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ANNIE BESANT

A SABEDORIA DOS
UPANIXADES

Quatro Conferências proferidas por ocasião


do 31º Aniversário da Sociedade Teosófica
em Adyar em dezembro de 1906

Tradução de
CARLOS ALBERTO DA FONSECA

EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO

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Título do original: The Wisdom of the Upanishads
Edição original da The Theosophical Publishing House Adyar, Madras, Índia

CONTEÚDO

Conferência Página
PREÂMBULO 05
I. Brahman é Tudo 06
II. Ῑśvara 16
III. Os Jīvātman 27
IV. A Roda dos Nascimentos e das Mortes 38
APÊNDICE 52

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Preâmbulo

Pouca coisa se deve dizer ao se oferecer este livrinho ao mundo. Ele é uma tentativa -
muito humilde, por sinal - de extrair algumas gotas das veneráveis fontes da sabedoria
ariana e de as oferecer para saciar a sede das almas cansadas que viajam pelo deserto à
procura da Verdade. Os Upanixades não possuem paralelo na literatura sagrada de todo o
mundo. São como faróis no topo de uma montanha, a mostrar quão alto o homem pode
subir, que porção de Luz do Eu pode ser percebida através de um vaso de argila, como o
Deus verdadeiro pode falar por intermédio do homem. Falar sobre elas e escrever sobre elas
pode parecer presunção de minha parte; no entanto, esse esforço pode representar uma
ajuda para alguns dos meus irmãos.
As traduções foram feitas por mim mesma, mas podem ser consideradas, acho, tão
exatas, embora sejam menos rígidas, quanto às que conhece no Ocidente. Uma palavra eu
deixei deliberadamente sem tradução - tapas. Não há nenhuma palavra inglesa [nem
portuguesa (N. T.)] que expresse o seu significado; as várias traduções que até agora foram
feitas - austeridade, penitência, ascetismo, devoção - estão todas elas nela contidas, mas
ela é muito mais do que todas juntas. Provém da raiz TAP, "arder". Há nela calor, uma força
abrasadora, que tudo consome. O fogo do pensamento está nela, o fogo que cria. O fogo
do desejo está nela, o fogo que devora. Pode ser definida como "uma atividade física
esforçada continuada, rigorosamente controlada e dirigida pela vontade em direção a um
determinado fim e dominada pelo pensamento concentrado". Por meio de tapas Brahman
criou mundos; por meio de tapas Visnu alcançou sua categoria sublime; por meio de tapas
Mahādeva tornou-se o Jagat-Guru. Por meio de tapas todo Rsi obteve seus poderes
sobrenaturais e obrigou que até mesmo os Deva mais relutantes concedessem suas dádivas.
Resolvi, então, manter a palavra em sua forma original, de maneira a possibilitar sua
inclusão no vocabulário teosófico, do qual já fazem parte karman e dharma.
Que este pequeno livro prossiga em sua missão e conquiste alguns adeptos para o
estudo de sua fonte.*

ANNIE BESANT

* [Na grafia das palavras sânscritas, harmonizou-se a transcrição dos


termos originais segundo os critérios estabelecidos pelo Comitê de
Transliteração do Congresso Orientalista de Genebra, realizado em setembro
de 1894, que são seguidos até hoje pelos indólogos e pelas editoras que menos
confusão querem gerar nesse setor. (N. T.)]

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I Conferência
Brahman é Tudo

IRMÃOS,
No ano passado falei a vocês sobre a Bhagavadgītā, o manual dos Bhākta, os
devotos, de todo o mundo. Neste ano tentarei falar-lhes sobre a essência dos
Upanixades, os manuais dos Jñānin. Estes livros, a parte mais maravilhosa dos
maravilhosos Veda; estes livros, que contêm o Vedānta - o final, o objetivo dos Veda;
estes livros, como eu dizia, serão nosso objeto de estudo durante algumas breves
horas. Eles nos falam de Brahman - "Deus" do Universo, do Homem: a natureza de
Deus, a natureza do Universo, a natureza do Homem; e eles falam dessas grandes
verdades fundamentais no sentido mais abstrato, filosófico e metafísico. Só descem
ao plano do concreto para oferecer alguma ilustração, algum símile, algo que torne
mais luminosa a exposição de pensamentos que nos podem escapar, que possam ser
perdidos, em virtude de sua sutileza, por serem pensamentos por demais sublimes
para a mente do homem. Aqui, neste pequeno volume - tão pequeno em dimensões,
mas muito vasto em conteúdo - oferece-se tudo o que as palavras podem oferecer
sobre a essência mesma da Brahma-Vidyā, a Sabedoria Divina, a Teosofia. Ou melhor,
tanto quanto as palavras podem oferecer, pois só por meio dos Upanixades é possível
oferecer a Brahrna-Vidyā em forma de exposição intelectual. As palavras não podem
fazer nada mais do que isso. A verdadeira Brahma-Vidyā, o conhecimento do Eu,
não é matéria para palavras, não é matéria para ensinamento. Não pode ser
transmitida nem mesmo pelo Mestre mais divino ao discípulo mais apto. Não
pode ser comunicada de boca a ouvido, de mente para mente, nem mesmo de
Eu para Eu. Outras iniciações podem ocorrer no caminho esplêndido da
sabedoria, iniciações quase incríveis em sua beleza; mas essa iniciação mais
suprema no conhecimento do Eu deve ser tomada pelo Eu para si mesmo
quando ele estiver pronto para se abrir à plenitude de sua própria Divindade.
Nada mais a pode dar; nada mais a pode compartilhar; só o Brahman interior
pode conhecer o Brahman exterior. Assim, a iniciação final, a mais sublime, é a
tomada-do-Eu. Nada mais a pode dar, ninguém a pode reter.
Mas essa Brahma-Vidyā, o que é ela? É a verdade central dos Upanixades. É a
identidade em natureza do Eu Universal e do Eu Particular: tat tvam asi - ISSO é
você. Esta é a verdade final, este é o objetivo de toda sabedoria, de toda
devoção, de toda atividade reta: ISSO é você. Nada menos do que isso é a
Sabedoria dos Upanixades; nada mais do que isso - pois mais do que isso não
existe. E a verdade final de todas as verdades, a experiência final de todas as
experiências.
Não faz muito tempo que, lendo uma grande revista inglesa, (1) encontrei
um artigo intitulado "O valor vital de ideia-de-Deus hindu"; nele observava o
autor, e muito exatamente: "É de se duvidar que em qualquer outro país que
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não a Índia uma proporção tão grande das pessoas de altos princípios tenha
concordado - e agido conformemente -- em que o costume maior e
eventualmente mal feliz a que elas se podiam aplicar fosse a busca assídua e a
descoberta intrépida de Deus, considerando todas as outras coisas da vida como
de importância menor."
(1) Hibbert Journal, outubro de 1906. Loc. cit., por William Tully Seeger.
Bem, o autor não exagera. Este é o pensamento central da mente hindu e o
resultado dessa escolha é notável. Por causa disso, por causa da identidade em
termos de natureza entre o Eu Universal e o Eu Particular, como se afirma
naquele Mahāvākya * que citei - tat tvam asi, ISSO é você -, o conhecimento de
Brahman, de Deus, é possível para o homem. Não fosse assim, vocês poderiam
ter crença, vocês poderiam ter argumentos, vocês poderiam ter raciocínio, vocês
poderiam ter alguma probabilidade razoável - mas vocês não teriam
conhecimento.
* Uma frase importante, uma grande proposição; designação de qualquer uma
das 12 fórmulas sagradas dos Upanixades (além de Tat tvam asi, por exemplo:
Aham brahmāsmi, "eu sou Brahman"; da Brhadāranyakopanisad; etadvai tat, "isso é
aquilo", da Kathopanisad) e, especialmente, das palavras místicas (tattvam, om,
etc.). (N. T.)]
Porque ela é a lei da natureza, se vocês olharem ao seu redor, para o mundo
que está fora de vocês, só o que vocês podem saber é a que vocês podem
responder com seu corpo, ou com sua mente. O que vocês podem conhecer e
apenas aquilo de que vocês podem participar. Se vocês podem ver, vocês só
veem porque no olho está vibrando o éter cujas vibrações, fora de vocês, são luz.
Se vocês podem ouvir, é só porque em seus ouvidos vibram o ar e o éter que,
fora de vocês, produzem som. Só quando vocês têm em vocês mesmos, em seu
próprio corpo, a mesma coisa que está fora de vocês é que vocês podem
conhecer. Então, como é que vocês conheceriam o Espírito universal se vocês não
compartilhassem Sua natureza em vocês mesmos? Porque Ele está em vocês,
vocês podem conhecê-Lo fora de vocês. Porque, como os Upanixades declaram,
Brahman é o Ākāsa que o rodeia, e também o mesmo Ākāsa que está no coração;
por conseguinte, vocês podem conhecer, e não só acreditar. É a seguir o artigo
que eu estava citando continua a insistir nesse ponto da possibilidade do
conhecimento: "Para o hindu culto", diz o autor, "o atributo mais significativo dos
seres autoconscientes é sua subjetividade. Ele afirma habitualmente que a ideia
de Deus sempre é apresentada à mente no mesmo ato em que se apresenta a
ideia do Eu. Simplesmente, a inferência aqui é que Deus deve ser encontrado, não
por meio de qualquer uso objetivo da mente; não por um argumento ontológico,
cosmológico ou teleológico" - todos os argumentos utilizados no Ocidente para se
provar a existência de Deus - "mas penetrando-se todos os estratos mentais com
que os processos civilizadores da humanidade cobriram a natureza mais divina do
homem". Esse, diz ele, é o valor da ideia-de-Deus hindu. Existe apenas uma
consciência, e ela é a consciência-de-Deus. Revelar as camadas da consciência é
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revelar as camadas da consciência-de-Deus. Talvez seja o Deva mais poderoso
que governe um sistema solar, e envie sua radiação que palpita sobre incontáveis
milhões de milhas no espaço. Talvez seja a consciência que está dormindo no
grão de areia, que o vento levanta e atira daqui para ali, tão leve é o grão para
resistir à força do vento. Tudo é consciência-de-Deus, pois não existe nada além
disso. E, como a consciência revela desde o grão de areia até a planta, desde a
planta até o animal, desde o animal até o homem, desde o homem até os Deva, é
só Deus que esta revelando Seus poderes ocultos nas camadas de matéria, em
que Ele quer Se esconder dos olhos de carne. Nada mais existe, pois "Brahman é
tudo". Não existe consciência que não seja a Sua consciência, que vibra no espaço
mais remoto, que vive no átomo mais diminuto; e, quando compreendemos isso,
a pergunta tão frequentemente ouvida no Ocidente - "Deus existe?" - perde todo
o seu significado. A pergunta tão frequentemente ouvida no Oriente - "Por que
Brahman criou o Universo?" - perde todo o seu significado. Não existe nada mais
a não ser Brahman. Ele é tudo e o Universo está n’Ele. Sua manifestação é apenas
a manifestação de SI mesmo. Não existe nada que não tenha existido antes, nada
que se acrescente a Ele. As pessoas pensam que existe algo diferente - "Eu e Ele" -
, mas existe apenas Ele, imutável. Não é Ele e um Universo, mas Ele como um
Universo. Não se trata de uma questão de criação, de adição. E, quando
percebemos isso, começamos a compreender a maravilha de algumas das
passagens dos Upanixades, nos quais se diz que vocês não podem provar por
demonstração, por qualquer raciocínio, a existência do Eu. Não há nisso nenhuma
vacilação, nenhuma dúvida, nenhuma fuga. Está escrito: "Nem pode esse Eu ser
alcançado por ensinamento. (...) Nem pode esse Eu ser alcançado pelo
fortalecimento, nem pela negligência, nem por tapas, nem mesmo pela ausência
de qualidades".(2) A Māndūkyopanisad fala ainda mais fortemente, pois ela declara
que o Eu é "invisível, indiscutível, intangível, indefinível, inconcebível,
inefável".(3) É verdade, então, que não existe nenhuma prova? Oh, não! Eu não
terminei de citar o verso; não pode ser alcançado pelo ensino, pelo raciocínio,
nem por qualquer coisa que esteja fora de vocês: "sua única prova segura é o Eu",
e essa prova está dentro de vocês. Ela a única prova: o Eu. Mas ela é suficiente.
Pois nosso Eu é para cada um de nós a mais segura de todas as coisas seguras, a
mais certa de todas as certezas, mais estável de todas as estabilidades; assim é o
Eu, o Eu que está dentro de vocês e dentro de mim. Vocês duvidam do seu Eu?
Mas não podem duvidar dele. Nenhuma prova pode fazê-lo mais forte; nenhuma
prova pode abalar a certeza de sua própria existência. No esforço mesmo de
refutar o seu Eu, é o seu Eu que examina a refutação. Ele está além da razão. Por
quê? Não porque seja desarrazoado, mas porque é a base a partir da qual tudo
principia. Esta é a fé real, a verdadeira Sraddhā, essa certeza inabalável da
existência do Eu em nós; e, em consequência, diz-se que a fé está além da razão,
e não que ela repousa na razão, nem no conhecimento. Ela está acima e além
disso tudo. Nenhum homem pode duvidar da realidade de sua própria existência,
e nisso se afirma a existência-de-Deus. E, em consequência, está escrito que a
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única prova segura é o Eu.
(2) Mundaka-, III, ii, 3, 4.
(3) Loc. cit., 7.
Bem, se essa certeza de existência do Eu em sua natureza divina deve ser
alcançada, existe apenas um método para tal: meditação e nobre viver. "Esse Eu
só pode ser alcançado", está escrito, "pela constância na fé, em tapas, no
conhecimento perfeito, no celibato". (4) A retidão absoluta, o desinteresse
absoluto, a inteligência absoluta, o autocontrole absoluto. Estes são os caminhos
pelos quais a prova da Deidade, que é a consciência da Divindade do Eu dentro de
nós, deve ser buscada.
(4) Mundaka-, III, i, 5.
Mas, estritamente falando, eles são apenas suportes, caminhos acessórios
para a destruição de obstáculos, e não a verdadeira compreensão do Eu. Pois
Moksa, liberação, que é o conhecimento, ou compreensão, do Eu não é uma coisa
a ser alcançada, como sonham negligentemente algumas pessoas. Ele já é seu,
porque vocês são divinos, vocês apenas não sabem disso. Da mesma maneira,
como um homem que possui uma pérola de valor inestimável e, tendo-a
dependurado ao redor do seu pescoço, sobre o seu coração, pode até se
esquecer de que a colocou ali, procurá-la na esperança de a encontrar, revirar
todos os bolsos, despojar-se de todas as peças de sua indumentária, correr
desenfreadamente daqui para ali à sua procura dizendo "Perdi minha pérola,
onde está ela?" - assim também é a busca do Eu no mundo exterior. O homem
está procurando sua pérola onde ela não está. Ela está com ele, perto do seu
coração e tudo o que vocês podem fazer para ajudá-lo a encontrá-la não é
procurar, mas dizer: "Veja, sua pérola está sobre seu corpo, não é preciso fazer
nenhuma busca". Ela sempre esteve ali, da mesma maneira que Moksa sempre
está conosco. Temos apenas de destruir os obstáculos que nos impedem de
compreender nossa própria Divindade, para então ficarmos livres. O
desligamento com que vocês sonham é Māyā, ilusão; não existe desligamento;
vocês são um, um Eu, o Supremo, o Universal. É por isso que se diz que Moksa
não é alcançado por palavras. Voltem seus olhos para dentro de vocês, não para
fora de vocês, pois a respeito dessa contemplação dirigida para o interior está
escrito: "Por meio da quietude dos sentidos ele atinge a majestade do Eu".(5)
(5) Katha-, ii, 20.
Pensem no que isso significa para o mundo. Os homens sempre estão com
medo do avanço do conhecimento numa ou noutra direção. A crítica, a Crítica
Superior, tão temida por muitos homens religiosos, o que ela importa? O que a
crítica pode fazer? Ela só pode destruir livros; ela não pode destruir o Eu. A Crítica
Superior, de que a Europa tanto fala, pode reduzir os livros a pedaços. Não
importa quão sagrados, quão prezados, quão antigos os livros possam ser - a
crítica talvez seja capaz de os reduzir a pedaços. Mas e daí? Ela não pode reduzir
o Eu a pedaços. A prova do Eu está dentro de nós, não fora de nós, não nos livros,
por mais sagrados e bem-amados que eles sejam. Os livros provieram do Eu; ele
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pode produzir outros livros; os livros são apenas a frutificação do Eu, que se
desdobra em sua Divindade no homem; e, seja lá o que os livros forem, eles não
são o fundamento de nossa fé. A crítica não pode afetar o Eu, cuja prova está
dentro de nós.
E a ciência, o que ela pode fazer? Ela pode penetrar a estrela mais longínqua
- Brahman está além daquilo que está além. Ela pode analisar o átomo mais
minúsculo - Brahman é mais minúsculo ainda do que o átomo. O que, então, a
Ciência pode fazer? Ela só pode descobrir novas belezas de Brahman num mundo
que nada é a não ser o Supremo. Que ela pesquise como quiser, que ela fale
como puder: "Só a verdade conquista, não a falsidade". (6) E a Ciência se
originará de seus erros e compreenderá o Universo, que é Brahman. Ela não pode
achar nada que refute ISSO que é tudo. Esta Verdade - Brahman é Tudo - é a Carta
Magna da liberdade intelectual. Deixem um homem pensar; deixem um homem
falar. Não se importem se ele cometer erros; um conhecimento adicional o guiará
corretamente. Ele não pode vaguear do lado de fora do Eu, pois o Eu está em
toda parte. Ele não pode perder o Eu, pois o Eu está dentro dele. Deixem o
intelecto elevar-se à vontade, cada vez mais para cima, até onde suas asas
possam levar; mais longe ainda os seus poderes, através de sua penetração,
Norte e Sul e Leste e Oeste e Zênite e Nadir, Brahman se estende por toda parte,
o Eu ilimitável. O intelecto não pode ir para fora do Eu, de que ele é uma
manifestação; ele não pode, em consequência, abalar a certeza eterna da
existência-do- Eu.
(6) Mundaka-, III, i, 6.
E esta a Verdade Central dos Upanixades, da que vocês e eu tentaremos
nestes breves dias compreender alguma coisa, embora isso seja muito pouco;
alguma coisa devemos aprender com essa Verdade que impregna tudo; uma
Verdade que não nos pode estontear, por mais radiante, brilhante e gloriosa que
seja, pois somos de sua natureza, somos seus raios, sua luz é nossa luz. Não
podemos então pensar que podemos tentar educar nossas mentes na harmonia
com essa Verdade única, e pedir que aquela "Luz que iluminou todo homem que
veio ao mundo" (7) possa brilhar a partir do nosso interior e fora de nós, para que
também possamos ver?
(7) São João, i, 9.

"O Pūsan, Sustentador de Tudo, abre a boca da Verdade, agora oculta por um
véu dourado, para que nós, devotos a Verdade, possamos ver.” (8)
(8) Brhaâõranyaka-, V. xv, 1. [Transliteração: hirañmayena pāttrena satyasyāpihitam
mukham / tattvam. pūsannapāvrnu satyadharmāya drstaye / / (N. T.)]
9
A consciência do Eu - Deus-consciência, Brahman-consciência - reflete-se de
três modos no Universo. Os três estão resumidos no que se chama de quarto,
embora na verdade o quarto seja o resumo dos três, mergulhados na Realidade
Una. Daí lermos a respeito desse três e do Um que é o quarto: "Ele, esse um é a
sílaba suprema, , o pé incomensurável e as partes, as partes são os pés, as letras
A U M" (9) são as três partes.
(9) Māndukya-, 8.
O Aum indiviso, a sílaba una, é o Brahman indiviso, o Brahman Nirguna ["sem
qualidades" (N. T. )], a adição: "O quarto", continua a Māndūkyopanisad, "é o
indiviso, imóvel, manifestação em repouso, bem-aventurado, sem dualidade; de
fato, o Aum é na verdade o Eu", (10) pois ele apresenta sua triplicidade e sua
unidade.
(10) Loc. cit., 12.

