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As escritas de si e o estatuto do autor

Para falar da literatura como escrita de si e discutir o estatuto do autor na


contemporaneidade, enfocarei, inicialmente, o livro Grande sertão: veredas, uma
escritura biográfica, de Evelina Hoisel.

A autora ressalta, na abertura, que embora a origem da biografia e autobiografia


remonte à Grécia clássica, diversos autores as veem como fenômenos tipicamente
ocidentais, frutos do pleno desenvolvimento do individualismo moderno.

Mikhail Bakhtin, ao pesquisar esses gêneros na Antiguidade, constatou aí a


inexistência de um romance biográfico, mas encontrou neste período uma série de
formas que exerceram grande influência na consolidação da biografia e
autobiografia europeias, bem como na formação do romance. Ele identificou no
classicismo grego duas modalidades autobiográficas.

A primeira é denominada “platônica”, pois apareceu inicialmente em textos de Platão.


Nela a autobiografia está associada à metamorfose mitológica do ser humano em busca
do autoconhecimento, expressa no percurso: ignorância presunçosa, ceticismo
autocrítico, conhecimento de si mesmo e conhecimento verdadeiro.

A segunda modalidade chama-se “biografia e autobiografia retóricas” e está baseada


no discurso civil, laudatório ou fúnebre. Esta forma não tinha caráter livresco, estando
relacionada a acontecimentos públicos – políticos e sociais. Logo, foi na praça
pública que se formou a consciência biográfica e autobiográfica do ser humano.
Bakhtin pontua que essa imagem de homem biográfico nada tinha de íntima e
pessoal, pois para o grego daquele período a existência se dava publicamente
(como hj??).

É só a partir do Renascimento que surgem as condições históricas propícias para a


autobiografia se firmar como forma discursiva que se constituirá pela presença do
eu a partir de um duplo e simultâneo foco: como este eu reage ao mundo e como o
mundo, por sua vez, o experimenta. Na Idade Média ainda não se havia desenvolvido
a dimensão psicológica do Eu, logo, não há autobiografia medieval.

Luiz Costa Lima, ao reconstituir o percurso histórico da autobiografia, constata que o


indivíduo moderno só surgiu após os dois primeiros terços do século XVI.
Ele encontra nas Confissões de Rousseau1 o ponto de ruptura com as obras
anteriores, vendo aí a gênese da autobiografia moderna. Considerando o texto
rousseauiano exemplar, Costa Lima extrai dele certas características fundamentais
para a constituição desse gênero na modernidade, a saber:

1) Definição da autobiografia como documento de uma vida narrada pelo seu


mais competente narrador.
2) Prazer do eu em se narrar.
3) O eu, diferentemente da biografia renascentista, não é mais comandado por
modelos externos. O que importa agora é que a relação consigo e com os
outros seja livre de padrões estabelecidos, bem ao gosto dos românticos.
4) Descida ao inferno de sua própria intimidade.
5) Paixão indagadora.

Jean Starobinski, ao refletir sobre a multiplicidade da produção autobiográfica de


Rousseau, também encontra nesta a precursora da biografia e autobiografia
modernas.

Ao analisar o conjunto de textos do filósofo, Starobinski constata que em Rousseau o


conhecimento de si nunca é o mesmo, e está sempre em seu começo, pois a verdade
vem à luz sempre de forma primordial. Conclui, além disso, que a busca pelo
reconhecimento público e o desejo de se mostrar transparente ao leitor é o motor que
impulsiona sua escritura.

Além da questão do reconhecimento, um aspecto presente no discurso de Rousseau é a


crença de que a autobiografia é a única forma de expressão que tem acesso à
verdade interior, sendo apta, por isso, a transmitir uma imagem fidedigna de seu
autor.

1
(Já que por fim o meu nome deve viver, eu devo me preocupar em transmitir com ele a lembrança do
homem desafortunado que o carregou consigo, tal como esse homem foi realmente e não como os
inimigos injustos trabalharam sem descanso a descrevê-lo).

