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Aprovada em __________________________________________
Banca Examinadora:
_____________________________________________________
Prof. Guilherme Cunha Lima, PhD
ESDI – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_____________________________________________________
Prof.ª Solange Galvão Coutinho, PhD
UFPE – Universidade Federal de Pernambuco
_____________________________________________________
Prof. Dr. Washington Dias Lessa
ESDI – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Edna Lucia Oliveira da Cunha Lima
PUC-Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Agradecimentos:
Às seguintes pessoas cujo incentivo e valiosa colaboração per-
mitiram que fosse possível o presente trabalho:
Palavras-chave:
Ariano Suassuna. Design brasileiro. Ferro-de-marcar. Fonte Ti-
pográfica. Movimento armorial. Iluminogravuras. Sertão.
Abstract:
keywords:
Brazilian Design. Ariano Suassuna. Armorial Movement.
Iluminogravuras. Type face. Branding iron. Sertão.
Lista de figuras:
10. Linha ‘Bella Cor’ (CIV) de copos de vidro. (Imagem no site da Abivi-
dro —Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de
Vidro). Disponível em: <http://www.abividro.org.br/noticias.php/86>.
Acesso em: 20/02/2008. 25
Capítulo 1
Capítulo 3
144. Projeto de Joana Lyra para Ambev . (Imagem no site da designer). 122
Introdução 18
Bibliografia 126
Este trabalho é dedicado a Francisco Clóvis Maranhão do Valle,
Astrogildo de Holanda Beltrão e Ramires Maranhão do Valle,
cujas trajetórias servem de inspiração.
Introdução
Introdução
“O ideal de uma boa introdução definitiva é que o leitor se contente com ela, entenda tudo e
não leia o resto”. (Eco, 2004:84).
Este trabalho, sobre ‘As Relações entre Design e o Armorial de Suassuna’, pertence à linha
de pesquisa em História do curso de mestrado da Escola Superior de Desenho Industrial
(ESDI / UERJ). O principal objetivo desta linha de pesquisa é mapear os designers mais rele-
vantes na história do Design brasileiro, com a finalidade de estabelecer os alicerces históricos
do nosso Design. Apesar de fazer parte desta linha de pesquisa, situando-se no ramo da
História contemporânea, este trabalho não versa sobre a história ou trajetória de um designer
profissional. Debruçando-se sobre um objeto reconhecível e definido, discorre-se aqui acerca
de um movimento artístico formal, o Movimento Armorial, sobretudo através da atuação de
seu protagonista (figura 1), o escritor Ariano Suassuna.
Por tratar-se de um movimento artístico amplo, e entendendo que “quanto mais se restringe o
campo, melhor e com mais segurança se trabalha” (Eco, 2004:10), a análise de sua vertente
visual neste estudo é focada na produção imagética de Ariano Suassuna, quando relaciona-
da ao Movimento que integra. Afinal, coube a Suassuna tanto a identificação de princípios
comuns nas obras de vários artistas que viriam a fazer parte do Armorial como a elaboração
de toda a fundamentação teórica para o Movimento, como explica o historiador Newton
to de estética armorial: seu livro ‘O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue
do Vai-e-Volta’, publicado em 1971 (laureado em 1972 com o Prêmio Nacional de Ficção) e
classificado pelo autor como “romance armorial-popular brasileiro”, por exemplo, é permeado
de comentários e discussões estéticas, algumas reproduzidas no decorrer do trabalho.
Já que se pretende neste trabalho dar uma atenção especial a aspectos do Movimento
Armorial que tenham relevância para o campo do Design, é importante que se diga que
ainda não houve um designer que tenha se dedicado exclusivamente a trabalhar um Design
Armorial. Da mesma forma que dificilmente encontraremos, nos dias atuais, um designer que
se dedique ou tenha se dedicado a trabalhar exclusivamente uma única proposta estética
(quem sabe até pelo caráter de mediador; co-autor de discursos no processo comunicativo,
que este profissional assume na maior parte dos projetos). Levando em conta estas consi-
derações, quem melhor poderia se classificado como um ‘designer armorial’ é sem dúvida
Romero de Andrade Lima (figura 3 e 4), artista influenciado por Suassuna e que tem sua
trajetória narrada no segundo capítulo deste estudo.
4. Pintura de
Romero de
Andrade Lima
(1985): tinta acrílica
sobre chapa de
fibra de madeira
Eucatex (1,22 ×
2,07 m).
Como se verá no primeiro capítulo, não é tão simples delimitar o conceito de estética
armorial, uma vez que os participantes deste movimento artístico-cultural pernambucano
fazem uso de múltiplas referências estéticas na produção de suas obras. É o que pode ser
percebido no comentário de Moraes (2000:17), quando diz que “a estética armorial revelou
de maneira enfática aspectos do universo artístico popular nordestino e as influências ibé-
ricas medievais”.
É o que acontece com as gravuras de Gilvan Samico (figura 5), artista já renomado quando
passou a integrar o Movimento, ou com os mosaicos de Guilherme da Fonte (figura 6). Ambos
autores pernambucanos de obras visuais armoriais que recebem a fundamental aprovação
de Ariano Suassuna, o ideólogo do Movimento, e são estudados nesta dissertação.
Deixando bem claro que, na fase atual do Movimento (ver capítulo 1), ser pernambucano não
chega a ser uma característica obrigatória: o grupo ‘Gesta’ de música armorial, por exemplo,
está sediado na cidade do Rio de Janeiro e em Fortaleza se encontra o ‘Colégio Nordestino
de Heráldica Sertaneja’ e o grupo do jornal ‘O Pão’, liderados pelo poeta e escritor Virgílio
Maia, um declarado seguidor das propostas armoriais (Newton Júnior, 1999).
No entanto, e como que para obrigar qualquer estudo a se aprofundar nos rigores da propos-
ta armorial de Suassuna, para o protagonista armorial as músicas de Chico Science ou da
Orquestra Armorial, fundada por ele mesmo e dirigida pelo maestro Cussy de Almeida, não
são armoriais. Isto apesar do interesse dos artistas em vincularem suas obras à corrente de
pensamento artístico do escritor (Moraes, 2000). Para Suassuna, essas propostas se afastam
ou se afastaram (no caso da Orquestra Armorial) do ideário armorial em pontos fundamentais
e não recebem o seu aval. Na arte armorial exige-se, pode-se adiantar, certo afastamento
da cultura de massas como referência estética, quando esta é julgada de má qualidade pelo
pensamento do grupo; além de um forte viés tradicionalista —que não é nenhuma novidade
no campo das artes. Questões que serão melhor detalhadas ao longo do trabalho.
Pode-se ter uma idéia do caráter do Movimento e de seu protagonista tomando como exem-
plo a controvérsia surgida durante a formação da já mencionada Orquestra Armorial, funda-
da em 18 de outubro de 1970 (figura 7): Suassuna exigiu, então, que se utilizassem instru-
mentos regionais e tradicionais (como a rabeca, em detrimento de seu sucessor, o violino),
ao mesmo tempo em que determinou que se privilegiasse a contratação de músicos de
câmara brasileiros, em detrimento dos virtuosos profissionais estrangeiros disponíveis no
momento (Moraes, 2000). Após desavenças com o maestro da orquestra, Suassuna falou
sobre a questão em entrevista publicada no Jornal do Commércio (Recife) de 23 de agosto
de 1974: “quero explicar, antes de tudo, que uma coisa é o Movimento Armorial e a Músi-
ca Armorial por um lado; e outra coisa é a Orquestra Armorial. O Movimento Armorial e a
Música Armorial surgiram por idéia e sugestão minha”. Para o escritor, as imperfeições dos
instrumentos rústicos e as dificuldades encontradas pelos músicos tornariam a produção da
Orquestra Armorial mais próxima de uma música ancestral nordestina, objetivo pretendido
pelo grupo com a sua formalização.
Já no caso de Chico Science e seu conjunto musical ‘Chico Science e Nação Zumbi’, a crítica
de Suassuna se deu pela utilização de instrumentos elétricos e a mistura entre rock’n’roll e hip
hop com ritmos regionais tradicionais posta em prática pelo grupo. A mistura que não agrada
Suassuna é simbolizada pelo próprio nome artístico do artista, que está inserido no contexto
do Manguebit (ou Manguebeat), movimento cultural surgido na cidade de Recife em 1991 com
o manifesto “Caranguejos com Cérebro” (escrito por músicos, como Chico Science e Fred Zero
Quatro, e jornalistas, como Renato Lins entre outros). Em entrevista publicada em 2000, no
volume dedicado a Ariano Suassuna dos ‘Cadernos de Literatura Brasileira’, ele declarou que
Chico Science estaria servindo de ponta-de-lança para os piores inimigos do Brasil; aqueles
que tentam descaracterizar a nossa cultura. Na ocasião declarou: “mude de nome de Chico
Science para Chico Ciência que eu subo no palco ao seu lado”.
Entendendo que os tropicalistas, que atuaram no cenário cultural brasileiro no final da dé-
cada de 60 (1967–68), se notabilizaram, como conforme Favaretto (1979), por uma “forma
sui generis de inserção histórica no processo de revisão cultural que se desenvolvia desde
o início dos anos 60”. Tendo como temas básicos dessa revisão a redescoberta do Brasil, a
volta às origens nacionais, a internacionalização da cultura, a dependência econômica, o con-
sumo e conscientização (Favaretto, 1979). Seus participantes formaram um grande coletivo,
“Era um movimento equivocado e derrotista, [...] eles pegaram uma visão que os americanos
difundiam na América Latina toda, do homem e de uma mulher latino-americanos ridículos.
Eles pegaram Carmem Miranda e as rumbeiras de Cuba, juntaram num saco só e espalha-
ram no mundo todo a imagem do homem latino-americano. Isso era uma bandeira america-
na de desmoralização e eles passaram a usar como estandarte próprio”.
ou cartazes de peças e filmes adaptados das obras de Suassuna), este chamado design
armorial é muitas vezes melhor definido como um projeto de design com referências popu-
lares (quem), vernaculares (onde) ou mesmo tradicionais (quando). Sem levar em conta os
termos ‘sertanejo’, ‘barroco’, ‘regional’ e ‘nordestino’, normalmente usados para qualificar o
produto armorial.
Vale comentar, desde já, que outra característica fundamental da obra armorial reside em um
caráter não realista proposto pelo Movimento. Um temperamento “fantástico ou maravilhoso”
calcado no universo da Literatura de Cordel e do Romanceiro popular nordestino, caracte-
rística do Armorial que pode ser encontrada em seu ‘manifesto’, publicado por Suassuna em
1974 (ver capítulo 1).
Suassuna, o ideólogo Armorial, se mostrou bastante rigoroso, pelo menos com relação ao
cinema e a música, ao dar seu aval para que determinada obra fosse incluída na sua lista de
obras de arte armoriais. Segundo a linha de pensamento do escritor na primeira fase do Movi-
mento (ver capítulo 1), a produção de um site de Internet com características armoriais, como
ocorre nos dias atuais, transgrediria conceitualmente muitas regras promulgadas e a própria
lógica artesanal propagada pelo manifesto do Movimento naquele momento. Porém, apesar
de todas essas considerações, é possível, sim, pensar em outros objetos de design (além
das jóias de Romero de Andrade Lima) que cumpram os requisitos propostos pelo discurso
armorial, ou, como é o caso deste estudo, pelo Armorial de Suassuna.
“Foi aí que, meio sério meio brincando, comecei a dizer que tal poema ou tal estandarte de
cavalhada era ‘armorial’, isto é, brilhava em esmaltes puros, festivos, nítidos, metálicos e
coloridos, como uma bandeira, um brasão ou um toque de clarim. Lembrei-me, aí, também
das pedras armoriais dos portões e frontadas do Barroco brasileiro, e passei a estender
o nome à escultura com a qual sonhava para o Nordeste. Descobri que o nome ‘armorial’
servia, ainda, para qualificar os ‘cantares’ do Romanceiro, os toques de viola e rabeca dos
Cantadores —toques ásperos, arcaicos, acerados como gumes de faca-de-ponta, lembran-
do o clavicórdio e a viola-de-arco da nossa música barroca do Século XVIII”. Fragmento de
texto de Ariano Suassuna vinculado juntamente com o programa do concerto ‘Três Séculos
de Música Nordestina: do Barroco ao Armorial’. (Newton Júnior, 1999).
“No Nordeste há uma perda do limite entre o que é erudito e o que é popular… como se a
arte popular, que em alguns lugares do mundo está restrita a um grupo fechado, no Nordeste
esteja completamente misturada e contaminada aos outros tipos de manifestações artísti-
cas”. (site n° 94).
Preocupações teóricas que podem estar presentes no ideal dos seus seguidores, mas que,
por si só, não transmitem a essência deste movimento cultural e muito menos deixam clara a
sua história. História esta que, como ficará evidente mais à frente, passa a ser de interesse
em muitos momentos para o campo do Design, não somente por questões estilísticas (na
definição mais simplista do termo), mas interesse ético e estético.
Nas iluminogravuras de Ariano Suassuna está presente o ‘Alfabeto Sertanejo’ (figura 15),
um projeto de caracteres tipográficos criado pelo autor das enunciações visuais com inspi-
ração nos símbolos encontrados na manifestação sociocultural de ferragem de gado. Esta
manifestação, os ferros de marcar ou os ferros, junto com o Alfabeto Sertanejo e as fontes
tipográficas criadas a partir deste primeiro projeto desenvolvido por Suassuna são os temas
do capítulo 3. A sinalização e as características heráldicas presentes no universo dos ferros
de marcar boi do sertão nordestino são, como se verá, elementos de grande importância
para se chegar ao conceito armorial de Suassuna. O próprio afirma que esta manifestação
sociocultural corresponderia a uma verdadeira Heráldica não oficial, conferindo ao sertanejo
“a glória de uma linhagem quase nobre” (Suassuna, 1974a).
A intenção dos dois primeiros capítulos deste trabalho, de procurar explicar a vertente visual
armorial de Suassuna na visão do Design, tem a função de preparar o leitor, designer ou não,
para o próximo capítulo, interesse maior da dissertação, no qual projetos de design inspirados
ou relacionados ao armorial de Suassuna são expostos.
É importante mencionar também que, conforme Newton Júnior (1999:17), “uma das carac-
terísticas mais importantes da estética armorial [...] reside na idéia de integração das artes,
contrária ao princípio da autonomia entre as obras”. Tal princípio se reflete em uma clara uni-
dade entre as obras artísticas armoriais (ver capítulo 1). Neste sentido, por estar de acordo
—estética e eticamente— com o ideário armorial de Suassuna, o Alfabeto Sertanejo —como
também suas iluminogravuras— serve de base para reflexões a respeito da vertente visual
deste movimento artístico e de seu discurso, declarado no manifesto publicado em 1974 e
atualizado nos anos seguintes, através de entrevistas de Suassuna e outros integrantes do
Movimento Armorial em mídias diversas.
Intencionalmente, como também ficará claro mais a frente, prioriza-se o estudo da trajetória
do projeto tipográfico idealizado por Suassuna com inspiração nos ferros de marcar boi e sua
recriação para o meio digital, a Fonte Tipográfica Armorial ou Tipografia Armorial, como é co-
nhecida. A Tipografia Armorial tem sido utilizada em muitos projetos de design que pretendem
expressar uma estética armorial (figuras 16 e 17), assim como outras fontes tipográficas cria-
das a partir da primeira experiência de Suassuna. Não é a intenção do terceiro capítulo fazer
um registro de todos os trabalhos realizados com fontes inspiradas nos ‘ferros’ ou no Alfabeto
Sertanejo, e sim, exemplificar, possibilitar comparações e dar mostras da versatilidade e de
suas possibilidades de uso.
