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EOGRÁFICAS

Um tributo a Felisberto Cavalheiro

PAISAGENS GEOGRÁFICAS

Um tributo a Felisberto Cavalheiro


Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão
Diretor da FECILCAM - Anonio Carlos Aleixo
Vice-Diretor - Éder Rogério Stela

Editora da FECILCAM
Diretora - Ana Paula Colavite
Vice-diretora - Dalva Helena de Medeiros
Rosangela Maria Pontili - Coordenadora Geral
Coordenador Consultivo - Edson Noriyuki Yokoo
Secretário Executivo - Fernando Árthur de Medeiros Machado

Conselho Editorial
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Telefone: (44) 3518-1838 - E-mail: editorafecilcam@gmail.com
Organizadores

Douglas Gomes dos Santos


IG-UFU
João Carlos Nucci
DGEOG-UFPR

PAISAGENS GEOGRÁFICAS
Um tributo a Felisberto Cavalheiro

Campo Mourão
2009
© 2009, Dos Autores
Direitos desta edição reservados à Editora da FECILCAM

Capa:
Fotografia de Felisberto Cavalheiro

Arte final e diagramação:


Fernando Árthur de Medeiros Machado

Editoração e composição:
Editora da FECILCAM

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S237P PAISAGENS GEOGRÁFICAS: Um tributo a Felisberto


Cavalheiro. /Organização de Douglas Gomes dos
Santos e João Carlos Nucci. -- Campo Mourão: Editora da
FECILCAM, 2009.
196 p.

Vários Autores.

ISBN 978-85-88753-07-5

1. Geografia 2. Ecologia da Paisagem. 3. Estudos


aplicados. 4. Título

CDD:910.2
Organizadores

Douglas Gomes dos Santos


João Carlos Nucci

Autores

Andréa Presotto
Débora Olivato
Douglas Gomes dos Santos
Fabiane dos Santos Toledo
Felisberto Cavalheiro
Gelze Serrat S. C. Rodrigues
Gert Gröning
Humberto Gallo Junior
João Carlos Nucci
Lívia de Oliveira
Marlene T. Muno Colesanti
Paulo Celso D. Del Picchia
Vânia Rosolen
Yuri Tavares Rocha

Equipe de Apoio

Michelle Camilo Machado da Silva


Marlene T. Muno Colesanti
Oriana Aparecida Fávero
Valéria Nehme Guimarães
Sumário

página
Apresentação 08
Douglas Gomes dos Santos
1 Felisberto Cavalheiro e um exemplo de cooperação Brasil-Alemanha 10
na cultura de jardins e desenvolvimento de espaços livres
Gert Gröning
2 Histórico do ordenamento da paisagem 18
Paulo Celso D. Del Picchia
3 Ecologia e planejamento da paisagem 50
João Carlos Nucci
4 Urbanização e alterações ambientais 65
Felisberto Cavalheiro
5 Planejamento dos espaços livres localizados nas zonas urbanas 78
João Carlos Nucci
Andréa Presotto
6 Um índice de áreas verdes para a cidade de Uberlândia/MG 103
Fabiane S. Toledo
Douglas Gomes dos Santos
7 Legislação, políticas ambientais, Unidades de Conservação e gestão 118
do território
Humberto Gallo Junior
Débora Olivato
8 Planejamento e gestão de Unidades de Conservação 135
Humberto Gallo Junior
Débora Olivato
9 Percepção ambiental 153
Lívia de Oliveira
10 Educação para o meio ambiente e Geografia 164
Marlene T. Muno Colesanti
Gelze Serrat S. C. Rodrigues
11 Pedogênese e mudanças na paisagem: um exemplo da região 170
Sudoeste da Amazônia Brasileira
Vânia S. Rosolen

12 Pau-Brasil e a transformação da paisagem da Floresta Atlântica 181
Yuri Tavares Rocha
8

APRESENTAÇÃO

A idéia de um livro abordando conceitos, métodos e técnicas de Ecologia da Paisagem


surgiu durante as aulas de TEORIA GEOGRÁFICA DA PAISAGEM, ministradas pelo Prof. Dr.
Felisberto Cavalheiro no Departamento de Geografia da FFLCH-USP, desde o início dos anos
de 1990.
O Prof. Felisberto, juntamente com seus orientados de Mestrado e Doutorado, organi-
zaram o material das aulas para que, assim, formassem uma linha mestra para a publicação
do livro. As temáticas e os capítulos aqui apresentados correspondem de certa forma, às aulas
lecionadas pelo Professor.
Infelizmente, a partir do ano 2000, o Prof. Felisberto passou a apresentar uma série de
problemas de saúde, que resultaram em seu falecimento no ano de 2003. Não houve tempo
suficiente para a publicação de obra tão importante.
Em 2005, durante o EGAL (Encontro de Geógrafos da América Latina) no Departamen-
to de Geografia da FFLCH-USP, eu, João Carlos Nucci, Andréa Presotto e Humberto Gallo
Jr, nos reunimos para dar os encaminhamentos necessários à publicação da obra, fato que a
princípio nos deixou muito desorientados, pois não contávamos mais com o apoio do nos-
so saudoso professor. Assim, distribuí entre os interessados em compor a obra, a cópia das
transparências das aulas ministradas por Felisberto para que todos pudessem escrever o seu
próprio texto, a partir das idéias e das temáticas já organizadas pelo Professor.
João Carlos Nucci se encarregou de escrever os capítulos ligados à Ecologia da Paisa-
gem e do planejamento de espaços livres no espaço urbano (juntamente com Andréa Presot-
to). Fabiane S. Toledo e Douglas G. Santos publicam pesquisa empírica, um estudo de caso,
desenvolvido em Uberlândia/MG, sobre o índice de áreas verdes por habitante na área urbana
da cidade, grande preocupação acadêmica de Felisberto Cavalheiro. Humberto Gallo Junior e
Débora Olivato ficaram responsáveis pelos capítulos sobre legislação e políticas ambientais,
unidades de conservação e gestão do território. Yuri Tavares Rocha escreveu sobre o Pau-
Brasil e a Floresta Atlântica, um dos assuntos de sua tese de doutoramento orientada pelo
professor Felisberto Cavalheiro.
A Professora Lívia de Oliveira, numa homenagem emocionante, escreveu sobre sua
especialidade, Percepção Ambiental, assim como as Professoras Marlene T. Muno Colesanti e
Gelze Serrat Rodrigues, que se debruçaram sobre as temáticas da Educação Ambiental e Pai-
sagem. O arquiteto Paulo Celso Dornelles del Picchia contribuiu com um importante capítulo
sobre o histórico do ordenamento da paisagem.
O Prof. Gert Gröening, orientador do Prof. Felisberto Cavalheiro na Alemanha nos
anos de 1970, fez uma importante contribuição sobre a vida acadêmica do homenageado,
e o seu texto foi traduzido para o português por João Carlos Nucci. A Profa. Vânia Rosolen
apresentou um outro estudo empírico, base dos estudos da Paisagem, sobre a influência da
pedogênese na transformação da paisagem natural na Amazônia.
Eu, Prof. Douglas Gomes dos Santos, juntamente com a aluna de graduação em Ge-
ografia, Michelle Camilo Machado da Silva fomos os responsáveis por receber, organizar e
colaborar com os autores. Tomava corpo, então, o livro em homenagem não só a Felisberto
Cavalheiro, mas também à sua obra e sobre o conceito de Paisagem para a Geografia. A alu-
na Michelle teve, também, a importante incumbência de refazer todas as figuras constantes
nesta obra.
9

Por fim, eu e João Carlos Nucci discutimos sobre a necessidade de incorporar à obra
um texto do Prof. Felisberto, e a escolha foi um artigo publicado em 1994 em obra organizada
por Samia Tauk, que é referência até os dias de hoje.

Uberlândia, Março de 2009

Prof. Dr. Douglas Gomes dos Santos


Instituto de Geografia
Universidade Federal de Uberlândia
CAPITULO 1
FELISBERTO CAVALHEIRO: um exemplo de cooperação Brasil-Alemanha na cultura
de jardins e desenvolvimento de espaços livres

Gert Gröning1
Berlim, Alemanha, 2006
Tradução: João Carlos Nucci

Em 1974, retornei de Berkeley, Califórnia para Hanover, Alemanha, vindo de uma bol-
sa-de-estudo concedida para pesquisa a universitários já graduados. A bolsa foi fornecida pelo
Departamento de Arquitetura da Paisagem, Faculdade de Design Ambiental, da Universidade
da Califórnia em Berkeley. Para um estudante da Alemanha em arquitetura da paisagem era
absolutamente singular o recebimento de uma concessão americana naqueles dias. Isso foi
possível graças à eminente arquiteta paisagista americana Beatrix Jones Farrand (1872-1959)
que havia decidido doar sua herança profissional e algum dinheiro para bolsas-de-estudo na
Universidade da Califórnia em Berkeley. A bolsa-de-estudos tinha o nome de Beatrix-Farrand-
Grant. Durante meus estudos de pós-doutorado em Berkeley, eu pude experienciar aberta-
mente todos os tipos de assuntos estrangeiros e, também, ter acesso a uma rara biblioteca do
Campus, a qual eu realmente apreciei.
Os seis meses em Berkeley provaram ser um gratificante suplemento para meus estudos
em Arquitetura da Paisagem na Alemanha. Com um bem estabelecido programa de conferen-
cistas e professores visitantes de todas as partes do mundo, a Universidade da Califórnia em
Berkeley ofereceu uma oportunidade única de familiarização com os aspectos da arquitetura
da paisagem que eu nunca tinha ouvido falar. Pela primeira vez em minha vida, encontrei es-
tudantes de fora do mundo europeu, tais como Japão, Austrália e América do Sul.
Minha experiência em Berkeley fortaleceu uma abertura e orientação internacional em
meus campos de pesquisa e ensino. Entre outros, isto se materializou no seminário “Questões
gerais no Planejamento de Espaços Livres” que eu coordenei na Universidade de Hanover em
1974. Por alguma razão, um brasileiro chamado Felisberto Cavalheiro sentiu-se atraído pelo
tópico e participou desse seminário. Ele apresentou um discurso sobre “Problemas específicos
do planejamento de espaços livres em uma grande cidade de rápido crescimento – o exemplo
de São Paulo, Brasil”. Felisberto contou para sua “Kommilitonen”, colegas bolsistas e a mim
uma estória sobre espaços livres que nós achamos difícil de acreditar.
Em sua apresentação, ele apontou que as questões relacionadas aos espaços livres
eram entendidas muito diferentemente do que se via na Alemanha. Isto não era tudo, ele ex-
plicou que, naqueles anos, a população de São Paulo crescia a uma taxa de cerca de 300.000
pessoas por ano. Aquele crescimento anual de São Paulo podia ser comparado ao número de
habitantes da cidade de Hanover, Alemanha, que havia permanecido mais ou menos estável
em 300.000 habitantes por muitos anos. A administração municipal dos espaços livres, depar-
tamento de parques e recreação, o departamento de cemitérios e o departamento de floresta

1 O professor doutor Gert Gröning foi orientador do trabalho de tese de doutoramento de Felisberto
Cavalheiro, em Hanover (Alemanha) e, atualmente, trabalha com Cultura do Jardim e Desenvolvimento de
Espaços Livres no Instituto para História e Teoria do Design da Universidade das Artes de Berlim (Berlim,
Alemanha).
11

em Hanover eram conhecidos por terem um bom time de funcionários e por serem muito
bem equipados, considerados uma liderança na Alemanha2.
Para os estudantes do seminário, que vieram de vários países europeus, a magnitude
do crescimento anual da população urbana de São Paulo estava além da imaginação, e isto
me incluía. Para nós, os anos de 1970 na América do Sul, especificamente nas cidades do
Brasil, eram muito interessantes. Esses lugares para a Alemanha, e, provavelmente para alguns
outros países europeus, estariam associados com Carnaval e exotismo. Além disso, Felisberto
enfatizou em sua apresentação, que o planejamento de espaços livres era quase desconhecido
na metrópole de São Paulo. Apesar do rápido crescimento das cidades brasileiras, o planeja-
mento de espaços livres não era o maior problema e não havia nenhum programa universitá-
rio para a formação de arquitetos paisagistas.
Também, como apresentado, todos nós não tínhamos idéia do real tamanho do Bra-
sil, a imensidão de seus espaços livres, suas várias regiões e enormes cidades, muito menos
qualquer conhecimento acerca da sociedade brasileira. Por exemplo, não tínhamos idéia da
evolução demográfica de sua população que havia pulado de 71 milhões em 1960 para mais
de 100 milhões em 1972, para a surpresa dos próprios brasileiros. Em 2006, o Brasil está se
aproximando dos 190 milhões de habitantes e, mundialmente, está se tornando o quinto
colocado em tamanho de sua população e em área3. No início dos anos 1970, descobrimos
alguns fatos sobre sua história e constituição social e não sabíamos nada sobre os “paulistas” e
os “bandeirantes”, ambos originários de São Paulo. Tais estudos foram publicados trinta anos
depois, no início do século XXI por Berquó4 e outros que ainda não estão disponíveis para
nós. Então, a apresentação de Felisberto foi uma real abertura-de-olhos. Ela permitiu-nos um
vislumbre da vida real das cidades brasileiras e uma percepção razoável sobre as questões
dos espaços livres.
Apesar das numerosas deficiências para o desenvolvimento de espaços livres, Felis-
berto se mostrava muito entusiasmado e compromissado com seu caso brasileiro. O conheci-
mento de Felisberto ajudou a consolidar algumas ligações com a América do Sul e, especial-
mente, com São Paulo em meu, ainda, vago campo de conhecimentos acerca da arquitetura
da paisagem mundial, com grandes falhas no hemisfério sul. Aprendi muito com Felisberto
e ele queria muito aprender a respeito da situação na Alemanha, pois ele acreditava pudesse
servir como um exemplo da cultura de jardins e desenvolvimento de espaços livres no Brasil
e, especialmente, em suas grandes cidades.
Com esse primeiro encontro, meu relacionamento com Felisberto tornou-se mais pró-
ximo. Tomei conhecimento de que ele havia nascido em São Paulo e lá permaneceu até ini-
ciar seus estudos de graduação, em 1963, na Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’
da Universidade de São Paulo em Piracicaba, fundada em 1892. Ele trabalhou por doze anos
no departamento de parques e recreação da cidade de São Paulo e, assim, teve um íntimo
conhecimento da administração de espaços livres. Em 1972, Felisberto foi voluntário por três
meses no departamento de parques e recreação da cidade de Hamburgo na Alemanha. Em

2 Para maiores detalhes sobre os 100 anos de desenvolvimento da administração de espaços livres em
Hanover de 1890 a 1990 veja: GRÖNING, Gert and Joachim WOLSCHKE-BULMAHN 1990: Von der Stadtgärtnerei
zum Grünflächenamt, 100 Jahre kommunale Freiflächenverwaltung und Gartenkultur in Hannover (1890-1990),
Berlin.
3 veja THOMAS, Vinod 2006: From Inside Brazil, Development in a Land of Contrast, Stanford, CA.
4 veja por exemplo BERQUÓ, Elza 2001: Demographic Evolution of the Brazilian Population during the
Twentieth Century, in: Hogan, Daniel Joseph (org.), Population Change in Brazil: contemporary perspectives,
pp.13-33, Campinas, SP, Brazil.
12

muitas ocasiões, ele me contou quão impressionado estava pelo alto grau de realização na
cultura de jardins e desenvolvimento de espaços livres apresentada por aquela administração
e que ele sentia fortemente a necessidade de uma instituição comparável àquela em sua cida-
de de São Paulo. Após um novo retorno para o Brasil, Felisberto veio para a Universidade de
Hanover onde queria continuar seus estudos na arquitetura da paisagem.
Tornou-se claro para mim que Felisberto estava interessado em escrever sua tese de
doutoramento e que ele acreditava que eu pudesse ajudá-lo na implementação de alguns
aspectos relacionados com espaços livres, planejamento, design, e administração no Brasil e,
especialmente, enfatizando seu rápido crescimento das cidades. Contudo, ele não estava certo
de que pudesse fazê-lo. Seu receio se baseava no fato de que a ‘Luiz de Queiroz’ era uma es-
cola de agricultura e não de arquitetura da paisagem. Porém, não havia escola de arquitetura
da paisagem no Brasil naqueles dias. Não obstante, setores da Escola Superior de Agricultura
‘Luiz de Queiroz’ obviamente tratavam de arquitetura da paisagem.
Com apoio de Luiz Teixeira Mendes, professor de cultura de frutos e florestas da Es-
cola Superior, o arquiteto paisagista belga Arsênio Puttemans projetou, por volta de 1907, um
parque para essa escola no estilo paisagístico inglês e supervisionou sua execução em 1909.
Até hoje o design inglês de Puttemans para o parque de Piracicaba/SP, na Escola Superior
de Agricultura, é considerado único em todo Brasil5. Puttemans implantou claramente em
seu conceito vários eixos de visão e, assim, forneceu um exemplo local para os estudos de
arquitetura da paisagem. O interesse em arquitetura da paisagem tornou-se claro para mim
quando tive a chance de ver o parque em Piracicaba, na ocasião do I Fórum de Debates sobre
Ecologia da Paisagem e Planejamento Ambiental, organizado por Felisberto, em Rio Claro/
SP, em 2000.
Puttemans também ensinou arquitetura da paisagem no departamento de horticultura
da Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’. Naqueles dias, ele era um designer de
espaços livres bem conhecido no Brasil. Em 1909, ele também projetou o Parque da Inde-
pendência, algo de reminiscência dos Jardins de Versailles, França. O parque se localiza em
frente ao Museu do Ipiranga, construído no estilo neoclássico em 1895, que hoje é o Museu
Paulista administrado pela Universidade de São Paulo.
Embora estivesse claro para mim que o interesse de Felisberto era na arquitetura da
paisagem, sua educação formal não me parecia suficiente para uma qualificação como es-
tudante de doutorado na Universidade de Hanover na Alemanha. Contudo, convencido de
que seu compromisso com as questões profissionais da arquitetura da paisagem era sério e
forte, eu escrevi uma carta para o decano da Faculdade de Horticultura e Manutenção da terra
(Fakultät für Gartenbau und Landespflege) da Universidade de Hanover juntamente com o
professor Konrad Buchwald em outubro de 1976. A carta explicava que, com base em nosso
ponto de vista, Felisberto havia adquirido conhecimento suficiente em sua Universidade no
Brasil, bem como durante sua passagem pela administração de espaços livres em São Paulo,
e também com seus estudos adicionais na Universidade de Hanover. Nós acreditávamos estar
justificado que todos os seus estudos e sua experiência eram equivalentes a graduação em
arquitetura da paisagem na qual, os que são aprovados nos exames, podem receber o título
de Diplom-Ingenieur na Universidade de Hanover.
Se o decano concordasse com isso, então, Felisberto poderia iniciar sua tese de dou-

5 Ver BARBIN, Henrique Sundfeld 2001: Study of the transformations in display of arboreal/shrubs
masses of the park of the Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” using vertical aerial pictures and
floristic surveys of different times”, master thesis, Department of Forest Sciences, University of São Paulo, Brazil,
supervisor: Prof. Dr. Valdemar Antonio Demétrio.
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torado que seria essencial para seu interesse futuro de estabelecer uma disciplina de planeja-
mento de espaços livres no Brasil. O decano apresentou o caso para o conselho da faculdade
(Engere Fakultät) que, então, determinou que Felisberto teria de fazer três exames adicionais.
Um em planejamento da paisagem (Landschaftsplanung) com o professor Buchwald, um
em história do planejamento de espaços livres e história de cidades verdes (Geschichte der
Freiraumplanung und Geschichte des Stadtgrüns) com o professor Hennebo, e outro em pla-
nejamento de espaços livres e planejamento do verde (Freiraumplanung und Grünplanung)
comigo. Após intensa preparação, Felisberto realizou os exames em dezembro de 1976 e
janeiro de 1977, e os resultados foram encaminhados para o conselho.
Em 11 de janeiro de 1977, Felisberto, com sucesso, realizou sua primeira apresentação
em um colóquio de pesquisa que eu ofereci para estudantes de doutorado na cadeira de
planejamento do verde – planejamento da paisagem de regiões metropolitanas (Grünpla-
nung - Landschaftsplanung der Ballungsräume) na Universidade de Hanover. Seu tópico
era evidente. Foi a implementação e o estabelecimento da administração de espaços livres
na cidade de São Paulo com todas as suas implicações e conseqüências. No dia primeiro de
fevereiro de 1977, o decano informou a Felisberto que ele havia atingido todos os requisitos
para a admissão como estudante de doutorado na Faculdade de Horticultura e Manutenção
da terra. Também, foi solicitado que ele enviasse um título preliminar de sua tese de douto-
ramento para a reunião do conselho da faculdade em 9 de fevereiro de 1977. Além disso, o
Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD) concordou em fornecer a Felisberto um
suporte para seu Promotions-Studium, estudos que o conduziriam ao título de doctor rerum
horticulturae na Universidade de Hanover. Foi-lhe concedido, também, uma verba adicional
para a pesquisa empírica que ele planejara ao retornar para São Paulo.
Como título de trabalho de sua tese Felisberto entregou Chancen und Probleme der
Institutionalisierung einer Freiraumverwaltung in einer wachsenden Großstadt der Dritten
Welt, dargestellt am Beispiel São Paulo/Brasilien (Oportunidades e problemas da instituciona-
lização de uma administração de espaços livres em uma metrópole do Terceiro Mundo em
crescimento, exemplo de São Paulo/Brasil). Logo após enviou um projeto para o Serviço de
Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD), explicando como gostaria de proceder com sua
tese, e eu fiz um comentário sobre seus propósitos para o DAAD. Nesse projeto, Felisberto
mostrava acreditar que seria capaz de terminar sua tese no final de setembro de 1978, isto é,
em um ano e meio, um árduo calendário para uma tese de doutorado. Então, em meu parecer
para o DAAD sobre os planos de Felisberto, eu senti que deveria ser cauteloso. Eu sugeri um
ano adicional antes que Felisberto fosse capaz de concluir os exames finais, o disputatio, de
sua tese. Felizmente, o DAAD acolheu esse ponto de vista.
O que se seguiu foram semanas e meses intensos de estruturação da tese. Felisberto
desenvolveu uma série de hipóteses. Algumas delas Felisberto queria verificar por meio de
questionário. Outras, ele preferiu verificar em entrevistas pessoais, planejadas para serem
aplicadas a pessoas da administração de espaços livres e outros especialistas em São Paulo.
Em dezembro de 1977, viajou para São Paulo e começou seu trabalho com as entrevistas.
Em uma carta do início de março de 1978, a mim endereçada, Felisberto relatou acerca das
dificuldades encontradas em São Paulo. Ele percebeu que algumas pessoas que ele havia se-
lecionado para as entrevistas tentavam se esquivar das questões. Ele escreveu: “Die meisten
wollen über alles sprechen aber nicht über das Thema” (A maioria quer falar acerca de tudo,
mas não sobre meu tema). Alguém sugeriu que ele mesmo deveria responder as questões
porque ele sentiu que o tópico era sério demais para ser aplicado para o Brasil. Alguns se
recusaram a falar quando ele solicitou o nome do entrevistado, mesmo com a concordância
no início da entrevista. Alguns pareciam estar receosos de que ele pudesse citar suas opiniões
em sua tese, embora tivesse garantido que não mencionaria seus nomes. Alguns sentiram
14

que por ele ter estado na Alemanha por muito tempo, e devido ao seu interesse de pesquisa,
tivesse se tornado um “alemão”.
A finalização das entrevistas consumiu muito mais tempo consumido do que Felis-
berto havia planejado. Ele conversou com pessoas do DEPAVE (Departamento de Parques
e Áreas Verdes), departamento de parques e recreação da cidade de São Paulo e de outras
cidades tais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, e em Ouro Preto falou com funcionários
do município, e muitos outros da educação, planejamento, arquitetura, esportes, habitação,
agricultura, economia e proteção da natureza. No final, contudo, ele ficou satisfeito com o
que pôde conseguir.
Também, ativo como sempre foi, teve a oportunidade de realizar três conferências
em São Paulo nas quais explanava sobre a contribuição que o desenvolvimento de espaços
livres poderia trazer para o planejamento da cidade. Como membro da Sociedade Brasileira
de Paisagismo, participou da preparação de dois encontros científicos no Brasil em 1978. Um
deles foi organizado pela Associação Brasileira para o Progresso da Ciência. Aqui Felisberto
fazia parte de um grupo de pessoas que escreveu recomendações sobre legislação ambiental.
O outro evento foi organizado pela Federação Internacional de Arquitetos Paisagistas, que
realizou seu encontro anual em Setembro de 1978 no Brasil.
Logo após retornar para Alemanha, Felisberto foi para o hospital onde ficou por quase
dois meses. Obviamente devido à sobrecarga de trabalho durante o tempo em que esteve no
Brasil. Depois, conforme conselhos médicos, teve que tomar muito cuidado no decorrer do
ano. Isto significou um sério contratempo para o trabalho de sua tese, e ele teve que cancelar
os planos de entregá-la ao final de setembro. Em meu relato ao DAAD em junho de 1979, as-
sumi que dado ao seu estado de saúde, Felisberto não seria capaz de realizar o seu disputatio
antes do final de março de 1980. Infelizmente, isso acabou sendo a verdade. Todavia Felis-
berto lutou contra todas as adversidades. Em maio de 1980, ele estava certo de que poderia
fazê-lo no final do ano, mas uma séria doença favoreceu o atraso de seu trabalho. No início
de novembro de 1980, eu escrevi ao DAAD que Felisberto estava na fase final de sua tese, mas
necessitava de alguns meses até o início de 1981. Isso foi aceito pelo DAAD e Felisberto teve
a garantia de subsídios na reta final até maio de 1981. Em 22 de abril de 1981, o conselho do
departamento de horticultura e manutenção da terra da Universidade de Hanover concordou
com a promoção do Herr Eng. Agr. F. Cavalheiro para doctor rerum horticulturae, Dr.rer.hort.
Felisberto, finalmente, conseguiu entregar sua tese.
Comparando o título de seu trabalho com o título final da tese, houve somente uma
leve alteração para Die kommunale Freiraumverwaltung in São Paulo/Brasilien - Gegenwär-
tige Situation und Chancen zukünftiger Entwicklung (Administração Municipal de Espaços
Livres em São Paulo/Brasil – situação atual e oportunidades para o desenvolvimento futuro).
Como o professor Buchwald, o co-orientador da tese, estava no Instituto de Engenharia Am-
biental da Universidade Nacional de Taiwan, a data esperada para o disputatio teve que ser
postergada por dois meses. Finalmente, o exame ocorreu em 29 de junho de 1981.
A banca para o mündliche Doktorprüfung (exame oral de doutoramento) foi constituída
pelo ecólogo da paisagem, professor Hans Langer; o geobotânico, professor Konrad Buchwald;
o planejador da paisagem, professor Hans Kiemstedt; o historiador de jardins, professor Dieter
Hennebo e por mim. Todos nós concordamos que Felisberto assentou a pedra fundamental do
desenvolvimento dos estudos no campo do planejamento de espaços livres em São Paulo, e
talvez em todo o Brasil. Nós concordamos que eram necessárias pessoas como ele para enca-
minhar as questões sobre meio ambiente, legislação ambiental, estabelecimento de programas
especiais para arquitetos paisagistas em universidades, e também, a institucionalização da ad-
ministração de espaços livres, para enfrentar os múltiplos problemas relatados sobre espaços
livres que poderiam acompanhar o futuro desenvolvimento do Brasil.
15

De volta ao Brasil, no final de 1981, Felisberto teve dificuldades de encontrar um


trabalho permanente. Então, em 1982 e 1983, ele cooperou ativamente no desenvolvimento
de uma série de regulamentações legais e administrativas para o planejamento ambiental na
recém criada Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) em Brasília, capital do Brasil. Esse
foi, novamente, um trabalho pioneiro. Em 1983, ele se tornou professor do departamento de
ecologia da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP) em Rio Claro.
Comparado com São Paulo, Rio Claro era quase rural. Contudo, nesta pequena cidade, Fe-
lisberto pareceu-me florescer. Ele deu aulas sobre vários assuntos abordando a temática do
planejamento de espaços livres, e foi ali onde iniciou a aplicação de sua experiência adquirida
na Alemanha à realidade do Brasil. Em 1986, conseguiu aulas adicionais em planejamento do
meio físico no programa de pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Lá, ele também orientou dissertações de mestrado e teses de
doutorado.
Em 1988, Felisberto alcançou a posição de professor do Departamento de Geografia
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).
Pelos 15 anos seguintes, aqueles interesses em espaços livres, parques, jardins, e qualidade de
vida nas cidades, planejamento, arborização, proteção da natureza e muitos temas associados
a esses tópicos encontraram nele uma personalidade e um suporte muito ativos. Ele ensinou
sobre planejamento de espaços livres urbanos bem como Teoria Geográfica da Paisagem e
Biogeografia no curso de graduação em Geografia. Na pós-graduação, foi responsável pela
Ecologia da Paisagem e design ambiental e, também, orientou teses e dissertações. Ele conti-
nuava trabalhando em São Carlos.
Com sua atividade interminável, Felisberto estabeleceu vários contatos e promoveu
o desenvolvimento profissional do planejamento dos espaços livres no Brasil. Em 1992, em
Vitória, Espírito Santo, foi membro fundador da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana
(SBAU) e, desde então, participou ativamente dos encontros dessa sociedade com proeminen-
te contribuição. De 1998 a 2001, Felisberto foi presidente da Sociedade de Ecologia do Brasil
e como tal, organizou em 2001 o 5º Congresso de Ecologia do Brasil “Ambiente e Sociedade”
em Porto Alegre, RS.
De muitas conversas com Felisberto, lembro-me de sua grande preocupação com a
mata atlântica, a única região de floresta do sudeste de São Paulo, da qual restam somente me-
nos de dez por cento de sua área original. Ali, outrora, o pau-brasil (Caesalpinia echinata)6, a
árvore da qual o Brasil recebeu seu nome, foi abundante. A espécie está agora quase extinta
no Brasil. Também na mata atlântica do Estado de São Paulo, planejou-se a instalação de uma
usina nuclear, que nunca foi construída.
Além de ensinar e orientar, Felisberto iniciou a publicação em vários periódicos e li-
vros. Fora os muitos artigos, gostaria de apontar apenas um pouco do que acredito indicar
melhor seu contínuo interesse nos assuntos de educação e seu interesse em cooperar com os
outros. Em 1991, surgiu seu “Urbanização e Alterações Ambientais” 7 no qual, explicitamente,
se refere a literatura alemã e muitas outras fontes internacionais. Em 1998, publicou um artigo

6 Para uma breve descrição e algumas imagens ver Caesalpinia echinata Lam. in: Lorenzi, Harri 2002:
Brazilian Trees, A Guide to the Identification and Cultivation of Brazilian Native Trees, Nova Odessa, SP, p.161.
Eu sou muito grato ao professor Yuri Tavares Rocha que presenteou-me com um exemplar desse livro único.
7 CAVALHEIRO, Felisberto 1991: Urbanização e Alterações Ambientais, in: Tauk, Sâmia Maria; Gobbi, Nivar,
and Harold Gordon Fowler (org.), Análise Ambiental: Uma visão multidisciplinar, FAPESP:SRT:FUNDUNESP,
pp.88-99, São Paulo, aqui p.90.
16

sobre “Espaços Livres e Qualidade de Vida Urbana” 8 juntamente com João Carlos Nucci, outro
orientando de Felisberto e, agora, professor do Departamento de Geografia da Universidade
Federal do Paraná, Curitiba/PR, que também se tornou atuante nessa área.9 Em 2001, junta-
mente com Davis Gruber Sansolo, um de seus orientandos, que hoje trabalha como professor
da Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo, Felisberto publicou “Geografia e Educação
Ambiental”.10 Esses são apenas alguns exemplos das bem distribuídas atividades de Felisberto,
e com isso eu concluo: por tudo que Felisberto Cavalheiro realizou, ele pode ser considerado
o pioneiro da cultura de jardins e do planejamento de espaços livres no Brasil.11

REFERÊNCIAS

BARBIN, Henrique Sundfeld Study of the transformations in display of arboreal/shrubs


masses of the park of the Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” using ver-
tical aerial pictures and floristic surveys of different times, master thesis, Department
of Forest Sciences, University of São Paulo, Brazil, supervisor: Prof. Dr. Valdemar Antonio
Demétrio, 2001

BERQUÓ, Elza Demographic Evolution of the Brazilian Population during the Twentieth
Century, in: Hogan, Daniel Joseph (org.), Population Change in Brazil: contemporary
perspectives, pp.13-33, Campinas, SP, Brazil, 2001

CAVALHEIRO, F. Urbanização e alterações ambientais. In TAUK, Sâmia et al (orgs). Análise


ambiental: uma visão multidisciplinar. São Paulo: FAPESP : SRT : FUNDUNESP, p. 88-99,
1991

CAVALHEIRO, Felisberto; João C. Nucci. Espaços Livres e Qualidade de Vida Urbana, in: Pai-
sagem e Ambiente - Ensaios, volume 11, pp.277-288, 1998

GRONING, Gert; Joachim WOLSCHKE-BULMAHN Von der Stadtgärtnerei zum Grünflä-


chenamt, 100 Jahre kommunale Freiflächenverwaltung und Gartenkultur in Hanno-
ver (1890-1990), Berlin, 1990

GRÖNING, Gert. Professor Dr.rer.hort. Felisberto Cavalheiro (1945-2003) - Ein Pionier der
Freiraumplanung in Brasilien, Stadt und Grün, 52, 12, 57-58, 2003

LORENZI, Harri. Brazilian Trees, a guide to the identification and cultivation of Brazili-
an native trees, São Paulo: Nova Odessa, 161p, 2002

8 Ver CAVALHEIRO, Felisberto e João C. Nucci 1998: Espaços Livres e Qualidade de Vida Urbana, in:
Paisagem e Ambiente - Ensaios, volume 11, pp.277-288.
9 Ver e.g. NUCCI, João Carlos 2001: Qualidade Ambiental & Adensamento Urbano: Um estudo de Ecologia
e Planejamento da Paisagem aplicado ao distrito de Santa Cecília (MSP), Humanitas/FFLCH/USP, São Paulo,
Brazil.
10 Ver SANSOLO, Davis Gruber e Felisberto CAVALHEIRO 2001: Geografia e Educação Ambiental, in: Dos
Santos, José Eduardo and Michèle Sato (eds.), A Contribuição da Educação Ambiental à Esperança de Pandora,
pp.109-131, São Carlos, SP, Brazil.
11 Ver GRÖNING, Gert 2003: Professor Dr.rer.hort. Felisberto Cavalheiro (1945-2003) - Ein Pionier der
Freiraumplanung in Brasilien, Stadt und Grün, 52, 12, 57-58.
17

NUCCI, João Carlos. Qualidade Ambiental & Adensamento Urbano: Um estudo de Ecolo-
gia e Planejamento da Paisagem aplicado ao distrito de Santa Cecília (MSP), São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 2001

SANSOLO, Davis Gruber; CAVALHEIRO, Felisberto. Geografia e Educação Ambiental, in: Dos
Santos, José Eduardo and Michèle Sato (eds.), A Contribuição da Educação Ambiental à
Esperança de Pandora, pp.109-131, São Carlos, 2001

THOMAS, Vinod From Inside Brazil, Development in a Land of Contrast, Stanford, CA,
2006
CAPITULO 2
HISTÓRICO DO ORDENAMENTO DA PAISAGEM

Paulo Celso D. Del Picchia12

Desde tempos imemoriais, o Homem tem ordenado a paisagem nos locais que habita.
Como uma característica da espécie humana o fato de o Homem não ter um nicho restrito na
face da Terra e o fato de ser cosmopolita determinou a necessidade de modificar o meio am-
biente segundo as suas necessidades de sobrevivência. A concepção da natureza e o desenho
da paisagem desenvolvem-se acompanhando a evolução histórica da Humanidade.
Ao abordar a representação da paisagem na pintura, Clark (1961) mostra como a cul-
tura ocidental está, historicamente, ligada à evolução cultural do Homem. Para ele “a pintura
da paisagem marca as fases da nossa concepção da natureza”. Desde a Idade Média, a pintura
da paisagem é um ciclo em que o espírito humano procura criar harmonia com aquilo que o
rodeia. Afirma, ainda, que a Antiguidade Mediterrânea, ciclo que precedeu a época medieval,
estivera impregnada do sentido grego de valores humanos o que levou o conceito da natu-
reza a desempenhar um papel secundário. A paisagem era usada para fins decorativos sendo
seus elementos apresentados como cenário para os feitos humanos. Percorrendo os caminhos
da pintura, ele fala de uma “paisagem de símbolos”, da “paisagem dos fatos”, da “paisagem
fantástica”, da “paisagem ideal” e da “visão natural”.
A “paisagem de símbolos” da arte medieval não representava os objetos naturais em
sua real aparência. A representação da paisagem estava ligada à filosofia cristã medieval em
que a vida terrena é passageira e o ambiente em que ela é vivida não deve absorver toda
nossa atenção. Os sentidos nos desviariam da noção de Deus e poderiam induzir ao pecado.
É a época dos “jardins do paraíso”. Flores, frutas, pássaros, a Virgem, o Unicórnio, jardins
encerrados por muros, isolados do mundo exterior. No campo da arquitetura e do jardim, o
equivalente seriam os pátios e claustros monásticos.
A “paisagem dos fatos” é apresentada por exemplos da pintura flamenga notadamente
dos séculos XV e XVI. Fala da representação da luminosidade, da busca resoluta da verdade,
do estudo minucioso de cada objeto retratado e conclui que seguramente essas pinturas de-
viam mais à observação que à imaginação.
A “paisagem fantástica” é a representação do misterioso e do desconhecido que co-
meça já no século XV quando os artistas originários das cidades e que tinham como clientes
as populações urbanas, que já tinham aprendido a controlar as forças naturais e passaram a
encarar as ameaças da floresta e da inundação e podiam usá-las conscientemente para pro-
vocar um sentimento de horror. Cita Grünewald, Altdorfer e Bosch que haviam visto cidades
queimadas pelos mercenários, conheceram as barbaridades da Guerra dos Camponeses e as
guerras religiosas e pintaram aspectos da natureza que exprimiam as convulsões do espírito
humano, cheio de trevas, maldade e fúria.
A “paisagem ideal” reflete uma paisagem arcadiana, poética, idealizada. Os elementos
de realismo combinam-se com o sonho, o mito da Idade de Ouro na qual o Homem vivia
dos frutos da terra numa verdade antes poética que científica. Cita Giorgione, Poussin, Bellini,

12 Arquiteto (FAUUSP), Secretaria Municipal de Verde e Meio Ambiente, Departamento de Parques e Áreas
Verdes
19

Claude Lorrain.
Longe da idealização, a paisagem nos princípios do século XIX passa a ser retratada
numa “visão natural”. “Uma cena calma, com água em primeiro plano refletindo o céu lumi-
noso e enquadrada por árvores escuras, era algo que toda a gente estava de acordo em reco-
nhecer como belo”. Cita como expoentes dessa “visão natural” Turner, Constable, Corot.

OS JARDINS NA ANTIGUIDADE

Os jardins da Antiguidade nos chegaram ao conhecimento mais por relatos literários, o


que dificulta o seu resgate. O jardim como arte efêmera dificilmente deixa restos e os poucos
que porventura tivessem se salvado foram destruídos por escavações outras que não deram
atenção a seus remanescentes.
O Xystus, que entre os gregos significava um pórtico coberto debaixo do qual se exer-
citavam os atletas e, entre os romanos, aléia de jardim, rua arborizada, era uma construção
de jardim que protegia os atletas em suas práticas do mau tempo. Ele era parte de um recinto
cercado plantado com árvores onde os gregos treinavam para os jogos Olímpicos. Essa área
coberta, depois, foi tomada por colunatas ao lado das quais estavam caminhos a céu aberto,
daí os romanos chamarem de Xystus as aléias dos seus jardins. Os gregos, diferentemente dos
romanos, não prezavam o luxo e a ostentação e dedicavam-se mais a uma vida coletiva e, as-
sim, seus jardins não eram privados como os dos romanos. Nesses jardins eram erigidas está-
tuas dos heróis vencedores dos Jogos Olímpicos. Eram esses os jardins gregos, que podemos
considerar de uso público. Na verdade, bosques com caráter sagrado dedicados a Academus,
herói lendário da Ática, em que eles praticavam seus esportes e discutiam filosoficamente suas
idéias (CLIFFORD, 1966).
Os jardins dos romanos viemos a conhecê-los graças à catástrofe de Pompéia, soterra-
da pela erupção do Vesúvio no ano 79 da era cristã e que foi descoberta em 1748. Outra fonte
de conhecimento são as descrições de Plínio, o jovem, dos jardins de suas vilas.
Os jardins de Pompéia são jardins urbanos. São pátios descobertos cercados por colu-
nas, o peristilo, no interior das residências. Se na Grécia esses pátios eram pavimentados, em
Pompéia eles eram em terra, o que nos faz supor a existência de plantas. Na casa dos Vetii
em Pompéia, o peristilo tem cerca de 15 metros de comprimento por 8 metros de largura.
Nos peristilos existiam muitas bacias de água, pequenas estátuas que serviam de condutores,
pilares de Hermes e, provavelmente, plantas. Eram mais salas que jardins. Em paredes cegas,
apareciam pinturas em trompe l’oeil retratando cenas de jardim com treliças cobertas por plan-
tas, aves, entre outras. Por essas pinturas, podemos perceber o que os romanos entendiam ser
um jardim (CLIFFORD, 1966).
Diferentemente dos gregos ligados ao mar, os romanos estavam ligados à terra. Esse
amor pela natureza os fez constituir vastas propriedades e usufruir de suas belezas naturais.
Os jardins dessas propriedades, as vilas, conhecemos pelas descrições do jovem Plínio, que
era um homem de riqueza, estudado e culto. Se para os gregos o desfrutar da natureza era
fortuito, ligado ao conforto da sombra para conversar, para o encontro social, cultural e des-
portivo, para os romanos as árvores, os contrastes da folhagem, a sensação de frescor e paz
eram um fim em si mesmo que eles desfrutaram como homens do campo. Se os jardins dessas
vilas eram herança dos gregos, sua essência era outra. A vila romana não tinha unidade. Era
constituída por um grupo de edifícios, mais parecendo uma aldeia. (Figura 2.1).
20

Figura 2.1 - Maquete da Vila Adriana Em Tivoli – Roma. Foto do autor 1999.

As estátuas dos jardins gregos foram substituídas pela topiária, arte que foi primeiro
praticada por Cnaius Martius, amigo de Augusto, não havendo sinal dela antes dos tempos
imperiais. Em buxo eram representadas batalhas navais, caça, cães, cavaleiros, o nome do
proprietário e, muitas vezes, o do topiário. Arquitetura e verde se integravam e a topiária era
um dos primeiros sinais de um amadurecimento e consciência das potencialidades materiais
do jardim. Diferentemente do jardim grego, o jardim de Plínio está, essencialmente, voltado
ao desfrute privado, conforme suas palavras: “Deixe, meu amigo (porque é já tempo), a bai-
xa e sórdida perseguição da vida aos outros e, neste protegido retiro, emancipe-se para seus
estudos” (CLIFFORD, 1966).

O JARDIM NA IDADE MÉDIA

O jardim da Idade Média formava uma unidade entre o jardim útil e o jardim artísti-
co (ERMER et al., 1996). Os jardins, então, foram mais funcionais que ornamentais. A água
passou de funcional para ornamental, o suporte das vinhas desenvolveu-se para a pérgola
e o caramanchão. As bordas cercadas para evitar as aves e cães transformaram-se no treliça-
do decorativo e daí desenvolveu-se para a balaustrada de cantaria. Esse jardim estático por
muito tempo tomou pulso e teve desenvolvimento dinâmico primeiramente na Itália. Esse
crescimento deveu-se à riqueza comercial e à relativa paz reinante na Itália, contrariamente,
às outras partes da Europa, além do mais, os restos do grande passado estavam pesadamente
no solo mais do que em qualquer outro lugar (CLIFFORD, 1966).

O JARDIM DO RENASCIMENTO

O jardim do Renascimento é concebido como parte integrante do edifício e divide a


mesma criatividade que se requeria para a casa. Leone Battista Alberti (1404-1472) em seu
De Re Aedificatoria descreveu como um jardim deveria ser, usando como modelo os jardins
do jovem Plínio. A casa deveria ser colocada numa leve elevação de modo que se obtivesse
belas vistas a partir dela. Deveriam existir pórticos, pérgolas e grutas de tufo. Vasos decora-
tivos deveriam ser usados para cultivar flores e o nome do proprietário deveria estar escrito
em buxo. Buxo ou alecrim deveria ser usado para fazer as bordas dos canteiros. Água cor-
rente era desejável e seria melhor se jorrasse de surpresa em alguma gruta que tivesse sido
decorada com conchas coloridas. Haveria loureiros, ciprestes, delimitados por hera, porém,
as frutíferas deveriam ser mantidas em separado no pomar. Estátuas cômicas eram admitidas.
Círculos e semicírculos, os quais em formas arquitetônicas como pátios seriam apreciados.
Não seria uma mera reprodução de Plínio, sendo suas prescrições uma mistura de clássico e
21

medieval. No jardim do Renascimento, casa e jardim fazem uma unidade reconhecível pelo
olhar. O jardim numa posição elevada, numa inclinação, poderia-se olhar sem dificuldade
para o mundo fora dele (CLIFFORD, 1966).
No período de 1503 a 1573, o jardim italiano se tornou um jardim de arquiteto. Terra-
ços e escadarias aparecem condicionados pela topografia. O que se pode observar nos jar-
dins desse período é o caráter público que assumem. Nos jardins de Plínio, o uso era para o
deleite do proprietário, agora, os jardins assumem um caráter de mais ostentação, sendo seu
uso mais social que privado. Bramante (Fermignano, 1444-1514) realizou, sob encomenda do
Papa, a ligação do Vaticano com o Belvedere. Como este estivesse em posição mais alta que
o Vaticano se fazia necessário procurar uma transição entre eles. Para resolver o problema,
Bramante utilizou um magnífico arranjo de escadarias e balaustradas e com isso compensou,
também, o desequilíbrio entre as duas construções de proporções desiguais. A novidade aqui,
já que escadas sempre existiram no jardim, em geral disfarçadas no desenho, é que as escadas
tornaram-se o mais importante elemento do desenho do jardim. (Figura 2.2).

Figura 2.2 - Pátio Do Belvedere, Roma. Detalhe Da Gravura De Hendryck Van Schoel, de 1579
Fonte: www.suite101.com/article.cfm/garden_design/111870

Neste período, a água vai desempenhar um novo papel. Na Idade Média a água apare-
cia no jardim na forma de uma fonte ou poço, sob a influência do gosto islâmico que chegou
à Itália através da Espanha, pois, no século XV, a Casa Real de Nápoles era aragonesa. Como
as vilas dessa época foram construídas em Roma onde não havia muita disponibilidade de
água, procuravam-se as encostas para satisfazer o desejo de fontes, jogos de água, o som e o
movimento da água corrente. Posteriormente, os Papas Sixto IV, Sixto V e Paulo V realizaram
obras para trazer a Roma água o suficiente para abastecer a cidade e seus jardins. A Villa Lante
atribuída a Vignola é um exemplo da transição entre o jardim do arquiteto e o jardim do escul-
tor. A Villa está localizada numa elevação suave, de modo que não foi necessário um maciço
arranjo de terraços para vencer a declividade. Outra característica do sítio era a presença de
bosques e abundância de água, o que não sucedeu com as outras vilas próximas a Roma. A
presença de bosques fez com que essa vila tivesse um parque ao lado do jardim, como vamos
encontrar em Versalhes e nos jardins ingleses. (Figura 2.3).
22

Figura 2.3 - Villa Lante, Bagnaia. Planta Geral do Jardim e do Parque


Fonte: www.canino.info/inserti/tuscia/luoghi/villa-lante/index.htm

Distante do espírito da Villa Lante está a Villa D’Este em Tivoli desenhada por Pirro Li-
gorio. Se na Villa Lante tudo é moderação, na Villa D’Este tudo é exagero (CLIFFORD, 1966).
Segundo Clifford (1966), a Villa D’Este é um dos poucos jardins que preservam uma unidade.
Ele não vê a mesma unidade nos jardins Boboli de Florença (Figuras 2.4, 2.5 e 2.6) e na Villa
Borghese em Roma.
23

Figura 2.4 - Planta dos Jardins Boboli, Florença. Foto do autor 1999.

Figura 2.5 - Jardins Boboli (Anfiteatro), Florença. Foto do autor 1999.


24

Figura 2.6 - Jardins Boboli (Fontana Del Forcone), Florença. Foto do autor 1999.

Para ele, o fascínio e engenhosidade de detalhe são os responsáveis por essa falta de
unidade. Na Villa D’Este, se fez amplo uso da água, aproveitando a presença do rio Ânio,
cujas águas foram canalizadas para o jardim. Jogos de água, fontes, cascatas descem pelas es-
cadarias numa engenhosidade espantosa, jardins aquáticos com esculturas de fonte, o famoso
teatro das águas, criando ambientes diversos e imaginosos. Construções e grutas em tufo e
conchas criam diversos motivos de interesse. O plano do jardim tem uma certa simplicidade
apesar do tamanho e complexidade de suas partes. Um linha central marcada por fontes,
estátuas e as escuras entradas de grutas levam o olhar de volta para cima onde está a grande
ênfase horizontal do próprio palácio. Eixos paralelos ao principal levam calculadamente para
algum enfático elemento arquitetônico (Figuras 2.7, 2.8, 2.9, 2.10 e 2.11).
25

Figura 2.7 - Villa D’este, Tivoli, Roma. Vista do Eixo Central do Jardim a partir da Casa. Foto do autor 1999.

Figura 2.8 - Villa D’este, Tivoli, Roma. Vista dos Jardins Junto a Casa. Foto do autor 1999.
26

Figura 2.9 - Villa D’este, Tivoli, Roma. Vista do Eixo Principal do Jardim olhando para a casa. Foto do autor 1999.

Figura 2.10 - Villa D’este, Tivoli, Roma. Fontes e Jogos de Água. Foto do autor 1999.
27

Figura 2.11 - Villa D’este, Tivoli, Roma. Fonte. Foto do autor 1999.

A sociedade italiana no século XVI sofreu uma mudança radical que produziu um novo
estilo de arte, o barroco.

O JARDIM FRANCÊS

As aventuras dos franceses na Itália entre 1494 e 1524 colocaram-os em contato com o
renascimento italiano. Carlos VIII voltou da Itália trazendo artistas italianos e objets d’art. Uma
série de artistas italianos como Leonardo da Vinci (1442-1519), Cellini (1500-1571) e outros de
menor fama foram viver e trabalhar na França.
A diferença entre os jardins franceses e italianos deve-se à estrutura do país e sua his-
tória política. As restrições da Guerra dos Cem Anos impôs aos franceses uma vida cercada e
com fossos. Os castelos rodeados de fossos e murados, inicialmente, condicionaram o desen-
volvimento dos jardins. Outra condicionante para essa diferença entre a Itália e a França no
desenho dos jardins está na topografia e no clima. A França tornou-se uma monarquia unifi-
cada com seu centro de gravidade na planície norte. O centro e o norte da França eram mais
planos, mais frios e mais úmidos que as vizinhanças de Roma, de Florença ou de Milão. A
população rica da Itália nos séculos XVI e XVII, como no tempo de Plínio, vivia no campo só
nos meses de verão. As vilas situadas nas baixas encostas das colinas aproveitavam as brisas
frescas e o som da água corrente. Essa situação permitia vistas em distância, construções terra-
ceadas. O jardim italiano tinha uma unidade com a inter-relação arquitetônica dos terraços.
Na França, o rei e os nobres viviam em seus castelos o ano inteiro, mudando de um
para outro em busca de variedade. Raramente, retornavam a sua casa da cidade como a aris-
tocracia de Roma e Florença fazia habitualmente. Assim, a vila italiana era uma casa de verão,
uma luxuosa cabana de piquenique. O castelo francês oferecia tudo que o proprietário ne-
cessitava, casa urbana e caça combinados. Os reis franceses viviam, por segurança, fora de
Paris, desde os dias de Luís XI, com poucas exceções. O jardim francês desenvolveu-se em
terrenos planos, levemente inclinados onde era mais fácil obter águas paradas do que casca-
tas e fontes. Vistas nessa topografia só podiam ser obtidas por meio de vistas prolongadas e
28

escrupulosamente organizadas. Embora os terraços existissem, eles tendiam a ser menos altos,
menos freqüentes e arquitetonicamente menos importantes.
Caminhos elevados continuaram a ser construídos nos quatro lados do jardim, de acor-
do com o princípio medieval mesmo quando, na Itália, eles já tivessem sido abandonados.
Esses caminhos elevados levaram ao parterre e, foi por causa dele que esses caminhos ele-
vados continuaram a ser construídos mesmo quando as exigências defensivas já haviam de-
saparecido. A palavra parterre foi primeiramente usada no meio do século XVI e derivava de
par terre, no chão. O parterre levou ao compartiment de broderie. Claude Mollet (1564-1649),
jardineiro de Henrique de Navarra escreveu em 1618 “Le Théâtre des Plans et Jardinages”, a
bíblia do parterrista.
A característica essencial do parterre é a perfeita simetria. Mollet popularizou o uso do
buxo que pelo seu crescimento lento, pela facilidade de modelar, pela sua coloração escu-
ra, revelou-se a planta ideal para a definição do parterre. Jacques Boyceau (1560-1633), no
princípio dos século XVII, enfatizou em um livro publicado em 1638 a necessidade de pro-
porção; a altura das árvores e sebes deveria estar relacionada com o comprimento e largura
dos caminhos. Além da proporção e simetria, ele pedia, também, variedade. Essa proporção,
simetria e variedade, foram os grandes princípios que regeram, daquela época em diante o
jardim francês.
O italiano Francesco Primaticcio (Bolonha 1504 – Paris 1570) criou em Monceaux-en-
Brie, um jardim para Catarina de Médici (1560-1633) que prenunciou o jardim de vista em
Vaux-le-Vicomte e Versailles que dispunha um canteiro retangular atrás do outro, juntando-os
no mesmo eixo da casa. (Figura 2.12).