D
Outro viés escolhido por Starobinski para enfocar o discurso autobiográfico de Jean-
Jacques Rousseau diz respeito à relação entre o presente e o passado. Indaga-se até
que ponto o eu atual não deturpa o eu passado. Na concepção autobiográfica de
Rousseau o essencial não é lembrança do fato objetivo, que pode ser enganadora,
mas sim o sentimento, que possui o poder de irromper novamente, presentificando-
se e conferindo legitimidade ao relato. Vemos que, de certo modo, Rousseau antecipa
Marcel Proust.

Evelina esclarece que se deteve no estudo de Jean Starobinski por este conter traços
importantes através dos quais podemos repensar o conceito de autobiografia. Tais
traços estão associados a uma questão emblemática das teorias modernas e
contemporâneas: a relação do sujeito com a linguagem. Note-se que em Rousseau a
linguagem tornou-se o lugar de uma experiência imediata, ao mesmo tempo em
que permanece instrumento de uma mediação. Através da escritura, o eu fala e é
falado.

A autora chama atenção para as seguintes questões propostas por Costa Lima: deve a
autobiografia ser vista como verdade ou ficção? Pertence ou não à literatura? É de
fato um documento que atesta como alguém testemunhou suas experiências?

Costa Lima distingue autobiografia e ficção a partir do papel concedido ao eu. Se


na ficção o eu empírico é o suporte da invenção, na autobiografia ele é a fonte da
experiência transmitida.

Cabe ressaltar que a autobiografia distingue-se do documento histórico, pois este


tem a presunção de ser impessoal. A autobiografia, por sua vez, é como um
documento de boa fé, uma versão personalizada dos fatos. Contudo, diferencia-se
do romance, pois não deve inventar o que não se passou.

Costa Lima conclui, a partir dessas considerações, que a autobiografia está em


permanente instabilidade conceitual, oscilando entre a historiografia e a ficção.

O teórico francês Philippe Lejeune interpreta essa instabilidade como um duplo jogo
que o discurso autobiográfico não consegue resolver, pois se pretende
simultaneamente documento e obra de arte. Ele reflete sobre a diferença entre a
autobiografia e o romance autobiográfico e conclui que a base da autobiografia é o
que foi denominado “pacto autobiográfico”, definido como a afirmação da perfeita
identidade entre autor, narrador e protagonista.

Já Starobinski conceitua a autobiografia como a narração verídica de uma vida, e


exclui tais textos do espaço ficcional. Ele vê no estilo a marca da individualidade do
autor. É ele o elemento agenciador de suas teorizações, a marca individual onde
transparece o autor-narrador, tornado objeto de sua narração. O estilo relaciona-se
ao próprio ato de escrever e seu valor referencial remete ao eu empírico no momento
da criação.

Em diversas teorias, pressupõe-se como característica da autobiografia a


reconstituição do passado. O contar a si mesmo requer o sentimento de transformação
que justifica o desejo confessional. O eu narrado e o que narra não são idênticos, e o
relato autobiográfico se nutre dessa ambiguidade.

No século XIX, a biografia adquire plena vigência nos estudos literários como
gênero historiográfico (principalmente, a biografia dos poetas). Torna-se também um
gênero literário, na medida em que se introduz na literatura a narrativa em
primeira pessoa, originando o romance autobiográfico.

Para falar do estatuto do autor, Evelina recorre a Roland Barthes, Michel Foucault e
Jacques Derrida.

Cabe ressaltar que, do ponto de vista da crítica literária tradicional, a explicação da


obra era buscada nos escritores. É contra esta postura, que ele denomina “tiranização
do autor” que Barthes se insurge no texto A morte do autor. Neste ensaio, o sujeito
criador é deslocado enquanto detentor da autoridade plena sobre sua obra. Em seu
lugar, surge o leitor como instância que dá sentido ao texto.