O estudo se completa com uma conclusão, no capítulo 4, relacionada aos resultados obtidos
durante o desenvolvimento da pesquisa. Deixando claro que, apesar da dissertação não estar
focada na produção de um designer profissional, ela atem sua importância para o campo do
Design à necessidade de se estudar e valorizar os movimentos artístico-culturais nacionais
e suas produções culturais; assim como estudar as produções culturais vernaculares (ver
capítulo 1), tradicionais ou não, muitas delas obras de Design.
Já fazem mais de vinte anos que Aloisio Magalhães declarou que um dos problemas que
os países enfrentam na contemporaneidade é a progressiva redução dos valores que lhes
são próprios; de peculiaridades que lhes diferenciam de outras culturas (Magalhães, 1997).
Aloisio Magalhães comentou que a conscientização e uso adequado de nossos valores é a
única maneira de lutar contra este processo, oferecendo alternativas à inevitável velocidade
de transferência cultural entre as nações no mundo de hoje.
Este estudo foi iniciado a partir de uma pesquisa exploratória que resultou em uma amostra
a ser estudada. O encontro e uma entrevista realizada com o escritor Ariano Suassuna, seis
meses antes do início do já mencionado curso de mestrado, acabou sendo fundamental para
ajudar a estabelecer o recorte deste estudo. É importante mencionar, também, que o alcance
material para o estudo foi bastante facilitado por conta da Semana Armorial, realizada em
junho de 2007 em homenagem aos 80 anos do escritor e todos os eventos relacionados à co-
memoração do seu octogésimo aniversário. Alguns livros foram lançados, outros reeditados e
muitos exemplos de projetos de design foram encontrados e utilizados neste estudo por conta
desta comemoração.
Outra experiência relevante, já durante a fase de pesquisa, foi a visita do autor à Taperoá
(Paraíba) em 2006, durante a gravação da minissérie ‘A Pedra do Reino’ (dirigida por Luiz
Fernando Carvalho e produzida pela Rede Globo). Taperoá, além de ser a cidade na qual
Suassuna passou a infância e parte da adolescência, serve de cenário para muitos de suas
estórias. Este evento foi uma ótima oportunidade para aproximar-se do universo do escritor e
de conhecer alguns autores de trabalhos mencionados e projetos exibidos nesta dissertação.
Em Pernambuco, por exemplo, o encontro com Leonardo Buggy foi importante para esclare-
cer detalhes de seu projeto armorial (ver capítulo 3).
Aprofundar-se no estudo deste movimento significa, também, esbarrar em temas tão diversos
como o ‘medievalismo sertanejo’, a ‘tradição ibérica’, o ‘temperamento barroco’, ou mesmo ‘o
Romanceiro popular e todas suas manifestações’. Entre outros, todos elementos que confor-
mam a arte brasileira autêntica, na leitura particular de Ariano Suassuna.
Objetivos do estudos:
Neste trabalho o Movimento Armorial é analisado sob a ótica do Design. Mais especificamen-
te, a atenção deste estudo está voltada para as enunciações visuais produzidas por Ariano
Suassuna quando as mesmas estão relacionadas ao pensamento armorial, sem aprofundar-
se no estudo das obras da totalidade de artistas que integram o movimento artístico em
questão em suas muitas vertentes. A música e a dança, por exemplo, de grande importância
para o Movimento, são mencionadas apenas quando as informações são úteis para ajudar
no entendimento de alguma característica do Armorial, aplicável a todas as vertentes. Tam-
pouco é intenção desta dissertação aprofundar-se em pormenores de sua história, porém, é
importante que se inicie o trabalho procurando compreender as linhas gerais de seu discurso
e posicionando o Movimento Armorial no contexto histórico nacional.
O Movimento Armorial foi lançado oficialmente na igreja de São Pedro dos Clérigos, na cidade
de Recife, na noite de 18 de outubro de 1970. O lançamento, que não teve grande repercus-
são na imprensa local, foi promovido pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atra-
vés do seu Departamento de Extensão Cultural (DEC), e pelo Conselho Federal de Cultura
(Newton Júnior, 1999:83). Depois, o Armorial ganhou apoio oficial da Prefeitura do Recife e da
Secretaria de Educação de Pernambuco. Para formalizar o início deste movimento artístico
foi realizado, no dia de seu lançamento, um concerto pela recém criada Orquestra Armorial de
Câmara, regida pelo maestro Cussy de Almeida. Em conjunto com o concerto, intitulado ‘Três
Séculos de Música Nordestina – do Barroco ao Armorial’, foi realizada uma exposição de gra-
vura, pintura e escultura (Tavares, 2007:103). Suassuna, que procura valorizar o simbolismo
que pode estar associado às datas, programou o lançamento do seu movimento artístico para
o dia 18 de outubro em homenagem a Antônio José da Silva, o Judeu, escritor nascido no Rio
de Janeiro, morto nesta mesma data em 1739 pela inquisição portuguesa.
Newton Júnior esclarece em seu artigo ‘Os princípios da arte armorial’, publicado no Diário
do Nordeste em 10 de junho de 2007, que após lançar o Armorial, Suassuna começa a sis-
tematizar a base teórica do Movimento através de entrevistas, conferências, catálogos de
exposições e artigos. Ele assinou durante quase dois anos (entre dezembro de 1972 e junho
de 1974) uma coluna semanal no extinto Jornal da Semana. Segundo Newton Júnior, o es-
paço neste jornal permitiu que o escritor tratasse do seu tema de interesse com a freqüência
necessária para a sua rápida divulgação nos meios intelectuais recifenses. Conforme o autor,
quando Suassuna deixou de escrever sua coluna semanal, toda a base teórica por ele esta-
belecida até então foi reunida no livro ‘O Movimento Armorial’, editado pela UFPE em 1974.
Aqui, essa publicação é mencionada como sendo o ‘manifesto armorial’.
Para o jornalista Ronaldo Correa de Brito, autor de várias peças teatrais inspiradas no ima-
ginário popular, um problema que considera relevante na formação do Movimento Armorial,
como foi destacado em seu artigo intitulado ‘A liberdade de não pertencer a movimentos’,
publicado na Revista Continente Multicultural em janeiro de 2001 (n° 1), é que “a diferença
de como aconteceu com outros movimentos estéticos, o Armorial não apareceu de maneira
espontânea e sim através da figura de Ariano Suassuna”, seu autor intelectual e que, segundo
o crítico nordestino “distribuía títulos armoriais a artistas que se alinhassem a sua causa”.
Tal critica, porém, nos permite uma leitura inversa, na qual a figura de Ariano Suassuna apa-
rece não como um emissor e sim catalisador de uma linha de pensamento que antes mesmo
da data oficial do início do Movimento, em outubro de 1970, já era existente e se refletia na
obra de artistas isolados. É o que parece pensar Tavares (2007:104) quando argumenta
que o Armorial nasceu de uma inspiração estética e afetiva, e não a partir de um conjunto
de teorias prévias. Esses traços comuns, essa linha de pensamento ou essa ‘afetividade
estética’ seria, segundo o manifesto armorial, a inspiração na cultura popular nordestina
—principalmente com raízes ibéricas— para a produção de uma arte que busca ser elevada
e brasileira.
No manifesto de 1974 se encontra, como aponta Newton júnior no já mencionado artigo ‘Os
princípios da arte armorial’, a primeira definição da arte armorial, ligando-a ao espírito mágico
do Romanceiro popular nordestino (figuras 18, 19 e 20). Tal definição é utilizada como epígra-
fe desta dissertação, por conta da maneira concisa e eficiente que traduz a proposta Armorial.
Como explica o protagonista do Movimento:
“A arte Armorial Brasileira possui traço comum principal a ligação com o espírito mágico
dos folhetos do Romanceiro popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de
Viola, rabeca ou pífano que acompanha seus cantares, e com a Xilogravura que ilustra
suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com
esse mesmo Romanceiro relacionados” Ariano Suassuna. (Jornal da Semana. Recife, 20
de maio de 1975).
19. Cordel com gravura de J. Borres. 20. Cordel com gravura de Mestre Dila.
“[...] tem-se que perquirir as origens de nossa cultura, respeitando sua forma pura e simples
de apresentação, e procurando encontrar [...] uma Arte e uma Literatura eruditas nacionais,
com base em suas raízes populares”. Suassuna (1974b:5).
Já que o Movimento Armorial defende a criação de uma arte erudita brasileira a partir das
raízes populares da nossa cultura, é importante que se tenha em conta, desde logo, o que
é ‘cultura popular’ para os integrantes deste movimento artístico. Como a atenção está no
trabalho de Suassuna, foco deste estudo, fundamental aqui é apresentar o que o teórico
armorial entende por ‘popular’ e que tipo de cultura é essa a que se refere o autor e diz fazer
uso no seu processo de trabalho e em seus projetos, ainda que suas idéias se distanciem
neste ponto das de outros integrantes do Movimento. Deixando claro desde o princípio que
Suassuna afirma não fazer distinção de valor entre cultura dita ‘erudita’ e ‘popular’, procuran-
do valorizar de igual maneira as três raízes maiores da cultura brasileira: africana, indígena e
ibérica, como comentou no filme ‘Aula-Espetáculo’ (1997) de Vladimir Carvalho.
É sabido que se trata de um tema controverso e não é intenção deste estudo apresentar as
definições aceitas por todos os integrantes do Armorial ou trabalhar para uma atualização ou
melhor definição do termo. Sobre o conceito de ‘cultura popular’, o teórico Peter Burke (in:
Lemos, 2007), destaca que o problema deste tipo de definição deriva do fato de que “uma
cultura” é um sistema com limites muito indefinidos.
Newton Júnior (1999:101) explica que Suassuna “só entende o nacional enquanto o popular
e o erudito que nele se baseia”. Sendo o popular, segundo o escritor, “vinculado ao que ele
chamou, baseado em conceitos da Revolução Francesa, de ‘quarto estado’”. Fazendo alusão
à Revolução Francesa, Suassuna explica que naquele momento havia três classes sociais: a
nobreza, o clero e o chamado povo. O povo estaria dividido entre uma classe dominante que
surgia, ou seja, a burguesia, e a classe operária ou o quarto estado (Victor, 2007:82). O quarto
estado seria formado por “àquela parcela majoritária do povo constituída pela grande maioria
de semi-analfabetos e despossuídos de um país. Quanto ao Erudito, vincula-se à outra parcela
constituinte do povo, uma parcela minoritária, composta por pessoas de cuja formação é dife-
rente daqueles pertencentes ao ‘quarto estado’, diferença engendrada, em parte, por motivos
econômicos” (Newton Júnior, 1999:101). O músico Antonio Nóbrega, em entrevista publicada
na Revista Continente Multicultural em Fevereiro de 2002 (nº 14), comenta —como Dantas
Suassuna também o faz (capítulo 2)— que os armorialistas propõem que as fronteiras que se
separam o popular e o erudito sejam diluídas no interior do próprio processo de criação.
Sendo mais específico, o ‘recorte da cultura popular’ ou ‘a matriz armorial’ residiria, conforme
já mencionado, no Romanceiro popular do Nordeste brasileiro (expressão que na citação de
Suassuna usada como epígrafe desta dissertação aparece como um sinônimo para Literatu-
ra de Cordel). Para Ribeiro (1986:92), o fenômeno da Literatura de Cordel seria, de maneira
bastante concisa, proveniente da longa tradição européia de romanceiro popular, resultado
este da fragmentação das canções de gesta medievais, acrescida à carga poética dos árabes
e judeus presentes na Europa a partir do século VIII e por fim herdada de Portugal e Espanha
durante a colonização das Américas. Este autor entende que a literatura popular é formada
por obras —anônimas ou não— criadas nas camadas menos cultas da população: “uma tra-
dição que não se filia à tradição literária culta, e sim à tradição transmitida de boca a boca,
cujo livro se concretiza como memória coletiva” (1986:92).
As informações de Ribeiro (1986) deixam claro o quão vasto pode vir a ser o universo da
Literatura de Cordel (figura 21 e 22) e, para falar apenas de sua vertente literária, as múlti-
plas tipologias que podem ter sido adotadas na elaboração dos folhetos de feira através dos
tempos. Fica claro que para tratar deste fenômeno é necessário mais espaço do que seria
possível dedicar neste momento. Portanto, para não fugir dos propósitos desta dissertação, a
Literatura de Cordel é tratada aqui em linhas gerais.
Alguns autores, como Días-Maroto (2000), chegam a adotar a concepção para a Literatura de
Cordel como sendo esta uma das três maiores vertentes da Literatura, ao lado da Literatura
Culta e da Literatura Oral. Quando o professor Raymond Cantel, grande estudioso do tema
e que se destacou em pesquisas sobre os folhetos brasileiros, foi consultado sobre qual se-
ria a definição mais concisa que se podia dar do Cordel, durante o ‘Ciclo de estudos sobre
Literatura de Cordel’ (realizado em Fortaleza no ano de 1976), respondeu: “poesia narrativa
impressa popular”. Basicamente, a Literatura de Cordel apresenta temas tradicionais (roman-
ces, historias fantásticas, tradições religiosas, etc.) e temas baseados em acontecimentos
atuais, pessoas famosas e a vida nas cidades.
21. Xilogravuras de Mestre Dila: “traço forte e 22. Xilogravuras de José Francisco Borges: J.
incisivo e o mundo fantástico dos seres míti- Borges é considerado por Suassuna o maior
cos e mágicos”, segundo Gilvan Samico. gravador popular brasileiro.
Os comentários citados até este momento ajudam a delimitar o referencial no qual se baseiam
os integrantes do Armorial para criar suas obras —ao menos aqueles que compartilham do
entendimento de Suassuna com relação a estas questões. No entanto, é ainda muito pouco
para refletir com precisão o temperamento Armorial, e muito menos o Armorial de Suassuna.
É necessário fazer um primeiro recuo no tempo e no espaço até a década de 1920 no Nordes-
te brasileiro para se chegar à natureza do Armorial de Suassuna e poder deste modo avaliar
sua dimensão política e cultural. Isto para visitar os movimentos culturais dos quais o Movi-
mento Armorial descende, além de fatores políticos que marcaram a trajetória do protagonista
deste movimento pernambucano e autor do objeto de estudo desta dissertação.
Baseando-se em Azevêdo (1984), pode-se dizer em poucas palavras que o campo cultural na
década de 20 em Pernambuco foi orientado por duas vertentes maiores de idéias que, “quer na
época em que existiram quer nas suas conseqüências, direcionaram a vida cultural do Nordes-
te”. Juntamente com as comemorações do centenário de Independência do Brasil, marcadas
pela realização de uma grande exposição internacional no Rio de Janeiro (inaugurada em 7
de setembro de 1922 e encerrada um ano depois), chegavam de São Paulo as sugestões
do movimento modernista, tornado público na Semana de Arte Moderna de 1922 (figura 24),
renovando o quadro cultural nacional. Segundo Azevedo, ao mesmo tempo, se intensificava a
pregação em torno do regionalismo, fazendo eco a uma preocupação generalizada no Brasil.
dência cultural brasileira das matrizes da colonização européia e, grosso modo, resultou na
apropriação e utilização de elementos nacionais nas obras artísticas. O tema ‘nacionalismo‘
trata de três questões essenciais: a primeira, de ordem estética, é representada pela negação
das formas estabelecidas propostas pelo academicismo. A segunda, de ordem cultural, dis-
cute a dependência brasileira das matrizes [culturais] da colonização européia. E a terceira,
de ordem política, questiona os benefícios do Estado como instituição necessariamente forte
e centralizadora.