As letras, tomadas separadamente - o A, o U e o M -, não são uma sílaba, mas


três O que elas significam? A Māndūkyopanisad conta-nos que elas são os três
estados da consciência. Bem, há muitos significados para essas três letras, pois elas
podem simbolizar as partes e quaisquer trindades que se estabeleçam; e amanhã
veremos que, segundo os Upanixades, essas três letras podem ser tomadas Como
símbolo do próprio Ῑśvara, Sua Māiā e Sua relação com Sua obra. Podemos
tomá-las agora como três estados de Ser, tipos de consciência, Brahman refletido
no mundo e a Māndūkyopanisad nos conta quais são esses três estados. Após dizer
que "Tudo isto é verdadeiramente Brahman: esse Eu é Brahman; ele, esse Eu, é
quádruplo", os Upanixades oferecem três reflexos no mundo da manifestação,
sendo que o quarto, como se disse, é "manifestação em repouso". Esses quatro
são: (11) Vaisvānara, a consciência desperta; aquela que voces e eu estamos
usando agora, às vezes chamada de Eu Vital, ou Alma Vital; talvez possamos
chamá-la de Prānātman, o eu pessoal, aquele que existe onde quer que haja
consciência corporificada em matéria física; eis Vaiśvānara, o que impregna tudo;
Vaiśvānara é a letra A. Depois, existe nos mundo mais sutis o Taijasa, ou
consciência super-desperta, que os psicólogos chamam de "consciência-sonho" -
uma expressão desajeitada e enganadora, de maneira alguma o equivalente do
"svapna" dos Orientais, que entendem por "svapna" um estado mais elevado e
mais real do que a consciência desperta, ao passo que nenhum Ocidental considera
o que ele chama "sonho" como mais elevado e mais real do que o estado desperto
- que existe em todos os mundos sutis, que são muitos, no Eu individualizado, no
Jīvātman, na Mônada. Eis o segundo estágio de Deus-consciência; Taijasa é a letra
U. E o terceiro, que se revela em seu esplendor supremo no mundo mais superior
de todos, o Deus-mundo, onde Ῑśvara revela Seus poderes, é o Prajñā; Ele é o que
tudo sabe, absoluto em conhecimento, Ῑśvara, o Governante, o Diretor, o
Sustentador de Tudo, o Brahman Saguna ["com quaIidades (N. T.)], o Supremo, o
Pratyagātman, o Antarātman, de tudo; eis o terceiro estado, a letra M. Essas
divisões são adotadas para esse conjunto de conferências: o Brahman indiviso, ou o
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Tudo; depois a manifestação mais sublime, que na verdade é o Brahman
manifestando-se com atributos, o Saguna, o Ῑśvara Supremo; em terceiro lugar, os
Jīvātman, espalhados em todos os mundos em que existe consciência - e tudo é
consciência - e depois o quarto, a manifestação que chamei de Prānātman, o eu
vital, a consciência desperta comum do homem, das feras, das plantas, das pedras,
na roda dos nascimentos e das mortes, de tudo que existe. Tudo isso é
manifestação do Um e está resumido no Um. Donde o Svetāśvataropanisad dizer:
"Isto é louvado como o Brahman supremo, que resume os três, bem-estabelecidos
e indestrutíveis (...) Poderia ser conhecido como eterno, como Auto-estabelecido;
na verdade, não há nada mais a ser conhecido. Sendo o desfrutador [o Jīvātman] ,
os objetos de desfrute [a Māyā do Universo] e o Diretor [Ῑśvara] conhecidos, declara-
se que o Tudo é esse Brahman triplo". (12) Esses três, resumidos em Um - o A, o U e
o M, pronunciados como uma sílaba - são Brahman.
(11) Loc. cit., 2-5, 9-11.
(12) Loc. cit., i. 7, 12.
Bem essa maneira de tratar o que se chama de Palavras Sagradas é familiar a
todo estudioso da Antiguidade. Se vocês tomarem a Chāndogyopanișad, vocês
encontrarão novamente palavras reduzidas às três letras, cada uma delas
significando algo e o total contendo uma grande verdade. (13) E essa maneira de
construir palavras não está confinada aos Upanixades. Ela se encontra em toda
grande religião do passado. O Egito a praticava; a Síria a praticava; os hebreus
antigos a praticavam; os gnósticos a praticavam. Toma-se uma letra que comporte
um significado; acrescentam-se-lhe outra, cada uma delas dotada de um significado;
toda palavra feita com essas letras é chamada de Palavra Sagrada, ou uma Palavra
de Poder. Na verdade, e as são Palavras de Poder, pois não são meramente
pronunciadas pelos lábios, mas pela consciência desabrochante; e, na medida em
que ela compreende uma verdade após a outra e, na medida em que compreende
cada uma delas, torna-se essa verdade e é Senhor dela, governa-a. Todos os franco-
maçons conhecem essas palavras, mesmo que seu significado tenha sido perdido
pelos Mestres.
(13) Ver loco cit., VIII, iii, 5, etc.
Os resultados que procedem dessa Palavra de Poder, o Aum, são os mais
poderosos, os mais incentivadores, pois essa Palavra representa em suas três letras
tudo que existe - o Brahaman triplo como manifesto, o Um como imanifesto;
quando pronunciada como uma triplicidade, significa o Brahman três vezes
manifestado e, quando pronunciada como uma unidade, significa o Brahman
Nirguna. Donde ser a mais sagrada das Palavras sagradas.
Vejamos agora a evidência que os Upanixades nos dão de que Brahman é Tudo.
Tomemos primeiramente a afirmação feita nitidamente na Chāndogyopanișad: "Aum,
na verdade, é Tudo. A Aum é na verdade Tudo". (14) Vimos que Aum significa o
Brahman indiviso; vemos agora que ele significa o Tudo. A Taittirīyopanișad coloca
essas duas afirmações numa única frase: "Aum é Brahman; Aum é Tudo". (15) Visto
que duas coisas que são idênticas a uma terceira coisa são idênticas entre si,
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Brahman e tudo são idênticos. Este é o testemunho da Sabedoria Antiga. Não há
nenhuma diferença. Não há nada mais. Brahman e Tudo são a mesma coisa.
(14) Loc. cit., II, xxiii, 3 (em algumas edições, 4).
(15) Loc. cit., I, viii.
Uma outra verdade a respeito dessa Palavra maravilhosa é dita por outro
Upanixade: "O Satyakāma, esse Aum duplo, o Brahman Supremo e o Inferior" (16)
- o Para-Brahman e o Apara-Brahman -, todo o mistério reside oculto nele. O que
significa isso - o mais alto, o mais baixo, o supremo, o inferior? O Upanixade
explica que, quando as letras são tomadas separadamente, designam-se o
mundo Apara, ou mais baixo, Brahman; e, quando a palavra é pronunciada como
uma sílaba, então denota-se o Para, ou supremo, Brahman.
(16) Praśna-, v, 2.
É isto o que Yama diz a Naciketas, ao expor esse mistério dos Dois que são
apenas Um. Ele afirma: "Essa sílaba é na verdade Brahman, essa sílaba é na
verdade o Supremo", (17) e Sri Safikara, comentando essa afirmação, salienta
que a primeira sílaba significa o "Brahman inferior", a segunda o "Brahman
supremo".
(17) Katha-, ii, 16.
Voltemos novamente à Chāndogyopanișad, a fim de aprender mais sobre esse
mistério que é o Tudo. "Na verdade", está escrito, "esse Tudo é Brahman; dele
ele nasceu, nele se dissolveu, por ele é mantido". (18) Sobre o Brahman
manifesto, o primeiro fator do Brahman Apara, o Eu, o Purușa, está escrito: "Ele
está estabelecido no Eu imperecível supremo". (19)
(18) Loc. cit., III, xiv, i.
(19) Praśna-, iv, 3.
Talvez o melhor símile fosse tomar nossa própria mente e pensar nos
pensamentos que aí surgem, como um Universo manifestado em Brahman, o
Tudo. Na mente estão contidos todos os seus pensamentos; dela eles nascem e
nela eles desaparecem. Em Brahman, os Universos surgem em sucessão infinita,
uma cadeia que não tem começo nem fim. Imutável, porque inclui tudo; todas as
coisas estão nele, literalmente todas as coisas; tudo que esteve no passado, tudo
que está no presente, tudo que estará no futuro, tudo que é concebível, tudo
que é imaginável, todas as coisas que podem ser, tudo reside nesse Tudo
imensurável; não existe nada mais. Absoluto, porque não há nada mais com que
ISSO possa estar em relação. Não há nada mais exceto Brahman. Os Universos
surgem dessa plenitude imensurável, como as ondas surgem de um oceano; e,
como as ondas somem novamente no oceano, os Universos desaparecem. Tudo
que foi e que é está sempre lá, na realidade imutável da vida. Tudo que sempre
pode ser dorme lá, nesse regaço ilimitado de fraternidade universal. Não há nada
mais. Todas as coisas estão ali em uma realidade simultânea e imutável de vida
sempiterna. E assim os sábios disseram que todos os opostos estão ali, a fim de
forçar a mente humana a compreender que nada foi deixado de fora, que não há
nada fora dISSO, que não há nada mais. Vocês não podem falar de um Universo
12
como se ele estivesse sendo feito, como se ele nunca tivesse existido antes, pois
tudo está n’ISSO que não muda. Todos os opostos encontram aí sua
reconciliação, sua destruição mútua; todos os opostos aí mergulham uns nos
outros, pois ISSO é tudo e não há nada mais.
Demorem-se nesse pensamento até que ele se torne familiar. Façam-no
parte de suas mentes. Tentem imaginá-lo de diversas maneiras. Vocês podem,
por exemplo, tomá-lo no sentido em que a Ciência vê o Universo; ela nos conta
de um Universo ilimitado; descobrem-se sistemas cada vez mais distantes e,
quanto mais poderoso o telescópio, maior é a distância da estrela mais remota.
Vão mais longe ainda, para além da estrela mais distante que a ciência vê com o
telescópio mais poderoso; o Brahman infinito se estende para além com
possibilidades desconhecidas, possibilidades infinitas de manifestação; não há
começo nem fim para Brahman; não há nada além.
Pensem nele outra vez, até a mente ficar aturdida. Pensem nele mais uma
vez, até sentirem algum efeito da imensidade. Tudo isso é apenas a plenitude da
manifestação transbordante da existência. E lembrem-se de que ISSO sempre é;
ele não se torna. Os Universos se tornam. Eles nascem, mas o ETERNO é imutável;
ISSO não conhece presente, nem passado, nem futuro, pois Tudo É, e Tudo é
Brahman. Deixem que a profundidade e o esplendor desse pensamento se
demorem na mente até que ele se torne parte de seu Eu mais verdadeiro e vocês
não possam pensar em mais nada que esteja fora dISSO que é. Não ouso usar a
palavra existir; e logo vocês verão porque essa palavra, de utilização tão natural
nesse contexto, não passa pelos meus lábios. Nós só podemos dizer que Ele é,
não que Ele existe. "O Universo, tudo isso, seja o que for, move-se na Vida, emana
dela". (20) E alguns símiles nos são oferecidos: "Como uma aranha lança e recolhe
seus fios; como as ervas provêm da terra; como os cabelos nascem no ser
humano - assim esse Universo passa a ser a partir do Imperecível”. (21) "Como de
um fogo flamejante saltam aos milhares as centelhas de natureza semelhante,
assim também do Imperecível, ó caro, nascem existências múltiplas que para ele
retornam".(22) No Brahman imperecível jazem latentes tanto a sabedoria quanto
a ignorância - uma ignorância na verdade perecível, uma sabedoria na verdade
imortal - Ele que governa a sabedoria e a ignorância, Ele, na verdade, é outro".
(23)
(20) Katha-, vi, 2.
(21) Mundaka-, I, i, 7.
(22) Ibidem, II, i, 1.
(23) Śvetāśvatara-, v, 1.
O que se origina disso? Que além do Universo manifesto, além do Deus
oculto em seu interior, há o Ser puro, o Ser abstrato, ou melhor, a Ser-dade, como
H. P. B. o denominou. Ouçam as palavras maravilhosas da Chāndogyopanișad: "No
começo, ó caro, havia na verdade essa existência pura, una, em verdade, sem
segundo. Dizem: Antes dela era a pura não-existência, una, em verdade, sem
segundo; dessa não-existência nasceu a existência".(24) Eis porque H. P .B. usou
13
o termo "Ser-dade", e não "Ser". A Ser-dade pura é ISSO em que tudo está, o
oceano eterno, mutável, absoluto, simultâneo, em que a existência nasce. Pois a
palavra existência provém do latim ex-sistere, ser-para-fora, o ser que é
manifestado, o ser que nasceu, por assim dizer. A existência, a vida, provém desse
Tudo, dessa não-existência. ELA É, e, quando vocês disserem isso, tudo terá sido
dito.
(24) Chāndogya-, VI, ii, 1.
Como então podemos falar sobre Ele? Como podemos expressá-Lo? ISSO
que é todas as coisas, que não tem partes, é indivisível, a não-existência que dá
origem à existência? "A voz não vai, nem a mente, para onde o olho não vai. Não
conhecemos, nem percebemos, como ISSO pode ser ensinado. ISSO é na
verdade diferente do conhecido, está além do desconhecido. Assim ouvimos dos
Antigos, eles que nos instruíram. ISSO que existe não pela voz, mas ISSO pelo
qual a voz existe, saibam que ISSO é Brahman, não isso que é adorado como tal.
ISSO que pensa não com a mente, mas pelo qual a mente pensa, saibam que
ISSO é Brahman, não isso que é adorado como tal. ISSO que vê não com o olho,
mas pelo qual o olho vê, saibam que ISSO é Brahman, não isso que é adorado
como tal. ISSO que ouve não com o ouvido, mas pelo qual o ouvido ouve,
saibam que ISSO é Brahman, não isso que é adorado como tal. ISSO que vive não
pela vida, mas pelo qual a vida vive, saibam que ISSO é Brahman, não isso que é
adorado como tal". (25)
(25) Kena-, i, 3-8.

