Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
A graciosa olho-d'oiro
Então plana e esvoaça.
Acha o joelho da mãe-d'água
No oceano azulado.
Pensa que é um ilhéu
Verdejante de relvado.
A menina-d'ar, mãe-d'água,
Continua ela a nadar
Nessas águas tão gentis,
Pelas vagas nebulosas.
Diante dela água corrente,
8
Diante dela água corrente,
Atrás dela claros céus.
11
II
Semeando a Terra
Levantou-se Vainamoinen,
Pôs os pés em terra seca...
Num ilhéu no mar aberto,
Num país sem arvoredo.
Ali passa muitos anos,
Ali vive a sua vida
Num ilhéu abandonado,
Num país sem arvoredo.
Então pensa e considera,
De mão na cara pondera
Que as terras semeará,
Quem fará férteis as lavras.
O campestre Pellervoinen,
Sampsa, rapaz pequenino,
Ele as terras semeará,
Ele fará férteis as lavras.
Deixou só a pobrezinha,
Recolhida à sua sorte,
Esperou três noites mais
E de dias outros tantos.
Foi ver o que acontecera,
Mas não rebenta o carvalho,
Pé não ganha a planta sacra.
14
Mas não há ainda homem
Nem sujeito corajoso
Para o carvalho tombar
Ou cem-folhas lenhar.
Um rebento espevitou,
Um cor-de-tronco cresceu
Na terra mansa do campo
Onde Vaino trabalhara.
23
III
O Duelo
28
"Suave é casa de coregono,
Do salmão é o tecto plano;
Ova o lúcio em noite fria
E o baboso no mau tempo.
Acanhado peixe é perca;
No Outono nada fundo,
No verão ova em terra seca
E de encontro às costas malha.
30
"Lembro ainda mais um pouco!
32
E é então que Vainamoinen,
Se enfurece e se enrubesce
E começa ele a cantar,
Inicia a recitar;
Não é canção de petiz
Nem de mulher palração,
Mas de tipo bem barbado,
Que as crianças já não cantam
Nem metade dos rapazes
Nem entre os noivos um terço
Nesta idade de maldade
Em que o tempo se termina.
Conseguiu o pé soltar,
Não o pode levantar;
Tentou o outro pé também,
Mas de pedra bota tem.
Então para Joukahainen
Fica a coisa bem difícil,
Fica a coisa muito preta.
A irmã de Joukahainen
No seu canto ia chorando.
Chorou por um dia dois
No vão da escada escondida.
Chorou com grande tristeza,
40
Chorou com grande tristeza,
Cheio o peito de amargura.
41
"Outras bagas noutros montes,
Outros morangos também,
Que tu colhas, minha triste,
Noutras terras há além
Das clareiras do teu pai,
Das terras do teu irmão."
42
IV
O Destino de Aino
Aí se perdeu pintinha,
Morreu a pobre menina.
Disse ela enquanto morria,
Falou quando se afogava:
"No mar eu me vim banhar,
Cheguei pra na água nadar;
Pintinha, aqui me perdi,
Ave, cruel morte morri.
Que ao meu pai não se permita,
Nunca, nunca neste mundo,
Alguns peixes aqui pescar
Nestas águas poderosas!
Um raposo as levará,
Será ele o mensageiro?
Mas o raposo não fala,
Entre os gansos se perdeu.
56
Do chorar da mãe rolou
Uma lágrima mais grossa,
Caiu dos olhos azuis
Sobre as faces desoladas.
59
V
Vainamoinen e a Sereia
Já a nova se espalhara,
Já se sabia a notícia,...
Do fim da bela menina,
Da donzela adormecida.
Aprontava-se a cortar,
A esventrá-lo com a faca;
O salmão ao mar saltou,
Fugiu o peixe brilhante,
Pra fora da barca rubra,
Do barco de Vainamoinen.
66
Da sua cova sob as águas,
A mãe acordou e disse:
"Tua mãe ainda é vivente,
Vela inda a tua parente;
Ela te pode dizer
Como viver mais tranquilo,
Como às dores resistir,
Suportar os sofrimentos,
Nesta idade de maldade
E de amargos pensamentos.
67
VI
A Vingança de Joukahainen
70
Então jovem Joukahainen,
Moço esguio da Lapónia,
Prepara a besta de fogo,
Aponta o seu belo arco
À testa do velho Vaino
Pra matar o de Suvanto.
