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Olhares sobre a experiência da Governança

Solidária Local de Porto Alegre

FEIJÓ, Jandira & FRANCO, Augusto (2007) (orgs.). Porto Alegre: CMDC /
ediPUCRS, 2007.

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Prefácio

O Protagonismo de uma cidade


1
José Fogaça

É com orgulho que trazemos ao registro impresso os conceitos, as razões e o registro de como
estamos implementando as experiências inovadoras da Governança Solidária Local em Porto
Alegre.

Permitam-me, nesta apresentação, antes de tudo, propor algumas reflexões sobre o nosso tempo,
esse tempo de incríveis mudanças e de ilimitadas perspectivas.

A ação política na execução de políticas públicas perdeu, na última década, muito dos seus
parâmetros dogmáticos. Na verdade, nenhum grupo político ou ideológico pode-se dizer hoje o
portador único da consciência histórica do Homem em sua aventura existencial. A ninguém é dado
o direito de enxergar a si próprio como o condutor exclusivo da sociedade humana à sua solução
final, nenhum grupo pode se atribuir a condição de portador privilegiado do juízo original sobre o
destino – e a redenção da humanidade.

O destino da humanidade – e a sua redenção, utopia irrenunciável – sabe-se, finalmente, é um


processo aberto, de múltiplos caminhos e em permanente construção. As certezas absolutas
diante da história humana esboroaram definitivamente no breve Século XX, período de tempo
caracterizado por Eric Hobsbawn, em seu livro “A Era dos Extremos”, como aquele compreendido
entre o início da I Guerra Mundial (1914) e a queda do Muro de Berlim (1989). Nenhum partido,
nenhum grupo político ou ideológico é, por natureza, o detentor do direito à última palavra.
Ninguém possui as chaves definitivas do direito, da liberdade e da justiça sobre a Terra.

Que época é esta que estamos vivendo? O que é fundamental nesta etapa? Qual é o justo modo
de agir na coisa pública?

Não sei se alguém tem uma resposta cabal a estas perguntas. É importante levar em conta que
neste novo mundo, neste raiar de século, no entanto, continua e continuará por muito tempo
havendo uma clara distinção política entre aqueles que fundam sua ação na idéia central da
igualdade e aqueles que ou são simplesmente indiferentes a esse propósito ou se dispõem a
condenar proativamente políticas públicas igualitárias.

É claro que essa diferenciação é demasiadamente simplista e por si só não explica nem
dimensiona toda a complexidade da sociedade humana. Mas é induvidoso que existem
agrupamentos políticos hoje que colocam, seja em sua doutrina, seja em todas as suas formas de
ação e organização, a tarefa essencial de procurar reduzir as desigualdades sociais e tornar
menos penosas as desigualdades naturais claramente no centro dos seus objetivos e da sua
militância – e, de outra parte, há outros que não.

1
Prefeito de Porto Alegre
2
A Governança Solidária Local, que é o escopo deste livro, tal como foi posta em prática na cidade
de Porto Alegre a partir do ano de 2005, tem como idéia fundante justamente a redução da
desigualdade, fazendo, para isso, emergir o protagonismo das comunidades em sua busca de
emancipação, qualidade de vida e sustentabilidade do desenvolvimento.

Políticas públicas de redução da desigualdade não pertencem exclusivamente ao campo de uma


estrita relação Estado-cidadão, isto é, uma relação fechada e unicêntrica entre agentes do Estado
e comunidades deles dependentes. Há um novo campo em que a democracia se torna efetiva, de
um novo modo. Surge uma nova concepção de esfera pública democrática como meio pelo qual a
sociedade tenta processar e resolver os seus problemas.

A democracia no seu sentido mais pleno e radical compreende a mobilização de todas as forças
sociais da esfera pública (estatais e não-estatais) para colocá-las a serviço dos que mais precisam,
isto é, a serviço das causas que tenham maior legitimidade social e democrática. Principalmente
quando, como resultado desse modelo democrático baseado na cooperação, as comunidades se
tornam capazes de se desprender de todas as formas de dependência.

Compreender a governança exige a compreensão de uma nova clivagem política. Exige uma nova
atitude e uma nova cultura, que supõe que comunidades de iniciativa e de cidadãos-gestores
sabem e podem mais que a burocracia e os estamentos do aparelho do Estado.

Enfim, é o que pretendemos mostrar nesta obra. Como um começo e como um meio, não como um
fim; como um debate aberto, não como um círculo de dogmas.

Agradeço ao Secretário Cézar Busatto por haver trabalhado na construção dessa possibilidade
com tanto denodo e determinação. Ele e sua extraordinária equipe fizeram o conceito emergir e
avançar na prática do dia a dia, na labuta cotidiana das tarefas sociais, na vivência de cada
problema cuja solução as comunidades reivindicam.

No que se refere a tudo mais, a cidade é – verdadeiramente – a grande personagem. Esta cidade
de Porto Alegre, única no seu espírito e na sua performance democrática, esta cidade que faz
brotar do chão das ruas, das vilas populares e dos bairros, a sua disposição orgânica, permanente
e invencível para a solidariedade, o protagonismo, a co-responsabilidade e a cooperação.

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Introdução

A Essência da Governança Solidária Local


2
Cézar Busatto

A Responsabilidade Social

O conceito de Governança Solidária Local nasceu da aplicação à gestão pública do paradigma da


responsabilidade social. Este paradigma surge historicamente a partir do setor empresarial, como
resposta a necessidade de enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais desigual do ponto
de vista das relações sociais e mais desequilibrado nas relações com a natureza, num momento
histórico de avanço do processo de globalização econômica e financeira que não tem se revelado
capaz de reduzir tais desigualdades e desequilíbrios e assegurar a sustentabilidade do Planeta.

A tomada de consciência das grandes empresas estratégicas de que deveriam assumir maiores
responsabilidades para com a sociedade e a natureza coincide também com a incapacidade dos
governos e Estados nacionais de reduzir a pobreza, promover a inclusão social e evitar a
degradação ambiental em seus territórios.

Mas antes do que tudo isso, o paradigma da responsabilidade social se impõe pela exigência das
pessoas que, seja enquanto consumidores, ou como cidadãos, revelam uma consciência social e
ecológica cada vez mais profunda e estabelecem novas relações e novas atitudes em sociedade.
O paradigma da responsabilidade social, portanto, se origina da crescente consciência cidadã de
que o mundo já reúne as condições para reduzir as desigualdades sociais e a degradação
ambiental, de que esses desequilíbrios, assim como sua solução, resultam de decisões humanas e
de que não há mais tempo a perder para fazer isso acontecer.

O fato de que muitas empresas promovem ações socialmente responsáveis de modo utilitarista,
tendo como objetivo ganhar a simpatia de consumidores para preservar e ampliar mercados, não
compromete a questão de fundo que queremos destacar, ou seja, a de que as empresas estão
sendo levadas a assumir atitudes de responsabilidade social perante suas comunidades por
exigência cidadã.

Portanto, a novidade da qual brota o paradigma da responsabilidade social é a emergência deste


novo autor social que é o cidadão e a cidadã consciente, comprometido com a sobrevivência e o
bem-viver de si próprio, de sua família, de sua comunidade e do Planeta, voltado para as grandes
causas publicas com que se debate a humanidade neste período de transição de séculos,
indignado com a incapacidade dos grandes atores mundiais, empresas e governos, de dar
respostas minimamente efetivas a esses desafios e ansiosos com os descaminhos que
perigosamente o mundo vem trilhando no sentido de ainda maior insegurança, tensão social e
política e insustentabilidade. Como se estivesse latejando na consciência individual e coletiva o
temor de uma nova guerra mundial, desta vez inimaginavelmente corrosiva, de um nível tal de

2 Secretário de Coordenação Política e Governança Local de Porto Alegre


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destruição do ambiente natural que comprometesse a própria vida humana, de um tal agravamento
das disparidades sociais que tornasse insuportável a convivência.

E será que estamos tão distantes de alguma ou de todas estas possibilidades?

O Cidadão Gestor

O atual estágio de desenvolvimento da humanidade, através da disseminação sem precedentes da


informação e do acesso aos meios de comunicação e da democratização crescente da vida em
sociedade, está produzindo um cidadão inteligente, conectado com sua comunidade real e virtual,
bem informado, reflexivo, ativo diante dos desafios que a vida lhe coloca, empreendedor e criativo,
disposto a ou já exercendo atividades cívicas, base da constituição de articulações, redes e
associações de todo tipo que conformam o que hoje se denominam organizações da sociedade
civil.

É este novo cidadão produzido pala contemporaneidade que está fazendo a diferença, abrindo
uma perspectiva de grandes inovações e mudanças na cultura política e no padrão das relações
sociais. É este novo autor social, aparentemente atomizado, frágil, desorganizado se analisado
pela ótica da ciência política convencional, que está na verdade sendo o novo agente propulsor
das transformações de toda ordem que ocorrem na vida em sociedade nas ultimas décadas.

Este cidadão gestor que exerce atividades públicas em sua comunidade, rompendo a velha
dicotomia entre Estado e mercado, e conclamando a todos para assumirem responsabilidades pelo
destino comum que nos une como humanidade, é a essência da concepção e da prática de
governança solidária local. É ele que convoca a todos: governos, empresas, universidades, meios
de comunicação, organizações sociais, cidadãos em geral para exercerem a sua responsabilidade
social, criarem ambientes participativos e solidários e constituírem redes sociais de cooperação
voltadas para a melhoria de vida e convivência entre os humanos em sua comunidade.

A exigência cidadã contemporânea é, pois, a da responsabilidade social de cada uma e de todas


as pessoas e instituições, o compromisso de todos com o destino comum da vida no Planeta; a
subordinação da prosperidade econômica ao equilíbrio social e ambiental, a convivência
harmoniosa entre os humanos, o respeito ao outro, às diferenças étnicas, culturais e religiosas, a
prática do diálogo e da pluralidade democrática, a cooperação pelo bem comum, a preservação da
paz. São essas as bases sobre as quais se assenta o conceito de governança solidária local.

Ora, se examinamos a forma convencional do fazer político, ela em geral está centrada na disputa
quase sem limites entre agremiações partidárias pelo poder, com base no controle maior ou menor
do dinheiro e da mídia, utilizando as pesquisas de opinião para dizer o que o eleitor quer ouvir,
mas essencialmente destituídas de compromissos éticos e republicanos. Num sentido inovador e
transformador, os caminhos pelos quais trilha a governança solidária local vão em outra direção,
que expressa as novas exigências da cidadania, promovendo uma nova cultura política da
cooperação e da busca do entendimento em favor do bem comum e não a da disputa pelo poder a
qualquer custo.

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O Amor Fraterno

Governança Solidária Local significa, portanto, relações democráticas de cooperação na base da


sociedade, ou seja, no lugar onde as pessoas moram, estabelecem suas relações familiares e de
vizinhança, suas relações com o espaço em seu entorno, gerando um sentido de pertencimento,
de conexão com o mundo a sua volta. Os meios de comunicação e informação hoje disponíveis de
forma generalizada, por sua vez, facilitam cada vez mais a conexão do local com o global, fazendo
de cada pessoa um cidadão do mundo.

Implantar governanças solidárias locais é promover a tecelagem de redes sociais de pessoas e


grupos que, com base na pluralidade e no diálogo, estabelecem relações de confiança e
cooperação, constroem suas visões de futuro, desenvolvem sua capacidade de sonhar por um
mundo melhor e planejam como alcançá-lo, definindo ações priorizadas no tempo e
compartilhando responsabilidades pela sua realização. Assim, Governança Solidária Local é um
novo padrão de produção de bens públicos e de promoção de desenvolvimento, a partir do
protagonismo e do comprometimento de todos os autores individuais e coletivos locais.

Entretanto, colocado nestes termos, o conceito de Governança Solidária Local fica a meio caminho
de uma compreensão mais profunda e essencial da democracia na base da sociedade. Porque,
em verdade, a construção das relações democráticas de cooperação que constituem as redes de
governança solidária local precisa ir mais além do respeito pela diferença e o diálogo como
fundamento da relação entre as pessoas, e de que devem construir em conjunto seus projetos
comuns.

Uma real democracia de base, capaz de construir redes potentes de governança solidária local e
de potencializar o capital social e humano existentes, exige mais do que isso. Exige, na verdade,
um comprometimento com o outro, uma unidade com o outro, um amor fraterno, um espírito de
comunidade, ou seja, uma identidade superior que se desenvolve a partir das potências de cada
pessoa que entra em interação com o outro e o meio em seu entorno.

É preciso, pois, uma interação profunda entre humanos para radicalizarmos a democracia na base
da sociedade e constituirmos redes potentes e transformadoras de governança solidária local. Ou
seja, democracia na base da sociedade é sinônimo de amor fraterno entre cada ser humano e o
outro. É compromisso, é doação sem esperar nada em troca, é identidade profunda de cada um de
nós como ser humano com o outro, com o ambiente a sua volta e com a humanidade.

Essas redes de cooperação abrem a possibilidade do desenvolvimento de redes virtuais de


comunicação interativa, promovendo, ao mesmo tempo, nova emocionalidade dos indivíduos em
interação, potencializando suas capacidades individuais, viabilizando alto grau de comunicação,
sinergia e convergência de saberes e viabilizando a constituição de comunidades de projeto num
patamar de complexidade nunca antes imaginado.

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Retrospectiva

Uma história vivida


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Jandira Feijó

A história da Governança Solidária Local contem em seu DNA o conhecimento, os talentos, as


dúvidas e a dedicação de muitas pessoas que chegadas por estradas muito diversas em um
momento se encontraram nestas encruzilhadas da vida e uniram suas melhores capacidades para
oferecer um novo jeito de fazer política.

Em si, não contém nada de novo, a humanidade tem se movido dessa forma ao longo dos séculos,
mas, talvez, por isso mesmo, seja importante contá-la. De um modo em geral, os cidadãos
eleitores não têm uma noção clara de como surgem os programas estatais, de como se definem as
visões de governo e muito menos o que é preciso fazer para realizá-los.

Por outro lado, são poucos aqueles que têm a oportunidade de contribuir com a maturação de
conceitos e participar das etapas que precisam ser construídas para ver suas idéias serem
colocados em prática. Além do mais, uma coisa são aqueles projetos pessoais, que traçamos em
nosso próprio benefício, outra é participar de um aprendizado coletivo, onde o amadurecimento
pessoal nos mostra que é possível não abrir mão dos sonhos, nos ensina a compartilhar ideais
generosos, a buscar a sua aprovação numa eleição, e depois a enfrentar desafios inimagináveis
para dar vida a um projeto.

Contar essa história, portanto, pode contribuir para que mais pessoas reforcem a convicção de que
sonhar faz bem, e, mesmo que lutar por este sonho seja dolorido, ainda assim vale a pena. Num
momento em que a política, pelo menos no Brasil, é motivo de desilusão para boa parte das
pessoas, iniciativas como essas alimentam a esperança de que ter um sentido de vida pode fazer
toda a diferença.

O começo

Não dá para saber exatamente quando tudo começou, mas quando decidimos que o quê
estávamos querendo fazer deveria chamar-se Governança Solidária Local não tínhamos noção do
tamanho do impacto daquela idéia em nossas vidas. Anos antes, começamos a nos debruçar
sobre o tema da responsabilidade social – algo que em 1999 ainda era pouco compreendido no
Brasil.

Hoje, ao relembrar estes fatos, parece fácil constatar que o tema não chegava a ser uma novidade.
Nossa juventude fora pontuada pela defesa da questão ambiental – esta que foi uma das primeiras
etapas de conscientização da sociedade socialmente responsável. De um modo ou de outro,
vínhamos participando das lutas pela valorização das mulheres, pelo respeito a outras etnias, das

3Jornalista, Coordenadora da Assessoria de Imprensa da Secretaria de Coordenação Política e Governança Local de Porto
Alegre
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campanhas assistenciais, da emancipação da sociedade civil, da eterna busca pela qualificação
das políticas públicas e de parlamentos republicanos.

Já havíamos buscado o fim da ditadura, o fim da inflação e percebíamos que se a democracia não
fosse compreendida como um sistema não apenas capaz de assegurar liberdade e direitos, mas
também trabalho, educação, saúde, segurança, comida e civilização, logo os problemas
ambientais seriam muito mais graves do que a derrubada de árvores ou a morte das baleias. Além
de um planeta fisicamente ameaçado, teríamos uma sociedade em decomposição.

O aprofundamento dos estudos em torno do movimento pela responsabilidade social permitiu que
nossas mentes e corações se enredassem por uma densa e nova rede de relacionamentos e
conhecimento. Não queríamos inventar a roda, apenas encontrar um foco que permitisse
concentrar nossas energias em algo possível de realizar e que proporcionasse a todos muito mais
do que o nobre sentimento de dever cumprido. Queríamos a abertura de um caminho largo, onde
muitos pudessem passar e também se sentirem motivados a trabalhar por um mundo melhor,
independentemente de ideologias, credos, posição social ou opções profissionais.

A ruptura de velhos paradigmas, também buscada em todos os cantos do planeta, vinha sendo
perseguida por iniciativas isoladas, aqui e ali, cada qual tentando fazer, como a gente, o melhor
que podia. O mais importante foi constatar que não estávamos sós e, acreditem, isso causou um
enorme impacto, inclusive promovendo uma espécie de reforma íntima, que estimulou a
humildade, o diálogo e a cooperação.

O movimento gaúcho pela responsabilidade social

É impossível resgatar nesta publicação, a história do tecimento de redes e amadurecimento


político do associativismo na capital gaúcha – com cada uma das etapas que contribuíram para
que hoje estivéssemos aqui. Alguns pontos, no entanto, merecem registro.

Porto Alegre passa a ter a partir de 1989, lei que institui o Balanço Social das empresas do
Município, iniciativa inédita em todo o território nacional. Atualmente multiplicam-se ações desta
natureza no Rio Grande do Sul e sua capital, com destaque para a integração de projetos,
programas e ações entre todos os setores da sociedade.

Alguns depois nascem em território gaúcho, o Prêmio de Responsabilidade Social (Lei Estadual
11.440/2000); o Dia da Solidariedade (Lei Estadual 11.693/2001), inspirado na ação social
realizada há oito anos pelas Indústrias Tevah e que em 2004 motivou a promoção da Semana
Nacional da Solidariedade em prol do atingimento das Oito Metas do Milênio; o Conselho de
Cidadania da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul, que desenvolve os
Bancos Sociais; a Organização Não Governamental Parceiros Voluntários, entidade gaúcha de
grande expressão e sinônimo de solidariedade e voluntariado organizado, entre outras.

Consolida-se a Lei Estadual da Solidariedade (11.853/2002) com incentivos fiscais para estimular o
investimento social privado. Cresce o entendimento de que é necessária uma Lei de
Responsabilidade Social, em tramitação na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul,
conforme Projeto de Lei 303/2003, que resultou da Comissão Especial de Responsabilidade Social

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na Gestão Pública, e modelo para implantação da primeira Lei Municipal de Responsabilidade
Social em São Sepé (Lei Municipal 2567/2003).

Neste processo de tecimento da rede de responsabilidade social, o Ministério Público instituiu o


Gabinete de Gestão em Responsabilidade Social e o Tribunal de Contas já trabalha na
implantação da Auditoria Social. Integra-se ainda a estas iniciativas que perseguem a
transformação dos paradigmas de gestão pública, a Lei 11.931/2003, que instituiu o CODES –
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul – composto por 2/3 de
representantes da sociedade e 1/3 de representantes do Governo do Estado, que começa a
elaborar um planejamento estratégico participativo para o estado para os próximos 10 anos.

Demonstração do espírito cooperativo, solidário e promotor desta rede foi a entrega ao Presidente
da República, em agosto de 2004, no encerramento da Semana Nacional pela Cidadania e
Solidariedade, da Carta de Porto Alegre4, onde os signatários, representantes de todos os setores
da sociedade, entre eles o Governador do Estado e o então candidato a prefeito de Porto Alegre,
José Fogaça, comprometem-se a perseguir o cumprimento das Metas do Milênio, estabelecidas
pela ONU – Organização das Nações Unidas:

“É diante deste vigoroso movimento que representantes do Poder Público, da Iniciativa Privada e
do Terceiro Setor do Rio Grande do Sul se dirigem à sociedade rio-grandense e brasileira, através
da entrega desta carta ao primeiro mandatário da Nação, Excelentíssimo Senhor Presidente da
República Luís Inácio Lula da Silva.
Com ela, reafirmam o compromisso de somar esforços para que o Rio Grande do Sul persiga o
cumprimento dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, cujas metas a serem atingidas até
2015 são: erradicar a pobreza absoluta e a fome; atingir educação primária universal; promover a
igualdade de sexos e aumentar o poder das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a
saúde materna; combater o HIV/AIDS, malária e outras doenças; assegurar o meio ambiente
sustentável e desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.
Os signatários desta carta estão conscientes de que o documento da ONU dimensiona a amplitude
do que é necessário realizar no campo social, assim como da sua complexidade, superando em
muito a capacidade e as iniciativas individuais”.

Novos Conceitos

É relevante destacar que este movimento agregou à vida política gaúcha e às suas instituições
públicas novos conceitos avançados de gestão social: capital social, desenvolvimento sustentável,
empoderamento social / cidadão gestor, poder local, mapas de diagnóstico e de iniciativas cidadãs,
governança, balanço social, intersetorialidade, comunicação dialógica, transversalidade,
territorialidade.

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A Carta de Porto Alegre foi o resultado de mais uma das iniciativas nascidas no Parlamento do Rio Grande do Sul, quando
informal e voluntariamente diversos cidadãos passam a reunir-se no que na época denominou-se Fórum Permanente de
Responsabilidade Social. Neste palco, encontravam representantes de praticamente todos os empreendimentos
comprometidos em encontrar saídas para os problemas sociais do Estado.
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Somados ao conceito de que responsabilidade social é uma atitude, uma opção voluntária,
consciente, voltada para o conjunto, à comunidade e tolerante com as diferenças e, sobretudo, de
que é um conceito/valor promotor que fomenta, trabalha a favor de, favorece o desenvolvimento,
são aqueles conceitos que estão na espinha dorsal do que hoje é o Programa de Governança
Solidária Local.
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A idéia de Governança percorreu um longo processo até reunir os entendimentos que hoje a
definem como um conceito plenamente legitimado pela institucionalidade global e que, no caso
específico de Porto Alegre, vai definindo o sentido da administração municipal e já repercute na
rede de participação social da cidade e alhures.

O primeiro entendimento colhido no referido processo deu-se na primeira metade da década de 30


do século passado quando, após a Grande Depressão, um número expressivo de empresas norte-
americanas pulverizaram suas ações entre milhares de acionistas. Corporações que até então
eram dirigidas por famílias e cujas relações com consumidores, fornecedores e comunidades, nas
quais estavam instaladas, se davam de forma vertical, sem nenhum controle social e com a missão
precípua de auferir lucros, foram expostas a uma nova configuração de gestão, com o
fortalecimento dos controles internos e externos; emergência da pluralidade, do consenso,
vizinhança; valorização do capital humano; valorização do capital social das comunidades; respeito
aos interesses dos acionistas e dos consumidores; transparência, gestão eficiente; bem-estar
social como finalidade; e, objetivos comuns.

Este conjunto de princípios e valores evoluiu até a década de 90 do mesmo século, quando o
conceito de Governança Corporativa foi definido como um conjunto de princípios éticos que devem
determinar a atividade das empresas, tanto na relação com seus consumidores, como também
com seus fornecedores, funcionários, acionistas e sociedade onde está inserida e que devem gerar
práticas transparentes, justas, sustentáveis, democráticas, eficazes, eficientes, orientadas por
objetivos comuns.

O segundo entendimento colhido no processo de conceituação da Governança é recente,


resultado, em especial no Brasil, do amadurecimento da consciência cívica da sociedade,
direcionada ao Estado. Direitos civis e políticos, do consumidor, de gênero, de livre orientação
sexual, de igualdade perante a lei, de acesso aos bens públicos, direitos humanos,
responsabilidade social pública, privada e da sociedade, foram ampliando e universalizando o
conceito de Governança que, na atualidade, se define como o exercício de autoridade política,
econômica e administrativa na administração dos assuntos de um país a todos os níveis. Inclui os
mecanismos, processos e instituições através das quais os cidadãos e os grupos articulam seus
interesses, exercem seus direitos legais, cumprem suas obrigações e resolvem suas diferenças.

No sentido acima exposto, Governança não é o governo, mas um “conceito que reconhece que o
poder existe dentro e fora da autoridade formal e das instituições do governo. Em muitas
formulações, a Governança inclui o governo, o setor privado e a sociedade civil. A Governança
enfatiza o processo e reconhece que as decisões são adotadas com base em relações complexas
1
entre muitos atores com diferentes prioridades”.

5
Governança Solidária Local, Desencadeando o Processo, documento interno da Secretaria de Coordenação Política e
Governança Local de Porto Alegre, Setembro de 2005.
10
Em Porto Alegre, o significativo estoque de capital social acumulado, somado a um período de
desbloqueamento das relações políticas e sociais, climatizaram o ambiente necessário para um
entendimento específico de Governança Solidária Local. O reconhecimento prévio dos novos
gestores públicos, concernente aos avanços experimentados pela capital gaúcha, ao longo de sua
história, principalmente o alto grau alcançado de consciência cidadã, foram decisivos para que o
conjunto da sociedade porto-alegrense – partidos, empresas, Igrejas, Ongs, sindicatos, Poder
Público, eleitores – reconhecessem, também, as insuficiências naturais deste processo:

“Insuficiência na sensibilização de enormes contingentes de desorganizados, de atores sociais


dispersos e de indiferentes com a riqueza do processo democrático. Insuficiência no
desenvolvimento social alcançado com tamanha arregimentação, fruto da baixa integração
parceira das instâncias de participação. Insuficiência, também, de diagnósticos – mapas social,
econômico e de iniciativas cidadãs – de Indicadores, déficit de transparência, ou seja, de um
2
balanço Social municipal e ausência de metas”.

