Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Homens traem mais. Mulheres, mais influenciadas pelos dogmas da moral e da religião traem menos, mas
quando traem realizam o ato com maestria, silêncio e, quase sempre, sem deixar rastros.
É frustrante. Você passa três anos estudando em uma Academia Privada de Investigação Científica, aprende
tudo sobre pessoas desaparecidas, espionagem industrial, suicídios que a polícia classificou como suicídios
mas a família crê em assassinato ou assassinatos que a polícia classificou como assassinato, mas a família crê
em abdução alienígena seguida de traumatismo craniano: aqueles casos em que abrem a escotilha da nave e
defenestram o viajante espacial.
De cada dez casos que entram no meu escritório, nove são, de alguma forma: adultério. O último geralmente
é algo banal como casal de namorados adolescentes desaparecidos, drogado que foge da clínica de
recuperação e evapora, investigação interna de desfalque ou outra bobagem corporativa.
Adultério é o rompimento de um contrato sem que o outro contratante tenha sido avisado. Eu sou só o cara
que entrega a mensagem para a parte lesada. Que, às vezes, uns 5 anos depois, retorna com um novo par de
belas pernas pedindo para que eu as vigie. Normalmente, pagam, vão embora e desaparecem para sempre nas
estatísticas do IBGE.
Se o contador é o fotógrafo da situação da empresa, o detetive particular é o fotógrafo da sordidez humana,
da podridão em que alguns de nós estão mergulhados. Não existe detetive com estômago fraco.
Gostaria de dizer que já vi muita coisa nesta vida. Não é verdade.
Aparentemente, só os pecadilhos triviais da classe média atravessam minha porta.
Até agora.
* * * * *
Escolher secretária é complicado. Se for bonita demais, você acaba levando para a cama. Se for muito
mocréia acaba fazendo má figura perante o cliente. Estagiárias de Curso Universitário de Secretariado
Executivo normalmente trabalham direitinho e. graças à idade, podem me atualizar acerca de todas estas
modernidades tecnológicas. Sei usar um 38, uma lupa e acesso a internet. Deveria ser o suficiente, mas não é.
Gilda, a estagiária, não tinha esta eficiência toda, mas secretária de detetive chamada Gilda impõe respeito.
* * * * *
* * * * *
* * * * *
* * * * *
- Para o senhor entender a importância de sua missão, saiba que o nosso guia foi utilizado por inúmeras
figuras históricas de relevância mundial, inclusive o próprio Hitler.
- Não me surpreende. Ele foi pular a cerca em Paris enquanto Eva Braun lustrava os canecos de Chopp em
Berlim ?
- Envolve Paris, mas não Frau Braun. Hospedado na capital francesa, o Führer percebeu que sua cadelinha
de estimação, Blondi estava demonstrando sinais de depressão, ansiedade e irritabilidade. Preocupado com a
saúde mental de sua amada mascote, o Chanceler da Alemanha consultou nosso guia pacientemente até
encontrar uma companhia para aquecer a noite e acalmar os nervos da cadelinha.
- Um Pastor Alemão-michê ! Que gracinha !
- Na verdade foi um Dálmata-michê.
- Com todo respeito, seu Pessegueiro, mas a imagem de Adolf Hitler folheando um guia de prostituição
canina é um tanto quanto inverossímil para mim.
- O senhor não viu nada. Espere ouvir sobre o Chihuahua secreto de Jacqueline Kennedy.
- E porquê a primeira dama dos Estados Unidos teria um cachorro “secreto” ?
- Porquê ele foi retirado ilegalmente da Área 51 para, após treinamento, matar Marilyn Monroe.
- Bichinho eficiente. E onde o guia de vocês com as prostitutas entra ?
- Bichinhos eficientes também precisam comer, senhor detetive.
