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Comunicação e

mobilidade
aspectos socioculturais das tecnologias
móveis de comunicação no Brasil
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor
Naomar Monteiro de Almeida Filho
Vice-Reitor
Francisco José Gomes Mesquita

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


Diretora
Flávia Goullart Mota Garcia Rosa

Conselho Editorial
Titulares
Ângelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Ninõ El-Hani
Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti
José Teixeira Cavalcante Filho
Alberto Brum Novaes

Suplentes
Antônio Fernando Guerreiro de Freitas
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Cleise Furtado Mendes
Maria Vidal de Negreiros Camargo
ANDRÉ LEMOS
FABIO JOSGRILBERG
Organizadores

Comunicação e
mobilidade
aspectos socioculturais das tecnologias
móveis de comunicação no Brasil

EDUFBA
Salvador, 2009
©2009 by Organizadores
Direitos de edição cedidos à
Editora da Universidade Federal da Bahia - EDUFBA
Feito o depósito legal

Normalização
Adriana Caxiado
Flávia Garcia Rosa

Editoração eletrônica e Capa


Rodrigo Oyarzábal Schlabitz

Sistema de Bibliotecas - UFBA

Comunicação e mobilidade : aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação no


Brasil / André Lemos, Fabio Josgrilberg organizadores. - Salvador : EDUFBA, 2009.
156 p.

ISBN 978-85-232-0658-1

1. Comunicação de massa - Aspectos sociais - Brasil. 2. Comunicação e cultura - Brasil. 3.


Mídia digital - Aspectos sociais - Brasil. 4. Tecnologia da informação - Aspectos sociais –
Brasil. I. Lemos, André. II. Josgrilberg, Fabio.

CDD - 302.230981

Asociación de Editoriales Universitarias Associação Brasileira de


de América Latina y el Caribe Editoras Universitárias

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Rua Barão de Jeremoabo, s/n - Campus de Ondina,
40170-115 Salvador-BA
Tel/fax: (71) 3283-6164
www.edufba.ufba.br
edufba@ufba.br
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................................................................07
André Lemos, Fabio Josgrilberg

COMUNICAÇÃO MÓVEL NO CONTEXTO BRASILEIRO.......................11


Eduardo Campos Pellanda

REDES MUNICIPAIS SEM FIO: o acesso à internet e a nova agenda da


cidade.......................................................................................................................19
Fabio B. Josgrilberg

ESPECTRO ABERTO E MOBILIDADE PARA A INCLUSÃO DIGITAL


NO BRASIL...........................................................................................................37
Sérgio Amadeu da Silveira

IDENTIDADE, VALOR E MOBILIDADE: Motoboys em São Paulo.............51


Gilson Schwartz

TECNOLOGIAS MÓVEIS COMO PLATAFORMAS DE PRODUÇÃO NO


JORNALISMO......................................................................................................69
Fernando Firmino da Silva

ARTE E MÍDIA LOCATIVA NO BRASIL.........................................................89


André Lemos

APROXIMAÇÕES ARRISCADAS ENTRE SITE-SPECIFIC E ARTES


LOCATIVAS........................................................................................................109
Lucas Bambozzi

REVISITANDO O CORPO NA ERA DA MOBILIDADE.........................123


Lucia Santaella

VÍDEO-VIGILÂNCIA E MOBILIDADE NO BRASIL..............................137


Fernanda Bruno

SOBRE OS AUTORES......................................................................................153
APRESENTAÇÃO
André Lemos
Fabio Josgrilberg

A história deste livro, de alguma maneira, é um registro das


posssibilidades do atual período técnico. Os textos foram reunidos em
movimento e a distância.
Para registrar o tal do “zero fictício” de uma narrativa histórica,
poderíamos situar o início da empreitada no convite feito a nós por Kim
Sawchuk, editora do Wi-Journal of Mobile Media (http://wi.hexagram.ca),
para coeditar uma edição especial sobre mídias móveis no Brasil. No
início do trabalho editorial, tratava-se de um conexão Canadá-Inglater-
ra-Brasil. Kim, na Universidade Concordia, André como pesquisador-
visitante nas Universidades de Alberta e McGill, todas instituições ca-
nadenses e, do outro lado, Fabio como pesquisador-visitante na London
School of Economics and Political Science, em Londres. Depois de algu-
mas discussões, chegamos aos nomes dos autores que estão aqui neste
livro. Todos eles de diferentes partes do Brasil, com suas respectivas
atividades e instituições.
Durante o primeiro semestre de 2009, reunimos os textos e dis-
cutíamos com Kim, em ano sabático, mas participando do processo
colaborativo. Kim em deslocamentos para uma série de conferências e
reuniões pelos Estados Unidos, Itália e Polônia. O projeto de edição
seria concluído após a volta de André e Fabio ao Brasil, no segundo

7
semestre de 2008. Continuamos a trabalhar, André e Fabio na Bahia e
em São Paulo, respectivamente, como bases, mas também em viagens
pelo Brasil. Fechamos tudo com uma visita de Kim a São Paulo e o
recebimento dos artigos enviados pelos autores. Depois veio o processo
de avaliação dos textos por pareceristas canadenses e brasileiros e a pu-
blicação da versão em inglês do projeto no Wi-Journal of Mobile Media
em agosto de 2009. Os textos aqui reunidos e apresentados são versões
em português desse material, em alguns casos com adaptações para o
público brasileiro.
Por mais que isso seja comum nos dias de hoje, não deixa de ser
fascinante o fato de que todo o projeto de edição se desdobrou com
apenas uma única reunião presencial em São Paulo, de cerca de duas
horas, e que a maior parte do processo colaborativo tenha ocorrido pela
internet, com os organizadores em viagens e deslocamentos os mais di-
versos. Este livro foi construído utilizando as tecnologias da mobilidade:
celulares, laptops, redes Wi-Fi... Foram inúmeros e-mails de aeroportos,
cafés, hotéis, universidades... A obra que o leitor tem em mãos discute o
papel cultural, sociocomunicacional e artístico das tecnologias da mobi-
lidade; sendo feito, ele mesmo, em mobilidade. Este livro foi produzido
em movimento, cheio de trajetórias inusitadas que não impediram o
encontro de ideias, projetos e sonhos.
Mas falar de tecnologias móveis, mídias móveis, espaço urbano e
mobilidade no Brasil exige uma visão aguçada e atenta aos diversos pa-
radoxos deste país. É isso que nos explica Eduardo Pellanda em seu
texto. Apesar do imenso mercado interno, temos um dos mais caros
serviços de telecomunicações do mundo (telefonia fixa, telefonia móvel e
banda larga). O custo médio desse pacote coloca o país na 91ª posição
no ranking geral (price basket) da International Telecommunications Union,
ocupando a 114ª posição no custo da telefonia móvel, 77ª posição no
custo da banda larga. O ranqueamento é feito do mais barato para o
mais caro entre 150 países – nem entramos aqui no custo dos terminais
de acesso móvel (smartphones, notebooks, etc.). Diante de tal cenário, nú-
meros oficiais indicavam em junho de 2009 a existência de 159.613.507

8
acessos ao Serviço Móvel Pessoal (SMP), sendo 130.596.366 (81,82%)
na modalidade pré-pago e 29.017.141 (18,18%) pós-pago. Do total de
acessos (pré e pós), 1.903.030 operavam com o padrão WCDMA (3G).
Por outro lado, dados de 2008 indicam apenas 20% de acesso domiciliar
à internet em áreas urbanas.
Os paradoxos do mercado de telecomunicações brasileiro são ape-
nas alguns dos problemas tratados neste livro. Outros desafios locais
também foram motivo de atenção, em especial a questão da vigilância
nas sociedades atuais, em texto de Fernanda Bruno, ou a gestão do es-
pectro eletromagnético, tratada por Sérgio Amadeu da Silveira, tendo
em vista a questão da inclusão digital. Nesse mesmo ponto, Fabio B.
Josgrilberg mostra os dilemas e tendências da entrada de governos mu-
nicipais na oferta de redes sem fio de acesso à internet.
Contudo, apesar das dificuldades econômicas, políticas e
tecnológicas, as mídias móveis alimentaram diversos projetos inovado-
res e criativos no Brasil. As possibilidades das mídias locativas foram
exploradas por André Lemos e Lucas Bambozzi, mais no contexto da
arte eletrônica com as mídias locativas, e também por Gilson Schwartz,
que aborda o projeto dos Motoboys em São Paulo, mostrando como as
mídias móveis podem ajudar a reinventar as relações sociais no espaço
urbano, mais precisamente no tráfego caótico de São Paulo.
Fernando Firmino da Silva, por sua vez, discute como as recentes
formas de comunicação móvel provocam mudanças no jornalismo, tanto
na prática dos jornalistas como na estrutura organizacional das redações
e das empresas jornalísticas. Assim como as tecnologias da mobilidade
exigem novos esforços teóricos para pensar o jornalismo, o texto de Lu-
cia Santaella amplia o debate e trata dos possíveis desenvolvimentos
teóricos que se fazem necessários frente às novas relações humanas com
as mídias móveis.
O leque de discussão é amplo. Reunimos neste livro o que há de
melhor no Brasil na área das tecnologias móveis de comunicação. Al-
guns pesquisadores importantes ficaram de fora, mas novos livros virão.