Figura 2.12 - Monceaux-En-Brie. Primaticcio – Jardins Para Catarina De Médici


Fonte: www.ndsu.nodak.edu/instruct/dcollito/322/French/Part-two1.htm

O jardim do castelo do Cardeal de Richelieu (1627-1637) faz a ligação entre Monceaux


e Vaux-le-Vicomte. (Figura 2.13).
29

Figura 2.13 - Jardins Do Castelo Do Duque De Richelieu


Fonte: www.ndsu.nodak.edu/instruct/dcollito/322/French/Part-two1.htm

Aqui podemos reconhecer a forma em “T” de Versalhes. As parterres são enfatizadas


por avenidas e bosques e, de grande significação, o ramo do “T” foi prolongado na forma
de uma avenida cortada pelo parque envolvente. O jardim de Richelieu é contemporâneo do
Buen Retiro do Conde-Duque de Olivarez na Espanha. A diferença entre os dois está na for-
ma desequilibrada, impetuosa e fracionada do jardim espanhol e no método do pensamento
francês com sua evidente confiança na razão e geometria. Vaux-le-Vicomte deve-se a Fou-
quet, herdeiro da grandeza de pensamento de Richelieu, que atraiu e uniu os grandes espíri-
tos criativos de sua época. Em Melun, Fouquet encarregou o arquiteto Le Vau da construção
de um castelo, o pintor Charles Le Brun da decoração interna e o projeto do jardim coube a
André Le Nôtre (1613-1700). Le Nôtre vinha de uma família de jardineiros, sendo que sua ma-
drinha de batismo foi a esposa de Claude Mollet. Le Nôtre não surgiu do nada, ele vinha de
uma tradição jardinística que estava se formando e foi o expoente final dela. Ao ser chamado
para executar Vaux-le-Vicomte, Le Nôtre não iria planejar um lugar em que um homem culto
iria encontrar seus amigos como ocorreu nos jardins dos Médici: foi para criar um estupendo
teatro para festas.
Em Vaux-le-Vicomte Le Nôtre, baseou-se num grande princípio: de que a completa ex-
tensão do enorme jardim deveria ser visível num relance; mesmo que houvesse variedade nas
partes, essas deveriam estar subordinadas ao todo. Se o jardim era para ser visto num relance,
ele deveria ser relativamente estreito mas, para ser impressionante pelo tamanho, deveria ser
comprido; o olhar de uma pessoa no mais alto terraço pode ver na distância, mas deveria,
também, ser solicitado a mover-se de lado a lado.
Nesse caminho, o jardim de vista nasceu e o pequeno jardim quadrado em fosso
desenvolveu-se num enorme tapete estendido do terraço da casa a uma distancia remota que
lhe pareceria muito mais um fundo de cenário do que uma realidade. Como em Monceaux
e no castelo de Richelieu havia um bosque em cada lado da cadeia central de parterres. O
propósito desses bosques era ajudar a emoldurar a vista, levar o olhar para a frente. No jar-
dim de Vaux-le-Vicomte, havia um grande tema central ao qual tudo o mais era subordinado.
(Figura 2.14).
30

Figura 2.14 - Castelo De Vaux-Le-Vicomte


Fonte: www.vaux-le-vicomte.com/vaux-images-chateau.php (vista aérea-Yan Arthus Bertrand)

Luís XIV, que não estava presente na festa inaugural do castelo, fez prender Fouquet
que morreu 19 anos depois na Fortaleza de Pignerol, e levou a equipe do projeto para cons-
truir Versalhes para ela. Segundo o Marquês de Saint-Simon (op. cit. Saint-Simon at Versailles,
tradução de Lucy Norton) Versalhes não era um sítio muito agradável. Ele a descreve como o
lugar mais sombrio e falto de interesse, sem vistas, florestas, água, sem solo e, além do mais,
toda a terra adjacente era areia movediça ou brejo e o ar não poderia, assim, ser saudável.
Tudo o que foi dito para Vaux-le-Vicomte pode ser dito de Versalhes como jardim. Versalhes
foi a apoteose do jardim de vista francês. Em torno da famosa perspectiva outros jardins foram
construídos e refeitos ao sabor das necessidades por festas da corte. Temos, então, aquilo
que os jardineiros franceses ao longo da história do jardim na França haviam preconizado: a
grande perspectiva unificadora e os jardins em sua volta, rodeados por bosques, que davam
a almejada diversidade. (Figura 2.15).
31

Figura 2.15 - Vista Do Eixo Central Dos Jardins Do Castelo De Versalhes, Versalhes, Paris. Foto do autor, 2000.

Um dos famosos exemplos desses arranjos periféricos é a famosa Gruta de Tétis que
era descrita, externamente, como se fossem três arcos do triunfo e, internamente, como três
grandes alcovas ocupadas por grupos de estatuária. Apolo e suas ninfas e, de cada lado, os
cavalos do deus do sol guiados por tritões. No teto, havia um grande reservatório de água
que alimentava inúmeros dispositivos de gotejamento e esguicho de água; o chão era elegan-
temente pavimentado; as paredes eram incrustadas de inúmeras conchas. Enquanto Le Nôtre
viajava em missão diplomática a Roma, Luís XIV encomendou a seus arquitetos o Palácio de
Marly-le-Roy que tinha os mesmos defeitos apontados por Le Nôtre no “Bosquet de la Colon-
nade” construído por Charles Hardouin-Mansard para servir de substituto das funções teatrais
da velha Gruta de Tétis. Pressionado pelo rei a opinar, Le Nôtre disse: “Bem Sire, o que diria?
Vós transformastes um pedreiro em jardineiro e ele levou-vos a um dos truques de seu ofí-
cio”. Este castelo que custou imensas somas e trabalhos ingratos, construído para satisfazer
um capricho do rei, foi arrasado pelo povo durante a Revolução Francesa em seu ódio pelos
desmandos da monarquia (CLIFFORD, 1966).
32

O JARDIM PAISAGÍSTICO INGLÊS

Na Inglaterra, na terceira década do século XVIII, houve uma grande revolução na arte
do jardim. As muralhas se foram, os fossos se foram, as linhas retas ainda permaneciam no jar-
dim. Iniciou-se a rejeição dessas linhas retas. Despontou a noção da linha ondulante da beleza
(the wavy line of beauty). O jardim de vista francês foi substituído por uma nova abordagem
do desenho do jardim e foi na Inglaterra que isto ocorreu. Entre as razões para que isto suce-
desse na Inglaterra estava o prazer do inglês em fazer um passeio pelo campo. Os jardins da
Renascença Italiana eram museus onde os homens vadiavam, discursavam e conspiravam. Os
jardins da França eram palcos para paradas e exibição. Os pátios da Espanha e Portugal eram
salas ao ar livre nas quais se podia passar a siesta e desfrutar a sombra e o barulho da água
corrente. Por outro lado, a Inglaterra não era lugar para a grande ocasião cerimonial en plein
air sem a necessidade de um providencial abrigo. O clima inglês era diferente daquele da Île
de France. Para os ingleses um jardim deveria ter sempre um lugar para caminhar e jogar e
satisfazer a preferência do inglês pelo exercício físico como um prazer em si. O jardim inglês
visava à economia, à parcimônia, o que inviabilizava o modelo de jardim francês.
A economia passou a ser um dos principais fatores para o bom desenho do jardim,
por isso dever-se-ia afastar as decorações com buxo e outros ornamentos e substituí-los por
gramados e bosques. O plantio e disposição de árvores constituiu a nova tarefa do jardineiro.
Os filósofos haviam descoberto a beleza do mundo antes do pecado original. Os economistas
haviam descoberto que a sujeição da vegetação era excessivamente cara. O velho desenho do
jardim não permitia mais introduzir novidades. O olhar do mundo elegante estava familiariza-
do com os padrões assimétricos da porcelana, laca e sedas chinesas. O despotismo monárqui-
co estava morto, o despotismo clerical foi rejeitado, tudo conspirava para o desfrutar de um
mundo cheio de surpresas e suspense. Se a paisagem deveria ser admirada, não haveria nada
de mais valor que a paisagem inglesa. Negaram-se as árvores podadas e as avenidas retas.
Se o jardim até agora era considerado uma extensão da casa e, assim, uma questão
arquitetônica, a partir de então a natureza deveria ser “idealizada” até às paredes da casa.
O primeiro e fundamental passo para o novo jardim foi a aparente remoção dos limites do
jardim. O objetivo do jardineiro francês era que a natureza parecesse subordinada a sua arte.
Removendo a inevitável linha divisória para o mais longe do eixo central, ele pode ignorar a
existência do dia-a-dia do campo a sua volta. A intenção do jardineiro inglês ao ocultar a li-
nha divisória era fazer parecer que os jardins eram parte do mundo total da natureza, embora
sendo uma parte idealizada dela.
O método adotado para disfarçar o limite do jardim foi o ha-ha. Perto do final do
século XVII, na França, apareceu o método de ocultar a linha divisória por uma cerca oculta
dentro de um fosso. No século XVIII, o conceito de natureza só era claro num ponto: era que
se detestava a linha reta. Este era o dizer favorito de William Kent (1645-1748) o pioneiro do
jardim “natural” que vai desenvolver-se no jardim paisagístico inglês (Figura 2.16).
33

Figura 2.16 - William Kent, Jardins de Stowe. Fonte: CLIFFORD, 1966, prancha 62

Um exemplo remanescente do seu trabalho é o jardim de Rousham em Oxfordshire. A


grande influência de Kent foi sua viagem à Itália. No século XVIII, os jardins do Renascimento
tinham 200 anos de idade e o que Kent viu e esforçou-se por reproduzir foram imagens iso-
ladas de um bosque super desenvolvido escondendo parcialmente um templo, uma piscina
sombreada por árvores, que antes constituíram uma sebe, uma fila de estátuas, um semicírcu-
lo de bustos em nichos (CLIFFORD, 1966).
Nos primórdios do jardim paisagístico, estavam se desenvolvendo três tipos distintos
de jardim “natural”. O primeiro era o “pitoresco”, o segundo era o “poético” e o terceiro era o
jardim “abstrato”. O jardim “pitoresco” derivava das técnicas dos pintores paisagistas criando
em três dimensões o que estava representado por eles em duas dimensões. O jardim “poéti-
co” baseava-se no reconhecimento e na reprodução de aparências. O jardim “abstrato” não
deveria suscitar emoção por reconhecimento, nem por imitação de outra arte, porém, dar vida
a certas sensações. Um quarto tipo falhou em desenvolver-se, foi a ferme ornèe, fazenda or-
namentada. Quem parece ter primeiro tentado este tipo foi Dufresnoy, o sucessor de Le Nôtre
no “Hameau de la Reine” em Versalhes, a “fazendinha” de Maria Antonieta.
Na Inglaterra, o fracasso da ferme ornèe se deveu ao fato de que a agricultura era re-
gida por linhas retas e linhas retas estavam fora de cogitação para o gosto da época. Dos três
34

famosos jardins da metade do século XVIII que mais devem à paisagem estão Painshill, Lea-
sowes e Stourhead. Leasowes era obra do poeta Shenstone. O trabalho começou em 1743 e,
de acordo com Shenstone, as cenas do jardim poderiam ser divididas entre o sublime, o belo
e o melancólico ou pensativo. A despretensiosa casa de Shenstone estava em um gramado
envolvida por um ha-ha. O restante do terreno estava arranjado numa sucessão de cenas ou
perspectivas a serem vistas de um caminho-cinturão.
O cinturão no jardim da metade do século XVIII era mais importante que o ha-ha.
Consistia em um plantio irregular de árvores envolvendo a propriedade e provendo um cami-
nho ou estrada no seu perímetro. Significativo porque o jardim era para ser visto olhando-se
para dentro. O cinturão refletia uma mudança do ponto de vista. Shenstone fez das sucessivas
vistas cruzadas de seu “cinturão-caminho” a principal característica de Leasowes. Como ele
não era um homem rico como Lord Cobham, ele não pôde construir casas de verão como
em Stowe; ao invés disso ele espalhou urnas, bancos de jardim e placas com versos apropria-
dos indicando os sentimentos apropriados a cada lugar. Embora seu jardim fosse desenhado
como uma série de paisagens pictóricas, não havia realmente pinturas satisfatórias nele.
O segundo tipo de jardim foi o “jardim poético”. O assim chamado “jardim pitoresco”
deve muito ao “jardim poético”. A confusão entre um e outro vem da natureza dos pintores
que eram, na verdade, pintores poéticos. O “jardim poético” era uma questão de atmosfe-
ra. O freqüentador ligava-se na “solenidade”, no “sublime”, na “grandeza”, “dignidade” ou
“elegância”, conforme a porção do jardim em que estivesse. Abismos, uma pedra com textos
melancólicos, templos clássicos, uma ruína gótica, deveriam evocar as sensações apropriadas.
Os arranjos no jardim deveriam criar, evocando, um genius loci, o espírito do lugar. Numa
sociedade burguesa, Figuras, estátuas, vasos de flores, urnas etc., pré-fabricados, deveriam
fornecer decorações poéticas ao jardim. Assim, o arquiteto voltava ao jardim fornecendo o
mobiliário poético a ele. O visitante deveria vagar de uma sensação para outra numa série de
cenas evocativas. O resultado foi que esses jardins perderam sua unidade artística. Um dos
elementos do “jardim poético” era o “eremitério”, habitado, logicamente, pelo seu “eremita”,
uma pessoa contratada para desempenhar um papel relacionado à cena que habitava. Se um
tonel no jardim, o eremita evocaria Diógenes.
O “jardim poético”, como toda manifestação romântica, sofreu de uma falta de disci-
plina e, em 1780, a grande revolução do jardim na Inglaterra, e em toda parte, havia perdido
seu rumo.
A teoria da “linha ondulante de beleza” (the wavy line of beauty) apareceu cedo, no
século XVIII, e tornou-se um princípio estético muito forte. William Kent proclamou que “a
natureza detesta a linha reta”. A teoria da linha ondulante da beleza foi subscrita por todos os
produtores de jardins, seja os poéticos ou os pitorescos. Em 1750, apareceu o grande mestre
do jardim paisagístico inglês: Lancelot Capability Brown (1716 – 1783). Os elementos poéticos
e pitorescos do jardim foram banidos, restando só o domínio da linha ondulante da beleza.
Lancelot Brown recebeu o cognome de Capability porque costumava dizer que podia
ver capabilities of improvement nas áreas que deveria tratar paisagísticamente. Ele abandonou
o uso de estatuária, usou bem menos edificações que os jardineiros poéticos e concentrou-se
quase, inteiramente, oo uso das ondulações contrastadas e relacionadas. A cor desempenhou
pouco ou nada em suas idéias. Usou o contraste tonal, luz e sombra para dispor a harmonio-
sa organização da linha. Ele mesmo comparou sua arte com a composição literária, como se
usasse vírgulas, parênteses e, assim, dirigisse a vista e comandasse os temas em seus jardins.
Capability Brown usou poucos meios criando tramas simples. Contornos de grama verde,
ondulações do terreno, espelhos d’água, poucas espécies de árvores usadas isoladamente ou
em grupos ou em cinturões lineares e intencionais (CLIFFORD, 1966) (Figura 2.17).
35

Figura 2.17 - Os Jardins De Stowe Modificados Por Lancelot Brown. Fonte: CLIFFORD 1966, prancha 64

O jardim de Brown com sua economia de meios, composto mais de gramados e árvo-
res alcançou um ponto de saturação e o jardineiro florista reagiu e reapareceu com suas flores
no desenho do jardim trazendo de volta a cor e o perfume. Foi o momento de Humphrey
Repton (1752 – 1818) que se definiu como um “jardineiro paisagista”.
Repton definiu o que ele considera como os princípios de sua arte, a “jardinagem
paisagística”: primeiro mostram-se as belezas naturais e escondem-se os defeitos naturais de
cada situação; segundo, deve-se dar a aparência de amplidão e liberdade, disfarçando-se cui-
dadosamente ou escondendo-se as divisas da propriedade; terceiro, deve-se, estudadamente,
dissimular toda interferência de arte, por mais que custosa, com a qual o cenário é melhorado;
quarto, todos os objetos de mera conveniência ou conforto, na impossibilidade de torná-los
ornamentais ou de tomar parte própria no cenário geral, devem ser removidos ou apagados.
O estilo de Repton influenciou a jardinagem vitoriana e, com seu ecletismo, sua influência
chegou até o Brasil no princípio do século XX.
Sob a base de Brown ele procurou construir alguma coisa que pudesse incluir ao mes-
mo tempo as belezas de Le Nôtre e os jardins pitorescos, procurando satisfazer as necessida-
des do jardineiro florista e do colecionador botânico. Repton era governado pelo pensamento
lógico. Para ele, o jardim é um objeto artificial e não tem pretensão de ser natural sendo
conseqüência do crescimento das plantas que o adornam; sua cultura deve ser toda trabalho
artístico; e ao invés da linha invisível ou cerca escondida (Ha-Ha), que separa o gramado
cortado do gramado que alimenta o gado, é mais racional mostrar que os dois objetos são
separados. O não banimento do jardim de flores, da horta e dos estábulos da vizinhança da
casa era o principal objetivo da plataforma de Repton. Brown os havia escondido bem longe
da casa, o que passou a ser considerado não funcional. Repton combateu a necessidade de
perspectivas em toda a parte do jardim dizendo que um pouco de reclusão era necessário.
36

Isto levaria a uma segregação do parque e do jardim o que ele evitou provendo um terraço
balaustrado que servia como cerca entre a parte plantada e o parque e servia, também, como
uma plataforma visual elevada. Esses terraços elevados constituem uma marca reconhecível
de muitos jardins de Repton.
Com a introdução de plantas novas e exóticas e de flores, o jardim passou a ser obra
não de filósofos, poetas e arquitetos, mas de jardineiros. O ecletismo de Humphrey Repton
está relacionado com o jardim de todo o século XIX. Foi Repton quem ensinou como a irresis-
tível enchente de novas plantas foi organizada na estrutura de um pleasure ground13 e justifi-
cou sua presença no jardim. Os elementos dos jardins passaram a ser o gramado, que assumiu
o papel de um parque paisagístico em miniatura, uma expansão da grama aparada pontuada
com arbustos exóticos e árvores em grande variedade, tudo em escala reduzida; arbustos; o
velho bosquete, densamente plantado e com grande variedade de espécies, atravessado por
caminhos serpenteantes; o caminho-terraço, que substituiu o parterre, mirava distantemente o
parque; a estufa em estrutura de ferro substituiu a orangerie. O domínio dos jardineiros no de-
senho do jardim estabeleceu que as plantas deveriam ser plantadas onde melhor crescessem
e não onde tivessem o melhor efeito. Era o chamado estilo “jardinístico” (CLIFFORD, 1966).

O ESTILO PAISAGÍSTICO MODERNO NO BRASIL

É o jardim eclético que vamos encontrar no princípio do século XX no Brasil. Esse


jardim das cidades desenvolveram-se com a riqueza do café em São Paulo. Como exemplos
podem ser citados o Jardim da Luz, hoje chamado Parque da Luz, em São Paulo (Figura 2.18);
o Parque Municipal de Belo Horizonte-MG (Figura 2.19); o Jardim da Praça Cônego Joaquim
Alves em Batatais-SP; a Praça N.S. da Conceição em Franca-SP, em Rio Claro-SP.

Figura 2.18 – Gruta, Parque Da Luz, São Paulo. Foto do autor 2005.

13 Hermann Fürst von Pückler-Muskau faz a seguinte observação sobre o „pleasure ground“: „A palavra
pleasure ground é difícil de traduzir-se para o alemão e eu tenho por mim que é melhor deixá-la em inglês.
Pleasure Ground significa um terreno ornamentado e cercado junto à casa, com dimensão bastante grande para
ser tratado como jardim, sendo, de certo modo, um meio termo, uma estrutura de ligação entre o parque e os
próprios jardins”(PÜCKLER-MUSKAU 1988).
37

Figura 2.19 - Parque Municipal, Belo Horizonte, Minas Gerais. Foto do autor 2005.

Esses jardins parecem ter chegado até nós através de modelos franceses. Entre os li-
vros que pertenceram a Arthur Etzel, filho de Antonio Etzel que deu ao Jardim da Luz o seu
desenho atual, estava o livro “Les Parcs et Jardins au commencement du XX éme siécle” (VA-
CHEROT, 1909) que mostra modelos de jardins semelhantes a esses. Esses modelos que se
expandiram da Paris de Haussmann, dos trabalhos de Jean Charles Adolphe Alphand (Figuras
2.20 e 2.21), e se espalharam pelo mundo, estão bem descritos por Georges Lefebvre que
aborda o “estilo paisagístico moderno”.
38

Figura 2.20 - Parque De Buttes-Chaumont, Paris. Foto do autor 2000.


39

Figura 2.21 - Parque De Buttes-Chaumont, Paris. Foto do autor 2000.

Após a Revolução Francesa, com o colapso das grandes fortunas, o jardim paisagísti-
co ou inglês foi adaptado a jardins menores. Para remediar a insuficiência de extensão das
propriedades, criaram-se aléias curvas alongando as distâncias e oferecendo sempre novos
pontos de vista ao visitante. As modificações que essa escola moderna fez acontecer no es-
tilo paisagístico antigo vê-se, notadamente, nesse novo traçado das aléias, no modelado dos
gramados em ondulações (vallonnement) e na criação de canteiros floridos. No início desse
novo estilo, as aléias eram numerosas, dividindo terreno em um grande número de peque-
nos gramados com maciços de vegetação minúsculos. Depois, as aléias tornaram-se menos
numerosas, as superfícies gramadas maiores, sem a fragmentação exagerada do terreno. As
ondulações do gramado (vallonnement) modelam a superfície em curvas côncavas graciosas
no centro do terreno, e se perdem nas extremidades em direção aos maciços vegetais e aléias.
Enfim, as flores, que haviam sido abandonadas até Capability Brown e retomadas por Repton
e seus seguidores, servem para compor corbelhas dispostas sobre os gramados em grupos
isolados ou junto aos maciços de arbustos (LEFEBVRE, 1897).
Esse modelo de jardim ainda encontramos no Parque da Luz e no desenho original da
Praça da República em São Paulo, hoje destruído pelas constantes intervenções espúrias.
Georges Lefebvre fala ainda do estilo misto ou composto. O estilo misto é um com-
posto do jardim regular ou francês e do jardim paisagístico ou inglês onde se aplica às duas
partes da composição as teorias que lhe concernem, tendo-se o cuidado de estudar o acordo
dos dois estilos de modo a criar um conjunto harmonioso (LEFEBVRE, 1897). Um exemplo
desse estilo composto, eclético, encontrávamos em Franca – SP, na Praça Nossa Senhora da
Conceição, no projeto de Chauviére (DEL PICCHIA, 1991) (Figura 2.22), antes que esta fosse
modificada em meados dos anos 1950 (FERREIRA, 1983).
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Figura 2.22 - Praça Nossa Senhora da Conceição, Franca, São Paulo. Fonte: DEL PICCHIA, 1991, p.120.

O JARDIM DA PENÍNSULA IBERICA

Os jardins do Alhambra e o Generalife de Granada são em sua maior parte mouriscos e


datam do século XV e da última fase do governo muçulmano na Espanha. O jardim do Alcazar
de Sevilha é anterior ao jardim do Alhambra, porém sofreu modificações posteriores pelos reis
espanhóis que sucederam os árabes. O peculiar uso da água é a mais distintiva característica
do jardim islâmico. O uso da água não era limitado às suas qualidades de espelho ou à sua
sugestão de frescor. O uso da água em movimento foi responsável pelos arranjos engenhosos
e decorativos das fontes. O controle dos jatos de água foi ensinado pelos árabes à Espanha
cristã que depois levou essas técnicas à Itália e a toda a Europa (CLIFFORD, 1966).
Portugal e Espanha apresentam jardins de marcada influência mourisca. Assim, esses
jardins têm uma singularidade que os distinguem dos jardins do resto da Europa. Por causa da
influencia da cultura moura, os jardins portugueses e espanhóis não apresentam uma concep-
ção ordenada, seguindo um eixo ou diretriz principal como os jardins italianos e franceses.
Os jardins portugueses e espanhóis se caracterizam por uma sucessão de espaços fechados
em si, que não se articulam, segundo um eixo ou diretriz clara e definida.
Esses espaços independentes entre si mais parecem salas ao ar livre, sendo encerra-
dos por muros, destacados da paisagem ao seu redor, salvo por alguma abertura nos muros
que permitem que o espaço exterior seja observado discretamente do interior do jardim. A
tradição helenístico-mourisca da privacidade do espaço domiciliar levou à criação de espaços
externos recatados onde se podia gozar uma atmosfera fresca junto aos elementos da nature-
za: água, flores, perfumes, frutos (CARITA; CARDOSO, 1990; CLIFFORD, 1966). É interessante
observar que no Palácio Pitti em Florença, onde estão os célebres jardins Boboli, vamos en-
contrar um jardim recluso construído na parte posterior do palácio para Leonor de Toledo,
filha de D. Pedro Alvarez de Toledo, Vice-Rei de Nápoles, esposa de Cosimo I de Médici. Esse
jardim é encerrado por muros e tem uma abertura em janela para observar uma rua com uma
vista para a paisagem circundante. Esse jardim difere, flagrantemente, do restante dos jardins
italianos do palácio, os jardins Boboli.
No jardim português, encontramos uma série de elementos singulares que o compõem:
os espelhos d’água, os azulejos, os embrechados, as tijoleiras, os alegretes, as latadas, a cani-
çada, as plantas em espaldeira, a topiária e as esculturas (CARITA; CARDOSO 1990) (Figuras
2.23, 2.24, 2.25, 2.26, 2.27, 2.28 e 2.29).
41

Figura 2.23 - Azulejos e piso de tijoleira, Quinta da Bacalhoa, Vila Fresca do Azeitão, Portugal. Foto do autor
2002.

Figura 2.24 – Embrechados, Palácio dos Marqueses de Fronteira, Benfica, Lisboa. Foto do autor 2002.
42

Figura 2.25 - Alegrete (Canteiro Elevado), Palácio dos Marqueses de Fronteira, Benfica, Lisboa. Foto do autor
2002.

Figura 2.26 – Latada, Palácio do Marques de Pombal, Oeiras, Portugal. Foto do autor 2002.
43

Figura 2.27 – Caniçada, Palácio dos Marqueses de Fronteira, Benfica, Lisboa. Foto do autor 2002.

Figura 2.28 – Topiária, Casa de Mateus, Vila Real, Portugal. Foto do autor 2002.
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Figura 2.29 – Escultura, Palácio dos Marqueses de Fronteira, Benfica, Lisboa. Foto do autor 2002.
É interessante observar que não se conhece similares desses jardins no Brasil, salvo
uma observação sobre dois pavilhões que existiram no Passeio Público do Rio de Janeiro de
Mestre Valentim.
Nos extremos do terraço que descortinava a Baía da Guanabara e que ficava no fim
do eixo principal do jardim em oposição ao Chafariz das Marrecas, erguiam-se dois pavilhões
hexagonais em que se exibia a arte muralista de painéis com conchas e penas, obras de
Francisco dos Santos Xavier - Xavier das Conchas, e de Francisco Xavier Cardoso Caldeira -
Xavier dos Pássaros (CAVALCANTI, 2004). Esta arte muralista de conchas seria, talvez, a dos
embrechados portugueses, existindo no Museu dos Oratórios de Ouro Preto de autoria de
Xavier das Conchas.

CHINA E O JAPÃO

O jardim chinês se desenvolve sob a influência do pensamento de Lao Tsé e de Con-


fúcio. O primeiro sustenta que não se deve viver a vida mas, deixar a vida viver. O segundo,
procurando conquistar a liberdade da calma espiritual recomenda, como meio de atingi-la,
uma vida de serviço público e cooperação em uma comunidade bem estruturada, pregando
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uma vida de moderação. A isto se adicionaram os ensinamentos de Buda que cultivava a cal-
ma, a contemplação, a libertação de todas as formas de desejo, num nível místico. No caráter
cultural chinês, estavam unidos o amor à natureza e uma magnífica receptividade passiva à
sensação. Esta é a origem do jardim chinês, cuja primeira função era induzir um desejável es-
tado de espírito. Por seu caráter selvagem mais do que urbano, a geometria não tinha lugar no
jardim chinês. O jardim era projetado como uma série de cenários como num rolo de pintura
de paisagens, cada uma delas completa em si mesma. Como esses jardins eram réplicas esca-
lares de cenários naturais, a escala relativa tinha especial importância. O esqueleto do jardim
eram as pedras, não as pedras esculpidas, porém, as pedras naturais e elas desempenhavam
o mesmo papel que as esculturas no jardim ocidental. O mesmo acontecia no jardim japonês.
A qualidade procurada pelos chineses em seus jardins era o “pitoresco/emotivo” (CLIFFORD,
1966).
Os japoneses reduziram a uma regra o modo como os chineses usaram os ingredientes
da paisagem natural, produzindo, assim, algo original (CLIFFORD, 1966). O jardim japonês
aconteceu no século VI, conforme o modelo do jardim chinês. Nas residências da aristocracia
nos séculos X a XII, o jardim era colocado ao sul dos edifícios do palácio. Seu ponto central
era um tanque com uma colina ao fundo. Nesse tanque, navegava-se num barco exótico
desfrutando poesia e música. O jardim era plantado com diversas plantas floridas. Este jardim
teve forte influência Zen, cultura do sul da China. Importante é que antes, em relação com
o monastério, apareceu uma outra arte do jardim, um jardim plano. Pensamentos filosóficos
influenciavam a forma do jardim que tinha uma significação simbólica. Com o desenvolvi-
mento da cerimônia do chá desenvolveu-se um novo tipo de jardim, o jardim do chá. Pedras
delineavam o caminho, lanternas de pedra, bacias de água em pedra tornaram-se elementos
indispensáveis do jardim da cerimônia do chá. Árvores de folhagem perene, principalmente
coníferas, distribuíam uma impressão de calma. O jardim do chá é importante por ser a for-
ma básica que deu origem ao jardim japonês. Dos séculos XVIII até o XIX o jardim japonês
tipificou-se, dividindo-se em dois tipos principais: o jardim com colinas (Figura 2.30) e o jar-
dim plano (Figura 2.31).

Figura 2.30 - Jardim Com Colinas


Fonte: YOSHIDA 1954 P. 170
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Figura 2.31 - Jardim Plano


Fonte: YOSHIDA 1954 P. 171

Cada um desses dois tipos foi depois estruturado em três tipos: Shin, Gyô e Sô. Shin
apresenta um jardim que procura ser construído, segundo a natureza e tem um aspecto for-
mal. No Sô, a natureza apresenta-se simplificada e simbolizada, a sensação é leve e amigável.
Gyô deve ser observado como uma forma intermediária entre Shin e Sô. Todos esses jardins
foram popularizados e normatizados de modo que sua forma foi tornada possível para cada
jardineiro. A influência européia se fez sentir nos jardins japoneses modernos, porém, os ja-
poneses mantiveram no fundo do coração a tradição do próprio jardim japonês (YOSHIDA,
1954).

O DESENHO DO JARDIM APÓS O ECLETISMO

Por volta de 1929, Alfred Agache realizava os jardins da Praça Paris no Rio de Janei-
ro com um desenho de jardim do ecletismo vigente ainda nos princípios do século XX. Em
1934, Roberto Burle Marx realizou os primeiros jardins com senso ecológico em Pernambuco
utilizando plantas da caatinga, contrariamente ao que usavam os paisagistas como Agache
e Glaziou (MOTTA, 1983). Roberto Burle Marx, artista plástico, trabalhou com botânicos,
destacou-se no desenho de jardins completamente diferenciados dos modelos do passado
recente, tornando-se uma das grandes personalidades do desenho do jardim contemporâneo.
No Rio de Janeiro, Fernando Chacel, arquiteto, trabalhou no escritório Burle Marx e carregou
um pouco do seu desenho de jardim.
Em São Paulo, lembramos quatro Figuras no desenho do jardim contemporâneo, Otavio
Augusto Teixeira Mendes, Waldemar Cordeiro, Roberto Coelho Cardoso e Rodolfo Geiser.
Otavio Augusto Teixeira Mendes (1907 - 1988), engenheiro agrônomo, ao voltar de
uma pós-graduação na Universidade de Columbia nos Estados Unidos, passou a se auto-
intitular arquiteto paisagista. Teve ação destacada no Serviço Florestal do Estado de São Paulo
como precursor de políticas ambientais e, entre seus trabalhos como paisagista, se destacam
o Parque do Ibirapuera e o jardim da atual Fundação Maria Luísa e Oscar Americano em São
Paulo (MARIANO, 2005).
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Waldemar Cordeiro (1925 – 1973), pintor concretista, atuou, também, como paisagista.
Seus jardins refletem os propósitos de sua pintura (BELLUZZO, 1986; MEDEIROS, 2004).
Roberto Coelho Cardoso, professor de paisagismo da Faculdade de Arquitetura e Ur-
banismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), influenciou muitos jovens paisagistas que
atuam em São Paulo e que trabalharam com ele. Segundo relato do arquiteto João Batista
Villanova Artigas, Roberto Coelho Cardoso chegou ao Brasil com uma recomendação de Gar-
rett Eckbo, dos Estados Unidos e passou a lecionar na FAUUSP.
Em São Paulo atuou, também, o engenheiro agrônomo Rodolfo Ricardo Geiser que
tem se dedicado ao projeto paisagístico de residências, condomínios residenciais, praças e
parques públicos, projetos paisagísticos para instalações industriais e recuperação de áreas
degradadas. Dedicou-se, também, ao ensino de paisagismo em escolas públicas e privadas.
Seus projetos, diferentemente dos arquitetos que se formaram com Roberto Coelho Cardoso,
dão ênfase maior ao uso da vegetação na conformação espacial do jardim como é o caso,
também, de Otávio Augusto Teixeira Mendes.
No ano de 1967, o engenheiro agrônomo Felisberto Cavalheiro começou a atuar no,
então, Serviço de Parques, Jardins e Cemitérios da Prefeitura do município de São Paulo,
depois, Departamento de Parques e Jardins. Projetou e implantou várias áreas verdes de São
Paulo. Permaneceu no Departamento até sua partida para a Alemanha onde, em Hannover,
fez doutoramento, tendo recebido o título de Doctor Rerum Horticulturae com a dissertação
“Die Kommunale Freiraumverwaltung in São Paulo/ Brasilien” (CAVALHEIRO, 1981). Após
sua volta da Alemanha, trabalhou na Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA que mais
tarde se transformou no Ministério do Meio Ambiente. Participou, então, da elaboração das
primeiras leis ambientais federais que organizaram o Sistema Nacional do Meio Ambiente –
SISNAMA. Antes de sua partida para a Alemanha, participou da elaboração do “Projeto Urba-
nístico para o Vale do Rio Jahu, perímetro urbano” e do projeto de um parque junto ao Rio
Jahu em Jahu, São Paulo (DEL PICCHIA e CAVALHEIRO, 1987) (Figura 2.32).

Figura 2.32 - Projeto Paisagístico Para O Vale Do Rio Jahu – Perímetro Urbano – Jahu-SP
Fonte: DEL PICCHIA e CAVALHEIRO (1988) Vol. 1, P. 239

Trata-se de um projeto de recuperação de paisagem, de renaturalização. Sendo um


trabalho desenvolvido em 1974 ele é, sob todos os aspectos, um trabalho pioneiro, inclusive
por propor afastar o sistema viário das margens do rio, fato que só recentemente teve acolhi-
da no planejamento urbano brasileiro. Participou do projeto do Jardim Botânico de Brasília,
sendo que a presença do Modelo Filogenético no jardim foi proposição sua. Como professor
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da UNESP, da USP e da pós-graduação da UFSCar deixou um legado inestimável para a ques-


tão do planejamento da paisagem de acordo com os princípios defendidos pelos arquitetos
paisagistas alemães, os Landespfleger.

REFERÊNCIAS

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Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1986. 193 p., il.

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CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da in-


vasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 443 p., il.

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wärtige Situation und Chancen zukünftiger Entwicklung. 1981. 425 p. Tese (Doutoramento)
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CLIFFORD, D. A History of Garden Design. New York: Frederick A. Praeger, 1966. 252 p.,
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CAPITULO 3
ECOLOGIA E PLANEJAMENTO DA PAISAGEM

João Carlos Nucci14

Transformar a natureza para satisfação das necessidades humanas é um processo inevi-


tável, porém essa transformação realizada sem um planejamento com visão sistêmica, provoca
profundas modificações com conseqüências indesejáveis.
Um dos entraves para a busca de um desenvolvimento baseado em um planejamento
com visão sistêmica encontra-se na forma fragmentada de produção e aplicação do conheci-
mento, um reflexo da visão cartesiano-newtoniana desenvolvida a partir do século XVI, e que
se baseia em questões isoladas, o que destrói a complexidade do ambiente.
Ao fragmentar a realidade, simplificando o complexo, separando o que é inseparável,
a Ciência ignora a multiplicidade e a diversidade, eliminando a desordem e as contradições
existentes.
Monteiro (1992) afirma que, na Universidade a pulverização dos saberes em uma mi-
ríade de disciplinas, organizadas em departamentos estanques e estruturadas em unidades
(escolas, faculdades ou institutos) ajuda a expressar este caos em um negócio de concepções
profissionais fragmentadas, de modo a estimular a rivalidade e o espírito de “corporação”.
Para Morin (2000), há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os
saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas e, por outro lado, reali-
dades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transna-
cionais, globais, planetários.

(...) os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só trouxeram as vantagens da divisão


do trabalho, mas também os inconvenientes da superespecialização, do confinamento e do
despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a elucidação, mas também
a ignorância e a cegueira (...) os conhecimentos fragmentados só servem para usos técnicos
(Morin, 2000).

Para Monteiro (1992), a tentativa de compreender as leis da natureza – sempre vistas


“em separado” da permanente e perene ação derivadora do homem sob a coerção das forças
sociais e do determinismo econômico – resulta apenas em frustração.
Sendo assim, torna-se, agora, conveniente resgatar o Planejamento da Paisagem que,
na opinião do Professor Doutor Felisberto Cavalheiro, poderia ser considerado como uma
possível base teórica para uma visão mais integradora das questões naturais, econômicas,
sociais e culturais.
Portanto, com o objetivo principal de divulgar e, quem sabe, esclarecer algumas ques-
tões sobre o Planejamento da Paisagem, este capítulo tratará primeiramente do surgimento da
Ciência da Paisagem no século XIX, quando
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os estudos da paisagem passaram a ser consi-
derados científicos; a concepção sistêmica da paisagem, ou seja, o Geossistema; em seguida,
será abordado o surgimento da Ecologia da Paisagem como uma concepção que prometia um
avanço em direção à interdisciplinariedade, mas que, atualmente, corre o risco de modificar

14 Biólogo (IB-USP), Professor Doutor, Departamento de Geografia - UFPR


51

seu rumo e, finalmente, serão apresentados os princípios e metas do Planejamento da Paisa-


gem como uma possível teoria integradora.

A CIÊNCIA DA PAISAGEM

O termo paisagem apresenta ao longo de sua história vários significados e, desde o iní-
cio do século XX, vem retomando sua importância nos estudos que tratam tanto da natureza
quanto da cultura.
A paisagem foi introduzida como termo científico-geográfico no início do século XIX
pelo alemão Alexander von Humboldt (1769-1859), o grande pioneiro da moderna geobotâni-
ca e geografia física. Na língua alemã, o termo paisagem (Landschaft) contém uma conotação
geográfico-espacial no prefixo land, diferentemente da paisagem com significado de cenário
encontrado nas artes e na literatura.
Interessante lembrar que o “Espaço Geográfico desde os tempos mais remotos (gregos)
sempre foi encarado de forma integrada, visão esta que desapareceu com o tempo até ressur-
gir com ênfase com A. von Humboldt” (TROPPMAIR, 2004).
Para Humboldt, Geografia Física significava descrever as formas da terra firme como
base da vida humana, correlacionando a caracterização morfológica da evolução da paisa-
gem, com base na Geologia, na Climatologia, na Hidrologia, na Fitogeografia, na Zoogeogra-
fia, nos homens, na economia, no comércio, nos transportes, na população, na colonização,
na cidade e na aldeia e na sociedade. A Geografia Física de Humboldt não se interessava em
descobrir novas espécies, mas em correlacionar os fenômenos já conhecidos, ou seja, desco-
brir os nexos (BECK e SCHOENWALDT, 1999). Todavia,

Durante o trabalho de décadas na obra sobre a viagem à América surgiram gradualmente


novas disciplinas especializadas. Foram também especialistas que, desde 1870, confundiram,
sobretudo as áreas do esquema de ordenamento geográfico com modernas disciplinas indi-
viduais, segmentando a unidade da Geografia Física de Humboldt em um número cada vez
maior de disciplinas especializadas (BECK; SCHOENWALDT, 1999 – p. 39).

Ricotta (2003) afirma que, embora a especialização já estivera fixando os domínios de


vizinhança entre as disciplinas recém-emergentes, Humboldt era incansável; tinha a convicção
de que a legitimidade de seus limites nunca constituiria obstáculo para reunir o disperso, o
precário, o elemento isolado em um grande sistema da Natureza. Sem negar a astúcia dos
estudos específicos, Humboldt aderiu a uma perspectiva, ao mesmo tempo, empírica e filo-
sófica da Natureza, a fim de demonstrar a harmonia invisível que liga a diversidade enorme
de objetos naturais.
Para Troppmair (2004), as numerosas disciplinas que se originaram da subdivisão da
Geografia e das fusões com outras áreas do conhecimento, quando de forma isolada, não
são Geografia, são disciplinas ou ramos independentes como Climatologia, Geomorfologia,
Hidrologia, Geografia Urbana, Geografia Econômica, e mesmo que haja pontes para outras
disciplinas, como, por exemplo, na Geomorfologia Ambiental, continua sendo Geomorfologia
e não Geografia.
Mesmo com a crescente especialização da Geografia Física, uma semente, entre ou-
tras, permaneceu nos biogeógrafos europeus que viam a paisagem não apenas como uma
visão estética (como a maioria dos arquitetos da paisagem) ou como parte do ambiente físico
(como a maioria dos geógrafos), mas como uma entidade espacial e visual da totalidade do
espaço de vida humano, integrando geosfera, biosfera e noosfera (do grego noos - mente).
52

Então, no século XX, a ciência da paisagem pôde se desenvolver, paralelamente, às


outras ciências, graças aos discípulos de Humboldt, entre eles Passarge, que elaborou o pri-
meiro livro dedicado à paisagem (Grundlagen der Landschaftskunde – 1919, Hamburgo) e
Troll, criador do termo Ecologia da Paisagem, em 1939.
Além do termo Ecologia da Paisagem (Landschaftökologie) Carl Troll também cunhou
o termo Geo-ecologia (Geo-ökologie), considerando a paisagem dividida em ecótopos (Lan-
dschaftzellen) ou células da paisagem e relatava que a paisagem poderia ser considerada um
sistema energético, cujo estudo se deveria lançar em termos de suas próprias transformações
e de suas produtividades bioquímicas, questionando, ainda, que se deveríamos considerar
apenas as interações funcionais da paisagem natural ou se as ligações funcionais das ações
humanas não deveriam ser também pesquisadas e entendidas.
Além da continuidade dada por esses pupilos de Humboldt, a Ciência da Paisagem,
também se desenvolveu na ex União Soviética com o nome de Geografia Física Complexa,
dado pelo edafólogo russo Dokoutchaev (1848-1903). Para ele, o solo é resultado da intera-
ção dos elementos da paisagem, ou seja, um complicado sistema de interações do complexo
natural.
Com os avanços da Ecologia e da Teoria Geral dos Sistemas na primeira metade do
século XX, o conceito de sistema foi plenamente incorporado aos estudos da paisagem.
A passagem da visão dos complexos naturais de Dokoutchaev para uma visão mais
sistêmica, aconteceu com Sotchava que lançou, em 1963, a noção de geossistema como um
fenômeno natural, influenciado pelos fatores econômicos e sociais, que podem transformar
sua estrutura e suas peculiaridades espaciais, surgindo dessas influências as paisagens antro-
pogênicas, ou seja, os estados variáveis e primitivos dos geossistemas naturais (SOTCHAVA,
1977).
Sotchava (op cit.) afirma que a Geografia Física, baseada nos princípios sistêmicos,
pode ocupar posições firmes na moderna geografia aplicada voltada ao planejamento, e que
a Geografia Física deve estudar, não os componentes da natureza, mas as conexões entre eles,
devendo-se entender não somente a morfologia da paisagem, mas também a sua dinâmica,
estrutura funcional e conexões, sendo a sua principal concepção a conexão da natureza com
a sociedade humana.
O conceito de Geossistema foi utilizado em 1967 pelo geógrafo inglês Stoddart e em
1969, pelo alemão Neff, tornando-se, então, um termo utilizado por todos os especialistas da
Ciência da Paisagem.
O Geossistema corresponde à aplicação do conceito de “sistema” a paisagem, ou à
concepção sistêmica da paisagem (PASSOS, 1988).
A paisagem, como um conceito científico introduzido por Humboldt, também foi res-
gatada por Bertrand (1972) como uma entidade holística corroborando, assim, as idéias de
Troll que, na década de 1930, lançara as bases da Ecologia da Paisagem, método que repre-
sentou um progresso sobre os estudos fragmentados por tentar reagrupar todos os elementos
da paisagem sem se esquecer do ser humano.
Na procura por uma síntese da paisagem, Bertrand (op cit.) afirma, categoricamente,
que seria necessário renunciar a determinar unidades sintéticas com base nas unidades ele-
mentares delimitadas pelas disciplinas mais especializadas (Geologia, Geomorfologia, Pedo-
logia, Climatologia, etc), mas que, ao contrário, seria preciso procurar talhar diretamente a
paisagem global tal qual ela se apresenta, enfatizando que “a síntese vem felizmente no caso
substituir a análise”; uma questão de difícil entendimento para nossa visão ainda fragmentada
(NUCCI, 2004).
Definiu a paisagem não como uma simples adição de elementos geográficos dispara-
tados. Para ele, a paisagem é, em uma determinada porção do espaço, o resultado da combi-
53

nação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo
dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em
perpétua evolução. É preciso frisar bem que não se trata somente da paisagem “natural”, mas
da paisagem total integrando todas as implicações da ação antrópica (BERTRAND, 1972).
Bertrand (op cit.), também influenciado pela visão sistêmica, esboçou uma interessante
definição teórica de geossistema considerando-o como o resultado de relações entre o poten-
cial ecológico, a exploração biológica e a ação antrópica (Figura 3.1).

Figura 3.1 – Esquema das relações entre os elementos de um Geossistema


(Fonte: BERTRAND, 1972: 13; Org.: FÁVERO, 2001).

Além de Bertrand, outros biogeógrafos próximos das Ciências Biológicas, como Rou-
gerie seguidos por geomorfólogos, como Tricart, avançaram nos estudos atuais das paisa-
gens naturais. Para Rougerie e Beroutchachvili (1991), o geossistema seria composto por três
componentes: os abióticos (litosfera, atmosfera, hidrosfera), os bióticos (flora e fauna) e os
antrópicos (o homem e suas atividades).
O esboço metodológico de Bertrand (1972) apresenta uma Geografia Física Global que
se nutre dos estudos especializados tradicionais procurando entender as combinações, a dinâ-
mica e evolução das paisagens, e se abre para os problemas de ordenamento das paisagens.
Esse seu trabalho constitui, portanto, mais um material básico que vem auxiliando na mudan-
ça da abordagem somente analítica e linear para uma abordagem com orientação sistêmica,
sintética e integrativa, muito necessária nos dias atuais (NUCCI, 2004).
Troppmair destaca a contribuição de Georges Bertrand dada ao estudo dos Geossiste-
mas, afirmando que Bertrand:

(...) ressalta que na pesquisa dos geossistemas, além do estudo dos elementos abióticos
(clima, solo, hidrologia etc) e bióticos (flora e fauna) ‘é necessário utilizarmos elementos da
sociedade, da história, da economia, não para fazer sociologia, mas estudar o meio ambiente
(...) quer dizer, analisar o meio ambiente de épocas passadas e, em particular, o que passa
na história recente (...) o meio ambiente toma a dimensão cultural, e nós trabalhamos com a
diversidade’. (TROPPMAIR, 2004)
54

Troppmair (2004) conclui que o Geossistema é um sistema natural, complexo e inte-


grado onde há circulação de energia e matéria e onde ocorre exploração biológica, inclusive
aquela praticada pelo homem; e, que paisagem é um fato concreto, um termo fundamental
e de importante significado para a geografia, pois a paisagem é a fisionomia do próprio Ge-
ossistema.

A ECOLOGIA DA PAISAGEM

Em meados do século XX, a Ecologia da Paisagem despontou com raízes na Europa


Central e Ocidental, sendo a Alemanha e a Holanda os primeiros países com a maior quanti-
dade de trabalhos produzidos nessa área. O primeiro trabalho sobre o tema escrito em inglês
por Naveh e Lieberman (1984), foi a Ecologia da Paisagem, introduzido nos EUA e em outros
países de língua inglesa.
O termo Ecologia da Paisagem, como uma disciplina científica emergente, foi cunhado
por Troll em 1939, ao estudar questões relacionadas ao uso da terra por meio de fotografias
aéreas e interpretação das paisagens.
Com a sugestão desse termo, Troll teve a intenção de incentivar uma colaboração en-
tre a Geografia e a Ecologia combinando, assim, na prática, a aproximação “horizontal” do
geógrafo examinando a interação espacial dos fenômenos, com a aproximação “vertical” dos
ecólogos, no estudo das interações funcionais de um dado lugar, ou “ecótopo” (Naveh e
Lieberman, 1984).
A intenção de Troll poderia ser entendida como uma esperança de estudos que pudes-
sem considerar o ser humano, a sociedade e o meio físico como um conjunto. Para Zonneveld
(1990), a Ecologia da Paisagem de Troll foi uma tentativa de casamento entre a Geografia
(paisagem) e a Biologia (Ecologia).
Entre os anos de 1945 e 1975, surgiram várias pesquisas nessa área, como, por exem-
plo, os trabalhos de Neef (1956, 1967) que salientavam o caráter interdisciplinar dessa abor-
dagem. Geógrafos e Ecólogos na Europa Central, após a II Guerra Mundial, procuravam cons-
truir uma noção de Ecologia da Paisagem como uma ciência interdisciplinar que conduzisse
a um inter-relacionamento entre a sociedade humana e seu espaço de vida – suas paisagens
construídas ou não. Profissionais das mais diversas áreas se uniram com a intenção de criar
uma ponte entre o sistema natural, o rural e o urbano.
Em 1981, realizou-se em Wageningen (Holanda), o 1º Congresso Internacional de Eco-
logia da Paisagem, organizado pela The Netherlands Society of Landscape Ecology, que condu-
ziu a criação da Internacional Association of Landscape Ecology (IALE) em 1984.
Durante o congresso, entre as várias definições para a Ecologia da Paisagem, a mais
ampla e compreensível definição foi apresentada por Isaak S. Zonneveld, o primeiro presi-
dente da IALE: a ecologia da paisagem deveria ser considerada como uma ciência Bio-Geo-
Humana e com abordagem, atitude e pensamento holísticos, (Zonneveld, 1982 apud NAVEH,
2000); considerando-se o termo “holístico”
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como uma total integração do natural com o ela-
borado pelo homem.
Uma importante contribuição para esse campo foi o estabelecimento de áreas espe-
ciais para a Ecologia da Paisagem nas principais universidades da Alemanha com o objetivo
de se considerar o complexo inter-relacionamento entre o homem e suas paisagens naturais,
culturais e industriais, com a inclusão das demandas naturais, culturais e sócioeconômicas e,
ao mesmo tempo, o enriquecimento do ambiente biótico natural.
Naveh e Liebernam (1984) afirmam que, com a Ecologia da Paisagem, novas frontei-
ras foram traçadas em relação à Teoria Geral dos Sistemas; esses autores sugeriram um novo
55

conceito, o Total Human Ecosystem (THE) – como um supersistema físico-geosférico, mental


e espiritual, no qual os homens seriam integrados com seu ambiente total, e este deveria ser
considerado o maior paradigma holístico da Ecologia da Paisagem. O THE seria considerado
o mais alto nível de integração ecológica.
A Ecologia da Paisagem é vista na Europa como uma base científica para o planeja-
mento, manejo, conservação, desenvolvimento e melhoria da paisagem. Ela sobrepujou os
objetivos puramente naturais da bioecologia clássica e tem tentado incluir as áreas nas quais
o ser humano é o centro da questão – sociopsicologia, economia, geografia e cultura (Naveh
e Lieberman, 1984).
Constata-se, entretanto, uma insatisfação com a atual Ecologia da Paisagem quando Na-
veh (2000) observa a necessidade da inclusão do ser humano e sua dimensão cultural-social
e econômica como parte integral de uma ecologia global. Perante os desafios de salvaguardar
e criar sustentabilidade, saúde, paisagens produtivas e atrativas para o próximo milênio, a
Ecologia da Paisagem necessitaria de uma concepção bem mais holística.
Há, ainda, um considerável número de ecologistas da paisagem que se agarram a um
paradigma mecanicista e reducionista, acreditando que a Ecologia da Paisagem somente po-
derá alcançar uma “maturidade científica” se for capaz de fazer predições exatas de acordo
com uma visão mecanicista, como a Física Naveh (2000).
Para Morin (2000), prender-se ao axioma de Galileu, no qual os fenômenos só devem
ser descritos com a ajuda de quantidades mensuráveis, é condenar todo conceito que não
seja traduzido por uma medida: “Ora, nem o ser, nem a existência, nem o sujeito podem ser
expressos matematicamente ou por meio de fórmulas” (MORIN, 2000).
Até mesmo Bertalanffy concorda com uma certa incongruência entre modelo e reali-
dade.

Existem modelos matematicamente muito sofisticados, mas que são dúbios quando são
aplicados em casos concretos; existem problemas fundamentais para os quais técnicas não-
matemáticas são mais adequadas (...) seria melhor um modelo não-matemático (verbal) do
que iniciar com um modelo matemático e, assim, possivelmente, restringir o campo de visão
(BERTALANFFY, 1993).

A Ecologia da Paisagem, muitas vezes, principalmente na escola americana, exclui pro-


positadamente o ser humano de suas pesquisas.
Formam (1995), em um trabalho de 632 páginas sobre Ecologia da Paisagem, afirma
logo de início que a ênfase será dada nos processos naturais (relevo, solo, clima, água, fogo,
planta e animal) e não nos aspectos das ciências sociais e das humanidades.
Pearson (2002), em um capítulo de livro que se propõe a ensinar conceitos e técnicas
em Ecologia da Paisagem, justifica sua escolha por modelos de paisagens, utilizando mapas
de cobertura da terra, interpretados sob a perspectiva de diferentes espécies (excluindo a hu-
mana), justificando que sendo os mapas produtos humanos estes apresentam uma perspectiva
antropocêntrica, tendendo a se reportarem às necessidades humanas e aos sistemas econôm-
cos, como, por exemplo, ao uso da terra, ao arruamento, às cidades, aos limites políticos e,
portanto, não refletem as características importantes da vida selvagem.
Para Forman e Godron (1986), a Ecologia da Paisagem estuda a distribuição de pa-
drões de comunidades e ecossistemas e os processos ecológicos que afetam esses padrões,
ou seja, uma definição bem biocêntrica.
Como uma ciência ainda muito jovem, é muito aceitável que ocorra uma série de con-
cepções diferentes para a Ecologia da Paisagem.
56

O professor Felisberto Cavalheiro destacava em suas aulas, durante a década de 90 e


início do século XXI, alguns pesquisadores que poderiam ser incluídos no campo da Ecolo-
gia da Paisagem, como Buchwald, Ellenberg, Haber, Kiemstedt, Leser, Neef, Schmitthüsen e
Tüxen na Alemanha, De Groot e Zonneveld na Holanda, Berutchavili, Drosdov, Gerasimov
e Sotchava na Rússia, Bertrand, Godron, Rougerie e Tricart na França, Naveh em Israel, For-
man, Liebermann, McHarg, Risser, Steinitz e Turner nos Estados Unidos e Monteiro, Ab’Sáber
e Troppmair como precursores e divulgadores da obra de Troll no Brasil e citava, ainda, Porto
e Joly, também do Brasil.
Felisberto também salientava que havia, ainda, que se mencionar que em função dos
estudos de Ecologia da Paisagem, um ramo mais especializado surgia, levando-se em conta,
ainda mais, o desempenho do ser humano nas relações ecológicas da paisagem e comunica-
va, portanto, o surgimento da Ecologia Urbana, apontando como seu mais importante expo-
ente o alemão Herbert Sukopp da Universidade Técnica de Berlim15.
A crescente especialização que caracteriza a ciência moderna, a ������������������
uma enorme quanti-
dade de dados, a complexidade de técnicas e de estruturas teóricas dentro de cada campo de
estudo, fazem com que a ciência seja dividida em inúmeras disciplinas que, continuamente,
geram outras novas subdisciplinas. Conseqüentemente, o físico, o biólogo, o psicólogo e o
cientista social são encapsulados em seus universos privados, sendo muito difícil trocarem
palavras de um “casulo” para outro, e isso não deveria acontecer com a Ecologia da Paisagem
(BERTALANFFY, 1993).
A Ecologia da Paisagem deveria dar sua colaboração ao planejamento em geral, in-
clusive ao planejamento urbano e não ficar apenas restrita ao estudo das unidades naturais
(Klink, 1981). Essa área do conhecimento, que surgiu com a integração de duas importantes
ciências, a Ecologia e a Geografia, poderia ser trabalhada como um aglutinador de diferentes
disciplinas com o objetivo de entendimento da complexidade do ambiente e quem sabe não
se poderia aventar por uma possível “unidade teórico-metodológica” como sugere Monteiro
(1978).
Não se pretende, é claro, desprezar quaisquer pesquisas sejam elas mais integradoras
ou mais analíticas, pois, se justificadas de acordo com a teoria adotada, já apresentam uma
razão de ser.
As dificuldades para se alcançar essa “unidade teórico-metodológica” se justificam com
a mesma explicação que Morin utiliza para o sistema educacional, ou seja, pelo modelo da
especialização fechada que formam as mentes tornando insensato um conhecimento para
além de uma especialização.