Também o filósofo Michel Foucault desconstrói a metafísica do autor no ensaio O que é


um autor?. Ele denuncia aquilo que chama de “monarquia do autor”, ou seja, a voz
autoral soberana que declara suas intenções e rege a leitura.

Foucault empreende neste texto uma arqueologia no sentido de desvendar os


mecanismos que constituiriam uma ética da autenticidade, examinando os modos
através dos quais o autor foi individualizado na moderna cultura ocidental.
São postuladas algumas questões, tais como: de que forma o autor se individualizou
em nossa cultura? Que estatuto lhe foi atribuído? Como se instalou na crítica
literária a categoria homem-e-obra? O que constitui a obra de um autor? Como
delimitar a obra entre os diversos vestígios – cartas, anotações, etc – deixados por
alguém?

Evelina enfatiza que a estratégia foucaultiana consiste em retirar do autor o papel


de fundamento originário e analisá-lo como uma função variável do discurso. É
assim que se introduz em seu texto a relação entre escrita e morte. Ao se libertar da
tarefa de expressar o autor, a escrita passa a se referir apenas a si própria, e a obra
– que tinha, como ressalta Foucault, o dever de conferir imortalidade – adquire o
direito de eliminar seu criador, bastando-se a si própria.

Jacques Derrida também propõe uma noção de escritura que realça sua natureza
“parricida”, por sua possibilidade permanente de negar o pai-autor como princípio
teleológico (origem e fim da escritura), ou como um significado transcendental,
exterior ao texto. Tal relação do pai-autor com o filho-texto é ambígua, pois, devido à
consciência aguda que tem de sua atividade, o poeta moderno assume sua morte, ou
seja, o fato de que o texto fala por si mesmo. O outro polo dessa ambiguidade refere-
se ao gesto desse “autor-defunto” em continuar falando de seu texto, em não
abandoná-lo. Esta atitude está expressa, na modernidade artística e literária, pelo fato do
poeta exercer, paralelamente, o papel de crítico, teórico e mesmo historiador da
literatura. E como tal é um leitor a mais, e não o detentor do significado pleno de
sua escritura.

Barthes diferencia o autor, que pré-existe à obra, do scriptor, que nasce junto com
seu texto. Emergindo a cada leitura, o scriptor, ao mesmo tempo que cria, é criado pela
linguagem, e encontra em sua produção um canal para o autoconhecimento.

Evelina ressalta que se concebermos a literatura como o espaço onde se


grafam, através da linguagem, as mais diversas performances do sujeito que a
produz, pode-se então defini-la como uma escritura biográfica.

Segundo a autora, este tema fascinava Paul Valery. Para ele, a tarefa de
fabricação do eu poético, expressa numa ética da forma, conduz ao trabalho infinito,
afastando-se das concepções naturalistas ou simplórias de literatura, que confundem a
obra com o autor empírico.

O deslocamento do autor enquanto referente gerador e esclarecedor do


sentido está presente em diversos textos de Valery, onde ele demonstra pouco interesse
pelos dados factuais da existência de um artista – como nascimento, amores, e
acidentes biográficos. O que lhe importa são as operações da mente que se processam
na criação e que podem ser recuperadas no tecido textual pelo leitor-receptor.

Para ilustrar o caráter autobiográfico de toda escritura, Evelina recorre a seguinte


epígrafe de Manoel Bandeira: “a vida que poderia ter sido e não foi. Poesia, minha vida
verdadeira”.

A autora observa que o factual, vivido na linearidade dos acontecimentos, é


apenas um fragmento de uma história mais ampla, e esta história não é recuperada
pela biografia enquanto gênero historiográfico, que registra apena uma parcela da
história do sujeito, o nível do acontecido. A escritura biográfica situa-se no nível
das potencialidades não sucedidas da história do indivíduo.

A crítica cultural argentina Leonor Arfuch publicou um livro notável sobre a


questão biográfica na pós-modernidade intitulado O espaço biográfico- dilemas da
subjetividade contemporânea. Neste é analisado, entre outras coisas, o papel da
entrevista midiática na produção autobiográfica contemporânea.