Quanto à disputa entre essas duas maiores vertentes, de modo conciso, à medida que se
aproxima o final da década, se evidencia uma convivência de propostas e realizações na
linha do que seria a propaganda do modernismo, bem como da pregação regionalista (Aze-
vêdo, 1984). O jornalista Mário Pontes, depois de constatar uma confusão e uma desinfor-
mação iniciais na introdução modernista em Recife, afirma na Revista de Cultura Vozes (n°1
– Janeiro/Fevereiro de 1972) que apenas três anos foram necessários para que as novas
tendências se tornassem uma presença inarredável na vida cultural da região, abrangendo
também o Rio Grande do Norte e o Ceará.
É muito importante mencionar que, muitas vezes rotulado como neo-regionalista, Suassuna
se opõe a esse tipo de classificação. O escritor considera que possui um temperamento dis-
tinto dos artistas identificados com o regionalismo, apesar de trabalhar com o mesmo cenário.
Em entrevistas mencionou:
“Recebi influências da Escola de Recife, que é um movimento do séc. XIX liderado por To-
bias Barreto e Sílvio Romero; recebi influência do Movimento Regionalista, [...] do Romance
de 30 principalmente, ligado ao Movimento Regionalista, e da Semana de Arte Moderna”.
(Vídeo ‘Encontro Marcado com a Arte’, de 1996).
“Concordo com o que diz que eu não pertenço à geração regionalista de 30. No meu en-
tender, o caminho dessa literatura é o neonaturalismo. Uma recriação do naturalismo. O
meu trabalho é muito diferente desse estilo. Em minha obra há um elemento poético e de
fantástico que jamais entrariam no regionalismo de 30”. (Jornal do Commercio. Recife, 21
de maio de 1998).
“Considero-me um realista, mas sou realista não à maneira naturalista —que falseia a vida—
mas à maneira de nossa literatura popular, que transfigura a vida com a imaginação para ser
fiel à vida”. (Suassuna, 1989).
“Um movimento amplo que abrange diversos gêneros, do romance à poesia, à escultura, à
música, ao teatro, ao cinema. Tento provar que alguns artistas armoriais conseguem alcan-
çar a ousadia e a renovação da verdadeira vanguarda”. Ariano Suassuna (site n° 88).
As palavras finais de Gilberto Freyre na abertura do 1° Congresso Regionalista dão uma mos-
tra dos objetivos dos manifestantes e demonstra o seu temperamento tradicionalista:
Alguns fatos relacionados ao cenário político brasileiro das décadas de 1920 e 1930 apresen-
tam uma conexão direta com a vida de Ariano Suassuna e se refletem, intencionalmente ou
não, na sua obra. É importante para os objetivos deste estudo analisar alguns destes acon-
tecimentos históricos que nortearam a produção artística do escritor, em especial o assas-
sinato de seu pai, João Suassuna, conforme afirmou o próprio Suassuna em entrevista aos
‘Cadernos de Literatura Brasileira’ (2000). Newton Júnior é enfático ao dizer que “o resgate da
imagem do pai é quase uma constante não só na poesia, mas também no extenso romance
que o autor vem escrevendo desde 1958, a trilogia ‘Quaderna, O Decifrador’, ainda incom-
pleta (1999:18). Como se pretende demonstrar, gradualmente, alguns episódios acabaram
influenciando sua obra e a sua visão de mundo (Victor, 2007).
Um pouco mais tarde, já no governo de Washington Luís (de 1926 a 1930) nasce Ariano
Suassuna����������������������������������������������������������������������������������
, em 16 de junho de 1927. ��������������������������������������������������������
A trajetória do protagonista do Movimento Armorial esta-
belece uma ligação com a história política do Brasil, a partir de acontecimentos que sucede-
ram a Revolução de 1930, movimento político-militar que pôs fim à primeira república e deu
início à segunda República do Brasil.
Contextualizar o cenário político nordestino da década 1920, neste trabalho, não objetiva,
de fato, melhor compreender o momento em que os Movimentos Modernista e Regiona-
lista estavam em voga, ainda que possa servir a esse propósito. O objetivo desta seção é
detalhar alguns fatos da história do Brasil, especialmente relacionados à Região Nordeste,
que tiveram influência direta na vida e na obra de Ariano Suassuna. João Urbano Pessoa
de Vasconcelos Suassuna, pai de Ariano e ‘presidente’ da Paraíba entre 1924 e 1928, foi
assassinado por motivos políticos na cidade do Rio de Janeiro, no bairro do Catete, durante
acontecimentos que precederam a Revolução de 30. A corrente política de João Suassuna
acabou sendo uma das grandes derrotadas neste processo.
Enquanto esteve no poder, João Suassuna foi um típico representante da República pré-
1930: favoreceu a cultura algodoeira, da qual fazia parte, e acabou representando o co-
ronelato sertanejo na capital. Compreender esta questão com o passar dos anos fez com
que Suassuna revisse muitos pontos de seu discurso e atrasasse por mais de vinte anos a
continuação de seu livro ‘O Romance d’A Pedra do Reino [...]’ (1971), como confessou nos
‘Cadernos de Literatura Brasileira’ (2000). O escritor passou, então, a afirmar que sua decla-
rada propaganda ‘monarquista de esquerda’ pertencia tão-somente ao campo artístico:
“Sabe, nos últimos anos, tenho feito uma autocrítica, uma auto-avaliação... Não tem sido
fácil, é muito doloroso. Mas é que eu queria entender melhor algumas posições que tomei ao
longo da vida... [...] Eu cresci lendo jornais falando mal de meu pai... Era a luta do bem contra
o mal. O bem era urbano, que representava a modernidade, o progresso, o governo. O mal
era meu pai, que significada o atraso, o primitivo, por ser rural. [...] Isso teve sempre uma
repercussão enorme em toda a minha obra... Até cometi um erro histórico em ‘A Pedra do
Reino...’ digo que a Guerra de Princesa e Canudos são similares. Está errado!... Em Prince-
sa, era a burguesia urbana contra a aristocracia rural (representada pelo meu pai); enquanto
em Canudos, era a burguesia urbana contra o Povo! Mas eu não conseguia enxergar isso”.
Ariano Suassuna (in: Nogueira, 2002).
O estado da Paraíba foi palco de graves conflitos durante o governo de João Suassuna. Uma
das causas era o fato de que a oposição não dispunha de garantias na região, já que o go-
verno tomava partido nas disputas locais. A indicação de João Pessoa, sobrinho de Epitácio
Pessoa, para o governo da Paraíba (entre 1928 e 1930) formulada por seu tio, resultou em
uma nova crise das oligarquias aliadas aos suassunas e aos dantas villar, famílias paterna e
materna de Ariano. Estas oligarquias já estiveram ameaçadas em 1924, quando só a muito
custo o candidato João Suassuna obteve concordância do governo federal para assumir o
cargo e governar o estado.
O Governo de João Pessoa, que pertencia a um grupo político oposto ao do pai de Ariano,
promoveu uma reforma na estrutura político-administrativa da Paraíba. Como exemplo destas
reformas, o novo governador instituiu a tributação sobre o comércio realizado entre o interior
paraibano e o porto de Recife, até então livre de impostos, para enfrentar as dificuldades
financeiras. Medidas como essa contribuíram para o saneamento financeiro do Estado, mas
geraram grande descontentamento entre os fazendeiros do interior, como o coronel José
Pereira Lima, chefe político do município de Princesa, aliado aos suassunas e com forte influ-
ência sobre a política estadual. José Pereira recebia apoio dos irmãos Pessoa de Queirós, de
Pernambuco, primos de João Pessoa e proprietários do Jornal do Commercio.
Após estes episódios trágicos a família de Suassuna —sua mãe, Rita de Cássia Dantas Vi-
lar, e seus oito irmãos— mudou de endereço diversas vezes até fixar residência na fazenda
Acauhan, no município de Taperoá na Paraíba. No interior do estado, livre de possíveis retra-
tações e vinganças políticas, Ariano, o penúltimo filho a nascer, começou então sua formação
cultural contando com a ajuda de dois tios: um monarquista e outro comunista e anticlerical,
homenageados no ‘Romance d’A Pedra do Reino [...]’ como os personagens Clemente e
Samuel na ‘Pedra do Reino’. A disputa entre os “privilegiados do interior” e os “privilegiados
do litoral”, além da figura de seu pai e seu assassinato, norteou a carreira artística de Ariano.
Referências à João Suassuna são encontradas tanto em sua obra como na de seguidores de
suas propostas (figura 26). Como repara Newton Júnior (1999), seu Pai, o exílio em Taperoá
e o Reino imaginado, o universo Armorial, são temas constantes na sua vida. Seu pai é mui-
tas vezes comparado por ele à figura de Euclides da Cunha, o autor da maior obra nacional
segundo o mesmo, num misto de pai real e pai artístico (Victor, 2007).
26. Painel Armorial no aeroporto João Suassuna de Campina Grande (PB). Homenagem ao
presidente da Paraíba, morto em 1930. Trabalho de Guilherme da Fonte, baseado em ilumi-
nogravura de Ariano Suassuna (capítulo 2).
Dramaturgo, ensaísta, romancista, artista plástico e professor, Ariano Suassuna (figura 27)
nasceu em 16 de junho de 1927, na atual cidade de João Pessoa. A atual capital da Paraíba,
antes chamada Nossa Senhora das Neves, passou a ser chamada de Parahyba do Norte em
1817. Sua denominação atual, João Pessoa, é uma homenagem ao político paraibano assas-
sinado em 1930. O escritor, porém, prefere continuar utilizando a denominação anterior, pelos
motivos trágicos descritos na última seção deste trabalho, como deixou claro nos ‘Cadernos
de Literatura Brasileira’ (2000).
Como já foi mencionado, em Taperoá (figura 28), “cidadezinha que seus amigos, muitos
anos depois pensavam ser um mito igual à Utopia de Thomas Morus ou à Erewhon de Sa-
muel Butler ou à Pasárgada de Manuel Bandeira” (Borba Filho, 1974), Ariano começou sua
formação cultural. No interior da Paraíba, orientado por familiares e tendo contato com o
teatro de mamulengos, peças de teatro encenadas em circos regionais, desafios de viola e
folhetos de Cordel, Ariano começou a escrever contos aos 12 anos de idade.
Suassuna faz sempre questão de enfatizar que recebeu uma influência marcante da poesia
dos cantadores nordestinos e que seu pai foi um grande admirador da arte de versejar dos
repentistas sertanejos. Sobre esta época na vida do escritor, Tavares (2007) comenta ter
sido “um período de descoberta dos folhetos, mas também de outras formas de arte popular.
Elas se tornariam tesouros de referências criativas e de ressonâncias emocionais às quais
Ariano retornaria numerosas vezes, como inspiração para o seu trabalho criativo e como pa-
râmetro para sua teorização sobre a arte popular brasileira”.
O escritor Ariano Suassuna propõe na Revista Caros Amigos, em Junho de 2003 (n° 75), que
toda obra cultural, para ser internacional, deve ser antes local: “Mais que nacional, ela é local
(...) porque ela vai ter a marca de sua terra, de seu lugar de origem”. Sobre este mesmo tema,
o escritor apresentou outro comentário na orelha do livro ‘O Major Façanha’, de Maximiano
Campos, de 1975:
“Numa fazenda, num engenho ou numa pequena cidade, existem, com sua fisionomia parti-
cular, é claro, todos os problemas que afligem ou exaltam a condição humana em qualquer
grande cidade —a solidão, o temor, a morte, a fome, o ciúme, a miséria, as traições, a
opressão, o ódio, o amor, a alegria, a tristeza, as delações, as injustiças etc. Nunca é demais
repetir que este é o motivo de Tolstoi ter escrito que quem pinta bem a sua aldeia pintará o
mundo”. Ariano Suassuna (in: Campos, 1975).
Após o período no interior da Paraíba a família Villar Suassuna se mudou para Recife. Ariano,
então, cursou e se formou na Faculdade de Direito da Universidade de Pernambuco. Como
explica o próprio Suassuna, ele estudou em uma época na qual só havia três opções, Enge-
nharia, Medicina e Direito: “Quem sabia fazer uma conta de somar ia ser engenheiro – não
é o meu caso; eu faço uma conta de somar seis vezes e encontro seis resultados diferentes,
todos seis errados. Quem aguentava espiar para um defunto, de manhã, ia ser médico. Quem
não dava pra nada, ia estudar Direito” (Newton Júnior, 1999:37).
Foi durante o curso universitário, iniciado em 1946, que a vocação artística e literária de
Ariano se consolidou. Newton Júnior comenta que, na época, além daquelas pessoas que
realmente tinham interesse em seguir a carreira em advocacia, cursavam a Faculdade de
Direito muitas outras mais interessadas em ciências humanas e que por falta de opção, pela
inexistência de cursos específicos nas áreas de interesse, terminavam por ingressar no curso
de Direito da mencionada universidade.
Na Faculdade de Direito, Ariano formou juntamente com José Laurenio de Melo, Aloisio Ma-
galhães, Gastão de Holanda e outros intelectuais pernambucanos, liderados por Hermilo
Borba Filho, um grupo que veio a fundar o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP). O
objetivo pretendido pelo TEP era levar o teatro ao povo e criar uma literatura com raízes na
realidade brasileira, preocupação presente no Movimento Armorial, formalizado anos mais
tarde. Ação responsável pela renovação cultural pernambucana em seu momento, conforme
Newton Júnior (1999:37), “os participantes do TEP discutiam sobre um teatro novo brasileiro,
sobre poesia, música, pintura, enfim, tudo o que se relacionava à arte e cultura, principalmen-
te levando em conta as perspectivas e possibilidades de expressões mais ligadas às raízes
culturais brasileiras”. É o que diz Suassuna em matéria publicada no Diário de Pernambuco
de 30 de setembro de 1971, ao comentar que o TEP procurava “uma Poesia, uma Pintura, um
Romance, uma Música e, sobretudo, um Teatro, que, ligando-se à tradição do Romanceiro
Popular Nordestino”, não os deixassem presos aos limites, para eles, por demais estreitos,
do Regionalismo.
Através de Hermilo Borba Filho, Ariano Suassuna tomou contato com a poesia e o teatro
de Garcia Lorca. Como comentou o escritor Bráulio Tavares em palestra no SESC/Flamen-
go (2007), o conhecimento da obra de Lorca representou um marco na vida e na obra de
Suassuna, que se sentiu estimulado a escrever sobre o sertão. “Pela primeira vez, ele se
deparava com um grande escritor erudito que fundamentava toda a sua criação nas fontes
populares da sua cultura, na cultura popular da Espanha” (Newton Júnior, 1999:43). Ao longo
de sua vida, ao lado de sua atividade como professor da Universidade Federal de Pernam-
buco, Suassuna escreveu diversos livros, tendo sido influenciado, segundo explicou no vídeo
‘Encontro Marcado com a Arte’ (1996), por escritores brasileiros como José de Alencar, Lima
Barreto, Aluísio de Azevedo, Euclides da Cunha, Cruz e Souza e Augusto dos Anjos; e escri-
tores estrangeiros como os russos Dostoievski e Nicolai Gogol, e os espanhóis Calderón de
la Barca e Cervantes.