73
Então veio um vento forte,
Rijo vendaval do mar,
Arrastou o velho Vaino,
Puxou-o para mais longe,
Para a imensidão das águas,
Para a vastidão do mar.
75
VII
Vainamoinen e Louhi
Aí chorou Vainamoinen,
Aí chorou e gemeu,
Sobre essa margem marinha
Cujo nome não sabia.
Cem feridas tem no flanco;
Ventos mil o fustigaram;
Está sua barba muito longa,
Seu cabelo emaranhado.
E aí chorava Vaino,
O de Suvanto gemia.
Perto dum triste ribeiro
E dum bosque de salgueiros;
Boca e barba lhe tremiam,
81
Boca e barba lhe tremiam,
Mas o queixo não mexia.
84
"Melhor é na tua terra
Beber água em tua bota
Que, num país estrangeiro,
Mel duma tigela de oiro."
87
VIII
A Menina da Pohjola
A cabeça levantou,
Para o firmamento olhou.
Há belo arco-íris no céu
E uma virgem nesse arco-íris
Que tece tecido de oiro.
Ágil tece um pano em prata,
Firme velho Vainamoinen
88
Firme velho Vainamoinen
Logo pára o seu cavalo.
Começou a exorcizar,
A falar palavras mágicas:
Bem disse encantos de origens,
Os ditos magos em ordem,
Mas não lembra bem de certos
Graves encantos do ferro
Donde pode ganhar trinco,
Arranjar um bom ferrolho
Contra essas fendas de ferro,
Rachas de azul boca de aço.
96
IX
A Origem do Ferro
104
"Disse um dito e assim falou:
"Ora é isto que me agrada
Pra banhos de aço fazer,
Para o ferro temperar!"
E o carvalho respondeu:
"Na verdade, ontem à noite,
Escorreu mel dos meus ramos,
Se espalhou mel em meu topo,
Gentil das nuvens caiu,
Das nuvens esfarrapadas."
115
X
Ilmarinen Forja o Sampo
Ilmarinen artesão
Disse um dito e assim falou:
"Ó tu, velho Vainamoinen,
Ó eterno feiticeiro,
Diz-me da tua viagem,
Conta-me esse teu retorno."
118
"Vai tu, ferreiro Ilmarinen,
Vai lá, primeiro artesão!
Vai a moça cortejar,
Vai as tranças de oiro olhar!
Se puderes forjar o Sampo
Com seu colorido tampo,
Ganharás a bela moça,
A menina como prémio."
119
Disse o velho Vainamoinen:
"Se não podes nisso crer,
Ambos juntos lá iremos,
Ver se a história é vera ou falsa!"
E Ilmarinen artesão
Trepou bem alto o abeto,
Subiu ao clarão no céu;
Trepou pra agarrar a Lua,
E também a brilhante Ursa,
Do topo em oiro do abeto.
Ilmarinen artesão
Não está lá muito contente:
Partiu aquele arco em dois
E atirou-o prá fornalha.
Pôs seus servos a soprar,
Com o fole a trabalhar.
128
Então ferreiro Ilmarinen,
O primeiro artesão,
Solda o Sampo e nele martela,
Bate-lhe em cima com força,
Forja o Sampo com perícia:
Num lado tem mó de milho,
Noutro lado, mó de sal,
No terceiro, mó de moedas.
130
Disse a dama da Pohjola:
"Ó ferreiro, ó Ilmarinen,
Porque estás tão malogrado,
O elmo torto, inclinado?
Pensas como viajar,
Como à terra voltar?"
E pergunta Vainamoinen
Ao ferreiro Ilmarinen:
"Ilmarinen mestre, mano,
Grande primeiro artesão,
Forjaste tu novo Sampo
Com seu colorido tampo?"
131
Respondeu o mestre Ilmari,
Disse o próprio construtor:
"Já bem mói o novo Sampo
E anda `roda a cor do tampo,
Cestos cheios mói num dia:
Primeiro um para comer,
Depois um para vender
E um terceiro pra guardar."
132
XI
Lemminkainen e Killikki
E da Estónia pretendentes
Vieram e de Íngria também,
Mas não foi com eles a moça,
Todos levaram resposta:
"Vosso oiro estroinam pra nada
E pra nada a prata gastam.
Nunca hei eu de ir para a Estónia,
Nem agora nem mais tarde,
Pra remar águas da Estónia,
Pra abandonar esta Ilha,
Pra da Estónia comer peixe
Ou da Estónia caldeirada.