[ Silêncio]
* * * * *
* * * * *
Dois dias depois continuo esperando o retorno do telefonema que ficou na caixa postal de um cara que me
deve uns favores e, por sorte, é professor do ITA. Se não entende de Criptografia em nível militar, conhece
quem entenda.
Uso o tempo para levantar dados sobre o legendário Bordel das Normalistas. Se existiu, sempre foi secreto,
por duas razões: as normalistas eram garotas de uns 15-18, a quem, no Brasil, até onde sei, sempre foi negado
o direito de se prostituir, legalmente. O bordel, se existiu, era tão legal quando um alambique durante a Lei
Seca norte-americana, nos anos 20.
A outra razão estava relacionada com a reputação das prostitutas. Normalistas não são prostitutas, elas
moram em casa com papai & mamãe. Fazem o programa, pagam a cafetina, pegam sua parte no dinheiro e
retornam para seus quartinhos de adolescentes. É carne vinda da classe média para cima, não é uma “casa da
luz vermelha” de beira de estrada. Há um pacto de duplo silêncio: as “meninas” não denunciam a cafetina
para as autoridades e, em troca, a cafetina mantém os nomes das pros-teen-tutas no anonimato.
Na peça “Perdoa-me por me traires” escrita em 1957, Nelson Rodrigues cita o infame lupanar. Mas duvido
que ele fosse maluco de anotar o endereço entre seus alfarrábios, sabendo que as figuras mais proeminentes
da república bebiam no frescor da juventude das mocinhas. Nelson Rodrigues conseguiu atravessar toda a
Ditadura Militar Brasileira sem parar no pau-de-arara, na cadeira-do-dragão nem na “maquininha de choque”.
Foi um feito e tanto.
Depois, há um relato de um assassinato em 1972, no Rio, onde o suposto matador alega inocência
declarando que, na hora do crime estava no tal Bordel das Normalistas, então. o delegado pediu o endereço e
ele mandou a polícia civil ligar para o gabinete do Ministro da Fazenda, em Brasília. Ficou nisto. O cara,
apadrinhado político de alguém graúdo no Planalto, foi solto. Este país não muda.
Daí por diante as pistas foram se espaçando no tempo. Em 1981, em um registro de reclamação trabalhista,
uma arrumadeira chamada Etelvina Pacheco moveu uma ação contra um certo Bordel das Normalistas, que
desta vez estava instalado em Porto Alegre. Misteriosamente, o Oficial de Justiça não encontrou o endereço e
a arrumadeira jamais recebeu suas verbas rescisórias.
Aqui e ali, surgem alguns registros esparsos que apontam que o bordel havia se mudado do Rio de Janeiro
para o sul do país, mas, sabe-se lá quem o administrava, continuava mantendo sigilo absoluto sobre qualquer
aspecto do negócio.
Gente profissional, que levava o negócio a sério, que nunca pagava impostos e jamais cometeu um erro
grave após décadas. Admiro isto.
Não vai ser fácil.
*****
O telefone toca.
Do outro lado, o Professor Doutor Osni Soares, também conhecido como Furúnculo, ou só “Fu” para os
amigos. O tipo de cara que vive se envolvendo em encrencas com mulheres casadas e, obviamente, vive
precisando da minha ajuda para colocar um Taurus 38 na cara dos maridos traídos vingadores. Não reclamo, o
sujeito sempre foi prestativo e nunca cobrou nada. É complicado. Como muitos, o desgraçado é viciado em
adrenalina, encontros furtivos e visitas românticas no meio da tarde quando o marido está trabalhando. Já falei
várias vezes para ele trocar este hobby por outro menos perigoso como colecionar bonecas infláveis ou
garimpar mulheres solteiras nos sites de relacionamemto. Mas não adianta. Não me ouve.
- Você achou aquilo aonde ?
- É de um caso sigiloso, não dá pra contar.
- Sigiloso e profundamente suspeito, aquilo é criptografia militar chinesa !
- E você decodificou como ?