Tanto no campo da pesquisa quanto no da educação, as resistências são inacreditáveis, os


mecanismos são rígidos, inflexíveis, fechados e burocratizados (...) Estes (os professores),
como dizia Curien, são como os lobos que urinam para marcar seu território e mordem os
que nele penetram (Morin, 2000).

15 Segundo Sukopp (1998) foi Schouw que em 1823 usou a expressão “plantae urbanae” para as plantas
que ocorriam perto das vilas e cidades e que por volta de 1850 as investigação da ocorrência e distribuição da
flora e da fauna de áreas urbanas eram considerados estudos de “História Natural”. Nas décadas de 30 e 40 (séc.
XX) surge a primeira tentativa de síntese geral dos estudos de Ecologia Urbana (Stadtökologie). Na década de 50
esses estudos investigam as plantas ruderais que cresciam nas ruínas da 2ª Guerra Mundial e somente na década
de 70 é que ocorre uma intensificação dos estudos de Ecologia Urbana (SUKOPP, 1998). SUKOPP, H. Urban
Ecology – scientific and practical aspects. In: BREUSTE, J.; FELDMANN, H.; UHLMANN, O. (Eds.) Urban Ecology.
Berlim: Springer, 1998, 714p.
57

Monteiro (1978) afirma que nossa tradição em realizar pesquisas em equipe, é muito
reduzida, especialmente aquelas que se projetam multidisciplinarmente. Uma tentativa de se
romper essas barreiras, que atravancam os estudos no campo das preocupações ambientais,
aconteceu no I Fórum de Debates sobre Ecologia da Paisagem e Planejamento Ambiental,
realizado em Rio Claro/SP em junho de 2000, presidido por Felisberto Cavalheiro16 .
A diversidade de profissionais convidados, muitos conhecidos internacionalmente, para
as conferências, mesas redondas e debates, bem como a oportunidade para a exposição de
trabalhos de alunos, principalmente de pós-graduação, de professores e outros pesquisadores,
presença de representantes de diferentes comunidades, políticos e a oportunidade de, também,
vivenciar concretamente as belas paisagens da região, por meio de excursões, fizeram do I Fó-
rum um marco da Ecologia da Paisagem no Brasil (vide programação do Fórum – anexo 1).
É necessário compreender que “A complexidade ambiental incorpora um processo de
construção coletiva do saber (...) A pedagogia da complexidade ambiental abre o encontro
infinito de seres diversos dialogando a partir de suas identidades e diferenças” (LEFF, 2001).

O PLANEJAMENTO DA PAISAGEM: A BUSCA POR UMA TEORIA INTEGRADORA

Acredita-se que nenhuma ciência em particular teria condições de sozinha resolver os


problemas da complexidade do mundo de hoje. A eleição de uma única teoria para explicar
o mundo parece ser um equívoco. Até mesmo a nova visão da realidade - a concepção sistê-
mica da vida – proposta, entre outros, por Capra (1982) pode ser criticada por reduzir todas
as questões humanas e da sociedade a peças de engrenagens controladas por mecanismos de
retroalimentação.
A troca de conhecimento, o trabalho em equipes multidisciplinares e a utilização de
conceitos e teorias mais integradoras trariam uma possibilidade de um melhor entendimento
e posicionamento perante as questões relacionadas com a complexidade do mundo.
Atualmente, o Planejamento da Paisagem se constitui um importante instrumento para
a organização do espaço utilizado em diversos países, principalmente, na Alemanha, onde é
uma atividade prevista em lei.
No seu início, nos primórdios do século XIX, essa área do conhecimento estava voltada
mais para o embelezamento da paisagem, mas durante a Revolução Industrial surgiram preo-
cupações com o desenvolvimento caótico das cidades e com o crescimento da destruição da
natureza. Nessa época surgiram na Alemanha os movimentos de “retorno à natureza”, contra
a industrialização (KIEMSTEDT et al., 1998).
Na Alemanha, pós 2ª Guerra Mundial, o Planejamento da Paisagem teve um papel mui-
to importante na reconstrução do país destruído. Houve um grande incentivo para a abertura
nas universidades, de programas com o propósito de combinar os aspectos tradicionais do
embelezamento da paisagem com as novas questões relacionadas com a proteção dos recur-
sos naturais.

16 O doutor Felisberto Cavalheiro (1945-2003), foi professor do Departamento de Geografia (FFLCH-


USP) e transitava muito bem pelas diferentes áreas que tratam da questão ambiental, entre elas a Geografia, a
Ecologia, a Agronomia e a Arquitetura. Nos anos de 1990 voltou parte de suas preocupações para um resgate,
principalmente, dos estudos alemães sobre paisagem, presidindo em 2000 o I Fórum de Debates sobre Ecologia
da Paisagem (Rio Claro/SP). Desde então, a Ecologia da Paisagem passou a fazer parte dos Congressos Brasileiros
de Ecologia como área de divulgação de trabalhos.
58

Durante a década de 70, os muitos trabalhos de interesse ambiental publicados, as


conferências internacionais sobre meio ambiente e o surgimento de ONGs influenciaram a
política ambiental alemã, culminando na mais importante fundamentação legal para o Plane-
jamento da Paisagem, o Ato Federal de Proteção da Natureza, aprovado em 20.12.1976 e os
Atos Estaduais de Proteção da Natureza, que regulamentam as leis federais.
Segundo Kiemstedt e Gustedt (1990) e Kiemstedt et al. (1998), essas leis definem os
objetivos do Planejamento da Paisagem como os de proteção e manejo da natureza e da pai-
sagem em áreas urbanizadas ou não.
O Planejamento da Paisagem na Alemanha é um instrumento de proteção e desen-
volvimento da natureza com o objetivo de salvaguardar a capacidade dos ecossistemas e o
potencial recreativo da paisagem como partes fundamentais para a vida humana e segundo
Kiemstedt e Gustedt (1990) e Kiemstedt et al. (1998), suas metas seriam:

 salvaguardar a diversidade animal e vegetal e suas biocenoses por meio do desenvolvi-


mento de uma rede interligada de áreas protegidas, renaturalização de cursos d’água,
revegetação, reflorestamento, etc,
 salvaguardar as paisagens, seus elementos e os espaços livres em áreas urbanas para
fornecer a oportunidade de contato contemplativo e recreativo na natureza em con-
traste com as atividades recreativas comerciais, sendo que essas áreas precisam ser
designadas e protegidas do impacto visual, dos ruídos e da poluição,
 salvaguardar o solo, a água e o clima por meio da regulamentação de seus usos e re-
generação dos recursos, controle do escoamento superficial, da permeabilidade dos
solos, dos aqüíferos e da poluição utilizando a vegetação como forma de controle e
 definir recomendações sobre a qualidade da natureza e das paisagens, e metas de qua-
lidade ambiental como subsídio à Avaliação de Impactos Ambientais.

Pode-se citar como propostas metodológicas no campo do Planejamento da Paisagem


a de McHarg (1971), que procura incorporar os fatores do meio físico no planejamento com
o mapeamento dos fatores intrínsecos do meio natural (clima, hidrologia, geologia, solo e ha-
bitat da vida selvagem) e, depois, combinando os mapas dentro de uma simples composição
que indica (por cores e tons usados por vários fatores) a susceptibilidade intrínseca da terra
por vários usos, tal como residencial, comercial, industrial, conservação e recreação ativa ou
passiva; em adição, a composição indica áreas sobre o terreno onde mais de um uso pode
ser suportado.
Essa susceptibilidade do solo a certos usos também se encontra no pensamento de
Tricart (1977) quando argumenta que a organização ou reorganização do território exige um
diagnóstico preliminar, ou seja, preliminarmente ao estudo do zoneamento, torna-se necessá-
rio conhecer as aptidões dos terrenos para construção, principalmente, as limitações por eles
impostas.
Gomes Orea (1978), em estudos de planejamento para a localização espacial das ativi-
dades para a província de Madrid, tem como base a capacidad de acogida del território, con-
ceito que significa a tolerância do território para acolher os usos do solo objeto de localização,
sem que se produzam deteriorações irreversíveis por sobre os limites toleráveis.
Outros trabalhos, também, apontam para a idéia da necessidade de limitar a utilização
antrópica da paisagem considerando que o meio natural apresenta fragilidades, podendo-se
citar Ross (1994 e 1995) e Nucci (2001), este último desenvolvido em área urbana.
Segundo Gómez Orea (1978), o processo de planejamento pode estruturar-se segundo
duas linhas paralelas: uma linha da demanda, que estuda a problemática econômica e social
da população e define os objetivos a conseguir, e uma linha da oferta, que examina as carac-
59

terísticas do meio em que se desenvolvem as atividades humanas, definindo as possibilidades


atuais e potenciais de satisfazer a demanda (Figura 3.2).

Figura 3.2 – Esquema Genérico de um Processo de Planejamento.


(Fonte: GÓMEZ OREA, 1978; Org.: NUCCI, 2001).

A seqüência sumária de um processo de planejamento do meio físico17, segundo Go-


mes Orea (1978), pode ser assim resumida:

a) Dimensão física da planificação (oferta).


b) Descrição da seqüência.
 estabelecimento dos objetivos;
 inventário das características físicas, biológicas, perceptivas e culturais do terri-
tório. Os dados são expressos em mapas e o inventário se expressa, portanto,
na forma de mapas temáticos;
 valoração dos temas inventariados em termos de sua qualidade ou grau de ex-
celência intrínseco;
 predição que consiste na relação uso x território, quer dizer, é o comporta-
mento do território supondo que sobre ele se estabeleça qualquer dos usos em
questão. Tal relação tem uma dupla vertente: impacto (mudança de valor dos
recursos diante de sua dedicação ao uso concreto) e a aptidão (expressão do
potencial de cada recurso para cada uso).

Um outro procedimento fundamental no planejamento da paisagem é o da classifi-


cação da paisagem em conjuntos de subespaços afins de modo a facilitar sua compreensão
e prognósticos. Para tanto, pode-se utilizar o “critério da homogeneidade” (GOMES OREA,
1978; DELPOUX, 1974) buscando identificar as “descontinuidades na paisagem” (BERTRAND,
1972).
O conceito de Geossistema, ditado por Sotchava (1977) de forma muito flexível, fora
aplicado às amplas áreas da ex União Soviética, abrangendo sempre áreas com centenas e
mesmo milhares de quilômetros quadrados. Para Troppmair (2004), quando se trata de áreas
muito limitadas, há necessidade de recorrermos a subdivisões como geofácies, geótopos, por
exemplo. Entretanto, para o Prof. Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (comunicação pes-
soal), todos esses termos utilizados para nomear os níveis escalares da paisagem (geossistema,
geofácies, geótopo, etc.), podendo-se acrescentar ainda, ecótopo, pedótopo, biótopo, entre
outros, deveriam ser substituídos apenas pelo termo “unidade de paisagem” acompanhado
da escala, por exemplo, unidades de paisagens na escala 1:10.000, facilitando, portanto, a
compreensão.

17 Interessante ressaltar que Gomes Orea utilizava o termo Planejamento Ambiental ou Planificacion del médio
ambiente, porém com a perda de precisão do termo “ambiente”, o autor passou a utilizar “planejamento do meio
físico”.
60

Essa delimitação de unidades de paisagens, um tipo de zoneamento, pode ser entendi-


da como uma proposta de organização do espaço, estabelecida em um plano, sendo alcança-
do por meio de uma classificação do território em setores homogêneos como, por exemplo,
por meio do cruzamento de cartas temáticas, valorizando ou não certas características da
paisagem: tipos de solo, formações rochosas, formas de relevo, classes de declividade, vege-
tação, etc. (GÓMEZ OREA, 1978).
A busca dessa homogeneidade para a delimitação de unidades de paisagem pode se
reduzir aos indicadores ambientais mais importantes. Por exemplo, no estudo sobre a provín-
cia de Madri (GÓMEZ OREA, op. cit.), a homogeneidade foi estabelecida atendendo, basica-
mente, às características da vegetação e das formas de relevo.
A delimitação de Unidades de Paisagem não pode ser entendida como um fim em si
mesmo. Cada unidade deve passar por uma avaliação, ou seja, uma valoração em termos de
suas qualidades ou grau de excelência intrínseco (GÓMEZ OREA, op. cit.).
O Planejamento da Paisagem pode ser entendido como o processo positivo que pre-
tende acomodar certos usos nas terras com melhores capacidades de acolhimento para os
mesmos e como um processo negativo, que pretende evitar a deterioração ou consumo dos
recursos naturais, como o solo agrícola e a água de boa qualidade (LAURIE, 1975).
Além do levantamento da situação original (primitiva) e do diagnóstico da situação
atual, características fundamentais do Planejamento da Paisagem, pode-se, também, sugerir
cenários futuros de acordo com o tipo de desenvolvimento imaginado para a paisagem em
questão.
Para Sotchava (1977), a prognose da dinâmica normal é condição necessária para
a utilização racional da natureza, obrigatória aos projetos de conservação e otimização do
ambiente em torno do homem, mas deve-se acrescentar a ela a prognose de acordo com as
diferentes possibilidades de usos requisitados pela sociedade.
Pode-se perceber pelo exposto que o Planejamento da Paisagem volta-se mais para
as questões da natureza relacionadas com a sua utilização pela sociedade, sem se considerar
outras questões, como as culturais, em sua totalidade.
Talvez o experiente professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro possa fornecer
um caminho ao acreditar que a ciência do homem acena com a possibilidade de se desvelar
do caos em que se encontra a humanidade, e afirma que:

(...) o planejamento será presidido por uma nova “razão”, em via de elaborar-se no momento
presente. Desde que – como já admite a ciência - não sejamos tolhidos pelo trauma imposto
pela obsessão do objetivo, do exato, do verdadeiro, mas conciliemos o físico ao metafísico,
adicionando ao probabilístico, ao subjetivo, ao aproximativo, os planos poderão abrir-se a
novas utopias (MONTEIRO, 1992)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento, não se encontrou uma teoria única com base científica capaz de tratar,
ao mesmo tempo, das questões naturais, econômicas, sociais e culturais, pois a construção
desse tipo de teoria constitui um dos desafios das ciências integradoras ou de síntese, como
a Geografia.
Como ponto de partida e com a intenção de enfrentar esse desafio, sugere-se entender
a paisagem como um termo fundamental e de importante significado para a Geografia. Como
um fato concreto e a feição (fisionomia) da estrutura, das inter-relações e da evolução que
ocorrem em determinada área.
61

O conceito de paisagem indicado pelo professor Felisberto Cavalheiro em suas aulas e


orientações é o proposto pelo geógrafo Prof. Dr. Carlos Augusto Figueiredo Monteiro:

a paisagem é a “Entidade espacial delimitada segundo um nível de resolução do pesquisador,


a partir dos objetivos centrais da análise, de qualquer modo sempre resultado de integração
dinâmica e, portanto, instável dos elementos de suporte e cobertura (físicos, biológicos e
antrópicos), expressa em partes delimitáveis infinitamente, mas individualizadas através das
relações entre elas que organizam um todo complexo (sistema) verdadeiro conjunto solidá-
rio em perpétua evolução” MONTEIRO (2000, p. 15).

Ainda, para uma primeira e possível aproximação dessa complexa questão, toma-se
a liberdade de indicar o trabalho de Bertrand (1972) por apresentar uma Geografia Física
Global que se nutre dos estudos especializados tradicionais para entender as combinações,
a dinâmica e evolução das paisagens. Seguindo pelo mesmo caminho, sugere-se o método
“Planejamento da Paisagem” como uma ferramenta de pesquisa e aplicação interdisciplinar
que busca uma proposição ótima de uso e ocupação do solo18.

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18 Estudos de Planejamento da Paisagem, envolvendo questões da natureza e da cultura, estão sendo


desenvolvidos no Laboratório de Biogeografia e Solos (LABS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Esses
estudos apresentam como objetivo principal estudar as paisagens, com ênfase em seus aspectos naturais e
culturais, como subsídio parcial para compreensão e utilização, de forma operativa (dados facilmente aplicados
ao planejamento), espacializada (expressão cartográfica) e integrada (análise sistêmica), das potencialidades da
natureza (limites e aptidões) e necessidades/desejos da sociedade, para fins de proposições de ordenamento do
uso e da ocupação das diferentes unidades de paisagem, visando a um ambiente saudável e viável em longo
prazo para o uso humano.
62

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64

ANEXO 1

Programação parcial do I Fórum de Debates ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO


AMBIENTAL

Período: de 04 a 08 de junho de 2000

Local: Horto Florestal Navarro de Andrade e Instituto Biociências/Unesp – Rio Claro/SP – Bra-
sil.

Público-Alvo: profissionais de universidades, Arquitetura, Biologia, Ecologia, Engenharia


(Agronômica, Civil, Florestal, outras), Geografia, Geoecologia, Sociologia, Urbanismo, Servi-
ços Públicos Federais, Estaduais e Municipais, Escritórios de Planejamento, Empresas Constru-
toras e Alunos de Graduação e de Pós-graduação.

Realização:
SEB – Sociedade de Ecologia do Brasil
CEA – Centro de Estudos Ambientais – Unesp
IB – Instituto de Biociências – USP
IGCE – Instituto de Geociências e Ciências Exatas – Unesp
CEAPLA – Centro de Análise e Planejamento Ambiental – Unesp
FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
PPG-ERN/UFSCar – Programa de Pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais
IF – Instituto Florestal – SMA
PMRC – Prefeitura Municipal de Rio Claro
SBAU – Sociedade Brasileira de Arborização Urbana

Programa (principais palestras e convidados):

 Ecologia da Paisagem: uma restrospectiva – Helmut Troppmair (Unesp – Rio Claro/


SP).
 Questões Ambientais no Brasil – Carlos Augusto Figueiredo Monteiro (USP – São Pau-
lo/SP).
 Agenda 21 – Peter Meyer (Parlamento da Alemanha).
 O Alcance Profissional da Jardinocultura e Desenvolvimento de Espaços Livres na Ale-
manha – Gert Gröning (Universidade de Artes de Berlim - Alemanha).
 Cartografia de Biótopos – Markus Weber (Grupo Brandt Meio Ambiente – Belo Hori-
zonte/MG).
 Considerações sobre Preferências Culturais e Propostas para Planejamento Ambiental
– Henri Décamps (Universidade de Toulouse – França).
 Parque Ecológico do Tietê: para contornar problemas de inundação em São Paulo (Ruy
Ohtake).
 Instabilidade de Vertentes em Áreas Tropicais – Lylian Coltrinari (USP – São Paulo/
SP).
CAPITULO 4
URBANIZAÇÃO E ALTERAÇÕES AMBIENTAIS19

Felisberto Cavalheiro20

A população da Terra vem apresentando um crescimento intenso e, desde a Revolução


Industrial na Inglaterra, França e Alemanha, nos séculos XVIII e XIX, passou a concentrar-se,
preponderantemente, em cidades. Os processos de urbanização são hoje universais e susci-
tam na opinião da população e nas autoridades políticas e científicas grande preocupação.
As estimativas do IBGE (1982) previam que em 1985, dos 135.564.000 habitantes do Brasil,
40.632.861 viveriam nos 43.742 km das nove regiões metropolitanas, ou seja, 30% da popu-
lação brasileira concentrar-se-iam em 0,5% do território nacional. Baseando-se nos dados de
Mota (1981) verifica-se que teria havido um acréscimo proporcional dessa população, da or-
dem de 3% entre 1975 e 1985.
Ao que tudo indica, essa situação não se reverteu, pelo contrário deve ter-se acentu-
ado, o que deverá ser constatado no próximo Recenseamento Geral da Nação. A urbaniza-
ção consome grande quantidade de áreas, tamponando-as. Com isso, solos férteis, biótipos,
ecossistemas raros e valiosos são perdidos. Kiemstedt e Gustedt (1990) relatam que 18% da
Republica Federal da Alemanha é ocupada por cidades, povoados, indústrias e sistemas ro-
doviários e ferroviários, e que 145 ha/dia são destinados ao desenvolvimento urbano e mo-
vimentos de terra.
No caso da Grande São Paulo, dos 8.763km, 1.000km estão construídos (CONTI, 1981).
A EMPLASA (1989) divulgou que sua área urbanizada cresceu à razão de 3.500 ha/ano entre
1974-1987 e que, embora entre 1980-1987 tenha havido um decréscimo na taxa, ela ainda era
alta, da ordem de 2.000 ha/ano. Se por um lado a tendência à urbanização apresenta um desa-
fio para os técnicos, administrativos e planejadores, a concentração humana e das atividades
a ela relacionada provocam uma ruptura do funcionamento do ambiente natural.
De fato, em nível mundial, as alterações ambientais e conseqüente modificações das
paisagens vêm sendo registradas. Cada vez mais chega-se à conclusão de que não basta que
se tome mão só de medidas tecnológicas para controle das degradações ambientais, pois,
além disso, requerer todo um aparato técnico e de equipes de especialistas, é bastante one-
roso e, muitas vezes, perecível em curtíssimo prazo, se não for bem administrado. Assim, o
mais lógico parece ser: primeiro tirar partido do que a natureza pode oferecer no tocante à
auto-regeneração, para então estudar quais devem ser as tecnologias mais compatíveis a se-
rem utilizadas.
Como lembram Sukopp e Kunick (1973)

a discussão sobre o ambiente do ser humano e seus riscos de sobrevivência concentram-


se, principalmente, em considerações tecnológicas. A natureza e a paisagem como sistemas
complexos raramente são incluídas nessas reflexões. Isso vale, principalmente, para as gran-
des cidades, o tipo de paisagem mais severamente ameaçado por poluição do ar, das águas

19 Artigo originalmente publicado no livro “Análise ambiental: uma visão multidisciplinar” (Sâmia TAUK
et al. (orgs). Rio Claro/SP : UNESP/FAPESP, 1991, p. 88-99
20 DG-FFLCH-USP, 1945-2003
66

e por resíduos sólidos. Embora elas sejam o ambiente mais importante do homem hodierno,
são esparsas as tentativas de estudá-las, considerá-las e reconhecê-las como unidades fun-
cionais (ecossistemas).

Talvez a aversão que os pesquisadores das ciências naturais têm em relação às cidades
deva-se à pressuposição de que estas sejam menos convenientes para estudar-se a natureza
e as repetitivas afirmações de que o meio urbano é, em geral, nocivo à vida. Nessas conside-
rações, esquece-se que a paisagem urbana nada mais é do que uma paisagem alterada, ou,
como muitos desejam, derivada da natural.
Para se fazer uma reversão dessa situação, há necessidade de uma reflexão no conceito
de paisagem proposto por Bertrand (1972):

A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, em uma de-


terminada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de
elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros,
fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução.

No Brasil, Monteiro et al. (1985) têm buscado dar uma interpretação holística nesse
sentido. Assim, é na paisagem alterada que se deve ir buscar, estudar, analisar e prognosticar
as degradações e impactos ambientais.
A Figura 4.1 procura representar, de forma esquemática, as principais alterações am-
bientais induzidas pelo ser humano em grandes cidades, sobre as quais será feita uma dis-
cussão melhor mais adiante. Deve-se ressaltar que em cidades pequenas as alterações podem
ser significativas, entretanto via de regra são pouco perceptíveis. A preocupação da pesquisa
das alterações dos diversos componentes da paisagem urbana não é recente, porém sempre
houve a tendência de estudá-los isoladamente, sem inter-relacioná-los.
67

Figura 4.1 - Principais alterações da biosfera em áreas urbanizadas


(Fonte: Sukopp e Kunick, 1973, modificado por Cavalheiro, 1991).
Org: SILVA, Michelle C. M., 2006.

No século XIX Howard (1883) estudou as alterações no clima londrino. Entre os auto-
res da atualidade, pode-se mencionar Landsberg (1956, 1970), Nischizawa e Yamashita (1967),
Bordreuil (1977), que estudaram de perto a influência da urbanização sobre o clima, mor-
mente no que tange ao fenômeno relativo à ilha de calor. Entre nós, os estudos iniciaram-se
com Monteiro et al. (1972), Monteiro e Tarifa (1973). Estes estudos foram isolados, contudo,
referentes, principalmente, à temperatura e umidade. Como pioneiro, no sentido de proposi-
ção de teoria relativa ao clima urbano, cita-se Monteiro (1975).
No entanto, todos os estudos enfocam muito mais o efeito clima (TARIFA, 1977), sem
cruzarem com o tipo de revestimento de solo que induz à modificação, isto é, encaram a
cidade como um todo homogêneo. Estudos que diferenciam os diversos tipos de cobertura
são raros e indicam antes uma constatação do fato do que proposições para o planejamento
urbano Bach (1972), Carvalho (1982), Eriksen (1983). Entre nós, um dos trabalhos que propõe
diretrizes nesse sentido é o de Lombardo (1985). Já na literatura alemã se encontra Bernatzky
(1974), Finke (1976), Univ. Freiburg e Hohenheim (1977). Outros componentes dos ecossiste-
mas urbanos são ainda escassamente estudados, merecendo maiores referências à vegetação
e alguns trabalhos sobre animais: Usteri (1911, 1919), Bernatzky (1969, 1974), Sukopp (1972),
Sukopp e Kunick (1973), Sukopp et al. (1974), Chevallerie (1976), Rapoport (1976), Rapoport
et al. (1983), Troppmair (1976, 1977, 1987), Dansereau (1978), Richter (1981), Siegler (1981),
Eriksen (1983), Cavalheiro e Caetano (1984), Milano (1984, 1989), Fowler (1982, 1983) e Dou-
glas (1983).
68

Seria importante que as pesquisas de ecologia urbana passassem a ser mais desenvol-
vidas, e isso, sem duvida, pressupõe um esforço interdisciplinar de vários especialistas. Sig-
nificaria, também, abandonar o corporativismo tão arraigado entre nós e usado como rótulo
de defesa profissional. Se melhor interpretado, no entanto, deve ser entendido como uma
estratégia de “lobbies”; de não se dar oportunidade para que especialistas de diversos ramos
da ciência demonstrem suas capacidades. A seguir passa-se a relatar com mais precisão as
principais alterações nos diversos componentes urbanos, alertando-se para o fato de que tal
análise, quando feita de forma isolada, peca pelo reducionismo, já que a paisagem é um todo
contínuo (BERTRAND, 1972).

Clima

Que o clima de uma cidade diferencia-se, mais ou menos, da paisagem que a circunda
é um fato já há muito constatado. Pode-se, mesmo, falar de um clima urbano que, embora
regido pelas condições mesoclimáticas, é diferenciado microclimaticamente em função da
cobertura do solo e do balanço térmico urbano, que está representado de forma esquemática
na Figura 4.2.

Figura 4.2 - O domo de poluição urbana


(Baseado em Marcus e Detwyler, 1972).
Org: SILVA, Michelle C. M., 2006.

A Tabela 4.1 mostra de forma evidente que os parâmetros metereológicos sofrem tal
alteração que se pode dizer que a cidade é transferida para um outro local diferente daquele
em que, inicialmente, se desenvolveu. Deve-se ressaltar que os valores apresentados referem-
se a valores médios, mas que em casos isolados podem ser bem maiores. Justamente, esses
casos extremos são os que produzem condições “estressantes” para os seres humanos e têm
efeitos ecológicos diretos sobre a biota urbana.
Os estudos realizados até agora indicam que o fenômeno denominado ilha de calor
deve-se menos ao efeito estufa e muito mais a fatores urbanos específicos, tais como: efeito da
transferência de energia nas construções urbanas, com formas especiais (estruturas verticais,
cores albedo e tipo de material constituinte); evaporação reduzida e conseqüentemente falta
69

do efeito refrescante a ela associado (pouco revestimento vegetal e rápido esgotamento das
águas pluviais por canalizações); produção de energia antropogênica pelos processos realiza-
dos nas indústrias, trânsito e residências (ERIKSEN, 1983).

TABELA 4.1 – Alterações ambientais em cidade em comparação com o entorno não-urbanizado.


radiação global 15-20% a menos
Radiação
ultravioleta 30% a menos
média anual 0,5-1,5ºC mais alta
Temperatura
mínima no inverno 1-2 ºC mais alta
inverno 2% menor
Umidade Relativa
verão 8-10% menor
inverno 100% mais
Neblina
verão 30% mais
Nuvens cobertura 5-10% maior
média 5-10% maior
Precipitação neve 5-10% maior
com mais de 5 mm 10% mais
média 20-30% menos
Vento
calmarias 5-20% mais
gasosa 5-25% maior
Poluição
part. sólido 10 vezes mais
calefação menor
Gastos financeiros
refrigeração maior
Modificado de Landsberg, 1970; Eriksen, 1980; e Sukopp et al., 1980.

Resumindo, pode-se dizer que a importância do clima urbano para o homem moderno
traduz-se no aumento das chuvas fortes, induzidas pela urbanização, inundações, bem como
na formação de corredores de vento que podem ocasionar grandes catástrofes e que frequen-
temente são relatadas na imprensa, que identifica a natureza como a grande vilã causadora
dessas desgraças.
Não menos graves são os “estresses” bioclimáticos ocasionados na população, tais
como problemas circulatórios, cardíacos, respiratórios e de insônia. Infelizmente faltam-nos
dados brasileiros, tais como os apresentados na Tabela 4.2 para a Inglaterra. Deve-se lembrar
que a ilha de calor, quando instalada, dificulta ou mesmo impede a troca de ar da cidade
com seu entorno não-urbanizado e a circulação do ar passa a processar-se, internamente, de
forma “viciada” (Figura 4.3).

TABELA 4.2 – Afecções pulmonares em cidades de diversos tamanhos na Inglaterra.


“Causa Mortis” p/ Habitantes
10.000 hab. > 100.000 50.000-100.000 < 50.000 Zona Rural
Pneumonia 47,90 39,22 35,75 31,55
Bronquite 61,56 53,82 48,77 36,94
Outras 11,19 9,71 10,60 9,66
Total 120,65 102,75 95,12 78,15
Baseado Muller, 1974.
70

Figura 4.3 - Representação esquemática das radiações e balanço térmico em cidades


(Baseado em Eriksen, 1983).
Org: SILVA, Michelle C. M., 2006.

Relevo e solos

Relevo e solo representam fatores ecofuncionais relevantes em todos os ecossistemas.


Essa assertiva vale não só para ecossistemas naturais e agrários, mas também para os ecos-
sistemas urbanos. Isso porque, se de um lado eles suportam a cidade, também influenciam
outros ecofatores, como o clima e ciclos hidrológicos, e determinam, de forma significativa,
a conformação urbana. Conseqüências da falta de reflexões acuradas na ocupação do solo
podem ser constatadas, infelizmente, em todo o Brasil, e pode-se ainda apontar para os casos
isolados ocorridos em diversas cidades, como os deslizamentos de massa havidos em Petró-
polis em 1987; Rio de Janeiro, 1988 e 1989; na Favela Nova Republica em São Paulo, 1989.
Por falta de normas e legislação específica, no Brasil, em quase todas as obras urbanas,
verifica-se a destruição da camada superficial, fértil de solo, capaz de suportar a vida vegetal.
Com o agravante de que, quando se deseja ajardinar uma área urbana, busca-se solo fértil em
ambientes não degradados, para a incorporação nas áreas a serem plantadas, sem grandes
preocupações com as “feridas” abertas nessas paisagens. Para tentar solucionar o problema,
a Associação Brasileira de Normas Técnicas, através do projeto 1:63.03-002, proposto pela
Comissão Técnica de Poluição do Solo, está desenvolvendo uma norma técnica para proteção
do solo “vegetal”.
71

Águas e ciclo hidrológico

Há uma alteração profunda tanto na configuração quanto no funcionamento e na qua-


lidade das águas dentro das cidades. Enquanto, dentro de um enfoque ecológico, o ideal é
que as águas fluam o mais lentamente possível para que a produção de biomassa seja grande,
nas cidades o ideal é que as águas cheguem com rapidez e também sejam esgotadas em gran-
de velocidade. Assim, o poder de transporte das águas nas cidades é muito grande, o que em
geral ocasiona um trabalho de erosão intenso, levando para os corpos d’água, como também
para as canalizações responsáveis pelo esgotamento, grande quantidade de material sólido. O
resultado será seu assoreamento ou entupimento, favorecendo as inundações.
Há, concomitantemente, uma poluição significativa das águas de diversas causas, entre
as quais citam-se os esgotos domésticos e industriais. Digno de nota é ressaltar que dos 572
Municípios do Estado de São Paulo, somente 33 contam com Estação de Tratamento de Esgo-
tos, sendo que desses 33, 25 têm tratamento primário e somente 8 secundário (SEADE, 1988).
Deve-se lembrar, também, que isso não significa que todo esgoto desses Municípios é tratado,
como no caso do Município de São Paulo, que conta com estações primária e secundária e
continua a lançar nos rios e represas grande quantidade de esgotos sem tratamento.
Freqüentemente, para solucionar problemas relacionados com inundações, as admi-
nistrações municipais canalizam e/ou retificam os cursos d’água que cortam seus Municípios
e muitas vezes utilizam o local do antigo leito, ou as margens dos canais criados, para a im-
plantação de sistema viário. Com isso, além de não se importarem com o que vai acontecer, à
montante dessa obra, não se dão conta que estarão agravando o fenômeno ilha de calor, que
intensificará a pluviosidade, que, por sua vez, poderá causar inundações. Deve-se considerar,
também, o que já foi dito em relação ao poder de transporte das águas nas cidades, uma vez
que, se não houver contínua retirada de material aportado aos canais, ocorrerão bloqueios
que produzirão inundações. A Figura 4.4 proporciona um painel do funcionamento dos ciclos
hidrológicos urbanos.
72

Figura 4.4 – Esquema do balanço hídrico em áreas urbanas


(Baseado em Plate, 1976).
Org: SILVA, Michelle C. M., 2006.

A vegetação e a flora urbana

Sabe-se de sobejo a importância da vegetação para os ecossistemas, pois, além de


serem influenciadas pelos demais fatores ambientais, têm, por sua vez, uma influência muito
grande sobre eles, como já foi comentado no caso do clima. Nas cidades, além dessas influ-
ências, podem servir como indicadores biológicos da qualidade ambiental. Um exemplo a
ser citado é o caso dos líquenes, que quanto maior for sua cobertura e diversidade, além de
indicarem que se está em presença de clima úmido, indicam ambiente não poluído. Em rela-
ção a este tópico, cita-se o trabalho de Troppmair (1977), que fez um estudo biogeográfico de
líquenes como vegetais indicadores da poluição aérea da cidade de Campinas.
Em relação à flora nota-se uma grande homogeneidade na sua composição nas cidades
brasileiras e pode-se quase que generalizar que, para as cidades onde não ocorrem geadas
severas, sua composição florística é muito semelhante. Em levantamento realizado por Camar-
go, orientado pelo autor em três bairros da cidade de Rio Claro/SP, constatou-se que, entre as
73

espécies utilizadas na arborização de ruas, cinco delas perfaziam mais de 80% do total, com o
agravante da mais freqüente, a sibipiruna (Caesalpinia peltophoroides Benth), perfazer 52,5%
desse total (Figura 4.5).
Além da homogeneidade florística, lembre-se também que muitas espécies (não nati-
vas) cultivadas nas cidades são exóticas, seja por razões culturais, seja porque as condições
ambientais foram tão alteradas que as espécies nativas não têm mais condições de prosperar
nesses locais. Outra particularidade da flora urbana é a grande escassez de epífitas, que por
serem muito sensíveis à poluição não subsistem em áreas altamente urbanizadas, servindo
como bioindicadores, conforme já foi relatado para os líquenes.
Digno também para o relato é o caso das plantas ruderais (as que crescem sobre escom-
bros), que, na verdade, nada mais são que as pioneiras dos ambientes urbanos, colonizando
trincas de calçamento, terrenos baldios e outros. Exemplos comuns de ruderais em nossas
cidades são, entre outras: Alternanthera brasiliana O. Kuntze, A. ficoidea, R.Br., conhecidas
por sempre-vivas, perpétua-do-mato; diversos Amaranthus, conhecidos por caruru; muitas
gramíneas, como o Cynodon dactylon Pers. (grama-seda), a Eleusine indica Gaertn. (capim-
de-pé-de-galinha), o gracioso Eragrostis pilosa Beauv. (capim-mimoso), ou diversas espécies
do gênero Euphorbia da família das euforbiáceas e outras. Embora tenha sido feito o registro
de plantas ruderais rasteiras, não se deve esquecer de que entre as ruderais urbanas existem
muitas espécies arbustivas e arborescentes, das quais são exemplo a mamona (Ricinus comu-
nis), da família das euforbiáceas, e a gurindiva (Trema micrantha Blume), das ulmáceas.

Figura 4.5 – Espécies utilizadas na arborização de três bairros de Rio Claro (SP).
Org: SILVA, Michelle C. M., 2006.
74

Os animais na cidade

Segundo Müller (1977), as tendências que se verificam em relação aos animais nas
cidades são: diminuição abrupta da diversidade específica de algumas ordens; diminuição
significativa da diversidade; a preferência de alguns animais pela cidade. O mesmo relata uma
bióloga polonesa para o caso da formiga Nonomorium faraonis, que em Varsóvia aproveita-
va-se da grande quantidade de lixo e dos “conduítes” de eletricidade ocos atrás de azulejos
habitacionais construídos nas décadas de 1960-1970. Infelizmente, não se dispõem dos dados
da publicação, para a referência bibliográfica.
Outras espécies são lembradas quando se trata de cidades: ratos e baratas, que tendo
à disposição, além de diversos abrigos, muita alimentação, proliferam em demasia. Em visão
não maniqueísta, deve-se identificar essas espécies como importantes para a decomposição
de resíduos, como para a desobstrução de várias canalizações urbanas. Porém, devido a sua
grande abundância, causam grandes danos e são significativos vetores de doenças.

Proposições

Em uma breve consideração sobre o ordenamento de solo urbano, seria necessário


que fosse feito à luz de análise e diagnose da paisagem. Isso para que se tenha mais ou me-
nos claro qual deveria ser a proporção ideal de espaços construídos e livres de construção
que suporta o ecossistema. Dessa forma, poder-se-ia optar por uma composição orgânica das
cidades, e não como lembra Cavalheiro et al. (1983), que

o planejamento urbano, no geral, está inserido na estratégia geral do consumo: grande pre-
ocupação com o sistema viário eficiente, setorização de atividades, visando funcionalidade e
proporcionalização dos espaços, com o objetivo equilíbrio numérico das diversas atividades
urbanas.

Outra questão a ser tratada é a preocupação com melhor integração dos diversos tipos
de espaços urbanos, principalmente os espaços livres de construção. Estudos realizados por
Faeth e Kane (1978), em Cincinnati (Ohio), demonstraram que os parques urbanos funcionam
como ilhas para os dípteros e coleópteros, funcionando para eles a fórmula de biogeografia
de ilhas de McArthur e Wilson (1967). Nesse contexto, tem-se evidente a importância da ar-
borização de ruas (que deveria ser a mais diversificada possível) para integração das praças
e parques, funcionando como corredores da fauna e contribuindo para a Conservação da
Natureza. Claro que se poderia discorrer sobre muitas outras proposições como melhoria
das condições de sobrevivência das árvores nas cidades e que importâncias específicas elas
desempenham nos ecossistemas urbanos. Julgamos, entretanto, que essas considerações de-
veriam ser feitas em trabalhos específicos, razão porque deixamos de relatá-las. Da mesma
forma, evitou-se abordar as funções estéticas, culturais e econômicas que as áreas verdes de-
veriam desempenhar nas cidades.

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CAPITULO 5
PLANEJAMENTO DOS ESPAÇOS LIVRES LOCALIZADOS NAS ZONAS URBANAS

João Carlos Nucci21


Andréa Presotto22

Para muitos, cidade e natureza devem ser consideradas como conceitos opostos. A
cidade representaria um meio adaptado às necessidades da espécie humana e não às neces-
sidades das espécies vegetais e animais. A urbanização se caracteriza pela substituição dos
ecossistemas naturais por centros de grande densidade criados pelo homem, em que a espé-
cie dominante é a humana e o meio está organizado para permitir a sua sobrevivência.
Mas para Sukopp e Werner (1991), expoentes no reconhecimento da importância da
conservação da natureza nos assentamentos humanos, a cidade deve mostrar as condições
ideais para a conservação da natureza e da paisagem.
O Professor Dr. Felisberto Cavalheiro, no prefácio de Nucci (2001), observa que so-
mente depois da década de 1970, principalmente, na antiga República Federal da Alemanha,
é que pesquisadores tentam fazer estudos integrados sobre o ambiente urbano, ressaltando
que as cidades têm que ser enfocadas tanto pelos estudos sociais e de engenharia como pelos
de ecologia de forma integrada.
Também, no Brasil, inicia-se uma preocupação com a conservação da natureza em
áreas urbanizadas, fato que pode ser comprovado pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de
10 de julho de 2001), o qual prevê que para cumprir o objetivo de ordenar o pleno desenvol-
vimento das funções sociais da cidade, a política urbana deverá promover, entre outras dire-
trizes gerais, a ordenação e controle do uso do solo, utilizando como instrumento a instituição
de unidades de conservação (BRASIL, 2001).
É evidente a preocupação geral em se conservar a natureza em áreas urbanas. Para tan-
to, são necessárias pesquisas que forneçam métodos, técnicas e indicadores para a avaliação
da paisagem urbanizada objetivando-se a conservação da natureza.
Porém, a substituição de hábitats naturais por edificações, derrubada de florestas, erra-
dicação de animais e ervas daninhas, introdução de espécies exóticas, poluição atmosférica,
hídrica e dos solos, mudanças nos padrões naturais de percolação das águas, etc, fazem das
áreas urbanas sinônimos de perturbação de ecossistemas e de erosão da diversidade biológica
(MURPHY, 1997).
Para Sukopp e Werner (1991), as condições ideais para a conservação da natureza nas
áreas urbanas poderiam ser assim resumidas:

 Otimização da distribuição dos espaços verdes na totalidade da área urbana.


 Favorecimento de uma ampla conexão entre os espaços verdes do centro da cidade e
de seus arredores.
 Redução dos gradientes de intensidades de uso entre o centro e a periferia, sendo
que somente dois terços da superfície do centro poderiam ser pavimentados e edifi-

21 Biólogo (IB-USP), Professor Doutor, Departamento de Geografia - UFPR.


22 Geógrafa, Doutora em Geografia Física (DG-USP)
79

cados.
 Implantação de zonas verdes de grandes dimensões e com alto grau de conexão entre
elas.
 Evitar ao máximo a pavimentação excessiva dos espaços verdes.
 Adequação e integração da vegetação espontânea da zona verde.
 As folhas e ramos caídos das árvores não devem ser eliminados, pois são hábitats para
artrópodos, que são os recursos alimentícios de pequenos mamíferos e aves.
 Evitar os gramados ornamentais primorosamente cortados e árvores exóticas que são
mantidos com alto custo e com utilização de fertilizantes e pesticidas.
 Substituir o gramado por campo com plantas ruderais que apresentam uma maior di-
versidade de espécies e cumprem melhor as funções ecológicas para a fauna.
 Evitar a construção de tanques que não permitem a instalação natural da flora e da
fauna.
 Considerar os terrenos baldios com vegetação espontânea como biótopos potenciais
muito especiais, pois podem constituir zonas de refúgio para espécies e apresentar
grande biodiversidade.
 A edificação em terrenos baldios deve ser considerada perda de espaço verde e deve-
ria ser compensada.
 Um terreno baldio de grande tamanho e que esteja em um estado avançado de suces-
são, deveria ser conservado como zona verde merecedora de proteção e não transfor-
mado em estacionamento e posteriormente edificado.
 Os cemitérios também deveriam ser planejados com base em programas especiais de
conservação da natureza e, assim, comporem o sistema de espaços verdes urbanos.
 Favorecimento das espécies ruderais e das árvores nativas, diminuição da pavimenta-
ção, do uso de fertilizantes e de pesticidas nos pequenos jardins privados.
 Integração dos pequenos jardins privados criando superfícies comuns que sirvam como
pontos de união entre os espaços verdes.
 Fomento ao reverdecimento de telhados e de fachadas23.

A relação de itens acima poderia ser utilizada como uma lista de checagem na ava-
liação das paisagens urbanizadas. De acordo com as características da cidade-ideal, em se
tratando da conservação da natureza sugeridas por Sukopp e Werner (1991), poucas são as
áreas urbanas que realmente colaboram com a conservação da natureza e, também, apontam
problemas nas características dos parques urbanos:

 Muitas espécies animais e vegetais não se adaptam aos altos níveis de tensão (ruído,
contaminação, etc) e agressões (pisoteio, podas, etc) a que estão submetidas.
 A alteração das condições hidrológicas originais (retificação de cursos d’água, cons-
trução de represas, reforço de margens, etc), provocam assoreamento, aumento da
carga de compostos poluidores, aumento de partículas em suspensão com diminuição
da visibilidade, destruição da vegetação natural das margens, etc, impactos negativos
que não permitem a sobrevivência da fauna e flora nativas e de outros seres vivos em
condições equilibradas.
 Nos parques de tamanho reduzido, cercados por edificações e fragmentados pelo siste-
ma viário, as espécies nativas não resistem e desaparecem. Algumas espécies de aves

23 No anexo 1, encontra-se um exemplo de como esse fomento poderia ser calculado com base no valor
do biótopo.
80

de floresta, por exemplo, necessitam de pelo menos 0,2 ha de bosque tranqüilo para
nidificar (GOLDSTAEIN et al., 1983).
 Os parques dos centros urbanos são criados para cumprir uma função fundamental-
mente recreativa e, portanto, as possibilidades de melhorar a situação da flora e da
fauna por meio de sistemas mais naturais são limitadas.
 As instalações desportivas e as piscinas públicas ao ar livre não apresentam grande va-
lor do ponto de vista da conservação da natureza e não deveriam ser incluídas como
parte do sistema de espaços verdes se não conseguem cumprir as funções relaciona-
das com a conservação da natureza.
 A manutenção excessiva de um parque urbano (eliminação do material vegetal vivo
e morto situado debaixo das árvores, alta porcentagem de árvores e arbustos não
nativos, formações de grupos de árvores isoladas sem conexão com os bosques, pa-
vimentação de caminhos, etc.) e a sua superutilização provocam uma diminuição das
possibilidades para a vida nativa. Em um parque urbano há poucas zonas tranqüilas
nas quais os seres vivos possam se desenvolver naturalmente.

Verifica-se, então, que mesmo nos parques urbanos, de acordo com suas característi-
cas, corre-se o risco de não se efetivar plenamente a conservação da natureza.
Breuste e Wohlleber (1998) afirmam que, por mais de 20 anos, as leis de conservação
da natureza da República Federal da Alemanha têm encorajado a conservação da natureza e
proteção da paisagem para assegurar o básico para a vida das pessoas e, também, assegurar
a satisfação das necessidades de recreação em contato com a natureza. Essas atitudes cons-
tituem pontos básicos para o planejamento geral da conservação da natureza e proteção da
paisagem nas áreas urbanas. Os autores recomendam que as paisagens urbanas deveriam ser
estruturadas por meio de uma rede de áreas verdes criadas para as pessoas terem contato
com a natureza e poderem relaxar nas imediações de seu ambiente de vida; corredores verdes
regionais deveriam contribuir com a conexão entre as áreas verdes intra-urbanas e a paisa-
gem aberta, formando um “Sistema Combinado Ecologicamente”. (BREUSTE e WOHLLEBER,
1998)

A VEGETAÇÃO NAS ÁREAS URBANIZADAS

Constata-se nas grandes cidades que, além dos problemas sócioeconômicos, que a
qualidade ambiental vem, a cada dia, piorando e que as medidas de planejamento sugeridas
são paliativas e adeptas do populismo, não atingindo as causas da degradação ambiental.
Van Kamp et al. (2003) afirmam que a identificação da qualidade ambiental urbana é
uma estratégia que vem sendo adotada em vários países e que está presente em uma série de
publicações científicas. Os pesquisadores ainda se questionam sobre quais fatores poderiam
determinar a qualidade ambiental.
Por outro lado, em Nucci (1996, 2001) pode-se encontrar uma forma simples de avaliar
a qualidade ambiental urbana, incluindo a cobertura vegetal como um dos indicadores de
qualidade.
A vegetação em áreas urbanas pode exercer uma série de funções como conservação
de biótopos, elemento purificador da atmosfera pela fixação de forma mecânica de partículas
suspensas, proteção do solo e de cortes de aterros, criação de microclimas benéficos ao ser
humano, reflexão e desvio de ruídos, aumento da capacidade de assimilação de biomassa; no
plano estético, a vegetação facilita a relação ser humano-natureza por meio de adequada dis-
tribuição e composição de cenários, integra espacialmente ruas e a cidade, fornece anteparo
81

visual para construções desordenadas, etc.


Portanto, espaços bem planejados e projetados com o auxílio da vegetação, especial-
mente com cobertura arbórea, podem melhorar a qualidade do ambiente urbano e melhorar
também a saúde física e emocional de seus residentes.
Contudo, segundo Attwell (2000), os esforços para promover o reverdecimento urba-
no requerem mais do que conhecimento dos benefícios para a saúde humana, pois outras
questões também precisam ser respondidas, tais como: qual a proporção de espaços urbanos
está coberta por árvores isoladas, por pequeno agrupamento de árvores, bosques, arbustos e
outros tipos de vegetação? Esta proporção varia de acordo com o tipo de zona de uso (indus-
trial, residencial ou institucional)? Há terras ociosas nas zonas urbanas que poderiam receber
um incremento de vegetação?
No Brasil, aqueles que estão na linha de frente do planejamento, ou seja, os responsá-
veis pela fiscalização, pelos projetos e pela formulação de leis, também, clamam por pesqui-
sas que possam ajudar na conceituação, hierarquização e classificação do verde urbano, como
também por estudos que permitam definir metodologias para o estabelecimento de índices de
cobertura vegetal como indicadores de qualidade de vida (SBAU, 2004).
Além disso, a Lei Federal brasileira conhecida como Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001)
exige a adoção de padrões relacionados com a proteção e a recuperação do meio ambiente
natural e construído, além de exigir o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) que, também,
depende de indicadores relativos à qualidade ambiental, entre os quais se podem incluir os
relativos aos tipos, à quantidade, à qualidade e à distribuição da vegetação urbana.
Todavia, acerca do conceito de “área verde”, por exemplo, Lorusso (1992) afirma que
o que se considera área verde urbana varia e difere de cidade para cidade, de uma adminis-
tração municipal para outra, evidenciando nitidamente a necessidade de padronização deste
conceito.
Estudos posteriores reafirmaram que uma das dificuldades de utilização do “verde ur-
bano” no planejamento é a existência de uma enorme confusão na conceituação de termos
utilizados por várias prefeituras do país que consideram, por exemplo, como áreas verdes,
locais onde não existe sequer uma única árvore (LIMA et. al,1994), fazendo com que a compa-
ração de índices entre cidades seja um equívoco, pois o índice desacompanhado da definição
dos termos, da escala espacial e do método de coleta dos dados, não estabelece parâmetros
de comparação (NUCCI, 2001).
Pode-se dizer que até mesmo o termo “praça” em oposição ao conceito de “jardim”,
não deveria, em muitos casos, ser considerado como uma área verde, já que, segundo Salda-
nha (1993 apud HENRIQUE, 2004),

sem dúvida o jardim concentra e registra a privacidade retendo uma porção da natureza, en-
quanto que a praça vem a ser um espaço aberto na natureza, senão contra ela (...) o advento
da praça corresponde, mais do que ocorre com o jardim, a uma eliminação da natureza.

No intuito de colaborar para a solução desses problemas, pesquisas no Brasil sobre o


ambiente urbano têm difundido o conceito de cobertura vegetal, que já é utilizado no levanta-
mento da vegetação, geralmente, em escalas cartográficas menores do que 1:10.000, mas não
no levantamento da vegetação em áreas urbanizadas e nem em escalas maiores, ou melhor,
entre 1.5.000 e 1:10.000, por exemplo.

Para a padronização de conceitos, Cavalheiro et al. (1999) fornecem algumas suges-


tões, que poderiam ser consideradas como uma possível resposta para o problema levantado
e, entre elas, se encontra a proposta de conceituação do termo cobertura vegetal, como a
82

projeção do verde em cartas planimétricas que pode ser identificada por meio de fotogra-
fias aéreas, sem auxilio de esteroscopia24. A escala da foto deve acompanhar os índices de
cobertura vegetal; deve ser considerada a localização e a configuração das manchas em
mapas. Considera-se toda a cobertura vegetal existente nos três sistemas de espaços (espa-
ços construídos, espaços livres e espaços de integração) e as encontradas nas Unidades de
Conservação, inclusive na zona rural.