Turbulento Lemminkainen,
Esse belo Mente Errante
Prometeu então partir,
Cortejar a flor da Ilha,
Noiva como não há outra
Com as belas tranças soltas.
Turbulento Lemminkainen
Torce o lábio, baixa a testa,
Cofia o bigode preto
E profere estas palavras:
"Nunca isto alguma vez vi,
Nunca vi e nunca ouvi,
136
Nunca vi e nunca ouvi,
Que mulheres de mim se rissem,
Que moças pouco fizessem."
E o ousado Lemminkainen,
Esse belo Mente Errante,
Das mulheres parou o riso,
Das moças, as risadinhas:
Não havia uma só filha
Nem a mais pura menina,
137
Nem a mais pura menina,
Que ele não tivesse tocado,
Que ele não tivesse deitado.
Turbulento Lemminkainen,
Esse belo Mente Errante,
Gastou mais de botas cem,
Mais de cem remos partiu
Para a menina ganhar,
Pra Killikki conquistar.
138
Mas algum tempo mais tarde,
Nem mês meio era passado,
Num certo dia ocorreu,
Certa noite aconteceu,
Que as moças se divertiam,
Belas meninas dançavam
Num bosque perto das estepes,
Num cantinho em campo aberto.
Estava entre elas Killikki,
Da Ilha a mais formosa flor.
E o ousado Lemminkainen
Proferiu estas palavras:
"Jurarei pra sempre
De que não irei pra guerra
Mesmo que o oiro me chame,
Mesmo que a prata eu deseje,
Se jurares tu a promessa
De que não irás à vila,
Mesmo que a dança te chame,
Mesmo que brincar desejes."
E o ousado Lemminkainen
Bate o corcel pra correr,
Mexe as rédeas pra apressar,
142
Mexe as rédeas pra apressar,
E isto assim põe em palavras:
"Adeus aos prados da Ilha,
Aos pinheiros e aos abetos,
Onde o verão vagueei,
Onde o inverno todo errei,
Me escondi em noites negras,
Me abriguei das tempestades,
Quando caçava as pintinhas,
Cortejava essas gansinhas!"
E o ousado Lemminkainen
Isto assim pôs em palavras:
"Não te queixes do casebre,
Não suspires a cabana,
Outras casas construiremos,
Melhores moradas faremos,
Usando a melhor madeira
E as mais finas das árvores.
E o ousado Lemminkainen
Chegou por fim ao seu lar,
Encontrando a mãe querida,
Sua velha mãe amada.
A mãe pôs isto em palavras,
Disse um dito e assim falou:
"Muito tempo tu faltaste,
Em terra estrangeira andaste."
143
Em terra estrangeira andaste."
145
XII
Lemminkainen Na Pohjola
Lemminkainen respondeu:
"Já bruxos me enfeitiçaram,
Cobras praga me rogaram;
Três lapões isso tentaram
Numa noite de verão
Todos nus de pé na rocha,
Sem roupas e sem cintura,
Sem sequer trapo enrolado.
O que eu tinha para dar,
Isso esses tristes tomara;
O mesmo que a acha da rocha,
O mesmo que a pua à pedra,
Que a bota de pau em gelo,
Que a morte em casa vazia.
151
"Se cem bocas tu tivesses
Ainda não me convencias
Que tuas magas canções
Os lapões confundiriam.
Não sabes tu da Turja a língua
Nem os cantos da Lapónia."
E o ousado Lemminkainen,
Esse belo Mente Errante,
Arranjava sua cabeça,
Penteava seu cabelo;
Mandou a escova à parede,
Atirou o seu pente no chão,
Disse um dito e assim falou,
Assim disse e proferiu:
"Seja então ruína de Ahti,
Mal ocorra ao desgraçado
Quando a escova em sangue escorra,
Quando o pente em sangue ensope."
Apetrechou-se e armou-se,
Vestiu sua veste em ferro,
Cintou o seu cinto de aço
E então pôs isto em palavras:
"Mais forte é tipo em couraça,
Homem com malha de ferro;
Mais poderoso em maga cinta
No meio dos feiticeiros,
Pra que nada o preocupe,
Pra que nenhum mal o assuste."
152
Então agarrou a espada,
Pegou faiscante gume,
Que o Demónio afiara
E que o próprio Deus polira,
No seu lado a embainhou,
Pô-la em bainha de couro.
