de compensação gerará um novo foco
de litigiosidade no precatório judicial, de vez que os particulares apresentarão
impugnações à possibilidade de utilização do crédito da Fazenda para fins de
compensação, de que é exemplo o argumento de prescrição tributária, “o que só
procrastinará a expedição do precatório”.
Alega-se, além disso, que a compensação violaria o direito de propriedade
dos eventuais cessionários (CF, art. 5º, XXII), pois, caso haja cessão do precató‑
rio, a Fazenda poderá compensar o crédito do atual titular tão somente com os
débitos do credor originário, segundo dispõe textualmente a Constituição, o que
conduzirá a que, ao final, o titular último do crédito receba menos do que faz jus,
e isso em razão de débitos que não são seus, tornando assim inviabilizada, sob
o ângulo prático, a operação de cessão de precatórios. O regime também feriria
a segurança jurídica (CF, art. 5º, caput), pois o cessionário poderá ser surpreen‑
dido pela compensação operada com relação a débitos adquiridos pelo cedente
posteriormente à cessão, sem qualquer balizamento que garanta previsibilidade.
Haveria, ainda, violação à igualdade (CF, art. 5º, caput), de vez que o § 9º inclui
sob o âmbito da compensação as parcelas vincendas de parcelamento, mas
pessoa tivesse de pagar o seu débito a quem não lhe paga o seu crédito, de igual ou
superior importância. Dolo facit qui petit quod redditurus est, diziam os romanos.
Funda-se, igualmente, na utilidade, por isso que evita demandas sucessivas, despe‑
sas inúteis, retardamentos prejudiciais, facilitando, grandemente, os pagamentos”
(Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958. p. 217).
A compensação, portanto, é não apenas medida de justiça, mas mecanismo de
justiça eficiente. É exatamente essa premissa que deve informar o enfrentamento
das presentes impugnações aos §§ 9º e 10 do art. 100 da Carta Magna.
Inicialmente, verifica-se que a compensação não viola a liberdade do credor,
na medida em que toda a compensação, no ordenamento jurídico nacional,
opera-se de pleno direito, sem que dependa da vontade dos credores recíprocos
(TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de.
Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro:
Renovar, 2007. p. 676). O suporte fático da compensação prescinde de anuência
ou acordo, perfazendo-se ex lege diante das seguintes circunstâncias objetivas:
(i) reciprocidade de dívidas, (ii) liquidez das prestações, (iii) exigibilidade dos
débitos e (iv) fungibilidade dos objetos. Reunidos tais elementos, não é cabível
exigir a anuência do credor privado para que ocorra a compensação, pois disso
resultaria, em última análise, um tratamento mais restritivo para a Fazenda do
que o que ocorre na compensação entre créditos privados em geral, que inde‑
pendem da concordância, operando ipso iure.
De igual modo, a compensação não viola o direito de propriedade do credor, na
medida em que, se terá seu crédito compensado, é porque também deve à Fazenda
prestação líquida, exigível e fungível, como estipula o Código Civil brasileiro. Nesse
cenário é justo e eficiente que se proceda à compensação. Em verdade, a compen‑
sação funciona como uma garantia da preservação da boa-fé na relação entre o
credor público e o credor privado, reciprocamente considerados, na vertente do
tu quoque, pois impede que o credor privado receba seu crédito sem pagar o que
deve ao credor público. Como afirmado pelo procurador-geral da República (fl.
3155), “a providência vem ao encontro da coletividade. Se os recursos são escassos,
como parece revelar o quadro histórico de inadimplência dos precatórios, nada
mais justo do que aqueles que têm a receber acertem seus débitos primeiramente
junto ao Estado. Materializa-se aqui o princípio da igualdade material”.
Ademais, a previsão de que a compensação ocorrerá em face dos débitos do
“credor originário” do precatório serve tão somente como garantia de eficácia
do dispositivo. Se bastasse a cessão para afastar a compensação, os propósitos
mais elevados de justiça e eficiência que inspiram o instituto estariam ameaça‑
dos. Nesse sentido, a doutrina entoa que “o objetivo da regra é evitar que a cessão
os critérios de fixação dos juros moratórios devem ser idênticos para Fazenda
Pública e para o cidadão, a depender da natureza da relação jurídica em jogo,
havendo divergência entre índices previstos pelo ordenamento para uma mesma
situação, deve-se prestigiar aquele critério que esteja albergado por dispositivo
de maior magnitude hierárquica. In casu, os juros moratórios incidentes sobre
condenações judiciais foram fixados, para o devedor público, de forma genérica
no plano constitucional. Devem ser, portanto, aplicados, de forma igualmente
genérica, aos devedores particulares da Fazenda, prevalecendo sobre quaisquer
leis específicas que disponham de forma diferente sobre o assunto, as quais per‑
deram sua validade desde o advento da EC 62/2009.
Entendimento em contrário, no sentido de censurar a emenda por não obser‑
var os índices infraconstitucionais aplicáveis ao devedor privado, teria o grave
inconveniente de condicionar a validade de uma emenda constitucional à disci‑
plina ordinária do tema, que sequer é objeto da presente ação direta. É nítida aí
a subversão da hierarquia das fontes no direito brasileiro, em cujo ápice figura
a Carta Magna da República.
Ex positis, forte na tese jurídica acolhida pela Corte no julgamento do RE
453.740, rel. min. Gilmar Mendes, entendo que os mesmos critérios de fixa‑
ção de juros moratórios devem prevalecer para devedores públicos e privados,
nos limites da natureza de cada relação jurídica analisada. Com a edição da
EC 62/2009, a questão do índice específico, até então tratada pela legislação
ordinária, ganhou foros constitucionais, ainda que por norma endereçada apenas
ao devedor público. Destarte, havendo índice constitucional bem definido para
todas as condenações judiciais da Fazenda Pública, esta deve ser aplicada para
o devedor particular na exata extensão em que aplicado ao poder público.
Divirjo, portanto, do entendimento do i. ministro relator para rejeitar a argui‑
ção de inconstitucionalidade do § 12 do art. 100 da Constituição, com redação
dada pela EC 62/2009, ao fixar o índice de juros moratórios devidos pela Fazenda
Pública em valor equivalente à remuneração básica da caderneta de poupança,
critério que, por força do princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput),
deve ser aplicado de imediato aos devedores privados da Fazenda.
Por fim, à luz das premissas já delineadas, reputo procedente, em parte, o
pedido de inconstitucionalidade por arrastamento da nova redação conferida
ao art. 1º-F da Lei 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei 11.960/2009. Como já delineado
no voto do i. ministro relator, a invalidade da sistemática constitucional de juros
e de atualização monetária nos precatórios retira desde logo o amparo em que
se apoia o art. 1º-F da Lei 9.494/1997, fulminando-o na exata medida em que
fulminado seu fundamento constitucional (art. 100, § 12, CF/1988). Assim é que,
no Brasil. In: As leis de processo administrativo: Lei federal 9.784/99 e Lei paulista
10.177/98. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 19), sobretudo quando em pauta os interes‑
ses jurídicos dos administrados, como se passa evidentemente com o precatório.
A moratória criada pela EC 62/2009 compromete ainda o amplo acesso à
justiça e a plena efetividade da prestação jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV). É que
a fase executiva do processo é o momento fundamental de realização do direito,
etapa em que praticados os atos materiais necessários à entrega do bem da vida
àquele que, após o devido processo legal, foi reconhecido por sentença como
seu justo titular. Sob a ótica jusfilosófica, a execução restaura efetivamente a
ordem jurídica afrontada pela lesão, realizando a sanção correspondente à vio‑
lação. A atividade judicial que atua essa sanção é a própria execução, conforme
ensina Liebman em seu notável Processo de execução (São Paulo: Saraiva, 2003).
Por meio da atividade executiva, o Estado cumpre a promessa do legislador de
que, diante da lesão, o Judiciário deve atuar prontamente, de sorte a repará-la
a tal ponto que a parte lesada não sofra as consequências do inadimplemento.
Ao permitir que o pagamento de precatórios seja realizado em até quinze anos
(para não mencionar os casos que não têm prazo sequer definido, como já apon‑
tado), a EC 62/2009 frustrou a efetividade da tutela jurisdicional e embaraçou
o acesso à justiça. De que serve uma sentença condenatória incapaz de surtir
efeitos práticos? A resposta é simples e direta: nada. Uma sentença condenatória
despida de força executiva é incapaz de tutelar a esfera do cidadão, sob o ângulo
subjetivo, e insuscetível de restaurar a higidez da ordem jurídica, sob o prisma obje-
tivo. Um processo efetivo é aquele apto a proporcionar os resultados que almeja.
A moratória instituída pela EC 62/2009 frustra qualquer pretensão de efetividade
da tutela jurisdicional, fazendo com que o descumprimento das regras de direito
material fique desacompanhado de atos efetivos de execução por quantia certa.
E não se diga que a aludida emenda teria apenas postergado o cumprimento
de decisões condenatórias impostas ao poder público, como se algum dia no
futuro elas fossem cumpridas. A par de configurar em si mesmo problemática
à luz da duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), a moratória de hoje
é o prenúncio da moratória de amanhã. Basta observar a recente história do
Brasil. A primeira moratória, contida no texto originário da Carta Magna (ADCT,
art. 33), apresentou-se como solução excepcional para o problema da inadim‑
plência pública. Ledo engano. Pouco mais de uma década depois, a EC 30/2000
introduziu nova moratória, incluindo o art. 78 do ADCT. Mais uma vez a medida
foi bradada como solução. A promessa, porém, não foi cumprida: em 2009 surgiu
o presente “regime especial”, rótulo dissimulado para esconder a mais nova
moratória. Nada indica que essa seja a última. O círculo vicioso já está instalado.
É bem provável que daqui a dez anos o Supremo Tribunal Federal seja novamente
chamado para avaliar a constitucionalidade de pretensos “regimes especiais”, que
em essência servem apenas para mascarar a realidade, dobrando as instituições
jurídicas segundo a conveniência do poder. E nessa afirmação não vai nenhum
prognóstico, senão apenas constatação objetiva diante da vergonhosa realidade
que marca a trajetória histórica do instituto do precatório.
A previsão de contingenciamento de recursos orçamentários para o paga‑
mento de precatórios também subverte o amplo acesso à justiça e a plena efeti‑
vidade da prestação jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV). Com efeito, beira as raias
do absurdo jurídico que a autoridade pública no Brasil, independentemente do
número de ilícitos que cometa, somente responda até certo limite, traduzido
em percentuais de receita corrente líquida. O que a EC 62/2009 introduz no
ordenamento brasileiro é uma grotesca espécie de imunidade parcial do Estado
à ordem jurídica, em franca colisão com a ideia de Estado de Direito, que clama
pela sujeição completa e irrestrita do poder ao império da lei (rule of law). A par‑
cela de condenações que sobeje o limite fixado pelo constituinte reformador não
seria atendida de plano, deixando o cidadão cujo direito já foi reconhecido pelo
Poder Judiciário ao sabor dos caprichos da autoridade. O ponto foi precisamente
apontado por Marçal Justen Filho, em lição que merece transcrição, in verbis:
A sistemática [da EC 62/2009] também produz a eliminação da responsabilidade
civil da Fazenda Pública de Estados, Distrito Federal e Municípios.
Com a EC n. 62, esses entes estatais adquirem a opção de não cumprir as suas
obrigações pecuniárias, reconhecidas como devidas por sentença judicial. Mais
precisamente, a satisfação de obrigações pecuniárias dependerá do valor da arreca‑
dação futura. Ou seja, será indiferente à Fazenda Pública o cometimento de ilícitos e
infrações. A condenação judicial ao pagamento de importância certa não produzirá
efeito prático e concreto, eis que existirá uma limitação orçamentária ao pagamento.
Nenhum valor superior ao limite orçamentário deverá ser destinado à satisfação
da responsabilidade civil do Estado. Portanto, o Estado estará liberado para infrin‑
gir o Direito e ignorar as ordens judiciais. Estará sendo concedida a imunidade
ao Estado para quaisquer descalabros, eis que se traduzirão eles em dívidas que
constitucionalmente não precisam ser liquidadas.
Em outras palavras, será estabelecido um limite quantitativo e numérico para a
responsabilização civil do Estado, uma espécie de franquia ou patamar máximo de
subordinação da Fazenda Pública ao dever de pagar indenização devida a outrem
em virtude da prática de atos ilícitos. A partir de certo valor, o Estado estará legi‑
timado para atuar como bem o entender, para descumprir o Direito, para lesar
os particulares, para espezinhar os direitos, eis que a Constituição assegurará a
ausência de efeito jurídico concreto. Não fará diferença jurídica a Fazenda Pública
E arremata:
Essa circunstância autoriza invocar-se, aqui, também, a norma do art. 60, § 4º, III,
da Lei Maior, pois, quanto aos “precatórios pendentes”, a deliberação do Congresso
Nacional veio a privar da imediata eficácia a decisão judicial, com o cumprimento
do precatório já pendente de pagamento, atentando contra a independência do
Poder Judiciário, cuja autoridade é insuscetível de ser coarctada, máxime, no que
concerne ao exercício do poder de julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer
cumpridas as suas decisões, inclusive contra a Fazenda Pública, na forma prevista
na Constituição e na lei, sendo correto no ponto que essa parte sucumbente não
possui, no ordenamento jurídico instituído originariamente pela Constituição
de 1988, o privilégio de poder satisfazer suas obrigações de pagar decorrentes de
sentenças judiciárias em prazos dilatados e prestações anuais.
terá ideia de quando receberá seu crédito. Na prática, o poderio do Estado, que
apenas remotamente paga o que deve de maneira correta, é utilizado como forma
de coação velada para forçar a renúncia parcial do crédito pelo cidadão. Não há
aí, portanto, verdadeira escolha ou exercício pleno de autonomia da vontade.
Outrossim, não há cabimento na comparação travada pela Advocacia-Geral
da União (fls. 2421-2) entre a cessão onerosa do precatório a terceiros e o leilão
por maior valor de deságio. Por um lado, as situações guardam a única seme‑
lhança de permitir o pagamento de precatórios por montante inferior ao valor
de face, o que só é imaginável ante o dramático quadro de inadimplência do
Estado brasileiro. A similitude, no entanto, para por aí. É que, enquanto a cessão
onerosa a terceiros representa mera resposta do mercado ao aludido problema,
o mecanismo de leilão criado pela EC 62/2009 caracteriza tentativa de o Estado
valer-se da própria torpeza. O deságio é consequência imediata da falta de liqui‑
dez do título. Falta de liquidez, por seu turno, ocasionada pela recalcitrância dos
Estados em cumprir pontualmente suas obrigações pecuniárias. A existência de
oportunistas no mercado que tiram proveito dessa circunstância em prejuízo
dos credores não justifica que o Estado, único responsável pela baixa liquidez do
título, se comporte da mesma maneira, afinal é o Estado o responsável pela baixa
liquidez do título. E mais além: a existência de um sistema de leilão por maior
valor do deságio representaria incentivo para que o Estado continuasse a não
cumprir suas obrigações, agravando a iliquidez dos precatórios e aumentando o
deságio no pagamento das suas sentenças condenatórias. Em poucas palavras:
o sistema de incentivos gerado pelo modelo de leilão proporciona resultados
contrários aos colimados pela Lei Maior.
O pagamento de débitos em ordem crescente também afronta a ordem cons‑
titucional pátria. É que não importa por quanto tempo um credor possa já estar
aguardando seu pagamento, se surgir novo débito da Fazenda em menor mon‑
tante, este será satisfeito com preferência. No limite, se a importância devida
for vultosa, seu credor poderá ser eternamente preterido e jamais satisfeito,
sobretudo porque a parcela de valores destinados ao pagamento cronológico é
consideravelmente inferior ao atual passivo das entidades devedoras. Essa cir‑
cunstância agride o princípio constitucional da igualdade entre os cidadãos, cuja
distinção, em termos de quitação de precatórios, deve se basear no tempo em que
já se encontram aguardando o que lhes cabe. Aliás, o Plenário do Supremo Tribu‑
nal Federal já rechaçou a validade de qualquer regime jurídico que estabelecesse
distinção no pagamento de precatórios a partir do valor do crédito. A ementa da
ADI 1.098, rel. min. Marco Aurélio, registrou a precisa conclusão, verbis:
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, peço vênia para ir um pouco além e
concluir que também não há a legitimidade da Associação dos Magistrados Bra‑
sileiros (AMB) e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.
Por que o faço? Porque não vislumbro, ante a representação dessas associações, a
pertinência temática. Os juízes são realmente atores no processo, mas são atores
equidistantes. Não há o ataque – ainda se poderia cogitar do interesse dos magistra‑
dos como credores – à definição de como se deve satisfazer os créditos alimentícios.
Por isso, concluo pela ilegitimidade das três associações. Quanto à Associação
Nacional dos Magistrados Estaduais, há esse outro problema, que diz respeito à
absorção da representatividade pela AMB.
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, como o eminente ministro Marco
Aurélio fez esse adendo, talvez seja importante já encaminharmos essa questão
da ilegitimidade.
Então, destaquei bem a ilegitimidade da Anamages porque isso é uma matéria
já pacificada no seio do Plenário.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Luiz Fux: Ad causam, exatamente.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Eu também, até monocraticamente.
O sr. ministro Luiz Fux: Agora, como o ministro Marco Aurélio trouxe luzes
sobre essa outra questão, eu gostaria de entender que, efetivamente, as demais
associações têm essa legitimidade. A Anamatra porque há um dispositivo espe‑
cífico que retinha a competência constitucional dela para centralizar os precató‑
rios dos tribunais de justiça estaduais, mesmo que os débitos sejam oriundos de
decisões trabalhistas. E, com relação à AMB, há uma pluralidade de causa petendi
aqui nestas ações, entre outras, que o regime especial vai infirmar coisa julgada,
vai postergar a duração razoável dos processos, vai desrespeitar a autoridade
das decisões judiciais. Então, há total pertinência no sentido da legitimatio ad
causam de todas essas outras entidades que não a Anamages.
Por essa razão, Senhor Presidente, eu estou enfrentando as demais ações de
claratórias de inconstitucionalidade.
VOTO
(Sobre preliminar)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, acompanho o ministro Marco
Aurélio quanto à Anamatra porque, a despeito de haver essa pertinência, fiz
constar nos meus estudos exatamente que, como aqui estamos falando de con‑
trole abstrato, mesmo havendo a referência à competência, como o ministro Fux
alerta, seriam aquelas entidades que tivessem legitimidade, porque não se está
cuidando de interesse subjetivo de quem quer que seja, ou de qualquer pessoa.
Essa a razão pela qual acompanho o ministro Marco Aurélio não apenas
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, vou acompanhar o ministro
Marco Aurélio e a ministra Cármen Lúcia, inclusive quanto às associações de
magistrados. Não há uma relação de pertinência temática entre os fins institucio‑
nais dessas entidades com a finalidade, aqui proposta, de julgar inconstitucional
uma emenda constitucional sobre precatórios judiciais. Essa é uma pretensão
que envolve a higidez da ordem jurídica constitucional.
De modo que não vejo relação direta entre os fins institucionais de uma asso‑
ciação de magistrados com o objeto dessa ação. Eu julgo extinta a ação tanto em
relação à ADI 4.372 quanto em relação à ADI 4.400.
VOTO
(Sobre preliminar)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, peço vênia para acompanhar,
quanto às preliminares, o ministro Luiz Fux, reconhecendo legitimatio ad causam
ativa à AMB e à Anamatra para as presentes ações.
Eu não reconheço legitimatio ad causam ativa exclusivamente à Anamages,
extinguindo o processo, sem resolução do mérito, quanto a ela.
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, enquanto o ministro
Dias Toffoli não vem, encontra-se temporariamente ausente, eu, consultando os
estatutos da Associação dos Magistrados Brasileiros, verifico que, no art. 2º, X,
consta que, entre as finalidades desta entidade, encontra-se a defesa do Estado
democrático e a preservação dos direitos e garantias individuais e coletivos.
Como o ministro Luiz Fux salientou, há, sim, uma pluralidade de pedidos ou
de objeto, no que diz respeito a essas ações que foram ajuizadas pela AMB. Pelo
que o ministro Luiz Fux relatou, verifica-se que os direitos fundamentais estão,
sem dúvida, em causa, inclusive a razoável duração do processo. No entanto, vou
pedir vênia para acompanhar a divergência aberta pela ministra Cármen Lúcia;
acompanhando, de certa maneira, em parte, o ministro Marco Aurélio e o ministro
Teori Zavascki, para excluir também a Anamatra, porque não vejo nela uma legiti‑
mação universal, como se reconhece, por exemplo, ao Conselho Federal da Ordem
dos Advogados, e, também, aí, acompanhando o relator, excluo a Anamages.
Então, reconheço apenas a legitimidade ativa da AMB.
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, apenas para facilitar a proclamação
do resultado. Na verdade, estou trazendo um voto-vista, e estão se referindo a
mim como se fosse o relator. O relator foi o ministro Ayres, que não considerou
nenhuma parte ilegítima. Tem que computar o voto dele, levando em consideração
que todas têm legitimidade, inclusive a Anamages. Ele considerou todas legítimas.
Eu não sou o relator.
VOTO
(Sobre preliminar – Aditamento)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, apenas um esclare‑
cimento, eu acho que o ministro Celso de Mello levantou uma questão impor‑
tante. Eu quero também afirmar que não reconheço à AMB essa legitimação
universal, só que, tendo em conta o que disse o ministro Fux, vendo a realidade
do processo, examinado o pedido e confrontando com os estatutos, eu vejo que
há uma pertinência temática.
VOTO
(Sobre preliminar – Aditamento)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também quero fazer essa res‑
salva, exatamente nessa linha, porque o ministro Marco Aurélio até me indagou:
como a OAB? Mas, na verdade, considero que, neste caso, ela tem legitimidade
por haver, como afirma o ministro Fux e realço agora, matérias postas em julga‑
mento como causa de pedir com pertinência aos seus fins.
Mas eu não reconheço a legitimação universal.
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Eu acompanho o voto do minis‑
tro Celso de Mello, não entendo que haja legitimação universal para a AMB.
A exemplo do relator, também excluo a Anamages e a Anamatra, acompanhando
o ministro Marco Aurélio.
DEBATE
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, então, vamos uniformizar isso para
facilitar. Eu imagino que, na verdade, na essência, o que o Plenário quis estabele‑
cer foi o seguinte: são partes ilegítimas a Anamages e a Anamatra; de resto, a AMB,
apesar de não ser legitimada universal, em caso, tem a legitimação. Isso resolve.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): A ADI 4.372, nesse caso, está
extinta.
APARTE
O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me permite?
Vossa Excelência, então, assenta que, para se ter a aprovação da lei orgânica
do Município, há de se respeitar o interstício.
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu aqui chamo a atenção para um
raciocínio consequencialista que foi levado a efeito aqui quando da última deli‑
beração sobre, digamos assim, no meu modo de ver, um costume constitucional
contra legem, que foi abonado pelo Plenário em relação ao processo legislativo.
Evidentemente que eu estou trazendo com um tom de adversidade, porque eu
votei vencido. Mas o que há de imbricação com aquela hipótese é o seguinte: é
que eu não tenho a menor dúvida de que todas as emendas constitucionais não
obedeceram a esse interstício.
Aqui, sob o ângulo consequencialista, vai-se colocar o mesmo problema: me
dida provisória...
O sr. ministro Marco Aurélio: O Regimento Interno das Casas é algo lírico,
simplesmente formal?
O sr. ministro Luiz Fux: Nós ficamos vencidos naquela oportunidade.
O sr. ministro Marco Aurélio: Porque Vossa Excelência fez uma afirmação
peremptória, e não poderia, por falta de conhecimento talvez, subscrevê-la, ou
seja, de que todas as emendas foram aprovadas sem observância do interregno
entre uma votação e outra.
O sr. ministro Luiz Fux: Não, Ministro Marco Aurélio, eu estou fazendo aqui
uma ilação, realmente, porque todas as medidas provisórias foram votadas assim.
Depois, nós vimos que os vetos também não obedeceram ao processo legislativo.
O sr. ministro Marco Aurélio: Será que todas, Excelência?
O sr. ministro Luiz Fux: Não, eu não sei. Eu posso, eventualmente, fazer...
O sr. ministro Marco Aurélio: Presumo o que normalmente ocorre, e, para
mim, a observância do arcabouço normativo – não estou a me referir apenas à
Carta, tão mal-amada, que é a da República – é o que se deve presumir.
O sr. ministro Luiz Fux: Não, eu também acho. É por isso que ficamos ven‑
cidos na última vez.
O sr. ministro Marco Aurélio: Mesmo porque tenho o Congresso em alta conta!
O sr. ministro Luiz Fux: Mas eu temo que as emendas tenham sido aprovadas
sem essa obediência, tendo em vista os exemplos anteriores.
Só para chamar a atenção, porque houve aqui uma preocupação consequen‑
cialista com aquela decisão.
VOTO
(Sobre inconstitucionalidade formal)
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, quanto ao fundamento de
vício formal, acompanho o voto do ministro Luiz Fux. O vício apontado – de
que não decorreu o interstício de cinco dias entre a discussão e a aprovação em
primeiro e segundo turnos – não encontra respaldo na Constituição, que não
prevê o referido interstício. Trata-se de exigência de natureza regimental situada
em domínio interna corporis do Congresso.
Por outro lado, um tema tão importante quanto o disciplinado pela Emenda
Constitucional 62, de 2009, oriunda de proposta longamente gestada e intensa‑
mente debatida nos mais variados foros políticos, jurídicos e administrativos do
País, não se pode afirmar que o estreito tempo que mediou entre as duas votações
no Senado Federal tenha, por si só, importado em resolução açodada ou irresponsá‑
vel daquela Casa legislativa a ponto de acarretar a sua inconstitucionalidade formal.
Meu voto é pela rejeição desse fundamento.
VOTO
(Sobre inconstitucionalidade formal)
O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, eu também vou votar no
sentido já manifestado pelo eminente relator. Não acredito, tal como Sua Exce‑
lência, que aqui haja fundamento para a declaração de inconstitucionalidade
formal da emenda.
Acredito, também, que essa norma quer que haja um espaço de reflexão no
âmbito do Congresso Nacional. Mas, como disse o ministro Fux, a própria ausên‑
cia de disciplina normativa a propósito significa confiar ao Congresso Nacional
as escolhas quanto à maior ou menor intensidade deste espaço de reflexão.
Agora, Presidente, se me permitisse – e aí, eu vou pedir, também, licença ao
ministro Fux, tendo em vista o adiantado da hora e a dificuldade que talvez eu
VOTO
(Sobre inconstitucionalidade formal)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, com relação à inconstituciona‑
lidade formal, acompanho a divergência aberta pelo ministro Luiz Fux, na linha,
também, dos votos dos ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes, julgando
improcedente a ação no que pertine à arguição de inconstitucionalidade formal
da Emenda Constitucional 62/2009 por violação do devido processo legislativo.
O comando constitucional exige, como dito, a votação em dois turnos sem
definir objetivamente o interstício temporal entre eles, tendo o eminente relator,
ministro Ayres Britto, concluído por afronta à teleologia da norma, uma vez que
sua ratio essendi, também quanto à duplicidade de turnos, seria a necessária
maturação do tema, como fazem certo as exigências de quórum qualificado e
as hipóteses taxativas, em jogo a alteração do texto constitucional, em Consti‑
tuição rígida, como é a nossa.
Embora me cative a colocação, e toda a fundamentação, do eminente relator,
quando conclui violado o art. 60, § 2º, da Constituição em sua substância – como
já enfatizado, o preceito não fixa o interstício temporal entre os dois turnos,
diversamente do que fazem os arts. 29 e 32, concernentes a Municípios e ao
Distrito Federal –, parece-me, na linha do que foi sustentado pelos votos que
me antecederam nesta data, que a ratio essendi foi atendida pelo largo debate
ocorrido no Congresso Nacional sobre o tema, ao longo dos três anos de trami‑
tação da PEC, com inclusive quatro audiências públicas promovidas. Não há
falar, portanto, em violação do texto constitucional, em sua literalidade ou em
sua essência, pelo fato de ter sido votada a emenda na mesma noite, com uma
hora apenas de intervalo, em regime de urgência, a pedido das lideranças dos
partidos, em questão que classifico como interna corporis.
Senhor Presidente, a melhor conclusão, pedindo vênia a quem entende o con‑
trário, não me parece ser a declaração da inconstitucionalidade formal.
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli:
Nesses termos, esta Corte tem assentado que “(...) as limitações materiais ao
poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera,
não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição
originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institu‑
tos cuja preservação nelas se protege (...)” (ADI 2.024/DF, rel. min. Sepúlveda
Pertence, DJE de 22-6-2007).
Com efeito, a teor da previsão expressa do art. 60, § 4º, CF/1988, não resta
vedada ao poder constituinte derivado toda e qualquer restrição às chamadas
cláusulas pétreas, mas somente àquelas que atinjam núcleo essencial desses
limites materiais; vedam-se, tão somente, as propostas de emendas tendentes
a abolir as cláusulas pétreas.
Partindo-se, portanto, dessa premissa restritiva, passo à análise da Emenda Cons‑
titucional 62/2009, que alterou o regime constitucional do sistema de precatório.
Com efeito, a Casa que aprova o ato normativo é a mesma que elabora seu
regimento interno. Nesse passo, não verifico invalidade em deliberação, direta
ou implícita, que reforma regra de processo interno de apreciação ou estabelece
exceção ao rito, em conformidade com o texto constitucional.
Em última análise, a meu ver, não deflui do art. 60, § 2º, da Carta Federal de
1988 o mencionado interstício entre as sessões deliberativas, que apenas alude
ao quórum qualificado e à necessidade de dois turnos de votação, os quais
restaram plenamente atendidos no presente caso.
Como bem lembra a Advocacia-Geral da União, se o texto constitucional “hou‑
vesse pretendido estabelecer semelhante intervalo mínimo (conforme supõe
requerente), teria feito previsão expressa nesse sentido, a exemplo do que esta‑
belece o artigo 29, caput, da Constituição acerca da votação da Lei Orgânica dos
Municípios”, no qual se estabelece que “[o] Município reger-se-á por lei orgânica,
votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias”.
Tampouco assiste razão ao autor, no que foi acompanhado pela Procuradoria‑
-Geral da República, quando afirma ter o processamento da Emenda Constitu‑
cional 62/2009 desrespeitado a finalidade da regra estampada no art. 60, § 2º,
da Lei Fundamental, ao prever dois turnos de votação da espécie. Salientam
que a modificação da Constituição requer um melhor amadurecimento dos par‑
lamentares sobre o tema tratado, sendo necessário, portanto, um prazo mínimo
entre uma e outra sessão de deliberação da proposta.
Apesar da fluidez do argumento e de sua difícil construção na seara jurídica,
tenho que a maturação ou não de propostas legislativas não deve ser compre‑
endida sob a ótica da maior ou menor duração entre os dois turnos de votação.
De forma oposta, a análise deve ater-se ao processo legislativo como um todo,
ou seja, da fase de iniciativa até a deliberação final da casa revisora – no caso
das emendas constitucionais. Esse é o sentido de um verdadeiro processo deli-
berativo, no qual se conta inclusive com a participação da sociedade na discussão
e no amadurecimento da questão.
Pelo que expõe a Advocacia-Geral da União, a emenda contestada teve origem
no próprio Senado Federal, no ano de 2006 (PEC 12/2006), onde foi aprovada
bem mais tarde, já em 2009, mesmo ano em que retornou à Casa para votação
do texto final, após a deliberação da Câmara dos Deputados (onde tramitou
como PEC 351/2009).
Com efeito, na situação presente, não há margem para se firmar a precocidade
de aprovação da norma, ou mesmo a ausência de amadurecimento da ques‑
tão. Ora, é de conhecimento notório de todos a ampla discussão no âmbito do
Congresso Nacional a respeito da PEC dos Precatórios, a envolver não apenas
os parlamentares, mas também integrantes dos Governos Federal, Estaduais,
Distrital e Municipais. Afinal, tratou-se de proposta de emenda que tramitou no
Senado Federal por três anos e foi objeto de aprovação duas vezes nessa mesma
Casa Legislativa. Não há razão, portanto, para se afirmar que sua aprovação teria
ocorrido sem a devida reflexão ou amadurecimento por parte dos parlamentares.
Por essas razões, concluo que a Emenda Constitucional 62/2009 não padece
de vício formal, uma vez que foi aprovada pelo Senado Federal com a observância
do devido processo legislativo constitucional.
Afigura-se que não teria sido confirmada adequação do art. 1º-F da Lei 9.494, de
1997, em face do art. 5º, caput, da Constituição Federal.
(...)
Não penso assim!
O atentado à isonomia consiste em se tratar desigualmente situações iguais, ou
em se tratar igualmente situações diferenciadas, de forma arbitrária e não funda‑
mentada. É na busca da isonomia que se faz necessário tratamento diferenciado,
em decorrência de situações que exigem tratamento distinto, como forma de rea‑
lização da igualdade.
(...)
Se a lei trata igualmente os credores da Fazenda Pública, fixando os mesmos
níveis de juros moratórios, inclusive para verbas remuneratórias, não há falar
em inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494, de 1997.
devidos for superior ao valor dos recursos vinculados ao seu pagamento (§ 14
do art. 97 do ADCT).
Nesse ponto, já adianto que mantenho o posicionamento firmado no julga‑
mento das medidas cautelares das ADI 2.356 e 2.362, nas quais se discutiu a
constitucionalidade do regime de parcelamento instituído pelo art. 78 do ADCT,
acrescentado pelo art. 2º da EC 30/2000.
Em que pese, naquela ocasião, a Corte tenha deferido, por maioria, a medida
cautelar, suspendendo a eficácia do dispositivo introduzido pela EC 30/2000,
mantenho-me fiel ao voto proferido naquela assentada.
Em consonância com a premissa já esclarecida no início deste voto, não vejo
como essa emenda constitucional tenha de alguma forma tentado abolir do
mundo jurídico qualquer dos princípios e garantias individuais destacados nas
iniciais, como a garantia do acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), a coisa julgada
e o princípio da separação dos Poderes.
No julgamento da ADI 1.098/SP (rel. min. Marco Aurélio, DJ de 25-10-1996),
esta Corte manifestou-se quanto à natureza administrativa das decisões da pre‑
sidência dos tribunais no cumprimento dos precatórios judiciais, visto que essa
atividade decorre do exercício de função eminentemente administrativa, tendo a
fase judicial se encerrado com a expedição do precatório. O acórdão da decisão
acima referida restou assim ementado:
Precatório – Objeto. Os preceitos constitucionais direcionam à liquidação dos débi‑
tos da Fazenda. O sistema de execução revelado pelos precatórios longe fica de
implicar a perpetuação da relação jurídica devedor-credor. Precatório – Tramita-
ção – Regência. Observadas as balizas constitucionais e legais, cabe ao tribunal,
mediante dispositivos do regimento, disciplinar a tramitação dos precatórios, a fim
de que possam ser cumpridos. Precatório – Tramitação – Cumprimento – Ato
do presidente do tribunal – Natureza. A ordem judicial de pagamento (§ 2º do
art. 100 da Constituição Federal), bem como os demais atos necessários a tal
finalidade, concerne ao campo administrativo e não jurisdicional. A respaldá‑
-la tem-se sempre uma sentença exequenda. Precatório – Valor real – Distinção
de tratamento. A Carta da República homenageia a igualação dos credores. Com
ela colide norma no sentido da satisfação total do débito apenas quando situado
em certa faixa quantitativa. Precatório – Atualização de valores – Erros materiais –
Inexatidões – Correção – Competência. Constatado erro material ou inexatidão nos
cálculos, compete ao presidente do tribunal determinar as correções, fazendo-o a
partir dos parâmetros do título executivo judicial, ou seja, da sentença exequenda.
Precatório – Atualização – Substituição de índice. Ocorrendo a extinção do índice
inicialmente previsto, o tribunal deve observar aquele que, sob o ângulo legal,
vier a substituí-lo. Precatório – Satisfação – Consignação – Depósito. Não se há de
Não se esqueça que a inadimplência dos entes federativos por dívidas com
o pagamento de precatório já foi objeto de inúmeras intervenções federais já
decididas por esta Suprema Corte. E, como ficou assentado por esta Corte, por
exemplo, na IF 3.091/RS:
Intervenção federal. 2. Precatórios judiciais. 3. Não configuração de atuação dolosa
e deliberada do Estado do Rio Grande do Sul com finalidade de não pagamento.
4. Estado sujeito a quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierarquia. Neces‑
sidade de garantir eficácia a outras normas constitucionais, como, por exemplo,
a continuidade de prestação de serviços públicos. 5. A intervenção, como medida
extrema, deve atender à máxima da proporcionalidade. 6. Adoção da chamada
relação de precedência condicionada entre princípios constitucionais concor‑
rentes. 7. Pedido de intervenção indeferido. [Rel. min. Marco Aurélio, rel. p/ o ac.
min. Gilmar Mendes, DJ de 26-3-2004.]
ainda que com deságio; e ganham os entes estatais com o aceleramento do ritmo
de pagamento das dívidas.
Ademais, gostaria de ressaltar aqui uma questão curiosa acerca da realização
de leilões e de acordos como formas de pagamento de precatórios. No âmbito
das relações entre particulares é natural que, numa situação de inadimplência,
busque o credor a negociação da dívida, resultando, muitas vezes, no parcela‑
mento das dívidas, na retirada de juros e multas e até mesmo na diminuição desse
valor. Se essas orientações são salutares em se tratando de relações privadas,
porque não aplicá-las quando estamos diante de entes federativos inadimplentes?
No meu sentir, a celebração de acordos – e a realização de leilões é uma forma
de transação –, no âmbito da administração pública, são plenamente viáveis,
devendo ser estimuladas, pois viabiliza a busca de soluções consensuais entre
administrados e administração. A meu ver, a regra do pagamento na ordem cro‑
nológica (não temos aqui cláusula pétrea) não é óbice a impedir a adoção de
soluções consensuais no pagamento de precatórios, pois o que se deve verificar
no caso é se restam atendidos os princípios da impessoalidade e da isonomia.
Com efeito, pode parecer que a celebração de um acordo pode dar ensejo à
suposição de que a parte envolvida receberá tratamento privilegiado em relação
aos demais credores do poder público. Contudo essa situação não ocorre, pois
teremos, na hipótese de leilão ou de acordo, situação distinta, pois os credores,
nesses casos, não receberão integralmente os seus créditos, situação que, por si
só, os distingue dos demais.
Dessa forma, entendo que esses mecanismos, ao lado da hipótese de pagamento
de precatórios em ordem cronológica de apresentação, atendem, em última aná‑
lise, o princípio da eficiência da administração pública (art. 37, CF/1988), consti‑
tuindo meio hábil e menos gravoso para o pagamento de débitos públicos.
Só para exemplificar os avanços atingidos pelo atual regime, veja-se análise
de inegável relevo para a presente ação que o Estado de São Paulo apresentou
em memoriais contendo os seguintes dados:
Como primeira medida, o Estado de São Paulo editou o Decreto 55.300/09, implan‑
tando, com efeitos a partir de 1º-1-2010, o Regime Especial instituído pela referida
Emenda Constitucional. Conforme disposto no art. 97 por ela acrescentado ao Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias (inciso I do § 1º e § 2º), foi exercida
opção pelo comprometimento de 1,5% (um e meio porcento) da receita corrente
líquida do Estado, por prazo indeterminável, até a liquidação total do estoque,
ficando para momento posterior a definição do uso a ser feito com os 50% desses
recursos que, por disposição do art. 97, § 8º do ADCT, não necessariamente preci‑
sam ser aplicados segundo a ordem cronológica, podendo ser destinados a leilão,
5. Conclusão
Por todas essas razões, Senhores Ministros, entendo que a Emenda Constitu‑
cional 62/2009 estabeleceu solução viável para a problemática dos precatórios
em nosso país sem atingir núcleo essencial das cláusulas pétreas contidas no
art. 60, § 4º, da Carta da República. Prevê novas fórmulas que vêm capacitando
os entes federativos a efetivamente dar cumprimento às suas obrigações judiciais,
de forma que esses débitos começam a ser, paulatinamente, honrados.
Voto pela improcedência do pedido.
VOTO
(Sobre inconstitucionalidade formal – Aditamento)
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, quando se exigem os dois turnos,
isso não implica maturação, implica uma realidade material de se votar duas
vezes. Simples assim.
No caso específico, houve, em razão do que dispõe o Regimento do Senado – o
qual prevê o interstício –, a aprovação de requerimento dispensando o interstí‑
cio pela unanimidade dos líderes. Eu não concebo, da leitura da Constituição, a
ideia de que, quando se exigem os dois turnos, se exige uma maturação. Exige-se
votação duas vezes, uma confirmação da votação. É o que houve, é o que basta,
e não prevê prazo a Constituição, como destacou o voto divergente.
Peço vênia ao ministro relator e desde já ao ministro Marco Aurélio, que já
antecipou posição na linha do relator, para acompanhar a divergência.
Trago voto por escrito, Senhor Presidente, abordando essa questão de uma
maneira pormenorizada, mas não vou fazer a sua leitura.
VOTO
(Sobre inconstitucionalidade formal)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também peço vênia ao senhor
ministro relator, entendendo as razões do muito bem exposto voto, porém con‑
sidero que não houve o descumprimento da Constituição, uma vez que foram
observados os dois turnos porque foram votadas duas vezes.
E a mim parece que, mesmo a pesquisa da finalidade da norma constitucional
no sentido de que o que se pretende é que não se vote de forma atabalhoada,
ou sem o devido acompanhamento pela própria sociedade, pelos seus repre‑
sentantes, foi cumprido, neste caso, exatamente como posto pelo ministro Fux.
Portanto, como disse, acompanho Sua Excelência com as vênias dos que
pensam em contrário.
VOTO
(Sobre inconstitucionalidade formal)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, com a devida vênia do
ministo relator, também acompanho a divergência aberta pelo ministro Luiz Fux.
Entendo que a Constituição, no art. 60, § 2º, referiu-se apenas a uma votação
em dois turnos, não estabelecendo prazo entre esses dois turnos, tal como fez,
por exemplo, no art. 29 da mesma Carta, em que se exige, ao se votar a lei orgâ‑
nica municipal, um prazo de dez dias entre os dois turnos. Ou seja, quando o
constituinte quis se referir a prazo – como disse muito bem o ministro Luiz Fux –,
ele o fez expressamente. Neste caso, embora a Carta Magna seja a lei maior do
País, ele não exigiu interstício.
É verdade – como salientou o ministro Dias Toffoli – que o interstício de
cinco dias consta tanto do Regimento Interno do Senado quanto do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados. Mas ocorre que – também como salientado
pelo ministro Dias Toffoli – houve um requerimento de todos os líderes parti‑
dários endereçados ao presidente da Câmara, para que esse prazo de cinco dias
fosse suspenso. E o presidente assim o fez, acolhendo essa demanda. E creio
que o fez dentro de suas atribuições previstas no art. 17 do mesmo regimento
interno, porque cumpre ao presidente da Câmara dos Deputados, segundo esse
dispositivo que acabo de citar, cumprir e fazer cumprir o regimento da Casa.
Ademais, como já foi mencionado pelos ministros que me precederam, sobre‑
tudo pela ministra Rosa Weber e também pelo ministro Luiz Fux, esta emenda
foi aprovada por uma amplíssima maioria; portanto, não carece de legitimidade.
No primeiro turno, ela foi contemplada com 328 votos afirmativos e, no segundo
turno, com 329 votos afirmativos também – e isso após uma longa discussão que
incluiu inclusive audiências públicas, como já salientado.
Portanto, rejeito essa preliminar, acompanhando a divergência aberta pelo
ministro Luiz Fux, pedindo vênia aos que discordam desse entendimento.
VOTO
(Sobre inconstitucionalidade formal)
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, permita-me – o Ministério Público –
subscrever a manifestação sobre a matéria. E, nessa manifestação, temos os
seguintes trechos:
29. A realização de mudança no texto constitucional envolve [embora não pareça,
até mesmo pelo número de emendas constitucionais, já apontei que, certa vez,
um cidadão entrou numa livraria tentando adquirir um exemplar da Constituição
brasileira, e o balconista o avisou que aquela livraria não trabalhava com perió‑
dicos, tem-se Constituição rígida] decisão extremamente grave e que, por isso,
merece ampla discussão e detida reflexão por parte dos parlamentares. Não é
por outra razão que a Constituição exigiu [sob o ângulo estritamente formal? A
meu ver, não; sob o ângulo do conteúdo] a realização de dois turnos de votação
em cada casa legislativa.
30. Através deste procedimento, permite-se que, no intervalo entre cada votação,
os parlamentares envolvidos discutam e meditem sobre a questão, ponderando
todos os argumentos favoráveis e contrários à proposta, inclusive para, se for o
caso, reverem a sua posição original (...).
Tanto é assim, digo, que o texto constitucional se refere a 3/5 dos votos dos
respectivos membros em cada turno, pressupondo, portanto, que, em um turno,
possa ser alcançada essa maioria qualificada e, em outro, não seja alcançada essa
mesma maioria qualificada.
Continua o parecer:
31. Trata-se de um expediente que serve à ideia de democracia deliberativa. Esta
parte da premissa que a democracia não se esgota no respeito à regra da maioria,
mas se assenta na busca, através do diálogo, de respostas adequadas e justas para
os problemas sociais, de forma a promover o bem comum, sem desrespeito dos
direitos fundamentais.
VOTO
(Sobre a alegação de vício formal – Procedimento legislativo)
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhores Ministros, concordo com as obser‑
vações do eminente ministro Ayres Britto, relator, acerca da inconstitucionali‑
dade formal da EC 62/2009. A legitimidade de qualquer ato jurídico, inclusive os
atos legislativos próprios, também se afere pelo devido procedimento previsto,
Pergunta-se se não competiria ao Senado definir o que são turnos, para fins
de aplicação do art. 60, § 2º, da Constituição. A resposta é positiva, e o Judiciário
não pode definir originariamente se turnos compreendem semanas, dias, meses
ou qualquer outra medida de tempo.
Porém, compete ao Supremo Tribunal Federal garantir que a definição dos
“turnos” assegure a cada um dos congressistas e dos cidadãos brasileiros que o
processo legislativo possa ser entendido e debatido.
Cabe à Suprema Corte apontar se uma dada definição de “turno” viola expec‑
tativas constitucionais legítimas.
A propósito, lembro a sábia observação do justice Stone na mais famosa nota
EXTRATO DA ATA
ADI 4.425/DF — Relator: Ministro Ayres Britto. Requerente: Confederação Nacio‑
nal da Indústria – CNI (Advogados: Cassio Augusto Muniz Borges e outros). In
teressado: Congresso Nacional. Amicus curiae: Estado do Pará (Procurador:
Procurador-geral do Estado do Pará).
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal rejeitou a alegação de inconsti‑
tucionalidade formal da Emenda Constitucional 62, por inobservância de interstício
dos turnos de votação, vencidos os ministros Ayres Britto (relator), Marco Aurélio,
Celso de Mello e Joaquim Barbosa (presidente). O ministro Gilmar Mendes adiantou
o voto no sentido da improcedência da ação. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
Presidência do ministro Joaquim Barbosa. Presentes à sessão os ministros
Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Procurador-geral da
República, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 6 de março de 2013 — Carlos Alberto Cantanhede, secretário.
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, egrégio Plenário, ilustre Represen‑
tante do Ministério Público, Senhores Advogados presentes, temos agora o capí‑
tulo inerente às inconstitucionalidades materiais.
Há uma pluralidade de causa petendi. De sorte que, com toda boa vontade que
eu sempre tenho manifestado em resumir os votos – o que, aliás, não tem sido
uma experiência muito feliz essa minha solidariedade ao Plenário, porque sempre
o Plenário indaga algumas coisas que não estão explicitadas nessa consolidação
que procuro fazer, para poupá-los –, neste caso específico eu, necessariamente,
terei que proceder à leitura de alguns trechos.
Tanto mais que é matéria de extrema relevância, e há anseios sociais em torno
dessa questão. Então, peço vênia para não utilizar de hábito. Aliás, bem advertido,
na última sessão, pelo ministro Celso de Mello, que, com sua experiência e com seu
exemplo, fez aqui uma alusão de que eu deveria ter lido o voto, e não o fiz em prol,
digamos assim, não o açodamento, mas uma celeridade na possibilidade de julgar.
Senhor Presidente, vamos, então, às inconstitucionalidades materiais. Em al
gumas delas, tenho possibilidade de fazer uma síntese; em outras, efetivamente,
é impossível.
PROPOSTA
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, são muitos dispositivos. E o
que me parece que o ministro Fux diz, e eu concordo, é que, se cada dispositivo
for sendo examinado e votado, facilitaria para os ministros, pois eles saberiam
exatamente qual o dispositivo votado e a discussão sobre ele. São matérias dife‑
rentes, quer dizer, tudo é precatório, mas...
O sr. ministro Luiz Fux: Se o Plenário entender assim...
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Todos estão de acordo com o
fatiamento, digamos assim.
O sr. ministro Marco Aurélio: É mais seguro, Presidente, para apreciação
dos diversos tópicos.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Para sabermos do que se cuida.
O sr. ministro Luiz Fux: Naquela lei de Alagoas, levamos um pouco mais de
tempo, mas fracionamos a lei inteira.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas assim saberemos o que estamos votando.
VOTO
(Sobre proposta)
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, do meu ponto de vista de
examinar a constitucionalidade dessa emenda constitucional, qualquer um dos
dispositivos, ainda que considerado isoladamente, supõe um contexto geral que
teria de ser investigado.
Não me oponho, de modo algum, que haja esse fatiamento, mas, desde logo,
adianto que precisaria de um tempo maior para colocar, já o primeiro item, num
contexto mais amplo.
DEBATE
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ministro Teori Zavascki, Vossa Excelência
propõe que o ministro Fux leia todo o seu voto, no que diz respeito ao mérito,
e, depois, a votação seja feita de modo, enfim, fatiado? Apenas para que nós
entendamos a mecânica.
O sr. ministro Luiz Fux: Vamos perder um pouco a memória.
O sr. ministro Teori Zavascki: Pode ser assim. Eu não me oponho que se
fracione. Eu só vou...
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Porque, realmente, a nova sistemática
de pagamento de precatórios tem uma metodologia única, é um todo único que
precisa ser compreendido em sua...
O sr. ministro Luiz Fux: Mas tem muitos aspectos.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Sim, há múltiplos aspectos.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Temos duas ações diretas com
vários fundamentos. É essa a dificuldade.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Porque uma coisa diz respeito, por exemplo,
no § 2º do art. 100, especificamente, sobre pagar, a superpreferência para aqueles
que tiverem pelo menos 60 anos na data da expedição do precatório – a expressão
é esta –, e isso tem uma finalidade, uma justificativa. Outra é o parcelamento,
outra é a compensação. Então, é um contexto, sim.
O sr. ministro Luiz Fux: Pela relevância da matéria, a ministra Cármen Lúcia
sugere uma boa proposta.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Se o ministro Luiz Fux conseguir em
cada item, digamos assim, apresentar, e certamente apresentará, um raciocínio
encadeado para que nós possamos entender, realmente, a substância...
O sr. ministro Luiz Fux: Eu vou narrando esse novo regime de pagamento
dos precatórios e evidentemente as impugnações que ele sofre. Então, há uma
impugnação a essa superpreferência. Então, eu dei aqui as razões pelas quais se
impugna isso, essa superpreferência, e a conclusão a que o ministro Ayres Britto
chegou, e a que cheguei. Onde eu puder sintetizar, sintetizarei. Há casos em que
é impossível. Eu acho que fica claro, fica fácil julgar.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Eu não me oponho ao fatiamento,
então.
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Não haverá vantagem alguma no fatiamento.
O fatiamento seria para tornar a coisa muito mais clara, mais límpida.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas o que o ministro propõe é isso, que ele
clareie, fazendo até o link necessário.
DEBATE
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, eu vou insistir num ponto.
Não estou contra o fatiamento deste julgamento.
Todavia, julgamento de inconstitucionalidade de uma emenda constitucional
é muito diferente do julgamento de inconstitucionalidade de uma lei infracons‑
titucional, porque o parâmetro de legitimidade de uma emenda constitucional
são as cláusulas pétreas apenas.
De modo que o que nós estamos decidindo aqui, única e exclusivamente, é se
essa emenda constitucional ofendeu ou não cláusula pétrea. É só isso que nós
estamos julgando.
O sr. ministro Luiz Fux: E, a bem da verdade, a Ordem dos Advogados do
Brasil alega a violação de cláusulas pétreas como, por exemplo, separação de
poderes, violação de direitos fundamentais.
O sr. ministro Teori Zavascki: Sim, mas é só isso. Por isso que eu acho difícil
nós julgarmos individualmente. Não me oponho, apenas o meu voto já nesse
primeiro tópico vai ser praticamente completo, porque vai valer para todos os
outros. É isso que eu quero dizer.
Então, se Vossa Excelência me permite, eu vou votar nesse prisma.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Vai adiantar já o seu voto em
relação ao resto.
O sr. ministro Teori Zavascki: Para praticamente tudo.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Isso dificultaria?
O sr. ministro Luiz Fux: Não, eu tenho a impressão de que, aí, nós vamos recair
no mesmo problema que nós recaímos aqui, num julgamento recentíssimo fatiado
em que, assim, no limite da discordância, chegou-se a uma conclusão absoluta‑
mente inviável na prática, e que acabou não sendo adotada: cada um vota como
quer. É impossível, Senhor Presidente. É impossível, porque, no mínimo, há um
certo, digamos assim, uma certa irritualidade, digamos assim, nesse comporta‑
mento colegiado, por quê? Porque eu não me manifestei no voto-vista ainda sobre
o ponto e o colega já vai adiantar. Não tenho nada, digamos assim... Eu trabalhei
dez anos com o ministro Teori, conheço a maneira dele trabalhar. É que aqui eu
me adaptei a essa realidade. Então, o fatiamento, ele pode ser... Agora, se...
O sr. ministro Teori Zavascki: Eu não sou contra. Só estou dizendo que, para
votar nesse ponto, eu vou...
O sr. ministro Luiz Fux: Eu sei, mas, por exemplo, a ministra Rosa também, de
alguma maneira, aventou a possibilidade de utilizar a metodologia do ministro
Gilmar Mendes. Claro que foi uma metodologia de urgência. Ele tinha que sair.
EXTRATO DA ATA
ADI 4.425/DF — Relator: Ministro Ayres Britto. Requerente: Confederação Nacio‑
nal da Indústria – CNI (Advogados: Cassio Augusto Muniz Borges e outros). In
teressado: Congresso Nacional. Amicus curiae: Estado do Pará (Procurador: Pro
curador-geral do Estado do Pará).
Decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do ministro Luiz Fux
DEBATE
O sr. ministro Gilmar Mendes: Interessante anotar que a dívida – e isso acho
que os dados, até os memoriais trazidos pelo Estado, falam – dos Estados excede
em muito a capacidade de pagamento, talvez não do seu rico Estado do Rio de
Janeiro, mas, certamente, do meu pobre Estado do Mato Grosso e de vários outros
Estados. Excede muito.
Então, se houver uma inclusão simplesmente, não há como pagar; quer dizer,
nós vamos estar falando do ad impossibilia nemo tenetur. Isso nós já vimos no
debate de São Paulo, quando se pediu aqui a intervenção no Estado de São Paulo.
Se São Paulo passasse todo o dinheiro que dispõe para pagar precatório, não teria
dinheiro para colocar gasolina em carro de polícia.
O sr. ministro Luiz Fux: O ministro Ayres Britto desmistificou isso. E esse
argumento, pietatis causae, da pobreza de um Estado, isso é uma questão de má
administração. Governador bom faz o Estado ter lucro; governador ruim faz...
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ministro Fux, me permite um aparte?
Eu queria fazer um aparte no sentido do que disse o eminente ministro Gilmar
Mendes. Quem teve uma certa experiência na administração pública pôde
verificar que grande parte dessa dívida dos precatórios é absolutamente artifi‑
cial, totalmente incompatível com o valor, por exemplo, de um bem expropriado.
Isso se vê claramente quando se trata da expropriação de imóveis. Os imóveis
eram expropriados e na indenização eram calculados a correção monetária e
os juros moratórios. Depois houve uma criação pretoriana à qual se chamou de
juros compensatórios, em que se pagavam rendas a imóveis que não eram dota‑
dos de nenhuma renda, automaticamente se pagavam os juros compensatórios.
O sr. ministro Luiz Fux: Mas, Ministro Lewandowski, isso é um problema do
processo de conhecimento donde derivou o título.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente. Chegou, então, a um de
terminado ponto, aí se acrescia a sucumbência, honorários, etc. Chegou a um
determinado momento em que o valor do precatório não guardava nenhuma
correspondência com o valor do bem expropriado.
O sr. ministro Luiz Fux: Quem chancelou isso?
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Então isso era uma bola de neve, as
administrações foram se sucedendo e herdaram uma dívida impagável.
O sr. ministro Luiz Fux: Mas quem chancelou essa dívida? Foi o Judiciário,
foi o Judiciário que chancelou isso. Há coisa julgada. Há discussões possíveis
em ação rescisória.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Sim, mas eu, por exemplo, me deparei
com alguns casos que eram absolutamente teratológicos, isso como desembar‑
gador em São Paulo.
O sr. ministro Gilmar Mendes: O “Caso Pirambeira”, de São Paulo.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Pois é, das Pirambeiras. Era um caso
desses. Vejam como existiam distorções. É claro que o credor do Estado precisa
receber, mas é preciso desfazer alguns mitos com relação a esses precatórios.
Eu me lembro de um caso, Ministro Gilmar, da época em que eu era desembar‑
gador no Tribunal de Justiça de São Paulo, numa câmara de direito público.
E, lá, o governo do Estado resolveu declarar como área de proteção ambiental
a parte mais elevada da Serra do Mar, o cume da Serra do Mar, e, por decreto,
então, declarou-a de preservação permanente. Alguns cidadãos mais inteligen‑
tes, ou quiçá, melhor informados, antes mesmo do decreto, compraram aque‑
las áreas todas. Muito bem, então entraram com uma ação de desapropriação
indireta contra o Estado. E a desapropriação foi evidentemente deferida pelo
Poder Judiciário. O processo tramitou por anos e anos, e, ao final, pagou-se uma
indenização integral por uma área que era absolutamente protegida, onde não
se podia plantar nem construir nada. A indenização alcançou a mata, a terra, as
pirambeiras, quer dizer, aquelas áreas em declive, absolutamente inaproveitáveis.
a Fazenda Pública, em geral, está em mora. Agora, é preciso colocar, data venia,
os pontos nos “is”.
O sr. ministro Gilmar Mendes: A falta de uma regulamentação leva exata‑
mente para um quadro de anomia. Por quê? Na verdade, o que vai acontecer
diante da impossibilidade do pagamento, tal como resulta da não possibilidade
de inclusão ou de não adiantar nada, e incluir no orçamento, se não se consegue
cumprir, uma vez que os números já estão aí? Certamente, a dívida ultrapassa
orçamentos anuais de todos esses Estados, a receita desses Estados.
O que acontece? Nós jogamos essas pessoas, na verdade, na falta de regras,
no quadro de anomia. Eles vão negociar o precatório como puderem e, depois,
haverá o tipo de negociação – isso sim –, a negociação recôndita, no âmbito
político para o pagamento e encontro de contas. Esse é o problema. A falta de
regras, aqui, cria a lei do caos. A falta de lei. Esse é o problema sério.
O sr. advogado: Senhor Presidente, pela OAB, matéria de fato, por favor.
O sr. ministro Luiz Fux: Eu concedo a palavra ao advogado.
O sr. advogado: Muito obrigado. Os precatórios do Estado de Mato Grosso
estão 100% quitados. O Estado de Mato Grosso não deve um tostão em preca‑
tórios. O Estado de Mato Grosso fez uma operação com financiamento interna‑
cional, liquidou todos os seus precatórios. E nós temos notícia de que diversos
outros Estados estão negociando operações similares. Ou seja, o Brasil é um
risco de crédito bastante aceitável no mercado internacional, especialmente
com garantia federal. E não existe, na nossa visão – estou falando de matéria de
fato –, nenhuma razão para se alegar que isso seja impossível.
Nós, da OAB, entregamos aos senhores ministros memoriais, explicando mais
de quinze opções de solução boas, onde não existe nenhuma restrição ao fluxo
de caixa de Estados. Uma operação realmente – se me permite a expressão –
ganha-ganha. Essas dívidas são reestruturadas por prazo longo, o dinheiro pode
ser investido em projetos de infraestrutura, o precatório pode ser utilizado para
pagamento de financiamentos, como Minha Casa Minha Vida. Pode ser utilizado
em compensação tributária, sem afetar o fluxo de caixas dos governos. Então,
se existe um mito, na nossa visão – mais uma vez, é matéria de fato –, é que não
existem soluções para este caso.
A dívida mobiliária brasileira pública voluntária é de R$ 2,7 trilhões. Ou seja,
investidores compram voluntariamente papéis nesse montante. Aumentar essa
dívida, que existe hoje, é rolada todo dia, em mais R$ 100 bilhões, não significa
absolutamente nada. Então, é uma questão de vontade do poder público, do
poder federal, auxiliar Estados e Municípios que, sim, têm sido oprimidos pelo
Governo Federal e merecem apoio.
O sr. ministro Luiz Fux: Acho que já está bom, Doutor. Estou satisfeito.
O sr. advogado: Agradeço a Vossa Excelência.
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas uma observação. Preci-
samos perceber como surge o precatório. O precatório diz respeito a débito reco‑
nhecido em sentença judicial, que se presume prolatada com a observância do
devido processo legal. Por isso, não podemos nos impressionar, a essa altura, ao
julgar o que está em mesa, com o montante da dívida de São Paulo, que é um
Estado estruturado. Evidentemente, nos processos de conhecimento, defendeu‑
-se lançando mão dos recursos assegurados pela legislação instrumental.
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu tenho sempre o vezo de estar
aberto ao debate, mas eu tenho a impressão de que, para o melhor andamento
dos trabalhos, quer dizer, acho já indiciam uma conclusão do que eu vou chegar;
então, esses argumentos interessantes, uns interdisciplinares, outros ad terro-
rem, são argumentos que efetivamente não vão influir no desate daquilo que
eu vou decidir.