Essa conceituação, sugerida por Cavalheiro et al. (1999), vem sendo aplicada em bair-
ros de algumas cidades brasileiras, podendo-se citar em São Paulo/SP por Nucci e Cavalheiro
(1999) e por Nucci (2001), em Guarulhos/SP por Nucci et al. (2000) e por Nucci e Ito (2002) e
em Curitiba/PR e região por Nucci et al. (2003), Moura e Nucci (2005), Buccheri Filho e Nucci
(2005, no prelo) e por Netto (2005), e vem se mostrando de fácil entendimento e de grande
utilidade para o planejamento e avaliação da qualidade dos espaços urbanos. Os resultados
desses levantamentos podem ser encontrados no Anexo 2.
Levantamentos bibliográficos recentes demonstram que essas proposições e suas apli-
cações não estão descoladas do que vem sendo pesquisado e publicado em outros países
sobre o estudo da vegetação urbana.
Em uma revisão sobre os métodos utilizados para a determinação da cobertura urbana
por meio de fotografias aéreas, Novak et al. (1996) afirmam que o “Scanning method” é o
mais preciso e detalhado método de análise. Nesse método, os limites de cada área de cober-
tura vegetal são digitalizados em uma base cartográfica ou delimitados em sua posição exata
em uma folha de acetato (overlay) colocada sobre a fotografia aérea. A cobertura vegetal pode
ser quantificada com base no mapeamento, por meio de programas de computador ou, sim-
plesmente, medindo-se as áreas com técnicas tradicionais.
Em termos de análise da cobertura vegetal, Novak et al. (1996) consideram importante
saber a proporção de copas de árvores em relação ao total de superfícies verdes e, também, a
“vegetação natural potencial”25 que é a vegetação que existiria hoje se os seres humanos não
tivessem removido e tivessem permitido a continuidade da sucessão vegetal até o estágio de
clímax.
Para Akbari et al. (2003) é importante que se faça uma caracterização do tipo de estru-
tura encontrada abaixo da copa das árvores, especificando o uso e o tipo de superfície. Na
área central de Sacramento (EUA), esses autores encontraram, por observação aérea, que a
vegetação cobria 30% da área enquanto que, abaixo dessa cobertura, havia 52% de superfícies
pavimentadas, 26% de telhados e 12% de gramados; verificaram também que, na maioria das
áreas não residenciais, a pavimentação atingia 50-70% da área e que nas áreas residenciais
atingia, em média, 35% da área.
Esse fato mostra que se deve tomar cuidado ao se tentar uma relação direta entre quan-
tidade de cobertura vegetal e taxa de permeabilidade dos terrenos, mas isso não desmerece o
levantamento da quantidade de cobertura vegetal mesmo que seja apenas constituída por co-
pas de árvores, pois estas também executam um importante papel na qualidade ambiental.
Akbari et al. (2003) também enfatizam a necessidade de se classificar a cobertura ve-
getal com base na propriedade, se pública ou privada, bem como uma análise para se saber

24 A esteroscopia é uma técnica utilizada na visualização tridimensional de objetos planos, no caso as


fotografias aéreas. A definição não inclui está técnica com o intuito de simplificar e facilitar o levantamento
da cobertura vegetal com o mínimo de treinamento e sem o auxílio de instrumentos que poderiam onerar o
procedimento.
25 Fávero et al. (2004) discutiram e aplicaram, em áreas rurais, o conceito de vegetação natural potencial,
que poderia também ser utilizado na análise da cobertura vegetal em áreas urbanas.
83

o quanto existe de vegetação arbórea, arbustiva ou herbácea, pois essa distribuição está rela-
cionada com conforto térmico e qualidade do ar, podendo essa classificação ser realizada por
meio de fotografias aéreas e verificação de campo.
Attwell (2000) mostra que estudos realizados em cidades da Dinamarca, utilizando fo-
tografias aéreas preto-e-branco, do ano de 1996, na escala 1:6.000, interpretadas com auxílio
de esteroscopia, com o mapeamento e análise de toda cobertura vegetal (árvores, arbustos e
herbáceas), verificaram que a maior parte da vegetação é herbácea.
Por exemplo, para o município de KØge (Dinamarca), segundo Attwell (2000), em área
de habitação unifamiliar, foram encontrados 53% de cobertura vegetal, sendo 60% herbácea;
em áreas de alta densidade de residências, mas não verticalizada, foram encontrados 48% de
cobertura vegetal, sendo 82% herbácea; em áreas ocupadas por apartamentos, 45% de cober-
tura vegetal com 67% herbácea e, no centro da cidade, foram encontrados 25% de cobertura
vegetal sendo 59% herbácea.
Justifica-se o resultado encontrado devido ao fato de que a maior parte das áreas recre-
ativas dos centros urbanos estudados foi elaborada com base na tradição de parques e jardins
e não de acordo com o conceito de reflorestamento. Assim, gramados e árvores isoladas e
alguns arbustos são os elementos predominantes e os agrupamentos de árvores e bosques são
raros, e o cenário de uma paisagem pastoril das paisagens dos jardins ingleses ainda pode ser
visto como uma inspiração costumeira (ATTWELL, 2000).
Attwell (2000), constatando que os centros urbanos dinamarqueses estudados apre-
sentaram em média 25% de vegetação florestal e que 75% da área vegetada são constituídos,
principalmente, por gramados, assevera que os gramados podem ser considerados como
“desertos verdes” devido a sua baixa biodiversidade e ao dispendioso controle humano para
mantê-lo, concluindo que as cidades estudadas são verdes com base na vegetação total, mas
não de acordo com a cobertura de árvores e arbustos.
Novak et al. (1996) fazem um alerta sobre o perigo de se comparar índices de cober-
tura vegetal de locais muito diferentes, pois muitos fatores podem influenciar no desenvolvi-
mento da vegetação, dentre eles os autores apontam os dois principais: o ambiente natural
do entorno e o uso da terra.
Portanto, antes de se iniciar as comparações seria importante fazer um levantamento
das condições de precipitação e de evapotranspiração, pois em cidades onde a evapotrans-
piração é menor do que a precipitação há um potencial para uma maior cobertura vegetal,
enquanto que cidades que se desenvolvem, por exemplo, em regiões desérticas, geralmente,
apresentam menor cobertura vegetal.
Novak et al. (1996) citam estudos em que foram encontrados de 15 a 55% (média de
31%) de cobertura de copas de árvores em cidades localizadas em regiões de florestas; para
cidades localizadas em regiões de savanas, foram encontrados de 5 a 39% (média de 19%)
de cobertura vegetal arbórea; e em cidades localizadas em desertos de 0,4 a 26% (média de
10%).
Dentro da cidade, o uso da terra é outro fator importante, pois certas estruturas po-
dem criar dificuldades para o desenvolvimento da vegetação; terras ociosas, parques e áreas
residenciais em regiões de floresta, geralmente, apresentam maiores coberturas e em áreas
comerciais e industriais a cobertura vegetal tende a ser menor (NOVAK et al., 1996).
Akbari et al., (2003) observam que os índices de cobertura vegetal não devem ser
extrapolados para outras regiões, mas o tipo de análise utilizado deveria ser aplicado para
muitas outras cidades.
Porém, a extrapolação e a comparação com outras cidades podem ser feitas se forem
tomados os devidos cuidados referentes à explanação minuciosa sobre as bases de informa-
ções (fotografias aéreas, imagens de satélite, etc), suas escalas, a data; às técnicas de mapea-
84

mento e quantificação, acrescentando-se, ainda, uma caracterização básica (meio físico e uso
da terra) da área de estudo.
Estudos sobre vegetação urbana na Alemanha estabeleceram objetivos para a cobertu-
ra vegetal baseados nas melhores práticas executadas em Munique. Para as áreas residenciais
de baixa verticalização, a meta para Munique é de 50% de cobertura vegetal, sendo 25% de
cobertura de árvores e arbustos; para área ocupada por complexo de apartamentos, a meta é
de 30% de cobertura vegetal, sendo 15% para árvores e arbustos; para as áreas industriais, a
meta é de 20% de cobertura vegetal com 10% para árvores e arbustos; portanto, para Muni-
que, a metade de qualquer quantidade total de cobertura vegetal deveria ser constituída por
floresta (PAULEIT e DUHME, 1995 apud ATTWELL, 2000).
Miller (1997) afirma que, segundo o Forest Conservation Act – Maryland/1991 (EUA),
as áreas ocupadas por florestas devem estar relacionadas ao tipo de uso da terra, ou seja, 50%
de área de florestas em zona de agricultura, 25% de floresta em áreas residencial de média
densidade e zonas institucionais e 15% de florestas em zonas residenciais de alta densidade,
comerciais e industriais.
Ainda sobre a quantificação, Oke (1973 apud LOMBARDO, 1985) estima que um índi-
ce de cobertura vegetal na faixa de 30% seja o recomendável para proporcionar um adequado
balanço térmico em áreas urbanas, sendo que áreas com índice de arborização inferior a 5%
determinam características semelhantes às de um deserto26.
Como visto, anteriormente, a cidade ideal de Sukopp e Werner (1991), para mostrar
condições ideais para a conservação da natureza e da paisagem, poderia edificar ou pavi-
mentar, aproximadamente, somente dois terços da superfície do centro, ou seja, 33% da área
central da cidade deveriam ser permeáveis e não edificadas e deveria apresentar ampla cone-
xão entre a vegetação da zona rural e a das zonas centrais, com uma redução dos gradientes
entre esses dois tipos de uso.27
Resultados de levantamentos realizados com base em fotografias aéreas em escalas que
variam entre 1:10.000 (NUCCI, 2001) e 1:6.000 (NUCCI e ITO, 2002) apontam para áreas com
alto grau de urbanização, com uma quantidade insuficiente de cobertura vegetal (de 4 a 7%),
mal distribuída e desconexa (Anexo 2).
Também, com utilização de fotografia aérea 1:8.000 e quantificação com papel vegetal
milimetrado e extrapolação de dados, Ruszczyk (1986) constatou que em Porto Alegre (RS), a
zona de edifícios altos ou de alta intensidade de urbanização e as áreas industriais e comer-
ciais apresentaram, em geral, valores abaixo de 20% de cobertura vegetal, sendo que o valor
mínimo de 7% ocorreu nas imediações da Estação Rodoviária. Nas áreas centrais da cidade, a
cobertura vegetal esteve abaixo de 15%, afirmando ser uma situação encontrada em desertos
(Anexo 1).
Até o momento, no Brasil, a preocupação tem se voltado para a conceituação, ma-
peamento e quantificação da cobertura vegetal como um todo, porém, um passo deve ser
dado em direção à classificação, já que a quantidade e distribuição das principais categorias
de cobertura vegetal, ou seja, herbácea, arbustiva e arbórea, estão relacionadas com conforto
térmico, com a qualidade do ar, escoamento superficial, etc.
É interessante salientar que em outros países a preocupação não se restringe mais e tão
somente à quantificação e às qualidades estéticas dos espaços livres. Nos estudos realizados

26 Para Sukopp et al. (1979), as áreas centrais das cidades podem ser consideradas como um “deserto de
epífitas”, batizado por Douglas (1983) como “deserto florístico”.
27 Sukopp et. al. (1979), afirmam que a área urbana construída de Berlim Ocidental apresenta 32% de sua
superfície cobertos por vegetação.
85

em algumas cidades da Dinamarca, citados anteriormente, também houve a preocupação de


se avaliar a qualidade dos habitats. Então, as áreas com vegetação arbórea, arbustiva e her-
bácea constituída por plantas ruderais (relvado) e as áreas com água foram consideradas ele-
mentos positivos, mas os espaços ocupados por gramado e/ou por superfícies impermeáveis
foram considerados como elementos negativos.
Entre as diversas necessidades do ser humano está, certamente, a de se viver em um
meio com qualidade e, para isso, tem-se a certeza de que o mapeamento, a quantificação e a
classificação da cobertura vegetal podem fornecer subsídios para o esclarecimento e monito-
ramento pelos cidadãos, da qualidade ambiental dos centros urbanos.

ESPAÇOS LIVRES

A qualidade ambiental é um paradigma atual dos profissionais do planejamento, uma


estratégia que vem sendo adotada em vários países e que está presente em uma série de pu-
blicações científicas. No entanto, os pesquisadores, ainda, se questionam sobre quais fatores
poderiam determiná-la.
Além dos estudos sobre a cobertura vegetal em áreas urbanizadas, acredita-se, tam-
bém, que os estudos de conceituação, classificação, distribuição espacial, qualificação e quan-
tificação dos espaços urbanos, podem contribuir para a avaliação da qualidade ambiental.
Nas áreas urbanas é muito comum um desequilíbrio entre a quantidade e distribuição
dos diferentes espaços, devido a uma ocupação intensa e não planejada, que tem sido consi-
derada uma ameaça para as condições de vida nas cidades.
Lorusso (1992) ensina que uma das metas do planejamento dos municípios deveria ser
a definição dos espaços que não deverão ser urbanizados e as formas de urbanização ade-
quadas para determinados sítios. Um dos produtos finais desse planejamento seria o estabe-
lecimento de um sistema de espaços livres, que em essência se contrapõe aos espaços cons-
truídos; afirmando ainda que a imagem final da cidade depende dos volumes arquitetônicos,
da relação entre os cheios e os vazios, do tratamento das massas edificadas e do tratamento
dos espaços livres de edificação e até de construção.
O adensamento urbano, uma intensificação do uso e da ocupação do solo das regiões
centrais dos municípios, é uma medida que vem sendo proposta com o intuito de se evitar
a expansão em direção às áreas periféricas e sem infra-estrutura suficiente para suportar o
crescimento populacional.
Justifica-se que as áreas centrais dos municípios apresentam infra-estrutura ociosa e
que, portanto, poderiam ser adensadas, respeitando-se os impedimentos do meio físico e sem
prejuízo para a qualidade ambiental.
Como as áreas centrais já são intensamente ocupadas, ou seja, há poucos terrenos sem
edificação, o adensamento só pode ocorrer por meio da construção vertical (verticalização
das edificações).
Porém, vários estudos comprovam que o adensamento, nas dimensões horizontal e
vertical, provoca alterações no clima, na dinâmica da água, nas formas do relevo, na ciclagem
dos nutrientes, na distribuição da flora e da fauna, com conseqüências indesejáveis, como
desconforto térmico, enchentes, erosão do solo, assoreamento dos corpos hídricos, aumento
da poluição atmosférica, hídrica e do solo, e uma série de outros problemas relacionados di-
retamente com as necessidades humanas como, por exemplo, a falta de oportunidades para
86

que o cidadão interaja com a natureza (NUCCI, 2001)28.


Além disso, é importante enfatizar que o mito, veiculado por interesses escusos, de que
ocorre um ganho de espaços livres à medida que se verticaliza uma área, foi derrubado por
Lötsch (1984 apud NUCCI, 2001), ao demonstrar que acima de quatro pavimentos o ganho de
espaços livres é negligenciável.
Não há dúvida de que as áreas centrais de alguns municípios apresentam infra-estru-
tura ociosa, principalmente pelo grande número de apartamentos desocupados, mas elas
apresentam qualidade ambiental suficiente para suportar um adensamento, considerando-se,
ainda, os impedimentos do meio físico. Nucci (1996, 2001) já demonstrou isso ao estudar
Santa Cecília, um bairro central do município de São Paulo.
Para Jackson (2003), há fortes argumentos relativos à saúde pública para a incorpora-
ção do verde, de luz natural e acesso visual e físico aos espaços livres verdes perto das resi-
dências e em outros pontos da cidade.
Di Bernardo (1998) afirma que o grande aumento das populações urbanas exige uma
preocupação com a importância do impacto sobre o suporte natural e que seria necessário
estudar os sistemas urbanos com base em um “mosaico de natureza interconectada”, ou seja,
uma trama de espaços com solos destinados à produção de alimentos, à recuperação do su-
porte natural e à ocupação dos espaços construídos.
Segundo Douglas (1983), os jardins urbanos e lotes vagos são, ainda, um componente
significante do abastecimento de alimento e vida social das cidades ocidentais e que o uso
temporário para as terras vagas dos lotes com hortas, colaborando para a conversão em larga
escala da energia solar em alimento, é um componente vital para o ecossistema urbano. Daí
a importância de jardins e quintais com hortas e frutíferas que, além de fornecerem alimento,
podem influenciar o clima urbano.
Incorporação do verde, da luz natural, do acesso visual e físico aos espaços livres,
de uma trama de espaços com solos destinados à produção de alimentos, à recuperação do
suporte natural nas cidades são questões que dizem respeito ao ordenamento dos espaços
urbanos, ou seja, ao controle do uso e da ocupação dos espaços para as diferentes atividades
humanas como condição essencial para um adequado desenvolvimento urbano.
Encontrar e utilizar significados precisos para as palavras é questão fundamental para
uma boa e confiável comunicação. Sobre o tema em questão, já se constatou que não há
um consenso entre os planejadores, pesquisadores e outros interessados quando se trata do
“verde urbano”.
Lima et al. (1994) constataram, como visto anteriormente, uma enorme confusão na
conceituação do termo “área verde” utilizado por várias prefeituras do país, que consideram
como áreas verdes locais onde não existe sequer uma única árvore.
Essa constatação não permite uma comparação de índices de áreas verdes e de co-
bertura vegetal entre cidades, pois o índice desacompanhado da definição do termo “área
verde”, da escala espacial e do método de coleta dos dados, não estabelece parâmetros de
comparação.
Por exemplo, nada adianta dizer que a cidade de Vitória (ES) tem 95,55m2/hab de área
verde se esse valor não for explicado. Por exemplo, uma análise mais aprofundada mostra
que dos 95,55m2/hab, 35,31m2/hab são Unidades de Conservação, 55,27m2/hab são áreas ver-
des particulares, 2,88m2/hab são arborização de rua, sobrando, apenas, 2,09m2/hab de áreas
verdes públicas que englobam praças, trevos/canteiros, alamedas e calçadões. Pensando,

28 No Anexo 3 encontra-se um fluxograma das conseqüências do adensamento por verticalização das


edificações.
87

portanto, em um uso direto da população (recreação em áreas públicas) e em contato com


a natureza (áreas com vegetação), seria necessário, ainda, retirar dos 2,09 m2/hab de áreas
verdes públicas, os trevos/canteiros e alamedas.
Em Henke-Oliveira et al. (1994), encontram-se índices referentes à cidade de Maringá
(PR) que contaria com um índice de área verde de 20,6m2/hab. Todavia, a cidade apresenta
esse índice somando-se os 32,4% de áreas verdes com os 67,6% de ruas arborizadas. Porém,
de acordo com a proposição de Cavalheiro et al. (1999), a arborização de rua deveria ser
computada apenas no índice de cobertura vegetal e não no de áreas verdes.
Portanto, a falta de definição clara do termo “área verde” e seus correlatos pode levar
a falsas interpretações.
É oportuno citar que Cavalheiro e Del Picchia (1992) apresentam a opinião de que o
termo “espaço livre” deveria ser preferido ao de “área verde”, por ser mais abrangente, inclu-
indo, inclusive as águas superficiais e que o termo espaço aberto trata-se de um anglicismo,
pois a palavra inglesa é open space e não free space, tendo sido, erroneamente traduzido, em
português ao pé da letra. Argumentam, ainda, que para existir espaço aberto em urbanismo,
em português, dever-se-ia contar com o termo área aberta (que é bidimensional), para poder
dar-lhe a tridimensionalidade que seria, então, espaço aberto.
Lima et al. (1994), também concordam que um conceito mais abrangente e que poderia
ser utilizado no ordenamento da paisagem parece ser o de Espaço Livre.
Para Llardent (1982) um Sistema de Espaços Livres poderia ser definido como sendo o

Conjunto de espacios urbanos al aire libre, destinados bojo todo tipo de conceptos al peatón,
para el descanso, el paseo. Ia práctica del deporte y, en general, el recreo y entretenimiento
de sus horas de ocio (...) destinado al peatón, entendiendo a este, volvemos a insistir, como
contraposición de Ias personas que se mueven por Ia ciudad en un medio motorizado.

O autor também define área verde como “Cualquier espado libre en el que predomi-
nen Ias áreas plantadas de vegetación (...)”. Por exemplo e apenas como sugestão, um con-
junto residencial, segundo Llardent (op. cit), poderia ter seus espaços divididos em:

 área construída (37,8%),


 sistema viário e estacionamentos (19,6%) e
 sistema de espaços livres (42,6%).

O Sistema de Espaços Livres, com 17,32m2/hab, estaria classificado, de forma simpli-


ficada, da seguinte maneira: Jardim de jogos infantis (0,86m2/hab); Área de jogos equipados
(0,86m2/hab); Área de jogos livres (2,00m2/hab); Rede de passeios a pé (6,30m2/hab); Zonas
de repouso (2,30m2/hab) e Zonas verdes (5,0m2/hab).
A contraposição entre “área construída” e “espaço livre” pode trazer alguma confusão,
mas pela listagem acima dos tipos de espaços livres, pode-se constatar que os espaços livres
são livres de edificação e não de construção, ou seja, as áreas de jogos, os caminhos, as zonas
de repouso, certamente apresentam construções, tais como rede elétrica, de água e de esgoto,
bancos, áreas impermeabilizadas para facilitar as caminhadas e os jogos, porém, devem apre-
sentar poucas edificações, talvez sanitários, quiosques, ou seja, uma infra-estrutura mínima
para o uso dos espaços.
Para Llardent (1982), os espaços livres não são, necessariamente, revestidos totalmente
por vegetação, ou seja, há espaços livres destinados a jogos, como por exemplo, uma quadra
poliesportiva, que pode ser de concreto. Todavia, deve-se reservar, dentro do sistema de espa-
ços livres, uma certa quantidade de zonas verdes. Estas sim, sempre que possível, devem ser
88

livres de edificação e, também, de construção, ou quem sabe, talvez, com uma infraestrutura
mínima para o uso, como por exemplo, as trilhas para facilitar o contato com a natureza.
Observa-se, também, que para Llardent (op cit) a rede de passeios a pé (rede de pea-
tones) deve oferecer segurança e comodidade com separação total da calçada em relação aos
veículos; os caminhos devem ser agradáveis, variados e pitorescos. Neste caso, somente as
calçadas isoladas do sistema viário para veículos motorizados devem fazer parte do sistema
de espaços livres.
Esses espaços, que estariam mais relacionados com a escala dos conjuntos residenciais
ou escala de bairro, são realmente livres com apenas algumas regras mínimas de convivência,
o que difere das “dotações esportivas”, também sugeridas por Llardent (op cit), que devem
contar com 4m2/hab, porém esse espaço seria semipúblico pois estaria sob regras mais rígidas
de utilização.
O Sistema de Espaços Livres na escala de cidade conta com os seguintes aparelhos:
Parque de Jogos, Parque de Atrações, Zoológico, Jardim Botânico, Parques de Esportes, Áreas
para usos Especiais e Parque Urbano.
Para Llardent (op. cit.), o Sistema de Espaços Livres teria 50,0m2/hab, sendo 35m2/hab
totalmente públicos e livres de regras rígidas.
Jámbor e Szilágyi (1984) sugerem para cidades com mais de 10.000 habitantes um
total de 21 a 30m2 de espaços livres públicos por habitante, enquanto Sukopp et al. (1979)
afirmam que a área urbana de Berlim Ocidental apresenta 32% de sua superfície cobertos por
vegetação.

Em um informe sobre as áreas recreativas de Nordrhein-Westfalen (República Federal da


Alemanha), se considera como ponto crítico que um município utilize mais de 50% de sua
superfície para construção (...) na Hungria estão fazendo esforços para não permitir que mais
de 50% dos terrenos urbanizáveis sejam edificados ou pavimentados (...) A densidade de
edificações determina as possibilidades de reverdecimento do centro urbano. A densidade
de construção deverá também se planificar de tal maneira que se consiga uma densidade
média em vez de uma densidade máxima (por exemplo, que se possa edificar ou pavimentar
no máximo dois terços ‘66%’ da superfície do centro (SUKOPP e WERNER, 1991).

A identificação e análise das funções que um espaço livre pode exercer são ações que
ajudam na caraterização da qualidade desse espaço, questão fundamental, pois não basta ape-
nas a existência do espaço livre, mas devem-se considerar a sua qualidade e sua distribuição
espacial, pensando na facilidade de uso pela população.
Um espaço livre poderá ou não, dependendo de sua qualificação, desempenhar a fun-
ção de facilitador da realização social da personalidade, favorecer o contato entre pessoas,
fornecer uma noção de referência escalar, ajudando a equilibrar as dimensões e espaços; à
caracterização de ruas, logradouros com a noção de referencial para toda a cidade. Enfim, os
espaços livres podem colaborar na delimitação de espaços e representam, por si, a possibili-
dade de vivência espacial.
Portanto, além da quantificação, é muito importante que os espaços livres sejam locali-
zados em mapas com a indicação de seus raios de influência, pois em exercendo sua função
recreativa, um dos maiores requisitos do espaço livre seria sua localização em relação aos
usuários. “Um grande peso é a distância entre o usuário e o espaço livre” (distâncias maiores
do que 10 a 15 minutos, a pé, a utilização decai) (DI FIDIO, 1985).
Lorusso (1992) também orienta para uma melhor distribuição e maior ampliação do
“Sistema de Áreas Verdes”, de modo que o usufrutuário não tenha que dispender, andando
normalmente, mais do que 10 (dez) minutos para alcançar o equipamento mais próximo.
Henke-Oliveira et al. (1994), além do levantamento quantitativo das áreas verdes de
89

São Carlos (SP), fazem uma análise qualitativa dessas áreas, descrevendo algumas praças,
como, por exemplo:

(...) esta praça não tem função social devido à inexistência de manutenção (...) valor social
bastante comprometido, uma vez que a acessibilidade é baixa, devido ao intenso tráfego de
veículos e o fato de que os canteiros centrais têm pouca extensão (...).

Esse é um procedimento muito importante, pois não basta ter a área à disposição da
população. Às vezes a área verde não apresenta condições de uso, portanto, após a qualifi-
cação dos espaços livres dever-se-ia trabalhar com dois índices: um indicando a quantidade
total de espaços livres e outro indicando a quantidade de espaços livres utilizáveis pela co-
munidade de acordo com suas qualificações.
Sendo assim, na análise de um espaço livre deve-se considerar não só a sua área, mas
também o ordenamento da vegetação, as barreiras de vegetação que propiciam um isolamen-
to da área em relação aos transtornos da rua, o entorno, a acessibilidade, a porcentagem de
área permeável, as espécies vegetais naturais e as exóticas, a densidade de vegetação, a al-
tura da vegetação, a função social, os equipamentos de recreação, telefonia, estacionamento,
bancos, sombras, tráfego, manutenção, valor estético, valor ecológico, serviços, iluminação,
calçamento, isolamento visual, sanitários, avifauna, etc. 29
Os espaços livres, portanto, são elementos fundamentais no planejamento dos usos e
ocupações, pois exercem um importante papel na qualidade ambiental e de vida dos habitan-
tes das zonas urbanizadas. Para assegurar o bem-estar dos cidadãos, a legislação que discipli-
na o desenvolvimento urbano deve observar as taxas mínimas de espaços livres, a proteção
de áreas já existentes e o planejamento da ocupação do solo.
Compete ao Poder Público planejar, criar e ajudar a manter ambientes agradáveis e
estéticos, além de acomodações e instalações variadas, de modo a facilitar a cada pessoa fazer
escolhas acertadas de lazer, segundo o seu gosto e sob a própria responsabilidade.
Lefebvre (1969) fala sobre a importância da existência de lugar e tempo para o cum-
primento das necessidades sociais:

(...) necessidades sociais (...) segurança, abertura, certeza, aventura, organização do trabalho
e do jogo, previsibilidade, imprevisto, unidade, diferença, isolamento, encontro, indepen-
dência, solidão, comunicação, acumular energias, gastar energias, desperdiçar energia no
jogo, ver, ouvir, tocar, degustar, atividade criadora, de obra, informações, simbolismo, ima-
ginário, atividades lúdicas (...) As necessidades urbanas específicas não seriam necessidades
de lugares qualificados, lugares de simultaneidade e de encontros, lugares onde a troca não
seria tomada pelo valor de troca, pelo comércio e pelo lucro? Não seria também a necessi-
dade de um tempo desses encontros, dessas trocas?

Não bastam centros esportivos onde a área construída e os equipamentos ocupem


quase a totalidade do espaço, não restando quase nada que favoreça um contato maior do
indivíduo com a natureza, principalmente para o pré-escolar (abaixo dos 6 anos), que está na
idade das sensações e impressões, o contato com a natureza é fundamental.

A recreação é algo mais do que uma atividade física qualquer. Dependendo da qualidade
do espaço livre pode-se ter a oportunidade de ter experiências com sons, odores, texturas,
paladar da natureza, importantes árvores frutíferas (...) lugares para andar descalço: areia,

29 Uma lista de checagem para avaliação dos espaços livres, elaborada pelo professor Felisberto Cavalheiro,
pode ser consultada no anexo 4.
90

gramado (...) sons e cores criados pelas árvores (...) contato com aves e pequenos mamíferos
(...) experiências que já não encontramos tão facilmente e que fazem parte da segurança e
saúde psíquica do cidadão (...) Nós precisamos resgatar a vida harmônica com a natureza, e
os parques e espaços livres têm este papel (...) (LUTZIN e STOREY, 1973).

Com o objetivo de colaborar com os estudos para a padronização de conceitos, Cava-


lheiro et al. (1999), fornecem algumas sugestões:

1. Primeiramente deve-se entender que a legislação brasileira estabelece que o município


está dividido em zona urbana, de expansão urbana e zona rural.
2. A zona urbana, cujo perímetro declarado por lei municipal, embora não explicitamente
colocada na legislação, poderia ser constituída, segundo indicação de Cavalheiro e Del
Picchia (1992) e do ponto de vista físico, por:

 Sistema de espaços com construções (habitação, indústria, comércio, hospitais, esco-


las, etc.);
 Sistema de espaços livres de construção30 (praças, parques, águas superficiais, etc.) e
 Sistema de espaços de integração urbana (rede rodo-ferroviária)31.

3. Os espaços livres de construção constituem-se de espaços urbanos ao ar livre, destinados


a todo tipo de utilização que se relacione com caminhadas, descanso, passeios, práticas
de esportes e, em geral, a recreação e entretenimento em horas de ócio; os locais de
passeios a pé devem oferecer segurança e comodidade com separação total da calçada
em relação aos veículos; os caminhos devem ser agradáveis, variados e pitorescos; os lo-
cais onde as pessoas se locomovem por meios motorizados não devem ser considerados
como espaços livres. Os espaços livres podem ser privados, potencialmente coletivos ou
públicos e podem desempenhar, principalmente, funções estética, de lazer e ecológico-
ambiental, entre outras32.

Cavalheiro e Del Picchia (1992) chamam a atenção para uma indicação de índices
urbanísticos para espaços livres sugerida pela “Conferência Permanente dos Diretores de
Parques e Jardins da República Federal da Alemanha”, que serve como apoio para reflexão
sobre a qualidade e disponibilidade de diversas categorias de espaços livres, e como termos
de comparação entre cidades diferentes (Anexo 6).
O quadro do anexo 6 apresenta uma classificação para parques e outros tipos de es-
paços, com base no uso da população, ou seja, consideram-se as faixas etárias dos usuários,
a proporção entre área e população, a área mínima para cada categoria, a distância da resi-

30 Sobre os usos dos termos “construção” e “edificação” em se tratando de Espaços Livres, indica-se o
trabalho de Cavalheiro, Presotto e Rocha (2003).
31 “Na República Federal da Alemanha, embora não haja leis, nem normas que obriguem que se siga uma
certa proporcionalidade, observa-se que os espaços de integração viária constituem 10-20% do território urbano,
os construídos de 40-50% e os livres de construção outros tanto 40-50%. Ficando assim destinados aos espaços
livres de construção, quase sempre, um mínimo de 40% e, depois de designados no zoneamento urbano, não
são mais permitidos usos que venham impermeabilizar esses espaços. Assim, garagem subterrânea só podem
ser construídas nos espaços destinados à integração viária e as construções”( CAVALHEIRO e DEL PICCHIA,
1992).
32 No Anexo 5, encontra-se uma convenção de representação cartográfica do zoneamento dos espaços
urbanos.
91

dência e se o acesso é para todos, ou seja, público, ou se há barreiras de acesso como nos
espaços privados.
Cavalheiro e Del Picchia (1992) ressaltam, ainda, que os índices não são receitas a se-
rem seguidas, antes eles servem como apoio científico para o planejamento e que a assertiva,
difundida e arraigada no Brasil de que a ONU, ou a OMS, ou a FAO consideram ideal que
cada cidade dispusesse de 12m2 de área verde por habitante, não pôde ser comprovada pelas
pesquisas, por carta, que os autores fizeram junto a essas organizações e esse índice, também,
não é conhecido entre as faculdades de paisagismo da República Federal da Alemanha.

Somos levados a supor, depois de termos realizado muitos estudos, que esse índice (12m2/
hab.) se refira, tão somente às necessidades de parque de bairro e distritais/setoriais, já que
são os que, dentro da malha urbana, devem ser sempre públicos e oferecem possibilidade
de lazer ao ar livre (CAVALHEIRO e DEL PICCHIA, 1992).

Um outro aspecto muito importante quando se trata de espaços livres, está relacionado
com o planejamento desses espaços. Segundo Cavalheiro e Del Picchia (1992), para que os
espaços livres possam desempenhar, satisfatoriamente, suas funções, é necessário que sejam
abordados de forma integrada no planejamento urbano, ou seja, que o paisagista tenha sua
ação, tanto em nível da “grande paisagem” (escalas espaciais menores), bem como em nível
do planejamento das cidades (escalas espaciais maiores), sugerindo um adequado ordena-
mento dos espaços livres urbanos, visando a uma integração da natureza com a cultura do
ser humano.
Gert Gröning33 (1976) apresenta, na forma de quadro (Anexo 7), as operacionalidades
no planejamento de espaços livres, apontando as diferentes designações para a ações, conte-
údos, intenções, de acordo com a escala espacial adotada.
Segundo Gröning, ao se pensar em planejamento, dever-se-ia pensar desde o Planeja-
mento do Sistema de Espaços Livres, em escalas da ordem de 1:100.000 até 1:50.000; para a
localização de áreas que não devem ser construídas no município e região de entorno, como
o modelo do Greenbelt (Cinturão Verde) de Londres - até a localização de diferentes tipos de
espaços livres em bairros, quadras e conjuntos residenciais, em escalas da ordem de 1:10.000
a 1:500.
Escalas ainda maiores, entre 1:500 e 1:5, estariam relacionadas com o projeto de espa-
ços livres, incluindo os detalhes de construção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), o Brasil se coloca


entre os países que não pretendem considerar cidade e natureza como conceitos opostos.
Segundo a lei, os planos diretores deverão conter diretrizes voltadas à preservação e recu-
peração do meio ambiente natural e construído. A política urbana deverá promover o orde-
namento e controle do uso do solo, podendo-se utilizar como instrumento a instituição de
unidades de conservação.
Para tanto, pesquisas referentes à eleição de indicadores (qualitativos, quantitativos e
de espacialização) para a conservação da natureza nas cidades devem ser incentivadas. Como

33 Gert Gröning é professor doutor da Universidade de Artes de Berlim, Instituto de História e Teoria do
Design e trabalha com Desenvolvimento de Espaços Livres e Cultura de Jardins. Foi orientador no doutoramento
do professor Felisberto Cavalheiro em Hanover/Alemanha.
92

ponto de partida para as análises da eficiência dos espaços urbanos na conservação da nature-
za, sugere-se a utilização dos pontos salientados por Sukopp e Werner (1991), anteriormente
listados.
Os esforços encaminhados para a conservação da natureza darão frutos se estiverem
em conexão com o desenvolvimento de um programa de proteção ambiental total sendo,
portanto, indispensável a união das diversas esferas de governo.
Nos tempos atuais com uma tendência de ocupação de todos espaços livres urbanos
por edificações, acredita-se ser conveniente, resgatar e transcrever as conclusões de Lorusso
(1992):

Para voltar a nos sentirmos donos de nós mesmos, sem dúvida teremos de começar por nos
sentirmos donos da paisagem e por reestruturá-la em seu conjunto”. Esta citação de Munford
(1964), reflete a preocupação efetiva com as tendências urbanísticas “devoradoras de espa-
ço”, que acabarão por aniquilar todos os recursos estéticos da paisagem, toda a reserva de
verde necessária a qualidade de vida das cidades. Para que tal catástrofe não ocorra, medi-
das políticas necessárias devem ser tomadas para preservar e estabelecer a “matriz verde” das
cidades, pois a tarefa pública mais importante, em torno e além de cada centro urbano em
curso de desenvolvimento consiste em reservar espaços livres definitivos, suscetíveis de serem
dedicados ao lazer e à recreação, ou destinados à preservação das potencialidades paisagís-
ticas e ecológicas. (LORUSSO, 1992, p. 116-117).

Finalizando, com a mesma crença de Cavalheiro e Del Picchia (1992), pode-se concluir
que o planejamento da paisagem deve fazer parte do planejamento integral, devendo ser ela-
borado sob a ótica conjunta da relação natureza e sociedade.

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96

ANEXO 1
O quadro abaixo foi organizado com base em transparência das aulas do professor Felisberto
Cavalheiro.
“Estudos realizados na Alemanha demonstram um interesse no aspecto de reverdecimento de
fachadas, quando realizam classificações dos tipos de áreas associando-se a elas um valor de
biótopo que é utilizado nos cálculos do desconto no imposto urbano” (NUCCI, 2001).

Fator de
Tipos de áreas Explicação - exemplos
multiplicação
Piso impermeável para ar e água, sem crescimento de
1 Impermeabilizada zero
vegetação - asfalto, concreto, ...
P a r c i a l m e n t e Piso permeável ao ar e água, sem vegetação – mosaicos,
2 0,3
impermeável placas, paralelepípedos unidos com areia, ...
Piso permeável, com percolação de água e com
3 Meio abertas 0,5
vegetação – placas, grades com grama
4 Com vegetação Jardins sobre laje com menos de 80cm de espessura 0,5
sem ligação com
5 Jardins sobre laje com mais de 80cm de espessura 0,7
o solo
Com vegetação
6 e ligação com o Áreas propícias ao desenvolvimento da flora e fauna 1,0
solo
Percolação
Para cada m2 de telhado – água da chuva conduzida
7 da chuva em 0,2
para a percolação no solo
telhados
8 Vegetação vertical Até 10m de altura em pedras e muros com vegetação 0,5
Vegetação sobre
9 Telhado cultivado extensivamente e intensivamente 0,7
telhado
Org. Nucci, 2006

Exemplo de cálculo (NUCCI, 2001):


 Superfície do terreno = 478m2
2
 Superfície com edificação = 279m
2
 Superfície livre de edificação = 200m
2
Dos 200m livres de edificação:
2 2
 140m asfaltados x 0,0 (fator de multiplicação) = 0m
2 2
 59m com grades com grama x 0,5 (fator de multiplicação) = 30m
2 2
 1m solo permeável x 1,0 (fator de multiplicação) = 1m
2
Total = 31m Valor do biótopo = 31 ÷ 479 = 0,06
97

ANEXO 2

Quadro 1 – Cobertura vegetal em algumas localidades brasileiras.


Cobertura Vegetal
Área estudada Foto aérea Fonte m2 /
%
hab.
1:10.000
Distrito de Santa Cecília Nucci (2001) 7,00 2,96
preto e branco / 1989
Jd. Tranqüilidade 1:6.000 – colorida
Nucci e Ito (2002) 4,00 2,52
(Guarulhos/SP) 2000
1:8.000 – colorida
Centro de Curitiba/PR Nucci et al. (2003) 12,56 12,70
2000
Município de Curitiba/
--- Hardt (1994) 60,00 ---
PR
Porto Alegre/RS (Área de 7,00 a
1:8.000 RUSZCZYK (1986) ---
central) 15,00
Henke-Oliveira et
Cidade de Maringá/PR --- --- 20,60
al. (1994)
Alto da XV (Curitiba/ 1:8.000 – colorida BUCCHERI FILHO e
16,85 25,24
PR) 2000 NUCCI (2005)
Santa Felicidade 1:8.000 – colorida MOURA e NUCCI
31,20 155,00
(Curitiba/PR) 2000 (2005)
Centro de São José dos 1:5.000 – colorida
NETTO (2005) 24,20 77,12
Pinhais (RMC) 1999
Org.: João Carlos Nucci (2006).
98

ANEXO 3
Fluxograma das conseqüências do adensamento por verticalização das edificações, de acordo
com Nucci (1996, 2001).

Fonte: Nucci (1996, 2001) Org.: SILVA, M. C. M., 2006.


99

ANEXO 4
Ficha de levantamento de campo de Espaços Livres
(Fonte: Cavalheiro, F. 2002/ Org. Presotto, A. 2002 in Presotto, 2004)

Nome do Bairro: ______________________________________________________________


Endereço da Área: ____________________________________________________________

Privado [ ]
Potencialmente Coletivo [ ]
Público [ ]

CATEGORIAS:
1. Jardim de Ornamentação [ ]
2. Espaço de Lazer
Praça [ ]
Parque Setorial [ ]
Distrital [ ]
Regional [ ]
3. Verde Viário
Arborizado [ ] Clube [ ]
Canteiro central [ ] Escola [ ]
Jardim [ ] Terreno [ ]
Quintal [ ] Outros [ ]
Quais: _____________________________________________________________
4. Horta Comunitária [ ]
5. Verde Religioso (cemitério, igrejas) [ ]
Unidade espacial em metros quadrados (aproximadamente): _________________

Impermeabilização Cobertura Vegetal


[ ]
Área impermeabilizada [ ] Gramado
[ ]
Parcialmente impermeável [ ] Canteiros
Áreas meio abertas [ ] Ajardinado [ ]
Áreas com vegetação sem ligação com o solo [ ] Horta (comunitária) [ ]
Áreas com vegetação com ligação com o solo [ ] Vegetação espontânea [ ]
Impermeabilização [ ] Vegetação vertical [ ]
Área impermeabilizada [ ] Arborização com efeito regional [ ]
Parcialmente impermeável [ ] Cobertura vegetal [ ]

Estrutura e Situação Lagos Relativamente Naturais


Bancos [ ] Lixo (sujeira) [ ]
Playground [ ] Amontoado de galhos [ ]
Placas [ ] Árvores especiais [ ]
Lixeira [ ] Muros vegetados [ ]
Sinalização [ ] Corredores [ ]
Segurança (pessoas) [ ] Areia e pedras [ ]
Portaria [ ] Outros [ ]
Lagos artificiais [ ] Quais:________________________
100

ANEXO 5

Segundo o professor Felisberto Cavalheiro (transparência das aulas da disciplina Teoria Ge-
ográfica da Paisagem), no Exterior a representação em planta do zoneamento é simples e de
fácil leitura.

Tipos de Uso Cor na planta


residenciais vermelho
Espaços construídos mistas e centrais marrom (sépia)
industriais cinza
especiais laranja
verdes verde claro
Espaços livres conservação da natureza verde escuro
agrícolas verde limão
com água azul
Espaços de integração rodovias e avenidas principais amarelo
ferrovias, inclusive Metrô violeta
Org.: Nucci (2006).
101

ANEXO 6
Sugestão de índices urbanísticos para espaços livres
Quadro 2 - Sugestão de índices urbanísticos para espaços livres elaborada pela �����
“Con-
ferência Permanente dos Diretores de Parques e Jardins da República Federal da Ale-
manha”,

Categorias de Área/Pop. Distância da


Área mínima Acesso
parques (m2/hab) residência
Vizinhança
até 6 anos 0,75 150 m2 até 100 m públ. ou partic.
6 a 10 anos 0,75 450 m2 até 500 m públ. ou partic.
10 a 17 anos 0,75 5.000 m2 l.000 m público
parque de
6,0 10 ha l.000 m ou 10min. público
bairro
parque distrital 1.200m ou 30
6,0 - 7,0 100 ha público
ou setorial min./veiculo
200 ha qualquer parte
parque regional s/ref. público
área com água da cidade
cemitério 4,5 sem referência sem referência públ. ou partic.
área para 3-5 ha perto das
5,5 públ. ou partic.
esporte 1.500 hab. escolas
2 ha
balneário 1,0 - 10,0 perto das escolas públ. ou partic.
0,2 ha
h o r t a
12,0 300 m2 Sem referência públ. ou partic.
comunitária
junto ao sistema
verde viário Sem referência Sem referência público
viário
(mod. Jantzen, 1973 apud CAVALHEIRO; DEL PICCHIA, 1992).
Organização: João Carlos Nucci, 2004.
102

ANEXO 7
Operacionalidade no Planejamento de Espaços Livres
Projeto de
Planejamento de Espaços Livres
Espaços Livres

Projeto de
Planejamento de Estruturas de Espaços
Instalação de Planejamento de Sistema de Espaços Livres
Livres
Espaços Livres

Modelo de
Designação Projeto de EL Plano de conjunto de Plano de tipos de Plano de Sistemas de
desenvolvimento de
do Plano com detalhes Espaços Livres Espaços Livres Espaços Livres
Espaços Livres

Localização de Localização de
Localização de um Localização de áreas a
Localização e diferentes tipos de áreas a não serem
tipo de espaço livre não serem construídas
Conteúdo ordenamento de espaços livres em construídas no
em comunidades nas comunidades
Espaços Livres quadras, quarteirões município e na
urbanas urbanas e municípios
ou conjuntos região

Representação Delimitação de região Delimitação de regiões Representação das Delimitação de


do projeto e de projeto deficitárias disparidades espaços a serem e
Intenção fundamentos não construídos
para a
construção
Escalas
1:5 a 1:500 1:500 a 1:10.000 1:10.000 a 1:20.000 1:20.000 a 1:50.000 1:50.000 a 1:100.000
espaciais
Escalas + congelada
Reavaliação
temporais Jardins, chácaras

Plano de Play-Grounds
Modelo de faixa
Plano de áreas para
de associação de
esporte Plano de áreas livres
Pátio de escolas Situação de espaços assentamentos
Plano de “Kleingarten” de Hamburg
Parques livres em quarteirões urbanos do Ruhr
Plano de Cemitérios Plano paisagístico de
Exemplos Cemitérios deteriorados, Modelo do
Regiões para Salzburg
Camping conjuntos residenciais “Greenbelt” de
conservação da Ordenamento do
etc. modernos etc. Londres
natureza verde de Hannover
Modelo da faixa
Áreas de proteção
Hamburg-Munique
ambiental

Fonte: Gröning, 1976 Org.: Cavalheiro, F., 2001


CAPITULO 6
UM ÍNDICE DE ÁREAS VERDES PARA A CIDADE DE UBERLÂNDIA/MG

Fabiane dos Santos Toledo34


Douglas Gomes dos Santos35

A existência de espaços livres nas cidades é uma necessidade quando também vincu-
lada aos benefícios deles oriundos, o que eleva ainda mais as importância das áreas verdes.
Em vários trabalhos de renomados pesquisadores tem-se discutido o valor dessas áreas para
a qualidade de vida da população. Segundo Nucci (2001):

As áreas verdes estabilizam as superfícies por meio da fixação do solo pelas raízes das
plantas; criam obstáculos contra o vento; protegem a qualidade da água, pois impedem que
substâncias poluidoras escorram para os rios; filtram o ar; diminuem a poeira em suspensão;
equilibram os índices de umidade no ar; reduzem o barulho; abrigam a fauna; contribuem
para a organização e composição de espaços no desenvolvimento das atividades humanas;
colaboram com a saúde do homem e também atenuam o impacto pluvial, auxiliando na
captação de águas pluviais, tendo em vista que a impermeabilização crescente e progressiva
do solo prejudica o escoamento superficial, não tendo a rede de captação de águas pluviais
capacidade suficiente para escoar de modo rápido o grande volume de água que faz trans-
bordar os córregos e se acumula nos vales do sítio urbano.

Atualmente, as áreas verdes são essenciais a qualquer planejamento urbano aliado ���se-
gundo a análise da distribuição espacial da população atual e futura (estimativa). Há também
que se pensar nos locais reservados a essas áreas, pois a política de um sistema de áreas ver-
des não deve se limitar às grandes reservas na periferia da cidade. Citada por Barbin (2003)
a carta de Atenas (1969), documento elaborado no IV Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna, já alertava para esse problema, em que a falta de superfícies livres no interior das
cidades faz com que as áreas verdes se situem na periferia, perdendo muitas vezes o caráter
de prolongamento direto ou indireto da habitação.
Conforme a cidade cresce, surge a necessidade da manutenção ou criação das áreas
verdes. O propósito dessas áreas está relacionado à quantidade, qualidade e a distribuição da
mesma dentro da área urbana. Para Sanchotene (2004):

O inventário e cadastramento das áreas verdes de um município bem como da arborização


de vias públicas são procedimentos básicos de capital importância para o estabelecimento
de um Plano Diretor de Áreas Verdes. A partir do cadastro físico das áreas verdes poderá
ser estabelecido um diagnóstico sócio-ambiental considerando a densidade populacional, o
percentual de áreas verdes e o Índice de Áreas Verdes.

O índice de áreas verdes é determinado pela quantidade de espaços livres de uso pú-
blico por habitante da cidade. Pode-se falar em muitos índices ou em muitos elementos fun-
damentais a serem considerados para esse cálculo. Foi difundida a idéia de que a Organização
Mundial de Saúde (OMS) e a ONU utilizam o índice de 12m² de área verde por habitante como

34 Geógrafa, IG-UFU
35 Geógrafo (DG-FFLCH-USP), Professor Doutor, Instituto de Geografia - UFU
104

ideal, porém tais organizações não reconhecem esse índice, nem possuem estudos nesse
sentido. Além disso, Cavalheiro e Del Picchia (1992), embasados em consultas e pesquisas,
também não adotam nem declaram sua existência trabalhando, inclusive, com autores que
propõem outros índices.
As pesquisas relacionadas ao índice ideal denotam a existência de diversas metodo-
logias, mas como não existe um padrão único convencionado a comparação entre elas não
fará parte deste capítulo. ����������������������������������������������������������������
O planejamento de áreas verdes requer, primordialmente, o conhe-
cimento sobre a quantidade e a distribuição das mesmas na malha urbana, bem como a asso-
ciação desses espaços com a população para, posteriormente, embasados em outros fatores,
se fazer o diagnóstico da qualidade de vida dos habitantes, o que torna propensa a avaliação
da questão ambiental. É importante ressaltar a evidência de que tal análise é apenas uma das
primeiras a se considerar para efetuar uma conclusão efetiva da qualidade de vida da popu-
lação relacionada às áreas verdes.
Diante das considerações apontadas torna-se urgente a realização de pesquisas que
envolvam os espaços livres, mais precisamente as áreas verdes de maior consideração como
os parques e as praças, nas cidades em crescimento, para que ainda seja possível um planeja-
mento preventivo de caráter ambiental ou, se for o caso, reverter quadros corrigindo possíveis
equívocos.
Uberlândia se enquadra nessas circunstâncias, já que está em fase de expansão e cres-
cimento populacional acelerado. O município possui um importante centro urbano regional,
no âmbito do Triângulo Mineiro, com população de 501.214 (IBGE, 2000), e estimada em
600.368 com data de referência em 1º de julho de 2006 também pelo IBGE.
Como em várias cidades brasileiras, nesse contexto, Uberlândia tem um número muito
pequeno de trabalhos que analisam tal problemática e discutam o papel das áreas verdes nos
centros urbanos, apesar de serem imprescindíveis pesquisas e estudos nessa composição,
pois como já detectaram Soares et al. (2004) Uberlândia já convive “com a carência de arbo-
rização e espaços livres, sejam parques, praças e canteiros ajardinados, áreas de conservação
de mananciais e de cerrado típico.”
Aprofundar tal questão é de extrema importância tanto para população como para os
órgãos públicos, já que a política de espaços verdes urbanos é responsabilidade do município
e deve ser estabelecida pelos Planos Diretores e Leis de uso do solo dos municípios, como
é embasado nos artigos 4º e 22 da Lei 6766/79, Lei do Parcelamento do Solo, também nos
artigos 122, 176 e 202 da Lei Orgânica do Município – do Desenvolvimento e Política Urba-
nos, Desporto e Lazer e da Proteção ao Meio Ambiente, respectivamente, como destacado
abaixo.

Art. 176 - O Município proporcionará meios de recreação sadia e construtiva à comunidade,


mediante:
I - reserva de espaços verdes ou livres, em forma de parques, bosques, jardins e assemelha-
dos, como base física da recreação urbana.

Este capítulo tem a perspectiva de quantificar as áreas verdes da extensão urbana de


Uberlândia, consideradas de maior relevância, como os parques e as praças, além da análise
e relação entre a proporção dessas áreas com a população no Município, com os objetivos
principais de verificar a real existência do Índice de Áreas Verdes proposto na Lei Orgânica,
além de fornecer subsídios ao planejamento urbanístico-ambiental do município e propor
alternativas para tais estratégias.
Existem várias metodologias para o estudo das áreas verdes urbanas, assim como há
também uma variedade de conceitos para defini-las, o que se diversifica acerca dos autores.
105

Para atingir os objetivos propostos, foi desenvolvida, primeiramente, uma pesquisa teó-
rica acerca dos conceitos como espaços livres, áreas verdes, índices de áreas verdes, parques,
praças, e outros que se fizeram necessários ao longo do trabalho, com o aporte dos princi-
pais autores no assunto, possibilitado assim a compreensão e a escolha do embasamento e
dos indicadores que foram considerados, referenciando a idéia de realizar o levantamento, a
quantificação, e a análise, simplificada, das áreas verdes urbanas de Uberlândia tendo como
destaques os parques e as praças.
Na execução prática para se definir os aspectos do município proeminentes ao estudo
das áreas verdes fez-se o uso do Banco de Dados Integrados de Uberlândia (BDI) 2006 obtido
na SEPLAMA, os quais possibilitaram a elaboração e organização dos mapas e a formação de
tabelas e figuras para a escala de abordagem necessária.
Para identificação das áreas verdes, foram usadas, além da carta base do município,
mapas colhidos na PMU/SEDUR (2004), posteriormente organizados de acordo com intenção
de exibição das mesmas. A proposta de utilização da cartografia digital como a base principal
para representar as áreas verdes do município (parques e praças) encontra respaldo na impor-
tante ferramenta que representa na análise urbana. Por si só, a cartografia temática já fornece
a possibilidade da visão integrada do espaço urbano.
Como ilustrações dos principais pontos de áreas verdes da área urbana foram realiza-
dos diversos trabalhos em campo para o recolhimento de fotografias e informações. Utilizou-
se também figuras, em diversas escalas, selecionadas no portal eletrônica da Prefeitura Muni-
cipal de Uberlândia (PMU). Os dados censitários da área foram recolhidos em dois momentos,
primeiro no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e no outro na SEPLAMA, na
Coordenação do Núcleo de Pesquisa Estatística e Banco de Dados do Município de Uberlân-
dia.
Dentre as várias técnicas e métodos existentes para se computar o Índice de Áreas Ver-
des, foi escolhida a metodologia mais utilizada para o cálculo, ou seja, considerando o soma-
tório das áreas verdes em metros quadrados (m²) dividido pela população da área estudada;
embasada nas considerações de Nucci (2001) as quais afirmam que, para calcular o índice
de área verde, devem ser consideradas somente as áreas verdes públicas localizadas na zona
urbana e ligadas ao uso direto da população residente nessa área.
Para se obter a somatória dessas áreas, foram realizadas visitas e entrevistas na PMU,
junto à Secretaria de Planejamento Urbano e recolhidas informações no memorial descritivo
da mesma, além de visitas aos próprios locais para confirmação de dados.

ÍNDICE DE ÁREAS VERDES

Os índices de áreas verdes são expostos de diferentes formas por diferentes pesqui-
sadores, para diferentes cidades, sendo talvez, uma conseqüência da falta de consenso entre
os conceitos, já discutida neste livro. Cavalheiro e Nucci (1998), alertam que o confronto de
índices de áreas verdes entre cidades pode ser um equívoco, pois o índice desacompanha-
do da definição de termo “área verde” não estabelece parâmetros para comparações. Além
disso, sabe-se que muitas administrações aumentam seus índices colocando todo espaço não
construído como área verde e/ou até consideram a projeção das copas das árvores sobre as
calçadas.
No entanto, em termos gerais, o índice de áreas verdes é aquele que denota a quantida-
de de espaços livres de uso público, em km² (quilômetro quadrado) ou m² (metro quadrado)
dividido pela quantidade de habitantes de uma cidade. Para Sanchotene (2004), entende-se
por índice de área verde por habitante a relação entre a densidade populacional e a metra-
106

gem quadrada total de áreas verdes de uma cidade ou de partes dela. Acrescentando-se que
para Guzzo (2003), apud Rondino (2005) essa matemática é feita entre os espaços nos quais
o acesso da população é livre, ou seja, as praças, os parques e os cemitérios. Para aquele
autor, o índice deveria, primeiramente, ser calculado em função da quantidade total das áreas
existentes e, posteriormente, recalculado, demonstrando quantas dessas áreas estão sendo
realmente utilizadas, após uma avaliação do seu estado de uso e conservação. Todavia, este
índice está intimamente ligado à função de lazer que desempenham ou que venham a de-
sempenhar.
Nucci (2001) afirmou que, para calcular o índice de área verde, devem ser considera-
das somente as áreas verdes públicas localizadas na zona urbana e ligadas ao uso direto da
população residente nessa área.
Cavalheiro e Del Picchia (1992) referem-se ao índice mais difundido no Brasil, o qual
teria sido desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pela ONU e pela Or-
ganização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que considerariam
como ideal que cada cidade dispusesse de 12m² de área verde/habitante. Porém, os autores
mencionados e a ONU não o admitem. A Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU)
propôs como índice mínimo para áreas verdes públicas destinadas à recreação o valor de 15
m²/habitante (SBAU, 1996). Para Escada (1987), os índices são instrumentos que devem ser
utilizados como guia para questões muito complexas e por isso são muito subjetivos. Como
destaca Magalhães Jr (2007):

O índice é um instrumento para reduzir uma grande quantidade de dados a uma forma mais
simples, retendo o seu significado essencial (Ott, 1978). A construção de um índice sintético
pode facilitar a ordenação ou comparação entre comunidades, mas “um índice envolve o
problema da ponderação dos indicadores, o que, em última instância, envolve algum juízo
de valor. Significa dizr que os pesos atribuídos aos indicadores não são neutros e envolvem,
necessariamente, a introdução de algum nível de arbítrio” (Ipea/FJP/Pnud, 1998)

Oliveira (1996) fez um levantamento das áreas públicas do município de São Carlos/
SP e obteve dois índices diferentes, o primeiro, chamado percentual de áreas verdes (PVA),
foi estimado para grandes áreas da cidade, no qual entraram todas as áreas verdes públicas
da cidade, sem contar a acessibilidade da população. Posteriormente, foi calculado o índice
de áreas verdes (IAV), considerando somente as áreas verdes públicas de acesso livre para
a população. O índice de áreas verdes para a cidade como um todo também foi calculado e
considerado um indicador de qualidade de vida da população.
A PMU através do artigo 202 da Lei Orgânica do Município, atualizada até 08/02/2006,
assegura os índices de área verde por habitante embasados nos possíveis valores propostos
pela ONU, ou seja, 12m² per capita. A citar:

XXIII - estimular e contribuir para a recuperação da vegetação em áreas urbanas, com plantio
de árvores preferencialmente frutíferas objetivando, especialmente, atingir os índices mínimos
de área verde por habitante estipulados pela Organização das Nações Unidas.