O longo e sempre renovado processo de conceituação da Governança vem colhendo em Porto


Alegre mais um novo entendimento que, pelas características locais já referidas, se multiplicará. A
partir do núcleo do conceito de Governança são trabalhadas e adequadas à realidade local
algumas categorias, entre as quais se destacam a territorialidade, o desenvolvimento local, capital
social e capital humano, intersetorialidade, parcerias, empoderamento, além dos valores da
cooperação, pluralidade, diálogo, consenso, solidariedade, vizinhança. Assim Porto Alegre vem
construindo seu conceito de Governança:

“Processo que promove um ambiente social de diálogo e cooperação, com alto nível de
democracia e conectividade, estimulando a constituição de parcerias entre todos os setores da
sociedade, através do protagonismo do cidadão gestor, ativo, empoderado e capacitado para
perseguir e alcançar o desenvolvimento sustentável e governar”.

Uma Revolução em Andamento

Quando finalmente, a Governança Solidária Local ganhou este nome, não sabíamos nem quando
e nem como poderíamos colocá-la em prática. A construção de uma tese não é tão difícil; exige, é
claro, dedicação, estudo, perspicácia. Uma tese, porém, que ganhe adeptos e cuja execução seja
factível, é algo mais complicado. Alguns diriam "algo missionário".

Em 2003, passávamos por um momento muito especial de inflexão do Movimento pela


Responsabilidade Social no Rio Grande do Sul. Naquele período, o ambiente aqui no estado era
de muito debate e busca de alternativas para fortalecer-se a Responsabilidade Social, com o
crescimento do Fórum Copesul/Azaléia de Responsabilidade Social; o surgimento do Salão
Gaúcho de Responsabilidade Social da Fundação Semear; a expansão dos Bancos Sociais da
Fiergs; a consolidação de diversas ações entre organizações sociais e empresariais, e o clamor de
uma população que passava a exigir novos comportamentos na área estatal e a intensa
mobilização da sociedade gaúcha para viabilizar o enfrentamento dos problemas sociais.

2
Governança Solidária Local – Fundamentos Políticos da Mudança em Porto Alegre. Cezar Busatto e Plínio Zalewski,
Dezembro de 2004.

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Foi nessa conjuntura que começamos a perceber que este não era um momento qualquer da
nossa história. Desde então constatávamos que o caminho para o fortalecimento da democracia
passaria, indubitavelmente, pela Responsabilidade Social e pela Governança Solidária Local. Em
2004, a eleição de José Fogaça para a Prefeitura de Porto Alegre demonstraria que também na
capital gaúcha – que fora governada pelo mesmo partido durante 16 anos – a população exigia
oxigenação, novas propostas, novas atitudes, novos avanços, sem a destruição de conquistas da
cidade. Porto Alegre, por sua dimensão simbólica de resistência, de associativismo, de debate
político, de intensa participação popular sinalizou que queria de fato provar que um outro mundo é
possível.

Instalados no gabinete de Cézar Busatto, o parlamentar que liderara as oposições do governo


petista Olívio Dutra, eleito no final de 1998, ao mesmo tempo em que se determinavam estratégias
para defender as regras mais básicas do Estado de Direito, definíamos as linhas de projetos de leis
que hoje estão institucionalizadas, como o Prêmio de Responsabilidade Social da Assembléia
Legislativa, a elaboração do CODES, a Lei da Solidariedade e o Dia da Solidariedade – todas elas
construídas com a sociedade, debatidas com os representantes de todas as bancadas e
aprovadas por unanimidade pelo parlamento gaúcho. Foi ali que nasceu uma das propostas mais
bonitas daquele terceiro mandato: a Comissão Especial de Responsabilidade Social no Setor
Público, constituída para debater e criar uma Lei de Responsabilidade Social para o Estado.

A amplitude daquele trabalho e a capacidade que teve para aglutinar pontos de convergência entre
os diferentes partidos políticos, empresários e organizações da sociedade civil podem ser
consideradas a germinação da semente da Governança Solidária Local. A prova, para nós
mesmos, de que seria possível, gerar um ambiente de confiança onde posições completamente
antagônicas conseguiriam escutar o que os outros tinham a dizer, porque a causa que os unia era
maior do que qualquer diferença. O resultado desta comissão, presidida pelo deputado Busatto e
cujo relator era o deputado Ivar Pavan (então líder do PT), também foi aprovado por unanimidade
em 2003 e mesmo que o projeto não tenha se transformado em lei, sentimo-nos vitoriosos.

Ainda que muitos vissem com espanto a desenvoltura com que promovemos o diálogo com nossos
opositores, seguimos em frente – convictos de que o ponto de consenso tinha que ser superior aos
pontos divergentes. Ficara claro que romper com velhos paradigmas seria complicado – não existe
lei que mude do dia para a noite o status quo nem o comportamento daqueles que ainda não se
sentem responsáveis pelo todo. A proposta, no entanto, nos seduzia, ampliava nossos horizontes,
apontava uma luz. Era preciso partir para a sua polinização.

O objetivo daquele projeto de lei foi propor ao Estado um novo padrão de gestão pública. Trabalhar
com diagnósticos, indicadores e metas sociais georeferenciadas; integrar as ações das esferas de
governo. Realizar parcerias sociais do governo com as instituições da sociedade – iniciativa
privada e organizações sociais do terceiro setor –, compartilhando responsabilidades na definição,
formulação, execução e acompanhamento das metas do programa social e suas ações. Estimular
a mobilização e participação dos cidadãos e comunidades locais na definição, formulação,
execução e acompanhamento das metas do programa social e suas ações.

Compreendíamos a dimensão daquela mudança de paradigma e entendíamos que para que a


Responsabilidade Social no Setor Público efetivamente pudesse tornar-se lei, era necessária a
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construção política não apenas com os representantes do Poder Executivo, no caso estadual,
como principalmente com a ampliação do diálogo e a apresentação da proposta a mais e mais
setores da sociedade civil. Entendíamos, e ainda assim pensamos, que muito mais do que uma
legislação, é preciso o amadurecimento da consciência e compreensão por parte da população de
que para que a Lei de Responsabilidade Social se torne letra viva é decisiva a contribuição pessoal
de cada cidadão.

De qualquer modo, estávamos dispostos a fazer política com P maiúsculo e isto, numa
democracia, significa qualificar e fortalecer as representações partidárias. Neste sentido, o
engajamento do Partido Popular Socialista (PPS) foi fundamental para que idéias e sonhos,
debates e projetos ganhassem capilaridade na sociedade. De pronto, o PPS abraçou a causa,
assumiu para si a incorporação da Governança Solidária Local e incluiu em seus documentos
programáticos o compromisso de semear pelo Brasil a fora esta concepção de vida e de mundo.

Semeando a Idéia

Se a proposta não virara lei, por que não tentar colocá-la em prática, nas entranhas de uma
campanha eleitoral e transformá-la em programa de governo? A esta idéia somou-se a convicção
de que era decisivo manter o Orçamento Participativo, não por estratégia eleitoral, mas por
compreender que o OP era uma conquista da população de Porto Alegre e que, portanto,
precisava ser respeitada. Tão respeitada quanto às demais conquistas democráticas desta cidade,
erguidas tijolo após tijolo por uma cidadania ativa e inovadora.

Esta visão ampla, plural, democrática e respeitosa, porém, nem sempre é traduzida em dias fáceis.
De um modo em geral, as pessoas não sabem o quanto pode causar dissabores e desconfiança
fazer política partidária ou viabilizar uma idéia pelos canais democráticos num país onde inúmeros
partidos políticos perderam suas identidades, onde as ideologias na prática se transformam em
expedientes fisiológicos e onde o marketing eleitoral cria personagens e mundos inspirados no
Game Second Life. Isto não significa que não existam grandes avanços e boas práticas sendo
experimentados, mas em meio a tantos escândalos, este lado bom fica relegado a um segundo
plano e às vezes renegado.

A adesão dos filiados e dirigentes partidários a generosa proposição da Governança Solidária


Local também rendeu muitos debates e conseqüentes aperfeiçoamentos. O engajamento de mais
pessoas foi decisivo para que hoje estejamos aqui. Desde 2003, mais adeptos se aproximaram
desta visão, arregaçaram as mangas e começamos a pincelar com as cores da vida real uma
teoria que no discurso a muitos encanta. A compreensão do projeto por parte de outras
agremiações partidárias agregou ajustes e disseminou nossa proposta por outros, novos e vários
caminhos.

Promovemos os seminários Olhares sobre Porto Alegre e os Diálogos da Cidade, onde


intelectuais, militantes e expoentes de outras correntes partidárias participaram conosco e com a
comunidade de encontros memoráveis. Tínhamos a certeza de que para explicar a Governança
Solidária Local, era imprescindível praticá-la. Esta seria a melhor forma de mostrar o nosso
compromisso com aquilo que acreditamos: não apenas fazer discurso e convidar para um sonho,
mas efetivamente demonstrar que é possível fazer mais e melhor, quando mais e muitos se unem.

13
Fomos até onde a vida acontece. Elencar com as próprias pessoas de uma comunidade quais
seus problemas mais imediatos não é novidade. Nossa disposição era aprender e a tentar junto
com aqueles cidadãos identificar quais eram as potencialidades do local, reconhecendo que a
complexidade de um ser humano é tamanha que não existe um alguém tão carente que não
disponha de uma só potencialidade. A criatividade e a força de vontade de nossa gente é uma das
fortalezas fantásticas que temos. Seria um erro ignorá-la, da mesma forma que seria um equívoco
menosprezar a existência de inúmeros canais de comunicação que alimentam as redes de
relacionamentos numa comunidade.

Num cenário em que as limitações dos recursos orçamentários estatais, cada vez mais são
insuficientes para fazer frente às demandas crescentes da população, afunilam-se as opções de
respostas concretas para os múltiplos problemas sociais. Por outro lado, a explosão de recursos
tecnológicos, cada vez mais disponíveis numa velocidade alucinante aponta para o caminho ágil
para o acesso ao conhecimento e, por incrível que pareça a fria e inevitável globalização, provoca
uma reação importante: o reforço das identidades locais e a necessidade de aproximação das mais
diversas tribos.

Rompendo Paradigmas

Levamos em conta que simultaneamente, cresce a indignação positiva de pessoas interessadas


em intervir na realidade social por sua própria conta, sem esperar pelos partidos políticos, pelos
governos, pelas instituições. A cada dia mais empresas avançam em suas relações com a
sociedade, ultrapassando os limites de apenas pagar impostos, gerar empregos, produção e
buscar lucros.

Ao mesmo tempo em que era construída a coalizão partidária que venceu as eleições em Porto
Alegre, aprofundávamos nossa convicção de que algo muito forte e novo estava para emergir.
Constatávamos que o voluntariado transformou atitudes antes filantrópicas em intervenções
concretas: não bastava mais o assistencialismo. Era preciso, pois, acabar com as práticas
clientelistas, paternalistas, fisiológicas que impedem a emancipação cidadã.

Percebíamos que a consciência da necessidade de mais responsabilidades individuais e coletivas


era o motor de uma reação civil decisiva. Anos antes, em 2001, lançávamos o livro
Responsabilidade social, uma revolução em andamento – reflexões que também contribuíram para
o amadurecimento da idéia de Governança Solidária Local e ajudaram na propagação de nossos
ideais. Cada texto, cada palestra, cada evento renderam debates acalorados, custaram horas de
sono e lazer perdidas e, às vezes, discussões intermináveis.

Nem todos os caminhos que percorremos foram tranqüilos. Aliás, nunca supomos que seria fácil ou
que toda esta concepção de vida esteja pronta e acabada. Ao contrário, estamos ainda
aprendendo a extrair de cada crítica, de cada obstáculo, os elementos para a superação dos
problemas. Há quem diga que está tudo perdido, que não há mais "salvação", que as estruturas
arcaicas dos poderes executivo, legislativo e judiciário “não mudarão jamais”, que os partidos
políticos preocupam-se apenas com seus “próprios umbigos”, que os empresários “não são
confiáveis”, que o funcionalismo público é “omisso”, colocando veredictos irrevogáveis e
estigmatizando como utópicos aqueles que acreditam que existe sim espaço para um novo
paradigma.
14
É verdade que lidamos com estruturas verticalizadas, hierarquizadas, centralizadoras de recursos
e informações, desarticuladas, permeadas pela vulnerabilidade do tecnicismo. É verdade que
ainda muitos confundem crescimento econômico com desenvolvimento, assim como também é
verdade que os partidos políticos, os parlamentos e os governos acostumaram-se a um modelo de
relacionamento com a população um tanto descolado da vida das pessoas.

E, o que é pior, essas estruturas normalmente se movem alimentadas pela disputa adversarial,
onde nem sempre é o bem comum que interessa – e sim o jeito de cada um “saber qual o melhor
caminho para proporcionar o bem comum”. Tais verdades, felizmente, são relativas. Em meio a
elas, existem conexões de pessoas qualificadas, democratas, alinhadas a uma visão de mundo
mais ampla e, principalmente, interessadas em transformar o que precisa ser mudado.

A definição do lançamento da candidatura de José Fogaça à Prefeitura de Porto Alegre e sua


posterior eleição, trouxe ao cenário político local, a figura de um homem comprometido com a
democracia, com a justiça social, e de profunda identidade com a capital gaúcha. Homem público
de reconhecida idoneidade, o ex-senador gaúcho, encabeçou o compromisso de distensionar o
clima de disputa, estreitar a relação com as múltiplas correntes partidárias da cidade, promover o
diálogo com a oposição, manter os bons programas da administração anterior, nutrir uma relação
republicana com a Câmara de Vereadores e, acima de tudo, dar impulso a constituição de uma
comunidade de projeto em Porto Alegre. Sua eleição contribuiu para alimentar um ambiente
democrático arejado e propício às inovações democráticas.

A implementação da visão de Governança Solidária Local como visão de Governo e a instituição


do programa que desenhamos para efetivá-la na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, entretanto, é
um exemplo concreto de que não basta uma idéia generosa. É o preço dos tempos de transição.
Gerar um ambiente capaz de mobilizar todos os recursos – humanos, financeiros, sociais, de
conhecimento – para trabalhar em cooperação, articular parcerias, somar esforços de modo que o
cidadão possa emergir em sua plenitude para comandar seu destino e a compartilhar as
responsabilidades da construção do destino de sua cidade não é algo que se consiga em pouco
tempo. A vantagem é que tão logo se perceba as potencialidades de uma proposta como esta
poucos são os que estarão dispostos a abandoná-la. É um daqueles projetos que só tendem a ser
aperfeiçoado.

Adversidades e Adversariedades

É certo que existem desafios imensos. Nem todos estão dispostos a reconhecer que a sociedade é
composta de múltiplas diferenças e sutilezas. O tempo eleitoral ainda se sobrepõe ao timing do
amadurecimento de uma sociedade. Além de tudo, os problemas do dia-a-dia são urgentes, os
atrasos nas obras causam transtornos, as invasões são constantes, as lâmpadas queimadas
atiçam a violência. Promover o que chamamos de endogovernança é um exercício diário e sempre
urgente. A busca por cooperação e transversalidade entre as diferentes visões partidárias que
dirigem os mais de 20 órgãos e secretarias da atual gestão exigem esforços constantes. A
população tem pressa, tem fome, quer saúde e educação dignas, quer segurança. Nós também.

Ainda enfrentamos duas outras importantes adversidades. O fato de termos vencido as eleições
após 16 anos da cidade estar sendo administrada pela mesma frente partidária, nos comprovou o
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quanto os ritmos se acomodam, o quanto as informações fundamentais ficaram nas mãos de
poucos e o quanto a máquina pública e suas burocracias desaprender a conviver com outras
visões de mundo. Ao mesmo tempo, havia o fomento da dúvida de que acabaríamos com o
Orçamento Participativo e, o que é pior, que a "tal governança" viria para destruir a democracia
participativa.

Cercados de pré-conceitos, as pessoas esqueciam que já em 2000 defendíamos que um outro


mundo seria possível quando mais pessoas compreendessem que era preciso um “Fórum Social
mais Davos” e não a opção por um ou por outro. Muitas das críticas feitas aos limites do OP, anos
depois foram reconhecidas como fundamentadas pelos próprios construtores desse processo,
ainda que qualquer comentário que não seja uma ode ao OP siga sendo um ponto um tanto
intocável na cidade de Porto Alegre.

Hoje, quando vemos comunidades que conseguiram superar a desconfiança, reuniram-se para
compreender a vocação econômica de suas regiões, aprenderam a dialogar com respeito e
cooperação para definir o que estão dispostas a fazer para promover seu desenvolvimento local,
assumindo suas responsabilidades em conjunto e inclusive definindo seu destino com diálogo e
não com votações, dá uma satisfação indescritível. Conselheiros e delegados do OP que
compreenderam a importância do acesso a mais informações, associações de moradores que se
apropriaram dos dados disponíveis pelo ObservaPoa, grandes e pequenos empresários reunidos
com lideranças comunitárias e unidos em torno de uma causa comum – são obras intangíveis e
cujos resultados só poderão ser avaliados no longo prazo.

É preciso ressaltar ainda que a pouco menos de 10 anos os meios de comunicação não
valorizavam muito os balanços sociais de empresas que já estavam sintonizadas em outro patamar
de relações sociais. Jornais e emissoras de TV falavam muito da lei de responsabilidade fiscal,
mas não compreendiam o que queríamos dizer quando defendíamos uma lei de responsabilidade
social. Atualmente, os próprios veículos de comunicação têm seus balanços sociais e ainda que
prevaleça o eterno e saudável "pé atrás" com as ações governamentais, já abrem espaço para
divulgar as notícias e resultados de iniciativas de responsabilidade social e governança.

A desconfiança, aliás, tem suas razões de ser, mas não traduz em sua plenitude o que acontece
no que chamamos de mundo real. E ela não existe apenas nas redações de jornais, rádios,
emissoras de televisão ou na Internet. Quando resolvemos lançar o Jornal da Região, um boletim
feito pela Secretaria de Coordenação Política e Governança Local, mas totalmente focado no
protagonismo das comunidades, as pessoas não conseguiam ver que o quê faziam era notícia.

Acostumadas a sentirem-se a metade vazia de um copo, nem elas compreendiam porque o foco
não era a ação da Prefeitura. Muitos órgãos públicos também exigiam que suas secretarias
tivessem seu nome citado. Algumas pessoas até hoje custam a compreender que a Governança
Solidária Local não é um carimbo de uma secretaria em especial ou propriedade de um
determinado grupo. É uma visão de mundo e um jeito de dar mais eficácia às políticas públicas e
um ambiente de mais liberdade e solidariedade para enfrentar problemas que são de todos.

Outra iniciativa que apresenta dificuldades é o Blog da Governança, um espaço virtual criado para
que as pessoas envolvidas na construção dos pactos pela governança, possam noticiar e
acompanhar as notícias e fatos relevantes de sua região. Cada postagem espontânea, cada e-mail
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recebido pelo Fale Conosco, é comemorado com "vivas" e palmas. Destas relações virtuais
nasceram muitas parcerias concretas, mas a participação não ocorre do modo que esperávamos.
E-mails de várias partes do mundo e do país chegaram por ali buscando maiores informações
sobre o programa, organizações internacionais e nacionais interessadas em aplicar a mesma idéia
em suas cidades. As comunidades locais, seus cidadãos, no entanto, não aderiram na proporção
aguardada. Enfim, isso faz parte de um processo. Queremos crer que um dia o Blog, o Jornal,
enfim, todas as ferramentas de comunicação possíveis para projetos com esse, serão vistos com
outros olhos.

Cooperação e Co-responsabilidade

A incompreensão machuca menos que a falta de cooperação. Se aqueles que não conhecem (e
ainda assim não concordam) dificultam o desenvolvimento de um novo jeito de fazer política,
aqueles que preferem seguir agindo como se a sociedade não tivesse evoluído, tornam-se
empecilhos, às vezes, quase instransponíveis. A legítima disputa por espaço entre os diferentes
quadros partidários que passam a atuar numa administração pública exige que exercitemos nossas
habilidades de diálogo e paciência. Colocar em prática valores humanitários sob a pressão diária
"do muito a fazer" com instalações às vezes precárias, poucos recursos humanos e salários nem
tão convidativos exige altas doses de dedicação cívica, algo que felizmente muitos têm de sobra.

De qualquer forma, as adversidades e contratempos em vez de nos fazer "jogar a toalha", aguçam
a nossa determinação em seguir em frente. O leque de possibilidades que se abre quando
passamos a compreender a imensa diferença entre ação estatal e ação pública é revigorante.
Sonhamos com um espaço público, cívico, democrático, onde o Estado esteja presente e siga
sendo o responsável por ofertar políticas e serviços públicos de qualidade, atender as demandas e
também o grande indutor do desenvolvimento local. Mas, não seja o único responsável pela
sustentabilidade das pessoas e do local onde elas vivem. Os direitos dos cidadãos devem ser
assegurados, mas também os cidadãos devem assumir as suas responsabilidades.

O Orçamento Participativo possibilitou que a população definisse onde deveriam ser aplicados os
recursos do orçamento estatal, mas não como promover o desenvolvimento local sustentável. A
Governança Solidária Local oferece a possibilidade de serem levados em conta todos os recursos
públicos de uma comunidade – além de estimular o espírito empreendedor, a co-responsabilidade
e a participação de uma agenda de prioridades com vistas à sua emancipação. Um não impede a
existência do outro; são as faces de uma mesma moeda. Num estado, porém, onde a polarização
faz parte do cotidiano, propor qualquer tipo de convergência leva sempre a uma intensa disputa. E
haja paciência, tolerância e exercício democrático do diálogo e respeito às divergências.

A imperiosa necessidade de mais transparência, co-responsabilidade, ética e eficácia, tanto na


esfera estatal quanto privada, é fruto desta sociedade que chega ao Século XXI, consciente de que
se os recursos naturais são escassos, as potencialidades humanas são inesgotáveis. Toda e
qualquer resistência a visões inovadoras será quebrada com o empoderamento cidadão, com
sociedades onde a informação circula e é gerada em todas as direções, possibilitando maior
comunicação entre as pessoas e tecendo uma vigorosa teia de relações.

Afirmávamos no documento que introduziu a metodologia do Programa de Governança Solidária


Local, em 2005, que "nesta sociedade em rede não se delega poder e sim se distribui
17
responsabilidades em torno de objetivos comuns. Conforme o fluxo das informações e das
conexões construídas, o desenho dessa rede vai se alterando e isto fará, cada vez, uma grande
diferença no comportamento dos governantes, legisladores, empresários, entidades comunitárias e
cidadãos de um modo em geral".

Toda e qualquer intempérie que apareça ao longo desta caminhada só irá conduzir a melhoria
deste processo, pois ele representa, enfim, a oferta de resultados positivos e concretos à
população por meio de políticas públicas sustentáveis e eficazes; a oferta de geração e distribuição
de renda e oportunidades, e, finalmente, a possibilidade de constituição de ambiente gerador de
paz, harmonia e felicidade exigem a imediata superação de antigos paradigmas.

Este, seguramente não é o único caminho a ser seguido. Em todos os continentes tem alguém
falando em cidades saudáveis, em territórios fraternos, em espaços ecológicos, em
desenvolvimento sustentável, em Ubuntu, o nome não importa. É certo que ainda não atingimos
todos os nossos ambiciosos objetivos. Fazer parte desta história, todavia, é motivo de imensa
satisfação pessoal e será motivo de orgulho para as futuras gerações.

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Metodologia

O que é o Programa de Governança Solidária Local6


“A Governança Solidária Local (GSL) é uma rede intersetorial e multidisciplinar que se organiza
territorialmente para promover espaços de convivência capazes de potencializar a cultura da
solidariedade e cooperação entre governo e sociedade local. Seu objetivo é estimular parcerias
baseadas nos princípios da participação, autonomia, transversalidade e na co-responsabilidade em
favor da inclusão social, aprofundando o comprometimento das estruturas de governo com as
comunidades locais em ambiente de diálogo e pluralidade, e estabelecendo relações com a
sociedade cada vez mais horizontalizadas” (Secretaria Municipal de Coordenação Política e
Governança Local).

Desde o final de 2005 vem sendo aplicado em Porto Alegre, por iniciativa da Prefeitura Municipal,
um novo programa intitulado Programa de Governança Solidária Local (PGSL).

Em síntese esse novo programa visa a ensaiar um novo sistema de governança por meio da
articulação de redes sociais de participação política democrática, inicialmente em 17 regiões do
município e, em seguida, nos seus bairros e vilas. Por meio dessas redes de base territorial as
ações de governo e as iniciativas da sociedade poderão ser combinadas e sinergizadas em prol do
desenvolvimento das pessoas e comunidades que vivem, moram e trabalham em todas as
localidades do município. Trata-se de um novo sistema de governança porque, baseado na
democracia participativa e na parceria entre governo e sociedade, estimula o protagonismo e o
empreendedorismo dos cidadãos e a sua co-responsabilidade na gestão compartilhada das ações
públicas.

Esse novo sistema de governança foi chamado de governança solidária porque aposta na
cooperação e na ajuda mútua entre as instituições governamentais e não governamentais e entre
as pessoas que voluntariamente se disponham a participar da iniciativa, em prol da obtenção de
objetivos comuns de desenvolvimento com inclusão social de cada localidade. Uma governança
solidária local porque essas redes, conquanto intersetoriais e multidisciplinares, têm como base a
territorialidade constituída por regiões, bairros e vilas.

Mas a Governança Solidária Local não é apenas um programa stricto sensu. Existe realmente um
programa, com desenho aberto e com metodologias de implantação, execução, monitoramento e
avaliação e fiscalização definidas sendo implementado.

