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(Já que por fim o meu nome deve viver, eu devo me preocupar em transmitir com ele a lembrança do
homem desafortunado que o carregou consigo, tal como esse homem foi realmente e não como os
inimigos injustos trabalharam sem descanso a descrevê-lo).
D
Outro viés escolhido por Starobinski para enfocar o discurso autobiográfico de Jean-
Jacques Rousseau diz respeito à relação entre o presente e o passado. Indaga-se até
que ponto o eu atual não deturpa o eu passado. Na concepção autobiográfica de
Rousseau o essencial não é lembrança do fato objetivo, que pode ser enganadora,
mas sim o sentimento, que possui o poder de irromper novamente, presentificando-
se e conferindo legitimidade ao relato. Vemos que, de certo modo, Rousseau antecipa
Marcel Proust.
Evelina esclarece que se deteve no estudo de Jean Starobinski por este conter traços
importantes através dos quais podemos repensar o conceito de autobiografia. Tais
traços estão associados a uma questão emblemática das teorias modernas e
contemporâneas: a relação do sujeito com a linguagem. Note-se que em Rousseau a
linguagem tornou-se o lugar de uma experiência imediata, ao mesmo tempo em
que permanece instrumento de uma mediação. Através da escritura, o eu fala e é
falado.
A autora chama atenção para as seguintes questões propostas por Costa Lima: deve a
autobiografia ser vista como verdade ou ficção? Pertence ou não à literatura? É de
fato um documento que atesta como alguém testemunhou suas experiências?
O teórico francês Philippe Lejeune interpreta essa instabilidade como um duplo jogo
que o discurso autobiográfico não consegue resolver, pois se pretende
simultaneamente documento e obra de arte. Ele reflete sobre a diferença entre a
autobiografia e o romance autobiográfico e conclui que a base da autobiografia é o
que foi denominado “pacto autobiográfico”, definido como a afirmação da perfeita
identidade entre autor, narrador e protagonista.
No século XIX, a biografia adquire plena vigência nos estudos literários como
gênero historiográfico (principalmente, a biografia dos poetas). Torna-se também um
gênero literário, na medida em que se introduz na literatura a narrativa em
primeira pessoa, originando o romance autobiográfico.
Para falar do estatuto do autor, Evelina recorre a Roland Barthes, Michel Foucault e
Jacques Derrida.
Jacques Derrida também propõe uma noção de escritura que realça sua natureza
“parricida”, por sua possibilidade permanente de negar o pai-autor como princípio
teleológico (origem e fim da escritura), ou como um significado transcendental,
exterior ao texto. Tal relação do pai-autor com o filho-texto é ambígua, pois, devido à
consciência aguda que tem de sua atividade, o poeta moderno assume sua morte, ou
seja, o fato de que o texto fala por si mesmo. O outro polo dessa ambiguidade refere-
se ao gesto desse “autor-defunto” em continuar falando de seu texto, em não
abandoná-lo. Esta atitude está expressa, na modernidade artística e literária, pelo fato do
poeta exercer, paralelamente, o papel de crítico, teórico e mesmo historiador da
literatura. E como tal é um leitor a mais, e não o detentor do significado pleno de
sua escritura.
Barthes diferencia o autor, que pré-existe à obra, do scriptor, que nasce junto com
seu texto. Emergindo a cada leitura, o scriptor, ao mesmo tempo que cria, é criado pela
linguagem, e encontra em sua produção um canal para o autoconhecimento.
Segundo a autora, este tema fascinava Paul Valery. Para ele, a tarefa de
fabricação do eu poético, expressa numa ética da forma, conduz ao trabalho infinito,
afastando-se das concepções naturalistas ou simplórias de literatura, que confundem a
obra com o autor empírico.
Essa espécie de ubiquidade entre vida e ficção, a solicitação de ter que distinguir
todo tempo entre uma e outra, parece inerente ao ofício do escritor. Tal jogo de
espelhos constitui um dado singular: o fato de que sejam os escritores, que conhecem a
fundo sua matéria – tenham estes lidado com vidas reais ou fictícias, incursionado ou
não na autobiografia – os que se aventuram em maior medida na entrevista, ou seja, na
construção compartilhada de uma narrativa pessoal.
A autora faz notar que, como demonstram esses diálogos inconclusos, a senda
biográfica do escritor nunca será suficientemente transitada, e ele nunca explicará
totalmente os produtos de sua invenção. Contudo, não é a referencialidade dos fatos
ou seu caráter factual o que mais importa, e sim as estratégias de instauração do eu,
as modalidades da auto-referência. É o que Arfuch chama de “momento
autobiográfico” da entrevista. Como em toda forma em que o autor declara a si
próprio como objeto de conhecimento, esse momento apontará para uma imagem de
si, ao mesmo tempo em que tornará explícito o trabalho de gênese da persona do
autor, que se dá a cada vez que alguém assume um texto com seu nome: essa
performatividade da primeira pessoa, que assume “em ato” tal atribuição perante uma
“testemunha”, com todas as suas conseqüências.
Para quem jamais escreveu uma autobiografia nem deixou rastros da vida
paralela que transcorre junto à prática de sua escrita – como diários e anotações – a
entrevista oferece um material embrionário a ser retomado e desenvolvido, ao mesmo
tempo que assegura um diálogo suplementar com sua posteridade. Inversamente, os que
realizaram o exercício autobiográfico, poderão discutir sobre o fato e acrescentar outros
elementos à sua história, a partir de entrevistas.