- No IME tem um cara que mexe com estas coisas. E, aliás, ficou impressionadíssimo com o fato de que o
texto estava usando protocolos de comunicação entre tropas e não a decodificação padrão do Exército Chinês.
Você tem que tomar cuidado ao mexer com este tipo de coisas, se um espião chinês entra na tua casa à noite
com você dormindo você está morto.
- Não delira, não existem espiões chineses por aqui.
- Você está enganado. Na Embaixada dos Chinas, em Brasília, tem uns 4 ou 5 esperando ordens de Pequim
para partir para a ação.
- Eu sei me cuidar. E, afinal, o que estava escrito mo papel ?
- Uma Latitude, uma Longitude e a frase ”Válido por tempo indeterminado”. Era o que esperava encontrar ?
- Em termos. E as coordenadas são de onde ? Eu duvido que você não resistiu a tentação de espiar no Google
Maps.
- São de uma reserva florestal privada de conservação da Mata Atlântica. Fica no sul de Santa Catarina, mais
ou menos perto da cidade de Criciúma.
- Viu quem é o dono ?
- Um fundo de investimentos ucraniano off-shore com sede nas ilhas Caymann.
- Suspeito.
- Suspeito ? Você vai acabar encontrando um depósito de Urânio enriquecido chinês se aparecer por lá.
- Ou eu resolvo o mistério e embolso o resto do pagamento.
- Você é o cara que resolve mistérios do nível “Scooby-doo” achando que pode saltar para o nível “James
Bond” com um estalar de dedos.
- E daí ?
- Daí que no nível “Scooby-doo” se você for para a cama com a Daphne ou a Velma, nenhuma das duas vai
tentar te envenenar com veneno de sapo da Amazônia. No nível “James Bond” antes que uma delas tire a
primeira peça de roupa você já estaria morto, caído no chão.
- Então está bom.
Desligo o telefone.
Péssima educação da minha parte com uma pessoa que nunca me cobrou nada por serviços de valor
inestimável. É terrível quando você escuta o que os outros realmente acham da sua pessoa em uma destas
janelas mágicas quando as regras da civilidade e da hipocrisia são temporariamente congeladas e o sujeito fala
o que realmente pensa de você. Ás vezes o álcool provoca o fenômeno, neste caso, nem isto precisou.
Na verdade, ele não me ofendeu tanto assim, a Daphne do Scooby-doo era uma delícia: ruiva, corpo legal,
vinte e poucos anos, cabelo comprido... Insinuar que eu consigo ir para cama com uma mulher destas é um
elogio.
O que será que aparece se eu mudar o Google para procurar imagens e mandar buscar [ DAPHNE “Scooby-
doo” porn xxx cartoon ] ?
Vamos ver...
*****
*****
* * * * *
Uau.
Duas torres de concreto de uns 3 metros de altura e 1 e meio de diâmetro. Pintadas de verde-camuflagem
para disfarçar. No meio, ligando as duas colunas sinistras, um portão blindado igualmente coberto de tiras de
plástico verde entrelaçadas. Mas o pior vem agora.
No alto de cada uma das torres uma gaiola de metal, com dois sujeitos vestindo uniforme de brim negro me
apontando duas metralhadoras M-60. Coisa boa. Queria que meu porte incluísse autorização para comprar
uma belezinha destas. Se eu não me engano, arma privativa das forças armadas. Ê Brasil...
Curiosamente, não há nada cercando a propriedade. Nem arame farpado, nem cerca elétrica, nem
dormentes de madeira. Estranho... Em volta das torres só mata fechada. Tem que ter alguma coisa que
guarneça o perímetro que eu não estou vendo. Minas terrestres seriam uma alternativa sensata para responder
a pergunta.
Ficamos ali.
Eu parado com a pick-up na frente do portão.
Os caras nas gaiolas me apontando aquelas belezinhas com o dedo no gatilho.