E o ousado Lemminkainen
Em palavras isto pôs:
"Erguei-vos, espadachins,
Vós, mais antigos dos homens!
Erguei do poço, guerreiros!
Erguei dos rios, arqueiros!
Ergue teus anões, ó bosque!
153
Ergue teus anões, ó bosque!
Vem, floresta, com tua gente,
Velho do monte, com força,
Dama da água, com terrores,
Dama de água, com o teu povo,
Pai de água, com teus poderes,
Dos teus vales, as virgens todas,
Dos lameiros, damas finas
Proteger homem sozinho,
Proteger rapaz famoso;
Falhem as setas dos magos,
Quebrem as espadas dos bruxos,
As facas de encantadores,
As armas de arqueiros magos!
E o ousado Lemminkainen,
Esse belo Mente Errante,
Ao seu cavalo chamou;
Pões brida ao seu bom corcel.
Ruivo entre os eixos põe;
No trenó então se assenta,
Começa o carro a ranger.
Turbulento Lemminkainen
Então vai pelo caminho,
Pela rua mais comprida
À casa mais afastada;
Sobre a soleira pergunta,
Fala detrás da janela;
"Ele há nesta casa alguém
Que me possa abrir as correias,
Possa as hastes retirar
E o arco desmontar?"
155
Não se rala Lemminkainen!
Bate o corcel com chicote,
Faz estalar na ponta as contas;
Vai rangendo pela estrada,
Toma o caminho do meio,
Rumo à morada no meio.
Turbulento Lemminkainen
Arriscou-se e transformou-se
Mudou-se em algo diferente;
Do seu canto foi à casa,
Do esconderijo pra dentro
E pôs ele isto em palavras:
"Boa é canção acabada,
Bela a canção quando é breve,
Melhor é parar por si
Do que ser interrompido."
A senhora da Pohjola
Ia andando por ali,
Arrastando os pés no chão.
Disse um dito e assim falou:
"Andava aqui um mastim,
Cão de pêlo cor ferro,
Comedor de carne e osso,
Bebedor de sangue fresco,
Quem serás tu entre os teus,
Quem dentre essa gente tua,
A esta casa chegando
E nesta cabana entrando,
Sem que nem o cão te escute,
Nem o mastim te repare?"
E o ousado Lemminkainen,
Esse belo Mente Errante,
Sortilégio começou,
Cantar mago desatou:
Cuspi fogo o seu casaco,
Chamas seus olhos mandaram,
Enquanto Ahti ia cantando,
A magia recitando.
E o ousado Lemminkainen
Cantou-os com suas espadas,
Aos homens com suas armas,
Cantou os jovens e os velhos,
Cantou os de meia idade.
Um deixou ele não cantado;
Um pegureiro malvado,
Um velho cego e safado.
161
XIII
O Alce Do Demónio
Turbulento Lemminkainen
Disse à dama da Pohjola:...
"Dama, dá-me uma donzela,
Traz-me uma das tuas filhas,
Traz-me delas a melhor,
A maior das tuas virgens."
A senhora da Pohjola
Disse um dito e assim falou:
"Virgem eu não te darei,
Nenhuma moça trarei,
Nem a melhor, nem a pior,
Nem a mais alta, nem a mais baixa.
Já tens tu mulher casada,
Já tens uma dama dedicada."
E o ousado Lemminkainen
Afiou as suas lanças,
Pôs corda em suas bestas,
Arranjou as suas setas.
Turbulento Lemminkainen
Pois pondera e considera,
Onde esquis pode arranjar,
Quem lhos pode fabricar.
E o ousado Lemminkainen
Foi esquiando atrás do alce
Sobre atóis e sobre campos,
Sobre clareiras abertas.
Fogo salta dos seus esquis,
Fumo das pontas das hastes,
Mas não logrou ver o alce,
Nem o viu nem o ouviu.
E o ousado Lemminkainen,
Para aí foi a esquiar,
Para donde os cães ladravam,
Às campinas dos lapões.
E aprontou-se e esforçou-se
Preparou-se e empurrou-se:
À primeira pontapeou-se
Mais longe que o olho vê;
À segunda empurrou-se
Mais longe que a orelha ouve;
À terceira acelerou-se
E alcançou do alce o flanco.
E aprontou-se, e esforçou-se,
E partiu logo a coleira,
Estaca de ácer partiu,
Quebrou cerca de carvalho.