14
II Conferência
Ῑśvara

IRMÃOS,
Trataremos hoje de um assunto que em algumas passagens é mais difícil
que o de ontem. Por meio de um esforço mental é possível reconhecer,
intelectualmente pelo menos, a grande verdade segundo a qual "Brahman é
Tudo". Mas quando vocês devem tratar da questão da manifestação, quando
vocês devem se empenhar em compreender intelectualmente o que se quer
dizer com o surgimento da existência a partir da não-existência, do ser a partir
do não-ser, então vocês se defrontam com um problema tão difícil que até
mesmo os livros dos Jñānin se esquivam em explicar. Nós sentimos essa
dificuldade quando ali se diz "Como é que isso pode ser?", quando o discípulo
pergunta ao mestre: "Como é que o ser pode provir do não-ser?" e o mestre não
tenta explicar, mas apenas reitera a verdade e acrescenta: "Ele decidiu: 'Que eu
me torne muitos, que eu nasça'." (1) Por que não existe aí nenhum esforço de
explicação, se uma explicação segura, se isso existir, deveria estar acima de tudo
que se procura? Eu acho que a razão é a seguinte: ninguém pode esperar
compreender pelo exercício do intelecto, pelo uso da razão pura e simples, esse
mistério final. A intuição espiritual é necessária, e um discernimento que vai além
do poder de Manas, a mente, e põe a Buddhi em atividade como o veículo do Eu; e
a verdade é que vocês nunca entenderão essas verdades elevadas e finais sem
alguma parcela de ensino ou de estudo; vocês só a podem entender por
meditação, na qual se vê a glória do Eu. E tudo o que eu espero poder fazer por
vocês, meus irmãos e companheiros de estudo, é colocar diante de vocês aquilo
que eu consegui com o estudo desses escritos maravilhosos e com a meditação,
deixando que vocês encontrem por vocês mesmos, em sua própria meditação, até
que ponto o que eu digo em palavras é verdadeiro para a verdade e até que ponto
a limitação da conferencista torna inverídica a verdade que os lábios débeis
tentam - não falar - mas balbuciar; pois me é impossível alcançar nestas regiões a
fala verdadeiramente articulada. Sendo assim, farei o melhor que puder, deixando
que vocês julguem; e eu lhes peço que se lembrem aqui, como também em tudo
que lhes seja ensinado numa plataforma teosófica, de que o mestre não tem
autoridade algum para impor seu próprio pensamento às mentes de outros
pensadores, mas ele é apenas um companheiro de estudos que talvez tenha
recebido o dom da fala; cada um tem o direito, não, o dever de pensar por si
mesmo; cada um tem a responsabilidade de formular seu próprio julgamento.
(1) Chãndogya-, VI, ii, 1-3.
Retomaremos nosso estudo a partir da frase que citei ontem, e que repito
hoje: "A existência provém da não-existência". Bem, as palavras em sânscrito são:
"De Asat Sat nasceu" e elas nos lembram de um princípio do qual devemos nos
15
lembrar: o de que essas palavras-raízes possuem dois significados fundamentais:
um muito, muito elevado, nos mundos em que as palavras não precisam expressar
a verdade, e um outro mais inferior; e a grandeza e a profundidade do significado
superior correspondem à limitação e à superficialidade do significado inferior. Asat
é uma palavra e Tamas é outra palavra. E talvez seja mais fácil para vocês
reconhecer a verdade desse ponto de vista se ela for colocada em relação a
Tamas. Pois está dito num livro muito conhecido - não direi que seja um livro
autorizado, embora tenha muito da autoridade do conhecimento - que tudo
provém de Tamas e que tudo volta para Tamas. Tamas aqui não é o Tamas
inferior, uma das três Guna, mas é aquela Inércia imóvel, aquela Quietude
absoluta em que as três Guna estão equilibradas uma em relação à outra, num
equilíbrio perfeito. Quando esse equilíbrio das Guna é perturbado, tudo passa a
existir. Mas vocês não devem confundir esse equilíbrio, o Tamas superior, com o
significado que aqui atribuímos a Tamas, à inércia da matéria física, ou à preguiça
que é o maior inimigo do homem, a qual ele deve vencer se quiser encontrar o Eu.
É muito sutil a conotação das palavras, as palavras são inadequadas para a
expressão dos grandes significados e devemos tomar cuidado para que, ao
utilizarmos as palavras, não confundamos os ouvintes e os façamos tomar o
inferior pelo superior.
Temos uma proteção naquelas palavras elevadas as Palavras de Poder de que
falamos ontem, pois elas podem colocar as coisas de uma maneira que pode ser
intuída, mas que perde muito de sua exatidão quando explicamos o significado em
orações desenvolvidas. A maior de todas as Palavras de Poder, o Pranava, a sílaba
única, vocês se lembram, significa o Brahman Nirguna. Mas a mesma sílaba,
quando se quer que ela expresse a triplicidade, significa o Brahman Saguna. O que
isso indica? Que se trata da mesma coisa, e não de uma outra. Mas que a exibição
dos atributos estabece uma diferença externa. Quando não tem atributos, o
tríplice é enunciado como Sat Cit e Ānanda - Existência, Consciência e Bem-
aventurança. O Primeiro Ser é o Brahman Saguna. Eu poderia citar um grande
número de śloka ["dísticos" (N. T.)] em que se utilizam três grandes atributos para
a expressão do ISSO que está além do alcance de todas as palavras. Bem, pensem
nisso em sua meditação e tentem captar o significado - a sílaba única, o Nirguna: a
mesma palavra com uma diferença (três sílabas, o Saguna: e isso os poderá levar a
algum lampejo do mistério; como o Um se torna o Três, o mesmo, e no entanto,
pela presença das qualidades manifestas, diferente.
E qual é a diferença? Uma diferença interna: a de que onde os opostos
aparecem, e ao aparecerem aniquilam-se uns aos outros e desaparecem, esse é o
Um; a de que onde eles aparecem como opostos e aí ficam como tal, esse é o Três.
A antítese última da existência é Ῑśvara e Māyā. Paremos um pouco por aqui e
vejamos até que ponto os Upanixades nos podem ajudar. "Da não-existência
nasceu a existência." A Taittirīyopanișad repete a frase e nos conta do Nascido, do
Ser, da Existência: "Ele, na verdade, é o Eu corporificado do ISSO". (2) O Eu
corporificado do Brahman Nirguna é o Brahman Saguna. Mas na expressão "Eu
16
corporificado" vocês veem surgir a primeira diferença, que é necessária ao ser-
para-fora, a ex-istência. Daí a diferença, porque Ele é a corporificação da essência
de tudo; e mesmo então o "corpo" é em si mesmo imanifesto, porque escondido e
ocultado, embora, no sentido metafísico mais superior, seja manifesto, porque as
qualidades são declaradas. Novamente os mesmos Upanixades falam de Brahman
como "Verdade, Sabedoria, Infinitude". (3)
(2) Taittirīya-, II, vi, 1.
(3) Taittirīya-, i.
E ouçam as palavras com que a Brhadāranyakopanișad tenta esclarecer o
mistério no interior da garra das palavras. "Infinito Isso, Infinito isso; do Infinito o
Infinito surge; tomando o Infinito a partir do Infinito, o Infinito permanece. Aum é
o éter, é Brahman." (4) Essa passagem maravilhosa mostra quão frágeis são as
palavras humanas; e as palavras, depois que se medita sobre elas, podem auxiliar
vocês numa apreciação da verdade. Não existe diferença, pois dois Infinitos não
podem existir; e no entanto o fato da manifestação com atributos estabelece uma
diferença aparente onde na verdade não há nenhuma diferença e igualdade no
Um. Um outro śloka nos socorre: "Bicorporificado é Brahman" - o Brahman
Saguna, o Brahman imortal, estável e instável, manifesto e além". (5) Há um śloka
bastante conhecido da Bhagavadgītā que nos pode auxiliar, e vocês devem se
lembrar de que eu no ano passado salientei particularmente esse śloka, em que Śrī
Kṛṣna esta explicando esse grande mistério. Ele fala de Sua natureza inferior,
aquela que é Prakṛti: depois Ele fala de sua natureza superior, Daivī Prakṛti, isto é,
substância divina; e a seguir Ele fala que mais acima dela está "uma outra". Fala
do manifesto e do imanifesto, e então: "Mais elevado que esse imanifesto outro
imanifesto, eterno, que não é destruído na destruição de todos os seres". (6)
Vocês têm aí a mesma ideia. Há o Eu oculto, o mais elevado, imanifesto, informe,
imortal, estável, além, a letra A do Praṇava. Há um manifesto que vemos ao
nosso redor, o segundo corpo do Brahman Saguṇa, o formado, o mortal, o
instável, o manifesto - a letra U - e entre os dois, o elo que os liga, o imanifesto
inferior, o corpo mais sublime, a Daivī Prakṛti, a Relação entre Espírito e Matéria,
entre mortal e imortal, entre imutabilidade e mudança, que torna possível este
Universo; e ele permanece tão constante quanto o Universo, pois sem ele o
Universo não poderia ser. É a terceira letra do Aum trissilabado, o M que cria e
destrói. E novamente está escrito: "Perecível é a matéria-do-mundo (Pradhāna);
imperecível, imortal é Hara. Ele, o Deus uno, governa o perecível e o Eu." (7) - a
primeira corporificação do Eu, a Relação estabelecida por Seu pensamento entre
Ele próprio e Māyā. Paremos um momento por aqui e tentemos compreender o
que descobrimos ser o significado do Aum trilítero nos Upanixades. o significado
do A, do U e do M.
(4) Loc. cit., lI, i, 1.
(5) Loc. cit., II, iii, 1.
(6) Bhagavadgītā, viii, 20.
(7) Śvetāśvatara-, i, 10.
17
A letra A é a primeira de todas as letras, a letra sem a qual é impossível a
pronúncia de qualquer outra letra. Toda consoante no sânscrito implica na sua
presença. Vocês não podem pronunciar qualquer consoante sem a pronunciar,
por mais suave e por mais baixo que a digam. Nada pode ser dito sem que ela aí
esteja presente. Em consequência, o A é o Eu, no Aum tríplice, pois sem o Eu não
há manifestação, não há existência. Nada existe em que o Eu não esteja presente
– latente ou oculto, “Nada existe, móvel ou imóvel, que exista desprovido de
Mim.” (8)
(8) Bhagavadgītā, x, 39.
Depois vem a segunda letra, U; o que ela representa? Vocês ouviram os śloka
que eu li, ela é o Pradhāna, a Matéria, o Não-Eu, para lhe dar seu melhor nome,
dado que só o conhecemos ao pensar no Eu. Quando compreendemos o que o Eu
é, negamos suas qualidades ao seu oposto, e este é a matéria alcançada pela
negação, não pela afirmação, A ideia fundamental da matéria é: "Ela não é o Eu".
Estas são as duas grandes antíteses, os polos meridional e setentrional, entre os
quais a teia do Universo é tecida. Pai-Mãe, H. P. Blavatsky os chama; e entre o Pai,
o doador-de-vida, e a Mãe, o recipiente, a forma recolhe o que é o Filho; a teia do
Universo é tecida - para usar uma expressão de um Upanixade (9) - para trás e
para a frente entre Eles. A teia começa com o Pai unindo-Se à Mãe pela
declaração: "Eu sou Isto"; depois a emanação que é o Filho aparece; e quando Ele
repudia Seu Filho e diz "Eu não sou isto", separando-Se da Mãe, então o filho
desaparece; pois ele só pode viver onde o Pai afirma sua existência, e, quando
aquela afirmação se transforma em negação, ele desaparece. (10) Depois Ῑśvara e
Māyā voltam a ser um e não há nada manifesto, pois Ῑśvara não pode aparecer
sem Māyā, nem Māyā sem Ῑśvara. Eles são reciprocamente dependentes, pois,
embora Ele sempre seja, Ele não é manifesto exceto onde Ele pensa Māyā, e isso
torna possível a manifestação. Assim, seguindo nosso caminho em meio a essa
grande dificuldade, descobrimos o significado de nossa Palavra de Poder: A é o
Eu; U é o Não-Eu, e M, que resume toda afirmação e toda negação, é a
declaração mutável: "Deixa-me ser muitos" e "Nada existe, apenas eu". A
resposta a "Deixa-se ser muitos" é o aparecimento dos muitos, do mundo, do
Universo.
(9) Bṛhadāraṇyaka-, III, vi.
10 Aham-etat-na: "Eu-isto-não".
Bem, a afirmação, da união, que emana, é declarada na Śvetāśvataropaniṣad; ali
se diz "Unido a Māyā Ele emana este Universo" (11) e na Bṛhadāraṇyakopaniṣad,
onde se diz: "Ele disse em primeiro lugar 'Eu sou Isto'" (12); e outra vez: "Ele
sabia: 'Eu sou na verdade essa emanação'" (13) (estou traduzindo a palavra sṛṣṭi
como emanação). Às vezes o Universo é chamado "Isto" simplesmente, que
cobre tudo o que aparece. "Ele sabia: 'Eu sou na verdade essa emanação'." É esse
conhecimento que dá toda vida, toda possibilidade de existência à emanação,
pois não há fonte de vida exceto o Eu, e só como Ele Se faz idêntico à Sua
emanação é possível que um Universo exista. Quando Ele afirma, o Universo é;
18
quando Ele nega, o Universo desaparece n’Ele. Este processo mutável, esse
pensar - "Deixa-me ser muitos" e depois "Que os muitos cessem" - é o
nascimento e a morte continuamente em ocorrência dos Universos e é esta
triplicidade - o Eu, o Não-Eu e a Relação entre eles - que está resumida no Aum, a
sílaba tríplice.
(11) Loc. cit., iv, 9.
(12) Loc. cit., I, iv, 1.
(13) Loc. cit., I, iv, 5.
O aparecimento de um Universo e seu desaparecimento, a sucessão no
tempo e no espaço - os únicos meios pelos quais se pode expressar a
simultaneidade eterna da Ser-dade do Um. As palavras que citei da
Chāṇḍogyopaniṣad são repetidas na Taittirīyopaniṣad: "Ele desejou: 'Possa eu ser
muitos, possa eu nascer'." (14) Ele, o Ῑśvara Supremo, por expressão de Sua
vontade tornou-se muitos; foi Ele o primeiro a apresentar a dualidade entre Ele e
Māyā - Ele "desejou um segundo (...) Ele dividiu" (15) - e, continuando naquele
mesmo pensamento de multiplicidade, Ele Se limitou e Se limitou e Se limitou,
até que fosse visível a multiplicidade infinita do Universo. As limitações são
impostas por Sua vontade. Ele, o Um, quer ser muitos, e os muitos dependem da
possibilidade da vontade para se multiplicarem. Este é o Ῑśvara Supremo, o
Pratyagātman, o "Ῑśvara de todos os Ῑśvara", (16) o Eu Universal.
(14) Taittirīya-, II, vi.
(15) Brhadāraṇyaka-, I, iv, 3.
(16) Sanatkumāra Saṁhitā, xxx, 30.
O que é Māyā? "Māyā na verdade é Prakṛti", diz a Śvetāśvataropaniṣad, "Quem
possui Māyā na qualidade de Maheśvara” (17) o grande Ῑśvara, o próprio
Brahman Supremo, tornado manifesto por suas qualidades. Donde termos em
Māyā a essência da separação, devida ao fato de Sua vontade ser muitos, e Suas
consequentes limitações de Si por Seu pensamento de multiplicidade. Eis a
origem de todos os seres que provêm do Ser Uno. Às vezes Māyā é chamada
Prakṛti, Matéria, às vezes Mūla-Prakṛti, a Raiz-Matéria, às vezes Pradhāna, o germe
primário da filosofia Sāṁkhya, às vezes Ākāśa, o éter. "O Ākāśa é o corpo de
Brahman", está escrito na Taittirīyopaniṣad. (18) Quantos são os seus nomes! Ele
é a Raiz de todos os nomes, e no entanto não tem nenhum, pois todos esses
nomes são apenas descrições; eles não definem, eles apenas apontam o Ser Uno,
que é o Eu Universal. Um Upanixade fala d’Ele como "o grande Um imperecível";
(19) outra fala d’Ele como um "Devātman", o Eu divino; (20) outra como o "Aham",
o "Ego", (21) talvez o nome mais profundo e mais verdadeiro de todos, porque o
"Ego" que é nós mesmos é Sua Ego-idade; o "Ego" que está em vocês e em mim é
apenas a centelha de Sua natureza que vive dentro de nós. Não há outro Aham,
"Ego". Às vezes é chamado de Puruṣa, o Homem, o Homem Uno. E está escrito que
ele é o Puruṣa que está além da Mônada manifesta, "o limite último, o objetivo
mais elevado". (22) Além d’Ele está apenas aquele Nada que é Plenitude, aquele
Não-Ser que contém o Ser, aquela Não-Existência que é a Raiz da Existência e está
19
além de todo alcance. (23)
(17) Loc. cit., iv, 10.
(18) Loc. cit., I, v.
(19) Muṇḍaka-, V, i, 2.
(20) Śvetāśvatara-, i, 3.
(21) Bṛhadāraṇyakā-, VI, v, 4.
(22) Kaṭha-, iii, 11.
(23) Para uma exposição completa desse ensinamento, ver The Science of Peace, de
Bhagavān nas, especialmente o capítulo vii. Não conheço nenhuma outra obra em
que a doutrina final, continuamente referida aos escritores antigos, esteja exposta
tão luminosamente. Ali temos o AUM como: A=Aham, U=Etat, M=Na: assim, o
logion final é Aham-etat-na.
Limite último, o objetivo mais superior, posto que maravilhoso e poderoso,
Ele está "oculto em todas as criaturas". (24) Não para além de tudo; não, Ele não
está além de nós. Pois, embora Ele seja tudo o que é - e num momento verem o
quão enfaticamente o Upanixade declara que, onde "Ele se manifesta, tudo se
manifesta após Ele" - e, embora sem Ele nada exista, Ele está oculto em seus
corações e no meu. E foi assim que um poeta inglês, por alguma estranha intuição
que apanhou um lampejo da profunda Realidade oculta em si mesmo, invoca seu
próprio espírito para falar a Ele, porque ele é Ele próprio:

"Ele é mais íntimo do que o alento;


mais próximo do que as mãos e os pés.
Tão próximo está Ele, o Eu
mais profundo de cada um de nós."

(24) Śvetāśvatara-, iii, 7.


Algum outro ensinamento é tão glorioso, tão inspirador quanto este? Algo
sobre o que, em momentos da mais extrema solidão, o coração humano pode
repousar é tão firme quanto o fato de que Ele, que mantém o Universo em Seu
interior, vive oculto no coração de todos? Que importam todos os equívocos, que
importam todas as asneiras, que importam todos os erros? Eles são mortais,
perecíveis, transitórios e o Eu está em nosso coração, nós somos o Eu. Ele é o
Evangelho verdadeiro; a "história da salvação" sobre a qual todos os corações
podem descansar; tudo o mais pode nos falhar, mas o Eu, que é nosso Eu, nunca
pode falhar.
E se por temor pudéssemos pensar que a boa nova é boa demais para ser
verdade, se por medo pudéssemos pensar que essa grande coisa não pode ser, os
Upanixades repetem isso de várias maneira, com detalhes. Permitam-me mostrar-
lhes alguns dos śloka que nos contam quão absolutamente verdadeira é essa
verdade esplêndida: "Por Ele, de quem ninguém é maior, de quem ninguém é
mais sutil nem mais antigo, que permanece inabalável nos céus como uma
árvore, o Um, o Espírito, tudo isso está impregnado." (25) Se voltarmos ao
20
discurso de Yamas a Naciketas, nós o veremos explicando as muitas formas do
Eu: é o Eu que, como o Sol, mora no céu, como o vento na atmosfera, como o
fogo na terra; Ele mora no homem, no éter, na água, nasceu na terra, no
sacrifício, nas montanhas; "Ele é a verdade, o grande Um." (26) "O Eu uno (...) é o
Eu interno de todo ser." (27) "Ele, o Um, o Senhor, que torna múltipla a natureza
é o Eu interno de todos os seres." (28) E a Muṇḍakopaniṣad nos apresenta a
mesma história maravilhosa: "Disso nasceu a respiração, a mente, todos os
sentidos, o éter, o ar, a luz, a água, a terra, o suporte de tudo". D’Ele o fogo cujo
fluido é o Sol, d’Ele a Lua, d’Ele os Deuses, os homens, os quadrúpedes, as aves,
os ares vitais, os sete sentidos, os sete fogos, os sete canais em que os ares vitais
se movem, que dorme na cavidade do coração, d’Ele todos os mares e todas as
montanhas, todos os rios e todas as ervas. (29) "Mulheres, homens, virgens,
jovens e donzelas. Velhos, que cambaleiam com seu cajado. Vós nascestes, vossa
Face é o Universo. (30) Criaturas azuis, e criaturas de olhos vermelhos, de asas
verdes, o ventre-do-trovão, as estações do ano e os oceanos." (31) E depois, após
toda esta descrição da realidade da entidade do Eu universal e do Eu particular,
declara-se que: "O Eu Supremo sempre morou nos corações dos seres" . (32) "Na
verdade esse poderoso Eu em gestação é Aquele que é a inteligência do que
vive; o mesmo que é éter no interior do coração, onde Ele dorme". (33)
(25) Śvetāśvatara-, iii, 9.
(26) Kaṭhā-, v, 2.
(27) Ibidem, 9.
(28) Ibidem, 12.
(29) Resumido da Muṇḍaka-, Il, 1, 2-9.
(30) Comparar com o Corão: "Todas as coisas perecerão exceto Sua Face."
(31) Śvetāśvatara-, iv, 3, 4.
(32) Ibidem, iv, 17.
(33) Bṛhadāraṇyaka-, IV, iv, 22.
Não devemos ter medo, então, de reivindicar nosso direito de
primogenitura; não devemos ter medo de declarar: "Eu sou Ele, e não há mais
ninguém". Se vivemos, somos parte d’Ele. Dizer que não somos Ele é nos
declararmos mortais, perecíveis, e, quando a religião tiver perdido sua verdade,
ali e só então pode surgir a pergunta: "O homem tem uma alma?" Quando nos
conhecemos como o Eu, não há lugar para se perguntar pela imortalidade; pois
Ele é em-gestação, imorredouro, antigo, perpétuo, eterno. (34) Ele existe sem
depender de qualquer corpo; Ele está acima e além de tudo, a fonte de tudo que
é.
(34) Bhagavadgītā, ii, 20.
Mas como podemos saber disso? Aqui volta uma vez mais a moral de todo
Upanixade. Vocês só podem saber isso com a compreensão de seu Eu. Como eu
lhes disse ontem, Mokṣa não se alcança, ele é de vocês. Mas existem obstáculos
que Māyā construiu, que a Matéria, que é Māyā, preparou. Os corpos de vocês os

