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MESA REDONDA I

VERDADES E MENTIRAS
SOBRE O SISTEMA DE
JUSTIÇA CRIMINAL

12 R. CEJ, Brasília, n. 15, p. 12-29, set./dez. 2001


VERDADES E MENTIRAS SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL*
Julita Lemgruber

RESUMO

Propõe uma discussão a respeito do que considera como as três mentiras mais recorrentes com que se tem procurado justificar a permanência de uma política
retrógrada e ineficaz de controle da criminalidade do Brasil: que o sistema de Justiça Criminal é um inibidor eficaz da criminalidade; que a elevação das taxas de
encarceramento reduz o crime; e que a população brasileira quer todos os criminosos na cadeia.
Alerta e demonstra que tais questões vêm sendo há muito questionadas por experiências, estudos, pesquisas e debates internacionais, os quais deveriam ser levados
em consideração, aqui no Brasil, para aprendizagem com seus acertos e equívocos, com o intuito de não se continuar alimentando mentiras com a desinformação.

PALAVRAS-CHAVE
Legislação penal; sistema penitenciário; Justiça Criminal; penas; criminalidade; penitenciária.

C otidianamente, no Brasil, te- PRIMEIRA MENTIRA: esclarecer e punir. Observa-se na Fi-


mos de nos defrontar com uma O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL gura 2 (anexa) que, mesmo para o caso
série de mentiras sobre o nos- É UM INIBIDOR EFICAZ DA da criminalidade violenta, e mesmo
so Sistema de Justiça Criminal, pelo CRIMINALIDADE num país com uma legislação penal
acintoso desrespeito à Lei de Exe- duríssima como a norte-americana, o
cuções Penais, que determina em de- Para mostrar o equívoco dessa Sistema de Justiça Criminal atua como
talhes como as prisões devem ser or- crença, examinemos o que ocorre em um verdadeiro funil, “capturando” par-
ganizadas e como os presos devem países desenvolvidos como a Inglater- celas sucessivamente menores do con-
ser tratados, mas que, todos sabemos, ra e os EUA, onde todos os componen- junto de delitos cometidos na socie-
está muito longe de ser cumprida na tes do Sistema de Justiça Criminal – dade: para 3.900.000 casos de violên-
esmagadora maioria dos estabeleci- Polícias, Ministério Público, Justiça e cia ocorridos naquele ano, só 143 mil
mentos prisionais brasileiros. Basta as- Sistema Penitenciário – funcionam (3,7%) resultaram em condenação dos
sistir aos noticiários da TV para sermos muito melhor do que no Brasil. Geral- autores, sendo 117 mil (3%) punidos
bombardeados com imagens horri- mente se utilizam como indicadores de com uma pena de prisão.
pilantes de celas superlotadas, insta- eficácia as chamadas “taxas de atrito”, Ou seja, também nos EUA, on-
lações degradadas, doença, promis- que expressam a proporção de perdas de a Polícia funciona razoavelmente,
cuidade, ociosidade, injustiça e vio- ocorridas, num determinado período, onde a legislação penal é draconiana,
lência, e para entendermos por que em cada instância ou etapa desse sis- onde a Justiça é certamente muito mais
são tão freqüentes as rebeliões de pre- tema. Parte-se do total de crimes co- ágil e mais eficaz do que a nossa, cons-
sos neste país. metidos no período, estimado por meio tata-se um pífio resultado final, ainda
O relator da ONU para a tortura, de pesquisas domiciliares de vitimi- mais se o confrontarmos aos gigantes-
que esteve aqui em 2000, disse que o zação, e calcula-se a parcela registra- cos gastos públicos requeridos para
Brasil trata seus presos como animais da pela Polícia, a parcela esclarecida, manter em funcionamento toda a má-
violentos. A meu ver, ele se enganou, transformada em processo, e a percen- quina policial, judiciária e penitenciá-
porque, na verdade, tratamos muito tagem que resultou em condenação. ria daquele país. Significa dizer que a
melhor os animais violentos enjaulados Vejamos inicialmente os resultados ob- relação custo-benefício desse sistema
em circos ou jardins zoológicos do que tidos para Inglaterra e País de Gales em geral se mostra altamente desfavo-
os seres humanos encarcerados nas no ano de 1997. rável e que os mecanismos punitivos,
nossas prisões. De acordo com a Figura 1 (ane- por si mesmos, têm um poder muito
Embora todos conheçam essa xa), de cada cem crimes cometidos na- baixo de inibir o crime, indepentemen-
vergonhosa realidade, mostrada qua- quele ano, 45,2 foram comunicados à te do grau de “dureza” com que são
se diariamente pela TV, continua-se Polícia, 24 foram registrados, 5,5 foram empregados. Significa dizer, noutras
tentando convencer a população de esclarecidos, 2,2 resultaram em con- palavras, que a punição, embora seja
que encarcerar pessoas reduz o crime denação e 0,3 resultou em pena de pri- obviamente necessária (ninguém está
e de que o Sistema de Justiça Criminal são. Ou seja, na Inglaterra, com uma negando isso), é absolutamente insu-
funciona, ou, se não funciona a conten- Polícia bem mais eficiente do que a ficiente para inibir ou controlar a crimi-
to, isto se deve à excessiva “brandura” nossa e um Judiciário muito mais ágil, nalidade, sobretudo quando privile-
da legislação penal brasileira. Gosta- só 2,2% dos delitos resultam em con- giada em detrimento da prevenção.
ria de discutir aqui três mentiras mais denação dos criminosos e só a irrisória No Brasil sequer podemos ten-
recorrentes com que se tem procura- parcela de 0,3% chega a receber uma tar fazer esse tipo de análise, porque
do justificar a permanência de uma pena de prisão. aqui não se realizam pesquisas de
política retrógrada e ineficaz de con- Estudo análogo foi feito nos Es- vitimização. Melhor dizendo: não se re-
trole da criminalidade no Brasil, menti- tados Unidos em 1994, mas abrangen- alizam pesquisas periódicas, em nível
ras que há muito já vêm sendo questio- do apenas os crimes violentos (homicí- nacional, com metodologias padroni-
nadas por experiências, estudos e de- dio, agressão, estupro, roubo etc.), que zadas, mas apenas surveys pontuais e
bates internacionais. são os mais importantes de investigar, descontínuos em duas regiões metro-