“Depois, em 1946, entrei para a Faculdade de Direito, e, aí, me tornei amigo de mais duas
pessoas que muito me influenciaram no sentido de dar importância aos ferros, não apenas
como elemento de fidelidade familiar e sertaneja —como aconteceram até então— mas
como assunto artístico: foram Fernando José da Rocha Cavalcanti e Aloisio Magalhães [...]
Talvez tenha havido mais gente de que agora não me recordo: mas, ao que me lembro, estas
—e mais um velho fazendeiro da minha família do qual já falarei— foram as pessoas que
mais contribuíram para que eu começasse a ver os ferros de marcar bois como um importan-
te elemento daquilo que, depois, eu mesmo chamaria de arte armorial.” (Suassuna, 1974a).
Newton Júnior comenta no Diário do Nordeste, em 10 de julho 2007 (“Os princípios da arte
armorial”) que o termo ‘armorial’, antes apenas substantivo, já havia sido usado por Suassuna
como adjetivo pelo menos três vezes em três poemas distintos. Relata que o mais antigo
deles é de 1950, concluindo que Suassuna provavelmente começou a desenhar seu projeto
estético a partir do seu ingresso na Faculdade de Direito do Recife, em 1946, e das discus-
sões surgidas no grupo do Teatro do Estudante de Pernambuco.
Anos antes da experiência Armorial, o escritor teve participação no Gráfico Amador (figu-
ra 29). Nesta confraria de intelectuais interessados na arte da edição de livros, Suassuna
fez parte do grupo dos “mãos limpas”, assim denominados os que contribuíam com textos;
contrapondo-se ao grupo dos “mãos sujas”, sendo estes os que participavam diretamente da
elaboração das edições (Cunha Lima, 1997). Durante palestra de no SESC/Flamengo em
2007, Newton Júnior comenta que ‘Ferros do Cariri: uma Heráldica Sertaneja’, o livro lança-
do por Suassuna em 1974 e fruto de suas pesquisas sobre o universo dos ferros de marcar
sertanejos, é uma nítida exemplo do aprendizado de Suassuna no período em que esteve
participando do ‘O Gráfico Amador’.
Segundo Araújo (1997), O Gráfico Amador quebrou, consciente e impetuosamente, uma cor-
rente de mediocridade, ocasionada por limitações empresariais que produziam publicações
que exibiam quase sempre uma certa uniformidade massificada e carente de imaginação “ao
dar vida a uma editora caudatária da melhor tradição editorial das private presses inglesas, da
Kelmscott de William Morris à Gregynog das irmãs Gwendoline e Margaret Davies”.
Foi após a montagem teatral desta peça, realizada no Rio de Janeiro, que o escritor acabou
sendo reconhecido nacionalmente. O estilo da ‘Compadecida’, como o texto é familiarmente
chamado pelo público, cumpre os princípios regionalistas do Armorial: o texto é baseado em
três diferentes folhetos de Cordel, manifestação da cultura popular nordestina de raiz cultural
medieval e do início do Renascimento na península ibérica.
“Eu li o ‘Auto da Compadecida’ pela primeira vez na garagem da casa de Gastão de Holanda,
meu amigo, junto com Hermilo, Gastão, Aloisio Magalhães, José Laurenio de Melo e João
Cabral de Melo Neto. Quando eu terminei de ler, João Cabral disse: “Você se desconverteu?”
Aí eu disse: “Não senhor, eu continuo lá. É que eu não gosto de padre ruim”.
Dando sequência à trajetória Suassuna, em 1969, segundo Lemos (2006), ele é convidado
pelo então reitor Murilo Guimarães, para dirigir o Departamento de Extensão Cultural da Uni-
versidade Federal de Pernambuco. Fato que vai contribuir para a formalização do Armorial
um ano mais tarde. Lemos comenta que Suassuna, naquele momento já conhecido por seus
textos para teatro, “convoca, então, Capiba, Guerra-Peixe, Cussy de Almeida, Jarbas Maciel
e Clóvis Pereira para juntos procurarem uma música erudita nordestina, a música ‘armorial’,
baseada em raízes populares e que viesse se juntar a seu teatro, à pintura de Francisco
Brennand, Ângelo Monteiro e Marcus Accioly, e ao romance de Maximiano Campos”.
Ariano foi eleito em 3 de agosto de 1989 para ocupar a cadeira n° 32 da Academia Brasileira
de Letras. Na década de 1990 Suassuna foi secretário de cultura de Pernambuco durante
o terceiro governo de Miguel Arraes, entre 1995 e 1998. É quando dá início, formalmente,
as suas aulas-espetáculo. O jornalista José Teles, no Jornal do Commercio (Recife) de 8 de
março de 2007, comenta que “o secretário brinca que há três formatos de aula-espetáculo:
plena, reduzida e reduzidíssima. A plena conta com ele, orquestra e bailarinos, a reduzida,
com ele e dois músicos, e a reduzidíssima, apenas ele”. Nos dias atuais, novamente à frente
da Secretaria de Cultura de Pernambuco (desde 2008), Suassuna, com uma postura rigoro-
sa, afirma que “não pretende implantar o Armorial no governo, mas que o rapaz discordante
deveria procurar outra Secretaria [...] se por acaso tivesse algum projeto”. (Site n° 64).
“O Movimento Armorial foi um movimento que nós criamos na década de 70 exatamente para
valorizar a cultura brasileira”. Suassuna no vídeo ‘Encontro Marcado com a Arte’ (1996).
O movimento cultural protagonizado por Suassuna se iniciou com propósitos semelhantes aos
que moveram Mário de Andrade e Gilberto Freyre nas primeiras décadas do século vinte: “a de-
fesa da cultura nacional (e regional) no empenho não só de descobrir e reinventar, mas de criar
Para Ariano Suassuna, as origens da estética armorial, que começou a desenvolver a partir
dos anos 50, se encontra fincada no medievalismo presente no Nordeste, característica
dominante nas bandeiras das procissões e cavalhadas. Um universo dominado por en-
tendimentos simbólicos típicos da idade medieval, que o Movimento Armorial se apropria
em seu discurso e referencia em suas obras. Suassuna comenta, em artigo publicado no
Jornal do Brasil em 14 de março de 2006, que sempre teve como fonte de inspiração o
mesmo sertão mítico:
Fazendo uma aproximação ao universo estético medieval, Umberto Eco (1989) relata que
um aspecto da sensibilidade estética medieval que melhor caracteriza a época, fornecendo
a imagem dos processos mentais que consideramos ‘medievais’ por excelência, se trata da
visão simbólico-alegórica do universo.
Eco (1989) comenta que o homem medieval vivia efetivamente em um mundo povoado de
significados, referências, supra-sentidos, manifestação de Deus nas coisas, em uma nature-
za que falava continuamente uma linguagem heráldica, “na qual um leão não era só um leão,
uma noz não era somente uma noz, um hipogrifo era real como um leão porque, como este,
era signo irrelevante existencialmente, de uma verdade superior”.
Esta tendência mítica do período pode ser explicada pensando no simbolismo medieval como
um paralelo popular e fabuloso da fuga do real:
Eco (1989) comenta ainda que é bom que as coisas divinas sejam indicadas por símbolos
muito diferentes, como leão, urso, pantera, porque “justamente a estranheza do símbolo que
o torna palpável e estimulante para o intérprete” “A cultura medieval tem o sentido da inova-
ção, mas procura escondê-la sob as vestes da repetição, ao contrário da cultura moderna que
finge inovar mesmo quando repete”.
Muito se fala da contribuição da cultura árabe encontrada no Nordeste brasileiro, mais espe-
cificamente no sertão. Como comenta o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello, no
vídeo ‘Intérpretes do Brasil: Viva o Sertão’ (2001), “o sertão é, também, onde mais se desen-
volveu a contribuição que entra no Brasil, como disse Gilberto Freyre, com a característica da
eminência parda na nossa cultura, que é a contribuição árabe, ou mozárabe, mudéjar, que é
uma cultura de sequeiro, que não teve muito a ensinar no litoral [...], mas teve muito a ensinar
no sertão”.
Segundo o músico armorial Antonio Carlos Nóbrega, conforme entrevista publicada na Revista
Continente Multicultural (nº 14) de Fevereiro de 2002, o ponto comum no pensamento armorial
é “a preocupação com a Divindade e com o significado das representações e enunciações”.
Para o músico, “em vez de limitar-se a um regionalismo ou nacionalismo estreito [o Movimen-
to Armorial] procura incentivar uma busca à cultura brasileira e à universal”. A configuração
do Armorial, para o artista, “remete ao mítico, ao emblemático, ao simbólico, ao feminino e ao
32 e 33. Capas de LPs do Quinteto Armorial, conjunto do qual fez parte o músico Antonio
Nóbrega: ‘Do romance ao galope nordestino’ de 1976 e ‘Aralume’ de 1974. Ambas exibindo
reproduções de gravuras de Gilvan Samico.
não realista”, pois, segundo ele, na visão dos armorialistas a arte do século vinte, até então,
“seria exageradamente conceitual, onde o universo do mito teria sido afastado”. Para Nóbre-
ga, a cultura popular teria, então, a capacidade de trazer a vivência do mito, do dionisíaco,
do universo feminino de volta à tona: “quando o Movimento Armorial fala em reinterpretar a
cultura, está procurando recolocar o mito na vivência da arte”.
Ainda segundo Nóbrega, uma característica que contribui para o entendimento do tempe-
ramento do Movimento Armorial é a negação ao temperamento realista dos movimentos
artísticos que o antecederam (como é constante na história dos movimentos artísticos).
No caso, movimentos que pregavam a razão, influenciados pelos avanços tecnológicos
e problemas sociais. O Realismo armorial, portanto, é mágico e propõe uma volta ao ma-
ravilhoso, calcado do universo da Literatura de Cordel. Como o regionalismo freyriano, o
Armorial nunca quis ser vanguarda, quem sabe, talvez, como diz Suassuna, seja “o segun-
do movimento de retaguarda da arte brasileira”. Tavares contribui com o tema explicando
que a Arte Armorial “tem seu encanto em tudo que se afaste do realismo acinzentado e
plano, do objetivismo seco, da mera imitação da vida”. Tavares conta que Suassuna, na ten-
tativa de descrição dos elementos marcantes da Arte Armorial recorre a imagens “possíveis
de serem instantaneamente aprendidas, mas capazes de assumir para o leitor-espectador
múltiplas significações” (2007:80).
O Movimento Armorial se inscreve num percurso intelectual marcado pela relativa continuida-
de entre diversos movimentos culturais: o Movimento, que como já foi dito, entra em conflito
com o lado racional do Movimento Moderno, não tem interesse em negar o Romantismo, o
naturalismo da Escola de Recife dos quais herda, em amplo sentido, a preocupação com as
tradições e a cultura popular, se distinguindo dos demais ao propor sua estética calcada no
realismo mágico. Deixando claro que, como explica o professor Flávio Sátiro Fernandes, em
palestra proferida no Conselho Estadual de Cultura do Estado da Paraíba, por ocasião das
comemorações do Centenário de nascimento de Augusto dos Anjos, em 1984, que o “que se
convencionou chamar de Escola de Recife foi um movimento cultural de ampla repercussão
Como foi dito até então, ao tratarmos da vertente visual do Movimento, nos aproximamos do
repertório imagético popular nordestino. Para Newton Júnior, não resta dúvida de que as gra-
vuras de Gilvan Samico, assim com as pinturas de Francisco Brennand, serviram de inspira-
ção para que o próprio Suassuna estabelecesse os princípios da pintura e gravura armoriais
(Newton Júnior, 1999:98).
Gilvan Samico estava na Europa, em outubro de 1970, quando o Movimento Armorial foi
oficializado, mas é considerado um integrante fundamental. Tavares (2007:109) relata que
na sua primeira geração, o movimento teve como ponta de lança a obra de Samico, que já
era na época um artista consagrado. Suassuna confessa no artigo “Movimento Armorial em
nova fase criadora”, publicado no Jornal do Commercio (Recife) de 25 de julho de 1976, que
“Gilvan Samico prestigiou o Movimento, que se engrandeceu com o seu nome, respeitado
por todo mundo”.
Porém, foi Ariano Suassuna quem despertou no gravador o gosto pelas raízes populares
nordestinas, ou nas palavras do gravador: “Ele me sugeriu procurar inspiração onde nem me
passava pela cabeça”. Samico comentou em entrevista publicada na Revista Continente Mul-
ticultural (nº 20), de agosto de 2002, que em conversas com seu amigo Ariano Suassuna, em
uma de suas vindas ao Recife no início da década de 60, disse que não estava muito satisfeito
com os rumos que sua gravura estavam tomando, achando muito europeu, parecida com as
gravuras de fora e que precisava de algo mais enraizado, do Brasil. Ariano teria lhe proposto,
então, uma investida no campo do gravador popular. Aos poucos, Samico foi incluindo em sua
gravura elementos desse universo nordestino: “Como eu não queria repetir o cordel, meu arti-
fício foi esquecer a gravura popular, pegando apenas o seu espírito”. Segundo Samico, como
publicou o Jornal do Commercio (Recife) de 16 de junho de 2007, feita na época, a gravura
João Maria e o pavão azul (figura 27) é um divisor de águas dessa opção artística. A escolha
de Samico o marcaria definitivamente; como também a própria estética armorial:
“Uso sempre o simbolismo do bem e do mal. Os contrastes das minhas gravuras expressam
uma dicotomia, o claro e o escuro, o dia e a noite. Este é um elemento recorrente na minha
obra”. [...] Há também uma certa religiosidade, não obrigatoriamente em alguma direção,
mas elementos simbólicos religiosos e até pagãos. Os elementos que coloco na gravura
—o peixe, a serpente— têm forte carga simbólica, embora eu nem queira saber o que signi-
ficam. Tenho um livro de Jung, mas nunca abri. Não leio para não ficar influenciado”. Gilvan
Samico (Jornal do Commercio. Recife, 30 de julho de 1998).
Eu era um instrumento do escritório, um arte-finalista, não era o criador. Acho que já fui tra-
balhar lá porque sou, com o meu trabalho, por natureza, muito disciplinado. [...] O fato de eu
ter trabalhado com Aloisio era porque ele precisava de um desenhista com o traço preciso,
justo, com bom acabamento. Acho que deu uma contribuição para meu trabalho, mas eu, por
mim mesmo, já tinha esse sentido de ser muito cuidadoso com a finalização e acabamento
do que fazia. (Site n° 91).
Para Barbosa (1997), Gilvan Samico é sem dúvida o mestre do sincretismo pernambucano,
“associando a dicção das imagens populares da Literatura de Cordel ao espaço clean do
Modernismo”. Sincretismo que, para ela, também estaria presente a obra artística de Romero
de Andrade Lima, que introjeta “a linguagem bauhausiana de um Oskar Schlemmer com o
armorialismo de Ariano Suassuna, mas construindo objetos de definida inventiva pessoal”.
Já Francisco Brennand, nascido em 1927, que iniciou sua prática no campo das artes através
da pintura (figura 36), é nos dias atuais reconhecido por seu trabalho com cerâmica e escultu-
ra (figuras 37 e 38). Após concluir secundário, desistiu de ingressar na Faculdade de Direito e
começou a estudar pintura. Foi a Paris, onde freqüentou o estúdio de André Lothe e Fernand
Léger. Viajou à Bélgica, à Suíça, a Portugal e à Espanha. Em Barcelona, a arquitetura e as
esculturas de Gaudí o impressionaram tanto que acabaram influenciando sua obra futura. Em
1953, na Umbria (Itália), fez estágio numa fábrica de faiança para aperfeiçoar o seu conheci-
mento na arte cerâmica (site n° 68). Fez, também, parte do já mencionado grupo ‘O Gráfico
Amador’. Em 1969, Brennand projeta os trajes e adereços do filme ‘A Compadecida’, de Ge-
orge Jonas, adaptação para o cinema da peça de Suassuna (Newton Júnior, 1999:130).