O sentido maior da Governança Solidária Local, no entanto, é o de ser um estilo de governo, uma
marca da natureza democrática, plural e participativa, sobretudo inovadora – e sintonizada com a
contemporaneidade – da atual administração de Porto Alegre. Assim, a Governança Solidária
Local é um espírito que deve permear todas as ações setoriais de governo e, mais do que isso,
expressar o novo modo como o governo municipal quer se relacionar com os servidores e com a
sociedade, dando um sentido político estratégico ao conjunto das ações que serão desenvolvidas.

6Texto Extraído do Documento Referência do Acordo de Cooperação Técnica entre a Prefeitura Municipal de Porto Alegre
e Unesco, 2005.
19
Portanto a proposta da governança deve ser tomada, simultaneamente, como uma ação para fora
– que incide sobre o padrão de relação do Estado com a sociedade – quanto uma ação para
dentro, que visa, em termos de endogovernança, dinamizar a dinâmica interna da prefeitura de
acordo com os mesmos pressupostos, mobilizando também os servidores.

Justificativa Política

Um novo modelo de governança, apoiado na democracia participativa, se impunha para a atual


administração. Porto Alegre já havia acumulado, nas duas últimas décadas, uma experiência ímpar
na implantação de formas de democracia participativa, com destaque para o Orçamento
Participativo, conquanto mais voltadas ao estabelecimento de prioridades orçamentárias.

Tratava-se, portanto, de dar continuidade a tal experiência, avançando para formas menos
adversariais e mais cooperativas, de democracia participativa, dentro de uma visão ampliada de
governança, onde a influência e o exercício do controle social dos munícipes pudesse se dar de
várias maneiras, pró-ativas e propositivas ao invés de apenas reativas e reivindicativas.

Para tanto, foi necessário, em primeiro lugar, não restringir a participação cidadã apenas à disputa
em torno de prioridades governamentais que atendessem aos interesses particulares de um grupo,
setor ou localidade. Não se podia mais desperdiçar o imenso potencial das comunidades e dos
indivíduos dirigindo-o ou canalizando-o somente para exigir do governo essa ou aquela ação
pontual, desconectada de um sonho de futuro, de um diagnóstico e de um planejamento
participativos. Isso estava gerando dispersão de esforços, em alguns casos transformando as
instâncias de participação em campos de confronto, tendo como resultado experiências de
democracia de baixa intensidade e com alto grau de antagonismo.

Foi necessário, portanto, ampliar a participação democrática cidadã, a partir do pressuposto


contemporâneo de que cidadania é direito e também responsabilidade. A cada direito (a ser
cobrado do Estado) deveria corresponder uma responsabilidade (a ser assumida pela sociedade).
Ao invés de restringir as formas de participação popular para cobrar do Estado a realização dessa
ou daquela ação, tendo como foco apenas o orçamento governamental, foi necessário incorporar
também o potencial da sociedade para descobrir e desenvolver os seus próprios ativos e para
dinamizar as suas potencialidades.

Não apenas cobrar, propor. Não apenas exigir, fazer. Ao invés de somente pedir recursos,
mobilizar e alavancar recursos novos, que não podem ser captados como (ou da) receita fiscal,
mas que devem ser encontrados na base da sociedade. Ao invés de entrar numa luta demandante,
para obter do Estado uma determinada ação ou serviço público, tornar pública uma esfera social
(não-estatal) de iniciativas, assumindo responsabilidades e agregando competências inéditas. Ao
lado do Orçamento Participativo, Planejamento Participativo, Protagonismo Local,
Empreendedorismo Coletivo, parcerias entre os diversos tipos de agenciamento (o Estado, a
iniciativa privada e a sociedade civil) para uma governança solidária.

Em segundo lugar, foi necessário transitar para formas não-assembleísticas de democracia, que
acabavam reduzindo a dimensão participativa a uma dimensão predominantemente delegativa. A
preocupação de vencer uma disputa, quando exacerbada, transforma a democracia numa luta de
20
grupos, onde vence quem consegue levar o maior número de delegados aptos a votar. Assim,
substituiu-se o processo de votação, onde o crachá ou o braço levantado funcionavam como uma
arma para derrotar adversários, por processos de interlocução política e de construção progressiva
de consensos.

Para tanto, foi preciso ensaiar novos padrões organizativos. Ao invés de promover intermináveis
reuniões de disputa para ver quem conseguia arrancar mais benefícios do governo ou ter o maior
número de reivindicações atendidas, tecer redes sociais, redes de desenvolvimento comunitário,
redes formadas por conexões entre pessoas e grupos, porém voltadas para ações concretas,
inovadoras, em parceria com o governo, com as empresas e com as organizações da sociedade
civil.

Cabe dizer, ainda, que a Governança Solidária Local acabou fortalecendo o processo do
Orçamento Participativo, trazendo novos atores e aportando novos recursos para o
desenvolvimento das localidades, que se somaram aos recursos orçamentários de que dispõe a
Prefeitura de Porto Alegre.

Nossa meta foi, e segue sendo inaugurar uma nova forma do exercício da democracia na base da
sociedade e mais perto do quotidiano dos cidadãos. Uma participação que expressasse, cada vez
mais, um novo metabolismo político, adequado à nova morfologia da sociedade-rede.

A Operacionalização do Programa

Inicialmente foram capacitados os agentes, do governo e da sociedade, para cumprir o papel de


articuladores e animadores das redes de governança solidária local. Em seguida esses agentes se
deslocaram para as 17 regiões escolhidas (as 16 regiões que já funcionam como regiões do
Orçamento Participativo, às quais se acrescentou mais uma: as Ilhas) a fim de montar, em cada
região, uma equipe de articulação da rede de governança solidária. Hoje, o Arquipélago, já está
institucionalizado como a 17ª região do OP, contemplando suas características tão peculiares.

Essa equipe, composta por pessoas do governo (nucleadas em um comitê gestor) e da sociedade,
se dedicou a conectar, numa rede de âmbito regional, as principais lideranças governamentais,
empresariais e da sociedade civil que atuam em cada região. As equipes de articulação
começaram então a planejar participativamente o futuro de cada região, estabelecendo metas e
ações prioritárias. Constituíram comunidades de projeto em torno de futuros desejados e
compartilhados e fizeram diagnósticos não apenas das necessidades, mas, sobretudo dos ativos já
existentes, que constituem potencialidades quase sempre pouco aproveitadas por programas
tradicionais de oferta estatal. E tudo isso foi validado por um público maior, conectado nas redes
que foram articuladas em cada região.

As ações prioritárias escolhidas e validadas pela rede constituíram a agenda anual de cada região,
para ser realizada com recursos do governo e, principalmente – aqui está a novidade –, da própria
sociedade, recursos esses mobilizados e alavancados pelas redes que foram articuladas.

Progressivamente o programa está se estendendo aos bairros da cidade, envolvendo a


participação de cada vez mais agentes voluntários. Daí para frente o processo começa a ser
replicado pelas vilas, por algumas ruas, inclusive, sem a necessidade de um maior protagonismo
21
governamental. Deixará, portanto, de ser um programa específico de um governo e passará a ser
uma dinâmica emergente e endógena de governança, contribuindo para enraizar um novo padrão
de relação entre Estado e sociedade.

O objetivo da Governança Solidária Local é transformar Porto Alegre na Cidade-Rede, uma cidade
que antecipa futuro ao ensejar que o cidadão e as comunidades, dentro de um ambiente de
democracia participativa, exerçam de fato a sua cidadania como direito e como responsabilidade
em prol do seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento da cidade como um todo. Trata-se
aqui de desenvolvimento tomado em termos integrais ou sistêmicos, compreendendo a
dinamização dos programas integrados, multi-setoriais, voltados para os eixos estratégicos
prioritários do governo municipal de Porto Alegre.

Referencial Conceitual

“A era da globalização da economia também é a era da localização da constituição política. O que


os governos locais e regionais não têm em termos de poder e recursos é compensado pela
flexibilidade e atuação em redes. Eles são o único páreo que existe, se é que existe algum, para o
dinamismo das redes globais de riqueza e informação”.
Manuel Castells, em “Fim de Milênio”
(The Johns Hopkins University Press: 1997).

Os elementos evidenciados aqui constituem o núcleo – em termos de orientação política – do


quadro conceitual de referência para a proposta da Governança Solidária Local. Do ponto de vista
político, a Governança Solidária Local é um pacto pela democracia local, um processo de
democratização da democracia nas localidades de Porto Alegre. Redes da Governança Solidária
Local nas 17 regiões de Porto Alegre e, em seguida, progressivamente, nos seus 84 bairros e nas
suas quase 400 vilas. É um passo para a Porto Alegre do Futuro. Uma antecipação da Porto
Alegre – Cidade Rede.

Do ponto de vista administrativo, a Governança Solidária Local, ao mesmo tempo em que orienta,
se incorpora dentro do próprio modelo de gestão da Prefeitura, que prevê a integração
transdisciplinar dos diversos órgãos e programas em prol da obtenção dos objetivos gerais de
governo.

Uma estratégia de investimento em capital social

A Governança Solidária Local é uma estratégia de investimento em capital social. O desenho


dessa estratégia segue, portanto, os pressupostos e fundamentos das teorias do capital social. Da
acumulação teórica dos últimos quinze anos pode-se depreender que estratégias de investimento
em capital social têm, em geral, as seguintes características:

Descentralizadas em termos de gestão, compostas por ações integradas e convergentes;


promovidas em parceria por vários atores (estatais, empresariais e sociais);
Com desenho suficientemente aberto para promover e estimular a negociação; flexíveis (capazes
de desencadear inovações que modifiquem seu desenho original);
22
Planejadas para exigir – no sentido de estimular e não apenas de cobrar – obrigatoriamente
contrapartidas de seus participantes (público-alvo ou beneficiários);
Planejadas para realizar investimentos em capacidades permanentes e em ambientes favoráveis
ao invés de tentar apenas realizar gastos para ofertar recursos e coisas;
Capazes de mobilizar e alavancar recursos novos ao invés de ficarem eternamente dependentes
apenas da execução de um orçamento institucional; desenhadas com mecanismos que permitam a
fiscalização permanente dos participantes e evitem interferências políticas indevidas, como a
violação de critérios em virtude da prática do clientelismo; e, por fim,
Capazes de permitir monitoramento e avaliação constantes como mecanismos ou procedimentos
previstos no seu próprio desenho original.

Gestão Descentralizada

Existem evidências suficientes de que a centralização da gestão contribui para exterminar capital
social, na medida em que impede que os diversos atores envolvidos em uma ação transformem-se
em sujeitos de uma gestão com eles compartilhada, assumindo responsabilidades e,
conseqüentemente, aduzindo recursos de toda ordem, sobretudo humanos e sociais, aos projetos.

Quem não se sente dono de um projeto não é estimulado a aportar seus próprios recursos e a
alavancar recursos novos por meio da cooperação com outros participantes. Projetos centralizados
em termos de gestão são mais “pobres” em termos de desenvolvimento, uma vez que dificultam
essa ampliação social da cooperação que se chama de capital social.

A estratégia do Programa de Governança Solidária Local é descentralizada, depende das


iniciativas de múltiplos sujeitos que a ele aderirem em caráter voluntário, inicialmente nas 17
regiões em que se divide a cidade e, aos poucos, nos bairros e vilas de Porto Alegre. Não há um
formato fixo, uma cesta predeterminada de ofertas definidas a partir de um centro, de cima ou de
fora. Não há, igualmente, uma composição predeterminada das instâncias que operarão o
programa.

Na verdade essas instâncias operativas não funcionam propriamente como direções ou


coordenações do Programa e sim como equipes de articulação e animação das redes de pessoas
que aderirem ao projeto. Em alguns lugares o Programa foi articulado inicialmente apenas pelos
agentes governamentais, envolvendo um número pequeno de representantes empresariais e da
sociedade civil. Em outras localidades, ele foi articulado e animado por coletivos bem maiores,
incluindo a participação de Ongs, associações de moradores, escolas e instituições de ensino
superior, empresas, vereadores, membros do Ministério Público e do judiciário, líderes
comunitários sem vinculação com entidades formais, etc.

Ações Integradas e Convergentes

Estratégias que superpõem ações setoriais de modo desintegrado ou que multiplicam ações
divergentes dificultam a compreensão de seus operadores sobre a necessidade de concertação de
esforços para o alcance de objetivos comuns. Ações integradas e convergentes têm mais
facilidade para conseguir celebrar parcerias e captar apoios porque fazem sentido para todos os
interessados (stakeholders).
23
Todas as ações desencadeadas pelo Programa de Governança Solidária Local são norteadas por
um plano participativo e por uma agenda de prioridades que surgem da realização de uma visão de
futuro e de um diagnóstico dos ativos e das necessidades. O plano e a agenda integram as ações
e permitem a sua convergência em torno de objetivos definidos coletivamente.

Parcerias entre vários atores (estatais, empresariais e sociais)

Existem evidências embasadas de que a produção de capital social depende diretamente das
parcerias entre atores diferentes. Programas promovidos por um ator único criam inevitavelmente
dependência nos seus beneficiários, que identificam naquele centro promotor único a fonte dos
recursos que podem beneficiá-los. Conseqüentemente, desmobilizam os esforços dos
participantes no sentido de aportar ou alavancar recursos novos para a consecução das ações
previstas. Existem também evidências de que tais parcerias, se forem intersetoriais – abrangendo
os três tipos principais de agenciamento: o Estado, a iniciativa privada e a sociedade civil ou a
comunidade –, são capazes de propiciar um fluxo mais intenso de capital social na sociedade. As
parcerias – sua variedade, sua intersetorialidade – constituem, inclusive, um critério de avaliação
da geração de capital social efetivada por um programa.

O Programa de Governança Solidária Local estimula as parcerias entre Estado e sociedade,


envolvendo na sua gestão uma multiplicidade de atores. As parcerias fazem parte do próprio
desenho do PGSL e são necessárias para a sua implantação, para a sua gestão, compreendendo
inclusive o seu modelo de avaliação.

Desenho aberto para promover e estimular a negociação

Programas com desenho fechado, acabado, desestimulam os seus participantes a assumi-los


como coisa sua. São programas sempre de um outro, de um proprietário ou dono, ao qual se deve
pedir autorização para introduzir qualquer modificação. Além disso, inviabilizam o processo de
negociação que é fundamental no exercício da participação democrática e, conseqüentemente, na
capacidade comunitária de gerar capital social.

O PGSL tem um desenho aberto, que promove e estimula a sua apropriação por parte dos
participantes. As Governanças Solidárias Locais que estão sendo implantadas inicialmente nas
regiões (e, depois, nos bairros e nas vilas) não serão de propriedade do governo municipal e sim
dos seus participantes, dentre os quais figura a Prefeitura como um dos parceiros. Cada
Governança Solidária Local, independentemente do seu âmbito territorial, é única, diferente das
demais, tanto em termos da sua composição, como em termos do seu plano e da sua agenda.

Em cada Governança Solidária Local os participantes têm a liberdade para propor caminhos e
introduzir modificações na estrutura e na dinâmica do Programa num processo negociado com a
coordenação. Também no que tange ao atendimento de demandas de serviços públicos
municipais ou na reivindicação por recursos para a realização das ações prioritárias da agenda, há
um processo de negociação.

24
Flexibilidade

Programas rígidos dificilmente serão inovadores porquanto não contarão com a criatividade dos
seus participantes. Não valorizam nem potencializam o capital humano de que dispõem na medida
em que as pessoas encarregadas da sua gestão são adestradas a cumprir a liturgia prevista no
seu regulamento ao invés de serem estimuladas a introduzir aperfeiçoamentos e inovações.

É possível afirmar que programas rígidos dificultam a formação de capital social porquanto
constroem ambientes avessos à liberdade dos atores para desenvolver o potencial coletivo,
desempoderando-os. Há uma relação intrínseca entre potencial humano e potencial social na
medida em que ambos necessitam de um clima de liberdade para serem desenvolvidos.

O PGSL permanecerá flexível de sorte a estimular inovações, inclusive aquelas capazes de


modificar o seu desenho original.

Contrapartidas

Programas de investimento em capital social exigem obrigatoriamente contrapartidas de seus


participantes como uma forma de estimular que esses participantes assumam responsabilidades,
agreguem competências e aportem recursos novos para o desenvolvimento, dinamizando assim o
ambiente social em que se efetivam as ações. É como se adotassem a máxima “Nenhum direito
sem responsabilidade”. Nada deve ser feito sem o compartilhamento de responsabilidades entre os
protagonistas, se quisermos que os beneficiários se convertam também em protagonistas e não
permaneçam na condição de beneficiários passivos de ações assistenciais.

No PGSL todas as ações ofertadas pelo poder público exigem algum tipo de contrapartida, que é
decidida pelo próprio coletivo local da Governança Solidária em sintonia com a sua agenda de
prioridades.

Investimentos permanentes em capacidades e em ambientes favoráveis

Programas de investimento em capital social, por definição, investem em ambientes sociais


favoráveis. Um ambiente social favorável ao desenvolvimento das pessoas e comunidades nada
mais é do que o ambiente da rede social. Esta rede social não apenas produz capital social; ela é o
capital social. O PGSL atua por meio de redes de governança solidária, as quais constituem os
sujeitos do programa. Só por isso, por articular e animar o funcionamento dessas redes, o PGSL já
é, por excelência, um programa de investimento em capital social.

Mobilização e Alavancagem de Novos Recursos

Programas inovadores de investimento em capital social têm a característica de multiplicar


recursos. Capital social, aliás, já é um desses recursos, além do capital humano e do chamado
capital natural – para não falar do capital propriamente dito, físico e financeiro, ou seja, a riqueza (a
propriedade produtiva) e a renda (o produto). Deve-se ter em conta que os equipamentos públicos

25
existentes – sejam municipais, estaduais ou federais – também constituem parte do capital físico
disponível.

O PGSL não se dirige à obtenção de recursos orçamentários públicos. O que o caracteriza é,


justamente, o fato de captar recursos novos. As prioridades da agenda de cada Governança
Solidária Local são realizadas sempre em parceria com atores que aportam recursos, em
quantidade muitas vezes maior do que os recursos governamentais. Faz parte da capacitação dos
agentes articuladores e animadores da Governança Solidária Local o treinamento em captação de
recursos para projetos de desenvolvimento.

Fiscalização Permanente

O clientelismo, juntamente com a centralização, o assistencialismo e o clima adversarial, é um dos


grandes exterminadores de capital social. Assim, um programa de investimento em capital social
deve dispor de mecanismos que evitem a prática clientelista que passa por cima dos critérios
universalmente adotados para a inserção dos participantes no Programa.

A Governança Solidária Local conta com a participação voluntária das pessoas e instituições e não
distribui benefícios. Isso já seria o bastante para desestimular o clientelismo. No entanto, pode
haver motivos de natureza política privada para a indicação de pessoas para a coordenação do
Programa em cada região.

Isso também é desestimulado pelo fato de não haver propriamente uma coordenação como
comando, com capacidade de ordenar despesas ou atender diferencialmente as demandas,
dispensando tratamento seletivo a eventuais apaniguados. A fiscalização é feita permanentemente
pelos próprios participantes das redes, os quais têm acesso a canais adequados para fazer suas
eventuais reclamações chegar a todos os interessados.

Monitoramento e Avaliação Constantes

Monitoramento e avaliação constituem elementos de uma nova cultura dos programas públicos. O
PGSL tem um sistema de monitoramento e avaliação, de desempenho e impacto, desenhado para
funcionar pari passu à sua implantação e execução.

A Metodologia de Implantação do PGSL

Passo 1 – A implantação propriamente dita do Programa começa com a sensibilização dos


Secretários Municipais, Secretários Adjuntos e Coordenadores de Secretarias e com a capacitação
dos agentes animadores iniciais dessas redes, os Articuladores em cada região, os Comitês
Gestores governamentais e os Gerentes de Programas da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Articuladores da Governança Solidária Local são capacitados como multiplicadores do Programa
para que possam dar seguimento à capacitação dos participantes das Redes de Governança
Solidária Local em todas as 17 regiões.

Passo 2 – Em seguida ocorre a constituição das Equipes de Articulação das Redes de


Governança Solidária Local em cada uma das 17 regiões. Dessa equipe participam o Comitê
26
Gestor e pessoas representativas das organizações da sociedade civil, das empresas e das
demais instituições do Estado presentes na região.

Passo 3 – A primeira tarefa de cada Equipe de Articulação é estimular a construção da Rede de


Governança Solidária Local na sua região. Dessa rede podem participar, voluntariamente,
lideranças representativas dos bairros abarcados pela região numa proporção de 1/1000. As
pessoas conectadas nas Redes de Governança Solidária Local deverão ser inscritas formalmente,
serão informadas regularmente do andamento da implantação do programa, terão a função de
validar – ou não – tudo o que for produzido pelas respectivas Equipes de Articulação e serão
chamadas a participar das reuniões gerais e, sobretudo, das ações coletivas que forem
programadas e encaminhadas. As pessoas conectadas nas Redes de Governança Solidária Local
serão capacitadas, progressiva e permanentemente, pelos multiplicadores das suas Equipes de
Articulação.

Passo 4 – A segunda tarefa da Equipe de Articulação é realizar, com a ajuda dos articuladores, o
Seminário Visão de Futuro. Esse seminário deverá ser feito em no mínimo 8 horas de trabalho em
uma oficina especialmente dedicada ao assunto. Nessa oficina, usando métodos participativos já
largamente testados em iniciativas de desenvolvimento local, os participantes serão estimulados a
sonhar um futuro desejado para a região tendo como horizonte estratégico o prazo de 10 anos.

É a partir desse seminário que será plantada a semente de uma comunidade de projeto em cada
região. Uma vez elaborada participativamente uma visão de futuro coletiva pela Equipe de
Articulação em cada região, esse sonho de futuro será compartilhado com a Rede de Governança
Solidária Local respectiva para ser validado.

Passo 5 – A terceira tarefa da Equipe de Articulação é realizar o Diagnóstico dos Ativos e das
Necessidades da sua região. A elaboração desse diagnóstico é uma tarefa prática, feita com
trabalho de campo e muitas oficinas, lançando mão de metodologias participativas já consagradas.
O Diagnóstico dos Ativos e das Necessidades será feito no prazo de 30 dias. Novamente aqui,
uma vez elaborado o diagnóstico pela Equipe de Articulação em cada região, ele será
compartilhado com a Rede de Governança Solidária Local respectiva para ser validado.

Passo 6 – A quarta tarefa da Equipe de Articulação é elaborar, com base no Diagnóstico


mencionado no passo anterior, o Plano Participativo e estabelecer as Metas a serem atingidas ao
longo do tempo. Cada região escolherá o(s) seu(s) eixos prioritários de desenvolvimento e
projetará as ações a serem desenvolvidas, dentro do horizonte temporal considerado, para atingir
suas metas. Novamente aqui todo o produto final desse trabalho será submetido à Rede de
Governança Solidária Local.

Passo 7 – A quinta tarefa da Equipe de Articulação é formular a sua Agenda de Prioridades para o
próximo ano. Essa agenda decorre do Plano Participativo, mas, incorpora também outras ações do
poder público ou da sociedade local que estejam em curso ou previstas. A elaboração do Plano
Participativo (com suas Metas) e a formulação da Agenda de Prioridades deverá ser realizada,
igualmente, em 30 dias. Como nos outros passos de implantação do Programa, todos esses
produtos deverão ser validados pela Rede de Governança Solidária Local em cada região.

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Passo 8 – A sexta tarefa da Equipe de Articulação é organizar a celebração do Pacto de
Governança Solidária Local. Dessa celebração participarão todos os membros da Rede de
Governança Solidária Local e todos os parceiros, governamentais, empresariais e da sociedade
civil e das demais instituições de apoio e fomento que estiverem comprometidos com a realização
da Agenda de Prioridades. O Pacto de Governança Solidária Local também representa a
formalização dos compromissos assumidos por todos os participantes na consecução das ações
contidas na Agenda de Prioridades.

Início de Funcionamento do Programa – A partir daí o Programa está implantado e pode


começar, em cada região, a realização propriamente dita da Agenda de Prioridades, o que envolve
a mobilização dos membros da Rede de Governança Solidária Local e seu engajamento nas
equipes de trabalho que forem formadas.

Avaliação e Monitoramento – Juntamente com a elaboração do Diagnóstico dos Ativos e das


Necessidades haverá a coleta de dados para a Avaliação e Monitoramento do Programa. Foi
elaborado um Sistema de Monitoramento e Avaliação tanto de desempenho quanto de impacto do
programa, com destaque para três indicadores especialmente construídos para avaliar a evolução
de uma das dimensões da democracia participativa que tem incidência direta sobre o processo da
Governança Solidária Local, com destaque para o seu impacto sobre o capital social de cada
localidade.

Tais indicadores – que tentam captar o número de parcerias, sobretudo intersetoriais, existentes
em cada localidade para a consecução de projetos de interesse público bem como o número de
participantes voluntários em cada uma das ações implementadas – não esgotam todas as
dimensões da democracia participativa porquanto focalizam-se naquele aspecto, considerado mais
relevante, para monitorar e avaliar os impactos da Governança Solidária Local na produção ou no
fluxo do capital social.

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29
Netweaving

Porto Alegre Cidade Rede7


A Rede da Governança Solidária Local de Porto Alegre a partir de 2008 ganhará seu espaço na
Internet. Utilizando como instrumento de articulação e animação (netweaving) o site interativo
www.cidaderede.org, todas as pessoas interessadas em compartilhar seus conhecimentos,
dúvidas e propostas sobre ações de desenvolvimento local a partir dos conceitos de governança
trocarão idéias diretamente pela rede.

Articulada e animada pela Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local da


Prefeitura de Porto Alegre, a rede agora disseminada pela Web, se soma a outras ações do
Programa de Governança Solidária Local, como o Blog da Governança
(www.governancalocal.com.br) – onde cada região da cidade acompanha o passo a passo
necessário para a implantação das Governanças Solidárias Locais e o Jornal da Região, onde são
divulgadas as boas notícias que vêm sendo construídas a partir das ações de parceria e
cooperação entre governo, iniciativa privada e comunidade.