A autora ressalta que essa é uma antiga contenda entre o texto e a crítica, ou ainda, entre
a singularidade do acontecimento privado (a enunciação literária que se oferece à
intimidade do leitor) e seu destino de interdiscursividade, que a leva a ser discutida
publicamente, pela crítica literária ou pela imprensa.
Outra questão que se coloca é como separar a imagem romântica do escritor inspirado
da imagem atual do trabalhador obstinado. Pode-se considerar que a entrevista faz disso
uma especialidade, na medida em que traz à cena as duas imagens. Tanto vislumbres da
inspiração como da rotina de trabalho são evocados pelo entrevistador.
Arfuch observa que perguntas sobre o ritual da escrita (como horários, local, etc)
aparecem insistentemente nas entrevistas. Tal insistência indica que a liberdade do
escritor está condicionada pelos mesmos parâmetros que regulam qualquer ofício,
desconstruindo o mito do gênio inspirado.
Ao lado da cena da escrita, outra pergunta permanentemente feita aos escritores é sobre
suas leituras, especialmente as primeiras, na infância. Esta é uma cena fundante, um
momento do relato em que o autobiográfico recupera uma herança e uma filiação,
ao mesmo tempo em que declara seu pertencimento a uma confraria literária
imaginada e escolhida. A cena da leitura do escritor pode ser considerada um
biografema. Este termo foi cunhado por Roland Barthes para designar aquele
significante que, tomando um fato da vida do biografado, transforma-o em signo,
fecundo em significações, e reconstitui a autobiografia através de um conceito
construtor da imagem fragmentária do sujeito, impossível de ser capturada pelo
estereótipo de uma totalidade.
Frequentemente a leitura como paixão e impulso imitativo sobrevém mais tarde na
vida do escritor para se transformar quase em leitmotiv que articula diversas
etapas da entrevista e da vida. Temos assim as leituras eletivas, as que revelam os
pertencimentos e a “angústia das influências”, as que estimulam que se escreva sobre
elas, etc.
Se por meio de suas leituras o escritor define sua dupla identidade de autor e
leitor, na composição dessa cartografia não pode faltar a hipótese em torno de sua
própria leitura como autor, ou seja, como ele concebe seu leitor exemplar. Dessa
forma, a entrevista trará elementos à teoria e crítica literária sobre um tema sempre
em discussão.
A indagação sobre o leitor ideal ou sobre a resposta suscitada pela obra, também
pode produzir discursos que revelam a filosofia do autor, contribuindo
indiretamente para a reconfiguração do público – orientação, explicitação, ajuste
dos “pactos” de leitura – em suma, para uma intervenção (imaginária) no
horizonte de expectativas do leitor. Esclareço brevemente que esse conceito foi
introduzido por Robert Jauss para se referir aos pressupostos (sociais, estéticos,
literários etc.) que estão por detrás de qualquer ato de leitura. Cada obra é confrontada
com uma certa expectativa. Por outro lado, os textos literários mais inovadores seriam
responsáveis por quebras e alterações no horizonte de expectativa. Ao falar sobre seu
leitor ideal, o autor de certo modo orienta a relação do leitor com seu texto.
Deve ser pontuado que também é significativa a pergunta de viés crítico, já que a
entrevista se consagra como um espaço propício à polêmica.
Arfuch afirma que uma autobiografia transcorre num plano secreto e todos os dados
exteriores são manifestações externas dessa vida que é complexa, obscura e pouco
legível. Talvez seja esse plano misterioso que se deixa entrever nos meandros da trama
e na combinação nunca tão arbitrária das palavras.
A autora postula que longe da ingênua atribuição de um nexo causal entre vida e
obra e da busca detetivesca do autor entranhado em seu texto, poderia se afirmar que
toda literatura é autobiográfica na medida em que participa desse plano secreto, por
compartilhar, mesmo sem confessar, medos, paixões e fantasias.
Leonor Arfuch conclui que a entrevista, apesar da aparente redundância dessa fala sobre
a escrita, dessa “vida artificial” que não deixa de ser montada como outra ficção, a
entrevista de escritores se desdobra como um suplemento necessário. O que é dito ali
não apenas alimenta a lógica insaciável do mercado, a construção do autor como pessoa
pública, sua imagem como ícone de vendas, como suporte do gesto da assinatura – essa
voracidade fetichista que anima feiras de livros e lançamentos – mas nutre também a
relação antiga e apaixonada entre escritores e leitores através de caminhos (no caso, as
perguntas) que embora escapem ao texto não lhe são totalmente alheios e que conduzem
a outros níveis de percepção deste.
Ciberarte
As aplicações do conceito de “obra aberta”, bem como as fontes de inspiração para
suas bases foram principalmente a pintura, a literatura e a música. A extração de todo o
conteúdo desse conceito dava-se até então em patamares mais abstratos, através de
proposições no procedimento do espectador no exercício de fruir uma obra. Na
ciberarte, a afinidade com esses preceitos é intensa e prática, como vimos acima
mediante o recorte de inúmeras citações. Se a fruição das obras até então se
propunha aberta porém abstrata diante das linguagens tradicionais como a pintura e
a escultura, por exemplo; para a “fruição aberta”, da ação em si, o processo de
intervenção direta no corpo virtual da obra da rede é a fruição.
Resumo
Breve reflexão sobre a questão da autoria na história da arte, com enfoque no Dadaismo
e na Pop Art, como introdução à temática do redimensionamento do conceito de autoria
na linguagem expressiva da ciberarte. A requalificação dos parâmetros desse conceito é
proposta mediante a analogia com o conceito de “Obra Aberta” de Umberto Eco.