DENSIDADE POPULACIONAL E ÁREAS VERDES

Com o surgimento espontâneo e o crescimento rápido e desordenado das cidades, a


vegetação natural foi, aos poucos, sendo substituída por elementos da infra-estrutura urbana
constituídos basicamente por concreto, cerâmica, metais, vidro e asfalto. As cidades, ao terem
seus componentes urbanos construídos com esses materiais, têm como resultante as super-
107

fícies com elevado índice de reflexão, bem como a impermeabilidade quase total dos solos,
Barbin (2003).
A alta concentração da população gera a deterioração da qualidade de vida urbana
acarretando o desconforto da mesma por meio da deficiência no abastecimento em geral,
problemas na eliminação e deposição de lixo, ruídos, poluição, congestionamentos, compe-
tição, escassez de espaços livres para o lazer e falta de participação popular. Sendo este um
problema que atinge a maioria das cidades de médio a grande porte, questiona-se um número
que expresse a densidade populacional ideal (Nucci, 1996). Para este autor, o número ideal
para a densidade populacional varia entre 100 e 500 habitantes/ha.
Buscando as origens da crise urbana e, conseqüentemente, da crise ambiental atual,
ter-se-ia que procurar as causas e o período em que começaram a se dissolver os limites da
cidade e as mudanças sócio-culturais que acompanharam essa dissolução. No final do século
XIX e início do século XX, aproximadamente, já com a Revolução Industrial, devido ao cresci-
mento da área do município, o aumento populacional e a expansão da zona urbana, a cidade
transformou-se em joguete dos interesses da especulação financeira e imobiliária. Segundo
Lima (1991), surge o “urbanismo moderno” baseado em quatro objetivos fundamentais:

 Descongestionar o centro das cidades para cumprir as exigências de fácil circulação;


 Aumentar a densidade do centro das cidades para realizar o contato exigido pelos ne-
gócios oriundos no crescente mundo capitalista;
 Aumentar os meios de circulação, ou seja, modificar as dimensões das ruas, que se
encontravam sem efeito diante dos novos meios de transporte e;
 Aumentar as chamadas “áreas verdes” visando gerar maior lazer e menor estresse aos
novos trabalhadores urbanos.

Segundo Guzzo (1999), as cidades são constituídas, do ponto de vista físico, de espa-
ços de integração urbana, espaços construídos e espaços livres “(...) visando uma integração
da natureza com a cultura do ser humano”. Para tal, é necessário que se tenha idéia das alte-
rações ambientais provocadas pela urbanização.

LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

O município de Uberlândia localiza-se a 18º55’07” de latitude Sul e 48º16’38” de longitu-


de Oeste, sua área total é de 4.115,82km², destes 219,00km2 são de área urbana e 3.896,82km2
de zona rural (BRITO; PRUDENTE, 2005). Está situado na Mesorregião do Triângulo Mineiro/
Alto Paranaíba, Estado de Minas Gerais, Região Sudeste do Brasil. É dividido em 05 Distritos
(Uberlândia – Distrito Sede, Cruzeiro dos Peixotos, Martinésia, Miraporanga e Tapuirama). O
perímetro urbano de Uberlândia foi estabelecido pelo Art. 1º da Lei 5969, de 07 de março de
1994.

LEGISLAÇÃO REFERENTE ÀS ÁREAS VERDES

É preciso indicar, primeiramente, os preceitos da Constituição Federal para o patri-


mônio histórico e paisagístico, no qual, em seu Art. 24 esclarece que compete À União, aos
Estados e Distrito Federal legislar corretamente sobre:

VII. proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;


108

VIII. responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de


valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Os Sistemas de Áreas Verdes, em geral, são estruturados com base no Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano que é o instrumento básico de definição do modelo de desenvolvi-
mento para municípios com mais de vinte mil habitantes. Modernamente está incorporando
o enfoque ambiental passando a chamar-se Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Am-
biental (SANCHOTENE, 2004).
A Lei n° 6.766 de 19 de dezembro de 1979, regulamentou o parcelamento do solo urba-
no, em seu artigo 4°, inciso 1, parágrafo 10, preconizando que os loteamentos deviam possuir
áreas destinadas a espaços livres de usos públicos, proporcionais à densidade de ocupação
prevista para a gleba, não podendo ser inferiores a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba,
exceto nos loteamentos maiores que 15.000m² (quinze mil metros quadrados), caso em que
a porcentagem poderia ser reduzida. Porém, este dispositivo legal foi atualizado e alterado
pela Lei n° 9.785 de 29 de janeiro de 1999, na qual a porcentagem destes espaços não é mais
quantificada e deve ser prevista pelo Plano Diretor ou aprovada por Lei Municipal para a zona
em que se situem, que definirá os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento
e ocupação do solo, incluindo, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os
coeficientes máximos de aproveitamento.
A Lei Complementar nº. 245 de 30 de novembro de 2000, dispõe sobre o parcelamento
e zoneamento do uso e ocupação do solo do município de Uberlândia, subseção I, do lote-
amento e reloteamento:

Art. 13. Os loteamentos e reloteamentos deverão destinar ao Município as seguintes áreas


mínimas, calculadas sobre a área total loteável:
I - 20% (vinte por cento) para o sistema viário;
II - 10% (dez por cento) para áreas de uso institucional;
III - 7% (sete por cento) para áreas de recreação pública.

Define ainda nessa Lei, no art. 5º “Área de Recreação” sendo “aquela reservada a ativi-
dades culturais, cívicas, esportivas e contemplativas da população, tais como praças, bosques
e parques.”
O Plano Diretor de Uberlândia, Lei Complementar n.º 432, de 19 de outubro de 2006,
tem como diretriz ambiental, no art. 14, alínea III, “garantir a proteção dos recursos hídricos e
vegetais, a redução dos problemas de drenagem e a criação de áreas para lazer na concepção
dos parques, áreas de preservação e unidades de conservação”.
Com relação ao que se dispõe ao lazer a Lei Orgânica do Município, no Art. 176 esta-
belece que o município proporcionará meios de recreação sadia e construtiva à comunidade,
mediante “reserva de espaços verdes ou livres, em forma de parques, bosques, jardins e asse-
melhados, como base física da recreação urbana”. No Art. 202, alínea XXIII esta Lei propõe:
“estimular e contribuir para a recuperação da vegetação em áreas urbanas, com plantio de
árvores preferencialmente frutíferas objetivando, especialmente, atingir os índices mínimos de
área verde por habitante estipulados pela ONU.”

Para o caso dos grupos de áreas verdes, o SNUC define em seu art. 2º:
I – Unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Públi-
co, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração,
ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção;
VI - proteção integral: manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por inter-
109

ferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais.
Ainda,
Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais
de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas
científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de
recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

§ 4o As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denomi-
nadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal.

No Decreto no 84.017, de 21 de setembro de 1979, que aprova o Regulamento do Par-


ques Nacionais Brasileiros, no art. 2º considera Parque Nacional aqueles que:

I - Possuam um ou mais ecossistemas totalmente inalterados ou parcialmente alterados pela


ação do homem, nos quais as espécies vegetais e animais, os sítios geomorfológicos e os
“ habitats “, ofereçam interesse especial do ponto de vista científico, cultural, educativo e
recreativo, ou onde existam paisagens naturais de grande valor cênico.

Para o Estado, Decreto nº 21.724, de 23 de novembro de 1981 que regulamenta os Par-


ques Estaduais, “Art. 2º - Os Parques Estaduais são bens do Estado de Minas Gerais, criados
para a proteção e preservação permanente de regiões dotadas de excepcionais atributos da
natureza, ou de valor científico ou histórico, postos à disposição do povo.”
A PMU define área verde como “toda área onde predominar qualquer forma de vegeta-
ção, quer seja nativa ou não, de domínio público ou privado”, conforme se aplica no art. 164
da Lei Complementar nº. 017, mas para as categorias ainda não há�����������������������
um Regulamento especí-
fico que defina essas áreas. O que se menciona sobre parques, ainda que Parques Florestais,
naquela mesma Lei é que estes são

unidade de conservação permanente destinada a resguardar atributos de natureza, conci-


liando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para
objetivos educacionais, recreativos e científicos.

A possível definição de praças é citada em um documento legal apenas para efeito do


Decreto nº 7.383 de 04 de setembro de 1997, o qual regulamenta o projeto “adote uma praça
ou um canteiro central” como “logradouro público situado em vias públicas, com finalidade
de instalação de equipamentos de lazer, recreativos e com caráter ornamental, contemplativo
e de melhoria da qualidade de vida”.

ÁREAS VERDES NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA

De acordo com o memorial descritivo da SEPLAMA, das pesquisas em documentos no


Núcleo de Coordenação das UCs e da análise dos decretos de criação dos espaços livres em
Uberlândia, categorizando parques e praças (Mapa 1), constatou-se:

Parques

Em termos de classificação foi verificado que o município não tem nenhum documento
legal ou mesmo concordância entre as secretarias responsáveis pelo meio ambiente e patri-
mônio no que se refere ao conceito de parques municipais. Assim fica estabelecido para este
estudo, as Leis Federais e Estaduais existentes como a Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965,
110

o Código Florestal, que permite a criação dos parques nos termos do artigo 5º, alínea “a”, a
qual foi revogada pelo SNUC.
Todos os Decretos de criação determinam a finalidade dos Parques conforme o mes-
mo artigo 5º, alínea “a” do Código florestal, ou seja, “de resguardar atributos excepcionais
da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a
utilização para objetivos educacionais, recreativos e científicos”; e ainda acrescentam a res-
ponsabilidade sob as condições do bem-estar público. Para ressaltar, os Parques Municipais
Santa Luzia, Victório Siquierolli e Natural do Óleo são UCs, no grupo de Unidades de Proteção
Integral, que de acordo com o 2º art., alínea VI do SNUC entende-se por “manutenção dos
ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso
indireto dos seus atributos naturais;”
Assim, o município de Uberlândia possui sete Parques Municipais de acordo com os
Decretos n.º 7.452 de 27 de novembro de 1997, n.º 8.166 de 05 de maio de 2000 e n.º 9.505
de 02 de junho de 2004. Em relação à área total dos mesmos foi comprovada uma divergência
nas informações da SEPLAMA com os Decretos mencionados, conforme resumida nas Tabelas
6.1 e 6.2.

Tabela 6.1 – Distribuição de áreas dos Parques Municipais - SEPLAMA


PARQUE Área (m²)
Santa Luzia 271.554,05
Luizote de Freitas 51.527,24
Distrito Industrial 339.696,25
Mansour 238.967,19
Sabiá 1.611.270,56
Victório Siquierolli 223.936,95
Natural do Óleo 202.897,09
TOTAL 2.939.849,33
Fonte: SEPLAMA - Divisão de Planejamento Integrado, 2006.
Org.: TOLEDO, F. S. 2006.

Tabela 6.2 – Distribuição de áreas dos Parques Municipais – DECRETOS


PARQUE Área (m²)
Santa Luzia 268.304,34
Luizote de Freitas 55.900,00
Distrito Industrial 282.400,00
Mansour 117.198,48
Sabiá 1.840.747,80
Victório Siquierolli 232.311,19
Natural do Óleo 187.486,35
TOTAL 2.984.348,16
Fonte: SEPLAMA – Divisão de Patrimônio, 2006.
Org.: TOLEDO, F. S. 2006.

Como se verifica, a diferença dos totais resulta em 44.498,83m², é de se ressaltar tam-


bém que ao observar as individualidades constata-se disparidades em todas as áreas, por
vezes menores em uma e maiores em outra e vice-versa.
Para este estudo foram consideradas as áreas referentes aos Decretos por se tratarem
de medidas com respaldo legal e por contemplarem uma área maior, referindo-se aqui ao
total geral, já que comparando os dados observam-se discrepâncias individuais. Além disso,
parte dessas áreas se comprovaram, no BDI, conforme Tabela 6.3, a qual também demonstra
pequenas distorções nas quantidades.
111

Tabela 6.3 – Unidades de Conservação Ambiental – BDI (2006)

Fonte: PMU/BDI, 2006

Para os cálculos até 2000 não foi considerada a área do Parque Natural do Óleo, pois
sua criação é de 2004. Acerca do Parque Municipal São Francisco de Assis, observado na
Tabela 6.3, firma-se que o mesmo é localizado na zona rural do município, não integrando,
portanto, a área estudada.

Art. 1º. Fica criado o Parque Ecológico São Francisco, Unidade de Conservação da
Natureza de Proteção Integral, localizado na zona rural do Município de Uberlândia.
(Decreto n.º 9.185 de 09 de junho de 2003).

Apesar de o presente trabalho ter como foco principal as medidas totais foi imprescin-
dível o estudo particular de cada parque para constatação de dados estatísticos, geográficos,
estruturais e coletas fotográficas. A distribuição dos parques urbanos e das praças no períme-
tro urbano de Uberlândia está apresentada no Mapa 1.

Praças

De acordo com a conferência na lista de praças fornecida pelo Departamento de Ser-


viços Urbanos da PMU, Uberlândia possui 189 praças, somando um total de 909.956,83m².
Destas, 132 são consideradas urbanizadas, ou seja, têm gramado, calçada, bancos, meio-fio,
playground e quadra esportiva; 9 são pré-urbanizadas, apresentam arborização e grama; e
48 não são urbanizadas, o que significa que há a disponibilidade da área, mas que ainda se
encontram sem infra-estrutura.

POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA

Realizou-se um levantamento dos dados acerca do crescimento populacional da área,


tendo como referência os dados censitários de 2000 e estimativas para 2006, do IBGE e da
Secretaria de Desenvolvimento e Planejamento Urbano.
Primeiramente foram analisados os dados populacionais segundo estudos do IBGE, do
ano de 2000, o qual quantificou 488.982 habitantes na área urbana do Município. A fim de
conhecer a densidade populacional de cada setor os dados foram compilados e distribuídos
na Tabela 6.4, de acordo com a subdivisão do perímetro urbano.
112

Tabela 6.4 – Dados populacionais – Uberlândia / perímetro urbano (2000)


Setor Área (km2) População
Central 13.728 87.356
Oeste 34.309 113.511
Leste 25.234 111.186
Norte 11.662 86.682
Sul 23.503 90.247
Total 108.436 488.982
Fonte: IBGE/Sec. Planejamento e Desenvolvimento Urbano, 2006 (Org.: TOLEDO, 2006)

A Tabela pode denotar futuras conclusões no que se refere à população em relação à


distribuição de áreas verdes. Posteriormente foi utilizado o mesmo procedimento para a po-
pulação estimada para 2006 – 600.368 – também segundo o IBGE, sendo tal cálculo para todo
o município de Uberlândia. Tendo a configuração mostrada pela Tabela 6.5.

Tabela 6.5 – Estimativa populacional – Uberlândia / perímetro urbano (2006)


Setor Área (km²) População
Central 13.728 104.623
Oeste 37.274 135.961
Leste 25.234 133.190
Norte 14.947 103.841
Sul 23.503 108.108
Total 114.686 585.723
Fonte: IBGE/Sec. Planejamento e Desenvolvimento Urbano, 2006 (Org.: TOLEDO, F. S. 2006)

Foi constatada uma população urbana de 585.723 habitantes para o ano de 2006. Esses
dados foram resumidos e finalizados na Tabela 6.6.

Tabela 6.6 – População 2000 e Estimativa 2006


Área 2000* 2006**
Urbana 488.982 585.723
Rural 12.232 14.645
Total 501.214 600.368
* Censo/IBGE 2000/ ** Cálculos realizados pela estimativa/IBGE 2006
Fonte: IBGE/SEPLAMA, 2006 (Org.: TOLEDO, F. S. 2006)

ÍNDICE DE ÁREA VERDE NO MUNICÍPIO

Indicadores e índices são números que procuram descrever um determinado aspecto


da realidade, ou apresentam uma relação entre vários deles. Adotando-se técnicas para de-
terminação dos valores podem ser criados índices que sintetizem um conjunto de aspectos
da realidade e que representem conceitos mais complexos como a qualidade de vida. Den-
tre alguns indicadores que expressam a qualidade ambiental de uma cidade destacam-se: o
Índice de Áreas Verdes (IAV) que mede a relação entre a quantidade de área verde (m²) e a
população que vive em determinada cidade (OLIVEIRA, 1996.).
Nucci (2001), afirma que para calcular o índice de área verde, devem ser consideradas
somente as áreas verdes públicas localizadas na zona urbana e ligadas ao uso direto da po-
pulação residente nessa área.
Para se obter o IAV neste estudo foi escolhida a metodologia mais utilizada para o
cálculo, a qual considera o somatório total das áreas verdes urbanas, expresso em metro
quadrado, aqui nas categorias parques e praças, dividido pelo número de habitantes da área
urbana, conforme a seguinte fórmula:
113

TAVC = Σ áreas de parques (m²) + Σ áreas de praças (m²)

IAV = TAVC
NH

Onde:

TAVC = Total de áreas verdes consideradas (parques e praças)


IAV = Índice de área verdes
NH = Número de habitantes

No intuito de analisar o índice de áreas verdes foram considerados os períodos rela-


cionados tanto à população quanto à criação dos parques, os cálculos dos índices foram rea-
lizados em dois momentos com seus respectivos fatores, ou seja, para o ano de 2000 (Censo
IBGE) e 2006 (Estimativa e ano de parte da realização deste estudo). Obtendo os seguintes
resultados:

Para 2000,
TAVC = Σ áreas de parques (m²) + Σ áreas de praças (m²)

TAVC = 2.796.861,81 + 909.956,83

TAVC = 3.706.818,64

IAV = TAVC
NH

IAV = 3.706.818,64

Para 2006,
TAVC = Σ áreas de parques (m²) + Σ áreas de praças (m²)

TAVC = 2.984.348,16 + 909.956,83

TAVC = 3.894.304,99

IAV = TAVC
NH

IAV = 3.812.200,44

Assim, o índice de áreas verdes, nas categorias praças e parques, para a área urbana
do município de Uberlândia, é de 6,6m²/habitante. O que nos atesta uma falha nos objetivos
114

propostos pela PMU promulgados na Lei Orgânica do Município 001/91 (2006)��������������


, a qual asse-
gura os índices de área verde por habitante embasados nos possíveis valores propostos pela
ONU, isto é, 12m² per capita. Com os cálculos realizados para os períodos censitários, 2000 e
2006, verificou-se que, mesmo com criação de mais um parque, neste caso o Natural do Óleo,
o índice diminuiu em torno de 13% no período em referência. É preciso considerar também
que alguns espaços livres não têm a função destinadas às áreas verdes, como é o caso das 48
praças não-urbanizadas do município, mas que aqui foram computadas.
Um novo estudo, que separe as áreas onde o lazer e a recreação podem acontecer
de forma pública (como é o caso das praças consideradas pela PMU como urbanizadas),
daquelas em que a visitação não pode ocorrer (ou porque a praça é “não-urbanizada” ou o
parque encontra-se fechado, por falta de infra-estrutura e pessoal), com certeza, apresentará
um índice mais alarmante para a cidade de Uberlândia, além de servir como instrumento de
reivindicação para a criação de novas áreas verdes públicas.
Houve a constatação, em alguns espaços livres visitados, da falta de infra-estrutura e
em alguns casos de pessoas capacitadas para atender a função social dos parques e praças, ou
seja, que envolvam o lazer, a recreação e a educação dos freqüentadores. Em nenhum parque
existe o real Plano de Manejo que, entre outras funções, é de vital importância na garantia da
conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas dessas áreas.
Nos parques onde a visitação pública é permitida, há a necessidade de alguns projetos
voltados para a informação do público. Observou-se que a distribuição das áreas verdes não
segue a densidade populacional, o que acaba minimizando a eficiência das mesmas para os
fins propostos. É de se concordar com Velasco citado por Escada (1992), quando diz que a
distribuição de espaços livres no tecido urbano depende das características físicas do sítio,
da existência de áreas históricas, do uso do solo urbano, da estrutura urbana, como também
da distribuição da população residente no espaço urbano e de suas características (espaços
recreacionais). Sendo o ambiente urbano heterogêneo, além da análise da distribuição popu-
lacional segundo sua densidade, o mesmo autor recomenda que se deve considerar as ne-
cessidades e desejo da população de acordo com a composição etária, nível sócio econômico,
hábitos e costumes. Os espaços livres para recreação devem ser planejados segundo a análise
da distribuição espacial da população atual e futura (estimativa), daí o alcance do objetivo das
tabelas populacionais por setores e época.
Ainda sobre a distribuição espacial dos parques que não recebem visitantes, voltados
para a preservação, é necessário que se aponte que o sistema de regras de áreas verdes não
pode se limitar à aquisição e reserva de grandes áreas na periferia da cidade, sem ao menos
o conhecimento da população, da composição de infra-estrutura, técnicos especializados,
planos de manejo e tantos outros, pois as mesmas podem perder seu caráter funcional.
De uma forma geral as condições ambientais segundo o índice encontrado é de desejá-
vel alerta, tanto nos aspectos quantitativos (objetivo dessa análise), quanto nos conseqüentes
qualitativos, necessários de serem estudados e aprofundados em projetos futuros.

E para finalizar, é preciso concordar com Cavalheiro e Del Picchia (1992):

é importante que se ressalte que os índices existentes não são receitas a serem seguidas,
antes eles servem como apoio científico para o planejamento, já que se deve lembrar que a
ciência se preocupa com uma acumulação de conhecimento da humanidade e que se deve
ter o apoio do que já foi gerado.

Desta maneira, este estudo teve o objetivo de apresentar os Procedimentos para o


estabelecimento de um índice de áreas verdes por habitantes no perímetro urbano de Uber-
115

lândia, pois acreditamos que é a divulgação do índice o instrumento para reivindicação. A


espacialização das áreas verdes pela cidade deve obedecer a critérios de acessibilidade, fun-
ções sociais e ecológicas, além de permitir o contato direto do morador com os elementos
do meio físico, ressaltando a importância da conservação e da preservação para a qualidade
ambiental urbana e, por fim, para a qualidade de vida, como sempre ensinou e defendeu
Felisberto Cavalheiro.

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cos de uma região do município de Piracicaba/SP. Tese (Doutorado), Piracicaba, 214 p.,
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ques Nacionais brasileiros

BRASIL. Lei Federal no 6.766, de 19 de Dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do


solo urbano

BRASIL. Constituição Federal, 1988

BRASIL. Lei Federal no 9.785, de 29 de Janeiro de 1999. Altera a Lei de uso e parcelamento
do solo

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servação da Natureza (SNUC)

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vas para o Brasil a partir da experiência francesa. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007

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NUCCI, J. C. Qualidade ambiental & adensamento urbano: um estudo de ecologia e pla-


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UBERLÂNDIA. PMU. www.uberlandia.mg.gov.br/pmu/jsps/cidade/PATRIMONIO.htm

UBERLÂNDIA. PMU. www.uberlandia.mg.gov.br/pmu/site

UBERLÂNDIA. Lei complementar no 017, de 04 de Dezembro de 1991 – Dispõe sobre a polí-


tica de proteção, controle e conservação do meio ambiente.

UBERLÂNDIA. Lei no 5.969, de 07 de Março de 1994. Retifica e dá nova redação à Lei 4.790/88,
que estabelece o perímetro urbano da sede do município de Uberlândia

UBERLÂNDIA. Decreto no 7.383, de 04 de Setembro de 1997. Regulamenta o projeto “adote


uma praça ou um canteiro central”
117

UBERLÂNDIA. Lei complementar no 245, de 30 de Novembro de 2000. Parcelamento e zone-


amento do uso e ocupação do solo do município de Uberlândia

UBERLÂNDIA. Decreto no 9.185, de 09 de Junho de 2003. Dispõe sobre a criação da Unidade


de Conservação do Parque Ecológico São Francisco de Assis

UBERLÂNDIA. Lei Orgânica do Município de Uberlândia, 8ª edição, 2006

UBERLÂNDIA. Lei complementar no 432, de 19 de Outubro de 2006. Aprova o Plano Diretor


do município de Uberlândia, estabelece os princípio básicos e as diretrizes para sua implan-
tação, revoga a Lei Complementar no 078 de 27 de Abril de 1994
CAPITULO 7
LEGISLAÇÃO, POLÍTICAS AMBIENTAIS, UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E GES-
TÃO DO TERRITÓRIO.

Humberto Gallo Junior 36


Débora Olivato37

No Brasil, as políticas ambientais estão ancoradas na formulação de uma base legal e


na construção de uma estrutura administrativa, com a criação de órgãos e agências responsá-
veis pelo seu planejamento, implementação, coordenação, fiscalização e gestão nas diversas
escalas de atuação.
Este capítulo apresenta uma análise do papel e da importância das políticas ambientais,
particularmente, da política referente aos sistemas de unidades de conservação, para o orde-
namento e a gestão do território brasileiro.
São analisados importantes marcos legais do processo de formulação das políticas am-
bientais em âmbito federal, como o Código Florestal Brasileiro de 1965, o capítulo de Meio
Ambiente da Constituição Federal de 1988, a Política Nacional de Meio Ambiente de 1981 e o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) de 2000.
O SNUC é enfocado do ponto de vista das categorias de manejo que integram as duas
modalidades previstas - Proteção Integral e Uso Sustentável, analisando-se os seus objetivos,
finalidades, normas e inserção no ordenamento territorial brasileiro.
Em relação à legislação ambiental, foram focadas as leis e demais instrumentos legais
e normativos cuja aplicação pressupõe a delimitação de áreas no espaço físico-territorial, par-
ticularmente o Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771/65), o Decreto Federal 750/93 e a Lei
9.985/2000, que instituiu o SNUC.

A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS NO BRASIL

No Brasil, uma análise da evolução das políticas ambientais permite verificar que hou-
ve muitos avanços no que diz respeito ao aumento da capacidade institucional, bem como
no que tange à formulação de uma legislação específica para a conservação da natureza e
proteção ambiental.
Monosowski (1989) fez uma análise do processo histórico de evolução das políticas
ambientais no Brasil, estabelecendo uma categorização em que o subdivide em quatro etapas:
1. a administração dos recursos naturais; 2. o controle da poluição industrial; 3. o planejamen-
to territorial; e 4. a gestão integrada de recursos naturais.
A primeira etapa, que deu início às primeiras ações em relação à proteção do meio
ambiente em território nacional, teve início em 1934, no primeiro mandato do presidente Ge-
túlio Vargas, com a criação do Código das Águas, do Código de Minas e do Código Florestal
Brasileiro, além da criação, em 1937, do Parque Nacional de Itatiaia e da legislação de prote-

36 Geógrafo, Doutor em Geografia Física / USP. Pesquisador Científico do Instituto Florestal / SMA-SP.
37 Geógrafa. Mestre em Geografia Física / USP.
119

ção ao patrimônio histórico e artístico nacional. O quadro se completou com a instituição do


Código de Pesca em 1938.
Essa primeira etapa se caracterizou pelo controle do Estado sobre a utilização dos
recursos naturais, por meio da instituição de áreas de preservação permanente e áreas legal-
mente protegidas, em especial, os Parques Nacionais, ficando vetadas as possibilidades de
ocupação e uso humano dessas áreas. Coube ao Estado, desta forma, a administração, con-
trole, fiscalização e outorga da utilização dos recursos naturais no Brasil.
Um exemplo claro desta postura é o Código de Mineração, que além de definir crité-
rios para a prospecção e exploração de jazidas, dissociou o direito de propriedade do solo do
direito de exploração do subsolo, ficando este último sob domínio da União.
Em relação às áreas protegidas, Brito (2000) destaca que o Serviço Florestal já havia
sido criado em 1921 pelo Decreto legislativo nº. 4.421, com o encargo de orientar, fiscalizar,
coordenar e elaborar programas de trabalho para os “Parques Nacionais”. Em 1963 o Serviço
Florestal foi substituído pelo Departamento de Recursos Naturais Renováveis, que foi trans-
formado no Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento Florestal (IBDF) pelo decreto-lei nº.
289 de 1967, como uma autarquia do Ministério da Agricultura.
A segunda etapa teve início com a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente
(SEMA) em 1973, pelo Decreto Federal nº. 73.030, um ano após a realização da Conferência
de Estocolmo. A criação da SEMA foi uma resposta às pressões internacionais, devido à con-
siderada má participação do Brasil naquela Conferência Internacional, demonstrando uma
postura reacionária em relação aos problemas ambientais em discussão. A criação desta Secre-
taria, que inicialmente esteve vinculada ao Ministério do Interior, marca o início da criação de
uma série de outros órgãos responsáveis pela fiscalização e controle de poluição industrial.
Segundo Nogueira Neto (1991), a criação da SEMA objetivou a conservação do meio
ambiente e o uso racional dos recursos naturais, com ênfase no controle da poluição, educa-
ção ambiental e conservação de ecossistemas. A SEMA promoveu o estabelecimento de Esta-
ções Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental, duas novas categorias de proteção em relação
aos Parques Nacionais e Reservas Biológicas criadas e administradas pelo IBDF.
A terceira etapa teve início com a formulação de um conjunto de instrumentos de pro-
teção ambiental e podem ser destacadas as leis metropolitanas de zoneamento industrial e de
proteção dos mananciais, os planos de zoneamento de uso e ocupação do solo e os planos de
zoneamento para bacias hidrográficas. A Lei nº. 6.766, de 19/12/1979, que definiu as diretrizes
de parcelamento do uso do solo urbano e a Lei nº. 6.803, de 02/07/80, que estabeleceu as
diretrizes de zoneamento industrial podem ser citadas como exemplos dessa fase.
Segundo a análise de Monosowski (1989), as ações de controle implementadas nesta
fase estão voltadas para o setor privado e os projetos governamentais são objeto de controle,
apenas, no caso de pressões externas exercidas por agências de financiamento internacio-
nal.
A quarta e última fase iniciou-se com a promulgação da Lei nº. 6.938, de 31 de agosto
de 1981, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente e o Sistema Nacional de Meio Am-
biente (SISNAMA), estabelecendo os órgãos responsáveis pela gestão dos recursos naturais
em âmbito nacional.
O que caracteriza essa etapa é a pretensão de uma gestão integrada dos recursos natu-
rais, com a participação de órgãos governamentais, da iniciativa privada e da sociedade civil
organizada. A sua consolidação se deu com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988,
que dedica um capítulo ao Meio Ambiente e o torna um bem comum de todos, incumbindo
ao Estado e à coletividade a responsabilidade pela manutenção de sua qualidade.

Em 1989, o governo federal criou o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
120

Renováveis (IBAMA), regulamentado pela Lei nº. 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, fundindo
a SEMA a órgãos de florestas, pesca e borracha. Conforme ressaltou BRITO (2000), O IBAMA
resultou da consolidação das instituições de meio ambiente anteriormente existentes, como
o IBDF (Secretaria da Agricultura), a SEMA (Ministério do Interior) e das Superintendências
do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e do Desenvolvimento da Borracha (SUDHEVEA),
ambas do Ministério da Agricultura.

Deve ser também citada em relação à temática ambiental, a Política Nacional de Recur-
sos Hídricos (lei nº. 9.433/97), que visa ao gerenciamento dos recursos hídricos em território
nacional por meio da delimitação de bacias hidrográficas e da formação de comitês para a
sua gestão.
Também merece destaque a Lei de Crimes Ambientais de 1998, que prevê a responsa-
bilização e a aplicação de penalidades para os causadores de danos ao meio ambiente. Além
disso, foram estabelecidas uma série de normas e critérios para a utilização dos recursos natu-
rais, visando à manutenção da qualidade ambiental e à recuperação de áreas degradadas.
No que diz respeito à participação do setor privado, devem ser mencionados os siste-
mas de certificação ambiental, como por exemplo, os selos ISO 14.000 e ISO 14.001, concedi-
dos para empresas que adotem práticas que promovam a diminuição dos impactos causados
ao meio ambiente, bem como a obrigatoriedade de licenciamento e estudo de impactos am-
bientais para a instalação de empreendimentos e atividades potencialmente danosas ao meio
ambiente.
Medeiros (2004) reconhece as unidades de conservação como um instrumento geopo-
lítico de controle do território, entendendo que a política de criação de áreas protegidas no
Brasil é resultado de um longo e lento processo de aparelhamento e estruturação do Estado.
Este autor destaca três grandes fases no movimento de criação de unidades de conservação
no país:

a) Os primeiros anos da República até 1963, mas, sobretudo na década de 30, que marca
o surgimento os primeiros instrumentos legais voltados para a criação de áreas prote-
gidas no país, cuja culminância é a instituição do primeiro Parque Nacional;
b) O período que compreende a ditadura militar (1964-1984), quando os instrumentos
criados no período anterior são revisados e outros novos são instituídos. A criação
de áreas protegidas toma uma dimensão nacional, fruto da estratégia geopolítica do
Estado de integrar e desenvolver todas as regiões do país;
c) Pós 1985. A redemocratização do país levou a uma nova fase de expansão e reestru-
turação da proteção da natureza no país, tendo como resultado prático uma clara
mudança de estratégia em relação à tradição empregada nos períodos anteriores.

O estabelecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação em 2000, pela lei


federal nº. 9.985, representou um marco fundamental neste processo. A seguir passaremos à
análise dos principais marcos legais que caracterizam a evolução das políticas ambientais no
Brasil.

O CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO

Uma das mais importantes leis federais para a conservação da natureza em território
nacional é o Código Florestal Brasileiro, que teve a sua primeira versão promulgada em 1934,
sendo substituída pela Lei nº. 4771, de 1965, posteriormente alterada pela lei nº. 7803, de
121

1989, e pela Medida Provisória nº. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001.


O Código Florestal instituiu, entre outros aspectos, as Áreas de Preservação Permanen-
te, destinadas exclusivamente à proteção integral dos recursos naturais, sendo proibido qual-
quer tipo de uso; e a Reserva Legal, parcela da propriedade rural obrigatoriamente reservada
para a proteção ambiental.
Área de Preservação Permanente foi definida na Medida Provisória nº. 2.166-67, de
24.08.2001, como:

área protegida nos termos dos artigos 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação na-
tiva, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o
bem-estar das populações humanas.

Também são consideradas de preservação permanente, embora necessitando de De-


claração do Poder Público (federal, estadual ou municipal), as florestas e demais formas de
vegetação natural destinadas: a) a atenuar a erosão de terras; b) a fixar as dunas; c) a formar
as faixas de proteção ao longo das rodovias e ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território na-
cional; e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; f) a asilar
exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção; g) a manter o ambiente necessário à
vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de bem-estar público.
Para efeito da aplicação da referida lei, foram consideradas áreas de preservação per-
manente:

a) Ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal
cuja largura mínima seja:
1) de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2) de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta)
metros de largura;
3) de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzen-
tos) metros de largura;
4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 500
(quinhentos) metros de largura;
5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600
(seiscentos) metros;
b) Ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais;
c) Nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a
sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 metros de largura;
d) No topo de morros, montes, montanhas e serras (terço superior);
e) Nas encostas ou partes destas com declividade superior a 45º;
f) Nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) Nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nun-
ca inferior a 100 metros em projeções horizontais;
h) Em altitude superior a 1.800 metros, qualquer que seja a vegetação.

A retirada da vegetação em Áreas de Preservação Permanente só é admitida em virtude


da necessidade de execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública e
interesse social, devendo obter autorização prévia do Poder Executivo Federal. São conside-
radas de utilidade pública as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; as obras
essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e
energia; e as demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do CONA-
MA – Conselho Nacional de Meio Ambiente.
São consideradas de interesse social as atividades imprescindíveis à proteção da in-
122

tegridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle
da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme
resolução do CONAMA; as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pe-
quena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não
prejudiquem a função ambiental da área; e as demais obras, planos, atividades ou projetos
definidos em resolução do CONAMA.
Reserva Legal foi definida na Medida Provisória nº. 2.166-67, de 24.08.2001, como:

área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação


permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilita-
ção dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de
fauna flora nativa.

O percentual da propriedade que deve ser declarado como Reserva Legal não é uni-
forme em todo país, variando de acordo com a região em que está situada. Em 1996, o Có-
digo Florestal foi alterado por meio de Medida Provisória editada pelo Presidente da Repú-
blica, que ampliou o percentual das Reservas Legais em cada propriedade rural. No caso da
Amazônia, que apresentava elevados índices anuais de desmatamento registrados por meio
de imagens de satélite, passou de 50% para 80% da propriedade. No restante do país, passou
de 20% para 50%.
Depois de ampla discussão com a bancada ruralista no Congresso Nacional, que rei-
vindicava a diminuição do percentual correspondente à Reserva Legal na Amazônia, que era
de 80%, houve uma alteração pela Medida Provisória 2.166-67, ficando a distribuição atual
da seguinte forma: 80% em área de floresta localizada na Amazônia Legal; 35% em área de
cerrado localizada na Amazônia Legal; 20% em área de floresta ou outras formas de vegetação
nativa nas demais regiões do País; 20% em área de campos gerais localizada em qualquer
região do país.
Segundo Guillaumon (2000), além de reduzir os percentuais das APPs e Reservas Le-
gais, a bancada ruralista também pretendia permitir o uso econômico das APPs. O autor
explica que as APP não são indenizáveis por não serem de uso econômico e representam,
em média, 30% a menos no valor das indenizações pagas aos proprietários desapropriados,
principalmente, para criação de Unidades de Conservação. Desta forma, se a proposta de per-
missão do uso econômico das APPs fosse aprovada, o valor das indenizações em processos
de desapropriações para fins de reforma agrária ou para criação de Parques, Estações Ecoló-
gicas e outras Unidades de Conservação aumentaria significativamente.
Segundo Brandão (2001), prevalece atualmente no direito brasileiro o princípio da fun-
ção social da propriedade, de acordo com artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal de 1988, o
que condiciona o seu uso à satisfação do interesse coletivo. Para ele, a Constituição de 1988
consagrou a trilogia propriedade, função social da propriedade e proteção ambiental, apon-
tando a utilização adequada dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente como
requisitos básicos para o cumprimento da função social da propriedade rural.
A Constituição Federal definiu os seguintes requisitos para o atendimento da fun-
ção social da propriedade: 1) propriedade urbana - atender às exigências fundamentais de
ordenação da cidade contidas no plano diretor, que é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana obrigatório para as cidades com
mais de vinte mil habitantes; 2) propriedade rural – a) aproveitamento racional e adequado;
b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; c)
observância das disposições que regulam as relações de trabalho; d) exploração que favoreça
o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (BRANDÃO, 2001)
123

Assim, as APPs e as Reservas Legais instituídas pelo Código Florestal fazem parte dos
limites internos do direito de propriedade, tendo em vista a manutenção do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem comum de todos e essencial à sadia qualidade de vida,
conforme preconiza a Constituição brasileira de 1988.

A POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE

A Lei nº. 6.939, de 31 de agosto de 1981 (regulamentada pelo Decreto nº. 99.274, de 06
de junho de 1990), estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente, instituindo o Sistema
Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), bem como o Cadastro Técnico Federal de Atividades
e Instrumentos de Defesa Ambiental. No artigo 2º, são apresentados os objetivos da Política
Nacional de Meio Ambiente, conforme segue:

A Política Nacional de Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recu-
peração da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao
desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da
dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

Dentre os princípios apresentados pela referida Política, destaca-se o que se refere ao


controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras.
Dentre os conceitos a serem empregados na implementação desta Política, destaca-se
o de Meio Ambiente, pelo fato de ser a primeira vez em que é definido legalmente, e o de
Recursos Ambientais:

I – meio ambiente – o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,


química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
V – recursos ambientais – a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os
estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera.

No artigo 4º da Lei 6.939/81, ficou definido que a Política Nacional do Meio Ambiente
visará:

I – à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualida-


de do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;
III – ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas
ao uso e manejo de recursos ambientais
VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racio-
nal e disponibilidade permanente, concorrendo para manutenção do equilíbrio ecológico
propício à vida.
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os
danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com
fins econômicos.

A seguir, são apresentados alguns dos instrumentos definidos pela Política Nacional de
Meio Ambiente, definidos na Lei federal supra-citada:

I – O estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;


II – O zoneamento ambiental;
III – A avaliação de impactos ambientais;
IV – O licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;
V – Os incentivos à produção e instalação de equipamentos e criação e absorção de tecnologia;
VI – A criação de RESECs, APAs, e ÁRIES (Federal/Estadual/Municipal);
124

VII – O sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;


VIII – O Cadastro Técnico Federal de Atividades e instrumentos de defesa ambiental
X – As penalidades disciplinares e compensatórias.

Os itens e artigos destacados demonstram que a Política Nacional do Meio Ambiente


busca estabelecer padrões e critérios para a utilização dos recursos naturais, por meio de
medidas restritivas, como o zoneamento, o licenciamento e a avaliação de impactos, com o
intuito de manter o controle sobre as atividades potencialmente danosas ao meio ambiente.
A Lei também define os órgãos e competências relacionadas à implementação e apli-
cação da Política, estabelecendo uma estrutura hierárquica de atuação, bem como as respon-
sabilidades atribuídas a cada componente do Sistema.
De acordo com MMA (1998), a estrutura do SISNAMA apresenta a seguinte configura-
ção: I - Órgão Superior - Conselho de Governo; II - Órgão Consultivo Deliberativo - Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); III - Órgão Central - Ministério do Meio Ambiente,
dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal; IV - Órgão Executor - Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); V - Órgãos Setoriais - Órgãos ou en-
tidades da Administração Pública Federal direta ou indireta, fundações e órgãos e entidades
estaduais; VI - Órgãos Locais - órgãos ou entidades estaduais e municipais.
O Conselho de Governo é um Colegiado Interministerial, que funciona como Órgão
Superior, tendo como finalidade assessorar o Presidente da República na formulação de po-
líticas relacionadas ao meio ambiente. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA)
funciona como Órgão Consultivo-Deliberativo, sendo responsável pela formulação de normas
e padrões de qualidade ambiental a serem aplicados nos Estados da Federação.
O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) é
o Órgão Executivo do Sistema, sendo responsável pela implementação e aplicação da Política,
concentrando atribuições relativas à fiscalização e controle, bem como à administração das
Unidades de Conservação em nível federal. Em 2007, o IBAMA sofreu uma reformulação que
o dividiu em dois, o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (responsável
pela administração e controle das Unidades de Conservação), e o IBAMA (responsável pelos
licenciamentos, exclusivamente).
Cabe ao Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal
(MMA), como Órgão Central, coordenar o Sistema e promover a articulação entre os órgãos
que o compõem. O MMA possui diversas Comissões para o tratamento de assuntos específi-
cos, das quais estão destacadas no organograma a Comissão de Políticas de Desenvolvimento
Sustentável e da Agenda 21 Nacional, criada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso
em 1997, com o intuito de implementar a Agenda 21 brasileira; e o Fundo Nacional do Meio
Ambiente (FNMA), que seleciona e financia projetos que visem à defesa do meio ambiente,
contando com empréstimos do BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desen-
volvimento, doações e uma parcela do orçamento.
O Sistema conta ainda com Órgãos Setoriais, como as Secretarias e Fundações da Ad-
ministração Pública federal, direta e indireta, e Órgãos Locais, constituídos por órgãos e enti-
dades estaduais e municipais responsáveis pela aplicação da Política, controle e fiscalização
das atividades em sua área de atuação. É importante destacar a possibilidade de participação
da sociedade civil organizada, que tem representantes na maioria dos Órgãos Colegiados do
Sistema, inclusive no Fundo Nacional de Meio Ambiente, no CONAMA e no Conselho de
Governo.
É permitido aos Estados e Municípios formular a sua Política de Meio Ambiente, esta-
belecendo um Sistema de gestão, controle e fiscalização, com leis específicas, de acordo com
as competências estabelecidas pela Constituição Federal.
125

O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

A Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1998) tem o Capítulo VI destinado ao Meio


Ambiente, incluído no Título VIII – Da Ordem Social, determinando que todo cidadão tem o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e o Poder Público tem a responsabili-
dade de criação e gerenciamento de áreas de proteção ambiental no país:

Art. 225 - Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso co-
mum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coleti-
vidade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Dentre as incumbências delegadas ao Poder Público no § 1º, destacou-se a III, que se


refere à criação de áreas legalmente protegidas em território nacional, e a IV, relativa à obriga-
toriedade de avaliação de impacto ambiental de obra ou atividade potencialmente danosa ao
meio ambiente, um dos instrumentos da Política Nacional estabelecida em 1981, demonstran-
do a tendência à restrição e controle, no que diz respeito à utilização dos recursos naturais:

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a


serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através
de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifi-
quem sua proteção;
IV – Exigir, na forma de lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que
se dará publicidade;

Os parágrafos 2º e 3º do referido artigo corroboram a tendência da legislação federal


a responsabilizar e punir os causadores de impactos ambientais, impondo a obrigatoriedade
de reparo dos danos causados e mencionando a possibilidade de sansões penais e adminis-
trativas, conforme segue:

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente de-
gradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma
da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sansões penais e administrativas, independentemente da obri-
gação de reparar os danos causados.

O 4º parágrafo do artigo em questão considera algumas áreas do território brasileiro


como patrimônio nacional, em detrimento de outras, como por exemplo as recobertas por
Cerrado e Caatinga:

§ 4º. A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-
Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da
lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto
ao uso dos recursos naturais.

Em relação à distribuição de competências, no que tange ao meio ambiente, ficou es-


tabelecido que cabe exclusivamente à União: explorar, diretamente ou mediante autorização,
os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos d’água,
em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; planejar e
promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente, as secas e as
inundações; instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios
126

de outorga de direitos de seu uso.


É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os
monumentos, as paisagens notáveis e os sítios arqueológicos; proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas; preservar as florestas, a fauna e a flora;
registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de re-
cursos hídricos e minerais em seus territórios.
A Constituição determina que os Estados devem organizar-se e reger-se pelas Cons-
tituições e leis que adotarem, enquanto que aos Municípios cabe legislar sobre assuntos de
interesse local, com a possibilidade de suplementar a legislação federal e estadual no que
couber, e promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamen-
to e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
No que diz respeito aos aspectos legais, ficou estabelecido que compete privativamen-
te à União legislar sobre: águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; regime
dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; jazidas, minas, outros
recursos minerais e metalurgia; populações indígenas; atividades nucleares de qualquer na-
tureza.
Ficou estabelecido, também, que a União, os Estados e o Distrito Federal devem legis-
lar concorrentemente sobre os seguintes assuntos: florestas, caça, pesca, fauna, conservação
da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle
da poluição; proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; res-
ponsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.
Abaixo segue a distribuição de bens entre União e Estados, baseado nos Artigos 20º
do Capítulo II e 26º do Capítulo III da Constituição Federal de 1988.

Capítulo II – Da União. Art. 20 – São bens da União:


I – os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II – as terras devolutas indispensáveis à defesa da fronteiras, das fortificações e construções mi-
litares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III – os lagos, os rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que ba-
nhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território es-
trangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as
ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, as áreas referidas no art. 26, II;
V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI – o mar territorial;
VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII – os potenciais de energia hidráulica;
IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X – as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Capítulo III – Dos Estados Federados. Art. 26 - Incluem-se entre os bens dos Estados:
I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste
caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas
sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
III – as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV – as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
127

O DECRETO FEDERAL 750

O Decreto Federal nº. 750, de 10 de fevereiro de 1993, proibiu o corte, a exploração


e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração no
domínio da Mata Atlântica.
Para efeito de aplicação da lei, foram consideradas como integrantes deste Domínio
as formações classificadas como Floresta Ombrófila Densa Atlântica, Floresta Ombrófila Mis-
ta, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual,
manguezais, restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordes-
te, segundo a delimitação estabelecida pelo Mapa de Vegetação do Brasil do IBGE de 1988.
A supressão de vegetação inclusa nessas formações, em estágio avançado ou médio de
regeneração, só é legalmente permitida em casos de execução de obras, planos, atividades ou
projetos de utilidade pública ou interesse social, com a apresentação de EIA/RIMA, anuência
do IBAMA e autorização do CONAMA.
O Decreto 750 também proíbe a exploração de vegetação com função de proteção de
espécies da flora e fauna silvestres ameaçados de extinção, bem como do entorno de uni-
dades de conservação e em áreas de preservação permanente (APP) definidas pelo Código
Florestal Brasileiro. Também são proibidas de utilização as formações vegetais que formam
corredores entre remanescentes de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de
regeneração.
Alguns juristas defendem a inconstitucionalidade deste Decreto, alegando que ele im-
põe restrições em nível de direitos e deveres, o que segundo a Constituição Federal, só pode
ser efetuado via Lei. Cabe aos decretos, resoluções, portarias etc., regulamentar o que foi
estabelecido em lei, especificando os trâmites, formas, padrões e limites para a sua efetiva
aplicação. No caso das Resoluções CONAMA, que tem força de lei, elas são editadas para re-
gulamentar o que determina a Lei 6.939/81, que criou a Política Nacional de Meio Ambiente.
Porém, o fato é que o Decreto 750 tem sido aplicado e, ainda é, do ponto de vista legal, um
dos principais instrumentos de proteção dos remanescentes florestais do Domínio da Mata
Atlântica.

O SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA (SNUC)

O Plano do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), elaborado pelo


Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e Fundação Brasileira para a Conser-
vação da Natureza (FBCN) em duas etapas (1979 e 1982), transformou-se em Projeto de Lei
em 1992.
Após ampla discussão no Congresso Nacional, foi aprovado na Câmara Federal no ano
de 1999 e recebeu a sanção presidencial em 18 de julho de 2000, transformando-se na Lei nº.
9.985 (BRASIL, 2000). Esta lei instituiu oficialmente o Sistema Nacional de Unidades de Con-
servação brasileiro, definindo as categorias de áreas protegidas e suas respectivas finalidades,
objetivos, premissas e normas a serem seguidas em âmbito federal. Unidade de Conservação
foi definida como:

Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com carac-
terísticas naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam
garantias adequadas de proteção.
128

Conservação da natureza foi definida como:

O manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a uti-


lização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa pro-
duzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial
de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência
dos seres vivos em geral.

Preservação foi definida como:

conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo das es-
pécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo
a simplificação dos sistemas naturais.

As unidades de conservação integrantes do SNUC foram divididas em duas categorias:


Proteção Integral (Quadro 7.1) e Uso Sustentável (Quadro 7.2).
Nas unidades de proteção integral não é permitida a utilização direta dos recursos am-
bientais, sendo dada ênfase à preservação dos ecossistemas presentes no interior da unidade.
Entre os usos possíveis, estão a pesquisa científica e a visitação pública para fins de educação
e recreação em contato com a natureza. Nas categorias Estação Ecológica e Reserva Biológica,
a visitação é permitida exclusivamente para fins de educação ambiental, desde que previa-
mente autorizadas pela administração da unidade.

Quadro 7.1 – Unidades de Proteção Integral do SNUC (Lei no 9.985)


CATEGORIA Posse / Visitação Pesquisa
Objetivos
Domínio Pública Científica
Depende de
E s t a ç ã o Preservação da natureza e realização de pesquisas Proibida, exceto com autorização prévia
Público
Ecológica científicas objetivos educacionais do órgão responsável
pela UC
Depende de
Preservação integral da biota e demais atributos naturais
R e s e r v a Proibida, exceto com autorização prévia
existentes em seus limites, sem interferência humana direta Público
Biológica objetivos educacionais do órgão responsável
ou modificações ambientais.
pela UC
Preservação de ecossistemas naturais de grande relevância Permitida. Sujeita às
Depende de
ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de normas e restrições
P a r q u e autorização prévia
pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades Público estabelecidas no
Nacional do órgão responsável
de educação e interpretação ambiental, de recreação em Plano de Manejo da
pela UC
contato com a natureza e de turismo ecológico. Unidade.
Permitida. Sujeita às
Depende de
normas e restrições
Monumento Preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande Público / autorização prévia
estabelecidas no
Natural beleza cênica. Privado do órgão responsável
Plano de Manejo da
pela UC
Unidade
Permitida. Sujeita às
Depende de
R e f ú g i o Proteger ambientes naturais onde se assegurem condições normas e restrições
Público / autorização prévia
de Vida para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades estabelecidas no
Privado do órgão responsável
Silvestre da flora local e da fauna residentes ou migratória Plano de Manejo da
pela UC
Unidade
(Fonte: BRASIL, 2000 / Organização: GALLO JUNIOR, 2004)

Nas categorias de uso sustentável é possível o uso direto dos recursos ambientais38,
desde que seja efetuado de forma a garantir a sua manutenção, de acordo com as diretrizes e
restrições do plano de manejo elaborado para a área.
Por meio do Decreto nº. 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta alguns

38 Na lei 9.9.985 é apresentada a seguinte definição para recurso ambiental: “a atmosfera, as águas
interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da
biosfera, a fauna e a flora”.
129

artigos da Lei nº. 9.985, a Reserva da Biosfera foi incorporada como mais uma categoria de
proteção integrante do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).
No referido Decreto, a Reserva da Biosfera é definida como:

um modelo de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, que tem
por objetivos básicos a preservação da biodiversidade e o desenvolvimento das atividades
de pesquisa científica, para aprofundar o conhecimento dessa diversidade biológica, o mo-
nitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvolvimento sustentável e a melhoria
da qualidade de vida das populações.