O site tem uma interface simples, onde em poucas palavras estão descritos o que é e a história da
rede, bem como seus princípios e regras para participar. Para se conectar qualquer pessoa pode
preencher um formulário on line ou utilizar um formulário semelhante em papel, fornecendo alguns
dados e autorizando a inclusão de seu nome na rede.

Interatividade

A grande novidade do instrumento é a possibilidade de muita interatividade. Acessando o menu,


qualquer pessoa pode: dar sua sugestão ou comentar sugestões de outros; contar o seu caso ou
comentar os demais casos que foram relatados; ter acesso à metodologia necessária para
organizar a Governança Solidária Local no seu bairro, na sua vila, no seu conjunto educacional ou
na sua rua, ou para, apenas, realizar uma ação pontual de governança; pedir ou oferecer ajuda
para uma ação de governança; ter acesso a cursos de capacitação; e, ainda testar seus
conhecimentos sobre os temas ligados a desenvolvimento e governança.

Além disso, o site Cidade Rede disponibilizará um Clipping, onde serão colocadas as principais
notícias publicadas pela imprensa sobre a Rede da Governança Solidária Local; Vídeos, um
espaço onde serão armazenados vídeos enviados pelos participantes da Rede, falando de suas
comunidades, de ações de governança realizadas em suas regiões, apresentações de cases; e
Podcast, um local para armazenamento de áudio ou vídeos, para serem vistos ou ouvidos no
próprio site ou baixados para aparelhos móveis, como mp3 ou mp4 players, enviados pelos
participantes da Rede, falando de suas comunidades, de ações de governança realizadas em suas
regiões, apresentações de cases.

7 Material baseado nas informações já contidas no site www.cidaderede.org.br


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Em breve a Rede de Governança vai promover concursos de interesse público, oferecendo
prêmios aos ganhadores e tudo isso poderá ser acompanhado pelo www.cidaderede.org.br. O
site contempla ainda a seção Cases, para relacionar todas as semanas, os principais casos de
Governança Solidária Local. O projeto prevê a realização de uma consulta regular (inicialmente
mensal) sobre temas relevantes sobre toda a cidade, regiões, bairros e ruas.

O que é a Rede

A Rede da Governança Solidária Local é o principal agente do Programa de Governança Solidária


Local da Prefeitura de Porto Alegre, que começou a ser implantado na cidade a partir de 2005.

Esta é uma rede distribuída de pessoas, de adesão voluntária, que tem como objetivo impulsionar
novas formas de governança compartilhada baseadas na solidariedade social, na parceria entre
instituições do governo, da iniciativa privada e da sociedade civil e na participação democrática
direta das pessoas – uma-a-uma – com o objetivo de promover o desenvolvimento humano e
social sustentável da cidade e de suas localidades.

Princípios

A Rede da Governança Solidária Local é orientada pelos seguintes princípios:

Os valores fundamentais da Rede são a democracia e o desenvolvimento humano e social


sustentável.

A Rede defende a democracia representativa e o respeito ao Estado de direito como condição para
a continuidade, o aprofundamento e a expansão do processo de democratização da sociedade em
direção à novas formas de democracia participativa.

A Rede está voltada para a criação de novas formas de governança compartilhada entre Estado e
sociedade, baseadas na solidariedade social, na parceria entre instituições do governo, da
iniciativa privada e da sociedade civil e na participação direta das pessoas, uma-a-uma.

A Rede defende a livre pactuação de novas regras democráticas que coíbam a centralização, o
partidarismo, o assistencialismo e o clientelismo – os quais considera como práticas nocivas na
medida em que contribuem para enfraquecer a democracia e exterminar a confiança social
necessária para criar ambientes favoráveis ao desenvolvimento humano e social sustentável.

A Rede busca incorporar o potencial da sociedade para descobrir e desenvolver os seus próprios
ativos e para dinamizar as suas potencialidades em prol do desenvolvimento humano e social
sustentável.

A Rede promove o voluntariado e a adoção de práticas que impulsionem o empreendedorismo


individual e coletivo e o protagonismo das populações.

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A Rede defende o direito à cidade, por meio da geração de políticas públicas locais – sejam
governamentais e não-governamentais – baseadas nos direitos e responsabilidades de todos os
cidadãos.

A Rede preconiza a ampla conexão horizontal dos cidadãos, como pessoas, em redes sociais cada
vez mais distribuídas como caminho para a construção da cidade sustentável.

A Rede tem um caráter propositivo e executivo, visando apresentar e implementar soluções


capazes de gerar transformações efetivas que melhorem a qualidade de vida e de convivência
social em Porto Alegre.

A Rede estimula o surgimento de múltiplos agentes locais de Governança Solidária Local e se


conectará com as demais redes que tenham os mesmos valores e propósitos semelhantes.

Regras

Podem se conectar à Rede da Governança Solidária Local de Porto Alegre todos os habitantes da
cidade que observem os seus Princípios e as seguintes regras democráticas de funcionamento:

A Rede da Governança Solidária Local é apartidária e não poderá ser usada como meio ou alvo de
campanhas partidárias ou eleitorais.

A Rede defende e valoriza a liberdade de opinião, respeita a divergência de pontos de vista e


promove o debate democrático travado com urbanidade e gentileza.

É vedado usar a Rede para difundir idéias que firam os direitos humanos ou que promovam
exclusão, deslegitimação, intolerância, preconceito ou discriminação baseados em diferenças de
etnia, raça ou cor, gênero, orientação sexual, idade, nacionalidade, naturalidade, língua, costumes,
credo, convicção religiosa ou filosófica, cultura, situação econômica ou funcional, posição
hierárquica, grau de instrução ou condição física ou psíquica.

É vedado usar a Rede para fazer qualquer tipo de propaganda de produtos comerciais, de
instituições privadas (sejam empresariais ou sociais) e de pessoas.

A Equipe

A Equipe de Trabalho de animação da Rede é composta pelas seguintes pessoas:

Mari Perusso (Coordenadora do Programa)


Augusto de Franco (Voluntário)
Silvio Belbute (Coordenador Operacional da Rede)
Cristina Mallmann Garcia (Técnica)
Laerte Strattmann (Técnico)

32
33
A experiência inicial da implantação nas 17 regiões de
Porto Alegre
8 9 10 11
Mari Perusso / Toni Proença / Beatriz Ribeiro dos Santos / Carlos Dalenogare

A eleição do prefeito José Fogaça, no final de 2004, acendeu os preparativos para colocar a
Governança Solidária Local em pleno funcionamento em Porto Alegre. Tão logo começou o
processo de transição de governo, iniciaram-se os debates sobre o melhor modo de se estabelecer
essa nova cultura política e social na cidade, por meio da articulação de redes sociais de
participação democrática direta.
Ver a população se apropriar da Governança Solidária Local ainda levaria um tempo. Foi preciso
construir parcerias preliminares, planejamento, enraizamento das idéias e, finalmente, a
implementação. O primeiro passo foi a parceria estabelecida com a UNESCO, acertada após
muitas reuniões em Porto Alegre, Brasília e Paris, e assinada em outubro de 2005.
A partir desse momento começou a fase de implantação, inicialmente prevista para acontecer em
oito passos simultâneos nas 17 regiões geográficas da cidade. Esses oito passos previam: a
capacitação dos agentes (Passo 1); a constituição de uma equipe de articulação em cada região
(Passo 2); A articulação de redes sociais (Passo 3); a realização de um seminário de visão de
futuro (Passo 4); o diagnóstico dos ativos e das necessidades de cada região (Passo 5); a
realização de planos participativos e o estabelecimento de metas (Passo 6); a definição de
agendas de prioridades (Passo 7); e a celebração de um pacto unindo todos os atores envolvidos e
se comprometendo com a agenda da governança solidária local (Passo 8). Cumprida essa etapa
se daria início à realização da agenda de cada região, inicialmente uma agenda mínima que levaria
cada comunidade à realização do seu futuro sonhado.
A teoria, porém, exige adequações que só o dia-a-dia nos permite constatar com mais clareza.
Antes mesmo de aplicar a metodologia construída com tanta dedicação e esforço, vimos que um
passo preliminar precisaria ser incorporado aos oito passos inicialmente planejados. Nas diversas
conversas realizadas com as comunidades ao longo do ano de 2005 constatamos que as
dificuldades por parte do Governo Municipal na execução de serviços básicos faziam com que as
pessoas não conseguissem desenvolver um sonho de futuro, fundamental para se trabalhar a
Governança Solidária Local.
O esgoto entupido na frente da residência de um cidadão faz com que ele não consiga debater
uma política de saneamento para daqui a dez anos, e quando, em uma reunião, se entra no tema
saneamento, a tendência é esse cidadão primeiro querer a solução do problema que tem em frente
à sua casa. É o imediato interrompendo o futuro. Quando os problemas na execução de serviços
não são pontuais, e sim em toda a cidade, qualquer debate gira em torno de tais dificuldades.

8
Coordenadora do convênio de Cooperação Técnica Unesco / Prefeitura de Porto Alegre para implantação do Programa de
Governança Solidária Local e Coordenadora Geral da Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local.
9
Secretário Adjunto de Coordenação Política e Governança Local de Porto Alegre.
10
Gerente do Programa de Governança Solidária Local.
11
Jornalista
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A implantação da Governança Solidária Local exigia uma nova mentalidade, uma nova cultura
política, de co-responsabilidade, e as demandas de serviço não atendidas geravam dificuldades
para as comunidades olharem o futuro e não somente o presente. Qualquer tentativa de diálogo
para propor uma nova experiência de desenvolvimento local era distorcida. Essa constatação fez
com que a Prefeitura de Porto Alegre desse uma especial atenção aos serviços que prestava à
população e o Programa de Governança Solidária Local passou a ter como marco inicial a
constituição de um Comitê Gestor Local em cada região a partir de dezembro de 2005.
Responsáveis pela resolução de quaisquer dificuldades na prestação de serviços básicos, os 17
Comitês Gestores Locais passaram a ser os olhos e as mãos do Governo diretamente na ponta,
em cada região, onde surgiam os problemas e onde seria possível estreitar as relações com cada
comunidade.
A criação dos Comitês Gestores Locais foi impulsionada pelo novo modelo de gestão das políticas
públicas adotado pela Prefeitura de Porto Alegre, que fez da Governança Solidária Local o meio
para se construir um ambiente sustentável, participativo e plural, objetivando tornar a cidade
referência em qualidade de vida através do desenvolvimento local de suas comunidades. Esse
modelo de gestão, por ter como premissas a participação cidadã, a estruturação das ações do
governo por eixos de atuação e através de programas integrados, e a contínua avaliação de seus
resultados, necessitava levar o Governo Municipal até cada região, trabalhando de forma
transversal e territorial junto às comunidades.
Os Comitês Gestores Locais passam a ser a representação do Governo Municipal
em cada território, com um representante de cada secretaria, coordenados pelos coordenadores
dos Centros Administrativos Regionais e acompanhados por um facilitador indicado pelo Gabinete
da Secretaria de Coordenação Política e Governança Local. Esta nova instância passa a ter
servidores conectados em rede, conhecedores das ações do seu órgão na região, e com poderes
para solucionar as questões que necessitem a interferência de cada uma das secretarias no
território. Dessa forma passa a ser possível trabalhar uma maior transversalidade de todos os
órgãos da Prefeitura e agilizar a funcionalidade do novo modelo de gestão da administração
municipal. Os Comitês Gestores Locais nascem, então, com quatro atribuições básicas:
acompanhar a execução dos Programas Integrados de Governo na localidade; acompanhar a
execução do Plano de Investimentos e o Ciclo do Orçamento Participativo; atender às demandas
de serviços oriundas da população; e estimular as ações de governança na região.
Como vemos, além da prestação de um serviço de qualidade à população, e trabalhar os
Programas Integrados de Governo no território, os Comitês Gestores Locais assumem a
responsabilidade de acompanhar as obras e investimentos do Orçamento Participativo na região, e
assegurar a realização de ações de governança, sejam estas iniciativas da comunidade ou do
próprio governo. Assim, os Comitês Gestores Locais passam a dar maior organicidade em cada
região e trabalhar a capilaridade de todos os programas na localidade, garantindo a
transversalidade e impulsionando as comunidades a pensar o futuro e não mais apenas os
problemas imediatos, questão-chave para a implantação da Governança Solidária Local.
Constituídos os 17 Comitês Gestores Locais, começou, finalmente, a implantação do Programa de
Governança Solidária Local como previamente planejado. Essa implantação, como não poderia
deixar de ser, iniciou um grande processo de capacitação que envolveu todos os agentes
diretamente ligados à Prefeitura de Porto Alegre.
A Governança Solidária Local, como relatado anteriormente, visa uma mudança absoluta de
cultura, e por este motivo é preciso treinar permanentemente as pessoas para que consigam olhar
as relações sociais de uma maneira diferente. Nesse sentido, foram capacitados mais de 600
35
agentes de governo, todos os membros dos Comitês Gestores Locais, chefes de gabinete,
secretários adjuntos, gerentes de programas, líderes de ações, setores de comunicação social,
assessorias de planejamento, assessorias jurídicas e outros servidores que atendem ações de
relação direta com a comunidade. Essa capacitação foi realizada em parceria entre as Secretarias
de Coordenação Política e Governança Local, Gestão e Acompanhamento Estratégico, e a Escola
de Gestão da Secretaria Municipal da Administração.
Foram escolhidos agentes de governança para cada região e estes foram capacitados em toda a
metodologia do Programa de Governança Solidária Local. Nestas capacitações foi possível
explicar, debater e sanar todas as dúvidas que surgiram em termos do novo modelo de gestão e
trabalhar com base na visão estratégica de governo: trabalhar a pluralidade através da
Governança Solidária Local.
As capacitações aconteceram de forma intensa durante todo o ano de 2006 – comunidades,
cidadãos com vontade de participar da Governança Solidária Local, participantes de conselhos
municipais setoriais, participantes do OP – e esse processo ainda hoje gera frutos, repercutindo
dentro e fora do governo municipal. Se na época não aconteceu uma participação sistêmica, em
rede, dos agentes capacitados em todas as etapas do Programa, hoje, quando estamos
celebrando os Pactos de Governança e a participação desses atores se faz necessária, ou ainda
quando ocorrem novas ações de governança, estes se somam, pois encontram a forma prática de
participar do projeto.
Com o treinamento muita gente se agregou a este novo modo de pensar e olhar as relações entre
governo e sociedade. Mesmo sem ter uma atuação cotidiana dentro do Programa, estas pessoas
modificam sua forma de agir e passam a trabalhar com o conceito. Isso é muito bom, pois a
Governança Solidária Local tem dois vértices: é um Programa e é um conceito. Falamos, portanto,
de um programa estruturado dentro do novo modelo de gestão, com indicadores e metas, mas
também estamos tratando, principalmente, de um conceito que norteia a visão da própria
administração municipal. É a forma do governo se relacionar com a sociedade e um caminho para
que as comunidades deixem de ser apenas reivindicativas e passem a ser comunidades co-
responsáveis e realizadoras de projetos.
O movimento que fizemos para a adoção de um novo paradigma foi justamente a principal
dificuldade enfrentada nos primeiros tempos. Não bastasse uma mudança cultural ser difícil e
lenta, em Porto Alegre essa transformação ganha profundidade, pois a Capital gaúcha tem um
associativismo bastante atuante, ainda que essa atuação se dê por meio de uma cultura de disputa
e reivindicação.
Há disputa entre entidades por verbas governamentais, por projetos, por patrocínios, por ações,
por território de atuação, e outras mais. Essa cultura, ainda enraizada, atua como uma barreira à
nova cultura trazida pela Governança Solidária Local, de busca de consensos, diálogos, confiança,
co-responsabilidade e solidariedade.
A cultura adversarial, somada a uma relação bastante deteriorada entre Poder Público e
sociedade, fizeram surgir as primeiras críticas à idéia da Governança Solidária Local. Entre as
críticas que mais recebemos, destacam-se: ser um programa neoliberal, que pretendia transferir à
sociedade a responsabilidade por serviços que deveriam ser providos pelo governo; ser um
programa que vinha com a intenção de acabar com o Orçamento Participativo e tudo que o OP
conquistara em termos de participação popular nos últimos anos; e a de querer desprezar as
lideranças comunitárias estabelecidas, não as consultando e se dirigindo diretamente aos
cidadãos.
Tais críticas foram respondidas assumindo-se uma postura de respeito e esclarecendo que não se
tratava de uma articulação neoliberal, e sim de ser chegado momento de cada cidadão assumir
36
seu papel de protagonista e co-responsável pelo desenvolvimento da sua comunidade, ao passo
que o Governo continuaria com a responsabilidade de provir os serviços básicos necessários à
população; demonstrando que Orçamento Participativo e Governança Solidária Local não eram
contraditórios entre si, e sim complementares, pois o primeiro continuaria decidindo a destinação
do orçamento fiscal da Prefeitura de Porto Alegre, enquanto o outro passaria a buscar uma linha
de desenvolvimento para cada região, aglutinando novos recursos da sociedade e direcionando a
decisão sobre o orçamento fiscal, realizada no OP, à participação do Poder Público nos projetos de
desenvolvimento de cada região. Evidenciando, enfim, que não se tratava de passar por cima das
lideranças comunitárias estabelecidas, mas sim fazer surgir, a seu lado e como seus apoiadores,
novas lideranças, novos protagonistas do seu próprio desenvolvimento, através de uma
participação direta, e não apenas representativa.
Tudo isso ainda era bastante novo. Falava-se bastante, mas para as pessoas era difícil visualizar a
Governança Solidária Local trabalhando em harmonia com comunidade, empresariado e governo –
todos envolvidos em planejar e executar projetos visando o desenvolvimento de uma região e o
bem comum. As capacitações deram o start à pulverização da idéia, porém, como veremos a
seguir, é na consolidação dos Pactos de Governança que a confiança mútua é restabelecida e os
cidadãos passam a vislumbrar a real possibilidade de novas conquistas acontecerem em suas
comunidades. Cada Pacto de Governança vem gerando energia e um grau de solidariedade que
libera uma série de articulações que antes, pela cultura adversarial e desconfiança, estavam
represadas.

As Equipes de Articulação
O passo seguinte foi a constituição de uma equipe de articulação em cada região, reunindo os
membros do Comitê Gestor Local, voluntários das organizações da sociedade civil, das empresas,
e das demais instituições do Estado presentes na região. Essas equipes assumem a
responsabilidade serem os articuladores da Governança na região e estimular a criação da Rede
de Governança Solidária Local, além de realizar os demais passos previstos para a implantação do
Programa com o acompanhamento do Agente de Governança.
As equipes foram constituídas com base em visitas a todas as lideranças previamente mapeadas
pelo agente. Com base nestas visitas, foi possível identificar um quadro social bastante
interessante, até então não levado em conta, e estabelecer novas relações com lideranças das
comunidades. Estes protagonistas se somaram aos que já militavam na busca de enfrentamento
dos problemas sociais de cada comunidade. Foram realizadas grandes reuniões e intensas
capacitações sobre as idéias da Governança Solidária Local. Nesta etapa do trabalho buscou-se
visualizar e trazer para o planejamento de cada região absolutamente todas as lideranças locais,
fossem quais fossem suas convicções políticas e religiosas ou seu status na sociedade.
Contudo, apesar da mudança de cultura proposta pela Governança, um vício político e social foi
cometido na constituição das equipes de articulação: a tímida participação de empresários locais.
Entendemos que não houve exatamente um erro na constituição das equipes de articulação, mas
sim a queda em uma armadilha de um arraigado vício político e social. A não participação inicial do
empresariado ocorreu tanto pela cultura estabelecida em parte do meio empresarial, de não
participar da vida comunitária; de considerar que o fato de pagarem impostos é suficiente, pois
delegam a outros o planejamento da vida em sociedade; ou, ainda ao preconceito de considerar
que participar de discussões de desenvolvimento local seria uma perda de tempo.
De outro lado, também os articuladores da governança demonstraram insegurança em buscar mais
empresários para a causa. Os agentes que articularam muitas das equipes não se sentiram
seguros em estreitar esta relação por falta de uma cultura mais densa e pelo não entendimento de
37
que os empresários têm a sua responsabilidade social de transformar o ambiente onde suas
empresas estão instaladas e seus funcionários habitam. Alguns articuladores não conseguiram
compreender o empresário como uma pessoa que pode sentar-se à mesa junto com as demais
lideranças comunitárias para realizar o planejamento de ações de desenvolvimento ao invés de ser
apenas o financiador de um projeto pronto e acabado.
Em geral, os empresários são procurados quando o projeto está pronto, para que ele aporte
recursos e financie o que está planejado, mas o empresário estar envolvido no planejamento das
ações é uma barreira que precisa ser superada. Universidades, lideranças comunitárias, áreas de
governo, etc. todos participam, mas as lideranças empresariais ainda não são trazidas para
trabalhar a agenda de desenvolvimento e o planejamento das ações, e aportar a sua visão sobre o
projeto. Essa é uma questão que precisamos saber como desenvolver melhor. Como estimular o
empresariado a fazer parte de uma agenda de desenvolvimento que vai melhorar o ambiente onde
a empresa está instalada, onde os funcionários dele vivem. É decisivo, ainda, mudar a cultura da
comunidade, para que essa passe a enxergar o empresário como um parceiro e não como a
pessoa que vai “bancar” um projeto, um simples aportador de recursos financeiros.
A participação do próprio governo municipal nas equipes de articulação, a partir dos Comitês
Gestores Locais, também não se deu conforme o planejado inicialmente. Contudo, não avaliamos
essa participação aquém das expectativas como uma coisa ruim, pois uma participação diária do
governo nas equipes de articulação acabaria por abafar muitas iniciativas que surgiram de parte da
comunidade, e a responsabilidade ficaria sempre com o governo. Em algumas regiões, onde os
agentes de governança foram mais presentes, eles continuaram sendo os pais detentores do
controle do processo, a mão pesada do Estado. Pela cultura antiga, de muito pouca co-
responsabilidade cidadã, a participação massiva do governo nas equipes de articulação só
incentivaria pensar que a comunidade tem que reivindicar para o Estado prover. Então
consideramos que a participação dos Comitês Gestores Locais têm que ser intragoverno, numa
esfera interna de proposição. A Governança Solidária Local é responsabilidade de todos, mas a
comunidade tem um papel de protagonista das ações a serem desenvolvidas.
Já a participação de outros setores da sociedade e outras esferas de governo (Estadual e Federal)
nas equipes de articulação vem sendo bastante intensa. Em todas as regiões existem cerca de 200
lideranças trabalhando como agentes da sociedade. Lideranças comunitárias, que já fizeram
parcerias com a iniciativa privada, que já possuíam convênios e parcerias com esferas de governo,
ou que participam de clubes de serviços, são as mais propensas a serem parceiros da
Governança. Lideranças da Brigada Militar (Governo do Estado) têm também muito essa visão de
desenvolvimento comunitário, e juntamente com alguns setores da Igreja Católica e a Igreja
Luterana são parceiros importantes da Governança Solidária Local. Do mesmo modo, a
participação das mulheres é preponderante. A maioria das pessoas envolvidas nas articulações,
nas agendas de governança, são mulheres. As mulheres são muito mais abertas a novas idéias e
o grau de compromisso delas com a pluralidade, com a diversidade, é muito maior. Contudo, há
um paradoxo nessa participação feminina: não são as mulheres organizadas em clubes de mães
ou associações de mulheres que têm maior participações na construção de agendas de
desenvolvimento locais. Quem participa do Programa de Governança Solidária Local são, em
regra, cidadãs sem vinculo de organização, pequenas empresárias e lideranças comunitárias.