21
cegam. Não transparente como o vidro de uma lâmpada, através do qual brilha a
luz, mas maculado por mais de uma coisa inferior, o Não Eu, que repudia o Eu.
Mas esta tudo de pernas para o ar. O Eu pode confirmar e pode repudiar a
Matéria. Mas o que é a Matéria, que se aventura a ser confirmada ou repudiada
pelo Eu? Sua existência só é extraída do Eu; só nele ela repousa. E é isso que nos
engana, que nos cega, que nos torna impotentes. E em consequência exige-se a
purificação do veículo antes que um homem possa ver a majestade do Eu. Este e o
caminho. Não é a Realidade, mas o caminho para ela, e mostrar esse caminho é o
trabalho de todas as religiões. As religiões, que nasceram da aspiração que o Eu
alimenta por se conhecer, dão os muitos meios, os muitos caminhos pelos quais os
veículos deixarão de obstruir a manifestação do Eu. O Eu não muda. Está sempre
lá, no nosso interior, como o Sol no céu. Ele brilha sempre. Mas nuvens podem
ocultar aos olhos o Sol que habita sobre as nuvens; as nuvem podem escondê-lo,
embora suas encostas fiquem brilhantes com o brilho do Sol. E a obra de todas as
religiões, a obra de cada um de nós de vocês e minha, é purificar os veículos de
maneira a afugentar as nuvens, para que o brilho do Eu Sol possa brilhar em nossos
corações. Não é Ele que muda, mas o eu interior que se purifica. A separação é
Māyā. A multiplicidade é Māyā. Mas só podemos nos desfazer dela por um lento
processo de purificação, compreendendo que a Matéria não deve dominar o Eu,
mas que o Eu deve dominar a Matéria. Não é Ele chamado de Possuidor de Māyā?
Mas o Eu que está em vocês e em mim é possuído por Māyā, não é seu possuidor.
Aí reside a dificuldade. Por isso está escrito que os grilhões do coração devem ser
quebrados. (35) Por isso está escrito que um homem deve fugir dos caminhos do
mal. (36) Por isso está escrito que devemos seguir a retidão, e o conhecimento, e a
devoção. (37) Porque, por todos esses meios, o homem pode tornar-se senhor de
Māyā, e, quando dominar Māyā , ele se conhecerá como Eu. Este é o caminho. E
assim esta escrito: "Os que O conhecem como vida da vida, como olho do olho,
como o ouvido, esses conhecem Brahman, o Antigo, o Primeiro". (38) “Quando ele
vê o Eu como Deus, o Governador do passado e do futuro, então Ele não O
ocultará de si". (39) Ele só quer estar oculto até que tenhamos dominado Māyā tão
bem, que Ele possa ser visto ao olhar por nós. Sobre isso se construíram todos os
Yoga; sobre isso se construiu toda retidão; sobre isso se construiu todo viver
nobre. Mas, de todos os enganos com que a poderosa Māyā desencaminha o Eu
corporificado, de todos os obstáculos e de todas as dificuldades que Māyā atira no
caminho da compreensão-do-Eu - é a pior de todas as hipocrisias, de todos os
enganos, a que faz um homem declarar com lábios impuros, com vida
despurificada, ser escravo, instrumento, de Māyā, identificando-se com Māyā: "Eu,
concha de Māyā, sou Brahman". Pois a vida, não os lábios, deve dizer as palavras, e
os lábios são indignos se a vida declara o contrário.
(35) Muṇḍaka-, II, ii, 8.
(36) Kaṭha-, ii, 24.
(37) Muṇḍaka-, 111, i, 5.
(38) Bṛhadāraṇyaka-, IV, iv, 18.
22
(39) Ibidem, 15.
Bem, passemos agora a um ponto que embaraça muitas pessoas. Até aqui
falei de Ῑśvara, o Supremo. Mas a palavra Ῑśvara é utilizada para outros Seres que
não o Brahman Saguṇa e muitas dificuldades surgiram muitas vezes em relação a
essa questão entre teósofos iletrados e hindus também iletrados, Os teósofos
aprenderam a usar a palavra Ῑśvara para muitos Governadores, os Logoi, e às vezes
um hindu iletrado não sabe que Ῑśvara também possui este significado em muitos
Śāstra. A palavra Ῑśvara só significa Senhor, Governante, e o Senhor de qualquer
Universo, de qualquer sistema, também é chamado Ῑśvara, como todo hindu
erudito sabe. Esta é uma dificuldade que desponta muito claramente nos
Upanixades, a menos que sejam lidos cuidadosamente. Eu observei ontem que
eles tratam mais do universal do que de particulares. São tratadas ali ideias
abstratas fundamentais mais do que manifestações concretas, e só aqui e ali há
uma indicação de que existem fatos concretos que também podemos alcançar,
fatos concretos no Universo que podemos tentar entender.
Uma dessas alusões está nos sloka que agora prendem nossa atenção. Diz-se-
nos na Kathopaniṣad: "O mais velho a partir do tapas" de Ῑṣvara é Hiraṇyagarbha,
também chamado em outras passagens de Prajāpati, ou Brahman. (40) "O mais
velho a partir do tapas". É este o elo de que precisamos. Todos os Logoi dos
Universos nascem do tapas do Ῑśvara Supremo, que é Brahman, e são as
expressões variadas de Seu pensamento. São os Senhores dos Universos, os
Progenitores, como implica a palavra Prajāpati. "Incontáveis são os avós (os
Brahman); os Hari também são incontáveis· o Ῑśvara Supremo é um." (41) O
princípio é que do Senhor Supremo, do Eu Uno, provêm os muitos, e, entre os
muitos, os mais velhos são os Governantes dos mundos, os Criadores dos mundos
Hiraṇyagarbha, o Útero Dourado, é o nome coletivo. Brahman é o Nascido-do-ovo,
o Nascido-do-lótus. Os teósofos utilizam o nome Logoi, um nome que aplicamos a
muitos Governantes, cujos reinos variam em dimensão, embora a ideia seja
sempre a mesma - o Governante de uma área definida. Ῑśvara, o Governante de
um sistema, deve ser distinguido de Ῑśvara, o Uno, o Brahman Saguna. Esse Ῑśvara
secundário é o Governante de um Universo, quando existem muitos Universos; o
Governante de um Sistema Solar, entre incontáveis sistemas; ou, ainda, o
Governante de uma Cadeia Planetária, no interior de um Sistema Solar, é chamado
Logos Planetário. Pois Logos significa Palavra, e todas elas existem pela Palavra do
Supremo. São Elas que são objeto de adoração por toda parte por aqueles que não
podem chegar à concepção do Ῑśvara Supremo uno, e Elas nascem de seu tapas, de
Sua austeridade, de Seu pensamento, de Seu sacrifício. Do sacrifício procedem
todas as coisas, dizem-nos. "A aurora (da criação) é a cabeça do Cavalo sacrificai",
(42) onde o Cavalo é o Universo; tudo está enraizado no sacrifício. Ele quis se
tornar muitos; este é o sacrifício primordial - a limitação de Si mesmo, Sua divisão
de Si mesmo, em Ῑśvara e Māyā, para que Ele possa nascer como o Senhor e a
Fonte de todas as vidas separadas. Este é o ponto em que surge a dificuldade.
Muitos Ῑśvara? Sim, tantos quantos sejam os Universos; mas um Ῑśvara Supremo,
23
que é o próprio Brahman. E quando vocês compreenderem isso, vocês
compreenderão o que H. P. B. ensinou - que um Ῑśvara é o resultado de uma
evolução no interior de um Universo. O Supremo não conhece evolução; Ele está
além de toda Māyā. Mas todos os outros Ῑśvara, os Logoi, Eles crescem, Eles
evoluem. Eles, por Sua vez, praticam tapas; Eles, por sua vez, realizam o sacrifício e
constroem mundos. Além disso, Eles chegam à tarefa elevada de um Ῑśvara por
meio de um esforço muito prolongado, por sacrifícios incontáveis; por esses
sacrifícios se chega à categoria de Ῑśvara.
(40) Comparar Kaṭha-, iv, 6 e Muṇḍaka-, I, i, 9 e Praśna-, 7.
(41) Liṇga-purāṇa, iv, 54.
(42) Bṛhadāraṇyaka-, l, i, 1.
Para os fatos concretos devemos voltar a obras de menos autoridade do que
os Upanixades e acrescentar aos śloka destes últimos alguns detalhes extraídos de
outros escritos. Na Vāyu-Saṁhitā lemos: "Que nós O conheçamos, o supremo Ῑśvara
de todos os Ῑśvara, o supremo Deva de todos os Deva, o Senhor de todos os
Senhores, o Ῑśvara dos Ῑśvara dos mundos". (43) Esta verdade faz uma
reconciliação entre as visões teosófica e hindu, que apresentam Ῑśvara, o
Supremo, como o Brahman Uno, manifesto, não-evoluído, e os muitos Ῑśvara dos
mundos, os frutos da evolução. No Devī-Bhāgavata está escrito: "Mesmo que o
número de grãos de areia pudesse ser contado, o dos Universos nunca. Da mesma
maneira, não há limite para o número de Brahman e de Visnu e de Śiva." (44)
Falando de Mahā-Viraj, diz-se que: "Em cada fio dos cabelos de Seu corpo estão
Universos incontáveis".(45) Isto é a Autolimitação do Eu, o sacrifício, a meditação, a
austeridade, pelos quais passa a existir a multiplicidade. Assim nascem os Hiranya-
garbha e os Brahman, os Criadores. Assim também, em cada Brahmāṇḍa, o sacrifício
leva à condição-de-Ῑśvara: "Durante cem manvantara Brahman fez japa de Śakti.
Durante cem manvantara Viṣṇu fez tapas, para se tornar o Preservador”. (46)
Assim, o teósofo tem razão quando diz que os Ῑśvara dos mundos são o resultado
da evolução, e está certo o hindu quando diz que o Ῑśvara Supremo não está
sujeito à evolução, Ele que é o Brahman Saguṇa, a Vida una, o Eu, de tudo. Assim,
a verdade completa estabelece uma reconciliação onde uma visão parcial faz uma
divisão; e começamos a entender que seria melhor que tudo pudesse falar da
verdade que eles veem, por mais conflitante que essa verdade possa ser com
outras; quando toda a verdade é vista, todas as partes se misturam e fazem um
todo esplêndido. Donde não podermos nunca silenciar o herege; nunca podermos
silenciar a minoria; pois que eles nunca receberão um lampejo de algo que não
possuímos. Antes nos encorajemos todos a falar, que na multiplicidade de visões
encontraremos uma reconciliação perfeita de todas as verdades parciais; pois,
uma vez mais, "Só a verdade conquista, não a falsidade". Digamos nossas
verdades, mas não nos empenhemos na denúncia das verdades dos outros. No
Hinduísmo houve no passado uma liberdade absoluta de pensamento e de
expressão, e essa nobre herança não seria falsa. Onde estivermos errados, o
tempo nos corrigirá; onde estivermos enganados, as verdades apagarão
24
gradualmente nossos erros. Mas, se um silenciar o outro, então uma letra da
verdade completa pode escapar à visão e se perder da vida do mundo, uma letra
que poderia ter tido um lugar no todo.
(43) Loc. cit., I, iv, 122.
(44) Loc. cit., Il, ix, 7.
(45) Ibidem, 6.
(46) Ibidem, VIII, ix, 106. Para muitas dessas passagens, ver o Apêndice. Sou grata,
por todas essas passagens dos Purāna e por muitas passagens explicativas, ao meu
amigo Prof. Bireshwar Banerji, do Central Hindu College, de Benares, um
especialista nos Purāna. É muito interessante ver quão completamente elas
corroboram o ensinamento teosófico, conseguido independentemente.
Quando voltamos à Lei do Sacrifício, compreendemos que é verdadeiro o que
a Muṇḍakopaniṣad afirma: "O Espírito é na verdade este Universo; a ação, tapas".
(47) Este é o belo pensamento que se origina do estudo do Ῑśvara Supremo e dos
muitos Ῑśvara e Sua obra. Só pelo sacrifício pode ser dada a vida. Só por tapas,
austeridade, a vida pode ser compreendida. Esta é a lei das vidas de vocês, esta é a
única lei pela qual vivemos. Recusem o sacrifício, apeguem-se à matéria, sejam
escravos de Māyā, permitam que Māyā os possua - e vocês permanecerão isolados,
impotentes, sem socorro. Não podem ajudar ninguém; não podem ajudar a vocês
mesmos. Então, irmãos, amem e vivam a vida do sacrifício; atirem fora tudo o
mais vocês não podem jogar fora o Eu; tudo o que vocês podem lançar fora é o
Não-Eu e isso só terá valor graças ao sacrifício. Não temam atirar fora até mesmo
a vida, pois o Eu que está dentro de vocês nunca deixa de viver. Deem tudo que
possuam, tudo que saibam, tudo Que pensem como "meu" e, na negação de tudo
que não é Eu, o Aham uno brotará em vocês e vocês conhecerão esse "Eu e Ele".
(47) Loc. cit., lI, i, 10.