9
Tentamos, nesse primeiro movimento, reunir um conjunto de pesquisa-
dores, e suas respectivas instituições, que tem, no campo da comunica-
ção, desenvolvido um pensamento de ponta, inovador, de pesquisa e
formação de recursos humanos no país na área das mídias móveis. Preci-
samos, efetivamente, enfrentar esta que é a nova onda da revolução da
informática no campo social: os serviços e tecnologias baseados em mo-
bilidade e localização. Por fim, gostaríamos de agradecer ao corpo edito-
rial do Wi-Journal of Mobile Media pelo suporte dado para a versão ingle-
sa do projeto, em especial à Kim Sawchuk, a primeira pessoa a vislum-
brar esta pequena coleção de textos. Desejamos a todos uma excelente
leitura, ansiosos por manter o debate sobre os temas aqui tratados em
outros fóruns... sempre em movimento.

REFERÊNCIAS
ANATEL. Telefonia celular alcança 159,6 milhões de assinantes em
junho. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/Portal/
exibirPortalinternet.do#>. Acesso em: 24 jul. 2009
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso
das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e
TIC Empresas 2008. São Paulo: Centro de Estudos sobre as Tecnologias
da Informação e da Comunicação, 2009. Disponível em: <http://
www.cetic.br/tic/2008/index.htm>. Acesso em: 20 out. 2009.
INTERNATIONAL TELECOMMUNICATIONS UNION-ITU.
Measuring the information society. Geneva, 2009. Disponível em: <http://
www.itu.int/ITU-D/ict/publications/idi/2009/material/
IDI2009_w5.pdf>. Acesso em: 20 out. 2009.

10
COMUNICAÇÃO MÓVEL NO
CONTEXTO BRASILEIRO
Eduardo Campos Pellanda

O presente texto é uma abordagem sucinta sobre o impacto da


comunicação móvel no Brasil. Primeiramente, é discutida a relação en-
tre os espaços reais e virtuais e seus desdobramentos no campo da mobi-
lidade. Posteriormente, há um contraste com os números e peculiarida-
des no Brasil e uma contextualização com a comunicação móvel.
É digno de registro como o tópico da comunicação móvel vem
crescendo em complexidade no momento em que penetra em diferentes
culturas e classes sociais. Em países como o Brasil, isso provoca um
grande impacto em diferentes camadas econômicas. O aumento de co-
nexões resultantes da tecnologia móvel no país tem proporcionado dife-
rentes oportunidades e desafios aos hábitos sociais e aos limites entre
espaços públicos e privados. O acesso always-on1 com voz e dados tem
aberto caminho para um novo manancial de distribuição e colaboração
de informações em um contexto onde os aparelhos são “hiper-pessoais”,
pois eles são realmente usados por uma só pessoa, o que não ocorre
necessariamente com o computador pessoal. À medida que esses apare-
lhos começam a incorporar mais funcionalidades, começam a se tornar
mais parecidos com computadores. Nessa perspectiva, eles têm uma

1
Termo em inglês que significa conexão permanente.

11
grande relevância no processo de inclusão digital por serem mais bara-
tos e estarem em condição ubíqua.
A voz foi um elemento essencial no início de todo o processo da
comunicação móvel no Brasil, pois já possibilitou uma nova comunica-
ção ligando diferentes lugares da cidade. Mas as mensagens de texto, ou
SMS, tem rapidamente se tornado a segunda linguagem desta tecnologia,
influenciando novas gerações. (RHEINGOLD, 2003) Com o início dos
serviços de compartilhamento de áudio, vídeo e fotos, outras formas de
comunicação afloram dessas possibilidades. O acesso à internet começa
a ser o próximo canal de expansão da comunicação móvel no país à
medida que as redes de telefonia vão se expandindo e os custos começam
a baixar com a escala do aumento de usuários. Aparelhos como o Blackberry
começam a popularizar o uso do e-mail com serviços push, que proporci-
onam o recebimento instantâneo de mensagens. Para a navegação em
páginas web, aparatos como o iPhone começam a viabilizar o acesso ubí-
quo e outros smartphones seguem o caminho aumentando a competição
no setor. Empresas como Google, Microsoft, HTC e Nokia estão bus-
cando alternativas para a competição de aparelhos que possuam um cus-
to-benefício mais eficiente. Isso nos leva a crer que a popularização dos
aparelhos deve encaminhar uma maior popularização da tecnologia. Além
disso, novos serviços baseados em coordenadas geográficas começam a
interagir com a navegação convencional iniciando uma nova experiência
de comunicação.
Desde o começo da internet comercial é senso comum que o espa-
ço virtual é um oposto do real, físico ou atual (LÉVY, 1996) e eles não
possuem uma conexão perceptível. O espaço atual é onde estão os tijo-
los, o concreto e toda a matéria baseada em átomos. É o lugar em que se
percebem sensações na epiderme e se pode tocar nos objetos. Na apa-
rente oposição, o espaço virtual é somente conectado com a informação
que não é tangível. Nosso corpo é usualmente imaginado estar conectado
ao real e atual e nossas mensagens interconectadas no virtual.
Todas essas percepções populares estão também ligadas ao modo
como se percebe o uso do computador pessoal (PC) conectado à internet.

12
O consumo dessa mídia se dá dentro das quatro paredes de um quarto,
escritório ou lan house. A informação é trocada no ambiente virtual e
aplicada no real. A percepção é de que a informação se dá dentro do
monitor do computador (TURKLE, 1995) e a “existência do virtual”
acontece somente neste local.
As cidades e áreas urbanas estão, nesse contexto, deslocadas da
informação, os átomos estão desconectados dos bits (NEGROPONTE,
1995) criando uma defasagem e ajudando a percepção equivocada de
que real e virtual são opostos, quando, em um olhar mais aprofundado,
eles consistem em potências bilaterais. (LÉVY, 1996) As cidades possu-
em guias turísticos, mapas e livros históricos que conectam informações
e representações com o espaço físico. Contudo, essas referências não são
atualizadas em tempo real e não estão diretamente ligadas com os ambi-
entes urbanos.
Quando conectamos lugares físicos com o ciberespaço, temos o
cruzamento de conceitos e fronteiras:

A internet nega as geometrias. Ao mesmo tempo em


que ela tem uma topologia definida dos nós
computacionais e irradia ruas de bits, e também as
localidades dos nós e links podem ser registradas em
mapas para produzir surpreendentes tipos de diagra-
mas de Haussmann, ela é profundamente e funda-
mentalmente antiespacial. Nada parecida com a Piazza
Navona ou a Coperly Square. Você não pode dizer ou
falar para um estranho como chegar lá. A internet é
ambiente [...] (MITTCHELL, 2003, p. 8)

Essa conexão se dá hoje com o suporte dos celulares, PDAs,


smartphones e demais aparelhos de computação portáteis. Esses dispositi-
vos estão imersos nas redes wireless que se expandem rapidamente em
coberturas e velocidade de banda. O massivo uso de aparelhos como
celulares de maneira intensiva tem transformado a relação homem/má-
quina em um ambiente cyborg. (MITTCHELL, 2003)

13
A conexão entre as pessoas cria uma rede de SmartMobs
(RHEINGOLD, 2003) onde os nós interagem e rapidamente, por exem-
plo, se combina um encontro em algum ponto da área urbana. Rheingold
(2003) observa isso com mais profundidade em adolescentes que incor-
poram o uso dessas tecnologias para a conexão de suas tribos. Esta liga-
ção entre o jovem e seu aparelho celular é tão profunda que o telejornal
da TV Portuguesa SIC destacou2 uma briga entre um professor que
pretendia retirar o dispositivo de uma aluna. A jovem relutou e o episó-
dio acabou em violência física.
A cultura SmartMobs pode ser verificada também nos atos terro-
ristas de Madrid em 2004, em que a população local se reuniu através
de mensagens de texto. O resultado foi a maior manifestação pública na
cidade desde a Segunda Guerra Mundial.
Nos atentados de Londres em 2005, aparelhos móveis registra-
ram as imagens do metrô após as explosões. Estas imagens foram para as
redes de televisão de todo o mundo pelo critério de informação e não de
qualidade técnica. Os cidadãos estão equipados com câmeras conectadas
que podem relatar fatos antes dos profissionais. (GILLMOR, 2004)
Os celulares convergem fetiches tecnológicos com conexões
midiáticas. Eles concentram os acervos de conteúdo com o ponto de
ligação entre o indivíduo e o social:

[...] no momento em que celulares começam a conectar


com a internet e oferecem algumas de suas funções –
livros, jornais, revistas, conversas por texto ao vivo ou
não, telefonia, videoconferências, rádios, gravação de
músicas, fotografia, televisão – o celular se torna uma
casa remota para comunicações, uma casa móvel, um
pocket hearth, um meio de viagem da mídia.
(LEVINSON, 2004, p. 53)

2
O vídeo pode ser visualizado no YouTube neste endereço: <http://br.youtube.com/
watch?v=cchxDXKFAuE>

14
Não só os aparelhos celulares representam essa experiência móvel,
mas vários formatos de PC como o UMPC3 ou MID4 também fazem
parte do contexto. Além disso, há uma tendência clara pela eliminação
de fios dentro das casas entre aparelhos de som, rádios, TV e outros
eletrodomésticos.
Quando todos esses dados e conceitos se aplicam a países como o
Brasil, eles começam a ter outro valor. Pois uma nação com 3,287,597
metros quadrados e 189,987,2915 de habitantes torna-se ávida por uma
expansão de redes wireless. De fato, as comunicações sem fio fazem parte
da evolução histórica do país que, ao mesmo tempo, foi responsável por
importantes contribuições para o campo. Além de ser um dos primeiros
a adotar o rádio e a televisão, foi no Brasil que as primeiras experiências
de transmissões sem fio foram realizadas. O padre Roberto Landell de
Moura6 realizou o experimento de propagação de voz sem fios ao mesmo
tempo em que o italiano Guglielmo Marconi descobria a tecnologia na
Europa.
O Brasil é também um país de extremas diferenças com partes da
população vivendo à margem da miséria ao mesmo tempo em que é uma
das nações a adotar mais ferozmente novas tecnologias e culturas digi-
tais. O país possui um sistema de votação eletrônica com tecnologia
nacional que cobre 100% das localidades. Isso inclui lugares remotos
onde a informação precisa ser transmitida por telefones de satélite. O
Brasil é pioneiro e líder em recolhimento de impostos pela internet, já
tendo este serviço se incorporado à cultura nacional. A população tam-
bém está no topo das nações que mais estão conectadas à rede proporci-
onalmente ao número de internautas7, além de ser a maioria em comu-