Com relação ao programa imagético armorial proposto por Suassuna, Newton Júnior sinte-
tizou em prefácio para Maia (2004) o entendimento que o escritor passou a empregar para
o termo armorial e qual é a finalidade do Movimento. Ele conta que ao lançar oficialmente o
manifesto do Movimento Armorial, Suassuna procurou chamar “a atenção para a existência
de uma heráldica não-oficial bastante rica no Brasil”.
Com relação a esta Heráldica não oficial, segundo o entendimento de Suassuna, ela estaria
representada por distintas manifestações culturais espalhadas pelo país (figura 39): tanto
pelos ferros de marcar boi como emblemas dos clubes de futebol; passando também pelas
bandeiras das cavalhadas (onde o cordão azul representa os cristãos e o cordão vermelho
os mouros), ou ainda pelos estandartes dos maracatus; dos caboclinhos e das escolas de
samba. Newton Júnior (in: Maia, 2004) afirma que “a utilização desta heráldica não oficial
pelos artistas como referência visual (figura 40) foi um dos pontos de partida para a realiza-
ção de uma arte nova, erudita e de caráter brasileiro – a arte armorial”.
Outro elemento específico de vital importância para se chegar ao conceito de ‘armorial’ foi a
já mencionada sinalização sertaneja manifestada nos ferros de marcar boi do sertão nordes-
tino. Os ferros, que têm a função de identificar e localizar o proprietário da rês, será melhor
estudado no capítulo 3. Segundo Suassuna (1974a), esta sinalização corresponderia a uma
verdadeira heráldica popular, “conferindo ao sertanejo a glória de uma linhagem quase no-
bre”. No caso específico dos ferros, Suassuna endossava e levava à frente a idéia anterior
de outros escritores, como Gustavo Barroso (1912), que já haviam constatado na tradição
sertaneja de criar ferros novos a partir das diferenças que os filhos acrescentavam aos ferros
dos pais, o apego a uma mesa familiar e a existência de uma verdadeira heráldica.
Ainda segundo Newton Júnior (in: Maia, 2004), do mesmo modo que ferros novos surgem a
partir das diferenças apostas a um ferro anterior, os artistas poderiam se basear no rico acer-
vo de desenhos e sinais enigmáticos dos ferros para criar novas formas, no campo da Gravu-
ra, da Pintura e das Artes Gráficas, de uma maneira geral. Estariam assim, segundo Newton
Júnior provavelmente, vinculando-se a uma herança anterior à chegada dos europeus, já
que as origens de alguns desses sinais podem muito bem estar associadas às insígnias
que os nossos mais remotos antepassados pintaram e esculpiram, nas itaquatiaras que os
sertanejos vão encontrar tempos depois, Sertão adentro. Para Newton Júnior completa que
“dos ferros às insígnias dos diversos tipos de agremiações festivas, a heráldica, em nosso
país, apresenta-se como uma Arte essencialmente popular, e não burguesa”. Para ele trata-
se de uma heráldica adquirida não por favor dos poderosos, mas “forjada na luta diária do
sertanejo com o mundo”. Levando em conta, apesar destes argumentos, que Suassuna e
sua família, ou o próprio Padre Cícero, não pertencem à camada popular, mas no entanto
possuem seus ferros (figura 41).
“Como sempre acontece nessa arte e ciência das insígnias, tudo começa pelas formas mais
simples, ocultando, todas elas, um significado simbólico, muito presente em épocas antigas,
mas depois paulatinamente esquecido. Acontece também dessas coisas darem a impressão
de ter morrido para, logo depois, aparecerem de novo com mais força, como se estivessem
adormecidas nas camadas mais profundas, à espera somente de um pretexto qualquer que
lhes permita irromper violentamente à superfície”. (Suassuna, 1974a).
Para Joly (1996), os grafismos rupestres destinavam-se a comunicar mensagens, sendo que
muitos deles constituíram o que se chamou ‘os precursores da escrita’, “utilizando proces-
sos de descrição-representação que só conservavam um desenvolvimento esquemático de
representações de coisas reais”. ‘Petrogramas’, se desenhadas ou pintadas, ‘petróglifos’, se
gravadas ou talhadas – essas figuras, para Joly, representam os primeiros meios de comu-
nicação humana. São consideradas imagens porque imitam, esquematizando visualmente,
as pessoas e os objetos do mundo real.
Em 1999, Newton Júnior divide a trajetória do Movimento em três fases: a primeira, a fase
Experimental, que iria do lançamento do Armorial em 1970 a 1975, com um grande enfoque
dado à Literatura de Cordel. Nas artes plásticas destacam-se nesta fase os mencionados
Francisco Brennand e Gilvan Samico.
“O sonho de unir o texto literário e a imagem num só emblema, para que a literatura, a
tapeçaria, a gravura, a cerâmica e a escultura falem, todas, através de imagens concre-
tas, firmes e brilhantes, verdadeiras insígnias das coisas. Insígnias de qualquer maneira
desenhadas, gravadas ou iluminadas —sobre superfícies de pedra, de barro-queimado, de
tecido, de couro, de áspero papel, ou, então, modeladas pela forma e pela imagem”. Ariano
Suassuna (1989a).
Este capítulo se propõe a estudar o ideário do Movimento Armorial e examinar seu programa
visual através da análise de enunciações visuais próprias deste movimento artístico-cultural.
Visando a maturação e sistematização de idéias dispersas, a análise do caráter visual deste
movimento é realizada com maior especificidade neste capítulo através da produção visual
de Ariano Suassuna, fundador e protagonista do Movimento Armorial. De modo mais objeti-
vo, o foco deste capítulo está em suas ‘iluminogravuras’ (figura 47 e 48), poesias ilustradas
produzidas por Ariano Suassuna a partir da década de 1980. O termo ‘iluminogravura’, com o
qual Suassuna batizou o seu trabalho, é um neologismo criado pelo artista e segundo ele tem
como significado ‘a fusão do conceito de iluminura medieval (ver item 2.2) com os processos
contemporâneos de gravação em papel’.
Suassuna produziu dois álbuns com iluminogravuras: auxiliado por seu filho Manuel Dantas
Suassuna (como comentou Newton Júnior em palestra no SESC-Flamengo em 2007), o escri-
tor realizou o primeiro álbum, intitulado ‘Sonetos com mote alheio’ e publicado em 1980 com
uma tiragem de 50 exemplares; o segundo álbum, ‘Sonetos de Albano Cervonegro’, sai em
1985 com tiragem de 150 exemplares (ainda que esgotada a edição inicial outros exemplares
de iluminogravuras tenham sido produzidos isoladamente para atender pedidos eventuais).
Newton Júnior (1999:126) esclarece que dos vinte sonetos —composição poética de catorze
versos, dispostos em duas quadras e dois tercetos— presentes nos dois primeiros álbuns,
“dezesseis foram originalmente escritos para a 'Vida-Nova Sertanejo', trabalho não divulgado,
elaborado entre os anos de 1970 e 1974”.
Produzidos por Suassuna de modo semi-artesanal, os álbuns com iluminogravuras são apre-
sentados em uma caixa de madeira contendo dez lâminas, cada uma delas com um soneto
distinto e suas respectivas ilustrações. As lâminas contendo seus sonetos ilustrados são de
papel, não encadernadas, medindo 44 × 66 cm. O processo usado na confecção de suas
Após a contextualização do material primário deste capítulo, se utiliza como parâmetro para
o estudo conceitos de Panofsky (1979) ligados a análise de obras de Arte, além de estudos
anteriores realizados por Newton Júnior (1999) e Santiago (2004). Baseando-se nestes pri-
meiros estudos da obra de Suassuna, realizados sob o enfoque da Literatura, é objetivo do
capítulo contribuir com informações adicionais e aprofundar a análise em questões pertinen-
tes ao campo do Design.
O conselho dado por Newton Júnior (1999:17), quando diz que a análise das iluminogravuras
“não pode ser feita sem reflexões pertinentes aos campos da gravura e da pintura; e sem
um confronto da literatura com as artes plásticas”, foi levado em conta durante todo o pro-
cesso de trabalho. Portanto, o presente capítulo é, também como o anterior, permeado de
comentários a respeito da trajetória deste movimento artístico pernambucano e de suas
manifestações artísticas.
Conforme Joly (1996), a análise de uma enunciação visual não deve ser feita por si mesma,
mas a serviço de um projeto. Seguindo esta mesma linha, é também finalidade deste capítulo
sedimentar conceitos para o capítulo seguinte, respeitando assim um roteiro que conduza a
questões próprias da prática do Design.
“Depois dos 20 anos, descobri que não estava na Renascença, quando o Papa sustentava
o artista, que podia praticar duas ou três artes”. [A literatura prevaleceu,] “mas nunca deixei
de desenhar”. Ariano Suassuna (site n° 23).
Apesar do escritor Ariano Suassuna ter declarado, em entrevista publicada nos ‘Cadernos de
Literatura Brasileira’ (2000), que considera o Teatro a Arte mais completa entre todas, e que
foi justo nos seus textos criados para teatro onde melhor pôde se desenvolver como artista; e
ter dito, além disso, que a sua poesia é a fonte profunda de tudo que escreve, como se verá
a seguir, suas ilustrações são elementos de grande importância como referência conceitual
para a vertente visual do Movimento que ajudou a fundar.
A atuação artística de Romero de Andrade Lima, nascido em Recife em 1957, é a terceira que
neste estudo se destaca, por ter recebido uma direta influência de Ariano Suassuna (figura
55, 56 e 57). Romero, hoje trabalhando com artes plásticas, design e teatro (direção, texto,
cenografia e figurino), começou a desenhar, pintar e esculpir, como Dantas, quando ainda era
criança, sob a orientação de seu tio e padrinho Ariano Suassuna. Aos 23 anos iniciou sua car-
reira profissional, dedicando-se desde então exclusivamente à atividade artística. Em entre-
vista publicada na Revista Continente Multicultural (nº 20), em agosto de 2002, ele expressou
o desejo de “experimentar todas as formas de expressão de arte, dentro dos ideais armoriais”.
É importante salientar sua produção de Jóias com proposta armorial (ver introdução), além de
suas camisetas produzidas para o carnaval pernambucano (figura 57).
O livro ‘Romance d’A Pedra do Reino [...]’ conta a história de Quaderna, ou Dom Pedro Di-
nis Ferreira Quaderna – O Decifrador, uma mescla entre o arquétipo do herói trágico e tipo
picaresco, que afirma ser o legítimo herdeiro dos verdadeiros reis do Brasil. O personagem
baseia sua realeza apoiado em um fato histórico: João Ferreira, fanático sebastianista, liderou
um grupo de flagelados na Pedra Bonita, região banhada pelo Rio Pajeú, próximo à divisa
entre os estados da Paraíba e Pernambuco, entre 1835 e 1838. Suassuna escreveu a obra
64. Capa da 2ª ed. do ‘A Guerra do Reino Divino’ (2001): projeto de Daniela Nogueira e Emer-
son Lehmann.
Se é certo que as enunciações visuais de Suassuna vêm da literatura, esta por sua vez,
como foi mencionado no capítulo anterior, é inspirada na cultura popular de tradição ibérica,
no medievalismo sertanejo, no sebastianismo presente em movimentos místicos do Brasil
nordestino, fundindo-se ainda a referenciais estéticos do Brasil pré-histórico e a heranças do
mundo árabe, cumprindo assim outros dos requisitos da buscada Arte Armorial. Dessa ma-
neira, é possível dizer que o referencial visual de Ariano está assentado, no que ele defende
como inconsciente coletivo do homem nordestino, que aflora aqui e ali nas manifestações
artísticas da região, como deixa claro o escritor em entrevista publicada nos 'Cadernos de
Literatura Brasileira' (2000).
Este estudo tem como enfoque os elementos contidos nas iluminogravuras e nas referências
visuais articuladas pelo artista. Trata-se da obra de um artista marcadamente influenciado por
questões políticas, referências culturais locais e universais, além da influência que admite ter
recebido de diversos movimentos artísticos anteriores ao Armorial, como o Regionalismo, a
Escola de Recife e o Romantismo, já mencionados.
“O desenho não tem vida própria, nasce da imagem literária, tem papel subsidiário em rela-
ção à literatura”. Ariano Suassuna (Cadernos de Literatura Brasileira, 2000).
O escritor Ariano Suassuna nunca deixou totalmente de lado as outras artes. Em seu livro de
1971, ‘Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta’, pela primeira vez
ele pôde reunir duas vertentes artísticas: além do texto, fez também as ilustrações inspiradas
em xilogravuras de capas de Cordel que aparecem no livro (figuras 67 e 68) como sendo de
autoria de personagens do romance.
Sobre este assunto, Suassuna em entrevista aos 'Cadernos De Literatura Brasileira' (2000)
mencionou que:
“Tinha pensado em pedir as gravuras para o Samico, mas ele estava viajando. Lembrei tam-
bém que, se as gravuras fossem dele, precisaria assinar ‘Samico’, e eu queria que elas apa-
recessem como sendo de autoria do personagem. Depois d’A Pedra, eu me aprofundei e
cheguei as iluminogravuras.” Ariano Suassuna.
Para Newton Júnior (1999:121), depois desta experiência, Suassuna começou a dividir o
seu tempo de criação literária com trabalhos de ilustração, pintura, comunicação visual e
tapeçaria (figura 69). Em 1973, Suassuna realiza seis ilustrações para o livro ‘As Sentenças
do Tempo’, de seu amigo Maximiano Campos (figuras 70 e 71). Estas ilustrações, com rela-
ção à técnica empregada e ao estilo proposto, são similares às encontradas em seu próprio
livro de 1971. Nesta fase, Suassuna parece estar adquirindo uma maior maturidade para se
expressar visualmente e admitir-se como artista plástico, processo que culminará mais tarde
nas iluminogravuras.
De tão rigoroso, Suassuna chega ao extremo de aplicar seus conceitos artísticos à sua cria-
ção particular de cabras, como pode ser percebido nesta declaração à Revista Continente
Multicultural (nº 20), em agosto de 2002:
“[...] eu queria fazer cabra avermelhada, uma branca e uma preta, porque eu queria prestar
homenagem às três cores iniciais da cultura brasileira, o negro, o índio e o branco. Tudo isso
é literatura, era a isso que eu me referia como sendo a parte estética. Há uma coisa da qual
ninguém pode me chamar, que é de incoerente. Podem até me chamar com justiça de muita
coisa, mas incoerente eu não sou não”.
É importante enfatizar que antes de produzir suas iluminogravuras, Ariano Suassuna já fazia
suas ‘estilogravuras’ (figuras 73 e 74), como ele mesmo denominou suas ilustrações mono-
cromáticas (nanquim preto) realizadas com caneta 'estilográfica' sobre papel (o termo estiló-
grafo refere-se à caneta-tinteiro).