Arfuch enfatiza que o novo traçado do espaço público transformou


radicalmente os gêneros autobiográficos canônicos. O avanço da midiatização e suas
tecnologias de transmissão ao vivo fez com que a palavra biográfica íntima, longe de se
limitar a cartas, diários secretos e testemunhos privilegiados, estivesse disponível, até a
saturação, em suportes eletrônicos em escala global. Nesse horizonte, uma forma ocupa
lugar de destaque: a entrevista.

Entre os terrenos biográficos que a entrevista conquistou, ocupa lugar


privilegiado o dos escritores. A autora pontua que é tão grande a importância atribuída
a essas vozes que quase se poderia datar o surgimento da entrevista, na França, como
um gênero jornalístico muito elaborado, a partir da institucionalização dessas conversas
na imprensa diária e especializada.
Lejeune também afirma ter sido o interesse pela vida dos grandes escritores do
século XIX – que se manifestara até então por meio da publicação de comentários,
cartas, testemunhos, etc – o que impulsionou a utilização exaustiva e sistemática da
entrevista. Nela, as vicissitudes da autoria se articulam com a vida pessoal. Não há
detalhe insignificante para o olhar perspicaz do entrevistador. Arfuch observa que isso
ocorre em geral com qualquer entrevistado, mas quando se trata de escritores tal detalhe
adquire um novo valor, na medida em que pode imediatamente se transformar em algo a
se decifrar no universo ficcional.

Essa espécie de ubiquidade entre vida e ficção, a solicitação de ter que distinguir
todo tempo entre uma e outra, parece inerente ao ofício do escritor. Tal jogo de
espelhos constitui um dado singular: o fato de que sejam os escritores, que conhecem a
fundo sua matéria – tenham estes lidado com vidas reais ou fictícias, incursionado ou
não na autobiografia – os que se aventuram em maior medida na entrevista, ou seja, na
construção compartilhada de uma narrativa pessoal.

A autora faz notar que, como demonstram esses diálogos inconclusos, a senda
biográfica do escritor nunca será suficientemente transitada, e ele nunca explicará
totalmente os produtos de sua invenção. Contudo, não é a referencialidade dos fatos
ou seu caráter factual o que mais importa, e sim as estratégias de instauração do eu,
as modalidades da auto-referência. É o que Arfuch chama de “momento
autobiográfico” da entrevista. Como em toda forma em que o autor declara a si
próprio como objeto de conhecimento, esse momento apontará para uma imagem de
si, ao mesmo tempo em que tornará explícito o trabalho de gênese da persona do
autor, que se dá a cada vez que alguém assume um texto com seu nome: essa
performatividade da primeira pessoa, que assume “em ato” tal atribuição perante uma
“testemunha”, com todas as suas conseqüências.

O entrevistador tentará descobrir, para além das explicações do


entrevistado, de que maneira a vida ronda a literatura. A conversa com escritores se
torna assim um exercício especializado, cujo resultado não se esgota na primeira
publicação, mas antes se integra às palavras ditas no universo do escritor – do mesmo
modo que cartas, diários, etc. – tornando-se passível de ser citada como testemunho.

Para quem jamais escreveu uma autobiografia nem deixou rastros da vida
paralela que transcorre junto à prática de sua escrita – como diários e anotações – a
entrevista oferece um material embrionário a ser retomado e desenvolvido, ao mesmo
tempo que assegura um diálogo suplementar com sua posteridade. Inversamente, os que
realizaram o exercício autobiográfico, poderão discutir sobre o fato e acrescentar outros
elementos à sua história, a partir de entrevistas.

Por diferentes caminhos, a prática do interrogar, fundamento da entrevista,


leva à gênese da escrita e aos bastidores do trabalho do escritor.