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*
Texto com revisão da autora.

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politanas do país, como retrata a Tabe- provada a existência de uma relação
la 1 em anexo. Os únicos dados nacio- direta de causa e efeito entre as duas
nais disponíveis já completaram 13 variáveis.
anos de idade: são as informações da Diversos especialistas ingleses
PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra (...) os mecanismos e norte-americanos já se debruçaram
de Domicílios) realizada anualmente punitivos, por si sobre essa questão, com resultados al-
pelo IBGE, que em 1988, e só nesse tamente controvertidos. Na Inglaterra,
ano, incluiu no seu suplemento algu- mesmos, têm um poder um estudo do criminólogo Roger Tarling
mas perguntas sobre vitimização. Não
foi propriamente uma pesquisa de
muito baixo de inibir o mostrou que um aumento de 25% na
taxa de encarceramento (número de
vitimização, nem mesmo um survey-pi- crime, indepentemente presos por cem mil habitantes) dimi-
loto seguido de levantamentos mais do grau de “dureza” nui em apenas 1% a taxa de crimina-
completos e acurados. Simplesmente lidade1. Nos Estados Unidos, estudos
nunca mais se investiu na tentativa de com que são de Marvell e Moody mostraram que o
estimar o volume de crimes cometidos aumento do número de presos tem pou-
em todo o Brasil – o que, já por si, ates-
empregados. Significa co ou nenhum impacto sobre a incidên-
ta o descaso com que essa área tem dizer, noutras palavras, cia de homicídios, estupros e lesões
sido tratada e a falta de base para qual- corporais graves2. Steven Levitt, por
quer avaliação objetiva da eficácia do que a punição, embora sua vez, demonstrou que o aumento da
Sistema de Justiça Criminal neste país. seja obviamente população prisional provoca reduções
Em que consistem as pesquisas sobretudo dos crimes sem violência
de vitimização e por que são tão im- necessária (...), é contra o patrimônio, portanto, daque-
portantes? absolutamente les que implicam menores custos soci-
Na Europa e nos Estados Uni- ais3. Não há, na verdade, nenhum estu-
dos tais pesquisas são feitas rotineira- insuficiente para inibir do conclusivo que demonstre inequi-
mente todos os anos ou a cada dois ou controlar a vocamente o impacto benéfico da taxa
anos. Entrevista-se a domicílio uma de encarceramento na redução geral
amostra representativa da população criminalidade, da criminalidade, e nem mesmo na di-
nacional, perguntando-se a cada pes- sobretudo quando minuição dos crimes mais graves. Não
soa se foi ou não vítima de algum crime há prova alguma de que, encarceran-
num certo período de referência (ge- privilegiada em do mais gente, teremos uma socieda-
ralmente os seis ou os doze meses an- de mais segura. Basta examinarmos
teriores). Aos vitimizados indaga-se
detrimento da um pouco mais de perto o caso dos
sobre a natureza, a freqüência e as cir- prevenção. Estados Unidos – ótimo exemplo de
cunstâncias dos crimes sofridos, e so- como essa crença pode ser completa-
bre a relação com os agressores: se mente infundada.
eram conhecidos ou desconhecidos, se Entre 1979 e 1990, período em