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III Conferência
Os Jīvātman

IRMÃOS,
O nosso assunto especial para hoje são os Jīvātman, na sequencia natural de
nosso estudo. Tentamos, debilmente todavia, entender aquela verdade tão
importante segundo a qual "Brahman é Tudo". Depois tentamos perfurar aquilo
que é trevas por causa do intolerável excesso de luz e ver, por assim dizer, a
possibilidade do Um, do primeiro Ser, o Eu Universal, o Brahman Saguṇa, o próprio
Ῑśvara. Tentamos seguir, passo a passo, a manifestação que se manifestou após
Ele, para utilizar as palavras do Upanixade: "Quando Ele se manifestou, tudo se
manifestou após Ele"; (1) e vimos que, entre essas manifestações, estavam os
grandes Ῑśvara dos loka, mundos-sistemas, Universos; e chegamos agora a um
ponto em nosso estudo, tendo passado por todos esses estágios preliminares, em
que podemos perguntar naturalmente: "E o que me dizem dos habitantes desses
mundos? Como é que a vida central se divide entre os muitos? O que significa a
palavra Jīvātman, o Eu vivo, o Eu que é vida? E qual é a distinção entre o Jīvātman
e o próprio Ῑśvara?" Estes são os problemas que tentaremos resolver - e, quando
tivermos aprendido a natureza do Jīvātman, já aludida na declaração de que Ῑśvara
se torna muitos por Sua própria vontade, pararemos naturalmente nesse ponto
para fazermos uma pausa e pensarmos na natureza do homem como homem.
Devemos tentar entender nossa própria natureza, e, compreendendo-a, podemos
ver a trilha, se assim posso me expressar, que leva à compreensão do Eu. Estes
são os detalhes ásperos do que tentaremos fazer hoje, e amanhã tomaremos esse
caminho com mais detalhes, estudando a roda de nascimentos e de mortes;
devemos ver o que significam nascimento e morte em relação àquilo que é não-
nascido e imorredouro. O que nascimento e morte têm a ver com o que é em si
mesmo eterno, que compartilha da eternidade do próprio Deus? E então, se for
possível, poderemos ir adiante com alguma inspiração, percorrer a trilha da
peregrinação com alguma luz fresca sobre as dificuldades do entendimento, com
uma coragem renovada, para ultrapassar os obstáculos que nos retardam.
(1) Śvetāśvatara-, vi, 14 e Muṇḍaka-, II, ii, 10.
Olhando para qualquer mundo-sistema, ou mundo, em que vocês vivam,
vocês veem ao sem redor criaturas vivas de toda espécie e algumas criaturas que
não são vistas como seres vivos por um grande número de pessoas. Mas para nós
não existe diferença entre as criaturas chamadas vivas e as não-vivas, exceto no
grau de vida que se manifesta; não há nenhuma diferença fundamental, nenhuma
separação. Posso pegar um grão de areia em minha mão. Para mim há um
Jīvātman oculto num denso véu de matéria. Podemos ver surgir entre nós o Deva
mais sublime que governa um mundo, para nós ele deve ser a mesma coisa, um
Jīvātman; só que nele o véu é mais rarefeito, a matéria menos grosseira. A luz, que
26
é semelhante nele e no grão de areia, brilha em um, está obscurecida no outro.
Bem, vejamos qual afirmação é de certa maneira um exagero e desprovida
de sentido. Para tal, naturalmente, devemos voltar ao mesmo livro, ou aos
mesmos livros, que estão guiando nosso estudo, e compreender que todas as
coisas possuem um Jīvātman em seu coração. Detenhamo-nos por um momento
em determinados grandes princípios. Pois, se vocês os entenderem claramente,
sua aplicação é apenas uma questão de pensamento, de inquietação, de os
utilizar para explicar casos particulares - e esse uso e essa explanação vocês não
encontrarão nos Upanixades. Eles nos dão os princípios que podem ser aplicados
a tudo, mas não as suas aplicações em detalhe.
Bem, um desses princípios é o de que toda manifestação ocorre em
trindades, tríades, por três. Isto é natural, não é? Porque em todo começo de
toda manifestação primária exibe-se a natureza tripla do manifestante, e Ele se
enuncia no Aum trilítero. Assim, naturalmente, o que decorre disso também será
triplo em sua natureza, visto que deve ser o reflexo do reflexo, e, sendo triplo o
objeto que é refletido, a imagem ou o reflexo também deve ser tripla. Esse é um
dos princípios, e vemos que ele está claramente expresso em um dos Upanixades;
na Chāṇḍogyopaniṣad lemos que nos estágios primordiais foram produzidos três
grandes Elementos - aos quais podemos chamar Devatā - e eles foram o calor ou
fogo, a água e o alimento (alimento está aqui, naturalmente, por terra, que é o
doador de todos os alimentos). Esses três Seres foram trazidos por Ῑśvara para
todos os mundos, e Ele desejou: "Tendo penetrado todos esses Devatā como
Jīvātman, eu me tornarei manifesto em nome e em forma". (2) Eis as palavras que
por alguns momentos exigem nossa atenção especial: "Eu me tornarei manifesto em
nome e em forma". Tendo ele então penetrado esses elementos, cada um deles
então se tornou uma trindade. O fogo tornou-se uma trindade com a Sua entrada; a
água tornou-se uma trindade com a Sua entrada; o alimento tornou-se uma trindade
com a Sua entrada. Assim, o três tornou-se nove, e assim por diante; cada nova
trindade reproduziu sua natureza em outras três trindades, e assim todo o Universo
se preencheu com essas trindades, ou tríades, cada uma das quais é um reflexo da
vida de onde ela veio; como Ele diz: "Eu me tornarei manifesto como Jīvātman em
nome e em forma", temos uma definição de um Jīvātman. Um Jīvātman é um Ῑśvara
com nome e forma. Essa definição é extraída do próprio Upanixade. O Jīvātman não
é nada mais do que Ῑśvara com nome, com forma - como poderíamos dizer,
individualizado, particularizado - e um Jīvātman não é nada mais do que isso. Ele é a
coisa mais ampla em sua essência e nome e forma são suas limitações. Nome e
forma implicam a presença da matéria, pois a matéria é, como está dito no Viṣṇu-
Purāṇa, "Extensão". Donde que a forma implica matéria, veículo, upādhi, corpo -
deem o nome que quiserem. Nome quer dizer aquela nota particular que soa por
ocasião de toda agregação, ou combinação de matéria, que é o "nome real" de toda
coisa viva. Vocês são chamados por muitos nomes, mas eles não são seus nomes
verdadeiros; eles mudam de nascimento para nascimento. Num nascimento vocês
podem ser um Guilherme, em outro podem ser Kālicraran: num nascimento vocês
27
podem ser um homem, com nome de homem; noutro uma mulher, com nome de
mulher; pois está escrito a respeito do Jīvātman: "Ele não é mulher, ele não é
homem, nem hermafrodita".(3) Ele está acima de toda distinção de sexo. Então
nenhum desses nomes mutáveis pode ser "o nome" pelo qual Ῑśvara se torna um
Jīvātman.
(2) Loc. cit., VI, iii, 2.
(3) Śvetāśvatara-, 10.
O que é "o nome" então? Toda agregação de matéria, de átomos, emite com
sua vibração um som e o som que resulta da totalidade de todas as vibrações, de
acordo com a composição da natureza material, é "o nome" desse objeto. O som
que é produzido pela agregação, com a luz do Jīvātman no seu interior, que também
é som, combinado numa mesma grande nota, que expressa perfeitamente a natureza
do indivíduo, esse é só esse é seu verdadeiro nome. Esse é o nome de cada um de
nós e cada um de nós tem esse nome, soando de maneira muito desajeitada no
presente, muito discordante, porque todas as espécies de sons desarmoniosos se
misturam e a nota não é clara. Todavia ele está lá, e a compreensão do nome é a
compreensão do Eu. Então nossos Jīvātman são Ῑśvara com nome e forma.
O próximo passo que devemos dar, seguindo ainda nosso guia, é a reiteração
daquela afirmação que vocês ouviram ontem com outras palavras de outros
Upanixades, mas que cabe aqui também para nos explicar a natureza do Jīvātman.
"Isto é Brahman, isto Indra, isto Prajāpati, isto todos os Deva, e os cinco .grandes
elementos, terra, ar, éter, água, luz, o nascido-do-ovo, o nascido-do-útero, o nascido-
da-gemação, cavalos, vacas, homens, elefantes, tudo o que respira, caminha, voa, é
imóvel." (4) Depois lemos na Bṛhadāraṇyakopaniṣad: "O Imortal está oculto pela
existência". Estranha frase! Dizemos que o Imortal" é produzido pela existência, mas
a visão mais profunda diz que o Imortal está ocultado pela existência. A existência é
ilimitável. Donde o Imortal estar verdadeiramente oculto de vocês pelo simples
fato da existência separada de vocês. "A vida é o Imortal, nome e forma existência;
por eles a vida é ocultada." (5) Esta é a grande verdade do Jīvātman. E mais uma
vez eu lembro a vocês o que eu citei ontem, pois isso é nosso ponto de partida.
Lembro as seguintes palavras da Chāṇḍogyopaniṣad; "Esse mesmo Brahman é o éter
que está fora do homem e é o éter que está dentro do homem". Eis o Jīvātman.
(4) Aitareya-, III, v, 3.
(5) Bṛhadāraṇyaka-, I, vi, 3.
Nenhuma dúvida deve ficar a respeito do ensinamento dos Upanixades em
relação a este ponto, e se vocês prestarem atenção nele de muitas maneiras, e com
muitos sloka, será porque ele é o ponto mais crucial de todos, o eixo sobre o qual
gira toda a concepção da vida. Se ele não for compreendido, vocês continuarão
escrazivados e cegos. Se for compreendido, então tudo o mais se seguirá, pois ele é
tão verdadeiro em nós quanto no mundo: "Quando o Eu se manifesta, tudo se
manifesta após Ele". Não importa se vocês se atrapalharem, se vocês ainda
estiverem cegos, se seus upādhi os prenderem; não importa, se vocês
reconhecerem a grande verdade única de sua própria Divindade, pois, assim como
28
o sol queima as nuvens que o obscurecem pela glória de sua luz, assim também a
glória do Eu, brilhando no coração, queima todas as coisas que obstruem, até que
ela brilhe sem turvações.
Qual é a diferença, então, entre ῙŚvara e Jīvātman, que é implicada pelos
termos "nome" e "forma"? Qual é ela? Lemos novamente na Śvetāśvataropaniṣad:
"Conhecimento e desconhecimento amobos nascidos, poderosos, impotentes (...)
em cativeiro pela condição de um desfrutador". (6) Preso a objetos; esta é a
diferença - esta e nenhuma outra. Quebrem os grilhões que prendem os corpos
dele e estará livre. No cativeiro dos corpos ele está sempre livre, pois a liberdade é
a essência de sua natureza e ele, na verdade, não está preso por todos os grilhões
que o cercam; são os veículos que estão presos, não o Eu. O Jīvātman sempre está
livre.
Uma questão surge nesse ponto: para quê tudo isto? Por que esse Jīvātman da
Natureza de Ῑśvara, que tudo conhece, que tudo pode, por que, por qual estranho
mistério, ele não se torna ignorante, impotente? Por que? Com que objetivo? Nós
perdemos a liberdade? Por que a perdemos? Que nós a perdemos, está muito
claro, pois estamos aqui e estamos presos. E, a menos que essa questão seja
respondida, vocês sempre estarão mais ou menos confusos. Pois, à primeira vista,
todo o processo parece absurdo. Se nós fôssemos livres, em qualquer tempo, em
qualquer estado, por que fomos deliberadamente atirados nesse oceano de Māyā e
perdemos a liberdade que é nossa por direito de nascimento e o conhecimento
que é a natureza do Eu? Por que isso nos aconteceu? Está claro que isso nos
aconteceu, dado que estamos aqui, mas por quê? A resposta é tão clara quanto o
fato - isso nos aconteceu porque, naquele mundo dos Deuses mais elevados,
naquele mundo em que o conhecimento é perfeito e o poder é onipotente,
naquele mundo só existe a matéria mais fina, as limitações mais sutis da forma, tão
sutis que todas as formas se entremisturam, e vocês não podem dizer qual é uma e
qual é outra; para usar uma velha descrição grega desse estado, o sol e as estrelas
são um todos os outros e eles mesmos. Ao conhecimento, por mais amplo, falta
uma precisão definida, que só pode ser obtida por limitação. Este é o outro grande
princípio. Quando vocês limitam, vocês definem. Quando vocês definem, mais e
mais claros se tornam os contornos e, ao passo que é verdade que o Jīvātman
nessas regiões sublimes tudo conhece e tudo pode, na matéria mais densa que
Ῑśvara constrói para Seu Universo ele se torna cego e impotente, escravo de Māyā: e
ele se manifesta como Ῑśvara antes se manifestou, pode tornar-se o senhor de
Māyā e não seu escravo, de maneira que em todo lugar em que tudo for Brahman
lá deverá haver alguma coisa que pode limitar, alguma coisa que pode cegar. Por
nossa própria vontade descobrimos que podemos desfrutar do exercício de nossos
poderes. Mas, quando tentamos exercitar nossos poderes nesse grande oceano de
matéria mais densa, percebemos que não podemos fazê-lo. A matéria é cegante
demais, opaca demais, inflexível demais; não podemos adestrá-la; não podemos
controlá-la; e, por nossa própria vontade, a fim de que possamos nos tornar seu
senhor, nós nos tornamos escravos dela durante algum tempo; conhecendo-a,
29
desejando-a e não desejando descansar naquela única região elevada onde ficamos
livres, mas querendo estar livres em qualquer lugar, e não apenas naquela região
mais sublime, querendo viver e agir, e conhecer, em toda condição possível de
matéria, e não apenas naquela forma mais sutil que é a região de nosso
nascimento e nosso lar real. Faz parte da natureza mesma da vida querer fazer,
exercitar os poderes da vida. Como podemos ajudá-la? Fazemos parte de Ῑśvara e
compartilhamos da energia que flui de Sua vontade. Há alegria no se tornar muitos;
há alegria no distribuir o poder, a vida; há alegria na criação, no disseminar nossa
vida nas formas que criamos; e nós, como partes d’Ele, queremos como Ele quer, e
com Ele entramos no oceano de matéria, de maneira que podemos conseguir
nossa liberdade e sermos como Ele é, sempre livre.
(6) Loc. cit., i, 9.
Somos parte d’Ele, limitados por nome e forma, e a parte não possui em
primeiro lugar as possibilidades, ou antes as atualidades, do todo. As
possibilidades, sim, porque somos partes. A expressão delas, não, também porque
somos partes. Para que nós que somos partes possamos nos tornar o todo,
entramos numa limitação temporária, que nesse lugar podemos conquistar, onde
podemos ser livres. Donde este agrilhoamento. Na condição limitada de vocês,
vocês devem estar querendo saber porque vieram para cá. Mas ninguém obrigou
vocês a virem para este Universo. Vocês vieram por sua própria vontade, com
Ῑśvara que quis se manifestar. E porque Ele quis se manifestar vocês também
quiseram. Pois vocês são parte d’Ele. Como parte, vocês devem conquistar sua
liberdade, até que no mundo mais grosseiro de matéria vocês possam ser tão
onipotentes e tão sábios .quanto são naquelas regiões supemas de seu nascimento,
onde vocês conhecem sua própria divindade e sua não-separação de Ῑśvara.
Na Aitareyopaniṣad, um pequeno mas valiosíssimo Upanixade, há uma descrição
muito interessante do caminho em que ocorrem os estágios dessa manifestação do
Jīvātman, "Nas origens havia o Eu uno e mais nenhum vivente; Ele quis que eu
emanasse os mundos".(7) Ele então começou a emaná-los. Primeiro surgiram os
Elementos, depois os Deva. Detenhamo-nos por um momento. Quem são esses
Deva? Os Deva dos Elementos; aqueles seres poderosos vindos de Universos
passados, que possuem como corpos aquilo que nas Escrituras antigas é chamado
de Elementos. Assim como vocês possuem seu corpo físico, também eles possuem
seus corpos de matéria, e o corpo do Deva é a matéria de um plano inteiro - como
dizemos. Um plano é formado de uma espécie de matéria, um Elemento.
(7) Aitareya, I, i, 1 e ss.
Não confundam esses Elementos com os elementos químicos, ou então nunca
encontrarão seu caminho. Um Elemento, no velho sentido do termo, significa
matéria que tem uma forma especial de átomo; há sete deles, cinco dos quais são
manifestos. Essas cinco espécies de átomos são os cinco Elementos, e há de cada
um desses Elementos, ou átomos elementais, infinitas combinações, constituindo
todas as combinações de uma espécie de átomo elemental um plano. Assim, um
Elemento, o Fogo por exemplo, está em toda matéria que é construída dos átomos-
30
fogo, por mais complexa, por mais átomos que entrem em qualquer combinação.
Esses átomos-fogo fazem o corpo do Deva do Elemento Fogo, Agni; neste corpo
feito de átomos-fogo ele entrou e o corpo então se tornou seu veículo de
manifestação. Este é o próximo pensamento em que vocês devem meditar. Todo
Elemento é o corpo de um Deva e toda a matéria composta desse Elemento
pertence a esse corpo do Deva. Ele está nele todo; tão certo quanto o Jīvātman de
vocês viva no corpo de vocês e se mova nele e esteja consciente nele. Agni vive,
move-se e está consciente em todas as combinações de átomos-fogo. E isso que se
quer dizer com Deva de um Elemento. Agni está em tudo nos três mundos em que
entra o Fogo.
Nos estágios de construção de um Universo, então, em primeiro lugar havia os
Elementos e depois teve início a construção de formas, e Ῑśvara construiu com Seu
pensamento determinadas formas e as ofereceu aos Deva para que eles vivessem
nelas e os Deva as rejeitaram. Eles disseram: "Não viveremos nelas". Depois Ele fez
outras formas e eles também as rejeitaram, dizendo: "Não viveremos nelas". Eles
queriam abandonar sua substância a elas, mas não queriam se identificar com elas.
Então Ele fez o Puruṣa, o homem arquetípico, e os Deva gritaram: "Muito bem! Nele
nós entraremos e nele nós moraremos". Em consequência, o homem é a mais
elevada de todas as coisas. Nas últimas construções de mundos, todos os animais
são apenas as partes que o homem rejeitou. Aquilo que ele atirou fora foi utilizado
para a construção do reino animal. E às vezes, se vocês se queixam da espécie de
animais que os rodeiam, se vocês os considerarem obstáculos, como estorvos,
como atormentadores, lembrem-se de que eles só existem porque os homens
pensaram erradamente e agiram erradamente. Estes animais que rodeiam vocês
são os resultados do próprio passado de vocês, atormentando-os no presente mais
elevado de vocês. Esses Jīvātman vivem nos corpos que vocês fizeram para eles,
suas roupas rejeitadas, e lembrem-se de que só subindo mais alto é que vocês
podem purificar e levar com vocês o reino animal, pois ele é uma criação de vocês,
como vocês são a criação daqueles que são mais elevados que vocês.
Os Deva adentram o homem, dão-lhe sua substância e com essa substância dos
sentidos dele foram construídos. O Fogo torna-se fala em sua boca; o vento, alento
em suas narinas; e etc.; eles se tornam os sentidos que têm seus órgãos no corpo, e
os poderes e as capacidades dos Deva residem neles. Depois o Jīvātman, para quem
esse templo foi construído - pois não são corpo humano o Brahmapura, o
Viṣṇupura, a cidade divina de Brahman, (8) a habitação de Deus - o Jīvātman disse:
"Deixe-me entrar nele", e Ele colocou para dentro a cabeça, onde os cabelos da
cabeça se separam, e assim se tornou o habitante do corpo, o Eu corporificado.
"Este corpo é uma morada do Eu não-corporificado imortal." (9) Ele entrou e
ocupou três lugares. O Upanixade não menciona quais seriam esses três lugares. Diz
apenas: "Um lugar, um lugar, um lugar". Quais são eles? Se esse Upanixade não nos
diz, um outro o fará. Segundo este, sabemos apenas que existem três lugares
habitáveis, mas a Māṇḍūkyopaniṣad nos mostra quais são eles. Temos a consciência
desperta, e o cérebro em que ela opera é um lugar de habitação. Às vezes esse
31
cérebro é simbolizado pelo olho direito, como o símbolo do cérebro, que conhece
por meio dos sentidos. O segundo lugar de habitação é o da consciência
superdesperta, do Ego, ou Taijasa; e esse é o corpo mental, ou o antaḥkaraṇa, a
mente interior. O terceiro lugar de habitação é o da própria Mônada, o Jīvātman
quando é como Ῑśvara, o Deha Jñāna em sua forma mais sutil, e o mais elevado de
todos; às vezes é simbolizado pelo éter na cavidade do coração, a câmara lotusiana,
onde está o antarākāśa, o éter interior, onde mora o Eu. (10) Esses são os três
lugares de habitação da consciência, que assim surge como se fosse tripla, o
Prāṇātman, como eu o chamei, o Vaiśvānara: o próximo, Taijasa, o brilhante, o
radiante, a inteligência que tudo penetra, o Aham, o "eu"; finalmente, o estado
mais elevado em que o conhecimento, Prājñā, é absoluto e o homem se tornou
Prājñā, o Senhor de todo conhecimento. Esses são os três estados; estes são os
lugares de habitação de Ῑśvara, como Jīvātman, limitado por nome e forma.
(8), Ver Muṇḍaka-, II, ii, 7; Chāṇḍogya-, VII, i, 1; Kaṭha-, v, 1; Śvetāśvatara-, iii, 18, etc.
(9) Chāṇḍogya-, VIII, xii, 1.
(10) Chāṇḍagya-, VIII, i, 1.
Detenhamo-nos nessa natureza tríplice do homem, pois nela surge um outro
princípio importante, o princípio da reflexão. Cada manifestação lança uma sombra,
uma reprodução imperfeita de si mesmo, e assim o par - sombra e luz solar - são
continuamente referidos. Yama utiliza essa frase quando ensina Naciketas sobre o
Eu inferior e o 'Eu Supremo: "Conhecedores-de-Brahman", diz ele "chame-os
sombra e luz solar". (11) Quero que vocês entendam a significação desse princípio
de reflexão, porque então vocês terão uma chave que os guiará por muitos
labirintos. As expressões" sombra" e "luz solar" podem ser utilizadas para coisas
diferentes, para vários pares. Mas se vocês entenderem o princípio, vocês
distinguirão facilmente a particularidade da utilização. Onde houver um par, um
mais elevado manifestando-se num mais inferior, então o princípio de reflexão
ocorre e vocês têm luz solar e sombra. O símile é muito pitoresco. Suponhamos que
eu tenha uma luz brilhante aqui e suponhamos que ao meu redor só exista a
atmosfera pela qual a luz pode fluir, não existe sombra. Mas suponhamos que eu
traga algum objeto de matéria densa e que coloque esse objeto nos raios de luz -
uma sombra surgirá, e a sombra possui os contornos do objeto que a lança, mas
não uma reprodução completa de suas partes; onde há luz e uma interposição da
matéria mais densa surge uma sombra. A mônada é a forma separada mais
elevada e é tão pouco separada, por uma película tão fina de matéria, que vocês
só podem dizer que existe um véu de separação; mas esse véu é permeável, e
nenhuma Mônada possui um lugar, mas tudo tem um lugar. A Mônada é a luz; na
matéria mais densa ela é sombra, o Jīvātman triplo, o Ātman-Buddhi-Manas, às
vezes chamado de Ātman triplo, o homem espiritual individual, o Aham
verdadeiro, quando unificado. O primeiro par de luz solar e sombra é a Mônada
nos mundos dos Deuses, e o Ātman triplo é o mundo mortal, o mundo do
homem. Mas uma descida posterior tem de ser feita, uma manifestação mais
grosseira, e então outro par surge; o Ātman triplo torna-se a luz solar e a alma
32
vivente torna-se o sopro vital no corpo humano, o Prāṇātman, que se torna a
sombra. Assim, em vocês e em mim, a sombra é esse Prāna, a luz solar é o Ātman
triplo. Quando compreendermos o Ātman triplo, e o conhecermos como o nosso
Eu, então ele se tornará a sombra e a luz do sol é o Jīvātman verdadeiro, a
Mônada, o aṁça, ou parte, de Ῑśvara. Quando compreendermos isso como nosso
Eu e tivermos mergulhado nisso, então ele se tornará a sombra e Ῑśvara a única
luz. Por isso está escrito: "Esta vida nasceu do Eu. Como uma sombra pelo
homem, assim ela é produzida". (12) Quão perfeito é este símile. Só é preciso
entender como aplicá-lo, e tudo se torna ordenado. A mesma verdade está
exposta na Taittirīyopaniṣad: o inferior é o corpo do superior; Ῑśvara é o corpo do
Brahman Nirguṇa: os Ῑśvara inferiores são Seu corpo; os Jīvātman humanos são o
corpo dos Jīvātman secundários, e assim por diante, ate a forma mais grosseira de
matéria, o corpo humano, que é o corpo de Prāna, o sopro-vida. (13) E aqui está
uma escada, que se quer cheia de degraus, e vocês podem subir para o alto, pois
todos os degraus estão lá e não existe diferença alguma, exceto nos upādhi que
revestem a consciência una.
(11) Kaṭha-, iii, 1.
(12) Praśna-, iii, 3.
(13) Loc. cit., lI, iií-vi.
A partir disso podemos dar uma definição do homem. 'Ele é a forma de ser
em que o Eu e o Não-Eu estão equilibrados. Essa é a única definição oculta de
"homem"; não uma forma específica,não órgãos, não arranjo de cabeça e braços e
pernas, etc. Homem é o ser, em qualquer forma, em que os poderes do Jīvātman
estão lutando por supremacia, em que Matéria e Espírito estão batalhando pela
dominação. Homem é o campo de batalha do Universo, em que Ῑśvara e Māyā
estão guerreando pela liderança; abaixo ,dele, Māyā é Senhor e Ῑśvara está
escondido; acima dele, Ῑśvara é Senhor e Māyā está conquistada; nele os dois estão
brigando pela supremacia, de maneira que, posso dizer, o campo de batalha, o
Kuru-kṣetra do Universo, é o homem. Todo Jīvātman que existe no Universo deve
lutar neste campo de batalha, deve ser, ou deve ter sido, homem - como diz H. P.
Blavatsky.
Existe uma outra expressão muito útil e muito esclarecedora; foi cunhada a
respeito do que seja a Jñānaśakti, o poder-de-conhecimento. Trata-se de
Jīvātman, cuja natureza é consciência, ou conhecimento; sua sombra é o
Prāṇātman, o eu pessoal, a Kriyāśakti, o poder de ação. Formam um par, nossa luz
solar e nossa sombra, o Aham, ou "eu", superior e inferior. "Dois pássaros, unidos,
com um só nome, moram numa única árvore; dos dois, um desfruta a deliciosa
figueira, o outro testemunha". (14) Quem são os pássaros? Um par qualquer, dos
quais o inferior é a sombra do superior. O que é a árvore? Um upādhi qualquer, um
veículo, uma forma, em que o superior mora. Os dois pássaros que residem em nós
são o Ātman e o Prāṇātman, e os corpos são a árvore; o Prāṇātrnan desfruta, o
Ātman triplo testemunha. Nos Ṛṣi, os dois pássaros são a Mônada, o Jīvātman
verdadeiro, e o Ātman triplo; o Āman triplo desfruta, a Mônada testemunha. Em
33
todo caso, o superior é a testemunha e o inferior é o instrumento, ou ferramenta,
da testemunha por meio da qual ele age no mundo. Embora sejam superiores, os
dois pássaros são o Brahman Nirguṇa e o Brahman Saguṇa, a Testemunha eterna, o
desfrutador do espaço e do tempo.
Ficam as questões: O que é Prāṇa e qual é sua relação com os Elementos, 'com
os Deva e com o próprio Jīvātman?
Indra disse: "Eu sou Prāṇa (...) a vida é Prāṇa, Prāṇa é vida.” (15) Indra é o Rei
dos Deuses, o mais alto deles, e é um símbolo dos Deva que operam no Universo, e
também do Jīvātman e de Ῑśvara. (16) "Eu sou Prāṇa" - e por que Prāṇa? Porque é
Ῑśvara, Ele é doador de vida a todas as coisas, e a vida, o alento no plano físico, é por
isso chamada Prāṇa. Portanto, no Yoga, Prāṇa frequentemente inclui todas as
energias vitais do Universo, e prāṇāyarna não é realmente o controle do alento
físico, mas de todas as energias vitais, que submete todas elas ao Eu.
(14) Muṇḍaka-, III, i, 1.
(15) Kauṣītakibrāhmaṇa-, iii, 2.
(16) Ver Aitareya-, I, iii, 14, onde se afirma que Idaṁdra (idaṁ daśyati, o que vê isto, que vê
o Não-eu) é o nome do Ῑśvara supremo e que ele foi modificado para Indra.
Mas continuemos nessa trilha. Em sua relação com os Elementos e os Deva,
diz-se que Prāṇa é quíntuplo, dividindo-se, e fala-se de cinco Prāṇa. É verdade; no
plano físico ele é quíntuplo, dividindo-se em cinco ramos, mas ainda é uma vida; é
como uma única fonte ou um único manancial, que envia água por canais
diferentes, e cada canal é diferente, embora a água seja a mesma. Prāṇa é chamado
de muitos nomes, da mesma maneira como vocês dão nomes diferentes às águas
que fluem por canais diferentes; podem chamá-las Rio Ganges, ou rio Brahmaputra,
ou rio Indo, mas todos eles são águas do Himalaia; então Prāṇa, quíntuplo,
dividindo-se, é chamado por nomes diferentes, quando visto como dividido, embora
seja chamado por um único nome quando compreendido: "Quando respiração, é
chamado vida;. quando falar, fala; quando ver, visão; quando ouvir, audição: quando
pensar, mente". (17) Por esta razão, nos Upanixades, os sentidos são
frequentemente chamados Deva, e isso sempre nos lembra de que é a vida que
produz formas, e não as formas a vida. Uma coisa é chamada por muitos nomes.
Trata-se sempre de um Prāṇa, que está em todos eles. Contam-nos que os sentidos
só são ativos quando o Prāṇa está neles. Há uma passagem muito refinada na
Chāṇḍogyopaniṣad que resumirei muito rapidamente: a fim de mostrar a relação
entre Prāṇa e os sentidos. Os órgãos brigavam pela supremacia e cada um dele
gritou: "Eu sou o chefe"; e eles Foram a Prajāpati e lhe perguntaram: "Quem é o
chefe?" e sua resposta foi: "Aquele que, se desaparecer, deixar o corpo indefeso,
ele é o chefe". Então a fala se afastou e o corpo viveu como o mudo vive; depois a
visão se foi e ele viveu como o cego; e a audição, e ele viveu como um surdo; e a
mente, e ele viveu como um bebê ou um idiota; depois Prāṇa ergueu-se para ir
embora - e, como um corcel esplêndido, como se fosse batido, arrebenta os laços
aos quais suas pernas estavam presas, Prāṇa desalojou todos os órgãos dos
sentidos" e eles gritaram: "O Senhor, tu és o maior; pedimos-te não parta, mora em
34
tua casa". E, um a um, vieram até Prāṇa e reconheceram que suas propriedades
específicas eram devidas unicamente a Prāṇa. (18) Pois todos eles são Prāṇa e, sem
Prāṇa, nenhum deles pode viver.
(17) Comentário sobre a Bṛhadāraṇyaka-, I, iv, 6.
(18) Loc. cit., V, i, 6-15.
Qual é a relação entre Prāṇa e o Jīvātman? Veremos que um é o outro. O Prāṇa
que está em vocês é verdadeiramente o Jīvātman de vocês, é seu Eu verdadeiro. Por
essa razão chamei a manifestação inferior de Prāṇātman. Cada sentido foi tomado
por Prāṇa de uma faculdade de inteligência, uma faculdade do Ātman triplo, uma
faculdade que pertence à Jñānaśaktí e Prāṇa, tomando essa faculdade, transforma-a
num poder, transforma-se em Kriyāśakti. O objeto do sentido é colocado do lado de
fora como um elemento rudimentar e induz a atividade naquele sentido especial, e
assim ocorre com todas as possibilidades de Ātman triplo. Por isso se diz que Prajñā,
conhecimento, tendo notado cada um dos sentidos, vive e opera no mundo e
conhece todos os objetos. (19) Todo o conhecimento reside no Ātman triplo que é
verdadeiramente a Jñānaśakti.
(19) Resumido de Kauṣītakibrāhmaṇa-, iii, 5-7.
Essas faculdades, tomadas por Prāṇa, e cada uma delas por sua vez
transformada numa śakti, um poder, está escrito que o verdadeiro Prāṇa é idêntico
a Ātman; (20) pois Prāṇa é Ātman com o nome de Prajñā: "Prāṇa é Prajñā, e Prajñā é
Prāṇa".(21) Não há diferença, exceto na forma de manifestação. Quando Prāṇa fez
isso, então se diz que Jīvātman mora no corpo: "Ó Maghavan, verdadeiramente
mortal é este corpo, penetrado pela morte; desse Eu imortal e incorpóreo ele é a
habitação". (22) Através de Prāṇa, o Ātman triplo mora conosco. Através de Prāṇa, o
Ātman triplo trabalha conosco. E por isso está escrito que todos os órgãos sensórios
corporais foram realmente feitos pela vontade do Eu para experimentar os contatos
das variadas formas de matéria: o Eu desejou ver, ouvir, falar, cheirar, pensar e daí
surgiram os órgãos. (23) Esta é a ordem da evolução; não é o Eu que é o produto do
corpo, mas é o corpo que é a construção produzida pelos poderes inerentes ao Eu;
toda manifestação neste mundo mortal, este mundo que é penetrado pela morte, é
devida à vontade do Eu; esta é a verdade. Não há nada em vocês que não provenha
do Ātman triplo; nenhum poder, nenhum pensamento, nenhum órgão sensório que
não provenha da vontade dele, porque ele quer se manifestar, e ele quer desfrutar.
E por isso está escrito, como se di e acima: "Do Eu nasceu esta vida".
(20) Kauṣītakibrāhmaṇa-, iv, 19.
(21) Ibidem, iii, 3.
(22) Chāṇḍogya-, VI, xii, 1.
(23) Ibidem, 4.
O resultado inevitável desse estudo é matéria para a vida cotidiana, para o
treinamento do estudioso. Está claro que não é nesses órgãos, criados pelo Eu,
que o Eu pode encontrar repouso. Esses órgãos não podem satisfazer, quando
compreendemos que os fizemos apenas para que sirvam a um propósito
passageiro. É o Eu que "vê, não-visto; que ouve, não-ouvido; que menta, não-
mentado; que conhece, não-conhecido. Não há nada que pensa, a não ser ele.
35
Não há nada que conhece, a não ser ele. Ele é teu Eu, o Governador interior,
imortal". (24) Donde o conselho: "O homem não deve desejar conhecer a fala, ele
não deve conhecer o falante. O homem não deve desejar conhecer a forma, ele
não deve conhecer o contemplador. O homem não deve desejar conhecer o som,
ele não deve conhecer o ouvinte. O homem não deve desejar conhecer a mente,
ele não deve conhecer o pensador". O Eu "é o Possuidor do mundo, o Rei do
mundo, o Senhor do mundo; esse é meu Eu. Isto o homem deve saber". (25) Isto
não é razoável? O que resulta de bom do fato de conhecer apenas os objetos, se
aquilo que os conhece está dentro de nós? Eles se tornaram secundários, triviais,
insensatos. É o Eu que possui todos os poderes quem verdadeiramente
desejamos conhecer.
(24) Bṛhadāraṇyaka-, III, vii, 23.
(25) Kauṣītakibrāhmaṇa-, iii, 8.
Sobre essa compreensão da natureza do Jīvātman, a natureza do homem,
está elaborado todo o Yoga e a escada que leva ao Autoconhecimento, como se
disse antes, é o Prāṇāyama real. Todos os seus estágios devem ser seguidos, um a
um, compreendidos um a um, e gradualmente dominados, até que alcancemos o
Eu que está dentro de nós. É esse Eu que deve ser conhecido que deve ser
compreendido, que deve ser entendido; e todas as formas devem morrer, pois
elas são perecíveis, até que reste apenas o Eu imortal, imperecível. Isto. é o
Prāṇāyama de que falam os verdadeiros Yogin. "Aquele que reconhece
corretamente esse Eu como Deus, Senhor do passado e do futuro, ele não tenta
se esconder" (26) Porque ele se esconderia? Como ele se esconderia? Ele é
"Brahman, o imorredouro, o destemido". (27) Não há nada que ele possa temer.
Ele é tudo, e, quando ele entende isso, nada nem ninguém permanece fora dele a
que ou a quem ele pudesse temer. Vocês pensam que possuem inimigos? Estão -
enganados; não há nada além do Eu, e não há nada que possa ser inimigo do
conhecedor-do-Eu. Vocês pensam que possuem desgostos, problemas, que
sofrem injustiça e erro? Não há nada que possa infligir um erro a vocês. Vocês são
o Eu; uma parte de vocês está dando pancadas na outra parte, e ambas as partes
ignoram que vocês estão brigando consigo mesmos, batendo com suas próprias
mãos em suas próprias cabeças. Por um engano o Eu é inimigo do 'Eu e sabemos
que em toda parte, em cada um, nós, o Eu, temos mãos e pés e olhos. Todos eles
são nossos e não existe diferença alguma; essa mão que tenta nos bater é nossa
própria mão, trabalhando nosso karman e, quando ele estiver pronto, estaremos
livres. Ela está, essa nossa mão, eliminando os ferros que nos prendem. Donde se
dizer que não existem amigos, nem inimigos; há uma vida, o Eu, e esse Eu é o
"Brahman imorredouro destemido". "Brahman é Imortal, realmente, o Brahman que
vem de trás, o Brahman que vem da frente, o Brahman que vem da esquerda e da
direita, de cima, de baixo, o que tudo penetra, Brahman isso tudo, o mais excelente."
(28)
(26) Bṛhadāraṇyaka-, IV, iv, 15.
(27) Chāṇḍogya-, VIII, vii, 4.
(28) Mūṇdaka-, II, ii, 11.
36
IV Conferência
A Roda dos Nascimentos e das Mortes