As Redes de Governança
Até a formação das equipes de articulação o plano do Programa de Governança Solidária Local
previa a implantação de cada passo em todas as regiões simultaneamente. É justamente nesta
etapa que a gerência do Programa percebeu que as diferenças sociais e associativas de cada uma
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das 17 regiões da cidade fazem com que a implantação da governança em alguns territórios ande
a passos largos, enquanto em outras localidades as dificuldades se avolumam e fazem com que o
Programa patine.
Essa percepção fez com que os líderes do PGSL passassem a considerar cada região como uma
potencialidade singular, e começam a desmembrar as regiões para execução dos próximos passos
de implantação do Programa. Até então, algumas regiões estavam prontas para as novas etapas,
enquanto outras enfrentavam grandes dificuldades em formar suas equipes de articulação. Se a
região mais evoluída tivesse que esperar as mais lentas para só então partir para o passo
seguinte, isso fatalmente refletiria em desânimo e desconfiança pelos membros das equipes de
articulação das regiões mais avançadas. Também, essa espera significava atrelar as regiões de
forma que a Governança Solidária não fosse reconhecida como local, e sim como algo que vem de
cima, imposto.
A Governança é Solidária e é Local. Somente no território é que ela é aplicável, e é por isso que os
demais passos de implantação do Programa começaram a ser aplicados separadamente em cada
região, respeitando as potencialidade e limitações de cada território. Onde fosse possível a
implantação ocorrer de forma mais acelerada, a comunidade se encarregaria de acelerar; onde a
comunidade não estivesse ganha para a implantação do PGSL, isso ocorreria de maneira mais
gradual.
O passo seguinte, que previa a formação das redes de governança, já passou a ser trabalhado
região a região. Em regiões com agente de governança e equipes de articulação mais atuantes e
heterogêneas, a rede de governança foi formada levando em consideração toda a potencialidade
dos setores locais. De outro modo, nas regiões onde o agente não tinha claro os conceitos de
pluralidade e a nova cultura política e social oriundos da Governança, formou-se uma equipe de
articulação mais limitada, menos plural, e, conseqüentemente, a rede de governança também foi
restringida. Ocorre que a rede não é estanque, com prazo de adesão, e sim um processo onde as
pessoas aderem ou saem, de acordo com o funcionamento orgânico da própria rede. Entendemos
que esse processo tende a facilitar a conexão de mais e mais pessoas à medida que as ações de
governança vão acontecendo.
A partir do incentivo e impulsionado por importantes ferramentas de comunicação com a
sociedade, em muitas regiões as redes sociais foram formadas principalmente por pessoas
advindas das capacitações sobre governança realizadas pela Prefeitura e através de iniciativas do
governo, como o curso de capacitação em gestão de projetos para entidades sociais –
CapacitaPoa, o Jornal de Boas Notícias, o Blog da Governança, e eventos como o Trocas.
O CapacitaPoa foi um curso voltado ao incentivo da organização e à independência das entidades
sociais, para garantir a continuidade do seu trabalho ao longo do tempo, e visava contribuir para o
fortalecimento das entidades do terceiro setor por meio da disseminação de conhecimentos que
estimulem a autonomia social. Resultado de uma parceria entre a Secretaria Municipal de
Coordenação Política e Governança Local (SMGL), a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e a Agência
de Educação para o Desenvolvimento (AED), o CapacitaPoa foi um sucesso. Previsto para
acontecer entre os meses de agosto e dezembro de 2006, e estendido até maio de 2007 por
solicitação de instituições e comunidades, o curso capacitou organizações sociais a elaborar e
gerir seus próprios projetos, habilitando-as a captar recursos. Mais de 450 pessoas ligadas a 186
organizações não-governamentais e instituições sociais de todas as regiões participaram do curso.
O Jornal de Boas Notícias era parte integrante do material de apoio e capacitação do Programa de
Governança Solidária Local. Seu propósito era o de divulgar ações de cooperação e governança
nas 17 regiões da cidade e, com isso, fortalecer a articulação entre governo, sociedade civil e
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iniciativa privada. Com periodicidade mensal, o jornal foi concebido de forma a noticiar o que
acontecia em cada território da cidade sob a ótica da sociedade, concedendo destaque ao
protagonismo dos cidadãos na busca da inclusão social e do desenvolvimento local. Assim,
procuramos ressaltar, em cada edição, notícias sobre práticas de governança, atendimento das
demandas e acompanhamento do ciclo do Orçamento Participativo, realizações dos programas de
governo e agenda local, sempre priorizando a pluralidade democrática, o diálogo e o propósito de
construção de um projeto de consenso das comunidades.
O Trocas foi um evento de dois dias de duração que promoveu o intercâmbio entre experiências
nacionais de 18 organizações não-governamentais e instituições locais do terceiro setor, lideranças
comunitárias e representantes do governo municipal de Porto Alegre. Na abertura do encontro as
entidades foram convidadas a apresentar os seus projetos e no dia seguinte os participantes foram
divididos em grupos de trabalho que levaram em conta as afinidades de cada região e os trabalhos
desenvolvidos a fim de identificar possibilidades de firmar parcerias solidárias e acordos de
cooperação. Entidades com projetos sociais de grande impacto para o desenvolvimento de suas
comunidades participaram do evento: Cededica (Santo Ângelo/RS); Edisca (Fortaleza/CE); Instituto
Terras (Aimorés/MG); Instituto Reação (Rio de Janeiro/RJ); Grupo Cultural Afro Reggae (Rio de
Janeiro/RJ); Pangea (Salvador/BA); Associação Pracatum Ação Social (Salvador/BA); Galpão de
Arte (Feira de Santana/BA); Rumo Náutico (Niterói/RJ); CDI (Brasília/DF); Projeto Axé
(Salvador/BA); Crescer e Viver (São Gonçalo/RJ); Casa do Zezinho (São Paulo/SP); e Central
Única das Favelas (Rio de Janeiro/RJ). Foi uma grande troca de experiências onde as instituições
sociais viram a importância do Poder Público, através da Governança Solidária Local, incentivar a
prática de parcerias que visem o desenvolvimento local, e onde Porto Alegre (Governo e
população) pôde aprender muito sobre as possibilidades e os impactos de parcerias entre essas
instituições e a iniciativa privada na vida das comunidades onde estão sediadas.
Outra ferramenta desenvolvida para aproximar as pessoas da Governança Solidária Local e inovar
nas relações entre cidadãos e poder público foi o Blog da Governança. O Blog é uma ferramenta
de comunicação que visa não apenas aproximar mais a sociedade como também ver crescer o
protagonismo de cada cidadão porto-alegrense a partir da troca infinita de idéias e a conexão
múltipla de pessoas na rede de governança das regiões. Com o Blog da Governança nossa
intenção foi de intervir mais fundo no avanço democrático. Não se trata de divulgar boas notícias, e
sim de criar um veículo onde o fato das pessoas participarem e comentarem suas vidas e sua
relação com a cidade – e com a região – vire isso sim uma grande boa notícia. A partir do Blog
esperamos que cada cidadão de Porto Alegre pare por um só instante e se pergunte: Estou
fazendo a minha parte? Como posso contribuir? Que talentos disponho para oferecer e assim
ajudar a cuidar, um pouquinho que seja, da minha região e cidade? O que está acontecendo na
minha rua, no meu bairro e que pode ser uma boa notícia? Porém, o Blog da Governança ainda
não atingiu o objetivo das pessoas entrarem nele e se conectarem, pois não é suficiente a cultura
social de realizar agendas locais a partir de uma ferramenta como um blog. Apesar das pessoas
estarem cada vez mais conectadas à Internet, essa ferramenta ainda não alcança a totalidade das
pessoas e, principalmente, não alcança ainda as lideranças comunitárias dos bairros periféricos,
que são quem desenvolve as ações de governança na maioria das regiões. Também, mesmo nas
regiões mais centrais, o trabalho com o blog ficou muito aquém das expectativas.
Para fazer uso mais eficiente do Blog da Governança e das novas tecnologias como ferramentas
de agregação de parceiros que busquem o desenvolvimento das suas comunidades, a partir de
2008 a rede da Governança Solidária Local ganha um novo espaço na Internet. Através do site
www.cidaderede.org, as pessoas trocarão idéias, elucidarão dúvidas e proporão ações sobre
desenvolvimento local diretamente na internet. No entanto, a maior novidade trazida pela Cidade-
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Rede são as múltiplas possibilidades de interação que incluem até mesmo podcasts que podem
ser acessados no próprio site ou mesmo baixados em aparelhos mp3 ou mp4.
Por intermédio dessas ferramentas foram agregados os melhores articuladores de governança nas
suas regiões. Nem todos participavam da rede de articulação da governança, mas conseguimos
engajá-los por terem um trabalho ou de parceria, ou de cooperação, ou de inclusão social. Essas
pessoas vieram da seleção do trabalho feito pelo Jornal das Boas Notícias na Região e através do
CapacitaPoa. Eles se aproximaram para fazer o curso CapacitaPoa e voltaram para a região
participando da equipe de articulação. Foi iniciativa deles procurar as equipes de articulação.
Esses são os melhores exemplos, pois conseguiram perceber melhor o que buscar para a
sustentabilidade da sua instituição, entidade e da sua comunidade. Graças à oportunidade de
capacitação mudaram a visão e passaram a enxergar as possibilidades de desenvolvimento
sustentável de suas regiões.
Pela metodologia, a rede constitui-se nas pessoas que se engajam nas ações, que validam o
diagnóstico e todos os passos da governança, mas elas não estão necessariamente no dia-a-dia
das articulações, como a equipe de articulação, mas precisam estar ligadas a todos os passos de
implantação do PGSL e às definições da sua região. Se perguntarmos, porém, se foram de fato
conectados à rede das regiões as principais lideranças governamentais, empresariais e da
sociedade, a resposta ainda é negativa. Rede social é um processo, e as pessoas se agregam aos
poucos. Em alguns lugares as principais lideranças, principalmente comunitárias, sim, estão
conectadas à rede. Dentro do governo, tem secretarias que estão mais à frente. Dá para se dizer
que em cada região há uma secretaria que puxa o processo, dependendo da especificidade da
localidade ou de quem atua na ponta ter essa sensibilidade.
Outro aspecto desenhado pela metodologia de implantação do Programa era a inscrição formal
das pessoas nas redes. Essa formalidade se fazia necessária como forma de ampliar a confiança
entre esferas de governo, comunidade e empresários. A maioria aderiu formalmente à rede.
Porém, a falta de confiança, a deterioração das relações entre Poder Público e as comunidades, e
entre as próprias comunidades e suas lideranças, vinham impedindo que outras pessoas se
sentissem seguras para formalizar uma adesão. Essa confiança começou a ser restabelecida com
o Pacto de Governança.
A metodologia também previu a capacitação e animação permanente das redes de cada região.
Isso ocorreu com treinamentos desde o consultor do Programa, passando pelos agentes de
governança, coordenação do PGSL e gerência. Desencadeamos um grande processo de
capacitação que alcançou as regiões, onde foram explicados detalhadamente os passos de
implantação da Governança Solidária Local. Desde então vem sendo difundida uma vídeo-aula
gravada em mídia DVD e VHS, além de ter sido distribuído um CD-Rom para que os pais e
professores trabalhassem os conceitos da governança com as crianças. Com o processo de
capacitação transformamos cada membro das equipes de articulação em multiplicadores dos
conceitos e dos passos de implantação da governança.
Dessa forma, e apesar de alguns conceitos parecerem um tanto quanto adormecidos na cabeça
dos cidadãos, quando uma ação acontece a solidariedade e a co-responsabilidade em prol do
desenvolvimento do seu território floresce. Aqueles conceitos e teorias que foram repassados
insistentemente durante as capacitações, começaram a ficar visíveis aos olhos do cidadão
principalmente quando são colocados na prática, em ações concretas. Da mesma forma, o fato de
não ter havido uma propaganda conceitual mais efetiva por parte da Prefeitura de Porto Alegre
sobre a mudança cultural a que se propõe a Governança Solidária Local, fez com que a divulgação
de tais idéias se desse pessoa a pessoa. Isso exigiu um tempo maior de maturação, assimilação e

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adesão. A população passa a assimilar os conceitos à medida que as realizações concretas dessa
nova cultura política e social vão se tornando visíveis aos olhos das comunidades.
Por tudo isso, em termos de Governança Solidária Local costuma-se dizer que capacitação,
entendimento e adesão à rede é um processo dinâmico, que não pára nunca, que tem a
capacidade de agregar cada vez mais pessoas à medida que estas vêem concretizar os sonhos
das comunidades. É um processo onde as pessoas acreditam no espírito da governança; por
acreditarem aderem à rede; por estarem ligados à rede participam de capacitações; e, por
participarem de capacitações passam a entender ainda mais o espírito que rege a Governança.
Como se vê, o primeiro passo é acreditar que a solidariedade, a cooperação e um ambiente não
adversarial pode construir projetos, e acreditar que todo cidadão é co-responsável pelo
desenvolvimento próprio e da sua comunidade.
Às redes de governança compete, entre outras coisas, validar ou não todas as etapas de
implantação do Programa de Governança Solidária Local na sua região. Para isso, absolutamente
todas as pessoas inscritas em cada região foram chamadas para opinar sobre a implantação da
Governança em sua localidade. Contudo, o tempo de maturação de cada uma é próprio, e, com
isso, as etapas de validação não aconteceram dentro do tempo e cronograma previstos
inicialmente.
Um exemplo bem visível da diferença entre as regiões para a rede ser consultada se dá no passo
referente à construção da visão de futuro. No primeiro processo da visão de futuro, apenas duas
regiões conseguiram trabalhar em duas reuniões, como previsto. Essas regiões possuíam equipes
de articulação mais amplas, por isso conseguiram trabalhar uma visão de planejamento e, assim,
levar à consulta da rede.

Visão de Futuro
Como vemos, as especificidades de cada região levaram a uma maior ou menor aceleração nos
passos de implantação da Governança Solidária Local. Especificidades históricas e sociais
assumem relevância ímpar na hora de se propor olhar para o futuro de uma região. Na Região das
Ilhas, por exemplo, um longo processo de debates para a sua transformação em Área de
Preservação Ambiental e de discussões sobre a criação da lei e os reflexos disso junto às
pessoas, fizeram com que aqueles cidadãos integrados ao processo, já num primeiro momento do
trabalho, levassem a comunidade a sonhar o seu futuro. Conseguiram trazer à tona um sonho
coletivo que já estava pronto: aproveitar o potencial natural, turístico e culinário daquela região
para atrair turistas e desenvolver a localidade.
Outro exemplo é a região Cruzeiro, que é uma localidade com muitas vilas, onde
ficam claras as dificuldades vividas por seus moradores e, no entanto, conseguiu compor uma bela
visão de futuro, com projetos que formam uma agenda sustentável a partir da geração de trabalho
e renda. Embora o pacto não tenha sido formalizado ainda, a região já demandou no Orçamento
Participativo o que o poder público deveria investir nas ações propostas na agenda de
desenvolvimento local. Isso nos faz crer que, do ponto de vista estratégico, é uma região que
avançou muito, pois conseguiu compor o espectro social da comunidade e também buscar a
parceria da Prefeitura, via demanda orçamentária no OP, para investir recursos e ajudar a realizar
os projetos.
Em outras regiões da cidade o exercício de sonhar um futuro foi difícil. A relação das comunidades
com os órgãos públicos em Porto Alegre é tradicionalmente fruto de uma convivência baseada na
velha cultura, de comunidades de reivindicação. Isto fez com que, uma vez constatado um
problema, a comunidade se organizava para pleitear junto aos órgãos públicos a solução. Essa
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cultura fez com que o diagnóstico de problemas a serem arrolados para que o poder público
solucione apresente sempre questões imediatas, problemas do dia-a-dia. O resultado dessa
prática, embora cidadã, é a inexistência de uma cultura de co-responsabilidade e de planejamento
do desenvolvimento sustentável das comunidades.
Foi preciso melhorar muito a prestação de serviços por parte do Governo Municipal e talvez hoje,
com os pactos sendo firmados, com as agendas de prioridades começando a acontecer, com
grandes projetos sendo desenhados, as pequenas falhas na prestação dos serviços pela Prefeitura
não atrapalhem mais o protagonismo da comunidade na construção de uma agenda positiva, de
um projeto. Naquele momento, porém, foi difícil pensar no futuro, pois a necessidade de soluções
instantâneas era imperativa.
Mesmo nas regiões onde o exercício de sonhar o futuro fluiu melhor, o processo de construção da
agenda para se chegar a um novo estágio de desenvolvimento era confuso, com muito mais
atribuições da Prefeitura, do Estado, do que da própria comunidade. Novamente aí aparecem
muito mais reivindicações do que uma agenda positiva de desenvolvimento. Porém, à medida que
foi realizado o diagnóstico das necessidades e das potencialidades da região, que foi o passo
seguinte à visão de futuro, as comunidades conseguiram enxergar as potencialidades que eles
tinham para trabalhar seu sonho e estavam adormecidas. A cultura estabelecida era apontar os
problemas, mas nunca as possibilidades de solução.
É sempre importante lembrar que a Governança é Solidária e é local. O Programa de Governança
Solidária Local não traria nada de novo se fosse visto apenas como o resultado da boa ação entre
o governo e a comunidade, somente uma parceria para se realizar algumas intervenções.
Governança Solidária Local é mais do que parceria. É solidária e, principalmente, local, territorial.
Não é simples busca de parceria para projetos sem um compromisso territorial. É imperativo
pensar qual o impacto territorial que esta parceria pode oferecer. As parcerias precisam estar
conectadas ao sonho desejado pela comunidade, e devem ser, mesmo que pontuais, pontes entre
a situação atual e o futuro desejado. Devem ser parte da agenda para se alcançar o futuro
sonhado. Necessitam fazer parte do projeto de desenvolvimento daquela localidade. Por isso é
local. Infelizmente, o conceito de territorialidade não está ainda totalmente incorporado. É preciso
trabalhar mais este conceito, inclusive dentro do próprio Governo.
O fato de não ter havido publicidade conceitual sobre a Governança Solidária Local, somado ao
fato de vivermos em numa cidade majoritariamente reivindicante de direitos, de haver aqui um
associativismo adversarial, e termos um grau de desconfiança muito grande da sociedade para
com o poder público em todas as esferas, são aspectos que refletiram negativamente na
implantação da Governança Solidária Local, de tal modo que, na medida que acontecem as ações
previstas e a população local ver os frutos das parcerias, da cooperação em função do bem
comum e houver a formalização dos pactos, se estabelece a credibilidade e se potencializa a
cultura da co-responsabilidade.
Por isso, muitos sonhos e visões de futuro só serão consolidados mais tarde com os pactos e início
dos trabalhos agendados. Enquanto as pessoas não enxergarem que há potencialidades
imensuráveis na construção de parceria com todos os atores sociais locais; enquanto as
comunidades não perceberem as vantagens de serem co-responsáveis pelas questões que lhe
atingem diretamente, a visão de desenvolvimento do local estará incompleta. No entanto, ao verem
as idéias saírem do papel, as cabeças vão começar a sonhar.
Em boa parte dos seminários de visão de futuro sempre apareceu um sonhador mais
entusiasmado aqui, uma visionária mais ali, cidadãos que liberavam seus pensamentos para
sonhar alto e, embora fundamentais no processo, acabavam sendo criticados – às vezes
censurados – pelos demais, que achavam que sonhar tão alto era loucura, “afinal a comunidade
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possuía tão pouco para perseguir e realizar esse sonho, tudo era tão difícil, a Prefeitura não pode
financiar, etc”. A cultura do imediato e de enxergar os problemas em vez das soluções chegara a
tal ponto que não lhes era possível sonhar.
Fazer as pessoas sonhar e sentirem que têm a liberdade de sonhar, pensar e falar o que pensam,
é uma tarefa empenhada. O fato de o Governo Municipal ter mantido o Orçamento Participativo e
assumido o compromisso de resgatar as demandas do OP é um exemplo do compromisso da
Prefeitura com a sustentabilidade e o diálogo. Por outro lado, atender todas as pessoas, não
discriminar ninguém por religião, gênero, e principalmente por convicção política, estabelecer um
clima de confiança na cidade, não patrulhar, não tutelar as pessoas, fez com que as comunidades
passassem a ver Porto Alegre como uma cidade desamarrada, que dá liberdade para o
pensamento e para a expressão da palavra. Essa já é uma herança que, independente do rumo
que a cidade adotar, a Governança Solidária Local deixa para Porto Alegre.

Diagnóstico dos Ativos e das Necessidades


Realizados os seminários visão de futuro em algumas regiões – em outras o seminário ainda não
foi realizado em virtude das condições específicas de cada localidade – partiu-se para a realização
de um amplo levantamento dos problemas e das potencialidades que essas regiões possuem para
se alcançar esse sonho desejado.
Inicialmente pensou-se em realizar o diagnóstico a partir de uma ferramenta implantada pelo
Governo que busca agrupar e democratizar as informações de cada bairro e região através do
geo-referenciamento destas e disponibilização na Internet, que é o Observatório da Cidade de
Porto Alegre – ObservaPoa. Porém, o envolvimento dos agentes que trabalham o ObservaPoa não
estava amadurecido para a realização do diagnóstico região a região e não havia apropriação da
ferramenta pela comunidade. Para a realização do diagnóstico dos ativos e necessidades de cada
região era necessário um envolvimento cotidiano. Foi preciso, então, contar com o trabalho das
redes, das equipes de articulação e dos agentes de governança que, dia-a-dia na sua respectiva
região passaram a aplicar um questionário para levantar junto à população as suas potencialidades
e as suas dificuldades.
Além de termos tido problemas para definir quem iria aplicar os questionários, o próprio
questionário se tornaria um problema à medida que era excessivamente longo e aberto, gerando
desconfiança e cansando as pessoas que se ofereciam a respondê-lo. As questões foram
formuladas de forma muito geral, dando possibilidade das pessoas divagarem sobre cada assunto
abordado, tornando-o ainda mais longo. Também, ao responder algumas questões que faziam
referência a existência ou não de tráfico de drogas na região, a violência doméstica e segurança
dos moradores, os entrevistados se sentiam expostos. Não foram poucos os entrevistados que
desistiram de respondê-lo.
Passou-se, então, a montar o diagnóstico dos ativos e das necessidades em reuniões com as
comunidades, que acabaram por render muito mais que os questionários a partir da união
participativa dos moradores. Foram várias reuniões em cada região para se chegar a um
diagnóstico qualificado. Muitas perguntas que intimidavam as pessoas passaram a ser respondidas
pelas comunidades unidas em reunião. Com esses encontros foi possível explicar aos cidadãos
que o foco para o desenvolvimento local deveria concentrar-se nos ativos, nas potencialidades, e
não nas necessidades de cada comunidade, como era a tendência. Foi possível fazer as pessoas
enxergarem que a escola onde estavam reunidas era um ativo, e não um problema da
comunidade. Enxergarem que o terreno baldio não era sujeira, mas um potencial para se trabalhar.
O levantamento do diagnóstico foi um importante momento para se trabalhar também a mudança
cultural. Nas reuniões as pessoas tendiam a enumerar todos os problemas concretos e mais
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alguns que enxergavam onde não havia exatamente uma dificuldade. As necessidades apareciam
em quantidade. Já os ativos, as potencialidades, as comunidades não conseguiam enxergar. Era
preciso que os agentes de governança e as equipes de articulação estimulassem os moradores a
pensar que algumas coisas que eles viam como problemas eram, na verdade, a possibilidade de
solução de muitas necessidades.

Planejamento Participativo das Ações e Estabelecimento de


Metas
De todas as etapas de implantação do Programa de Governança Solidária Local, essa talvez tenha
sido a que mais funcionou. Nas regiões onde se conseguiu realizar um bom diagnóstico do que
havia de ativos e do que havia de necessidades, a realização do plano participativo e o
estabelecimento das metas fluiu com mais facilidade. Após o perfeito entendimento, por parte das
comunidades, de qual era o seu papel de co-responsabilidade, do que era uma visão de futuro, um
planejamento a longo prazo, a missão de realizar um planejamento participativo e estabelecer
metas ficou enormemente facilitada.
Apesar disso, um cuidado nesta etapa foi importante: não bastava às comunidades participarem do
planejamento das ações que aconteceriam e estabelecerem metas para o Governo realizar e
cumprir depois. Era necessário que eles se envolvessem de fato, assumissem o compromisso com
as ações, se engajassem com as propostas e atividades. Era hora de colocar em prática a co-
responsabilidade cidadã em prol do desenvolvimento das comunidades. Para tanto, novamente
aqui foi necessário um certo tempo de maturação, para que as pessoas acreditassem que o que
estava sendo planejado iria, de fato, ser realizado – e que isso dependia muito delas mesmas.
Um passo fundamental nesse sentido foi o cumprimento das ações que foram destinadas à
Prefeitura realizar. Não acontecesse isso, um clima de desilusão com o projeto e descrédito com o
desenvolvimento local tornaria a Governança Solidária Local inviável. Se o Governo não cumprir a
parte dele, como exigir que a sociedade seja co-responsável? A Prefeitura prontamente assumiu a
sua parte na realização do que estava sendo planejado coletivamente. Com a percepção de que a
Prefeitura poderia sim ser parceira na realização de um projeto de desenvolvimento local, as
pessoas passaram a acreditar cada vez mais e se somar ao projeto cada dia mais.
É nesse momento que é desatado o nó da desconfiança entre sociedade e governo. Hoje as
pessoas conseguem pactuar ações em cima de acordos, de consensos, o que há algum tempo era
considerado impossível. Logo, o que não é acordo, não é consenso, e deixa-se de lado, fica fora
da pauta de ações planejadas. Passou-se a planejar em cima de objetivos comuns, de um sonho
comum de desenvolvimento. A partir disso, as comunidades perceberam que era possível, sim,
pessoas com idéias notadamente diferentes, opiniões diversas, sentarem à mesma mesa para
pensar o que tinham de comum e que os objetivos de ambos podiam ser compartilhados.
A busca dos consensos foi muito bem compreendida, e talvez tenha sido a maior lição aprendida
com o Programa de Governança Solidária Local. Mesmo aquelas pessoas que participam das
equipes de articulação e são oriundas do Orçamento Participativo, ou aqueles adeptos da cultura
adversarial e da reivindicação, já sabem que a governança é consenso. Não tem votação. É tudo
acordo. Já existe esse grau de aculturamento com a Governança Solidária Local, de trabalhar as
decisões com base na construção de consensos.