eram familiares, vizinhos, colegas de que os índices de criminalidade eram
trabalho etc. Levantam-se ainda as ca- quer ouvimos falar de alguma prepara- crescentes em todo o país, os estados
racterísticas socioeconômicas da víti- ção ou planejamento que sinalizasse a de Wisconsin e Minnesota adotaram di-
ma e as providências por ela tomadas efetiva intenção de cumpri-la. Diante ferentes abordagens com relação ao
(se comunicou ou não o crime à Polí- disso, mesmo se não dispuséssemos problema. Wisconsin endureceu sua
cia; por que o fez ou não, a quem pediu de nenhum outro argumento, já ficaria legislação, aumentando o tamanho das
ajuda, como tentou resolver o proble- desmascarada a mentira que tentam penas; sua taxa de encarceramento
ma, e assim por diante). Só a partir de nos impingir garantindo que o Sistema cresceu cerca de 104% e, nesse mes-
tais pesquisas se torna possível di- de Justiça Criminal brasileiro é um efi- mo período, a taxa de criminalidade es-
mensionar realisticamente o problema caz inibidor da criminalidade, ou asse- tadual subiu 59%. Já no estado de
da criminalidade, analisar a evolução gurando que as falhas existentes po- Minnesota, onde a legislação não foi
desse problema ao longo do tempo, deriam ser sanadas com alguns ajus- agravada e onde não houve extensão
traçar mapas de risco, formular políti- tes e com um endurecimento da legis- das penas, o acréscimo da taxa de
cas preventivas e – conforme já vimos lação. Se não temos a menor idéia de encarceramento foi muito menor (41%)
– medir o grau de eficiência das partes qual seja o número de crimes pratica- e – o que é mais significativo – o índice
componentes do Sistema de Justiça dos cotidianamente no país, como sa- de criminalidade também cresceu
Criminal de cada país. ber qual a eficácia do sistema e onde menos, em torno de 38% no período
Sem pesquisas de vitimização ele precisaria ser ajustado? em questão. A Figura 3, em anexo, sin-
regulares, não podemos, portanto, co- tetiza essas constatações.
nhecer o real tamanho do nosso pro- SEGUNDA MENTIRA: A ELEVAÇÃO Ressalte-se que os dois estados
blema, quanto mais avaliar o nível de DAS TAXAS DE ENCARCERAMENTO são muito semelhantes do ponto de vis-
eficiência ou ineficiência do aparato po- REDUZ O CRIME ta socioeconômico, cultural e geográ-
licial e judiciário teoricamente voltado fico, o que torna válida e especialmen-
para enfrentá-lo. O Plano Nacional de Quanto mais presos, menos cri- te ilustrativa a comparação. Ela permi-
Segurança Pública, do Ministério da mes – essa é outra falácia que ouvimos te verificar que os contribuintes de
Justiça, lançado em junho de 2000, ou lemos todos os dias: se aumentar- Wisconsin saíram perdendo com a es-
prometia a realização de tais pesqui- mos as nossas taxas de encarcera- tratégia penal lá adotada, pois o dinhei-
sas anualmente em âmbito nacional, mento, teremos reduções correspon- ro dos impostos foi canalizado para as
mas a promessa até agora não saiu do dentes nos índices de criminalidade, prisões, certamente em prejuízo de
papel: passado mais de um ano, se- como se estivesse mais do que com- outros gastos públicos, e essa estraté-