Então, eu pediria a Vossa Excelência, tenho a impressão de que consigo agi‑
lizar mais, e, depois, damos a palavra aos colegas que estão já anunciando uma
divergência.
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me permite?
O sr. ministro Luiz Fux: Claro.
O sr. ministro Marco Aurélio: O relator apenas glosou a época em que devem
ser apurados os 60 anos.
O sr. ministro Luiz Fux: Pois é, mas essa época, é exatamente isso, Ministro
Marco Aurélio. Mas eu pondero...
O sr. ministro Marco Aurélio: Implicaria tratamento diferenciado. Apontou,
inclusive, que se poderia ter um credor, ante a projeção da liquidação dos débitos
para as calendas gregas, com 80 anos, que não teria 60 quando da expedição do
precatório, e estaria fora do benefício previsto.
A sra. ministra Cármen Lúcia: A data da expedição do precatório.
O sr. ministro Luiz Fux: Essa expressão do ministro Ayres, agora explicitada
pelos ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, me faz, realmente, ponderar e
acompanhar Sua Excelência nesse particular também para declarar... Ele deu
interpretação conforme com redução de texto. Reduziu o texto.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Só a expressão.
O sr. ministro Marco Aurélio: Só a expressão.
O sr. ministro Luiz Fux: Até a data da expedição dos diplomas. Então, acom‑
panho integralmente.
O sr. ministro Marco Aurélio: O preceito não prevê a liquidação total do
débito, mas parte. A satisfação de parte do débito.
O sr. ministro Luiz Fux: Então acompanho integralmente, nesse particular,
o ministro Ayres Britto.
É assim como voto, Senhor Presidente, pela manutenção do Estado Democrá‑
tico de Direito, que é uma promessa constitucional da Carta de 1988.
VOTO
O sr. ministro Teori Zavascki: 1. Em nosso sistema, a inconstitucionalidade de
emenda constitucional pode ser identificada e declarada em duas situações:
(a) por vício formal do processo legislativo para a sua aprovação, previsto no
art. 60 da CF, que dispõe sobre esse processo (no qual se pode considerar inclu‑
ído o limite, que se costume denominar de circunstancial, estabelecido no § 1º,
inibindo reformas constitucionais na vigência de intervenção federal, estado de
defesa e estado de sítio), ou (b) por ofensa (= incompatibilidade material) a uma
das cláusulas pétreas previstas no § 4º do art. 60 da CF. O parâmetro para aferição
da legitimidade de emenda constitucional não é, portanto, a Constituição em seu
todo, mas apenas o seu art. 60 e, implicitamente, os dispositivos que a ele vincu‑
lados por derivação. Respeitado o processo legislativo próprio e observadas as
cláusulas pétreas, é soberano o poder constituinte reformador. Embora se saiba
que as normas constitucionais formam um todo orgânico e entrelaçado, não faz
sentido algum, à luz desse amplo poder de reforma conferido pela Constitui‑
ção, pretender o reconhecimento da ilegitimidade de emenda à luz de qualquer
outro parâmetro constitucional que não seja aquele núcleo central, ou, o que
seria mais grave, à luz de normas ou de princípios de origem infraconstitucional.
É indispensável ter presente que qualquer emenda constitucional, justamente
por modificar a Constituição, tem, sempre, por sua própria natureza, o caráter
de norma contrária a algum preceito constitucional, pelo menos ao que visa a
modificar, mas, afirmar, só por isso, a sua inconstitucionalidade significaria eli‑
minar do sistema o próprio poder constituinte reformador.
2. Afastado, como foi, o argumento da inconstitucionalidade formal, cumpre
examinar eventual ferimento a cláusula pétrea de que trata o § 4º do art. 60
da Constituição. Nesse dispositivo, há o seguinte limitador ao poder consti‑
tuinte derivado:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a
forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a
separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.
No mesmo sentido:
O que se busca defender, com o estabelecimento de cláusulas superconstitucio‑
nais – ao menos como instituídas pelo constituinte brasileiro – é a essência da
Constituição: direitos e princípios básicos que buscam estruturar a democracia e
o Estado de direito. [VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça.
São Paulo: Malheiros, 1999. p. 235.]
Essa orientação foi abonada inúmeras vezes pelo Plenário dessa Casa, como,
v.g., na ADI 2.024 MC/DF (min. Sepúlveda Pertence, Pleno, unânime, DJ de 1º-12-
2000, decisão cautelar confirmada no julgamento definitivo em 3-5-2007, con‑
forme DJ de 22-6-2007). Alegava-se, nesse precedente, a ilegitimidade da EC 20/
1998, na parte que dera nova redação ao § 13 do art. 40 da Constituição, ao fun‑
damento de que, ao dispor sobre regime previdenciário de servidores estaduais,
a referida emenda atentava contra a autonomia legislativa dos Estados, compro‑
metendo o princípio federativo, além de violar também o princípio da isonomia.
Reproduzindo o voto que proferira no MS 23.047 MC/DF, na sessão de 11-2-1998
(DJ de 14-11-2003), sustentou o ministro Sepúlveda Pertence na oportunidade:
Reitero, de logo, que a meu ver as limitações materiais ao poder constituinte de
reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibi‑
lidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a prote‑
ção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege.
Convém não olvidar que, no ponto, uma interpretação radical e expansiva das
normas de intangibilidade da Constituição, antes de assegurar a estabilidade ins‑
titucional, é a que arrisca legitimar rupturas revolucionárias ou dar pretexto fácil
à tentação dos golpes de Estado. [MS 23.047 MC/DF, rel. min. Sepúlveda Pertence,
fl. 2556, p. 4 do pronunciamento do relator.]
até oito anos (RE 148.272/SP, Primeira Turma, min. Moreira Alves, DJ de 11-12-1992;
RE 154.126/SP, Segunda Turma, min. Carlos Velloso, DJ de 1º-9-1995; RE 155.979/SP,
Pleno, min. Marco Aurélio, DJ de 23-2-2001). Registre-se que esse art. 33 traz norma
assemelhada à do art. 78 do mesmo ato, que está suspensa por medida cautelar defe‑
rida na ADI 2.356 MC/DF e na ADI 2.362 MC/DF, min. Ayres Britto, DJ de 19-5-2011.
Embora assemelhados em seu conteúdo, aponta-se uma peculiar distin‑
ção entre o art. 33 e o art. 78 do ADCT (que se estenderia aos dispositivos da
EC 62/2009), considerada significativa para o equacionamento do tema: o art. 33
do ADCT constou do texto original da Constituição, enquanto que o art. 78 foi
introduzido por emenda constitucional superveniente. Essa diferença tem ser‑
vido para fixar o ponto central da controvérsia: sustenta-se, como fundamento da
constitucionalidade do art. 33 e da inconstitucionalidade do art. 78, que o exercí‑
cio do poder constituinte originário não está sujeito ao postulado da irretroativi‑
dade (art. 5º, XXXVI, da CF/1988, reprodução de norma semelhante de anteriores
Constituições), mas o contrário se dá em relação ao poder constituinte derivado.
Em outras palavras: ao constituinte de 1988, que exercia poder originário, era
permitido dispor legitimamente contra direito adquirido, ato jurídico perfeito
e coisa julgada, o mesmo não ocorrendo em relação ao constituinte derivado.
Há expressiva corrente da doutrina essa tese, que amplia os limites das cláusu‑
las pétreas. É o que se verifica, v.g., de resenha doutrinária compilada por Elival da
Silva Ramos (A proteção aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2003. p. 240). É também essa a convicção de Celso Antônio
Bandeira de Mello, Luis Roberto Barroso e Lúcia Valle Figueiredo manifestada
em pareceres juntados em processo julgado pelo STJ (RMS 15.963/PR, Primeira
Turma, min. Luiz Fux, DJ de 20-2-2006). Todavia, o entendimento é contestado
por não menos renomados doutrinadores, que, em interpretação estrita, enten‑
dem que a limitação imposta no art. 5º, XXXVI, da Constituição tem como desti‑
natário único o legislador infraconstitucional, o que confere ao sistema de direito
meios menos rígidos e mais democráticos e seguros de se adaptar às mudanças
da realidade social em que atua. Nesse sentido: BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS,
Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 209; CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à
Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 1 v.,
p. 455; MACHADO, Hugo de Brito. Direito adquirido e coisa julgada como garantias
constitucionais. RT 714/19-26; CARDOZO, José Eduardo Martins. Da retroatividade
da lei. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 324.
7. O argumento que distingue as situações pela natureza do poder constituinte
que produziu a norma constitucional parte de um pressuposto questionável: o
mesmo sob esse ângulo, é preciso considerar que uma interpretação estrita
ainda é o melhor caminho para dar estabilidade ao sistema, razão de ser dessas
cláusulas inalteráveis. É sabido que a ordem constitucional se consolida e se
fortalece na medida em que for capaz, não apenas de operar ajustes no âmbito
social, mas também de se ajustar aos fenômenos sociais sobre os quais opera.
Se é importante a estabilidade das normas constitucionais para alavancar sua
força prospectiva, de impor comportamentos, é igualmente essencial para a
sua sobrevivência que elas tenham aptidão para se acomodar às inevitáveis
mutações da realidade das coisas.
Nesse contexto, tem papel estratégico o poder constituinte reformador, ins‑
tituído pelo poder fundante do constituinte originário como mecanismo indis‑
pensável para manter a Constituição afinada com a sociedade e a realidade em
que atua. Como observou Bonavides, com toda a razão:
a imutabilidade constitucional, tese absurda, colide com a vida, que é mudança,
movimento, renovação, progresso, rotatividade. Adotá-la, equivaleria a cerrar
todos os caminhos à reforma pacífica do sistema político, entregando à revolução
e ao golpe de Estado a solução das crises. A força e a violência, tomadas assim por
árbitro das refregas constitucionais, fariam cedo o descrédito da lei fundamental.
[BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Malheiros. p. 196/197.]
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu gostaria de observar o seguinte: Vossa Exce‑
lência fez uma série de considerações a propósito do modelo do nosso processo
constituinte. Essa questão comporta, sem dúvida nenhuma, discussão, o próprio
modelo de feitura da Constituição de 1988, que se coloca como uma alternativa.
Há até Constituições, hoje, que preveem expressamente essa terceira via, prevista,
salvo engano, no art. 68 da Constituição espanhola, como manifestação do poder
constituinte com a possibilidade de manifestação do titular do poder, referendo,
plebiscito, em suma, fórmulas que tentam compor. E, aparentemente, a emenda
constitucional de convocação inspirou-se, ou, pelo menos, levou em conta esses
referenciais, tal como resulta do seu quadro, porque ela faz a convocação, mas
como resultado, na verdade, de um amplo movimento de opinião, de um amplo
movimento popular. Portanto, não era uma emenda constitucional tradicional,
até porque, se fosse, ela seria incompatível com a própria ordem constitucional,
porque ela estava pondo fim à ordem de 1967 e 1969. Por isso, então, ela anun‑
ciava a aprovação de uma assembleia que seria votada; portanto, a votação para
o parlamento constituía, na verdade, uma votação também para uma assembleia
constituinte. É um modelo realmente singular e hábil de transição, mas nós não
podemos, na verdade, ficar apenas no aspecto formal.
QUESTÃO DE ORDEM
O sr. ministro Marco Aurélio: Ministro, Vossa Excelência me permite? Sabemos
que os extremos são condenáveis. Precisamos admitir que, com a EC 62, houve
um avanço. Diria que ocorreu, até mesmo, mudança de mentalidade.
Creio que precisamos, na apreciação dessa ação direta de inconstitucionali‑
dade, dividir as matérias. Por isso, teria uma proposta a fazer ao Plenário: ini‑
cialmente, enfrentarmos a inconstitucionalidade evocada do art. 100, para, pos‑
teriormente, cogitar de algo que veio à balha para colocar um termo final no que
seria o calote oficial – destaco o regime especial, regime transitório, do art. 97
da Constituição Federal.
Claro que temos alguns aspectos quanto ao art. 100 que merecem reflexão
e, do meu ponto de vista, merecem glosa – refiro-me ao problema da idade,
ao problema da compensação, ao problema da atualização segundo os índices
da caderneta de poupança. Mas não podemos deixar de reconhecer que, pela
primeira vez, deu-se um mecanismo capaz de realmente conduzir à satisfação
dos débitos da Fazenda. Que mecanismo foi esse? Em primeiro lugar, a exten‑
são do sequestro, que, no texto primitivo, somente cabia no caso de preterição.
Estendeu-se para a hipótese de não haver inserção a previsão no orçamento de
numerário capaz de satisfazer o débito existente.
O sr. ministro Luiz Fux: Foi impugnado.
O sr. ministro Marco Aurélio: Não, claro que não se impugnaria esse meca‑
nismo. Não estou querendo dizer que é inconstitucional. Ao contrário, tem esse
mecanismo o meu aplauso quanto à extensão do sequestro.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Pelo vício formal, cairia.
O sr. ministro Marco Aurélio: O segundo aspecto, que penso importantís‑
simo, é a vinculação. É a destinação de uma percentagem da receita e depósito, à
disposição do tribunal de justiça, em conta administrada pelo tribunal de justiça,
de numerário para essa liquidação.
Por isso, creio que talvez seja interessante dividirmos as matérias. Apreciar‑
mos, num primeiro passo, o art. 100, na redação imprimida pela Emenda 62.
Posteriormente, em um segundo passo, nos debruçarmos sobre o denominado
regime especial. Colho do parecer da Procuradoria-Geral da República o item
elucidador do objetivo buscado mediante esse regime especial:
Todo esse quadro parece sugerir [item 65 do parecer] que a Emenda constitucio‑
nal 62, especificamente no que diz respeito ao artigo 97 do ADCT, é uma resposta
do Direito a uma situação de fato que já não encontrava mais solução na ordem
constitucional a ela anterior.
Veja, Presidente, isso foi previsto tendo-se como compelir as pessoas jurídicas
devedoras à observância do preceito, mediante a possibilidade de sequestro.
Não posso fulminar esse preceito. Por isso, proponho que enfrentemos – e para
mim é a parte mais fácil – a impugnação ao art. 100 do corpo permanente da
Carta, e deixemos a análise do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias para a fase posterior.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu só queria concluir, Presidente, nesse sen‑
tido. A despeito dessas reservas em relação ao modelo de cláusula pétrea, eu acho
que tem feito bem ao Brasil, porque o Brasil é um país com peculiaridades. Como
fez a opção por uma Constituição analítica e permitiu que fossem galvanizadas,
na Constituição, normas de perfil do direito ordinário, pelo menos na prática de
muitos outros países, ele exige também, independentemente de opção política
ou não, a feitura de emendas constitucionais, e não raras vezes, então, nós nos
deparamos com a situação de ter que se fazer, depois, o controle de constitucio‑
nalidade das emendas em face dessas cláusulas pétreas.
VOTO
(Sobre questão de ordem)
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, pela ordem.
Eu me recordo, porque isso ocorreu bem recentemente, que houve essa pro‑
posta de fatiamento, e esse fatiamento não foi aceito. Mas isso não representa
que haja uma posição irreversível de qualquer membro da Corte, porque o que
nós temos que erigir, aqui, é a melhor solução.
Na verdade, se há ponderações de que podemos, de alguma maneira, salvar,
em benefício da coletividade, alguns textos da emenda – porque, aqui, nós esta‑
mos falando em realidade fática, premissas inafastáveis que eu não sei se são
verdadeiras; aqui, afirmou-se que o Estado era pobre, e o advogado, da tribuna,
disse que o Estado está com os precatórios pagos. Então, esse conhecimento
empírico eu não tenho. Agora, a fiscalização é abstrata.
O sr. ministro Marco Aurélio: Ministro, é a colocação da própria Procurado‑
ria-Geral da República. Não podemos deixar de aquiescer ao que está consignado.
Vou ler novamente o trecho:
Todo esse quadro parece sugerir que a EC 62, (...) [aí vem a parte, por isso propus
a separação das matérias] especificamente no que diz respeito ao artigo 97 do
ADCT, é uma resposta do Direito a uma situação de fato que já não encontrava
mais solução na ordem constitucional a ela anterior.
VOTO
(Aditamento)
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, eu estou concluindo o meu
voto, que está baseado em três fundamentos sucessivos. No primeiro deles, sus‑
tento que não há comprometimento a cláusula pétrea. No segundo, sustento
que não há um retrocesso institucional, porque não cabe avaliar a Emenda 62
à luz de um sistema ideal, mas à luz do sistema revogado. Aliás, a nova redação
do art. 100, do texto permanente, a rigor, não tem grandes avanços. Eu diria que
são muito escassos os avanços do art. 100. A possibilidade de sequestro é para
não inclusão em um orçamento, não é para pagamento.
O sr. ministro Luiz Fux: E o crime de responsabilidade é para não inclusão.
Aqui é 1/12 por ano, então, necessariamente, ao final de doze anos, nós temos
12/12, não pode passar de doze anos, pode terminar antes, mas não vai passar de
doze anos. E, no caso de opção pelo sistema do inciso II do art. 97, no final do
prazo. Qual é o prazo? Quinze anos. Então, nenhuma das duas hipóteses passa
de quinze anos.
O sr. ministro Luiz Fux: Mas não resolvemos o problema daqueles outros
que já tinham dez anos em curso, e agora vão entrar nos quinze anos. Então, a
questão é a seguinte...
O sr. ministro Teori Zavascki: Vou concluir: os avanços, na verdade, esses
mecanismos executivos, que, no meu entender, representam um avanço em
relação... esses se referem exclusivamente ao parcelamento, não se referem ao
regime geral, que, na prática, não muda muito.
A questão do direito adquirido, ou não, e a questão de ser a Constituição de 1988,
realmente, um poder constituinte originário é um argumento de reforço, mas que
supõe a superação dos dois outros. Independentemente de ser constituinte originá‑
rio, ou não ser, a verdade é que a jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal
Federal sempre foi de dar uma interpretação restrita à cláusula pétrea, no que se
refere à modificação de situações jurídicas já consolidadas. Eu exemplifiquei, aqui,
que isso tem sido reiterado em várias emendas constitucionais, o princípio que
adotarmos aqui, nós vamos ter que adotar para outras emendas constitucionais,
que vieram, expressamente, modificar situações jurídicas já consolidadas.
De modo que, sem prejuízo de voltar a examinar, especificamente, um ou
outro dispositivo, no momento, meu voto é pela improcedência.
VOTO
(Confirmação)
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu vou manter o meu voto, porque
essa alforria de permitir que o poder constituinte derivado possa ter essa fle‑
xibilização em relação às cláusulas pétreas, tenho a impressão de que tem que
ser analisado cum grano salis. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, reiterou
que vai insistir no ponto. Nós, aqui, temos violações flagrantes à isonomia, quer
na compensação, quer na atualização monetária; temos violação à isonomia e
à dignidade humana, que é o centro e gravidade do ordenamento jurídico no
momento em que se posterga o pagamento de idosos e de doentes.
Então, tenho muita preocupação com essa carta de alforria que vamos con‑
ferir, aqui, a essa formatação. E, mais uma vez, confere-se verossimilhança à
preocupação de que, quem sabe, daqui a pouco, não surgirá uma nova fórmula.
O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me permite? Em um dos
últimos votos prolatados no Plenário, citei um médico da antiguidade que disse:
a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Não podemos simplesmente
fulminar a Emenda Constitucional 62, inclusive levando por arrastamento, como
preconizado pelo relator, dispositivos do art. 97. Precisamos realmente pinçar o
VOTO
(Sobre questão de ordem)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, com relação à metodologia do
julgamento, não tenho dificuldade em apreciar o feito quer de forma fatiada,
quer a partir das premissas colocadas pelo ministro Teori Zavascki.
VOTO
(Sobre questão de ordem)
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, pelo Regimento, eu votaria antes
do ministro Marco Aurélio, mas gostaria de ouvir Sua Excelência.
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente...
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Vossa Excelência não se opõe
à proposta?
O sr. ministro Dias Toffoli: Não. Não me oponho à proposta formulada.
VOTO
(Sobre questão de ordem)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Também acompanho o ministro Marco Aurélio,
votando primeiro o art. 100 e, posteriormente, o art. 97.
VOTO
(Sobre questão de ordem)
O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, já iniciado julgamento, tenho
a impressão de que as alternativas estão postas, e acho que tanto se pode afirmar
VOTO
(Sobre questão de ordem)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Também entendo que, iniciado o
julgamento, seria mais conveniente que continuássemos com o mesmo método
adotado desde o início.
DEBATE
O sr. ministro Marco Aurélio: Ministra, a interpretação conforme seria em
que sentido?
A sra. ministra Rosa Weber: A minha proposta é no sentido da declaração de
inconstitucionalidade. Acompanho o voto do ministro Ayres Britto.
O sr. ministro Marco Aurélio: Porque o relator acabou por introduzir dis‑
tinção conforme a origem do crédito. Se tributário, haverá os juros próprios da
dívida ativa da Fazenda. Não sendo tributário, juros simples, de 0,5% ao mês.
A sra. ministra Rosa Weber: Ministro Marco Aurélio, ainda estou na com‑
pensação.
O sr. ministro Luiz Fux: Na correção monetária.
O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência já está no § 12.
A sra. ministra Rosa Weber: Mas o § 12 abrange tanto o índice quanto a
natureza.
O sr. ministro Marco Aurélio: Porque lembraria apenas um aspecto. A pre
valecer o voto do relator, o princípio isonômico estará realmente fulminado, porque
o credor, por exemplo, alimentício, que não é credor de algo que tenha origem em
tributo, terá juro menor? O relator, não sei o enfoque do ministro Luiz Fux.
O sr. ministro Luiz Fux: Eu acompanhei o relator e disse que, d ependendo
do julgamento do Plenário, vou fazer uma opção entre essa proposta e a inter‑
pretação conforme. Se for via de mão dupla e os dois receberem de acordo com
o mesmo índice, acho correto.
O sr. ministro Marco Aurélio: O que penso é que não cabe a variação con‑
forme a origem do crédito.
O sr. ministro Luiz Fux: É, qualquer que seja a natureza, exatamente.
A sra. ministra Rosa Weber: Por isso voto exatamente nesse sentido. Acom‑
panho o relator com relação às duas expressões: “índice oficial de remunera‑
ção básica da caderneta de poupança” e “independentemente de sua natureza”.
As duas expressões – embora examinadas pelo relator em tópicos distintos –
estão contidas no mesmo § 12 do art. 100 da Constituição Federal.
O sr. ministro Luiz Fux: Então, Ministra Rosa, mais uma vez, Vossa Excelên‑
cia está acompanhando o relator e o ministro Fux, porque essa foi a proposta
originária. Eu disse que, dependendo da deliberação do Plenário, poder-se-ia até
dar uma interpretação conforme.
A sra. ministra Rosa Weber: Vossa Excelência, em um primeiro momento,
havia pensado numa interpretação conforme, e o ministro Marco Aurélio fez
uma observação.
O sr. ministro Luiz Fux: Não, a observação do ministro Marco Aurélio foi da
superpreferência, não foi do juros.
A sra. ministra Rosa Weber: Ah, não foi?
O sr. ministro Luiz Fux: Foi da superpreferência dos idosos.
A sra. ministra Rosa Weber: Então, desculpe-me.
VOTO
(Sobre o art. 100 – Aditamento)
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu trago voto por escrito.
Julgo improcedentes os pleitos que estão sendo debatidos. É como voto, acom‑
panhando a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes, que foi o primeiro
a votar pela total improcedência.
VOTO
(Sobre o art. 100 – Aditamento)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, eu também estou acompa‑
nhando, com as vênias da divergência, o ministro relator exatamente como foi posto.
Serei extremamente breve. Acho que estamos todos de acordo, e faço isso
porque o ministro Gilmar foi enfático e partilho inteiramente do que foi dito por
ele, dessa preocupação quanto à questão do pagamento de precatórios. Esse é
um dos problemas mais graves. Ministro Toffoli, ministro Gilmar e eu, que fomos
VOTO
(Sobre o art. 100 – Aditamento)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, eu não quero me adian‑
tar e anunciar qualquer juízo sobre o § 15 do art. 100 e, muito menos, sobre o
art. 97 do ADCT, porque isso, certamente, será objeto de um aprofundado debate
numa sessão subsequente a esta, certamente não dará tempo de discutirmos
a matéria em profundidade porque realmente é uma questão extremamente
séria, que afeta a Fazenda Pública e, talvez, a própria estabilidade econômico‑
-financeira do País.
Eu, já, de certa maneira, adiantei alguns pontos de vista sobre o tema, mas
não farei nenhum pronunciamento sobre ele neste momento. Mas eu fiquei sen‑
sibilizado pelos argumentos: de um lado, do relator, o ministro Fux; e de outro,
da ministra Rosa Weber; do ministro Marco Aurélio, que aqui, ao meu lado, vem
comentando, também, alguns aspectos desta discussão. E eu, também, penso que
seria válido – e não obstante os aprofundados argumentos lançados pelo minis‑
tro Teori que entende que não houve ofensa às cláusulas pétreas, nem qualquer
se pronunciará o ministro Marco Aurélio, mas creio que ele tende, também, a
pronunciar-se nesse sentido.
É como voto, por enquanto, Senhor Presidente.
VOTO
(Sobre o art. 100)
O sr. ministro Gilmar Mendes: Na verdade, eu já me manifestei, e, apenas para
ressaltar, eu não teria dificuldade de fazer considerações em relação, por exem‑
plo, a essa questão do sexagenário. Acho que, aqui, foi um defeito técnico. É a
necessidade do legislador constituinte de precisar o momento, a fim de organi‑
zar esse processo.
Em relação, porém, à questão do índice, eu tenho a impressão – na linha até
do que falou anteriormente o ministro Lewandowski – de que nós precisamos
realmente caminhar para a superação do modelo da correção monetária.
As distorções que nós acumulamos, inclusive em matéria de precatório, têm
a ver exatamente com a contagem que fizemos – às vezes em duplicata – com o
modelo, primeiro, dos juros compensatórios, que vieram para superar a ideia da
falta de correção monetária, e que depois ficaram como um acréscimo, por isso
as distorções. E, depois, também, com o modelo da correção monetária. De modo
que me parece que até se poderia dizer: “Ah, no caso específico, se se aplicam
a decisões já transitadas em julgado, teria alguma repercussão sobre núcleos
que estão protegidos por cláusulas pétreas”. Mas, em se tratando de uma regra
estatutária, o que se busca, na verdade, é ir uniformizando. O que é importante é
que não haja privilégios – e foi a discussão que nós tivemos naquele precedente:
que o critério que se adota para a Fazenda seja também adotado em relação ao
credor, de modo que nós não tenhamos, aqui, um modelo dessintonizado. É isso
que eu acho importante que se coloque.
De modo que eu só queria fazer essa ressalva em relação a este tópico.
VOTO
(Sobre o art. 100)
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, começo elogiando o voto do ministro
relator, verdadeiramente relator, Carlos Ayres Britto, e também o voto proferido,
de substância, pelo ministro Luiz Fux.
De início, digo que a Emenda Constitucional 62 não merece, sob o ângulo
da inconstitucionalidade, a excomunhão maior. Precisamos sopesar, analisar
Não vislumbro, Presidente – e não estou aqui a me defrontar com a citada lei
complementar, mas sim com norma programática –, qualquer contrariedade
por esse § 15 à Carta da República. Creio que, ao votar nele, esgoto os temas
quanto ao art. 100.
VOTO
(Sobre o art. 100)
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Marco Aurélio: Ah, ele não estaria, então, para apreciação
nessa fase?
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Marco Aurélio: Deixamos para depois?
EXTRATO DA ATA
ADI 4.425/DF — Relator: Ministro Ayres Britto. Requerente: Confederação Nacio‑
nal da Indústria – CNI (Advogados: Cassio Augusto Muniz Borges e outros).
Interessado: Congresso Nacional. Amicus curiae: Estado do Pará (Procurador:
Procurador-geral do Estado do Pará).
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o ministro Luiz Fux concluiu seu voto
declarando a inconstitucionalidade do § 15 do art. 100 e do art. 97 do ADCT.
O ministro Teori Zavascki votou no sentido da improcedência da ação. O Tribunal
resolveu questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio no sentido de
serem apreciadas em primeiro lugar as impugnações ao art. 100 da Constituição
Federal, vencidos os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Celso de Mello
e presidente. Em seguida, o Tribunal julgou procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição do precatório”, contida
no § 2º; os §§ 9º e 10; e das expressões “índice oficial de remuneração básica da
caderneta de poupança” e “independentemente de sua natureza”, constantes do
§ 12, todos dispositivos do art. 100 da CF, com a redação dada pela EC 62/2009,
vencidos os ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Dias Toffoli. Votou o
presidente, ministro Joaquim Barbosa. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
Presidência do ministro Joaquim Barbosa. Presentes à sessão os ministros
Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Procurador-geral da
República, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 13 de março de 2013 — Luiz Tomimatsu, assessor-chefe do Plenário.
DEBATE
O sr. ministro Gilmar Mendes: Sem querer interromper, mas a alternativa que o
advogado disse que está dando certo é empréstimo. Empréstimo depende de uma
série de fatores. Desculpe-me, nós sabemos quão difícil é, depende de o Estado
ter capacidade de pagamento, de ter autorização do Senado, de ter autorização
do Tesouro; quer dizer, não se trata de uma opção política simplesmente, capaz
de se resolver assim. Não se trata disso. Eu nem respondi, porque, a rigor, não é
um argumento sério.
O sr. ministro Luiz Fux: Sim, Ministro Gilmar, mas, de qualquer maneira, há
outras alternativas.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, mas, veja, o argumento do empréstimo –
isso nós sabemos, é de conhecimento fácil tanto do cidadão comum como do
Estado –, ele precisa ter capacidade de pagamento.
O sr. ministro Luiz Fux: O que entendo, Senhor Presidente, como disse ontem
o ministro Celso de Mello, é que o Parlamento pode muito, mas não pode tudo,
nem conceder essa alforria parlamentar de entregar o jurisdicionado à sua pró‑
pria sorte.
VOTO
(Confirmação)
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, repito aqui o meu voto de
ontem, que foi extenso, cujo cerne mantenho.
Continuo entendendo que a disciplina relativa a pagamento de precatórios
está compreendida no poder constituinte derivado. Continuo entendendo que
é um exagero supor que a disciplina dessa matéria possa atentar contra a forma
federativa de Estado, voto direto, secreto, universal e periódico, separação dos
Poderes, ou que tenda a abolir direitos e garantias individuais.
Mas, de qualquer modo, o mais importante – e eu vejo que esse é o ponto
central do debate – é a questão, vamos dizer assim, da conveniência, ou não, da
fórmula encontrada pela Emenda 62 para solucionar essa crise dos precatórios.
E aqui – eu disse isso no meu voto – temos que estabelecer como parâmetro
não o que entendemos que é o ideal para pagamento de precatório. O nosso juízo
de constitucionalidade é entre o sistema anterior e o sistema proposto. Se cair o
sistema proposto na emenda, vamos voltar ao sistema anterior; não temos aqui
a prerrogativa de criar uma alternativa nova. Não temos aqui a prerrogativa de
criar um modelo novo.
No meu voto de ontem, salientei várias vezes que o modelo, proposto aqui,
está muito longe de ser o modelo ideal para tutela de legítimos interesses dos
credores. Mas não podemos fugir de uma verdade: é que o modelo anterior era
mais perverso ainda.
Os Estados inadimplentes estão inadimplentes há quinze, vinte anos, ou mais.
E as condenações judiciais – que o Judiciário não conseguiu fazer executar nesse
período – são condenações ineficazes, porque não existe execução forçada contra
VOTO
(Sobre o item III – Antecipação)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, todos sabemos que a Consti‑
tuição atua como instrumento de limitação do poder, limitação esta que se faz –
pode-se dizer em linhas gerais e em simplificação didática – pela separação de
poderes e pela garantia dos direitos fundamentais, de modo a que ela, a Constitui‑
ção, cumpra uma de suas relevantes funções, que é a da estabilidade do sistema.
Essa função de estabilidade da Constituição não significa, por óbvio, esteja
ela imune a mudanças, mudanças que são fruto da necessidade das coisas e do
apelo do tempo.
O próprio constituinte originário, ao fixar limites formais e materiais ao poder
de reforma constitucional, busca assegurar essa estabilidade sem engessar o texto
constitucional, lançando mão de mecanismos como o das cláusulas pétreas,
que visam ao resguardo da identidade constitucional, da essência mesma da
Constituição.
E surgem aí questões delicadíssimas, como a que estamos a enfrentar nestas
ações diretas de inconstitucionalidade e que o ministro Teori tão brilhante‑
mente enunciou em seu voto, ainda que eu peça vênia a Sua Excelência para
não acompanhá-lo em suas conclusões.
Sou sensível e não desconheço todas as dificuldades, distorções e diria mesmo
perversidades ensejadas pelo regime dos precatórios, cuja implantação, em sua
origem, como ontem destacado pelo ministro Celso, teve tão altos propósitos,
perpassados por princípios como os da moralidade, impessoalidade e igualdade.
Tive contato direto com todas essas dificuldades ao exercer a presidência do
Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, em que constituímos, em
2003, à semelhança do que havia em Minas Gerais, no âmbito da Justiça do Tra‑
balho – e a ministra Cármen Lúcia fez uma alusão a respeito –, um juízo auxiliar
triplo fixado em lei como obrigação de pequeno valor. Não há violência à auto‑
ridade das decisões judiciais porque não se está a restringir o valor do crédito
judicialmente reconhecido, e sim a definir o valor do crédito objeto da preferência
entre os que já ostentam, como disse, o caráter de créditos privilegiados por sua
natureza alimentar.
(ii) declarar inconstitucional o § 9º do art. 100, por ofensa ao princípio da
isonomia, e, por consequência, o § 10.
Relembro que, na dicção do § 9º, do montante a ser inscrito no precatório,
quando de sua expedição, independentemente de regulamentação, se há de
abater, a título de compensação, o valor correspondente aos débitos líquidos e
certos, inscritos ou não em dívida ativa, e constituídos contra o credor original
pela Fazenda Pública devedora. Vale dizer, chancela-se compensação compul‑
sória (automática e unilateral) do crédito judicial determinante da expedição do
precatório com débitos do credor perante a Fazenda Pública, mediante infor‑
mação da Fazenda devedora, no prazo de trinta dias. Isso significa conceder
superprerrogativa à Fazenda Pública, que já dispõe de meios eficazes à cobrança
de seus créditos, com desrespeito ao princípio isonômico, como bem ressaltado
nos votos anteriores, cujos fundamentos endosso.
(iii) declarar a inconstitucionalidade parcial do § 12 do art. 100 da CF com a
redação da Emenda 62, no tocante à expressão “índice oficial de remuneração
básica da caderneta de poupança” (e do inciso II do § 1º e do § 16, ambos do
art. 97 do ADCT, também quanto ao índice oficial da caderneta de poupança),
bem como no tocante à expressão “independentemente de sua natureza”, por
afronta ao princípio isonômico.
A correção monetária nada mais é do que redimensionamento do valor nomi‑
nal da moeda, desgastado pela inflação, em especial em épocas inflacionárias,
para que mantenha seu valor real. Como já ressaltado, a atualização monetária
fixada com base em índice ex ante, ou seja, em índice que, pela própria metodo‑
logia de sua definição, não reflete aquele desgaste, implica indevida redução do
crédito conferido por título judicial trânsito em julgado.
Assim, a fixação da remuneração básica da caderneta de poupança como
índice de correção monetária dos valores objeto do precatório (quanto ao período
entre a data da expedição do precatório e o efetivo pagamento) atinge a própria
eficácia e a efetividade do título judicial, com afronta à coisa julgada – porque
tal índice, repito, não reflete a desvalorização do valor da moeda, desgastado
pela inflação –, e ofende também o princípio da separação de poderes e o pró‑
prio direito de propriedade, em sua essência, como destacado nos votos que me
antecederam (art. 5º, XXII).
VOTO
(Sobre o item III – Aditamento)
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu nem ia fazer a leitura do
meu voto, mas, diante dos argumentos trazidos agora pela ministra Rosa, no
sentido de que estaria atingindo a coisa julgada, tenho que disso não se trata,
de maneira nenhuma. Ninguém está interferindo no quantum debeatur atribu‑
ído ao Estado. De maneira nenhuma. Não há ofensa nenhuma à coisa julgada.
alteração da coisa julgada, não há ofensa ao Poder Judiciário. O Poder Judiciário es-
tá sendo abolido por essa emenda? É uma tentativa de abolir o Poder Judiciário?
Eu julgo totalmente improcedente esta ação. Eu vou fazer juntar o meu voto,
não vou cansar Vossas Excelências.
VOTO
(Sobre o item III – Aditamento)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, Senhores Ministros, ontem tive
oportunidade de, na minha rapidíssima fala, e reitero – até pela experiência que
tive, neste caso específico, como procuradora encarregada de precatórios num
Estado que tinha precatórios grandes e que os resolveu por outros caminhos,
sem precisar dessa emenda – que há uma enorme preocupação com este que
é um dos temas gravíssimos da eficácia jurídica e social das decisões judiciais.
Respeito todas as posições. Ontem referia-me a item que cala muito fundo, posto
pelo ministro Gilmar Mendes acerca da inconstitucionalidade de fato, que havia
antes dessa emenda. Todos nos preocupamos com isso, mas peço vênia a quem
vota em sentido contrário.
Agora o ministro Dias Toffoli a dizer que não há o que atinja a Constituição.
A meu ver, há. E digo que há nos termos enunciados pela ministra Rosa Weber:
decidido judicialmente o quanto, inclusive, quando se põe um regime, que não
oferece alternativa para o credor, é claro que há mudança. Peço vênia também
ao ministro Teori Zavascki, porque acho que a emenda pode tender a abolir,
sim, ou pode ser interpretada nesse sentido. Claro que a compreensão de cada
um de nós é diferenciada, Presidente, a compreensão da emenda, dos termos da
emenda, da questão. E é por isso que somos onze votos. Hoje somos dez, mas,
se houvesse verdade absoluta sobre o tema, nem precisaríamos ter mais de um
ministro. Acho que não é isso.
A meu ver é grave, realmente, a situação do erro de fato, ou, como observado
pelo ministro Gilmar Mendes, da inconstitucionalidade de fato. Assim como
ele, que foi advogado público, vivi essa preocupação, que mantenho como juíza.
Digo que algumas passagens da emenda me preocupam desde a primeira leitura,
porque o § 15 – para o qual a ministra Rosa Weber chamou a atenção, ao votar
pela sua inconstitucionalidade – prevê:
§ 15. Sem prejuízo do disposto neste artigo, [o 100] lei complementar a esta Cons‑
tituição Federal poderá estabelecer regime especial para pagamento (...)
Art. 97. Até que seja editada a lei complementar de que trata o § 15 do art. 100 da
Constituição Federal, [que poderá vir; que poderia, quando foi editada] os Esta‑
dos, o Distrito Federal e os Municípios que, na data de publicação desta Emenda
Constitucional, estejam em mora na quitação de precatórios vencidos, relativos às
suas administrações direta e indireta, (...) farão esses pagamentos de acordo com
as normas a seguir estabelecidas, (...)
VOTO
(Sobre o item III – Aditamento)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, nós estamos aqui
diante de uma situação daquelas que os antigos juristas, que se expressavam,
ainda, em latim, denominavam de summum ius summa iniuria ou, também, por
meio de outro brocardo, qualificavam assim: fiat justitia pereat mundus. Ou seja,
no primeiro caso, queriam dizer que uma interpretação excessivamente literal
da lei – e aqui lei compreendendo também a Carta Magna, as normas constitu‑
cionais – levaria, fatalmente, à injustiça. E, no segundo caso, com esta expressão
fiat justitia et pereat mundus, eles queriam dizer o seguinte: levando-se a justiça
a um extremo, também numa interpretação literal do texto, o mundo poderia
perecer. Era uma advertência aos hermeneutas, aos exegetas. Aqui eu penso que
estas advertências dos antigos juristas cabem perfeitamente.
E eu gostaria de invocar, preliminarmente, até como uma homenagem ao bri‑
lhante voto trazido pelo eminente Teori Zavascki, um trecho, que me impressio‑
nou vivamente, de seu pronunciamento. O que disse Sua Excelência no voto? E
tenho em mãos uma cópia com que Sua Excelência me honrou. Diz ele o seguinte:
É que a declaração de inconstitucionalidade da EC 62/2009 significa retornar ao
primitivo regime do art. 100 (...).
satisfação da dívida [como é o caso da Emenda 62], e que confira ao Poder Judici‑
ário, em caso de inadimplência da Fazenda Pública, mecanismos aptos a viabilizar
a sua execução forçada, representa um ganho em relação ao sistema anterior.
Penso que Sua Excelência equacionou bem a questão, porque nós vivemos
no mundo da realidade dos fatos, no mundo fenomenológico, no mundo em que
cada causa tem uma consequência.
E esse foi o sistema, como lembrou muito bem o ministro Dias Toffoli, que
foi gestado aqui no interior do próprio Supremo Tribunal Federal e resultou de
um amplo debate no Congresso Nacional, onde todas as lideranças partidárias,
que representam a soberania nacional, se manifestaram e encontraram uma
solução para a crise, na qual a Fazenda Pública estadual e municipal e todo o
País estavam profundamente mergulhados.
Existem vários argumentos que atacam os distintos aspectos desse regime
especial, mas, a meu ver, basicamente dois são os mais relevantes.
Em primeiro lugar, fala-se em ofensa à coisa julgada e, depois, ofensa ao direito
adquirido, sem falar também em ofensa à separação dos Poderes, enfim, à própria
eficácia da coisa julgada, eficácia das decisões judiciais. Mas, com relação à ofensa
à coisa julgada, eu, sinceramente, não consigo entrever, a partir da leitura dos
distintos dispositivos dessa EC 62, qualquer ofensa, qualquer lesão a esse valor.
O ministro Dias Toffoli lembrou muito bem que as normas que dizem respeito
ao processamento e ao pagamento dos precatórios têm natureza eminentemente
administrativa. E o Supremo Tribunal Federal já se manifestou diversas vezes
nesse sentido, especialmente na ADI 1.098. Por que tem natureza administra‑
tiva? Porque já se esgotou a prestação jurisdicional: como vai pagar, a forma
como serão pagos esses precatórios, desde que se respeite o valor original, com
a correção monetária devida, tal como decidimos ontem, é uma questão emi‑
nentemente administrativa. E, na ADI 1.098, o que se decidiu a partir da emenda?
A ordem judicial de pagamento (§ 2º do art. 100 da CF), bem como os demais atos
necessários a tal finalidade, concerne ao campo administrativo e não jurisdicional.
A respaldá-la tem-se sempre uma sentença exequenda.
Portanto, não há, a meu ver, por esses argumentos que foram já esboçados,
ofensa à coisa julgada porque a questão é administrativa. Nós estamos no campo
estritamente administrativo.
Verifico também que não se pode falar em lesão a direito adquirido. Por quê?
Porque o Tribunal também afirmou, por diversas vezes, que não há direito adqui‑
rido a regime jurídico. E aqui nós estamos diante de um regime jurídico admi‑
nistrativo de pagamentos de débitos da Fazenda Pública.
Então, não vejo qualquer ofensa a direito adquirido, sobretudo, insisto mais
uma vez, depois que, a partir da sessão de ontem, esta Suprema Corte expungiu do
art. 100, examinando os distintos parágrafos, as eventuais inconstitucionalidades.
O que houve na espécie? Houve uma alteração significativa no substrato fático,
uma alteração no mundo dos fatos, no mundo fenomenológico, que levou neces‑
sariamente a uma alteração do Direito que rege a matéria. Isso é absolutamente
comum especialmente nos contratos administrativos. Quer dizer, havendo alte‑
rações significativas nas condições originais, mudam-se, evidentemente, as cláu‑
sulas desse contrato administrativo, porque todos os contratos, enfim, todas as
obrigações repousam sobre o famoso, importante e conhecido princípio rebus
sic stantibus, ou seja, enquanto as condições se mantiverem tais como foram
originalmente concebidas, essas normas se mantêm; mas, alterado o substrato
fático, é preciso mudar, também, o Direito, que nada mais é do que uma supe‑
restrutura que se assenta sobre esse mundo fático.
De outra parte, também – ainda refletindo em voz alta, mas essa matéria já foi
referida por vários colegas que me antecederam e também se encontra nos memo‑
riais que foram distribuídos aos magistrados desta Corte –, a metodologia esta‑
belecida pela Emenda Constitucional 62/2009 para o pagamento dos precatórios
mostrou-se, em primeiro lugar, necessária. Portanto, esse é um dado, é um valor,
é um critério importante: o critério da necessidade, porque resolveu um quadro
crítico de endividamento de determinados entes federados, senão a maioria deles.
De outra parte, também, a metodologia introduzida pelo art. 62 mostrou-se
adequada, porque viabilizou a retomada dos pagamentos dos créditos que os
particulares tinham perante a Fazenda Pública. E, finalmente, revelou-se uma
metodologia proporcional, por quê? Porque conciliou, harmonizou o interesse
público com o interesse dos particulares, especificamente dos credores, com o
menor ônus possível, a meu ver, para ambas as partes.
E, finalmente, eu entendo que essa metodologia prestigia o princípio da segu‑
rança jurídica. É que, a partir da Emenda Constitucional 62/2009, os entes públi‑
cos passaram a ser compelidos a inscrever, nos respectivos orçamentos, aquelas
parcelas que são devidas aos credores nos termos da Emenda Constitucional
62/2009. E, mais ainda, estabeleceram-se nesta emenda, justamente, instrumen‑
tos processuais aptos a compelir as Fazendas Públicas a adimplirem os débitos
que têm com os credores.
Por todas essas razões, Senhor Presidente, entendo que esse regime especial
de pagamento de precatórios, introduzido pela Emenda Constitucional 62/2009,
é integramente constitucional.
É como voto.
VOTO
(Sobre o item III)
O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, já me manifestei a propó‑
sito deste tema. É importante que nós rememoremos todo esse quadro, porque,
dependendo do discurso que resolvamos adotar – eu brincava aqui com o ministro
Celso –, deveríamos, talvez, declarar originalmente a inconstitucionalidade do
próprio art. 100, porque ele já nasceu com parcelamento, ele já nasceu com a pre‑
visão daquele modelo da complementação do art. 33, porque não há norma, a rigor,
capaz de dar efetividade a esse sistema. O art. 33 é aquele famigerado artigo que deu
ensejo ao famoso “Caso dos Precatórios”, a CPI dos Precatórios, de triste memória.
Depois tivemos, então, o esforço do parcelamento, o art. 78, a discussão que
veio, inclusive, até o Supremo Tribunal Federal e que, afinal, teve o deferimento
da liminar já no final do parcelamento para aqueles Estados que haviam cum‑
prido e aderido ao modelo de forma integral.
Como é óbvio aqui, houve uma pane no próprio modelo da Emenda 30, que,
entendendo valorar os créditos de natureza alimentícia, deixou-os fora do par‑
celamento e fez com que, numa visão estratégica, a Fazenda, então, priorizasse
o pagamento dos créditos não alimentícios, assim chamados.
Então, vejam todas as peripécias. Óbvio que a Emenda 62 não vem aqui para
anular direitos; não vem aqui para comprometer a coisa julgada, muito menos
para desmerecer o Judiciário. Pelo contrário, trata-se de uma fórmula de tran‑
sição para superar um estado, de fato, inequivocamente inconstitucional. Mas
não é inconstitucional desde a Emenda 62. Na verdade, nós estamos a falar de
débitos que se acumularam ao longo do tempo. E ontem o ministro Lewandowski
chamava a atenção para todos os problemas associados a isso, que estavam
associados à miséria da inflação, que faz, então, a riqueza...
O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me permite?
Quando cheguei ao Tribunal, encontrei jurisprudência no sentido de que
não podia haver a atualização do precatório, isso com a inflação a pleno galope,
levando a um círculo vicioso e ao crescimento do que aponto como bola de neve.
Então, passo a passo, estamos avançando. Não há a menor dúvida.
O sr. ministro Gilmar Mendes: E daí a expedição dos chamados precatórios
complementares.
O sr. ministro Marco Aurélio: Complementares, que agora estão proibidos.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, mas o que significava que havia um tipo
de pensão vitalícia em relação a essas grandes dívidas. Eu me lembro disso, em
relação à União. Então, esse era o quadro de desorganização.
O sr. ministro Gilmar Mendes: Claro. Só que nós sabemos hoje que, diante
dos dados constantes da própria emenda, dos trabalhos parlamentares, que a
simples inclusão no orçamento – e isso vai satisfazer – não vai resolver, porque
uma coisa é a inclusão no orçamento, outra coisa é a efetiva disponibilidade.
Então, o que eles dizem?
Como a Emenda 30 previu o parcelamento apenas para os precatórios não
alimentares, com expressa previsão de sanção, em caso de inadimplemento
dos décimos, a eles foi dada absoluta paridade, em nítida inversão de valores,
chegando-se ao ponto de que, na edição da Emenda 62, já haviam sido pagos
nove décimos, neles incluídos os juros compensatórios de 12%, além dos esta‑
belecidos nos títulos judiciais.
Aos credores alimentares restavam migalhas, quando muito, o único remédio
então possível era a intervenção federal, cujo julgamento e deslinde é conhecido
por todos.
É isso que diz essa associação.
Após as hesitações iniciais quanto à forma de implementar os preceitos esta‑
belecidos na Emenda 62, regime especial, fundamental para a esperança desses
mesmos credores alimentares, passados mais de três anos da sua promulgação,
a situação dos credores alimentares melhorou – é isso que diz a associação –
significativamente em diversos aspectos, apesar de alguns de seus dispositivos
representarem uma enorme covardia contra aqueles que já se encontram na pior
posição jurídica possível, a de credores do poder público.
Depois eles repassam, para apontar pontos, apontar núcleos que já foram dis‑
cutidos no art. 100, a questão dos idosos, da doença, dos portadores de doença
grave, da atualização monetária e dos juros.
E aí diz o seguinte:
Muito embora a Emenda Constitucional contenha as disposições que precisam
ser urgentemente afastadas no ordenamento jurídico, a possibilidade de adoção
de um regime especial para o pagamento de precatórios, em até quinze anos, é
medida que – frise-se – paradoxalmente, reconheça-se, é motivo de celebração
por parte dos credores alimentares do Poder Público.
E aí dizem:
Afinal, foram tantas as frustrações dessa verdadeira via crucis que, ao recebimento
dos créditos alimentares, atualmente não se tem mais qualquer ilusão de que seja
cumprido o disposto no § 5º do artigo 100, que impõe o pagamento até o final do
exercício seguinte à apresentação dos precatórios.
Veja, portanto, a análise que fazem pessoas que têm a experiência concreta,
que estão a postular o recebimento desses créditos.
E dizem mais:
Avanços como vinculação de receita – que é o dado importante da Emenda 62 –,
e prazo máximo de pagamento, não podem ser perdidos.
acaba de citar – e eu tenho conforto para falar sobre isso, porque trabalhei na
Advocacia-Geral da União de 2000 a 2002 – foi muito claro. Hoje os Estados e
os Municípios perderam importância, em termos financeiros, em face da União.
Essa é a crise que está aí instalada. Se nós olharmos a situação efetiva em 1988
e a situação hoje, em termos de arrecadação, vamos ver que a União avançou
sobre a receita dos Estados e dos Municípios. Esse é o quadro efetivo. Daí essa
crise, a briga dos royalties, a briga do FPE, a discussão sobre guerra fiscal, em
suma, que está instalada.
A União não tem essa dificuldade, até porque resolveu o problema da partilha
via crescimento de tributação com as contribuições; aumenta a sua participação
enquanto decresce a dos Estados; e não aumenta nem IPI nem imposto de renda,
porque isso faz parte da partilha. Tanto é que a União se deu ao luxo – isso foi na
minha época de advogado-geral da União – de adotar o modelo do pagamento
direto sem precatórios. Vejam, falo com a tranquila autoridade de quem fez isso,
de quem é responsável também pela criação dos juizados especiais federais, cujo
teto de pagamento é de sessenta salários mínimos, e hoje 1/3 do que a União gasta
nessa área é no âmbito dos juizados especiais; dos doze bilhões, quatro bilhões
vão por aí. Então o quadro é outro.
Agora, é importante que se tenha uma ponte para atravessar esse momento
difícil, e a Emenda 62 faz exatamente essa proposta.
Eu aqui encerro, Presidente, lembrando uma frase do notável professor alemão
Konrad Hesse, que dizia, na célebre palestra que faz nos anos cinquenta, como
professor titular, agora assumindo a titularidade da Universidade de Freiburg,
escreveu o texto que se tornou célebre, depois tornou-se capítulo de seu livro
Die normative Kraft der Verfassung, A força normativa da Constituição. E Hesse,
então, naquele momento em que a Alemanha estava submetida ainda ao jugo
dos aliados, dizia: “é preciso que haja um modelo de exceção na própria Consti‑
tuição, os regimes de emergências, o regime excepcional”. Por quê? Porque todos
os Estados passam por momentos difíceis. É preciso que isso esteja previsto no
próprio texto constitucional. Com isso, claro, Hesse advogava que, no modelo da
Constituição alemã de 1949, poder-se-ia dispensar a tutela dos aliados. E Hesse
diz: “é fundamental que haja uma disciplina normativa do estado de necessi‑
dade”. Por quê? Porque not kennt kein gebot, necessidade não conhece princípio;
quer dizer, se se instala o caos, o caos passa a reger (ininteligível). É isso que a
Emenda Constitucional 62 tenta evitar; regrar uma travessia para que nós, de
fato, cheguemos a um padrão civilizatório digno do século XXI. Eu voto pela
improcedência deste ponto, Presidente.
VOTO
(Sobre o item III)
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, repito que chegamos à parte mais
sensível da matéria, introduzida na Carta de 1988, pela Emenda Constitucio‑
nal 62/2009. E constatamos que o Tribunal está dividido. Tem-se quatro votos
fulminando o regime especial, diga-se, o art. 97 do Ato das Disposições Cons‑
titucionais Transitórias, como um grande todo. E quatro votos declarando, do
início ao término, o art. 97 harmônico com a Constituição Federal. Sem crítica
alguma ao convencimento dos colegas que já votaram, lembro-me sempre da
máxima dos antigos filósofos materialistas gregos: a virtude está no meio termo.
E preconizo, Presidente, que a apreciação do 97 se faça tal como ocorreu com
a do art. 100 do corpo permanente da Carta. Onde tivermos que podar o art. 97
para tornar realmente suprema a Constituição Federal, devemos podar. Agora,
não podemos desconhecer – e voltarei ao item do parecer da Procuradoria-Geral
da República – a origem da Emenda Constitucional 62/2009, derradeira, espero,
tentativa de liquidar a pendência insolúvel notada em 2009.
Leio no item 65 do parecer:
Todo esse quadro parece sugerir que a EC 62, especificamente no que diz respeito
ao artigo 97 do ADCT [ao regime especial, portanto], é uma resposta do Direito a
uma situação de fato que já não encontrava mais solução na ordem constitucional
a ela anterior. Tal, contudo, não afasta a necessidade de exame de sua constitucio‑
nalidade, na perspectiva já bastante restritiva que este parecer adota.
quem é designado para redigir tem que adotar o que por ele veiculado, a título
de relatório:
Na IF 2.915, Relator p/ Acórdão Ministro Gilmar Mendes, DJ de 28-11-2003, o Minis‑
tro Marco Aurélio destacou em seu voto [era relator como Presidente do Tribunal]
a existência de milhares de pedidos de intervenção, a maioria relativa a descumpri‑
mento do regime de precatórios dos seguintes Estados: Alagoas (1 processo), Ceará
(17 processos), Distrito Federal (48 processos), Espírito Santo (10 processos), Goiás
(10 processos), Mato Grosso (10 processos), Pará (11 processos), Paraná (10 proces‑
sos), Rio de Janeiro (8 processos), Rio Grande do Sul (176 processos), Rondônia (2
processos), Santa Catarina (111 processos), Tocantins (16 processos) e [pasmem,
o Estado que é um verdadeiro país dentro do País] São Paulo (2.822 processos).
Constitucional 62, dentro dos quinze anos. E já aplaudi – muito embora na visão
leiga, ante o fato de o Conselho não exercer o controle concentrado de constitucio‑
nalidade, muito menos de forma cogente – a resolução do Conselho Nacional de
Justiça que versa a necessidade de a equação fechar. De que forma? Chegando-se,
após os quinze anos, à liquidação daquele passivo apanhado, quando da promul‑
gação da Emenda Constitucional 62, de dezembro de 2009. A meu ver, salta aos
olhos a inconstitucionalidade da expressão referida – repito para haver a cabível
anotação na certidão de julgamento – contida na cabeça do artigo: inclusive os
emitidos durante o período de vigência do regime especial instituído por este artigo.
É como voto nesta primeira matéria.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Art. 97, caput.
O sr. ministro Marco Aurélio: Prossigo considerada a impugnação aos inci‑
sos I e II do § 1º do art. 97.
O ministro relator, que não é o ministro Luiz Fux, mas o ministro Carlos Ayres
Britto, fulmina o artigo como um todo, até mesmo por arrastamento. Impugna‑
-se esse dispositivo, mas, a meu ver, a partir de óptica equivocada, de óptica
que acaba por fulminar o regime especial, retornando-se ao que apontei como
impasse, o que, evidentemente, não atende aos interesses dos credores. Talvez
atenda aos interesses dos dirigentes das entidades públicas dos Estados e Muni‑
cípios, no que convivem com as dificuldades de caixa.
Não vejo inconstitucionalidade no inciso I, mas vejo parcial no inciso II, e já
agora com base no que assentou a maioria. O inciso II preceitua:
II – pela adoção do regime especial [aí vem algo que revela que realmente é um
preceito transitório] pelo prazo de até [limite, o “até” é advérbio de modo] 15 (quinze
anos), caso em que o percentual a ser depositado na conta especial a que se refere o
§ 2º deste artigo corresponderá, anualmente, ao saldo total dos precatórios devidos,
[vem a parte inconstitucional] acrescido do índice oficial de remuneração básica
da caderneta de poupança e de juros simples no mesmo percentual de juros inci‑
dentes sobre a caderneta de poupança (...).
Tenho uma proposta para voltar ao art. 100, porque votei afastando não só a
reposição do poder aquisitivo pelo índice utilizado quanto à caderneta de pou‑
pança, como também afastando os juros da caderneta. E lembraria que o que se tem
na caderneta é um todo que confunde a reposição do poder aquisitivo com os juros.
Então, Presidente, continua o preceito:
(...) para fins de compensação da mora, excluída a incidência de juros compensa‑
tórios, diminuído das amortizações e dividido pelo número de anos restantes no
regime especial de pagamento.
que nós expungimos do § 12 do art. 100 a expressão, pelo que eu me lembro, “inde‑
pendentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração
da caderneta de poupança”. Ou seja, a atualização dos valores não será feita. Aí,
Ministro, apenas para completar, nós mantivemos “e, para fins de compensação
da mora, incidirão juros simples do mesmo percentual de juros incidentes sobre
a caderneta de poupança”. Ou seja, nós dissemos: a correção da caderneta pou‑
pança para fins de atualização? Não. Tem que ser o índice oficial da correção
monetária, mas tem que haver juros também.
O sr. ministro Marco Aurélio: O que ocorre com a caderneta, na prática, para
finalidade mesmo de propaganda, de arregimentar poupadores, anuncia-se um
total. Não há divisão nítida, considerada a reposição do poder aquisitivo – e o
ministro Carlos Ayres Britto revelou haver ficado aquém da inflação, em certo
período recente, é certo – e o juros.
Votei, Presidente, já que se tocou no art. 100 – pediria inclusive que se reti‑
ficasse a certidão –, concluindo que não cabe tomar de empréstimo qualquer
elemento da caderneta de poupança, quer para repor o poder aquisitivo do débito
da Fazenda, quer para encontrarem-se os juros da mora. E também votei enten‑
dendo que a expressão “independentemente de sua natureza” é uma expressão
meramente pedagógica, porque não cabe distinguir, evidentemente, onde o legis‑
lador não distinguiu, estabelecendo diferenças além daquelas já contempladas
pela própria Constituição Federal. Concluo que não cabe assentar a inconstitu‑
cionalidade da expressão “independentemente de sua natureza”.
Prosseguindo, Presidente, tem-se, no § 2º, que o regime especial é para saldar
os precatórios vencidos e a vencer. Sendo a norma transitória, sob pena de proje‑
tar no tempo a vigência do texto permanente da Carta, não pode se projetar de
forma indeterminada, no tempo, pegando os precatórios, quem sabe, relativos a
ações que ainda serão propostas, que se vencerem. Então, no § 2º, concluo pela
inconstitucionalidade da expressão “e a vencer”, da mesma forma que assim
concluí quanto à cabeça do artigo, no que englobados os precatórios emitidos
durante o período de vigência do regime especial.
Tem-se, Presidente, nos incisos, pisos referentes ao comprometimento das
receitas. E verificamos que, para os Estados e para o Distrito Federal, haverá,
no mínimo, é piso, o Estado pode, até mesmo para atender à equação a que me
referi, que é a liquidação do passivo de 2009, considerados os quinze anos, pode
e deve aumentar essas percentagens: 1,5% para os Estados das Regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, além do Distrito Federal, ou cujo estoque de precatórios
pendentes das suas administrações direta e indireta corresponder a até 35% do
total da receita corrente líquida; de, no mínimo, 2% para os Estados das Regiões
Sul e Sudeste – Estados mais ricos, ao menos na visão leiga –, cujo estoque de
precatórios pendentes de suas administrações direta e indireta corresponder a
mais de 35% da receita corrente líquida; para os Municípios, de, no mínimo, 1% –
e há Estados que estão avançando, sendo que o Município de São Paulo já teria
caminhado no sentido de abandonar essa percentagem mínima de 1%, chegando
a 2,75%. O ministro Gilmar Mendes fez o cotejo do que era satisfeito em 2003, e
foi satisfeito, penso, no último ano, ou nos últimos anos, em termos de débitos
estampados em precatórios.
Não vejo qualquer inconstitucionalidade nesses dispositivos, como também
não vejo inconstitucionalidade – não vou cansar os colegas com a leitura – no
§ 3º, e chego pulando o 4º e o 5º ao 6º. Neste é preciso parar e pensar na maldade
que se fez, considerados os credores. Por que maldade? Porque se tivesse que
haver alguma alteração do débito, deveria ser para se acrescentar, e não para se
diminuir, tanto assim que se tem os juros da mora. Mas o que fez o legislador?