O GPS mostrava que as coordenadas do convite indicavam um ponto muito ao sudoeste do portão, uns 60
quilômetros para dentro.
“Deixai óh vós que aqui entrais toda a Esperança”. Isto é Dante Aliguieri. A Divina Comédia.
A citação brota em minha mente como um vento de mau-agouro.
Olho para meu Rossi 38 adormecido no banco do veículo.
Correr não era uma opção.
Velozmente coloco a arma no bolso interno do paletó e saio da pick-up esperando que os caras não tenham
visto o movimento com as mãos e o trezoitão.
Então, a porta se abre.
* * * * *
Um cara loiro.
Jaqueta de couro. Calça jeans. Camisa de flanela quadriculada.
Me apontando um Taurus 38 meio surrado.
- Sai do carro !
- Saio não.
Abro a porta da pick-up e esfrego na cara do sujeito minha falsificação número 35. Em São Paulo tem uma
gráfica com uns caras legais que fabricam passaportes falsos de primeiro mundo para imigrantes bolivianos e
africanos que aparecem por aqui.
Não só passaportes.
Faço uma cara de bravo, tiro a carteira funcional do bolso e esfrego na cara do merdinha.
- Ministério Público do Trabalho, bota a arma no chão !
O cara se assusta, coloca o revólver na poeira da estrada e me encara.
- E agora ?
- Mete a cara no chão, mãos na cabeça e grita para os teus jagunços nas torres pularem de lá sem as
metrancas.
O chefe grita, os dois paus-mandados saltam deixando nas alturas minhas desejadas M-60.
- Escuta aqui, nós recebemos umas informações de que há trabalho escravo de extração de palmito ilegal
nesta propriedade.
Os olhos do loiro saltam das órbitas.
- Não sei de nada não.
- Como é que uma propriedade deste tamanho não tem uma cerca, por mais precária que seja ?
- A empresa loca um satélite sub-orbital com sensores de calor de alta sensibilidade. Se algo que emite calor
penetrar em qualquer ponto da propriedade, um alarme é disparado no espaço e, milisegundos depois, na
“sede” da reserva. Seria impossível um grupo entrar aqui para cortar palmito sem ser detectado.
- Agora você vai entrar na pick-up e me levar até a “sede” da propriedade.
- Não vou não. Tem um mandado ?
Ai...
- Não tenho pois minhas ordens eram apenas de fazer contato com algum dos empregados do
empreendimento para, posteriormente, retornar com uma equipe completa. Eu sou um batedor. Só lhe pedi
para adentrar na propriedade pois imaginei que talvez não fosse necessária esta formalidade legal do
mandado.
- Pois sem mandado não entra.
- Perfeito. Volto depois.
- Mas pode ter certeza que eu vou telefonar para o seu chefe reclamando da violência.
- E eu vou ligar para a Polícia Federal reportando as duas metralhadoras M-60, armas privativas das Forças
Armadas que vocês tem por aqui.
Sorrio.
O jagunço e os dois sub-jagunços desaparecem na floresta úmida.
Fecham o portão.
Vou embora absorto em meus pensamentos.
- Duas metralhadoras M-60 ? Um sistema de vigilância sub-orbital com sensores de leitura térmica ? Que
diabos de lugar é este ?
[ FADE OUT ]
*****
*****
Acordo.
Passo a manhã inteira nos dois Shopping Centers da cidade procurando uma coisa que sabia que não iria
encontrar: um drone “user friendly”, com um projeto de Ergonomia desenhado para tornar a coisa simples,
alguma coisa entre um brinquedo e um kart. Não quero nada que precise de mais do que duas horas para
aprender a manejar. Meio a contragosto, compro o modelo mais simplezinho que a loja tinha. Quando a
vendedora, simpática, pergunta se era presente para meu filho, eu solto uma cantada clássica:
- Só se você for a mãe.
A moça sorri.
Peço o telefone.
Ela escreve na caixa do drone, antes de mandar embalar.