QUADRO 7.2 – Unidades de Uso Sustentável do SNUC (Lei nº. 9.985)


Posse /
CATEGORIA Objetivos Observações
Domínio
Área em geral extensa, com certo grau de ocupação Disporá de um Conselho
humana, dotada de atributos bióticos, estéticos ou presidido pelo órgão responsável
culturais especialmente importantes para a qualidade por sua administração e
Área de Proteção Público /
de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem constituído por representantes
Ambiental Privado
como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, dos órgãos públicos, de
disciplinar o processo de ocupação e assegurar a organizações da sociedade civil
sustentabilidade do uso dos recursos naturais. e da população residentes.
Área em geral de pequena extensão, com pouca ou
nenhuma ocupação humana, com características naturais
extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota
Área de Relevante Público /
regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas
Interesse Ecológico Privado
naturais de importância regional ou local e regular o
uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo
com os objetivos de conservação de natureza.
Área com cobertura florestal de espécies É admitida a permanência de
predominantemente nativas e tem como objetivo populações tradicionais.
Floresta Nacional básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais Público Visitação e pesquisa permitidas.
e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para Disporá de um Conselho
exploração sustentável de florestas nativas. Consultivo.
Área utilizada por populações extrativistas tradicionais,
Será gerida por um Conselho
cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, Público.
Deliberativo.
complementarmente, na agricultura de subsistência e Uso concedido
R e s e r v a Visitação pública e pesquisa
na criação de animais de pequeno porte, e tem como às populações
Extrativista permitidas.
objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura extrativistas
Exploração de recursos minerais
dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos tradicionais
e caça amadorística proibidas.
recursos naturais da unidade.
Área natural com populações animais de espécies Visitação permitida.
Reserva de Fauna
nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, É proibido o exercício da caça
Público
adequadas para estudos técnico-científicos sobre o amadorística ou profissional.
manejo econômico sustentável de recursos faunísticos
Área natural que abriga populações tradicionais,
cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de
exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao Será gerida por um Conselho
Público.
longo de gerações e adaptados às condições ecológicas Deliberativo.
Uso concedido
locais e que desempenham um papel fundamental na Visitação e pesquisa permitidas.
às populações
proteção da natureza e na manutenção da diversidade É admitida a exploração de
Reserva de tradicionais, sendo
biológica. Tem como objetivo básico preservar a componentes dos ecossistemas
Desenvolvi-mento regulado de acordo
natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições naturais em regime de manejo
Sustentável com o disposto no
e os meios necessários para a reprodução e melhoria sustentável e a substituição da
Art. 23 desta Lei e
dos modos e da qualidade de vida e exploração dos cobertura vegetal por espécies
regulamen-tação
recursos naturais das populações tradicionais, bem cultiváveis.
específica.
como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento
e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por
estas populações
Só serão permitidas a pesquisa
Reserva Particular
Área privada, gravada com perpetuidade, com o científica e a visitação com
do Patrimônio Privado
objetivo de conservar a diversidade biológica. objetivos turísticos, recreativos
Natural.
e educacionais.
Fonte: BRASIL (2000) / Organização: GALLO JUNIOR (2004)

A responsabilidade pelo seu gerenciamento fica a cargo da Comissão Brasileira para o


Programa “O Homem e a Biosfera” - COBRAMAB, de que trata o Decreto de 21 de setembro
de 1999, com a finalidade de planejar, coordenar e supervisionar as atividades relativas ao
Programa.
Maretti (2001) efetuou uma correlação entre as categorias de manejo do sistema nacio-
130

nal unidades de conservação no Brasil e a classificação internacional estabelecida em 1994


pela UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza, encontrando a seguinte
correspondência:

 Categoria I – Proteção estrita – com fins principalmente de preservação e pesquisa


científica, correspondendo aproximadamente às nossas Reservas Biológicas e Esta-
ções Ecológicas;
 Categoria II – Conservação de ecossistemas e turismo – para fins principalmente de
conservação, pesquisa e turismo, correspondendo aproximadamente aos nossos Par-
ques Nacionais, Estaduais e Municipais;
 Categoria III – Conservação de características naturais específicas – correspondendo
aproximadamente aos usualmente chamados Monumentos Naturais;
 Categoria IV – Conservação com gestão ativa – com manejo ativo de habitats naturais
e espécies, praticamente sem correspondentes diretos no Brasil;
 Categoria V – Conservação de paisagens territoriais, geográficas de terra e mar – in-
cluindo o uso humano integrado e harmônico, correspondendo aproximadamente às
nossas Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
 Categoria VI – Uso sustentável dos ecossistemas – incluindo o manejo dos recursos
da área protegida, preferencialmente por comunidades locais e tradicionais, corres-
pondendo aproximadamente às nossas Reservas Extrativistas e Florestas Nacionais,
Estaduais e Municipais.

O Decreto Federal 4.340/2002 regulamentou aspectos relativos à criação das unidades


de conservação, enfocando a necessidade de estudos técnicos e a obrigatoriedade de reali-
zação de consulta pública; à elaboração do Plano de Manejo das unidades de conservação; à
autorização para exploração de bens e serviços nas unidades de conservação; à compensação
por significativo impacto ambiental; ao reassentamento das populações tradicionais, que ha-
bitam o interior de unidades de conservação de Proteção Integral; ao Mosaico de unidades
de conservação, estabelecendo diretrizes para a constituição de um Conselho de Mosaico; à
formação de Conselho Consultivo e Deliberativo para assessorar a gestão das unidades de
conservação; e à gestão compartilhada das unidades de conservação.
Em relação à gestão do SNUC, que é constituído pelo conjunto de Unidades de Con-
servação federais, estaduais e municipais, o Conselho Nacional de Meio Ambiente ficou com
a responsabilidade de acompanhar a implementação do Sistema; o Ministério do Meio Am-
biente com a responsabilidade de coordenar o Sistema; e o IBAMA e órgãos estaduais e mu-
nicipais de caráter executivo, com a responsabilidade de implementar o Sistema e administrar
as unidades de conservação.
O artigo 21º do Decreto de regulamentação do SNUC trata da possibilidade de gestão
compartilhada das unidades de conservação integrantes do Sistema com Organização da So-
ciedade Civil de Interesse Público - OSCIP, o que deve ser efetuado por meio de termo de
parceria firmado junto ao órgão executor.
Desta forma, abriu-se a possibilidade de gestão de unidades de conservação por orga-
nizações não governamentais, sendo delas solicitado, para tanto, dois requisitos básicos: que
tenham dentre seus objetivos institucionais a proteção do meio ambiente ou a promoção do
desenvolvimento sustentável; e que comprovem a realização de atividades de proteção do
meio ambiente ou desenvolvimento sustentável, preferencialmente na unidade de conserva-
ção ou no mesmo bioma.
Algumas categorias do SNUC permitem a presença de populações humanas no seu
interior, como as Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais e Reservas de Desenvolvimento
131

Sustentável. Porém, nas unidades de proteção integral, a presença humana não é legalmente
permitida. Um grande problema para a gestão dessas áreas é o fato de que grande parte das
unidades de conservação de proteção integral brasileiras possuem comunidades vivendo no
seu interior. A legislação determina que essas pessoas sejam realocadas, sendo sua permanên-
cia permitida apenas de forma temporária nas unidades de conservação, devendo ser regu-
lada por contratos estabelecidos junto ao órgão gestor. O artigo da lei do SNUC, que tratava
da conceituação sobre as comunidades tradicionais, foi vetado na íntegra, o que dificulta a
caracterização e a tomada de decisões em relação a estas populações.
Outro aspecto fundamental no SNUC é a questão da posse e domínio das terras pro-
tegidas pelas unidades de conservação. A presença conjunta de terras de domínio público e
privado é permitida em algumas categorias, como as APAs, ARIEs, Monumentos Naturais e
Refúgios de Vida Silvestre. Porém, a lei determina que nos Parques Nacionais, Reservas Bio-
lógicas, Estações Ecológicas, Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna e
Reservas de Desenvolvimento Sustentável, a posse e o domínio da terra deve ser integralmen-
te do Estado. Desta forma, as terras particulares no interior das unidades das categorias citadas
acima devem ser desapropriadas.
Nas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), a posse e o domínio da terra
são integralmente particulares, sendo que a criação de unidades nesta categoria de manejo de-
pende da iniciativa dos proprietários. As RPPN’s são relativamente recentes, tendo sua criação
se iniciado no início da década de 1990. Segundo os dados do IBAMA39, no ano de 2001 exis-
tiam mais de 300 RPPN’s em território nacional, cobrindo uma área de mais de 450.000 ha.

AVALIAÇÃO DE IMPACTOS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Como um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a Ava-


liação de Impacto Ambiental (AIA) consiste em exame sistemático dos impactos ambientais de
uma ação proposta e de suas alternativas locacionais e tecnológicas, proposição de medidas
de proteção ao meio ambiente (medidas mitigadoras) e proposição de medidas de compen-
sação de impactos.

A Resolução CONAMA nº. 001/86 define impacto ambiental como:

... qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, cau-
sada por qualquer forma de matéria ou energia... que, direta ou indiretamente, afetem:
I – a saúde, a segurança e o bem estar da população;
II – as atividades sociais e econômicas;
III – a biota;
IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V – a qualidade dos recursos ambientais.

A Lei Federal nº. 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente) estabeleceu em seu
artigo 10º que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e ati-
vidades que utilizam recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores,
bem como os capazes de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento.
Em seu artigo 225º, a Constituição brasileira de 1988 tornou obrigatória a exigência,
na forma da lei, de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obra ou atividade

39 Dados compilados do site do IBAMA (www.ibama.gov.br). Consulta efetuada em setembro de 2004.


132

potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.


O Artigo 2º da Resolução CONAMA 001/86 condicionou a elaboração de Estudo de Im-
pacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), à aprovação do
órgão estadual competente, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente,
tais como:

I – estradas de rodagem com 2 (duas) ou mais faixas de rolamento;


II – ferrovias
III – portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos;
IV – aeroportos;
V – oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários
de esgotos sanitários;
VI – linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230 kv;
VII – obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos;
VIII – extração de combustível fóssil;
IX – extração de minério, inclusive os de Classe II (Código de Mineração);
X – aterros sanitários, processamento e destino final de
resíduos tóxicos ou perigosos;
XI – usina de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de
energia primária, acima 10 MW;
XII – complexos e unidades industriais e agroindustriais;
XIII – distritos industriais e Zonas Estritamente Industriais;
XIV – exploração econômica de madeira ou lenha (acima de 100 ha.);
XV – projetos urbanísticos, acima de 100 ha.;
XVI – qualquer atividade que utilizar carvão vegetal (acima de 10 t/dia);
XVII – projetos agropecuários que contemplem áreas acima de 1000 ha.

A Resolução CONAMA 237/97 estabeleceu a distribuição de competências no que diz


respeito ao licenciamento ambiental. Ficou definido que os empreendimentos e atividades
serão licenciados em um único nível de poder público, contemplando a opinião das demais
esferas.
Cabe à União o licenciamento de empreendimentos e atividades com significativo im-
pacto ambiental de âmbito nacional ou regional. Aos Estados e Distrito Federal cabe o licen-
ciamento de empreendimentos ou atividades nas seguintes condições:

a) empreendimentos localizados ou desenvolvidos em mais de um Município;


b) em unidades de conservação de domínio estadual;
c) nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente, decor-
rente de normas federais, estaduais ou municipais;
d) empreendimentos ou atividades cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limi-
tes de um ou mais municípios;
e) empreendimentos ou atividades delegados pela União ao Estado por instrumento legal
ou convênio.

Aos municípios foi delegado o licenciamento de empreendimentos ou atividades de


impacto ambiental local e daquelas que lhes forem delegadas pelo Estado por instrumento
legal ou convênio.
É necessária a manifestação do IBAMA quando houver intervenção em área de preser-
vação permanente (APP) e dos órgãos gestores de unidades de conservação, quando houver
intervenção nessas áreas, incluindo o entorno de 10 km estabelecido pela Resolução CONA-
MA 13/90.
133

O processo de licenciamento ambiental é dividido em três fases:

 Licença Prévia (LP) - É concedida na fase preliminar do planejamento do empreendi-


mento ou atividade para aprovação da localização e concepção tecnológica, atestando
a sua viabilidade ambiental. Possui validade de até 5 anos.

 Licença de Instalação (LI) - Autoriza a instalação do empreendimento ou atividade, de


acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados
e condicionantes estabelecidas. Possui validade de até 6 anos.

 Licença de Operação (LO) - Autoriza a operação do empreendimento ou atividade,


após a verificação do efetivo cumprimento do que consta nas licenças anteriores. Pos-
sui validade mínima de 2 anos e máxima de 10 anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da evolução das políticas ambientais brasileiras permite verificar que houve
muitos avanços no que diz respeito ao aumento da capacidade institucional, bem como no
que tange à formulação de uma legislação específica para a conservação da natureza e pro-
teção ambiental.
Existem atualmente leis específicas para diversos temas atinentes à questão ambiental
e seria exaustivo referenciar toda a legislação existente.
A instituição do SNUC pela Lei 9.985/2000 marca a tentativa do estabelecimento de
uma política integrada para as áreas protegidas em território nacional e a sua regulamentação
e aperfeiçoamento contribuirão, significativamente, para a conservação do patrimônio am-
biental brasileiro.
É importante ressaltar, porém, que a maioria dos órgãos responsáveis pela aplicação
da legislação ambiental não dispõem de recursos humanos, técnicos e financeiros suficientes
para promover as atividades de fiscalização e controle sobre os danos causados ao meio am-
biente.
Desta forma, conclui-se que embora exista um amplo aparato legal para a conservação
da natureza e defesa do meio ambiente e dos recursos naturais no Brasil, ainda, não há uma
estrutura administrativa compatível e a operacionalidade adequada para a sua efetiva aplica-
ção.
Quanto ao planejamento da paisagem, é fundamental que se considere, além dos as-
pectos do meio físico, biológico e antrópico, toda a legislação pertinente, principalmente, no
processo de identificação e mapeamento de unidades de paisagem e na análise e elaboração
de projetos que prevêem intervenção direta sobre o território.

REFERÊNCIAS

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Reservas Legais: Proteção ambiental e propriedade. In: Revista de Direito Ambiental V. 22,
Ano 6, abril-junho de 2001, Ed. Revista dos Tribunais, p.114-146, 2001

BRASIL. Lei nº. 4.771/1965 - Institui o Novo Código Florestal Brasileiro.


134

BRASIL. Lei nº. 6.939/1981. Institui a Política Nacional de Meio Ambiente, cria o Sistema
Nacional de Meio Ambiente e o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de
Defesa Ambiental

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de


1988. Brasília, 4º Edição, Ed. Revista dos Tribunais, 74 p., 1988

BRASIL. Lei nº. 9.985, de 18 de Julho de 2000. Regulamenta o art. 224, p. 1º, incisos I, II, III e
VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natu-
reza (SNUC) e dá outras providências.

BRITO, M.C.W. Unidades de Conservação - Intenções e Resultados. São Paulo: FAPESP :


Editora Annablume, 230 p., 2000

GUILLAUMON, J.R. Código Florestal Brasileiro: dados sobre as últimas atualizações do Có-
digo Florestal. São Paulo: Instituto Florestal, 66 p., 2000

MARETTI, C. Comentários sobre a situação das Unidades de Conservação no Brasil. In: Revis-
ta de Direitos Difusos, Vol.5 – fevereiro/2001 – Florestas s Unidades de Conservação.
Brasília, Ed. Esplanada-ADCOAS, p. 633-645, 2001

MEDEIROS, R. A Política de criação de Áreas Protegidas no Brasil: Evolução, contradições e


conflitos. In: Anais do IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Curitiba-PR,
p. 601-611, 2004

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL


(MMA). Primeiro Relatório Nacional para a Conservação sobre Diversidade Biológica
– Brasil. 283 p., 1998

MONOSOWSKI, E. Políticas ambientais e desenvolvimento no Brasil. Cadernos FUN-


DAP. Planejamento e gerenciamento ambiental, 16(9): 15-24, 1989

NOGUEIRA NETO, P. Estações Ecológicas: uma saga de ecologia e de política ambiental.


São Paulo, Editora Empresa das Artes, 103 p., 1991
CAPITULO 8
PLANEJAMENTO E GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Humberto Gallo Junior40


Débora Olivato41

As áreas naturais protegidas ou unidades de conservação, como são designadas no


Brasil, são áreas delimitadas, espacialmente, às quais são atribuídos diversos graus de prote-
ção, com a imposição de restrições à ocupação da terra e ao uso dos recursos naturais, visan-
do à conservação da natureza, à manutenção e melhoria da qualidade ambiental, bem como
ao controle e à manutenção destes recursos para utilização futura.
A criação e implementação de áreas protegidas é a forma mais adequada de se prote-
ger ecossistemas naturais e garantir a conservação a longo prazo de espécies, populações e
comunidades em seu habitat natural.
Recentemente, tem se desenvolvido diversos estudos nas áreas de biologia da conser-
vação, ecologia da paisagem e manejo de ecossistemas, que são fundamentais para subsidiar
o planejamento e manejo das áreas naturais protegidas.
O presente capítulo analisa a evolução do planejamento de áreas naturais protegidas,
apresentando alguns dos principais conceitos, critérios e procedimentos utilizados para o
planejamento e o manejo adequado destas áreas, considerando-se a base legal pertinente e
os avanços trazidos por pesquisas realizadas no meio acadêmico, com foco nas unidades de
conservação de proteção integral42.

Evolução conceitual do planejamento de Sistemas de Unidades de Con-


servação

Paralelamente ao movimento de criação de Parques Nacionais, Reservas Florestais e


outras categorias de proteção em diversos países, ocorreu um processo de estruturação e pla-
nificação das áreas protegidas, na tentativa de estabelecimento de um sistema internacional
com objetivos, conceitos, normas, critérios e categorias de gestão.
Uma das primeiras realizações no âmbito internacional foi a Convenção para Preser-
vação da Fauna e Flora em seu Estado Natural, realizada em Londres em 1933, onde foram
apresentadas algumas diretrizes para os parques nacionais, considerados como áreas:

a) que fossem controladas pelo poder público, e cujos limites não poderiam ser alterados,
onde nenhuma parte poderia estar sujeita a alienação, a menos que decidido pelas autorida-
des legislativas competentes;
b) que fossem estabelecidas para propagação, proteção e preservação da fauna silvestre e
da vegetação nativa, e para a preservação de objetos de interesse estético, geológico, pré-

40 Geógrafo, Doutor em Geografia Física / USP. Pesquisador Científico do Instituto Florestal / SMA-SP
41 Geógrafa. Mestre em Geografia Física / USP.
42 O Sistema Nacional de Unidades de Conservação, instituído pela Lei Federal 9.985/2000, estabeleceu
duas modalidades de categorias de unidades de conservação: Proteção Integral e Uso Sustentável.
136

histórico, arqueológico e outros de interesse científicos, para o benefício e o desfrute do


público em geral;
c) onde a caça, abate ou captura da fauna, e a destruição ou a coleta da flora, deveriam ser
proibidos, exceto sob a direção ou controle das autoridades responsáveis;
d) onde seriam construídas instalações para auxiliar o público em geral a observar a fauna
e a flora. (BRITO, 2000)

Em 1940, foi realizada, em Washington, a Conferência para a Proteção da Flora, da


Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América - “Convenção Panamericana”,
com o objetivo principal de incentivar o comprometimento dos países sul-americanos no pro-
cesso de criação de áreas naturais protegidas.
Um dos grandes marcos internacionais para as áreas naturais protegidas, foi a criação
pela UNESCO da União Internacional para a Proteção da Natureza (UIPN) em 1948 e que, a
partir de 1965, passou a atuar com a denominação de União Internacional para a Conserva-
ção da Natureza (UICN). A UICN é uma organização internacional que reúne organizações
governamentais e não governamentais, com a missão de influenciar e ajudar as sociedades de
todo o mundo a conservar a diversidade e a integridade da natureza e assegurar que qualquer
utilização dos recursos naturais ocorra de maneira eqüitativa e ecologicamente sustentável.
Em 1960, foi criada e instalada a Comissão de Parques Nacionais e Áreas Protegidas
(CPNAP) na UIPN. Em 1996, a CPNAP passou a se chamar Comissão Mundial de Áreas Pro-
tegidas (CMAP), pelo fato de os Parques Nacionais serem somente uma das diversas formas
atualmente possíveis para as áreas protegidas, termo genérico tradicionalmente utilizado pela
UICN. A CMAP é uma das seis comissões que atualmente integram a IUCN e sua missão é
promover o estabelecimento e gestão de uma rede mundial de áreas protegidas terrestres e
marinhas.43
Em 1962, foi realizada em Seatle (EUA) a I Conferência Mundial sobre Parques, mar-
cando o início de uma série de encontros internacionais para discussão de uma política inter-
nacional em relação a essa categoria de proteção. Em 1972, o Congresso Mundial de Parques
foi realizado em Yellowstone (EUA); em 1982, em Bali (Indonésia); em 1992 em Caracas
(Venezuela) e em 2002, em Durban (África do Sul).
Na 10º Assembléia Geral da UICN, realizada, em 1969, em Nova Delhi, foi concluído
que um Parque Nacional deveria possuir uma área relativamente extensa e respeitar às se-
guintes condições:

a) que um ou mais ecossistemas não estivessem materialmente alterados pela exploração e


ocupação humana, e onde espécies de plantas e animais, e sítios geomorfológicos e habitats
fossem de especial interesse científico, educacional e recreativo, ou contivessem paisagens
naturais de grande beleza;

b) que a mais alta autoridade competente do país tomasse medidas no sentido de prevenir
ou eliminar, na medida do possível, a exploração ou a ocupação de toda a área, e manti-
vesse, efetivamente, os aspectos ecológicos, geomorfológicos ou estéticos que justificaram o
estabelecimento das referidas áreas; e

c) que fosse permitida a entrada de visitantes sob condições especiais, para fins educativos,
culturais e recreativos. (BRITO, 2000)

No início da década de 1970, a UNESCO criou uma categoria de proteção de áreas

43 As outras comissões da UICN estão relacionadas à sobrevivência de espécies, direito ambiental,


gestão de ecossistemas, educação e comunicação, e política ambiental, econômica e social.
137

naturais protegidas denominada Reserva da Biosfera, com o objetivo de delimitar áreas nos
países membros da ONU para a proteção dos ecossistemas naturais e para a realização de
pesquisas científicas. Essa categoria reconhecida, internacionalmente, incorporou a questão
da ocupação humana dessas áreas, o que normalmente vinha sendo desconsiderado em ou-
tras categorias, como os Parques Nacionais. De acordo com a UNESCO (1984), as principais
premissas das Reservas da Biosfera são:

O envolvimento dos tomadores de decisão e a população local em projetos de pesquisa, trei-


namento e demonstração no campo e a conjunção de disciplinas da área das ciências sociais,
biológicas e físicas para o direcionamento de problemas ambientais complexos.

Segundo Brito (op cit), o princípio de zoneamento em parques nacionais foi incorpo-
rado na 11º Assembléia Geral da UICN, em 1972, em Banff no Canadá, sendo ratificadas pelo
II Congresso Mundial de Parques Nacionais, realizado em Yellowstone, também em 1972. Na
referida Assembléia, foram criadas 11 zonas, que são apresentadas a seguir:

a) Zonas Naturais Protegidas:


Zona de Proteção Integral
Zona de Manejo dos Recursos;
Zona Primitiva ou Silvestre;

b) Zonas Antropológicas Protegidas:


Zona de Ambiente Natural com Culturas Humanas Autóctones;
Zonas com Antigas Formas de Cultivo;
Zona de Interesse Especial;

c) Zonas Protegidas de Interesse Arqueológico ou Histórico:


Zona de Interesse Arqueológico;
Zona de Interesse Histórico.

Brito (2000) menciona também que, em 1978, a IUCN aprovou um sistema de áreas
protegidas, que foi aplicado em muitos países e incluía as seguintes categorias: Reserva Na-
tural Estrita; Parque Nacional; Monumento Natural; Reserva Manejada; Paisagem Protegida;
Reserva de Recursos; Reserva Antropológica; Área de Uso Múltiplo; Reserva da Biosfera; e
Sítio do Patrimônio Mundial.
No final da década de 1970, a União Internacional para a Conservação da Natureza
publicou o documento intitulado “Estratégia Mundial para a Conservação: A Conservação dos
recursos vivos, para um desenvolvimento sustentado” (UICN, 1984), no qual define priorida-
des, estratégias e metodologias para a conservação da natureza em nível global. Neste docu-
mento, a conservação foi definida como:

a gestão da utilização da biosfera pelo ser humano, de tal sorte que produza o maior benefí-
cio sustentado para as gerações atuais, mas que mantenha sua potencialidade para satisfazer
as necessidades e as aspirações das gerações futuras. Portanto, a conservação é positiva e
compreende a preservação, a manutenção, a utilização sustentada, a restauração e a melho-
ria do ambiente natural.

As finalidades da conservação, de acordo com a UICN, são a manutenção dos pro-


cessos ecológicos e dos sistemas vitais essenciais; a preservação da diversidade genética e o
aproveitamento perene das espécies e dos ecossistemas. Na época, a UICN demonstrava uma
preocupação especial com os sistemas agrícolas, devido à má utilização e conseqüente perda
de solos e intensificação do processo de desertificação, bem como com a destruição das matas
138

e a degradação dos sistemas costeiros e das massas d’água continentais.


O referido documento, que sugere um conjunto de estratégias internacionais e nacio-
nais, serviu de base para as políticas ambientais nacionais, sendo suas determinações adota-
das em diversos países.
Também foi sugerida a implementação de um sistema de áreas naturais protegidas
como apoio à manutenção da diversidade genética, um dos requisitos considerados prioritá-
rios para a conservação da natureza. Tal sistema foi designado pela UICN como conservação
In situ, pois as espécies são preservadas em seu ambiente natural. Uma outra forma de apoio
é a conservação Ex situ, em que as espécies são conservadas fora de seu habitat natural, em
jardins zoológicos e botânicos, bancos de germoplasma e de embriões.
Em relação à forma e à dimensão espacial das áreas naturais protegidas, a UICN apre-
senta alguns princípios a serem utilizados para a sua delimitação, a fim de propiciar melhores
condições para a conservação da diversidade genética (Figura 8.1).
Assim, quanto maior for o tamanho da área protegida e quanto maior for o grau de
conectividade entre os fragmentos isolados, maior será a possibilidade de conservação dos
processos ecológicos vitais e da diversidade biológica. Também se reconheceu a necessidade
de minorar o efeito de borda sobre a área abarcada pela unidade de conservação, recomen-
dando-se a imposição de gradientes de proteção no seu entorno, com usos e atividades não
conflitantes com as premissas e objetivos da conservação.
Esses requisitos influenciaram a formulação das políticas ambientais adotadas em di-
versos países e inclusive no Brasil, como pode ser verificado, por exemplo, no capítulo des-
tinado ao Meio Ambiente da Constituição de 1988, na Política Nacional de Meio Ambiente de
1981 e no Sistema Nacional de Unidades de Conservação de 2000.

FIGURA 8.1 - Princípios geométricos, procedentes de estudos biogeográficos insulares, propostos para o projeto
das reservas naturais. (UICN, 1984) / FONTE: UICN (1984) / Organização: GALLO JUNIOR (2002)
139

Em 1988, a Oficina Regional da FAO para América Latina e Caribe publicou em parce-
ria com o PNUD o Manual de Planificacion de Sistemas Nacionales de Areas Silvestres Protegi-
das en America Latina (MOORE e ORMAZÁBAL,1988), fornecendo uma série de informações,
metas, conceitos, critérios e um roteiro metodológico para o estabelecimento dos sistemas
nacionais de áreas protegidas nos países latinoamericanos. Neste trabalho, Moore e Ormazá-
bal (1988) definiram o Sistema Nacional de Áreas Protegidas como:

un conjunto coordinado e plenamente armónico de categorias de manejo que, en forma


individual posean definiciones, objectivos e características y tipos de manejo muy precisos y
especializados y diferentes entre ellas y que al considerarlas y administrarlas como conjunto,
logren que el sistema funcione como um sólo ente y además presente la gama de posibilida-
des de manejo más amplia que sea recomendable, de acuerdo al estado de conservación de
los recursos y a los objectivos que se hayan fijado en el país para las áreas protegidas.

Foram elencados por estes autores os principais problemas relacionados ao planeja-


mento dos sistemas nacionais de áreas protegidas: a) falta de estruturação e manejo sistêmi-
co; b) falta de respaldo legal dos sistemas existentes; c) falta de definição dos objetivos de
conservação; d) duplicidade ou insuficiência de categorias de manejo; e) falta de correlação
entre os objetivos primários de conservação e as categorias de manejo existente nos países; f)
falta de correspondência entre as características das áreas protegidas e os requerimentos das
categorias em que foram declarados; g) falta de critérios adequados para a seleção de áreas
a serem protegidas; h) falta de sistemas adequados de classificação da diversidade natural de
cada país.

A UICN/CPNAP, CMMC (1994) apresentou um rol com os principais objetivos de ma-


nejo a serem implementados pelas diversas categorias de áreas naturais protegidas:

 Pesquisa científica;
 Proteção da vida selvagem;
 Preservação das espécies e da diversidade genética;
 Manutenção de serviços do meio ambiente;
 Proteção dos aspectos naturais e culturais específicos;
 Recreação e turismo;
 Educação;
 Uso sustentável de recursos de ecossistemas naturais;
 Manutenção de atributos culturais tradicionais.

A Comissão de Parques Nacionais e Áreas Protegidas da UICN estabeleceu, em 1994,


um sistema de categorias de áreas naturais protegidas, sendo definidas as seguintes categorias
de manejo:

 Categoria I – Área protegida manejada principalmente com fins científicos ou para a


proteção da natureza: (Reserva Natural / Área Natural Silvestre);
 Categoria II - Área protegida manejada principalmente para a conservação de ecossis-
temas e para fins de recreação: (Parque Nacional);
 Categoria III - Área protegida manejada principalmente para a conservação de carac-
terísticas naturais específicas: (Monumento Natural);
 Categoria IV - Área protegida manejada principalmente para a conservação, com in-
tervenção em nível de gestão: (Área de manejo de Habitais / Espécies);
 Categoria V - Área protegida manejada principalmente para a conservação de pai-
140

sagens terrestres e marinhas e com fins de recreação: (Paisagem Terrestre e Marinha


Protegida);
 Categoria VI - Área protegida manejada principalmente para a utilização sustentável
dos recursos naturais: (Área Protegida com Recursos Manejados).

Brito (2000) salienta que dentre todas as categorias de áreas naturais protegidas pro-
postas, os Parques Nacionais e as Reservas da Biosfera são as únicas que possuem uma políti-
ca internacional delineada. Desta forma, a tendência é que os países definam, de acordo com
as suas especificidades, o seu Sistema Nacional de Unidades de Conservação, observando os
princípios estabelecidos pela UICN.
Em 1997 a CMAP organizou um evento denominado “Áreas Protegidas no Século XXI:
de ilhas a redes” (Protected Areas in the 21st century: from islands to networks), realizado na
Austrália. No intuito de demonstrar a importância das áreas protegidas para os programas
econômico, social e ambiental, foram identificados neste evento os principais desafios para as
áreas protegidas no século XXI:

 mudar o enfoque das áreas protegidas de ilhas para redes;


 fazer com que as áreas protegidas se integrem às outras políticas públicas;
 fazer com que as áreas protegidas sejam geridas por, para e com as comunidades
locais;
 elevar os níveis de gestão e capacitação para que essas metas sejam atingidas.

O V Congresso Mundial de Parques, realizado em Durban (África do Sul) em 2002,


teve como tema “Benefícios para além das fronteiras”, demonstrando o intuito de ampliar o
sistema mundial e fortalecer uma política internacional para as áreas protegidas. Neste evento,
foram apontados os seguintes avanços em relação às áreas protegidas:

 As áreas protegidas se reconhecem como decisivas para a aplicação da Convenção


sobre Diversidade Biológica;
 O número de áreas protegidas e a proporção da superfície da Terra que tem a condi-
ção de área protegida duplicou desde 1992 e agora abarca mais de 12% da superfície
terrestre total, com 19% estritamente protegido no continente Antártico.
 A quantidade de bens naturais e mistos do Patrimônio Mundial aumentou de 101 para
172, existindo um maior reconhecimento dos vínculos entre as populações humanas
e o meio ambiente;
 Tem-se estabelecido em diversas partes do mundo planos de ação regionais e nacio-
nais;
 Tem-se desenvolvido medidas para melhorar a efetividade de manejo;
 Os povos indígenas e as populações locais participam cada vez mais;
 Estão se explorando novas formas de governar e se estão redescobrindo formas tradi-
cionais de governar para fins de conservação;
 Tem-se reconhecido o valor dos conhecimentos tradicionais e outros conhecimentos
sobre a conservação;
 Está para entrar em vigor o Protocolo de Kyoto;
 As áreas protegidas têm-se conectado com êxito para além das fronteiras nacionais e,
em alguns casos, representam uma contribuição significativa para a paz;
 Diversas áreas protegidas têm sido ligadas por redes e corredores ecológicos no marco
de grandes iniciativas regionais.
141

No V Congresso Mundial de Parques, foi elaborado um plano de ação para as áreas


protegidas, denominado “Plano de Ação de Durban”, que está dividido em quatro categorias
(níveis):

 Ação internacional em nível intergovernamental por meio das Instituições da Nações


Unidas, convênios e tratados;
 Ação regional em nível intergovernamental por meio de convênios e outros mecanis-
mos regionais;
 Ação nacional por parte dos governos nacionais e outros grupos de interesse;
 Ação local por meio de administradores com autoridade delegada e da sociedade civil;
 Ação das autoridades responsáveis pelas áreas protegidas, o que compete a todas as
autoridades, organismos, órgãos e organizações pertinentes.

IDENTIFICAÇÃO DE AMEAÇAS À INTEGRIDADE E AO MANEJO DAS ÁREAS NATURAIS


PROTEGIDAS

No trabalho realizado por Amend e Amend (1995), foram identificados diversos proble-
mas que podem ser considerados como ameaças à integridade das unidades de conservação
na América do Sul (Tabela 8.1). Milano (1993) apontou as principais dificuldades enfrentadas
para o funcionamento das unidades de conservação no Brasil: falta de regularização fundiária;
falta de pessoal para manejo e gerenciamento; falta de qualificação e treinamento do pessoal
existente; burocracia da administração pública (a relação hierárquica entre as unidades e entre
os órgãos); falta de recursos financeiros ou indisponibilidade de uso dos existentes.
O trabalho de Queiroz et al. (1997), com base na aplicação de questionários e análise
de dados secundários, identificou as principais ameaças as unidades de conservação brasi-
leiras (Tabela 8.2). É possível verificar nesta tabela que em grande parte das unidades de
conservação brasileiras não existem informações relativas às ameaças a sua integridade, o que
também pode ser considerado um grande obstáculo ao manejo dessas áreas protegidas.

Tabela 8.1 – Principais problemas enfrentados pelos Parques na América do Sul


Percentual de parques que apresentam o
Tipo de ameaça
problema (=148)
Extração de recursos Naturais do Parque 33.1 %
Falta de pessoal qualificado 27.0 %
Conflitos de propriedade de terra 21.6 %
Exploração agropecuária 21.6 %
Planejamento deficiente do manejo do Parque 20.3 %
Ocupação ilegal 16.9 %
Limites do Parque inadequados ou mal definidos 16.2 %
Falta de controle ou vigilância 16.2 %
Queimadas 12.8 %
Ocupação ilegal 12.2 %
Falta de recursos financeiros 11.5 %
Falta de instalações físicas e infra-estrutura 11.5 %
Colonização nos arredores do Parque 10.8 %
Extração mineral e exploração de petróleo 10.1 %
Pressão do turismo 8.8 %
Poluição 6.1 %
Falta de apoio político e institucional 6.1 %
Organização supra-regional 5.4 %
Atividades guerrilheiras e narcotráfico 4.7 %
Introdução de espécies exóticas 2.7 %
Fonte: Amend e Amend (1995). Modificado por Morsello (2001)
142

Tabela 8.2 – Principais ameaças às UCs brasileiras


Ameaça Existente Sem informação
Caça e pesca 32.1 % 62.2 %
Queimadas 26.7 % 63.2 %
Garimpagem 4.6 % 60.2 %
Mineração 6.2 % 61.1 %
Conflito com áreas indígenas 6.7 % 58.4 %
Conflitos com população residente 18.4 % 62.9 %
Exploração de madeira 18.4 % 60.9 %
Pressão de pólo de desenvolvimento 25.4 % 60.5 %
Alteração do regime hídrico 20.8 % 60.3 %
Estradas 51.8 % 42.4 %
Fonte: Queiroz et al. (1997). Modificado por Morsello (2001)

O relatório síntese elaborado pelo IBAMA (1997) apontou as principais ameaças às


unidades de conservação brasileiras: caça; queimadas: comércio de animais silvestres: retirada
ilegal de madeira e outros produtos vegetais; fragmentação de ecossistemas no entorno das
unidades; presença de rodovias e transporte fluvial atravessando as unidades; presença de
gado; pressão de grandes núcleos urbanos sobre as unidades; extração de petróleo, gás natu-
ral, sal-gema e carvão e presença de gasodutos; pesca comercial; garimpo; invasões; turismo
mal orientado; coleta de ovos de tartaruga. Também devem ser citadas como ameaças a falta
de funcionários dos órgãos responsáveis pela gestão das áreas protegidas.
Recentemente, foi publicado o RAPPAM (Implementação da Avaliação Rápida e Priori-
zação do Manejo de Unidades de Conservação do Instituto Florestal e da Fundação Florestal
de São Paulo), apresentando os resultados do trabalho desenvolvido pela WWF-Brasil em par-
ceria com o Instituto Florestal e a Fundação Florestal / SMA-SP, que avaliou a efetividade de
gestão e manejo das unidades de conservação no estado de São Paulo, priorizando a análise
integrada do sistema de áreas protegidas (WWF/IF/FF, 2004).
O estudo foi dirigido a 17 parques estaduais, 5 estações ecológicas e 2 parques ecológi-
cos administrados pela Divisão de Reservas e Parques Estaduais (DRPE) do Instituto Florestal
e 1 parque estadual administrado pela Fundação Florestal, envolvendo as regiões do Vale do
Paraíba, Litoral Norte, Litoral Centro, Litoral Sul, Vale do Ribeira e Metropolitana.
Para o desenvolvimento do trabalho, utilizou-se a aplicação de questionários aos ges-
tores das unidades de conservação e oficinas participativas. A discussão e análise dos dados
focaram temas como a importância biológica e sócioeconômica, grau de vulnerabilidade, cri-
ticidade, tendência e probabilidade de ocorrência de pressões e ameaças sobre as unidades
de conservação.
Constatou-se que as principais pressões e ameaças à biota são a caça e a extração
ilegal de palmito, mas também foram identificados outros problemas, como a introdução de
espécies exóticas, o fogo, a extração de plantas ornamentais, o desmatamento, o tráfico de
animais e vegetais, a pesca, a mineração e a extração ilegal de madeira.
O principal conflito identificado em relação aos objetivos e finalidades das unidades
de conservação é a expansão urbana, considerado o principal vetor de pressão sobre as áre-
as sob proteção. Também são destacadas a ocupação irregular, a agricultura, a poluição por
mineração, o pastoreio, os conflitos de uso, o impactos das atividades do entorno, o uso de
defensivos agrícolas e a falta de regularização fundiária.
A construção de estradas, linhas de transmissão de energia, captação de água, constru-
ção de reservatórios, instalação de torres de alta tensão e construção de dutos foram aponta-
dos como os problemas mais críticos em relação à implantação de infra-estrutura na área das
unidades de conservação. Com relação aos impactos do uso público, o turismo desordenado
foi indicado como principal vetor de pressão, seguido pela abertura de trilhas e a depredação
do patrimônio ambiental.
Em relação à tendência de ocorrência de pressões, a pressão urbana foi considerada
143

como o maior problema, em virtude da sua crescente expansão em direção às unidades de


conservação, em decorrência do crescimento dos centros urbanos. A extração ilegal de pal-
mito, a construção de estradas, a caça e a pressão urbana foram indicadas como principais
vetores no que se refere à probabilidade de ocorrência de ameaças à integridade dos ecos-
sistemas protegidos.
Verifica-se, portanto, que as unidades de conservação paulistas apresentam um alto
grau de vulnerabilidade, estando submetidas a diversos tipos de pressão e ameaças, o que
tem gerado um contínuo processo de fragmentação e perda de território, afetando conside-
ravelmente a biota existente.

PLANEJAMENTO E MANEJO DE ECOSSISTEMAS NATURAIS

O planejamento e o manejo de ecossistemas são pressupostos fundamentais para que


as unidades de conservação consigam atingir seus objetivos e metas. Diversos pesquisadores
têm se dedicado a estudos para identificação dos impactos das atividades humanas sobre as
áreas naturais protegidas e a busca de estratégias de manejo para a resolução dos problemas
acarretados aos ecossistemas abrangidos.

Para Gee e Johnson (1988) o manejo de ecossistemas envolve:

a regulação da estrutura e da função internas do ecossistema, suas entradas e saídas, para


alcançar condições socialmente desejáveis. Inclui o espectro usual de atividades de planeja-
mento e manejo, contextualizadas de forma sistêmica, dentro de uma determinada, mas não
estática, delimitação geográfica.

Grumbine (1994) define o manejo de ecossistemas como:

a integração de conhecimentos científicos das interações ecológicas a um complexo sócio-


político e um quadro e valores, tendo como objetivo geral proteger a integridade de ecossis-
temas nativos ao longo do tempo

Morsello (2001) efetuou um amplo levantamento sobre os critérios e parâmetros para a


seleção e manejo de áreas protegidas públicas e privadas, sendo enfocados aspectos relativos
às dimensões ecológica, econômica e político-institucional.
No que diz respeito aos aspectos ecológicos, devem ser considerados os fatores que
podem influenciar a integridade dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação:
remoção de fauna; caça, pesca e tráfico de animais; introdução de espécies exóticas; doenças
da fauna silvestres; queimadas; retirada da vegetação etc.
Em relação aos aspectos econômicos, devem ser considerados os custos de manejo,
correspondendo ao aporte de recursos financeiros para a manutenção das unidades de con-
servação, considerando-se as fases de planejamento, implementação e monitoramento, bem
como as diversas possibilidades de fonte de recursos: recursos governamentais; lucro das
atividades no local (autofinanciamento); cobrança de ingressos; cobrança de outros serviços e
taxas; vendas; concessões; recursos de organizações privadas; participação de ONGs; fundos;
doações etc.
Os aspectos político-institucionais dizem respeito à organização interinstitucional e
intra-institucional, base legal, funcionários e capacitação, participação da sociedade na ges-
tão da unidade de conservação, presença de população e conflitos e questão fundiária, entre
outros aspectos.
144

Uma preocupação crescente entre os estudiosos e gestores das unidades de conservação


tem sido a busca de critérios e parâmetros para a avaliação da sua efetividade de manejo.
Cifuentes et al. (2000) desenvolveram uma metodologia para a avaliação da efetividade
de manejo das unidades de conservação, estabelecendo uma série de variáveis e sub-variáveis
para análise, agrupadas de acordo com o âmbito pertinente: administrativo; político; legal;
planejamento; conhecimentos; programas de manejo; usos legais e ilegais; características bio-
geográficas; e ameaças. No âmbito das ameaças às áreas protegidas, foram apontados como
variáveis fundamentais para análise, dentre outros aspectos, o avanço dos assentamentos
humanos e a implantação de infra-estrutura para desenvolvimento, incluindo a construção de
estradas, ferrovias, linhas de transmissão e dutos.
Há também uma preocupação crescente com o estabelecimento de critérios e parâme-
tros para a criação de novas unidades de conservação.
Uma tendência dos estudos relativos a esta temática tem sido a análise de lacunas de
conservação44, método que visa analisar a efetividade do sistema de áreas protegidas para a
conservação das espécies animais e vegetais e identificar as áreas representativas que não pos-
suem unidades de conservação legalmente instituídas, para a proteção da fauna ameaçada.
Utilizando-se desta metodologia, Paglia et al. (2004) desenvolveram um estudo em que
constatou-se que de 104 espécies de vertebrados ameaçadas (“espécies-lacuna”) analisados,
57 (mais de 50%) não estão protegidas pelo atual sistema de unidades de conservação da Mata
Atlântica. O estudo aponta a necessidade urgente de ampliação das unidades de conservação
no domínio da Mata Atlântica. No entanto, a maior dificuldade para sanar a questão das lacu-
nas identificadas é viabilizar politicamente a criação de novas unidades de conservação.
Atualmente, tem sido priorizada a criação de áreas protegidas pertencentes ao grupo de
Uso Sustentável, principalmente, Áreas de Proteção Ambiental, visto que não há necessidade
de desapropriação das terras e nem tampouco grandes investimentos por parte do Estado.
Por outro lado, essas áreas protegidas não possuem a mesma efetividade em relação à
conservação da natureza que as unidades do grupo de proteção integral. As APAs funcionam
muito mais como um instrumento de ordenamento e gestão do território, e não deveriam estar
integradas no sistema de unidades de conservação da natureza, em virtude dos diversos tipos
de uso e atividades permitidas.

Planejamento e Gestão de Unidades de Conservação de Proteção Inte-


gral NO BRASIL.

A lei federal 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação


(SNUC), determina que todas as unidades de conservação devem elaborar o seu Plano de Ma-
nejo, documento que deve guiar o funcionamento da unidade, controlar a gestão e o uso de
seus recursos e direcionar o desenvolvimento dos programas de manejo. Foi estipulado um
prazo de dois anos para a finalização dos planos e um intervalo de 5 anos para as atualizações
subseqüentes. No entanto, grande parte das unidades de conservação brasileiras, tanto em
nível federal quando estadual, ainda não conseguiram elaborar os seus planos.

44 Sobre a metodologia de análise de lacunas de conservação ver RODRIGUEZ et al. Global Gap
Analysis: towards a representative network of protected areas. Advances in Applied Biodiversity
Science 5. Washington DC: Conservation International, 2003; e PAGLIA A. Lacunas de conservação e áreas
insubstituíveis para vertebrados ameaçados da Mata Atlântica. In: Congresso Brasileiro de Unidades de
Conservação, Curitiba (PR) p. 39.50, 2004.
145

O Decreto nº. 84.017/79, que regulamentou os Parques Nacionais Brasileiros, apresen-


ta em seu art. 6º a seguinte definição para o Plano de Manejo:

Entende-se por Plano de Manejo o projeto dinâmico que, utilizando técnicas de planejamen-
to ecológico, determina o zoneamento de um Parque Nacional, caracterizando cada uma de
suas zonas e propondo seu desenvolvimento físico, de acordo com suas finalidades.

O Plano de Manejo foi definido na lei 9.985 (SNUC) como:

documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade
de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da
área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessá-
rias à gestão da unidade”. Manejo foi definido de forma ampla, como “todo e qualquer pro-
cedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas.

O Plano de Manejo deve estabelecer as diretrizes, estratégias, normas, ações e ativi-


dades necessárias à gestão da unidade de conservação, bem como os bens, equipamentos e
materiais necessários à sua implementação. Desta forma, é importante que o referido plano
esteja baseado em um processo contínuo, interativo e sistemático de planejamento, realizado
por pessoal treinado e com responsabilidade direta pelo manejo da unidade de conservação
implantada.
Este processo de planejamento inclui, entre outros aspectos, a escolha da categoria de
manejo da área, sua localização, forma, tamanho, intensidade de uso, distribuição de ativi-
dades por zona de uso e metas de manejo. Deve-se, também, indicar as formas e os meios
necessários para que se atinjam essas metas e as formas de monitoramento e avaliação.
Deve estar contido no plano de manejo o zoneamento da área, que segundo a defini-
ção apresentada pela lei do SNUC, é a...:

definição de setores ou zonas em uma unidade de conservação com objetivos de manejo


e normas específicos, com o propósito de proporcionar os meios e as condições para que
todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz.

O Plano de Manejo deve ser flexível, pois está sujeito a modificações, conforme novas
informações sobre a área forem sendo obtidas. Entretanto, todas as modificações devem ser
realizadas de maneira a assegurar a continuidade do plano, e também deve contemplar os
seguintes aspectos:

 Descrição das características físicas, biológicas, sociais e culturais da área, dentro do


contexto nacional, regional e local;
 Identificação dos itens que induziram a criação da unidade, sua categorização e os
objetivos específicos de manejo;
 Definição e mapeamento dos usos e zonas específicas dentro da área;
 Lista em ordem cronológica das atividades a serem conduzidas para atingir os progra-
mas propostos;
 Listagem dos materiais, equipamentos, mão-de-obra necessários à sua execução, in-
cluindo os custos e o tempo necessário para implantação.

Além dos Planos de Manejo, as unidades também podem elaborar Planos de Ações
Emergenciais (PAE) e Planos Operativos Anuais (POA), para ações a curto prazo, ou em
virtude de situações não abarcadas ou previstas em seu Plano de Manejo, o que serviria de
subsídio para a revisão e reformulação deste Plano, que deve ser efetuadas em um período
146

de 5 anos.
Em 2002, o IBAMA publicou um roteiro metodológico para a elaboração de planos de
manejo nas unidades de proteção integral - Parque Nacional, Estação Ecológica e Reserva Bio-
lógica (IBAMA, 2002). De acordo com o roteiro proposto, o Plano de Manejo deve envolver
a área abrangida pela unidade de conservação, a área de entorno ou zona de amortecimento
e, também, quando for o caso, os corredores ecológicos. O roteiro estabelece que o processo
de planejamento deve ser contínuo, gradativo, flexível e participativo, envolvendo todos os
atores relacionados com a unidade de conservação.
As três abordagens propostas pelo IBAMA envolvem: a) Enquadramento; b) Diagnósti-
co (contextualização, análise regional e analise da unidade de conservação); e c) Proposições.
Os tópicos foram divididos em 6 encartes: 1. contextualização; 2. análise regional; 3. análise
da unidade de conservação; 4. planejamento; 5. projetos específicos; 6. monitoria e avalia-
ção.
Em relação à participação, que é um dos pressupostos fundamentais do roteiro, são
sugeridas como forma de envolvimento dos diversos atores nas diversas etapas de elaboração
do plano: visitas a prefeituras, organizações governamentais e não governamentais; realização
de reuniões abertas nos municípios; oficinas de planejamento; reuniões técnicas com pes-
quisadores; formação de conselhos consultivos para as unidades de conservação; e busca de
cooperação institucional.
O primeiro passo é a contextualização da unidade de conservação nos enfoques in-
ternacional, federal e estadual, buscando avaliar a sua relevância para o sistema de áreas
protegidas.
Em relação à análise da região em que está inserida a unidade, é fundamental que
sejam considerados os seguintes aspectos: caracterização ambiental; aspectos culturais e histó-
ricos; uso e ocupação da terra e problemas ambientais; características da população; visão das
comunidades sobre a unidade de conservação; alternativas de desenvolvimento econômico
sustentável; legislação Federal, Estadual e Municipal pertinente e potencial de apoio à unida-
de de conservação. Para a análise da unidade de conservação, são relacionados os seguintes
requisitos:

1. Informações gerais sobre a UC (Localização / acesso / origem do nome / histórico de


criação).
2. Caracterização dos fatores abióticos e bióticos (Geologia / Relevo / Geomorfologia /
Solos / Espeleologia / Hidrografia / Hidrologia / Limnologia / Oceanografia / Vege-
tação / Fauna).
3. Patrimônio Cultural Material e Imaterial
4. Sócioeconomia
5. Situação Fundiária
6. Ocorrências Excepcionais (Fogo, enchentes, deslizamentos, etc...)
7. Atividades desenvolvidas na UC (Fiscalização / Pesquisa / Educação ambiental / Rela-
ções públicas / Divulgação / Visitação)
7.1 Atividades ou Situações conflitantes
8. Aspectos Institucionais da UC (Pessoal / Infra-estrutura, equipamentos e serviços /
Estrutura organizacional / Recursos financeiros / Cooperação Institucional).
9. Declaração de Significância.

O zoneamento é um aspecto fundamental para o ordenamento da área abrangida pela


unidade de conservação, e deve ser definido de acordo com suas características físicas, bioló-
gicas e antrópicas, de acordo com os objetivos a serem atingidos. O IBAMA estabelece dois
147

tipos de critérios para a definição do zoneamento das unidades de proteção integral:

 critérios físicos e mensuráveis, como o grau de conservação da vegetação e a variabi-


lidade de ambientes dentro da UC;
 critérios indicativos das singularidades da UC, como os valores para a conservação e a
vocação de uso da área abrangida.

Dentre os valores para a conservação destacam-se a representatividade, a riqueza e/ou
diversidade de espécies, a ocorrência de áreas de transição entre ecossistemas, a susceptibili-
dade ambiental e a existência de sítios arqueológicos e paleontológicos.
No que se refere à vocação de uso, podem ser citados como elementos norteadores
o potencial para visitação e educação ambiental, presença de infra-estrutura, a ocorrência de
usos conflitantes com os objetivos da UC e a presença de populações no seu interior.
O Quadro 8.1 aresenta as Zonas estabelecidas pelo IBAMA (2002) para a implantação
das unidades de conservação de proteção integral federais e estaduais, com as definições le-
gais e os objetivos de manejo.
No Estado de São Paulo, um importante avanço na metodologia de elaboração dos
Planos de Manejo foi o desenvolvimento dos Planos de Gestão Ambiental, utilizou uma me-
todologia tendo como pressupostos básicos a elaboração participativa e aberta a todos os
atores sociais interessados na UC, a elaboração em fases, e a preocupação com aspectos mais
próximos da gestão (administração prática)45.
A metodologia utilizada para a realização dos Planos de Gestão Ambiental foi desen-
volvida no âmbito do Projeto de Preservação da Mata Atlântica (PPMA), numa cooperação
financeira Alemanha-Brasil por meio do banco Kreditanstalt fur Wiederaufbau (KfW) e do
Governo do Estado de São Paulo, abrangendo uma área de cerca de 17.000Km2, incluindo o
Vale do Ribeira, o litoral paulista e parte do Vale do Paraíba.
Foram realizados Planos de Gestão Ambiental para cinco dos oito núcleos do Parque
Estadual da Serra do Mar (São Sebastião, Caraguatatuba, Picinguaba, Cubatão e Santa Virgí-
nia), Parque Estadual de Pariquera-Abaixo, Estação Ecológica de Chauás, Estação Ecológica do
Bananal, Parque Estadual da Ilha do Cardoso, Parque Estadual da Ilhabela, Plano de Gestão
do Parque Estadual de Intervales e Plano de Manejo Fase I do Parque Estadual Xixová-Japuí.
Ao longo dos anos de 2005 e 2006 foi elaborado o Plano de Manejo do Parque Estadual
da Serra do Mar (PESM), a maior UC de proteção integral do Estado de São Paulo, com mais
de 315.000 hectares de área46.
O processo de elaboração envolveu o levantamento de informações sobre a unidade
de conservação e a região em que está inserida, a análise dos problemas e vetores de pressão
que afetam a área abrangida e a definição de estratégias, alternativas e ações emergenciais
para a sua resolução. A partir de um aprofundamento e maior detalhamento do processo de
planejamento, compreendendo o levantamento de dados primários e a definição do zone-
amento para a unidade de conservação, foram estabelecidas as metas e atividades a serem
desenvolvidas em cada programa de manejo.