3
Ultra Mobile Personal Computer
4
Mobile internet Device
5
Ver, IBGE. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em : 21 dez. 2007.
6
Ver, http://en.wikipedia.org/wiki/Roberto_Landell_de_Moura
7
IBOPE/NetRatings

15
nidades virtuais como o Orkut. Outro dado relevante é o fato de que,
em 2007, pela primeira vez o país comercializou mais computadores
pessoais do que aparelhos de TV. A internet como mercado publicitário
também passou a receita da TV a cabo.
No campo da telefonia celular, o Brasil tem 140 milhões de apare-
lhos ativos e 81% deste número é comercializado em planos pré-pagos8.
Tal modelo de pagamento é responsável pela grande popularização da
comunicação wireless no país. Apesar de mais cara por minuto se compa-
rada aos planos pós-pagos, ela dá flexibilidade de pagamentos sobre de-
manda. Outra questão é que, mesmo se o telefone não possuir créditos,
o usuário pode ainda assim receber ligações, o que possibilita conexões
mesmo sem despesas.
Nesse contexto, a comunicação móvel está transformando ativi-
dades econômicas e sociais de maneira profunda. Desde um vendedor de
cachorro quente ambulante que pode oferecer serviços de tele-entrega
até profissionais freelancers que podem ter escritórios móveis. Com isso,
várias funções da economia informal nasceram dessa possibilidade. Tais
atividades representam uma importante parcela da economia brasileira.
Outra questão relevante no contexto do acesso aos meios de teleco-
municação é o fato de uma grande parcela da população não ter ainda
acesso a telefones fixos. Isso se deve ao fato de áreas populosas, mas infor-
mais, como as favelas ou áreas rurais, não terem infraestrutura para as
ligações. Em certas áreas, há também um desinteresse econômico das em-
presas, que deste modo, ignoram os locais. Mas a tecnologia sem fio trans-
põe este problema por não precisar de ligações diretas com as residências.
Uma única base de telefonia celular pode ser responsável pela existência
de diversas linhas. Essa flexibilidade, aliada a uma expansibilidade, é um
dos principais fatores de inclusão digital da tecnologia.
Usando o mesmo conceito, prefeituras de cidades como Porto Alegre
usam a tecnologia Wi-Fi para distribuir o acesso gratuito à internet em

8
Ver, Dados. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br>

16
áreas estratégicas da cidade. Locais de grande visitação turística ou de
densidade de pequenos negócios são escolhidos para o beneficiamento
desta parcela da população dando, com isso, mais capacidade produtiva
e competitiva. Este modelo também é adotado em pontos turísticos do
Rio de Janeiro para incentivar a informação e colaboração dos visitantes.
Já em regiões remotas da Amazônia, a tecnologia que está sendo testada
pela empresa Intel é a WiMAX9. Esta conexão permite a cobertura mais
ampla e viabiliza o acesso à rede em lugares extremamente complexos
para a transmissão por fios.
A tecnologia 3G, que permite o acesso em banda larga através de
dispositivos móveis, teve um lançamento massivo no ano de 2008 no
Brasil. Todas as capitais e principais centros urbanos já possuem a
tecnologia e, por acordo com a Agência Nacional de Tele-comunicações
(ANATEL), as empresas que exploram a telefonia celular devem esten-
der a cobertura por todo o país em 5 anos. O marco representa um forte
fator de inclusão da população à comunicação digital, pois também abran-
ge áreas onde a banda larga não era possível. A venda de modems para a
conexão de laptops à rede 3G teve uma demanda tão intensa que os
estoques não tinham capacidade de alimentação da procura, fato que
mostra a carência do serviço percebido pela população.
O exemplo do Brasil é único porque tem características similares
à África, onde a falta de telefones fixos também obrigou os países a
pularem direto para a tecnologia celular, mas ao mesmo tempo revela
um uso comparável a países desenvolvidos nas tecnologias mais avança-
das nos grandes centros urbanos. Os 140 milhões de usuários estão
rapidamente pulando dos serviços de voz para os de dados como o aces-
so ao ciberespaço, proporcionando diversas potencializações de usos; desde
criminais até socialmente emancipadoras. Como espelhos da realidade
em relação ao espaço virtual (LÉVY, 1996), esse empodeiramento é a
tônica da comunicação digital. Assim como no passado o rádio e a tele-

9
Worldwide Interoperability for Microwave Access. Ver, endereço eletrônico: http/
www.wimaxforum.org

17
visão uniram o país em trocas culturais e informacionais, a comunicação
móvel tem a potencialidade de ser ainda mais transformadora em um
país de dimensões continentais e uma população multicultural e única
na velocidade da adoção de novas tecnologias.

REFERÊNCIAS
CASTELLS, M. et al. Mobile communication and society: a global
perspective. Cambridge: MIT Press, 2007.
GILLMOR, D. We the media:grassroots by the people, for the people.
Sebastopol: O’Reilly Media, 2004.
LEVINSON, P. Cellphone. New York: Palgrave, 2004.
LÉVY, P. O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.
MITTCHELL, W. J. ME++: the cyborg self and thenNetworked city.
Boston: MIT Press, 2003.
NEGROPONTE, N. Vida digital. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
RHEINGOLD, H. Smart mobs. Cambridge: Perseus Publishing, 2003.
TURKLE, S. A vida no ecrâ: a identidade na era da internet. Lisboa:
Relógio D´água, 1995.

18
REDES MUNICIPAIS SEM FIO:
o acesso à internet e a nova agenda da cidade 10

Fabio B. Josgrilberg

O governo federal brasileiro anunciou, em 10 de outubro de 2008,


um edital (Nº 027/2008-MC) com o objetivo de contratar serviços e
equipamentos necessários para:

[a] implantação de infra-estruturas básicas de comu-


nicação para acesso à internet de alta velocidade nos
municípios, com uso de tecnologias sem fio para trans-
missão de dados, voz e imagens, que suportem a rea-
lização de teleconferências, telemedicina e teleaulas
em nível nacional. (BRASIL. Ministério das Comuni-
cações, 2008)

Em resumo, a ideia era equipar 160 cidades com redes corporativas,


comunitárias, peer-to-peer ou fomentar o desenvolvimento de soluções híbri-
das. No imaginário, por trás da iniciativa, estava o sonho de criar as chama-
das “cidades digitais”, uma expressão utilizada no texto do próprio edital.

10
As reflexões apresentadas neste artigo têm origem nos resultados do projeto de pesquisa
Muni-Wi: an exploratory comparative study of European and Brazilian municipal wireless networks
(JOSGRILBERG, 2008), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo
(FAPESP).

19
Ainda em 2008, em São Paulo, o maior centro industrial e finan-
ceiro do país, Marta Suplicy, então candidata à prefeitura pelo Partido
dos Trabalhadores (PT), prometeu equipar a municipalidade com acesso
à internet sem fio. Apenas para ajudar a entender a dimensão do proje-
to, em 2007, 10.886.518 pessoas viviam em São Paulo em uma área de
1.523 km². (IBGE, 2008)
É interessante ver como, nos últimos anos, a questão do acesso à
internet banda larga sem fio se tornou parte da nova agenda dos go-
vernos em todos os seus níveis. No entanto, no fundo, trata-se de um
antigo problema, a saber, a desigualdade no acesso aos avanços
tecnológicos da sociedade, ou, usando a redação do Artigo XVII da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, a falta de condições para
“[...] participar do processo científico e de seus benefícios.” (UNITED
NATIONS, 1948)
Ambos os projetos, o do governo federal e o de Marta Suplicy, se
tornaram alvos de críticas negativas. O edital federal chegou a ser can-
celado no final de outubro de 2008. Dentre os principais motivos, des-
tacamos as pressões devido à falta de debate público sobre o assunto e a
ênfase em um único modelo tecnológico. Já a promessa de Suplicy foi
atacada com acusações de se tratar de um sonho impossível motivado
apenas por interesses de marketing político.
Deixando de lado a discussão sobre o mérito dos projetos citados,
o importante é notar como o debate sobre a inclusão digital, com banda
larga e até redes sem fio, se tornou pauta de políticos e da mídia. Houve
até mesmo desdobramentos inusitados como o lançamento do álbum
Banda larga cordel (2008), de Gilberto Gil, então ministro da Cultura.
Apenas por curiosidade, vale a citação de parte da letra da música que
dá nome ao CD:

Quem não vem no cordel da banda larga


Vai viver sem saber que mundo é o seu

20
Mais à frente na música, em um jogo de palavras, Gil (2008),
afirma:

Ou se alarga essa banda e a banda anda


Mais ligeiro pras bandas do sertão
Ou então não, não adianta nada
Banda vai, banda fica abandonada
Deixada para outra encarnação

É bem verdade que a música não alcançou o topo das paradas


musicais, mas há de se reconhecer que os versos citados chamam a aten-
ção do ouvinte a questões centrais relativas à inclusão digital – em que
se pese o autor ser na ocasião um ministro de Estado, podendo misturar
argumentos de desenvolvimento, direitos humanos e uma boa dose de
marketing político que, não sejamos ingênuos, também faz parte dos
atuais processos democráticos. É quase como Castells afirmando sobre o
risco de desconexão entre o “ser” e a “rede”, e a ameaça a populações
inteiras que se encontram distanciadas dos atuais fluxos comunicacionais.
(CASTELLS, 2000)
O sonho sobre as redes municipais de acesso à internet sem fio e o
debate sobre as cidades digitais no Brasil tem início em meados da déca-
da de 1990. À época, destaca-se o projeto de Piraí, no Rio de Janeiro.
De lá para cá, e especialmente nos últimos cinco anos, iniciativas seme-
lhantes pululam Brasil afora11.
No caso de Piraí, uma situação em especial levou a municipalidade
a repensar o seu plano de desenvolvimento e dar ênfase às tecnologias de
informação e comunicação: a privatização da companhia de eletricidade
que levou a um corte de 1200 empregos, atingindo profundamente a
vida dos seus cerca de 22.500 habitantes.
Em meio à crise local, a comunidade percebeu que a reorganização
da cidade passava pelas tecnologias de informação e comunicação digitais.