Estabelecimento das Agendas de Prioridades


Assim como nas etapas anteriores de implantação do Programa de Governança Solidária Local,
também no estabelecimento das agendas prioritárias as maiores dificuldades tinham origem na
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cultura estabelecida e sustentada na concorrência, em individualidades, na adversariedade. Se nos
seminários visão de futuro o desafio era olhar o futuro e não os problemas imediatos, e na
realização dos ativos e diagnósticos era muito mais fácil às pessoas enxergarem os problemas e
não as potencialidades, na hora de se estabelecer as agendas que deveriam ser priorizadas para o
primeiro ano a fim de se alcançar o futuro sonhado tudo era visto como prioridade.
Foi necessária muita conversa para que os cidadãos passassem a estabelecer uma linha do tempo
de prioridades, e percebessem que era importante primeiro uma ação, depois outra, até se concluir
o futuro sonhado. As pessoas tendem a priorizar a sua idéia em detrimento da idéia do outro,
embora ambas façam parte de um mesmo sonho. Muitas vezes surgiam idéias diferentes para se
estabelecer uma prioridade e ninguém queria abrir mão da sua. De um modo em geral, todos
temos dificuldade de abrir mão do que pensamos em favor do pensamento de outrem. Até se
conseguir o consenso para o estabelecimento das agendas prioritárias foi um pouco demorado.
É importante que se diga, no entanto, que era absolutamente necessário buscar o consenso,
independente de quanto isso pudesse demorar. No fundo, o consenso só não era possível por que
as pessoas que insistiam priorizar os seus projetos não haviam conseguido entender
profundamente os conceitos da Governança Solidária Local. Se alguém “puxa a brasa” para o seu
projeto, que solidariedade há nisso para com os demais? Foi preciso, então, repassar mais uma
vez todo o conceito, reforçar as idéias, para só assim conseguirmos buscar os consensos.
Um exemplo muito bonito da construção do consenso em favor de um projeto coletivo veio da
Região Partenon, onde a necessidade de um centro cultural, sonhada e apontada pelos
moradores, mobilizou as diversas comunidades dessa localidade. A necessidade de um centro
cultural era da região como um todo, mas escolher em qual comunidade do Partenon o centro
cultural seria construído gerava desconfianças, pois, como imaginavam eles, dependendo do local
uma comunidade poderia se apropriar daquele espaço em detrimento das demais. Se fosse assim,
o centro cultural não seria da região, mas de uma comunidade específica.
Era necessário construir, então, um consenso. E isso foi feito a partir da implantação de um comitê
gestor para organizar o projeto, que reuniu pessoas de todas as comunidades. Eles entraram em
um acordo e foi definido a Vila Maria da Conceição para a construção do centro cultural. A Vila
Maria da Conceição foi escolhida com base em sua tradição de já trabalhar cultura com a
comunidade há muito tempo e, embora fique localizada em uma comunidade da região, pelas
ações que pode efetivar, o centro cultural terá como público-alvo moradores de toda a região do
Partenon. Este é um exemplo vivo de que nos mostra que é possível se chegar a um consenso
onde toda comunidade se aproprie das informações e decida o melhor, deixando de lado rusgas
menores por um plano maior de desenvolvimento da localidade.
Algumas regiões, quando a equipe de articulação tinha uma composição mais heterogênea, que
representava mais o espectro social da região, as agendas tiveram mais foco no desenvolvimento.
Um planejamento mais de futuro. Quando se tirou uma visão de futuro que representasse esse
foco – exemplo da região das Ilhas que, apesar de haver lá os mais variados problemas, a agenda
é uma agenda de desenvolvimento, com foco no turismo – o estabelecimento de agendas de
prioridades foi amplamente facilitado pela própria comunidade.
Contudo, em algumas regiões as agendas foram estabelecidas em cima de projetos bastante
pontuais, com base nas necessidades imediatas, que ainda são muito grandes. Nestes casos,
embora difícil determinar qual era realmente a prioridade, pois as comunidades achavam que toda
aquela enorme agenda de ações era prioritária, a partir dos projetos foi possível construir parcerias
para sua realização e envolver os atores sociais na elaboração de uma agenda. As necessidades
são, conforme diz a velha cultura, problemas a serem resolvidos pelo governo para o bem das
regiões. Portanto, para haver sustentabilidade de uma agenda é necessário que ela contemple
46
projetos de desenvolvimento local das comunidades onde estas se engajem em participar da
realização dos projetos.
Como a Governança Solidária Local é uma mudança de pardagima, e como as pessoas estão se
apoderando dessa nova cultura aos poucos, não se restringiu as ações da agenda somente ao que
foi construído no Plano Participativo. Muitas idéias se incorporaram após a realização dos planos
agregando novas e outras mais estão se agregando a cada dia. Por isso não se restringiu as
iniciativas àquelas propostas no Plano Participativo.
As agendas não são um modelo fechado, pois o espectro da sociedade não está ainda
completamente representado nas redes e nas equipes de articulação. Por isso nem mesmo as
visões de futuro são sonhos fechados, estanques, que não podem ser modificados. Enquanto
existir algum capital social que não partícipe da governança tem que existir a possibilidade de
agregar novas visões, novas idéias.

Os Pactos de Governança
Após todo processo de capacitação, a constituição das equipes de articulação e das
redes de governança, a realização dos seminários visão de futuro, dos levantamentos de ativos e
necessidades das regiões, da realização de um plano e do estabelecimento de metas, e da
constituição de uma agenda de prioridades para as regiões, no passo seguinte é chegada a hora
de celebrar um pacto, onde cada ator envolvido acorda realizar a sua parte para que o projeto todo
saia do papel.
Nas regiões onde houve maior pluralidade na rede e na equipe de articulação a
adesão na realização dos pactos foi maior. Por outro lado, onde diversidade social representada
por seus atores sociais estava pouco mobilizada a celebração de pactos ainda precisa ser bastante
amadurecida. Cada região tem sua peculiaridade, mas sempre o conjunto de atores envolvidos nos
pactos depende do envolvimento inicial da agenda.
Um exemplo da influência das especificidades regionais está na região Leste. Nesta
região, que tem uma cultura de muita disputa e o poder público é visto com desconfiança, foi
necessária a implementação de um projeto demonstrativo, que abre a possibilidade de haver uma
agenda de consenso na região. Esse projeto demonstrativo, que é a construção de um centro de
excelência cultural, tem a missão de mostrar às comunidades que existe a possibilidade de se
desenvolver uma localidade de forma solidária com base na busca de objetivos comuns. A partir
deste projeto demonstrativo a região articulou seu pacto, formalizado em dezembro de 2007, e que
inclui, além do Centro Cultural, outros projetos de consenso da região e que ajudarão a região a
alcançar o futuro sonhado. A partir desse exemplo fica claro que, onde não é possível fechar
consenso sobre uma agenda de desenvolvimento local, é importante trabalhar a realização de um
projeto demonstrativo que, embora específico, demonstra o espírito de solidariedade à
comunidade.
Já na região Norte, onde o poder público tem uma ação de serviços muito boa, ficou
facilitada a tarefa de agregar toda a comunidade. Nesta região o espectro social da população está
praticamente todo incorporado nos projetos da agenda e comprometido na assinatura do pacto.
Mas, mesmo lá, a adesão dos empresários não aconteceu no planejamento participativo que
definia os projetos. A região planejou as ações e, somente mais tarde, em vias de assinar o pacto,
procurou os empresários para aderirem. Ou seja, o espectro social da região só conseguiu se
consolidar mais tarde, e foi justamente no pacto. Esse exemplo mostra de maneira bastante clara

47
que a assinatura do Pacto pela Governança não é o encerramento de um ciclo, e sim o início, pois
tem o poder de incorporar mais forças em favor do projeto de desenvolvimento local.
Em grande parte das situações, é com o pacto de governança sendo firmado que o empresário e
mesmo o cidadão vê segurança nas propostas e na possibilidade efetiva de realização das ações.
Com isso, os pactos serviram para dar força, fôlego e adesões de pessoas nas regiões onde foram
celebrados. Nos pactos ficou claro o total comprometimento das pessoas em verem seus sonhos
de futuro se tornar realidade, agindo com co-responsabilidade para isso.
A solenidade de assinatura do Pacto de Governança é importantíssima, pois é nesse momento que
as pessoas vêm tudo que foi sonhado e planejado ser assumido publicamente como compromisso
de todos e começam a enxergar a real possibilidade de materialização desses sonhos. Com os
pactos as pessoas se sentem seguras para aderirem à governança. Da mesma forma, é nos
pactos que o próprio governo, as secretarias do município, se comprometem com o
desenvolvimento de cada localidade onde o pacto é assinado.
É na assinatura dos pactos que vemos a importância do compromisso assumido publicamente,
solenizado na região, onde o Prefeito, empresários e moradores mostram a disposição de serem
parceiros em favor do desenvolvimento da localidade. O foco dos pactos é justamente ser uma
solenidade que agregue a todos.
E por ser um fator extremamente agregador, a celebração dos pactos assume um papel não de ser
o último passo antes do início da realização das agendas, mas de ser o primeiro passo na direção
de agregar mais atores sociais e transformar a Governança Solidária Local em um compromisso de
desenvolvimento dos bairros e não mais de regiões da cidade.
Até o momento já foram firmados pactos em cinco regiões. Em 2008, outras nove regiões com
ações planejadas já estão em condições de formalizarem os seus pactos. Outras três regiões em
fase preparatória para que governo, comunidade e empresários pactuem a inclusão das ações nas
agendas de desenvolvimento locais. As regiões onde já foram assinados os pactos somam
dezesseis ações de desenvolvimento local com compromisso de realização firmado entre governo,
comunidade e empresários, totalizando mais de cem instituições parceiras. As nove regiões onde
os pactos estão por ser assinados impulsionarão o desenvolvimento das comunidades e contarão
com a co-responsabilidade de todos os atores da sociedade.
Superados os obstáculos e vencidos os desafios apontados, e quando atingidas as
metas das 17 regiões, certamente crescerá muito o número de ações e de parceiros, possibilitando
a articulação e a construção de novas agendas nos bairros e vilas, fortalecendo o Programa e
dando vida ao conceito de Cidade-Rede.

48
Minha Visão da Governança Solidária Local
12
Augusto de Franco

Como consultor encarregado da elaboração do conceito e da metodologia do Programa de


Governança Solidária Local (PGSL), do seu sistema de monitoramento e avaliação e da
capacitação dos agentes responsáveis pela sua execução, eis a minha visão resumida da
implantação e do desenvolvimento da iniciativa até agora (dezembro de 2007).

Introdução

Como idéia geral a Governança Solidária Local se refere a um ambiente favorável a realização de
ações de interesse público, em prol do desenvolvimento de localidades da cidade, baseadas na
parceria entre múltiplos atores (estatais, empresariais e da sociedade civil), que contem com a
participação voluntária de cidadãos conectados em rede.

Embora essa idéia já existisse, como referência geral, desde o final de 2004, um programa capaz
de materializá-la só começou a ser elaborado em 2005 e só foi implantado organicamente a partir
de 2006.

A decisão inicial foi começar por uma territorialização já existente, herdada do Orçamento
Participativo, que dividia a cidade de Porto Alegre em 16 regiões (às quais foi acrescentada mais
uma: as Ilhas). Em cada uma dessas 17 regiões, a implantação do Programa previa uma
metodologia básica de indução do desenvolvimento local, com a formação de uma equipe de
articulação, composta por agentes de governança solidária local, capaz de animar uma rede de
voluntários (na proporção de um para cada mil habitantes) envolvendo cerca de 1.300
participantes. Tal equipe de articulação, ampliada com os voluntários que se dispusessem a
realizar o trabalho, teria então que percorrer os passos da metodologia: realização de um
seminário sobre a visão de futuro (com horizonte estratégico de 10 anos), confecção de um
diagnóstico dos ativos e das necessidades locais, elaboração de um plano de desenvolvimento,
formulação de uma agenda de prioridades (para o próximo ano) e celebração de um pacto em
torno das prioridades da agenda. A partir daí as ações seriam realizadas em parceria – envolvendo
governo, iniciativa privada e organizações da sociedade civil – mas, sobretudo, mobilizando a
mencionada rede de cidadãos voluntários (e aqui está uma das novidades do Programa). Em uma
segunda etapa de implantação, o Programa previa a replicação dessa mesma metodologia nos 84
bairros de Porto Alegre, multiplicando-se as redes de Governança Solidária Local na proporção de
um para cada 100 habitantes (contados por bairro), alcançando a participação total de 13 mil
voluntários.

Ativos institucionais e pessoais já existentes favoreceram inicialmente a execução do Programa,


dentre os quais cabe citar a alta sensibilidade, o preparo intelectual e a credibilidade pública dos
responsáveis governamentais pela sua execução (incluindo o Prefeito, o Secretário de
Coordenação Política e de Governança Local e a sua boa equipe). A firmeza estratégica aliada à
12
Consultor do Programa de Governança Solidária Local
49
flexibilidade tática desses responsáveis pelo Programa, bem como sua capacidade operativa
(decorrentes de vocação, habilidade e larga experiência em articulação política) e, ainda, sua
adesão integral (não só intelectual, mas inclusive emocional) aos conceitos em que a proposta está
baseada, foram decisivas para que o Programa conseguisse superar os primeiros obstáculos e
vencer as naturais resistências com que se defronta qualquer iniciativa inovadora no interior das
emperradas e viciadas estruturas de governo.

No entanto, a despeito desses importantes ativos pessoais e institucionais, logo ficaram patentes
algumas fraquezas (decorrentes de erros, insuficiências e deficiências administrativas,
ambigüidades, condicionamentos e limitações políticas) que prejudicaram ou atrasaram
sobremaneira a implantação do Programa. Conquanto minha visão da Governança Solidária Local
seja essencialmente positiva, como pretendo deixar claro no final deste artigo, sinto-me no dever
de expor agora, com a maior franqueza possível, os pontos principais de uma análise que procura
ser realista. Pois não se trata aqui de fazer propaganda ou de redigir um texto voltado para a
animação dos participantes e sim de empreender uma consideração nua e crua dos fatores que, a
meu juízo, dificultaram ou continuam dificultando, até agora, a implantação da proposta. São seis
esses fatores: 1) o número insuficiente de agentes, o perfil inadequado e a falta de qualificação
para o trabalho dos agentes disponíveis; 2) a territorialização incorreta; 3) a ausência de um
modelo eficaz de gestão e a falta de qualidade e de recursos de gestão; 4) a falta de recursos
financeiros para expandir o Programa, divulgá-lo e implantá-lo nos bairros; 5) as várias
ambigüidades políticas (ou político-ideológicas) da equipe; e 6) a inserção incorreta do Programa
na estrutura de governo e a sua composição problemática.

Sobre os Agentes do Programa

A fraqueza que primeiramente se revelou mais flagrante foi o número extremamente reduzido de
agentes de governança (ou de desenvolvimento comunitário) para fazer frente a uma implantação
simultânea em 17 regiões e o perfil bastante inadequado, em geral, dos candidatos a agentes de
governança que foram recrutados para o processo de capacitação (em suas várias etapas e
edições), evidenciando-se a sua falta de preparo e de postura técnica (insuficiência de formação
anterior, vícios políticos – da velha política – acumulados, incapacidade de distinguir papéis
técnico-pedagógicos de papéis políticos). Considero-me responsável por não ter argumentado
mais convincentemente para mostrar à coordenação do Programa que a quantidade de agentes
recrutados (menos de uma dúzia) era francamente insuficiente para dar conta de cobrir as 17
regiões. E considero-me igualmente responsável pelo erro de ter aceitado trabalhar com o
contingente de candidatos a agentes de governança fornecido pela coordenação do Programa,
sem ter me colocado na ocasião, com suficiente vigor, contra tal decisão, mostrando a inviabilidade
de engajar e capacitar candidatos com perfil tão inadequado.

Sobre a Territorialização

Avalio hoje que foi um erro grave – talvez inevitável, nas circunstâncias em que o Programa
começou a ser implantado, mas pelo qual sou também bastante responsável – ter adotado a
territorialização herdada do chamado Orçamento Participativo. De qualquer modo, a contingência
de ter que começar o Programa por essas regiões artificiais (de certo modo forçada pela falta de
quadros qualificados em quantidade suficiente para cobrir todos os 84 bairros da cidade), dificultou
50
a consecução do mais importante objetivo do programa: a formação das Redes de Governança
Solidária Local. Tais regiões, como se sabe, foram inventadas arbitrariamente e não expressam as
culturas comunitárias nem as dinâmicas sócio-territoriais realmente existentes em Porto Alegre.
Além de tudo, algumas delas são muito extensas, congregando vários bairros distantes, em alguns
casos sem qualquer homogeneidade e sem relações mais significativas entre si (o velho centro de
Porto Alegre, por exemplo, está na mesma região do bairro Moinhos de Vento).

Sobre a Gestão

A inexistência de uma equipe profissional capaz de gerenciar o projeto e a dispersão de esforços


dos principais responsáveis, continuamente compelidos a “apagar incêndios” e a “tapar buracos”
em virtude das insuficiências de gestão da Prefeitura, pesaram excessivamente contra a
implantação e a boa gestão do Programa.

Faltou qualidade na gestão. Bastante qualificada em termos políticos, a equipe não teve,
entretanto, condições institucionais e materiais de montar uma coordenação de projeto de caráter
profissional, igualmente qualificada em termos técnicos, capaz de funcionar com autonomia em
relação à dispersa e centrífuga dinâmica política, em geral prevalecente em qualquer governo.
Acrescente-se a tudo isso a falta de recursos financeiros para começar a implementar o Programa
em uma parcela ponderável dos bairros de Porto Alegre, o que exigiria uma parceria mais efetiva
com instituições capazes de operacionalizar tais ações (de vez que a Prefeitura não tinha e não
tem condições de gerenciar essa mega-operação, envolvendo a capacitação e a remuneração de
várias dezenas de agentes e um modelo de gestão mais profissionalizado).

Não havendo condições para expandir significativamente o Programa para além daqueles setores
que já pontificavam em outras experiências de participação popular na cidade (como o Orçamento
Participativo) e não dispondo, como já foi assinalado, de um estoque mais volumoso e mais
qualificado de agentes (dedicados precipuamente às tarefas técnico-pedagógicas de implantação
do Programa), a Governança Solidária Local ficou restrita a algumas ações de parceria realizadas
no âmbito de algumas regiões. A falta de ações de visibilidade e a dificuldade extrema de
desencadeá-las nos anos de 2006 e 2007, praticamente fizeram com que o programa não existisse
para a maioria da população de Porto Alegre.

Sobre uma Ambigüidade Política Geral

É claro que por trás de tudo isso existia uma ambigüidade política que, às vezes, conseguiu ser
habilmente contornada, mas que, definitivamente, não foi superada pela equipe responsável pelo
Programa. Para compreender essa problemática é necessário analisar os esforços de implantação
da Governança Solidária Local no contexto de um outro programa herdado de quatro governos
municipais anteriores em Porto Alegre: o chamado Orçamento Participativo (OP).

Ocorreu o seguinte. O atual Prefeito fez o compromisso de campanha de manter o Orçamento


Participativo e – surpreendentemente para a nossa irresponsável cultura política – cumpriu o
prometido. Antes de qualquer coisa é necessário elogiar tal decisão. Em geral os novos governos
ignoram os programas implementados pelos governos anteriores, levando à tão indesejável
descontinuidade administrativa. O fato do atual governo municipal de Porto Alegre ter mantido o
51
OP, não apenas no discurso, mas para valer, foi um sinal inequívoco de espírito democrático e de
responsabilidade administrativa de sua gestão. No entanto, desgraçadamente, o Orçamento
Participativo é, em si, um programa problemático do ponto de vista das idéias-força que
impulsionam a Governança Solidária Local e das novas práticas que ela quer desencadear.
Vejamos por quê.

Sobre as Contradições de Fundo entre Orçamento Participativo e


Governança Solidária Local

O OP é uma iniciativa estadocêntrica, reivindicativa, adversarial e, fundamentalmente,


representativa (delegativa), na qual as decisões são tomadas em um processo assembleístico, -
em que, segundo algumas avaliações, apenas cerca de 8% dos participantes tomam a palavra –
de arrebanhamento de delegados para votar em chapas e propostas.

A justificativa comumente apresentada para a suposta inovação contida na experiência do


Orçamento Participativo de Porto Alegre é a de que as minorias sociais e o povo excluído, agora,
sim, poderiam fazer valer a sua voz em uma nova institucionalidade construída por fora das
instituições da democracia das elites, sem atentar para o fato de que, em tal processo, as pessoas
são levadas a se reunir para decidir coisas que outros (sempre o governo) deverão fazer e não
para – como propugna a Governança Solidária Local – tomar iniciativas, descobrir e valorizar os
seus ativos, dinamizar suas potencialidades e assumir responsabilidades, aprendendo a identificar
e aproveitar oportunidades e a assumir o papel de artífices do seu futuro.

Além disso, o ambiente em que se realiza o OP é dominado por uma dinâmica reativa, restringindo
a cidadania política à capacidade de mobilizar setores da população (muitas vezes “acarreados”
para lotar assembléias) para cobrar tudo do Estado (e para, supostamente, contrarestar os
interesses das elites) e não – como propõe a Governança Solidária Local – para apresentar novas
idéias e alavancar novos recursos advindos da sua participação voluntária.

Não é por acaso que boa parte das reivindicações que viram propostas do OP para “pendurar” no
Estado (enviando sempre a conta para o governo municipal pagar) se restrinja a obras de infra-
estrutura e de equipamentos (como creches) e, somente em uma pequena parte se refira – como
prioriza a Governança Solidária Local – a investimentos em capacidades permanentes (capital
humano) e em ambientes sociais favoráveis ao desenvolvimento (capital social).

Também não é por acaso que praticamente a metade (ou mais) de tudo o que é decidido não é
realizado, não por falta de vontade política do governo local, mas por falta de condições financeiras
e capacidade de gestão para tanto.

Por último, a experiência do OP é fragmentadora, pois que baseada em necessidades sentidas (e


até certo ponto induzidas pelos agentes que militam no programa) de regiões da cidade
demarcadas arbitrariamente e não – como prevê a Governança Solidária Local – em planos de
desenvolvimento com um mínimo de racionalidade e que tenham nascido de sonhos de futuro das
próprias comunidades envolvidas, quer dizer, com a sua participação ativa. O OP é uma espécie
de bolsa de reivindicações em que emplaca mais demandas ao Estado aquele setor que conseguir
levar mais gente para as assembléias, mantendo as populações presas ao passado, com os olhos

52
voltados apenas para seus carecimentos e não para o seu potencial para inaugurar um novo
futuro.
Ao remeter a solução de todos os problemas para o Estado, o chamado Orçamento Participativo
vai na contramão de tudo o que defende a Governança Solidária Local: desresponsabiliza e
descompromete os seus atores com a tarefa de encontrar e implementar as suas próprias
soluções, enfraquecendo, ao invés de fortalecer, o seu empreendedorismo, a sua criatividade, o
seu protagonismo e, enfim, a sua participação propriamente dita.

Sobre as Dificuldades e Facilidades de uma Mesma Equipe operar dois


Programas de Caráter Geral e Transversal

As circunstâncias específicas em que se tomou a decisão de manter e fortalecer o Orçamento


Participativo, talvez não tivessem permitido outra solução por parte do atual governo municipal.
Entretanto, não se pode deixar de ver – e é inútil querer negar – que, objetivamente, o esforço de
manter o OP sugou parte das energias necessárias para a implantação da Governança Solidária
Local, sobretudo se considerarmos que a realização de ambos os programas ficou a cargo de uma
mesma e reduzida equipe, altamente qualificada em termos políticos, mas desprovida de
instrumentos eficazes de gestão.

Em primeiro lugar porque criou uma resistência inicial – resistência, registre-se, em grande parte
progressivamente superada – às idéias e ao Programa de Governança Solidária Local, que foi
encarado pelos militantes do OP como alguma coisa contrária ao seu programa ou urdida para
substituí-lo. Mas o esforço para superar tais resistências acabou por aprisionar a equipe
responsável pelos dois programas (OP e PGSL) em uma pauta pretérita, obrigando-a, além do
mais, a ter de explicar, incessantemente, que a nova iniciativa não vinha para acabar com a
anterior, nem para enfraquecê-la e sim, pelo contrário, para lhe dar maior sustentabilidade (uma
explicação, convenhamos, algo engenhosa, mas um pouco forçada).

Em segundo lugar porque gerou um passivo considerável, sobretudo de obras governamentais que
deveriam ser feitas. Apesar de todo o esforço desenvolvido, aliás, com denodo, pela equipe da
Secretaria de Coordenação Política e de Governança Local, o que é realizado nunca é capaz de
satisfazer aqueles que militam numa perspectiva reivindicacionista de arrancar do governo mais e
sempre mais (como se bastasse ao Estado ter vontade política para fazer o que o povo exige e
cobra, independentemente de disponibilidade financeira).

O erro aqui foi achar que uma solução política talvez essencialmente correta em circunstâncias
específicas (a de manter e fortalecer o Orçamento Participativo) pudesse ter um fôlego estratégico
maior. Ou foi imaginar que a habilidade tática da equipe para contemplar interesses e opiniões
diversos, contornar conflitos e harmonizar insatisfações, pudesse superar as contradições de
fundo, explicitadas nos parágrafos anteriores, entre OP e Governança Solidária Local.

A ambigüidade que afetou a equipe responsável pela Governança Solidária Local, em suma, foi a
seguinte: um mesmo grupo de pessoas foi obrigado a impulsionar dois programas, nas mesmas
bases sócio-territoriais (e, portanto, envolvendo, via de regra, os mesmos participantes), que
tinham pressupostos diferentes e (embora se faça um esforço considerável para negar isso)
realmente contraditórios.

53
É claro que tal ambigüidade não foi totalmente negativa. Sem ela, não teria sido possível nem
mesmo tentar elaborar e aplicar uma proposta tão inovadora como a da Governança Solidária
Local. Se os membros da equipe não tivessem uma visão inovadora, o espírito aberto e a coragem
para assumir uma proposta de vanguarda, certamente teriam apenas repetido o que já vinha sendo
feito há 16 anos em Porto Alegre sob a denominação genérica e um tanto vaporosa (e enganosa)
de “democracia participativa”.

Por outro lado – e isso deve ser considerado como uma força ou um ponto positivo do programa –
em várias regiões da cidade foi possível incorporar lideranças vinculadas ao OP nas redes de
Governança Solidária Local, inclusive fazendo com que recursos orçamentários decididos por meio
dos processos do Orçamento Participativo fossem colocados como insumos para projetos locais de
desenvolvimento (e não apenas para atender reivindicações setoriais, localizadas, fragmentadas).
Com alguma dose de otimismo poder-se-ia prever que a dinâmica dos Pactos pela Governança
Solidária Local tem potencial para incorporar – a médio prazo – os recursos e a dinâmica do OP. O
que, evidentemente, não significa que isso vá ocorrer necessariamente, pois que tudo ainda
depende, em grande medida, da orientação do próximo governo municipal.

Assim, a despeito das contradições de fundo, já assinaladas aqui, entre OP e Governança


Solidária Local, conseguiu-se construir um caminho de implantação da Governança Solidária Local
que foi capaz de estabelecer uma relação de parceria com muitos operadores do OP de sorte a
tornar possível – pelo menos em algumas regiões – o que, a primeira vista, parecia impossível:
colocar a dinâmica do OP a serviço das agendas de desenvolvimento local. Existem, portanto,
evidências importantes de que isso possa ocorrer também nas demais regiões no futuro.