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gia teve impacto menor sobre a taxa frágeis as evidências de um efeito be- mil. Só no Rio de Janeiro construíram-
da criminalidade do que a política néfico da curva exponencial de encar- se quatro novas penitenciárias de se-
(qualquer que tenha sido) de direcio- ceramento naquele país que é lícito gurança máxima e São Paulo construiu
namento da despesa pública adotada perguntar: quem, realmente, está sen- mais de vinte nesse período. Mesmo
por Minnesota no mesmo período. do beneficiado com isso? Os cidadãos assim, permanece um déficit gigantes-
Outro estudo mais recente, de comuns, os contribuintes, as vítimas co, que levaremos anos, talvez déca-
setembro de 2000 – realizado por reais e potenciais do crime, ou a pode- das, para zerar, se o encarceramento
Gainsborough e Mauer, dois conceitu- rosa “indústria” das prisões privadas, continuar crescendo no ritmo atual.
ados criminólogos – analisou o encar- cujos lucros também cresceram expo- Num país com tantas carências so-
ceramento e a incidência de crimes vio- nencialmente no mesmo período? A cioeconômicas, isso parece de uma
lentos em todos os estados norte-ame- quem serve, de fato, o endurecimento absoluta irracionalidade, para não di-
ricanos entre 1991 e 1998, período em da vertente punitiva no Sistema de Jus- zer de uma total insanidade. É impres-
que a criminalidade já estava declinan- tiça Criminal norte-americano? cindível que comecemos a pensar se-
do em praticamente todo o país4. A Ta- Note-se que a taxa de encar- riamente em outras estratégias de com-
bela 2 anexa ilustra alguns dos resulta- ceramento dos Estados Unidos é hoje bate ao crime, ainda mais porque,
dos obtidos, mostrando mais uma vez seis vezes superior, em média, à dos como eu enfatizava no início deste arti-
como pode ser falaciosa a afirmação países da Europa Ocidental, mas sua go, só com muita ignorância ou má-fé
“mais presos, menos crimes”, repetida taxa de homicídio continua sendo duas pode-se acreditar que as vergonhosas
tão insistentemente entre nós. Verifica- a quatro vezes mais alta que a registra- prisões brasileiras “recuperem” al-
se, por exemplo, que o Texas, nesse da nesses países. Como se explica essa guém, ou mesmo que sejam capazes
período, aumentou em 144% a taxa de diferença? Um estudo da Universida- de afastar os bandidos perigosos das
encarceramento e seu índice de cri- de de Harvard, chamado “Luxembourg suas rentáveis e violentas práticas cri-
minalidade violenta caiu 33%, enquan- Study”, sobre pobreza e desigualdade minais. Certamente não é colocando
to o estado de Nova Iorque aumentou em 27 países desenvolvidos, apresen- mais gente na cadeia, nem mantendo-
sua taxa de encarceramento em ape- tou os seguintes resultados: a taxa de a lá dentro por mais tempo, que iremos
nas 24% e teve uma redução maior no pobreza infantil nos Estados Unidos é, resolver o problema. Logo, também não
índice de criminalidade violenta, da or- em média, cinco vezes maior que a da é “endurecendo” a legislação penal
dem de 45%. Europa Ocidental; o trabalhador nor- que conseguiremos controlar a crimi-
Tais constatações nos remetem te-americano situado na base da es- nalidade de forma mais eficiente. Um
novamente à questão do uso dos re- cala de salários ganha 38% da média claro exemplo é a Lei dos Crimes He-
cursos públicos. Sabe-se que estes são salarial nacional, enquanto o trabalha- diondos, que alguns juristas vêm con-
escassos em qualquer país do mundo dor de base na Alemanha recebe 68% siderando a lei penal mais ineficaz já
e que sua alocação implica escolhas. da média; os EUA gastam 4% do PIB promulgada neste país, a julgar pelo