Não durmo só naquela noite.
My name is Bond, James Bond.
Ou quase.
*****
Amanhece lá fora.
Continuo dormindo.
Brittany sussurra algo em meu ouvido e vai embora.
Continuo dormindo.
9:12. Visto meu uniforme de turista e desço para tomar o café da manhã do hotel com uma caixa de drone
debaixo do braço.
10:03. Paro um taxi e mando o sujeito seguir para qualquer lugar com bastante espaço para voar com um
helicóptero de controle remoto. Fiquei com medo de dizer “drone”, soava como algo militar. Por sorte, o cara
entendeu e me deixou em um parque aberto. Meio deserto, mas não parecia perigoso. Afinal, meu nome é
Bond, James Bond.
15:20 Depois de cinco horas irritantes gastas com a velha Arte da tentativa & erro, estava conseguindo
pilotar a coisinha de um modo bem satisfatório. Depois que você aprende até que é uma sensação prazeirosa,
mas enquanto você não domina dá vontade de jogar o controle remoto no chão o tempo todo. Meu estômago
ronca. Fome.
16:01 Devoro um cheeseburger com batatas fritas e um Milk Shake de morango em uma lanchonete
qualquer na frente do hotel e resolvo ligar para Brittany, a “Bond girl” da vez. Afinal, era quinta-feira, amanhã
era sexta, o dia mundial do faturamento máximo dos prostíbulos e. consequentemente, o dia do “serviço”.
Após a filmagem, enviaria as fotos criptografadas pela internet para meu servidor privado no Quirquiquistão,
destruiria o celular e, com um carro alugado, dirigiria voando de volta para Florianópolis, onde é possível
fretar um avião pequeno facilmente. Não dá para brincar com gente que tem duas M-60 na porteira de “sede”
do negócio.
16:05 Brittany atende. Continua simpática, mas diz que não podia sair naquela noite para jantar pois já
havia prometido para a irmã servir de babá para os dois sobrinhos. Pergunta se poderia ser outro dia. Digo que
não, que amanhã terminaria meu “serviço” e deixaria a cidade. Ela solta um “Que pena...”. Meiga, pergunta se
poderia continuar me ligando. Digo que sim e que se fosse me visitar em Recife, nas férias, eu pagaria todas
as despesas da viagem. Ela diz um “Quem sabe...”, me deseja boa viagem e desliga. Odiei ter de mentir para
uma criaturinha tão adorável, mas, meses depois, poderia simplesmente “retificar” a informação dizendo que
havia me mudado de Recife para o Rio e tudo ficaria bem. Não dá para brincar com gente que aluga um
satélite sub-orbital com sensores de detecção de calor de alta sensibilidade para usar em um projeto de
segurança empresarial. Que está mais para presídio de segurança máxima especializado em terroristas
alienígenas.
Passo o resto da tarde treinando com o drone dentro do próprio quarto do hotel. Até que é divertido. Ligo o
ar-condicionado para abafar o ruído do brinquedo e não aparece ninguém reclamando. Em volta da “sede” não
haveria ar-condicionado para ligar e abafar o ruído dos motores. Esperava, sinceramente. que, como qualquer
prostíbulo, este mantivesse música alta para entreter os clientes enquanto não escolhiam a mocinha que
levariam para o quarto do andar de cima. Prostituição e música, foram feitos um para o outro.
*****
20:00. Faço o check-out no hotel. Levo minha malinha na mão direita e a caixa do drone na mão esquerda.
20:18. Peço um taxi que me leva até a locadora localizada estrategicamente ao lado da rodoviária. Escolho
um sedan preto com insulfilm mais escuro que a alma do Diabo.
21:32 Passo rapidamente pela “porteira” com as duas torres guarnecidas com metralhadoras. É impossível
que a polícia local jamais tenha visto tamanha ostentação de poder de fogo. Ê Brasil...