Destruindo o sistema, a medula do sistema de precatório, que é o tratamento
igualitário, na ordem cronológica dos precatórios, dos credores, destinou 50%
dos recursos de que tratam os §§ 1º e 2º do artigo para pagamento de precató‑
rios em ordem cronológica de apresentação, a tradicional em nosso sistema, e
que continua prevista segundo o corpo permanente da Carta, segundo o art. 100
da Constituição Federal, respeitadas as preferências definidas no § 1º, para os
requisitórios do mesmo ano, e no § 2º do art. 100, para requisitórios de todos os
anos – são aquelas preferências do corpo permanente.
Presidente, para onde foram os outros 50%? Foram para um fenômeno que
implica, como disse, tripudiar, porque sabemos que os credores não têm fôlego
para aguardar a liquidação dos precatórios. Foram colocados na “bacia das
almas.” Os outros 50% ficaram destinados, quebrando-se a ordem cronológica,
a espinha dorsal do sistema de precatórios, para liquidação de precatórios em
leilões. Estes terão uma tônica: quem der o maior abatimento no crédito estam‑
pado em título executivo judicial será atendido.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Essa foi a primeira.
O sr. ministro Marco Aurélio: Podemos fechar os olhos a essa aberração
constitucional? A meu ver, não, Presidente. A meu ver 100% da receita compro‑
metida devem ser destinados à liquidação dos precatórios, observadas as prefe‑
rências do corpo permanente, na ordem cronológica em que esses precatórios
surgiram, na ordem cronológica das requisições. Por isso, concluo que a destina‑
ção dos outros 50% ao leilão é inconstitucional. E tenho como inconstitucionais
os diversos incisos do § 9º do art. 97, em comento, e inconstitucionais também os
incisos I, II e III do § 8º, que versam justamente a destinação dos 50% para o leilão.
recursos vinculados, nos termos do § 2º, ambos deste artigo, ou pelo prazo fixo de
até 15 (quinze) anos, no caso da opção prevista no inciso II do § 1º.
Se a opção não for a prevista nesse inciso II, for a do inciso I, pelo depósito
em conta especial do valor referido pelo § 2º do art. 97, ter-se-á a projeção, no
tempo, do regime especial.
Inspirado esteve o Conselho Nacional de Justiça, muito embora, atuando, sob
a minha óptica, em campo no qual não poderia atuar. Tanto que conversava com
a nossa vice-procuradora-geral da República, doutora Deborah Duprat, e cum‑
primentamos Sua Excelência pela vinda a esta sessão, sobre uma ação direta de
inconstitucionalidade contra essa resolução do Conselho Nacional de Justiça.
Presidente, a premissa do regime especial é única. O móvel do regime espe‑
cial é único: liquidar o impasse existente à época em que promulgada a Emenda
Constitucional 62. Não posso conceber dispositivo transitório que se torne per‑
pétuo. E aventou o relator até um período um pouco demasiado, de 85 anos, de
vigência desse mesmo regime especial.
O mesmo enfoque que me levou a concluir pela aplicação irrestrita do regime
especial, quanto à cabeça do art. 97 e, quanto ao § 2º, também me conduz a
assentar que, no caso do regime especial – e confiro interpretação ao § 14 con‑
forme a Carta da República –, há de ter-se o resultado prático de liquidação
daquela bola de neve apanhada pela emenda, dentro desse período já dilatado,
superior aos oito anos da primeira moratória, do art. 33 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias que veio com a Carta de 1988, e superior também à
moratória da Emenda Constittucional 30, de dez anos, ou seja, quinze anos. Caso
não ocorra a liquidação desse débito em quinze anos, haverá o descumprimento
da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete.
Por isso, assento, quanto ao § 14, a interpretação, tomando de empréstimo,
como inspiração, o que o próprio Conselho Nacional de Justiça assentou. Depois
ainda dizem que sou contra o Conselho Nacional de Justiça, não sou. Estou aqui
para aplaudi-lo, já que a Corte declarou constitucional a Emenda 45, que o criou,
em tudo que fizer no campo do que entenda como salutar. Embora no caso não
tivesse base para fazê-lo, porque não é órgão jurisdicional, mas simplesmente
administrativo, acabou interpretando, ele não concluiu pela inconstitucionali‑
dade do preceito, de forma sistemática, o todo da Carta de 1988.
Prossigo, Presidente, e chego ao § 16, pulando o § 15, porque nele não vejo,
não vislumbro qualquer inconstitucionalidade. O § 16 não vou ler, porque os
colegas devem ter, também, se debruçado sobre a questão. Trata-se da atuali‑
zação de valores. É a mesma matéria já decidida pelo Plenário, isto é, a tomada
de empréstimo da atualização das cadernetas de poupança e também dos juros.
É como voto.
E chegamos ao § 17:
O valor que exceder o limite previsto no § 2º do artigo 100 da Constituição Federal
será pago, durante a vigência do regime especial, na forma prevista nos §§ 6º e 7º
ou nos incisos I, II, III do § 8º deste artigo, devendo os valores dispendidos para
o atendimento do disposto no § 2º do artigo 100 da Constituição Federal serem
computados para efeito do § 6º.
dois senhores ao mesmo tempo, peço vênia para adiantar o voto. Entendo que
esse dispositivo não é inconstitucional, é suprainconstitucional, no que dá uma
carta em branco – e não pretendo ter dois trabalhos, não pretendo defrontar-me
com outra ação contra a lei complementar que vier – ao legislador ordinário da
lei complementar – ordinário no bom sentido – para simplesmente colocar em
segundo plano o sistema de precatórios e, então, perpetuar algo que tem que
ser encarado como excepcional, para corrigir a situação jurídica, retratada no
parecer da Procuradoria, de impasse, que é o regime especial, para mim provi‑
sório, em que pese vigorar, como está previsto, por quinze anos.
VOTO
(Sobre violações materiais)
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhores Ministros, as duas ações diretas de
inconstitucionalidade impugnam a terceira moratória para pagamento de pre‑
catórios, chamada de “regime especial” pela EC 62/2009.
As regras dessa moratória devem ser definidas em lei complementar da União
(art. 100, § 15, da Constituição, tal como emendada). Na ausência de referida lei
complementar, a própria emenda previu um regime subsidiário, inserido no ADCT.
Na linha exposta pelo relator, ministro Ayres Britto, e reforçada pelo voto-vista
do ministro Luiz Fux, eu também considero o “regime especial” incompatível
com a Constituição, com a vênia dos ministros que seguem a divergência iniciada
pelo ministro Gilmar Mendes.
Parece-me que a modalidade moratória prevista no art. 97, § 1º, I, do ADCT não
tem um limite temporal definido, exatamente conforme exposto pelo ministro
Ayres Britto.
O método estabelecido para essa modalidade obriga o ente devedor a depo‑
sitar mensalmente 1/12 de valor calculado sobre uma fração da respectiva receita
corrente líquida. Essa fração tem como piso porcentagens que variam entre 1%
e 2% da receita corrente líquida, conforme o tipo de ente devedor e seu estoque
de precatórios (art. 97, § 2º, I e II, do ADCT, tal como emendado).
Por ser calculado com base na receita corrente líquida reduzida, e não sobre
o valor do precatório, não há limite objetivo de prazo para pagamento das dívi‑
das, segundo esse método de cálculo. A moratória durará enquanto o valor dos
precatórios for superior aos recursos vinculados para pagamento.
Nesse sentido, o art. 4º, I, da EC 62/2009 é expresso ao manter o regime espe‑
cial enquanto os recursos destinados ao pagamento, calculados sobre uma fração
da receita corrente líquida, forem insuficientes para o pagamento integral.
É por essa razão que considero correta a afirmação do ministro Ayres Britto
de que é possível que alguns entes federados levem até 85 anos para pagar seus
precatórios.
A meu sentir, impor aos credores que aguardem lapso temporal equivalente
à expectativa de vida média do brasileiro (IBGE/2011) retira por completo a con‑
fiança na Jurisdição e sua efetividade (arts. 2º e 5º, XXXV, da Constituição).
Ademais, o regime especial premia a gestão fiscal e administrativa irrespon‑
sável passada e futura com uma solução prejudicial apenas aos credores, contra‑
riando o devido processo legal substantivo ou material (art. 5º, LIV, da Constitui‑
ção), o princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição) e a responsabilidade
fiscal (arts. 70, caput, e 74, II, da Constituição).
Prevista no art. 97, § 1º, II, do ADCT, a outra modalidade de cálculo moratório
tem como prazo máximo quinze anos. Esse prazo também é excessivo, conside‑
rando-se que o credor já enfrentou os lapsos de tempo decorrentes do devido
processo legal de conhecimento e de execução, bem como, provavelmente, de ao
menos uma das duas moratórias anteriores (dez e oito anos, respectivamente).
De forma semelhante, também são incompatíveis com a Constituição os meios
de pagamento antecipado dos precatórios, ou seja, os acordos ou os leilões pre‑
vistos no art. 97, § 8º, I e III, do ADCT.
Esses acordos e leilões permitem aos credores o recebimento antecipado
de seus créditos, se aceito um desconto ou deságio sobre o valor efetivamente
devido pelo ente público.
A desproporcionalidade do “regime especial” é tão exacerbada que há credores
dispostos a aceitar o recebimento de apenas 25% do valor do precatório. O Estado de
Santa Catarina ofereceu pagamento antecipado àqueles que aceitassem abrir mão
de valores entre 50% e 75% da quantia efetivamente devida. Enquanto maior o desá‑
gio aceito, mais rápido seria o pagamento. Como o valor disponibilizado pelo Estado
era limitado, a procuradoria local avisou aos credores que quanto maior o sacri‑
fício, maior a chance do credor “furar a fila” estabelecida pela ordem cronológica.
O Tribunal de Justiça de Goiás tem homologado acordos em que os credores
alimentares aceitam 66% e 67% de deságio (DJGO de 23-4-2012, S1, p. 90; DJGO de
17-1-2012, S1, p. 65, e.g.). Por sua vez, alguns credores do Estado do Pará ou seus
sucessores puderam receber os valores ao concordarem com redução de 35%
da quantia reconhecida como devida em sentença transitada em julgado (DJPA
de 14-5-2013, p. 14, e.g.). No extremo sul do País, o deságio médio praticado pelo
Estado do Rio Grande do Sul é de 30%.
Inúmeros entes federados lembram aos credores que juntamente com o desá‑
gio também serão subtraídos os valores pertinentes ao imposto de renda, às
contribuições previdenciárias e aos demais encargos cabíveis.
Por impor ao cidadão uma escolha trágica, entre não receber os valores em
vida ou sacrificar uma parte relevante de direito legítimo, o regime especial,
aliado às formas de quebra da ordem cronológica, também viola o princípio da
moralidade (art. 37, caput, da Constituição).
Por fim, examino o critério de atualização dos créditos.
Como o critério de correção monetária dos valores segue o índice da pou‑
pança, calibrado para ser reduzido sempre que ele puder oferecer remuneração
maior do que os investimentos sujeitos às taxas de administração das instituições
financeiras e de títulos e valores mobiliários, a tendência é a de que a quantia
prevista no precatório perca da própria inflação. Ao final de 15 ou de 85 anos,
talvez os valores remanescentes sejam meramente simbólicos.
Aliás, a iniquidade do critério de correção adotado pela EC 62/2009 empurra
ainda mais o credor a aceitar os termos imensuravelmente desfavoráveis que se
tem visto nos acordos celebrados.
Ao depreciar o valor devido, submetendo-o a critério de correção monetária
incapaz de seguir a inflação e muitíssimo inferior ao índice utilizado para remu‑
nerar os créditos tributários e não tributários, a EC 62/2009 ofendeu o direito à
propriedade e a isonomia (art. 5º, XXII, da Constituição).
No momento em que induz o jurisdicionado a nem sequer litigar contra o
Estado, diante da perspectiva de não receber valores eventualmente confirmados
após longo processo judicial, ou, para recebê-los, abrir mão de parte significativa
das quantias devidas, o regime especial desmoraliza a Jurisdição (arts. 2º e 5º,
XXXV, da Constituição).
Se o “regime especial” tem uma virtude, é a de assumir ostensivamente a
enorme dificuldade que o jurisdicionado tem para ver satisfeita a sentença tran‑
sitada em julgado contrária ao Estado. Conforme visto nos debates precedentes,
a forma como executado o regime ordinário dos precatórios (art. 100 da Cons‑
tituição) e as duas primeiras moratórias constitucionais ocultavam a alegada
inexequibilidade do sistema.
Diante do exposto, acompanho o voto do eminente ministro Ayres (...).
DEBATE
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Eu creio que nós temos seis votos
na linha do voto do relator.
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, na verdade, o ministro Marco
Aurélio fez algumas observações, mas 90% do voto dele foi em menor exten‑
são, mínima.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Luiz Fux: No art. 100, todos acompanharam.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): O art. 100 eu já proclamei ontem.
O sr. ministro Luiz Fux: Todos já acompanharam, menos o § 15.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Não, o § 15 não estava incluído
na impugnação.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Luiz Fux: Não, estava. O § 16 que não estava.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Luiz Fux: Julgamos exatamente por arrastamento para nuli‑
ficar o regime especial.
O sr. José Aluysio Cavalcante Campos (advogado): Senhor Presidente, uma
questão de ordem. Sou procurador do Estado do Pará, que é parte neste pro‑
cesso. Eu não sei se Vossa Excelência já vai proclamar o resultado, mas há umas
questões que preocupam neste processo todo, e eu pontuo apenas uma: a ordem
crescente dos precatórios, na realidade, com os pagamentos já efetivados, concre‑
tizados, a juízo da tese vencedora, implicou uma quebra da ordem de pagamento.
Repristinando o art. 100, eliminando esse regime, há vários desdobramentos que
ficam pendentes: acordos que foram celebrados, quitados, parcelamentos em
curso, orçamento em execução de 2013 e essa questão, leilões que foram reali‑
zados, os pagamentos que foram feitos em ordem crescente.
Por exemplo, o Estado de São Paulo, nesses quase R$ 5 bilhões que foram
quitados, isso implicou o pagamento de precatórios alimentares, cuja conclusão
fática, demonstrada nos memoriais que trazem os autos, significa que não existe
hoje, em São Paulo, nenhum pagamento alimentar efetuado a menor do que R$
500 mil. Isso daí pode provocar, eventualmente, credores que já foram satisfeitos
nessa ordem, dentro desse quadro, um dilema: receberam por leilão, na ordem
crescente. Então são essas questões que eu trago à Corte.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): As dúvidas que eventualmente
surjam do acórdão a ser lavrado pelo eminente ministro Luiz Fux poderão, caso
cabíveis as medidas, serem resolvidas pelo instrumento próprio.
EXTRATO DA ATA
ADI 4.425/DF — Relator: Ministro Ayres Britto. Relator para o acórdão: Ministro
Luiz Fux. Requerente: Confederação Nacional da Indústria – CNI (Advogados:
Cassio Augusto Muniz Borges e outros). Interessado: Congresso Nacional. Amicus
curiae: Estado do Pará (Procurador: Procurador-geral do Estado do Pará).
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do ministro Ayres Britto
(relator), julgou parcialmente procedente a ação direta, vencidos os ministros
Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Dias Toffoli, que a julgavam totalmente impro‑
cedente, e os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que a julgavam
procedente em menor extensão. Votou o presidente, ministro Joaquim Barbosa.
O ministro Marco Aurélio requereu a retificação da ata da sessão anterior para
fazer constar que não declarava a inconstitucionalidade da expressão “inde‑
pendentemente de sua natureza”, contida no § 12 do art. 100 da CF. Redigirá o
acórdão o ministro Luiz Fux.
Presidência do ministro Joaquim Barbosa. Presentes à sessão os ministros
Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Vice-procuradora‑geral
da República, doutora Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira.
Brasília, 14 de março de 2013 — Luiz Tomimatsu, assessor-chefe do Plenário.
MANDADO DE SEGURANÇA 28.160 — DF
Relatora: A sra. ministra Rosa Weber
Impetrante: Agro-Indústria e Comércio de Alimentos Franbel Ltda.
Impetrado: Presidente da República
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Ricardo
RELATÓRIO
A sra. ministra Rosa Weber: Trata-se de mandado de segurança impetrado por
Agro-Indústria e Comércio de Alimentos Franbel Ltda., contra ato da Presidência
da República consubstanciado em Decreto expropriatório de 25-5-2009, sem
número, pelo qual declarado de interesse social, para fins de reforma agrária,
o imóvel rural denominado Fazenda Dulcinéia (área de 450 hectares e 90 ares),
localizado no Município de Chorozinho, Estado do Ceará.
A impetrante – empresa agroindustrial dedicada à produção e comercialização
de fécula e outros subprodutos da mandioca – sustenta, em suma, a ilegalidade
do citado decreto expropriatório presidencial, à alegação de que contaminado
pelas nulidades que eivam o processo administrativo embasador – de número
54130.000229/2008-53, do Incra –, assim sintetizadas: i) inexistência de notifi‑
cação da impetrante, real proprietária do imóvel, bem como ausência de legi‑
timidade de Pedro José Philomeno Gomes de Figueiredo para figurar no polo
passivo do processo administrativo; ii) edição do decreto expropriatório antes do
encerramento da via processual administrativa; iii) ausência de fundamentação
na decisão pela qual julgada a contestação ao Laudo Agronômico de Fiscaliza‑
ção (LAF); iv) suspeição ou impedimento do perito agrônomo, que elaborou o
laudo, para julgar a contestação; v) ausência de conhecimento prévio do pare‑
cer submetido à Divisão de Obtenção de Terras, em resposta à contestação ao
laudo; vi) extrapolação, em quatro dias, do prazo previsto na Ordem de Serviço
Incra/SR2-35/2008, da Superintendência Regional, para a apresentação do LAF,
a implicar a incompetência de seu firmatário, uma vez expirados os poderes
delegados; vii) incorreção do cálculo do Grau de Utilização das Terras (GUT); e
viii) atendimento, pelo imóvel rural, da função social da propriedade. Pede, em
liminar, a suspensão dos efeitos do decreto presidencial expropriatório e a con‑
cessão da segurança ao final para cancelar a ilegítima declaração de interesse
social para fins de reforma agrária da Fazenda Dulcinéia de sua propriedade.
A Presidência da República, por seu órgão de representação judicial, às fls.
291-338, prestou informações, invocando, ainda, as preliminares de carência da
ação por falta de interesse de agir e a inidoneidade da via eleita, ausente com‑
provação de direito líquido e certo.
Às fls. 343-56, a ministra Ellen Gracie, então relatora da presente ação man‑
damental, indeferiu o pedido liminar, não verificada, “em princípio, a plausibi‑
lidade jurídica dos argumentos expostos pela impetrante”, e abriu vista do feito
ao procurador-geral da República.
Em 28-9-2009, a Franbel manejou agravo regimental (fls. 375-86) e, em 27-5-
2010 (fls. 389-90), pleiteou a reconsideração do indeferimento da liminar forte
no fato novo de que, em 25-5-2010, o Incra lograra êxito em obter, em ação de
desapropriação então ajuizada, o mandado de imissão na posse do imóvel.
Deferida a liminar tão só “para suspender a imissão do Incra na posse do imóvel”
(fls. 394-7), restou prejudicado o agravo regimental interposto pela impetrante.
Desafiou, contudo, tal decisão concessiva da liminar, agravo regimental desta
feita por parte da União (fls. 417-33).
Contraminuta às fls. 467-71.
Opina o Ministério Público Federal pela denegação da ordem (fls. 474-81).
Substituição da ministra relatora (fl. 482).
O Ministério Público do Estado do Ceará, em ofício subscrito pelo procurador‑
-geral da Justiça daquele Estado e pelo promotor de justiça coordenador do Núcleo
de Prevenção e Monitoramento dos Conflitos Fundiários, noticiando a situação de
vulnerabilidade em que cerca de vinte famílias se encontram no Acampamento
Dulcinéia, às margens da rodovia BR 116, solicita prioridade na tramitação do feito.
Impedido o ministro Dias Toffoli, porquanto atuou no processo na qualidade
de advogado-geral da União (fl. 289).
É o relatório.
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber (relatora): Rejeito as preliminares de extinção do
processo sem resolução do mérito invocadas pela Advocacia-Geral da União, a
primeira por carência da ação por falta de interesse de agir, ao argumento de que
o decreto declaratório de interesse social constitui mera condição de procedibili‑
dade da ação de desapropriação, incapaz, enquanto tal, de gerar dano efetivo ao
direito de propriedade da impetrante; e a segunda, à alegação da inidoneidade
da via eleita, ausente comprovação de direito líquido e certo.
O interesse de agir da impetrante foi afirmado pela então ministra relatora,
na primeira decisão exarada, antes de apreciar o pedido de liminar, diante da
possibilidade – que veio a se concretizar – de ajuizamento pelo Incra da ação
Ademais, bem lembrado aqui o brocardo pas de nullité sans grief, informador
da teoria das nulidades, ausente prejuízo.
Quanto ao cálculo do Grau de Utilização das Terras (GUT), a exigir ingresso na
seara fático-probatória acerca da alegada intermitente acomodação de rebanho
bovino na área de pastagem natural da Fazenda Dulcinéia, no período e com a
quantidade de cabeças de gado asseverados pela impetrante, resta desautori‑
zada a via estreita do mandado de segurança, na trilha dos precedentes deste
Supremo Tribunal, verbis:
Ementa: Constitucional. Agrário. Reforma agrária. Desapropriação. I – A questão rela‑
tiva à produtividade, ou não, do imóvel rural objeto da desapropriação apresenta-se
controvertida, a exigir dilação probatória, o que não se admite em sede de man‑
dado de segurança, dado que o direito líquido e certo tem como pressuposto fatos
incontroversos apoiados em prova prévia constituída. II – Mandado de segurança
indeferido. [MS 24.518, rel. min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ de 30-4-2004.]
VOTO
Ementa: 1. Cabe mandado de segurança para questionar decreto presi‑
dencial que declara imóvel rural de interesse social para fins de reforma
agrária. Preliminar de inadequação da via eleita rejeitada. 2. Em sede
que o projeto técnico obedeça a uma série de requisitos, tais como a elaboração
por profissional legalmente habilitado e identificado, o cumprimento do crono‑
grama físico-financeiro e a aprovação pelo órgão federal competente, no mínimo
seis meses antes da comunicação da vistoria. Ora, a própria impetrante reconhece
que nenhum destes requisitos foi observado, e que o complexo industrial sequer se
situa na terra que se pretende desapropriar, mas em área vizinha. Assim, a pretexto
dos investimentos realizados, não é cabível invocar o suposto “princípio da verdade
material” para defender a aplicação de dispositivo incabível à espécie. A propósito,
assim já decidiu este Tribunal (MS 25.391, rel. min. Ayres Britto):
Mandado de segurança. Desapropriação. Reforma agrária. (...) A inexistência de
prova do cumprimento dos requisitos do art. 7º da Lei 8.629/1993 afasta a proteção
conferida ao imóvel rural objeto de implantação de projeto técnico. (...) 5. A prote-
ção conferida pelo art. 7º da Lei 8.629/1993 ao imóvel objeto de implantação
de projeto técnico não se aplica quando desatendidos os requisitos legais. Não
comprovado, pela impetrante, o cumprimento de tais requisitos. (...) 8. Segurança
denegada. (...) [Destaques acrescentados.]
Além disso, não se extrai dos autos que tenham ocorrido nulidades formais no
processo administrativo. Segundo as informações da autoridade impetrada, a noti‑
ficação sobre a realização da vistoria ocorreu em 15-5-2008, na pessoa do senhor
Pedro José Philomeno Gomes Figueiredo, que, à época, figurava como proprietá‑
rio. O imóvel somente foi transferido à impetrante em 1º-12-2008, data do registro
imobiliário, único meio apto a tal fim (CC, arts. 108, 1.227 e 1.245). Desse modo, é
válida a notificação feita ao então proprietário, sendo indiferentes, a esse respeito,
alterações supervenientes na titularidade do bem, ainda que válidas e eficazes
pela observância do prazo de seis meses previsto no art. 2º, § 4º, da Lei 8.629/1993.
Note-se que todas as comunicações posteriores à transferência de titularidade
do imóvel foram dirigidas não mais ao ex-proprietário, mas, sim, à impetrante, que
inclusive ofereceu impugnações tempestivas. Assim, sequer houve prejuízo apto a
justificar a declaração de nulidade. Nesse sentido (MS 24.911, rel. min. Ayres Britto):
Constitucional. Administrativo. Desapropriação: reforma agrária. Motivo de força
maior: Lei 8.629/1993, art. 6º, § 7º. Utilização de índices para o cálculo do GUT e do
GEE. Direito de defesa: devido processo legal. (...) III – Inexistência de prejuízo para
a defesa, que impugnou, no procedimento administrativo, o laudo e interpôs
os recursos cabíveis. Não tendo havido prejuízo para a defesa, não há falar em
nulidade: pas de nullité sans grief. IV – Produtividade do imóvel: a ausência de
dilação probatória, no processo do mandado de segurança, afasta a existência
de direito líquido e certo, que pressupõe fatos incontroversos. V – Mandado de
segurança indeferido. [Destaques acrescentados.]
Ainda quanto aos vícios formais, não seria consistente concluir pela incom‑
petência do engenheiro que elaborou o laudo agronômico apenas por haver
entregue o trabalho quatro dias depois do prazo previsto. Ao contrário do que
sustenta a impetrante, tal prazo não é peremptório e, portanto, não caracteriza
limite temporal a suposta delegação de competência. Trata-se tão somente de
um marco para conclusão dos trabalhos em lapso razoável.
Igualmente não procede a alegação de que o engenheiro responsável pela
elaboração do laudo teria decidido a impugnação. Como informou a autoridade
impetrada, o engenheiro apenas ofereceu parecer sobre a irresignação da impe‑
trante, em razão de sua natureza técnica, na forma prevista no art. 5º, parágrafo
único, I, da Norma de Execução/Incra/SD 35, de 25-3-2004. Não se aplica ao caso,
portanto, o art. 44 da Lei 9.784/1999, tendo em vista que o referido parecer não
constitui ato de instrução.
Também não vislumbro impedimento do engenheiro que elaborou o laudo
para ofertar parecer sobre os aspectos técnicos da impugnação administrativa.
Ao contrário, trata-se da pessoa mais indicada para tal fim, em razão de seu
conhecimento específico dos fatos em discussão. Não seria necessário que o
Incra nomeasse um outro engenheiro para opinar no caso, em razão da presun‑
ção de legitimidade dos atos administrativos, especialmente perante a própria
administração. Diante desse contexto, não está presente interesse direto ou
indireto do servidor capaz de ensejar seu impedimento, nem de comprometer o
princípio da impessoalidade, verdadeira razão de ser do art. 18 da Lei 9.784/1999.
A motivação das decisões administrativas não padece de vícios formais, pois
o art. 50, § 1º, da Lei 9.784/1999 permite a fundamentação por remissão a parecer.
Por fim, não prospera a alegação de ausência de intimação do julgamento do
recurso administrativo interposto em 28-11-2008. Isso porque, segundo as infor‑
mações constantes dos autos, a impetrante foi comunicada da decisão por meio
do Ofício/Incra/SR(02)G 1.292, de 10-9-2009. De todo modo, ainda que assim não
fosse, a alegada ausência de apreciação do recurso administrativo não impediria
a expedição do decreto presidencial impugnado, em razão da ausência de efeito
suspensivo da irresignação, na forma do art. 61 da Lei 9.784/1999, c/c o art. 5º,
caput, da Norma de Execução/Incra 35/04.
Em caso parecido, esta Corte já afastou diversas alegações de nulidade seme‑
lhantes às formuladas nos presentes autos (MS 25.534, rel. min. Eros Grau):
Constitucional. Agrário. Desapropriação. Reforma agrária. Mandado de segurança.
Relatório agronômico de fiscalização. Atraso. Ausência de nulidade. Recurso sem
efeito suspensivo. Possibilidade de edição do decreto expropriatório. Oportunidade e
alcance. Art. 61 da Lei 9.784/1999. Art. 184, § 2º, da CB/1988. Renovação de pastagens.
VOTO
(Aditamento)
O sr. ministro Roberto Barroso: Senhor Presidente, em primeiro lugar, eu cum‑
primento os advogados que estiveram na tribuna, doutor Vito Simon de Morais
e doutora Grace Maria Mendonça, cuja sustentação ajudou a organizar as ideias
e os argumentos que conduzem este julgamento.
Eu procurei sistematizar as alegações do impetrante em três grandes linhas: na
primeira delas, há uma alegação de que há um erro de cálculo do Incra e, portanto,
um erro de conclusão quanto à improdutividade do imóvel; esse é o primeiro argu‑
mento. O segundo argumento é o de que existiria um complexo industrial implan‑
tado nessa propriedade, o que impediria a desapropriação para fins de reforma
agrária. E a terceira linha de argumentos é um conjunto amplo de vícios processuais.
PROPOSTA
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (presidente): Eu queria também me asso‑
ciar às preocupações manifestadas pelo eminente ministro Roberto Barroso.
Estava aqui também, enquanto Sua Excelência a ministra Rosa Weber estava
desfiando o seu brilhante e profundo voto, imaginando se não seria o caso, pelo
menos num primeiro passo, de nós remetermos essa matéria às Turmas, como
fizemos com as extradições, e com muito êxito, porque as extradições, hoje, fluem
rapidamente. De fato, pela exposição feita pela ministra Rosa Weber e, agora,
secundada pelo ministro Barroso, não há nenhuma matéria constitucional a ser
examinada pelo Plenário da Corte.
Eu creio que com uma pequena modificação regimental, num primeiro passo,
poderíamos remeter isso às Turmas e depois, quem sabe, numa reflexão mais
aprofundada, acolhermos integralmente a proposta do ministro Barroso.
O sr. ministro Luiz Fux: Eu comentava com o ministro Teori Zavascki e tam
bém com o ministro Luís Roberto Barroso que esse era um ato típico da Presi‑
dência da República que encerra a necessidade de se impetrar um mandado de
segurança. Isso é algo que se alegam vícios de procedimento, error in procedendo,
que são apreciáveis na instância a quo através de uma ação de cognição plenária.
Há até aqui um ensaio dessa posição quando o ministro Marco Aurélio, numa
decisão no MS 24.163, assentou a natureza meramente declaratória desse decreto
que não ensejaria nenhum periculum in mora ou fumus boni iuris que fosse capaz
de proporcionar essa ação mandamental. Mas, de toda sorte, realmente, pelo que
se discutiu aqui, foram vícios procedimentais que são inimputáveis ao presidente
da República. Então, talvez esse primeiro passo e, depois, então, a eliminação
total dessa competência.
EXTRATO DA ATA
MS 28.160/DF — Relatora: Ministra Rosa Weber. Impetrante: Agro-Indústria e
Comércio de Alimentos Franbel Ltda. (Advogados: Vito Simon de Morais e outros
e Cid Marconi Gurgel de Souza). Impetrado: Presidente da República (Advogado:
Advogado-geral da União).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da relatora, dene‑
gou a segurança e revogou a liminar concedida. Votou o presidente em exercí‑
cio. Impedido o ministro Dias Toffoli. Ausente, por motivo de licença médica,
o ministro Joaquim Barbosa (presidente). Falaram, pela impetrante, o doutor
Vito Simon de Morais e, pela Advocacia-Geral da União, a doutora Grace Maria
MANDADO DE SEGURANÇA 32.033 — DF
Relator: O sr. ministro Gilmar Mendes
Relator para o acórdão: O sr. ministro Teori Zavascki
Impetrante: Rodrigo Sobral Rollemberg
Impetrados: Presidente da Câmara dos Deputados
Presidente do Senado Federal
Interessados: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado – PSTU
Rede Sustentabilidade
Partido Político Solidariedade
Pedro Taques
Carlos Henrique Focesi Sampaio
Partido Popular Socialista – PPS
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Joaquim
Barbosa, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, preli‑
minarmente, em negar provimento ao agravo regimental interposto pela União,
que impugnava a admissão dos amici curiae, vencidos os ministros Teori Zavas‑
cki, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa (presidente). Por
maioria, o Tribunal conheceu do mandado de segurança, vencidos os ministros
Marco Aurélio e Cármen Lúcia, e, no mérito, indeferiu-o, cassando a liminar
concedida, vencidos os ministros Gilmar Mendes (relator), Dias Toffoli e Celso
de Mello, que deferiam em parte o mandado de segurança. Votou o presidente.
Brasília, 20 de junho de 2013 — Teori Zavascki, relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O sr. ministro Gilmar Mendes: Trata-se de mandado de segurança preventivo,
com pedido de medida liminar, impetrado pelo Excelentíssimo Senhor Senador
Rodrigo Sobral Rollemberg, em que se alega violação constitucional em razão
da tramitação do PL 4.470/2012, o qual estabeleceria “que a migração partidária
que ocorrer durante a legislatura não importará na transferência dos recursos do
fundo partidário e do horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão”.
Aponta-se como autoridade coatora tanto (1) a Câmara dos Deputados – por
já ter procedido à votação, à aprovação e ao envio do Projeto de Lei 4.470/2012,
supostamente viciado, ao Plenário do Senado Federal, para posterior delibera‑
ção – quanto (2) o Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, tendo em
vista que poderá vir a incluir, a qualquer momento, o referido projeto de lei
em pauta de votação.
O impetrante alega que, logo após o julgamento da ADI 4.430 (rel. min. Dias
Toffoli, Pleno, ata de julgamento publicada em 9-8-2012), que dispôs expressa‑
mente sobre o tema, houve a apresentação do mencionado projeto de lei (de
autoria do deputado Edinho Araújo – PMDB/SP), com disposições que colidi‑
riam com os termos da mencionada decisão desta Corte acerca da adequada
interpretação de dispositivos constitucionais e legais.
Afirma, ainda, que, após ficar sem tramitação desde meados de 2012, o projeto
de lei em questão passou a tramitar no ano de 2013, com aprovação rápida de
adoção de regime de urgência na Câmara dos Deputados, com o nítido objetivo
de prejudicar a formação de novas agremiações partidárias de oposição (em fase
avançada de criação, a saber: partido “Rede” e partido “Solidariedade”), bem como
a fusão de agremiações partidárias de oposição (PPS e PMN): “fusão ao final apro‑
vada pelas agremiações em congresso ocorrido no último dia 17-4, quarta-feira”.
Assevera que se trata de uma manobra arbitrária, casuística e inconstitucio‑
nal da maioria parlamentar para obstaculizar a criação de novas agremiações
partidárias antes das eleições gerais de 2014, por meio de utilização inadequada
do processo legislativo como forma de sufocamento da legítima mobilização das
minorias parlamentares que intentariam formar novos partidos políticos (já em
estado avançado e com notoriedade nacional).
Alega que, ao se permitir a migração de parlamentares para novos partidos cria‑
dos, sem que com isso ocorra a transferência proporcional dos recursos do fundo
partidário e do horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão, haveria, de
fato, uma verdadeira barreira ou desestímulo à criação de novas agremiações polí‑
ticas, em evidente frustração da norma constitucional (art. 17, caput e § 3º, CF/1988).
PRELIMINAR
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Pois não.
O sr. Luís Inácio Lucena Adams (advogado-geral da União): Uma questão
de fato: hoje, pela manhã, foi publicada a decisão do ministro Gilmar relativa
à admissão dos amicus curiae, e, de imediato, nós agravamos regimentalmente
dessa decisão. A questão de fato é que, tomando por prepostas as decisões nos
MS 26.552, ministro Celso de Mello; MS 30.260, que foi decidido por unanimi‑
dade, relatora ministra Cármen Lúcia; MS 26.150 e MS 25.875, do ministro Eros
Grau, ela propugna que seja apreciada, preliminarmente às sustentações orais,
a admissibilidade dos amicus curiae, já que esta Corte tem, nesses mandados de
segurança, rejeitado a presença, no controle difuso, da figura amicus curiae, até
porque não há, no mandado de segurança, o efeito vinculante da decisão, como
há no recurso de repercussão geral ou na ação direta de inconstitucionalidade.
E, de fato, nós temos, aqui, não caracterizados amigos da Corte, mas, de fato,
amigos do impetrante, ou seja, há uma manifestação, são manifestações que
defendem a posição do impetrante.
Por essa razão, a questão de fato é que seja apreciado, antes das sustentações
orais, o agravo apresentado pela União.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Senhor Presidente, como já relatei, eu
deferi a participação do amicus curiae, porque dois – salvo engano – são parla‑
mentares: senador e deputado. O processo, a rigor, tal como nós temos admitido,
tem esta feição ampla de controle preventivo; os demais são partidos políticos
interessados na tramitação. É o que nós temos feito nos próprios recursos extra‑
ordinários, e eu citei até um precedente em recurso em mandado de segurança.
De modo que, na verdade, a mim me parece que a decisão que se toma num pro‑
cesso como este tem ampla repercussão. Poderíamos admitir até litisconsortes, ou
assistentes litisconsorciais, se fosse o caso, de modo que não há nenhum problema,
a meu ver, me parece que não fere a dogmática processual, pelo contrário, antes se
recomenda que haja sim a defesa e a presença de amicus curiae de todos os lados.
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, essa questão põe em foco
a própria natureza do presente mandado de segurança. Ele, no meu entender,
contém uma pretensão de controle preventivo de constitucionalidade de norma,
pois objetiva o controle da constitucionalidade de um projeto de lei.
VOTO
(Sobre preliminar)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, compartilho das mesmas pre‑
ocupações do ministro Teori, pedindo vênia ao ministro Gilmar.
Agora, a questão que se coloca aqui, que também foi muito – a meu juízo –
bem evidenciada por Sua Excelência, é a de que, na verdade, estamos com um
mandado de segurança travestido, com uma ação de controle preventivo de
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, já tive a oportunidade de me
manifestar, em questões formais na área do processo penal, a respeito do tempo
que a Corte perde debatendo questões formais em agravos regimentais, de ques‑
tões relativas a despachos ordinatórios. Não se trata de despachos decisórios.
Vamos, aqui, ficar debatendo aquilo que o relator, em nome da Corte, admitiu?
Se fosse a rejeição, eu até entenderia, porque a rejeição, ou seja, quando se fecha
a porta a uma entidade que deveria ser aceita – a alguém que tem representa‑
ção na sociedade –, eu até entendo que o agravo regimental seja possível, mas,
quando o próprio relator admite o amigo da Corte...
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Até pode trazer uma terceira opinião
ou fazer uma ponderação técnica.
O sr. ministro Dias Toffoli: Até atrapalhar aquele que ele quer ajudar.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): É.
O sr. ministro Dias Toffoli: Porque, às vezes, acontece. Dependendo do de
sempenho.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): É. Nos habeas corpus impetrados em
nome de figuras notórias, acontece isso.
O sr. ministro Dias Toffoli: Pois bem. Já tive oportunidade, até em casos de
agravo regimental trazidos por Vossa Excelência, de consignar que esses casos
deveriam ficar para serem julgados junto com o mérito.
No Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, nós não admitimos mais, no que
tange à Justiça Eleitoral, o agravo de instrumento. Firmamos essa jurisprudên‑
cia lá porque senão se eternizariam as discussões formais e processuais e não se
enfrentaria nunca o mérito. E o mérito da questão posta é extremamente relevante:
os limites do Estado democrático brasileiro, se a maioria pode, em determinadas
circunstâncias, havendo movimentação da minoria, vir a mudar as regras do jogo.
O debate que está posto não é um debate formal de tramitação dentro do par‑
lamento, única e exclusivamente, é um tema de fundo muito mais complexo e
muito mais grave para a sociedade, para a democracia e para o Estado brasileiro.
Que tipo de democracia queremos jogar? Que tipo de democracia vamos, como
Suprema Corte ao aplicar a Constituição, admitir para o Estado brasileiro? Aquela
em que, conjunturalmente, as maiorias se formam e começam a mudar as regras
do jogo? O tema é complexo; o tema merece a admissão dos amigos da Corte.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Há outras questões constitu‑
cionais em debate, Ministro. Vossa Excelência admite, portanto?
VOTO
(Sobre preliminar)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, hoje estou quase sem voz,
podendo falar muito pouco.
Como se trata de mandado de segurança, em princípio, não admitiria a figura
do amicus curiae, porque nessa classe de ação a matéria é subjetiva, como foi
posto pelo ministro Teori Zavascki. Entretanto, considerando que era mandado
de segurança preventivo, com peculiaridades, pois os que se apresentaram como
amicus curiae eram pessoas que poderiam estar na situação de litisconsorte
até, e, em face de que foi ponderado, no sentido de que, sendo preventivo, vai se
discutir questão relativa a direitos subjetivos de alguém, em que pese a minha
posição inicial e sem me vincular absolutamente à tese, em face dessa peculia‑
ridade, neste caso, acompanho o relator, mas reitero que não me comprometo
com a tese, até porque, num estudo que fiz inicialmente, não iria aceitar.
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, peço vênia ao emi‑
nente relator para acompanhar a divergência.
A jurisprudência da Casa é absolutamente torrencial em não admitir amicus
curiae em mandado de segurança. Cito, por exemplo, o agravo regimental na
medida cautelar no MS 29.058, do Distrito Federal, em que foi relator o ministro
Celso de Mello; cito o MS 30.531, do Distrito Federal, em que foi relatora a eminente
ministra Cármen Lúcia; cito a medida cautelar no MS 30.952, do Distrito Federal,
em que foi relator o ministro Luiz Fux; outro, de Sua Excelência o ministro Luiz
Fux, agravo regimental no agravo regimental no MS 25.763, do Distrito Federal.
O precedente invocado pelo eminente ministro relator, em seu voto, foi o
RE 415.454, de Santa Catarina, de relatoria dele mesmo, Sua Excelência o ministro
Gilmar Mendes, em que ele admitiu, foi admitido num recurso extraordinário.
E sabemos que, quando o recurso extraordinário tem reconhecida a repercussão
geral, os seus efeitos são erga omnes, é um processo subjetivo, e que, por exce‑
ção, pode-se admitir um amigo da Corte, que é aquele que intervém de forma
neutra, amparando, auxiliando a Corte, não ao lado de uma das partes. Mas este
RE 415.454 foi superado, logo em seguida, porque ele é de 8-2-2007, pelo agravo
regimental no agravo regimental no MS 26.552/DF, do Tribunal Pleno, de 22-11-
2007, relatado pelo eminente ministro Celso de Mello, em que Sua Excelência,
como sempre, traz um voto absolutamente lapidar, em que ele diz, agora, assim:
Analiso, agora, o recurso de agravo deduzido às fls. 73/77 pela Ordem dos Advoga
dos do Brasil (5ª Subseção de Volta Redonda – Estado do Rio de Janeiro) contra deci-
são que indeferiu o pedido de ingresso, da subseção em questão, como amicus curiae,
no processo de mandado de segurança instaurado por Alcinete Nascimento de Souza.
Diz ele:
(...) não me parece possível enfrentar a expressa disposição legal. A Lei 6.071/74,
alterando a redação do art. 19 da lei especial, sem meias palavras, não alcançou
assistência, limitando-se a determinar aplicação, ao processo do mandado de
segurança, dos artigos do Código de Processo Civil que regula o litesconsórcio.
Desse modo, na linha do precedente do Supremo Tribunal Federal, entendo não
ser admissível assistente em mandado de segurança. [Grifei.]
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, por ora, não estamos a decidir sobre
a adequação do mandado de segurança, nem a procedência do pedido formulado
na inicial. Cabe-nos apenas fixar as balizas subjetivas desse mesmo mandado
de segurança. A regência é especial. Decorre de lei aprovada pelo Congresso
Nacional, a de número 12.016/2009. Se formos a ela – e gostaria de cumprimen‑
tar o ministro Teori Zavascki pela coerência, porque reafirmou voto prolatado
na Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça quanto à inadimissibilidade
da assistência simples no mandado de segurança –, veremos que remete aos
artigos do Código de Processo Civil que versam o litisconsórcio, o facultativo e
o necessário. Vem-nos do art. 24 da lei de regência do mandado de segurança:
Art. 24. Aplicam-se ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 da Lei n. 5.869, de 11
de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
ESCLARECIMENTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas um esclarecimento, para que
não fique no ar a possibilidade de ter incidido em incongruência: não fui o relator
do recurso ordinário em MS 25.841. O relator foi o próprio ministro Gilmar Mendes.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Eu disse isso claramente. Vossa Exce‑
lência é o relator para o acórdão.
O sr. ministro Marco Aurélio: Apenas estou esclarecendo. Atuei como relator
designado, e, se formos à ementa do acórdão, desdobrada em vários itens, vere‑
mos que não constou item quanto à possibilidade de assistência no mandado
de segurança. A razão se mostrou muito simples: a matéria não foi discutida e
deliberada pelo Plenário.
Era o esclarecimento que queria prestar.
VOTO
(Sobre preliminar)
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Eu acompanho a divergência. Não
vejo, na legislação do mandado de segurança, nenhuma alusão à possibilidade de
admissão de amici curiae, que é figura importada do Direito americano, e, como
tal, acho que deveria ser concebida aqui entre nós. Mas reconheço que a Corte,
em situações como a presente, em que há um interesse geral, evidentemente,
(inaudível) a toda a discussão de mérito da questão, tem admitido, sim, a figura
do amici curiae ou amicus curiae em processos de índole subjetiva.
Eu acompanho, portanto, a divergência.
SUSPENSÃO DE JULGAMENTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (presidente): Agradeço à doutora Deborah
pela colaboração que dá à Corte com o seu ponto de vista.
Indago, agora, ao eminente relator se continuamos com o julgamento, que é
um julgamento complexo, evidentemente, como se viu a partir das discussões
que já foram travadas, tanto pelos ministros como da tribuna. Indago a Vossa
Excelência, tendo em conta que faltam, aproximadamente, dez minutos para
encerrarmos a sessão, se continuamos ou adiamos o julgamento?
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Acho que nós vamos ter que adiar
por conta do adiantado da hora e da ausência do ministro Fux. E, salvo engano,
o ministro Toffoli, também, amanhã, não estará. Então, talvez, passemos para
a próxima quarta-feira.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (presidente): Pois não. O próprio minis‑
tro presidente, neste momento, que está cuidando de outros assuntos igualmente
importantes, não se encontra presente.
Consulto os pares se estão de acordo com o adiamento? Então, a discussão
deste MS 32.033 fica adiada para a próxima quarta-feira.
EXTRATO DA ATA
MS 32.033/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: Rodrigo Sobral
Rollemberg (Advogada: Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro). Impetrados: Pre
sidente da Câmara dos Deputados (Advogado: Advogado-geral da União) e presi‑
dente do Senado Federal (Advogados: Alberto Cascais e outros). Interessados: Par‑
tido Socialista dos Trabalhadores Unificado – PSTU (Advogados: Bruno Colares
Soares Figueiredo Alves e outros), Rede Sustentabilidade (Advogado: Rogerio Paz
Lima), Partido Político Solidariedade (Advogado: Marcilio Duarte Lima), Pedro
Taques (Advogados: Marco Aurélio Marrafon e outros), Carlos Henrique Focesi
Sampaio (Advogada: Alessia Barroso Lima Brito Campos Chevitarese) e Partido
Popular Socialista – PPS (Advogados: Fabrício de Alencastro Gaertner e outros).
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, negou provimento ao
agravo interposto pela União que impugnava a admissão dos amici curiae, ven‑
cidos os ministros Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Votou
o presidente, ministro Joaquim Barbosa. Em seguida, após o relatório e as sus‑
tentações orais, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo impetrante, Rodrigo
Sobral Rollemberg, a doutora Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro; pelo interes‑
sado Pedro Taques, o doutor Marco Aurélio Marrafon; pelo interessado Carlos
Henrique Focesi Sampaio, a doutora Alessia Barroso Lima Britto Campos; pela
Advocacia-Geral da União, o ministro Luís Inácio Lucena Adams, advogado‑
-geral da União; pelo impetrado presidente do Senado Federal, o doutor Alberto
Cascais, advogado-geral do Senado Federal; e, pelo Ministério Público Federal,
a doutora Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, vice-procuradora-geral da
República. Ausente, justificadamente, o ministro Luiz Fux.
Presidência do ministro Joaquim Barbosa. Presentes à sessão os ministros
Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber e Teori Zavascki. Vice-procuradora-geral da Repú‑
blica, doutora Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira.
Brasília, 5 de junho de 2013 — Luiz Tomimatsu, assessor-chefe do Plenário.
VOTO
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator):
impetrado, sua impetração preventiva, uma vez que visava ele a impedir que a
Presidência do Congresso colocasse em votação a proposta de emenda. Aprovada
esta, o mandado de segurança – como tem entendido esta Corte – se transforma
de preventivo em restaurador da legalidade.
3. Afastada essa preliminar, também não acolho a outra – que é de mérito –, com a
qual fundamentam seus votos os eminentes colegas que estão indeferindo o pedido.
Não admito mandado de segurança para impedir tramitação de projeto de lei ou
proposta de emenda constitucional com base na alegação de que seu conteúdo
entra em choque com algum princípio constitucional. E não admito porque, nesse
caso, a violação à Constituição só ocorrerá depois de o projeto se transformar em
lei ou de a proposta de emenda vir a ser aprovada. Antes disso, nem o presidente da
Casa do Congresso, ou deste, nem a Mesa, nem o Poder Legislativo estão praticando
qualquer inconstitucionalidade, mas estão, sim, exercitando seus poderes cons‑
titucionais referentes ao processamento da lei em geral. A inconstitucionalidade,
nesse caso, não será quanto ao processo da lei ou da emenda, mas, ao contrário,
será da própria lei ou da própria emenda, razão por que só poderá ser atacada
depois da existência de uma ou de outra.
Diversas, porém, são as hipóteses como a presente, em que a vedação cons-
titucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a
sua apresentação (como é o caso previsto no parágrafo único do art. 57) ou a
sua deliberação (como na espécie). Aqui, a inconstitucionalidade diz respeito
ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não
quer – em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas – que sequer
se chegue à deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade,
neste caso, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em
lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desres-
peita, frontalmente, a Constituição.
E cabe ao Poder Judiciário – nos sistemas em que o controle da constituciona‑
lidade lhe é outorgado – impedir que se desrespeite a Constituição. Na guarda da
observância desta, está ele acima dos demais Poderes, não havendo, pois, que se
falar, a esse respeito, em independência de Poderes. Não fora assim e não poderia ele
exercer a função que a própria Constituição, para a preservação dela, lhe outorga.
4. Considero, portanto, cabível, em tese, o presente mandado de segurança.
Cumpre ressaltar que, muito embora não haja confirmado a liminar concedida
pelo relator, o Tribunal conheceu do mandado de segurança na parte que dizia
respeito à alegação de violação constitucional, fazendo a clara distinção entre
esta matéria e a doutrina dos atos interna corporis, relacionados à interpretação
do regimento interno das casas legislativas.
Confira-se a ementa do julgamento de mérito:
Mandado de segurança impetrado contra ato do presidente da Câmara dos Depu
tados, relativo à tramitação de emenda constitucional. Alegação de violação de diver-
sas normas do regimento interno e do art. 60, § 5º, da Constituição Federal.
sobre: b): templos de qualquer culto; c): patrimônio, renda ou serviços dos partidos
políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os
requisitos da lei; e d): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impres‑
são; 3. Em consequência, é inconstitucional, também, a Lei Complementar 77, de
13-7-1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do
tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas
no art. 150, VI, a, b, c e d, da CF (arts. 3º, 4º e 8º do mesmo diploma, LC 77/1993).
4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais
fins, por maioria, nos termos do voto do relator, mantida, com relação a todos os
contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança
do tributo no ano de 1993. [Grifei.]
Esse importante episódio demonstra que o Supremo Tribunal Federal tem sido
extremamente prudente ao exercer o controle preventivo de constitucionalidade
pela via do mandado de segurança impetrado por parlamentar, exigindo, sempre,
a demonstração de violação a cláusulas pétreas da Constituição e, assim, ao
direito subjetivo do parlamentar de não deliberar sobre proposições tendentes
a aboli-las, conforme disposto pelo art. 60, § 4º, CF/1988.
Isso significa, também, que de modo algum cabe, em hipóteses como a pre‑
sente, tentar evitar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre pro‑
posição legislativa violadora de cláusulas pétreas, sob a alegação de se cuidar
de questão política.
Pedro Lessa já doutrinava que a violação da Constituição sempre abriria as
portas da jurisdição e, em especial, do Supremo Tribunal Federal, por mais polí‑
tica que se considerar a questão. Trecho de ementa de acórdão desta Corte,
publicado em 1914, revela que a jurisprudência é antiga e tranquila no sentido de
considerar que assuntos disciplinados por texto constitucional não são apenas
políticos: “O Supremo Tribunal Federal conhece de questões que não são mera-
mente políticas, o que, aliás, é um rudimento do sistema. Desde que a questão
está subordinada a textos expressos na Constituição, deixa de ser questão
exclusivamente política” (Grifei). (Sobre o assunto, ver: HORBACH, Carlos Bas‑
tide. Controle judicial da atividade política: As questões políticas e os atos de
governo. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 182, abr./jun. 2009.)
Em meu discurso de posse na Presidência desta Corte, fiz questão de ressaltar:
O cumprimento dessas complexas tarefas, todavia, não tem o condão de interferir
negativamente nas atividades do legislador democrático.
Não há “judicialização da política”, pelo menos no sentido pejorativo do termo,
quando as questões políticas estão configuradas como verdadeiras questões
de direitos.
Essa tem sido a orientação fixada pelo Supremo, desde os primórdios da República.
É certo, por outro lado, que esta Corte tem a real dimensão de que não lhe cabe
substituir-se ao legislador, muito menos restringir o exercício da atividade política,
de essencial importância ao Estado Constitucional.
Democracia se faz com política e mediante a atuação de políticos.
Tal inovação não passou despercebida nos debates da Assembleia Nacional Cons‑
tituinte. Nas palavras do deputado Francisco Rossi:
“Por oportuno, lembramos, nossa proposta contempla a possibilidade da livre
criação de partidos. Essa medida, fundamental na construção de uma socie‑
dade democrática e pluralista, harmoniza-se, de forma incontestável, com a
criação dos distritos e, nestes, com o voto majoritário e proporcional, elementos
essenciais para a ativação do processo de criação de agremiações partidárias.”
(...)
Se o processo eleitoral deve representar o instrumento mediante o qual as diver‑
sas e variáveis alternativas políticas, sociais e econômicas são apresentadas ao
conjunto de eleitores, que apontarão suas preferências com o exercício do sufrágio,
são os partidos políticos, nesse contexto, que viabilizam o aporte de ideias plurais.
Como salienta Fávila Ribeiro, o partido político, em consonância com o postu‑
lado do pluralismo político,
“[c]orresponde antes de tudo a uma exigência da democratização do poder
político de modo a que se possa refletir a pluralidade de opiniões no ambiente
da sociedade, tornando possível o pacífico revezamento das investiduras gover‑
namentais aplicando o método da determinação aritmética das tendências
majoritárias.” (Op. cit., p. 222.)
Daí a relevância do pluripartidarismo e do estímulo constitucional à formação e ao
desenvolvimento das agremiações partidárias como sujeitos do processo eleitoral.
Por outro lado, como já apontava Maurice Duverger, primeiro autor a estudar as
influências dos sistemas eleitorais no processo político, é própria da representa‑
ção proporcional a capacidade de multiplicar o número de partidos, favorecendo
a criação de novos e a cisão dos existentes (Os partidos políticos. Rio de Janeiro:
Zahar, 1970).
Extraio, portanto, do princípio da liberdade de criação e transformação de
partidos, contido no caput do art. 17 da Constituição da República, o fundamento
constitucional para reputar como legítimo o entendimento de que, na hipótese de
criação de um novo partido, a novel legenda, para fins de acesso proporcional
ao rádio e à televisão, leva consigo a representatividade dos deputados federais
que para ela migraram diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos.
Destaque-se que não se está a falar apenas em liberdade abstrata de criação,
no sentido formal de não se estabelecerem obstáculos a sua formação, mas,
especialmente, no seu sentido material de viabilizar a permanência e o desen-
volvimento dessas novas agremiações.
Com efeito, impedir que o parlamentar fundador de novo partido leve consigo sua
representatividade, para fins de divisão do tempo de TV e rádio, esbarra, exata‑
mente, no princípio da livre criação de partidos políticos, pois atribui, em última
análise, um desvalor ao mandato do parlamentar que migrou para o novo par-
tido, retirando-lhe parte das prerrogativas de sua representatividade política.
Restaria, em evidência, desestimulada a criação de novos partidos, em especial
por parte daqueles que já ocupam mandato na Câmara Federal.
Ressalte-se, ademais, que a liberdade de criação de agremiações foi pre-
vista, constitucionalmente, ao lado da liberdade de fusão, de incorporação e
de extinção de partidos. Recebeu, portanto, o mesmo patamar constitucional
dos direitos de fusão e incorporação, cabendo à lei, e também ao seu intérprete,
preservar essa equipação do sistema constitucional.
Sendo assim, diante da explicitação operada pelo § 4º do art. 47 da Lei das Elei‑
ções de que “o número de representantes de partido que tenha resultado de fusão
ou a que se tenha incorporado outro corresponderá à soma dos representantes
que os partidos de origem possuíam na data mencionada no parágrafo anterior”,
deve-se aplicar entendimento semelhante em relação à hipótese de criação de novo
partido, de forma a preservar a paridade constitucional entre as hipóteses de
criação, fusão e incorporação de partidos políticos.
É bem verdade que, segundo o § 3º do art. 47 da Lei 9.504/1997, a representação
de cada partido na Câmara dos Deputados será a resultante da eleição. Segundo
essa regra, o número de representantes de cada partido na Câmara Federal, que
serve de base para o cálculo do tempo de televisão e de rádio, é aquele definido
pela última eleição para deputado federal.
De início, a redação originária do § 3º do art. 47 da Lei 9.504/1997 estabelecia
que “a representação de cada partido na Câmara dos Deputados será a existente
na data de início da legislatura que estiver em curso”.
(...)
Como o deputado federal eleito por um partido ainda poderia mudar para outro
até o início da legislatura, na sequência, a Lei 11.300, de 2006, alterou o dispositivo
legal, passando a fazer a previsão hoje vigente de que “a representação de cada
partido na Câmara dos Deputados é a resultante da eleição”.
Sabe-se que o objetivo dessa regra era exatamente evitar alterações partidárias
rotineiras após o pleito, com o objetivo evidente de se aumentar a participação da
legenda, seja quanto aos recursos do Fundo Partidário, seja quanto ao tempo de
propaganda partidária e eleitoral. Tal prática servia para aumentar a base daquelas
legendas que saíam vencedoras da disputa ao cargo majoritário e passavam, pois, a
ter um alto poder de sedução. Essa realidade era prática recorrente, pública e notória.
Foi exatamente nessa toada que a legislação vinculou a proporcionalidade da
representação na Câmara dos Deputados, para o cálculo do tempo do rádio e da TV,
ao início da legislatura em curso, e, posteriormente, com a alteração promovida
pela Lei 11.300/2006, ao resultado da eleição. Já não adiantava a mudança de par‑
tido após o pleito para aumentar ou diminuir o tempo de rádio e televisão a que
cada partido teria direito, já que tal contabilização passou a ser feita levando-se
em conta o resultado das votações.
Contudo, tal quadro sofreu substancial alteração.
Com efeito, esta Suprema Corte, confirmando o posicionamento do Tribunal
Superior Eleitoral na Consulta 1.398/DF, de 27-3-2007, e alterando o entendimento
consolidado no MS 20.927, de 1989, consagrou o princípio constitucional da fide-
lidade partidária, entendendo que a troca de partido por parlamentar eleito por
dada agremiação enseja a essa o direito de reaver o mandato perdido, em face
da caracterização da infidelidade partidária, de forma que as modificações de
legendas resultam, em consequência, na perda do mandato (MS 26.602/DF, rel.
min. Eros Grau; MS 26.603/DF, rel. min. Celso de Mello; MS 26.604/DF, rel. min.
Cármen Lúcia; MS 26.890/DF, rel. min. Celso de Mello).
Por outro lado, foram fixadas justas causas aptas a legitimarem a mudança de
legenda e, entre essas causas, sobressaem, exatamente, o nascimento de novo
partido político legalmente constituído no Estado pluripartidário brasileiro e
a fusão ou a incorporação de partidos.
Com esse espírito, em observância ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal
nos mandados de segurança citados, o Tribunal Superior Eleitoral, por meio da
Resolução 22.610, de 2007, disciplinou o processo de perda de cargo eletivo, bem
como o de justificação de desfiliação partidária, definindo as seguintes hipóteses
de justa causa para a mudança partidária:
“Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a
decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária
sem justa causa.
§ 1º Considera-se justa causa:
I – incorporação ou fusão do partido;
II – criação de novo partido;
III – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
IV – grave discriminação pessoal.”
Com efeito, se o parlamentar resolve participar da criação de nova legenda ou
migrar para novo partido, tudo com a chancela deste Supremo Tribunal Federal
e do Tribunal Superior Eleitoral, e em consonância com o pluralismo político e a
liberdade de criação de partidos, não há que se falar em infidelidade partidária.
Os debates relativos à fidelidade partidária são, sem dúvida, relevantes para o
deslinde da questão aqui posta, especialmente no que toca à criação de novas
legendas e à legítima migração de parlamentares para o novel partido. Entretanto,
a pergunta a ser respondida, na presente análise, não é se o mandato pertence
ao eleito (mandato livre) ou ao partido (mandato partidário). Não se está a dis‑
cutir a titularidade do mandato, mas a representatividade do parlamentar que,
legitimamente, migra para um partido recém-criado.
Ora, se se entende que a criação de partido político autoriza a migração dos par‑
lamentares para a novel legenda, sem que se possa falar em infidelidade partidária
inciso II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/1997 seria conferir ao partido novo, que já
nasce e conta com parlamentares, o mesmo tratamento conferido aos partidos
já rejeitados pelo voto popular e que, por isso, não contam com representação
na Câmara Federal. Situações que, no meu sentir, não se equiparam.
Com efeito, conforme já salientado anteriormente, a Constituição Federal dis-
tinguiu os partidos que têm representação no Congresso Nacional daqueles que
não têm essa representação, concedendo certas prerrogativas, exclusivamente,
às agremiações que gozam de representatividade nacional (art. 5º, LXX, a; art. 103,
VIII; art. 53, § 3º; art. 55, § 2º e § 3º; art. 58, § 1º).