IRMÃOS·,
Ontem de manhã, como vocês devem estar lembrados, estudamos a natureza
do Jīvātman: tentamos compreender como ele se constituía, qual era sua natureza
fundamental e qual a natureza dos upādhi, ou corpos, em que ele vive nos mundos
grosseiro e sutil. Hoje, para completar o assunto deste ciclo de conferências,
proponho que tentemos seguir o Jīvātman através de seu estágio humano,
lembrando-nos de que atrás dele há o estágio subumano pelo qual ele ascendeu,
lembrando-nos de que além dele há o estágio super-humano ao qual ele
inevitavelmente ascenderá. Nosso trabalho, hoje, é examinar a passagem humana;
tentar compreender a natureza dessa "roda dos nascimentos e das mortes" a que o
Jīvātman está preso por sua longa vida humana; ver onde ela gira, porque ela gira e
como ela o faz; compreender como os grilhões que aguilhoam os Jīvātman a ela
podem ser quebrados, podem ser rompidos, ver qual é a mudança que ocorre no
Jīvātman por ocasião do rompimento dos grilhões, por ocasião do despedaçamento
das cadeias; e, finalmente, compreender quais são os meios de rompimento, como
esse Jīvātman, preso à roda, deve exibir sua liberdade inerente, a liberdade que é
sua, porque ele é Brahman. Esta será a linha de nosso pensamento.
Bem, observamos que nos Upanixades a palavra "roda" é usada repetidas
vezes quando se quer deixar claro ao estudioso que existe uma repetição
recorrente de uma determinada sequencia de eventos. Como uma roda gira e gira,
e como ao girar continuamente permite que suas partes fiquem no alto
alternadamente, e como qualquer parte dela que vocês escolham voltará ao lugar
onde ela estava quando vocês a observaram antes - assim também acontece com
os nascimentos e as mortes neste roda que é chamada de Brahman. Pois lemos:
"Nesta infinita roda-Brahman, a morada de todos os seres, vagueia o Haṁsa, que
pensa que o Eu e o Governante são diferentes". (1) Śrī Śañkarācārya, tratando da
palavra Haṁsa, deriva-a de uma frase que, traduzida, designa/significa "alguém
que viaja por uma estrada". (2) E por essa razão que vocês podem encontrá-la
traduzida às vezes por viajante, ou peregrino - o Eu-Peregrino. O significado mais
profundo é o de que o Eu é Haṁsa, o "eu", o Aham - uma declaração da unidade
do "eu" Particular com o "eu" Universal. Mas a palavra peregrino não ,será muito
valiosa, pois este "eu" particular Viaja de sua particularidade para a Universalidade
do "eu" Universal, e o Eu é o Haṁsa que está viajando continuamente na roda-
Brahman infinita que é o Universo.
(1) Śvetāśvatara-, i, 6.
(2) [Transliteração: hanti gacchati adhvānam iti haṁsaḥ / / (N.
T.)
37
Em outro lugar está escrito, em relação a essa mesma roda que está girando,
que ela gira por Deus e sobre Deus; ela gira pelo esplendor do Supremo, ela não se
move por sua própria natureza: "Pelo esplendor do Supremo gira a roda-
Brahman". (3) E está escrito ainda que o Supremo é o eixo sobre o qual o Universo
gira. (4) Assim, temos uma ideia de uma contínua revolução de todas as coisas,
uma sequencia recorrente, um Universo que gira pelo impulso divino, fundado na
natureza divina; e a essa roda do Universo estão presas as almas dos peregrinos;
presos, não em sua própria natureza, que é liberdade, mas presos pelos veículos
em que elas entraram para ganhar experiências. E sempre devemos nos lembrar,
quando falamos de prisão, de que são apenas os veículos que estão presos. É
como se vocês estivessem acorrentados, não por seus membros mas apenas por
suas roupas; uma prisão muito real para todos os objetivos práticos, pois é
possível dizer que vocês estão acorrentados, mas, analisando-se o fato, não são
vocês que estão presos. Então, na verdade, nossos viajantes, nossos peregrinos,
não estão presos. Vocês não podem prender o Jīvātman mais do que podem
aprisionar a luz solar; mas a sombra que a luz solar produz, ela está presa à roda
dos nascimentos e das mortes. E só compreendendo que apenas a sombra está
presa que vocês podem sentir gradualmente a liberdade de vocês e, finalmente,
saberem-se livres.
(3) Śvetāsvatara-, vi, 1.
(4) Ibidem, 6.
Onde gira a roda dos nascimentos e das mortes? Ela gira no interior da roda
mais vasta do Universo, do qual já falamos, e as revoluções dessa roda estão
limitadas no interior dos três mundos. Este é o próximo ponto de que vocês
devem se lembrar. A sucessão de nascimentos e de mortes só nos é familiar
através dos três mundos conhecidos como Triloka. O Upanixade diz: "Existem três
mundos - o mundo do homem, o mundo dos Pitr e o mundo dos Deva". (5) Estes
são os três mundos. O mundo penetrado pela morte, que é o mundo dos homens,
o Bhürloka. O mundo que é chamado de mundo intermediário, em que, está
escrito, um homem, um Jīvātman, pode ver o mundo dos homens de um lado e o
mundo dos Deva do outro, (6) esse é o mundo dos Pitr, o Bhuvarloka. E depois o
terceiro, o mundo celeste, o mundo dos Deuses, que é o terceiro, Svargaloka. Bem,
a morte tem poder sobre todos esses três mundos. Lembrem-se de como, quando
Naciketas viu Yama - e quando Yama ofereceu todas as alegrias da terra, com tudo
o que ela podia dar, filhos e netos, gado, elefantes, ouro, cavalos, vida longa,
soberania, e chegou até a avançar um passo, ordenando-lhe tomar o mundo
celeste e suas alegrias -, Naciketas encontrou-o às voltas com a questão de saber se
na terra e no céu ele também seguraria o cetro, e lhe devolveu todas as alegrias
quando se tingiu de imortalidade. (7) O Rei Yama não podia negar que, embora a
vida celeste fosse mais longa do que a terrena, ela ainda teria seu final na morte,
que seu cetro realmente se arrastaria tanto por entre o céu quanto sobre a terra,
que nenhuma permanência seria possível em qualquer mundo em que ele tivesse
governado e que todos os presentes estavam tingidos pela natureza transitória da
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vida deles. Nesses três mundos, então, a roda dos nascimentos e das mortes está
girando. Nós, teósofos, referimo-nos a eles como o plano físico, o plano astral e o
plano mental, ou devachânico.
(5) Bṛhadāraṇyaka., I, v, 16.
(6) Ibidem, IV, iii, 9.
(7) Kaṭha-, ii, 23-28.
Devemos nos deter um momento neste último plano, o mental, por causa de
uma linha divisória que nele existe em relação à recorrência dos nascimentos e das
mortes. Todo plano esta dividido em um três e em um quatro, em sete subplanos,
como vocês sabem. Não tenho tempo agora para falar deles e de sua significação e
direi apenas, de passagem, uma coisa importante: quando o Jīvātman conquista um
plano, o três e o quatro mudam de lugares. Em primeiro lugar, os três estão em
cima e os quatro embaixo, o triângulo está sobre o quadrado. Mas quando o plano
é conquistado, quando o homem está passando da dominação do plano a um lugar
em que ele pode governa-lo, o subplano médio deixa o inferior e alcança o superior
e em vez de o triângulo estar sobre o quadrado: vocês têm um triângulo embaixo e
um quadrado, a Tetraktys, em cima, dominando-o. Essa ideia pode sugerir a vocês
por que neste plano vocês têm os três embaixo - terra, líquido ou água, e gás - e os
quatro em cima - os éteres, intangíveis, imperceptíveis, invisíveis. No plano-da-
terra foi alcançado o ponto crucial e ele é os quatro que estão em cima, enquanto
os três estão embaixo: e todo o progresso futuro da ciência depende de se estudar
e compreender a natureza e as forças dos éteres do plano físico; pois os três estão
na nossa retaguarda, por assim dizer, sua obra está quase pronta.
Mas no plano mental as coisas são diferentes; os subplanos arūpa são três e
os subplanos rūpa são quatro: o roda dos nascimentos e das mortes não entra nos
três superiores, os arūpa, os sem-forma. Há o Ego, em seu próprio corpo, intocado
pelo nascimento e intocado pela morte, aquele corpo de manas que permanece
durante todo o ciclo. Ele não se desintegra sob o domínio da morte - como fazem
os três inferiores - o mental, o astral e o físico. Esses três, e só eles, estão sujeitos
ao nascimento e à morte. A "Morte" não significa morte apenas no plano físico,
mas morte nos três planos sucessivos; em cada um deles o corpo que lhe
pertence é desintegrado após a morte, deixando apenas uma partícula, o átomo
permanente, em que a experiência do corpo é preservada. A roda gira, então, nos
três mundos.
Por quê? e como? por que - porque cada mundo tem sua própria função na
revelação dos poderes do Jīvātman e na moldagem dos corpos através dos quais
esses poderes são expressos; lembremo-nos de que esses corpos são a sombra de
que o Jīvātman é a luz solar. No plano mais inferior, o mundo de matéria física, a
semente é plantada; em outros mundos, a experiência é colhida. Só nesse plano,
para a grande maioria da humanidade, a consciência é desenvolvida até o ponto
em que é definida, clara, precisa; em que os contornos são completamente
percebidos, em que os objetos estão nitidamente separados de outros objetos,
em que não há borrões, nenhuma confusão de contornos, onde tudo é moldado,
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definido, claro. No último plano de matéria, onde a divisão é maior, esta exatidão
de definição deve ser conseguida pelo viajante, pelo peregrino. É por isso que ele
veio aqui. Ele veio para que, pela divisão de seus poderes, pelo envolvimento de
cada um deles separadamente em matéria, pela transformação de cada Jñāna-
śaktí numa Kriyāśakti, esta definição mais clara e essa exatidão completa possam
ser conseguidas. Ele está aqui para isso e para a colheita da experiência que deve
ser usada para o crescimento e a revelação nos próximos dois mundos.
Ele sai deste mundo pela morte e entra no mundo seguinte, o mundo astral,
o Bhuvarloka, cuja parte superior é o mundo dos Pitr e a inferior é o mundo dos
Preta, ou Kāmaloka. O que ele faz aí? Trazendo consigo, em sua memória, toda a
vida que viveu no plano físico - pois que ele carrega consigo a memória, veremos
isso claramente num minuto - ele começa a aprender os resultados do que ele fez
no plano físico. Esse é o mundo em que os resultados das atividades inferiores se
mostram, em que ele colhe parte da frutificação da semente que ele semeou na
vida-da-terra. Ele experimenta muitas dores amargas com a chegada da loucura,
da ignorância, do malefício, no mundo mortal, e uma grande parte, na verdade,
faz o Kāmaloka agir em sua educação primordial; muitas das suas lições primárias
são dadas efetivamente nessa escola amarga. Pois todo desejo animal que ele
alimentou durante sua vida-na-terra permanece com ele como um desejo que
não pode ser satisfeito no Kāmaloka, uma tortura constante, até que ele seja
vencido pela falta de gratificação. Assim, ele aprende que deve conquistar o
animal que há nele, que ele não pode consumi-lo após a morte do corpo.
Acumulada essa parte da experiência, passa para o Pitrloka, um lugar pacífico e
feliz, e depois para o terceiro mundo, o Svargaloka. Aí ele só tem disponível seu
corpo mental como seu veículo de consciência, com tudo o que ele contém - suas
memórias do passado, seus pensamentos, suas emoções, seus desejos mais
nobres, todas essas atividades que fazem nossa vida mental consciente nos três
mundos; essas são suas posses no mundo dos Deva. E aí, olhando para o passado,
ele começa a trabalhar pelo futuro. Ele muda suas experiências em faculdades,
que ele exercitará na próxima vida no plano físico. Ele transforma seus
pensamentos nos poderes da vida interior, de maneira que a experiência se torna
faculdades, e as aspirações se tornam poderes. E, quando tudo isso tiver acabado,
quando ·toda espiga da colheita plantada no mundo físico tiver sido colhida,
quando os frutos tiverem sido comidos e nada restar que não tenha sido
assimilado pelo Jīvātman - então ele põe fora o corpo mental esvaziado, a concha,
a escória, que de nada mais lhe servem, e leva todos os resultados para seu
veículo permanente, o verdadeiro corpo de manas, ao passo que o veículo inferior
agora inútil é espelhado, e volta ao reservatório de pensamento-depósito, de
matéria mental. Só os resultados das experiências mentais são levados para o
receptáculo, o Kāraṇa Śarīra do Ātman. Depois vem o momento do renascimento
no mundo físico e a vontade de viver nesse mundo físico desperta. Icchā, agora
desejo de vida física, é o impulso que arrasta outros, um novo corpo mental e um
novo corpo astral ao redor de suas respectivas partículas permanentes, e depois
40
um novo corpo físico para uma nova semeadura, uma nova colheita de
experiência. Eis a atuação da roda em cada um dos três mundos, eis seu propósito
- a colheita de experiência, o sofrimento dos resultados da experiência do mal e o
desfrute de frutificação da experiência do bem, assimilada para uma semeadura
mais completa e mais rica no retorno à terra. Eis a sequencia lógica, eis o valor de
cada um dos mundos em que a roda está girando.
Se vocês compreenderem o lugar de cada um na evolução dos corpos, na
revelação dos poderes do Jīvātman, então vocês compreenderão a sabedoria que
construiu os três mundos e a utilização do girar da roda em cada um deles. Donde
a necessidade dos nascimentos e das mortes; todo nascimento é uma volta ao
mundo; toda morte é uma saída do mundo. Mas a "morte" do mundo inferior é o
"nascimento" do superior, pois nascimento e morte são termos relativos. Nós
morremos deste mundo mortal para nascermos no mundo dos Preta e dos Pitr:
nós corremos do Pitrloka para nascermos no mundo dos Deva; nós morremos do
mundo dos Deva para nascermos neste mundo mortal. De maneira que nossa
passagem é uma morte recorrente do mundo que deixamos e um nascimento
recorrente no mundo em que entramos. Nascimento e morte são apenas palavras,
utilizadas para marcar a sucessão de experiências nos três mundos.
Tomemos por um momento o tipo mais inferior de homem, o Jīvātman que
passou por experiências no reino mineral, nos reinos vegetal e animal, e nasceu
agora como um ser humano. Seus poderes intelectuais serão muito pouco
desvelados, pois só no homem, está escrito, o aspecto Cit de Ῑśvara se mostra
totalmente, e é particularmente esse aspecto que agora tem de ser desvelado. A
natureza Jīvātman como um reflexo de Ῑśvara é, nós sabemos, tríplice. Jñāna é o
aspecto conhecimento; Icchā é o aspecto desejo-vontade e Kriyā é o aspecto
atividade. E é necessário reconhecer que esses aspectos pertencem à luz solar e
não podem ser abandonados. Quando lhes pedem que destruam o desejo, vocês
não destroem Icchā, que é parte da natureza do Jīvātman, e corresponde ao
aspecto Ānanda do Brahman Saguṇa, Quando lhes pedem que destruam os
pensamentos vagueantes, a mente que é o Rājan dos sentidos, vocês não
destroem Jñāna, que corresponde ao aspecto Cit de Brahman. Quando lhes pedem
que destruam a atividade, vocês não destroem Kriyā, que corresponde ao aspecto
Sat de Brahman. O que vocês fazem é destruir a sombra no mundo inferior a fim de
que a luz solar do superior possa brilhar distintamente. Pois na sombra repousa a
ilusão; na sombra repousa a avidyā que cega o Jīvātman à sua natureza real. Essa
distinção entre o superior e o inferior deve ser sempre lembrada, e depois,
intelectualmente pelo menos, a trilha será mais clara, e as afirmações
aparentemente contraditórias dos Upanixades encontrarão sua reconciliação
absoluta. Pois eu li para vocês outro dia que o Eu não pode ser atingido pelo
conhecimento, e no entanto agora eu terei de dizer que o Eu deve ser alcançado
pelo pensar. E vocês ficarão terrivelmente confusos, a menos que se lembrem do
princípio da luz solar e da sombra e sejam capazes de aplicar o princípio em cada
estágio sucessivo, só destruindo cada sombra quando vocês se identificarem com a
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luz solar. Haverá um estágio em que cada luz solar é vista como a sombra de uma
luz solar superior, até que alcancemos o próprio Ῑśvara; mas esse estágio ainda não
é para vocês e para mim; esse estágio não é explicado, pois não poderíamos
entendê-lo na sombra inferior em que residimos, e para nós o Jīvātman é a luz solar
e a vestimenta dos corpos é a sombra que devemos compreender e superar.
Bem, tomem o caso do Jīvātman quando ele vive num selvagem. Ele é tudo que
ele é em vocês, tudo que ele é nos Rsi. Mas ele não pode exibir nenhum dos seus
poderes, por causa da necessidade da matéria que o reveste. O que vocês devem
fazer com ele? Eles têm de aprender a se conhecer como Brahman. Mas ele não
pode se conhecer como Brahman na sua condição atual, na Māyā mais grosseira de
todas, em que o Jīvātman se identifica com o corpo físico e diz: "Eu sou este corpo.
Eu falo, eu como, eu bebo, eu desfruto todas as funções do corpo; este corpo é eu
mesmo". E se vocês lhe disserem "Não és o corpo", ele simplesmente encarará
vocês. Vocês se lembram de quando certa vez eu citei de Charles Darwin uma
ilustração muito boa da diferença de ideias que existe entre um selvagem e um
homem civilizado com referência à palavra "bom", que para o homem civilizado tem
uma conotação puramente moral, ao passo que para o selvagem ela tem uma
conotação puramente física. O selvagem comera sua esposa e, ao lhe dizerem que
não era "bom" comer uma esposa, ele respondeu que ela era extremamente "boa" -
como comida. Bem, é visivelmente inútil dizer a esse homem que ele é Brahman.
Ele tem de girar na roda. Ele assassina, ele rouba, ele vive promiscuamente, ele
pensa que não há nada de errado em seguir seus desejos; ele não sente remorso
em relação ao errado porque ele não possui nenhum ideal de retidão. Ele não pode
reconhecer uma coisa como errada porque ele não conhece nada como correto. Ele
não pode entender que seguir seus anseios físicos é uma ofensa contra sua
natureza superior, pois para ele" natureza superior" é uma expressão sem sentido,
sem significado. Como ele poderia aprender que é Brahman? Ele mata, e mata, e
mata, e ao cabo é morto em vingança pela matança que cometeu. No próximo
mundo, ele brama contra seu matador, pois foi privado de todos os prazeres que
queria desfrutar, e deseja injuriá-lo; mas ele não pode mais fazê-lo, seu corpo se foi.
Não possui nenhum instrumento com que possa tocá-lo. Impotente sua ira, inútil
sua indignação, e agora o germe de mente que está nele começa a trabalhar e a
entender. Não de uma única vez. Repetidamente, em muitas vidas, ele deve matar e
ser morto, antes que finalmente a ideia se estampe nessa natureza resistente. "Eu
fui morto porque eu matei". Ele estabelecerá a conexão. Ele compreenderá que
cometeu um erro ao matar, que isso foi uma asneira do seu próprio ponto de vista,
porque os que matam são mortos; e depois ele aprende essa lição pela experiência
amarga repetida, pelo girar da roda. Ele pensa: "Isto é o resultado do que eu fiz".
Constrói-se em seu corpo mental a ideia de que matar é indesejável, elimina a
felicidade, encurta a vida do matador, é "errado"; esta ideia é levada para o Kāraṇa
Śarīra e construída no próximo corpo mental, e no cérebro reflete-se a ideia inata
de que matar é errado, uma ideia que reage rapidamente ao mestre, proibindo o
assassinato. É isso o que ele ganhou com a revolução da roda - o poder de ver que
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uma coisa é errada, quando algo fora dele lhe disse isso. Essa é a diferença que
existe entre os seus filhos e os filhos dos selvagens. Num novo corpo todos eles são
Ignorantes. Todos têm de aprender "isso é certo", "isso é errado". Mas uma criança
reage ao ensinar, por causa do conhecimento e da experiência que trouxe consigo,
ao passo que a outra não reage. Com uma delas, vocês não precisam argumentar
em nenhum momento. Vocês sabem disso. Ela sabe disso. Mas ela sabe disso
porque passou inúmeras vezes pela experiência do errado. O filho do selvagem não
sabe disso, e não responderá ao processo, e discutirá e argumentará com vocês
porque sua experiência é muito limitada e insuficiente para ser impressa sobre o
novo corpo mental. É assim que os mundos estão ligados, e é dessa maneira que os
poderes não-desvelados do Jīvātman encontram órgãos cada vez melhores nos
corpos novos obtidos de nascimento em nascimento.
Detenhamo-nos um momento nesse elemento da natureza, no qual eu disse
que vocês poderiam aparentemente encontrar uma contradição. Tomemos em
primeiro lugar o desejo. Todos os poderes da natureza-desejo devem ser ampliados;
daí o homem ser mergulhado num mundo pleno de objetos que despertam desejos
e, ao experimentá-los, ele sente prazer e dor. Essas experiências influenciam o
renascimento, pois está escrito: "Seja quem for que, ao pensar em formas, as
deseja, nasce em virtude de seus desejos aqui e ali". (8) O homem, diz-se, "é
formado-pela-desejo", modelado segundo o desejo, e, ainda, que os desejos de um
homem o levam para o lugar em que as formas gratificam esses desejos. Pois o
próprio Purusa é da natureza do desejo. "Esse Purusa", diz a Bṛhadāraṇyakopaniṣad,
"sente desejo de sua natureza". Ele se apega aos objetos mundanos aos quais ele
chegou, e, tendo chegado à última das obras que ele realizou, vai de um mundo a
outro e então deseja vaguear de mundo em mundo. (9) Tanto quanto esses desejos
existam - e o desejo, dizem-nos, é a natureza do Purusa -, tanto mais ele quer
vaguear de mundo em mundo. Como então ele conseguirá escapar a esse vaguear
contínuo, se ele deve ir para onde seus desejos o levam? Pois devemos nos lembrar
de que os desejos pelas coisas astrais, ou pelo Svargaloka, guiam-no ao mundo
astral, ou para o céu, tanto quanto o desejo pelos objetos físicos trazem-no de volta
a este mundo; os desejos por objetos que estão no corpo astral prendem com uma
cadeia mais forte, são mais sutis do que os que nos prendem aqui; e, se desejamos
as alegrias do céu, a satisfação dos Deva, as festas do mundo Svarga, elas são ainda
mais fortes, ainda mais sutis; e por todas elas somos presos à roda dos nascimentos
e das mortes. Donde estar escrito na Kaṭhopaniṣad, "Quando todos os desejos
abrigados no coração são perdidos, então o mortal se torna imortal, (...) quando
todos os liames do coração são rompidos, então começamos a compreender que os
desejos devem ser de alguma maneira eliminados; mas como isso pode ser feito
com um Purusa cuja natureza é desejo? Todos os desejos devem ser destruídos
exceto o desejo pelo Eu. Esse desejo deve permanecer, pois ele é a natureza do Eu.
O amor do Eu por si mesmo é sua própria natureza; e ele permanece na luz solar
quando todas as sombras do desejo pelos mundos inferiores tiverem desaparecido.
Os desejos que vocês conhecem aqui pertencem aos corpos e passam com os
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corpos; o desejo pelo Eu permanece para sempre, e por ele, que leva à
compreensão-do-Eu, vocês se tornam imortais.
(8) Muṇḍaka-, III, ii, 2.
(9) Brhadāraṇyaka-, IV, iv, 5, 6.
(10) Kaṭha-, vi, 14, 15.
Voltemo-nos para o pensamento, o aspecto Jñāna, que aqui conhecemos
manifestado como mente, o aspecto da consciência no corpo mental. "O homem",
está escrito, "é feito-de-pensamento". (11) Pois cada aspecto do Eu criou sua
própria forma. Donde o homem ser "formado-pelo-desejo ou pela vontade" e
"formado-pelo-pensamento", e também "formado-pela-atividade", e vocês se
lembram de como a passagem deve ser completada em relação ao pensamento: "O
homem é feito-pelo-pensamento. Quando ele pensa neste mundo, ele passa a
existir no próximo mundo. Portanto, que ele pense em Brahman". O pensamento
correto é a maneira de quebrar os grilhões que são tecidos pelo pensamento
errado. Se pensarmos em nós como corpo, seremos presos no corpo; se pensarmos
em nós como mente, seremos presos na mente; se pensarmos em nós como o
inferior, permaneceremos no Inferior. Então: quando pensamos em nós como o Eu,
tornamo-nos Eu; e por isso então está escrito, num daqueles versículos que não
devem confundir o estudioso atento, embora o desatento possa tomá-lo como
contraditório, que o Eu, a natureza oculta de todos os seres, é observado pelo
intelecto sutil atencioso dos homens de visão sutil, e está escrito: "Ninguém o vê,
com os olhos: é pelo coração pela vontade e pela mente que ele é alçando”, (12)
Não é pelo olho que ele pode ser alcançado, nem também pela voz, nem por
qualquer um dos sentidos, nem por tapas, nem por ritos; pela meditação ele é visto,
indiviso, quando o intelecto é purificado pela sabedoria límpida. Esse eu sutil deve
ser conhecido pela inteligência, penetrado pela vida quíntupla; as mentes das
criaturas é penetrada pelas vidas [sentidos]; o Eu se revela, purificado, nelas". (13)
Embora o Eu não possa ser alcançado pelo conhecimento da sombra, ele pode ser
alcançado pelo pensamento quanto a sombra é conhecida como sombra, "e quando
o Eu que tem a natureza do conhecimento" (14) brilha sem ofuscação; portanto, é
necessário que um homem possa desenvolver a mente superior, mesmo que a
mente inferior seja seu obstáculo e seu inimigo. A mente superior, unida à Buddhi, a
Razão Pura, o aspecto Sabedoria do Eu, pode conhecer o Eu. Observem a
significação dos sloka citados, que falam do Prāṇa quíntuplo que penetra a
inteligência; como vimos ontem, Prāṇa é Prajñā em seu aspecto superior, e quando
ele se retira dos sentidos e penetra em Prajñā, intelecto, a mente inferior
penetrada-pelos-sentidos, é deixado sem "ida. Quando se compreende o Jñāna, vê-
se o aspecto Sabedoria do Eu.
(11) Chāṇḍogya-, III, xiv, 1.
(12) Kaṭha-, vi, 9.
(13) Muṇḍaka-, III. i, 8, 9.
(14) Ḃṛhadāraṇyaka-, IV, ii, 6.
Chegamos ao terceiro aspecto, o aspecto de Kriyā, atividade, que resulta em
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obras. Novamente está escrito: "Como age, como se comporta, assim ele se torna".
(15) O Eu é feito-pela-atividade, bem como feito-pela-vontade e feito-pelo-
pensamento. E, para se desfazer dessa cadeia de obras, ele deve saber que não é ele
que obra, mas é o Eu que está obrando nele. Quando suas obras se tornam
sacrifícios, sua natureza agrilhoadora é destruída. (16)
(15) Bṛhadāraṇyaka-, iv, 5.
(16) Bhagavadgītā, iv, 23.
Compreendendo, então, pelo menos parcialmente, a teoria do aprisionamento
à roda dos nascimentos e das mortes, pelas cadeias do desejo, do pensamento e da
atividade, devemos perguntar: Como se pode chegar à liberação? Os Upanixades
nos contam da relação entre o sono e a morte, e como um homem não deixa, em
ambas, de ser. Está escrito na Kauṣītakibrāhmaṇopaniṣad que, no sono, vemos um
homem repousando destituído de fala, de visão, e etc., dado que todas as suas
faculdades se retiraram para o Prāṇa e se transferiram para outro mundo. Quando
ele acorda, da mesma maneira como centelhas de uma fogueira se atiram em todas
as direções, assim também os Prāṇa do Eu se atiram para seus vários lugares no
corpo físico. A mesma coisa se repete quando um mestre e um discípulo veem um
homem adormecido e o despertam; o mestre explica que, quando um homem
dorme, ele está habitando um lugar fino como um cabelo dividido em mil partes –
nossa “teia de vida" - e a fala entra em Prāṇa com todos os nomes, a visão com
todas as formas, a audição com todos os sons, a mente com todos os pensamentos;
e de novo se repete o símile: quando ele desperta, da mesma maneira como
centelhas de uma fogueira se atiram em todas as direções, assim também os Prāṇa
do Eu se atiram para seus vários lugares. Eles penetram nas unhas e nos pelos da
pele. Assim o Ātman entra no corpo, e todos os Prāṇa estão com eles. (17) A
Bṛhaddraṇyakopaniṣad conta-nos que não é verdade que o adormecido não vê, nem
cheira, nem sente gosto, nem fala, nem ouve, nem pensa, nem toca, nem sabe; pois
não há nenhuma perda de visão para o que vê, que é indestrutível, nem perda dos
outros sentidos, dado que o Eu é o único que vê, e que ouve, e que pensa, e, fora do
corpo físico, como nele, desfruta todas as suas faculdades. Pois não existe um
segundo, nenhum outro, separado dele, em quem esses poderes residam. (18) O
retorno do Eu com os Prāṇa é então o despertar do sono. E. o símbolo do despertar
da morte. Pois, como a mesma Kauṣītakibrāhmaṇopaniṣad nos conta, quando
olhamos para o homem que está morrendo, e as pessoas que estão ao seu redor e
que o veem morrer lentamente dizem "Ele não fala, ele não ouve, ele não pensa", é
então que ele está sendo absorvido em Prāṇa e todas essas coisas entram em
Prāṇa: a fala entra nele, o olho entra nele, o ouvido entra nele, a mente entra nele,
e quando o homem "sai do corpo, ele sai com tudo isso". Todos os nomes estão
vivos nele, todos os odores estão vivos nele, todas as formas estão vivas nele; tudo
isso está vivo nele e, saindo do corpo, ele leva consigo tudo que possui. (19) De
maneira similar a Bṛhaddraṇyakopaniṣad diz que, na morte, o Eu se apodera dos
Prāṇa e entra no coração; a entrada no coração torna-se luminosa e o Eu deixa o
corpo pelo olho, ou pela cabeça, ou por qualquer outra parte. "Quando ele se vai,
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a vida o segue; quando a vida volta, tudo o que vive a segue; ele se torna
conhecimento, com conhecimento ele parte; sabedoria, obras e conhecimento do
passado o penetram". Tendo abandonado o corpo, ele toma outro, adequado à
região particular para onde vai. (20) Acontece com o adormecido o que acontece
com os assim chamados mortos. Não existe destruição para o que-vê, o que-ouve,
o que-pensa. Ele é o único que vê e ouve e pensa verdadeiramente.
(17) Kauṣītakibrāhmaṇa-, iii, 3 e iv,18.
(18) Loc. cit., IV, iii, 23-30, resumido.
(19) Loc. cit., iii, 3, 4, resumido.
(20) Loc. cit., iv, 14, resumido.
(21) Bṛhadāraṇyaka-, VI, ii, 2-16; Chāṇḍogya-, V, ii; Praśna-, i, 9, 10.
Mas na morte há duas trilhas - o Pitṛyāna e o Devayāna, a trilha dos Pitṛ e a
trilha dos Deuses. Elas estão cuidadosamente descritas em passagens que
resumirei agora; estão na Bṛhadāraṇyaka -, na Chāṇḍogya - e no Praśna-Upanixade.
(21) Toda palavra que indica escuridão - fumaça, nuvem, quinzena escura, etc. -
implica servidão à matéria e é utilizada para a trilha dos Pitṛ, para onde vão os que
voltam para renascer; toda palavra que indica luz implica o triunfo do Eu e é
utilizada para a trilha dos Deva para onde vão os que não retornam. Tanto mais o
homem é cegado pela matéria, quanto mais ele deve trilhar a estrada pela qual
retoma. E essa estrada vai de terra para a região do Kāmaloka chamada Preta
["mundo dos mortos".- (N. T.)]; depois ao Pitṛloka: do Pitṛloka à Lua, que é o
portão do Svarga; ele mora no Svarga até que tenha comido o fruto de sua
experiência-na-terra; e quando chega o momento de voltar, os Deva oferecem
"fé", a unidade mental permanente vivificada, no fogo celestial, e do fogo se
origina o Rei Soma, o novo corpo mental. Os Deva levam, com o átomo
permanente astral, para a água, esse plano astral, e o novo corpo astral é
formado. Os Deva o levam para a terra e ele se torna alimento; isso significa que o
átomo permanente físico, que segue com vocês por todos os nascimentos e por
todas as mortes - a partícula que é o germe de todo novo corpo que vocês
puderem vestir, que sempre permanece ao redor dele, com a ajuda dos Deva, o
material de que o corpo novo e apropriado é formado -, entre na terra e se
transforma em algum tipo de alimento e por meio do alimento ele entra no pai e
do pai passa para a mãe e aí o novo corpo físico é construído. Assim, essa trilha
está traçada para nós, estágio por estágio, embora as palavras místicas utilizadas
possam tornar difícil seguir todo o processo sem uma explicação adicional. Assim,
ao longo do Pitṛyāna e através dos vários estágios dos cinco fogos - o fogo do céu,
o fogo de Parjanya, o fogo da terra, o fogo do homem e o fogo da mulher -, o
homem volta ao mundo dos homens e assim ele deve girar e girar, na medida em
que percorre a trilha. Mas há uma outra trilha, o Devayāna. O que é ela? Todas as
palavras que significam luz, como dissemos, descrevem esse caminho. Ele é fogo, é
o trovão, é a quinzena brilhante, é o caminho setentrional do sol. O homem está
no corpo de luz, não no corpo da sombra; quando o homem sobe para esse corpo
radiante, o Augoeides, então ele percorre a trilha de luz. A sombra à sombra, e a
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luz à luz. Tanto mais vocês pensem que a sombra seja vocês, quanto mais vocês
devem seguir a trilha de sombra, da fumaça, da nuvem, de qualquer objeto pelo
qual vocês possam descrever o lado material das coisas; mas quando vocês se
compreendem como o Eu, não como matéria, não como forma, então vocês
pertencem ao lado-luz do mundo, ao lado-Espírito, a tudo que é brilhante, e num
corpo de luz vocês se dirigem para a fonte de luz e não voltam nunca mais.
Essas são as trilhas; quais são as condições que nos levam a percorrer uma ou
outra delas? Esta, em suma, é a questão mais vital para vocês e para mim. Os
estágios são muito, muito claros; eles são claros, mas não são fáceis. Vivam a vida
da unidade, compreendam que vocês são o Eu, e que o Eu é um. "Da morte à
morte", pois "vida em matéria é morte". (22) Dizemos que ele passa de um
nascimento a outro nascimento, mas o verdadeiro vidente diz que ele passa de
uma morte a outra morte. O homem só se torna imortal quando compreende sua
própria natureza.
(22) H. P. Blavatsky.
"Quem vê variedade n’Ele vai de morte em morte". (23) "Vai de morte em
morte quem percebe diferença". (24) "Como um espelho, sujo de terra, que é
limpo brilha como se fosse feito de luz, assim também aquele que mora no -
corpo, tendo visto a verdadeira natureza do Eu, torna-se um, a dor cessa". (25)
(23) Bṛhadāraṇyaka-, IV, iv, 19.
(24) Kaṭha-, iv; 11.
(25) Śvetāśvatara-, ii, 14.
A fim de que possamos ter coragem para enfrentar a longa batalha de
nascimentos e mortes, o Upanixade declara que "esse Eu deve ser conhecido".
(26) Pois o homem não pode trabalhar por aquilo que ele sente estar
completamente fora do seu alcance, e ele deve em primeiro lugar obter a
convicção de que é possível encontrar o Eu, antes que entre no caminho em cujo
final ele conquistará sua liberdade. Antes de tudo, então, vocês precisam da
convicção interior do Eu e da sua descoberta. Os passos seguintes são dados mais
definitiva e mais claramente na Kaṭhopaniṣad. Não pode encontrar o Eu o "homem
que ainda trilhe caminhos maus". (27) Esse é o segundo passo. Tanto mais um
homem trilha um caminho mau e gosta dele, quanto mais o Eu é ocultado dele
por uma nuvem que ele não pode perfurar. Ele pode ser fraco, defeituoso, pode
ainda cometer um erro ou um tropeço, mas deve vê-los como tropeços e erros
antes de se poder dizer que deixou de trilhar caminhos maus; ele deve ver o
errado como errado, deve reconhecê-lo, deve repudiá-lo, deve dizer "Esse não é
eu". E quando ele tiver repudiado o mal, deve submeter seus sentidos, deve
concentrar seu intelecto; pois o insubmisso não pode alcançar o Eu, não, nem
mesmo pelo conhecimento - um aviso a todo aquele que pensa que a apreciação
intelectual sem purificação e autocontrole pode significar compreensão do Eu.
Um homem que não deixou de trilhar caminhos maus não obtém o Eu, mesmo
por conhecimento. "A isto eles chamam Yoga, a firme submissão dos sentidos".