Vale dizer: o que se investe na área de em programas de bem-estar social, caso do Rio de Janeiro, onde a maioria
prisões deixa de ser investido noutras enquanto os países escandinavos gas- dos presos (60%) foi condenada por
áreas econômicas e sociais. Um traba- tam de 12 a 14% e a Inglaterra, cerca tráfico de drogas e não por crimes pre-
lho do Justice Police Institute, intitulado de 8%6. É muito provável que se en- vistos naquela Lei.
“From classrooms to cell blocks” (“Das contrem aí as pistas mais importantes
salas de aula às celas de prisão”), mos- para entender porque, com taxas de TERCEIRA MENTIRA: A POPULAÇÃO
tra, por exemplo, que os Estados Uni- encarceramento tão inferiores, a popu- BRASILEIRA QUER TODOS OS
dos, entre 1987 e 1998, construíram um lação européia vive em condições mais CRIMINOSOS NA CADEIA
número crescente de celas e um nú- seguras do que a população norte-
mero decrescente de salas de aula, e americana. Tudo indica que o investi- Alguns políticos insistem em di-
que, nesse mesmo período, os orça- mento prioritário na repressão, mesmo zer que apóiam o endurecimento da
mentos estaduais para o sistema peni- quando alcança algum resultado, o faz legislação penal porque o povo brasi-
tenciário aumentaram em média 30%, ao preço de sacrificar outros investi- leiro assim o deseja. Mas raramente
ao passo que os gastos educacionais mentos, que talvez sejam bem mais neste país se ouvem, de fato, as per-
caíram em média 1,2% no nível funda- eficazes, a médio e longo prazo, na pre- cepções e opiniões da população so-
mental e secundário, e 18,2% no nível venção da violência e do crime. bre o tema. Com muito mais freqüên-
universitário5. Essas questões se tornam espe- cia fala-se em nome do “povo” para
Isso se torna ainda mais grave cialmente relevantes para nós quando defender interesses retrógrados de
porque não há qualquer demonstração observamos que as taxas de encarce- grupos particulares, ou para manipu-
sólida de que a estratégia punitiva atu- ramento no Brasil estão crescendo lar o sentimento de medo que nos as-
almente adotada pelos Estados Unidos acentuadamente nos últimos anos: salta a todos quando a criminalidade
para combater o crime esteja produ- como mostra a Figura 4 em anexo, pas- atinge níveis epidêmicos, como vem
zindo resultados compensadores, do samos de 95,5 presos por cem mil ha- ocorrendo em diversas regiões do país.
ponto de vista da relação custo-bene- bitantes em 1995 para 141,5 em 2001. A arma geralmente acionada por es-
fício. A criminalidade norte-americana E, até onde sabemos, as taxas de sas estratégias conservadoras ou opor-
vem caindo, sem dúvida, desde o iní- criminalidade também continuam cres- tunistas é a desinformação. Quero apre-
cio dos anos 90, mas são muitas as va- cendo muito na maior parte das regi- sentar aqui algumas evidências de que,
riáveis, isoladas ou combinadas, às ões metropolitanas do País. quando esclarecido, por exemplo, so-
quais se pode atribuir esse fenômeno Além disso, embora tenha havi- bre as vantagens e as desvantagens
– boom econômico, mudança do perfil do um grande esforço na construção do encarceramento, e sobre as alter-
demográfico da população, revolução de novas vagas, o sistema penitenciá- nativas à pena de prisão, o “povo” pode
nas técnicas de policiamento preven- rio brasileiro continua com um déficit demonstrar uma sabedoria surpreen-
tivo, esgotamento da “epidemia do enorme. Em 1999, o número de vagas dente, muito superior, com certeza, à
crack”, entre tantas outras. E são tão era 107 mil e hoje estamos com 159 que os ditos políticos lhe atribuem.