11
Informações obtidas com os gestores dos projetos e em sites oficiais das cidades.

21
Assim, a primeira infra-estrutura com vistas ao acesso universal foi insta-
lada em 2002, já com o objetivo de transmitir dados, voz e imagens.
No início do projeto, a ideia era oferecer internet sem fio, com
bandas variando entre 128 kbps e 512 kbps, a partir de uma taxa que
variava entre R$ 39,00 e R$ 90,00. O custo da rede e um embate legal
com a Anatel, a agência reguladora brasileira, levaram os gestores do
projeto a optar, em 2007, por uma infraestrutura híbrida gratuita – 13
torres, operando em toda a cidade em 5.8 GHz, com cabos complemen-
tares acessando diferentes lugares, dependendo das condições geográfi-
cas e de aspectos contingentes relativos à arquitetura da cidade ou da
própria rede. Após a decisão da Anatel, a provisão de internet teve de
ser limitada à oferta gratuita e basicamente a equipamentos públicos,
tais como escolas, telecentros, quiosques e alguns hotspots e residências
em caráter piloto.
Outro caso pioneiro que se tornou famoso no país foi o da cidade
paulista de Sud Mennucci. Em 2008, o município tinha uma população
de 7.714 habitantes, cobrindo uma área de 591 km2, com 85% dos quais
vivendo na área urbana. (OKAJIMA, 2007, IBGE, 2008) A iniciativa de
Sud Mennucci traz um elemento curioso, digno de se tornar objeto de
pesquisa em outros municípios do país: a internet foi aberta à população
porque sobrava banda nos serviços da prefeitura da cidade.
Os primeiros estudos do projeto de Sud Mennucci começaram em
2002. O objetivo era dar conta das demandas administrativas da prefei-
tura com vistas a diminuir o custo de conexão com a internet interurba-
na discada, a única possível à época.
Um estudo conduzido por técnicos da prefeitura em parceria com
a indústria alcooleira levou à solução de uma rede sem fio, em detrimen-
to do uso de fibra ótica – esta mais cara. Mas é em 2003 que o governo
local percebe que possuía mais banda do que necessitava aos seus servi-
ços administrativos. O que fazer? Abriu-se o sinal para a população em
2003, que passou a ter a possibilidade de se conectar à rede em suas
residências a partir do uso de antenas específicas.

22
Assim, o novo objetivo do governo local passou a ser a inclusão
digital da população que também sofria com as taxas interurbanas de
acesso à internet. Em setembro de 2003, a cidade tinha 10 usuários
registrados no projeto municipal, sem falar dos equipamentos públicos.
Entretanto, é em 2005, a partir de outro evento digno de nota, que o
projeto decola entre os habitantes. O aumento de registros na prefeitu-
ra se deu graças à publicação de um artigo de Elio Gaspari, na Folha de
São Paulo, destacando o projeto de Sud Mennucci. (GASPARI, 2005)
Em 2008, o município já contava com quase mil usuários registrados.
Em 2008, a rede sem fio da cidade usava Wi-Fi, trabalhando em
2.4 GHz, com design ponto-a-ponto, a 64 kbps por ponto, em link con-
tratado da Telefônica. A partir de uma antena de 40 m, o cobertor digi-
tal alcançava um raio de 10 km.
Os casos pioneiros, aos quais se poderiam incluir outros não cita-
dos aqui, acabaram por influenciar o debate em termos de regulamenta-
ção. No Brasil e no mundo, a discussão gira em torno do papel dos
governos locais na provisão de internet. As questões são recorrentes,
tais como:

· O município terá condições de manter e atualizar a rede a longo


prazo?
· A entrada do governo local na provisão de internet inibirá o
mercado local no setor?
· Os municípios podem cobrar pelo uso da rede?
· Qual o modelo de negócio da rede?
· Qual é o regime de utilização do espectro mais adequado?

Com vistas a regular a entrada de prefeituras na instalação de redes,


a Anatel criou em 2007 a licença de Serviço Limitado Privado (SLP). Com
a SLP, tornou-se possível criar as redes para fins de uso de serviços da
municipalidade, de forma gratuita, com restrição ao território da cidade.

23
Opcionalmente, o governo pode fazer uso de uma rede menos restrita
contratando uma empresa privada ou pública, operando em regime de
mercado, com licença SCM (Serviço de Comunicação Multimídia).
Em paralelo, outras discussões seguem na Anatel, como a limpeza
das bandas 450 MHz – 470 Mhz a fim de deixá-las mais disponíveis
para usos em cidades pequenas ou rurais. Também em novembro de
2008, a agência lançou uma consulta pública sobre os marcos regulatórios
das bandas de 3.400 MHz a 3.600 MHz. Na redação original do texto,
aparece a proposta de usar as sub-bandas de 3.400 MHz a 3.405 MHz e
de 3.500 MHz a 3.505 MHz para projetos públicos de inclusão digital.
(ANATEL, 2008)
As tentativas de regular a entrada do poder público no setor de
redes sem fio e as restrições tecnológicas ou financeiras não tem diminu-
ído o otimismo dos gestores públicos brasileiros. Nem mesmo a notícia
de descontinuidade ou redução de investimentos em projetos estrangei-
ros, como aconteceu em Chicago, São Francisco e Filadélfia, todos nos
Estados Unidos, parece afetar o desejo de ver áreas urbanas e rurais
cobertas por redes wireless. Há inclusive projetos pensados em nível es-
tadual, como os casos do Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Amazonas.
Que o futuro da internet é, em grande parte, sem fio é um fato. A
dúvida paira sobre o papel dos governos, em todos os níveis, na provisão
de internet. O bom senso aponta para o melhor equilíbrio entre ações
do governo, sociedade civil organizada e mercado. A predominância de
um desses atores depende de situações contingentes. De maneira sim-
ples e direta, quando o mercado falha em prover soluções que deem
conta das demandas sociais, o governo deve promover a criação desse
mercado ou atuar diretamente na provisão do serviço.
No Brasil, dados do Comitê Gestor da internet (CGI) apontam
que apenas 20% da população brasileira possui acesso residencial à
internet. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2009) Ora,
salvo melhor juízo, esse número é mais do que suficiente para sustentar
argumentos em favor da atuação do governo local nesse setor. As dúvi-

24
das que pairam sobre esse tema não podem intimidar gestores públicos
em países em desenvolvimento.
O argumento para a entrada do governo municipal na provisão de
internet é simples, como já temos destacado em outros espaços. A inspi-
ração vem do grande mestre Milton Santos. A pobreza, explica o geógrafo,
é, acima de tudo, uma definição política que tem a ver com os objetivos
que uma sociedade determina para si. (SANTOS, 1979) Portanto, a po-
breza não é simplesmente um dado estatístico com ênfase na renda e
definições de linhas de miséria ou coisa que o valha. Na chamada Socie-
dade do Conhecimento, o acesso à internet em banda larga e, por que
não, sem fio, deve fazer parte de qualquer definição possível de pobreza.
Como se sabe, hoje, salvo raras exceções, a banda larga chega apenas
onde há mercado, ou seja, consumidores em condições de comprar os
serviços oferecidos pelas empresas de telecomunicações.
Apesar de haver justificativas evidentes para a entrada dos gover-
nos locais no desenvolvimento de projetos de redes sem fio para uso da
população, as armadilhas estão espalhadas por todo o caminho. Uma
rede totalmente pública e gratuita, sem dúvidas, pode inibir o desenvol-
vimento local do setor, pode indicar menor criação de empregos e redu-
zir a velocidade das inovações, que, em geral, se favorecem pela compe-
tição entre empresas. Os críticos da atuação do governo também desta-
cam a falta de especialistas em telecomunicações em muitas prefeituras
e a inviabilidade de sustentar o desenvolvimento da rede no longo pra-
zo. (JOSGRILBERG, 2008)
Uma opção seria terceirizar o desenvolvimento e até a operação da
rede sem fio municipal, favorecendo assim a competição entre diferentes
empresas. As parcerias público-privadas, contudo, também apresentam
os seus problemas. O mais sério deles é o de colocar em risco os valores
públicos de universalização e neutralidade da rede. Há ainda outras ques-
tões, como a possibilidade de ver o governo local amarrado a contratos
restritos a um único modelo tecnológico ou de gestão – o que pode se
tornar um risco para o desenvolvimento da própria rede.