21:40 Paro o carro. Tiro o bichinho de dentro da caixa. 10...9...8...7...6...5...4...3...2...1. E o drone vai
embora escuridão a dentro. A Natureza colaborava. Céu nublado, sem estrelas ou vestígios de chuva.
21:42 Piloto o bichinho guiado pelas coordenadas do convite e pelo GPS do celular acoplado no drone. Não
é preciso ter passado pela Academia da Nasa para fazer isto. Só é preciso paciência e cuidado para manter a
altitude e não me espatifar contra alguma árvore mais alta. Sigo a estradinha de terra de uma altitude razoável.
Não há como errar.
22:50 Finalmente uma luz. A casa. Dois andares. Estilo Art Déco dos anos 40 com seis ou sete carros em
volta. Na falta de gente para fotografar, fotografo os carros. Chega mais um: Chrysler prateado, modelo quase
do ano. O motorista salta, afobado. Uns 55, talvez, roupa social. Um troglodita de uniforme de segurança de
boate (terno preto, gravata preta e camisa branca) surge de dentro da casa. O cara do Chrysler entrega algo,
que bem poderia ser um convite e entra. Se não é um prostíbulo, parece bastante com um.
Um segundo carro chega. Difícil identificar, pode ser um Suzuki ou outro sedan menos conhecido. Meu
conhecimento sobre a indústria automobilística japonesa deixa muito a desejar. O cara sai do carro, fecha a
porta e olha para cima. Droga ! Achou o drone !
Faço meia volta e entro de novo na floresta.
O cara do suposto sedan Suzuki saca uma arma e atira no drone. Pelo som dos disparos, o desgraçado
portava uma 765.
Meu tamigotchi voador voava rasante direto para os meus braços. Cada segundo contava. Mas, afinal, iriam
me rastrear como ? O motor de um brinquedo daquele tamanho não geraria calor suficiente para ser detectado
do espaço. Claro que havia mais de um modo de rastrear um drone daqueles no meio da noite, mas tudo era
muito improvável, ficção científica delirante. Entre outras coisas, havia a possibilidade de um falcão treinado
deixar a casa e destroçar o drone em pleno vôo, mas eu realmente não acrediva nisto. Piloto o drone com o
cuidado de quem dedilha um Stradivarius sem seguro. Não é que o tal do Pessegueiro estava certo ?
Parecia um bordel mesmo. Então o mítico Bordel das Nornalistas havia sido encontrado. Será que as moças
eram tão lindas como as dos anos 50 ? Não sei nem quero saber. Não volto aqui nunca mais.
00:02 O drone chega. Jogo a coisa no banco de trás do carro. Não retorno pelo mesmo caminho para não
passar em frente da “porteira” com as metralhadoras. Vou em frente até encontrar outra estrada vicinal que me
devolva para o asfalto logo adiante. Afinal, isto aqui é zona rural. Há de haver uma sub-rota para estes
caipiras levarem a produção até os atravessadores que vão lhes comer o couro pagando menos da metade do
que valem os legumes ou seja lá o que estes coitados plantam.
Uma moto.
Dias motos.
Três motos.
E um tiro.
Automaticamente, começo a repetir, mentalmente, meu mantra místico de Força & Poder: “My name is
Bond, James Bond. My name is Bond, James Bond. My name is Bond, James Bond...”
*****
Piso fundo.
As motos tem dificuldade para acompanhar. São CGs-125 ou alguma porcaria do tipo. Devem ser as motos
privadas dos seguranças e não as motos da “Casa”. Todo sistema de segurança tem uma falha. Até o do
Departamento de Defesa Norte-Americano. Osama Bin Laden que o diga.
Continuam me seguindo, mas, aparentemente, acabaram as balas.
Uma curva.
Não consigo. A velocidade é muito alta.
O carro capota.
Uma.
Duas.
Três vezes.
O air-bag é acionado. Mesmo assim, bato com a cabeça no teto do carro.