Na construção das estilogravuras já eram utilizados alguns elementos que mais tarde seriam
incorporados às iluminogravuras. Suas estilogravuras já contavam, por exemplo, com um de-
Em 1980 Ariano Suassuna dá início à produção dos álbuns de iluminogravuras, nos quais
exercita com maior precisão suas experiências de integrar texto e ilustração e realizar seu
“sonho de unir o texto literário e a imagem num só emblema, para que a literatura, a tapeça-
ria, a gravura, a cerâmica e a escultura falem, todas, através de imagens concretas, firmes e
brilhantes, verdadeiras insígnias das coisas.” (Suassuna, 1989).
Desde seus primeiros trabalhos de ilustração até este momento, Suassuna esteve amadu-
recendo seu estilo próprio de representação. Estilo este que se afasta bastante das obras
de Gilvan Samico e que passa a ser referência para outros artistas. Levando em conta que
as obras de Samico, entre as de outros artistas, foram aquelas que serviram de base para a
definição da proposta visual do Movimento Armorial no momento de sua formalização.
Se o desejo de Suassuna de unir sua literatura com sua artes visual já é percebido em 1971, no
livro ‘Romance d’A Pedra do Reino [...]’, no caso dos álbuns de iluminogravuras, ele aprofunda
seu discurso e seu repertório imagético; além de dar sequência às suas experiências em direção
ao “livro-síntese”. O conceito da estilogravura é bem próximo ao da iluminogravura, no sentido
de tratar-se também de um soneto ilustrado. Porém, com a iluminogravura, Suassuna passa a
incluir um maior número de elementos visuais que fazem parte de seu discurso armorial. Além
disso, passa a fazer referência às iluminuras medievais e, junto com este fenômeno, referência
à Idade Média. Como mencionado no capítulo 1, para Ariano Suassuna, as origens da estética
armorial se encontram fincadas no medievalismo presente no Nordeste.
No decorrer dos séculos e nos distintos lugares em que foram produzidas, a forma, o estilo,
a composição e as cores das iluminuras variaram muito. Só mesmo “em virtude de um per-
sistente hábito cultural” pode-se falar sobre este fenômeno em um conjunto, como se tratas-
se de obras e de um período homogêneo. Como exemplo desta variedade pode-se citar as
iluminuras irlandesas, “herdeiras de um visionarismo celta”, com “formas de um linearismo e
um geometrismo que só terão, eventualmente, paralelo na ornamentação igualmente geome-
trizante das criações muçulmanas” (Mattoso, 1999:27).
Porém, como comenta Mattoso (1999:27), pode-se dizer que há de fato “alguma coisa de co-
mum entre a iluminura do princípio e do fim da idade média. Para esta autor o principal talvez
seja a referência constante, explícita ou implícita à realidade divina”, já que segundo o autor “o
iluminador pouco se interessava pelas cenas do mundo terrestre” e “só lhe parecia digno de
representação aquilo que evocava, direta ou indiretamente, o mundo divino". E este mundo "só
podia ser infinitamente colorido, brilhante e maravilhoso” (Mattoso, 1999:31). Desejo que se
aproxima da proposta armorial de Suassuna, concretizada pela iluminogravura.
Parece importante esclarecer que a temática das obras, que a princípio se confinava ao
mundo eclesiástico, originando um corpus iconográfico de caráter essencialmente sagrado,
acabará sendo partilhada também e de modo natural, com a evolução da Europa (a partir so-
bretudo do séc. XII), pelo mundo laico. Este último foi responsável pela introdução de novas
Alguns autores acreditam que no século XII, os manuscritos iluminados de origem portuguesa
tornam-se suficientes, em número e em variedade, para podermos compará-los entre si e
com os dos outros reinos. Isto porque eles parecem manter um certo ar de familiaridade com
os do século seguinte, entretanto distinguem-se facilmente dos do séc. XIV e XV uma vez
que nos primeiros, a ênfase é o traço, ou seja, o desenho domina a pintura e os contornos
assumem maior nitidez (Silva, 1999; Mattoso, 1999).
Segundo Francisco Javier Ocaña Eiroa, fundador e diretor do Seminário de Arte Românico
criado pelo departamento de patrimônio histórico da prefeitura de Vigo e especialista em
Idade Média com ênfase no período românico, dentre os livros românicos iluminados pelos
copistas e iluminadores dos monastérios, uns estavam destinados diretamente às funções li-
túrgicas e outros à instrução dos monges. Para Eiroa, entre estes últimos pode-se reconhecer
os que modernamente foram denominados como Beatos (site n° 92).
Eiroa entende o ‘Beato de Liébana’ —tratando-se de um nome próprio (Beatus), e uma co-
marca—, como possível indutor de uma família de livros iluminados, os ‘beatos’, que come-
çou a ser produzida na Alta Idade Média, mas teve pleno desenvolvimento na época da Arte
Românica. O termo ‘beato’, masculino de Beatriz, hoje em desuso como nome próprio, é
utilizado para determinar um personagem histórico que viveu como monge em um monastério
da comarca asturiana medieval de los valles de la Liébana, hoje pertencente a Cantábria.
Segundo Eiroa, se atribui a este monge do Monastério de San Martin de Turieno, atualmente
Monasterio de Santo Toribio de Liébana, a confecção em torno do ano de 776 de um dos
livros mais famosos da Idade média ibérica: ‘Comentários ao Apocalipse de São João’, con-
tendo explicações e comentários a respeito do tratado deste profeta bíblico e famoso pelas
iluminuras que acompanhavam tais explicações. ‘Comentários sobre o Apocalipse [...]’, do
80. Beato de Valladolid: os Quatro Cavalei- 81. Beato de Fernando I y doña Sancha.
ros do Apocalipse.
Beato de Liébana, teria sido o primeiro de uma série de manuscritos que passaram a ser
conhecidos como beatos. Assim podemos falar, nos dias atuais, de Beato do Fernando e
Sancha ou Facundo (figura 81), do Beato de Londres ou de Silos, do Beato Morgan, de San
Miguel de la Escalada o de Valladolid (figura 80), entre outros.
Ao analisar as iluminuras pré-românicas ibéricas dos beatos, Eiroa comenta que “chama
poderosamente à atenção a eliminação de toda sugestão de volume ou ilusão espacial, pelo
predomínio da linha e cor”. Esta análise pode ser estendida às iluminogravuras de Suassuna.
Como os beatos, as iluminogravuras mesclam texto e imagens com cores vibrantes e uso de
pigmentos dourados; o espaço é totalmente preenchido numa representação de perspectiva
apenas aparente e desenho chapado.
Já para Gómez, em seu artigo 'La Textualidad Léxico-Figurativa en los Beatos' (site n° 93), as
imagens dos ‘beatos’ comportam uma dupla autonomia: a primeira formal e iconográfica, pois
seu alto grau de estilização, sua expressividade antinatural, sua desmaterialização espacial
e a vibração de suas cores, as transformam em criações absolutamente independentes do
contexto artístico da época; e em segundo, a autonomia, da ilustração no sentido de não se
limitar a acompanhar o texto, ao invés disso, podem ocupar a página inteira e em muitos ma-
nuscritos conquistam até a página dupla (figura 82).
“Pois eu, se fosse pintor, faria questão de um intercâmbio muito maior entre a realidade e o
quadro. Para mim, a pintura só pode enriquecer ao mergulhar no mistério da realidade. Esta
se reinventa a cada instante, é viva, vigorosa, podendo o artista, portanto, retirar, de seu
interior, formas e fatos em quantidade inumerável”. Ariano Suassuna (in: Leite, 2003).
Joly (1996) comenta que o campo da arte é considerado mais dependente da expressão do
que da comunicação. Porém, para a autora, a análise da imagem, inclusive da imagem artís-
tica, pode desempenhar funções tão diferentes quanto dar prazer ao analista, aumentar seus
conhecimentos, ensinar, permitir ler ou conceber com maior eficácia mensagens visuais e etc.
No entanto, acredita-se que ninguém tem de fato uma idéia precisa do que o autor quis dizer.
É necessário também levar em consideração que e o próprio autor não domina toda a signifi-
cação da imagem que produz. O ato de interpretação requer certa ousadia. Caso contrário, se
houver a persistência na proibição da interpretação de uma obra sob o pretexto de que não se
tem certeza de que aquilo que foi compreendido corresponde às intenções do autor, é melhor
parar, de imediato, de ler ou contemplar qualquer imagem (Joly, 1996).
O autor divide esta fase em ‘factual’ e ‘expressiva’, sendo factual a descrição visual; a iden-
tificação imediata dos objetos com suas cores e dimensões (podendo incluir o estudo de
linhas, cores, volume, forma, perspectiva ou caligrafia) e a expressiva, ou seja, a percepção
superficial das qualidades expressivas e das emoções em relação aos acontecimentos retra-
tados; na primeira fase, a identificação de um aspecto observado numa obra de arte é óbvia.
Avançando um pouco mais chega-se à etapa da análise iconográfica, na qual exige-se mais
do que a experiência cotidiana ou cultural. Nela procura-se estabelecer uma relação entre
os motivos artísticos, a composição e temas ou conceitos presentes na obra. Estes motivos
percebidos como portadores de significações secundárias podem ser chamados de 'imagens'
cujas combinações constituem 'histórias' e 'alegorias'. A identificação destas imagens, histó-
rias e alegorias corresponde a análise do nível iconográfico.
Panofsky explica, ainda, que a análise primária difere da secundária pois na primeira utiliza-
se somente percepções enquanto que na segunda é necessário maior conhecimento do as-
sunto. De certa forma, é possível dizer que a análise iconográfica assume o papel de uma
maior conhecimento amparado por uma familiaridade com os motivos representados na obra.
Ainda na análise iconográfica Panofsky fala em obter conhecimento da história dos estilos,
comparando as várias maneiras de como determinado motivo foi representado ao longo da
história por outros artistas.
Segundo Panofsky, na análise iconológica (fase 3), se manifesta a partir dos procedimentos
de composição e da significação iconográfica (ou seja, as fases 1 e 2) simultaneamente. A
significação intrínseca se apreende investigando aqueles princípios subjacentes que põe em
relevo a mentalidade básica de uma nação, de uma época, de uma classe social, de uma
crença religiosa ou filosófica matizada por uma personalidade e condensada em uma obra
artística. A interpretação deste valores simbólicos constitui o objeto que pode-se chamar de
iconologia em contraposição à iconografia. A iconologia resulta de uma síntese e, ao contrá-
rio da iconográfica, não se limita à análise do que está exposto numa obra artística. Nesta
fase, procura-se interpretar o significado intrínseco da obra de arte; desvendar o significado
simbólico do tema exposto. O autor enfatiza que estes valores simbólicos, com frequência
ignorados pelo artista, podem ser inclusive diferentes das intenções deliberadas do mesmo.
Este nível leva em conta aspectos subjetivos de interpretação para entender uma obra, como
por exemplo a história pessoal, técnica e cultural do sujeito que a interpreta. O autor, diz
numa análise profunda obtém-se conhecimento dos conceitos, temas e técnicas que o autor
da obra de arte em questão dominava quando a executou. De certa maneira, tem-se como
fundamento para esta fase de análise a biografia do autor desta dissertação e seu o repertório
adquirido ao longo da carreira de designer. Uma aproximação à estas questões relacionadas
à Suassuna foi o que se buscou fazer no capítulo anterior e nos primeiros itens do presente
capítulo para abordar este aspecto nas iluminogravuras.
Como prevenção para que não se caia em explicações especulativas, místicas ou achismos
no momento em que se procura o significado e a interpretação de conceitos simbólicos, Pa-
nofsky faz um alerta sobre o cuidado que se deve ter no desenvolvimento da análise iconoló-
gica num estudo de uma obra de arte. O autor argumenta que essas explicações devem ser
baseadas em conhecimentos sólidos da História da cultura. Por isso, o historiador terá que
ter sempre o cuidado de comparar as suas conclusões com fatos, fenômenos políticos ou
religiosos que tenham relação com a época da obra estudada.
Sobre este viés mais subjetivo de análise, Joly (1996) argumenta que “interpretar uma men-
sagem, analisá-la, não consiste [...] em encontrar [...] uma mensagem preexistente, mas em
compreender o que essa mensagem, nessas circunstâncias, provoca de significações aqui e
agora, ao mesmo tempo em que se tenta separar o que é pessoal do que é coletivo. Pano-
fsky também aponta para esta interpretação mais pessoal, apesar de valorizar uma correta
interpretação das pretensões do autor ao produzir a obra. Esta autora valoriza o que a obra
provoca no intérprete no momento que é vista. Vale considerar que encontra-se qualidades
em ambas como também certos pontos em comum que serão adotados nesta análise. Acre-
dita-se que, subjetivamente, cada sujeito entenderá a obra conforme sua familiaridade com
o assunto e sua história de vida (estudos, cultura, crença e etc.). Porém, argumenta-se que
num trabalho acadêmico que exige certo rigor, de fato, são necessários limites e pontos de
referência para uma análise consistente.
Enfatiza-se que o que este estudo pretende destacar o referencial utilizado por Suassuna na
sua produção artística e o entendimento que possui e procura divulgar a respeito da vertente
visual do Movimento Armorial. Mesmo trabalhando, como já foi dito, desde o primeiro capítulo
em uma aproximação ao universo de Suassuna, uma preparação que possibilita uma inter-
pretação iconológica mais eficiente de sua obra.
LÁPIDE
(com tema de Virgílio, o Latino, e de Lino Pedra-
Azul, o Sertanejo)
FINAL “A DESCOBERTO”
sonetos com temas relacionados à ‘herança’, importante, segundo ele, para a análise da obra
poética de Suassuna.
Aqui nesta dissertação essas duas iluminogravuras estão também em destaque. Além dis-
so, busca-se agregar informações de outros autores e levar em conta todo o conjunto de
iluminogravuras, representado por esses dois álbuns publicados, sempre com o objetivo de
facilitar o entendimento das questões propostas, procurando vincular o estudo a aspectos de
interesse do campo do Design.
Neste item dá-se a análise propriamente dita das iluminogravuras de Suassuna. Primeiro
descreve-se os aspectos pré-iconográfico e iconográficos. Após estes comentários faz-se
desfecho interpretativo contextualizando as obras. Percebe-se que o trabalho de Suassuna
na iluminogravura inicia-se pela caligrafia e é seguido pelas lustrações monocromáticas. As
iluminogravuras pertencentes ao recorte pesquisado são compostas de um soneto manuscri-
to com fonte caligráfica (figura 86) no corpo do texto dos versos e com caracteres decorativos
nos títulos. O desenho da fonte caligráfica é realizado de modo a facilitar a legibilidade. Se
comparada com a escrita usual de Suassuna, pode-se interpretar sua intenção de tornar a
leitura a mais clara possível (figura 87).
87. Texto escrito por Ariano Suassuna com sua caligrafia usual.
A iluminugravura ‘Lápide’ apresenta uma diagramação mais complexa que a primeira. O so-
neto ocupa o espaço central, dividido em duas colunas, separadas por formas aparentemente
abstratas. Entre os espaços contendo os texto, a representação de um cervo à esquerda, e
um cavalo alado à direita. Na base encontram-se três imagens, das quais a primeira delas
pode ser descrita novamente como a representação de um cervo. No topo da composição,
o título da obra entre grafismos pictográficos que apresentam certa familiaridade com o que
aparece na base das colunas na metade inferior de ‘Acauhan’.
Vale esclarecer que, devido ao fato deste estudo estar sendo realizado com reproduções das
iluminogravuras e não diretamente com seus originais, não houve intenção de aprofundar o
estudo em questões cromáticas. Nota-se que as reproduções das cores se distanciam bastan-
te numa comparação com os originais, o que é comum com a maior parte das reproduções de
obra de arte. Problema ocasionado, por exemplo, por conta do uso de pigmentos dourados.