45 Sobre a definição da metodologia dos Planos de Manejo do IF ver MARETTI et al . A Construção


da Metodologia dos Planos de Gestão Ambiental para Unidades de Conservação em São Paulo. In: Anais do
Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Curitiba-PR, Vol.II, p.234-247, 1997
46 O Plano de Manejo do PESM foi aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA)
em 19 de setembro de 2006.
148

Quadro 8.1 – Zonas Definidas Pelo IBAMA para as Unidades de Conservação de Proteção Integral
ZONA DEFINIÇÃO OBJETIVOS DO MANEJO
É aquela onde a primitividade da natureza permanece Esta zona é dedicada à proteção integral de ecossistemas,
o mais preservada possível, não se tolerando dos recursos genéticos e ao monitoramento ambiental. O
ZONA INTANGÍVEL quaisquer alterações humanas, representando o objetivo básico do manejo é a preservação, garantindo a
mais alto grau de preservação. evolução natural.
É aquela onde tenha ocorrido pequena ou mínima O objetivo geral do manejo é a preservação do ambiente
intervenção humana, contendo espécies da flora e natural e ao mesmo tempo facilitar as atividades de
ZONA PRIMITIVA da fauna ou fenômenos naturais de grande valor pesquisa científica e educação ambiental permitindo-se
científico. formas primitivas de recreação
O objetivo do manejo é a manutenção de um ambiente
É aquela constituída em sua maior parte por áreas
ZONA DE USO natural com mínimo impacto humano, apesar de oferecer
naturais, podendo apresentar algumas alterações
EXTENSIVO acesso ao público com facilidade, para fins educativos e
humanas.
recreativos.
É aquela constituída por áreas naturais ou alteradas
O objetivo geral do manejo é o de facilitar a recreação
ZONA DE USO pelo homem. O ambiente é mantido o mais próximo
intensiva e educação ambiental em harmonia com o
INTENSIVO possível do natural, devendo conter: centro de
meio.
visitantes, museus, outras facilidades e serviços
É aquela onde são encontradas amostras
do patrimônio histórico-cultural ou arqueo-
ZONA HISTÓRICO- O objetivo geral do manejo é o de proteger sítios históricos
paleontológico, que serão preservadas, estudadas,
CULTURAL ou arqueológicos, em harmonia com o meio ambiente.
restauradas e interpretadas para o público, servindo
à pesquisa, educação e uso científico.
O objetivo geral do manejo é deter a degradação dos
É aquela que contém áreas consideravelmente
recursos ou restaurar a área. As espécies exóticas
ZONA DE antropizadas. Zona provisória, uma vez restaurada,
introduzidas deverão ser removidas e a restauração deverá
RECUPERAÇÃO será incorporada novamente a uma das Zonas
ser natural ou naturalmente induzida. Esta Zona permite
Permanentes
uso público somente para a educação
É aquela que contêm as áreas necessárias à
administração, manutenção e serviços da UC,
abrangendo habitações, oficinas e outros. Estas O objetivo geral do manejo é minorar o impacto da
ZONA DE USO
áreas serão escolhidas e controladas de forma a implantação das estruturas ou os efeitos das obras no
ESPECIAL não conflitarem com seu caráter natural e devem ambiente natural ou cultura da Unidade.
localizar-se, sempre que possível, na periferia da
UC.
Constituem-se em espaços localizados dentro de
uma UC, cujos usos e finalidades, estabelecidos
antes da criação da Unidade, conflitam com os
O objetivo de manejo é contemporizar a situação existente,
ZONA DE USO objetivos de conservação da área. São ocupadas
estabelecendo procedimentos que minimizem os impactos
CONFLITANTE por empreendimentos de utilidade pública, como
sobre a UC.
gasodutos, oleodutos, linhas de transmissão, antenas,
captação de água, barragens, estradas, cabos óticos
e outros.
São áreas dentro das UC’s onde ocorrem
ZONA DE concentrações de populações humanas residentes e
as respectivas áreas de uso. Zona Provisória, uma
O C U P A Ç Ã O vez realocada a população, será incorporada a uma
TEMPORÁRIA das Zonas Permanentes

É aquela que contêm áreas ocupadas por uma ou


mais etnias indígenas, superpondo partes da UC.
ZONA DE São áreas subordinadas a um regime especial de
SUPERPOSIÇÃO regulamentação, sujeitas a negociação caso a caso
INDÍGENA entre a etnia, a FUNAI e o IBAMA. Zona Provisória,
uma vez regularizadas as eventuais superposições,
será incorporada a uma das zonas permanentes.
Específica para as estações ecológicas, é constituída
por áreas naturais ou alteradas pelo homem, sujeitas
ZONA DE a alterações definidas no Artigo 9º parágrafo 4º e seus
O seu objetivo é o desenvolvimento de pesquisas
INTERFERÊNCIA incisos da Lei do SNUC mediante o desenvolvimento
comparativas em áreas preservadas.
EXPERIMENTAL de pesquisas, correspondendo ao máximo de três
por cento da área total da estação ecológica, limitada
até 1.500 há conforme previsto em lei.
O entorno de uma UC, onde as atividades humanas
ZONA DE estão sujeitas a normas e restrições específicas, com
AMORTECIMENTO o propósito de minorar os impactos negativos sobre
a unidade (Lei nº. 9.985/2000, Art. 2º inciso XVIII).
FONTE: IBAMA (2002) / Organização: GALLO JUNIOR (2005)

O levantamento de dados primários do meio biótico foi realizado por meio de uma
avaliação ecológica rápida (AER), metodologia em que são identificadas áreas de amostragem
149

para a coleta e análise integrada de dados primários referentes aos diversos grupos biológi-
cos47.
Para a definição do zoneamento são cruzadas as informações das cartas temáticas re-
alizadas nos diagnósticos do meio físico (geologia, geomorfologia, solos, risco), da biodiver-
sidade (vegetação, fauna, flora), do uso da terra, vetores de pressão, patrimônio histórico e
cultural, uso público (trilhas, infra-estrutura para visitação).
Os programas de manejo são estabelecidos de acordo com a categoria de manejo e
suas finalidades, sendo que para cada programa são planejadas as metas, ações, atividades,
investimentos, cronogramas e recursos necessários para que se consiga atingir os objetivos de
manejo e gestão da unidade de conservação.
Pagani et al. (1996) apresentaram uma subdivisão dos programas de manejo em três
grandes categorias: Meio Ambiente, Uso Público e Operações. (Quadro 8.2)

Quadro 8.2 – Programas de Manejo das Unidades de Conservação.

PROGRAMAS DE MANEJO

MEIO AMBIENTE USO PÚBLICO OPERAÇÕES


1. Recreação
2. Interpretação da natureza
1. Investigação 1. Proteção
3. Educação
2. Manejo de Recursos 2. Manutenção
4. Turismo
3. Monitoramento 3. Administração
5. Relações Públicas
6. Extensão
Fonte: PAGANI et al. (1996)

O Roteiro Metodológico do IBAMA (2002) sugere o enquadramento das ações geren-


ciais nos seguintes programas temáticos: Proteção/manejo; Pesquisa e monitoramento; Educa-
ção Ambiental; Integração externa; Alternativas de desenvolvimento; e Operacionalização.
Os programas de manejo estabelecidos atualmente pelo Instituto Florestal para as uni-
dades de conservação de proteção integral do Estado de São Paulo são os seguintes:

 Gestão: administração, regularização fundiária, infra-estrutura, planejamento;


 Visitação pública: educação ambiental e ecoturismo;
 Pesquisa científica;
 Proteção: fiscalização e vigilância;
 Interação sócioambiental: relação com os atores, instituições e comunidades no inte-
rior e entorno da unidade de conservação;
 Manejo de recursos: manejo de fauna, recuperação de áreas degradadas, conservação
do patrimônio histórico-cultural.
 Comunicação e marketing.

Em relação à participação da sociedade, a forma utilizada pelo Instituto Florestal para


as UC do Estado de São Paulo tem sido a formação dos conselhos consultivos para as unida-
des de conservação, conforme estabelece a lei que criou o SNUC. Os conselhos são constitu-

47 Sobre a metodologia de avaliação ecológica rápida ver SOBREVILLA, C.; BATH, P. Evaluacion
Ecologica Rapida - un manual para usuários de América Latina y el Caribe. Edición preliminar. Arlington, VA,
EUA: The Nature Conservancy.231p. 1992.
150

ídos pelo diretor da unidade, que é o seu coordenador e por representantes do governo e da
sociedade, considerando-se os princípios da paridade e representatividade.48
O Decreto Estadual 49.672, de 05 de junho de 2005, regulamentou o processo de cria-
ção e funcionamento dos Conselhos Consultivos das unidades de conservação de proteção
integral do Estado de São Paulo.
Grande parte das unidades de conservação estaduais está em fase de criação e estrutu-
ração dos seus conselhos consultivos. No caso do Parque Estadual da Serra do Mar, que en-
volve 23 municípios, a idéia é a de implantar conselhos consultivos para os seus oito núcleos
administrativos, além de um conselho gestor para o Parque como um todo, na perspectiva de
gestão integrada e participativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, instituído no ano de 2000


pela lei federal 9.985, apresenta um rol de possibilidades de manejo para as áreas legalmen-
te protegidas em território nacional. A maior parte das unidades de conservação brasileiras,
tanto em nível federal quanto estadual, ainda não possuem planos de manejo ou documentos
que especifiquem estratégias de gestão para as áreas abrangidas. Desta forma, é fundamental
que se alie os conhecimentos oriundos de pesquisas científicas realizadas em Universidades,
Institutos de Pesquisa, ONGs e outras entidades, com o conhecimento empírico dos gestores
e demais funcionários das unidades de conservação, visando à integração de esforços para a
conservação da natureza e para a manutenção da qualidade ambiental.
Neste sentido, faz-se necessária uma maior aproximação entre os órgãos gestores das
unidades de conservação e o meio acadêmico, a fim de implementarem projetos integrados
de pesquisa sobre os parâmetros, critérios e indicadores para o planejamento e manejo das
áreas protegidas. Em face da carência de recursos humanos e financeiros dos órgãos ges-
tores das áreas protegidas no Brasil, seria interessante que o meio acadêmico estivesse tam-
bém evolvido com a execução e implantação dos planos de manejo destas áreas.

REFERÊNCIAS

AGEE, J.K. e JOHNSON, D.R. (eds) Ecosystems management for parks and wilderness.
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CAPITULO 9
PERCEPÇÃO AMBIENTAL

Lívia de Oliveira49

O Homem deve aceitar a responsabilidade de adminis-


tração da Terra, a palavra administração implica, naturalmente,
governo para o bem comum.
René Dubos: Uma Terra Somente (p.21)

Neste capítulo queremos prestar nossas homenagens ao nosso saudoso e tão admirado
colega de tantas lutas em prol da paisagem e do meio ambiente: o eminente biogeógrafo,
pesquisador e mestre. Para tanto, nos propusemos a tecer algumas considerações sobre per-
cepção ambiental, naturalmente, mais do ponto de vista geográfico, do que ecológico. Nossa
responsabilidade é dupla, porque Felisberto Cavalheiro foi um grande professor de Bioge-
ografia, pois suas aulas cobriam uma gama enorme de assuntos ligados ao meio ambiente;
e um grande pesquisador, pois suas investigações procuravam sempre relacionar as pessoas
com seu meio ambiente.
Tentaremos, por conseguinte, fazer uma varredura geográfica, partindo das noções
básicas para melhor compreender e explicar a própria percepção ambiental. Procuraremos
levantar questões de percepção ambiental urbana, passando pela rural, chegando às regiões
selvagens e tentando vislumbrar as perspectivas para uma percepção ambiental.

NOÇÕES BÁSICAS SOBRE PERCEPÇÃO/COGNIÇÃO

A superfície da Terra é extremamente variada.Mesmo um


conhecimento casual com uma geografia física e a abundância de
formas de vida, muito nos dizem, mas são mais variadas as manei-
ras como as pessoas percebem e avaliam essa superfície.
Yi-fu Tuan. Topofilia (p. 6)

Convém, desde o início, estabelecer as definições conceituais sobre as noções, que


consideramos básicas quando tratamos da percepção ambiental. Aqui, nossas palavras-chaves
são as seguintes: sensação, percepção, atividade perceptiva, cognição e representação concei-
tualmente, segundo Piaget, atingindo a própria conduta.
Ao partir da realidade que comporta as possibilidades de ocorrência, procuraremos
analisar a conduta humana em relação ao meio ambiente. A porta de entrada, ou melhor, o
nosso contato com o mundo exterior se dá através dos nossos órgãos sensoriais, de maneira
seletiva e instantânea, nos propiciando a sensação. Esta é variável de acordo com o aparelho
sensorial que estamos usando. A realidade “entra” em nosso mundo interior mediante: a vi-
são, a audição, o olfato, o paladar e o tato-cinestesia. Cada órgão desempenha uma atividade
correspondente: visual, auditiva, olfativa, gustativa e tato-cinestésica. Nossos órgãos sensoriais
agem concomitantemente. É difícil separá-los na prática. Convém lembrar que o que penetra
pelos sentidos são os estímulos sensoriais. As sensações, necessariamente passam pelos fil-

49 Geógrafa e Historiadora, Professora Voluntária Livre-Docente – UNESP-Rio Claro


153

tros culturais e individuais para se tornarem percepções. A percepção só se dá no córtex


cerebral, em um determinado momento correspondente à sensação.
Como exemplo, usaremos o da visão. Isto se justifica porque em percepção e cogni-
ção ambientais trabalhamos quase que, apenas, com a percepção visual. A luz refletida pelos
objetos, transforma-os em estímulos visuais que são projetados em duas dimensões na super-
fície plana da retina e são levados como impulsos nervosos até o ponto da visão, na região
occipital do córtex cerebral, e, é aí que se recupera a terceira dimensão, engendrando nossa
percepção visual em três dimensões.
Os filtros culturais e individuais são produtos do interesse, da necessidade e da moti-
vação. São tão importantes, em nossa percepção, que muitas vezes determinam as tomadas
de decisões e nos conduzem às tomadas de consciência.
Assim, entendemos, segundo Piaget, a percepção como uma construção empírica que
progride por etapas e que jamais se apresenta como uma “leitura da experiência”; inteligên-
cia como um sistema de ações e operações que são grupadas em estruturas sucessivas de
acordo com um processo e um ritmo genéticos regidos pelas leis de equilíbrio. A função inte-
lectual, em seu aspecto dinâmico, é também caracterizado pelos processos invariantes da as-
similação e acomodação. Estas duas compreendem um modo de organização, que constituem
a cognição. Cada ato de inteligência presume um tipo de estrutura intelectual e um modo de
organização. Por sua vez, a apreensão da realidade sempre envolve múltiplas inter-relações
entre ações cognitivas e entre conceitos e compreensão que essas ações expressam. Enquanto
conhecer consiste em construir ou reconstruir o objeto do conhecimento para poder apreen-
der o mecanismo de sua construção, a imagem mental será considerada como uma imitação
interiorizada, não sendo uma cópia do objeto, mas, sim um correlato (Figura 9.1).

Figura 9.1 - Esquema do Processo Perceptivo Cognitivo


(Org.: CAMILLO, M., 2007)

Entre a percepção e a inteligência, Piaget reconhece atividades mentais intermediárias


e define essa atividade perceptiva como um processo que supõe deslocamentos dos órgãos
sensoriais no espaço, comparações no tempo, transposições, antecipações, enfim explora-
ções. Entre a percepção e a inteligência se interpõe como um continuum em ambas direções,
a atividade perceptiva. Assim sendo, esta atividade perceptiva está intimamente vinculada à
cognitiva, pois é esta que engendra aquela e a resposta do indivíduo se apresenta como re-
sultado da equilibração entre as suas estruturas internas (biológicas e mentais) e as externas
(ambientais, culturais, sociais, econômicas). Portanto, a conduta humana é tão complexa
154

que não pode ser reduzida a simples termos convencionais, pois o sistema homem é alimen-
tado por um tipo de energia tremendamente dinâmico e segundo ritmos e regulações muito
sofisticados que é a afetividade. Os processadores deste sistema não atuam somente em um
plano, mas sim em vários, tais como: sensório-motor, perceptivo, simbólico, intuitivo, repre-
sentativo, operatório (concreto e formal). Por outro lado, a representação é a capacidade e
evocar por um signo ou símbolo o objeto ausente ou a atividade realizada, independente da
percepção.
Convém lembrar que tanto a percepção/cognição como a conduta espacial estão na
dependência do conhecimento, da atitude, opinião que o indivíduo tenha do espaço. Isto
equivale a dizer que subjacente à ação (perceptiva e cognitiva) exercida sobre um deter-
minado espaço se constrói sempre uma noção de espaço e, mais ainda, a adoção de uma
teoria que conceitualize o espaço em termos de definição, limitação, classificação, função,
hierarquização, organização etc. São estes termos que determinam a escolha da representação
cartográfica do espaço.
As atitudes, os valores e os símbolos revelam características espaciais em termos da
natureza e da cultura. Todas estas observações necessitam ser encaradas diante das tendên-
cias contemporâneas de uniformização de atitudes, homogeneização de valores e de trans-
formação dos símbolos tendendo a se dissolver pela ação avassaladora da industrialização e
urbanização modernas.

PERCEPÇÃO AMBIENTAL

Os meios utilizados para atingir os resultados geralmente


são mais impressionantes do que os próprios resultados.
Yi-fu Tuan, Topofilia (p. 3)

Alguns autores preferem a denominação percepção do meio ambiente, ao termo per-


cepção ambiental; pois o primeiro é mais abrangente, mais compreensivo, quando adjetiva-
mos a percepção restringimos o seu significado. Contudo, o que parece é que a maioria dos
estudiosos vêm trabalhando mais com a percepção ambiental, do que propriamente com a
percepção do meio ambiente. Del Rio e Oliveira (1996) denominaram o seu livro pioneiro de
“Percepção Ambiental: a experiência brasileira”.
O que fica claro nesta obra, já um clássico, é que foram abertas novas perspectivas para
uma gama de profissionais e estudiosos, desde arquitetos, geógrafos, urbanistas, economistas,
sociólogos, psicólogos, ecólogos, juristas, biólogos, educadores até planejadores, atingindo
um público em geral, e em particular aqueles interessados em meio ambiente.
Percepção ambiental, não é de fácil definição; mais vale experienciá-la do que defini-
la. Enquanto conceito difere segundo o estudioso, cada um dando ênfase à sua especialidade.
Cada um atribuindo maior ou menor intensidade ao aspecto abordado, à sutileza de compre-
ensão, ou, ainda ao modo de expressão. A resposta dada à percepção ambiental, também,
será variada: cultural, econômica, artística, geográfica, histórica, ecológica, afetiva. O que
sabemos é que cada profissional atribuirá significados diferentes à percepção ambiental que
pesquisará ou empregará em sua investigação, quer científica, ou empírica. Porém, todos
aplicarão métodos qualitativos, muito mais que quantitativos.
O que importa em se tratando de percepção ambiental é que todos se preocupam com
os impactos ambientais que ocorrem no meio ambiente natural ou construído. Neste século,
que se está iniciando, a noção de impacto ambiental se ampliou consideravelmente. Necessá-
rio se faz, proceder a um parêntese para tecer algumas considerações sobre meio ambiente.
155

Atualmente, o sentido que se atribui ao termo meio ambiente é tudo e todos que nos rodeiam:
o natural e o construído; o perto e o distante; o que amamos e não amamos; é tanto o social,
quanto o religioso; o concreto e o abstrato; o visível e não visível. Assim, concebido, para
se estudar, pesquisar o meio ambiente deve-se recorrer a uma equipe interdisciplinar, cada
elemento contribuindo para sua esfera. Em outras palavras, pode-se, mesmo, afirmar que é
multidisciplinar, podendo-se dizer que é transdisciplinar.
O que queremos dar ênfase, aqui, é que a abordagem perceptiva/cognitiva em relação
ao ambiente exige uma plêiade de interessados; pois o problema não é simples, mas, sim
complexo, muito dinâmico e implica afetividade. Como as indagações são imbricadas, as res-
postas, também serão intricadas, esperando que o planejamento para o ambiental conte um
número necessário de profissionais para se chegar a uma solução satisfatória.
Quanto se trata de percepção ambiental, trata-se, no fundo, de visão de mundo, de vi-
são do meio ambiente físico, natural e humanizado, na maioria é sociocultural e parcialmente
é individual; é experienciada em grupo ou particularizada; é uma atitude, uma posição, um
valor, uma avaliação que se faz do nosso ambiente. Ou seja, usando o neologismo topofilia,
para expressar os laços afetivos que desenvolvemos em relação ao nosso meio ambiente,
direta ou simbolicamente.
Concordamos com a maioria dos intelectuais que consideram a questão ambiental, e a
percepção ambiental, os problemas cruciais para o século XXI, como nos séculos XIX e XX foi
a questão social. Contudo, não estamos preparados tanto política quanto afetivamente para
enfrentar as questões referentes às relações entre natureza e sociedade. A nosso ver a questão
exige que equacionemos a solução para o problema sob um ponto de vista ético, muito mais
do que socioeconômico. Enquanto ignoramos que o meio ambiente é finito, nem sempre re-
novável e inesgotável e não desenvolvemos uma afetividade em relação a ele, continuaremos
a usá-lo e depredá-lo sem misericórdia e sem fim. Em geral, para nós, a idéia de que o meio
ambiente é uma paisagem banal, do cotidiano e nosso planeta é estático, tranqüilo e imutável,
não é correta, ao contrário, apesar se ser silencioso e aprazível, este ambiente se apresenta de
maneira explosiva e inesperada.

PERCEPÇÃO AMBIENTAL URBANA

A apreensão dos lugares dá-se, necessariamente, a partir


de sua forma física, conforme diversas abordagens arquitetônicas
e geográficas da cidade, e também nos estudos centrados nos
mecanismos cognitivos.
Maria Elaine Kohlsdorf. A apreensão da forma da cidade
(p.31)

A cidade sempre se apresentou aos homens como um ideal, como oportunidade de


realizações, como se colocando acima das vicissitudes biológicas; eram homens livres que
viviam intramuros nas urbes; eram cidadãos que viviam na cidade, enquanto os servos e
camponeses viviam no campo. A cidade sempre representou o poder, sempre sediou o rei,
o sacerdote, o governante, a capital do território. Suas construções indicavam a organização
social, simbolizavam o orgulho nacional. A cidade atendia as necessidades simbólicas, rituais,
comerciais e culturais de um povo, de uma nação.
Através da história, da cidade foi sempre percebida como uma simbolização cósmica,
daí os desenhos geométricos de suas ruas, praças, jardins e palácios e, conseqüentemente,
suas construções seguiam padrões, arquitetônicos para atender as necessidades dos habitan-
tes. Desde o início, as pessoas se aglomeravam em grupos por atividades, revelando um mo-
156

saico urbano. Aqui os artesões, ali os comerciantes, acolá os clérigos, mais além os governan-
tes. Também, as edificações começaram a se especializar em: oficinas, lojas,igrejas, palácios,
as construções de casas de moradia surgiram e se multiplicaram.
As cidades modernas são vistas como conglomerados de casas residenciais, de prédios
de trabalho, de edifícios públicos, de templos religiosos, de acervos de museus, de parques e
praças. Ao se estabelecerem relações perceptivas e cognitivas com o espaço urbano é preciso
considerar os anseios da população: o que quer, o que gosta/não gosta, o que sonha, o que
espera do futuro. Os governantes e os planejadores devem partir de baixo para cima. Primeiro
fornecer informações dos planos, depois saber das necessidades e vontades da comunidade.
Aí que entra a percepção ambiental urbana. Como os indivíduos ou grupos percebem
o meio ambiente. De que maneira este meio ambiente era e é visto pela sociedade. Lembrar
à própria sociedade que a implantação de uma cidade está sobre um relevo, sobre um solo,
constituído de rochas e sedimentos; que antes havia uma cobertura vegetal natural, que abri-
gava pássaros e animais, insetos e répteis; que as águas drenadas eram limpas e potáveis. Es-
pecialmente, em cidades grandes, de proporções metropolitanas, estas lembranças são esque-
cidas. Só são lembradas quando, após as chuvas torrenciais de verão, os córregos estouram as
tubulações e os rios provocam enchentes, cobrando seus espaços para espraiarem suas águas
atingindo as várzeas, que sempre foram de seus domínios.
Precisamos mudar essa maneira de perceber e conhecer a natureza; precisamos reco-
nhecer os direitos da natureza; desenvolver uma consciência pública e individual, insistir na
informação básica e na comunicação; e talvez, o mais importante formar atitudes e condutas
positivas e afetivas para com o meio ambiente, conduzindo toda a comunidade a reconhecer
a topofilia como o elo afetivo fundamental entre as pessoas e os seus lugares.
A percepção e cognição ambiental precisam ser equacionadas de maneira integrada;
perceber e conhecer a cidade como constituída de partes imbricadas e não segmentadas, as-
sim sendo as favelas, as periferias, os bairros residenciais de classes alta e média, os distritos
comerciais e culturais são partes do todo e não pólos da realidade, não podendo ser enfren-
tados separadamente. A tendência é perceber em separado e procurar a resolver as questões,
também, separadas.
Em se tratando de percepção ambiental urbana é fundamental prever e organizar áreas
recreacionais intra-urbanas. É preciso planejá-las através do tempo do espaço, considerando
as dimensões duração e extensão. Sabe-se, perfeitamente, que as áreas recreacionais, quer
denominadas parques de diversão, de playground, áreas verdes, campinhos de futebol ou de
basquete, são locais onde se pode passar o tempo, se divertir, folgar, sentir prazer ao ar livre.
Portanto, elas necessitam de uma concretização no espaço, de uma extensão que comporte os
equipamentos de recreação, desde sofisticados aparelhos de diversão até uma simples bola.
As áreas recreacionais têm início e fim, enquanto são usadas, valorizadas e consi-
deradas, principalmente por crianças, adolescentes e velhos. Em geral, quando instaladas
ostentam-se limpas, lindas, arborizadas, com bancos e canteiros floridos e muito agradáveis
Ao correr dos anos se observam: bancos quebrados, lixo espalhado, canteiros cheios de mato,
árvores decepadas, indicando um desleixo generalizado por parte das autoridades e, também,
pelos usuários, que cresceram, se tornaram adultos e se desinteressaram por essas áreas. Os
novos usuários procuram novas áreas de recreação.
Do ponto de vista ambiental, tanto perceptivo como cognitivo, os planejadores e urba-
nistas ao implantarem uma área verde recreacional, devem considerar a localização, o uso, a
finalidade em relação aos citadinos, moradores ou visitantes da cidade.
Na realidade, não estamos preparados para enfrentar problemas ambientais urbanos
de magnitudes metropolitanos. Ao ser fundada uma cidade, em geral, não são respeitadas
as leis da natureza do sítio urbano. O exemplo da metrópole de São Paulo: as várzeas dos
157

rios e córregos foram ocupadas indiscriminadamente, nem foram preservadas as vegetações


ribeirinhas; o relevo, também não foi respeitado, as ruas, em geral, cortam os taludes, não
seguindo as curvas de nível. Estes dois aspectos são, apenas exemplos, de outros inúmeros.
Essa tendência se repete em todos os bairros, revelando uma falta de percepção e cognição
ambientais elementares. Acrescentam-se aos outros problemas: a ausência de informação às
pessoas sobre o ciclo hidrológico da água, a sazonalidade das chuvas, o preparo das constru-
ções, a regulamentação do uso da terra etc.
Apesar das questões ambientais relevantes, da violência, do congestionamento do trân-
sito, do aglomerado das multidões, a grande cidade, ainda, permanece como símbolo cósmi-
co da liberdade individual, do clímax da cultura, das experiências estéticas, da modernidade,
do bem-viver.

PERCEPÇÃO AMBIENTAL RURAL

Em quase todos os lugares da Terra, desde o Período Ne-


olítico, derrubaram árvores para criar a lavoura e para estabelecer
seus povoados.
René Dubos. Namorando a Terra (p. 60-61)

O outro lado da moeda da percepção ambiental urbana é a percepção ambiental rural.


O campo sempre se opôs à cidade; porém sempre interligados, interdependentes, imbricados,
constituindo um todo inseparável. A cidade necessita das commodities produzidas pelo cam-
po e, por sua vez, o campo necessita de que a cidade consuma seus produtos.

As características próprias do rural são os campos de cultivo e de criação de animais,


o maquinário agrícola, as instalações próprias, as estradas vicinais, as moradias, constituindo
uma paisagem própria, bem diferente daquela encontrada na cidade. Talvez, o mais marcante
na paisagem rural seja a cor verde das plantações, entremeadas pelos capões residuais de
antigas florestas. Este mar verde dos cultivos esconde o mais grave problema ambiental: o uso
desregrado dos agrotóxicos, que tem sido tão prejudicial para o meio ambiente, quanto para
a intoxicação dos trabalhadores rurais. Diante disso, aparecem as questões ambientais como
não têm sido consideradas prioritárias, nem centrais; são questões que exigem visibilidade,
que dizem respeito diretamente à percepção e cognição ambientais.
É preciso mudar a maneira de se perceber o meio ambiente rural, não mais como um
recurso inesgotável, pois a ação humana, como resposta à percepção ambiental agrava, às
vezes, a situação do campo, permitindo o aparecimento de problemas insanáveis, tais como:
erosão dos solos (voçorocas) poluição dos rios e dos lençóis freáticos, queimadas, escorre-
gamentos de barrancos, enchentes. Isso tudo como contraposição aos frágeis arranjos dos
sistemas da natureza, pois estamos usando e consumindo o nosso patrimônio ambiental em
ritmos absolutamente desastrosos, impedidos de perceber que ameaçam, não apenas, o meio
ambiente, mas, também a nós mesmos.
O maquinário agrícola, cada vez mais utilizado, cada vez mais moderno, tem marcado
a paisagem rural, pois a enxada, o arado puxado a animal e o carro de boi vêm desaparecen-
do, quando antes eram elementos marcantes nas cenas do campo. Hoje em dia, são peças
de museu e de curiosidade esses implementos agrícolas como a enxada, o enxadão, a foice,
o arado. São encontrados, somente em agriculturas primitivas. No panorama agrícola, vários
elementos não são visíveis como os adubos, os praguicidas, as inseminações artificiais, mas
intrinsecamente, constituem a paisagem.
158

Como não deixar de destacar as moradias rurais: com as casas dispondo de água en-
canada, luz elétrica, banheiros, vários cômodos, cozinhas aparelhadas bem recentemente,
contanto com conduções próprias (automóveis e caminhonetes modernas e velozes).
Este cenário variado das plantações imensas e dos rebanhos numerosos marcam inde-
levelmente a cultura do agronegócio, comercial, globalizada e, principalmente, voltada para
a exportação. A percepção ambiental da paisagem rural é sempre eivada de pobrezas e de ri-
quezas, pois, o campo está sempre subordinado quanto às dependências: climáticas (pouca /
muita chuva); econômicas (custo / benefício); mercado (alto / baixo); maquinárias (avançadas
/ obsoletas); sementes (transgênicas / comuns); culturais (modernas / tradicionais); fundiárias
(latifúndio / minifúndio); cultivos (lavouras / pastagens). Os empresários rurais, quer como
donos ou trabalhadores, estão sempre submetidos a escolhas entre o mais rentável, mais pro-
dutivo e menos oneroso.
Muitas vezes, essas escolhas dependem da percepção e da cognição do momento,
que necessariamente vão influenciar em um futuro próximo ou longínquo. Essas tomadas de
decisões são cruciais, pois precisam ser decididas rapidamente: o que plantar/criar, em que
terrenos/solos, financiar ou não a safra. Todas essas decisões a serem tomadas dependem
diretamente das informações disponíveis e obtidas. Uma fração de dias ou meses, no atraso
da decisão compromete toda uma vida de trabalho e dedicação.
Talvez, a percepção ambiental rural é tão importante quanto a urbana porque nós, aca-
dêmicos, não separamos a paisagem urbana da rural. Estas constituem um contínuo territorial
geográfico e histórico, intercalados de vilas e povoados, limitados por estradas e caminhos.

PERCEPÇÃO AMBIENTAL DAS REGIÕES SELVAGENS

O uso da frase “Namorando a Terra” por Tagore sugere


que o relacionamento entre a espécie humana e a natureza devia
ser de respeito e de amor e não de domínio... além disso, o efeito
é mais interessante quando ambos os parceiros conservam ele-
mentos de sua individualidade, de seu próprio estado primitivo.
René Dubos. Namorando a Terra (p. 66)

O termo selvagem é genérico e é aplicado às regiões virgens, sem ou pouco contado


com o civilizado. As regiões selvagens correspondem às florestas equatoriais (da Amazônia), e
frias (do Alasca); às cadeias montanhosas (do Himalaia, dos Andes); aos extensos desertos (do
Saara, do Atacama); às ilhas oceânicas (do Pacífico, do Índico); às grandes geleiras (do Ártico
e do Antártico); às áreas pantanosas (da península da Flórida e do interior da Mongólia), todos
estes exemplos são partes do planeta, em geral, inabitáveis.
Para os ecólogos e ambientalistas, selvagem define todo e qualquer meio ambiente
não tocado pelas atividades humanas. Porém, ainda carrega, intrinsecamente, uma conotação
de repulsa, de insegurança e de exótico. A palavra está ligada a lugar natural ou artificial,
onde a pessoa experimenta perplexidade e confusão. A natureza selvagem foi e, ainda é
considerada como hostil e cruel, refúgio do mal e de bruxaria. Muitos, também denominam
de selvagem lugares urbanos de conjunto de edifícios amontoados indicando hostilidade e
corrupção, é a “selva de pedras”.
O meio ambiente selvagem só foi percebido e valorizado, não pelos rurais, mas pelos
urbanos quando perceberam e constataram uma separação entre o homem e a natureza. Esta
visão surgiu na Europa, entre pessoas cultas que sentiam necessidade de um contato com um
ambiente selvagem, puro, intocado, não por amor, mas como uma busca de um enobreci-
mento emocional e intelectual. Com o romantismo, o ambiente selvagem tornou-se tema de
159

conversas, de literatura, de pintura; virou moda e a procura de lugares com belos atributos
da natureza, tais como a floresta, os rios, as savanas, as montanhas. Eram locais que gozavam
de mistério e encantamento.
Esta percepção das regiões selvagens, somente mais tarde é que foi enriquecida pela
ciência. Foi deixada a idéia de que os desertos, os pântanos as ilhas isoladas abrigavam os
maus espíritos e eram deformidades da superfície terrestre. Foi, então, que os cientistas e
eruditos conheceram e perceberam estes fenômenos da natureza como expressão da ordem
natural e das diversas obras humanas construídas. Apesar de terem passados séculos, muitas
pessoas, tanto habitantes das cidades, como do campo, ainda sentem medo, experimentam
sensações de insegurança quando se defrontam ou adentram lugares selvagens. A natureza
selvagem provoca sentimentos opostos; é a criação divina em seu estado puro; é a beleza
rude e exótica; entretanto é muito perigosa, muito traiçoeira, abrigo de animais ferozes e
plantas venenosas.
As regiões selvagens, na atualidade, vêm despertando cada vez mais interesse e exigin-
do necessidade de preservar os ecossistemas únicos e incomparáveis e de extensões maiores
possíveis. Reconhecemos que, contemporaneamente, o selvagem é mais um símbolo dos
processos naturais ordenados; é mais como um estado de espírito, é mais subjetivo do que
objetivo, é mais uma descrição de uma paisagem longínqua, de difícil conceituação. Podemos
descrevê-lo, como aquela natureza virgem, que não é o campo e nem o seu oposto que é a
cidade. Tanto o campo como a cidade são construções humanas, feitas inteiramente pelo ho-
mem, são duas polaridades, uma antítese da outra, de onde surge um termo intermédio, que
não é rural nem urbano, que é o selvagem.
A idéia que sempre prevaleceu entre as relações sociedade/natureza é que os biomas
conservados representam entraves ao desenvolvimento econômico, ao progresso. A socieda-
de sempre utilizou os recursos naturais de uma maneira exploradora, não se preocupando
com a reposição vegetal ou animal, ou com estratégias racionais com a exploração dos mi-
nerais. O mito da natureza inesgotável, que se pode destruir e que sempre existirão recursos,
que sempre serão renovados, tem sido a tônica durante os milênios da ocupação do homem
sobre a Terra.
O exemplo clássico e mais perto de nós mesmos é a nossa ocupação do território,
agora denominado, brasileiro, nestes 500 anos de história. A destruição da cobertura florestal
representada pela Mata Atlântica, a ocupação desordenada do cerrado do Brasil Central e
mais recentemente a derrubada da floresta amazônica. Tudo isso vem acontecendo diante dos
nossos olhos, somos informados pela mídia, diariamente, com a intensificação da tecnologia.
A alteração do mundo natural atende aos propósitos imediatistas e individualistas. Nem sem-
pre o homem comum ou mesmo os administradores relacionam as causas aos efeitos.
Porque assistimos as piores secas, como as da Amazônia, ou as piores enchentes no
Sudeste? Talvez porque sempre encaramos ou percebemos a natureza, como estática, um
cenário silencioso, uma paisagem tranqüila, aprazível, nos esquecemos ou não nos apercebe-
mos que a natureza é extremamente dinâmica, é um sistema complexo, contendo fluxos de
matéria e energia e que o homem surgiu apenas há algum tempo sobre a superfície terrestre.
O que dizermos sobre a proposta governamental da transposição do rio São Francisco? Há
milênios, o rio tem esse curso e vem construindo seu talvegue, suas várzeas, seus meandros
e lutando bravamente contra a poluição e o seu mau uso.
Não conhecemos inteiramente as leis da natureza e queremos interferir nas mesmas.
Lembramos que o poder que temos sobre o meio ambiente não nos permite exercer contro-
le sobre ele. Temos tido poder de destruição (devastação florestal, drenagem de mangues,
poluição dos rios e dos solos), no entanto, não temos poder de reconstruir esses biomas, de
maneira rápida e eficaz, não sabemos como redesenhar a nossa biosfera. A ciência investiga a
160

natureza, chegando o mais perto possível da realidade, em relação a outros sistemas de cren-
ça e conhecimento. Sabemos que o conhecimento científico é neutro, do ponto de vista ético,
desprovido de valor, não libertando o Homem, apenas aumenta o seu poder. A ciência não se
preocupa, essencialmente, com a felicidade do homem, mas sim com a verdade científica.
Talvez, seja necessário e premente equacionar a questão ambiental como um todo, não
abordando separadamente o econômico do social. Para tanto, será preciso educar as pessoas
a perceber e a conhecer o seu meio ambiente com suas fragilidade e seus poderes e, pri-
mordialmente, desenvolver sentimentos de afetividade. Não basta conhecer, é indispensável
amar, gostar da natureza, quer urbana, rural ou selvagem. Gostar implica respeitar, “cativar”,
reverenciar e aceitar, não com simples emoção, mas com o intelecto, com a esperança de
melhoramentos.

PERSPECTIVAS PARA UMA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

A idéia de que podemos manejar a Terra e aperfeiçoar a


natureza é provavelmente a expressão máxima da presunção hu-
mana, mas tem profundas raízes no passado e é quase universal.
René Dubos. Namorando a Terra (p. 74)

Para que a percepção ambiental ocupe um lugar de destaque dentre as prioridades


atuais, necessitamos de mais pesquisas de campo e de estudos metodológicos. Necessitamos
desenvolver uma tomada de consciência ambiental ao desenvolver uma atitude ética e afetiva
em relação ao meio ambiente.
Desejamos, por um lado, preservar e conservar os animais e as plantas selvagens,
com seus biomas, porque reconhecemos seus direitos naturais. De outro lado, não queremos
alterações em relação às nossas paisagens históricas, representantes de nosso patrimônio am-
biental humanizado como os vinhedos da França, as represas e canais artificiais, os trajetos
das rodovias e ferrovias modernas com seus túneis e viadutos, as pontes de madeiras e das
de concreto, os castelos e os arranha-céus, as fazendas coloniais. Nossas atitudes são ambi-
valentes, gerando conflitos entre a recreação e o turismo e a preservação e conservação das
regiões selvagens.
Enquanto a população mundial fora relativamente pequena e a tecnologia não tinha
atingido os atuais patamares de desenvolvimento, a intervenção humana não era significati-
va. Porém, quando atingimos um contingente de bilhões e bilhões de habitantes e dispomos
de técnicas sofisticadas de rapidez e eficácia para explorar e devastar a natureza, a questão
se revela crucial, premente e prioritária. Aí, que entram os estudos de percepção e cognição
ambiental. Urge que modifiquemos, atualizemos e transformemos nossas condutas, atitudes
e valores.
Os ecossistemas naturais distinguem-se das comunidades humanas, porém, ambos são
dependentes das condições ambientais em escalas variadas. A presença humana é sempre um
fator preponderamente nas relações sistêmicas com o meio ambiente. Mesmo, atualmente,
o meio ambiente, também, desempenha um papel decisivo em situações globais ou locais,
como nos caso de maremotos, ciclones, terremotos, avalanches, estiagens prolongadas, inun-
dações ou calores intensos. Nestas situações, os seres humanos se vêem dependentes das
fúrias naturais, se sentem impotentes para lidar com os aspectos físicos geográficos da natu-
reza. “O admirável mundo novo” só previu e trabalhou com os controles biológicos, sociais e
culturais, não previu nem se interessou com os climáticos, tectônicos, oceânicos ou terrestres.
Por isso, “o mundo novo” seria quase perfeito e equilibrado.
161

Nos últimos dois séculos do milênio anterior, assistimos revoluções e muitas discussões
sobre os direitos humanos: direito da mulher, da criança, do idoso, das minorias raciais e re-
ligiosos. Chegamos até estruturar uma Nações Unidas para congregar as nações e os povos
do planeta. Organizamos associações governamentais e não governamentais para lutarem
contra a discriminação, pobreza, desamparo, e a favor da habitação e da vida decentes, da
água potável, das estradas conservadas, da energia elétrica, da alimentação básica para todos,
independente de etnia, religião, localização geográfica.
Em grande parte, no segundo quartel do século vinte, atingimos patamares razoáveis,
principalmente nos aspectos sanitário e de higiene: a vacinação de crianças e adultos contra
várias doenças endêmicas, os transplantes de órgão vitais, a coleta e tratamento do lixo, a
recuperação de bacias hidrográficas, o combate de endemias (malária, fome, desnutrição).
Quanto aos aspectos políticos assistimos a luta a favor das eleições livres e do combate ao
autoritarismo, às ditaduras sangrentas e indiscriminadas.
Quanto aos aspectos socioeconômicos, relativamente se fez pouco: as diferenças de
classes sociais e a distribuição de rendas, não é marcante nas paisagens geográficas. Perma-
necem os ricos e abastados de um lado e os pobres e subdesenvolvidos de outro. Quanto aos
aspectos ambientais defrontamos com um quadro mais ou menos semelhante aos demais: a
percepção e a cognição em relação ao meio ambiente foram auspiciosas, pois nos desper-
tamos para a natureza, nos interessamos pelo ambiente natural, estamos desenvolvendo um
sentimento de afetividade especial para com os animais e plantas selvagens, estamos tomando
consciência da necessidade da preservação, conservação e recuperação ambiental. Hoje, há
ecólogos, geógrafos, ambientalistas, biólogos e outros mais, estudando, pesquisando, traba-
lhando nessa área. Diríamos, como Tuan, que a topofilia floresceu entre os homens. Este
elo afetivo para com o lugar surgiu concreta e vividamente, como uma experiência pessoal
e coletiva e persistirá entre nós, “incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o
meio ambiente material”.
Não devemos nos esquecer que o despertar de sentimento topofílico, também apre-
senta o seu reverso: o sentimento topofóbico. Muitas pessoas desenvolvem uma topofobia
em relação a certos lugares, em geral, relacionadas com a emoção, as lembranças, os acon-
tecimentos e sentem verdadeiras fobias por alguns lugares e espaços. Ainda, podemos nos
defrontar com um topocídio de um lugar. Exemplo de desaparecimento de vilas e povoados
resultantes da inundação de áreas para construir represas. Mais, recentemente, assistimos a
busca de uma topo-reabilitação para paisagens valorizadas e consideradas únicas, por em-
presas estatais e não estatais, patrocinando a recuperação de cidades antigas, edifícios, obras
arquitetônicas e formação de profissionais para esse mister.
Estes têm sido e deverão ser os direitos e os deveres humanos para com as construções
históricas e modernas, a serem preservados para a posteridade. Mas, quais são os direitos e
deveres para com o natural? O que preservar ou conservar, ou reconstruir do natural, do sel-
vagem? Cada sociedade, cada comunidade percebe de uma maneira, valoriza certos aspectos,
prioriza algumas atitudes, prepara a seu modo as relações ambientais. Este século será mar-
cado pelos direitos naturais. Temos tomado consciência de que a natureza exige atenção res-
peitosa, reclama que as leis sejam cumpridas e implementadas, que os códigos sejam acatados
e, principalmente, que aprofundemos nossos conhecimentos em relação ao meio ambiente. A
política ambiental deve ser abordada tanto local como mundialmente, pois, hoje vivemos em
uma “aldeia global”, as interações acontecem aqui e agora, lá e acolá, em todas as partes.
As perspectivas para uma percepção/cognição ambiental devem incluir, não apenas
admiração pelas belezas exóticas e únicas, mas, também, recuperar biomas degradados, pre-
servando a diversidade genética da biota. Lembremos sempre que não vivemos em regiões
selvagens, mas necessitamos delas para nossa sobrevivência psicológica e biológica. Reco-
162

nhecemos que a nossa experiência com o selvagem, apesar de indireta e passageira, é im-
prescindível para manter nosso equilíbrio e harmonia com o meio ambiente como todo. O
nosso contato com o selvagem, com a natureza intocada, temos tido, indiretamente, através
da mídia. Quem não aprecia os vídeos e os filmes sobre as regiões selvagens? Quem não so-
nha em participar de um safári fotográfico no Pantanal ou nas savanas africanas, para “ver” os
animais e principalmente as aves coloridas? Quem não fantasia uma viagem submarina para
descortinar o fundo do mar e seus misteriosos peixes, corais e algas?
Por tudo isso e talvez muito mais é preciso passar da visão utópica para a ação efeti-
va, para uma ética em relação ao manejo da Terra, para uma afetividade positiva para com o
nosso planeta, atingindo a “corte amorosa da Terra”. São razões estéticas e morais, além das
econômicas e ecológicas, para preservar e conservar paisagens geográficas e históricas.

Termino com as palavras de René Dubos, em seu livro “Um Deus Interior”:

Muitas vezes é difícil manter a fé no destino do Homem, mas é certamente uma ati-
tude covarde desesperar dos fatos (p. 234)

REFERÊNCIAS

BALTRO, A.M. O pensamento de Jean Piaget. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1976.

DEL RIO, V.; OLIVEIRA, L. Percepção ambiental, a experiência brasileira. São Paulo:
Studio Nobel, 1996.

DUBOS, R. Um Deus Interior. São Paulo: Melhoramentos e EDUSP, 1975.

KOHLSDORF, M.E. A apreensão da forma da cidade. Brasilia: Editora UnB, 1996.

PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1973.

TUAN, Y. Topofilia. São Paulo: DIFEL, 1980.

WARD, B; DUBOS, R. Uma Terra Somente. São Paulo: Melhoramentos e EDUSP, 1973.
CAPITULO 10
EDUCAÇÃO PARA O MEIO AMBIENTE E GEOGRAFIA

Marlene T. de Muno Colesanti50


Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues51

A degradação das condições ambientais não é um fenômeno novo. O que adquire cer-
to grau de modernidade são as discussões realizadas por inúmeros especialistas a respeito dos
problemas ambientais, propondo uma série de questões relacionadas com as diversas formas
de degradação do meio ambiente. Isso impulsiona a participação de setores da população nos
debates e movimentos relacionados à problemática ambiental, o que antes não ocorria.
Tem-se colocado, cada vez mais, a necessidade de procurarmos compreender tanto
os dinâmicos processos da natureza como as relações que o homem estabelece, no tempo e
espaço com o meio natural. A interferência nessa dinâmica, muitas vezes operada de forma
irreversível e as conseqüências dessas atitudes, muitas vezes catastróficas, têm suscitado pre-
ocupações sobre a possibilidade de vida futura no planeta.
Na verdade, foi no século XX que o acúmulo de saber e poder mais se acentuou,
considerando-se a grande revolução dos meios de informação trazida pelas novas tecnolo-
gias. Concomitantemente a essa grandeza tecnológica, porém, graves problemas ambientais
também se processaram, como por exemplo: poluição de recursos hídricos, miséria, fome nas
grandes concentrações urbanas.
Ao analisar-se tal paradoxo, pode-se pensar que o planeta se tornou inviável; contudo,
esta não é a conclusão correta. Com uma mudança de mentalidade em relação ao uso dos
recursos naturais ainda disponíveis, reorganização dos valores sociais em benefício de todos
e vontade política, ainda é possível o resgate de uma relação outrora equilibrada entre o ho-
mem e a natureza.
Para que isso ocorra é necessário, portanto, a formação de uma consciência ecológica
e uma nova postura ética do homem perante a natureza, bem como perante a ele próprio.
Faz-se, também, necessário que se instrua o homem sobre os processos dinâmicos da natu-
reza e as conseqüências advindas de suas ações e destas para a vida na Terra. Tal processo
educacional deve visar à melhoria da qualidade de vida e à preservação do planeta para as
gerações futuras.
Tendo em vista tal preocupação, a Educação Ambiental passa a ser um dos eixos fun-
damentais para impulsionar os processos de prevenção da deterioração ambiental, o aprovei-
tamento sustentável dos nossos recursos e o reconhecimento dos direitos dos cidadãos a um
ambiente saudável.
Segundo Oliveira (1998), a Educação Ambiental implica uma nova concepção do pa-
pel da própria escola. A articulação de seus conceitos, métodos, estratégias e objetivos é
complexa e ambiciosa; inclui dimensões ecológicas, históricas, culturais, sociais, políticas e
econômicas da realidade e a construção de uma sociedade baseada em princípios éticos e de
solidariedade.

50 Geógrafa (UNESP), Professora Doutora, Instituto de Geografia -UFU


51 Geógrafa (DG-FFLCH-USP), Doutora (IG-UFU), analista ambiental SEMA-MG
164

CONTEXTUALIZANDO ...

Desde meados da década de 1940, já se fazia sentir em todo o mundo preocupações


com o meio ambiente. Warster (1985) identifica como marco simbólico do início da ecologi-
zação das sociedades ocidentais o ano de 1945. Em julho desse ano, no deserto de Los Ala-
mos, Novo México, Estados Unidos, o azul do céu transformou-se subitamente em um clarão
ofuscante. A equipe científica liderada pelo físico Oppnheimer explodia experimentalmente a
primeira bomba H. Dois meses depois, seriam jogadas as bombas atômicas sobre as popula-
ções de Hiroshima e Nagasaki.
O homem havia conquistado, a partir de então, o poder de destruição total de si pró-
prio e de todas as demais espécies sobre a face da Terra. Após o dia 06 de agosto de 1945, o
mundo não seria mais o mesmo. Adquiria-se a autoconsciência da possibilidade de destruição
completa do planeta, mas ao mesmo tempo as primeiras sementes do ambientalismo contem-
porâneo eram plantadas.
Em 1962, Rachel Carson publica “Primavera Silenciosa”, relatando os problemas dos
pesticidas na agricultura e mostrando o desaparecimento das espécies. Essa obra tornou-se
um clássico do ambientalismo contemporâneo. A proteção da natureza, o não consumo, a
autonomia, o pacifismo eram apenas algumas das muitas bandeiras empunhadas por aqueles
que começavam a ser chamados de “ecologistas”.
No começo dos anos setenta, já se fazem sentir, em todo mundo, preocupações com o
Meio Ambiente. A crise ambiental enfrentada era totalmente diferente do que havia ocorrido
até então, já que os danos tomavam uma escala mundial e a Terra começava a correr grande
perigo.
Problemas ambientais têm ocorrido decorrentes do aumento populacional, já que a ne-
cessidade de ampliar as atividades para atender a demanda da população faz com que novas
terras tenham que ser preparadas para o plantio, aumentando, portanto, os desmatamentos,
e causando a destruição da coleção de biodiversidade existente, principalmente, nas florestas
tropicais. A expansão da agricultura também estimula investimentos maciços na irrigação que,
se por um lado, propicia benefícios, por outro traz inúmeras desvantagens, interferindo na
hidrodinâmica dos corpos d’água e no uso dos mananciais para consumo de água pelas mes-
mas populações. Associadamente, a expansão das atividades industriais aumenta a poluição
das cidades com o excesso de poluentes, indiscriminadamente, lançados no ar, água e solo.
A ocorrência desse conjunto de situações despertou o homem para a necessidade de
conter o avanço dos impactos ambientais, causados por suas atividades e para adotar métodos
racionais de manejo do ambiente.
Assim, de forma esparsa, ações e pesquisas se sucederam em diversos países, com a
finalidade de conter o ritmo da devastação ambiental mundial, mas, somente, após a Primeira
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, em Esto-
colmo, que tais preocupações começaram a ganhar consistência, apesar de muitos países não
atentarem para a relevância da equação do problema desenvolvimento versus conservação
do meio ambiente.
Nessa Conferência, atendendo à necessidade de se estabelecer uma visão global co-
mum que servisse de orientação para a preservação e melhoria do meio ambiente, foram
formulados vinte e três princípios, dentre os quais um relacionado à Educação Ambiental,
segundo o qual torna-se indispensável o trabalho de educação para o meio ambiente para
combater a crise ambiental.
Essa proposta visava tanto aos jovens como aos adultos, dispensando-se a devida
atenção ao setor das populações menos privilegiadas e aos empresários, com a finalidade de
assentarem-se as bases de uma opinião pública bem informada e de uma conduta responsá-
165

vel, o que promoveria a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda a sua dimensão
humana. Previa-se que tal ação levaria tanto os jovens como os adultos a tomarem medidas
protetoras, que de acordo com suas possibilidades, poderiam ordenar e controlar o meio am-
biente, visando à melhor capacidade da Terra de produzir recursos vitais renováveis.
Em 1975, realizou-se em Belgrado, o Seminário Internacional de Educação Ambiental,
com a participação de representantes de 60 países. Durante o evento foi redigida a carta de
Belgrado, a qual define metas, objetivos, destinatários e princípios de orientação para os pro-
gramas de Educação Ambiental.
A Educação Ambiental passaria, então, a ter como meta principal proporcionar um pro-
cesso de construção de conhecimentos, aptidões e motivação que favorecessem a consciência
do meio ambiente e o interesse por ele e por seus problemas conexos. Preconizava, ainda, a
necessidade da universalização de uma ética mais humana que induzisse a adoção de atitudes
e comportamentos consoantes com o lugar ocupado dentro da biosfera.
Do final de 1976 a setembro de 1977, foram realizadas reuniões regionais na África,
América Latina e Caribe, Ásia, Europa e Estados Árabes, para tratar especificamente de Edu-
cação e preparar para a Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental,
realizada em outubro de 1977, Tbilise, URSS. Nessa Conferência foram elaboradas orientações
gerais sobre Educação Ambiental para os países participantes e membros da UNESCO organi-
zarem e desenvolverem os seus próprios programas.
A tônica do documento produzido nessa Conferência é a de que toda ação política, na-
cional e internacional, deveria ter como principal preocupação a melhoria do nível de vida de
todos os habitantes do planeta. Esta finalidade implicaria no esforço para o desenvolvimento
sem o qual não seria possível colocar à disposição dos homens os bens necessários que dão
dignidade à sua existência.
Tal esforço seria fruto do trabalho, da organização social, da tecnologia e, também,
da utilização racional dos recursos naturais, sendo necessário, portanto, que todos os países
empreendessem ações corretivas, as quais, num quadro de desenvolvimento planejado, de-
veriam levar em conta, em nível nacional e internacional, os diversos aspectos da vida social
em suas inter-relações com o meio biofísico, dedicando-se a preservar e a consolidar os equi-
líbrios essenciais para um melhoramento constante das condições de vida.
O documento afirma, também, que as soluções para os problemas do meio ambiente
não são possíveis sem uma mudança no ensino geral e especializado em todos os níveis,
já que é necessário que as pessoas de diferentes idades e meios compreendam as relações
fundamentais que vinculam o homem a seu padrão de vida, o que favorece a existência de
comportamentos responsáveis frente ao meio ambiente, para o gozo constante de seu melho-
ramento.
Fala sobre a necessidade do estabelecimento de um padrão geral para a Educação Am-
biental, da adoção de medidas a fim de se formular um programa internacional de educação
sobre o meio, de enfoque interdisciplinar e com caráter formal e informal. Estabelece, ainda, a
intenção de se atingir todos os níveis de ensino, o público em geral, especialmente, o cidadão
comum que vive nas zonas urbanas e rurais, os jovens e adultos indistintamente, favorecendo,
em todos os níveis, a participação responsável e eficaz da população na concepção e aplica-
ção das decisões que colocam em jogo a qualidade do meio ambiente.
No Brasil, o governo brasileiro, com a criação, em 1973, da Secretaria Especial do Meio
Ambiente, estabeleceu como parte de suas atribuições o desenvolvimento de programas que
visassem ao esclarecimento sobre o conceito de meio ambiente e à educação do povo no
tocante ao uso adequado dos recursos naturais, visando à sua conservação.
Em 1981, a Educação Ambiental também foi contemplada pela Lei nº 6.938/81, que
instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, a qual estabelece que a Educação Ambiental
166

de ser trabalhada em todos os níveis de ensino, inclusive na comunidade em geral.