25
Portanto, é importante notar que o desenvolvimento de redes
wireless em nível municipal, sejam elas totalmente públicas e gratuitas
ou em parcerias público-privadas, deve buscar soluções contingentes
que dependem do perfil socioeconômico da cidade, das condições geo-
gráficas e de arquitetura urbana. Sempre haverá riscos e benefícios, pois
não há solução perfeita. Não obstante tais possibilidades, vale destacar
que, seja como for, com a municipalidade administrando ou terceirizando
o desenvolvimento e operação da rede municipal sem fio, a responsabili-
dade será sempre do governo local. (MINOW, 2007)
Acima de tudo, é preciso lembrar que um projeto de rede munici-
pal sem fio envolve várias dimensões que precisam estar muito bem
articuladas. Com o objetivo de mapear esses diferentes aspectos, sugeri-
mos um modelo com base em um estudo comparativo entre projetos
brasileiros e europeus de redes municipais sem fio (JOSGRILBERG,
2008), no qual pudemos identificar algumas facetas que parecem ser
fundamentais, a saber, “comunidade”, “infraestrutura”, “modelo de ne-
gócio” e “governança”. O detalhamento de cada dimensão pode ser co-
nhecido no relatório final da pesquisa. Neste texto, apresentamos um
resumo das principais ideias.

a) Comunidade

O envolvimento da comunidade na organização do projeto de rede


municipal sem fio pode ser fundamental para o sucesso do projeto. Veja
o caso de Sud Mennucci, citado acima. De início, parecia não haver uma
compreensão adequada do valor da iniciativa.
A comunidade pode ser inserida por programas de promoção de
demanda, ou seja, de uso da rede, articulando treinamentos e
favorecimento para a compra de terminais (notebooks, desktops, PDAs, etc.).
Como destacam Mansell e Steinmueller (2000, p. 37), “o usuário é uma
categoria enormemente variada e a sensibilidade para a motivação das
pessoas, ou falta dela, para se envolver com o novo ambiente virtual ou

26
ciberambiente é um pré-requisito para a evolução econômica e proces-
sos sociais”
A participação da comunidade também será importante do ponto
de vista da governança do projeto, que trataremos adiante, especial-
mente no que se refere a questões de accountability, transparência de pro-
cessos e futuros desenvolvimentos da rede. Essa participação pode se
dar, por exemplo, por meio de comitês locais.

b) Governança

A palavra governança aparece facilmente nas apresentações de es-


pecialistas em gestão – usada corretamente ou não. O termo se aplica a
organizações públicas ou privadas, mas também dentro de contextos
mais específicos como, por exemplo, na área de Tecnologia da Informa-
ção (TI) ou no terceiro setor.
Trata-se de tarefa difícil encontrar uma definição para o termo na
gestão pública. A origem da ideia pode ser identificada no início dos
anos 1970, quando a expressão se tornou popular nas políticas prescri-
tas pelo Banco Mundial para a gestão pública. Muitos viam nesse movi-
mento interesses relacionados à estratégia do banco de impor certas
condições aos países, particularmente àqueles em desenvolvimento, em
geral trazendo um sentido de Estado mínimo em prol do mercado livre.
(RHODES, 1996, DOORNBOS, 2001, FREDERICKSON, 2005)
Contudo, a reflexão sobre o conceito de governança evoluiu com o
tempo. No caso discutido aqui, as redes municipais sem fio, a definição
de Frederickson é mais do que suficiente. Para o autor, governança pode
ser entendida como “[...] um conjunto de princípios, normas e papéis, e
de procedimentos de tomada de decisão ao redor dos quais os atores
convergem na arena pública.” (FREDERICKSON, 2005, p. 293)
Em se tratando de redes municipais sem fio, é possível incluir
aspectos como abertura da rede (princípios), condição de participação

27
dos atores e de tomada de decisão (normas), funções dos stakeholders
(papéis), além dos processos de organização, de desenvolvimento e de
sustentabilidade geral da rede (gestão).
A transparência dos princípios de governança é uma das chaves
para a existência da rede a longo prazo. Tais princípios estão diretamen-
te relacionados às demais dimensões (infra-estrutura, comunidade e
modelo de negócio).

c) Infraestrutura

A infraestrutura talvez seja o elemento que mais chame a atenção


nos debates sobre as cidades digitais - equivocadamente, diga-se de pas-
sagem. Em resumos, estamos falando de hardwares e softwares necessários
para implantar uma rede municipal sem fio. Destacamos, em seguida,
alguns elementos propostos pela literatura especializada sobre o que
esses tipos de redes ou similares devem oferecer (BACCARELLI, et al.,
2005, GUNASEKARAN; HARMANTZIS, 2007):

· acessibilidade;
· disponibilidade;
· custo acessível dos serviços;
· aplicações.

Em meio aos temas tratados dentro do projeto OPAALS, que de-


bate, dentre outros assuntos, a criação de ecossistemas digitais, outros
requisitos básicos são estabelecidos para comunidades em rede
[Community Networks] infrastructures’ (BOTTO et al., 2008):

· cobertura total e acesso ubíquo;


· acesso a partir de terminais múltiplos (desktops, notebooks, PDAs,
celulares, etc.);

28
· mobilidade, permitindo roaming dentro da rede;
· capacidades geoespaciais;
· qualidade de serviço (definição dos tipos de serviços esperados
da rede);
· suporte e plataformas para distribuição de serviços.

Com preocupações mais socioeconômicas, Mansell e Steinmueller


chamam a atenção para o desenvolvimento da rede considerando
(MANSELL; STEINMUELLER, 2000):

· design flexível;
· design inclusivo.

Em resumo, o objetivo é ter acesso à rede a qualquer hora, a partir


de qualquer terminal, em diferentes formatos, a custo acessível, em ban-
da larga, com um design flexível e inclusivo.
Dentre as principais possibilidades tecnológicas sem fio, presen-
tes e de um futuro próximo, destacam-se o VSAT (Very Small Aperture
Terminal), Wi-Fi (Wireless Fidelity, IEEE 802.11a/b/g/n), WiMAX
(Worldwide Interoperability for Microwave Access, IEEE 802.16n) e
Wi-Mesh – e por que não as tecnologias 3G? É possível haver uma
combinação destas tecnologias entre si, além do suporte da rede fixa.
(fibra ótica etc.)

d) Modelo de negócio

Um modelo de negócio pode ser definido como uma ferramen-


ta conceitual que contém um grupo de objetos, conceitos e suas re-
lações com o objetivo de expressar a lógica de negócio de uma em-
presa específica. Portanto, cabe considerar quais conceitos e relações
permitem oferecer aos clientes, como isso será feito e suas

29
consequências financeiras. (OSTENWALDER; PIGNEUR; TUCCI,
2005, p. 5)
No entanto, a transposição do conceito de modelo de negócio
para o setor público exige cuidados. Isso porque todo modelo de negó-
cio possui o seu respectivo ethos; traduzi-lo para ambiente público de-
manda a reinvenção do vocabulário dado. (ALVES, 2006)
No caso de redes municipais wireless, pelo mundo afora, é comum se
falar em modelo de negócio. A razão é simples. Muitos projetos envolvem
diferentes arranjos com a iniciativa privada que vão desde a instalação até
a operação da rede. Talvez o conceito de modelo de sustentabilidade finan-
ceira fosse mais adequado. Seja como for, as escolhas feitas (parcerias, for-
necedores, contratos, etc.) sobre “quem paga a conta” podem ter um im-
pacto direto em princípios democráticos importantes, especialmente no
que diz respeito à universalização dos serviços.
O debate sobre os modelos municipais de negócio para redes sem
fio de acesso à internet gira em torno do reconhecimento do governo
como um “promotor” ou “regulador” desses projetos, uma questão di-
retamente ligada à visão da banda larga como um “bem público” ou algo
para ser resolvido pelo mercado (PICOT; WERNICK, 2007, p. 662-
663); ou, como propõem Gillett e seus colegas, a visão do governo como
um regulador, financiador, desenvolvedor da infraestrutura ou simples-
mente como usuário. (GILLETT; LEHR; OSORIO, 2004)
Como resumem Daggett (2007) e Hughes (2005), os modelos de
negócio mais comuns são o privado, o público, o franchise e o anchor-
tenant (empresa-âncora). Acrescentaríamos também a possibilidade de
projetos comunitários:

· Privado

A provisão da rede banda larga sem fio é mantida por empresas


com fins lucrativos. Nesse caso, o governo tem pouca ou nenhuma auto-
ridade sobre a rede. (DAGGETT, 2007) Eventualmente, as empresas

30
podem se beneficiar do uso de equipamentos públicos para instalação de
antenas, por exemplo, oferecendo alguma contrapartida como acesso
gratuito a serviços municipais.

· Público

Em geral, adotado quando o regime de mercado não consegue


garantir a universalização do acesso a custos razoáveis. O governo insta-
la e opera a rede, podendo ou não contratar empresas terceirizadas.