Todavia, não faz a Lei Maior distinção em relação ao momento em que é aufe-
rida a representação pela agremiação partidária, se resultante da eleição ou de
momento posterior. A Carta Maior exige a representação, mas não faz nenhum
tipo de restrição em relação ao momento em que o partido a adquire. Sendo assim,
não poderia fazê-lo o legislador ordinário nos casos de criação, fusão e incor-
poração, haja vista o princípio da liberdade de criação e transformação dos
partidos políticos contido no caput do art. 17 da Constituição Federal.
Dessa forma, conquanto admitida a distinção entre partidos políticos com e
sem representação no Congresso Nacional, entendo que não há respaldo consti‑
tucional para a adoção de tratamento distinto entre os partidos que gozam dessa
representação, penalizando as agremiações recém-criadas que a adquiram
pela migração de parlamentares de outros partidos, ainda que em momento
posterior à realização das eleições nacionais.
Se esse fosse o caso, os novos partidos, durante toda a legislatura em que criados,
estariam impedidos de ajuizar ação direta de inconstitucionalidade e mandado de
segurança coletivo, bem como de oferecer representação em face de parlamenta‑
res pela prática de atos passíveis de perda de mandato, ainda que contassem com
parlamentares em seus quadros e que fossem, por isso, dotados de representação
no Congresso Nacional.
Compare-se, ademais, a criação de partido novo com a fusão de legendas em
momento posterior às eleições. Nesse caso, a agremiação resultante da fusão de
legendas também não participa do pleito eleitoral pertinente. No caso de fusão,
desaparecem dois partidos para formar um terceiro, que não se confunde com
nenhuma das agremiações que lhe dão origem, podendo, inclusive, contar com
programa partidário completamente distinto do desses. Nesse caso, contudo, ainda
que esse partido também não tenha participado de eleições gerais para a Câmara
dos Deputados, tal como na hipótese de criação de partido, conforme disposição
expressa no § 4º do art. 47 da Lei das Eleições, ele preserva a representatividade
dos partidos que o originam.
Não há razão, portanto, para conferir às hipóteses de criação de nova legenda
tratamento diverso daquele conferido aos casos de fusão, já que ambas as pos-
sibilidades detêm o mesmo patamar constitucional (art. 17, caput, CF/1988),
cabendo à lei, e também ao seu intérprete, preservar o sistema.
(...)
Por todas essas razões, reputo constitucional a interpretação que reconhece aos
partidos criados após a realização de eleições para a Câmara dos Deputados o direito
à devida proporcionalidade na divisão do tempo de propaganda eleitoral no rádio e
na televisão prevista no inciso II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/1997, devendo-se con‑
siderar, para tanto, a representação dos deputados federais que, embora eleitos por
outros partidos, migrarem direta e legitimamente para a novel legenda na sua criação.
Essa interpretação prestigia, por um lado, a liberdade constitucional de cria-
ção de partidos (art. 17, caput, CF/1988) e, por outro, a representatividade do
partido que já nasce com representantes parlamentares, tudo em consonância
com o sistema de representação proporcional brasileiro.
II – Mérito
a) O direito à participação política como direito fundamental (cláusula pétrea) e a centra-
lidade dos partidos políticos no regime democrático disciplinado pela CF/1988
O mandado de segurança em exame foi impetrado para obstar a tramitação do
Projeto de Lei 4.470/2012, que já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e encon‑
trava-se no Senado Federal (PLS 14/2013), em fase de iminente votação de reque‑
rimento de urgência, quando concedi a liminar para suspender-lhe a tramitação.
Alega o impetrante que o referido projeto de lei tem por objetivo, nos termos de
sua própria ementa, determinar que “a migração partidária que ocorrer durante
a legislatura não importará na transferência dos recursos do fundo partidário e
do horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão”.
Consoante afirmei na decisão liminar, a intenção do projeto é impedir que
os parlamentares, ao criarem novas legendas, levem consigo as suas respecti‑
vas “cotas de representatividade”, ou seja, carreguem para o novo partido o que
equivaleria às suas participações em termos de valores do fundo partidário e
de tempo de propaganda eleitoral no horário gratuito de rádio e de televisão
distribuído aos partidos.
Conforme fundamentei até aqui neste voto, para se proceder ao exame da
violação de cláusulas pétreas em razão da tramitação de proposição legislativa,
faz-se imprescindível analisar o seu conteúdo, uma vez que representam limi‑
tações materiais ao poder de reforma, com reflexos procedimentais, na medida
em que a vedação recai sobre a própria deliberação (art. 60, § 4º, CF/1988).
O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência sólida e já antiga sobre a
qualificação dos direitos políticos fundamentais como cláusulas pétreas. Isso
porque são os direitos políticos os viabilizadores do direito de participação polí‑
tica inerente ao regime democrático. Nesse contexto, a ordem constitucional
brasileira de 1988 elevou os partidos políticos a uma posição institucional central,
uma vez que não se admite candidatura avulsa, ou seja, a filiação partidária é
condição sine qua non para o exercício da democracia no Brasil.
Em razão desse reconhecimento da importância dos partidos em nosso regime
democrático, esta Corte, com acerto, reconhece serem fundamentais os direitos
relacionados à liberdade de criação de legendas, à viabilidade do funcionamento
parlamentar, à autonomia partidária e ao próprio pluripartidarismo, consti‑
tuindo, assim, cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988.
São diversos os precedentes nos quais o Supremo Tribunal Federal teve a
oportunidade de assentar o caráter de fundamentalidade dos direitos políticos,
em especial daqueles relacionados aos partidos políticos. Entre eles, deve-se res‑
saltar o julgamento conjunto das ADI 1.351 e 1.354, rel. min. Marco Aurélio (DJ de
30-3-2007), em que se discutiu a constitucionalidade da denominada cláusula de
barreira, bem como o julgamento da ADI 3.685, rel. min. Ellen Gracie, Plenário,
DJ de 10-8-2006, em que se discutiu a constitucionalidade da EC 52/2006, que
restabeleceu a chamada desverticalização.
Neste último caso, teci considerações sobre a fundamentalidade dos partidos
políticos em nosso sistema constitucional. Se é certo que o constituinte de 1988,
ao estabelecer a possibilidade de reforma constitucional, impôs limites formais
rígidos para tal processo (CF, art. 60, I, II, III, §§ 1º, 2º, 3º e 5º), por outro lado,
deixou a cargo do intérprete constitucional a tarefa de delimitar os princípios que
conformariam a identidade material da Constituição, ao estabelecer, no art. 60,
§ 4º, um rol relativamente aberto de cláusulas de imutabilidade.
Tem sido intensa a discussão, entre nós, sobre a aplicação das chamadas
cláusulas pétreas. Muitos afirmam que determinado princípio ou disposição
não pode ser alterado sem afronta às cláusulas pétreas. Outros sustentam que
determinada proposta afrontaria uma decisão fundamental do constituinte e
não poderia, por isso, ser admitida.
Uma concepção decorrente da ideia de soberania popular deveria admitir que
a Constituição pudesse ser alterada a qualquer tempo por decisão do povo ou de
seus representantes (MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, art. 79, III, n.
21). Evidentemente, tal entendimento levaria a uma instabilidade da Constituição,
a despeito das cautelas formais estabelecidas para uma eventual mudança. Fica
evidenciada, nesse ponto, a permanente contradição entre o poder constituinte
originário, que outorga ao povo o direito de alterar a Constituição, e a vocação
de permanência desta, que repugna mudanças substanciais (cf., sobre o assunto,
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. v. II, p. 151 e seguintes).
Do prisma teórico, a questão foi seriamente contemplada por Carl Schmitt,
no seu Verfassungslehre (Teoria da Constituição). A problemática assentar-se-ia,
segundo Schmitt, na distinção entre constituinte (Verfassungsgeber = Schöpfer der
Verfassung) e legislador constituinte (Verfassungsgezetzgeber = Gesetzgeber über
die Verfassung). Schmitt enfatizava que a modificação de uma constituição não
se confunde com sua abolição, acrescentando, com base no exemplo colhido do
art. 2º da Lei Constitucional francesa, de 14 de agosto de 1884 (La forme républi-
caine du Gouvernement ne peut faire 1’objet d “une proposition de revision”):
Se uma determinada modificação da Constituição é vedada por uma disposição
constitucional, se trata apenas de uma confirmação da diferença entre revisão
e abolição da Constituição. [Teoría de la Constitución. Trad. de Francisco Ayala.
Madrid: Alianza, 1996. p. 121.]
Não há dúvida, outrossim, de que a tese que vislumbra nas garantias de eter‑
nidade uma “proibição de ruptura de determinados princípios constitucionais”
(Verfassungsprinzipiendurchbrechungsverbot) não parece merecer reparos do prisma
estritamente teórico. Não se cuida de uma autovinculação (Selbstbindung) do cons‑
tituinte, até porque esta somente poderia ser admitida no caso de identidade entre
o constituinte e o legislador constituinte ou, em outros termos, entre o detentor do
poder constituinte originário e o derivado. Ao revés, é a distinção entre os poderes
constituintes originário e derivado que permite afirmar a legitimidade do estabe‑
lecimento dessa proibição (BRYDE, Verfassungsentwicklung, op. cit., 1982. p. 242).
Nesse sentido, afigura-se extremamente consequente e lógico previsão cons-
titucional das cláusulas pétreas, entre as quais se incluem os direitos políticos.
Essa explicação é importante, pois apenas se revelará a inconstituciona-
lidade da tramitação de proposição tendente a abolir cláusulas pétreas da
Constituição a partir do exame do conteúdo da proposição legislativa. Assim,
faz-se necessário examinar se a votação do PLC 14/2013, pelo Senado Federal,
afigurar-se-ia violadora do núcleo essencial da Carta de 1988.
Antes, no entanto, deve-se ter em mente a importância constitucional da atu‑
ação dos partidos políticos para efetivar as garantias políticas de perfil institu‑
cional. Nesse particular, é válido abordar a interessante relação entre os partidos
e a Constituição. Nos dizeres de Dieter Grimm:
Los partidos políticos son una consecuencia de la admisión por parte de la Constitui-
ción de la participación social en las decisiones del Estado. Responden al problema de
mediar entre una diversidad no ordenada de opciones e intereses sociales sin regular
y una unidad estatal de decisión y accíon. Agregando opiniones e intereses afines y
presentándolos para que se pueda decidir sobre ellos, constituyen un eslabón interme-
dio necesario en el proceso de formación de la voluntad política. [GRIMM, Dieter. Los
partidos políticos. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen;
HESSE, Konrad; HEYDE, Wolfgang (Hrsg.). Manual de Derecho Constitucional (Hand-
buch des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland – Tradução Espanhola).
Madri: Marcial Pons Ediciones Jurídicas e Sociales, S.A., 1996. p. 389.]
campo mais vasto de aplicação do que nos tempos que se seguiram imediatamente
às suas primeiras declarações.
Nota-se, portanto, que a aprovação de leis casuísticas caminha lado a lado com
intenções discriminatórias da parte do legislador. Esse tipo de providência atenta
frontalmente contra o princípio da isonomia e, no caso em exame, contra a igual‑
dade de chances, sem a qual não há processo democrático-eleitoral imparcial e justo.
solução dos conflitos, o sistema democrático não estará livre da ameaça de ins‑
tabilidades e de tumultos no seu funcionamento.
Essa colocação tem a virtude de ressaltar que a jurisdição constitucional não
se mostra incompatível com um sistema democrático que imponha limites aos
ímpetos da maioria e discipline o exercício da vontade majoritária. Ao revés,
esse órgão de controle cumpre uma função importante no sentido de reforçar
as condições normativas da democracia e atenuar a possibilidade de conflitos
básicos que afetem o próprio sistema.
A missão de um tribunal como o Supremo é aplicar a Constituição, ainda que
contra a opinião majoritária. Esse é o ethos de uma corte constitucional. É fun‑
damental que tenhamos essa visão.
Isso está, na verdade, na obra de Zagrebelsky, que versa um tema histórico e
teológico fascinante: a crucificação e a democracia.
Diz Zagrebelsky:
Para a democracia crítica, nada é tão insensato como a divinização do povo que se
expressa pela máxima vox populi, vox dei, autêntica forma de idolatria política. Esta
grosseira teologia política democrática corresponde aos conceitos triunfalistas e acrí‑
ticos do poder do povo que, como já vimos, não passam de adulações interesseiras.
Na democracia crítica, a autoridade do povo não depende de suas supostas qua‑
lidades sobre-humanas, como a onipotência e a infalibilidade.
Depende, ao contrário, de fator exatamente oposto, a saber, do fato de se assu‑
mir que todos os homens e o povo, em seu conjunto, são necessariamente limi‑
tados e falíveis.
Este ponto de vista parece conter uma contradição que é necessário aclarar. Como
é possível confiar na decisão de alguém, como atribuir-lhe autoridade quando
não se lhe reconhecem méritos e virtudes, e sim vícios e defeitos? A resposta está
precisamente no caráter geral dos vícios e defeitos.
A democracia, em geral, e particularmente a democracia crítica, baseia-se em um
fator essencial: em que os méritos e defeitos de um são também de todos. Se no
valor político essa igualdade é negada, já não teríamos democracia, quer dizer, um
governo de todos para todos; teríamos, ao contrário, alguma forma de autocracia,
ou seja, o governo de uma parte (os melhores) sobre a outra (os piores).
Portanto, se todos são iguais nos vícios e nas virtudes políticas, ou, o que é a mesma
coisa, se não existe nenhum critério geralmente aceito, através do qual possam ser
estabelecidas hierarquias de mérito e demérito, não teremos outra possibilidade
senão atribuir a autoridade a todos, em seu conjunto. Portanto, para a democracia
crítica, a autoridade do povo não depende de suas virtudes, ao contrário, desprende‑
-se – é necessário estar de acordo com isso – de uma insuperável falta de algo melhor.
[ZAGREBELSKY, Gustavo. La crucifixión y la democracia. Trad. espanhola. Ariel, 1996.
p. 105 – Título original: II Crucifige! e la democracia. Giulio Einaudi, Torino, 1995.]
cada caso individualmente, mas, quando julga o caso, ela o faz na perspectiva
de estar definindo temas. Cabe à Corte fazer, diuturnamente, a pedagogia dos
direitos fundamentais, contribuindo para um processo civilizatório mais elevado.
É preciso ressaltar que a questão da proteção das minorias políticas é cons‑
tantemente revisitada nos debates desta Corte. É o que se colhe, por exemplo,
da firme jurisprudência desta Corte quanto ao direito de oposição das minorias
parlamentares para a instalação de CPIs. Nesse sentido, vale lembrar o julga‑
mento do MS 24.831, rel. min. Celso de Mello, Pleno, DJ de 4-8-2006, em que o
Plenário assentou a impossibilidade de a maioria parlamentar frustrar, no âmbito
do Congresso Nacional, o exercício, pelas minorias legislativas, do direito cons‑
titucional à investigação parlamentar.
Naquela oportunidade, o ministro Celso de Mello, em aprofundado voto, des‑
tacou o seguinte:
A matéria ora submetida ao julgamento do Supremo Tribunal Federal, Senhor
Presidente, reveste-se de inquestionável relevância. A afirmação que ora faço
apoia-se no reconhecimento de que existe, em nosso sistema político-jurídico,
um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, o que deve
conduzir esta Suprema Corte a proclamar o alto significado que assume, para o
regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada
ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das ins‑
tituições parlamentares.
Essa percepção do tema – que reconhece, no direito à efetiva instauração do
inquérito parlamentar, uma garantia instrumental constitucionalmente atribuída
às minorias legislativas, por efeito da imanência do direito de oposição em face
do próprio modelo democrático de Estado que entre nós prevalece – encontra
pleno suporte no mais autorizado magistério doutrinário (...).
Não se revela possível desconsiderar, por isso mesmo, a própria ratio subjacente
ao preceito normativo inscrito no art. 58, § 3º, da Constituição, cujo fundamento
político-jurídico – que deriva da necessidade de respeito incondicional às minorias
parlamentares – atua como verdadeiro pressuposto de legitimação da ordem demo‑
crática, tal como adverte o próprio magistério da jurisprudência dos Tribunais (...).
Vê-se, daí, que a questão ora submetida ao julgamento desta Suprema Corte faz
com que este Tribunal se defronte com um tema de extração iniludivelmente cons‑
titucional, eis que o reconhecimento do direito de oposição, de um lado, e a afir-
mação da necessidade de se assegurar, em nosso sistema jurídico, a proteção às
minorias parlamentares, de outro, qualificam-se, na verdade, como fundamentos
imprescindíveis à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito.
Além disso, o ministro Celso de Mello deixou registrado que se deve conce‑
der um direito de oposição que não esteja reduzido a uma previsão meramente
Também assentei em voto, no referido julgamento, que esta Corte era acionada
justamente para dar eficácia ao direito da minoria parlamentar, relembrando que
devemos a Kelsen a associação sistemática da jurisdição constitucional a esse
aspecto importante do conceito de democracia, que é, exatamente, a possibili‑
dade de sobrevivência e de proteção das minorias, dado que o sistema democrá‑
tico não se legitima pela verdade, mas sim pelo consenso. Naquela oportunidade,
ressaltei o seguinte:
Nesse contexto, os entes de representação devem agir dentro de limites prescritos,
estando os seus atos vinculados a determinados procedimentos (cf., a propósito,
GRIMM, Dieter. Verfassungserichtsbarkeit – Funktion und Funktionsgrenzen in demo‑
kratischem Staat. In: Jus-Didaktik, Heft 4, Munique, 1977, p. 83 (95).). Essas consti‑
tuições pretendem, portanto, que os atos praticados pelos órgãos representativos
possam ser objeto de crítica e controle (GRIMM, Dieter. Op. cit., p. 83 (95).). Trata-se,
em verdade, de um modelo de fiscalização democrática dos atos do poder público.
Tal como observado por Dieter Grimm, um sistema que admite o conflito de
opinião e a pluralidade de interesses como legítimo somente poderá subsistir
constitucional deve atuar quando esse mercado político estiver funcionando mal,
em afronta aos direitos fundamentais (ELY, John Hart. Toward a representation-
reinforcing mode of judicial review. Maryland Law Review, v. 37, 1977, p. 488).
Ely afirma, com acuidade, que é obrigação e dever do Judiciário: (i) aplicar
as regras expressas do texto constitucional; (ii) intervir no processo político
quando isso for necessário para a proteção do funcionamento regular do
sistema democrático; (iii) bem como para garantir o adequado tratamento
dispensado pelas maiorias às minorias.
Nesse sentido, a concessão da medida liminar no presente mandado de segu‑
rança nada mais fez do que aplicar normas constitucionais, para garantir a regu‑
laridade do processo democrático e assegurar o respeito aos direitos das minorias
políticas, que estavam sendo violados pela maioria parlamentar. E o julgamento
de mérito deve pôr fim a essa ameaça de forma definitiva e fundamentada.
Vale lembrar que a proposição legislativa se deu em 19-9-2012, que houve a
adoção do requerimento de urgência, em 16-4-2013, e que o projeto de lei em
questão foi aprovado definitivamente em sessão deliberativa extraordinária
da Câmara dos Deputados realizada em 23-4-2013. Em seguida, foi enviado
para a apreciação do Senado Federal. No dia 24-4-2013, o Plenário do Senado
estava reunido apreciando requerimento de urgência para a aprovação do
PLC 14/2013, quando concedi a liminar no presente mandado de segurança.
O resultado de uma eventual aprovação casuística e apressada do PLC 14/2013
seria o sufocamento das mobilizações políticas envolvidas na criação de alguns
novos partidos. Assim, o trâmite singularmente célere do PLC 14/2013 visava a
impedir que os respectivos tempos de rádio e TV, bem como as respectivas par‑
celas do fundo partidário acompanhassem os congressistas que deixassem seus
partidos para ingressarem em novas legendas, contrariando a decisão adotada
por esta Corte na ADI 4.430, rel. min. Dias Toffoli, Plenário, julgada em 29-6-2012.
Note-se que o processo de criação de legendas é relativamente complicado e
demorado. Requer o recolhimento de assinaturas em âmbito nacional (mais de
nove Estados da Federação) e consolidação de complexa documentação, além
da observância de prazos específicos e improrrogáveis. A viabilidade eleitoral de
um novo partido está intimamente relacionada ao tempo de rádio e TV de que
poderá usufruir, assim como à cota do fundo partidário que receberá, de modo
que a adesão de parlamentares às novas legendas, em nosso modelo, tornou-se
questão de sobrevivência para as novas agremiações políticas.
Também não se pode ignorar, por imperdoável ingenuidade, que para todos
os atores políticos envolvidos no processo eleitoral a decisão sobre manter-se
na agremiação em que se encontra ou dela se retirar para ingressar em legenda
II – 95% (noventa e cinco por cento) serão distribuídos aos partidos na proporção
dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II, serão desconsideradas as
mudanças de filiação partidária, em quaisquer hipóteses, ressalvado o disposto
no § 6º do art. 29. [Grifei.]
Não há a menor dúvida de que esse projeto de lei introduz em seus dispositivos
normas de caráter interpretativo, que buscam afastar a interpretação conferida
a tal matéria por esta Corte, no julgamento da ADI 4.430. Ou seja, nessa ação
direta o Supremo interpretou a Constituição para entender que o pluripar-
tidarismo e a livre criação de legendas são direitos políticos fundamentais
(cláusulas pétreas) que impedem a proibição da transferência, em conjunto
com os parlamentares que deixarem suas legendas para criarem novas agre-
miações, de seus respectivos tempos de rádio e TV e cotas do fundo partidário.
E o PLC 14/2013 pretende dispor em sentido diametralmente oposto.
Ressalvando que fiquei vencido na espécie, cumpre notar que esta Corte já
decidiu ser inconstitucional a lei que possua como objetivo imediato rever inter‑
pretação constitucional previamente declarada pelo Supremo (ADI 2.797, rel. min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 19-12-2006). O ministro Sepúlveda Pertence aduziu
em seu voto que, muito embora o efeito vinculante das decisões do Supremo
Tribunal Federal nas ações de controle abstrato de normas não abarque o Poder
Legislativo, a este não é dado aprovar lei que se destine a conferir à Constituição
exegese imediatamente oposta àquela exarada pelo Supremo Tribunal Federal.
Diante de tal jurisprudência, é extremamente provável que o PLC 14/2013,
caso fosse aprovado em sua versão atual, viria a ser declarado inconstitucio-
nal por esta Corte.
Há ainda elementos graves a serem considerados. Nas presentes circunstâncias
e ante a referida decisão desta Corte na ADI 4.430, a aprovação do PLC 14/2013
implicaria uma de duas alternativas, ambas ofensivas a direitos fundamentais
tutelados pela Constituição Federal de 1988: (i) ou representaria grave viola-
ção ao princípio da igualdade de chances; ou (ii) significaria ofensa frontal
ao princípio da segurança jurídica, considerado em sua acepção especial de
proteção à confiança legítima. E até mesmo ambas.
Não tenho dúvida em afirmar que a decisão deste Tribunal, tomada há menos
de um ano, na ADI 4.430, de relatoria do ministro Dias Toffoli, significou um
sinal verde para que os parlamentares pudessem deixar seus partidos, para criar
novas legendas, portando seus respectivos tempos de rádio e TV e cotas do fundo
partidário. No momento em que foi adotada, a decisão, sem dúvida, beneficiou
a alguns parlamentares e a algumas novas agremiações partidárias (a exemplo
Pela simples leitura dos dispositivos fica claro que o critério adotado pelo
PLC 14/2013 para a distribuição do tempo de rádio e TV e das cotas do Fundo
Partidário é o resultado da última eleição para a Câmara dos Deputados, ocorrida
em 2010. Sendo assim, mesmo partidos como o PSD e o PEN, já criados e que
receberam parlamentares de outras legendas no curso da presente legislatura,
apenas teriam acesso às cotas mínimas do fundo partidário.
No que diz respeito ao tempo de rádio e TV, haveria a agravante de que
os respectivos tempos mínimos distribuídos igualitariamente, pela redação
do projeto, passariam a ser de 1/9, e não de 1/3, como prevê a legislação atual.
Confira-se:
Art. 2º O art. 47 da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
“Art. 47. (...)
(...)
§ 2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do § 1º,
serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato,
observados os seguintes critérios:
I – 2/3 (dois terços) distribuídos proporcionalmente ao número de representan‑
tes na Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado
da soma de representantes de todos os partidos que a integram;
II – do restante, 1/3 (um terço) distribuído igualitariamente e 2/3 (dois terços)
proporcionalmente ao número de representantes eleitos no pleito no pleito
imediatamente anterior para a Câmara dos Deputados, considerado, no caso
de coligação, o resultado da soma do número de representantes de todos os
partidos que a integram.
§ 7º Para efeito do disposto no § 2º, serão desconsideradas as mudanças
de filiação partidária, em quaisquer hipóteses, ressalvado o disposto no § 6º
do art. 29 da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.” [Grifei.]
o Congresso Nacional realize, por exemplo, uma reforma política, que vise a
responder aos principais problemas enfrentados por nosso sistema, entre eles
a quantidade elevada de partidos políticos.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal revela que a Corte empe-
nha-se, regularmente, em garantir as prerrogativas do Poder Legislativo.
Bons exemplos nesse sentido são as decisões desta Corte que cuidaram da dis‑
ciplina das medidas provisórias. Após o entendimento que permitiu a reedição
de medida provisória que não tenha sido convertida em lei no prazo constitu‑
cionalmente estabelecido, tampouco haja sido rejeitada pelo Congresso Nacio‑
nal, o abuso por parte do Executivo levou o Congresso Nacional a promulgar
EC 32/2001, conferindo novo tratamento à matéria.
Mesmo após a aprovação da referida emenda constitucional, a Presidência
da República continuou a editar medidas provisórias em ritmo e quantidade
abusivos. Isso teve o condão de trancar a pauta das casas legislativas, em razão
do disposto no § 6º do art. 62 da Constituição. Verificou-se, a partir disso, que o
presidente da República detinha um verdadeiro poder de agenda sobre a pauta
das casas do Congresso Nacional.
O Supremo, então, exarou decisões que visavam a proteger as prerrogativas
do Congresso. Na ADI 4.048 MC, de minha relatoria, Plenário, DJE de 22-8-2008,
admitiu-se a análise excepcional da presença dos pressupostos de relevância e
urgência para a edição de medidas provisórias, bem como a aferição da natureza
dos créditos que o ato legislativo visava a abrir, se verdadeiramente extraordiná‑
rios ou não. Desse modo, a Corte estava a tutelar o controle congressual de sua
própria pauta, bem como de suas prerrogativas. Confira-se a ementa do julgado:
Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Medida Provisória 405,
de 18-12-2007. Abertura de crédito extraordinário. Limites constitucionais à ativi‑
dade legislativa excepcional do Poder Executivo na edição de medidas provisórias.
I – Medida provisória e sua conversão em lei. Conversão da medida provisória na
Lei 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistên‑
cia de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão
não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes.
II – Controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias. Revisão de
jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de
fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver
um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente
do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de
submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.
III – Limites constitucionais à atividade legislativa excepcional do Poder Exe-
cutivo na edição de medidas provisórias para abertura de crédito extraordinário.
Na ADI 4.029, rel. min. Luiz Fux, DJE de 27-6-2012, a Corte deliberou no sentido
de reconhecer a inconstitucionalidade das medidas provisórias que, da data do
julgamento em diante, não tramitassem e recebessem parecer da Comissão Mista
a que faz referência o art. 62, § 9º, da Constituição. Há diversos outros preceden‑
tes reveladores da atenção e reverência desta Corte às prerrogativas do Poder
Legislativo, de modo que não se deve falar, de forma alguma, em atrito entre os
Poderes Judiciário e Legislativo.
membros admitirem que, na política, têm que agir com respeito e preocupação
iguais por todos os outros parceiros. Ou seja, pode ser uma parceria se todos
respeitarem as condições de legitimidade que discutimos nos Capítulos 14 e
15 – se cada pessoa aceitar a obrigação não só de obedecer à lei da comunidade,
mas também de tentar tornar a lei consistente com a sua compreensão de boa-fé
daquilo que é exigido pela dignidade de cada cidadão.
(...) A concepção de parceria liga a democracia às condições substantivas da
legitimidade. Dado que a legitimidade é uma questão de grau, o mesmo acon-
tece, segundo esta concepção, com a democracia. É um ideal pelo qual algumas
comunidades políticas lutam, algumas com mais êxito do que outras. No entanto,
a concepção de parceria, pelo menos, faz do governo democrático um ideal inte‑
ligível. A concepção maioritária – a meu ver – não faz isso, porque nada descreve
que possa ser visto como um governo democrático exercido por membros de uma
minoria política. Ou até por membros de uma maioria.
O contraste profundo entre as duas concepções é claramente ilustrado no debate
(principalmente nos Estados Unidos) sobre a compatibilidade entre democracia
e escrutínio judicial. A concepção maioritária não descarta automaticamente um
sistema político que atribua aos juízes um poder de impor uma Constituição ao
declararem uma legislação nula e inválida. Alguns juristas habilidosos e filósofos
afirmaram que o escrutínio judicial, adequadamente concebido e limitado,
pode servir a concepção maioritária, tornando mais provável que a legislação
reflita a opinião estabelecida pela maioria das pessoas. John Hart Ely afirmou,
por exemplo, que os juízes devem proteger o poder do povo, salvaguardando a
liberdade de expressão e de imprensa dos políticos ansiosos por esconderem a
sua corrupção ou estupidez, e Janos Kis, na mesma esteira, disse que os juízes
podem proteger as pessoas dos governantes que ficam menos entusiasmados com
a maioria quando esta constitui uma ameaça para a manutenção do seu poder.
(...)
No entanto, na concepção de parceria, este popular argumento é claramente
circular. Pressupõe que uma maioria política tem autoridade moral para deci-
dir questões controversas para todos; mas, nesta concepção, uma maioria só
tem autoridade moral para decidir alguma coisa, se as instituições através
das quais governa forem suficientemente legítimas. O escrutínio judicial é uma
estratégia possível (e sublinho o fato de ser apenas uma possível) para reforçar a
legitimidade de um governo – para proteger a independência ética de uma mino‑
ria, por exemplo – e, desse modo, reforçar o direito moral de uma minoria para
impor a sua vontade em relação a outras questões. [DWORKIN, Ronald. Justiça
para ouriços. Coimbra: Almedina, 2012. p. 392-393.]
Conclusão
Em conclusão, pode-se afirmar, com tranquilidade, que:
(i) os direitos políticos, neles contidos a livre criação de partidos em situa‑
ção isonômica à dos demais atores envolvidos, o pluripartidarismo e o direito
à participação política, são cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988;
(ii) o projeto de lei em exame pretendia impor interpretação constitucional
diametralmente oposta à exarada pelo STF na ADI 4.430;
(iii) o projeto afigura-se casuístico, resultando no atingimento de atores polí‑
ticos previamente identificáveis;
EXTRATO DA ATA
MS 32.033/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: Rodrigo
Sobral Rollemberg (Advogada: Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro). Impetra‑
dos: Presidente da Câmara dos Deputados (Advogado: Advogado-geral da União)
e presidente do Senado Federal (Advogados: Alberto Cascais e outros). Interessa‑
dos: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado – PSTU (Advogados: Bruno
Colares Soares Figueiredo Alves e outros), Rede Sustentabilidade (Advogado: Roge‑
rio Paz Lima), Partido Político Solidariedade (Advogado: Marcilio Duarte Lima),
Pedro Taques (Advogados: Marco Aurélio Marrafon e outros), Carlos Henrique
Focesi Sampaio (Advogada: Alessia Barroso Lima Brito Campos Chevitarese) e Par‑
tido Popular Socialista – PPS (Advogados: Fabrício de Alencastro Gaertner e outros).
Decisão: Após o voto do ministro Gilmar Mendes (relator), concedendo par‑
cialmente o mandado de segurança, o julgamento foi suspenso. Ausente, jus‑
tificadamente, a ministra Cármen Lúcia, representando a Corte na 95º Sessão
Plenária da Comissão de Veneza e da Reunião da Comissão para Democracia
Eleitoral, e em visita à Corte Constitucional da República da Itália, em Roma.
Presidência do ministro Joaquim Barbosa.
Presidência do ministro Joaquim Barbosa. Presentes à sessão os ministros
Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias
Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Procurador-geral da República,
doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 12 de junho de 2013 — Luiz Tomimatsu, assessor-chefe do Plenário.
VOTO
O sr. ministro Teori Zavascki: 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado
por senador da República visando a obter provimento jurisdicional que deter‑
mine a suspensão da tramitação e o arquivamento de projeto de lei, já aprovado
na Câmara dos Deputados sob o número 4.470/2012, ora tramitando no Senado
Federal sob o número 14/2013. O que se alega, substancialmente, é que tal PL está
impregnado de manifesto vício de inconstitucionalidade material, por ofender o
art. 1º, V, e o art. 17, caput, da Constituição. Sustenta o impetrante que tem direito
líquido e certo de, na condição de parlamentar, “não participar da produção de atos
normativos” eivados com vício desse jaez. Em nome e para tutela desse afirmado
direito é que deduz o pedido de sentença mandamental com a extensão indicada.
2. É evidente, registre-se desde logo, que o direito líquido e certo afirmado na
impetração – de não ser obrigado, o parlamentar impetrante, a participar do
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, começo louvando o voto pleno
de brilho e maestria do eminente relator, a quem rendo as minhas homenagens.
E, apenas para ordenar o pensamento, porque já destacadas com precisão
pelos que me antecederam, contextualizo as circunstâncias da impetração.
Trata-se de mandado de segurança preventivo em que eminente senador da
República sustenta violação de direito subjetivo público de sua titularidade. A vio‑
lação estaria perpetrada, na sua visão, pelo trâmite, no Congresso Nacional, de
projeto de lei ordinária eivado de manifesta inconstitucionalidade, projeto de lei
este já aprovado na Câmara dos Deputados e na iminência de ser submetido ao
Senado. E direito líquido e certo consubstanciado na inviabilidade de ser com‑
pelido, “enquanto integrante do Congresso Nacional”, a “participar da produção
de atos normativos casuisticamente concebidos para aniquilar direitos funda‑
mentais de grupos políticos minoritários e que visivelmente conspurcam, desde
sua tramitação, os mandamentos centrais derivados do texto da Carta Política”.
O projeto de lei é o de número 4.470 e visa a alterar as Leis 9.096/1995 e 9.504/
1997, “estabelecendo que a migração partidária durante a legislatura não impor‑
tará na transferência dos recursos do fundo partidário e do horário de propa‑
ganda eleitoral no rádio e na televisão”.
Ao exame da inicial, nos moldes em que deduzida a pretensão, e observado
o princípio da demanda – estamos em sede de mandado de segurança, e não de
ação de controle concentrado de constitucionalidade –, verifico que o impetrante
erigiu como premissa básica de seu pedido, em busca do controle judicial prévio
de constitucionalidade de projeto de lei, a decisão proferida por esta Corte, por
maioria, na ADI 4.430, da relatoria do eminente ministro Dias Toffoli, posta na
posição de verdadeiro “centro de gravidade” em torno do qual as questões rela‑
cionadas ao tema da impetração estariam a orbitar. Assim, o quanto decidido por
esta Suprema Corte, na ADI 4.430, nortearia a solução das questões de natureza
processual e material que este mandado de segurança suscita.
Tais questões, observo, estão todas atreladas a temas da maior envergadura,
como o da definição da relação adequada entre os Poderes da República e o do
próprio papel deste Supremo Tribunal Federal e limites de sua atuação, a atraírem
em tal modelo, impende destacar que somente após “exauridas todas as fases do
Processo Legislativo, o projeto de lei pode ser encaminhado ou não ao Conselho
Constitucional para receber manifestações sobre sua possível constitucionalidade”.
Vale ressaltar, ainda, que, desde 2008, com a promulgação da Lei de Reforma Cons‑
titucional 724, o Conseil Constitutionnel incorporou às suas atribuições o exercício
do controle abstrato de constitucionalidade repressivo (a posteriori), aproximando,
assim, o modelo francês do praticado nas demais democracias europeias.
No sistema constitucional italiano, a Corte Constitucional em regra exerce
jurisdição acerca da constitucionalidade de atos normativos após a conclusão
do processo legislativo – promulgação e publicação da lei. Apenas em relação
às leis regionais, o Texto Supremo italiano (art. 127, n. 3º e 4º) prevê uma moda‑
lidade de controle preventivo pela Corte Constitucional – antes da conversão
em lei. Tal mecanismo, deflagrado pelo Estado ou pelas regiões, ostenta índole
eminentemente política, e não propriamente jurisdicional, e visa a permitir que
o mérito do ato normativo seja avaliado em face dos interesses nacionais e de
outras regiões. Ainda assim, sua instauração somente tem lugar após a conclusão
das deliberações na casa legislativa regional.
A Constituição Austríaca prevê, no art. 138, 2, a competência da Corte Cons‑
titucional para decidir preventivamente apernas acerca de conflitos federati‑
vos – “se um ato legislativo ou administrativo é da competência da Federação
ou dos Lander”, atribuição essa que é “exercida em relação a projetos de lei, de
regulamentos – ou de outros atos administrativos – ainda não votados pelas
assembleias ou publicadas pelas autoridades administrativas”.
Na Alemanha, o controle preventivo de constitucionalidade das leis se verifica
em três hipóteses:
a) antes da sua promulgação, mas após a conclusão das deliberações, uma lei que
aprova um tratado pode ser encaminhada ao Tribunal Constitucional, por requeri‑
mento de governadores dos Lander ou de 1/3 dos membros do parlamento (Bundestag);
b) no caso de o presidente da República se recusar a promulgar uma lei, o Tri‑
bunal Constitucional pode ser acionado por outro órgão de feição constitucional,
contrário à recusa – trata-se, aqui, de submeter a eficácia do veto presidencial à
aquiescência do Tribunal Constitucional;
c) diferimento provisório do início da vigência de uma lei até o julgamento da
sua constitucionalidade, por provocação, após a sua promulgação, dos atores
legitimados a deflagrar o controle de constitucionalidade.
A Espanha suprimiu do seu ordenamento jurídico, desde 1985, a possibilidade
de controle preventivo, no curso do processo legislativo, da constitucionalidade
de leis orgânicas.
DEBATE
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): É exatamente esse o ponto que se coloca,
porque é disso que se cuida quando se trata de apresentar. E aí é indiferente, cuide
de projeto de emenda, cuide de projeto de lei, por quê? Como eu disse ontem,
é muito mais fácil a uma maioria poderosa aprovar projeto de lei que contraria
cláusula pétrea do que aprovar a própria emenda constitucional, porque esta
tem trâmites e dificuldades – nós vemos os incidentes que ocorrem hoje no
próprio Supremo Tribunal Federal em torno do chamado interstício para fins
de aprovação de primeiro e segundo turno.
É só lembrar um exemplo histórico: Hitler só não modificou a Constituição de
Weimar, fez por lei. A rigor, é disto que se cuida: é mais fácil fazer uma aberração
por lei do que por emenda constitucional. Agora, se esse projeto de lei contraria
chapadamente – é isso que tem que ser examinado, se não nós saímos para os
aspectos formais –, se de fato se dá a contrariedade ao texto constitucional, a
esse chamado núcleo pétreo ou as cláusulas estruturantes, por projeto de lei,
nós já temos exatamente o caso de inconstitucionalidade material vedado hoje
no art. 60, § 4º. Logo, a cláusula tendente a abolir aqui a proibição se aplica a
projeto de lei, inevitavelmente: é disso que se cuida. É disso que fala Moreira
Alves nesse segundo parágrafo.
O sr. ministro Dias Toffoli: Permita-me, Ministra Rosa.
A sra. ministra Rosa Weber: Pois não.
O sr. ministro Dias Toffoli: No caso, não há que se falar em interdição do
debate parlamentar, porque, na verdade, aquelas críticas que foram feitas à deci‑
são liminar, de que era uma intervenção em outro Poder etc., só podem ter sido
feitas por aqueles que não leram o texto do projeto de lei aprovado pela Câmara
dos Deputados. Ou seja, esse projeto de lei já foi aprovado pela Câmara dos Depu‑
tados e é, na prática, uma rescisória da ação direta de inconstitucionalidade,
julgada por essa Suprema Corte, de número 4.430. É disso que se trata aqui.
Mesmo que o Senado aprove um outro texto, esse texto volta à Câmara, e a Câ
mara já aprovou um texto de chapada inconstitucionalidade.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Dias Toffoli: Ou seja, quem está invadindo a competência de
outro Poder, na verdade, é o Legislativo, e não esta Corte.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Celso, se Vossa Excelência me permite, em rela‑
ção a esse aspecto agora debatido, o art. 28, parágrafo único, da lei que regula a ação
direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade expõe:
Art. 28. (...)
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionali‑
dade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de
inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito
vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública
federal, estadual e municipal.
Isso significa dizer que a elaboração de um projeto de lei não faz as vezes de
uma ação rescisória. E isso não é dito por nenhuma doutrina de escol, isso é dito
pela jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal. Por que a Constituição
Federal estabelece que a decisão da ação declaratória de inconstitucionalidade
vincula o Poder Judiciário e a administração e não inclui, aí, na função material‑
mente legislativa, o Legislativo? Porque há casos inúmeros de correção legislativa
de decisões adotadas em sede de controle de constitucionalidade.
Então, só para vir ao encontro da ideia que Vossa Excelência, Ministra Rosa
Weber, está sustentando.
Na Rcl 2.617, agravo regimental, de Minas Gerais, relator ministro Cezar Peluso,
o Tribunal Pleno decidiu:
(...) A eficácia geral e o efeito vinculante de decisão, proferida pelo Supremo Tribu‑
nal Federal, em ação direta de constitucionalidade ou direta inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo federal, só atingem os demais órgãos do Poder Judiciário
e todos do Poder Executivo, não alcançando o legislador, que pode editar nova
lei com idêntico conteúdo normativo, sem ofender autoridade daquela decisão.
mesma legislatura. Vamos criar o partido A, que conta com benefícios contabi‑
lizados, se for o caso.
O sr. ministro Dias Toffoli: O TSE terá grandes dificuldades, ao fazer as
instruções, para interpretar essa nova lei.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Até porque tem que se deparar in
clusive com a discussão da constitucionalidade dessa lei, no TSE, para regula
mentá-la.
O sr. ministro Dias Toffoli: Eu, como relator das instruções, já parei para
imaginar o que será possível fazer. É evidente que não posso falar pelo Colegiado
do TSE, mas assentarei a inconstitucionalidade se o PL virar lei.
O sr. ministro Luiz Fux: Na realidade, há dois aspectos.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Trata-se de um caso de rescisória. Por‑
tanto, é a coisa julgada... Porque, quando nós falamos em eficácia erga omnes, nós
falamos em coisa julgada com eficácia erga omnes. E isso vincula, sim, ao legislador.
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente...
O sr. ministro Dias Toffoli: Caberia até uma reclamação ao Supremo se o TSE
acatasse uma interpretação do parlamento que fosse contrária à interpretação
dada pela Corte Suprema em processo com efeito vinculante.
O sr. ministro Luiz Fux: Bom, há vários doutrinadores num sentido e noutro.
Nós devemos respeitar todas as opiniões em contrário.
Mas apenas dois aspectos, Senhor Presidente: nós temos casos em que houve
correção legislativa da jurisprudência do Supremo em ação direta de inconstitucio‑
nalidade. Eu cito aqui – exatamente porque o Supremo não deve ter um monopólio
da interpretação constitucional, que também deve ser concretizada pelos demais
agentes políticos – julgado recente, inclusive, em que a Corte reviu seu posiciona‑
mento acerca da Súmula 726 nos autos da ADI 3.772, da relatoria do ministro Ayres
Britto, relator para o acórdão o ministro Ricardo Lewandowski. A súmula dispunha:
Para efeito de aposentadoria especial de professor, não se computa o tempo de
serviço prestado fora da sala de aula.
Não se computa.
E o Supremo Tribunal Federal, julgando a ADI 3.772, entendeu constitucio‑
nal, num voto capitaneado pelo ministro Ricardo Lewandowski, a possibilidade
de se contarem horas fora da sala de aula como tempo de serviço. Eis, aí, um
exemplo de que...
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Era de lei.
O sr. ministro Luiz Fux: Mas eis o exemplo em que houve uma opção do
legislador...
tudo, a partir desse teste que ele cancela tempo de TV e fundo partidário de
alguns partidos, por que não dar todo o tempo para os partidos do Governo? Veja
só. Isso é compatível? Se amanhã ele decidisse fazer isso? Ah, não, o controle não
pode se fazer, por quê? Porque o legislador tudo pode. Não é disso que se cuida.
O sr. ministro Dias Toffoli: A questão de fundo aqui é da maior gravidade.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Ontem foi discutida por que essa ques‑
tão era importante; porque o simples anúncio do projeto de lei, com essa massiva
aprovação, com esse massivo suporte, já inviabilizava a iniciativa de criação das
entidades partidárias. Por isso que o projeto de lei – e eu disse – tinha um efeito
prévio. Isso não acontece toda hora. Imaginemos, nós vimos a corrida que aque‑
les que articulam a candidatura – nós temos, aqui, a ex-senadora Marina Silva.
Esse projeto poderia se chamar “Projeto Anti-Marina Silva”. É disso que estamos
a falar. Por isso eu disse ontem que me sentia fraudado de ter votado no sentido
daquela ação direta de inconstitucionalidade do ministro Toffoli e hoje ver o que se
está a fazer com o resultado desta ação, com essa manipulação. Vamos chamar as
coisas pelo nome: estamos fazendo uma lei casuística, estamos chancelando isso.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Ministro Gilmar, o que impe‑
dirá alguns dos legitimados do art. 103 da Constituição, caso eventualmente esse
projeto venha a ser aprovado em menos de um mês, três semanas, de obter uma
liminar no Supremo, suspendendo a eficácia desse projeto de lei? Nós estamos
a um ano e quatro meses das eleições; um ano e quatro meses.
Eu conheço precedentes desta Casa em que lei foi suspensa em menos de um
mês. Eficácia de lei aprovada pelo Congresso. Agora, a questão central aqui não
é discutir o que vem sendo discutido. A questão central é que nós vivemos num
sistema presidencialista com separação de Poderes. Num sistema como esse, é
bizarra a intervenção de uma corte judiciária no sentido de proibir o Legislativo
de deliberar. Essa é a questão.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não é bizarro. E essa jurisprudência
do Tribunal tem mais de cem anos.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Não, o Supremo não tem ne
nhum precedente de mérito.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Tem.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Eu digo de mérito. Há escara‑
muças. Não há nenhum precedente de mérito em que o Supremo tenha inter‑
rompido uma deliberação do Congresso no meio. É isso. Vamos ao âmago da
questão. Essa é a questão.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Veja Vossa Excelência, citei ontem um
caso da relatoria do ministro Néri, em que foi arquivado o mandado de segurança
VOTO
(Aditamento)
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, o debate é sempre enriquece‑
dor, mas entendo que o debate político tem por palco adequado o parlamento.
É o Congresso Nacional o locus próprio para a discussão das grandes questões
políticas nacionais, e entendo, na linha do que consagram doutrina e jurispru‑
dência, que o nosso sistema de controle de constitucionalidade não admite con‑
trole prévio judicial de constitucionalidade por meio de mandado de segurança,
salvo em excepcionalíssimas situações, como já exposto, casos em que alargado
como forma de atingir finalidade que, digamos assim, não estava na sua gênese.
Por isso a doutrina diz, e tanto o ministro Gilmar e o ministro Fux afirmam, em
sede doutrinária, que, na verdade, não se trata, em tais hipóteses excepcionais,
propriamente de defesa de direito líquido e certo, e, sim, de solução engendrada
para resolver um conflito de atribuições, naquelas situações absolutamente
excepcionais, repito.
Faço questão de frisar que, em mandado de segurança, conforme disse no
início, não estamos em sede de controle concentrado, e, consequentemente, do
meu ponto de vista, aplica-se o princípio da demanda. E o pedido deduzido aqui
é de arquivamento ou suspensão, tanto que o eminente relator concede apenas
em parte a ordem. Como mandar que se cale o Legislativo no exercício da sua
função precípua e que pressupõe o debate? Eu tenho o maior respeito pelas
posições contrárias, mas estou convicta quanto ao tema. Por isso adotei, quando
O sr. ministro Dias Toffoli: É um texto que já foi aprovado na Câmara e que,
mesmo se o Senado o alterar, voltará à Câmara; se a Câmara mantiver o texto
original, ele será inconstitucional.
A sra. ministra Rosa Weber: E, por isso, entendo, na linha do que foi defen‑
dido pelo ministro Teori, inclusive, que devemos dar chance...
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Se é inconstitucional, aguardemos o mo
mento oportuno para o Supremo Tribunal Federal proclamá-lo.
A sra. ministra Rosa Weber: ...dar chance tanto ao...
O sr. ministro Dias Toffoli: É preciso fazer a divisão do fundo partidário
imediatamente. Será necessário reformular resoluções recentes, debatidas após
a ação direta de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal. O texto
altera, sim, aquela decisão que já foi alterada por resoluções administrativas do
Tribunal Superior Eleitoral sobre a forma de divisão de tempo de televisão, de
acesso ao rádio e à TV, porque não se está aqui a falar só do acesso ao rádio e à
televisão na época da campanha eleitoral, da propaganda eleitoral. A lei já atin‑
giria imediatamente a propaganda partidária, assim que viesse a ser sancionada,
causando prejuízos de imediato.
A sra. ministra Rosa Weber: De qualquer sorte, entendo, como estava a refe‑
rir, que temos que dar chance e permitir que o próprio Legislativo e o Executivo
exerçam o controle prévio de constitucionalidade que lhes cabe. Agora, uma vez
perfectibilizada a norma, aí, sim, a tarefa passa a ser do Judiciário.
Senhor Presidente, renovo o meu pedido de vênia, mas mantenho o meu voto.
Pela lei do mandado de segurança posso denegar a ordem acompanhando a diver‑
gência, porque, na verdade, eu sequer a admitiria, eu já iria para o indeferimento
da inicial e, com todo o respeito, cassaria a liminar deferida.
Acompanho a divergência, renovando as escusas e o meu pedido de vênia ao
eminente relator.
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Antes de passar a palavra ao minis‑
tro Fux, permitam-me, perdoem-me, mas eu não consigo conter a minha vontade
de dizer o que vou dizer.
Vendo essa discussão aqui travada entre nós, eu diria o seguinte: James Madi‑
son deve estar se contorcendo no túmulo, porque é simplesmente bizantina essa
discussão. Ele, que foi um dos grandes formuladores da teoria da separação dos
Poderes, disse com clareza absoluta: separação de Poderes não cuida apenas de
VOTO
(Antecipação)
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, aqui se fala em rapidez na apreciação
de projeto que seria apreciado em 24 horas.
Eu trouxe aqui um caso emblemático de que não se respeitava ordem de vota‑
ção dos vetos, regra constitucional explícita. E isso foi absolutamente aban‑
donado em nome de um minimalismo judicial, em respeito à independência
política do parlamento.
Ninguém aqui entendeu que havia algo de mais em julgar, em uma hora, a emenda
constitucional dos precatórios, quando foi arguida essa inconstitucionalidade pelo
ministro Ayres Britto! Então, não vamos nos preocupar com a celeridade na tra‑
mitação de projetos de lei ou de outras resoluções do parlamento, porque, desse
susto aqui, muita gente nunca morreu. De sorte que esse não é o problema maior.
Senhor Presidente, aqui já foram enunciados várias vezes o pedido, a causa
petendi, a razão de ser, de sorte que eu gostaria também de, até em homena‑
gem – e aqui não vai nenhum elogio gratuito – à profundidade e ao brilhantismo
sempre aguardado do voto do ministro Gilmar Mendes, de traçar aqui algumas
premissas teóricas, exatamente centradas na questão fulcral deste debate que é
saber sobre se é ou não possível, em primeiro lugar, a jurisdição constitucional ir
tão além; em segundo lugar, saber se este é o modelo de controle; e, em terceiro
lugar, Senhor Presidente, dizer que nós estamos julgando um caso em abstrato.
Este é um caso que, eventualmente, cria um precedente do Plenário. Este caso
não tem nome. E, como Vossa Excelência muito bem disse, o controle repressivo
é possível, provável e eficaz. De sorte que nós temos que manter aqui, digamos
assim, pelo menos cada um de nós, a nossa coerência.
Então, eu trago, vou trazer aqui os mesmos fundamentos que eu utilizei
quando foi julgado o MS 31.816, da minha relatoria, com relação à apreciação dos
vetos, no qual eu destacava que a Constituição estabelecia uma ordem que tinha
que ser obedecida. E essa ordem foi desobedecida em nome da independência
do parlamento e da conjuração dessa doença, desse defeito que se afirma ser a
“supremocracia”, a hegemonia, a instância hegemônica que não deve representar
o Supremo Tribunal Federal.
Então, em homenagem aos debates, Senhor Presidente, eu preparei também
aqui algumas linhas, vou saltar aquilo que for possível, mas eu vou centrar o
debate exatamente nessas questões.
Tudo quanto deveria ser debatido de forma colateral já o foi, até prenunciando
as opiniões e as conclusões de cada membro integrante. Então, com o devido
VOTO
O sr. ministro Luiz Fux: Cuida-se de mandado de segurança, aparelhado com
pedido liminar, impetrado pelo senador da República Rodrigo Sobral Rollem‑
berg, objetivando sustar o andamento do Projeto de Lei 4.470/2012 (Câmara
dos Deputados), atual PLC 14/2013 (Senado Federal), que visa a alterar as Leis
9.096/1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos) e 9.504/1997 (Lei das Eleições),
para estabelecer que a migração partidária ocorrida durante a legislatura não
importará a transferência de recursos do fundo partidário e do horário de pro‑
paganda eleitoral no rádio e na televisão, cognominado “direito de antena”.
Sustenta o impetrante que tais restrições (quais sejam, acesso aos recursos
do fundo partidário e ao direito de antena) configuram ultraje à liberdade de
criação de novas agremiações partidárias. Ademais, afirma que a tramitação
do projeto de lei (i) possui viés casuístico e visa a atingir destinatários certos na
atual legislatura; (ii) esvazia o conteúdo essencial do direito à livre criação de
novos partidos e o princípio do pluralismo político, notadamente nos termos
preconizados pelo STF nos autos da ADI 4.430; (iii) aniquila os novos movimen‑
tos políticos; (iv) ofende o princípio de igualdade de chances entre os partidos
políticos, ainda que permita certa gradação de tratamento diferenciado; e (v)
estabelece discriminação odiosa, ao criar as figuras de parlamentares de pri-
meira e de segunda classe.
Em suas informações de estilo, o presidente do Senado Federal aduziu, pre‑
liminarmente, a inadequação da via eleita. No mérito, asseverou a inexistência
de ultraje à Constituição de 1988. Ademais, afirmou que o tema versado no pro‑
jeto de lei ostenta natureza eminentemente política, de competência, portanto,
exclusiva do Congresso Nacional. Por fim, articula que os efeitos vinculantes das
decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concen‑
trado e abstrato de constitucionalidade não alcançam as deliberações legislativas.
A seu turno, o presidente da Câmara dos Deputados prestou informações,
alegando (i) a tramitação regular do projeto de lei questionado, observados os
ditames constitucionais e regimentais; (ii) que, em 16 de abril de 2013, foi apro‑
vado pela maioria absoluta dos membros da Câmara, com 259 votos favoráveis,
o Requerimento de Urgência 7.494, de 2013, para tramitação do aludido projeto;
e (iii) que, em 23 de abril, seguinte, o projeto foi aprovado definitivamente em
sessão deliberativa extraordinária, seguindo para votação no Senado.
Em 24-4-2013, a liminar foi deferida pelo relator, ministro Gilmar Mendes, para
suspender a tramitação do PLC 14/2013 até o julgamento de mérito do mandamus.
Também foram admitidos para ingressar no feito, na qualidade de amici curiae,
o PSTU, o PPS, a Rede de Sustentabilidade e o senador Pedro Taques.
Em seu parecer, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo conhecimento
da impetração e pela concessão da ordem.
Na assentada passada, todavia, a então vice-procuradora-geral da República
divergiu do parecer inicialmente exarado, opinando pela denegação do pedido
deduzido neste writ.
Em 11-6-2013, o procurador-geral da República atravessou petição nos pre‑
sentes autos em que ratifica os argumentos expendidos no primeiro parecer
ministerial.
É o relatório.
I – Preliminar
Preliminarmente, verifico de plano a legitimidade ativa ad causam do impe‑
trante para deduzir a pretensão veiculada nesta ação mandamental, na esteira
da remansosa jurisprudência desta Corte quanto à existência de direito público
subjetivo do parlamentar ao devido processo legislativo (Precedentes: MS 20.257,
rel. min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgamento em 8-10-1980, DJ de 27-2-
1981; MS 21.642, rel. min. Celso de Mello, RDA 191/200; MS 21.303, rel. min. Octa‑
vio Gallotti; MS 24.356, rel. min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgamento em
13-2-2003, DJ de 12-9-2003; e MS 24.642, rel. min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno,
julgamento em 18-2-2004, DJ de 18-6-2004).
É cediço que o parlamentar, fundado na sua condição de copartícipe do proce‑
dimento de formação das normas estatais, dispõe, por tal razão, da prerrogativa
irrecusável de impugnar, em juízo, o eventual descumprimento, pela Casa legis‑
lativa, das cláusulas constitucionais que lhe condicionam, no domínio material
ou no plano formal, a atividade de positivação dos atos normativos (MS 23.565,
rel. min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-1999, DJ de 17-11-1999).
Conheço, pois, do presente mandamus e procedo ao exame do mérito.
II – Mérito
II.1 Premissas teóricas
A controvérsia travada nestes autos, tal qual ocorreu no MS 31.816, de minha
relatoria (Apreciação do Veto 38/2012 – PL dos Royalties), atinge o cerne da teoria
constitucional em um Estado Democrático de Direito na medida em que conclama
que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie sobre a validade jurídica do processo
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, inicialmente, registro meus
cumprimentos à defesa feita da tribuna por parte da advogada do impetrante.
Uma defesa bastante precisa a respeito do tema, que foi colocado de maneira
bastante apropriada.
Senhor Presidente, o tema aqui em discussão, diante da divergência aberta, é,
de um lado, a possibilidade de atuação da Suprema Corte em relação a tema em
tramitação no Congresso Nacional que atente contra cláusulas pétreas e, de outro
lado, os limites de atuação da Corte em relação ao debate político no parlamento.
Indo à Constituição Federal, sem entrar no tema específico, nós temos lá
no § 4º do art. 60: não será objeto de deliberação proposta tendente a atingir
§ 7º Para efeito do disposto no inciso II do § 2º [ao qual nós demos interpretação con‑
forme] serão desconsideradas as mudanças de filiação partidária, em quaisquer hipó‑
teses, ressalvado o disposto no § 6º do art. 29 da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.
a cláusula pétrea: o que está colocado aqui é o pacto político relativo à maneira
como se disputa o poder. Trata-se de cláusula verdadeiramente não escrita e o
parâmetro é o início da legislatura. Não se pode alterar esse parâmetro do início
da legislatura, ao longo da legislatura, a favor das maiorias. Não se pode, senão é
dar um poder, um cheque em branco para aqueles que detêm as maiorias políticas
para sufocarem as minorias. Vai contra a jurisprudência que o Supremo formou no
que diz respeito à cláusula de barreira e no que diz respeito à decisão da ADI 4.430.
Eu fico aqui a pensar, Ministro Gilmar Mendes, e eu pergunto a Vossa Exce‑
lência, dentro da ordem natural das coisas – fique à vontade, Vossa Excelência,
como sempre, para responder –: Vossa Excelência integrará o TSE, no ano que
vem, como titular – estarei lá eu também –; Vossa Excelência placitaria essa lei
na Justiça Eleitoral?
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Sem dúvida alguma, não. Essa lei, na
verdade, é afrontosa. Ainda aqui se perguntou: essa lei fere que princípio consti‑
tucional? Vossa Excelência respondeu quando falou do art. 17. A ministra Ellen
já tinha dito que o art. 16 compõe o rol de cláusulas pétreas.
O sr. ministro Dias Toffoli: Não só a ministra Ellen; a ministra Ellen placi‑
tada pela Corte.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Pela Corte. Mas nós poderíamos dizer
que essa lei, esse projeto de lei, que vem nesse contexto de empacotamento deste
Tribunal – é nesse contexto que esse projeto foi aprovado na Câmara...
O sr. ministro Dias Toffoli: Ela afronta o Tribunal e afronta as minorias.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): ...viola a Constituição de Deus a Ulys‑
ses Guimarães, de Deus a Ulysses Guimarães, como se dizia no passado, em
relação à Constituição de 1946, de Deus a Mello Vianna. Fere a Constituição de
Deus a Ulysses Guimarães, de ponta-cabeça, é disso que se cuida. Quem estiver
espiolhando o art. 17 ou um outro artigo não está lendo o texto constitucional
que nós temos. A igualdade desaparece. Como aplicar isso no TSE e dizer que
tem um partido de primeira classe e um partido de segunda classe? E como dizer
que isso é compatível com a nossa ordem constitucional?
O sr. ministro Dias Toffoli: Pois bem, Senhor Presidente, resumindo a minha
manifestação – até porque, quando acompanhamos seja o relator, seja a divergên‑
cia, não precisamos agregar muito mais do que aquilo que seja o suficiente para
a manifestação do voto –, como, muitas vezes, nós acompanhamos o relator, mas
fazemos algumas diferenças de fundamentação ou tiramos certos adjetivos, eu
gostaria de deixar registrado que, neste caso, eu acompanho o ministro Gilmar
Mendes em todos os adjetivos formulados por ele, seja no voto, seja nos debates.
Não placitarei esse projeto de lei se aprovado e sancionado no Tribunal Superior
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de mandado de segurança, com
pedido de medida liminar, impetrado por Rodrigo Sobral Rollemberg, senador da Re
pública, com objetivo de obstar a tramitação do PL 4.470/2012, recebido no Senado
Federal como PLC 14/2013, no qual se pretende estabelecer regras sobre migração
partidária de parlamentar no curso de determinada legislatura, bem assim acerca
da transferência de recursos do fundo partidário e do chamado “direito de antena”.