Sinto a dor do impacto no crânio.
As luzes do painel vão se apagando como estrelas ao amanhecer.
Tudo fica escuro.
Mordo meus lábios. Meio que por instinto.
É a última sensação que tenho.
Perco os sentidos.
* * * * *
Acordo.
Dores pelo corpo todo.
Quarto simples: uma cama, um armário, dois criados-mudos e uma janela enorme por onde eu enxergava
apenas árvores frondosas. Pelo ângulo, acho que sabia onde estava. Tento me levantar. Tudo gira em torno de
mim. O que é isto ? Labirintite ?
A porta se abre.
Uma mulher. Pálida, cabelos negros presos em um coque, uns 45 anos, olhos verdes e vestida com um
uniforme de enfermeira dos anos 50. Por detrás dela, duas garotas saídas da capa da Revista Capricho, ou
Teen Vogue, se preferir. Uma mulata, outra loira, deslumbrantes na exuberância de seus 16...17 anos. Eu sabia
onde estava.
Rapidamente, a enfermeira fecha a porta atrás dela como se fosse muito importante que eu não pudesse ver
nada além do espaço que me havia sido reservado.
E, com um tom de autoridade, fala:
- Me chame de Miss MILF.
- Me chame de Orlando. E eu posso ter meus documentos e minhas roupas de volta ?
- Não. Nós temos um pequeno impasse. Nossa liderança acha que não é uma boa idéia simplesmente
libertá-lo para que o senhor possa divulgar o endereço de nossas instalações e assim, acabar com nossa
exclusividade, que tanto nos orgulha.
- Eu posso prometer que não vou contar nada para ninguém.
- Como diria o Doutor Gregory House: “Todo mundo mente”. Ela sorri.
- Quer dizer que sou um prisioneiro ?
- Nossa liderança...
- Quer dizer, a cafetina ?
- Ela prefere ser chamada de Líder Suprema.
- OK. Vou me lembrar disto.
- Ela é uma boa pessoa.
- Acredito.
- Ele segue um Código de Ética que remonta aos lupanares da antiga Babilônia. E este código diz que,
encantadoras da noite não matam, a não ser em legítima defesa. Nós somos as embaixadoras da Beleza, da
Suavidade e do Prazer, não da Morte.
- Então eu sou um prisioneiro ?
- Assistiu “O estranho que nós amamos.”, “The Beguiled”, no cinema ?
- As duas versões, a do Clint Eastwood e a atual, da Sofia Coppola. O que tem ?
- Digamos que a sua situação é um pouco melhor do que a daquele pobre soldado no meio daquelas loucas
confederadas.
Não entendo a analogia.
Miss MILF sorri. Marotamente.
Nelson Rodrigues explica.
*****
* * * * *
* * * * *
* * * * *
* * * * *
* * * * *
* * * * *
* * * * *
Na manhã seguinte a secretaria do hospital entra em contato com a locadora de automóveis. Anotam os
dados falsos fornecidos por Orlando (por segurança). Assumiram que alguém saqueara o carro com o
motorista acidentado e desmaiado, privando-lhe dos documentos e quaisquer pertences. Estavam certos.
Orlando era agora Mário Perretti. Morador de Vale das Pedrinhas, Município de Magé-RJ. Os telefones que
Orlando dera ao fazer o cadastro na locadora não tocavam. Muito menos o email. Acabou ganhando o
registro-padrão de indigente.
A batida da cabeça no teto do carro provocara um traumatismo crânio-encefálico, sendo o coma induzido
pelo efeito de concussão cerebral, que ocorreu quando o cérebro recebeu um forte impacto e foi arremessado
contra as paredes do crânio, iniciando assim o estado comatoso.
Coma.
Mas havia atividade cerebral.
Coma com atividade cerebral é uma loteria perversa.
Alguns “acordam”. A maioria não.
Dorme.
* * * * *
* * * * *
* * * * *
*****