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Coordenei em 1998 uma pes- riências e debates internacionais. Para
quisa no Rio de Janeiro, apoiada pela não alongar muito este artigo, limito-
Fundação Ford, para captar percep- me a algumas breves considerações,
ções populares sobre pena de prisão e tomando como exemplo, mais uma vez,
formas alternativas de punição. Traba- (...) não é o caso dos Estados Unidos, que, em
lhei com uma amostra representativa
da Região Metropolitana do Rio de Ja-
“endurecendo” a 1976, reintroduziram essa pena para
crimes letais e desde então executa-
neiro, composta de 319 pessoas, divi- legislação penal que ram judicialmente mais de 700 conde-
didas em grupos de no máximo trinta, conseguiremos controlar nados. Eis, em resumo, as evidências
variando em geral entre 20 e 25 partici- mais chocantes sobre a ineficácia e a
pantes. Essas pessoas eram reunidas a criminalidade de injustiça da punição capital naquele
numa sala, recebiam uma folha de pa- forma mais eficiente. Um país7:
pel relacionando 21 categorias de de-
litos – furto, roubo, estupro etc. (a rela- claro exemplo é a Lei – A taxa de homicídio dos EUA é duas
ção só não incluía homicídio porque dos Crimes Hediondos, a quatro vezes superior à registrada
não é o caso de discutir alternativas à em países da Europa Ocidental, que
pena de prisão para esses tipos de cri-
que alguns juristas vêm não adotam a pena de morte;
mes) – e fornecendo algumas caracte- considerando a lei penal – Os 12 estados norte-americanos
rísticas socioeconômicas dos infratores. sem pena de morte têm taxas de ho-
Numa folha separada descreviam-se
mais ineficaz já micídios mais baixas que os 38 es-
sinteticamente, sem qualquer juízo de promulgada neste país, tados onde é aplicada a punição ca-
valor, as alternativas à pena de prisão a julgar pelo caso do Rio pital;
previstas na legislação brasileira. – Embora os EUA estejam entre um
De posse das duas listagens, os de Janeiro, onde a número muito pequeno de países
participantes atuavam como juízes, de- maioria dos presos que condenam à morte jovens me-
cidindo que punições – pena de pri- nores de 18 anos, um relatório de seu
são ou penas alternativas –, atribuir a (60%) foi condenada Departamento de Justiça informou
cada infrator. Após esse primeiro “jul- por tráfico de drogas e que, entre 1985 e 1991, o número de
gamento”, exibia-se um vídeo em que jovens presos, com 13 e 14 anos,
apareciam cenas de pessoas encarce- não por crimes previstos acusados de homicídio, cresceu
radas em prisões de diversas partes do naquela Lei. 140%. Entre jovens de 15 anos, o
Brasil e cenas de pessoas prestando crescimento foi de 217%;
serviços à comunidade, estas últimas – Em 1996, grande parte dos estados
extraídas de uma gravação que a Vara norte-americanos apresentava ta-
de Execuções Penais do Rio de Janei- xas de homicídio inferiores às de
ro havia feito para documentar o traba- 1985. Mas três dos seis estados re-
lho de prestadores de serviço em cre- cordistas em execuções judiciais vi-
ches comunitárias, hospitais e outras ram seus índices de homicídio su-
instituições. À exibição do vídeo seguia- haver 90% de opções por penas alter- bir nesse período: o de Louisiana,
se o debate em grupo, conduzido por nativas ao encarceramento. que executou 17 pessoas, teve au-
um moderador profissional e, depois do Esses resultados, a serem publi- mento de 61,1% na taxa de homicí-
debate, os participantes recebiam no- cados em breve, ajudam a desmontar dio; no de Illinois, onde houve oito
vamente a mesma lista de 21 crimes a mentira dos políticos que atribuem à execuções, a taxa cresceu 23,8% e
para julgar. população brasileira um desejo indis- na Virginia, com 35 execuções, au-
Os resultados foram absoluta- criminado de ver todos os criminosos mentou 5,5%;
mente surpreendentes: os delitos vio- na cadeia. O estudo indica que, quan- – A proporção de negros entre as pes-
lentos foram mais penalizados com do informadas sobre as alternativas à soas executadas judicialmente de
penas de prisão; os crimes cometidos pena de prisão, pessoas de diferentes 1976 a 25 abril de 2001 (36%) é o
por pessoas ricas foram julgados com camadas sociais podem considerá-las triplo da proporção de negros na po-
muito menos clemência do que os co- mais justas e eficazes para punir diver- pulação norte-americana (12%);
metidos por pobres; policiais crimino- sos tipos de crimes, levando em conta – De 172 execuções havidas, nesse
sos foram condenados com o máximo as características dos infratores e o fato mesmo período, por homicídios
rigor; e os criminosos primários, mes- de serem primários ou reincidentes. inter-raciais, em 161 casos o acusa-
mo quando autores de delitos violen- Noutras palavras, mostra que o “povo” do era negro e a vítima, branca, e
tos, receberam punições alternativas à pode ser muito mais razoável e sábio em somente 11 casos a vítima era
pena de prisão. do que os políticos que, em nome dele, negra e o acusado, branco;
Já no questionário inicial, ante- clamam por prisão para todos, cons- – Atualmente, mais da metade dos pri-
rior ao vídeo e ao debate, mais de 50% trução de mais e mais penitenciárias, sioneiros no corredor da morte são
dos participantes haviam atribuído agravamento das sentenças e até pu- negros (43%) ou de origem hispâni-
penas alternativas a nove dos 21 cri- nição capital. ca (9%);
mes. No segundo questionário, a ade- A defesa da pena de morte – Um estudo da Universidade de
são a essas penas cresceu considera- como solução para os nossos proble- Stanford mostrou que 350 das con-
velmente. A Tabela 3 em anexo mostra mas de criminalidade mereceria, aliás, denações à morte, ao longo do sé-
a adesão média obtida para cada tipo ser analisada à parte, pois constitui culo XX, referiam-se a casos em que
de crime, devendo-se sublinhar que a uma das piores mentiras que nos são mais tarde se provou serem os con-
variância era alta: em alguns casos, impingidas cotidianamente, a reboque denados inocentes. Desses 350 ino-
como nos crimes de furto, chegou a da total desinformação sobre expe- centes, 25 foram executados.