Na inicial, o impetrante alega, em síntese, que tal projeto constituiria manobra
“casuística” da maioria parlamentar com o intuito de obstar a criação de partidos
de oposição no Brasil, de forma “espúria e inconstitucional”. Sustenta, ainda, que
o referido projeto de lei quebra a igualdade entre os partidos, além de ofender o
postulado do pluralismo político.
O relator, ministro Gilmar Mendes, decidiu suspender a tramitação do PLC
14/2013, considerando
(i) a excepcionalidade do presente caso, confirmada pela extrema velocidade de
tramitação do mencionado projeto de lei – em detrimento da adequada reflexão
e ponderação que devem nortear tamanha modificação na organização política
nacional; (ii) a aparente tentativa casuística de alterar as regras para criação de
partidos na corrente legislatura, em prejuízo de minorias políticas e, por conse‑
guinte, da própria democracia; e (iii) a contradição entre a proposição em questão e
o teor da Constituição Federal de 1988 e da decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal na ADI 4.430. [MS 32.033 MC/DF, rel. min. Gilmar Mendes, de 24-4-2013.]
Com efeito, penso, com o devido respeito, que impedir o parlamento de deli‑
berar sobre um projeto de lei que disciplina matéria de natureza eminentemente
política é que colidiria – isso sim – com uma das cláusulas pétreas, a saber, aquela
que assegura a Separação dos Poderes, postulado fundamental do Estado Demo‑
crático de Direito (art. 60, § 4º, IV, da Constituição).
Permito-me repisar, mais uma vez, que, não se pode transformar o mandado
de segurança, cuja admissibilidade pressupõe a existência de direito líquido e
certo, aferível de plano, por meio de prova pré-constituída, em uma espécie de
ação direta de inconstitucionalidade “preventiva”, porque tal procedimento ine‑
xiste na jurisdição constitucional brasileira.
Nesse sentido, bem assentou alhures o ministro Celso de Mello que “o man‑
dado de segurança não é sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade nem
pode substituí-la, sob pena de grave deformação do instituto e inaceitável desvio
de sua verdadeira função jurídico-processual” (MS 21.074 AgR/DF, RTJ 132/189).
Cito, ainda, no mesmo sentido, precedente de lavra do ministro Néri da Silveira,
nos autos do MS 24.138 MC/DF, impetrado pelo deputado federal Rubens Bueno
para trancar proposição legislativa que tramitava na Câmara dos Deputados:
Não se adotou, no Brasil, o controle judicial preventivo de constitucionalidade
da lei. Não é, assim, em princípio, admissível o exame, por esta Corte, de projetos
de lei ou mesmo de propostas de emenda constitucional, para pronunciamento
prévio sobre sua validade. Não se acolhe, em princípio, súplica para impedir a
tramitação de projeto de lei ou proposta de emenda à Constituição, ao fun-
damento de contrariar princípio básico da ordem constitucional em vigor.
Somente depois de editada a lei ou emenda à Constituição, caberá o amplo
controle judicial de constitucionalidade da norma, que se consagra no País,
nos sistemas concentrado e difuso.
(...) Sustenta-se que o projeto de lei em foco é inconstitucional e inconveniente,
pelas razões longamente deduzidas na inicial. Não há, entretanto, arguição de
vício de origem, nem de qualquer nulidade ou mesmo irregularidade em seu
processamento. O que se pretende, em realidade, é discutir, por antecipação,
a quaestio juris de inconstitucionalidade do projeto de lei. Releva notar que a
matéria, sujeita ao debate da Câmara dos Deputados – se, nela, aprovada –, ainda
dependerá da deliberação do Senado Federal.
7. Não tenho, como cabível, em hipótese dessa natureza, impedir que a Câmara
dos Deputados discuta a espécie e sobre ela delibere. O controle judicial, quanto
ao mérito de constitucionalidade, não encontra espaço para ser, aqui, realizado;
de contrário, estaria o STF intervindo na deliberação da Câmara dos Deputa-
dos, referentemente ao processo de elaboração da legislação ordinária, sem que se
alegue esteja ocorrendo, no procedimento legislativo, qualquer vício formal. Há,
pois, um limite ao controle prévio, sempre excepcional, que importa conside-
rar, inclusive em face do princípio básico da separação e independência dos
Poderes da República. [MS 24.138 MC/DF, de 27-11-2001 – Grifei.]
Congresso pode muito, mas não pode tudo!”. Parafraseando, ouso dizer: “O Judi‑
ciário pode muito, mas não pode tudo!”.
Isso posto, pelo meu voto, casso a liminar concedida e, no mérito, denego a
segurança.
VOTO
(Antecipação)
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, ante a importância institucional, a
importância da matéria para a higidez do Estado de Direito, devo estender-me
um pouco mais, considerada a prática que geralmente adoto ao votar no Plená‑
rio e na Turma como vogal.
Faço um retrospecto do quadro revelado neste mandado de segurança e res‑
salto o objeto da impetração, assentando, de início, que estamos vinculados às
causas de pedir e também ao pleito formulado.
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Ante a importância institucional, ante a impor‑
tância da matéria para a higidez do Estado de Direito, devo estender-me no voto
a ser proferido, fugindo à regra que sempre adoto na conciliação do binômio
celeridade e conteúdo.
Eis o quadro com o qual o Plenário se defronta:
“Art. 29. (...)1
(...)
§ 6º Havendo fusão ou incorporação, devem ser somados exclusivamente os
votos dos partidos fundidos ou incorporados, obtidos na última eleição geral
para a Câmara dos Deputados, para efeito da distribuição dos recursos do Fundo
Partidário e do acesso gratuito ao rádio e à televisão.
Art. 41-A. Do total do Fundo Partidário:
I – 5% (cinco por cento) serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos
os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral; e
II – 95% (noventa e cinco por cento) serão distribuídos aos partidos na pro‑
porção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II, serão desconsideradas
as mudanças de filiação partidária, em quaisquer hipóteses, ressalvado o dis‑
posto no § 6º do art. 29.2 ”
Art. 2º Acrescente-se o § 7º ao art. 47 da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997,
com a seguinte redação:
“Art. 47. (...)
(...)
§ 7º Para efeito do disposto no inciso II do § 2º, serão desconsideradas as
mudanças de filiação partidária, em quaisquer hipóteses, ressalvado o disposto
no § 6º do art. 29 da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.3 ”
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
1 Redação anterior:
“Art. 29. Por decisão de seus órgãos nacionais de deliberação, dois ou mais partidos poderão
fundir-se num só ou incorporar-se um ao outro. (...)
(...)
§ 6º Havendo fusão ou incorporação de partidos, os votos obtidos por eles, na última eleição
geral para a Câmara dos Deputados, devem ser somados para efeito do funcionamento par-
lamentar, nos termos do art. 13, da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do acesso
gratuito ao rádio e à televisão.”
2 Redação anterior:
“Art. 41-A. 5% (cinco por cento) do total do Fundo Partidário serão destacados para entrega, em
partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior
Eleitoral e 95% (noventa e cinco por cento) do total do Fundo Partidário serão distribuídos a
eles na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
(Incluído pela Lei n. 11.459, de 2007.)”
3 Redação do aludido art. 47, § 2º, II:
“Art. 47. As emissoras de rádio e de televisão e os canais de televisão por assinatura mencio-
nados no art. 57 reservarão, nos quarenta e cinco dias anteriores à antevéspera das eleições,
horário destinado à divulgação, em rede, da propaganda eleitoral gratuita, na forma estabe-
lecida neste artigo.
(...)
§ 2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do parágrafo anterior,
serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato e representação
na Câmara dos Deputados, observados os seguintes critérios:
(...)
II – dois terços, proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados,
considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de representantes de todos
os partidos que a integram.”
Do agravo da União
Em 15 de maio de 2013, a União interpôs agravo.
Arguiu a inadequação da via eleita, sustentando o uso da ação mandamental
como sucedânea de ação direta de inconstitucionalidade. Destacou a ausência
de direito líquido e certo do parlamentar porquanto inexistente violação do
devido processo legislativo.
O voto do ministro Moreira Alves não deixa dúvida de que o Supremo não
admitiu, como ainda não admite, controle prévio de constitucionalidade de pro‑
jeto de lei por ofensa a princípios constitucionais. Sob a égide da Carta anterior,
era possível impetrar mandado de segurança para obstaculizar a deliberação
quando a Carta assim determinava, como fazia em relação às normas sobre o
processo legislativo. O que mudou com a Constituição de 1988? Foi ampliado
o rol de matérias que não podem ser objeto de deliberação por emenda cons‑
titucional, as chamadas cláusulas pétreas, versadas no art. 60, § 4º. Trata-se de
situação taxativa em que a Carta autoriza o controle de constitucionalidade
prévio. O constituinte originário expressamente excluiu da revisão ou reforma
constitucional certas matérias, atraindo a intervenção judicial no caso de des‑
cumprimento por parte do poder constituinte derivado.
Quanto aos processos legislativos ordinários, não há previsão constitucio‑
nal a permitir o controle de constitucionalidade do conteúdo dos projetos de
lei, ainda que sob o argumento de desrespeito a princípios constitucionais ou a
direitos fundamentais. Os projetos de lei apenas são impugnáveis, via mandado
de segurança impetrado por parlamentar, quando e se verificada a inobservância
a dispositivos regimentais, legais ou constitucionais que disciplinam o processo
legislativo. O sistema constitucional continua a ser de “todo avesso” a essa possibi‑
lidade, considerada “hipótese excepcionalíssima” até mesmo diante de emendas
constitucionais (MS 23.047/DF, rel. min. Sepúlveda Pertence, julgado em 11-2-1998).
Em duas oportunidades, implementei liminares para suspender a tramitação
de processos legislativos, mas nenhum dos casos envolveu projeto de lei e con‑
trole do conteúdo da proposta.
Parágrafo único. Não serão admitidas emendas que aumentem a despesa prevista:
a) nos projetos cuja iniciativa seja da exclusiva competência do Presidente da República; ou
b) nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados,
do Senado Federal e dos Tribunais Federais.”
5 Constituição de 1967, com a redação dada pela EC 1, de 1969:
“Art. 47. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§ 1º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou
a República.”
prévio de emenda, por afronta a cláusula pétrea, aos projetos de lei. A objeção
textual, no sentido da falta de previsão constitucional expressa, por si só, basta.
Há mais: uma razão de caráter ontológico. O processo de aprovação de emendas
corresponde ao momento de reforma do texto constitucional, de modificação
dos parâmetros de validade de toda ordem jurídica nacional. Em se tratando
dos riscos de alteração da Constituição, é necessário que o controle sobre essa
atividade seja reforçado considerados os aspectos fundantes da ordem constitu‑
cional e a defesa da identidade do pacto originário. No tocante aos projetos de lei,
os poderes políticos interpretam e aplicam a Constituição no tráfego cotidiano.
Isso não implica mudança do texto constitucional, apenas o desenvolvimento
legislativo do conteúdo normativo da Carta – o desenvolvimento político do pro‑
jeto constitucional. Nessa última situação, amolda-se perfeitamente o controle
repressivo exercido pelo Supremo, se provocado, permitida a plena deliberação
anterior do parlamento. Essa é a estrutura de um Estado que pretenda ser cons‑
titucional e democrático, linearmente.
Ante essas razões de política constitucional, o constituinte originário foi sábio
em restringir o controle de constitucionalidade material prévio aos processos de
reforma constitucional, dimensionando e delimitando o sistema de jurisdição
constitucional à luz do princípio de separação de Poderes. No caso concreto, em
razão da ausência de norma constante do Diploma Maior indicativa de expressa
proibição ao processamento do projeto de lei atacado e em virtude da amplíssima
abertura semântica e axiológica dos preceitos constitucionais ditos violados, é
estreme de dúvida que, se admitida a plena discussão sobre a constitucionalidade
do projeto no âmbito deste mandado de segurança, restará, na linha destacada
pelo ministro Gilmar Mendes, da relatoria do MS 24.138/DF, julgado em 28 de
novembro de 2002, “comprometido não só o modelo de controle repressivo amplo
existente entre nós, mas o próprio sistema de divisão de poderes estabelecido
na Constituição”. O uso dessa via, sempre extrema e, por isso, necessariamente
excepcional, não pode ser banalizado.
Além do mais, considerada a disciplina constitucional de todo abrangente acerca
dos direitos fundamentais e da organização da Federação, incluída a distribuição
de competências legislativas, é de se refletir o que revelaria, para o sistema político
nacional e a indispensável harmonia entre os Poderes, a possibilidade de interven‑
ção precoce do Supremo sobre a atuação do Congresso sempre que envolvidos esses
temas. Basta pensarmos no volume de ações diretas com pedido de declaração de
inconstitucionalidade de leis e de atos normativos por violação a direitos funda‑
mentais e a regras de organização do Estado federativo. Em prevalecendo a tese
autoral, esse número passará a representar os mandados de segurança impetrados
e 17, cabeça e § 3º, da Carta da República), tal como definidos na ADI 4.430, rel.
min. Dias Toffoli, julgada em 29-6-2012 (acórdão pendente de publicação). Esse
precedente do Supremo é fundamento relevante da impetração.
Na decisão liminar, o relator concluiu pela pertinência do mandado de segu‑
rança, destacando a peculiaridade de a tramitação aparentemente ocorrer em sen‑
tido diametralmente oposto ao decidido pelo Supremo no julgamento da aludida
ADI 4.430. Para implementar a medida acauteladora, apontou a inconstituciona‑
lidade do conteúdo do projeto porque afronta “diretamente a interpretação cons‑
titucional veiculada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.430”.
Em síntese, lançou a premissa de não ser aceitável que sobrevenha lei em sentido
contrário à interpretação do Supremo sobre determinado preceito constitucional,
ou seja, lei que confira interpretação ao texto constitucional diversa da formalizada
pelo Tribunal. A pretensão legislativa justificaria suspender a tramitação do pro‑
jeto. Ocorreu referência a julgamento do Supremo – ADI 2.797, rel. min. Sepúlveda
Pertence, julgado em 15-9-2005 –, embora tenha ressalvado voto vencido.
O fundamento alcança, inegavelmente, a vinculação do Poder Legislativo
ao que decidido pelo Supremo em sede de controle abstrato e concentrado de
constitucionalidade.
Acontece que o aludido precedente não revela a óptica atual do Supremo
quanto ao tema. Em decisão posterior, na ADI 3.772/DF, rel. p/ o ac. min. Ricardo
Lewandowski, julgada em 29-10-2008, concluiu-se em sentido diametralmente
oposto ao que formulado na mencionada ADI 2.797, admitindo-se a possibili‑
dade de o legislador alterar a interpretação constitucional anterior. Também se
entendeu constitucional o exercício concreto.
Em diversas ocasiões6, o Supremo havia fixado a interpretação de que a expres‑
são “funções de magistério”, prevista no § 5º do art. 40 da Constituição Federal,
para efeito de cômputo de tempo de aposentadoria especial relativa à carreira
de professor, deveria ser compreendida estritamente como “funções de docência
exercidas em sala de aula”. O Tribunal chegou a editar o Verbete 726 da Súmula,
estampando que, “para efeito de aposentadoria especial de professores, não se
computa o tempo de serviço prestado fora de sala de aula”7. Assim, o profissio‑
nal “professor” não poderia contar, para a aposentadoria especial da carreira,
6 Entre outras, ADI 152/MG, rel. min. Ilmar Galvão, julgada em 18-3-1992, acórdão publicado no
DJ de 24-4-1992; ADI 122/DF, rel. min. Paulo Brossard, julgada em 18-3-1992, acórdão publicado
no DJ de 16-6-1992; e ADI 2.253/ES, rel min. Maurício Corrêa, julgado em 25-3-2004, acórdão
publicado no DJ de 7-5-2004.
7 Verbete 726 da Súmula do Supremo, sessão plenária de 26-11-2003, DJ de 11-12-2003.
especial por prerrogativa de função seria próprio em relação aos atos praticados
durante o exercício da função pública, inclusive se o acusado tiver deixado o cargo
público antes do início do inquérito ou da ação penal. Essa óptica constava do
Verbete 3848. Em um segundo momento, julgando o Inq 6879, concluiu que essa
solução era incompatível com a interpretação mais límpida que o princípio da
isonomia impunha e, desse modo, por unanimidade, cancelou o referido verbete
e passou a recusar o foro privilegiado para ex-exercentes de funções públicas.
Em um terceiro momento, o legislador federal tentou reverter a situação cons‑
tituída pela nova decisão do Supremo e, com isso, restaurar o estágio do Verbete
384. A Lei 10.628, de 2002, introduziu o § 1º ao art. 84 do Código de Processo Penal,
estabelecendo expressamente que “a competência especial por prerrogativa de
função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece, ainda que o inquérito
ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública”.
A maioria julgou a lei inconstitucional por vício formal. O ministro Pertence,
relator, qualificou a postura do legislador como “desconcerto institucional” e
defendeu a inconstitucionalidade formal da lei. Afirmou que, além de fundamen‑
tos puramente dogmáticos, “razões de alta política institucional” são impostas
ao Tribunal para “repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete
final da Lei Fundamental”. Exercício legislativo dessa espécie, argumentou, deve
ser encarado como pretensão de inverter a leitura do Diploma Maior feita pelo
órgão da jurisdição constitucional, uma usurpação do papel institucional da
Corte de “guarda da Constituição”.
Na ocasião, votei pela inconstitucionalidade formal, mas não por entender
defeso ao legislador superar decisões do Supremo, editando leis que alterem a
interpretação anterior do Tribunal. Concluí que as competências originária e
recursal do Supremo são previstas de forma exaustiva na Constituição, de modo
a impossibilitar, diante da rigidez da Carta, o elastecimento ou o encurtamento –
por isso disse do vício formal – desse rol mediante lei. Assim, não havia como
assentar a viabilidade de o legislador inovar o campo de atuação do Supremo,
como ocorria com a norma então impugnada. Consignei não se tratar de mera
interpretação da Lei Fundamental.
O ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelo ministro Eros Grau, discor‑
dou da conclusão pela inconstitucionalidade formal da lei e da fundamentação
8 Verbete 384 (editado sob a égide da Constituição Federal de 1946): “Cometido o crime durante
o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que
o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício.”
9 Plenário, Inq 687 QO, rel. min. Sydney Sanches, julgamento em 25-8-1999, DJ de 9-11-2001.
Vamos concluir, voltando ao já novo Ministro, Luís Roberto Barroso, que nos ofe‑
rece uma síntese expressiva dos fundamentos e limites do ativismo judicial em
seu Curso de Direito Constitucional Contemporâneo:
“A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e
intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com
maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ati‑
vista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação
direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto
e independentemente de manifestação do legislador; (ii) a declaração de inconsti‑
tucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios
menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a impo‑
sição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria
de políticas públicas. Sobre esse último caso, podemos lembrar a interferência no
campo da saúde, fornecimento de medicamentos, internação etc. Enfrenta ele a
questão sempre suscitada, em favor da autocontenção judicial, qual seja a de que
os membros do Poder Legislativo e o chefe do Poder Executivo são agentes públi‑
cos eleitos, investidos em seus cargos pela vontade popular, enquanto a atividade
criadora do Judiciário e, sobretudo, sua competência para invadir atos dos outros
Poderes devem ser confrontadas como argumento da falta de justo título, e, então,
mostra que esse justo título, o fundamento de uma jurisprudência criadora, está
no fato de que a Constituição desempenha dois grandes papéis: a) assegurar o jogo
democrático, propiciando a participação política ampla e o governo da maioria;
b) mas, como a democracia não se resume ao princípio majoritário, o outro papel
da Constituição consiste em proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que
contra a vontade circunstancial de quem tem mais voto.”
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Marco Aurélio: Senhor Ministro Celso de Mello (inserido ante
o cancelamento do aparte por Sua Excelência), no tocante ao MS 21.642, anoto
que o sistema não possibilitou o acesso às peças e, por isso, deixei de lançar
o resumo. Mas, presente o autor do ato que colocou fim ao processo, tivemos o
esclarecimento dos parâmetros da impetração. Apenas para não parecer que omiti
alguma informação, reafirmo: o sistema nem sempre é ágil e apropriado como
se imagina. Por isso, sou fã incondicional do processo físico e não do eletrônico.
(Segue leitura do voto)
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Vossa Excelência me permite só um
aparte? Vossa Excelência está fazendo uma leitura personalíssima do § 2º. O que
diz o texto?
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas
ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão
eficácia contra todos [essa é a coisa julgada erga omnes de que falei] e efeito vinculante
[aí, sim,] relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.
O Legislativo não se exclui da eficácia erga omnes, até por razões óbvias.
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, a interpretação é um ato de vontade.
E evidentemente é implementado segundo a formação técnica e humanística de
cada qual. Dou ao vocábulo “todos” direcionamento próprio, porque, quando...
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não é o que diz o texto constitucional.
O sr. ministro Marco Aurélio: ...quando o constituinte originário quis se
referir a Poder, fê-lo no preceito, aludindo tão somente ao Poder Judiciário.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Nem é constituinte originário; é fruto
de emenda constitucional.
O sr. ministro Marco Aurélio: Não digo que o Poder Legislativo está apa‑
nhado pelo vocábulo “todos”. Sinto-o muito mais dirigido aos cidadãos em geral,
pessoas naturais, pessoas jurídicas de direito público e privado, mas não diri‑
gido, porque seria muito fácil aludir-se ao Poder Legislativo, a um Poder, além
daquele referido expressamente, o Judiciário. E o Legislativo merece tratamento
de envergadura maior, não sendo colocado evidentemente na vala comum reve‑
lada pelo vocábulo “todos”.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): É uma questão técnica. Não se trata
de colocar na vala comum. É a leitura que se faz no mundo todo. Eficácia erga
omnes é coisa julgada com eficácia erga omnes.
O sr. ministro Marco Aurélio: A beleza do Colegiado, Presidente, está justa‑
mente na divergência. Hoje mesmo, numa entrevista, para a memória do Tribunal
Superior Eleitoral, repeti o que já foi dito por um integrante desta Casa: se pudesse
dar peso a pronunciamento formalizado a uma só voz e formalizado por maioria
de voto, daria o maior a este último, porque a estampar a certeza de que ópticas
diversificadas foram debatidas, foram exploradas pelos integrantes do Colegiado.
Mas continuo, Presidente. No julgamento da ADI 2.797/DF, o ministro Gilmar
Mendes fez uma defesa forte no sentido de a interpretação constitucional não
poder ser encarada como uma tarefa exclusiva do Supremo.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Ministro, se Vossa Excelência está
querendo apontar contradições, isso está no meu voto aqui. Eu me abstive de
ler por conta do tempo. Não há nenhuma contradição. Debati largamente. E, se
há alguém que porta com honestidade intelectual nessa matéria, sou eu. Nunca
escondo precedentes. Não tenho nenhum caso de esconder precedentes no Tribu‑
nal. Nunca falsifiquei ata ou alterei qualquer documento que eu tenha subscrito.
Eu digo sempre o que eu faço. Isso está no meu voto que está publicado. Dita
exatamente essa posição. O Tribunal entendeu que havia inconstitucionalidade
formal com a ressalva do meu ponto de vista.
Agora, neste caso específico, para o que estou chamando atenção? Estou cha‑
mando atenção para o fato de que o Tribunal adotou uma interpretação con‑
forme, que vincula, sim, pela coisa julgada ao legislador. Não há contradição. Isso
está no meu voto. Eu transcrevo. Isso é de conhecimento público. Debati com
o ministro Sepúlveda Pertence toda a questão, dizendo que é legítimo, sim, ao
parlamento apresentar novas interpretações.
O sr. ministro Marco Aurélio: Retomo, Presidente, o voto.
No julgamento da ADI 2.797/DF, o ministro Gilmar Mendes fez uma defesa forte...
(Segue leitura do voto)
EXTRATO DA ATA
MS 32.033/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: Rodrigo Sobral
Rollemberg (Advogada: Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro). Impetrados: Presi‑
dente da Câmara dos Deputados (Advogado: Advogado-geral da União) e presi‑
dente do Senado Federal (Advogados: Alberto Cascais e outros). Interessados: Par‑
tido Socialista dos Trabalhadores Unificado – PSTU (Advogados: Bruno Colares
Soares Figueiredo Alves e outros), Rede Sustentabilidade (Advogado: Rogerio Paz
Lima), Partido Político Solidariedade (Advogado: Marcilio Duarte Lima), Pedro
Taques (Advogados: Marco Aurélio Marrafon e outros), Carlos Henrique Focesi
Sampaio (Advogada: Alessia Barroso Lima Brito Campos Chevitarese) e Partido
Popular Socialista – PPS (Advogados: Fabrício de Alencastro Gaertner e outros).
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia:
O caso
1. Mandado de segurança preventivo impetrado pelo senador Rodrigo Rol‑
lemberg (PSB/DF) contra a tramitação do Projeto de Lei 4.470/2012 (Câmara
dos Deputados), atual Projeto de Lei 14/2013 (Senado Federal), cujo objeto é a
alteração das Leis 9.096/1995 e 9.504/1997.
Esse projeto dispõe que “a migração partidária que ocorrer durante a legisla‑
tura, não importará a transferência de recursos do fundo partidário e do horário
de propaganda eleitoral no rádio e na televisão”.
O impetrante alega que a proposição, cuja tramitação pretende seja obstada,
teria:
a) constituído abuso de poder legislativo por ser resultado de atuação “casuis‑
ticamente forjada, pela maioria, para especificamente restringir direitos funda‑
mentais de grupos políticos minoritários”;
b) esvaziado iniciativas de lideranças políticas e grupos sociais para criação
de novos partidos, o que representaria “esmagamento e sufocamento de novos
movimentos políticos”;
c) criado “diferenças materiais entre parlamentares federais eleitos para uma
mesma legislatura, pois a uns seria garantido o exercício legítimo de se transferir
a um novo partido político recém-fundado, enquanto para outros parlamentares
(de segunda categoria), não haveria essa possibilidade, pois o direito de legítima
e que tenha sido lesado ou esteja ameaçado de sê-lo por ato ilegal e abusivo de
autoridade pública ou de agente no exercício de atribuição do poder público.
A legitimidade ativa para a impetração do mandado de segurança é de quem,
acreditando-se titular de direito líquido e certo, pede esta especial e importante
proteção constitucional.
13. Na espécie, membro do Poder Legislativo pretende obstar a tramitação
de projeto de lei a versar sobre tema que alega atingir direitos fundamentais de
minorias partidárias e destoaria do entendimento afirmado por este Supremo
Tribunal no julgamento da ADI 4.430/DF.
O que se busca, na presente ação, é o controle preventivo da constitucionali‑
dade material do Projeto de Lei 14/2013.
14. A questão a ser inicialmente solvida respeita ao cabimento da presente
ação mandamental para suspender, preventivamente, tramitação de projeto de
lei que poderia, segundo a tese adotada e exposta pelo impetrante, prejudicar
aspirações de grupos políticos minoritários em reordenar ou criar novas agre‑
miações partidárias.
15. Quanto ao cabimento de mandado de segurança impetrado por parlamen‑
tar para impugnar vício formal no processo legislativo de elaboração de lei ou
emenda constitucional, há consolidada jurisprudência deste Supremo Tribunal
no sentido positivo.
No julgamento do agravo regimental no MS 24.667/DF, rel. min. Carlos Velloso,
o Plenário deste Supremo Tribunal Federal assentou:
Ementa: Constitucional. Poder Legislativo: Atos: Controle judicial. Mandado de segu-
rança. Parlamentares. I – O Supremo Tribunal Federal admite a legitimidade do
parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança
com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou
emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que dis‑
ciplinam o processo legislativo. II – Precedentes do STF: MS 20.257/DF, ministro
Moreira Alves (leading case) (RTJ 99/1031); MS 20.452/DF, ministro Aldir Passarinho
(RTJ 116/47); MS 21.642/DF, ministro Celso de Mello (RDA 191/200); MS 24.645/DF,
ministro Celso de Mello, DJ de 15-9-2003; MS 24.593/DF, ministro Maurício Corrêa,
DJ de 8-8-2003; MS 24.576/DF, ministra Ellen Gracie, DJ de 12-9-2003; MS 24.356/DF,
ministro Carlos Velloso, DJ de 12-9-2003. III – Agravo não provido (DJ de 23-4-2004).
16. Tanto não significa ser cabível mandado de segurança em qualquer situa‑
ção de exercício próprio da função legislativa por parlamentar. Há que se apurar
objetivamente quando o seu direito-dever está sob ameaça ou lesão e quando o
que se pretende é debater interesses políticos afetos à esfera própria da política,
incorrendo-se em indébita judicialização.
Na presente ação, a argumentação expendida pelo impetrante volta-se contra
o conteúdo do projeto de lei, a evidenciar sua pretensão em instaurar, precoce e
indevidamente, o controle de constitucionalidade material do que sequer ainda
é norma, porque em fase regular de deliberação das casas legislativas. O que se
pretende, pois, é estancar a continuidade dos trabalhos do Congresso Nacional
naquilo que é seu dever-poder, qual seja, debater e elaborar o direito a vigorar
segundo o seu entendimento do que seja legítimo.
17. Daí por que, não obstante aquela assentada jurisprudência quanto ao
cabimento do mandado de segurança por parlamentar, o seu cabimento fica a
depender do objeto que se ponha a julgamento. Na espécie em pauta, a minha
conclusão, no ponto, coincide com a do ministro Marco Aurélio, no sentido de
que não haveria de ser conhecida a presente ação.
Vencida, contudo, no ponto, pela maioria já formada, sigo ao exame do objeto
posto em questão na ação.
18. Ponto central a ser enfrentado, como aliás realçado nas assentadas pri‑
meiras deste julgamento, diz com a competência deste Supremo Tribunal para
promover o controle preventivo de constitucionalidade de projetos de lei em
face de normas constitucionais, mas em especial em relação às matérias listadas
como limites materiais à atuação até mesmo do poder constituinte reformador.
Sem demonstrar qualquer vício no processo legislativo do Projeto de Lei 4.470
(Projeto de Lei 14/2013 do Senado), o impetrante é taxativo ao afirmar ser “absoluta‑
mente inconstitucional tramitação desta proposta, claramente concebida, de modo
oportunista e casuístico, para prejudicar os direitos fundamentais de determinados
grupos políticos minoritários, especialmente daqueles, plenamente identificáveis,
que se acham em adiantada fase de fundação de partido político (ou que acabam
de se submeter a processo de fusão), retirando-lhes, de forma anti-isonômica, prer‑
rogativas que, nos termos do que já decidido por este Supremo Tribunal Federal,
integram a própria ideia de democracia constitucional, de pluralismo político e de
liberdade material de criação partidária, que se impetra o presente writ”.
Assevera que a afirmativa de “ser absolutamente inconstitucional a própria
tramitação de projeto de lei cujos vícios materiais, cuja natureza abusiva e casu‑
ística e cujo objetivo de criar situações absolutamente anti-isonômicas entre
parlamentares eleitos numa mesma legislatura, bem revelam a impossibilidade
a esse respeito, em independência de Poderes. Não fora assim e não poderia ele
exercer a função que a própria Constituição, para a preservação dela, lhe outorga.
4. Considero, portanto, cabível, em tese, o presente mandado de segurança.
Indefiro-o, porém, por ser manifesta a improcedência de sua fundamentação.
A emenda constitucional, em causa, não viola, evidentemente, a República, que
pressupõe a temporariedade dos mandatos eletivos. De fato, prorrogar mandato
de dois para quatro anos, tendo em vista a conveniência da coincidência de man‑
datos nos vários níveis da Federação, não implica introdução do princípio de que
os mandatos não mais são temporários, nem envolve, indiretamente, sua adoção
de fato, como sustentam os impetrantes, sob a alegação de que, a admitir-se qual‑
quer prorrogação, ínfima que fosse, estar-se-ia a admitir prorrogação por vinte,
trinta ou mais anos.
Julga-se à vista do fato concreto, e não de suposição, que, se vier a concretizar‑
-se, merecerá, então, julgamento para aferir-se da existência, ou não, de fraude à
proibição constitucional.
21. Aquela impetração teve liminar deferida pelo relator, o ministro Marco
Aurélio, para trancar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição 33-A,
por nela ter sido incluída matéria antes rejeitada. Contudo, na assentada de 8-5-
1996, o Plenário cassou a liminar proferida e denegou a segurança.
22. Por igual não me parece, data venia, aplicável à espécie o que decidido
no MS 20.452, impetrado contra a tramitação da emenda apelidada Dante de
Oliveira, ao argumento de que não teria sido alçando o quórum constitucio‑
nalmente previsto para sua aprovação. Logo, a causa de pedir também era de
natureza procedimental:
Emenda constitucional. Emenda “Dante de Oliveira”. Quórum de aprovação. Art. 48 da
Constituição Federal, na redação que lhe deu a Emenda Constitucional 22, de junho
de 1982. O quórum para aprovação de emenda constitucional é, segundo o art. 48
da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 22/1982, o de 2/3 de
votos do total de membros de cada uma das Casas do Congresso Nacional, e não o
de 2/3 dos membros de cada uma das Casas presentes à sessão. Alias, é da tradição
do nosso direito constitucional ser o quórum adotado para a aprovação de emenda
constitucional tomado sempre levando-se em conta o total de deputados e senadores,
em conjunto ou separadamente, por maioria ou por 2/3, mas sempre com referência ao
total existente, e não dos presentes. Rejeição da emenda por não ter sido atingido o
quórum necessário a sua aprovação. Alterações constitucionais a respeito e manifes-
tações da doutrina. [MS 20.452, rel. min. Aldir Passarinho, Plenário, DJ de 11-10-1985.]
23. Ainda distante do caso ora analisado, o MS 24.645, rel. min. Celso de Mello,
julgado prejudicado por decisão monocrática de 27-11-2003, pois seu objeto, a
PEC 41/2003, estava em tramitação no Senado, e o pedido era de paralisação da
tramitação simultânea na Câmara.
E o MS 24.593, rel. min. Maurício Corrêa, teve seguimento negado por falta de
legitimidade ativa do impetrante (DJ de 8-8-2003).
Também citado como precedente a ação contra a Proposta de Emenda à Cons‑
tituição 1-A de 1988, que instituía “a pena de morte, nos casos de roubo, sequestro
e estupro, seguidos de morte, o que se deverá submeter ao eleitorado, através de
plebiscito, dentro de 18 (dezoito) meses de aprovação da Emenda”, MS 21.331, rel.
min. Néri da Silveira, foi julgado prejudicado, em razão do seu arquivamento no
Congresso Nacional (DJ de 25-5-1999).
24. De se destacar o MS 24.138, rel. min. Gilmar Mendes, cujo objeto era o
projeto de lei que alterava o art. 618 da CLT e que teve liminar indeferida pelo
ministro Néri da Silveira, nos seguintes termos:
2. Não se adotou, no Brasil, o controle judicial preventivo de constitucionalidade da
lei. Não é, assim, em princípio, admissível o exame, por esta Corte, de projetos de
lei ou mesmo de propostas de emenda constitucional, para pronunciamento prévio
sobre sua validade. Não se acolhe, em princípio, súplica para impedir a tramitação
de projeto de lei ou proposta de emenda à Constituição, ao fundamento de contra‑
riar princípio básico da ordem constitucional em vigor. Somente depois de editada
a lei ou emenda à Constituição, caberá o amplo controle judicial de constitucio‑
nalidade da norma, que se consagra no País, nos sistemas concentrado e difuso.
3. Tem-se reconhecido, entretanto, ao parlamentar – deputado federal ou sena‑
dor – legitimidade ativa a requerer mandado de segurança, para garantir direito
público subjetivo de seu titular no sentido de não ver submetida à deliberação
proposta de emenda à Lei Magna da República, nas hipóteses em que a própria
Constituição obsta logre curso o processo legislativo, que, desse modo, se entremos‑
tra, desde logo, inconstitucional. Tal sucede, diante do art. 60, § 4º, da Lei Magna,
quando preceitua que não será objeto de deliberação a proposta de emenda ten‑
dente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal
e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.
Nesse sentido, anotei, ao despachar, ad exemplum, o MS 21.311-6/160, quando par‑
lamentares impetraram segurança contra ato da Mesa da Câmara dos Deputados,
que tornou possível o exame da “Proposta de Emenda à Constituição Federal n.
1, de 1988”, instituindo a pena de morte, nas hipóteses que então eram alinhadas.
4. Tenho, pois, como possível, na linha da jurisprudência do STF, a impetração
aforada pelo deputado federal requerente, a tanto, legitimado.
5. Não vejo, na espécie, entretanto, caracterizada hipótese de concessão de liminar
pretendida, em ordem a impedir venha a Câmara dos Deputados a deliberar sobre
o Projeto de Lei 5.483, de 2001, que alterou o art. 681 da Constituição.
6. Cumpre observar, desde logo, que não se trata de deliberação sobre proposta de
emenda constitucional. Sustenta-se que o projeto de lei em foco é inconstitucional
e inconveniente, pelas razões longamente deduzidas na inicial. Não há, entretanto,
arguição de vício de origem, nem de qualquer nulidade ou mesmo irregularidade
em seu processamento. O que se pretende, em realidade, é discutir, por antecipa‑
ção, a quaestio juris de inconstitucionalidade do projeto de lei. Releva notar que a
matéria, sujeita ao debate da Câmara dos Deputados – se, nela, aprovada –, ainda
dependerá da deliberação do Senado Federal.
7. Não tenho, como cabível, em hipótese dessa natureza, impedir que a Câmara
dos Deputados discuta a espécie e sobre ela delibere. O controle judicial, quanto
ao mérito de constitucionalidade, não encontra espaço para ser, aqui, realizado; de
contrário, estaria o STF intervindo na deliberação da Câmara dos Deputados, refe‑
rentemente ao processo de elaboração da legislação ordinária, sem que se alegue
expressão da vontade geral, pois vem dar a um órgão normalmente de origem não
popular uma influência decisiva na elaboração das leis.
O controle preventivo, entretanto, foi previsto em várias Constituições antigas,
como é previsto nalgumas modernas. Exercia, por exemplo, esse controle preven‑
tivo o Senado conservador da Constituição francesa do ano VIII (1799), que deixou
passar em brancas nuvens todas as alterações constitucionais reclamadas por
Napoleão, evidentemente inconstitucionais. Mais recentemente, a Corte Consti‑
tucional austríaca, prevista na Constituição de 1920 (art. 138, n. 2), foi incumbida
do controle preventivo com resultado desanimador. Ainda atualmente a Consti‑
tuição francesa de 1958 o atribui, no art. 61, ao Conselho Constitucional. [FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 38. ed. São Paulo: Saraiva,
2012. p. 62-63.]
27. De se anotar não haver na espécie alegação de qualquer vício no processo
legislativo.
O que se sustentou, tão somente, é que a existência de projeto de lei impeditivo
da transferência de recursos do fundo partidário e do horário de propaganda elei‑
toral por migração partidária, na mesma legislatura, afrontaria cláusula pétrea,
pelo que exigiria imediato controle jurisdicional de constitucionalidade.
A análise dos elementos havidos no processo e dos precedentes do Supremo
Tribunal leva-me à conclusão de que a Constituição da República autoriza o
controle prévio do conteúdo de propostas de emenda à Constituição ou de pro‑
jeto de lei que atente contra princípio listado como limite material ao poder
constituinte reformador, logo também e mais ainda ao legislador.
É de se afastar também a afirmativa do impetrante segundo a qual, “decorridos
poucos dias da publicação da referida ata de julgamento – que viabilizou, em
termos práticos, que o recém-fundado Partido Social Democrático disputasse o
pleito eleitoral de 2012 com recursos financeiros e de comunicação compatíveis
com sua representatividade, considerado o expressivo número de Parlamentares
Federais que, livre e legitimamente, optaram por ingressar em seus quadros – foi
apresentado pelo Senhor Deputado Edinho Araújo (PMDB/SP) o Projeto de Lei
4.470/2012, cujo objetivo, nos termos de sua própria ementa, é estabelecer que “a
migração partidária que ocorrer durante a legislatura não importará na transfe‑
rência dos recursos do fundo partidário e do horário de propaganda eleitoral no
rádio e na televisão”. O claro objetivo da mencionada proposta legislativa, por‑
tanto, é aniquilar, por via ordinária, prerrogativas partidárias que foram expres‑
samente definidas por esta Suprema Corte como imprescindíveis à existência
de uma ‘autêntica liberdade de criação de partidos políticos’”.
A competência deste Supremo Tribunal atém-se ao início da competência
deliberativa para legislar, desde que ao exercê-la não adentre matéria blindada
constitucionalmente à sua atuação, único caso em que seria deflagrado o dever‑
-direito do Supremo.
A assertiva do impetrante no sentido de que o Poder Legislativo, ao processar
o Projeto de Lei 4.470/2012 na Câmara dos Deputados e o Projeto de Lei 14/2013
no Senado Federal, estaria emitindo sinais de sua insatisfação e discordância
com o resultado legitimamente firmado no julgamento da ADI 4.430/DF não
autoriza a atuação deste Supremo Tribunal no sentido de impedir a legítima e
necessária atuação do Poder Legislativo.
Na assentada de 15-5-1996, no julgamento do MS 22.439/DF, rel. min. Maurício
Corrêa, o ministro Celso de Mello bem esclareceu sobre o processo legislativo
no ordenamento jurídico brasileiro:
Ter como válido o exercício de controle pelo Supremo Tribunal Federal quanto
ao projeto de lei em tramitação seria permitir que ele se substituísse ao Senado
Federal, permitindo-lhe pressupor que as deliberações na Casa revisora condu‑
ziriam a resultado contrário à Constituição.
Na hora certa, se essa chegar, o controle da lei decorrente daquele agir con‑
gressual poderá ocorrer, não agora porém.
O princípio que garante a separação dos Poderes, a cada qual resguardando
espaço de competência típica, porém intransponível, forja-se também sob o pálio
da harmonia a ser guardada entre eles.
Não se há imaginar que coibir, em seu nascedouro, a atuação do Poder Legis‑
lativo, no exercício de sua função ordinária e típica, harmonizaria os Poderes
da República.
Interesses internos dos membros do Poder haverão de se manter no espaço
de ação própria e única de cada qual deles, ressalva feita apenas aos desborda‑
mentos que patenteiem agressão ou inobservância à Constituição do Brasil.
Se inconstitucionalidade vier a ser praticada na elaboração normativa pelo
Congresso Nacional, o Supremo Tribunal poderá vir a ser convocado para atuar.
Mas é certo que o direito tem o seu tempo e projeto de lei e exercício de compe‑
tência, mas a matéria cuidada pelo Congresso lei ainda não é.
36. No voto do relator, ministro Gilmar Mendes, ficou demonstrada a sua
preocupação em que seja mantido o posicionamento no sentido de garantir
a prevalência do entendimento afirmado no julgamento da ADI 4.430/DF, na
qual foi “declara[da] a constitucionalidade do § 6º do art. 45 da Lei 9.504/1997; a
inconstitucionalidade da expressão e representação na Câmara dos Deputados,
contida no § 2º do art. 47, da Lei 9.504/1997, e para dar interpretação conforme
à Constituição Federal ao inciso II do § 2º do art. 47 da mesma lei, para asse‑
gurar aos partidos novos, criados após a realização de eleições para a Câmara
dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos 2/3 do tempo destinado à
propaganda eleitoral no rádio e na televisão, considerada a representação dos
deputados federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais foram
eleitos para a nova legenda na sua criação”, nos termos do inciso V do art. 1º e
§ 3º e caput do art. 17 da Constituição da República.
A extensão dos efeitos decorrentes das decisões deste Supremo Tribunal Fe
deral pelas quais se declaram a inconstitucionalidade de normas está prevista
no art. 102, § 2º, da Constituição da República:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas
ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos
do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004).
àquelas que nada têm e de que tudo necessitam. Prerrogativa fundamental que põe
em evidência – cuidando-se de pessoas necessitadas (CF, art 5º, LXXIV) – A significa-
tiva importância jurídico-institucional e político-social da Defensoria Pública. Legis-
lação que derroga diploma legal anteriormente submetido à fiscalização normativa
abstrata – Inocorrência, em tal hipótese, de usurpação da competência do Supremo
Tribunal Federal – A eficácia vinculante, no processo de controle abstrato de consti-
tucionalidade, não se estende ao Poder Legislativo. A mera instauração do processo
de controle normativo abstrato não se reveste, só por si, de efeitos inibitórios das
atividades normativas do Poder Legislativo, que não fica impossibilitado, por isso
mesmo, de revogar, enquanto pendente a respectiva ação direta, a própria lei objeto
de impugnação perante o Supremo Tribunal, podendo, até mesmo, reeditar o diploma
anteriormente pronunciado inconstitucional, eis que não se estende, ao parlamento,
a eficácia vinculante que resulta, naturalmente, da própria declaração de incons‑
titucionalidade proferida em sede concentrada. [DJ de 19-9-2008 – Grifos nossos.]
VOTO
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhores Ministros, nossa Constituição asse‑
gura a plenitude do espaço destinado à livre elaboração e debate de ideias (art. 5º,
caput e IV, VI e IX da Constituição). Esse direito fundamental projeta-se para além
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Vossa Excelência me permite uma con‑
sideração? Já se discutiu amplamente esse assunto aqui e, a mim, parece-me
muito claro que, se se aceita o controle de constitucionalidade – e isso não está
em xeque, não está em questão – em relação às emendas constitucionais, com
maior razão há de se aceitar – e Vossa Excelência destaca isso muito bem – em
relação a projetos de lei que tentem contornar as cláusulas pétreas por razões
óbvias: porque temos, de fato, um rito procedimental próprio para as emendas
que não se faz presente em relação aos projetos de lei.
Disse-se também que, neste caso, era adequado que se deixasse ao Congresso
a liberdade para deliberar e para, sobretudo, debater o projeto. Num aparte que
fiz à ministra Rosa Weber, quando nós discutimos o tema, eu dizia que esse é o
livre diálogo que se está a estabelecer entre a faca e o pescoço, porque, de fato,
não há debate nenhum. Se houvesse propósito de debate, essa matéria estaria
na Comissão de Constituição e Justiça.
O sr. ministro Celso de Mello: Para lá, não foi encaminhada.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Mas não no âmbito do Plenário para
ser discutido. Disse-se também que, em relação aos precedentes anteriores,
discutiu-se processo legislativo e, por isso, justificava-se a concessão de liminar,
com maior razão, aqui, em que nós estamos discutindo, sim, violação à cláusula
pétrea. Nós vimos precedentes em que se deu liminar por conta de contagem de
votos em matéria interna corporis, como a Corte veio a reconhecer: se se contava
por voto ou se se contava por ponto eletrônico. E a Corte veio a dizer que aí é
questão interna corporis, mesmo. E de fato era. Mas aqui, não, o que se está a
discutir é de fato cláusula pétrea.
Portanto, eu tenho absoluta convicção – e é importante que se frise que não se
está a deliberar para frustrar a liberdade do Congresso Nacional. Todos querem
que o Congresso Nacional, e eu ressaltei aqui, delibere e debata as questões.
O que não houve, neste caso, foi debate. Na Câmara, votação em menos de 24
DEBATE
O sr. ministro Dias Toffoli: Essas tentativas não ocorrem só em regimes de
exceção.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Dias Toffoli: Nós estamos verificando na Argentina, atual‑
mente, um intenso debate, inclusive com um pacote de leis editadas para impedir
decisões liminares das cortes de Justiça e do Judiciário contra atos de governo.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Sobre isso, foi dito, de forma muito
alargada, que esse controle preventivo que se estava a estabelecer – e eu penso
que está demonstrado no meu voto que não havia nenhuma novidade – era
algo de novo. Parece que o que há de novo nesse processo é a desinformação
e a ignorância.
DEBATE
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, esta votação é continuação de uma
votação que já se iniciou em várias outras sessões. De sorte que nós estamos aqui
de forma urbana, ouvindo os votos que estão sendo proferidos.
Evidentemente que a característica do Colegiado é a diversidade de opiniões
e conviver com essa adversidade de opiniões. E a maioria, baseada numa larga
jurisprudência e na doutrina constitucional, inclusive apregoada por doutrinado‑
res que pertencem a essa bancada, curvaram-se à ideia de que há uma anomalia
na ingerência do poder político quando o Judiciário exerce o controle prévio de
constitucionalidade da lei, não previsto no nosso sistema.
Eu tenho a impressão de que algo de novo que houve aqui neste julgamento
agora foi exatamente, talvez, uma falta de tolerância com a adversidade do ponto
de vista diverso. O ministro Gilmar aludiu a uma insciência dos nossos colegas
em relação a esses...
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Eu não!
O sr. ministro Luiz Fux: ...a esses precedentes a que se refere o ministro Celso
de Mello.
A verdade é que cada um de nós tem uma visão acerca do que se está deba‑
tendo e fundamenta, dá a sua roupagem jurídica àquilo que foi decidido, data
maxima venia.
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Vossa Excelência me permite? Essa ques‑
tão sobre o efeito vinculante, que já foi objeto de discussão a partir da Emenda
3/1993, não tem o significado que se pretende atribuir; o que se afirma é que não
há a vinculação ao legislador para fins do cabimento de eventual reclamação
contra uma medida que contraria aquela orientação, mas não significa que ele
não esteja vinculado, por exemplo, à coisa julgada material ou à eficácia erga
omnes da decisão, que é ultra partes.
Veja o exemplo de uma interpretação conforme que se adota, como se adotou,
no caso; obviamente que essa decisão faz coisa julgada, inclusive em relação
ao legislador, da mesma forma como tem ocorrido até mesmo nos casos de
EXTRATO DA ATA
MS 32.033/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Relator para o acórdão: Minis‑
tro Teori Zavascki. Impetrante: Rodrigo Sobral Rollemberg (Advogada: Maria
Claudia Bucchianeri Pinheiro). Impetrados: Presidente da Câmara dos Deputados
(Advogado: Advogado-geral da União) e presidente do Senado Federal (Advo‑
gados: Alberto Cascais e outros). Interessados: Partido Socialista dos Trabalha‑
dores Unificado – PSTU (Advogados: Bruno Colares Soares Figueiredo Alves e
outros), Rede Sustentabilidade (Advogado: Rogerio Paz Lima), Partido Político
Solidariedade (Advogado: Marcilio Duarte Lima), Pedro Taques (Advogados:
Marco Aurélio Marrafon e outros), Carlos Henrique Focesi Sampaio (Advogada:
Alessia Barroso Lima Brito Campos Chevitarese) e Partido Popular Socialista –
PPS (Advogados: Fabrício de Alencastro Gaertner e outros).
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, negou provimento ao
agravo regimental interposto pela União, que impugnava a admissão dos amici
curiae, vencidos os ministros Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio
e Joaquim Barbosa (presidente). Por maioria, o Tribunal conheceu do mandado
de segurança, vencidos os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, e, no mérito,
indeferiu-o e cassou a liminar concedida, vencidos os ministros Gilmar Mendes
(relator), Dias Toffoli e Celso de Mello, que deferiam em parte o mandado de segu‑
rança. Votou o presidente. Redigirá o acórdão o ministro Teori Zavascki. Retifi‑
cada a proclamação da assentada do dia 5 de junho, para constar que o ministro
Joaquim Barbosa (presidente) dava provimento ao agravo regimental da União.
Presidência do ministro Joaquim Barbosa. Presentes à sessão os ministros
Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Procurador-geral da
República, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 20 de junho de 2013 — Luiz Tomimatsu, assessor-chefe do Plenário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
de votos, em conhecer, em parte, da ordem de habeas corpus e, nessa parte, a
denegar, nos termos do voto do relator.
Brasília, 23 de agosto de 2011 — Dias Toffoli, relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Dias Toffoli: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado
pelos advogados Antônio de Pádua Faria e Ronald M. Silva Marques em favor de
César Antonio Muzetti, apontando como órgão coator a Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, que denegou a ordem no HC 83.292/SP, rel. min. Felix Fischer,
impetrado àquela Corte com o mesmo objetivo perseguido nesta oportunidade.
Narram os impetrantes que o paciente sofre constrangimento ilegal, pois foi
condenado pelo crime tributário previsto no art. 1º, II, da Lei 8.137/1990, decisão
essa mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região na apelação por ele
interposta.
Alegam que:
(...) a condenação imposta ao Paciente se apresenta absolutamente dissociada do
fato jurídico submetido à apreciação jurisdicional, revelando a flagrante atipici-
dade da conduta, violadora de textos expressos de Lei, encartados no artigo 166
do Código Civil, no artigo 114 do Código Tributário Nacional, artigo 91, inciso II,
alínea b, do Código Penal e no artigo 125 do Código de Processo Penal, além da
própria interpretação sistemática do nosso Direito, revelada por posicionamento
de Tribunal Superior, deve ser concedida a presente Ordem de Habeas Corpus para
anular o Venerando Acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, assim
como todo o processo, a partir do recebimento da denúncia, determinando-se,
como consequência, o arquivamento do feito, face à prescrição da conduta ilícita
remanescente, consistente na prática da contravenção penal do “jogo do bicho”,
de modo a conceder o respectivo writ em favor do Paciente.
(...)
(...) a interpretação sistemática do nosso Direito fulmina de nulidade todo e
qualquer resultado decorrente do ato ilícito, não podendo, por essa razão, ser man‑
tido o Venerando Acórdão proferido pela colenda 5ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, seja porque tal decisão contraria entendimento de Tribunal
que lhe é Superior, seja porque, no mérito, ao reconhecer a existência de tributo
decorrente de ato ilícito, decide de maneira contrária a texto expresso de Lei,
revelando, com isso, a atipicidade da conduta praticada pelo Paciente.
Por outro lado, já não bastasse a existência de decisão proferida pelo Tribunal
Superior em regular processo de uniformização de jurisprudência, como acima
citado, não é demais acrescentar a presente Impetração as várias outras violações
de princípios elementares de Direito, que maculam a denúncia de inépcia e o Vene‑
rando Acórdão de nulidade, em razão da flagrante atipicidade nele contemplada.
Induzido a erro pela Autoridade Policial, indignada com a política criminal ado‑
tada para o combate do “jogo do bicho”, o Ministério Público Federal, visando
configurar crime mais grave para o Paciente, ofereceu denúncia manifestamente
inepta, tendo em vista o inequívoco desacerto entre o fato jurídico e o tipo penal
imputado, como já amplamente demonstrado. [Fls. 9 a 13.]
Mais adiante, aduzem que o enquadramento do fato típico para o caso con‑
creto seria aquele previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137/1990, e não o do art. 1º, I, no
qual foi o paciente condenado.
Em caráter liminar, requerem a expedição de salvo-conduto em favor do
paciente, até a decisão final do writ (fl. 15).
No mérito, trazem os seguintes pedidos:
II – Por todo o exposto, é de rigor o enfrentamento da questio iuris lançada com a
presente Impetração, como forma de uniformizar a interpretação sistemática do
nosso Direito pátrio, no que se refere à contravenção penal do “jogo do bicho”, a
qual, para as mais diversas áreas do direito brasileiro, é absolutamente incapaz
de gerar qualquer consequência de direito, por representar ato ilícito, incapaz,
também, de configurar fato gerador de cobrança de tributo;
III – Ademais, requer-se que se realize a correta subsunção do fato à norma,
desclassificando-se o tipo penal a qual foi condenado o paciente, visto que o caso
concreto enquadra-se definitivamente à letra do art. 2º, I da Lei n. 8.137/90.
Dessa forma, verificando-se a flagrante atipicidade da conduta imputada ao
Paciente, bem como o flagrante equívoco de enquadramento penal ao caso con‑
creto, denota-se que a concessão da presente Ordem de Habeas Corpus é medida
que se impõe, para reformar a r. decisão o Venerando Acórdão proferido pelo
Superior Tribunal de Justiça, assim como todo o processo, a partir do recebimento
da denúncia, determinando-se, como consequência, o arquivamento do feito, face
à prescrição da conduta ilícita remanescente, consistente na prática da contra‑
venção penal do “jogo do bicho”, pondo fim ao inegável constrangimento ilegal a
que o Paciente se encontra submetido, e tendo em vista, ainda, que o Venerando
Acórdão, está desacordo com decisão proferida pelo próprio Tribunal Superior,
obtida em processo regular de uniformização de jurisprudência, atendendo-se,
dessa forma, à função constitucional de uniformização da interpretação sistemá‑
tica do nosso ordenamento jurídico. [Fls. 20/21 – Grifos no original.]
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): Conforme relatado, volta-se essa impetra‑
ção contra ato da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a
ordem no HC 83.292/SP, rel. min. Felix Fischer.
Do relatório elaborado no HC 83.292/SP pelo eminente relator, colhe-se a
informação de que o paciente foi condenado à pena de quatro anos, nove meses
e dezoito dias de reclusão, pela prática do crime previsto no art. 1º, I, da Lei
8.137/1990, a ser cumprida em regime semiaberto.
Contra essa decisão, o paciente interpôs apelação para o Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, que negou provimento ao recurso.
Alegando as mesmas nulidades apontadas nesta ação, foi impetrado habeas
corpus no Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem, nos seguintes termos:
Penal. Habeas corpus. Art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90. Sonegação fiscal de lucro advindo
de atividades ilícitas. “Non olet”.
Segundo a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte e no Pretório Excelso,
é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de
natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção (art. 4º do
CTN – “que não constitui sanção por ato ilícito”), mas uma arrecadação decorrente
de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/
RS, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 3-8-1998). A exoneração tributária dos
resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do princípio da
moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta ins‑
piração ética (STF: HC 77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
DJU de 18-9-1998). Ainda, de acordo com o art. 118 do Código Tributário Nacional a
definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica
dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros,
bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos (STJ: REsp 182.563/RJ, 5ª
Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 23-11-1998).
Habeas corpus denegado. [Fl. 24 – Grifos conforme o original.]
declarações do Imposto sobre a Renda Pessoa Física, sendo que deveriam ser
tributados (fl. 747).
A testemunha de acusação, Wladimir Machado Vieira, Auditor Fiscal da Re
ceita Federal, em seu depoimento judicial confirmou o teor do auto de infração
de fls. 795/799, esclarecendo que foi lavrado pela ausência de recolhimentos de
Imposto sobre a Renda Pessoa Física dos anos de 1997 e 1998:
‘(...) que procedeu, na qualidade de agente fiscal, a uma fiscalização na
vida pessoal do réu, a partir de uma solicitação judicial, e esta fiscalização
constatou, a partir da quebra de sigilo bancário, uma movimentação finan‑
ceira acima da renda declarada, nos anos de 1995 a 1999; foi lavrado auto de
infração quanto aos anos de 1997 e 1998 pela ausência de recolhimentos de
imposto de renda de pessoa física e quanto a 1999, constatou a testemunha
que a movimentação financeira não daria razão a obrigação de declarar
imposto de renda; diz ainda que o réu foi intimado várias vezes para justi‑
ficar sua movimentação financeira, nunca o fez oficialmente; em algumas
conversas extraoficiais, disse à testemunha que esta movimentação se devia
a empréstimos que pegava em uma época e pagava posteriormente.’ (fl. 1070)
Não procede o argumento de atipicidade da conduta para o crime contra a
ordem tributária, dado que os valores movimentados nas contas bancárias do
réu seriam provenientes de contravenção penal.
Cumpre ressaltar que, na fase inquisitorial, o réu preferiu exercer o direito de
permanecer calado (fl. 762). Em seu interrogatório judicial, todavia, esclareceu
que, no período descrito na denúncia, era microempresário do ramo de comér‑
cio de frios e que o dinheiro depositado em sua conta-corrente provinha das
vendas que realizava. Além disso, negou sua vinculação à contravenção penal
denominada jogo do bicho, consoante transcrevo:
(...)
Não há nenhuma dúvida acerca da realização de depósitos nas contas do
acusado, a implicar auferimento de renda sujeita à tributação. A exemplo do
réu, as testemunhas de defesa aduzem que essa receita decorreria de empre‑
endimento comercial irregular, posto que desprovido de documentação fiscal.
Por outro lado, a alegada origem ilícita do rendimento, tido como proveniente
do “jogo do bicho”, não desconfigura o fato gerador do Imposto sobre a Renda
e, consequentemente, do delito de sonegação fiscal.
A verdade é que a sonegação fiscal decorre da falsidade das declarações de
rendimentos, as quais são de responsabilidade do acusado.
A defesa apresentada não produziu nenhuma prova apta a afastar a culpa‑
bilidade do réu.
Acresça-se que, na fase do art. 499 do Código de Processo Penal, decorreu in
albis o prazo para manifestação da defesa (fl. 1105).
Sendo incontroverso que, no período descrito na denúncia, o acusado omitiu
informações nas declarações de Imposto sobre a Renda, é dificultoso sustentar
sua não culpabilidade pelo delito cometido por meio dessa conduta.
Em suas razões, a defesa sustenta que a atividade ilícita não se sujeita à tributa‑
ção, pois não seria legítimo que o Estado participasse do seu resultado. Ademais,
o produto do crime deve ser objeto de confisco ou perdimento. Contudo, não se
trata de fazer do Estado sócio na empreitada criminosa, cujo resultado espúrio
enseja a sanção penal específica. A questão presente concerne à incidência de
Imposto sobre a Renda em decorrência da percepção da renda, não de que esta
deva ser repassada ao Estado. Por isso que a tributação in casu não consubs‑
tancia sanção por ato ilícito. Ao contrário, a atividade de realizar depósitos em
instituição financeira não é crime nem contravenção. É certo que, atualmente,
é forte a tendência de se fiscalizar a origem dos recursos movimentados nessas
instituições. No entanto, isso para coibir o crime e impedir o seu exaurimento.
O controle da movimentação financeira não é fenômeno elisivo da tributação
pertinente, a qual observa seu regime jurídico específico.
À vista do conjunto probatório, não há dúvida quanto à materialidade e a autoria,
justificando-se a condenação” (fls. 61/62). [Fls. 24 a 27.]
Por fim, destaco, ainda, ter sido negado seguimento ao AI 625.419/SP inter‑
posto pelo paciente, o qual visava dar seguimento ao recurso extraordinário
apresentado contra o acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, impug‑
nado perante o Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte com o presente habeas
corpus. Vejamos a fundamentação da decisão proferida pelo relator do mencio‑
nado agravo, ministro Ayres Britto:
O agravo não merece acolhida. É que a pretensão do recorrente demandaria o ree‑
xame da legislação infraconstitucional pertinente. Desse modo, a alegada ofensa à
Carta Magna, se existente, ocorreria de modo reflexo ou indireto, o que não enseja
a abertura da via extraordinária.