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(28) Assim também a Kenopaniṣad diz que os meios que se obter o Eu são
"restrição, submissão, trabalho". (29) Restrição dos desejos; submissão da
mente; trabalho para a purificação do corpo - quando um homem se esforça
nessas três coisas, então ele compreende os passos em sua própria natureza à
qual ele chega. A Taittirīyopaniṣad diz: "Corpo, vida, mente, conhecimento, bem-
aventurança". (30) Essas palavras descrevem a passagem pelos vários estágios da
sombra no caminho para a luz solar. O corpo: que deve ser purificado, e o
homem deve deixar de se identificar com seu corpo; olhando para o corpo, ele
deve ser capaz de dizer pela vida bem como pelos seus lábios: "Esse não é eu". A
vida interior, o Prāṇa, a natureza-desejo: ele se identifica com ela; deve aprender
a se separar dela, de toda natureza-desejo, e deve dizer à natureza-desejo: "Essa
não é eu"; e mais uma vez deve dizê-lo pela vida e pelos lábios. Depois ele deve
aprender a dizer da mente sempre vagueante: "Essa não é eu"; e deve, aprendê-
lo por concentração, por meditação, pela fixação nos pensamentos, e assim se
libertar de sua servidão. E depois vem o corpo de conhecimento, como é
chamado, a Buddhi, a Razão Pura; ele deve aprender a dizer "Essa não é eu", por
maior que ela seja. Depois ele alcança o corpo de Ātman, Aham, que é o lugar da
alegria; e mesmo então ele deve dizer: "Esse também não é eu", pois o "eu" deve
ir. Chega o momento em que ele só diz: "O Eu é tudo". E, de maneira semelhante
aos esboços da Taittirīya -, diz-se no Kaṭha-Upanixade: "Que o sábio submeta sua
fala pela mente (manas); submeta sua mente pela razão (buddhi); submeta sua
razão pelo grande (ātman): submeta-o no pacífico (Mônada). (31) Mais elevado
do que a Mônada só Ῑśvara, o Puruṣa; "nada mais é mais elevado do que Ele; Ele
é o último limite, Ele é o objetivo supremo". (32) Existem os estágios. Libertem-
se dos sentidos, identificando-se com a mente. Depois repudiem a mente,
identificando-se com a Buddhi, a Razão. Depois repudiem Buddhi, e se
identifiquem com o Ātman. Repudiem até mesmo o Ātman, como uma sombra, e
se identifiquem com a Mônada, o verdadeiro Jīvātrnan. E depois, lançando-o
fora, identifiquem-se com Ῑśvara, o Supremo. Está escrito que, quando um
homem vê Ῑśvara, "ele obtém a mais alta identidade". (33)
(26) Muṇḍaka-, iii, 9.
(27) Kaṭha-, ii, 24.
(28) Ibidem, vi, 11.
(29) Loc. cit., iv, 8.
(30) Loc. cit., II, viii.
(31) Loc. cit., iii, 13.
(32) Ibidem, ii, 11.
(33) Muṇḍaka-, III, i, 3.
Vocês veem agora porque se diz que o Eu é alcançado pelo pensar, e
também não pelo pensar. O pensar que é efetivo é o pensamento que se
identifica com a vida, e não com a forma. E ele deve ser não o que diz, mas o que
vive; e o que isso significa, em suma? Significa que no meio do corpo vivemos
como se não tivéssemos corpos; que todos os movimentos dos objetos externos
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que estão ao nosso redor, que nos dão alegria e tristeza prazer e dor, que
animam e deprimem, que encorajam e - ameaçam - todos eles deixam de possuir
qualquer poder, porque dizemos pela nossa vida, e não pelos lábios, que “os
sentidos não são eu, eu, não ou eles". Significa, com relação à mente, que os
pensamentos que molestam angustiam, e os pensamentos que encorajam e
deliciam, o divertimento da mente, as alegrias do intelecto, o êxtase da criação
intelectual, e o esplendor do poder imaginativo são repudiados: "Não são meus,
não podem me abalar, não podem me comover, não pode me atrair e não
podem me repelir". Muitos chegaram ao estágio em que podem dizer que as
coisas não os atraem, mas poucos são os que podem dizer que nada os repele, e
eles não devem repelir mais do que atrair. Pois a repulsa é tanto um laço para o
Eu como o é a atração, e, quando vocês são repelidos por qualquer coisa viva,
vocês não são livres. Vocês ainda estão, pela repulsa, sob o domínio dos objetos
externos; vocês não deixaram de se identificar com eles.
Assim, passo a passo, tentem romper em direção ao Eu, e, se vocês
começarem a busca, comecem com a vida cotidiana. Vocês têm uma língua, uma
visão, uma audição. Dominem a língua, e não permitam que ela fale, nunca, uma
palavra cruel ou falsa; nenhuma expressão áspera, nenhuma crítica aguda,
nenhum julgamento em relação ao seu irmão, nenhuma condenação. A fala é um
poder do Eu e se degrada e se prostitui quando passa ao controle dos objetos
externos e quando é dirigida pelas atrações e pelas repulsas do mundo inferior.
Dominem o olho e o ouvido, ensinando o olho a ver o Eu, e não a Māyā que o
circunda, a romper a Māyā que rodeia seus irmãos e a ver atrás dela o Eu, que
"faz sua própria trilha, de acordo com a Palavra".
Meus irmãos, julgamos o caminho dos outros; por mais que nos confinemos
ao nosso próprio caminho e tentemos trilhá-lo corretamente; quando digo que
meu irmão segue um caminho mau e, portanto, que ele pode ser desprezado e
condenado, não estou eu vendo o exterior e não o interior? Seu Eu pode saber
que esse caminho que para mim é mau é o único caminho que lhe dará a
experiência que ele não possui; talvez ele esteja preso e não livre até que tenha
tido essa experiência, e o Eu escolhe esse caminho a fim de que possa ser obtida
essa experiência que quebrará algum grilhão que ainda o aprisiona. Portanto,
embora eu possa dizer que isso e aquilo está errado e é degradante, eu não
posso dizer que esse Eu esteja trilhando um caminho mau. Pois, embora ele
esteja cegado por Māyā, o Eu é imaculado; ele rejeita tanto o bem quanto o mal e
toma tudo como frutos da experiência, que ele colhe para seus próprios
objetivos enquanto escolhe seu próprio caminho.
Vocês devem começar a fazer as grandes coisas mais tarde. Em primeiro
lugar, façam as pequenas coisas; pois para que serve ficar falando do caminho
superior quando os primeiros passos no inferior ainda não foram dados? Por isso
está escrito: "O homem deve deixar de percorrer os caminhos maus". Até que
ele o faça, seus olhos estão cegados, e ele não pode ver. Um homem deve
refrear sua língua. Quem gosta de ouvir críticas duras e mexericos cruéis e quem
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não quer ver o Eu em tudo não pode esperar que a sombra comece a
desaparecer e permitir que a glória do Eu seja um pouco mais visível. Eu não
poderia terminar este assunto, que alguns qualificam de metafísico e nada
prático, sem lhes mostrar que o que é verdadeiramente prático provém do que é
metafísico, que do pensar correto provém o viver correto, e do compreender
correto vem o amar correto. Na verdade, pensar mais correto quer dizer viver
mais correto, e, se eu tomei o tempo de vocês nesta ocasião com aquilo que
chamei de assunto nada prático, foi porque eu acredito que, na ordem da
natureza, do sutil provém o grosseiro, e não do grosseiro o sutil. Não é da prática
correta que provém o pensar correto, mas é do pensar correto que provém a
prática correta. A crença correta é de uma importância enorme. Não é verdade que
não importa aquilo em que um homem acredita. Não é verdade dizer, como muitos
dizem, que as crenças de um homem não importam, apenas a sua conduta tem
importância; nenhuma conduta correta permanente se origina de uma crença
errônea. Quando uma raiz apodrece, a árvore morre. "Aquilo em que o homem
pensa, nisso ele se torna." A ideia de que a conduta é tudo e de que o pensamento
é nada é uma reação do extremo oposto, que faz, não do pensar correto, mas da
crença ortodoxa o padrão pelo qual o homem é julgado. Houve uma época em que
o pensamento livre era punido e em que a boa conduta não era desculpa, não, era
tida como agravante, chamada de heresia. Não existe heresia; nenhum homem é
juiz e senhor de outro homem em qualquer esfera de pensamento, seja na esfera
da religião, na esfera da política, na esfera da moral, na esfera da filosofia. O
pensamento deve ser livre e desacorrentado, caso contrário vocês só terão a
estagnação e a morte. Mas, porque isso é verdade, não façam a dedução ilógica:
"Não importa o que eu penso". Aquilo em que vocês pensam importa
enormemente. Se vocês pensam falsamente, vocês agirão erradamente; se vocês
pensam de modo desprezível, sua conduta seguirá seu pensamento. Então pensem
de maneira mais nobre, mais elevada, mais pura. Pense melhor que puderem, e
não o pior. Tenham altas aspirações, pois, quanto mais alta a flecha for apontada,
mais alto ela alcança o alvo. Que seus ideais sejam sublimes, enquanto sejam
caridosos seus julgamentos a respeito de outros; e seus ideais elevarão vocês, e sua
caridade erguerá seu irmão. Pois nunca se erguera o homem que for espezinhado. O
"homem só se ergue sendo amado durante os seus pecados e as suas loucuras, e,
como nos ocupamos de nossos irmãos, que Aqueles que estão acima de nós se
ocupem dos nossos eus exteriores. Essa a nossa lição final, e eu termino com
algumas palavras de um Upanixade: "O Eu corporificado, contemplando sua
natureza real, obtém o verdadeiro final e toda dor cessa". (34)
(34) Śvetāśvatara-, ii, 14.