· Modelo de franquia

Segundo Daggett, nesse modelo, o governo local garante a uma


empresa privada o uso dos equipamentos e vias públicas por um período
de tempo e a contratada deve oferecer contrapartidas definidas pela
municipalidade. (DAGGETT, 2007, p. 12) Ainda nesse modelo, é possí-
vel uma variação em que o governo investe na infra-estrutura passiva
(torres e backhaul, por exemplo) e permite a instalação e operação por
empresas privadas. (HUGHES, 2005)

· Empresa-âncora (anchor-tenant)

Nesse modelo, a municipalidade se torna o principal cliente de


uma empresa que, por sua vez, deve alcançar objetivos de universalização
e de serviços estabelecidos pela municipalidade. Aqui também a prefei-
tura pode favorecer o projeto permitindo o uso de equipamentos públi-
cos e acordar algum tipo de contrapartida em função do resultado finan-
ceiro da rede. (DAGGETT, 2007, p. 12)

· Comunitário

Por último, vale a referência ao modelo comunitário. Nesse tipo


de arranjo, a própria comunidade compartilha o seu link de internet

31
entre si. É o que acontece, por exemplo, com os projetos OpenSpark
(http://open.sparknet.fi) e Fon (http://www.fon.com).
Embora as redes comunitárias tendam a ter sua origem dentro da
sociedade civil, o governo pode servir como catalisador dessas iniciati-
vas. Fica a pergunta: “Por que diabos eu deixaria outras pessoas usarem
gratuitamente o meu ponto de acesso?” A resposta da OpenSpark é dire-
ta: “Porque integrando a comunidade da OpenSpark significa poder usar
o ponto de acessos dos outros.” (OPENSPARK, 2008)
Para encerrar, é preciso se ter claro que a decisão sobre a entrada
dos governos municipais na provisão de internet sem fio é contingente.
Também não há modelo único de negócio ou tecnológico. No que se
refere à tecnologia, em especial, é sempre importante não ficar restrito a
uma única solução.
Também é fundamental evitar a sobredeterminação da visão
tecnológica. É preciso ir além da cidade digital e ter uma compreensão
mais abrangente da cidade sonhada. Quem sabe, sonhar com as redes
municipais de internet sem fio a partir de uma cidade educadora ou
sustentável.

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de como superar as simulações na gestão local-regional. São Bernardo do
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35
ESPECTRO ABERTO E MOBILIDADE
PARA A INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL
Sérgio Amadeu da Silveira

O artigo discute como o sinal aberto impacta a comunicação sem


fio. Baseando-se em uma análise qualitativa sobre o que está ocorrendo
em algumas cidades brasileiras, busca-se mostrar que a comunicação
gratuita incentiva o uso de computadores e redes, reforçando as relações
sociais locais. Além disso, demonstra igualmente que a atual regula-
mentação das telecomunicações se dá contra o crescimento de redes
wireless abertas. O seu crescimento requer a implementação das redes
abertas no espectro radioelétrico. Defende-se que a implantação de nu-
vens de conexão wireless gratuitas nos municípios pode elevar de modo
exponencial o uso das tecnologias da informação e da internet em locali-
dades onde só havia conexão discada e banda estreita.
Do mesmo modo que o barateamento e digitalização das câmaras
fotográficas incentivaram a prática da fotografia, a redução ou elimina-
ção do custo de conexão à internet pode incentivar enormemente o seu
uso. Assim como o surgimento dos blogs, plataformas de gerenciamento
de conteúdos baseados em interfaces amigáveis e gratuitas, ampliou enor-
memente a escrita hipertextual e a produção de relatos e notícias na
internet. Além disso, é possível observar vários casos em que a gratuidade
ou baixo custo podem ampliar enormemente o uso das redes de comuni-
cação.

37
Sem dúvida, disso não se pode concluir que tudo aquilo que é
gratuito ou barato será bem sucedido. Quer dizer apenas que no Brasil
existe uma grande demanda reprimida pela comunicação em rede. A
concentração de renda, de um lado, e a pobreza da maioria da popula-
ção, de outro, constituem enormes entraves para a expansão da internet
e de seus serviços no país. Ao mesmo tempo, as comunidades e indiví-
duos mais pobres percebem a importância da internet. Diversos progra-
mas da TV aberta têm disseminado reportagens sobre os benefícios da
rede, o que elevou o interesse dos brasileiros pela comunicação mediada
por computador.
O potencial de conexão no país é bloqueado por fatores sociais e
econômicos. Em 2007, no Brasil, ainda havia cerca de 14,1 milhões de
analfabetos com idade igual ou superior a 15 anos. O índice de Gini,
que mede a concentração de renda, está em queda desde 2004 (0,547),
mas, em 2007, atingiu 0,528. O percentual de domicílios com algum
tipo de telefone chegou a 77%, enquanto 31,6% desses domicílios pos-
suíam somente os telefones celulares. A mesma pesquisa constatou que
88,1% tinham rádio, 94,5% possuíam televisão, 26,6% contavam com
microcomputador e somente 20,2% dos domicílios tinham acesso à
internet (IBGE, 2007). Segundo a pesquisa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) a população brasileira, em 2007, atingiu
189 milhões de habitantes. Estes dados comprovam as grandes
disparidades existentes no país. (IBGE, 2007)
É necessário ainda considerar que o custo de comunicação no Bra-
sil é um dos mais elevados do mundo. Segundo o levantamento realiza-
do pela Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomuni-
cações Competitivas (TelComp), o megabit, no Brasil, chegou a ser vendi-
do por R$ 716,50 por mês, em 2007. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
COMPETITIVAS, 2007) O megabit comercializado pela Tiscali Italiana
era equivalente a R$ 4,32 mensais. Na França, a Orange cobrava R$
5,02 e nos Estados Unidos da América, era possível pagar R$ 12,75.
Manaus, capital do Estado do Amazonas, tinha o custo da conexão ban-

38
da larga, em 2007, 395 vezes mais cara do que a cidade de Tóquio, no
Japão. (SOUSA; PINHEIRO; ATHAYDE, 2008, p. 28)
Nesse cenário, as redes Wi-Fi gratuitas, mantidas pelos municípi-
os, podem garantir um espaço de concorrência saudável com as redes de
conexão comerciais mantidas pelas operadoras de telefonia. A pressão da
rede gratuita, com tecnologia barata e sinal amplamente distribuído nas
cidades, pode melhorar a qualidade dos serviços pagos e gerar uma que-
da no preço da conectividade. Se a queda do preço dos computadores,
no Brasil, a partir do programa governamental PC Conectado, elevou
suas vendas (SANDRINI, 2007, p. 28), é possível concluir que a elimi-
nação ou redução do custo das telecomunicações no Brasil pode aumen-
tar enormemente o uso das redes.

NUVENS ABERTAS DE CONEXÃO


A seguir, analiso três municípios brasileiros que oferecem conexão
gratuita à internet para toda a sua população. São eles: Quissamã, no
estado do Rio de Janeiro; Sud Mennucci, no estado de São Paulo e Tapira,
no estado de Minas Gerais. Quissamã possui 17.376 habitantes distri-
buídos em uma área de 716 km². Sud Mennucci tem 7.714 habitantes
em uma área de 591 km². Por fim, Tapira alcançou 3.509 moradores e
1.184 km² de extensão.
Os três municípios conseguem atingir 100% de sua área com o
sinal wireless. Quissamã oferece velocidade de conexão de 128 kbps para
pessoas físicas e 256 kbps para empresas. Sud Mennucci assegura 256
kbps para os moradores, independente de seu estatuto jurídico. Tapira
garante conexão superior a 64 kbps para toda a população.
A Prefeitura de Sud Mennucci gastou para implantar o projeto
R$ 18.000,00 e depois R$ 70.000,00 para ampliar a velocidade, segu-
rança e estabilidade da rede wireless. Já a Prefeitura de Tapira gastou R$
5.000,00 com equipamentos e antenas para a infra-estrutura de cone-
xão. O custo de implantação e manutenção de Quissamã não foi divul-

39
gado. O custo mensal de conexão pago pela Prefeitura de Sud Mennucci
para a Operadora de Telecom é de R$ 5.800,00. Tapira paga R$ 7.900,00
mensais pelo sinal de internet.
Utilizando o mecanismo do Netcraft é possível identificar que o
portal municipal tanto de Quissamã como de Sud Mennucci utilizam
servidores Linux e web servers Apache. O software livre é utilizado na
rede desses municípios. Os telecentros - locais de acesso público à internet
a partir de computadores desktops disponíveis gratuitamente para a po-
pulação - em Quissamã também são mantidos pela Prefeitura Municipal
e utilizam GNU/Linux nos seus desktops.
Nos três municípios, após a implantação do acesso wireless gratui-
to, ocorreu a elevação rápida e expressiva do número de usuários da
internet. Tapira multiplicou por seis o número de residências conectadas
à internet, Quissamã multiplicou por 8 e Sud Mennucci multiplicou por
28, o que representa um crescimento surpreendente.

QUISSAMÃ SUD MENNUCCI TAPIRA

Ano de 2004 2003 2005


implantação

Penetração da
internet antes 200 residências 30 residências 50 residências*
da implantação

Penetração
da internet 1.600 residências 840 residências 300 residências
em 2008

Crescimento 8 vezes 28 vezes 6 vezes

Quadro 1: Aumento do número de residências com internet


Fonte: Edital de Cidades Digitais: contribuições estão sendo analisadas (2009) extraídos dos
relatos das Prefeituras no http://www.guiadascidadesdigitais.com.br
* Estimativa com base no número de computadores que existiam na cidade. Como havia
somente 50 computadores, no máximo 50 residências poderiam ter acesso à internet.
Provavelmente isto não ocorria.

40
A velocidade de crescimento do número de residências conectadas
nestes municípios é bem superior a obtida pelo mercado se observarmos
o crescimento ocorrido na média nacional de conexão, registrada na pes-
quisa promovida pelo Comitê Gestor da internet no Brasil. A proporção
de domicílios com acesso à internet no Brasil saltou de 14,49%, em
2006, para 17%, em 2007. Tapira, com a menor média observada entre
os três municípios aqui citados, em menos de três anos de acesso gratui-
to obteve um crescimento de 500%.
A formação de nuvens abertas de conexão no Brasil pode incenti-
var não somente a aquisição de computadores como também a
conectividade. A gratuidade da comunicação em rede para toda a popu-
lação pode ainda melhorar os usos educacionais e culturais, aprimorar
ainda mais os serviços de governo eletrônico, bem como ampliar a inser-
ção das comunidades locais no comércio eletrônico global. Na era
informacional, a comunicação deve ser pensada como direito e não so-
mente como negócio, ou seja, a gratuidade ajuda a consolidar a ideia da
comunicação como um direito humano essencial.