O problema é que a dinâmica da Governança Solidária Local não conseguiu ainda ser
suficientemente vigorosa para garantir tal desdobramento positivo independentemente do desfecho
da próxima disputa eleitoral. Em outras palavras, se o próximo governo – seguindo outra
orientação (na eventualidade do atual governo não ser reeleito) – resolver desfazer o que foi feito
pelo atual, priorizando o tipo de tratamento que foi dispensado ao Orçamento Participativo na
década anterior à presente administração municipal, é muito duvidoso que a Governança Solidária
Local continue tendo esse efeito positivo – modernizante, de certo modo, poder-se-ia quase dizer,
civilizador – sobre o OP e sobre as demais formas tradicionais de participação popular na cidade.
E, nesse caso, é inclusive muito improvável que a Governança Solidária Local, como programa,
continue existindo.

Sobre as Vantagens e Desvantagens das Ambigüidades de Concepção da


Equipe

Cabe dizer que a idéia-básica da Governança Solidária Local – o seu “DNA”, por assim dizer – foi
concebida pela própria equipe, muito antes de essa idéia ter sido desenvolvida e formatada como
um programa. Mas cabe reconhecer também que a justificativa teórica mais elaborada – e
elaborada a posteriori – para o ulterior desenvolvimento dessa idéia-básica contou com a adesão
entusiasmada da equipe, em uma demonstração incontestável da sua sintonia com as inovações
contemporâneas e da sua vontade de se manter em permanente aggiornamento. O lema “Porto
Alegre Cidade-Rede”, que de certo modo expressa tal concepção inovadora, foi assumido

54
prontamente pelos responsáveis pelo Programa, revelando seu esforço de acompanhar e traduzir
em ações concretas as evidências, surgidas muito recentemente, de que a construção de
ambientes favoráveis ao desenvolvimento depende da conectividade e da topologia da rede social,
dos graus de separação existentes nessa rede ou do tamanho do mundo (em termos sociais e não
geográfico-populacionais).

Ocorre que os que trabalham com tais inovações ainda são muito poucos no mundo atual. Não
existe ainda uma articulação, uma rede de desenvolvedores interdependentes que se dedique a
compartilhar suas tentativas de usar tais conhecimentos sobre netweaving em experiências
concretas de indução do desenvolvimento e de democratização da participação política. Por outro
lado, a maior parte dos contatos e referências que a equipe possuía nos planos nacional e
internacional, ainda trabalhava com idéias pretéritas de cidadania e de democracia representativo-
informal e assembleística, voltada para reivindicar, fiscalizar, pressionar e arrancar do Estado
recursos para os mais pobres, invertendo prioridades em prol da inclusão social. Assim, não era
possível romper – da noite para o dia – com tudo isso, (mesmo porque não era o caso) antes de
tentar convencer esses parceiros de que havia uma coisa nova surgindo, de que novas idéias e
novas práticas estão emergindo na sociedade contemporânea, de que a sociedade civil não é um
conjunto de organizações que deva se articular em função do Estado (quer para dele arrancar
recursos para os mais pobres, quer para tomá-lo e colocá-lo a serviço da causa dos explorados e
oprimidos), de que a nova sociedade civil que surge no mundo contemporâneo não é aquela
clássica “sociedade civil organizada” e sim a sociedade civil desorganizada, da qual fazem parte os
cidadãos, as pessoas (independentemente da sua capacidade de representar organizações
hierárquico-burocráticas), de que o cidadão desorganizado (segundo padrões verticais de
organização, top down), mas crescentemente conectado, é o novo sujeito, o novo protagonista
nuclear das mudanças sociais que queremos interpretar como desenvolvimento. Ora, todas essas
idéias estão subsumidas na noção de Governança Solidária Local que, como programa, se
viabiliza a partir de redes P2P, composta por pessoas e não por frentes de instituições.

Talvez, em parte, por convicção mesmo, fundamentada em suas concepções de democracia, ou


talvez para conquistar credibilidade suficiente para tentar convencer seus antigos parceiros, a
equipe avaliou que não podia romper com a experiência que esses parceiros julgavam (e ainda
julgam) como a mais avançada e a mais promissora em termos de democracia participativa ou de
democratização da democracia, que outra não era (e, para eles – esses parceiros – ainda não é)
senão a do próprio Orçamento Participativo. Ou seja, a equipe se viu na contingência de ter que
manter e fortalecer o OP e seus instrumentos paralelos, quer por motivos políticos (em virtude do
compromisso assumido pelo novo governo municipal), quer por motivos programáticos, como
prova da sua boa vontade, ou melhor, do seu desejo de preservar conquistas e, simultaneamente,
construir mudanças (como reza, aliás, o novo lema da Prefeitura de Porto Alegre, que a atual
administração fez constar do seu logo institucional: “Prefeitura de Porto Alegre: Preservando
Conquistas, Construindo Mudanças”).

Qual o problema aqui? O problema é que nem sempre é possível construir efetivas mudanças
preservando modos-de-pensar e modos-de-fazer anteriormente estabelecidos. E, ainda, que, nem
sempre o que é avaliado como conquista o é de fato, em termos de aprofundamento e
fortalecimento da democracia. Muitas vezes o esforço de preservação de uma suposta conquista
acaba drenando uma parte considerável da energia necessária para a construção de mudanças,

55
ou acaba ocupando e entulhando a pauta de ações cotidianas de tal sorte que sobra pouco tempo
para desbravar o caminho das inovações. Foi o caso.

É claro que a equipe responsável pelo Programa não era homogênea, juntando pessoas de várias
origens e visões políticas diversas e que, assim, ela também esteve sob uma tensão permanente
entre, por um lado, seu ímpeto visionário, sua abertura intelectual ao novo e a sua vontade de
inovar e, por outro, uma herança de esquerda que a conduzia a compromissos, explícitos ou
tácitos, com um campo de concepções ditas revolucionárias, mas que, na verdade, exerceram
objetivamente um papel conservador em relação às mudanças necessárias para levar às últimas
conseqüências – e à prática – as novas idéias (concebidas por seus próprios integrantes) que
sustentavam a proposta da Governança Solidária Local.

Concepções e sensibilidades diversas interagiam dentro da equipe. Dessa interação participavam


sentimentos, impressões e noções, mais ou menos vagas, de igualitarismo social como finalidade
da política democrática, de dedicação ao povo mais pobre dos bairros e vilas periféricas da cidade
(inclusive com certos traços de populismo), de cidadania e inclusão social como reivindicações
voltadas ao Estado, mas também idéias promissoras sobre o novo papel do cidadão-gestor, sobre
uma responsabilidade social ampliada para todos os setores da sociedade e, inclusive, alguns
insights luminosos sobre o que foi chamado (em um livro publicado em 2006 por dois membros da
13
equipe) de “A Era dos Vagalumes: o florescer de uma nova cultura política” – na verdade uma
tentativa de captar as tendências contemporâneas da transformação social a partir da observação
da nova fenomenologia da sociedade-rede ou da sociedade compreendida como um sistema
complexo adaptativo, como a emergência ou a geração espontânea de ordem, de baixo para cima,
a partir da cooperação.

De qualquer modo, porém, essas tensões refletiam, no plano interno, a mesma ambigüidade
constatada no plano da atuação externa da equipe, como se essa equipe tivesse duas caras ou
duas personalidades: uma delas, manifestada quando tentava inovar na reflexão e na prática,
quando se dedicava a implantar a Governança Solidária Local nas regiões de Porto Alegre, quando
tentava convencer o governo municipal e seus parceiros das virtudes da proposta e, outra, quando
tentava mediar tudo isso pagando um tributo às velhas concepções e aos velhos comportamentos
políticos que ainda caracterizam o Orçamento Participativo, os seus participantes e militantes e,
sobretudo, as suas múltiplas redes nacionais e internacionais de apoiadores e admiradores, em
sua imensa maioria herdeiros de tradições autocráticas, hegemonistas e estatistas.

Havia, sobretudo por parte de alguns membros da equipe, um belo sentimento de missão
(pedagógica, quase evangelizadora), de tentar convencer esses setores pelo debate democrático
realizado no espaço público, pela apresentação de experiências inovadoras e pelo comportamento
tolerante e compreensivo – tudo na esperança de ganhá-los para as novas idéias (ou de obrigá-los
a se expor democraticamente diante dessas novas idéias). Não havia, porém, com a mesma
intensidade, um esforço análogo de tentar ganhar para essas novas idéias (ou de confrontá-los
com elas) os setores considerados adeptos da democracia representativa e do livre mercado e,
nem mesmo, os setores considerados social-democratas. Ou seja, membros da equipe
compareciam a um sem número de reuniões, no Brasil e no exterior, de relatos de experiências de

13
Busatto, Cezar e Feijó, Jandira. A Era dos Vagalumes: o florescer de uma nova cultura política. Porto Alegre: Editora da
Ulbra, 2006.
56
Orçamento Participativo, de redes e Observatórios de democracia dita participativa, mas não
faziam o mesmo esforço para comparecer às reuniões ou articulações consideradas “de direita” ou
“neoliberais”, nem no exterior, nem no Brasil, nem no Rio Grande do Sul e, nem mesmo, na cidade
de Porto Alegre (como o Fórum da Liberdade, por exemplo).

Por justiça, entretanto, é necessário reconhecer que boa parte dos antigos participantes populares
do Orçamento Participativo assimilou algumas das novas idéias que embasam a Governança
Solidária Local. Houve avanços, inegáveis, neste sentido (reconhecidos, inclusive, por teóricos do
Orçamento Participativo), como, aliás, já foi assinalado aqui. O que não houve foi o mesmo
trabalho em relação aos que se alinham a outros campos de concepções e de práticas
democráticas.

De qualquer modo, as idéias que embasavam a Governança Solidária Local tinham já o potencial
de superar a estiolante polarização instrumental esquerda versus direita ao tomar a política
democrática como questão de „modo‟ (um novo modo de fazer as coisas, de regular conflitos, de
ensejar a distribuição da participação política) e não como questão de „lado‟ (de que lado da
sociedade deveríamos nos postar para derrotar o outro lado), mas, na prática, a equipe
responsável pelo Programa, pelo menos no que tange a uma parte dos seus integrantes – e em
grande parte involuntariamente – continuou, a despeito do que declarava, priorizando sua
participação no campo da chamada esquerda, querendo manter a sua “cadeira cativa” em um dos
lados do campo, tentando superá-lo por dentro ou dentro do mesmo campo e ficando, assim, presa
ou ligada à sua lógica, à sua pauta e aos seus problemas.

Conquanto em grande parte involuntária, porquanto constituinte de uma herança à qual, por
variadas e complexas razões, não se teve condições de renunciar inteiramente, a ambigüidade
registrada aqui, ao passo que possibilitou a abertura para as inovações, ao mesmo tempo
conspirou – a despeito da boa vontade da equipe e da sua determinação de acertar – contra a
implementação de experiências concretas capazes de mostrar, na prática, a viabilidade dos novos
caminhos propostos.

Deve-se compreender tal ambigüidade como parte do próprio processo de democratização que a
Governança Solidária Local procurou ensejar no âmbito da sua atuação externa e que se refletiu,
14
no âmbito interno da equipe, como processo de conversão à democracia .

Sobre a Composição Problemática do Governo Municipal e sobre o Erro de


ter situado a Governança Solidária Local em uma Secretaria Específica

A tudo isso se deve somar a própria composição problemática do governo municipal, formado a
partir de uma aliança de cerca de uma dúzia de partidos – muitos fisiológicos, quase todos
anacrônicos e viciados nas práticas da velha política – que, não obstante a extraordinária abertura
14
Na verdade, para sermos justos nesta avaliação, é necessário reconhecer que a democracia e os democratas jamais
estiveram livres de ambigüidades análogas. Péricles, por exemplo, talvez o principal expoente da nascente democracia
grega, viveu a excruciante ambigüidade de, enquanto praticava no âmbito interno de Atenas a democracia (que era – por
definição para os gregos da sua época – o contrário da guerra), ser compelido – conquanto fosse um pacifista convicto – a
manter o império de Atenas sobre outras cidades e, conseqüente e inevitavelmente, ter que fazer a guerra contra algumas
dessas cidades (como Esparta), recaindo, em termos de política externa, em uma prática autocrática.

57
e a clareza do Prefeito, nunca compreenderam realmente (nem fizeram maior esforço para tanto) a
proposta da Governança Solidária Local, preferindo olhá-la como coisa de uma secretaria (a
Secretaria Municipal de Coordenação Política e de Governança Local, responsável pelo Programa)
e não tiveram especial disposição para facilitar as coisas, provavelmente, como diz o ditado, para
“não colocar azeitona na empada alheia”, ou seja, para não aumentar o que julgavam ser um
capital político particular do seu titular.

Nenhuma novidade aqui (e nenhum demérito particular para a atual administração): tal dinâmica
competitiva, que leva sempre a jogos de soma zero, é comum em qualquer governo e faz parte das
conhecidas limitações do nosso sistema político. No entanto, as coisas teriam sido mais fáceis se
não se tivesse cometido o erro crasso de atribuir a uma secretaria específica a responsabilidade
por um programa de caráter sistêmico, com vocação para expressar o próprio conceito diretor do
governo como um todo.

Sobre as Conseqüências, para a Implantação do Programa, dos Fatores


Negativos apontados até aqui

Deve-se dizer que as conseqüências desse erro não foram assim tão decisivas a ponto de impedir
a implantação do Programa. Mas é necessário reconhecer que elas atrapalharam o engajamento
do governo como um todo na Governança Solidária Local, retirando força do Programa e
impedindo que ele ocupasse o papel que seu desenho original exigia (de articulador e mediador
das ofertas e demandas do governo e da sociedade em prol da realização de agendas de
desenvolvimento local formuladas pelos próprios habitantes).

É preciso dizer também que nenhum dos fatores apontados aqui como fraquezas, erros,
ambigüidades ou condicionamentos impostos pelos vícios do velho sistema político, foi tão nocivo
para a Governança Solidária Local quanto as deficiências de gestão que permitiram que os atrasos
passassem a ser a regra e não a exceção. São vários os casos em que um convite para uma
atividade ficou pronto na véspera ou no dia em que ocorreria a atividade. Igualmente, são
numerosos os exemplos de perda de oportunidades por falta absoluta de tempestividade.

É claro que atrasos são normais em qualquer planejamento, sobretudo de ações governamentais.
No entanto, quando passam a ser a regra, denunciam a existência de um problema mais profundo,
sistêmico mesmo, de gestão.

Em virtude dos múltiplos fatores que foram apontados acima – incluindo os mencionados atrasos
(alguns inevitáveis, outros – infelizmente a maioria – decorrentes de insuficiências de gestão, não
apenas da equipe responsável pelo programa, mas da prefeitura como um todo) no seu
cronograma de implantação – o tempo necessário para o Programa de Governança Solidária Local
produzir resultados concretos capazes de fortalecê-lo revelou-se maior do que o tempo útil
disponível para tanto (tendo em vista a duração do mandato do atual governo, que se encerra em
2008). Pode-se dizer que só agora (final de 2007) o Programa foi lançado publicamente, com a
celebração dos primeiros Pactos pela Governança Solidária Local em pouco mais de meia dúzia
de regiões.

58
Sobre as Perspectivas Promissoras para a Afirmação da Proposta Inovadora
da Governança Solidária Local

Apesar dessas limitações, as oportunidades abertas pela idéia geral de Governança Solidária
Local e pelo Programa que tenta materializá-la, são muito promissoras.

Pode-se dizer que a proposta da Governança Solidária Local, mais cedo ou mais tarde, tende a se
afirmar por si mesma, por força da sua solidez e consistência (comparativamente maior do que as
das propostas conhecidas de induzir a participação democrática ou de promover o
desenvolvimento) e do seu caráter inovador, sintonizado com o que há de mais avançado em
termos teóricos e práticos no mundo atual: a) investimento em capital social por meio de
netweaving em redes P2P de participação voluntária, compostas por pessoas; b) experimentação
de novas regras de uma democracia radicalizada ou democratizada (não-assembleística) no
âmbito local; c) nexo conotativo explícito entre democracia, cooperação e desenvolvimento; e d)
imbricamento orgânico entre gestão pública (não exclusivamente governamental) e participação
social. Esses são os elementos distintivos da proposta que resumem, no fundamental, o seu
conteúdo fortemente inovador.

O trabalho feito até agora mostrou que há uma estrada aberta para o convencimento de
participantes da sociedade civil em escala mais ampliada (tanto em termos individuais, do cidadão
voluntário, quanto em termos coletivos, das expressões organizativas da sociedade porto-
alegrense), inclusive naqueles setores antes hegemonizados (ou cuja consciência foi colonizada)
pelas velhas idéias de participação corporativas, setoriais, reivindicativas e estadocêntricas.

Com o esgotamento dessas formas de participação tradicionais (que, para falar a verdade, nunca
conseguiram atrair os setores, mais independentes do Estado, da sociedade porto-alegrense ou a
sua opinião pública), há uma possibilidade concreta de envolver esses e outros setores em uma
nova fase do Programa de Governança Solidária Local (ensaiando novas formas – inclusive
virtuais – de participação política). Espera-se que essa oportunidade seja, afinal, corretamente
aproveitada, com o lançamento, programado para o final de 2007, da Rede de Governança
Solidária Local de Porto Alegre: uma rede distribuída de pessoas, de adesão voluntária, que tem
como objetivo impulsionar novas formas de governança compartilhada baseadas na solidariedade
social, na parceria entre instituições do governo, da iniciativa privada e da sociedade civil e na
participação democrática direta das pessoas – nunca como massa, senão uma-a-uma,
personalizadamente – com o objetivo de promover o desenvolvimento humano e social sustentável
da cidade e de suas localidades.

O que se espera é que, instalada essa rede geral, possa-se franquear aos interessados a
replicação de processos de Governança Solidária Local nos bairros, vilas e inclusive ruas de Porto
Alegre. Caso isso se concretize, o PGSL – ou melhor, a Governança Solidária Local – deixará de
ser apenas um programa proprietário, um programa do governo municipal, para passar a ser, além
disso, (ou, talvez, em vez disso), um novo tipo de movimentação social, em rede distribuída, capaz
de se replicar a partir de múltiplas iniciativas bottom up.

59
Cabe cuidar agora para que essa correta e promissora iniciativa também não atrase,
desperdiçando preciosa oportunidade de retomar a idéia central da Governança Solidária Local em
um grau maior de amplitude.

Sobre os Resultados Positivos Intangíveis do Programa

Para além de tudo o que foi dito aqui, minha visão da Governança Solidária Local – como já afirmei
– é, entretanto, essencialmente positiva. Nas localidades em que chegaram as idéias e as práticas
impulsionadas pela Governança Solidária Local, criou-se um novo clima, mais leve, mais amigável,
mais gentil e menos emburrado, mais cooperativo e menos competitivo-adversarial, mais
propositivo e proativo e menos reativo e reivindicativo. E, sobretudo, estão sendo gerados uma
nova consciência e um novo conjunto de práticas democráticas baseadas no estímulo à
inteligência coletiva das comunidades para a promoção do seu próprio desenvolvimento.

Com todas as ambigüidades, deficiências e limitações que a envolveram, a equipe responsável


pelo Programa apostou corretamente em um novo caminho, continuou acreditando em suas
próprias idéias e nas novas idéias que foi construindo ao longo das tentativas de palmilhar esse
novo caminho, teve coragem suficiente para desafiar esquemas estabelecidos, conseguiu
contaminar mais gente com seu entusiasmo e sua honestidade de propósito. Conquanto as
mudanças desencadeadas ainda não possam ser vistas claramente, penso que a cidade de Porto
Alegre, seja qual for o desfecho desse processo, jamais será a mesma depois da experiência da
Governança Solidária Local.

A mim, só me cabe agradecer a todos pela oportunidade que tive de ver de perto e de
compartilhar, durante os últimos dois anos, as dificuldades e as realizações dessa aventura
educativa em prol do desenvolvimento endógeno e da democratização da sociedade, à qual tentei
aportar alguma reflexão acumulada em experiências anteriores, mas da qual saí bem mais
enriquecido do que entrei.

60
Governança Solidária Local: por uma democracia para o
Século XXI
15
Cézar Busatto

Não se trata apenas de uma mudança de Século, estamos diante de uma mudança social de
grandes proporções, de uma nova etapa da historia da humanidade com a transição da sociedade
industrial para a sociedade do conhecimento. A par da revolução econômica provocada pela
mundialização sem precedentes dos fluxos de riqueza, impulsionada pelas novas tecnologias da
informação e da comunicação, ocorrem mudanças generalizadas nas relações sociais, nos
comportamentos individuais e nas formas de exercício do poder político que, pela sua rapidez,
ainda não foram nem mesmo totalmente compreendidas e muito menos incorporadas na vida da
maior parte dos cidadãos e instituições em sociedade.

É tão verdadeiro quanto óbvio que estas transformações estruturais necessariamente impactarão
sobre o Estado e o sistema político democrático atualmente vigentes, constituídos ainda sob a
égide da modernidade. Tanto a estrutura estatal quanto a democracia política expressam a época
das grandes estruturas piramidais e setorializadas próprias da especialização e fragmentação dos
saberes, da disputa de poder e hegemonia em detrimento da sustentabilidade, da prevalência da
competição e do individualismo exacerbados, como se o mercado fosse suficientemente capaz de
assegurar a harmonia do homem com a natureza e a alocação equilibrada dos recursos
socialmente gerados.

Dois séculos de vigência deste modelo societário já foram o bastante para demonstrar a sua
insustentabilidade, que hoje se manifesta à exaustão nas desigualdades sociais crescentes, no
crescimento da violência e nos desequilíbrios ambientais. A ponto de ameaçar a própria
sobrevivência da vida no planeta terra.

A desconstituição das estruturas verticais e a transversalização dos saberes provocadas pelas


novas redes de informação e comunicação a partir de meados do último século – e que ganharam
velocidade nas últimas duas décadas – acopladas a um avanço sem precedentes da afirmação
das diversidades individuais, sociais e culturais, que ocorre simultaneamente com a exigência de
mais democracia política por parte de cidadãos mundo afora, está a requerer uma nova
configuração do Estado e da democracia que temos praticado.

Ao lado da horizontalização da estrutura piramidal do Estado moderno, através da territorialização


dos órgãos que o compõem, aproximando-os das comunidades locais e constituindo com elas
novas arquiteturas públicas de co-responsabilidade e co-gestão do desenvolvimento local, impõe-
se um novo paradigma democrático, em que a busca da convergência, do consenso, da unidade
na diversidade, da cooperação – e não da disputa, do conflito, da vitória de uns e a derrota de
outros, da conquista de hegemonia – seja a tônica predominante. Essas necessárias
transformações políticas passam a ser não mais uma questão de preferência, mas de
sobrevivência no atual estágio de desenvolvimento que alcançamos.
15
Secretário de Coordenação Política e Governança Local de Porto Alegre
61
Governança Solidária Local é exatamente isso, uma nova arquitetura política, do Estado e da
democracia, construída a parir da base da sociedade e do cotidiano dos cidadãos, condizente com
a nova sociedade do conhecimento, capaz de produzir harmonia e sustentabilidade numa etapa
crucial da historia da humanidade em que o poder conflitivo e desestabilizador dos fluxos de
riqueza e de poder e da exacerbação dos particularismos de todo tipo constituem-se em ameaça
sem precedentes à vida no planeta.

A construção de ambientes propícios e a constituição de redes de governança solidária local


produz muitos aprendizados. Talvez um dos mais relevantes seja o de que é no território, no lugar
onde vivem as pessoas, na rua, no bairro, onde pode mais favoravelmente ocorrer a
transversalização dos saberes, dos órgãos e políticas públicas e a construção de comunidades de
conhecimento, de aprendizado, de iniciativa e de projeto. A tal ponto que podemos dizer que o
conceito de formulação de políticas publicas, próprio da época da modernidade, deve ceder lugar
ao da constituição de redes de cooperação e solidariedade voltadas para o alcance de objetivos de
melhorias e de desenvolvimento comunitário.

Não menos importante é aprender com a constituição de redes comunitárias que o grande desafio
da nova democracia cooperativa, da construção da unidade na diversidade pela realização do bem
comum, é o estabelecimento de pontes e canais de diálogo e comunicação entre os diferentes
autores sociais - governos, empresários, líderes comunitários e cidadãos –, que em geral ou não
existem ou estão tão obstruídos por situações de toda a ordem que impedem o fluxo da troca de
saberes e experiências, do compartilhamento de vivencias, da realização de parcerias solidárias,
da construção de inteligência coletiva e projetos comuns. A época da modernidade, que promoveu
o espetacular crescimento econômico e tecnológico que temos hoje, deixou no seu rastro este
legado de desigualdades, fragmentação, preconceitos, organizações piramidais, fatores todos que
obstruem o diálogo, a comunicação, a confiança e a tecitura de redes solidárias.

Mas o aprendizado mais profundo que resulta da constituição de redes é que a democracia do
diálogo, da confiança e da construção de consensos não é um novo padrão institucional, uma nova
organização, mas acima de tudo um novo modo de vida. A construção da democracia nas relações
entre cidadãos exige que sejamos democráticos no cotidiano de nossa existência ou ela não
ocorrerá. Pois é muito fácil falar em democracia, defender teses a seu respeito, propugnar pela sua
adoção, denunciar sua inexistência ou seus limites. Entretanto, é muito difícil praticá-la em nossa
vida cotidiana, em nossas relações com o outro, em nossa atuação em sociedade. Sermos
democráticos, vivermos e praticarmos a democracia, termos democracia dentro de nós é a maior
de todas as exigências para construirmos redes de governança solidária local.