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Apêndice à II Conferência

Sou sumamente grata a Bābu Bireshwar Banerji, Professor do Central Hindu


College, em Benares, pelas passagens abaixo, colhidas por ele em várias obras
sânscritas. Elas provarão ser muito úteis e instrutivas aos estudiosos.

A multiplicação dos Ῑśvara

A.Da Sūta Saṁhitā:


1.Śloka 11, cap. III, Śiva Māhātmya:
"Ele, o Parameśvara, o Ῑśvara de todos os Ῑśvara."
2.Śloka 28, cap. VIII, Śiva Māhātmya:
"Incontáveis são os Brahman, ó maior entre os pandita, que vão para laya
["morte" (N. T.)], incontáveis os Viṣṇu, os Rudra e os Indra."
3.Śloka 33, ibidem:
"Incontáveis mūrti ["forma" (N. T.)] de Brahman nascem das diferenças das guṇa;
incontáveis mūrti de Viṣṇu e da Ῑśā."

B.Do Śiva Purāṇa:


1.Śloka 8, cap. XI, Sanatkumāra Saṁhitā:
"Três centenas de milhares de Rudra e centenas de milhões de Viṣṇu, pela graça
de Śiva, estão se divertindo e brincando livres do pecado."
2.Śloka 26, ibidem:
"Três Mahādeva - o Deva, o Kāla Suprem, o Ῑśvara Supremo, o Criador de todas as
vidas - residem cercados pelos Maheśvara."
3.Śloka 121, cap. XII, ibidem:
"O Deva (Śiva) foi cercado pelos Rudra que brilhavam como sol da manhã."
4.Śloka 13, ibidem:
"O segundo, que era três vezes o tamanho (do primeiro), (consiste de) três
centenas de milhões de Rudra da cor do ouro."
5.Śloka 14, ibidem:
"Outro, ó maior dos Dvija, (consiste de) oito centenas de milhões (de Rudra) de
cor ainda fresca. O quinto era ainda duas vezes maior."
6.Śloka 15, ibidem:
"Acompanhem os Rudra do sexto e do sétimo. Todos eles são brilhantes,
purificados e sempre plenos de Ānanda ["felicidades" (N. T.)]."
7.Śloka 16-17, ibidem:
"O oitavo dos Ātman Supremo está em Seu plano de manas; um certo
conhecimento de nossa parte a seu respeito está além do nosso poder. Ele só pode ser
discutido por analogia. Todos eles são precedidos de vários Brahman; todos são
precedidos de vários Viṣṇu."
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8.Śloka 35, cap. XXX, ibidem:
"Eu sou, ó caro, o Ῑśvara de todos os Ῑśvara, no criar, no dissolver, no dar; por isso
sou Parameśvara."
9.Śloka 40-43, cap. VIII, Vāyu Saṁhitā:
"Este vasto Ovo condensado é o útero em que Brahman nasceu; chamam-no de
campo de Brahman, de quem se diz ser o Conhecedor do campo. Saibam que
existem milhares de milhões desses Ovos. Estando Pradhāna presente em todo o
espaço, eles existem voltados para cima, para baixo, horizontalmente, e em cada um
deles estão os Brahman, os Hari, os Bhava, criados por Pradhāna por ter ele conse-
guido a vizinhança de Śambhu."

C.Do Devī-Bhāgavata:
1.Śloka 35-36, cap. IV, skandha iii:
"Ó Mãe, ó Bravāni, ó grande poder, nem eu nem Bhava nem Viriñci (Brahman)
conhecemos jamais Tua natureza incognoscível; quem mais conhece? Quem pode
dizer quantos outros mundos existem no Teu maravilhoso desígnio?
"Neste Teu universo vimos outro Hari; outro Śiva e outro Nascido-do-lótus
(Brahman). Como podemos saber se eles também existem em outros universos? Teu
grande poder é ilimitado."
2.Śloka 9, cap. XXXIII, skandha vii:
"Como a multiplicidade dos Jīva é feita por Māyā, não é auto-iniciada, também a
multiplicidade dos Ῑśvara é feita por Māyā, não é auto-iniciada."
3.Comentário de Nílakaṇṭha ao śloka 61, cap. III, skandha ix:
"Os Ῑśvara são, no entanto, os Governantes e os Senhores dos Brahman, dos
Viṣṇu, dos Rudra, dos Virāj em todos os universos. O Senhor d’Eles todos, no modo
daqui por diante descrito, é Śri Kṛṣṇa na forma de Gopālasundari."
4.Śloka 61, ibidem:
"Assim, em cada fio dos cabelos de Seu corpo, existem universos; em cada
universo há outros Virāj, Brahman, Viṣṇu, Śiva, etc. secundários (kṣudra)."
5.Śloka 76, cap. VIII, ibidem:
"Dessa maneira, quantos e variados foram as criações e os laya, e quantos foram
os kalpa passados e quantos serão os futuros - quem pode dizer esse número?"
6.Śloka 77, ibidem:
"Das criações, dos laya, dos Brahmãnda, dos Brahman e de outros - quem pode
dizer esse número?"
7.Śloka 78, ibidem:
"De todos os Brahmāṇḍa o único Ῑśvara é Ele."

A evolução dos Ῑśvara

D.Da Sūta Saṁhitā:


1. "Por uma parte infinitesimal de Sua graça tu conseguiste tua ocupação de
Viṣṇu."
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E.Do Śiva Purāṇa:
1. "Dentre os que conseguiram a unidade em mūrti, alguns Śiva estão no topo da
Trilha."
2. "Os Maheśvara estão no meio (da Trilha); os Rudra, entretanto, ocupam o
lugar dos que estão obtendo experiência."

F.Do Devi-Bhāgavata:
1. "Esses dois, Nara e. Nārāyaṇa, conseguiram sinddhi ["realização" (N. T.)] por
tapas; . eles são parte de mim."
2. "Todas as outras Devi são adoradas porque elas servem Śakti. Conforme for o
tapas de cada uma, assim será o resultado em cada caso, ó Muni."
3. "Durgā, tendo praticado tapas por um milhar de anos-deva no Himalaia e
tendo meditado aos pés dele, veio a ser adorada por todos."
4. "Sarasvatī, tendo praticado tapas por uma centena de anos-deva na montanha
Gandhamādana, veio a ser adorada por todos."
5. "Lakṣmī, tendo praticado tapas por uma centena de devayuga ["eras dos
deuses" (N. T.)] em Puṣkara e tendo servido Devī, evoluiu para a Doadora de toda
riqueza."
6. "Sāvitrī, tendo praticado tapas por sessenta mil anos-veda no monte Malaya e
tendo meditado aos pés dele, tornou-se digna de adoração."
7. Śankara e Vibhu praticaram tapas por uma centena de manvantara ["cerca de 4
milhões de anos" (N. T.)]."
8. "Śri Kṛṣṇa, tendo praticado tapas supremo por uma centena de manvantara,
chegou ao Goloka, onde até hoje Se delicia."
9. O Prof. Banerji observa: "E evidente que Nārāyaṇa é um Logos em evolução no
qual pode ser chamado de corpo humano - um corpo feito daquela espécie de
matéria de que os corpos humanos são feitos; e que Nara também é uma mūrti em
que um Logos da mesma espécie está evoluindo, embora não seja tão avançado
quanto o corpo de Nārāyaṇa."

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