De mais a mais, em sede de habeas corpus, esta colenda Corte já firmou o seguinte
entendimento:
“Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: non olet. Drogas:
tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros
vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à decla‑
ração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a
acarretar a competência da Justiça Federal e atrair, pela conexão, o tráfico de
entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda
subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos
de fato criminoso – antes de ser corolário do princípio da moralidade – cons‑
titui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética.”
(HC 77.530, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence).
Isso posto, e frente ao art. 38 da Lei 8.038/1990 e ao § 1º do art. 21 do RISTF, nego
seguimento ao recurso. [Fls. 368/369.]
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, a meu ver, salta aos olhos a incongru‑
ência, se há conduta que é glosada no campo das contravenções penais. Seria isso?
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): Isso.
O sr. ministro Marco Aurélio: Como o valor arrecadado pode gerar obriga‑
ção tributária?
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): Eu resumi, mas então eu vou apontar
aqui o precedente que cito e o princípio do non olet.
O sr. ministro Marco Aurélio: A não ser que se pretenda legitimar o jogo
do bicho.
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): Mas veja o que dispõe o art. 118 do CTN.
É que eu fiz um resumo, vou passar a leitura de meu voto.
O sr. ministro Luiz Fux: Na Teoria Geral de Direito Tributário, a atividade
ilícita não inibe...
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): Não inibe a incidência do tributo.
O sr. ministro Marco Aurélio: Tenho sérias dificuldades em reconhecer que,
de um lado, o aporte do numerário conflita com a ordem jurídica, mas, de outro, o
Estado tem o direito de, a partir desse aporte, lograr recolhimento de tributo. Esse
recolhimento pressupõe atividade legítima, e a atividade do jogo do bicho não o é.
Lembro quando estava na Justiça do Trabalho e chegamos a reconhecer consequ‑
ências, mas o fizemos presente, apenas, a força do trabalho, ou seja, a remuneração
na prestação do serviço, sem concluir pelo direito a outros benefícios trabalhistas.
Transporto essa mesma óptica para o campo tributário, e não vejo como
cobrar-se, considerado possível lucro decorrente do jogo do bicho, por exemplo,
imposto de renda, a não ser que se tenha chegado à conclusão da existência de
outro numerário, segundo a denúncia, decorrente do jogo do bicho.
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): É disso que se trata. Diante do posicio‑
namento do ministro Marco Aurélio, eu vou fazer a leitura do voto, no que diz
respeito a esse ponto.
O sr. ministro Marco Aurélio: Confesso que estou a pronunciar-me pela
primeira vez sobre a matéria. Não me lembro de haver composto o Colegiado,
quando, em caso relatado pelo ministro Sepúlveda Pertence, teria assentado que
prospera o crime tributário decorrente da sonegação.
O sr. ministro Dias Toffoli (relator): Então, digo eu nesta parte:
De resto, anoto que carece de plausibilidade jurídica e de respaldo na jurisprudência
da Corte a alegação dos impetrantes de que a conduta praticada pelo paciente teria
subsunção ao tipo contravencional previsto no art. 58 do Decreto-Lei 6.259/1944 –
jogo do bicho –, e que, por se tratar de conduta ilícita, não haveria como incidir,
na espécie, qualquer tributo, tornando-se, assim, atípicas as condutas por ele pra‑
ticadas e enquadradas no art. 1º, I, da Lei 8.137/1990.
Rememoro que esta Primeira Turma denegou a ordem no HC 77.530/RS, rel. min.
Sepúlveda Pertence, no qual se discutia, justamente, a possibilidade ou não de
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, não imagino, por exemplo, que, no
caso de extorsão em que não se encontre o valor satisfeito, até tendo em conta
sequestro, se conclua que, mesmo assim, esse fato, esse recebimento, gera para
o agente que praticou o crime uma obrigação tributária. Não consigo perceber
um ato ilícito glosado sob o ângulo penal ou sob o ângulo da contravenção penal
ensejando o fato gerador do tributo.
Peço vênia ao relator para conceder a ordem.
VOTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhora Presidente, peço vênia ao ministro Marco Auré‑
lio; é que a Teoria Geral do Direito Tributário é uma teoria sui generis. Na verdade,
o tributo tem um efeito fiscal qual o de satisfazer as necessidades coletivas. Por
isso é que se torna indiferente, digamos assim, a atividade geradora da obrigação
tributária, porque prevalece o interesse público daquela operação.
Por outro lado, há um princípio também de direito privado a informar a Teoria
Geral do Direito Tributário, que seria a vedação a que a parte possa locupletar da
própria torpeza, então ela comete um ilícito, esse ilícito reverte em renda, mas
ela não paga o tributo porque está cometendo um ilícito. Então isso também
revela uma contradictio in terminis.
Não é por outra razão que o art. 118 do Código Tributário Nacional dispõe:
Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes,
responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do ministro Celso de
Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por una‑
nimidade de votos, em dar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto
do relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a ministra Ellen Gracie.
Brasília, 29 de abril de 2008 — Celso de Mello, relator.
VOTO
(Explicação)
O sr. ministro Celso de Mello (relator): O tema versado na presente sede recur‑
sal, como pretendo demonstrar ao longo do meu voto, concerne ao reconheci‑
mento do direito de qualquer pessoa sob custódia do Estado à preservação de
sua integridade física, como sucede neste caso, em que a ora paciente, idosa,
ostenta precário estado de saúde, provocado por grave patologia cardíaca com
distúrbios neurocirculatórios (o que se acha devidamente comprovado mediante
laudos médicos oficiais), constatada, ainda, a inadequação da assistência e do
tratamento médico-hospitalares no próprio estabelecimento penitenciário a
que se acha recolhida essa mesma sentenciada.
Observo, ainda, que a douta Procuradoria-Geral da República, em fundamen-
tado parecer, opinou pelo provimento do presente recurso ordinário, propondo
seja concedido o “habeas corpus” em favor de referida paciente.
Passo, desse modo, com tais observações preliminares, à leitura do relatório
e do meu voto.
RELATÓRIO
O sr. ministro Celso de Mello: O Ministério Público Federal, em parecer da
lavra do ilustre subprocurador-geral da República doutor MARIO JOSÉ GISI,
assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 133/139):
RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS”. EXECUÇÃO PENAL. RÉ CONDENADA A
CUMPRIR PENA EM REGIME FECHADO. PLEITO DE CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR.
DOENÇA GRAVE. COMPROVAÇÃO POR LAUDO PERICIAL. ATESTADO DE INADEQUAÇÃO
DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL PARA A CUSTÓDIA DA CONDENADA.
– O cumprimento da pena em residência particular traduz-se em benefício res
trito por lei aos apenados em regime prisional aberto e excepcionalmente a outros
regimes prisionais por abrandamento jurisprudencial, diante da gravidade do
estado de saúde do detento e da ineficiência e inadequação do tratamento médico
prestado no estabelecimento prisional.
– Parecer pelo provimento do recurso.
(...)
Trata-se de recurso ordinário constitucional, interposto com fulcro no art. 102,
inciso II, alínea “a”, da Carta Magna, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça,
reproduzido às fls. 95/108, cuja ementa possui o seguinte teor:
‘‘ ‘HABEAS CORPUS’. EXECUÇÃO PENAL. DOENÇA GRAVE. TRATAMENTO ADEQUADO.
PRISÃO DOMICILIAR. INCABIMENTO. USO DE ALGEMAS NO ENFERMO. CONSTRAN
GIMENTO ILEGAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. A jurisprudência desta Corte, interpretando o artigo 117 da Lei de Execução
Penal, somente tem admitido o recolhimento domiciliar do preso portador de
doença grave quando demonstrada a necessidade de assistência médica contí-
nua, impossível de ser prestada no estabelecimento prisional.
2. ‘É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral’ (Constituição
da República, artigo 5º, inciso XLIX).
grave que exija cuidados especiais, os quais não podem ser fornecidos no local da
custódia ou em estabelecimento hospitalar adequado. No caso, deixou de haver
demonstração satisfatória da situação extraordinária autorizadora da custódia
domiciliar. ‘Habeas corpus’ indeferido.” (HC 83.358/SP – STF – Rel. Ministro CARLOS
BRITTO, Primeira Turma, DJ de 4-6-2004)
“CRIMINAL. ‘HC’. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. INSTRUÇÃO DEFI
CIENTE. AUSÊNCIA DE PEÇA IMPRESCINDÍVEL À COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA.
PACIENTE PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. IMPOSSIBILIDADE DE TRATAMENTO
NO SISTEMA PRISIONAL ATESTADA NOS AUTOS. PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR.
ACOLHIMENTO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA.
Hipótese na qual paciente preso preventivamente pretende a revogação da
custódia ou a concessão de prisão domiciliar para tratamento de saúde, por ser
portador de doença grave.
(...)
Somente em casos excepcionais é possível o deferimento da prisão domici
liar, quando demonstrada, de plano, a necessidade de especial tratamento de
saúde, que não poderia ser suprida no local em que o condenado se encontra
preso. Precedentes.
Impetração que logrou comprovar as circunstâncias pelas quais o paciente
teria necessidade de tratamento especial, que não poderia ser suprido pelo Sis-
tema Prisional.
Comprovada a situação de excepcionalidade, deve ser concedido o pedido
de concessão do benefício de regime domiciliar de prisão, possibilitando-se que o
paciente permaneça nesta condição até seu julgamento.
Ordem parcialmente conhecida e concedida, nos termos do voto do relator.” (HC
66.702/MT – STJ – Rel. Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 05-02-2007, p. 309)
Com efeito, o caso dos autos amolda-se à hipótese excepcional que autoriza a
custódia domiciliar.
Os laudos médicos juntados às fls. 22/24 não deixam dúvidas de que Maria Pereira
Gomes é portadora de doença grave e o tratamento de saúde prestado no presídio
é ineficiente e inadequado.
Não fosse isso, a paciente teve seu quadro de saúde agravado devido a uma crise
hipertensiva cumulada com complicações cerebrovasculares (fls. 93/94), demons
trando que “o tratamento, tal como feito, não surtira o efeito previsto e desejado”
(fl. 118), e que o presídio não é o local apropriado para a sua permanência no atual
estágio da doença.
Idêntico entendimento foi externado pela ilustre Desembargadora Maria Thereza
de Assis Moura, nos autos da decisão recorrida, que, em detida e primorosa análise
dos fatos, proferiu o seguinte voto vencido, “verbis”:
“O que observo, pelos documentos dos autos, é que, conquanto exista certa dis-
cussão no acórdão hostilizado (fls. 16/20) acerca da gravidade dos problemas
de saúde da Paciente, o fato é que ela necessita de cuidados especiais devido ao
seu estado. Isso pode ser reconhecido pelas opiniões médicas de fls. 22/24 e pelos
No meu sentir, isso não é cumprimento de pena; isso é degradação humana. Ofende
a dignidade da pessoa, fundamento da República (art. 1º, III, da CR), mesmo sendo
ela condenada.
Outra questão que me soa difícil é analisar o argumento da negativa da preten-
dida prisão domiciliar. Dizem as decisões indeferitórias, em síntese, que a Paciente
cumpre pena no regime integralmente fechado. A entonação parece dizer que ela
não tem sequer direito à progressão, haja vista o fato de o regime domiciliar caber
somente ao regime aberto. Uma dúvida que tenho, porque não consta dos autos,
é se a Paciente já foi conduzida ao regime semiaberto. Se foi, então, o argumento
indeferitório cai por terra.
(...)
Deste modo, Ilustres Ministros, não me seduzindo pela ideia do delito (passado),
voto com o relator, no sentido de conceder a ordem, porque a situação (presente)
enquadra-se na exceção a que vem preconizando a jurisprudência desta Corte”
(fls. 106/108).
Ante ao exposto, opinamos pelo provimento do recurso, para que Maria Pereira
Gomes tenha o direito de cumprir a pena em regime prisional domiciliar, conforme
estabelecer o MM. Juízo singular. [Grifei.]
É o relatório.
VOTO
O sr. ministro Celso de Mello (relator): O presente recurso ordinário insurge-
-se contra decisão que, emanada do e. Superior Tribunal de Justiça, encontra-se
consubstanciada em acórdão assim ementado (fl. 112):
“HABEAS CORPUS”. EXECUÇÃO PENAL. DOENÇA GRAVE. TRATAMENTO ADEQUADO.
PRISÃO DOMICILIAR. INCABIMENTO. USO DE ALGEMAS NO ENFERMO. CONSTRANGI
MENTO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. A jurisprudência desta Corte, interpretando o art. 117 da Lei de Execução Penal,
somente tem admitido o recolhimento domiciliar do preso portador de doença grave
quando demonstrada a necessidade de assistência médica contínua, impossível de
ser prestada no estabelecimento prisional.
2. “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (Constituição
da República, artigo 5º, inciso XLIX).
3. Ordem parcialmente concedida. [HC 55.421/SC, rel. p/ o ac. min. HAMILTON
CARVALHIDO – Grifei.]
Resposta: Sim.
C2. Em caso positivo em uma escala de 1 a 10?
Resposta: 8.
D1. Há necessidade de dieta diferenciada?
Resposta: Sim.
D2. Caso positivo, em que consiste as restrições?
Resposta: Alimentação hipossódica, sem gorduras, sem carboidratos. [Grifei.]
VOTO
O sr. ministro Eros Grau: Senhor Presidente, acompanho Vossa Excelência.
Lembro-me de um caso de pai e filho em que – penso – votei vencido; se não
me engano o relator era o ministro Joaquim Barbosa.
VOTO
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, no caso, aí, o próprio Minis‑
tério Público foi quem recorreu. Ele assume a totalidade dos riscos.
Tenho muito temor em relação a essa tentacularidade desse crime organizado,
especialmente esse tipo de criminalidade ligada a tráfico de drogas. Desconfio e
não hesito em externar a minha desconfiança quanto a possíveis laudos médi‑
cos graciosos.
No caso, é o próprio Ministério Público que está requerendo.
O sr. ministro Celso de Mello (relator): Sim, é o Ministério Público Federal
quem recorre, postulando, em favor da ora paciente, a concessão da ordem de
“habeas corpus”.
De outro lado, comprovou-se, nestes autos, mediante documentação idônea
fundada em laudos médicos oficiais, inclusive do próprio Instituto Médico Legal,
EXTRATO DA ATA
RHC 94.358/SC — Relator: Ministro Celso de Mello. Recorrente: Ministério Pú
blico Federal. Recorrido: Superior Tribunal de Justiça. Paciente: Maria Pereira
Gomes (Advogado: Mauro Marcio Seadi Filho).
Decisão: A Turma, por votação unânime, deu provimento ao recurso ordiná‑
rio, nos termos do voto do relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,
a ministra Ellen Gracie.
Presidência do ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os ministros Cezar
Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, a ministra Ellen
Gracie. Subprocurador-geral da República, doutor Mário José Gisi.
Brasília, 29 de abril de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, coordenador.
HABEAS CORPUS 96.099 — RS
Relator: O sr. ministro Ricardo Lewandowski
Paciente: Luiz Antônio de Mello Viegas
Impetrante: Defensoria Pública da União
Coator: Superior Tribunal de Justiça
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tri‑
bunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Gilmar Mendes,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
e nos termos do voto do relator, indeferir o pedido de habeas corpus; vencidos
os ministros Cezar Peluso, Eros Grau e o presidente, ministro Gilmar Mendes.
Ausentes, justificadamente, o ministro Celso de Mello, a ministra Ellen Gracie
e, neste julgamento, o ministro Joaquim Barbosa.
Brasília, 19 de fevereiro de 2009 — Ricardo Lewandowski, relator.
VOTO
(Sobre a proposta de remessa ao Pleno)
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (relator): Presidente, eu, como relator,
não me oponho. Curvo-me às ponderações do eminente ministro Marco Aurélio.
É um tema momentoso. Talvez seja interessante que nós pacifiquemos de
vez esse assunto.
O sr. ministro Marco Aurélio: Até para desestimular novas impetrações.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Uma vez que o Supremo Tribunal tenha dito
pelo Plenário, o assunto, inclusive para os outros tribunais, para os outros juízes,
passa a ter uma vertente.
O sr. ministro Marco Aurélio: Muito embora, Ministra, aquele que precisa
dar o exemplo não observe, como deveria, as decisões do Supremo. Refiro-me
ao Estado gênero.
O sr. ministro Carlos Britto (presidente): O Estado como instituição.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Lamentavelmente.
O sr. ministro Menezes Direito: Há dezenas de habeas nesse sentido. Então,
seria prudente e mais prático que nós adotássemos agora, até para que possamos
dar instruções ao gabinete no sentido de fazer um levantamento dos que tem e
determinar o sobrestamento até o julgamento deste. Há dezenas espalhados aí.
EXTRATO DA ATA
HC 96.099/RS — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: Luiz Antô‑
nio de Mello Viegas. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior
Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma decidiu afetar ao Tribunal Pleno o julgamento do presente
habeas corpus e sobrestar todos os processos que tramitam pela Turma em igual
situação. Unânime. Falou o doutor Antônio de Maia e Pádua, defensor público
da União, pelo paciente.
Presidência do ministro Carlos Britto. Presentes à sessão os ministros Marco
Aurélio, Ricardo Lewandowski, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Menezes
Direito. Subprocuradora-geral da República, doutora Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 3 de fevereiro de 2009 — Ricardo Dias Duarte, coordenador.
RELATÓRIO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus, impetrado pela
Defensoria Pública da União em favor de Luiz Antônio de Mello Viegas, contra
decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no Resp
805.440 AgRg/RS, rel. min. Paulo Gallotti.
Narra a impetrante, em suma, que o paciente foi denunciado pela prática de
roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo e pelo concurso de pessoas
(art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal), sendo condenado à pena de cinco anos, seis
meses e vinte dias de reclusão em regime inicial fechado (fl. 2).
Afirma que, no exame da sua apelação, o TJRS reformou a sentença para excluir
a majorante do emprego de arma de fogo, uma vez que ela não foi apreendida.
Registra, ainda, que, após o Parquet estadual apresentar recurso especial, o STJ
reformou o acórdão e entendeu desnecessária a apreensão ou perícia na arma
de fogo para a caracterização da causa de aumento de pena do crime de roubo,
quando outros elementos comprovam sua utilização.
Dessa decisão foi interposto agravo regimental, o qual restou improvido. Eis
a ementa da decisão (fl. 101):
Penal. Agravo regimental. Roubo. Emprego de arma de fogo. Incidência da causa de
aumento de pena. Desnecessidade de apreensão ou perícia.
1. Pacífico o entendimento desta Corte de que, para a caracterização da majo‑
rante prevista no artigo 157, § 2º, I, do Código Penal, não se exige que a arma de
fogo seja periciada ou apreendida, desde que comprovado, por outros meios, que
foi efetivamente utilizada para intimidar a vítima.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (relator): Bem examinados os autos, tenho
que é caso de denegação da ordem.
Quanto à questão versada nos autos, o STF já se pronunciou algumas vezes
em sentido contrário à pretensão veiculada na inicial. Veja-se, verbi gratia, na
Primeira Turma o HC 93.353/SP, de minha relatoria, e, na Segunda Turma, o
HC 94.448/RS, rel. min. Joaquim Barbosa.
Desse modo, o pleito referente à exclusão da causa especial de aumento de
pena relativa ao emprego de arma no delito de roubo não pode ser atendido.
Com efeito, não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo
para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria
natureza do artefato. Sua lesividade encontra-se in re ipsa. Supor o contrário
significaria dar guarida à exceção, àquilo que normalmente não ocorre. Iria de
encontro ao id quod plerumque accidit.
Se por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima – reduzida
à impossibilidade de resistência pelo agente –, ou pelo depoimento de testemu‑
nha presencial ficar comprovado o emprego de arma de fogo, esta circunstância
deverá ser levada em consideração pelo magistrado na fixação da pena.
E, no caso sob exame, o depoimento da vítima é firme nesse sentido, conforme
se observa de trecho retirado da sentença, abaixo transcrito:
Luiz Carlos Jacoby, vítima, aduziu que “(...) acompanhado de sua esposa e um menino
que estava internado na fazenda Senhor Jesus (tratamento para drogados), estavam
no Fiat Pálio, placas AP 2211, no Morro do Paula, na estrada das Pedreiras, defronte o
Bar Santa Clara quando quatro indivíduos saíram do interior do referido bar, todos de
revólver em punho, se aproximaram do veículo do depoente e anunciaram o assalto.
O indivíduo que abordou o depoente foi Luiz Antônio de Mello Viegas, vulgo ‘Tonho’
(...) ato contínuo assumiu a direção do veículo Pálio, e os outros indivíduos entraram
no veículo e saíram em direção aos becos no Morro do Paula. Que passada 01:30h, os
indivíduos abandonaram o veículo do depoente na Pedreira dos Mello (...)”. [Fl. 22.]
apreensão da arma, principalmente quando, como ocorreu nos autos, a arma foi
levada pelos comparsas que conseguiram fugir.
VOTO
O sr. ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, Vossa Excelência me permite?
Como eu fui relator recentemente na decisão de 18 de novembro do ano pas‑
sado, na Segunda Turma, nós, com o devido respeito, adotamos uma tese abso‑
lutamente oposta, por dois motivos fundamentais:
O primeiro deles é a qualificadora do art. 157, § 2º. Ela só pode ser aplicada
nos casos em que fique demonstrada a lesividade potencial da arma, porque
a intimidação, a violência e a grave ameaça fazem parte do tipo. Ou seja, não
importa que seja arma de brinquedo, seja arma tal. A capacidade de intimidação
1 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p. 59.
já faz parte da figura do caput, do tipo. A agravante exige mais do que isso, exige
a prova da potencialidade e da lesividade real da arma.
E, em segundo lugar, nós acentuamos – inclusive invocando, aqui, o HC 70.523,
do qual foi relator o ministro Marco Aurélio – a necessidade dessa prova, até
porque, em matéria penal, como se sabe, nenhuma presunção pode correr contra
o réu. Em caso de dúvida – e o caso aqui é de dúvida, porque, realmente não se
sabe se a arma tinha ou não real capacidade ofensiva –, só corre em favor do réu,
seja por força do princípio do “favor rei”, seja pelo princípio do ônus da prova que,
em matéria penal, recai sempre sobre a acusação. É conhecida a afirmação de que
o réu, no processo penal, não precisa provar coisa alguma. Ele pode ficar abso‑
lutamente inerte, e todo o peso da acusação recai sobre o autor da ação penal.
O ministro Celso de Mello, no HC 73.338, esse de 1996 – e, portanto, não re
cente –, diz o seguinte:
Nenhuma acusação penal se presume provada.
(...)
(...) não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Antes, cabe ao Ministério
Público demonstrar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Hoje já não
mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra hedionda que, em dado
momento histórico de nosso processo político – ele se referia ao Estado Novo –,
criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a
obrigação de ele, acusado, provar a sua própria inocência!
EXPLICAÇÃO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (relator): Senhor Presidente, louvo o brilho
da intervenção do eminente ministro Cezar Peluso, como sempre, peço vênia
para ressaltar um pequeno trecho do meu voto em que digo exatamente isso: a
arma de fogo, por si mesma, tem um potencial ofensivo, esteja carregada ou não,
seja apta a produzir disparos ou não. Eu disse aqui:
Ademais, a arma de fogo, mesmo que, eventualmente, não tenha o poder de dis‑
parar projéteis – seja ela uma pistola, um revólver, uma metralhadora ou uma
espingarda –, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir
lesões graves, como sangramentos e fraturas, não sendo raros, na crônica policial
e forense, os relatos de coronhadas e chuçadas desferidas com cabos e canos de
revólveres, pistolas e artefatos afins, desferidas contra vítimas inermes.
O sr. ministro Cezar Peluso: Uma arma de fogo que é ineficiente? Para que
serve?
O sr. ministro Carlos Britto: O isqueiro faz fogo, mas não se compara jamais
com uma arma de fogo.
O sr. ministro Cezar Peluso: Uma arma de brinquedo, para que serve? Para
atirar na cabeça da vítima?
O sr. ministro Carlos Britto: Aqui, se trata da qualificadora. E há provas
robustas de que o emprego da arma de fogo se fez.
O sr. ministro Cezar Peluso: Como se sabe se a arma era apta para justificar
a aplicação da qualificadora? É só pela intimidação, a intimidação inerente ao
crime, que se aplicou a qualificadora. Mas o paciente já foi condenado por isso,
Ministro!
O sr. ministro Carlos Britto: Como causa de aumento de pena, não é neces‑
sário nem apreensão, nem perícia da arma. Temos decidido isso reiteradamente.
O sr. ministro Cezar Peluso: Se fosse provado que era arma de brinquedo,
não se poderia aplicar a qualificadora.
O sr. ministro Carlos Britto: Hoje em dia, aluga-se arma para assaltar, pra‑
ticar crime. Logo depois do crime, a arma de aluguel é devolvida. E, quando é
própria, o assaltante faz questão de se desfazer dela para evitar a perícia. Ou seja,
se essa tese vingar, a impunidade vai grassar mais uma vez, dará as cartas.
O sr. ministro Marco Aurélio: Ante a estratégia que será utilizada pelos
delinquentes – sumir com a arma –, só ocorrerá a aplicação da causa de aumento
no caso de flagrante.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (relator): No jargão dos criminosos: é
dispensar a arma. Ele dispensa a arma num riacho ou num matagal.
VOTO
O sr. ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, vou simplificar, porque já
votei esse mesmo tema no HC 93.353, de São Paulo, na mesma linha do voto do
eminente ministro Ricardo Lewandowski, o qual eu acompanho, subscrevendo
as razões de Sua Excelência.
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, já discutimos esses casos
inúmeras vezes na Primeira Turma, tal como deve ter acontecido na Segunda
Turma. Aliás, fui voto vencido durante muito tempo.
Neste caso, vou acompanhar, conforme tenho feito em outros casos na Turma,
porque tenho como certo – do mesmo modo que acaba de afirmar também o
ministro Cezar Peluso – ser elementar do tipo a existência de um instrumento
que possa, de alguma forma, constituir a gravidade que já se contém neste tipo
penal. Porém, evoluí para acompanhar, em alguns casos, tal qual os eminentes
pares da Turma têm visto.
Neste caso, houve outros meios pelos quais se considerou comprovada a gra‑
vidade, independentemente da perícia. Quer dizer, para mim, a perícia não é a
única forma de comprovação das condições potencialmente lesivas dessa arma.
Por isso, neste caso, tal como voto na Primeira Turma, acompanho o emi‑
nente ministro relator.
O sr. ministro Cezar Peluso: Eu também aceito essa restrição.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Neste caso, consideraram que havia outros
meios de comprovação.
O sr. ministro Cezar Peluso: Por exemplo, se a arma foi usada e houve dis‑
paro, evidentemente que não releva possa ter sumido depois. Não há aí problema
nenhum. Isto é, desde que de algum modo resulte das circunstâncias que a arma
tinha capacidade ofensiva, não importa, a perícia está dispensada.
Agora, a arma aqui não foi apreendida, não se sabe se a arma era de brinquedo
ou ineficiente doutro modo, ou não, e, sendo-o, não é arma, e a qualificadora
exige que seja arma. A norma da qualificadora é textual: exige que seja arma. Por
isso é que fiz referência ao isqueiro, que suscitou resposta jocosa do eminente
ministro em assunto tão sério, mas qualquer outro objeto pode, teoricamente,
ser transformado em arma eventual, mas não é a arma a que se refere o § 2º do
art. 157. A arma do art. 157, § 2º, é aquela que o é por natureza, e não qualquer
objeto que pode transformar-se numa arma circunstancialmente.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Por isso que, nos votos a que me referi – inclu‑
sive fiquei vencida –, eu citava sempre um julgado do ministro Pertence que
dizia: o caco de vidro também pode constituir, em determinadas circunstâncias,
algo grave e que intimide a vítima, e nem por isso se encontra absolutamente
na qualificadora.
Mantenho o meu ponto de vista, acompanhando o voto do ministro relator,
portanto, tal como estou votando na Primeira Turma, porque, neste caso, como
foi enfatizado, havia outros meios de comprovação, exatamente do que pode ser
qualificado no § 2º do art. 157.
É como voto, Senhor Presidente.
VOTO
O sr. ministro Eros Grau: Senhor Presidente, peço vênia aos ministros Ricardo
Lewandowski, Menezes Direito e Cármen Lúcia para acompanhar o voto do
ministro Cezar Peluso, que me parece tecnicamente correto. O desafio do
Direito é exatamente este aqui, há sempre mais de uma resposta correta para
a mesma questão.
Acompanho a divergência.
VOTO
O sr. ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, nós estamos discutindo um
tema sério, a exigir de nossa parte um equacionamento jurídico preciso. E eu não
fiz blague ou brincadeira, de nenhum modo, na discussão da matéria, quando
falei de comparação entre o isqueiro e a arma de fogo. Eu quis apenas reforçar
o meu poder de argumentação, a comparação foi um recurso argumentativo.
E insisto nele. Se, num sinal de trânsito, apontassem-me um isqueiro, eu não
entregaria a minha bolsa, minha carteira, mas se me apontassem uma arma de
fogo, eu entregaria. Isso não é jocosidade, é recurso de argumentação.
No caso, entendo que a qualificadora se aplica, porque o eminente relator
demonstrou que a prova é robusta. Convenhamos, um filme, testemunhas, a
própria vítima a deixar, num contexto, evidenciado que foi rendida por uma
arma de fogo ou pelo que parecia uma arma de fogo. Quem vai pensar na distin‑
ção entre uma arma de brinquedo e uma arma de fogo, se o artefato tem todas
as aparências de uma arma de fogo e se o intuito, intento malsão do assaltante,
foi alcançado? Exatamente o susto, o medo e a rendição da vítima. E nós temos
decidido assim – não é isso, Ministro Marco Aurélio –, à unanimidade – a nossa
Turma –, reiteradamente, todas as semanas.
O sr. ministro Marco Aurélio: E hoje constato que a Primeira Turma está
em número majoritário no Plenário – 5 × 2.
O sr. ministro Carlos Britto: É verdade. Então se o ministro Cezar Peluso
entendeu diferentemente, peço desculpas a Sua Excelência, mas não houve a
menor intenção, até porque o ministro Peluso é mestre de todos nós, além de
um operador jurídico, é um teórico portentoso do Direito. Então, peço escusas
a Sua Excelência se entendeu como uma tirada de humor, ou coisa que o valha,
com um assunto tão sério.
Acompanho o voto do relator.
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, já sinalizei convencimento
sobre a matéria e chego mesmo a dizer que, a prevalecer a corrente contrária, a
corrente formalizada a uma só voz pela Segunda Turma, o negócio será desapa‑
recer, sempre e sempre, com a arma utilizada. Arma que, como ressaltou o minis‑
tro Carlos Ayres Britto, está, inclusive, no mercado de aluguel e, quase sempre,
é devolvida de imediato àquele que a disponibilizou.
Senhor Presidente, de início, a não ser que a lei restrinja, em Direito são admi‑
tidos todos os meios de prova e, no caso, não há a imposição, para ter-se a inci‑
dência da causa de aumento, de fazer-se a perícia. Mais do que isso, o ordena‑
mento jurídico é um grande todo. O que constatamos quanto ao exame de corpo
e de delito quando o ato praticado, discrepante da ordem penal, deixa vestígios?
Deve ser feito o exame, mas o próprio Código de Processo Penal prevê que, não
sendo possível realizá-lo, por haverem desaparecido vestígios – e aqui seria o
desaparecimento, muito oportuno para o acusado, da própria arma –, a prova
testemunhal poderá suprir-lhe a falta – art. 167. Com maior razão quanto à causa
de aumento alusiva ao roubo.
Não estou lembrado do precedente que foi citado e que seria de minha lavra.
Mas, se no passado concluí de forma diversa, estou a evoluir, e deve o juiz sempre
evoluir tão logo convencido de assistir maior razão – não estou reconhecendo
o precedente, eu teria que conferir – à tese inicialmente rechaçada, repudiada.
Peço vênia, Presidente, ao ministro Cezar Peluso e também ao ministro Eros
Grau, para acompanhar o relator indeferindo a ordem.
VOTO
O sr. ministro Gilmar Mendes (presidente): Na Turma, tenho a impressão de
que já me manifestei no sentido do voto do ministro Cezar Peluso e ficaria com
suas razões.
EXTRATO DA ATA
HC 96.099/RS — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: Luiz Antô‑
nio de Mello Viegas. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior
Tribunal de Justiça.
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do relator, indeferiu
o pedido de habeas corpus, vencidos os ministros Cezar Peluso, Eros Grau e o
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
de votos, em conhecer do agravo regimental e julgar prejudicada a ordem de
habeas corpus, nos termos do voto do ministro Dias Toffoli, relator para o acór‑
dão; vencidos a ministra Cármen Lúcia, relatora presidente, que não conhecia
do recurso, e, em parte, o ministro Marco Aurélio, que dele conhecia e afastava
o prejuízo da impetração.
Brasília, 8 de novembro de 2011 — Dias Toffoli, relator para o acórdão.
RELATÓRIO
A sra. ministra Cármen Lúcia: 1. Em 26 de fevereiro de 2010, neguei seguimento
ao habeas corpus impetrado por Adriano Silva de Lima, em benefício próprio.
A decisão agravada teve a seguinte fundamentação:
1. Habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Adriano Silva de
Lima, em benefício próprio, contra decisão do ministro Jorge Mussi, do Superior
Tribunal de Justiça, que, em 30‑9‑2008, expôs o caso e indeferiu o pedido de liminar
requerido no Habeas Corpus 117.440, nos termos seguintes:
“Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Adriano Silva
de Lima, em causa própria, indicando como autoridade coatora Desembarga‑
dor componente da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco, que indeferiu a postulação sumária, na qual se buscava alterar
2. Publicada essa decisão no DJE de 5‑3‑2010 (fl. 36), interpõe Adriano Silva de
Lima, ora agravante, em 9‑3‑2010, tempestivamente, agravo regimental (fls. 123-128).
3. O agravante afirma que “já encontra-se há tempos de progredir de regime
do mais severo para o mediano e por conseguinte para o livramento condicional,
É o relatório.
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): 1. Conforme relatado, por entender
incabível o exame, per saltum, de fundamentos não apreciados pelo órgão judici‑
ário apontado como coator, neguei seguimento ao habeas corpus impetrado por
Adriano Silva de Lima, em benefício próprio, contra decisão monocrática pro‑
latada no HC 117.440 pelo ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça.
2. O ora agravante requer, basicamente, o julgamento do habeas corpus aqui
impetrado e, para fins de afastamento da Súmula 691 do Supremo Tribunal, alega
o excesso de prazo para julgamento do habeas no Superior Tribunal de Justiça.
3. O que se tem na presente ação, ora sujeita ao recurso de agravo regimen‑
tal, é o questionamento da decisão precária proferida no HC 117.440, impetrado
em favor do ora agravante, no Superior Tribunal de Justiça, por meio da qual o
ministro Jorge Mussi indeferiu o pedido de liminar.
Por essa razão, neguei seguimento ao habeas corpus, por entender incabível
o exame, per saltum, de fundamentos não apreciados em definitivo pelo órgão
judiciário apontado como coator, e apliquei a Súmula 691 do Supremo Tribu‑
nal (“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus
impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribu‑
nal superior, indefere a liminar”), cujo temperamento, possível de se adotar em
casos excepcionais, não haveria de ter aplicação à espécie vertente, pois não se
demonstra ilegalidade flagrante ou afronta a princípios constitucionais ou legais
na decisão questionada.
4. Independentemente disso, o presente agravo regimental não pode ser
conhecido.
Além do título judicial questionado na presente impetração ter sido substi‑
tuído pelo julgamento definitivo do HC 117.440, pela Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, o que ensejaria o prejuízo do presente agravo regimental em
habeas corpus em razão da perda superveniente de objeto (art. 659 do Código
de Processo Penal), verifica-se que o presente recurso não pode ser conhecido,
pois o agravante não tem capacidade postulatória.
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: O recurso, em relação ao habeas corpus, é acessó‑
rio, segue a sorte do principal. Se, para a impetração, é dispensável a capacidade
postulatória – somente o bacharel em Direito inscrito na Ordem a tem –, para o
recurso, até mesmo o de embargos declaratórios – não é o caso –, não se há de
exigir que o paciente-impetrante credencie advogado.
Por isso, conheço do recurso.
PEDIDO DE VISTA
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu até ia, a princípio, pedir vista
do processo. Realmente, nós falamos tanto do art. 5º da Constituição Federal,
dos direitos e garantias individuais, quantos seminários, quantos livros escritos,
mas e a possibilidade da autodefesa? Jamais defendida!
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): Aqui não é pela impossibilidade, é até
o contrário, não é, Ministro? Quando, na década de sessenta, no caso do Gideon, a
Suprema Corte americana entendeu que o direito de defesa é o direito, exatamente,
de ter direito a um advogado. Houve a mudança, e a Constituição de 1988 veio
exatamente fortalecer a Defensoria Pública para isso. E, por isso, é que eu tomo
tanto cuidado, como todos nós. Aliás, quando eu cheguei aqui, foram os minis‑
tros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence que eram os pioneiros em determinar.
O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me prestaria um esclare‑
cimento?
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): Claro.
O sr. ministro Marco Aurélio: Após a decisão prolatada, Vossa Excelência
determinou fosse dada ciência da decisão à Defensoria Pública?
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): Determinei que fosse dada ciência
ao defensor público da decisão. Todas as decisões minhas têm até um padrão já:
comunico a ele, comunico ao defensor, seja comunicado ao defensor geral, comu‑
nico a ele que ele tem direito a esse advogado. E o prazo é contado exatamente
disso. Aliás, esse aqui é um paciente, até acho que, no meu caso, só comigo, é o
sexto habeas corpus que ele impetra.
O sr. ministro Marco Aurélio: Resolveu atuar por mão própria, como atuou
impetrando o habeas corpus.
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): Ele resolveu atuar sozinho.
Então, Ministro Dias Toffoli, respeitando inclusive o pedido de vista, a única
coisa que eu acentuo é que, ao contrário: o art. 5º, quando fala de direitos funda‑
mentais e do direito de defesa, quer que a defesa técnica seja feita rigorosamente
por alguém que tenha conhecimento, porque uma preliminar, na matéria penal,
pode fazer uma pessoa ganhar ou perder a sua liberdade. É o contrário; quer dizer, a
autodefesa, como naquele caso da década de sessenta, que mudou esse paradigma
constitucional no mundo ocidental, foi quando a Suprema Corte americana disse
isto: autodefesa não significa, como diz o Gideon, naquele caso, que eu pudesse
saber tudo que eu podia alegar. Daí por que, desde que eu entrei, seguindo exata‑
mente a linha dos ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, eu comunico.
O sr. ministro Dias Toffoli: (Cancelado)
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): Mas eu só estou respondendo porque
Vossa Excelência disse: “Nós falamos tanto em direito de defesa!”. Falamos e
garantimos. Por isso, eu sou a maior defensora da Defensoria.
O sr. ministro Dias Toffoli: Mas eu penso, por exemplo, que o monopólio da
advocacia, em matéria de direito disponível, limitaria a cidadania; a lei poderia
abrir à autotutela.
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): Mas a Constituição não abriu.
O sr. ministro Marco Aurélio: A Constituição não abriu, mas o Supremo,
contra o meu voto, o fez quanto ao art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho,
placitando a atuação direta do trabalhador e do empregador.
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): Que fica muitas vezes em desvalia,
mas, enfim, eu apliquei a jurisprudência.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (presidente): Eu fico a imaginar aqui se,
levado esse raciocínio às últimas consequências, nós podemos eventualmente
admitir que um paciente semiletrado ou até semialfabetizado poderia até ajuizar
embargos de divergência, que, para mim, é um dos recursos mais difíceis, porque
ele precisa comprovar a divergência jurisprudencial.
O sr. ministro Dias Toffoli: Essa era a minha dificuldade – sem desconhecer
EXTRATO DA ATA
HC 102.836 AgR/PE — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Agravante: Adriano
Silva de Lima. Agravado: Relator do HC 117.440 do Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Após o voto da ministra Cármen Lúcia, relatora, que não conhecia
do agravo regimental em habeas corpus, pediu vista do processo o ministro Dias
Toffoli. Presidência do ministro Ricardo Lewandowski.
Presidência do ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à sessão o ministro
Marco Aurélio, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Dias Toffoli. Subprocura‑
dora-geral da República, doutora Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 21 de setembro de 2010 — Fabiane Duarte, coordenadora.
VOTO-VISTA
O sr. ministro Dias Toffoli: Rememoro o caso para uma perfeita compreensão
da controvérsia.
Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Adriano Silva de Lima,
em causa própria, buscando a alteração do regime inicial de cumprimento de
sua pena para o semiaberto, tendo em vista a sua condenação, como incurso na
sanção do art. 33 da Lei 11.343/2006, à pena de sete anos de reclusão.
Aponta como autoridade coatora o ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal
de Justiça, que indeferiu a liminar no HC 117.440/PE, impetrado àquela Corte.
O impetrante/paciente sustenta, em linhas gerais, o constrangimento ilegal
a ele imposto, tendo em vista a demora no julgamento do writ impetrado ao
Superior Tribunal de Justiça, bem como a ilegalidade na fixação do regime ini‑
cial fechado para o cumprimento da sua pena. Traz como fundamentos que o
delito não foi praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa, que ele
seria primário e que a pena fixada em patamar inferior a oito anos permitiria,
nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal, o início do cumprimento da sua
pena em regime menos gravoso.
Requer o deferimento da liminar para determinar sua “transferência (...) do
injusto Regime atual em que se encontra (fechado) para o Regime (semiaberto)”
e, no mérito, pede a concessão da ordem “em sede de habeas corpus de ofício/
ou no julgamento final, concedendo a liberdade condicional (...)” (fl. 19 – grifos
conforme o original).
A eminente relatora negou seguimento ao presente habeas corpus (art. 21, § 1º,
do RISTF), por incidir, na espécie, a Súmula 691/STF, não tendo ela constatado
situação de flagrante ilegalidade que ensejasse o afastamento excepcional do
enunciado em questão (fls. 30 a 35).
Contra essa decisão, o impetrante/paciente interpôs, tempestivamente, o
presente agravo regimental, no qual busca, basicamente, o julgamento da impe‑
tração para fins de afastamento da Súmula 691 desta Suprema Corte (fls. 37 a 43).
Em sessão desta Primeira Turma, a ilustre relatora, ministra Cármen Lúcia,
verificando que o agravante não detinha capacidade postulatória para interpor
o recurso, dele não conheceu. Naquela oportunidade, pedi vista dos autos para
melhor analisar a questão.
É o breve relatório.
O que está em jogo é saber se o impetrante/paciente, que não detém habili‑
tação para o exercício da advocacia, apesar de poder interpor recurso em seu
favor, segundo o comando do art. 577 do Código de Processo Penal, não pode
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, penso que a questão da capacidade
postulatória prefere ao crivo quanto ao possível – que, a meu ver, não houve – pre‑
juízo deste habeas, porque, a rigor, o Colegiado acabou por confirmar a decisão
precária e efêmera, formalizada pelo relator indeferindo a liminar. E, preferindo
a capacidade postulatória, devo me pronunciar quanto a ela.
VOTO
(Confirmação)
A sra. ministra Cármen Lúcia (presidente e relatora): Acho que é um debate
muito pertinente e adequado. Os debates que travamos já demonstravam isso.
Em outro caso, eu acharia apropriado e estaria disposta a evoluir no entendi‑
mento de fundo, mas, neste caso, considerando todo o quadro – e, como foi dito
naquela ocasião, nos debates, é preciso realmente uma mudança, e seria uma
mudança de orientação –, prefiro repensar e continuarei repensando.
Ministro Marco Aurélio, tocam-me as ponderações de Vossa Excelência.
Apenas neste caso, pelo quadro que se tem, vou manter o meu voto.
DEBATE
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhora Presidente, acompanho Vossa Excelência,
diante dessa peculiaridade. Mas já afirmei – está registrado aqui no meu voto – o
mesmo entendimento do ministro Marco Aurélio.
O sr. ministro Marco Aurélio: Ministro Dias Toffoli, Vossa Excelência não
conhece o agravo?
O sr. ministro Dias Toffoli: Eu acompanho a eminente...
A sra. ministra Cármen Lúcia (presidente e relatora): Nós estamos negando...
Não conhece porque está prejudicado.
O sr. ministro Dias Toffoli: A eminente relatora votou pela prejudicialidade.
O sr. ministro Marco Aurélio: Mas somente cabe ir à matéria de fundo
do agravo, para assentar inclusive o prejuízo do agravo, se ultrapassada a
O sr. ministro Marco Aurélio: Então, não vamos admitir mais a impetração
de habeas corpus por mão própria!
A sra. ministra Cármen Lúcia (presidente e relatora): Não, porque acho que aí,
realmente, é uma garantia constitucional concernente aos direitos fundamentais.
Mas, por exemplo, lembro-me de que na discussão, não sei por qual dos ministros
foi dito aqui – não sei se pelo próprio ministro Dias Toffoli...
O sr. ministro Dias Toffoli: Foi um debate.
A sra. ministra Cármen Lúcia (presidente e relatora): Foi um debate intenso
em que foi dito que poderia ser até prejudicial a ele admitir isso. Não sei se foi
Vossa Excelência, Ministro Toffoli, que afirmou isso, mas, no caso de embargos
infringentes, por exemplo, se ele resolve fazer de mão própria, aí, realmente, ele
se prejudica e a Constituição acaba garantindo-lhe um direito maior.
O sr. ministro Luiz Fux: A tese jurídica, neste caso específico, ficou adstrita à
possibilidade que tem o impetrante, quando é denegada a ordem, em recorrer?
A sra. ministra Cármen Lúcia (presidente e relatora): Eu não conheci. Logo
depois, o não conhecimento...
O sr. ministro Luiz Fux: Se está adstrita a isso, vou pedir vista.
O sr. ministro Marco Aurélio: A situação concreta é que a relatora negou
seguimento à impetração. Ele próprio, que tinha formalizado a impetração, pro‑
tocolou o agravo. Esse agravo não é admissível?
O sr. ministro Luiz Fux: É interessante a questão. Não estou habilitado a
julgar. Vou pedir vista.
O sr. ministro Dias Toffoli: De qualquer sorte, vou assentar, então, o conhe‑
cimento do agravo para, no mérito, dar pela prejudicialidade.
EXTRATO DA ATA
HC 102.836 AgR/PE — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Agravante: Adriano
Silva de Lima. Agravado: Relator do HC 117.440 do Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Após o voto da ministra Cármen Lúcia, relatora presidente, que não
conhecia do agravo regimental no habeas corpus; do voto do ministro Dias Toffoli,
que conhecia do agravo regimental e julgava prejudicado o habeas corpus; e do
voto do ministro Marco Aurélio, que conhecia do agravo regimental e afastava
o prejuízo da impetração, pediu vista do processo o ministro Luiz Fux.
Presidência da ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão os ministros Marco
Aurélio, Dias Toffoli e Luiz Fux. Subprocuradora-geral da República, doutora
Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 30 de agosto de 2011 — Carmen Lilian, coordenadora.
VOTO-VISTA
Processo penal. Constitucional. Capacidade postulatória da parte para
interposição de agravo regimental em habeas corpus. Admissibilidade.
Interpretação extensiva e aplicação analógica. Art. 3º do CPP. Ampla
defesa. Direito à liberdade. Prejuízo do agravo. Substituição da decisão
impugnada. Julgamento definitivo do writ pelo STJ. Precedentes. Agravo
conhecido. Declarado o prejuízo do agravo.
1. A capacidade postulatória no processo penal revela peculiaridades ine‑
rentes aos cânones da ampla defesa e à magnitude do direito de liberdade.
2. A possibilidade de a parte, pessoalmente e independentemente da con‑
dição de advogado, interpor recurso por termo nos autos (art. 578 do Código
de Processo Penal), ajuizar revisão criminal (art. 623 do CPP), impetrar a ação
constitucional de habeas corpus (art. 654 do CPP) e peticionar na execução
penal (art. 41, XIV, da Lei 7.210/1984) é exemplo dessa excepcionalidade.
3. A admissão do jus postulandi pela própria parte de per se no processo
penal autoriza concluir-se no sentido de que o agravo regimental contra
decisão em habeas corpus pode ser interposto pelo paciente, máxime ante
a previsão do art. 3º do CPP de que “A lei processual penal admitirá inter‑
pretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos
princípios gerais de direito”. Precedentes: HC 73.455/DF, rel. min. Francisco
Rezek, Segunda Turma, DJ de 7‑3‑1997; HC 84.716/MG, rel. min. Marco
Aurélio, Primeira Turma, DJ de 26‑11‑2004, p. 25.
4. O habeas corpus impetrado contra decisão indeferitória de liminar
falece de interesse processual superveniente nas hipóteses de julgamento
definitivo do writ. Precedentes: HC 95.447/SP, rel. min. Ricardo Lewan‑
dowski, Primeira Turma, DJ de 17‑11‑2010; HC 96.114/RJ, rel. min. Marco
Aurélio, Primeira Turma, DJ de 25‑6‑2010; HC 99.860/SP, rel. min. Ricardo
Lewandowski, Primeira Turma, DJ de 4‑6‑2010; HC 101.281/RN, rel. min.
Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ de 23-4-2010; HC 99.462/RS,
rel. min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ de 19‑3‑2010; HC 94.412
AgR/RJ, rel. min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ de 22‑10‑2008.
5. In casu, no mérito, ocorreu o prejuízo da impetração (e, por via de
consequência, do agravo) nos moldes da jurisprudência da Corte, por‑
quanto este habeas corpus foi impetrado contra decisão indeferitória de
liminar que não mais subsiste ante o julgamento definitivo do writ pelo STJ.
6. Agravo conhecido e prejudicado por falta de interesse recursal super‑
veniente.
O sr. ministro Luiz Fux: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão
da ministra Cármen Lúcia, relatora, que negou seguimento à impetração nos
termos da Súmula 691 desta Corte.
Sua Excelência não conheceu do agravo, porquanto subscrito pelo próprio
paciente, que não é advogado e, consequentemente, não teria capacidade pos‑
tulatória para esse fim. No mérito, votou pela prejudicialidade da impetração
devido ao julgamento definitivo do habeas corpus em curso no STJ.
O ministro Dias Toffoli pediu vista e votou no sentido de que conhecer do
agravo, reconhecendo a capacidade postulatória da parte para interpor o agravo
regimental em habeas corpus. Mas também concluiu pelo prejuízo do writ, con‑
forme jurisprudência pacífica desta Corte.
É o breve relato. Passo a votar.
Neste agravo, discute-se, preliminarmente, a capacidade postulatória do
paciente, que não é profissional da advocacia, de interpor agravo regimental
contra decisão monocrática da relatora negando seguimento ao recurso.
No processo penal, franqueia-se à parte, excepcionalmente, a capacidade
postulatória em determinadas situações, homenageando-se a ampla defesa e a
magnitude do direito de liberdade, em jogo nessa seara.
Assim o é quanto à possibilidade de, por exemplo, interpor recurso por termo
nos autos, conforme previsto no art. 578 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 578. O recurso será interposto por petição ou por termo nos autos, assinado
pelo recorrente ou por seu representante.
§ 1º Não sabendo ou não podendo o réu assinar o nome, o termo será assinado
por alguém, a seu rogo, na presença de duas testemunhas.
§ 2º A petição de interposição de recurso, com o despacho do juiz, será, até o
dia seguinte ao último do prazo, entregue ao escrivão, que certificará no termo
da juntada a data da entrega.
§ 3º Interposto por termo o recurso, o escrivão, sob pena de suspensão por dez a
trinta dias, fará conclusos os autos ao juiz, até o dia seguinte ao último do prazo.
A revisão criminal também pode ser requerida pelo próprio réu, consoante
o art. 623 do CPP, in litteris: “Art. 623. A revisão poderá ser pedida pelo próprio
réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo
cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”
Da mesma forma a ação constitucional de habeas corpus, conforme previsão
do art. 654 do mesmo diploma legal: “O habeas corpus poderá ser impetrado por
qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.”
Na execução penal, os presos podem pleitear às autoridades judiciárias direta‑
mente, em defesa de seus direitos, segundo o art. 41, XIV, da Lei 7.210/1984, in verbis:
este writ, que somente ataca a decisão denegatória de liminar. Precedentes. II – A
vedação à liberdade provisória para o delito de tráfico de drogas advém da própria
Constituição, a qual prevê a inafiançabilidade (art. 5º, XLIII). III – A demora no
processamento da ação penal provocada pela complexidade do feito não configura
constrangimento ilegal. IV – Habeas corpus prejudicado. [HC 101.281/RN, rel. min.
Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ de 23-4-2010.]
Ementa: Habeas corpus. Impetração contra decisão monocrática de relator que, no Superior
Tribunal de Justiça, indeferiu pedido de liminar. Superveniência do julgamento de mérito.
Habeas corpus prejudicado. I – A superveniência do julgamento de mérito do habeas
corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça torna prejudicado o presente writ, que
somente ataca a decisão denegatória de liminar. Precedentes. II – Habeas corpus preju‑
dicado. [HC 99.462/RS, rel. min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ de 19‑3‑2010.]
Ementa: Agravo regimental no habeas corpus. Processual penal. Liminar indeferida
no Superior Tribunal de Justiça. Incidência, a princípio, da Súmula 691 do Supremo
Tribunal Federal. Julgamento definitivo do habeas corpus impetrado no Superior Tri-
bunal de Justiça. Agravo regimental prejudicado. 1. O Supremo Tribunal Federal não
admite o conhecimento de habeas corpus quando não houve a apreciação definitiva
dos fundamentos pelo órgão judiciário apontado como coator, mormente quando
o objeto foi prejudicado pelo julgamento definitivo do habeas corpus impetrado
no Superior Tribunal de Justiça. 2. Superveniência de decisão do habeas corpus no
Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo regimental em habeas corpus prejudicado.
[HC 94.412 AgR/RJ, rel. min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ de 22‑10‑2008.]
EXTRATO DA ATA
HC 102.836 AgR/PE — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Relator para o acórdão:
Ministro Dias Toffoli. Agravante: Adriano Silva de Lima. Agravado: Relator do
HC 117.440 do Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma conheceu do agravo regimental e
julgou prejudicada a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do ministro
Dias Toffoli, relator para o acórdão, vencida a ministra Cármen Lúcia, relatora
presidente, que não conhecia do recurso; e vencido, em parte, o ministro Marco
Aurélio, que o conhecia e afastava o prejuízo da impetração.
Presidência da ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão os ministros Marco
Aurélio, Dias Toffoli e Luiz Fux. Subprocurador-geral da República, doutor
Wagner Mathias.
Brasília, 8 de novembro de 2011 — Carmen Lilian, coordenadora.
HABEAS CORPUS 104.467 — RS
Relatora: A sra. ministra Cármen Lúcia
Pacientes: Arionildo Felix de Menezes
Janete da Silva
Impetrante: Defensoria Pública da União
Coator: Superior Tribunal de Justiça
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência da ministra Cármen
Lúcia, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, à unani‑
midade, em denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 8 de fevereiro de 2011 — Cármen Lúcia, relatora.
RELATÓRIO
A sra. ministra Cármen Lúcia: 1. Habeas corpus, com pedido de medida liminar,
impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de Arionildo Felix de Menezes
e Janete da Silva, contra julgado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
que, em 27-4-2010, negou provimento ao Agravo Regimental no Recurso Especial
1.167.646, rel. min. Haroldo Rodrigues.
2. Tem-se nos autos que, em 9-5-2006, o Ministério Público do Rio Grande
do Sul denunciou os pacientes pela suposta prática do crime de manter casa de
prostituição (art. 229 do Código Penal – fls. 10-12).
Em 29-1-2009, o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tramandaí/RS absol‑
veu os pacientes ao fundamento de que “casa de prostituição é conduta que vem
sendo descriminalizada pela jurisprudência em razão da liberação dos costumes,
sendo a conduta atípica” (fl. 19).
3. Contra essa decisão o Ministério Público interpôs apelação. Em 4-6-2009, a
Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provi‑
mento ao recurso para manter a absolvição dos pacientes, nos termos seguintes:
Apelação criminal. Manutenção de casa de prostituição. Adequação social do fato.
Atipicidade. Apelo [não] provido. Absolvição mantida.
À unanimidade, negaram provimento ao apelo ministerial. [Fl. 20.]
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): 1. Conforme relatado, a impetrante pre‑
tende a aplicação dos princípios da fragmentariedade e da adequação social para
que a conduta praticada pelos pacientes seja considerada materialmente atípica.
Penal para retirar-lhe a expressão “lugar destinado a encontros para fim libidi‑
noso”, mas manteve como típica a conduta imputada aos ora pacientes:
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra
exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprie‑
tário ou gerente.
Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Presidente, estou de acordo; considerações
de ordem moral não cabem, evidentemente, numa discussão jurídica como esta.
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, este caso lembrou-me de artigo que
li, hoje, no jornal O Estado de São Paulo: Calígula somos todos nós, de autoria
de um ator justamente para estampar certa hipocrisia. Agora, a atuação judicial
é vinculada, e o tipo do art. 229 do Código Penal está em pleno vigor. Não tenho
como fechar a legislação e conceder a ordem, muito embora reconheça a tole‑
rância que vem se verificando nos dias atuais.
Acompanho Vossa Excelência, indeferindo a ordem.
EXTRATO DA ATA
HC 104.467/RS — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Pacientes: Arionildo Felix de
Menezes e Janete da Silva. Impetrante: Defensoria Pública da União (Procurador:
Defensor público-geral federal). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da
relatora. Unânime. Presidência da ministra Cármen Lúcia.
Presidência da ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão os ministros Marco
Aurélio, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Subprocurador-geral da República,
doutor Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 8 de fevereiro de 2011 — Carmen Lilian, coordenadora.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do ministro Luiz Fux,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimi‑
dade de votos, em negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos
termos do voto da relatora.
Brasília, 17 de dezembro de 2013 — Rosa Weber, relatora.
RELATÓRIO
A sra. ministra Rosa Weber: Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus
interposto por Rodolfo Ramos Costa contra acórdão do Superior Tribunal de
Justiça que, nos autos do HC 214.294/SP, não conheceu do writ.
O recorrente foi denunciado e, posteriormente, pronunciado pela suposta
prática do crime de homicídio qualificado, por duas vezes, tipificado no art. 121,
§ 2º, I e IV, c/c os arts. 29 e 69, todos do Código Penal, por ter efetuado disparos
que levaram a óbito pai e filha de um ano e seis meses de idade.
A defesa, ao argumento de dúvida sobre a imparcialidade do júri, formulou
pedido de desaforamento nos termos do art. 427 do Código de Processo Penal.
Os autos foram distribuídos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que,
ao fundamento de não comprovação da suposta imparcialidade dos jurados,
indeferiu o pleito defensivo.
Contra essa decisão, impetrado o HC 214.914/SP perante o Superior Tribunal
de Justiça, que não conheceu da ordem em acórdão assim ementado:
Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Descabimento. Modificação
do entendimento jurisprudencial do STJ, em consonância com orientação adotada
pelo Pretório Excelso. Homicídio qualificado. Pedido de desaforamento. Alegado
comprometimento da imparcialidade do Conselho de Sentença. Ausência de dados
concretos. Relevância da opinião do magistrado singular. Inexistência de constran-
gimento ilegal. Habeas corpus não conhecido.
– O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, passou a adotar orien‑
tação no sentido de não mais admitir habeas corpus substitutivo de recurso pró‑
prio. Precedentes: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 11-9-2012, e
HC 104.045/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 6-9-2012, dentre outros.
– O Superior Tribunal de Justiça, na esteira desse entendimento, tem amoldado
o cabimento do remédio heroico, sem perder de vista, contudo, princípios cons‑
titucionais, sobretudo o do devido processo legal e da ampla defesa. Nessa toada,
tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a fim de se verificar a existência
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber (relatora): O presente recurso ordinário em habeas
corpus diz com o desaforamento pleiteado pela defesa, ao argumento da suposta
imparcialidade dos jurados, para deslocar a competência atribuída ao Tribunal
do Júri da Comarca de Sumaré/SP para a Comarca de Campinas/SP.
A decisão teve por fundamento a inadequação da via eleita pela defesa, tendo
em vista o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Primeira
Turma desta Suprema Corte de obstar a utilização do habeas corpus como subs‑
titutivo do recurso ordinário constitucional.
Primeiramente, destaco a observância, com as devidas adaptações, dos pre‑
cedentes da Primeira Turma desta Suprema Corte que não vêm admitindo a
utilização de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário.
Tal entendimento foi assentado, em 8-8-2012, no julgamento do HC 109.956/PR:
Habeas corpus – Julgamento por tribunal superior – Impugnação. A teor do dis‑
posto no art. 102, II, a, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em pro‑
cesso revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é
o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas
corpus. Processo – Crime – Diligências – Inadequação. Uma vez inexistente base para
o implemento de diligências, cumpre ao juízo, na condução do processo, indeferi‑
-las. [HC 109.956/PR, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 11-9-2012.]
O desvirtuamento do habeas corpus tem efeito ainda mais grave nos tribunais
superiores, diante das funções precípuas quer do Superior Tribunal de Justiça – a úl-
tima palavra na interpretação da lei federal –, quer desta Suprema Corte – a
guarda da Constituição.
Como a decisão atacada está conforme os precedentes da Primeira Turma,
não haveria como reconhecer a plausibilidade da pretensão veiculada na inicial.
Passo à análise da possibilidade da concessão de ofício da ordem de habeas corpus,
visto que apreciada a questão de mérito pela autoridade apontada como coatora.
O cerne da questão diz com o indeferimento do pedido de desaforamento
formulado pela defesa.
EXTRATO DA ATA
RHC 118.615/DF — Relatora: Ministra Rosa Weber. Recorrente: Rodolfo Ramos
Costa (Advogado: Nicolau Aun Júnior). Recorrido: Ministério Público Federal
(Procurador: Procurador-geral da República).
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus,
nos termos do voto da relatora. Unânime. Presidência do ministro Luiz Fux.