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Gostaria que as questões por ora tiras com a desinformação. Quando se gura do que os cidadãos da Europa
levantadas estimulassem uma reflexão clama por “endurecimento”, lembre- Ocidental. Assim como o seu caríssi-
séria sobre os rumos da nossa política mos sempre que os EUA são hoje o país mo sistema de defesa, que atende aos
de controle do crime – se é que existe com a mais severa legislação penal do interesses da indústria armamentista,
algo merecedor desse título no Brasil – mundo desenvolvido: têm pena de mas não consegue evitar a barbárie do
e sobre o que fazer diante das vergo- morte, prisão perpétua e, em alguns terrorismo, os gastos exorbitantes com
nhosas condições do nosso sistema estados, a famigerada lei dos “three a vertente punitiva do Sistema de Jus-
penitenciário. Gostaria que nos mirás- strikes”, determinando que três crimes tiça Criminal norte-americano talvez
semos na experiência internacional, em consecutivos, mesmo sendo delitos estejam servindo a outros interesses
particular na norte-americana, não para simples, não-violentos, podem levar a que não o de reduzir o crime e aumen-
macaqueá-la acriticamente, como uma sentença de 25 anos de reclusão. tar a segurança da população. Pense-
muitas vezes fazemos, mas para apren- Lembremos ao mesmo tempo que, mos nisso antes de acreditar nas men-
der com seus acertos e equívocos, e com tudo isso, os norte-americanos vi- tiras e falácias que nos são impingidas
para não continuar alimentando men- vem numa sociedade muito menos se- no dia-a-dia.