E o ousado Lemminkainen,
Cabisbaixo, malogrado,
Olha a sua equipagem,
Isto assim põe em palavras:
"Nunca, nunca nesta vida,
Deixem outro caçador
Ir confiante à floresta
Pra caçar alce do Demo
Como eu, coitado, fui:
Dei cabo de bons esquis,
As finas varas quebrei,
Boas hastes esmaguei."
170
XIV
Os Trabalhos de Lemminkainen
Turbulento Lemminkainen
Ponderou e reflectiu...
Por qual trilho havia de ir,
Por qual vereda descer;
Se devia desistir
Do alce do Demo, ir pra casa,
Ou continuar a tentar,
Deslizar mais relaxado,
Do bosque a dama agradar,
Virgens do mato alegrar.
Turbulento Lemminkainen,
Todo esse tempo sem presa,
Esquiou pauis, campinas,
Esquiou bosques bem bravos,
De Deus, montes chamuscados,
Do Demo, urzes calcinadas.
E o ousado Lemminkainen
Lesto se achega ao local,
Atravessa o seu caminho,
Chega às janelas de Tapio.
Pára então para olhar
Pela sexta das janelas:
Lá dormiam as dadoras,
Damas do bosque em repouso,
Em seus trajes de trabalho,
Cobertas com sujos trapos.
174
"Pulseiras de oiro nas mãos
Da senhora da floresta,
Doce dama destes bosques;
Anéis de oiro nos seus dedos,
Jóias de oiro na cabeça.
No cabelo, argolas de oiro,
Brincos de oiro nas orelhas,
Belas contas no pescoço.
Turbulento Lemminkainen
Esquiou semana inteira,
Cantou canção pelo bosque,
Nos cantos fundos do mato;
A dama do bosque aplaca,
O senhor do mato acalma;
As donzelas delicia,
Às moças de Tapio agrada.
E o ousado Lemminkainen
O seu laço enrola e lança
Aos ombros do alce do Demo,
Em torno do seu pescoço,
Que não mais lhe dará coices
Quando lhe bater no lombo.
Turbulento Lemminkainen
Isto assim pôs em palavras:
"Senhor do bosque e da terra,
Belo senhor das campinas,
Mielikki, dama do bosque,
Bela dadora de caça:
Pegai o oiro que eu jurei,
Vinde escolher vossa prata.
E o ousado Lemminkainen
Logo pega em rédea de oiro,
Pega a brida toda em prata,
E vai buscar o corcel,
Vai buscar crina-amarela
Na orla do prado do Demo.
E o ousado Lemminkainen
Avante foi para olhar,
180
Avante foi para olhar,
Avançou para observar,
Isto assim pôs em palavras:
"Poderoso capão do Demo,
Da montanha, crina em espuma:
Dá-me teu focinho de oiro,
Cabeça de prata estica,
Mete-a na brida doirada,
Põe-na nos sinos de prata!
Turbulento Lemminkainen
Pôes as rédeas ao corcel;
Na boca ajustou arreio,
Brida em cabeça de prata
E montou no largo dorso,
Nas costas do bom corcel.
Turbulento Lemminkainen,
Esse belo Mente Errante,
Foi com seu arco sonante
Buscar o pescoço-longo,
No rio turvo da Tuonela,
Na funda Casa dos Mortos.
182
Na funda Casa dos Mortos.
E um dia aconteceu,
Veio o ousado Lemminkainen
Se apressando, aproximando
Do rio fundo da Tuonela,
A mais medonha das quedas,
O sagrado remoinho.
E o ousado Lemminkainen
Sentiu-se muito ferido,
Disse um dito e assim falou:
"Agi muito tolamente
Não pedindo informação
Da mamã que me pariu.
Dois ditos me chegariam,
183
Dois ditos me chegariam,
Três, se tanto precisava:
Como agir, como viver
Nesta idade de maldade.
Dragão não posso cantar
Nem dos vimes sei as runas.
Turbulento Lemminkainen,
Voga catarata abaixo,
Desliza rápido abaixo,
À medonha Tuonela.
185
XV
A Mãe de Ahti Procura o seu Filho
E a mãe de Lemminkainen
Vê também sangrar o pente,
Começa logo a chorar:
"Ai que dia, pobre de mim,
Minha vida é desgraçada!
Meu filho teve má sorte!
Meu rapaz desprotegido
Em mau dia foi crescido!
"Veio-lhe destruição,
É perdido o meu filhinho:
Sangue do meu pente pinga,
Sangue da escova lhe escorre."