Todavia esse “além do texto” é problemático, pois se considerando que a


entrevista está incluída nos cânones da divulgação científica e artística supõe-se que as
ideias expressas sejam compreensíveis para o público. Arfuch questiona se essa
simplificação não põe em risco justamente o mais fascinante de um diálogo com quem
trabalha com palavras, i. e., o jogo, a ambiguidade e a ironia, em nome de uma forma
mais óbvia, facilmente compreendida por todos. Ademais, essa tendência a esclarecer
tudo sobre a obra, típica da entrevista, seria também um fator de trivialização daquilo
que todo texto traz como mistério.

A autora ressalta que essa é uma antiga contenda entre o texto e a crítica, ou ainda, entre
a singularidade do acontecimento privado (a enunciação literária que se oferece à
intimidade do leitor) e seu destino de interdiscursividade, que a leva a ser discutida
publicamente, pela crítica literária ou pela imprensa.

Outra questão que se coloca é como separar a imagem romântica do escritor inspirado
da imagem atual do trabalhador obstinado. Pode-se considerar que a entrevista faz disso
uma especialidade, na medida em que traz à cena as duas imagens. Tanto vislumbres da
inspiração como da rotina de trabalho são evocados pelo entrevistador.

Arfuch observa que perguntas sobre o ritual da escrita (como horários, local, etc)
aparecem insistentemente nas entrevistas. Tal insistência indica que a liberdade do
escritor está condicionada pelos mesmos parâmetros que regulam qualquer ofício,
desconstruindo o mito do gênio inspirado.

Ao lado da cena da escrita, outra pergunta permanentemente feita aos escritores é sobre
suas leituras, especialmente as primeiras, na infância. Esta é uma cena fundante, um
momento do relato em que o autobiográfico recupera uma herança e uma filiação,
ao mesmo tempo em que declara seu pertencimento a uma confraria literária
imaginada e escolhida. A cena da leitura do escritor pode ser considerada um
biografema. Este termo foi cunhado por Roland Barthes para designar aquele
significante que, tomando um fato da vida do biografado, transforma-o em signo,
fecundo em significações, e reconstitui a autobiografia através de um conceito
construtor da imagem fragmentária do sujeito, impossível de ser capturada pelo
estereótipo de uma totalidade.
Frequentemente a leitura como paixão e impulso imitativo sobrevém mais tarde na
vida do escritor para se transformar quase em leitmotiv que articula diversas
etapas da entrevista e da vida. Temos assim as leituras eletivas, as que revelam os
pertencimentos e a “angústia das influências”, as que estimulam que se escreva sobre
elas, etc.

Se por meio de suas leituras o escritor define sua dupla identidade de autor e
leitor, na composição dessa cartografia não pode faltar a hipótese em torno de sua
própria leitura como autor, ou seja, como ele concebe seu leitor exemplar. Dessa
forma, a entrevista trará elementos à teoria e crítica literária sobre um tema sempre
em discussão.

A indagação sobre o leitor ideal ou sobre a resposta suscitada pela obra, também
pode produzir discursos que revelam a filosofia do autor, contribuindo
indiretamente para a reconfiguração do público – orientação, explicitação, ajuste
dos “pactos” de leitura – em suma, para uma intervenção (imaginária) no
horizonte de expectativas do leitor. Esclareço brevemente que esse conceito foi
introduzido por Robert Jauss para se referir aos pressupostos (sociais, estéticos,
literários etc.) que estão por detrás de qualquer ato de leitura. Cada obra é confrontada
com uma certa expectativa. Por outro lado, os textos literários mais inovadores seriam
responsáveis por quebras e alterações no horizonte de expectativa. Ao falar sobre seu
leitor ideal, o autor de certo modo orienta a relação do leitor com seu texto.

Deve ser pontuado que também é significativa a pergunta de viés crítico, já que a
entrevista se consagra como um espaço propício à polêmica.