O POTENCIAL DO OPEN SPECTRUM


O modelo de regulamentação do uso do espectro eletromagnético
ganha importância cada vez maior devido ao processo de convergência
digital, e às inúmeras possibilidades da computação ubíqua e da expan-
são da comunicação móvel, principalmente se os municípios brasileiros
seguirem o exemplo das cidades de Quissamã, Sud Mennucci e Tapira e
passarem a implementar nuvens de conexão aberta à internet.
No Brasil, o espectro de radiofrequências está sob o controle do
Estado e só pode ser utilizado de acordo com o Plano de Atribuição,
Destinação e Distribuição de Faixas de Frequências no Brasil (PDFF). A
Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) foi incumbida de admi-
nistrar a utilização do espectro de radiofrequências, regulamentando e
fiscalizando o seu uso. Assim, cada faixa de radiofrequência foi definida

41
para uma determinada aplicação ou serviço, de acordo com o referido
plano. Ele foi recentemente alterado para incorporar a implantação da
TV Digital no Brasil.
No dia 29 de junho de 2006, o presidente do Brasil, Luiz Inácio
Lula da Silva, assinou o Decreto Nº 5.820 que definiu as regras de im-
plantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-
T) e da plataforma de transmissão e retransmissão de sinais de radiodi-
fusão de sons e imagens. O Decreto interfere na ocupação do espectro
radioelétrico brasileiro. O período de transição do sistema de transmis-
são analógica para o SBTVD-T será de dez anos, contados a partir da
publicação do Decreto. Durante este período de transição, ocorrerá a
veiculação simultânea da programação em tecnologia analógica e digi-
tal. Os canais utilizados para transmissão analógica serão devolvidos à
União após o prazo de transição. Estes canais são as faixas de freqüência
do espectro eletromagnético que vão de 54 a 88 MHz (canais de 2 a 6) e
de 174 a 216 MHz (canais 7 a 13).
Nos próximos anos, o país debaterá o que deverá ser feito com as
faixas de frequência que serão desocupadas quando se encerrarem as
transmissões analógicas da TV. Existe a possibilidade de que possam ter
um uso comum, ou seja, algumas entidades da sociedade civil defendem
que aquelas faixas sejam destinadas para o uso livre e comum. Esta rei-
vindicação é chamada de open spectrum.

O aparelho de transmissão digital controlado por


software pode escanear ou varrer o espectro em busca
da melhor frequência para o envio das ondas em de-
terminado momento. Do mesmo modo, os aparelhos
receptores digitais podem escanear constantemente
o espectro para sintonizar uma estação específica e
acompanhá-la, mesmo quando ela muda de
frequência. Assim, não é necessário tornar o espectro
uma propriedade privada de alguns. É possível
transformá-lo em um espaço comum. Uma via em

42
que muitos podem passar, ou seja, transmitir seus si-
nais, respeitando os padrões de interesse público.
(SILVEIRA, 2007, p. 50)

O argumento que justifica o controle estatal do espectro é que as


radiofrequências são um recurso escasso, limitado. Por isso, os Estados
majoritariamente utilizam o modelo de exploração baseado em conces-
sões e permissões cedidas ao setor privado, em geral, por meio de leilões.
Esse seria o melhor modo de impedir a caótica interferência no uso do
espectro. Assim, evitaria-se a denominada tragedy of commons, ou seja, o
uso ineficiente de um recurso causado pelo seu emprego excessivo e
descoordenado. Entretanto, diversos pesquisadores consideram que o
controle estatal ocorreu por outras razões. “Gestores políticos na déca-
da de 1920 não direcionavam o interesse público para a alocação do
espectro de rádio através da ideia de caos das ondas aéreas. O que acon-
tecia era justamente o oposto; o caos era estrategicamente utilizado para
obter alocação do interesse público.”72 (HAZLETT, 2001, p. 95)
As tecnologias digitais possibilitam o uso mais inteligente e efici-
ente do espectro, neutralizando os possíveis ruídos e interferências. Trans-
missores e receptores digitais, software-defined radio, smart radio, podem
superar as restrições e interferências do mundo analógico. Existem vári-
as tecnologias de uso simultâneo de uma mesma radiofrequência por
diversos usuários. Por exemplo, até a tecnologia Code Division Multiple
Access (CDMA) já permitia que diversos celulares transmitissem ao
mesmo tempo na mesma freqüência sem interferência entre eles, pois
seus sinais são separados por códigos.

Atualmente, a capacidade do sistema de transmitir


informações úteis aumenta. O mesmo espectro pode
realizar mais comunicações. A inteligência dos dispo-

72
“Policy makers in the 1920s were not driven to public interest allocation of radio spectrum
by airwave chaos. Just the opposite; chaos was strategically used to procure public interest
allocation.” (Tradução o editor)

43
sitivos está substituindo a capacidade de força bruta
existente entre eles. Imagine como seriam as auto-
estradas se os carros não pudessem ser manobrados
rapidamente para evitar colisões e desacelerações. Te-
riam que haver grandes pára-choques entre cada veí-
culo para prevenir acidentes, […] precisamente o que
existe no espectro hoje.73 (WERBACH, 2003, p. 19,
tradução do editor)

Os canais utilizados para transmissão analógica da TV brasileira


serão devolvidos à União e podem ser colocados à disposição de toda a
sociedade para transmissões digitais. Estes canais, faixas de frequência
de excelente qualidade, podem tornar-se uma grande via comum para as
comunidades, municípios e os diferentes agrupamentos garantirem a
diversidade cultural e o efetivo direito à comunicação, a partir do acesso
direto ao espectro radioelétrico.

CONCLUSÃO
Existem três tipos puros de uso do espectro radioelétrico: as con-
cessões estatais; a privatização com a formação de mercados secundários
de espectro e o open spectrum ou commons. O modelo de concessões estatais
é o que foi descrito anteriormente. O modelo de privatização do espec-
tro pretende tratá-lo como um bem privado qualquer. Desse modo, as
faixas de frequência seriam vendidas pelo Estado a agentes privados que
poderiam usá-las da forma mais rentável possível, inclusive vendendo-as
ou alugando-as em um mercado secundário. O terceiro modelo é o base-
ado nos commons. O que ele quer chama-se espectro aberto por garantir

73
“Nowadays, ‘the capacity of the system to transmit useful information increases. The same
spectrum can hold more communications. The intelligence of devices is substituting for brute-
force capacity between them. Imagine what highways would be like if cars couldn’t be steered
quickly to avoid collisions and slowdowns. There would have to be huge buffers between each
vehicle to prevent accidents [...] precisely what exists in the spectrum today“.

44
que todos possam usar as frequências como vias públicas. Caberia ao
Estado definir regras de ordem técnica para assegurar o uso comum das
frequências, tais como limites de potência, homologação de equipamen-
tos, orientação para o melhor uso de protocolos de comunicação em
determinadas bandas. Tal como em uma avenida, o Estado permite que
todos os cidadãos possam por ela transitar desde que respeitando as
regras de trânsito.
O modelo atual é pouco eficiente e gera um poder demasiado para
os controladores da infraestrutura de telecomunicações, ou seja, para
aqueles que detêm o direito do uso exclusivo de faixas do espectro. O
modelo aqui denominado de privatização do espectro agrava os proble-
mas de ineficiência e concentração de poder em poucas mãos.

A escolha entre proprietários e redes de dados sem fio


baseadas no compartilhamento, ganha um novo sig-
nificado diante da estrutura de mercado das redes com
fio e o poder por ela fornecido aos donos de redes ban-
da-larga para controlar o fluxo de informação na gran-
de maioria dos lares. Sistemas sem fio baseados no
compartilhamento se tornam a forma legal primária
da capacidade de comunicação que não submete sis-
tematicamente seus usuários à manipulação por um
proprietário da infraestrutura74. (BENKLER, 2006,
p. 154, tradução do editor)

O modelo baseado nos commons é tecnicamente viável e pode am-


pliar a diversidade cultural. Pode ainda reduzir os custos da comunica-
ção, incentivar a produção local e a descoberta de novos usos e o desen-

74
The choice between proprietary and commons-based wireless data networks takes on new
significance in light of the market structure of the wired network, and the power it gives
owners of broadband networks to control the information flow into the vast majority of homes.
Commons-based wireless systems become the primary legal form of communications capacity
that does not systematically subject its users to manipulation by an infrastructure owner.

45
volvimento de interfaces de comunicação wireless. Permitirá que dentro
de uma localidade seja formada com muito mais eficiência redes mesh e
grande nuvens de conexão aberta, o que viabilizará a telefonia móvel
gratuita entre os habitantes daquelas localidades. A fusão da voz sobre
IP (VoIP) com o sinal aberto nas melhores faixas de propagação do es-
pectro pode incentivar a comunicação e a produção cultural e econômi-
ca local. Esta hipótese é reforçada pelo impacto que a comunicação wireless
gratuita causou nos três municípios aqui analisados. Kevin Werbach
alertou:

Melhorar bandas não-licenciadas já existentes não é


suficiente. A maioria é tão estreita e congestionada
que sua utilidade para o espectro aberto é limitada.
Além disso, a alta frequência das mais proeminentes
bandas não-licenciadas limita a propagação do sinal.
Espectros de baixa frequência que penetram através
de variações climáticas, coberturas arbóreas e muros,
iriam prover vantagens significantes a serviços como
a conectividade em banda-larga de última milha.75
(WERBACH, 2002, p. 16, tradução do editor)

Nesse sentido, o Brasil pode dar um salto no uso do espectro. Boa


parte das melhores frequências do espectro será devolvida ao Estado
quando as transmissões analógicas da TV forem encerradas. Cabe aos
pesquisadores da comunicação mostrar à sociedade brasileira as possibi-
lidades de transformar estas faixas do espectro em uma grande via pú-
blica, em um espaço aberto. Isto poderá ampliar o potencial criativo
comunicacional, tecnológico e cultural da sociedade brasileira.