ANEXOS
Figura 1 - Taxa de Atrito na Inglaterra e País de Gales, 1997

Crimes cometidos 100

Crimes comunicados 45,2

Crimes registrados 24

Crimes esclarecidos 5,5

Crimes que resultam em condenação 2,2

Crimes que recebem pena de prisão 0,3

0 20 40 60 80 100
FONTE:: Home Office – Digest 4/England and Wales, outubro de 1999.

Figura 2 – Taxa de atrito


nos Estados Unidos para crimes violentos

3.900.000
Vitimização violenta

Registros policiais 1.900.000

Detenções 779.000

Condenações 143.000

117.000
Penas de prisão

FONTES:: Bureau of Justice Statistics, Criminal Victimization in the U.S., 1994;


“Felony Sentences in State Courts, 1994”; Uniform Crime Reports, 1994.

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Tabela 1 – Pesquisas de vitimização realizadas até hoje no Brasil

Pesquisa Ano Região abrangida Período de População-alvo


referência
PNAD 1988 Brasil 1 ano 81.628 domicílios
ILANUD 1992 Município do Rio de Janeiro 5 anos 1.000 entrevistados
1996
1997 Município de São Paulo 5 anos
ISER / PAHO 1996 Município do Rio de Janeiro 5 anos 2.469 entrevistados
ISER / FGV 1996 Região Metropolitana do Rio 1 ano 1.126 entrevistados
de Janeiro
SP: Região Metropolitana e
SEADE 1998 municípios com mais de 1 ano 14.000 domicílios
50.000 habitantes
USP 1999 Região Metropolitana de São 6 meses 1.000 entrevistados
Paulo

Fonte: Catão, Yolanda. “Pesquisas de vitimização”. In: Daniel Cerqueira, Julita Lemgruber e Leonarda Musumeci (orgs.), 2º
Encontro do Fórum de Debates sobre Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA e
CESeC/UCAM, agosto de 2000.

Figura 3 – Taxas de encarceramento e índices de criminalidade


Estados de Wisconsin e Minnesota (crescimento percentual
no período 1979-1990)

Wisconsin
120% 104%
Minnesota

100%

80% 59%

60% 41% 38%

40%

20%

0%
Taxa de encarceramento Índice de criminalidade

Fonte: National Council on Crime and Delinquency

18 R. CEJ, Brasília, n. 15, p. 12-29, set./dez. 2001


Tabela 2 – Taxas de encarceramento e índice de criminalidade NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
em quatro estados norte-americanos (variação percentual
no período 1991-1998)

1 TARLING, Roger. Analysing Offending


Variação da taxa de Variação da taxa de criminalidade
Data, Models and Interpretations. London:
encarceramento Todos os Crimes Crimes contra a HMSO, 1993. p.154.
Crimes violentos propriedade 2 CURRIE, Elliott. Crime and Punishment in
Texas + 144% -35% -33% -35% America. New York: Metropolitan Books,
Califórnia + 52% -36% -35% -36% 1996. Cap. 2.
Nova Iorque + 24% -43% -45% -42% 3 Idem.
Massachussetts + 21% -35% -16% -39% 4 MAUER, Marc; GAINSBOROUGH, Jenni.
Diminishing returns: crime and incarceration
Fonte: Mauer, Marc e Gainsborough, Jenni. Diminishing returns: crime and incarceration in the 1990’s. in the 1990’s. Washington, DC, Sentencing
Project. September 2000.
Washington, DC, Sentencing Project, september 2000.
5 SHIRALDI, Vincent. From classrooms to
cell blocks. Washington: Justice Policy
Institute, 1999.
6 CURRIE, op. cit.
7 DEATH Penalty Information Center .
Disponível em: <http://www.
deathpenaltyinfo.org>; FBI/Uniform
Crime Reports. Disponível em: <http://
Figura 4 - Presos por 100 mil habitantes no Brasil www.fbi.gov/ucr>.

160 141,5
127,7 129,8
140 ABSTRACT
108,4
120
95,5
100
The author proposes a discussion
80 about what she considers the three greatest
lies with which the retrograde and inefficient
60 policy of criminality control in Brazil has been
justified: the criminal Justice system is an
40 efficient method of criminality inhibition; the
raise of incarceration taxes reduces crime; and
20 the Brazilian population desires all criminals in
prison.
0 The study alerts and demonstrates that
1995 1997 1999 2000 2001 these matters have been long questioned by
experiences, studies, researches and
international debates, which should be taken
Fonte: Ministério da Justiça/DEPEN into consideration here in Brazil, in order to learn
from its accomplishments and errors and not to
continue increasing lies with desinformation.

KEYWORDS – Criminal legislation;


penitentiary system; Criminal Justice; penalties;
criminality; penitentiary.

Tabela 3 – Pesquisa “Punindo criminosos:


opinião pública frente às alternativas à pena
de prisão” – Percentual médio de imposição
de penas alternativas por tipo de crime –
Rio de Janeiro – 1998

%
Furto 69,7
Estelionato 61,9
Roubo 45,2
Tráfico de drogas 55,8
Estupro 9,1
Lesão Corporal 47,3
Julita Lemgruber é diretora do Centro de
Fonte: Pesquisa de campo Estudos de Segurança e Cidadania da Uni-
versidade Candido Mendes.

R. CEJ, Brasília, n. 15, p. 12-29, set./dez. 2001 19

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