A mãe de Lemminkainen
Aí desatou em pranto,
Foi à forja do ferreiro:
"Ó Ilmarinen ferreiro,
Forjaste antes, forjaste ontem;
Forja então hoje também.
Pões em pega em de cobre ancinho,
Mete-lhes dentes de ferro,
Forja dentes de cem braças,
Forja pega de quinhentas."
E o Ilmarinen ferreiro,
Ele, o artesão primeiro,
Pôs pega em cobre ancinho,
Meteu-lhes dentes de ferro,
Forjou dentes de cem braças,
Forjou pega de quinhentas.
E a mãe de Lemminkainen
Pega o ancinho de ferro,
Corre ao rio da Tuonela
E assim ao Sol implora:
"Ó Sol, tu, por Deus criado,
Do Criador criação brilhante,
Brilha demais por uma hora,
Brilha pouco na segunda,
Na terça com toda a força.
Faz dormir a raça ruim,
Cansa os da Casa dos Mortos,
Faz dormir os da Tuonela."
192
Esse Sol, por Deus criado,
Voou pra trás duma bétula,
Bateu asas a caminho,
Trás de um galho de amieiro;
Brilhou demais por uma hora,
Brilhou pouco na segunda,
Na terça com toda a força.
Fez dormir a raça ruim,
Cansou a Casa dos Mortos.
Dormiam de espada os novos
E os velhinhos de cajado,
De lança os de meia-idade.
E a mãe de Lemminkainen
Toma o ancinho de ferro,
Busca com forte draga
No remoinho enraivecido,
Na torrente furiosa;
Procura, mas nada encontra.
E a mãe de Lemminkainen
Dele tomou unguento mago,
Para untar seu paciente,
E lhe curar a fraqueza,
Mas disso não veio cura,
Continuava o homem mudo.
E a mãe de Lemminkainen
Unta o filho com pomadas,
Com aqueles nove unguentos,
Com essas oito poções,
E contudo não há cura.
Inda não há solução.
E a mãe de Lemminkainen
Provou esses na sua boca,
Com a língua ela os testou,
E achou que bem sabiam:
"Esta é a pomada da boa,
É poção do Mais Poderoso,
Pelo Deus mais alto usada,
Por Criador que tudo cura."
202
Untou o homem cansado,
Remendou o doentado:
Untou ossos nas fracturas,
Untou membros nas fissuras;
Untou por cima e por baixo,
Esfregou também no meio.
E a mãe de Lemminkainen
Embalou o seu querido
De volta ao seu velho estar,
204
De volta ao seu velho estar,
De retorno à velha forma,
Tanto que estava melhor,
Mais em forma do que fora,
Então ela perguntou
Se algo lhe fazia falta.
Turbulento Lemminkainen
Foi então de volta a casa,
Com a sua mãe querida,
Com a parente estimada.
206
XVI
Vainamoinen na Terra dos Mortos
O campestre Pellervoinen,
Sampsa, rapaz pequenino,
Ele uma árvore achará,
Ele um carvalho trará,
Pró barco de Vainamoinen,
Para a quilha do cantor.
212
De Tuoni filha enfezada,
De Mana a moça enguiçada,
Isto assim pôs em palavras:
"Ora achei uma mentira!
Pois se Tuoni te trouxesse,
Mana te desalojasse,
Tuoni contigo viria,
Com Mana aqui chegarias,
Com seu chapéu em teus ombros,
Suas luvas em teus dedos.
Diz verdade Vainamoinen!
Que te trouxe à Terra Morta?"
220
XVII
Vainamoinen e Antero Vipunen
E o Ilmarinen ferreiro
Disse um dito e assim falou:
"Vipunen há muito é morto,
Antero há muito finou,
Deixou de pôr armadilhas,
Deixou de enredar ciladas,
Dele não esperes palavras
Nem sequer meia magia."
E martelou fortemente,
E trabalhou lestamente
Toda a noite sem parar
E o dia sem respirar
No ventre do rico em runas,
No peito do grande mago.
236
Logo o versado Vipunen,
Esse velho rico em cantos,
Boca cheia de saber,
Peito cheio de poder,
Abriu seu baú de ditos,
Sua caixa de canções
Pra cantar bem boas coisas,
Cantar umas bem bonitas,
Cantos das origens fundas,
Cantos do início de tudo,
Que as crianças já não cantam,
Só os velhos os conhecem,
Nesta idade de maldade
Em que os tempos se terminam.
240