Afuch indaga que se a entrevista incursiona no terreno da autobiografia, situando a


pessoa do autor numa trama de pequenos gestos cotidianos, se penetra em zonas
destacadas de sua vida, elaborando hipóteses sobre sua correspondência na obra, se
oferece um espaço propenso às memórias e à confissão, que outro interesse pode esta
despertar, além desses, no leitor/entrevistador? Há no imaginário da presença, nesse
desejo de um maior conhecimento da pessoa, um mundo por descobrir: ensinamentos
sobre como escrever, apreciações sobre seus contemporâneos, sobre o livro que teria
gostado de escrever, fofocas, opiniões sobre literatura ou qualquer outra coisa. E há
obviamente a obra, que também fala e que, emancipada do escritor, constitui um
mistério que este nunca chegará a desvendar totalmente. É por isso que as perguntas
sobre ela serão sempre aproximativas.

Arfuch afirma que uma autobiografia transcorre num plano secreto e todos os dados
exteriores são manifestações externas dessa vida que é complexa, obscura e pouco
legível. Talvez seja esse plano misterioso que se deixa entrever nos meandros da trama
e na combinação nunca tão arbitrária das palavras.

A autora postula que longe da ingênua atribuição de um nexo causal entre vida e
obra e da busca detetivesca do autor entranhado em seu texto, poderia se afirmar que
toda literatura é autobiográfica na medida em que participa desse plano secreto, por
compartilhar, mesmo sem confessar, medos, paixões e fantasias.

Leonor Arfuch conclui que a entrevista, apesar da aparente redundância dessa fala sobre
a escrita, dessa “vida artificial” que não deixa de ser montada como outra ficção, a
entrevista de escritores se desdobra como um suplemento necessário. O que é dito ali
não apenas alimenta a lógica insaciável do mercado, a construção do autor como pessoa
pública, sua imagem como ícone de vendas, como suporte do gesto da assinatura – essa
voracidade fetichista que anima feiras de livros e lançamentos – mas nutre também a
relação antiga e apaixonada entre escritores e leitores através de caminhos (no caso, as
perguntas) que embora escapem ao texto não lhe são totalmente alheios e que conduzem
a outros níveis de percepção deste.

Se para o leitor a proximidade construída será capaz de fornecer certos matizes e


emoções não encontrados em outro lugar, para o escritor será capaz de compensá-lo da
insuficiência da autobiografia, ou talvez liberá-lo da tentação de escrever uma.

Assim, na pós-modernidade, a escrita de si, produzida através de entrevistas dispersas,


traça uma imagem do escritor tão fragmentada quanto o sujeito contemporâneo.

Ciberarte
As aplicações do conceito de “obra aberta”, bem como as fontes de inspiração para
suas bases foram principalmente a pintura, a literatura e a música. A extração de todo o
conteúdo desse conceito dava-se até então em patamares mais abstratos, através de
proposições no procedimento do espectador no exercício de fruir uma obra. Na
ciberarte, a afinidade com esses preceitos é intensa e prática, como vimos acima
mediante o recorte de inúmeras citações. Se a fruição das obras até então se
propunha aberta porém abstrata diante das linguagens tradicionais como a pintura e
a escultura, por exemplo; para a “fruição aberta”, da ação em si, o processo de
intervenção direta no corpo virtual da obra da rede é a fruição.

O autor deleita-se, surpreende-se, aparece e desaparece quando quiser,


aparentemente enfraquecendo-se em potência criativa individual, mas, na verdade
enriquecendo-se com o fluxo imprevisível da obra, com a criação coletiva, que
reflete a sociedade planetária rompendo fronteiras e divulgando ricas e
surpreendentes singularidades culturais e pessoais.

Resumo

Breve reflexão sobre a questão da autoria na história da arte, com enfoque no Dadaismo
e na Pop Art, como introdução à temática do redimensionamento do conceito de autoria
na linguagem expressiva da ciberarte. A requalificação dos parâmetros desse conceito é
proposta mediante a analogia com o conceito de “Obra Aberta” de Umberto Eco.

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