No entanto e apesar dessa dificuldade, pode-se perceber que uso da cor ocorre com maior
intensidade no segundo álbum de iluminogravuras e que os espaços em branco que ocupam
‘Sonetos com Mote alheio’, publicado em 1980 (acima); o segundo álbum, ‘Sonetos de Alba-
no Cervonegro’, de 1985.
90. Exemplos de iluminogravuras do álbum ‘Sonetos com Mote Alheio’ (esquerda) e ‘Sone-
tos de Albano Cervonegro (direita): pode-se perceber o maior uso de cores e o ausência de
branco no segundo álbum.
boa parte das pranchas do primeiro álbum estão quase ausentes no segundo (figura 89). Na
iluminogravura ‘A Acauhan [...]’ predominam o preto, o castanho, o amarelo-ouro e o branco
do papel não pigmentado, enquanto em ‘Lápide’ a paleta de cores é mais ampla, com o uso
de cores vibrantes que acabam dando um maior destaque ao espaço em branco que serve
de suporte para o texto (figura 90).
Lançando mão para suporte de análise —ademais de todos os estudos já empreendidos neste
sentido pelo autor da dissertação— de aportes de autores que já estudaram este tema, sabe-
se que pintura, a gravura e a tapeçaria de Suassuna encontram-se profundamente fincadas
no seu universo interior (Newton Júnior, 1999). Não poderia ser diferente com as ilustrações
de Ariano Suassuna: por fazerem parte de sua arte integrada não é difícil identificar suas
1 2 3
91. Simetria e rebatimento nas iluminogravuras, como na xilogravura de Gilvan Samico (aci-
ma, n° 1): ‘Criação homem e mulher’ (P/B) 1993, H. C. 90,7 × 49,7 cm.
No caso de ‘Lápide’ não há uma relação direta entre texto e ilustração, a exemplo do que
ocorre nas iluminogravuras do segundo álbum. Esta relação é mais direta no primeiro álbum,
enquanto que no segundo predominam os motivos do universo armorial do autor, recolhidos
tanto da xilogravura popular quanto da arte pré-histórica brasileira. Segundo Newton Júnior
(1999) a ilustração nesta iluminogravura não pretende ser a reprodução imagética do Soneto.
O espaço pictórico é preenchido por elementos do universo visual de Ariano Suassuna e uma
grande parte destes elementos são baseados em variadas insculturas rupestres.
Com a intenção de fazer referência às motivações do autor pode-se comentar que os motivos
ligados a pré-história são mais presentes no segundo do que no primeiro álbum. Com rela-
ção às imagens rupestres, sabe-se que o que motiva Ariano Suassuna a fazer uso das ima-
gens encontradas nas itaquatiaras nordestinas é o objetivo Armorial de conectar-se à culturas
anteriores a chegada dos colonizadores portugueses (itaquatiara significa etimologicamente
'pedra riscada').
Chama a atenção para a figura que aparece do lado esquerdo do título da iluminogravura
'Lápide'. Suassuna possui admiração especial por esta forma, chamando-a de 'candelabro
sertanejo' (figura 95/2), por conta da semelhança que possui com a forma do candelabro
judaico. Em outro momento, o escritor (site n° 93) mencionou que Platão dizia que Deus tem
três faces principais: a Verdade, a Beleza e o Bem: “então, arbitrariamente, eu escolhi esta
forma aqui (95/1) para ser o candelabro da verdade; esta para ser o candelabro da beleza
(95/2); e aqui (95/3) eu chamo o candelabro do bem”.
Em ‘Lápide’, tanto Santiago (2007) como Newton Júnior (1999) estão de acordo ao dizer que
o cervo negro representa o próprio autor e o cavalo alado é aquele cuja morte deve acom-
panhar a morte do dono. Explicando que se trata de um poema inscrito no gênero epitáfio,
onde a morte do poeta deve ser seguida pelo sacrifício do cavalo. Para Santiago, a mensa-
gem direcionada ao filho indica a idéia de continuidade familiar e explica que no universo de
Suassuna, a 'fera' é ao mesmo tempo a morte, a vida, o sertão e o mundo.
No caso de ‘Lápide’ não há uma relação direta entre texto e ilustração, a exemplo do que
ocorre nas iluminogravuras do segundo álbum. Esta relação é mais direta no primeiro
álbum, enquanto que no segundo predominam os motivos do universo armorial do autor,
recolhidos tanto da xilogravura popular quanto da arte pré-histórica brasileira. Segundo
Newton Júnior (1999) a ilustração nesta iluminogravura não pretende ser a reprodução
imagética do Soneto. O espaço pictórico é preenchido por elementos do universo visual
de Ariano Suassuna e uma grande parte destes elementos são baseados em variadas
insculturas rupestres.
A opção por realizar um estudo da vertente visual usando como base as iluminogravuras não
foi feita apenas por ser Suassuna o organizador do Armorial e responsável pela determinação
das diretrizes artísticas do Movimento. Como o capítulo anterior, tem como objetivo de ‘prepa-
rar o terreno’ para que posteriormente se focalize os ‘ferros de marcar’ sertanejos, presentes
nos sonetos ilustrados de Suassuna e procura chamar a atenção para questões tipográficas
a partir do Alfabeto Sertanejo. Referenciais utilizados numa obra que se quer armorial, ao
menos no entendimento de Suassuna.
Após uma aproximação à vertente visual do armorial de Ariano Suassuna através de suas
iluminogravuras, chega-se a ao seu ‘Alfabeto Sertanejo’ (3.4), um projeto tipográfico inspirado
em ‘ferros de marcar’ paraibanos. Trata-se de um elemento visual tido por este escritor como
de grande importância para sua arte armorial, encontrado em suas ilustrações e fio condutor
deste capítulo. Pretende-se a partir deste mote, o estudo da trajetória do desenvolvimento de
distintas propostas de fontes tipográficas inspiradas em 'ferros de marcar' boi do sertão do
Nordeste do Brasil na história recente, todos a partir da concepção original de Suassuna.
O capítulo começa com a descrição e um breve histórico dos ‘ferros de marcar’ (figura 102),
seguido de comentários a respeito do caráter heráldico desta manifestação cultural. Logo
após, descreve-se o desenvolvimento de um primeiro projeto realizado por Ariano Suassuna
na década de 1970, o ‘Alfabeto Sertanejo’. Após estudar o desenvolvimento de um projeto
de fonte digital inspirado no projeto de Suassuna, a Fonte Tipográfica Armorial ou ‘Tipografia
Armorial‘ (3.5), são também analisadas outras propostas de fontes tipográficas inspiradas em
ferros de marcar, com características projetuais diferentes.
Para manter este capítulo fiel ao seu objetivo, tanto o desenvolvimento da fonte tipográfica
de Virgílio Maia (3.6.2), integrante do Movimento Armorial e estudioso desta manifestação
cultural com ênfase nos ‘ferros’ típicos do Estado do Ceará (ver introdução), como a proposta
tipográfica armorial da fundição digital pernambucana ‘Tipos do Acaso’ (3.6.1), são expostas
de forma abreviada. Completando a lista de projetos que recebem destaque neste trabalho,
é apresentada também uma adaptação do projeto tipográfico de Suassuna, a fonte ‘Sertões’
(3.6.3), desenvolvida para integrar a identidade visual de um projeto cultural universitário e
destacada na 8ª Bienal Brasileira de Design Gráfico (ADG/Brasil).
Para apresentar um histórico e analisar fontes tipográficas com estética inspirada em ‘ferros’,
é importante que se faça primeiro uma aproximação ao elemento inspirador das fontes tipo-
gráficas: os ferros de marcar boi (figura 102).
Já o vocábulo ‘ferro’, como alguns dicionários também admitem, tem neste contexto o signi-
ficado de marca feita no gado com um ferro em brasa, sendo também um termo empregado
para se referir ao símbolo (figura 103). É importante deixar claro que estes termos normal-
mente se confundem no linguajar coloquial, sendo o seu significado destacado pelo contexto
em que é empregado.
Marcar animais com instrumentos postos em brasa é uma prática ancestral, sendo impossível
indicar a sua origem exata. Caprinos, bovinos e cavalos foram tradicionalmente marcados
deste modo —além da técnica de marcar com um corte na orelha, de identificação mais efi-
ciente em alguns casos, como no inverno rigoroso e em animais com pêlo longo (Mollerup,
1997). Maia (2004), descreve que a técnica de marcar animais com ferramentas de metal em
brasa é comprovada primeiramente no Egito antigo através de imagens visuais representan-
do animais sendo ferrados: antigas pinturas egípcias (figura 104), datadas de mais de quatro
mil anos, registram dois homens executando a ferra (ato de ferrar), um deles esquentando
a ferramenta e o outro aplicando a marca no animal adulto, imobilizado, sob o olhar de um
angustiado filhote.
104. Pintura datada de mais de quatro mil anos, demonstra como se fazia a ferragem do
gado naquele momento.
Como explica Maia (2004), se os registros mais remotos são do antigo Egito, há também
registros desta prática na Grécia antiga, por meio de relatos encontrados em versos do poeta
grego Anacreonte (que viveu de 582 AC a 485 AC); além de referências à ferra de gado nos
versos do poeta romano Virgílio (70 AC a 19 AC). Posteriormente, esta prática se disseminou
pelo mundo, manifestando-se de formas variadas segundo a cultura que absorveu a prática.
Para chegar ao Brasil, o caminho percorrido pelos ferros teria sido: Egito, Grécia, Roma, Pe-
nínsula Ibérica e finalmente às Américas. Foi deste modo que as marcas de gado chegaram
ao nosso país. Maia dá crédito também para o provável fato de que as primeiras reses trazi-
das pelos colonizadores portugueses já chegaram, ao Brasil, com suas marcas (2004).
de. Hoje, as Secretarias de Agricultura, Pecuária e Abastecimento dos estados brasileiros têm
(ou deveriam ter) um setor específico para registros de marcas de gado, reunindo milhares
de brasões.
Fenômeno classificado por Mollerup (1997) como ancestral das atuais marcas comerciais,
partem, segundo este autor, da necessidade e desejo humano de identificação social. Funda-
mentalmente, as marcas de gado são sinais de propriedade que têm a função de identificar e
localizar o proprietário da rês. Porém, é relevante mencionar que com os ferros não se marca
apenas o gado (figura 105). Com o tempo e de modo natural, estas marcas passaram a repre-
sentar muito mais que um símbolo de propriedade e modo de identificação de gado ou objetos
pessoais, tornando-se parte da cultura sertaneja, por suas características heráldicas e de
design popular que serão mais detalhadas a seguir (figuras 106 e 107). Para dar um exemplo
da magnitude do universo imagético contido nesta manifestação cultural, Maia (2004) comen-
ta que o criador de ferros antigo não utilizava letras na idealização de sua marca, sendo esta
uma prática do ‘ferrador’ já alfabetizado. Os demais ”copiavam de um desenho rupestre, de
um signo zodiacal, uma figura qualquer”.
Exemplos da manifestação dos ferros da cultu- 106. Prato com ferro de João
ra material nordestina: Suassuna. Hoje este ferro é usado
por Ariano Suassuna.
105. Símbolo de propriedade: a arca pertence a
fazenda Acauhan.
Com relação ao caráter heráldico presente nos ferros, Suassuna (1974b) elucida que as
‘mesas’, formas básicas dos desenhos dos símbolos, são freqüentemente aproveitadas pelos
familiares: acrescentando um ou outro elemento, as ‘divisas’, diferencia-se uma marca de
outra dentro de uma mesma família, estabelecendo deste modo uma heráldica não oficial.
A semelhança visual entre um conjunto de ferros de uma mesma família, aproxima-se do
sentido de como uma ‘família de marcas’, no sentido contemporâneo de identidade visual,
quando empresas possuem, em muitos casos, numerosas marcas comerciais que se relacio-
nam (Mollerup, 1997).
Artista plástico amador, como costuma afirmar, Ariano Suassuna conviveu com artistas plás-
ticos e designers renomados, especialmente durante a existência do grupo O Gráfico Ama-
dor (1954–1961). E como foi mencionado, foi justamente durante sua participação no grupo
pernambucano quando o designer Alosio Magalhães teria chamado sua atenção para os
ferros como importante elemento de sua arte armorial (Suassuna, 1974b). Suassuna estudou
a fundo as formas dos ferros sertanejos. Partindo do registro de vários ferros familiares feito
por seu antepassado materno, Paulino Villar, um fazendeiro da região do Cariri paraibano no
século XIX, o escritor relacionou algumas de suas formas básicas à simbologia antiga. A partir
deste estudo de Suassuna foi possível elaborar um quadro (figura 108) com as formas bási-
cas e a nomenclatura do ferros paraibanos. Já que Suassuna em seu livro não fez menção ao
significado de todas as formas por ele expostas, foram acrescentadas ao quadro, explicações
genéricas de Chevalier (2003).
Para o escritor, além do já comentado apego à mesa familiar, como acontece na heráldica
tradicional, é importante que se leve em conta o significado intrínseco a cada forma elementar
e sua denominação, que podem ser utilizados para fazer alusão a um determinado aspecto
do proprietário da marca, configurando um processo de identificação, descrição e produção
de valor simbólico, características das marcas comercias (Mollerup, 1997).
Suassuna (1974b) expõe que o seu interesse pelas marcas de gado sertanejas e tudo mais
que se relaciona à civilização do couro começou a se sedimentar em seu subconsciente
desde muito cedo. Conforme o escritor, o termo ‘civilização do couro’ foi usado pela primeira
108. Formas básicas para a construção dos 5. I aberto: um tronco rematado por duas hastes incli-
ferros sertanejos, segundo Suassuna. nadas; a Trindade crista.
6. I fechado: tronco rematado por um losango, a lison-
ja, ornato em forma de losango, “símbolo feminino da
heráldica tradicional (Chevalier, 2003).
7. Flecha ou Chopa: tronco com duas hastes inclina-
das para baixo.
8. Pé-de-galinha: tronco com duas hastes inclinadas
para cima; o símbolo do Homem na simbologia tra-
dicional.
9. Cruz: Um dos símbolos humanos mais antigo, re-
presentava a união perfeita entre o Divino, na linha
vertical, e o mundano, na linha horizontal, ou a divisão
do mundo em quatro elementos (ou pontos cardeais).
10. Martelo: um puxete rematado por um tronco.
Está “associado a força brutal e primitiva” (Cheva-
lier, 2003).
11. Batim: um tronco com um puxete maior embaixo e
um menor em cima.
12. Meio-batim: puxete rematado por um galho.
13. Quadro: dois puxetes e dois troncos unidos pe-
los quatro vértices. Na franco-maçonaria o quadro,
um tapete retangular, reúne os símbolos particula-
res do grau em um diagrama. “Uma vista panorâmi-
ca do esoterismo maçônico” (Chevalier, 2003).
14. Enxada: dois troncos e um puxando formando o
perfil de uma cadeira.
15. Escada: dois troncos paralelos unidos por dois
puxetes também paralelos.
B) Formas feitas a partir de linhas curvas:
16. Lua ou roda: o Sol da Heráldica tradicional.
17. Meia-lua: “suas duas características principais
mais fundamentais derivam de um lado, de a lua ser
privada de luz própria e não passar de um reflexo do
sol; de outro lado, de alua atravessar fases diferentes
e mudança de forma” (Chevalier, 2003).