Presidência do ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os ministros Marco
Aurélio, Dias Toffoli, Rosa Weber e Roberto Barroso. Subprocuradora-geral da
República, doutora Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 17 de dezembro de 2013 — Carmen Lilian Oliveira de Souza, secretária
da Primeira Turma.
HABEAS CORPUS 119.979 — MG
Relatora: A sra. ministra Rosa Weber
Paciente: Alan Valério dos Santos
Impetrante: Defensoria Pública da União
Coator: Superior Tribunal de Justiça
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do ministro Luiz Fux, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,
RELATÓRIO
A sra. ministra Rosa Weber: Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defen‑
soria Pública da União em favor de Alan Valério dos Santos contra acórdão do
Superior Tribunal de Justiça que negou provimento ao agravo regimental no
AREsp 312.024/MG.
O paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal pela suposta prá‑
tica do crime de atividade clandestina de telecomunicação, tipificado no art. 183
da Lei 9.472/1997, por ter explorado serviço de comunicação multimídia por
intermédio da Rádio Cidade FM, 96,1 MHz, instalada em Belo Horizonte/MG.
O Juízo Federal da 9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Minas Gerais rejei‑
tou a denúncia por falta de justa causa (art. 395, III, do Código de Processo Penal).
Entretanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento ao re
curso em sentido estrito da acusação para receber a denúncia e determinar, em
consequência, o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento da
ação penal.
Contra esse acórdão, a defesa manejou recurso especial, inadmitido pelo Tri‑
bunal de origem, desafiando a interposição de agravo. No Superior Tribunal
de Justiça, o ministro Marco Aurélio Bellizze negou provimento ao agravo em
recurso especial. Submetida a questão ao Colegiado, a Quinta Turma da Corte
Superior negou provimento ao agravo regimental em acórdão assim ementado:
Penal e processo penal. Agravo regimental no agravo em recurso especial. 1. Con-
trariedade ao art. 183 da Lei 9.472/1997. Atividade clandestina de telecomunicação.
Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. 2. Baixa potência do equipamento.
Irrelevância. Crime de perigo abstrato. Desnecessidade de comprovação da lesividade
da conduta. Decisão recorrida em consonância com a jurisprudência desta Corte.
Súmula 83/STJ. 3. Agravo regimental improvido.
1. Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de não
ser possível a incidência do princípio da insignificância nos casos de prática do
delito descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/1997. De fato, a instalação de estação
clandestina de radiofrequência sem autorização dos órgãos e entes com atribui‑
ções para tanto – Ministério das Comunicações e ANATEL –, já é, por si só, sufi‑
ciente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema
de telecomunicações do país, não podendo, portanto, ser vista como uma lesão
inexpressiva. Ademais, as particularidades do caso não justificam a excepcional
aplicação do referido princípio, pois, ainda que o laudo tenha atestado a potência
de 10,37 W, constatou-se que mesmo com esse valor, o equipamento foi capaz de
causar interferência em outros serviços, além de estar situado em grande centro
urbano – Belo Horizonte.
2. Quanto à alegação de que o delito do art. 183 da Lei n. 9.427/1997 seria de perigo
concreto, tem-se que é assente a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido
de que se trata de crime de perigo abstrato. Isso porque, para sua consumação,
basta que alguém desenvolva de forma clandestina as atividades de telecomuni‑
cações, sem necessidade de demonstrar o prejuízo concreto para o sistema de
telecomunicações. Dessa forma, patente que o acórdão recorrido encontra-se em
consonância com a jurisprudência desta Corte, tanto no que concerne à não inci‑
dência do princípio da insignificância, quanto no que se refere à desnecessidade
de demonstração de prejuízo concreto, o que atrai a incidência do enunciado n.
83 da Súmula desta Corte.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber (relatora): A tese em debate no presente habeas
corpus diz com a aplicação ou não do princípio da insignificância ao caso concreto.
Conforme relatado, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento
ao recurso em sentido estrito e recebeu a denúncia oferecida em desfavor do
paciente pela suposta prática do crime de exploração clandestina de radiodi‑
fusão, descrito no art. 183 da Lei 9.427/1997. A inaplicabilidade do princípio da
insignificância foi corroborada pelo Superior Tribunal de Justiça.
A impetrante invoca a baixa frequência da rádio comunitária como justifica‑
tiva para a aplicação do princípio da bagatela.
Nessa linha, alguns julgados desta Corte, entre eles o seguinte, da lavra do
eminente ministro Ayres Britto:
Reiteradas vezes este Supremo Tribunal Federal debateu o tema da insignificância
penal. Oportunidades em que me posicionei pelo reconhecimento da insignifi‑
cância penal como expressão de um necessário juízo de razoabilidade e propor‑
cionalidade de condutas que, embora formalmente encaixadas no molde legal‑
-punitivo, materialmente escapam desse encaixe. [HC 109.277/SE, rel. min. Ayres
Britto, Segunda Turma, DJE de 17-2-2012.]
De todo modo, qualquer que seja a base jurídica para a aplicação do princípio da
insignificância, a pontual atenuação do rigor da lei em crimes de diminuta expres‑
são é medida necessária sob pena da criação de situações de acentuada injustiça
e da incômoda sensação de identificação da Justiça e do acusado com os perso‑
nagens literários inspetor Javert e Jean Valjean, da obra imortal de Victor Hugo.
Na espécie, o reconhecimento da prática de crime de perigo abstrato e a
potencialidade lesiva da conduta nortearam a inaplicabilidade do princípio da
insignificância pelas Cortes anteriores. Com percuciência, asseverou o Superior
Tribunal de Justiça:
Nesta Corte, prevalece o entendimento no sentido de não ser possível a incidência
do princípio da insignificância nos casos de prática do delito descrito no art. 183
da Lei n. 9.472/1997. Isso porque se considera que a instalação de estação clandes‑
tina de radiofrequência sem autorização dos órgãos e entes com atribuições para
tanto – Ministério das Comunicações e ANATEL –, já é, por si só, suficiente para
comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de teleco‑
municações do país, não podendo, portanto, ser vista como uma lesão inexpressiva.
(...)
Ademais, diversamente do que afirmado pelo agravante, entendo que as parti‑
cularidades do caso não justificam a excepcional aplicação do referido princípio.
Com efeito, ainda que o laudo tenha atestado a potência de 10,37 W, constatou‑
-se que mesmo com esse valor, o equipamento foi capaz de causar interferência
em outros serviços (fl. 14). E, ao contrário do caso analisado pelo Supremo Tribu‑
nal Federal, a rádio não se encontra em município pequeno afastado de grandes
centros urbanos, e sim na região de Belo Horizonte, capaz, assim, de vir a causar
prejuízos à segurança dos meios de comunicação.
(...)
Portanto, não há se falar em aplicação do princípio da insignificância.
Quanto à alegação de que o delito do art. 183 da Lei n. 9.427/1997 seria de perigo
concreto, verifico, da mesma forma, que a irresignação também não deve pros‑
perar. De fato, é assente a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido
de que se trata de crime de perigo abstrato. Isso porque, para sua consumação,
EXTRATO DA ATA
HC 119.979/MG — Relatora: Ministra Rosa Weber. Paciente: Alan Valério dos
Santos. Impetrante: Defensoria Pública da União (Procurador: Defensor público‑
-geral federal). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da
relatora. Unânime. Ausente, justificadamente, o ministro Dias Toffoli. Presidên‑
cia do ministro Luiz Fux.
Presidência do ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os ministros Marco Auré‑
lio, Rosa Weber e Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, o ministro Dias
Toffoli. Compareceu o ministro Teori Zavascki para julgar processos a ele vin‑
culados. Subprocurador-geral da República, doutor Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 10 de dezembro de 2013 — Carmen Lilian Oliveira de Souza, secretária
da Primeira Turma.
HABEAS CORPUS 120.617 — PR
Relatora: A sra. ministra Rosa Weber
Paciente: Charlie Cavaglieri
Impetrante: Defensoria Pública da União
Coator: Superior Tribunal de Justiça
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tri‑
bunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do ministro Marco Aurélio,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
RELATÓRIO
A sra. ministra Rosa Weber: Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defenso‑
ria Pública da União em favor de Charlie Cavaglieri contra acórdão do Superior
Tribunal de Justiça, que rejeitou os embargos de declaração no agravo regimental
no REsp 1.404.750/PR.
O paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de contrabando
ou descaminho, tipificado no art. 334, § 1º, d, do Código Penal, por transportar
mercadorias de origem estrangeira desacompanhadas de documentação legal,
tendo elidido tributos federais no valor de R$ 11.789,90.
O Juízo de Direito da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Foz de Iguaçu/
PR absolveu sumariamente o paciente, por atipicidade da conduta, forte na apli‑
cação do princípio da insignificância.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento da apelação minis‑
terial, também considerou atípico o crime de descaminho, pois o total da elisão
tributária não ultrapassava o valor estabelecido legalmente para o arquivamento
das ações fiscais de débitos inscritos como dívida ativa da União.
Irresignado, o Ministério Público Federal manejou o Recurso Especial 1.404.750/
PR ao Superior Tribunal de Justiça, que, por decisão monocrática da lavra do
ministro Moura Ribeiro, deu provimento ao apelo especial para afastar o princí‑
pio da insignificância e determinar o prosseguimento da ação penal na origem.
Contra essa decisão, a defesa interpôs agravo regimental, não provido pela
Corte Superior. Eis o teor do acórdão:
Agravo regimental no recurso especial. Crime de descaminho. Art. 334 do CP. Princípio
da insignificância. Não aplicação. Tributo ilidido acima do patamar previsto em lei
e apreciado pelo STJ. Agravo regimental não provido.
1. A Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp n. 1.112.748/TO,
representativo da controvérsia, firmou o entendimento de que é possível a aplica‑
ção do princípio da insignificância ao delito previsto no art. 334, do Código Penal,
desde que o total do tributo ilidido não ultrapasse o patamar de R$ 10.000,00 (dez
mil reais) previstos no art. 20, da Lei n. 10.522/02.
2. Na hipótese, inviável a aplicação do princípio da insignificância, tendo em
vista que o próprio acórdão recorrido destacou que o quantum indevidamente
apropriado pelo acusado monta o importe de R$ 11.789,90 (onze mil, setecentos e
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber (relatora): O presente habeas corpus diz com a apli‑
cação ou não do princípio da insignificância ao crime de descaminho, cujo tributo
elidido corresponde ao valor de R$ 11.789,90.
Esta Suprema Corte tem admitido a aplicação do princípio da insignificância
em casos envolvendo crimes de pequena dimensão.
A conduta delitiva seria tão diminuta que não afetaria materialmente o bem
jurídico protegido pela norma penal, sendo atípica da perspectiva material.
Tal entendimento encontra-se consubstanciado em diversos acórdãos desta
Suprema Corte:
A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do
fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configura‑
ção da tipicidade, é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias
do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave,
contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. [HC 109.739/SP, rel.
min. Cármen Lúcia, Primeira Turma do STF, un., j. 13-12-2011, DJE 32, de 13-2-2012.]
De todo modo, qualquer que seja a base jurídica para a aplicação do princípio da
insignificância, a pontual atenuação do rigor da lei em crimes de diminuta expres‑
são é medida necessária sob pena da criação de situações de acentuada injustiça
e da incômoda sensação de identificação da Justiça e do acusado com os perso‑
nagens literários inspetor Javert e Jean Valjean, da obra imortal de Victor Hugo.
A hipótese dos autos envolve a prática de crime de descaminho, pelo não reco‑
lhimento de tributos devidos pela importação de mercadorias de procedência
estrangeira, no montante de R$ 11.789,90.
Para crimes de descaminho, a jurisprudência predominante da Suprema Corte
considerava, até pouco tempo, para avaliação da insignificância, o patamar de
R$ 10.000,00, o mesmo previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, que determina
o arquivamento de execuções fiscais de valor igual ou inferior a este patamar.
Nesse sentido:
Penal. Habeas corpus. Crime de descaminho. Valor sonegado inferior ao fixado no
art. 20 da Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004. Princípio da
insignificância. Aplicabilidade. Precedentes. Ordem concedida. I – Nos termos da
jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao
delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no
art. 20 da Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004. II – Ordem
concedida para, reconhecendo-se a atipicidade da conduta, determinar o tran‑
camento da ação penal. [HC 112.772/PR, rel. min. Ricardo Lewandowski, Segunda
Turma, por maioria, j. 11-9-2012.]
DJE de 17-9-2013; e HC 115.331, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJE de
1º-7-2013 –, uma vez afastado o princípio da insignificância dada a reiteração da
conduta criminosa.
In casu, juntada aos autos certidão de antecedentes criminais atestando a
inexistência de registros criminais pretéritos em nome do paciente.
Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus, para reconhecer a ati‑
picidade da conduta imputada ao paciente com o consequente trancamento da
ação penal de origem.
É como voto.
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio (presidente): A responsabilidade penal é inde‑
pendente da fiscal. Entendo que o que disciplinado quanto a não se tocar o
executivo fiscal, quando o débito deixa de não alcançar determinado valor, não
afasta a responsabilidade penal.
Por isso, indefiro a ordem.
EXTRATO DA ATA
HC 120.617/PR — Relatora: Ministra Rosa Weber. Paciente: Charlie Cavaglieri.
Impetrante: Defensoria Pública da União (Procurador: Defensor público-geral
federal). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu a ordem de habeas corpus,
nos termos do voto da relatora, vencido o ministro Marco Aurélio, presidente.
Presidência do ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os ministros Dias
Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso. Subprocuradora-geral da Repú‑
blica, doutora Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 4 de fevereiro de 2014 — Carmen Lilian Oliveira de Souza, secretária
da Primeira Turma.
AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 530.121 — PR
Relator: O sr. ministro Ricardo Lewandowski
Agravante: Ghignone Distribuidora de Publicações Ltda.
Agravado: Município de Curitiba
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do ministro Ricardo
Lewandowski, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi‑
cas, por maioria de votos, negar provimento ao agravo regimental no recurso
extraordinário, nos termos do voto do relator, vencido o ministro Marco Aurélio.
Brasília, 9 de novembro de 2010 — Ricardo Lewandowski, presidente e relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto
contra decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário.
A agravante sustentou, em suma, que a decisão agravada deve ser reformada, ao
argumento de que a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da Constituição
Federal abrange, também, o serviço de distribuição de livros, jornais e periódicos,
sob pena de se desconhecer o objeto precípuo da norma constitucional, que tem
de ser o verdadeiro estímulo à veiculação de ideias e notícias, tal como inerente
ao próprio Estado Democrático de Direito. [Fl. 380.]
É o relatório.
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (relator): Eis o teor da decisão agravada:
Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que entendeu pela
incidência do ISS sobre o serviço de distribuição de livros e periódicos, ao argu‑
mento de que a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da Constituição
Federal não alcança o referido serviço.
Neste recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou‑
-se, em suma, que a atividade desenvolvida pela recorrente está abrangida pela
mencionada imunidade.
A pretensão recursal não merece acolhida.
O acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência desta Corte
no sentido de que a imunidade em questão não alcança os serviços prestados por
empresas que fazem a distribuição, o transporte ou a entrega de livros, jornais,
periódicos e do papel destinado a sua impressão.
Nesse sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: AI 368.077 AgR/SP,
rel. min. Sepúlveda Pertence; RE 206.774/RS, rel. min. Ilmar Galvão; RE 116.607 EDv‑
-AgR/SP e RE 375.603/MG, rel. min. Carlos Velloso; RE 541.941/MS, rel. min. Gilmar
Mendes; AI 738.717/SP, rel. min. Carlos Britto; RE 116.607/SP, rel. min. Moreira Alves.
Isso posto, nego seguimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 557, caput).
[Fl. 368.]
Bem reexaminada a questão, verifica-se que a decisão ora atacada não merece
reforma, visto que a recorrente não aduz novos argumentos capazes de afastar as
razões nela expendidas, que devem ser mantidas por seus próprios fundamentos.
Com efeito, a decisão agravada está em conformidade com a jurisprudência
desta Corte, que possui entendimento no sentido de que a imunidade tributária
EXTRATO DA ATA
RE 530.121 AgR/PR — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante: Ghig‑
none Distribuidora de Publicações Ltda. (Advogados: Jamil Ibrahim Tawil Filho
e outros). Agravado: Município de Curitiba (Procurador: Procurador-geral do
Município de Curitiba).
Decisão: Após os votos dos ministros Ricardo Lewandowski, relator presi‑
dente, e Dias Toffoli e da ministra Cármen Lúcia, que negavam provimento ao
agravo regimental no recurso extraordinário, pediu vista do processo o ministro
Marco Aurélio.
Presidência do ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à sessão o ministro
Marco Aurélio, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Dias Toffoli. Compareceu
à abertura da sessão o ministro Ayres Britto. Subprocurador-geral da República,
doutor Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 17 de agosto de 2010 — Fabiane Duarte, coordenadora.
VOTO-VISTA
O sr. ministro Marco Aurélio: O processo de número 23 da lista versa:
Tributário. ISS. Imunidade tributária. (...) Serviços de distribuição, transporte ou
entrega de livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão. Impossi-
bilidade. Interpretação restritiva.
EXTRATO DA ATA
RE 530.121 AgR/PR — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante: Ghig‑
none Distribuidora de Publicações Ltda. (Advogados: Jamil Ibrahim Tawil Filho
e outros). Agravado: Município de Curitiba (Procurador: Procurador-geral do
Município de Curitiba).
Decisão: Por maioria de votos, a Turma negou provimento ao agravo regimen‑
tal no recurso extraordinário, nos termos do voto do relator, vencido o ministro
Marco Aurélio. Presidência do ministro Ricardo Lewandowski.
Presidência do ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à sessão o ministro
Marco Aurélio, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Dias Toffoli. Compareceu
à sessão o ministro Joaquim Barbosa para julgar processos a ele vinculados.
Subprocuradora-geral da República, doutora Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 9 de novembro de 2010 — Fabiane Duarte, coordenadora.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do ministro Carlos Ayres
Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por deci‑
são unânime, negar provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento,
nos termos do voto do relator.
Brasília, 15 de dezembro de 2009 — Ricardo Lewandowski, relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto
contra decisão em que neguei seguimento ao agravo de instrumento sob o argu‑
mento de que o acórdão recorrido estava em harmonia com o entendimento do
Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar a ADI 1.931 MC/DF, rel. min. Maurício
Corrêa, decidiu pela manutenção da vigência do art. 32 da Lei 9.656/1998.
A agravante sustentou, em suma, que a decisão na ADI 1.931/DF foi proferida
em sede cautelar e não no julgamento de mérito.
Argumentou, ademais, a inconstitucionalidade formal e material do art. 32
da Lei 9.656/1998.
É o relatório.
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (relator): Bem reexaminada a questão,
verifico que a decisão ora atacada não merece reforma, visto que a recorrente
não aduziu novos argumentos capazes de afastar as razões nela expendidas.
Inicialmente, assento que, após refletir sobre o tema, e com base nos prece‑
dentes já citados na decisão agravada, não há razão para sobrestar este feito.
O sobrestamento é requerido sob o fundamento de que ainda pende de apre‑
ciação por esta Corte o mérito da ADI 1.931/DF, rel. min. Marco Aurélio.
Nessa ação direta a Confederação Nacional de Saúde – Hospitais, Estabeleci‑
mentos e Serviços (CNS) impugnou a Lei 9.656/1998, que dispõe sobre os planos
e seguros privados de assistência à saúde.
No julgamento da cautelar na referida ação direta de inconstitucionalidade, o
Plenário desta Corte deferiu, em parte, a medida tão somente para suspender a
eficácia do art. 35-E (redação dada pela MP 2.177-44/2001), da expressão “atuais
e” constante no § 2º do art. 10 e da expressão “artigo 35-E”, contida no art. 3º da
Medida Provisória 1.908-18/1999.
À ocasião, quanto à inconstitucionalidade do art. 32 da Lei 9.656/1998, assen‑
tou o ministro Maurício Corrêa que
outra questão tida como contrária e ofensiva ao princípio da proporcionalidade
seria o ressarcimento, de que trata o caput do art. 32 da lei, ao poder público dos
serviços de atendimento que a rede hospitalar de saúde pública prestar ao contra‑
tado do plano. Frise-se que esses serviços só atingem os atendimentos previstos em
contrato e que forem prestados aos respectivos consumidores e seus dependentes
por instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes
EXTRATO DA ATA
AI 589.182 AgR/RJ — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante: Asso‑
ciação Auxiliadora das Classes Laboriosas (Advogados: Osmar Mendes Paixão
Côrtes e outros e Karla Marçon Spechoto). Agravada: Agência Nacional de Saúde
Suplementar – ANS (Advogada: Procuradoria-Geral Federal).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de ins‑
trumento, nos termos do voto do relator. Unânime. Presidência do ministro
Carlos Ayres Britto.
Presidência do ministro Carlos Ayres Britto. Presentes à sessão os ministros
Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Dias
Toffoli. Subprocurador-geral da República, doutor Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 15 de dezembro de 2009 — Ricardo Dias Duarte, coordenador.
AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 594.040 — SP
Relator: O sr. ministro Ricardo Lewandowski
Agravante: Departamento Autônomo de Água e Esgotos de Araraquara
Agravado: Dejair Maximino da Silva
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do ministro Ricardo
Lewandowski, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,
por decisão unânime, negar provimento ao agravo regimental no recurso extra‑
ordinário, nos termos do voto do relator.
Brasília, 6 de abril de 2010 — Ricardo Lewandowski, presidente e relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto
contra decisão que deu provimento ao recurso extraordinário (fls. 169-173), sob
o fundamento de que não é válida a demissão de servidor público, mesmo que
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (relator): Eis o teor da decisão agravada:
Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que entendeu válida
a dispensa imotivada de servidor público em estágio probatório, ao argumento de
que ainda não gozava o direito à estabilidade.
Neste recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou‑
-se ofensa aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, e 41, § 1º, II, da mesma Carta.
A pretensão recursal merece acolhida. Consta do voto vencido do relator origi‑
nário do acórdão recorrido:
(...) A situação dos autos, entretanto, não se limita ao reconhecimento da esta‑
bilidade do art. 41 da Constituição Federal ao empregado público admitido
por concurso público, porquanto, na hipótese, o reclamante foi dispensado
imotivadamente no curso do estágio probatório (...) (fl. 126).
O acórdão recorrido, assim, está em confronto com a jurisprudência desta Corte,
que, no julgamento do RE 223.904/MG, rel. min. Ellen Gracie, concluiu:
Constitucional. Administrativo. Recurso extraordinário. Servidor público estadual
não estável. Lei 10.254/1990/MG. Demissão por conveniência administrativa. Con-
traditório e ampla defesa. Necessidade.
1. É necessário o devido processo administrativo, em que se garantam o contra‑
ditório e a ampla defesa, para a demissão de servidores públicos, mesmo que não
estáveis. Precedentes: RE 223.927 AgR, DJ de 23-3-2001, e RE 244.543, DJ de 26-9-2003.
2. Recurso extraordinário conhecido e improvido.
No mesmo sentido, menciono precedentes de ambas as Turmas: RE 222.532/MG,
rel. min. Sepúlveda Pertence, e RE 378.041/MG, rel. min. Carlos Britto, Primeira
Turma; RE 240.735 AgR/MG, rel. min. Eros Grau, e AI 560.566 AgR/SP, rel. min.
Gilmar Mendes, Segunda Turma.
Cito, ainda, as seguintes decisões, entre outras: RE 395.219/ES, rel. min. Carlos Velloso;
AI 436.387/SP, rel. min. Sepúlveda Pertence; AI 521.843/SP, rel. min. Gilmar Mendes.
Por fim, o acórdão recorrido afronta a Súmula 21 do STF, que determina que o
“funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem
inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade”.
Isso posto, dou provimento ao recurso (CPC, art. 557, § 1º-A), mantidos os ônus
da sucumbência fixados no acórdão de fls. 85-88.
Bem reexaminada a questão, verifica-se que a decisão ora atacada não merece
reforma, visto que o recorrente não aduz novos argumentos capazes de afastar
as razões nela expendidas.
Não há falar, na espécie, em ofensa reflexa ou em necessidade de reexame de
provas, visto que o acórdão impugnado entendeu que o ora agravado, por não
ser estável, não faz jus à garantia constitucional de prévio processo adminis‑
trativo para sua dispensa (art. 41, § 1º), o que está em patente confronto com a
jurisprudência desta Corte.
Por oportuno, transcrevo a ementa do RE 223.927 AgR/MG, rel. min. Maurício
Corrêa, que bem ilustra o entendimento deste Tribunal sobre a questão em exame:
Agravo regimental em recurso extraordinário. Constitucional. Administrativo. Demis-
são de servidor público não estável. Garantia do contraditório e da ampla defesa.
Inobservância. 1. Servidor público não estável. Demissão por motivo de conveni‑
ência administrativa e interesse público. Inexistência de processo administrativo.
Nulidade do ato de dispensa por inobservância da garantia constitucional do con‑
traditório e da ampla defesa. Agravo regimental não provido.
EXTRATO DA ATA
RE 594.040 AgR/SP — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante: Depar‑
tamento Autônomo de Água e Esgotos de Araraquara (Advogados: Walter José
Faiad de Moura e outros). Agravado: Dejair Maximino da Silva (Advogados: Antô‑
nio Daniel Cunha Rodrigues de Souza e outros).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraor‑
dinário, nos termos do voto do relator. Unânime. Presidência do ministro Ricardo
Lewandowski.
Presidência do ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à sessão os ministros
Marco Aurélio, Ayres Britto, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Subprocurador-geral
da República, doutor Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 6 de abril de 2010 — Fabiane Duarte, coordenadora.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Joaquim
Barbosa, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
maioria e nos termos do voto da relatora, em conhecer e negar provimento ao
recurso extraordinário, vencido o ministro Dias Toffoli. Votou o presidente, minis‑
tro Joaquim Barbosa.
Brasília, 22 de maio de 2013 — Rosa Weber, relatora.
RELATÓRIO
A sra. ministra Rosa Weber: Trata-se de recurso extraordinário fundamentado
no art. 102, III, a, da Constituição Federal, interposto pela União, por alegada
violação dos arts. 155, § 2º, X; 149, § 2º, I; 150, § 6º; e 195, caput e I, b, da CF/1988,
contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em que negado provi‑
mento à apelação e à remessa oficial em mandado de segurança impetrado por
Schmidt Irmãos Calçados Ltda., para resguardar suposto direito à desoneração
da incidência do PIS e da Cofins sobre as transferências de créditos de ICMS a
terceiros, decorrentes de exportação.
A Corte de origem asseverou que, “na busca da desoneração das exportações,
o art. 155, § 2º, X, da Constituição Federal, previu a não incidência do ICMS sobre
operações que destinem mercadorias para o exterior, assegurando a manutenção
e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações anteriores”
(fl. 145v.). Nessa linha, concluiu se tratar de regra de imunidade, regulamentada
pelo art. 25, § 1º e § 2º, da Lei Complementar 87/1996, ao garantir “às empresas
exportadoras a possibilidade de transferir os seus créditos excedentes para outros
contribuintes do mesmo Estado” (fl. 146).
a seguridade social será financiada por toda a sociedade, com mera reprodu‑
ção, quanto ao art. 155, § 2º, X, a, da Lei Maior, das informações prestadas pela
Delegacia da Receita Federal em Novo Hamburgo/RS. Daí reputar incólumes
praticamente todos os fundamentos esgrimidos no acórdão recorrido, a atrair,
deficiente a fundamentação, as Súmulas 283 e 284/STF. Quanto ao mérito recur‑
sal, pugna pelo desprovimento do extraordinário, na esteira da jurisprudência
uníssona no âmbito da 4ª Região, afirmando incólumes os preceitos constitu‑
cionais invocados.
Inadmitido na origem o recurso especial (fls. 252-3), foi negado provimento
pelo STJ ao agravo interposto (fl. 256).
Admitido o recurso extraordinário (fl. 254), vieram os autos a este Tribunal.
A minha antecessora, ministra Ellen Gracie, manifestou-se pela existência
de repercussão geral da matéria (fl. 259), reconhecida pela Corte (fls. 260-64).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do subprocurador-geral
da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros, oficia no sentido do não provi‑
mento do recurso. Aponta que, “ao definir a base de cálculo das contribuições
para o PIS/Cofins, a Constituição adotou conceitos técnicos contábeis (receita
ou faturamento), o que não autoriza ao legislador federal extrapolá-lo, dentro de
sua competência tributária, com o fim de ampliar a conceituação de institutos
constitucionais, para neles fazer inserir elementos destinados a lhe propiciar
maior arrecadação” (fl. 274). Registra que “a EC n. 20/98, ao ampliar a base de
incidência do PIS/Cofins no art. 195, I, b, da Constituição Federal, para abranger
a receita, não significou deva tributar todo lançamento independentemente
da classificação contábil”, sustentando que em qualquer hipótese a receita e o
faturamento, para serem tributados, devem constituir riquezas reveladoras de
capacidade contributiva, e que os créditos de ICMS recolhidos nas operações
anteriores não compõem o patrimônio da empresa nem constituem receita pró‑
pria ou faturamento, enquanto meras receitas escriturais que reverterão após
aos cofres dos Estados e do Distrito Federal. Ressalta ainda a peculiaridade de
a mercadoria, na espécie, ser destinada ao exterior: “Nesse caso, o art. 155, § 2º,
X, a, da CF, com a redação conferida pela EC n. 42/2003, consagra o princípio
do país de destino que regula, em matéria de tributos indiretos, as operações
internacionais de bens e serviços, com a finalidade de que a tributação ocorra
no país importador, exonerando-se, portanto, as imposições no país de origem,
para que não haja ‘exportação de impostos’.” (fls. 271-7).
É o relatório.
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber (relatora): Trata-se de recurso extraordinário inter‑
posto pela União contra acórdão da Segunda Turma do egrégio Tribunal Regional
Federal da 4ª Região que, em mandado de segurança impetrado contra ato do
delegado da Receita Federal em Novo Hamburgo/RS, no qual concedida a ordem
para assegurar à impetrante o direito de excluir da base de cálculo do PIS e da
Cofins o valor relativo aos créditos de ICMS transferidos a terceiros, desproveu
a apelação e o recurso de ofício sob o fundamento de que as contribuições PIS
e Cofins “não incidem sobre os créditos de ICMS obtidos em razão do benefício
fiscal de que trata o art. 25 da LC 87/96, porquanto não constituem receitas, mas
custo recuperável sob a forma de compensação ou restituição”. Configurada,
portanto, a hipótese do art. 102, III, a, da Constituição da República.
Os dispositivos constitucionais que a União reputa violados – arts. 155, § 2º, X;
149, § 2º, I; 150, § 6º; e 195, caput e I, b – foram objeto de exame durante a discussão
do feito nas instâncias anteriores. Logo, satisfeito o requisito do prequestionamento.
A repercussão geral da matéria, por sua vez, não apenas foi suscitada em preli‑
minar no recurso extraordinário ora trazido a julgamento (item Da Repercussão
Geral, à fl. 184 dos autos), como restou reconhecida por esta Corte no âmbito do
Plenário Virtual, em 1º de julho de 2010.
Presentes os demais requisitos extrínsecos de admissibilidade, o recurso está
apto a ter o seu mérito analisado.
A União busca reverter o acolhimento da pretensão do contribuinte, empresa
exclusivamente exportadora, de não ter de lançar, na base de cálculo da Cofins
e da contribuição ao PIS não cumulativas, o valor obtido na transferência de
créditos de ICMS a terceiros.
Dita pretensão foi acolhida nas instâncias anteriores por mais de um funda‑
mento, a saber: i) pelos limites do conceito de receita; ii) pela imunidade das
receitas decorrentes de exportação frente às contribuições sociais e interventi‑
vas; e iii) pela própria imunidade das operações de exportação perante o ICMS.
Há, efetivamente, diversos enfoques para o deslinde da controvérsia, sendo que
todos convergem para a mesma solução. Nenhum deles, contudo, diz respeito à
concessão de benefícios fiscais, de modo a ensejar a invocação do art. 150, § 6º,
da Carta de 1988, que preceitua, verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de cré‑
dito presumido, anistia ou remissão, relativas a impostos, taxas ou contribuições,
atentar para a circunstância de que o exame de quais seriam os tributos que, por
esse critério, seriam alcançados por essa imunidade, para se ver que essa exegese
deve ser afastada por tornar a norma constitucional quase inócua. Com efeito, quais
seriam eles? Afastados os já excepcionados por ela, os demais impostos municipais
e estaduais são apenas os previstos na Constituição e seus fatos geradores não são
as operações pertinentes aos bens aludidos no § 3º do art. 153, o mesmo ocorrendo
com os federais nela previstos e com as contribuições de melhoria e as demais
contribuições, inclusive as sociais, admitidas como tributos pela Carta Magna.
Restariam os impostos federais, as contribuições a que alude o art. 149 da Consti‑
tuição e os empréstimos compulsórios que viessem a ser instituídos pela União e
as taxas. Mas também, com relação a esses tributos, a aplicação dessa imunidade
dificilmente poderia ocorrer, tendo em vista que, quanto aos impostos, estão eles
sujeitos às restrições do art. 154, I (vedação à cumulatividade e à utilização do fato
gerador ou da base de cálculo próprios dos previstos na Carta Magna), e os impos‑
tos excepcionados pelo § 3º do art. 155 abarcam a quase totalidade de hipóteses
de operações (mesmo quando usada essa expressão em sentido impróprio para
abarcar a importação e a exportação) que podem ser fatos geradores de tributos
dessa natureza, o mesmo se dando, e ainda com mais intensidade, com as taxas
por incidirem elas necessária e diretamente sobre a atuação do Estado com rela‑
ção ao contribuinte, quer por prestação de serviço público específico e divisível,
quer por exercício do poder de polícia, e também com as contribuições sociais, de
intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou
econômicas, por praticamente não poderem ter como fato gerador, em virtude de
sua natureza, cada operação relativa a bens. Portanto, livre dessas peias ficariam,
apenas, os empréstimos compulsórios que viessem a ser instituídos e que são excep‑
cionais. Tal imunidade teria sido criada para alcançar apenas esse magérrimo saldo?
Incidência nesse texto, para se lhe dar sentido realmente útil, não é apenas a deter‑
minante do fato gerador do tributo, mas a que, de modo imediato ou mediato, se
relacione exclusivamente às operações referentes aos bens em causa. Para finalidade
exclusivamente econômica de imunidade concedida pela vital importância desses
bens para a economia do País, é de dar-se aos termos que a instituíram significado
que, embora não estritamente técnico, lhes permita alcançar plenamente esse fim.
Por isso, não tenho dúvida em interpretar esse texto constitucional como abar‑
cando não só a incidência de tributo que incida imediatamente sobre as operações
relativas aos bens a que ele se refere, mas também aquele que incida mediatamente
sobre elas, como o que tenha como fato gerador a receita exclusivamente decor‑
rente dessas operações, cuja base de cálculo, por ser o valor dessa receita, venha
a ser fator de aumento do preço de venda desses bens.
Aliás, em matéria de receita, é preciso fazer-se distinção que se me afigura indis‑
pensável, principalmente porque, no caso sob exame, se está no terreno da inter‑
pretação, que é constitucional, do alcance de imunidade com finalidade exclusiva‑
mente econômica, e não no campo de igualdade de fatos geradores para se dizer
que o fato gerador “operação” não se confunde com o fato gerador “produto dessa
Todavia, essa situação fática, por si só, não é suficiente para afastar a imunidade,
na esteira da jurisprudência desta Corte, que tem se inclinado à interpretação
teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a maximizar-lhes o
potencial de efetividade, como garantia ou estímulo à concretização dos valores
constitucionais que inspiram limitações ao poder de tributar. [AI 674.339, rel.
min. Dias Toffoli, julgado em 27-2-2013, publicado no DJE 43, divulgado em 5-3-2013,
publicado em 6-3-2013.]
eventos registrados. O conteúdo dos fatos revela a natureza pela qual espera-se
sejam retratados, não o contrário”.1
Quanto ao conteúdo específico do conceito constitucional, a receita bruta pode
ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição
de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições, na esteira da clássica
definição que Aliomar Baleeiro cunhou acerca do conceito de receita pública:
Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quais‑
quer reservas, condições ou correspondências no passivo, vem acrescer o seu vulto,
como elemento novo e positivo.2
Ricardo Mariz de Oliveira especifica ser a receita “algo novo, que se incorpora
a um determinado patrimônio”, constituindo um “dado positivo para a mutação
patrimonial”.3
O aproveitamento dos créditos de ICMS por ocasião da saída imune para o
exterior não gera, de modo algum, receita tributável. Cuida-se de mera recupe‑
ração do ônus econômico advindo do ICMS, assegurada expressamente pelo
art. 155, § 2º, X, a, da Constituição Federal.
Nessa senda, José Antônio Minatel assinala que, na imensa maioria dos casos
de recuperação de custos ou despesas, não resta configurada receita tributável,
haja vista que:
(...) seu efeito econômico é de mera recomposição do patrimônio anteriormente
desfalcado, ou recomposição da mesma disponibilidade preexistente, não caracte‑
rizando nova riqueza auferida, tampouco é proveniente de remuneração de esforço,
direito ou atividade (...). A recuperação de custo ou despesa pode ser equiparada
aos efeitos da indenização, pela similitude no caráter de recomposição patrimonial,
guardadas as demais peculiaridades que tipificam os demais eventos.4
1 MINATEL, José Antonio. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua tributação. São
Paulo: MP, 2005. p. 244.
2 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p. 126.
3 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Conceito de receita como hipótese de incidência das contribuições
para a seguridade social (para efeitos da Cofins e da contribuição ao PIS). IOB – Repertório de
Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo, n. 1, p. 30, jan. 2001.
4 MINATEL, José Antonio. Op. cit., p. 218-9.
VOTO
O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, quando essa matéria foi colo‑
cada à consideração do Superior Tribunal de Justiça, para que lá fosse examinada,
do ponto de vista da legislação infraconstitucional, chegou-se à conclusão – e
essa acabou sendo uma jurisprudência pacífica – exatamente idêntica à que
chegou agora o voto da ministra Rosa Weber.
Eu mesmo tive oportunidade de acompanhar esse entendimento. Portanto,
do ponto de vista infraconstitucional, não há nenhuma ilegalidade no entendi‑
mento de que o aproveitamento do crédito de ICMS, nessas circunstâncias, não
é receita decorrente de operação sujeita à incidência do PIS e Cofins.
Agora, olhando a questão do ponto de vista constitucional, eu chego à mesma
conclusão. A interpretação dada pelo acórdão recorrido não ofende qualquer
norma da Constituição. Pelo contrário, dá concretude à cláusula constitucio‑
nal do art. 155, § 2º, X, que assegura ao exportador o direito a aproveitamento
do montante do ICMS cobrado nas operações anteriores a da exportação,
aproveitamento que se dá, entre outros modos, mediante transferência dos cor‑
respondentes créditos a terceiros, a outros sujeitos passivos do mesmo Estado,
segundo a Lei Complementar 87/1996, art. 25, § 1º, II.
De modo que o meu voto é acompanhando o voto da relatora.
VOTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, egrégio Plenário, ilustre represen‑
tante do Ministério Público, senhores advogados e estudantes aqui presentes.
Senhor Presidente, eu tive também a honra de participar do Superior Tribunal
de Justiça exatamente na mesma Turma a que pertenceu o meu eminente colega
Teori Zavascki, e, lá, sob o ângulo infraconstitucional, também esposamos esse
entendimento. Não só por isso, mas restaria muito pouco a dizer diante do bri‑
lhantismo do voto da ministra Rosa Weber, que esgotou o tema, com bastante
singularidade, e das manifestas sustentações orais empreendidas da tribuna,
tanto pela Fazenda Pública, quanto pelo advogado particular. Mas eu apenas
queria fazer pequenas digressões coloquiais, Senhor Presidente, para demonstrar
talvez quão assimilável seja esse resultado.
Não é do desconhecimento de quem quer que atue no âmbito tributário que o
regime de exportação tem um tratamento privilegiado. No Superior Tribunal de
Justiça nós tivemos, durante anos, exatamente uma discussão sobre o denomi‑
nado crédito-prêmio do IPI. E havia também, com relação a esse crédito-prêmio,
algumas inserções nesse tema do aproveitamento.
Em segundo lugar, a pretensão do particular encontra previsão expressa na
Constituição, em dois dispositivos específicos: no art. 149, § 2º, que exime as recei‑
tas de exportação da incidência das contribuições sociais; e no art. 155, X, a, que,
num sistema de integração normativa – aqui relembrado pelo ministro Teori
Zavascki –, vem ao encontro exatamente da Lei Complementar 87/1996, que, no
seu art. 25, complementa o inciso X, a – que regula exatamente as operações que
se destinam ao exterior –, ressaltando que é assegurada a manutenção e o aprovei‑
tamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores.
E, como bem explicitou o nobre advogado, essas operações anteriores não são
as operações de exportação, são aqueles créditos de ICMS que ele tem anterior‑
mente à realização da exportação, através da aquisição de insumos etc. E, como
bem se destacou, se esse crédito, pelo princípio da não cumulatividade, não é
receita, por que esse outro, principalmente no regime privilegiado da exportação,
há de ser considerado receita e tributado? Então a própria lei complementar
veio taxativamente e integrou esses cânones constitucionais, permitindo esse
VOTO
(Antecipação)
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, cumprimento a eminente rela‑
tora pelo voto trazido nesta data, mas também não deixo de cumprimentar
as belas sustentações formuladas pela Fazenda Pública e pelo advogado dos
contribuintes.
Inicio, Senhor Presidente, por dizer que eu não vejo, na letra a do inciso X do
art. 155 da Constituição, quando, na parte final, se diz que será “assegurada a
manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas opera‑
ções e prestações anteriores”, uma imunidade em relação a integrarem ou não
esses créditos a receita.
O que se está colocando, nesse dispositivo – e veja que o art. 155 se dirige aos
Estados, não se dirige à União –, é que esses créditos deverão, por parte daqueles
entes da Federação, ser assegurados. E dá-se, então, esse direito relativamente
às exportações, no sentido de assegurar esses créditos.
Qual é a tese que desenvolve a Fazenda? A tese que desenvolve a Fazenda – e
procurou explicitá-la, da tribuna, o procurador que fez a sustentação – é que,
ao adquirir esses créditos, o exportador já os coloca no preço. Então, ele estaria
tendo uma dupla vantagem, ele estaria tendo uma duplicidade de creditamento,
porque ele repassa isso no preço do produto da exportação e, depois, numa
operação que não é de exportação, numa operação que é interna, ele cede isso
a terceiros. E muito embora essa cessão a terceiros seja colocada como valor a
ser recuperado, e não como receita, isso não isenta esse valor da base de cálculo.
Ora, nós estamos a analisar sob a óptica da Constituição, nós não estamos,
aqui, a analisar sob a óptica das leis infraconstitucionais. E, sob a óptica da
Constituição, eu não vejo vedação de incidência da contribuição sobre o produto
dessa cessão. E não vejo – como já disse –, pela leitura da letra a referida, que ali
haja uma imunidade em relação à contribuição social.
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli: Cinge-se a controvérsia a verificar a possibilidade
de se fazer incidir a Cofins sobre valores recebidos a título de créditos escritu‑
rais de ICMS cedidos onerosamente a terceiros, acumulados em operações e
prestações anteriores e não repassados, em razão de a operação seguinte – a
destinação de mercadorias para o exterior – ser imune, conforme o art. 155, X,
a, da Constituição Federal, o qual estabelece:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
X – não incidirá:
a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços
prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveita-
mento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores.
com a venda dos créditos cedidos não traduz um ganho, ou seja, não é receita,
trata-se do ressarcimento do imposto pago por outros entes da cadeia; e (ii) os
valores auferidos com os créditos cedidos estariam contemplados pela imunidade
que acoberta a operação de exportação, em face da Cofins/PIS e perante o ICMS.
Ousamos divergir das conclusões externadas pela eminente ministra Rosa
Weber, rogando vênia desde já à ilustre relatora.
Em primeiro lugar, vislumbro uma problemática na adoção conjunta dos dois
fundamentos acima. Se o importe recebido com a venda dos créditos cedidos a
terceiros não é receita, constituindo-se mera recuperação de créditos, como pode
estar inserido no conceito de “receita de exportação” e ser, consequentemente,
imune à Cofins, na forma do art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal? Ou bem tais
valores traduzem um ganho e são receitas, e, a partir dessa premissa, podemos
discutir se são receitas de exportação e, portanto, imunes às contribuições em tela;
ou bem não são receitas e não podemos avançar na defesa da tese da imunidade.
Feita essa distinção, avançamos sobre o argumento que respaldaria a não inci‑
dência, consistente em verificar se os valores auferidos traduzem tão somente um
ressarcimento, de modo que, na operação de alienação dos créditos, não se apura
um ganho, não havendo, a partir de tal premissa, receita em sentido jurídico.
A partir desse entendimento, o valor obtido com a venda seria a recuperação do
imposto pago que não era próprio do exportador e, sim, daquele ou daqueles que o
antecederam na cadeia. Essa jurisprudência é firme no Superior Tribunal de Justiça,
para quem “a transferência de crédito de ICMS para terceiros não dá ensejo à inci‑
dência de PIS e Cofins, por não configurar receita, mas sim tributo” (AgRg no REsp
1.318.196/RS, rel. min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJE de 24-8-2012).
O entendimento externado no feito, confirmando o posicionamento do prece‑
dente acima, se legitima a depender da premissa adotada. Segundo entendo – e
essa é a premissa que adoto –, a análise do fenômeno econômico que ocorre
por trás do cenário narrado no aresto colacionado conduz a conclusão diversa.
Ao meu sentir, o entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça e
adotado pela ilustre relatora preteriu um substancial argumento deduzido pela
Fazenda Nacional. Não se sobrelevou o fato de que o expurgo do encargo cor‑
respondente ao imposto pago nas operações anteriores se verifica por “dentro”,
ou seja, no preço da mercadoria, e que, portanto, o valor recebido pelo alienante
dos créditos de ICMS é receita nova e não mera recuperação de crédito, apesar
de, contabilmente, circular pela conta de “valores a recuperar”.
O princípio é básico. O que faz um comerciante toda vez que o processo pro‑
dutivo revela um custo que não será recuperado? Acresce o custo no preço. E é
isso é o que se verifica neste caso.
Há de se ter em conta, ainda, que o custeio da seguridade social é regido pelo prin‑
cípio da universalidade do custeio e organizado tendo como objetivo a diversidade da
base de financiamento, nos termos dos arts. 194 e 195 da Constituição, de modo que
não se deve buscar interpretação que contrarie tais preceitos, reduzindo o custeio.
Aliás, foi justamente com fundamento na previsão constitucional de que a seguridade
social será financiada por toda a sociedade que esta Corte considerou abrangido pelo
vocábulo empregador, constante da redação original do art. 195, I, da CF, inclusive
a pessoa jurídica empregadora em potencial (RE 249.841 AgR, de minha relatoria).
O fato de cuidar-se de uma imunidade objetiva, por fim, também orienta o in
térprete.
Isso porque as imunidades objetivas visam, como já se viu, preservar da tributa‑
ção determinadas grandezas, atividades ou operações consideradas em si mesmas,
independentemente de quem as realize ou detenha.
refere aos tributos incidentes sobre essa base econômica (Cofins/PIS), abrange
as receitas que se originam da operação de exportação, ou seja, aquelas recei‑
tas que se incorporam ao patrimônio do exportador adquiridas com a venda
de mercadorias ou serviços ao exterior. Essa foi a premissa adotada pela Corte
no julgamento referido.
O argumento de que a máxima efetividade da norma de imunidade (e aqui
estamos falando da Cofins/PIS) só se alcançaria caso os valores que ingressam no
patrimônio do contribuinte com a venda de créditos de ICMS no mercado interno
não integrem a base de cálculo da Cofins, no meu entender, parte de um ponto
de vista estritamente econômico. Mas tal noção, importante para a elaboração
de políticas fiscais, é de todo insuficiente quando se lida com as competências e
com as leis tributárias. Por outro lado, pode-se até argumentar que o aproveita‑
mento dos créditos de ICMS visa dar máxima efetividade à imunidade prevista
no art. 155, X, a, da Carta Magna, relativamente ao ICMS, mas isso não implica
necessariamente o alargamento da desoneração para outras bases econômicas,
como as receitas decorrentes da exportação.
Ao que parece, a dinâmica do caso revela duas operações, que, embora, em
tese, possam se correlacionar indiretamente, são distintas e autônomas em sua
essência. A primeira operação é a remessa ao exterior da mercadoria. A segunda,
a cessão dos créditos acumulados dentro do território nacional.
Embora as operações possam ser consideradas como correlacionadas, pelo
menos indiretamente, na medida em que só haverá crédito a ser cedido se não
houver imposto na saída, as receitas adquiridas com a venda dos créditos não
são receitas de exportação, ou seja, não são “ingressos provenientes de uma
operação de exportação de bem ou serviço” (RE 564.413). Note-se que, se houver
imposto devido, não haverá crédito a alienar. Imagine um exportador que prati‑
que vendas internas e vendas ao exterior. Os créditos obtidos com as vendas ao
exterior poderão ser aproveitados nas saídas internas. Teremos, nesse caso, um
exportador que não aliena créditos, pois não haverá o que ceder, eis que os valo‑
res foram lançados como amortização das saídas que se operarem no território
nacional. Temos uma operação que se inicia e se exaure no mercado interno.
O acúmulo de crédito proveniente da não cumulatividade não é consequência
de exportação, mas de saídas desoneradas, seja por qual motivo for. Um deter‑
minado Estado, por exemplo, pode desonerar a remessa de produtos de saúde
para outro Estado da Federação vítima de uma catástrofe natural e permitir o
aproveitamento de créditos acumulados nessas operações pela via da cessão.
Indago: nessa situação, a alienação de tais créditos será desonerada dos demais
encargos? É evidente que não.
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, quero, inicialmente, parabe‑
nizar a ministra Rosa Weber pelo brilhantíssimo voto, no qual faz levantamento
e traz à rememoração de todos nós as decisões, a doutrina e as decisões deste
Tribunal, na linha tratando essa matéria.
E, sem me alongar também, Senhor Presidente, porque vou votar exatamente
no sentido de negar provimento – tal como já me manifestei sobre a matéria
em alguns precedentes, pelo menos que trataram tangencialmente do tema, e
até sobre, especificamente, o artigo da Constituição –, também voto no sentido
do que foi realçado pela ministra Rosa Weber, ou seja, não há contrariedade à
Constituição. Com as vênias do entendimento do eminente Dias Toffoli, a meu
ver, o que se faz, aqui, é exatamente fazer com que a norma constitucional tenha
concretude, segundo a teleologia proposta no sistema.
Razão pela qual acompanho, portanto, o voto da ministra para negar provi‑
mento ao recurso.
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, nós estamos num
momento histórico em que vários setores da sociedade insurgem-se contra aquilo
que chamam de “custo Brasil”. Esse “custo Brasil” é integrado não apenas por
ônus de natureza fiscal, mas também por outros tipos de gravames que pesam
sobre a indústria nacional e que impedem que ela se desenvolva e que se torne
um empreendimento nacional, à altura dos países desenvolvidos. Dentro desse
“custo Brasil”, como têm apontado os especialistas, encontra-se, exatamente, o
gravame que pesa sobre as exportações, e que onera sobremaneira este setor da
atividade empresarial nacional.
Nós acabamos de verificar que, depois de intenso debate, aprovou-se, no Con‑
gresso Nacional, a medida provisória relativa aos portos, eliminando ou, pelo
menos, diminuindo o gargalo que existia no que tange ao fluxo de mercadorias
nacionais para o exterior e das que provêm do exterior para o País. Eu quero
crer, Senhor Presidente, que estamos num cenário assemelhado a esse ao qual
me referi, em que se cuida exatamente de desonerar as exportações.
Eu queria me associar aos argumentos muito bem expostos pela eminente
ministra Rosa Weber, que, como bem assentou a ministra Cármen Lúcia, esgo‑
tou o assunto, a meu ver, do ponto de vista doutrinário e do ponto de vista juris‑
prudencial. Mas eu gostaria de assinalar um ponto que também já foi ventilado
pelos magistrados que me precederam: os créditos de ICMS não compõem, de
forma nenhuma, o patrimônio da empresa e nem constituem renda própria ou
faturamento, nos termos do art. 195, I, b, da Constituição Federal. Eles são meras
receitas escriturais, que, posteriormente, reverterão aos cofres da União, e, por
isso, não podem integrar a base de cálculo do PIS e Cofins.
Nesse sentido, então, acompanho a ministra Rosa Weber para negar provi‑
mento ao recurso da União.
VOTO
O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, também vou acompanhar as
doutas lições exauridas do voto da ministra Rosa Weber, que, eu diria, proferiu
um voto antológico sobre a matéria.
Gostaria de registrar os cumprimentos e acompanhar Sua Excelência.
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, constatamos julgamento exemplar,
considerada a sustentação feita da tribuna pelo doutor Danilo Knijnik, e o voto
substancioso da ministra Rosa Weber.
Percebo, passo a passo, a origem dos recordes na arrecadação tributária e
tenho presente, em primeiro lugar, que o contribuinte não fatura tributo e, em
segundo, que o Estado não pode dar com uma das mãos e tirar com a outra.
Também considero, Presidente, que não estamos a vislumbrar receita, aporte
de riqueza, levando em conta o patrimônio da exportadora. O que há, em última
análise – é impróprio falar de receita decorrente de crédito –, é recuperação de
custo havido com o ingresso da matéria-prima tributada. Então, veio a Lei Comple‑
mentar 87/1996, em plena harmonia com a imunidade constitucional, presentes as
importadoras, e versou a compensação de saldos credores, contemplando várias
situações jurídicas: aquela em que possa haver transferência para estabelecimento
diverso da empresa, a que a empresa, além das exportações, atua no mercado
interno – e se entendermos que, não atuando, há a incidência do PIS/Cofins sobre
VOTO
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Também eu mantenho a decisão
recorrida, porque entendo que os créditos a que se refere a lei complementar
não representam receita operacional da empresa. Trata-se, pura e simplesmente,
de reparação de prejuízo.
O sr. ministro Marco Aurélio: O desejável seria que a empresa exportadora
pudesse, como ressaltou o advogado da tribuna, ir ao guichê do Estado e receber
o crédito, e não transferi-lo, com deságio, como geralmente ocorre.
O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): É.
Então, por isso, acompanhando o belíssimo voto da ministra Rosa Weber, a
quem eu felicito pela magnífica peça, eu nego provimento ao recurso.
EXTRATO DA ATA
RE 606.107/RS — Relatora: Ministra Rosa Weber. Recorrente: União (Procurador:
Procurador-geral da Fazenda Nacional). Recorrida: Schmidt Irmãos Calçados
Ltda. (Advogado: Danilo Knijnik).
AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 633.009 — GO
Relator: O sr. ministro Ricardo Lewandowski
Agravante: Sinvaldo Rodrigues de Morais
Agravado: Estado de Goiás
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Segunda
Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do ministro Ayres Britto,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão
unânime, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do relator.
Ausente, justificadamente, o ministro Joaquim Barbosa.
Brasília, 13 de setembro de 2011 — Ricardo Lewandowski, relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto
contra decisão que conheceu do recurso extraordinário e deu-lhe provimento,
sob o entendimento de que é legítima a delegação pelo governador às suas secre‑
tarias da competência para aplicar penalidades de demissão aos servidores do
Executivo, tendo em vista o princípio da simetria.
O agravante sustenta, inicialmente, a ausência de prequestionamento em
relação aos arts. 37, caput, e 97 da Constituição Federal.
Alega, ainda, que a ofensa à Lei Maior se deu de forma reflexa, ao argumento
de que a questão foi decidida à luz da legislação local.
Quanto ao mérito, aduz que
nos arestos citados pelo Eminente Relator, havia previsão expressa da delegação de
competência para aplicação da penalidade de demissão. Entretanto, na hipótese
dos autos, a legislação estadual excepcionou da delegação a aplicação da pena de
demissão. [Fl. 1530.]
É o relatório.
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (relator): Bem reexaminada a questão,
verifica-se que a decisão ora atacada não merece reforma, visto que o recorrente
não aduz novos argumentos capazes de afastar as razões nela expendidas.
Com efeito, não assiste razão ao agravante quanto à alegada ausência de preques‑
tionamento dos arts. 37, caput, e 97 da Constituição Federal. Tais dispositivos cons‑
titucionais não foram apontados como violados pelo Estado de Goiás em sua peça
de recurso extraordinário. A propósito, a questão constitucional suscitada no apelo
extremo (art. 84, parágrafo único, da Lei Maior) restou devidamente prequestionada.
EXTRATO DA ATA
RE 633.009 AgR/GO — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante: Sin‑
valdo Rodrigues de Morais (Advogados: Juscimar Pinto Ribeiro e outros). Agra‑
vado: Estado de Goiás (Procurador: Procurador-geral do Estado de Goiás).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 637.485 — RJ
Relator: O sr. ministro Gilmar Mendes
Recorrente: Vicente de Paula de Souza Guedes
Recorrido: Ministério Público Eleitoral
Interessada: Dilma Dantas Moreira Mazzeo
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tri‑
bunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Ayres Britto, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade
de votos, reconhecer a repercussão geral das questões constitucionais e, por
maioria, dar provimento ao recurso e julgar inaplicável a alteração da jurispru‑
dência do Tribunal Superior Eleitoral quanto à interpretação do § 5º do art. 14
RELATÓRIO
O sr. ministro Gilmar Mendes: Vicente de Paula de Souza Guedes interpõe re
curso extraordinário contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral que, nos autos
do REspe 41.980-06, negou provimento a agravo regimental interposto contra
decisão monocrática do ministro Felix Fischer, que proveu recurso especial e
cassou o diploma do autor como prefeito do Município de Valença/RJ.
A petição do recurso relata que o autor, após exercer dois mandatos consecu‑
tivos como prefeito do Município de Rio das Flores/RJ, nos períodos 2001-2004 e
2005-2008, transferiu seu domicílio eleitoral e, atendendo às regras quanto à desin‑
compatibilização, candidatou-se ao cargo de prefeito do Município de Valença/RJ
no pleito de 2008. Na época, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral era
firme em considerar que, nessas hipóteses, não se haveria de cogitar da falta de
condição de elegibilidade prevista no art. 14, § 5º, da Constituição (reeleição), pois
a candidatura se daria em Município diverso. A candidatura sequer foi impugnada
e, transcorrido um período de exitosa campanha, o autor saiu vitorioso no pleito.
Ocorre que, em 17 de dezembro de 2008, já no período de diplomação, o TSE
alterou sua jurisprudência e passou a considerar tal hipótese como vedada pelo
art. 14, § 5º, da Constituição. Em razão dessa mudança jurisprudencial, o Minis‑
tério Público Eleitoral e a coligação adversária naquele pleito impugnaram a
expedição do diploma do autor, com fundamento no art. 262, I, do Código Elei‑
toral. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, com base na anterior juris‑
prudência do TSE, negou provimento ao recurso e manteve o diploma do autor.
Porém, no TSE, o recurso especial eleitoral foi julgado procedente por decisão
monocrática do ministro Felix Fischer. Contra essa decisão monocrática foi inter‑
posto agravo regimental, o qual foi negado pelo TSE, em decisão cuja ementa traz
os seguintes trechos representativos do novo entendimento adotado:
2. A partir do julgamento do Recurso Especial n. 32.507/AL, em 17-12-2008, esta c.
Corte deu nova interpretação ao art. 14, § 5º, da Constituição Federal, passando
a entender que, no Brasil, qualquer Chefe de Poder Executivo – Presidente da
República, Governador de Estado e Prefeito Municipal – somente pode exercer
dois mandatos consecutivos nesse cargo. Assim, concluiu que não é possível o
exercício de terceiro mandato subsequente para o cargo de prefeito, ainda que
em município diverso.
VOTO
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator):
Plenário, DJE de 28-8-2009, com repercussão geral; RE 344.882, rel. min. Sepúlveda
Pertence, julgamento em 7-4-2003, Plenário, DJ de 6-8-2004; RE 366.488, rel. min.
Carlos Velloso, julgamento em 4-10-2005, Segunda Turma, DJ de 28-10-2005).
Interessante questão diz respeito à elegibilidade de cidadão que, tendo exer‑
cido por dois períodos consecutivos o cargo de prefeito do Município X, transfere
regularmente seu domicílio eleitoral para o Município Y (comumente o Municí‑
pio Y é limítrofe ou resulta de desmembramento do Município X) e tenta nova
eleição nesse último em cargo de mesma natureza do anterior.
Mesmo antes do advento do instituto da reeleição, a questão já se colocava
ante a regra da inelegibilidade absoluta (“irreelegibilidade”) de quem já havia
exercido cargos de chefe do Poder Executivo. Sob a égide da Constituição de
1967/69, no julgamento do RE 100.825 (rel. p/ o ac. min. Aldir Passarinho, DJ de
7-12-1984), o Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão de saber se o prefeito
de um Município – na hipótese dos autos, o Município de Curiúva, no Paraná –
poderia, desde que se desincompatibilizasse oportunamente, candidatar-se
ao cargo de prefeito de outro Município – no caso, o Município de Figueira, no
mesmo Estado, resultante do desmembramento do Município de Curiúva. Na oca‑
sião, a Corte entendeu que a irreelegibilidade prevista na letra a do § 1º do art. 151
da Constituição de 1967/69 deve ser compreendida como proibitiva da reeleição
para o mesmo cargo. No caso dos autos, o cargo de prefeito de Figueira, embora
se tratasse de cargo da mesma natureza e resultante do desmembramento do
antigo Município, seria um outro cargo, na visão do Tribunal. Ao proferir voto‑
-vista, o ministro Oscar Corrêa teceu as seguintes considerações:
Há, pois, que lhe buscar o sentido exato, que é o de vedação de reeleição. E, obvia‑
mente, não há de ser senão de eleger, de novo, para o mesmo lugar. Não se reelege
quem se elege, de novo, para outro cargo. Quando se afirma que alguém se reelegeu,
não se precisa acrescentar nada, pois, no vocábulo, está implícita a exigência de
ser para a mesma função, cargo. Ou não seria reeleição.
considerar que esse princípio impede a terceira eleição não apenas no mesmo
Município, mas em relação a qualquer outro Município da Federação. Entendi‑
mento contrário tornaria possível a figura do denominado “prefeito itinerante”
ou do “prefeito profissional”, o que claramente é incompatível com esse princípio
republicano, que também traduz um postulado de temporariedade/alternância
do exercício do poder.