Da mesma forma, a Constituição “Cidadã” de 1988 considera no artigo 225, parágrafo
1º que a “Educação Ambiental deve ser promovida em todos os níveis de ensino.”
Em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desen-
volvimento (CNUMAD/UNCED), realizada no Rio de Janeiro, também, denominada de RIO-
92, foi criado o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabi-
lidade Global, documento elaborado pela sociedade civil e que expressa o entendimento da
Educação Ambiental como um processo dinâmico em permanente construção, orientada por
valores direcionados à transformação social. Ao mesmo tempo também foi produzida, com a
participação do MEC, a Carta Brasileira para Educação Ambiental, a qual reafirma o seu papel
na consolidação da sustentabilidade e, portanto, como instrumento para a conservação do
planeta e para o alcance de uma melhor qualidade de vida.
Ainda nos anos 90, os Parâmetros Curriculares Nacionais consolidaram a posição do
Conselho Federal de Educação dispondo a Educação Ambiental como tema transversal, com-
pondo uma parte diversificada e flexibilizada do currículo escolar. E, após anos de lutas dos
ambientalistas, em 27 de abril de 1999, a Lei 9.795 foi promulgada, instituindo a Política Na-
cional de Educação Ambiental, o que indica o seu pleno reconhecimento político, apesar dos
inúmeros problemas ainda existentes para a sua real concretização.
Tendo quase sempre, como objetivo, uma problemática local e imediata, as iniciativas
de Educação Ambiental no Brasil expandiram-se significativamente, embora nem sempre de
forma sistemática.
No Ensino Superior, algumas Universidades têm realizado cursos de pós-graduação,
visando à qualificação de recursos humanos. Secretarias Estaduais e Municipais também estão
tomando a iniciativa de elaborar material didático e de oferecer cursos, em parceria com as
Universidades, para professores e técnicos preocupados com a questão ambiental, o que tal-
vez sejam indicadores de um futuro mais promissor para a Educação Ambiental brasileira.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS

A Educação Ambiental implica um esforço para o desenvolvimento, sem o qual não


seria possível colocar à disposição dos homens os bens necessários que dão dignidade à sua
existência. Assim, o desenvolvimento, mediante o progresso da ciência e da tecnologia, influi
de maneira mais intensa sobre o meio ambiente e a conseqüência disso são problemas que
hoje enfrentam os países mais desenvolvidos.
Para tanto, todos os países devem empreender ações integradas, as quais, em um
quadro de desenvolvimento planejado, deverão levar em conta, em nível nacional e inter-
nacional, os diversos aspectos da vida social com suas inter-relações com o meio biofísico e
dedicar-se a preservar e consolidar os equilíbrios essenciais para um melhoramento constante
das condições de vida.
As soluções para os problemas do meio ambiente não serão possíveis sem uma mudan-
ça no ensino geral e especializado, em todos os níveis. É necessário que pessoas de diferentes
idades e meios compreendam as relações fundamentais que vinculam o homem ao modo de
vida, favorecendo a existência de condutas responsáveis em relação ao meio ambiente.
É imprescindível aplicar-se o enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo espe-
cífico de cada disciplina, de modo a se adquirir uma perspectiva global para a Educação Am-
biental, tanto formal quanto informal, atingindo todos os níveis de ensino, inclusive o público
em geral, especialmente o cidadão comum que vive tanto nas zonas urbanas quanto rurais.
A proposição de atividades que levem o ser humano a compreender a natureza com-
167

plexa do meio ambiente, resultante da interação de seus aspectos biológicos, físicos, sociais
e culturais, facilita o entendimento da interdependência dos diversos componentes do meio
ambiente, no espaço e no tempo, de modo a favorecer a utilização mais reflexiva, e mais pru-
dente, dos recursos para a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais, presentes
e futuras.
A Educação Ambiental deve, acima de tudo, favorecer, em todos os níveis, uma par-
ticipação responsável e eficaz da população nas decisões que colocam em jogo a qualidade
do meio ambiente. Deve mostrar, com clareza, as interdependências econômicas, políticas e
ecológicas do mundo moderno e o fato de que muitas decisões e condutas em um determi-
nado país, podem ter conseqüências de alcance mundial.
Nesse sentido, a Educação Ambiental desempenha função importante para a formação
de uma atitude democrática de responsabilidade e solidariedade entre as pessoas, garantindo,
assim, a conservação e preservação do meio ambiente.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E GEOGRAFIA

A contribuição da Geografia para a Educação para o Meio Ambiente e Desenvolvimen-


to constitui-se na visão de espaço em seu todo, apesar do espaço também ser trabalhado por
outras disciplinas. O que diferencia a abordagem dada pela Geografia é a horizontalidade e,
também, a diversidade de escalas em que os eventos e processos podem ser tratados e, prin-
cipalmente, a visão sistêmica que, cada vez mais, vem sendo usada em estudos geográficos.
Trabalhar com Educação Ambiental requer uma série de investigações e a contribuição
de cada disciplina científica deve estar restrita a sua área de competência, solidificando, assim,
a interdisciplinaridade.
Os geógrafos, segundo Kopkinson (1973), têm a mesma tarefa que os professores de
outras disciplinas, de assegurar que o esquema de estudo seja coerente e apropriado à capa-
cidade e habilidade do grupo, dando ênfase à importância dos fatores culturais que influen-
ciam a percepção do meio ambiente e às possibilidades de uso desses recursos, frisando-se a
importância dos trabalhos práticos, especialmente, trabalhos de campos e mapeamentos.
Dessa forma, os estudos de campo, profundamente, caros aos geógrafos e professores
de geografia, são uma atividade a ser utilizada em Educação Ambiental e que resultam em um
grande avanço no processo de desenvolvimento do comprometimento dos alunos em relação
à conservação do meio ambiente.
Como os trabalhos de campo se constituem atividades fora do contexto de sala de aula,
eles podem ser realizados em diversos locais como, por exemplo, em um centro de pesquisa,
no laboratório de uma indústria, às margens de um rio, em espaços abertos e até mesmo na
própria escola. Essa prática, além de propiciar o estudo da conexão dos elementos ambien-
tais e dos efeitos da ação antrópica sobre o meio, auxiliam na desmistificação da noção de
ambiente como algo restrito à fauna, flora, corpos d’água.
O trabalho de campo incrementa a observação mais profunda da situação ambiental,
muitas vezes percebida em sua aparência, sendo pouco conhecida, sistematizada, refletida e
questionada. O ambiente passa, grande parte das vezes, desapercebido, pois nos acostuma-
mos a olhar e a conviver com as mesmas coisas, fatos, fenômenos e pessoas, sem reparar nas
mudanças que vão ocorrendo.
Nesse processo, a Geografia poderá lançar mão de seus métodos de ensino: descrever,
localizar, relacionar, analisar as relações dos componentes do meio ambiente, para que as
pessoas possam entender as leis que regem este planeta e passem a adquirir um certo respeito
e um sentimento afetivo em relação ao meio ambiente.
168

O ensino e a pesquisa em Geografia, relacionado às questões de Educação Ambiental,


requerem um compromisso com a utilização e desenvolvimento de todas as situações que
possam ser nutridas através de experiências e atividades que cultivem um profundo respeito
e amor pelo mundo, através de exemplos dos problemas ambientais locais, estudos de caso,
que proporcionem oportunidades de examinar e participar das complexidades de tomada de
decisões, da compreensão de valores alternativos e da real operação dos sistemas naturais
pelo homem.
Este conhecimento deve traduzir-se em atitudes e atividades favoráveis à conservação
e melhoria do meio ambiente já que para a assunção da ética sustentável de vida, é necessário
que as pessoas reexaminem os seus valores e alterem suas atitudes.

Neste início de século, faz-se necessário que a nossa atuação seja mais ousada e efe-
tiva. Precisamos criticar, mas sempre que possível, propormos soluções, evitando, assim, a
vivência inábil de meras situações de levantamento de problemas, realização de diagnósticos,
delimitação de áreas, organização de comissões sem, no entanto, chegar-se a uma solução
para convencermos as pessoas de que a Terra é, e continuará sendo, a morada do Homem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação Ambiental não deve ser uma disciplina isolada. Deve ser tratada de forma
interdisciplinar, por meio de projetos, nos quais os assuntos sobre meio ambiente tenham um
enfoque holístico, global e integrado, considerando os vários ângulos e implicações de um
mesmo problema.
As abordagens sobre meio ambiente devem ser feitas em seu sentido amplo, consi-
derando a totalidade de ações e concepções produzidas pelos indivíduos e pelos diversos
grupos humanos, em tempo e lugar variados. Isto significa pensar o meio ambiente em seus
múltiplos aspectos: ecológicos, geográficos, históricos, econômicos, políticos, culturais e edu-
cacionais.
A Educação Ambiental deve permear todas as disciplinas que compõem o currículo
escolar e percolar todos os conteúdos, integrando todas as disciplinas da grade escolar nas
escolas de Ensino Infantil, Fundamental e Médio.
Ligando consciência e construção de conceitos básicos ecológico-ambientais, a Educa-
ção Ambiental envolve o desenvolvimento de processos afetivos, cognitivos e de habilidades,
especialmente, para o desenvolvimento de atitudes e valores que motivam as pessoas a se
envolverem com a solução de problemas ambientais.
Do mesmo modo, auxilia o desenvolvimento dos processos de raciocínio do aluno,
o que pode ser eficiente na solução de problemas ambientais complexos, na exploração do
ego, bem como na relação deste com o mundo natural.
O processo de ensino-aprendizagem de Educação Ambiental implica que se deve
aprender a pensar em termos de sistemas de fatores que interagem, ou seja, pensar não só
racionalmente sobre as partes de um sistema complexo, mas desenvolver um sentimento in-
tuitivo para o comportamento dinâmico deste mesmo sistema como um todo.
Requer, da mesma forma, um compromisso com o desenvolvimento e com a utilização
de todas as situações em que a aprendizagem possa ser nutrida através de experiências, e ati-
vidades que cultivam um profundo respeito e amor pelo mundo natural, incluindo exemplos
dos problemas ambientais locais, bem como estudos de caso, dramatizações, simulações e
jogos que proporcionem oportunidades de examinar e participar das complexidades da to-
mada de decisões, da compreensão de valores alternativos e pessoais e da real operação dos
169

sistemas naturais feitos pelo homem.


Deve enfatizar a participação ativa na prevenção e solução de problemas ambientais,
avaliando continuamente o presente, visando à proposição de cenários desejáveis para o
futuro, buscando sempre desenvolver individualmente ou coletivamente uma nova ética nas
relações entre as pessoas e delas com a natureza.
Além disso, é de suma importância que, durante a permanência de uma criança ou
adolescente na escola, propicie-se a sua participação, com alguma freqüência e profundidade,
em atividades práticas relacionadas ao meio ambiente, acompanhando de perto um problema,
de modo que possa estabelecer a relação teoria-prática e, assim, ser capaz de tomar decisões
fundamentadas em bases sólidas de conhecimentos a respeito de um determinado problema,
visando à defesa, preservação, conservação e utilização do meio.
Deve-se ressaltar que essas proposições só serão alcançadas se os professores estiverem
preparados para a Educação Ambiental, de modo a trabalhar seus conteúdos e princípios.
Trabalhar com Educação Ambiental implica pensar o meio ambiente como um todo,
cujas partes se interagem, e não apenas sobre as partes do todo; implica em desenvolver um
sentimento afetivo para a dinâmica desse sistema; e, implica, finalmente, em enfatizar a parti-
cipação ativa de todos na prevenção e solução de problemas ambientais.

REFERÊNCIAS

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CAPITULO 11
PEDOGÊNESE E MUDANÇAS NA PAISAGEM: um exemplo da região sudoeste da Ama-
zônia brasileira

Vânia Rosolen52

O intemperismo é um fenômeno fundamental para o desenvolvimento topográfico e a


evolução das paisagens (TURKINGTON, 2005). As transformações físicas, químicas e biológi-
cas que ocorrem in situ são fatores de transformação e degradação interna dos solos, da perda
de volume e de mudanças nas paisagens naturais. A ação dos processos de intemperismo,
que atua desde a escala do mineral até a evolução das paisagens, é necessária e precursora
para todo o tipo de denudação e é considerada como o agente primário e fundamental para
a evolução das formas e das paisagens da superfície (VILES, 2001; PHILLIPS, 2005; TURKING-
TON et al., 2005).
Tradicionalmente, os modelos de evolução das paisagens refletem o balanço entre da
taxa de alteração e remoção do manto de intemperismo. Quando pequenos desvios existem,
como por exemplo irregularidades microtopográficas ou variações litológicas, a atividade dos
processos exógenos é maior, com a persistência e o crescimento das pequenas perturbações e
variações das condições iniciais (SCHEIDEGGER, 1983). O material gerado pelo intemperismo
pode permanecer in situ ou ser removido por erosão, sob forma particulada ou dissolvida
pelos fluxos de água superficial ou subsuperficial (PHILLIPS, 2005). Alteração e pedogênese
não são apenas desagregação e dissolução, mas intervêm como agentes de aplainamento
superficial (MILLOT, 1977).
A região sudoeste da bacia amazônica brasileira, entre os rios Madeira e Solimões, é
uma vasta área de terras baixas aplainadas e com interflúvios tabulares, sustentados pelos se-
dimentos da formação Solimões (Plioceno superior/Pleistoceno inferior). Nas superfícies dos
platôs, existem numerosas depressões topográficas, com pequenos desníveis (alguns metros),
que se desenvolvem desde a borda até o centro dos platôs. Identificadas pelo RADAMBRASIL
(1978a) foram denominadas de lagoas, que enchem e transbordam durante as chuvas e secam
durante a estiagem. Ao transbordarem, algumas interligam-se, iniciando a formação de uma
rede de drenagem secundária.
A floresta tropical aberta é a cobertura vegetal característica das terras baixas não
inundáveis da Amazônia e as savanas (arbórea e campos) constituem em enclaves e recobrem
áreas nas posições de interflúvio dos platôs e os vales dos rios secundários. Neste mosaico
vegetacional, a savana é um enclave dentro da área de floresta. Os mapeamentos do projeto
RADAMBRASIL (1978a, 1978b) individualizaram duas grandes unidades de solos: o Podzólico
Vermelho-amarelo e a Laterita hidromórfica (Argissolo Vermelho-Amarelo e Plintossolo, se-
gundo a classificação EMBRAPA, 2006).
O objetivo deste capítulo foi o de realizar um mapeamento detalhado dos solos em uma
unidade da paisagem e reconhecer se as diferenciações internas provocadas pela pedogênese
possuem relações estreitas com a topografia e a vegetação de contato floresta-savana.

52 Geógrafa (UNESP-Rio Claro), Professora Doutora, Instituto de Geografia - UFU


171

LOCALIZAÇÃO DA ÁREA

A área de estudo situa-se na região sudoeste da bacia amazônica brasileira, entre as


coordenadas de 8°18’ S e 63°48’ O, próximo ao quilômetro 70 da rodovia BR-319 que liga as
cidades de Porto Velho (RO) e Humaitá (AM) (figura 11.1).

Figura 11.1 – Localização da área de estudo (Org.: ROSOLEN, 2007)

Essa região caracteriza-se como uma vasta área de terras baixas limitadas ao norte pelo
escudo das Guianas, ao sul pelo escudo Brasileiro e a oeste pela cordilheira dos Andes. A
vegetação natural é, principalmente, constituída pela floresta tropical úmida e pelos campos
de savana. Predominam os sedimentos da Formação Solimões (Plioceno superior/Pleistoceno
inferior) e os sedimentos fluviais holocênicos (VILLAS-BOAS, 1993). O relevo é aplainado
com altitude inferior a 250m, pouco ou muito dissecado e com interflúvios tabulares. Os pla-
tôs, separados pelos principais eixos de drenagem, apresentam numerosas depressões suaves,
com desníveis métricos, que se desenvolvem desde a borda até o centro dos platôs. Essas
depressões possuem diferentes formas e tamanhos. Foram identificadas pelo RADAMBRASIL
(1978a) e denominadas de lagoas que enchem e transbordam durante as chuvas e secam du-
rante a estiagem. Ao transbordarem, algumas se interligam, iniciando a formação de uma rede
de drenagem secundária.
A precipitação média anual é de 2.200mm com uma curta época seca entre os meses
de junho e agosto. A temperatura média anual é de 23ºC. As associações de solos são o Po-
dzólico Vermelho-amarelo e a Laterita Hidromórfica (segundo a classificação adotada pelo
Radambrasil, 1978a, 1978b). A escala de abrangência do mapeamento do RADAMBRASIL
(1:1.000.000) associa as Lateritas Hidromórficas com os campos de savana e o Podzólico
Vermelho-amarelo com as áreas de floresta.

OBSERVAÇÕES DE CAMPO E MAPEAMENTO DA COBERTURA PEDOLÓGICA NA BACIA


ELEMENTAR

Este trabalho foi realizado em duas escalas de observação: um estudo detalhado dos
solos ao longo de uma vertente representativa da paisagem regional e, outro, na escala da
bacia elementar em uma paisagem de contato floresta-savana. Ambos os estudos foram reali-
zados seguindo o conceito da análise estrutural da cobertura pedológica proposto por Boulet
172

et al. (1982a, 1982b). Foi aberta uma trincheira de 90m de extensão e 2,5m de profundidade.
A montante localiza-se na parte alta do platô sob cobertura de floresta e a jusante no centro
de uma depressão sob cobertura de savana.
Na escala da bacia elementar foi realizado o mapeamento através de tradagens em
toposseqüências dispostas radialmente a partir do centro da depressão visando localizar o
apacimento/desapacimento dos principais horizontes e definir, espacialmente, seus limites.
Foram feitas 19 toposseqüências numa superfície de 10ha e elaborada a carta de isolinhas de
diferenciação dos horizontes de solo.
Em seguida, foi realizado um mapa das feições da superfície do solo, principalmente,
feições ligadas à erosão laminar, depósito e atividade biológica. Esses dados fornecem sub-
sídios para avaliar a dinâmica do escoamento superficial e contribuem para o conhecimento
da evolução do modelado e dos solos. Esta etapa da pesquisa foi realizada tomando como
exemplo o levantamento proposto por Valentin (1989). Também foram delimitadas as áreas
de floresta e savana.

RELAÇÃO ENTRE OS SOLOS DO PLATÔ (MONTANTE) E DA DEPRESSÃO (JUSANTE) DA


TOPOSSEQÜÊNCIA

O perfil descrito na posição elevada do platô (montante) apresenta uma seqüência de


horizontes superficial bruno e subsuperficial vermelho sobre um espesso horizonte mancha-
do que corresponde à zona de flutuação do lençol. É o domínio ferralítico, melhor drenado
e mais fortemente alterado. O perfil da depressão (jusante) está submetido a condições de
hidromorfia temporária. A depressão fica submersa por aproximadamente 8 meses ao ano e
apresenta uma seqüência de horizontes superficiais ricos em matéria orgânica sobre um ho-
rizonte branco. É o domínio hidromórfico em meio confinado com drenagem parcialmente
impedida.
Lateralmente, devido à topografia e hidromorfia, os horizontes superficiais da parte alta
do platô e da meia encosta da vertente evoluem para os horizontes ricos em matéria orgânica
da depressão (o teor de carbono orgânico aumenta de 3% para 10% e o teor de argila aumenta
de 40 para 63%).
Os horizontes subsuperficiais, dispostos acima de um espesso horizonte manchado,
evoluem lateralmente de horizonte vermelho para bruno vivo e, finalmente, para esverdeado.
A evolução lateral corresponde à mudança de cor, mais precisamente uma diminuição da
pigmentação vermelha sem variação de estrutura ou textura. Há um clareamento da matriz,
porém sempre conservando relíquias dos horizontes precedentes. A mudança da cor está
associada à perda de ferro (10% de Fe2O3 no horizonte vermelho, 4,3% no horizonte bruno
vivo e 3% no esverdeado). A formação desta seqüência de horizontes subsuperficiais, especi-
ficamente, da formação de um horizonte amarelo e esverdeado está relacionado ao início das
condições de hidromorfia devido à dissolução seletiva dos óxidos de ferro (PETERSCHIMITT
et al., 1996).
Os horizontes manchados têm a gênese ligada à flutuação sazonal do lençol. Na esta-
ção seca, o teto do lençol varia de 4,8 a 5,5m de profundidade a montante no platô e de 5,5
a 5,8m de profundidade a jusante na depressão. Com o início da estação chuvosa a subida do
lençol é rápida. O teto do lençol se eleva para 2m de profundidade na montante e alcança a
superfície do solo na depressão. Com o avanço da estação chuvosa, o lençol atinge entre 1 e
1,5m a montante e o nível da água na depressão sobe para 0,5m acima do nível da superfície.
O esvaziamento da depressão ocorre através da sua conexão com o igarapé no interior da flo-
resta, seja por escoamento subsuperficial, ou pelo transbordamento da água da depressão.
173

A montante, a seqüência de horizontes sobrepostos e diferenciados refletem uma evo-


lução vertical : os horizontes manchados com predomínio de manchas vermelhas evoluem
para o horizonte subsuperficial vermelho. É litodependente, pois se inicia com a alteração
do sedimento areno-siltoso da Formação Solimões em condições de flutuação de lençol, cujo
resultado é a formação do horizonte manchado composto basicamente por quartzo residual,
caolinita, pouca ilita e óxidos de ferro. O horizonte subsuperficial vermelho possui matriz
homogênea e reflete boas condições de drenagem que provoca a redistribuição de argila
(caolinita e traços de vermiculita aluminosa) e difusão dos óxidos de ferro. Esta filiação gené-
tica entre horizontes desde a rocha alterada até o horizonte superficial é definida por Nahon
(1991) como unidade estrutural original.
Existe uma relação genética entre os horizontes manchados do platô e da meia encosta
da vertente com o horizonte branco da depressão (ROSOLEN et al., 2002). Em direção a ju-
sante, progressivamente, os volumes cinza do horizonte manchado tornam-se cada vez mais
abundantes, mais claros e com tamanho maior. A interrupção da argila manchada ocorre sob
a forma língua próximo ao centro da depressão. Do centro da depressão em direção a mon-
tante, expandem-se os horizontes brancos sob a forma de cunha. A expansão destes horizon-
tes são discordantes em relação à superfície e leva à transformação e desaparecimento dos
horizontes da montante. Esta seqüência discordante da unidade original é denominada por
Nahon (1991) de unidade estrutural derivada. O horizonte branco apresenta forte eluviação
de argila em relação ao horizonte manchado (teor de 23% de argila no horizonte branco a 195
cm de profundidade e 54% no horizonte manchado a 155cm de profundidade).
Seqüências com horizontes similares foram estudadas em outros países como na Guia-
na, Austrália, Índia e são consideradas pelos autores como a evolução pedogenética típica das
regiões tropicais (DANIELS et al., 1975; WILLIAMS e COVENTRY, 1979; FRITSCH e FITZPA-
TRICK, 1994; PETERSCHIMITT et al., 1996; MELFI et al., 1999).

FEIÇÕES DA SUPERFÍCIE DO SOLO

Foram individualizados três tipos de feições de superfície:

 sob vegetação de floresta: na floresta, a cobertura vegetal cobre aproximadamente 90%


da superfície. Exibe serapilheira abundante (2 a 5cm de espessura) que cobre toda a
superfície do solo. Sob a serapilheira, os restos vegetais estão incorporados ou não à
parte superior do horizonte A do solo, enquanto uma densa rede de raízes penetra
no solo. A atividade da mesofauna é forte (presença de rejeitos e edifícios). Essa ativi-
dade pode ser verificada no horizonte de superfície do solo que apresenta porosidade
aberta elevada, variando de fina a grosseira (sempre inferior a 1cm de diâmetro).

 sob vegetação de savana não alagada: esta vegetação cobre aproximadamente 40%
da superfície. É composta essencialmente por vegetação herbácea reagrupada em
tufos ligeiramente sobrelevados (até 10cm), onde se observam aspectos da mesofau-
na. Ocorrem zonas circulares (3-5m de diâmetro) de vegetação arbórea que podem
ser relíquias de floresta. Nos espaços entre a vegetação herbácea, aparece crosta de
erosão com superfície lisa, cor bruna e sem porosidade aberta. A dessecação provoca
o rachamento dessa crosta, que chega a se separar da superfície do solo, formando
pequenas placas de espessura igual ou inferior a 5mm. Rejeitos da mesofauna (micro-
peds de cupins e formigas), bastante numerosos na superfície (50%), freqüentemente
estão incorporados à crosta de erosão.
174

Os cupinzeiros em forma característica de cone com divertículos verticais são muito


freqüentes (algumas vezes muito numerosos). Podem estar ativos ou abandonados. Na ver-
tente, os cupinzeiros estão reagrupados na parte baixa, próximo à depressão. Os cupinzeiros
ativos apresentam-se em forma de domo, de cor cinza, algumas vezes com zonas mais pretas,
e podem atingir 0,5m de altura e 1,5m de diâmetro. Os cupinzeiros inativos apresentam-se
sob a forma de montículos de aproximadamente 0,5m de altura e 1 a 3m de diâmetro.

 sob vegetação de savana temporariamente alagada: nessa zona, a superfície do solo é


plana e muito macia, com crostas pretas de dessecação constituídas de restos vegetais.
O recobrimento herbáceo é fraco (30 a 40% da superfície). No limite com a zona não
alagada pode apresentar uma linha descontínua de palmeiras. A característica mais
visível desse limite é a presença de “microfalésias”, apresentando desnível inferior ou
igual a 10cm. Nesse local, a superfície do solo revela marcas de forte erosão superfi-
cial.

DISTRIBUIÇÃO DOS PRINCIPAIS HORIZONTES NA BACIA ELEMENTAR

Há uma estreita relação entre a distribuição dos principais horizontes dos solos e a to-
pografia e discordância com a vegetação (figuras 11.2a e 11.2b). As áreas deprimidas formam
dois eixos. Um eixo principal, grosso modo, no sentido norte–sul e um eixo secundário no
sentido oeste–noroeste/leste–sudoeste que se conectam no sul do mapa e formam um talve-
gue drenando temporariamente as zonas deprimidas inundadas ao eixo de drenagem local.
O resultado do mapeamento mostrou a estreita relação entre a distribuição dos princi-
pais horizontes e da topografia. Percebe-se que a presença dos horizontes ricos em matéria
orgânica e dos horizontes brancos é sistemática e exclusivamente associada às áreas deprimi-
das. A partir das zonas deprimidas, a distribuição dos horizontes relacionados com as posi-
ções elevadas da vertente é radial.
175

Figura 11.2a – Feições da superfície do solo e relação com a vegetação (Dylat/Amazônia).


Org.: ROSOLEN, 2007

A comparação entre o mapa caracterizando a cobertura do solo e a cobertura vegetal


mostra claramente a discordância da distribuição da vegetação com a organização dos hori-
zontes. A floresta está recobrindo tanto áreas deprimidas, com horizontes orgânicos acima de
horizontes brancos, quanto áreas elevadas, com horizontes predominantemente vermelhos
sobre argila manchada. O mesmo ocorre sob a vegetação de savana. O limite floresta–savana
é discordante com a topografia e com as características do solo. Deste ponto de vista, a to-
posseqüência estudada reflete as diferenciações determinadas pela topografia e não pela
vegetação.
176

Figura 11.2b – Distribuição dos horizontes dos solos em uma área representativa de 10 ha.
Org.: ROSOLEN, 2007

HIPÓTESE SOBRE A AMPLIAÇÃO DA DEPRESSÃO E EVOLUÇÃO DA PAISAGEM

As transformações dos horizontes de solo na toposseqüência refletem a dinâmica evo-


lutiva espacial e temporal do sistema na escala da bacia elementar. As mais nítidas frentes de
transformação lateral são provocadas pela expansão, em cunha, dos horizontes hidromórficos
que avançam para montante a partir do centro da depressão transformando os horizontes
manchados e a base do horizonte subsuperficial esverdeado. O horizonte branco é eluvial,
com perda acentuada de argila e elementos químicos como o Fe2O3, K20, MgO e Al2O3. Glo-
balmente, a evolução geoquímica indica empobrecimento da cobertura pedológica através da
partida do plasma argilo-ferruginoso e afeta os horizontes superficial e subsuperficial esver-
deado da meia encosta (aproximadamente da superfície à profundidade de 1m) e, de forma
muito mais marcante, o horizonte cinza da jusante onde foi determinda a perda seletiva de
constituintes (óxidos de ferro e caolinita). A diminuição do teor de argila é fraca na média
vertente e forte na depressão e indica uma perda lateral no centro da depressão. Este processo
177

se expande para o meio da vertente coincidindo com os limites do horizonte branco. Como
resultado há uma homogeneização do tamanho das partículas na matriz do solo com predo-
mínio do esqueleto quartzoso associado ao surgimento de uma nova porosidade, de forma
irregular e diâmetro maior (tipo “cárie”).
Nas regiões tropicais, os processos de evolução do solo que levam a separação entre
o plasma argilo-ferruginoso e o esqueleto quartzoso é o motor de severas transformações in-
ternas (MILLOT, 1977). Em estações contrastadas, o plasma migra lateralmente, o esqueleto se
reorganiza e há perda volume. Há a formação e o aprofundamento da depressão por subtra-
ção de matéria. O aumento da porosidade acentua a permeabilidade e o grau de intemperis-
mo. O avanço deste processo denominado de intemperismo centrífugo (FRITSCH et al., 1986)
ou divergente (PHILLIPS, 2005) se caracteriza por um progressivo alargamento e amplificação
das pequenas variações iniciais, expondo as transformações na topografia (GUNNELL e LOU-
CHET, 2000; PHILLIPS, 2005).
No caso em estudo, a abertura do sistema e a ampliação do “ponto de fuga” é a cone-
xão da depressão com o eixo de drenagem. A perda de matéria aprofunda a depressão sobre
o platô e resulta em uma diminuição do desnivelamento topográfico, aplainamento do rele-
vo e aumento da extensão da área a ser alagada sazonalmente. O alargamento ocorre pela
progressão lateral remontante, a partir do ponto de fuga. A progressão lateral do horizonte
gerado (horizonte banco) é feita em detrimento da organização do solo original (seqüência
vertical na montante no platô). Sua extensão espacial é lateral centrífuga em relação ao eixo
da depressão (jusante da vertente) com uma dinâmica lateral remontante no modelado.

CONCLUSÃO

Na região sudoeste da Amazônia brasileira, sobre os sedimentos areno-siltosos da For-


mação Solimões, a expansão das coberturas hidromórficas a partir das depressões topográ-
ficas é uma dinâmica evolutiva essencialmente lateral que resulta na exportação de matéria
fina, modificando a textura, a estrutura e as propriedades geoquímicas da matriz. O resultado
é a perda de volume que tenderá a um progressivo aplainamento da vertente e abaixamento
do interflúvio na paisagem.
Considerando que a área de estudo é representativa de uma grande região da Amazô-
nia, isto é, existe uma regularidade na distribuição das depressões nas superfícies dos planal-
tos, acredita-se que o processo de alargamento das depressões é generalizado. O estudo rea-
lizado permite predizer que a dinâmica apresentada é típica da paisagem regional. A evolução
das formas de relevo tende a aumentar a extensão das áreas com solos que exibem padrões e
propriedades associados à estagnação de água, com lençol freático temporário superficial.

Agradecimentos: Gostaríamos de agradecer à FAPESP (Processos 96/1447 e 97/01550-


0) pelo suporte financeiro ao projeto de pesquisa e ao NUPEGEL/USP pela infra-estrutura.

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CAPITULO 12
PAU-BRASIL E A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM DA FLORESTA ATLÂNTICA

Yuri Tavares Rocha53

“Somos o único país do mundo cujo nome é o


de uma árvore, de uma árvore da Floresta Atlân-
tica, o pau-brasil.”
Mello Filho (1991)

INTRODUÇÃO

Simbolicamente, a interferência na natureza brasileira começou com o corte de uma


árvore para fazer a cruz de madeira que compôs o altar da segunda missa realizada pelos
descobridores portugueses no Brasil, em 1º de maio de 1500. Depois disso, a “devastação
atravessou diferentes fases: extração do pau-brasil, cultivo de cana-de-açúcar, algodão, cacau
e café e, por fim, a intensa ocupação urbana (...), reduzindo a grande floresta a pequenas
manchas remanescentes” (Urban, 1998).
As atividades de procura, corte, transporte e comércio do pau-brasil deram início a um
tipo de economia chamada de predatória, característica da colonização portuguesa no Brasil
(Sodré, 1985).
De todos os domínios de natureza brasileiros, o Domínio da Floresta Atlântica é que
historicamente sofreu “um maior desgaste antrópico. Sobre o substrato geobioecológico cor-
respondente a esse sistema, desenvolveu-se a civilização brasileira financiada pela mercancia
dos estoques de nossos bens naturais sem chance de renovação” (Mello Filho, 1991).
O Domínio da Floresta Atlântica foi o primeiro a ter os recursos florestais explorados:
“plantas madereiras, medicinais, comestíveis e outras das mais diversas utilidades [...], dentre
as quais destacaram-se o pau-brasil (Caesalpinia echinata), e muitas outras valiosas maderei-
ras como o jacarandá (Dalbergia nigra), a braúna (Melanoxylon brauna), o tapinhoã (Mezi-
laurus navalium), sobrasil (Colubrina glandulosa), as canelas (Ocotea spp., Nectandra spp.),
entre outras” (Guedes-Bruni & Lima, 1996).
Esse Domínio é um dos 25 hotspots mundiais (Figura 1) de importância para a conser-
vação da natureza (Myers et al., 2000). A Floresta Atlântica remanescente está, em sua grande
maioria, distribuída em fragmentos isolados, o que dificulta a conservação dessa biodiversi-
dade.

53 Professor doutor do Departamento de Geografia – FFLCH/USP.


181

Figura 12.1 – Os 25 hotspots mundiais de importância para a conservação da natureza (Myers et al., 2000)

Para exemplificar sua importância em termos de biodiversidade, pode-se citar o gran-


de número de espécies arbóreas da Floresta Atlântica: num hectare dessa floresta no sul do
estado da Bahia, foram encontradas 458 espécies de plantas lenhosas, significando um alto
índice de biodiversidade e endemismo; o pau-brasil é uma das cerca de 20 mil espécies de
plantas vasculares da Floresta Atlântica, sendo que 8 mil espécies são consideradas endêmicas
(Conservation Internacional do Brasil, 2000).
A espécie Caesalpinia echinata Lam., Leguminosae, o pau-brasil, chamada pelos ín-
dios de ibirapitanga (madeira vermelha), é uma dessas espécies endêmicas da Floresta Atlân-
tica (Figuras 2 e 3).

Figura 12.2 – Pau-brasil com cerca de 30m de altura, Usina Coruripe, Coruripe, Alagoas (Rocha, 2004)
182

Figura 12.3 – Tronco de pau-brasil cortado, podendo se observar o cerne (avermelhado) e o alburno (amarela-
do), Usina Coruripe, Coruripe, Alagoas (Rocha, 2004)

A história das alterações sofridas por esse Domínio, principalmente na área de ocor-
rência do pau-brasil (de estado do Rio de Janeiro até o estado do Rio Grande do Norte), du-
rante os primeiros 300 anos de ocupação do Brasil, ainda é pouco conhecida; seu estudo é
de “extrema importância sob o ponto de vista biogeográfico e ambiental, porquanto foi nessa
fase da nossa história que se processaram os grandes desmatamentos que afetaram considera-
velmente toda a região, tanto no que se refere à fitofisionomia quanto à desestabilização das
condições ecológicas” (Coimbra-Filho & Câmara, 1996).
Justamente a ocupação do Brasil “se iniciou pela costa atlântica, na zona de matas
que primeiro forneceu o pau-brasil e depois as terras apropriadas para o plantio da cana-de-
açúcar” (Ribeiro, 1977).
O pau-brasil foi explorado comercialmente desde o início do século XVI até meados
do século XIX, principalmente pelo corante extraído de sua madeira. Esse corante, relativa-
mente caro, era utilizado para o tingimento de lã, seda e algodão, dando a cor vermelha a
esses tecidos. Dessa maneira, somente pessoas mais ricas podiam ter roupas dessa cor, indi-
cando seu status social (Rocha, 2008).
Por causa da intensa exploração e posterior diminuição do Domínio Atlântico, do qual o pau-
brasil é endêmico, essa espécie foi considerada extinta durante cerca de 100 anos, entre 1876 e 1972;
inúmeras ações a partir de 1973 têm sido realizadas para mudar essa situação de quase extinção (Ro-
cha, 2008). Em 1992, a Portaria IBAMA n.37-N declarou o pau-brasil como espécie da flora brasileira
em perigo de extinção. Em 2007, a espécie foi finalmente colocada na lista da Convention on Inter-
national Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora – CITES (Rocha & Simabukuro, 2008).
O pau-brasil está listado no Anexo II, sendo necessária emissão da licença de exportação CITES para
exportação de toras, madeira serrada, laminados, incluindo artigos de madeira não acabados utilizados
para fabricação de arcos para instrumentos musicais de corda (CITES, 2009), atual uso comercial da
madeira.
183

Por ter desempenhado importante papel nos primórdios da história do Brasil e por ter forne-
cido o nome ao país, o pau-brasil é considerado a árvore nacional pela Lei Federal n. 6.607 de 1978,
cuja comemoração ocorre em 3 de maio (Rocha, 2004).
Nas três primeiras décadas do século XVI, para tornar a extração do pau-brasil mais efi-
ciente, foram estabelecidos pontos de ocupação chamados de feitorias, “temporárias, em que
os habitantes cuidavam de armazenar toras de pau-brasil, peles, essências florestais, madeiras
de lei, algodão e papagaios, além de feitorias permanentes onde já havia sinais de posse efe-
tiva da terra, como a que foi fundada por Américo Vespúcio no Cabo Frio [no atual estado
do Rio de Janeiro] e a de Itamaracá [no atual estado de Pernambuco], fundada por Cristóvão
Jaques” (Andrade, 2000).
Tais feitorias tinham a função principal de fazer o escambo de pau-brasil cortado
por indígenas e seu armazenamento, até a chegada das embarcações que transportariam o
pau-brasil para a Europa, além de manter agentes comerciais, funcionários e militares para a
defesa e servirem de postos de articulação entre as rotas marítimas entre Europa, América e
Oriente (Prado Júnior,1989; Ziebell, 2002).
A instalação dessas feitorias e a posterior e progressiva ocupação do Brasil foram deter-
minadas, em grande parte, pela existência dos acidentes geográficos da costa (Mauro, 1997).
Muitas vezes, portos naturais, enseadas, baías e barras, aliados à existência de pau-brasil e de
indígenas mais amistosos, determinaram a fixação de feitorias, vilas e povoados, uma das mais
importantes conseqüências da exploração do pau-brasil na história do país, impossível de ser
ignorada em qualquer análise da ocupação urbana do território brasileiro.
A extração do pau-brasil também provocou a “dissolução dos grupos tribais mais den-
sos e sua dispersão pelas matas através do engajamento dos homens como remeiros e tarefei-
ros e das mulheres como amásias e produtoras de mantimentos”, caracterizando “fenômenos
de aculturação e de transfiguração étnica” (Ribeiro, 1977).
Posteriormente, algumas dessas feitorias se transformaram em núcleos de colonização
do Brasil, mais organizada a partir de 1530, já que algumas razões levaram o rei português
D. João III (1521-1557) a criar e distribuir as capitanias hereditárias a donatários que tinham
a obrigação de colonizar suas áreas: o fracasso do comércio oriental, por causa da fragilidade
do domínio português na Índia, e a presença dos corsários e piratas franceses na costa brasi-
leira, que contrabandeavam o pau-brasil (Andrade, 2000; Ziebell, 2002).

DEFINIÇÕES DO DOMÍNIO ATLÂNTICO

No século XVI, a Floresta Atlântica “se estendia ao longo da costa, numa faixa de 200
a 300 quilômetros de largura desde o Nordeste até o extremo Sul do País, ora avançando pro-
fundamente para o interior, ora alcançando a orla marítima, [...] do sul da Bahia até o vale do
rio Doce. [...] Na vertente oriental da Serra do Mar, havia [...] mata alta e espessa, enleada por
parasitas e lianas, oferecia grande variedade de contrastes em suas grimpadas pela morraria e
descambamento sobre vales profundos, [...] a oeste, a mata se prolonga em galerias, acompa-
nhando o curso dos rios, e se torna mais rala até confluir com os cerrados” (Ribeiro, 1977).
Na classificação fisionômica e florística das províncias de vegetação do Brasil, feita pelo
botânico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius em 1824 (Figura 4), a área de ocorrência
do pau-brasil era a Província de Dryades, que designava a hoje conhecida Mata Atlântica ou
Floresta Pluvial Atlântica (Joly et. al., 1999). Dryades ou Dríades foi um nome dado em refe-
rência às divindades imortais Dryas, que eram responsáveis pelos bosques, principalmente de
carvalhos (Fernandes, 2003).
Com a evolução dos estudos fitogeográficos, climáticos e geomorfológicos, outros au-
184

tores designaram e limitaram melhor essa mesma província ou domínio. As Figuras 5, 6 e 7


mostram as delimitações das províncias ou domínios brasileiros de acordo com vários autores
(Ab’Saber, 1973; Rizzini, 1979; Fernandes, 2002).

Figura 12.4 – Classificação fisionômica e florística feita por von Martius em 1824 para as províncias de vegetação
do Brasil (Fernandes, 2003)

Figura 12.5 – Domínios morfoclimáticos brasileiros delimitados por Ab’Saber (1973)


185

Figura 12.6 – Províncias brasileiras delimitadas por Rizzini (1979)

Figura 12.7 – Províncias brasileiras delimitadas por Fernandes (2003)

Ab’Saber (1966, 1970, 1973, 2003) designou o domínio onde ocorre o pau-brasil como
Domínio dos Mares de Morros e Chapadões Florestados do Brasil Atlântico, ou simplesmente
Domínio Atlântico, como um domínio onde predominam morros de formas mamelonares e
chapadões, com as influências climáticas do Oceano Atlântico e que apresentam a cobertura
vegetal predominante de floresta, a Floresta Pluvial Atlântica.
186

Segue a descrição de Ab’Saber (2003): “Extensão espacial de segunda ordem, com


aproximadamente 650 mil quilômetros quadrados de área, ao longo do Brasil Tropical Atlân-
tico. Distribuição marcadamente azonal. Área de mamelonização extensiva, afetando todos os
níveis da topografia (de 10-20m a 1.100-1.300m de altitude no Brasil de Sudeste), mascarando
superfícies aplainadas de cimeira ou intermontanas de pedimentação e eventuais terraços (...).
Grau mais aperfeiçoado dos processos de mamelonização, conhecidos ao longo do cinturão
de terras intertropicais do mundo. Presença de mais forte decomposição de rochas cristalinas
e de processos de convexização em níveis intermontanos, fato que faz suspeitar uma alternân-
cia entre a pedimentação e mamelonização nesses compartimentos. Planícies meândricas e
predominância de depósitos finos nas calhas aluviais. Freqüente presença de solos superpos-
tos, ou seja, coberturas coluviais soterrando stone lines, precipitações que variam entre 1.100 e
1.5000mm e 3 mil e 4 mil mm (Serra do Mar, São Paulo). Florestas tropicais recobrindo níveis
de morros costeiros, escarpas terminais tipo ‘Serra do Mar’ e setores serranos mamelonizados
dos planaltos compartimentados e acidentados do Brasil de Sudeste. Florestas biodiversas,
dotadas de diferentes biotas, primariamente recobrindo mais de 85% do espaço total. Enclaves
de bosques de araucária em altitude (Campos de Jordão, Bocaina) e de cerrados em diversos
compartimentos dos planaltos interiores, onde predominam chapadões florestados (subdo-
mínio dos chapadões florestados dos planaltos interiores de São Paulo e norte do Paraná).
Notáveis paisagens de exceção nos Campos de Jordão e nos altos campos de Bocaina. Espe-
taculares setores de mares de morros alternados com ‘pães-de-açúcar’, em regiões costeiras
(Rio de Janeiro) ou áreas interiores (Espírito Santo e nordeste de Minas Gerais)”.
Fernandes & Bezzera (1990) definiram a Província Atlântica como de “vegetação plu-
vial atlântica, vicejante nas vertentes e nos cumes das serras, e a cobertura florestal dos vales,
das restingas e das planícies litorâneas, todas acompanhando o contorno da costa brasileira”,
podendo ser dividida em Subprovíncia Litorânea e Subprovíncia Serrana, essa por sua vez divi-
dida no Setor da Cordilheira Meridional e no Setor do Planalto Meridional (com o Subsetor de
Araucária ou de Floresta Aciculifolia e com o Subsetor Periférico ou de Floresta Latifoliada)”.
O Domínio da Floresta Atlântica pode ser considerado como “um bloco florestal hete-
rogêneo, porém com substituições contínuas de suas espécies ao longo de toda sua extensão”
(Scudeller, 2002). Essa heterogeneidade fisionômica e florística do conjunto de florestas do
Domínio da Floresta Atlântica é resultante, na maioria dos casos, da combinação de fatores
geomorfológicos, climáticos, hidrológicos e pedológicos, aliados aos eventos paleoclimáticos
durante o período Quaternário, principalmente no Pleistoceno; uma simplificação pode ser
feita, classificando-se essas diferentes florestas “em função das grandes unidades de relevo:
matas atlânticas de planície, serranas e de tabuleiros” (Brasil, 2000a).
A Floresta Atlântica é bastante heterogênea em termos florísticos; predominam espé-
cies arbóreas com distribuição restrita; 63% das espécies da Floresta Ombrófila Densa Atlânti-
ca também ocorrem em outras formações florestais (cerrado, floresta estacional semidecidual
e floresta montana de Pernambuco); e, apesar das florestas ombrófilas e estacionais serem
grupos florística e estruturalmente distintos, são de difícil separação de forma estanque já que
têm uma grande heterogeneidade florística e substituição de espécies (Scudeller, 2002).
A Floresta Atlântica pode ser entendida, de acordo com o Mapa de Vegetação do Bra-
sil, como um conjunto de florestas ombrófilas: densa, aberta e mista (Joly et. al., 1999), além
dos ecossistemas associados, como mangue e restinga, da floresta estacional semidecidual e
da floresta estacional decidual (Conservation Internacional do Brasil, 2000).
187

TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM DA FLORESTA Atlântica

Os indígenas brasileiros não tocavam “nas matas senão para o fabrico das flechas, das
lanças, dos tacapes, das pirogas” (Ribeyrolles, 1980). Já os portugueses começaram a explorar
os recursos vegetais por motivos energéticos – lenha e madeira – e alimentares – palmitos e
frutas (Filgueiras & Peixoto, 2002).
De acordo com Urban (1998), o pesquisador Alceo Magnanini estimou, em 1961, as
áreas de florestas primitivas nos estados de ocorrência do pau-brasil, estado do Rio de Janeiro,
limite sul da ocorrência, até o estado do Rio Grande do Norte, limite norte (Rocha, Presotto
& Cavalheiro, 2007), no início do século XVI (Tabela 1).

Tabela 12.1 – Áreas de florestas primitivas nos estados brasileiros de ocorrência do pau-brasil no início do sé-
culo XVI estimadas Alceo Magnanini em 1961.
Estado Área (km2) % do Estado % do Brasil
Rio de Janeiro 41.000 93,02 0,49
Espírito Santo 36.000 90,00 0,42
Bahia 170.000 30,20 2,00
Sergipe 10.000 45,45 0,12
Alagoas 14.000 50,00 0,16
Pernambuco 20.000 20,40 0,23
Paraíba 15.000 26,31 0,18
Rio Grande do Norte 10.000 18,87 0,12
Total 316.000 - 3,72
Fonte: Urban (1998). Organização: Rocha (2004).

A Floresta Atlântica já chegou a ocupar 1.300.000 km2 do Brasil, cerca de 15% de seu
território brasileiro; hoje, restringe-se a menos de 8% de sua área original, aproximadamente
108.800km2 (Conservation Internacional do Brasil, 2000). Dados mais atuais da Conservation
Internacional (2009) indicam uma redução da área original para 99.944 km2, com uma densi-
dade populacional média de 87 habitantes/km2, sendo que a média nacional é de 23 habitan-
tes/km2 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2009). A Figura 8 mostra essa variação
de ocupação de área pela Floresta.
188

Figura 12.8 – Variação de ocupação de área pela Floresta Atlântica na região de ocorrência do pau-brasil,
estados do Rio de Janeiro (RJ), Espírito Santo (ES), Bahia (BA), Sergipe (SE), Alagoas (AL), Pernambuco (PE),
Paraíba (PB) e Rio Grande do Norte (RN) – cujos remanescentes estão em verde (Conservation Internacional
do Brasil, 2000)

A Floresta Atlântica foi, inicialmente, alterada pela “exploração da madeira de suas


árvores, sendo em seguida substituída pela agricultura e pecuária. A construção inicial dos
povoados na zona costeira, o que permanece até hoje, com o crescente aumento em seus
números e densidades, é mais um fator de pressão” sobre esse domínio (Landim de Souza &
Siqueira, 2001).
Várias atividades contribuíram para a eliminação das florestas do nordeste do Brasil:
desmatamento para “facilitar a defesa dos colonos contra os ataques constantes de indígenas
aguerridos e revoltados”; a exploração do pau-brasil e de outras madeiras; “as queimadas
deliberadas no curso das freqüentes escaramuças bélicas entre as tribos rivais, em lutas dos
colonizadores contra indígenas e no decorrer da expulsão de invasores estrangeiros”; e, “a
incessante atividade humana” (Coimbra-Filho & Câmara, 1996).
Quanto à exploração do pau-brasil, ela provocou “uma destruição impiedosa e em
larga escala das florestas nativas donde se extraía a preciosa madeira” (Prado Júnior, 1989).
Já se comentou anteriormente que não se concorda com essa afirmação, muito difundida por
189

vários autores.
Depois, com as atividades agrícolas, a cultura da cana-de-açúcar foi “predatória da
natureza, da flora e fauna nordestinas” (Gouvêa, 1998). Mais adiante, em meados do século
XIX, “os fazendeiros de café queimam hoje mais árvores do que antigamente elas caíam, em
um século” (Ribeyrolles, 1980).
Um ofício de 7 de junho de 1798, assinado no Rio de Janeiro pelo conde de Rezende
e provavelmente dirigido à Rainha (Folhas 157 frente a 159 verso do volume 8 do Códice 69,
Arquivo Nacional), evidenciava o conflito entre o interesse da Coroa Portuguesa em conservar
as madeiras de lei e as necessidades dos proprietários de fazendas e engenhos: “[...] entendo
ser da maior importância que conserve cada um nas suas matas os paos de Ley, e especial-
mente os que Vossa Majestade tem mandado reservar para o uso das Armadas Reais; porém
julgo ser de grande prejuízo aos moradores a proibição de fazerem derrubadas nas suas terras
em que se acham algumas madeiras de construção, porque depois de três, até quatro anos
é indispensável fazer as ditas derrubadas, e lançar fogo aos paos cortados, entre os quais
talvez sucederá perderem-se alguns de boa qualidade; mas não havendo outro método para
continuarem as suas plantações nem para diminuírem o grande consumo que se faz de lenha
nas fábricas de açúcar, parece-me conveniente conservar se em seu vigor a cláusula até agora
declarada nas Cartas de Sesmarias permitindo-se também o corte dos mesmos paos para usos
particulares com pleno conhecimento das suas precisões [...]”.
Assim, a ocupação européia e colonizadora fez surgir algumas feitorias e portos que
cresceram, tornaram-se povoados, vilas, arraiáis, cidades e metrópoles, resultando na exis-
tência de 2.528 municípios brasileiros no Domínio Atlântico, 46% do total do Brasil (Conser-
vation Internacional do Brasil, 2000), onde se localizam as principais capitais estaduais (São
Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife) e onde vivem, atualmente, mais de 104 milhões de
habitantes, mais da metade da população brasileira estimada para 2007 (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 2009).
As Figuras 9, 10 e 11 mostram a evolução desse povoamento na região de ocorrência
natural do pau-brasil de acordo com Brasil (2000b). A figura 12 mostra a densidade popula-
cional em 2000 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2009).
Como conseqüência, as alterações ocorridas no Domínio Atlântico deixaram “rema-
nescentes secundários reduzidíssimos, distribuídos pelos estados que constituem a região
nordeste” do Brasil (Coimbra-Filho & Câmara, 1996).
190

Figura 12.9 – Povoamento da região de ocorrência do pau-brasil no século XVI (Brasil, 2000b)
191

Figura 12.10 – Povoamento da região de ocorrência do pau-brasil no século XVII (Brasil, 2000b)
192

Figura 12.11 – Povoamento da região de ocorrência do pau-brasil no século XVIII (Brasil, 2000b)
193

Figura 12.12 – Densidade populacional na região de ocorrência do pau-brasil, estados do Rio de Janeiro (RJ),
Espírito Santo (ES), Bahia (BA), Sergipe (SE), Alagoas (AL), Pernambuco (PE), Paraíba (PB) e Rio Grande do
Norte (RN), considerando os dados demográficos de 2000 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2009)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se considerar que houve certo determinismo geográfico na ocupação inicial do


Brasil e, conseqüentemente, de seu Domínio Atlântico, já que portos naturais, enseadas, baías
194

e barras de rios e a existência de pau-brasil a ser explorado e de tribos indígenas amistosas,


que auxiliavam essa exploração, determinaram a fixação de feitorias para sua extração e co-
mércio, que se transformaram em vilas e povoados, depois em cidades e, atualmente, essa
ocupação está consolidada em muitas metrópoles distribuídas na Costa Atlântica Brasileira,
tais como Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e Recife (Pernambuco).
Portanto, no século XVI, a exploração do pau-brasil motivou a criação dessas feitorias
e, para evitar seu contrabando e a posse do Brasil reclamada por outros europeus, incentivou
a implantação de sua colonização por parte da Coroa Portuguesa. A transformação das feito-
rias em vilas e povoados pode ser considerada uma das mais importantes conseqüências da
exploração do pau-brasil e de sua presença na história do Brasil.
A derruba da Floresta Atlântica de forma drástica começou na instalação da lavoura
da cana-de-açúcar e de engenhos, atividades também iniciadas no século XVI. Para a im-
plantação de seu sistema produtivo, havia uma exigência muito maior em abertura de novos
espaços e demanda de recursos naturais, tais como solo fértil, água abundante e madeira em
grande quantidade, que era a matriz energética. As atividades de extração e exploração do
pau-brasil, que envolvia corte seletivo, algumas vezes com utilização do fogo, e de transporte
do local da extração até os portos dos rios e praias, não provocaram tantos danos às matas
quanto sua total retirada para a implantação da lavoura da cana-de-açúcar.

AGRADECIMENTOS: Ao Prof. Felisberto Cavalheiro (In Memoriam), pelo exemplo de pes-


soa, pesquisador e professor. Um amigo, um orientador e um Mestre, sempre!

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