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O crime
A IMPUNIDADE NO BRASIL:
DE QUEM É A CULPA?
COMO COMBATÊ-LA?
(Esboço de um decálogo dos
filtros da impunidade)
RESUMO
Apregoa que o fenômeno da criminalidade está vinculado ao da “cifra negra”, “o terreno existente entre a criminalidade real e a registrada oficialmente”.
Afirma que uma das melhores formas de explicar esse fenômeno da criminalidade, bem como o da impunidade e da seletividade do sistema penal, provém da teoria
dos “filtros de Pilgran”, segundo a qual os próprios autores, réus, a polícia, os tribunais, o Ministério Público, mais do que o próprio legislador, atuam como filtros
determinantes na seleção de quais acontecimentos devem ser definidos como crimes, quais pessoas devem ser qualificadas como deliqüentes etc., contribuindo,
todos, para a impunidade.
Com as devidas adaptações à realidade brasileira, vale-se de tal teoria para elaborar um “esboço de um decálogo dos filtros da impunidade no Brasil”.
PALAVRAS-CHAVE
criminalidade; impunidade; teoria dos “filtros de Pilgran”; crime; Justiça Criminal; Direito Penal; pena.
O fenômeno da impunidade está mas de explicar o fenômeno da cifra que não é crime (Lei n. 1.079/50); já
vinculado ao da “cifra negra” negra (e também da impunidade e da houve crime sem pena (Lei n. 8.212/
(“cifra ou zona oscura”, “dark seletividade do sistema penal) provém 91); há pena sem crime (Lei Ambiental,
number”), que é el terreno existente en- de Arno Pilgran, que manifiesta que el art. 40-A) e há pena que não é pena
tre la criminalidad real y la registrada. fenómeno de selección se produce a (pena de multa, depois do trânsito em
Descritivamente: no todo delito cometi- través de un proceso de filtración julgado é mera dívida de valor).
do es perseguido, no todo delito perse- escalonado, ya que más allá del propio O processo inverso ao da cri-
guido es registrado; no todo delito regis- legislador, tanto los autores como las minalização hipertrofiada é o da des-
trado es averiguado por la policía; no víctimas, los testigos, la Policía, los criminalização, que hoje se consegue
todo delito averiguado es denunciado; Fiscales y los Tribunales, operan en no Brasil principalmente por meio de
la denuncia no siempre termina em calidad de “filtros” determinantes en la medidas provisórias (ex.: MP n. 1710,
juicio oral; el juicio oral no siempre ter- elección de cuáles acontecimientos que descriminalizou inúmeros delitos
mina em condena1. deben ser definidos como delitos y de ambientais)7.
Os dados mais relevantes sobre cuáles personas deben ser calificadas 2 – Filtro da notitia criminis: des-
a cifra negra podem ser assim resu- como delincuentes, con todas las crença na Justiça, alto risco da vitimi-
midos: la criminalidad real es mucho consecuencias que ello implica4. zação secundária, falta de expectativas
mayor que la registrada oficialmente; en Valendo-nos da teoria dos “filtros reais, desestímulo, risco de perder dias
el ámbito de la criminalidad menos gra- de Pilgran” e fazendo as devidas adap- de trabalho etc., tudo isso contribui para
ve la cifra oscura es mayor que en el tações à realidade brasileira, elabora- que a vítima não noticie oficialmente o
ámbito de la criminalidad más grave; la mos o seguinte esboço de um de- delito. Desse modo, a própria vítima
magnitud de la cifra oscura varía cálogo dos filtros da impunidade no também contribui para a impunidade.
considerablemente según el tipo de deli- Brasil: No âmbito dos delitos informáticos, por
to; en la delicuencia juvenil es donde se 1 – Filtro da criminalização pri- exemplo, raramente as empresas víti-
da un mayor porcentaje de delicuencia mária: são inúmeras as formas que as- mas procuram os órgãos oficiais para
con una relativamente menor cuota seguram a impunidade nessa fase (da noticiar qualquer crime. Muitos crimes
sancionatoria; la cuota sancionatoria es criminalização primária, que é da res- cometidos dentro de empresas, aliás,
responsable también del fortalecimiento ponsabilidade do legislador): não são levados ao conhecimento da
de carreras criminales; las posibilidades (a) ausência de criminalização polícia. Em suma, poucos são os casos
de quedar en la cifra oscura dependen (ex.: delitos informáticos próprios ou oficialmente noticiados (leia-se: muitos
de la clase social a que pertenezca el puros, que ainda não foram criminali- delitos não conseguem ultrapassar a
delinquente2. zados no nosso país)5; barreira da notícia oficial).
Seja em razão da classe social (b) criminalização dúbia, confu- 3 – Filtro da abertura da inves-
que figura como sujeito ativo, seja em sa ou lacunosa (ex.: Lei n. 9.034/95, que tigação (nem todos os casos noticia-
razão das suas próprias peculiarida- nem sequer definiu o que é crime orga- dos são investigados): são incontáveis
des, parece-nos fundamental distinguir nizado; crime sexual ficto não é crime os fatores que levam à seletividade
(também nessa questão da impunida- hediondo); (discriminatoriedade) e impunidade
de) a macrodelinqüência econômica (c) criminalização excessiva nesta fase: (a) falta de estrutura mate-
(em sentido amplo) das demais formas (quem quer abraçar o mundo não abra- rial (da Polícia e do MP); (b) falta de
delitivas. Os fatores que contribuem ça ninguém: contamos hoje no Brasil estrutura humana; (c) falta de conhe-
para a impunidade na macrodelin- com mais de mil tipos penais; o que cimentos técnicos (sobre contabilida-
qüência econômica, para além dos ge- está programado para entrar no siste- de, operações nas bolsas de valores,
néricos, que veremos em seguida, são ma – input – é muito superior à sua capa- criminalidade informática, lavagem de
muito específicos3. cidade operacional – output –; vivemos capitais etc.) (resumindo até aqui: fal-
No que se relaciona à crimina- um verdadeiro caos normativo-penal6; ta hardware, software e humanware);
lidade em geral, uma das melhores for- a falta de técnica é patente: há crime (d) corrupção generalizada (o que não
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Texto com revisão do autor.