E ser democrático neste Século XXI é especialmente reconhecer e respeitar a legitimidade do


outro, promover pelo diálogo laços de confiança, compartilhamento e cooperação, construir
unidade de propósitos e projetos de comunidade na afirmação da diversidade e na riqueza das
diferenças, fonte da criatividade e dos múltiplos saberes, inteligências e capacidades humanas. O
desafio da democracia para este século é, pois, a constituição de sociedades ao mesmo tempo
empreendedoras, prósperas e inclusivas a partir de relações de diálogo, confiança e cooperação
entre todos os seus cidadãos.

62
63
Meu olhar é atônito
16
Jandira Feijó

“… You may say I'm a dreamer, but I’m not the only one,
I hope some day you'll join us, and the world will live as one … “

Imagine - John Lennon.

“… We learn to live, we learn to give each other


what we need to survive together alive
Oh Lord, why don’t' we? “

Ebony and Ivory - Paul McCartney

Flagrada num ato falho irreparável ao afirmar que a nossa causa era mais justa do que as outras
me dei conta do tamanho da mudança que queremos promover com a Governança Solidária Local.
Não adianta querer tapar o sol com a peneira. Por mais democratas e fraternos, conectados e
integrados, articulados e humanistas, ainda assim somos causa e conseqüência de uma sociedade
que pretendemos transformar. Imperfeitos, impregnados pelo ritmo do “é-mais-fácil-agir-sempre-
do-mesmo-modo”, ainda que cheios de esperança e boa vontade, caímos nas velhas armadilhas
autoritárias, verticais e arrogantes.

A idéia – criar um ambiente onde as pessoas tenham confiança umas nas outras, saibam escutar e
dialogar, respeitem as diferenças, superem as divergências e unam seus talentos para juntos fazer
do local onde vivem o melhor lugar do mundo para a nossa existência – não é nova, mas nem por
isso vitoriosa. Foi sonhada por grandes mestres, está no seio das mais diversas religiões, traduz a
busca essencial dos filósofos e carrega o gene dos mais nobres ideais republicanos. Todo esse
“background”, porém, não assegura a sua viabilização prática com a rapidez que necessitamos.

Se de boas intenções o inferno está cheio e, se, como dizem, o inferno é aqui mesmo, porque
insistir em realidade a Governança Solidária Local? Sinceramente não sei. Suponho que o que me
move na defesa desta causa seja a necessidade de dar um sentido lógico a humanidade e a minha
própria existência. Ou talvez, a motivação nasça da constatação de que do jeito que as coisas se
arranjaram neste planeta, só nos restaria a opção entre deixar rolar como está ou virar tudo de
cabeça pra baixo. Cada um de nós há de ter os seus motivos, mas o meu olhar sobre a
governança solidária local indica que sim estamos numa encruzilhada.

Deixar rolar significaria compactuar com um meio-ambiente degradado, com as trevas das guerras,
com a estupidez das lutas de classe, com o egoísmo da corrupção, com os algozes da liberdade,
com os abismos da injustiça, com a escuridão da intransigência, com a cegueira do absolutismo e

16
Jornalista, Coordenadora da Assessoria de Imprensa da Secretaria de Coordenação Política e Governança Local de
Porto Alegre
64
com a inclemência de uma partida de cartas marcadas, num placar que aponta cada vez mais
fome, mais violência, mais doenças, mais exclusão.

Inverter o jogo, segurar as rédeas do destino, romper paradigmas, virando tudo de cabeça pra
baixo, por suposto pareceu-me a grande oportunidade de fazer e oferecer o meu melhor em meio
ao caos. A tese é inteligente, inequívoca, plural, pródiga ou magnânima, escolham o adjetivo que
mais se adequar a uma proposta generosa. “Fazer com que se revelem as oportunidades de
atuação conjunta entre governos, iniciativa privada e sociedade, sem superestimar o valor das
ideologias, sem escolher partido, sem vitoriosos nem perdedores, sem representação delegada. Eu
cidadã, cobrando meus direitos e assumindo minhas responsabilidades”.

Colocar essa idéia simples em prática, no entanto, tem me feito supor que será preciso reinventar o
mundo e o ser humano – e com eles refundar as instituições criadas pela humanidade. Vejam bem,
para termos a expectativa de que as mastodônticas instituições estatais consigam modernizar-se é
preciso muito mais do que esperança e vontade política. Acreditar que o Mercado está disposto a
incluir mais pessoas é quase como acreditar nos contos de fada. Imaginar um mundo onde as
pessoas vivam em paz, como as teclas de um piano convivendo em perfeita harmonia, só mesmo
nas canções do John Lennon e do Paul McCartney. Esperar que as pessoas, de uma hora para
outra, se conscientizem de que a adversariedade não apenas atrasa as soluções, como ainda
implode as possibilidades de soluções, é coisa para no mínimo umas 20 gerações!

Isto não significa que a Governança Solidária Local não venha tendo suas vitórias. Além do mais o
que seria de nós se músicas como as do John e do Paul não nos sensibilizassem? A cada dia
comemoro, muitas vezes solitária, pequenos triunfos, como a iniciativa de um ou outro cidadão,
que faz da sua indignação a mola propulsora para reagir ante aquilo que convencionamos chamar
de “O Sistema”. No século passado, quando ainda era criança, tinha tanta pressa que na
brincadeira “Mamãe posso ir?”, sempre escolhia passos felinos para atingir mais rápido o meu
objetivo de vencer. Hoje, sei que percorro os caminhos da idade adulta a passos de tartaruga.
Concretizar a Governança Solidária Local para dar tempo de ver o mundo mudar antes de tudo
acabe exigiria a velocidade da luz. As coisas, porém, acontecem em micro-escala.

O dia-a-dia no Executivo é algo absolutamente desesperador. A forma como as instituições se


estabeleceram, a maneira como as relações se firmam e o comportamento enraizado das pessoas
que ainda não se deram conta de que é hora de mudar te empurram a dar dois passos para frente
e um e meio para trás a cada instante. O clima de disputa, de desconfiança, de autoritarismo, de
centralismo, de arcaísmo, de cheiro de mofo e de mentiras fica saturado de tal modo, que, volta e
meia, a gente se vê reproduzindo os modelos que contestamos.

As conversas são repletas de duplos sentidos, as barganhas fazem recuar, os egos envaidecidos
afastam a possibilidade de resultados mais eficazes. Para obter alguma vitória concreta é
necessário construir alianças, na maioria das vezes temporárias. A implementação da
transversalidade é quase um parto à fórceps. A cooperação ocorre em virtude de laços pessoais,
não por consciência pública. Na administração pública, seja no Executivo ou no Legislativo não
existe solidariedade institucional. Existem pessoas, razoavelmente bem intencionadas e
comprometidas, com boas redes de relações sociais inteligentes, que diariamente percorrem um
verdadeiro calvário para fazer as coisas acontecerem. Mas não existe um espírito de corpo

65
republicano consolidado. Prevalecem o corporativismo mesquinho, o descompromisso com o
coletivo e o desencanto pessoal.

Há a turma que se omite, há a tribo dos que jogam contra, há ainda aqueles que só agem quando
percebem que levarão algum tipo de vantagem. A turma dos que querem agir com
responsabilidade social é vítima dos predadores que estão no topo da cadeia alimentar. Ou numa
linguagem mecanicista, que é como o Estado foi concebido, esta tal máquina pública até tem
peças com um bom design, mas o que deveria lubrificá-la para funcionar não é exatamente a
consciência de que governos e seus servidores estão aqui e agora para melhorar a vida da
sociedade. Por sua vez, a sociedade de um modo em geral, ainda que cresça o voluntariado, ainda
que mais pessoas percebam que a Era Reivindicacionista precisa evoluir para uma Era de
Responsabilidades, segue lavando suas mãozinhas, supondo que a Democracia se resume em
eleger seus representantes a cada dois anos e basta o direito de se dizer o que se pensa.

A hipocrisia é tamanha que seguimos sem coragem de dizer que o Rei está nu e enquanto não
assumirmos claramente nossas deficiências, não conseguiremos enxergar nossas potencialidades.
Por isso, a cada dia me convenço de que não existe espaço menos público do que o próprio poder
público. Por isso reforço a certeza de que do jeito que está não é mais possível continuar – por
isso a concepção da Governança Solidária Local – ou qualquer outra inovação democrática – é, na
minha opinião, tão decisiva. Por isso é tão difícil colocá-la em prática. Por isso sigo lutando para
que ela aconteça.

Há quem pense que o mais difícil é a escassez de recursos orçamentários. Ah, eles são reduzidos
mesmo, insuficientes para dar conta do mínimo. Sim, os impostos têm um peso sufocante para
todos nós; sim o dinheiro público é visto como dinheiro de ninguém, sim, a tributação é excessiva,
mas acreditem, não há recursos estatais suficientes para dar conta das necessidades desta
Nação. Ocorre, que o maior entrave não é exatamente este. A estreiteza de idéias, as visões
limitadas do mundo, e as atitudes voltadas para o próprio umbigo, são os maiores empecilhos da
modernização e do arejamento do fazer político. Se os partidos, as instituições estatais, as
organizações empresariais e sociais seguirem reproduzindo os comportamentos que nos
trouxeram até aqui, com os resultados infames que todos conhecemos, aonde chegaremos?

Trabalhar em rede, cooperar, dialogar, compreender, agir integrada e articuladamente, não é fácil.
Condições tecnológicas e de conhecimento estão ao nosso dispor em abundância. Pessoas bem
intencionadas existem. Uma única tentativa pode comprovar a qualquer um que os resultados de
uma nova atitude são gratificantes e eficazes. Quero seguir acreditando que um dia esse jeito de
atuar vai se sobrepor aos demais.

Ocorre que é muito complicado respeitar o “timing” e a individualidade de todos os que nos cercam
– exige que saibamos esperar com tolerância “cair a ficha” de cada um; necessita aprendermos a
valorizar as diferenças – elas são a nossa maior riqueza. Dá um trabalhão danado olhar para si
mesmo e descobrir nossos talentos e mais trabalho ainda levar em conta as capacidades dos
demais – compreendendo que todos têm algo de bom para oferecer. Afastar da rotina as práticas
populistas e assistencialistas – que rebaixam os cidadãos a condição de eternos dependentes
exigem uma vigilância constante. Todas essas são atitudes que exigem reformas íntimas
profundas. Minhas inclusive. Volta e meia, me pego armada até os dentes, abandonando a prática
do diálogo civilizado e me achando injustiçada quando não me compreendem.
66
Por outro lado, a idéia pré-concebida de que basta ser povo, basta ser pobre, basta ser
trabalhador, basta fazer parte de uma ONG ou basta ser uma empresa socialmente responsável
para salvar o mundo e promover a redenção da sociedade impede que se diga com todas as letras
que a verdade verdadeira não é bem essa. Não é apenas o Poder Público o vilão dessa história.
Nem todos se dispõem à cidadania, nem todos estão interessados no bem comum, nem todos tem
vontade de mudar o “status quo”.

Se existem cidadãos que se sentem humilhados com o Bolsa Família porque percebem que sua
dignidade decorre do reconhecimento de sua força de trabalho e não de migalhas, também
existem os que preferem esperar pelo paternalismo excludente. Se existem famílias inteiras que
sobrevivem catando recicláveis, submetendo-se a puxar carroças em meio às buzinas e caras feias
da classe média, mas ainda assim querendo trabalhar, também existem os que são seduzidos pela
aparente vida fácil dos colarinhos brancos, da bandidagem, da prostituição, do narcotráfico, da
corrupção, da sede de poder.

Espremidos pela contradição sem fim de nossa condição de humanos, pagamos o preço de querer
inverter uma lógica perversa. Açoitados pela pressa de uma sociedade que segue exigindo
respostas urgentes somos obrigados a atropelar algumas etapas do processo. Fustigados também
pelo tempo e interesses eleitorais, nos vemos fazendo concessões. E é nesse conjunto de
ingredientes liquidificados, aqui apresentados de maneira simplista e propositalmente dicotômica,
que me vejo soterrada de angústias. Meu olhar resulta atônito e, sem pretensão, suponho que ele
sintetize o imaginário coletivo de uma parcela da sociedade que ao mesmo tempo se vê descrente
de sua humanidade e da civilização que ergueu, e ainda assim não consegue entregar os pontos e
se dar por vencida.

Entrego-me de coração e espírito para que as coisas dêem certo; não desisto diante dos
obstáculos – faço deles, aliás, meu ponto de resiliência – não consigo, entretanto, vislumbrar o dia
em que esse esforço resultará em efetiva mudança na qualidade de vida e na convivência mais
harmônica entre as pessoas. Já que estou aqui e agora, sigo em frente, afinal o que me restaria
fazer? Ainda assim, recuso-me a lutar por meros cartões postais, a espalhar poeira marqueteira, a
fingir que estou no País das Maravilhas. Pago um preço muito alto por ser assim e muitas vezes
me pergunto se vale a pena.

Tenho certeza de que não estou só; acredito na “Era dos Vagalumes”; percebo que faço parte de
um momento em que está florescendo um novo jeito de fazer política; creio sinceramente que esta
é “A Revolução” e que estou fazendo a minha parte. Quantos, porém, já não fizeram o mesmo em
todos os instantes da História? Quantos também têm a convicção de que a sua causa também é
mais justa do que as outras?

Para enfrentar meu dia a dia, releio como um mantra o que foi assim descrito por Fritjop Capra, em
Conexões Ocultas: “... qual a esperança que podemos ter para o futuro da humanidade? Na minha
opinião, a resposta mais inspiradora a essa questão existencial foi dada por um dos personagens
centrais das transformações sociais recentes, o grande dramaturgo e estadista tcheco Václav
Havel, que transforma a pergunta numa meditação sobre a esperança em si:

67
O tipo de esperança sobre a qual penso freqüentemente,... compreendo-a acima de tudo como um
estado da mente, não um estado do mundo. Ou nós temos a esperança dentro de nós ou não
temos; ela é uma dimensão da alma, e não depende essencialmente de uma determinada
observação do mundo ou de uma avaliação da situação... [A esperança] não é a convicção de que
as coisas vão dar certo, mas a certeza de que as coisas têm sentido, como quer que venham a
terminar”.

Sustenta-me e consola que seres humanos ainda produzam canções como Imagine e Ebony and
Ivory, e meus companheiros de jornada tenham outros olhares sobre a Governança e a vida em
sociedade. O Busatto com seu olhar idealista, a Mari com seu olhar realizador, o Toni com seu
olhar otimista, o Plínio com seu olhar sereno, o Augusto com seu olhar crítico, a Bia com seu olhar
paciente, a Maria Amália com seu olhar entusiasmado, a Indaiá com seu olhar alegre, a Janete
com seu olhar sem pânico, o Belbute com seu olhar empreendedor, o Carlos com seu olhar amplo,
enfim, inúmeros outros colegas desta equipe corajosa que tem aprendido a olhar por ângulos
diferentes, mas na mesma direção.

68
Governança Solidária Local: Uma Idéia que Transforma
17
Plínio Alexandre Zalewski Vargas

O anúncio do então candidato a prefeito José Fogaça de que, se eleito, manteria o Orçamento
Participativo, causou alvoroço entre as forças políticas da capital gaúcha. Por um lado, provocou
um desconforto entre os que criticavam o processo de participação, implantado na primeira
administração do PT. Por outro, originou um misto de perplexidade e desconfiança nas hostes
petistas, ainda não superadas, passados três anos da eleição de 2004. O fato inegável é que o
chamado OP está aí, intacto, mesmo que muitos militontos ainda insistam em anunciar o seu
desaparecimento.

Mas não está só, como esteve durante um longo tempo – 2001/2004 - período em que
desenvolveu a doença da auto-referência, um mal que quase o levou à auto-extinção: déficit
público imenso, centenas de obras atrasadas, enfraquecimento da confiança popular sobre o
processo de participação, esvaziamento das Assembléias, baixa transparência.

A manutenção do OP em Porto Alegre é reconhecida nacional e internacionalmente como uma


decisão com significativo poder de subverter a cultura política brasileira, marcada pela
descontinuidade de obras e políticas públicas, muitas delas exitosas, com evidentes prejuízos para
as comunidades atingidas. Mas, em verdade, é muito mais do que isso: ela é o marco referencial
de um processo de integração política, econômica e cultural, cujo objetivo é desenvolver a cidade e
que, em 2005, encontrou o ambiente propício para se “desenrolar” em Porto Alegre, emergindo sob
o nome de Governança Solidária Local. De todo modo, cuidado: não se trata da reconstituição de
um mito fundador, de um marco zero ou de um Ano I da capital gaúcha. O capital social necessário
para essa emersão já transbordava na história de cada rua, de cada bairro e de cada região, tal
como já afirmávamos em 2004:

“Uma cidade é uma enorme enciclopédia de saberes, registros do cotidiano, esforços individuais e
coletivos, aspirações, todos reunidos e sobrepostos naquilo que chamamos de temporalidade, que
é a articulação entre as realizações do passado, do presente e dos projetos de futuro. Quando esta
enciclopédia dá origem a centenas de milhares de enciclopedistas, podemos afirmar que,
indubitavelmente, uma cidade tem memória e pode, a partir dela, planejar o seu futuro. Do
contrário, se gerações se sucedem sem a pré-ocupação de preservar esta memória, a história da
humanidade nos ensina que as dimensões do passado, do presente e do futuro podem ser
reescritas pela ideologia e os ensinamentos desperdiçados, restando tão somente a
18
desorientação.”

Muitos comentaram, à época, que isso era tão somente uma idéia. E tinham uma parcela de razão,
embora não o sentido da razão. Explico. O bailarino e coreógrafo austro russo, Rudolf Nureiev,
dizia que o importante no seu trabalho era que ele era movido por uma idéia. Para ilustrar, utilizava
17
Diretor do Observatório da Cidade de Porto Alegre – Observapoa – www.observapoa.com.br
Coordenador de Formação do Sistema Municipal de Gestão Local e Planejamento Participativo
18
Busatto, Cezar e Vargas, Plínio Zalewski. Governança Solidária Local – Fundamentos Políticos da Mudança em Porto
Alegre. 2004
69
a voz da cantora lírica, de ascendência grega, Maria Callas: “Ela tem uma bela voz, mas não é a
mais bonita de todas”. O que a diferenciaria das outras, sublinhava, “era uma idéia”. Era isso,
segundo ele, que fazia o público ser envolvido por ela.

É neste sentido, que a Governança Solidária Local deve ser qualificada como “uma idéia”. É um
processo que move e cria neurônios, multiplica sinapses, associa, para envolver o conjunto da
sociedade em torno de metas e objetivos comuns: participar cooperando, desenvolver as
capacidades instaladas na cidade, para que todos tenham a oportunidade de fazer política e
alcançar a liberdade.

Estranhamente, a palavra liberdade desapareceu do debate político, em especial entre aqueles


que professam a participação como um fim em si mesmo, restando um culto, uma fé, na igualdade
e na fraternidade.

Defender em Porto Alegre a liberdade como um objetivo a ser perseguido e que tudo mais são
metas para viabilizá-la, é profundamente transformador, senão por outro motivo, pela evidência
empírica de que essa assertiva é capaz de ampliar socialmente a participação, promover o diálogo
entre diferentes concepções de mundo, envolver grupos sociais distintos para um esforço de
desenvolvimento social, com uma visão de futuro clara e adequada ao contexto e às capacidades
humanas disponíveis. Assim, a “idéia” de Governança Solidária Local atuou sobre uma realidade
social e política de confronto, para promover o consenso, o que não é pouco para a Capital gaúcha
e mesmo para o Estado do Rio Grande do Sul:

“De 1994 a 2002, as energias criativas, a cooperação, a solidariedade, o diálogo e o respeito à


pluralidade entre os gaúchos – que marcaram a grande obra de construção do capital social rio-
grandense – foram interrompidos por um ambiente de polarização política e ideológica. O que de
início fazia parte do processo intrínseco à ação política que é, grosso modo, apreender os fatos da
realidade, mesmo que de formas diferentes, para transformá-la em benefício das pessoas e que
constitui a gênese de qualquer disputa democrática, transformou-se num enfrentamento belicoso
que rapidamente fez involuir dois projetos de governo à categoria de sistemas fechados e que
19
originou dois novos partidos no RS: anti-brittismo e o anti-petismo.”

Como é possível perceber, a “idéia” nasce de uma solene autocrítica, o que é uma virtude do
exercício de pensar. E pensar para esta “idéia” não é, sem sombra de dúvida, aprender fazendo,
porque a ação é o momento de júbilo do pensamento, já nos ensinava a teórica política alemã
Hannah Arendt. E na atitude de pensar, reside mais um elemento transformador da Governança
Solidária Local. Porque pensar é um exercício prévio de identificação dos pré-conceitos, para que
possamos, livres deles, alcançar a experiência mesma.

Desta forma, podemos entender que não é gratuita a manutenção do Orçamento Participativo, o
estímulo ao consenso nos processos constituídos de participação popular, a conclusão de todas as
obras do governo anterior, os interesses políticos subordinados aos interesses da cidade na
Câmara Municipal de Vereadores e, sobretudo, a construção da Conferência Mundial Sobre o
Desenvolvimento das Cidades. Neste último caso, a atitude de pensar venceu bloqueios, superou

19
Busatto, Cezar e Vargas, Plínio Zalewski. Governança Solidária Local – Fundamentos Políticos da Mudança em Porto
Alegre. 2004
70
pré-conceitos e acabou por oferecer a Porto Alegre uma oportunidade singular de conectar-se à
pluralidade de idéias e experiências nacionais e internacionais de desenvolvimento.

Contudo, para que a liberdade seja sustentável como objetivo e não como retórica e, portanto, para
que possamos nos dedicar a “exercer política”, uma “idéia” precisa legitimar-se, socialmente,
removendo obstáculos: os constrangimentos do poder ao direito de falar e deixar falar, à
possibilidade de o indivíduo e o coletivo tomarem iniciativas, começar coisas, á espontaneidade e
os constrangimentos impostos pela necessidade. Portanto, é na alma da liberdade que residem à
igualdade e a fraternidade, não no seu entorno ou mesmo acima dela.

Sábios são os integrantes do grupo musical Titãs, quando cantam que “a gente não quer só
comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Talvez aqui resida uma das maiores virtudes da
“idéia” de Governança Solidária Local que, incorporando boa parte das reflexões da sociedade
porto-alegrense, suas reivindicações e preocupações, ainda em 2004, acabou por transformá-las
em políticas públicas. Não por acaso, o título dado ao capítulo do trabalho Governança Solidária
Local – Fundamentos Políticos da Mudança em Porto Alegre foi Dialogando com o Orçamento
Participativo, assim desenvolvido:

“Ampliando a participação cidadã para além da definição das prioridades do Orçamento Público, de
modo a incluir todas as dimensões do desenvolvimento e dos serviços públicos de cada região e
bairro da cidade”.

Políticas Públicas Implementadas: Redes de Governança, Comitês Gestores Locais.

“Articulando e agregando os esforços de melhoria social e os recursos humanos, materiais e de


conhecimento de todos os setores da sociedade - público, privado e não-governamental”.

Políticas Públicas Implementadas: Pactos de Governança e Projetos Emblemáticos,


Observatório da Cidade de Porto Alegre, Microcrédito, Shopping Popular.

“Introduzindo os conceitos de eficiência e eficácia, através de métodos de gestão modernos, com


base no alcance de metas sociais, indicadores de avaliação, mapas de diagnóstico e de iniciativas
cidadãs”.

Políticas Públicas Implementadas: Novo Modelo de Gestão/Portal de Gestão, Orçamento-


Programa, Observatório da Cidade de Porto Alegre.

“Ampliando o conhecimento e o nível de consciência dos cidadãos e cidadãs participantes, através


da disponibilização irrestrita de informações georeferenciadas por bairro, região e para a cidade
como um todo, de modo que as decisões tomadas tenham mais consistência, sejam mais objetivos
os critérios de prioridades e sejam criadas as condições para a elaboração de estratégias e planos
de melhoria de qualidade de vida local, de curto, médio e longo prazos”.

Políticas Públicas Implementadas: Processo de construção dos Pactos de Governança, Blog da


Governança, Jornais de Bairro, Observatório da Cidade de Porto Alegre, Sistema Intermunicipal de
Capacitação em Gestão Local e Planejamento Participativo, elaboração e implementação pelas

71
lideranças populares da pesquisa Indicadores Multidimensionais de Pobreza, juntamente com a
Faculdade de Economia da UFRGS.

Os resultados da "idéia", parcialmente elencados acima, materializam as conclusões de uma forma


de pensar, a saber, é pré-condição para o desenvolvimento a criação de um ambiente favorável ao
diálogo, à democratização do conhecimento e da informação, a formulação de metas e objetivos
claros, à cooperação, identificação e valorização das potencialidades existentes em determinado
território, sejam elas humanas, comunitárias, ambientais, intelectuais, de espírito cívico, enfim, um
ambiente favorável ao capital social. E este ambiente deve, de fato, impactar, realizando
transformações profundas na gestão pública, na vida da cidade, nas redes de participação popular,
na sociedade como um todo.

É preciso distinguir, conceitualmente, simulacro e imaginação. Se nos sentimos confortáveis com


simulacros, devemos estar conscientes de que os significados não encontram significantes. Algo
como apontar para uma mesa e chamá-la de cadeira. Ou dizer simplesmente, imitando o filósofo
Michel Foucault, "isto não é um cachimbo".

Porém, se o mundo contemporâneo é tão complexo, quase se parecendo com um labirinto; e se


para recuperar sua sustentabilidade o exercício do poder é irrenunciável, bem, que o exerçamos
com imaginação. "Imaginação no poder", não é mesmo? Então, se a Governança Solidária Local é
mesmo uma "idéia", como sustentei até aqui, cujos significados apontam para os respectivos
significantes e sua atualidade e permanente renovação dependem do "pensamento" - que identifica
pré-conceitos e alcança a experiência – bem, é possível que possa afirmar que há um processo de
inovação ocorrendo em Porto Alegre. E não será nenhum absurdo, caso queira chamá-la de
Cidade-Rede.

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