18. Baú: ligado ao símbolo do cofre “tem por base dois
elementos: o fato de nele se depositar um tesouro ma-
terial ou espiritual, e o fato de que a abertura do cofre
seja equivalente a uma revelação” (Chevalier, 2003).
19. Balança: “conhecida na qualidade de símbolo da
justiça, da medida, da prudência, do equilíbrio” (Che-
A) Formas feitas a partir de linhas retas:
valier, 2003:113)
1. Tronco: linha reta vertical; na simbologia antiga representa o céu;
20. Asa: “símbolo de alçar vôo, [...] de desmaterializa-
a Divindade.
ção, de liberação” (Chevalier, 2003:90)
2. Puxete: linha reta horizontal; representa a terra.
21. Flor: “embora cada flor possua, pelo menos se-
3. Galho: soma de um puxete e um tronco; a união imperfeita entre cundariamente, um símbolo próprio, nem por isso a
o divino e o ser humano. flor deixa de ser, de maneira geral, símbolo do pricí-
pio passivo. Chevalier, 2003).
4. Haste: soma de um tronco e um puxete inclinado obliquamente.
vez pelo historiador cearense João Capistrano de Abreu (1853–1927). Ele conta que sua
curiosidade intelectual pelo tema despertou ao ler em 1943 um livro em que Gustavo Barro-
so (1912) falava sobre os ferros. Suassuna conta ter-se sentido atraído pelo entendimento
que este autor tinha desta manifestação sociocultural: Barroso analisava, então, as marcas
familiares e as diferenças acrescentadas por cada descendente como elementos de uma
verdadeira heráldica não oficial. Este interesse foi aumentando pouco a pouco, por conta de
contribuições dadas por amizades ao longo de sua vida (ver capítulo 1), fazendo com que
Suassuna estudasse a fundo as marcas de ferro do sertão do Cariri, a sua região de origem.
Suassuna menciona Fernando José da Rocha Cavalcanti, além de Aloisio Magalhães, como
um amigo que fomentou o interesse do escritor pelos ferros.
pintaram e esculpiram nas rochas que os sertanejos vão encontrar tempos depois, Sertão
adentro” (in: Maia, 2004).
Em seus estudos (1974a), Suassuna encontrou semelhanças entre “as formas meio hieroglí-
ficas dos ferros sertanejos mais abstratos” e determinados signos ligados à astrologia, ao zo-
díaco e à alquimia; e sugere que alguns dos primeiros fazendeiros podem ter escolhido para
seus ferros os símbolos astrológicos de seus signos e planetas pessoais, além de grafismos
rupestres, abundantes no Nordeste brasileiro. Além de introduzir o leitor nesse universo, o
livro de Suassuna registra o quanto as marcas de ferrar podem servir de Fonte para diversos
trabalhos no campo das Artes Plásticas.
Quando foi publicado o livro ‘Ferros do Cariri – Uma Heráldica Sertaneja’, em 1974 (a),
o Movimento Armorial já havia sido lançado. Neste livro foi exposto pela primeira vez o
Alfabeto Sertanejo, que nesta publicação de Suassuna aparece no papel da fonte dos ca-
racteres capitulares.
110 (A). Alfabeto Sertanejo: comparação entre os caracteres minúsculos e maiúsculos, que
são usados por Suassuna como capitulares em seu livro de 1974 (a).
Ao desenvolver seus caracteres, baseando-se nas formas dos ferros, Suassuna o fez de
acordo com as diretrizes do Movimento do qual é protagonista: o escritor, exercitando sua
faceta designer, realizou uma construção erudita a partir de fontes populares, os ferros de
marcar sertanejos; o fez utilizando-se de elementos da cultura tradicional de herança ibérica,
incluindo elementos de culturas brasileiras anteriores à chegada dos colonizadores portu-
gueses, que é o caso da pintura rupestre. Outro detalhe que se enquadra no discurso do
Movimento Armorial, com relação ao desejo de produção de valor simbólico (ver capitulo 1),
é representado pela sua característica heráldica e uso de formas significantes que, conforme
Suassuna, projetam uma glória quase aristocrática ao sertanejo possuidor de tal marca.
Ariano criou um desenho de fonte tipográfica que inclui os caracteres maiúsculos e minús-
culos. Com relação aos aspectos técnicos relativos ao campo do design, pode-se comentar
que o desenho desenvolvido por Suassuna é de difícil legibilidade quando utilizada em textos
longos —como quando empregada em alguns títulos mais extensos de suas iluminogravuras
(ver capítulo 2). O resultado de sua aplicação é mais legível quando aplicada em títulos, ca-
beçalhos, capitulares ou textos curtos. Vale ressaltar que o Alfabeto Sertanejo é um projeto de
fonte tipo display, sendo a adequação estilística o objetivo principal de uma família tipográfica
pertencente a esta categoria, e não a boa legibilidade em textos longos.
Mais de vinte anos depois do Alfabeto Sertanejo ter sido idealizado, os designers Ricardo
Gouveia de Melo, Giovana Caldas e Klesley Bastos se basearam no projeto de Ariano para
criar uma fonte tipográfica digital, a Tipografia Armorial (figura 112). O projeto foi realizado no
final da década de 90, quando estes designers ainda eram estudantes, encomendado pela
prefeitura da cidade de Recife, através do escritório de design Id. Comunicação Visual.
Foi sobre o projeto anterior de Suassuna que os designers trabalharam para criar os tipos em
formato digital. Contando com a ajuda do escritor para as alterações realizadas nos desenhos
dos caracteres, os designers digitalizaram os caracteres do Alfabeto Sertanejo e deram início
ao desenvolvimento da fonte tipográfica. O processo incluiu o estudo do espaçamento ideal
entre os caracteres, a padronização de seus elementos, a relação de contraste entre letras
maiúsculas e minúsculas e a definição de capitulares, pesquisando a legibilidade de diferen-
tes alternativas. A tarefa envolveu não só um conhecimento técnico de tipografia, mas tam-
bém uma intervenção criativa, no entanto, desde o início os designers estavam conscientes
de que deveriam fazer mais ordenação do que uma recriação.
O designer Ricardo Gouveia de Melo, um dos autores da Tipografia Armorial, afirma em en-
trevista a periódico (site n° 27), que procura afastar o seu trabalho dos “regionalismos pitores-
cos, caricatos e estereotipados” e que lhe entusiasma a possibilidade de estar “inserindo algo
balizado por uma realidade local em um contexto muito maior”. Segundo ele, o Design tem
sido pautado por “uma padronização do estica-e-puxa permitido pelo computador”. Ricardo,
defendendo a sistemática de olhar texturas, formas e cores da região em que vivemos como
uma forma alternativa de projeto, entende que a matriz que eles usaram na Fonte Armorial
pode sugerir outras leituras.
Vários trabalhos foram realizados com o uso da Fonte Tipográfica Armorial. Estes projetos,
desenvolvidos com a fonte desenvolvida com a colaboração de Suassuna, servem ao pro-
pósito maior de facilitar uma compreensão da proposta visual armorial do escritor aplicada
ao Design. O registro de alguns destes trabalhos de Design surgidos a partir do Armorial,
desenvolvidos com inspiração na estética proposta pelo grupo, procura se inserir na escola
que fomenta, através do estudo de projetos de design, fomentar a busca pelo entendimento
da nossa própria cultura.
Ao criar seu Alfabeto Sertanejo, Suassuna criou uma solução conceitual que pôde servir de
base para um número grande de projetos de design e fontes tipográficas, ampliando uma
idéia que a princípio era para seu próprio uso artístico.
A fundição digital 'Tipos do Acaso' foi criada quando alguns de seus sócios —dos quais pode-
se destacar Leonardo Buggy— ainda eram estudantes no curso de Design da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Depois de algumas reuniões e cursos, particularmente o
realizado pela professora Priscila Farias (PUC/ São Paulo), os jovens designers decidiram
montar (contando com o apoio da professora Solange Coutinho) o grupo Tipos do Acaso,
que se tornou a primeira fonthouse pernambucana, ou seja, uma empresa de produção de
fontes tipográficas digitais exclusivas.
A fundição Tipos do Acaso desenvolveu seu mais célebre projeto, os Manguebats, uma família
tipográfica inspirada no Movimento Manguebit (ver introdução), por conta de um projeto que
tinha como objetivo a divulgação e a conscientização dos empresários para a utilização dos
conceitos de brasilidade na produção industrial. O projeto foi fruto de uma parceria entre o Ser-
gibilidade, apesar de ter sido desenvolvida apenas com caracteres maiúsculos (ver figura
135, na pág. 119). Com vinte e seis caracteres, a opção para o remate das letras se deu
pela forma de flecha, lua e roda, sendo que esta última não foi explorada na construção da
Fonte Armorial. O trabalho foi selecionado na Terceira Bienal Latinoamericana de Tipografia,
a 'Tipos Latinos' (2008).
Sua fonte foi concebida apenas em caixa alta, assim como a proposta da fundição Tipos do
Acaso e da Fonte Sertões (figura 131), que será descrita a seguir. Virgílio procurou desen-
volver formas de letras mais simples, com o uso de poucas ‘divisas’, como define Suassuna,
realizando uma composição bastante equilibrada, apesar de cada caracter ter uma identidade
própria bem definida.
Um fator que a diferencia das demais propostas examinadas é que o seu desenvolvimento se
fez de maneira artesanal: Virgílio mandou fabricar cada uma das letras em uma metalúrgica,
com o objetivo de preservar o caráter rústico do projeto. Cada uma das letras foi produzida
com dez centímetros de altura, sendo utilizadas como clichê. Posteriormente as impressões
feitas com estes carimbos foram fotocopiadas e arte-finalizadas.
Para alcançar seus objetivos, foram explorados na identidade visual (figura 132) dois tipos de
fontes tipográficas. Segundo seus autores, a primeira, Casablanca Antique, por apresentar
sinuosidade, faz referência à característica do solo do semi-árido durante o período de chu-
vas; a segunda e a ‘Fonte Sertões’ (figura 131). Realizada com base na Tipografia Armorial,
esta fonte tipográfica se afasta bastante da primeira e acaba fazendo alusão tanto aos ‘fer-
ros’, como às xilogravuras rústicas da Literatura de Cordel, pelo seu traçado e aos espinhos
característicos de vegetação sertaneja, por seus remates. Espinhos estes que justificam a
armadura de couro, usada pelos cavaleiros sertanejos. O projeto recebeu destaque na 8ª
Bienal Brasileira de Design Gráfico, realizada pela ADG em 2006.
Segundo o realizador, para se chegar ao símbolo que compõe a identidade visual, tomou-se
como inspiração o mandacaru, planta que se adaptou para sobreviver no clima semi-árido e
defender-se dos predadores. A partir desse ícone, foi desenvolvido um símbolo que pretende
fazer alusão à sua flor e ao seu fruto vermelho. O conjunto representaria, segundo o autor, os
antagonismos presentes no universo nordestino, através de uma composição de traços fortes
e rústicos, mesclados a linhas suaves e harmoniosas.
São postas abaixo, para efeitos de comparação, as diferentes versões de fontes tipográficas
expostas neste texto.
Por conta da minissérie ‘A Pedra do Reino’ —dirigida por Luiz Fernando Carvalho e exibida
pela emissora Rede Globo, entre os dias 12 e 16 de outubro de 2007, como parte do Projeto
Quadrante— foram geradas três versões diferentes de marcas com estética alusiva aos fer-
ros de marcar para serem aplicadas em distintos produtos desenvolvidos relacionados a este
projeto (figura 136).
A Fonte Armorial foi inicialmente utilizada na construção do site da minissérie (figura 140). A
página de Internet foi desenvolvida pelo designer André Luiz Machado, seguindo a orientação
de Luiz Fernando Carvalho que deu como mote a estética do pintor e arquiteto italiano Giotto
di Bondone (1266–1337). Um segundo logotipo, um tanto condensado, pôde ser visto tanto
na vinheta de abertura do programa (figura 139), inspirada no site de André Luiz Machado
(figura 140), como em diversas peças gráficas desenvolvidas durante a celebração da estréia
do projeto e das comemorações dos 80 anos de Ariano Suassuna, realizadas em conjunto.
Como exemplo pode-se citar a palestra realizada na PUC-Rio e a exposição sobre a minissé-
rie 'A Pedra do Reino' e a obra de Suassuna (realizada no Centro Cultural Ação Cidadania).
Uma terceira pode ser vista no projeto do DVD desta mesma série (figura 137).
Na lombada da caixa contendo o roteiro e registros das gravações da minissérie 'A Pedra do
Reino' (figuras 141 e 142), percebe-se o nome dos idealizadores, ‘A. Suassuna’ e ‘L.F. Carva-
lho’, com o uso de uma fonte tipográfica distinta das que foram mencionadas e que apresenta
semelhanças com o desenho do Alfabeto Sertanejo.
4. Considerações Finais
Outro aspecto importante é o entendimento de Ariano Suassuna com relação à cultura popu-
lar: a importância de se entender que se trata de uma visão particular do que é importante a
ser preservado no campo da cultura. Não se pode falar do Armorial de Suassuna sem com-
preender bem esta questão, para, assim, compreender sua própria criação, além do trabalho
de outros integrantes deste movimento artístico baseados nessa proposta.
Vale comentar que outras pesquisas com este mesmo tema poderiam propor um outro re-
corte, até mais amplo, buscando exemplos de projetos de design relacionados ao armorial
enfatizando, por exemplo, à inspiração nos folhetos de populares. No decurso desta disser-
tação foram encontrados muitos trabalhos, relacionados ao Armorial, fazendo uso de fontes
tipográficas baseadas em xilogravuras de Literatura de Cordel, com uma aproximação ao que
poderia ser chamado de ‘estética do Cordel’.
Porém, no viés adotado nesta pesquisa —a partir do Alfabeto Sertanejo— a questão dos
ferros de marcar foi sempre levada em consideração e houve a constatação de uma profusão
e intensificação no uso de referências aos ferros associado ao Armorial. Fontes tipográficas
inspiradas em ferros de marcar, inseridas ou não no Movimento Armorial, fazem alusão a uma
manifestação cultural relevante para o campo do design vernacular, justificada por suas apli-
cações diversas que imprimem um sentido moderno de ‘marca comercial’ para esta manifes-
tação. Desenvolver um projeto de design baseado tanto nas iluminogravuras de Suassuna,
como em seu Alfabeto Sertanejo, obras “baseadas em matrizes ancestrais”, significa realizar
um mergulho nas profundidades da cultura nacional. E, como nos objetivos armoriais, estes
trabalhos figurariam como obras eruditas fundamentadas na raiz popular da nossa cultura.
A partir do Movimento Armorial, uma das propostas para a arte diante da cultura administrada
neste fim de século no Brasil, se abrem outros possíveis temas para trabalhos futuros, rela-
Enfatiza-se que esta dissertação acaba por dar margem a futuros estudos no campo do
Design relacionados diretamente ao Movimento Armorial, já que ele se apresenta como um
vasto campo para pesquisa, não só com relação as produções individuais de seus integran-
tes, como a respeito do citado discurso em que exalta e defende a “Rainha do Meio-Dia”,
que é como são chamados o Brasil e o terceiro mundo por Suassuna: uma rainha, segundo
ele, pobre, escura, magra, faminta, explorada, submetida e sitiada pelos exércitos do mun-
do poderoso1.
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O SENHOR DO CASTELO. Direção: Marcus Vilar. Produção: Durval Leal Filho. Argumento:
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