Portanto, ambos os princípios – continuidade administrativa e republica‑
nismo – condicionam a interpretação e a aplicação teleológicas do art. 14, § 5º,
da Constituição. A reeleição, como condição de elegibilidade, somente estará
presente nas hipóteses em que esses princípios forem igualmente contempla‑
dos e concretizados. Não estando presentes as hipóteses de incidência desses
princípios (é o que ocorre quando o caso envolve Municípios diversos) e, dessa
forma, não havendo a condição de elegibilidade, fica proibida a reeleição. Sig‑
nifica, ao fim e ao cabo, que o cidadão que exerce dois mandatos consecutivos
como prefeito de determinado Município fica inelegível para o cargo da mesma
natureza em qualquer outro Município da Federação.
Em suma, traduzindo em outros termos, pode-se placitar a interpretação
do art. 14, § 5º, da Constituição dada pelo ministro Carlos Britto no âmbito
do Tribunal Superior Eleitoral: “somente é possível eleger-se para o cargo de
prefeito municipal por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-
-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura
a outro cargo, ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador
de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal,
portanto” (Recurso Especial Eleitoral 32.359/AL).
Para se resolver o caso concreto, porém, não se pode deixar de analisar se a
decisão do TSE, ao modificar jurisprudência de longa data, respeitou o princípio
da segurança jurídica.
Por isso, a candidatura do autor sequer chegou a ser impugnada pelo Ministé‑
rio Público ou por partido político. Assim, transcorrido todo o período de campa‑
nha, pressuposta a regularidade da candidatura, tudo conforme as normas (legais
e jurisprudenciais) vigentes à época, o autor saiu-se vitorioso no pleito eleitoral.
Em 17 de dezembro de 2008, já no período de diplomação dos eleitos, o TSE
alterou radicalmente sua jurisprudência e passou a considerar tal hipótese como
vedada pelo art. 14, § 5º, da Constituição.
Em razão dessa mudança jurisprudencial, o Ministério Público Eleitoral e a
coligação adversária naquele pleito impugnaram a expedição do diploma do
autor, com fundamento no art. 262, I, do Código Eleitoral. O Tribunal Regional
Eleitoral do Rio de Janeiro, com base na anterior jurisprudência do TSE, negou
provimento ao recurso e manteve o diploma do autor. Porém, no TSE, o recurso
especial eleitoral foi julgado procedente e, após rejeição dos recursos cabíveis,
determinou-se a cassação do diploma do autor.
O caso descrito, portanto, revela uma situação diferenciada, em que houve
regular registro da candidatura, legítima participação e vitória no pleito elei-
toral e efetiva diplomação do autor, tudo conforme as regras então vigentes
e sua interpretação pela Justiça Eleitoral. As circunstâncias levam a crer que
a alteração repentina e radical dessas regras, uma vez o período eleitoral já
praticamente encerrado, repercute drasticamente na segurança jurídica que
deve nortear o processo eleitoral, mais especificamente na confiança não
somente do cidadão candidato, mas também na confiança depositada no
sistema pelo cidadão-eleitor.
Em casos como este, em que se altera jurisprudência longamente ado-
tada, parece sensato considerar seriamente a necessidade de se modular os
efeitos da decisão, com base em razões de segurança jurídica. Essa tem sido
a praxe neste Supremo Tribunal Federal, quando há modificação radical de
jurisprudência.
Cito, a título de exemplo, a decisão proferida no Inq 687 QO (DJ de 9-11-2001),
em que o Tribunal cancelou o enunciado da Súmula 394, ressalvando os atos
praticados e as decisões já proferidas que nela se basearam.
No CC 7.204/MG, rel. min. Carlos Britto (julgamento em 29-6-2005), fixou-se
o entendimento de que “o Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Consti‑
tuição republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia
prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos,
toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência
ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações juris‑
prudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto”.
tal modo que a norma dada deixou de se “ajustar” às novas relações. É o factor
temporal que se faz notar aqui. Qualquer lei está, como facto histórico, em relação
actuante com o seu tempo. Mas o tempo também não está em quietude; o que no
momento da gênese da lei actuava de modo determinado, desejado pelo legisla‑
dor, pode posteriormente actuar de um modo que nem sequer o legislador previu,
nem, se o pudesse ter previsto, estaria disposto a aprovar. Mas, uma vez que a lei,
dado que pretende ter também validade para uma multiplicidade de casos futu‑
ros, procura também garantir uma certa constância nas relações inter-humanas,
a qual é, por seu lado, pressuposto de muitas disposições orientadas para o futuro,
nem toda a modificação de relações acarreta por si só, de imediato, uma alteração
do conteúdo da norma. Existe a princípio, ao invés, uma relação de tensão que
só impele a uma solução – por via de uma interpretação modificada ou de um
desenvolvimento judicial do Direito – quando a insuficiência do entendimento
anterior da lei passou a ser “evidente”. [LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do
direito. 3. ed. Lisboa: 1997. p. 495.]
Häberle indaga:
O que significa tempo? Objetivamente, tempo é a possibilidade de se introduzir
mudança, ainda que não haja a necessidade de produzi-la. [HÄBERLE. Zeit und
Verfassung. Op. cit., p. 300.]
Tal como anota Häberle, “o tempo sinaliza ou indica uma reunião (ensemble)
de forças sociais e ideias. (...) A ênfase ao ‘fator tempo’ não deve levar ao entendi‑
mento de que o tempo há de ser utilizado como ‘sujeito’ de transformação ou de
movimento (...). A história (da comunidade) tem muitos sujeitos. O tempo nada
mais é do que a dimensão na qual as mudanças se tornam possíveis e necessárias
(...)” (HÄBERLE. Zeit und Verfassung. Op. cit., p. 300).
Não é raro que essas alterações de concepções se verifiquem, entre outros
campos, exatamente em matéria de defesa dos direitos fundamentais. Aqui talvez
se mesclem as mais diversas concepções existentes na própria sociedade e o
processo dialético que as envolve. E os diversos entendimentos de mundo con‑
vivem, sem que, muitas vezes, o “novo” tenha condições de superar o “velho”.
É natural também que esse tipo de situação se coloque de forma bastante
evidente no quadro de uma nova ordem constitucional. Aqui, entendimentos
na jurisprudência, doutrina e legislação tornam, às vezes, inevitável que a inter‑
pretação da Constituição se realize, em um primeiro momento, com base na
situação jurídica pré-existente. Assim, até mesmo institutos novos poderão ser
interpretados segundo entendimento consolidado na jurisprudência e na legis‑
lação pré-constitucionais. Nesse caso, é igualmente compreensível que uma nova
orientação hermenêutica reclame cuidados especiais.
norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a atuação
sempre ameaçadora da maioria.
IV – Recurso extraordinário conhecido e provido. Recurso extraordinário conhe‑
cido para: a) reconhecer a repercussão geral da questão constitucional atinente
à aplicabilidade da LC 135/2010 às eleições de 2010, em face do princípio da ante‑
rioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), de modo a permitir aos tribunais e
turmas recursais do País a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de
retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que
as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada;
b) dar provimento ao recurso, fixando a não aplicabilidade da Lei Complementar
135/2010 às eleições gerais de 2010.
4. Conclusão
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para:
a) reconhecer a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à
(a.1) elegibilidade para o cargo de prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos
consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação
do art. 14, § 5º, da Constituição); e (a.2) retroatividade ou aplicabilidade imediata
no curso do período eleitoral da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que implica
DEBATE
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, Vossa Excelência me permite
só uma indagação para efeito de esclarecimento para os que vão votar?
A modulação, portanto, se refere ao caso concreto, porque se tratava das elei‑
ções de 2008, o que significa que a jurisprudência, que por maioria se afirmou
no Tribunal Superior Eleitoral no sentido desta proibição, vale para as eleições
de 2012, porque aí já não há mais novidade. Há quatro anos, por maioria, vem
sendo aplicada. Estou entendendo corretamente?
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ministra Cármen Lúcia, Vossa Exce‑
lência me permite uma pequena intervenção?
Eu, lendo aqui atentamente o doutíssimo voto do ministro Aldir Passarinho
Filho, ele rechaça, com argumentos, a meu ver, muito fortes, essa questão da
retroação, dizendo que, em matéria constitucional, não há essa possibilidade de
retroação. Quando há mudança constitucional, e cita inclusive um acórdão do
ministro Cezar Peluso, em que diz que a mudança de jurisprudência não tem o
condão de afetar direitos fundamentais, em primeiro lugar.
Segundo lugar, agora em resposta ao que Vossa Excelência levanta, aliás, inclu‑
sive há uma citação de um acórdão do ministro Joaquim Barbosa, em resposta
mais específica ao que Vossa Excelência levanta, o ministro Aldir Passarinho
assinala exatamente o seguinte: “Se não aplicarmos às eleições de 2008, nós
vamos inclusive ferir o princípio da isonomia, porque nós estamos aplicando
sistematicamente aos casos já pretéritos ocorridos nas eleições de 2008”. Então,
eu ousaria apontar que, na verdade, se nós dermos um efeito prospectivo a este
caso e aplicarmos a repercussão geral, isto repercutirá sobre todas as questões
já julgadas relativamente ao pleito de 2008.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Pois é. Esta questão é que está posta.
Na verdade, não me parece correto afirmar que a interpretação constitucional
nova adotada não afeta direitos fundamentais. Ao revés, a toda hora nós vamos
ter esse fenômeno. É o princípio da confiança jurídica. É elementar que o Estado
de Direito se assenta pelo menos em duas premissas básicas: de um lado, a ideia
estrita de legalidade; de outro, a ideia de segurança jurídica. Neste caso, o que
nós estamos discutindo é o caso específico. Tanto é que a ministra Cármen Lúcia
há pouco chamava a atenção para um outro fenômeno em que houve uma con‑
sulta de um prefeito.
A sra. ministra Cármen Lúcia: É, foi um único caso.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Houve a autorização para que ele
fosse, portanto...
A sra. ministra Cármen Lúcia: Nós votamos exatamente, foi o único caso
no qual eu votei diferentemente, que era um caso de Santa Catarina, em que
o prefeito, antes de se desincompatibilizar, ele questionou o Tribunal Regional
Eleitoral, e o Tribunal respondeu afirmativamente.
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ou seja, mostrando absoluta boa-fé.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): É.
A sra. ministra Cármen Lúcia: E, com base nesta decisão que lhe era específica,
ele então se desincompatibilizou. Foi o único caso em que eu votei diferentemente,
mas apenas para afirmar isso, que aceito que neste caso havia confiança jurídica.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Mas eu estou dizendo que a jurispru‑
dência dominante faz com que, voltando ao texto de Larenz e Häberle, a norma é
a sua interpretação, na verdade, o entendimento do TSE integrava esse conceito
de elegibilidade, tanto é que, neste caso específico, não houve sequer impugna‑
ção, nem por parte do Ministério Público nem por parte dos adversários. É para
esse ponto que estou chamando a atenção.
O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Gilmar, a questão que se põe, no meu
modo de ver – a modulação é corretíssima, porque realmente hoje a força da
TSE pode modificar o seu entendimento, com tal repercussão, com efeitos sobre
pleitos que estão em curso, é essa a discussão.
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Ele está lá para isso. O TSE está aí para isso.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não, não me parece que seja.
O sr. ministro Joaquim Barbosa: E mais: o TSE julgou no sentido da Consti‑
tuição, da preservação da Constituição, e não o contrário.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não, até então o TSE tinha um enten‑
dimento que se dizia compatível com a Constituição, depois mudou de entendi‑
mento, e ambos eram compatíveis com a Constituição. Nós já tivemos casos aqui,
Presidente, por exemplo: progressão de regime. Progressão de regime, o Tribunal
dizia que a lei era constitucional, a lei que estabelece a obrigatoriedade de cum‑
primento da pena em regime fechado, depois o Tribunal mudou de orientação.
Qual era o entendimento correto? Ambos.
O sr. ministro Dias Toffoli: Tinha a resolução.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Do ponto de vista kelseniano de
proposição normativa, ambos os entendimentos eram corretos.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Tanto é que nós fizemos a modulação
para compatibilizar as decisões.
O sr. ministro Dias Toffoli: Ministro Gilmar, tinha uma resolução de fevereiro
de 2008, Instrução 120 do TSE, que dizia o seguinte (art. 14, cabeça):
Art. 14. Para concorrerem a outros cargos, o presidente da República, os governado‑
res de estado e do Distrito Federal e os prefeitos devem renunciar aos respectivos
mandatos até 6 meses antes do pleito (Constituição Federal, art. 14, § 6º).
Parágrafo único. O prefeito reeleito não poderá candidatar-se ao mesmo cargo,
nem ao cargo de vice, para mandato consecutivo no mesmo município (Resolução
n. 22.005, de 8-3-2005).
O sr. ministro Dias Toffoli: Então, eu penso que a solução dada pelo minis‑
tro Gilmar Mendes – de aplicar o art. 16 da CF – é uma solução não só para essa
hipótese como para várias outras. Por quê? Porque, na Justiça Eleitoral, se nós
formos mudar a jurisprudência na mesma eleição, sempre encontraremos o pro‑
blema da segurança jurídica. A aplicação sábia, inteligente e ponderada de Sua
Excelência, com forte substrato teórico, constitucional, em relação à aplicação,
aqui, do art. 16 da Constituição Federal, parece-me que é realmente a melhor
solução, dando-se à nova hermenêutica efeitos prospectivos para a eleição que
se iniciou em 2012.
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, pela ordem, apenas para corro‑
borar o que o ministro Gilmar destacou, esse não é um recurso extraordinário
simples, é um recurso extraordinário que terá repercussão geral; então não é só
para esse caso específico. No caso, a solução, a tese que aqui vier a ser firmada,
vai ser aplicada genericamente a todas as hipóteses que se enquadrem a essa
solução que nós estamos proferindo.
No mundo inteiro, hoje, se preconiza que a jurisprudência tem a mesma presun‑
ção de legitimidade que as leis, basta se verificar os poderes do relator, enfim, toda
a força que a lei conferiu à jurisprudência: o juiz pode indeferir o pedido do autor;
se ele estiver contrário à jurisprudência dominante dos tribunais, o relator pode
ser porta-voz do colegiado, negar seguimento ao recurso. E já, na nova ordenação
processual, virá também essa regra da modulação temporal da jurisprudência,
porque ninguém desconhece na prática que todo advogado, todo operador do
direito, hoje, quando inicia o seu trabalho, consulta a rede mundial de compu‑
tadores para saber como é que está a jurisprudência dos tribunais superiores.
Então, o rompimento, a ruptura do entendimento de muitos anos, realmente
surpreende o jurisdicionado e viola o princípio da proteção da confiança. Então,
a modulação, hoje, é uma regra máxime num recurso que tem um caráter obje‑
tivo, porque nós vamos dar a ele uma repercussão geral.
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Ministro Fux, essa modulação só servirá
para uma coisa...
A sra. ministra Cármen Lúcia: Só tem um detalhe, Ministro, e um detalhe da
maior importância: é que, de 2008 para cá, o Tribunal Superior Eleitoral julgou
inúmeras vezes, capitaneado até pelo ministro Carlos Britto. Inúmeras decisões
foram tomadas, outros prefeitos que não chegaram aqui com recursos foram
afastados, portanto, surpresa vai ter, ou vai ter daquele que foi afastado, que não
teve recurso e que não veio, ou...
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Mas nós estamos fixando uma orien‑
tação.
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Nós vamos trazer surpresa para a eleição
deste ano, com certeza.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Não, deste ano não, porque já é algo que se
sedimentou...
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Como não? Para esse indivíduo, essa decisão
será uma carta branca, uma autorização para ele se candidatar, para se reeleger.
Com certeza.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Não, para ele não. Para ele a modulação não
serve. Nós estamos discutindo 2008.
O sr. ministro Luiz Fux: Esse é um termo inicial.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não. Para ele encerrar o mandato
que está terminando.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): A modulação não chega a esse
ponto, não.
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Não, essa nossa decisão vai garantir a ree‑
leição ilegal, mais uma vez, desse cidadão. É para isso que ela vai servir.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não, não garante não.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Não, esse não. Ele não tem direito a se reeleger
num cargo em que ele já não podia ter sido eleito.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não, estamos adotando o entendi‑
mento do TSE.
O sr. ministro Luiz Fux: Não levando em consideração o caso concreto, a
Corte, inúmeras vezes, declarou a lei inconstitucional, que outrora tinha eficácia
ex tunc, e estabeleceu muitas vezes o efeito ex nunc, quiçá estabeleceu o efeito
prospectivo; a lei ainda é considerada constitucional até determinado prazo.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): No conflito de competência a que me
referi, nós fizemos exatamente esse entendimento quanto à competência da Justiça
do Trabalho ou da Justiça comum, fazendo com que o novo e o velho convivessem.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Foi isso mesmo.
VOTO
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, eu lembro bem que nós
decidimos aqui, há cerca de três anos, um caso de uma promotora de justiça que,
inconstitucionalmente, se candidatou ao cargo de prefeito, foi eleita e, depois, sob
a alegação de que tinha direito adquirido, se reelegeu, mesmo após o advento da
proibição pela Constituição, e nós vamos, mais uma vez, incidir no mesmo erro.
Ou seja, remendar sempre, trazer remendos, porque esse indivíduo foi eleito,
e não podia sê-lo, já cumpriu quase todo o mandato, só restam três ou quatro
meses, nós agora vamos apor o carimbo de legalidade da sua eleição. Eu não
vejo sentido nisso.
O sr. ministro Luiz Fux: E os atos que ele já praticou?
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Vossa Excelência nega provimento
ao recurso?
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Eu nego provimento, mantenho a decisão
do TSE.
VOTO
A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, ouvindo os debates, mais me
convenço da plausibilidade da fundamentação que enseja e embasa as posições
divergentes, porque os argumentos são todos extremamente bem colocados e
profundos. Isso mostra – e eu sempre acreditei na força criadora da jurispru‑
dência – que, de fato – e o ministro Gilmar Mendes invocou Larenz e Häberle
para fundamentar o seu doutíssimo voto no sentido de que realmente a norma
é o resultado do texto legislativo interpretado e, em função do tempo, alterada a
interpretação imposta pela nova época –, nós temos uma nova norma. Por isso,
comungo em número, gênero e grau com a interpretação teleológica do art. 14,
§ 5º, da Constituição Federal, proposta pelo eminente relator.
Ministro Presidente, trouxe o voto de Vossa Excelência, numa ação cautelar,
no sentido de que:
(...) é da essência do princípio republicano a possibilidade de alternância na chefia
do Poder Executivo de qualquer das esferas da nossa Federação, o que já significa
a proibição do uso de artifícios que levem ao apoderamento de tal Poder por mais
de dois mandatos consecutivos. Pena de formação de clãs ou hegemonias eleitoral‑
mente espúrias, sobretudo as familiares. Noutros termos, [disse Vossa Excelência]
somente é possível eleger-se para o cargo de “prefeito municipal” por duas vezes
consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibi‑
lização de seis meses, a candidatura para “outro cargo”, ou seja, para a conquista de
mandato legislativo, ou para os cargos de governador de Estado ou de presidente da
República; não mais de prefeito municipal, portanto, que a tanto se opõem os §§ 5º
e 6º do art. 14 da Constituição Federal [com a redação da Emenda Constitucional 16].
Ainda fiz a leitura para homenagear Vossa Excelência, porque comungo com
essa compreensão trazida pelo eminente relator, é a interpretação teleológica
do Texto Constitucional que hoje se impõe.
Mas, da mesma forma, e pedindo vênia aos que entendem de forma diversa,
acompanho o voto do eminente relator quanto aos efeitos prospectivos dessa
interpretação. Entendo que devem ser efeitos ex nunc e não ex tunc, pedindo
vênia às compreensões contrárias, porque há um princípio, um postulado da
segurança jurídica que se impõe; e este recorrente, na verdade, ele se elegeu
segundo os cânones à época vigentes, segundo a interpretação que o TSE con‑
feria ao Texto Constitucional.
Senhor Presidente, por essa razão, estou acompanhando o voto do eminente
relator.
VOTO
O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, como mencionado pelo eminente
relator, eu trouxe, para referendo aqui no Plenário, uma liminar na AC 2.821, do
Amazonas, na qual ficou assentada a seguinte tese:
“Prefeito itinerante”. Candidatura em Município diverso, após exercício de dois man-
datos em Município contíguo. Impossibilidade. Nova interpretação do art. 14, § 5º, da
Constituição Federal pelo Tribunal Superior Eleitoral. Princípio republicano. Mani-
pulação da máquina pública em microrregiões. Alteração do domicílio eleitoral com
finalidade de burla à previsão constitucional de uma única reeleição.
quanto para o Estado. Imagine Vossa Excelência que o Estado cobre tributos e,
num dado momento, se chegue à conclusão de que ele não deveria ter cobrado, e
ele já gastou aquele tributo com a satisfação das necessidades coletivas. E rever‑
samente: se uma empresa se estrutura para não pagar um tributo que o Tribunal
afirma, na sua jurisprudência mais do que decenária, que ela não deve pagar,
ela se organiza para não pagar aquele tributo; dez anos depois muda a juris‑
prudência com efeito ex tunc, a empresa não tem condições de suportar aquele
ônus financeiro.
De sorte que, hoje, a modulação é uma técnica moderna de não se surpreender
o jurisdicionado, porque o acesso à ordem jurídica justa pressupõe exatamente
essa previsibilidade; ninguém vive sem previsibilidade. E a segurança jurídica é
uma cláusula pétrea consagrada na Constituição Federal.
Por esses fundamentos, Senhor Presidente, eu acompanho integralmente o
voto do relator, aguardando que Sua Excelência também referende a liminar que
eu proferi na AC 2.821, do Amazonas.
VOTO
O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, o que nós temos no caso? O
cidadão, no exercício do segundo mandato de prefeito, faz uma consulta, em
fevereiro ou março, para saber se pode ou não ser candidato. Aí ele verifica que
a jurisprudência de anos de eleições a fio do Tribunal Superior Eleitoral é no
sentido da possibilidade de, caso ele renuncie seis meses antes do pleito ao seu
atual mandato, disputar as eleições no Município vizinho, ou em outro Muni‑
cípio. E a resolução do Tribunal Superior Eleitoral assim o dizia: é lícito fazê-lo.
Ou seja, o Estado-Juiz disse a esse cidadão, no início do ano de 2008: cidadão,
você pode ser candidato em outro Município, caso deixe o cargo que hoje ocupa.
E o mesmo Estado-Juiz vai lá e lhe diz: Não, você não podia. É disso que se trata!
A mudança de jurisprudência é possível? É possível. Qual a maneira de aplicá‑
-la na Justiça Eleitoral? A maneira engendrada pelo ministro Gilmar Mendes
parece ser compatível não só com a Constituição, mas com a lógica de não haver
alterações, dentro do mesmo processo eleitoral, abruptas, que pegam o cidadão
na disputa do jus honorum – talvez o mais sagrado dos direitos, o de representar
os concidadãos –; que pegam esse cidadão de maneira imprevista. Como ficam
os advogados que aconselham sem uma jurisprudência que se sabe que valerá?
E mais, quando há instrução! Instrução tem efeito de norma, nós todos sabemos!
Com as razões pelas quais o Tribunal Superior Eleitoral, no precedente de
dezembro de 2008, veio a afirmar essa mudança de jurisprudência, eu estou de
pleno acordo. Estou de pleno acordo. Mas não poderia tê-la aplicado àquelas
mesmas eleições de 2008. Por isso, eu faço remissão ao meu voto no REspe 36.643,
do Estado do Piauí, recentemente julgado pelo TSE:
Não é demais ressaltar que uma ação como esta, ora sob análise, é dotada de objeto
restrito, por força de disposição constitucional expressa e se destina, tão somente,
à apuração das hipóteses estritamente previstas no texto da Magna Carta (artigo
14, § 10) e que se referem a abuso de poder econômico, corrupção e fraude.
Ao referir-se à hipótese de fraude, contudo, a aludida norma não traz restrições a
seu campo de incidência e, por isso, entendo não poder o intérprete reduzi-la a epi‑
sódios que teriam ocorrido apenas na oportunidade mesmo da eleição e não antes.
Sobre o tema, já tive oportunidade de tecer algumas considerações, em artigo
publicado pela Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, n. 1, p. 45-61, jul./
dez.09, que me permito ora transcrever:
“A legislação eleitoral não prevê expressamente os casos de fraude. Entretanto,
a atualidade do tema inspirou o constituinte originário a estabelecer a fraude
como um dos motivos que viabilizam o ingresso do mais importante instru‑
mento da processualística eleitoral: a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.
(...)
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que a fraude a
ser apurada na ação constitucional de impugnação de mandato eletivo refere‑
-se àquela verificada tão somente no processo de votação:
‘2. Não é possível examinar a fraude em transferência de domicílio eleitoral
em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, porque o conceito de
fraude, para fins desse remédio processual, é aquele relativo à votação, ten‑
dente a comprometer a legitimidade do pleito, operando-se, pois, a preclusão
(...)’ (Recurso Ordinário n. 888, Relator Ministro Caputo Bastos).
Ocorre, como demonstrado, que os vícios no processo de votação em grande
parte foram corrigidos com o advento da urna eletrônica e serão, mais ainda,
com a total implementação da identificação biométrica.
Dessa forma, a ação de impugnação de mandato eletivo por fraude, atual‑
mente, é quase que exclusiva para a apuração de compra de votos, ilícito previsto
no artigo 41-A, da Lei n. 9.504/97.
Por outro lado, o Código Eleitoral permite que as inelegibilidades constitu‑
cionais sejam apuradas em recurso contra expedição de diploma, sem que se
opere a preclusão.
Assim, seria apropriado – e esse é o ponto para reflexão – que as fraudes
pertinentes às inelegibilidades, e também às elegibilidades constitucionais –
excluídas de apuração no RCED – pudessem ser apuradas via de ação de impug‑
nação de mandato eletivo, sob pena de se dar prevalência a uma ação prevista
em legislação infraconstitucional em detrimento da ação constitucional de
impugnação ao mandato eletivo.
Bem por isso, quando se editou, no mês de fevereiro de 2008, a Instrução n. 120, a
disciplinar as eleições municipais que iriam ocorrer no país, naquele ano, consubs‑
tanciada na Resolução n. 22.717, seu artigo 14 e parágrafo único, assim dispunham:
“Art. 14. Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Gover‑
nadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos res‑
pectivos mandatos até 6 meses antes do pleito (Constituição Federal, art. 14, § 6º).
Parágrafo único. O Prefeito reeleito não poderá candidatar-se ao mesmo cargo,
nem ao cargo de vice, para mandato consecutivo no mesmo município (Reso‑
lução n. 22.005, de 8-3-2005).”
De resto, tal norma apenas repetia o que já constara de idêntica resolução, baixada
para as eleições municipais do período imediatamente anterior (Resolução n. 21.608/
DF, de 5-2-04, Instrução n. 73), sobre o mesmo tema e cuja redação era a seguinte:
“Art. 12. Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Gover‑
nadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos
respectivos mandatos até seis meses antes do pleito (Constituição, art. 14, § 6º).
§ 1º O Prefeito que se reelegeu não pode candidatar-se ao mesmo cargo, nem
ao cargo de vice, para mandato consecutivo na mesma circunscrição.
§ 2º O Prefeito, reeleito ou não, que, em eleição consecutiva, pretenda candi‑
datar-se em outro município, deverá observar a regra do art. 14, § 6º, da Consti‑
tuição da República, bem como as exigências de filiação partidária e domicílio
eleitoral na circunscrição em que pretenda concorrer, pelo menos um ano antes
do pleito, desde que o município não tenha sido criado por desmembramento,
incorporação ou fusão daquele onde ocupou o cargo.”
De resto, inúmeras consultas foram apresentadas a esta Corte por pessoas que
se encontravam em situação similar ao do correcorrente José e que pretendiam
assim disputar um terceiro mandato consecutivo de prefeito municipal e rece‑
beram, invariavelmente, respostas positivas, quanto à perfeita licitude em assim
proceder (v.g.: Consultas – Acórdãos n. 21.487, 21.564 e 21.706).
Destarte, quando esse correcorrente alterou seu domicílio e renunciou ao cargo
que ocupava, para vir a postular outro, similar, em município diverso, estava a
agir da forma como determinada em Resolução baixada pelo Tribunal Superior
Eleitoral, a qual, em consonância com a pacífica jurisprudência então emanada
da Corte, não considerava ilícito tal comportamento.
A alteração desse entendimento apenas veio a consolidar-se quando do julga‑
mento do RESPE n. 32.507, publicado no dia 17 de dezembro de 2008, quando já
ultimado o pleito municipal daquele ano e a que se refere o presente recurso.
Parece-me, Sr. Presidente, que aplicar retroativamente tal entendimento, para
disciplinar processo eleitoral perfeito e acabado antes mesmo de ultimado esse
julgamento, não é a melhor solução para o presente litígio.
Muito embora não se ignore posição jurisprudencial consolidada nesta Corte
sobre a pronta aplicação, a casos pendentes de julgamento, de mudanças na posição
jurisprudencial do Tribunal a respeito de tema submetido à sua apreciação, no caso
presente há particularidade a apontar para solução diversa, pois havia Resoluções
VOTO
(Antecipação)
A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, eu vou fazer a juntada do
meu voto, até porque as razões que me levam a votar em sentido contrário, com
as vênias do ministro Gilmar, no sentido de negar provimento e acompanhar a
divergência iniciada pelo ministro Joaquim Barbosa no que se refere ao provi‑
mento – como eu disse –, porque me ponho de acordo quanto à tese, que é a
mesma que vem sendo adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral no sentido de
dar repercussão geral quanto ao entendimento que prevalece no Tribunal, desde
o julgamento do Recurso Especial 32.507. E vou pedir vênia para não acompa‑
nhar no caso da modulação, primeiro porque já não acho, realmente, que, como
acentuado pelo ministro Eros Grau naquele julgamento:
Quem interpreta a Constituição – e não simplesmente a lê – sabe que a regra do
§ 5º do seu art. 14 veda a perpetuação de ocupante de cargo de chefe do Poder Exe‑
cutivo nesse cargo. Qualquer chefe de Poder Executivo – presidente da República,
governador de Estado e prefeito municipal – somente pode, no Brasil, exercer dois
mandatos consecutivos no cargo de chefe de Poder Executivo.
(...)
Cumpre-nos o afastamento do erro. A fraude é aqui consumada mediante o des‑
virtuamento da faculdade de transferir-se domicílio eleitoral de um para outro
Município, de modo a ilidir-se a incidência do preceito.
VOTO
A sra. ministra Cármen Lúcia: 1. Recurso extraordinário interposto contra acór‑
dão do Tribunal Superior Eleitoral, pelo qual se confirmou a cassação dos diplo‑
mas de prefeito e vice-prefeita do Município de Valença/RJ, por contrariedade
ao art. 14, §§ 5º e 6º, da Constituição da República, pois já teriam exercido dois
mandatos no Município de Rio das Flores/RJ, o que configuraria situação do
chamado “prefeito itinerante”.
2. O acórdão ora recorrido manteve decisão monocrática do ministro Felix
Fischer, nos seguintes termos:
Agravos regimentais. Recurso especial eleitoral. Recurso contra expedição de diploma.
Mudança de domicílio eleitoral “prefeito itinerante”. Exercício consecutivo de mais
de dois mandatos de chefia do Executivo em municípios diferentes. Impossibilidade.
Violação ao art. 14, § 5º da Constituição Federal.
1. Não merece ser conhecida a alegação dos agravantes de descabimento do
Recurso contra Expedição de Diploma, uma vez que não foi decidida pelo e. Tri‑
bunal a quo, faltando-lhe, pois, o imprescindível requisito do prequestionamento,
o que impede sua admissibilidade na via do recurso especial. Aplica-se, portanto,
à espécie, o disposto na Súmula n. 282 do c. STF: “É inadmissível o recurso extraor‑
dinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
2. A partir do julgamento do Recurso Especial n. 32.507/AL, em 17-12-2008, esta c.
Corte deu nova interpretação ao art. 14, § 5º, da Constituição Federal, passando a
entender que, no Brasil, qualquer Chefe de Poder Executivo – Presidente da Repú‑
blica, Governador de Estado e Prefeito Municipal – somente pode exercer dois man‑
datos consecutivos nesse cargo. Assim, concluiu que não é possível o exercício de ter‑
ceiro mandato subsequente para o cargo de prefeito, ainda que em município diverso.
3. A faculdade de transferência de domicílio eleitoral não pode ser utilizada para
fraudar a vedação contida no art. 14, § 5º, da Constituição Federal, de forma a per‑
mitir que prefeitos concorram sucessivamente e ilimitadamente ao mesmo cargo
em diferentes municípios, criando a figura do “prefeito profissional”.
4. A nova interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição Federal adotada pelo e.
TSE no julgamento dos Recursos Especiais n. 32.507/AL e 32.539/AL em 2008 é a que
deve prevalecer, tendo em vista a observância ao princípio republicano, fundado
nas ideias de eletividade, temporariedade e responsabilidade dos governantes.
5. Agravos regimentais não providos.
Cita como precedente desse entendimento o RE 100.825, rel. min. Aldir Pas‑
sarinho.
4. A decisão recorrida amparou-se nos Recursos Especiais Eleitorais 32.507/
AL e 32.539/AL, nos quais o Tribunal Superior Eleitoral concluiu não ser possível
a ocupação do cargo de prefeito em três mandatos consecutivos, ainda que em
Municípios diferentes, por contrariedade ao art. 14, § 5º, da Constituição da Repú‑
blica. Fixou-se, ainda, que a faculdade de transferência de domicílio eleitoral não
pode ser utilizada para fraudar a vedação contida nesse dispositivo constitucional.
No voto condutor do acórdão do REspe 32.507/AL, o ministro Eros Grau
enfatizou:
Quem interpreta a Constituição – e não simplesmente a lê – sabe que a regra do
§ 5º do seu artigo 14 veda a perpetuação de ocupante de cargo de Chefe de Poder
Executivo nesse cargo.
Qualquer Chefe de Poder Executivo – Presidente da República, Governador de
Estado e Prefeito Municipal – somente pode, no Brasil, exercer dois mandatos
consecutivos no cargo de Chefe de Poder Executivo.
(...) Cumpre-nos o afastamento do erro. A fraude é aqui consumada mediante o
desvirtuamento da faculdade de transferir-se domicílio eleitoral de um para outro
Município, de modo a ilidir-se a incidência do preceito.
(...) O recorrente, na síntese que colho no voto do Juiz Manoel Cavalcante de
Lima Neto – voto condutor no acórdão recorrido –, “já exerceu um mandato em
Barra de Santo Antônio, deixando sua esposa no cargo para concorrer em outro
município, estando exercendo um segundo mandato consecutivo na cidade de
Porto de Pedras e pretende o registro de candidatura para um terceiro mandato
consecutivo para um mesmo cargo do Poder Executivo”.
não se pode garantir uma espécie de “salvo conduto” de modo a imunizá-lo das
ações constitucionais e infraconstitucionais previstas para a impugnação do
mandato ou da diplomação.
O sistema eleitoral, sob cujas normas o candidato concorreu e viu-se eleger, já
previa, desde o registro de sua candidatura e paralelamente à ação de impug‑
nação desse registro (art. 3º da Lei Complementar 64/19902), ainda, o recurso
contra expedição de diploma,3 o qual, nos termos do art. 262, I, do Código
Eleitoral,4 é plenamente cabível para suscitar inelegibilidade ou incompatibi‑
lidade de candidato.
11. No julgamento da ADI 1.805, este Supremo Tribunal, à guisa do que preco‑
nizado pelo TSE (Resolução 19.952/1997), apenas considerou que a Emenda Cons‑
titucional 16/1997 instituiu uma nova “hipótese [e não condição] de elegibilidade
de presidente da República, governadores de Estado e do Distrito Federal e dos
prefeitos”, ressalvando que, “na redação original, o § 5º do art. 14 da Constituição
de 5 de outubro de 1988 previa, ao contrário, regra de inelegibilidade absoluta”,
concluindo que, “não se tratando, no § 5º do art. 14 da Constituição, na redação
da Emenda Constitucional 16/1997, de caso de inelegibilidade, mas, sim, de hipó‑
tese em que se garante elegibilidade dos chefes dos Poderes Executivos federal,
estadual, distrital e municipal e dos que os hajam sucedido ou substituído no
curso dos mandatos, para o mesmo cargo, para um período subsequente, bem
de entender é que não cabe exigir-lhes desincompatibilização para concorrer
ao segundo mandato, assim constitucionalmente autorizado”.
5 Antes do julgamento dos REspe 32.507/AL e 32.539/AL, de 17-12-2008, rel. min. Eros Grau, o TSE
admitia a tripla eleição consecutiva do prefeito, desde que para Municípios diversos. Confira-se: “A
candidatura a cargo de prefeito de outro município, vizinho ou não, caracteriza candidatura a outro
cargo, devendo ser observada a regra do art. 14, § 6º, da Constituição da República, ou seja, a desin-
compatibilização seis meses antes do pleito” (Acórdão 21.297/RJ, DJ de 27-2-2003, rel. min. Fernando
Neves) e ainda “A candidatura a cargo de prefeito de outro município caracteriza candidatura a
outro cargo, devendo ser observada a desincompatibilização seis meses antes do pleito, domicílio
eleitoral na circunscrição e transferência do título eleitoral pelo menos um ano antes da eleição”
(Acórdão 21.564/DF, DJ de 5-12-2003, rel. min. Carlos Velloso).
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, inicio louvando o voto
do ministro Gilmar Mendes – completo, como de hábito –, e digo que comungo da
tese central defendida por Sua Excelência, que, de fato, há fraude à Constituição
quando, embora aparentemente haja uma licitude formal no ato de mudança de
domicílio, na verdade o que está havendo é uma fraude à Constituição. Porque se
pretende, mediante expedientes pretensamente lícitos, ferir de morte a norma da
Carta Magna, que é uma norma fundamental, que faz parte inclusive do núcleo
central do princípio republicano – que é a proibição de reeleições sucessivas.
No caso, verifico que o TSE, mais uma vez, constatou que houve – no exame
do caso concreto – uma fraude, uma burla à lei. E o TSE começou a chegar a
esta conclusão depois de examinar dezenas e dezenas de cargos, verificando que
certos candidatos se perpetuavam no poder, formando verdadeiras oligarquias
regionais mediante esse expediente, que nós lá, na Justiça Eleitoral, batizamos de
“prefeitos itinerantes”. Então, ele fica dois mandatos no Município, faz benesses
para o Município vizinho, candidata-se no Município vizinho, e vai fazendo um
círculo completo. Imaginemos isso numa região metropolitana de São Paulo, nós
então admitiríamos que alguém pudesse exercer o mandato de prefeito 37 vezes.
Isso é um rematado absurdo do ponto de vista constitucional.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Ministro Lewandowski, Vossa Excelência me
permite rapidamente? E há um outro dado para o qual o procurador chamou a
atenção, em algumas ocasiões lá e sob a presidência de Vossa Excelência, nós
julgamos, em que isso não era tudo. É que ele sempre deixava alguém da famí‑
lia, a mãe num Município e o irmão em outro, ia mudando, e aí a mãe já estava
domiciliada em outro, e era prefeito do de cá, de tal maneira que realmente o
quadro é um quadro grave.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Veja, acho que isso não está em jogo.
Acho até que essa prática...
A sra. ministra Cármen Lúcia: Sim.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Não, não.
A sra. ministra Cármen Lúcia: Vossa Excelência chamou a atenção. Estou
apenas relevando.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Exatamente. Eu disse isso. A prática
constitucional mostrou que, de fato, o princípio republicano estava sendo violado.
Numa interpretação literal – de novo volto a dizer –, um texto, uma modifica‑
ção dessa dimensão, ela acabou por produzir uma modificação em todo o texto
constitucional e, por isso, fomos apreendendo aos poucos a sua repercussão.
Inicialmente, se fosse aqui ou acolá um caso tópico, mas se viu que se poderia
engendrar fórmulas até mesmo para usar a influência, não é?
A sra. ministra Cármen Lúcia: Vossa Excelência até chamou a atenção disso.
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Agora, o que se está a discutir é
VOTO
O sr. ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, quero inicialmente louvar, como
todos já fizeram, o como sempre bem fundamentado voto do ministro Gilmar
Mendes, e dizer que a minha conclusão também é de provimento ao recurso,
mas por razões absolutamente contrárias. O meu ponto de vista é de manter a
velha jurisprudência deste Tribunal e do próprio Tribunal Superior Eleitoral.
A pergunta que me faço, Senhor Presidente, acerca da interpretação da norma,
a despeito do seu texto e das inúmeras possibilidades teóricas de interpreta‑
ção – a interpretação tem certo limite, mas guarda também um espectro de
possibilidades muito amplas –, é: qual é a ratio iuris ou, mais precisamente, a
ratio constitutionis do art. 14, § 5º? A meu ver, não é a de proibição de eleição
sucessiva para mandatos em cargos diferentes. Nada impede que um prefeito se
eleja deputado, vereador, governador ou presidente da República. E nada impede
que o presidente da República, guardadas as condições constitucionais, se eleja
governador, vereador, prefeito. Noutras palavras, não há nenhuma vedação cons‑
titucional absoluta, não existe uma regra constitucional de caráter geral que
proíba eleições sucessivas para vários cargos. Então, a meu ver, essa racionali‑
dade não está em vedar a criação daquilo que, com evidente espírito crítico, se
chama de “político profissional” ou de “prefeito itinerante”, como alguém que se
elege para diversos cargos sucessiva e indefinidamente. Isso é possível acontecer
com todos os demais cargos, só não o é com o de prefeito. Só nesta hipótese se
trata do mesmo cargo, e a norma não pode ser interpretada como referência a
cargo da mesma natureza.
Aliás, sob certo ponto de vista, a experiência na administração pode ser até
coisa muito boa para efeito da tutela dos interesses públicos, porque também
é verdade que a inexperiência, em relação à administração pública, pode ser
desastrosa para, no caso, o Município, enfim, para o governo, para a adminis‑
tração pública em geral.
Então, a meu ver, a única explicação lógica e razoável para a norma consti‑
tucional é a inconveniência de uma sucessão indefinida em cargos do Execu‑
tivo, ou seja, a perpetuação na administração de uma mesma cidade, de um
mesmo Estado ou do País. Por quê? Para evitar aquilo que poderíamos chamar,
de um modo muito largo, o abuso ou a patrimonialização do poder. Isto é,
depois de certo tempo, o ocupante do cargo pode incorporar, como se fosse
VOTO
O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, na disputa familiar e intelectual,
considerados os Aldir, e ambos Passarinho, patronímico que encerra a sinonímia
de homens honrados, fico com a visão do patriarca, não com a visão do Junior.
Faço-o tendo presente, como ressaltou o ministro Gilmar Mendes, que o ato
interpretativo é ato de vontade. Mas é ato, acima de tudo, vinculado ao Direito
posto, ao Direito subordinante, e especialmente à Carta da República.
O que se tem na espécie? Podemos interpretar norma restritiva de um direito
inerente à cidadania de forma elástica, incluindo, no preceito constitucional,
cláusula de inelegibilidade que dele não consta? A resposta é desenganadamente
negativa. Até mesmo sob o ângulo etimológico, teria imensa dificuldade em enqua‑
drar na espécie como reveladora de um terceiro mandato, que seria para cargo
diverso e com eleitores diversos. Não sou contra, Presidente, o político bom de voto.
Da Constituição extraio as normas alusivas à elegibilidade; extraio que os casos
de inelegibilidade estão previstos de forma exaustiva, e não exemplificativa, não
sendo dado ao intérprete incluir restrição não contemplada em preceito, prin‑
cipalmente constitucional.
A Lei Maior refere-se a situações jurídicas geradoras da inelegibilidade. Remete
à lei complementar a introdução, no cenário, de outros casos de inelegibilidade.
Anotou o ministro Cezar Peluso que encerra incongruência afirmar que aquele
que já honrou – e com isso tem o beneplácito do povo – dois mandatos não pode
concorrer em outro Município, ainda que de Estado diferente. Assentar tal óptica
é introduzir restrição, considerado um predicado da cidadania, que é o direito
de se apresentar para disputar um pleito e se tornar representante – como disse
o ministro Dias Toffoli – de seus concidadãos.
Eis algumas premissas a revelar a incongruência: o prefeito, renunciando ao
cargo, mesmo no segundo mandato, pode ser candidato a presidente da Repú‑
blica, cargo maior que se tem; pode ser candidato a governador; pode ser candi‑
dato – talvez em uma visão, para alguns, de decesso – à câmara de vereadores do
mesmo Município; pode ser candidato a deputado estadual; pode ser candidato
a deputado federal; pode ser candidato a senador da República; mas não pode
ser candidato à chefia de Poder Executivo em Município diverso, ainda – como
disse – que se trate de Município situado em Estado diverso.
Como conciliar todas as possibilidades a que me referi com a vedação? Veda‑
ção que não está prevista em termos de inelegibilidade, e teria que estar. Fraude?
Será que é dado presumir vício na manifestação de vontade? Ou o vício, segundo
comezinhas noções de Direito, deve ser provado? Mais do que isso: a fraude pres‑
supõe situação em que não haja fraude. Em que caso aquele que já cumpriu, em
um Município, dois mandatos seria, na visão da ilustrada maioria, com todo o
respeito, candidato não alcançado pela fraude? A fraude, para mim, é exceção.
Pressupõe prova. Presumo o que normalmente ocorre, não um procedimento
estranho à postura que se aguarda do homem médio.
Presidente, torno a dizer que estamos no campo dos direitos fundamentais.
Estamos, pelo visto, a reescrever, e não a interpretar, a Carta da República. A inter‑
pretação sistemática dos diversos parágrafos do art. 14 dela constante é condu‑
cente a dizer-se que, em se apresentando o político para concorrer a cargo de
prefeito em Município diverso, não está impedido de fazê-lo, desde que sejam
observadas as regras como, por exemplo, a do domicílio eleitoral.
Não posso, Presidente – diante especialmente do que se contém no § 6º do
art. 14 da Constituição Federal quanto à possibilidade de candidatura a outro
cargo –, introduzir, nesse preceito, restrição que nele não se contém. É possível
a candidatura a qualquer outro cargo da República, até o de presidente, mas não
o é a um cargo que implique a chefia do Poder Executivo em Município diverso.
Peço vênia, Presidente, àqueles que concluem de forma diversa – e precisa‑
mos realmente consertar o Brasil, mas o início desse conserto, com “c” e com
“s”, começa com o respeito irrestrito à Carta da República –, para entender que
não se faz presente a inelegibilidade.
Portanto, provejo o recurso, de forma linear, adotando esse entendimento: que
norma geradora da inelegibilidade há de ser expressa, aprovada pelos integrantes
do Congresso Nacional. Não se aprovou a espécie de vedação até aqui prevalecente.
É como voto.
VOTO
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Marco Aurélio: Com a aprovação do povo.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro, ele pode ficar o resto da vida
em cargo público, elegendo-se sucessivamente para outros. Só porque é para
prefeito não pode?
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Cezar Peluso: Ele pode passar o resto da vida sendo eleito
sucessivamente deputado, senador, governador, prefeito.
O sr. ministro Joaquim Barbosa: São esferas diferentes, Ministro.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Os americanos também.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
zigue-zague, com uma inconveniência que me parece grave: é que para se can‑
didatar é preciso ter o domicílio eleitoral de pelo menos um ano. Significa que
ele abriu mão do domicílio do Município do qual era prefeito, ele deixou de ser
eleitoralmente filiado.
O sr. ministro Marco Aurélio: Ele pode ter renunciado com antecedência,
o ano.
Agora, Presidente, indago àqueles que concluem pela modulação: esse recor‑
rente poderá candidatar-se à reeleição?
O sr. ministro Joaquim Barbosa: Não.
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Gilmar Mendes (relator): Assegura-se a ele concluir o mandato,
apenas isso. Porque toda a premissa, eu procurei deixar claro, é no sentido de que
a jurisprudência da Justiça Eleitoral é mais do que isto, o ministro Toffoli chamou
a atenção, a própria resolução, que tinha a orientação normativa nesse sentido,
permitia a candidatura, então a invocação é apenas de segurança jurídica para
que ele conclua o mandato, tão somente isso, portanto, colocando cobro. Até
porque eu estou convencido, Presidente, eu deixei isto muito claro, inicialmente
eu fazia a mesma leitura que fizera o ministro Peluso, mas depois eu percebi
exatamente nesse contraste, ou nessa ambiência entre norma e realidade, que,
a partir desta leitura que nós estávamos a fazer, a leitura, vamos chamar assim,
literal, nós estávamos a produzir aquilo que exatamente a emenda constitucio‑
nal não pretendeu, porque estávamos a ter um fenômeno, uma reeleição atípica,
que propiciava essa eternização do mandato. Vossa Excelência apontou muito
bem, portanto, a mim me parece que está correta, e esse é o espírito, inclusive,
da Emenda Constitucional 16, e parece que o sentido teleológico é esse que o
ministro Celso também está a enfatizar.
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Nesse ponto, me permita, Ministro
Celso de Mello?
O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)
O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Nesse ponto do apoderamento de uma
circunscrição eleitoral por grupos, clãs, hegemonias, não há divergência quanto ao
voto do ministro Gilmar Mendes, voto magnífico sob todos os títulos, com a grande
novidade, trazida pelo ministro Gilmar Mendes, que é a tentativa de conciliação
da aplicabilidade da Constituição com o princípio, na proibição de reelegibilidade,
com o princípio da segurança jurídica. Mas aí, Ministro Gilmar Mendes, eu me per‑
mito ponderar que a técnica da aplicabilidade prospectiva das decisões judiciais
opera no interior de uma mesma Corte, é quando uma mesma Corte decide num
sentido e, com o tempo, muda, então ela faz essa conciliação com o princípio da
EXTRATO DA ATA
RE 637.485/RJ — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: Vicente de Paula
de Souza Guedes (Advogado: José Eduardo Rangel de Alckmin). Recorrido: Minis‑
tério Público Eleitoral (Procurador: Procurador-geral da República). Interessada:
Dilma Dantas Moreira Mazzeo (Advogados: Eduardo Damian Duarte e outros).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a repercussão geral das
questões constitucionais. Em seguida, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto
do relator, deu provimento ao recurso e julgou inaplicável a alteração da jurispru‑
dência do Tribunal Superior Eleitoral quanto à interpretação do § 5º do art. 14 da
Constituição Federal nas eleições de 2008, vencidos os ministros Cármen Lúcia,
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e presidente, que negavam provimento
ao recurso. Os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio davam provimento em
maior extensão. Falaram, pelo recorrente, o doutor José Eduardo Rangel de Alck‑
min e, pelo Ministério Público Federal, o doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos,
procurador-geral da República. Presidiu o julgamento o ministro Ayres Britto.
Presidência do ministro Ayres Britto. Presentes à sessão os ministros Celso de
Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber. Procurador‑
-geral da República, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 1º de agosto de 2012 — Luiz Tomimatsu, assessor-chefe do Plenário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do ministro Ricardo
Lewandowski, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,
por decisão unânime, negar provimento ao agravo regimental no agravo de ins‑
trumento, nos termos do voto do relator. Ausente, justificadamente, a ministra
Cármen Lúcia.
Brasília, 19 de outubro de 2010 — Ricardo Lewandowski, presidente e relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto
contra decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento.
O agravante sustentou, em suma, que a decisão agravada deve ser reformada,
ao argumento de que é ilegítima a cobrança do ICMS incidente sobre os serviços
de energia elétrica e telefonia, uma vez que a renda da entidade é atingida, o que é
vedado pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal.
É o relatório.
VOTO
O sr. ministro Ricardo Lewandowski (presidente e relator): Eis o teor da deci‑
são agravada:
Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que negou seguimento a recurso
extraordinário interposto de acórdão o qual entendeu que a imunidade prevista
no art. 150, VI, c, da Lei Maior não alcança o ICMS recolhido em razão da aquisição
de bens no mercado interno, realizada por entidade de assistência social sem fins
lucrativos, sob o argumento de que esse ente atua na qualidade de contribuinte
de fato do imposto (consumidor) e não de direito.
No recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal,
alegou-se, em suma, a não incidência do ICMS sobre as aquisições de bens e ser‑
viços feitas pela entidade beneficente no mercado interno, com base no art. 150,
VI, c, da mesma Carta.
O agravo não merece acolhida.
O acórdão recorrido encontra-se em consonância com o atual entendimento
desta Corte, no sentido de que a imunidade em questão alcança o contribuinte de
direito e não o contribuinte de fato, como se vê do julgamento do AI 671.412 AgR/
SP, rel. min. Eros Grau, cuja ementa transcrevo a seguir:
“Agravo regimental no agravo de instrumento. Tributário. Fornecimento de ener-
gia elétrica para iluminação pública. ICMS. Imunidade invocada pelo Município.
Impossibilidade.
2. A jurisprudência do Supremo firmou-se no sentido de que a imunidade de
que trata o art. 150, VI, a, da CB/1988 somente se aplica a imposto incidente
sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio Município.
3. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o Município não é con‑
tribuinte de direito do ICMS, descabendo confundi-lo com a figura do contri‑
buinte de fato e a imunidade recíproca não beneficia o contribuinte de fato.
Agravo regimental a que se nega provimento.”
No mesmo sentido, menciono, ainda, as seguintes decisões, entre outras: AC 457
MC/MG, rel. min. Carlos Britto; AI 488.132/SP, rel. min. Marco Aurélio; AI 550.300/SP,
rel. min. Gilmar Mendes; AI 717.793/PR, rel. min. Cármen Lúcia; AC 2.024 MC/RS,
rel. min. Cezar Peluso; AI 664.610/SC, rel. min. Celso de Mello; RE 600.084/RS, de
minha relatoria.
Isso posto, nego seguimento ao recurso. [Fls. 120-121.]
Bem reexaminada a questão, verifico que a decisão ora impugnada não merece
reforma, visto que o recorrente não aduz argumentos plausíveis capazes de
afastar as razões nela expendidas, que devem ser mantidas por seus próprios
fundamentos.
Por oportuno, cumpre ressaltar que a imunidade do art. 150, VI, c, da Constitui‑
ção somente se aplica ao imposto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda
do próprio ente beneficiado, na qualidade de contribuinte de direito.
No caso, como a entidade educacional não é contribuinte de direito do ICMS
relativo a serviço de energia elétrica, não tem o benefício da imunidade em ques‑
tão, uma vez que esta não alcança o contribuinte de fato. Nesse sentido, a Pri‑
meira Turma desta Corte recentemente reafirmou o entendimento adotado na
decisão agravada, conforme se observa no julgamento do AI 634.050 AgR/SC, de
minha relatoria, cuja ementa transcrevo a seguir:
Constitucional. Tributário. Análise de legislação ordinária. Ofensa indireta à Cons-
tituição. ICMS. Município. Contribuinte de fato. Imunidade tributária recíproca.
Inaplicável. Agravo improvido.
I – O acórdão recorrido decidiu a questão com base na legislação ordinária e na
jurisprudência do STJ. A ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Inca‑
bível, portanto, o recurso extraordinário.
II – A imunidade de que trata o art. 150, VI, a, da Constituição somente se aplica
ao imposto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda.
III – Como não é contribuinte de direito do ICMS relativo a serviços de energia
elétrica e telefonia, o Município não é beneficiário da imunidade prevista no art. 150,
VI, a, da Constituição. Precedentes.
IV – Agravo regimental improvido.
EXTRATO DA ATA
AI 731.786 AgR/SC — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante: Insti‑
tuto Maria Auxiliadora (Advogado: Ceres Cavalcanti de Albuquerque). Agravados:
Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. – CELESC (Advogado: Lycurgo Leite
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência da ministra Cármen
Lúcia, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos
do voto do relator.
Brasília, 17 de dezembro de 2013 — Celso de Mello, relator.
RELATÓRIO
O sr. ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente
interposto, contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento
deduzido pela parte ora agravante (fls. 2090/2118).
Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o pre‑
sente recurso, postulando o provimento do agravo de instrumento que deduziu
(fls. 2136/2148).
VOTO
O sr. ministro Celso de Mello (relator): O recurso extraordinário a que se refere
agravo de instrumento em causa foi interposto contra acórdão que, confir-
mado pelo e. Superior Tribunal de Justiça, em sede de embargos de declaração
(fls. 926/930), está assim ementado (fl. 896):
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MELHORIA DE ATENDIMENTO NO HOSPITAL
MUNICIPAL SOUZA AGUIAR. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PREQUESTIONAMENTO. SÚMU
LAS 282/STF E 211/STJ. ART 1º DA LEI N. 7.347/85.
1. A ausência de emissão de juízo de valor na origem, nem mesmo no âmbito dos
embargos de declaração, dos dispositivos processuais invocados como contrariados
implica ausência de prequestionamento, requisito essencial ao conhecimento do
recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
2. A Constituição Federal de 1988 outorgou ao Ministério Público funções da maior
relevância, atribuindo-lhe um perfil muito mais dinâmico do que ocorria no antigo
ordenamento jurídico, entre elas a competência para a defesa dos interesses sociais
e individuais indisponíveis (art. 127), por meio da ação civil pública (art. 129, III).
3. A legislação de regência da ação civil pública garante ao “Parquet” a utiliza-
ção desse meio processual como forma de defesa do patrimônio público e social, do
meio ambiente ou de outros interesses difusos e coletivos e de interesses individuais
homogêneos.
4. É cabível o ajuizamento da presente ação civil pública que pugna pela defesa
de interesses difusos, considerando-se que a tutela pretendida – direito à saúde
(art. 6º da CF) – é indivisível, pois visa atingir a um número indeterminado de pes-
soas, ou seja, aquelas que são atendidas pelo Hospital Municipal Souza Aguiar.
5. Apoiado na conclusão do inquérito civil, o pedido formulado pelo Ministério
Público não se mostra genérico, tampouco está baseado em reparação de danos,
porque consistiu na condenação do Município na obrigação de fazer novas con
tratações, mediante concurso, para compor os quadros do Hospital Souza Aguiar
de pessoal da área médica, assim como de renovar os contratos com técnicos de
manutenção dos equipamentos existentes e compra de novos, como forma de garantir
atendimento adequado e satisfatório, com o que se estará cumprindo o mandamento
constitucional de proteção à saúde, obrigação a que o Município vem se omitindo.
6. Recurso especial conhecido em parte e não provido. [REsp 947.324/RJ, rel. min.
CASTRO MEIRA – Grifei.]
É certo – tal como observei no exame da ADPF 45/DF, rel. min. CELSO DE MELLO
(Informativo/STF 345/2004) – que não se inclui, ordinariamente, no âmbito
das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em
especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ
CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Por-
tuguesa de 1976”, p. 207, item n. 5, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio,
o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar po
líticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excep-
cionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por
descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em cará‑
ter vinculante, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a
integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, como sucede na espécie ora em exame.
Corretíssimo, portanto, o v. acórdão emanado do e. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, que bem examinou a controvérsia constitucional,
Mais do que nunca, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetivi-
dade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva
limitação à discricionariedade administrativa.
Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de
arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde,
tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado
da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de pondera‑
ção de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a
decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de
respeito e de proteção ao direito à saúde.
Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações,
a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre procuradora
regional da República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Adminis-
trador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magis-
tério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de
concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala:
Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas
políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na
econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma
vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente,
uma garantia institucional e um direito subjetivo. A “proibição de retrocesso social”
nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o
princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança
social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio
da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social
e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela digni-
dade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais
de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador
e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os
direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas. A violação no núcleo
essencial efetivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniqui-
ladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que
extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente
o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma (...). De qualquer
modo, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador
nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do
Estado de direito vinculativos da atividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos
sociais. O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o
núcleo essencial dos direitos já realizado e efetivado através de medidas legislativas
(“lei da segurança social”, “lei do subsídio de desemprego”, “lei do serviço de saúde”)
deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer
medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensa-
tórios, se traduzam na prática numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura a
simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente
autorreversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado. [Grifei.]
então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a proteção direta da
Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu,
não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. (...) Se o fizesse, incorreria em
violação positiva (...) da Constituição.
(...)
Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em obrigação
de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema escolar, sistema de
segurança social, etc.). Enquanto elas não forem criadas, a Constituição só pode
fundamentar exigências para que se criem; mas após terem sido criadas, a Consti-
tuição passa a proteger a sua existência, como se já existissem à data da Constitui-
ção. As tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais
no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas a criá-los,
obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados.
Quer isto dizer que a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcial-
mente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o res-
peito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obri-
gação positiva, para se transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa.
O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a
estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.
Este enfoque dos direitos sociais faz hoje parte integrante da concepção deles a teoria
constitucional, mesmo lá onde é escasso o elenco constitucional de direitos sociais
e onde, portanto, eles têm de ser extraídos de cláusulas gerais, como a cláusula do
“Estado social”. [Grifei.]
EXTRATO DA ATA
AI 759.543 AgR/RJ — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Município do
Rio de Janeiro (Advogado: Eduardo de Oliveira Gouvêa). Agravado: Ministério
Público Federal (Procurador: Procurador-geral da República).
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao agravo regi‑
mental, nos termos do voto do relator.
Presidência da ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão os ministros Celso
de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Teori Zavascki. Subprocurador‑
-geral da República, doutor Odim Brandão Ferreira.
Brasília, 17 de dezembro de 2013 — Ravena Siqueira, secretária substituta.
DECISÃO
Vistos.
União e Rádio FM Independência Ltda. interpõem recursos extraordinários
contra acórdão proferido pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da
4ª Região, assim ementado:
Administrativo. Transmissão do programa “A Voz do Brasil”. Horário alternativo.
Prequestionamento.
1. As rádios-emissoras não se podem eximir do dever de transmitir o programa
obrigatório “A Voz do Brasil”, sobretudo em razão do disposto no art. 21, XII, a, da
Constituição Federal. Todavia, podem retransmiti-lo em horário alternativo que
não aquele oficialmente estabelecido.
2. Prequestionamento delineado pelo exame das disposições legais pertinentes
ao deslinde da causa. Precedentes do STJ e do STF.
3. Apelação parcialmente provida.