75
Improving existing unlicensed bands isn’t enough. Most are so narrow and congested that
their utility for open spectrum is limited. Furthermore, the high frequency of the most prominent
unlicensed bands limits signal propagation. Lower-frequency spectrum that penetrates weather,
tree cover, and walls would provide significant advantages for services such as last-mile broadband
connectivity.

46
REFERÊNCIAS
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DE TELECOMUNICAÇÕES COMPETITIVAS. Procedimentos
administrativos, 2007. Disponível em: <http://www.telcomp.org.br/
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BENKLER, Y. The wealth of networks: how social production transforms
markets and freedom, 2006. Disponível em: <http://www.benkler.org/
wealth_of_networks/index.php?title=Download_PDFs_of_the_
book>. Acesso em: 27 jul. 2009.
BRASIL. Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006. Dispõe sobre a
implantação do SBTVD-T, estabelece diretrizes para a transição do
sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digital
do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de
retransmissão de televisão, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decre-
to/D5820.htm>. Acesso em: 27 jul. 2009.
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso
das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e
TIC Empresas 2006. São Paulo: Centro de Estudos sobre as Tecnologias
da Informação e da Comunicação - CETIC.br, 2007. Disponível em:
<http://www.cetic.br>. Acesso em: 27 jul. 2009.
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso
das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e
TIC Empresas 2007. 2. ed. São Paulo: Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação - CETIC.br, 2008.
Disponível em: <http://www.cetic.br>. Acesso em: 27 jul. 2009.
EDITAL de Cidades Digitais: contribuições estão sendo analisadas.
Disponível em: <http://www.guiadascidadesdigitais.com.br/site/
pagina/edital-de-cidades-digitais-contribuies-esto-sendo-analisadas>.
Acesso em: 20 out. 2009.
HAZLETT, T. The wireless craze: the unlimited bandwidth myth, the
spectrum auction faux pas, and the punchline to Ronald Coase’s ‘big

47
joke’: an essay on airwave allocation policy. Law & Tech, Havard, v. 14,
n. 2, p. 335-545, 2001.
IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios. Rio de Janeiro, 2007.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
trabalhoerendimento/pnad2007/graficos_pdf.pdf>. Acesso em: 20
out. 2009.
SANDRINI, J. Venda de PCs encosta na de TVs já neste ano. Folha
Online, 3 fev. 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/dinheiro/ult91u114234.shtml>. Acesso em: 27 jul. 2009.
SILVEIRA, S. A. Redes virais e espectro aberto: descentralização e
desconcentração do poder comunicacional. In: SILVEIRA, S. A. (Org.).
Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e
as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Perseu Abramo, 2007.
SOUZA, A. P.; PINHEIRO, D.; ATHAYDE, P. O Brasil cai na rede.
Carta Capital, n. 508, ago. 2008. Coluna Sociedade.
WERBACH, K. Open spectrum: the new wireless paradigm. Spectrum
Series Working Paper, n. 6, oct. 2002. Disponível em: <http://
werbach.com/docs/new_wireless_paradigm.htm>. Acesso em: 27 jul.
2009.
______. Radio revolution: the coming age of unlicensed wireless,
2003. Disponível em: <http://werbach.com/docs/
RadioRevolution.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2009.

SÍTIOS CONSULTADOS
ANATEL. http://www.anatel.gov.br/
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. http://
www.cg.org.br/
GUIA DAS CIDADES DIGITAIS. http://
www.guiadascidadesdigitais.com.br/site/

48
QUISSAMÃ. http://www.quissama.rj.gov.br/
SUD MENNUCCI. http://www.sudmennucci.sp.gov.br/
TAPIRA. http://www.tapira.mg.gov.br/

49
IDENTIDADE, VALOR E MOBILIDADE:
por uma iconomia dos motoboys em São Paulo
Gilson Schwartz

O homem nasce livre e em toda parte ele é


acorrentado. Muitas vezes um homem acredita ser o
mestre de outros, o que o torna nada mais que um
escravo. Como esta mudança ocorreu? Eu não sei.
Como posso legitimá-la? Para esta questão eu espero
conseguir dar uma resposta.
Rousseau , O Contrato social

TECNOLOGIA, SEMIÓTICA E CÓDIGO: o valor dos


ícones
Somente 2,6% da população tem o hábito de navegar na internet
brasileira, comparados a 15,6% nos EUA. O Brasil possui menos de um
quarto da intensidade do fenômeno de web mobile em relação a socieda-
des mais desenvolvidas. Entretanto, a penetração do telefone móvel é
elevada, com 140 milhões de telefones e variada gama de serviços por
toda a extensão continental do Brasil. O acesso à internet cresceu com
lan houses e as condições de custo e crédito para bens de informática
melhoraram.

51
No entanto, permanece a dúvida: toda esta inclusão digital (em
especial para as chamadas classes C, D e E) representa emancipação ou
nova escravidão?
O impacto social e econômico do celular é condicionado e estimu-
lado por todas as mudanças simultâneas em outros canais de comunica-
ção (rádio, TV, imprensa, cinema, Web 2.0) em um sistema do mercado
que se move rápido do industrial para redes de serviços. Os níveis eleva-
dos das tarifas de telecomunicações no Brasil, no entanto, contribuem
para que os padrões de desigualdade de renda sejam reproduzidos, se-
não agravados, pela modalidade concentradora de inclusão digital e
midiática no país.
Na economia do audiovisual digital, nem oferta e demanda, nem
emissão e recepção bastam como categorias bipolares para apreender
fenômenos triádicos da informação e da comunicação – definitivamente,
o espaço-tempo foi alterado e é cada vez mais plasmado pelos ícones
digitais que configuram uma autêntica “iconomia”.
No capitalismo cognitivo ou “do conhecimento”, as redes são
tecnológicas e sua apropriação depende da habilidade para formar
metaredes para a gestão das mídias audiovisuais que configuram e ex-
ploram ícones típicos do hibridismo entre mundos virtuais e reais.
Plataformas tecnológicas e modelos de negócios orbitam em tor-
no de inteligências semióticas que suspendem recorrentemente as hie-
rarquias e recriam gradientes de informação imperfeita, assimetrias de
atenção e enquadramentos do gozo. Ou seja, o dinamismo da “iconomia”
depende da introdução sistemática de inovações e desequilíbrios
tecnológicos nas interfaces entre seres humanos, máquinas e meio-am-
biente.
A acumulação de ativos (e passivos) intangíveis por corporações e
Estados, assim como as novas estruturas e ideologias da governança e da
esfera pública relacionadas à promoção do conhecimento e da cultura
repousam todas sobre uma energia instável e se abrem a uma incerteza
estrutural que resulta da própria imaterialidade da informação. Essa eco-

52
nomia da informação constitui mercados em que as assimetrias são or-
ganizadas por meio de ícones e essa superestrutura icônica é tão volátil
quanto às estruturas supostamente mais estáveis reguladas pelo Estado
ou as aparentemente livres como nos mercados autorregulados do siste-
ma financeiro e da mídia.
A crise global mais recente reforça essa incerteza estrutural do
novo capitalismo e desafia tanto teóricos quanto pesquisadores empíricos.
Pode ser também a crise final da transição entre a economia industrial e
as redes de serviços que definem as fronteiras de acumulação material e
imaterial de uma “iconomia”, justificando a definição de um programa
de pesquisas cujo foco está em decifrar o valor de ativos e mercados que
se criam, reproduzem e destroem a partir ou animados por fluxos comu-
nicativos.
A busca de uma nova teoria do valor da comunicação e da infor-
mação é o horizonte no qual se enquadram temas como a “virada icônica”
(depois do linguistic turn, um iconic turn ou Ikonische Wende) nas ciências
sociais. As inovações que caracterizam a evolução da internet, gerando
tanto prodígios de P&D (como o projeto genoma, os grids computacionais
e as “nuvens” digitais) quanto grandes blockbusters no mercado de interfaces
mediais (como My Space, Orkut, Napster, Bit Torrent, Second Life, Twitter ou
i-Tunes).
Mais que a expansão do potencial da criação de mercados e de
riqueza das tecnologias de informação e comunicação (TIC), os modos
de marcação (midiática) a mercado do conhecimento escondem a chave
de leitura numa perspectiva iconômica.
Uma percepção mais fina da criação e da distribuição de valor
na sociedade em rede requer atenção ao ícone enquanto ativo em rede
que sustenta a inovação na gestão da identidade e da riqueza ampa-
rada em infraestruturas digitais de produção, distribuição e financi-
amento. É um cenário complexo cuja compreensão requer conheci-
mentos da engenharia, da economia e dos negócios, da semiótica e
da midialogia.

53
Nessa nova “iconomia”, apenas parcial e aparentemente horizon-
tal e aberta, os novos excluídos passam a enfrentar mais uma barreira à
entrada que vai além do acesso ou do uso competente da tecnologia em
si mesma: o valor depende do potencial icônico apropriado com maior
ou menor competência pelos grupos de usuários criativos das e-
infraestruturas.

MOBILIDADE COMO ÍCONE


No caso específico do segmento do motofrete (que emprega os
motoboys), vive-se num estado de fluxo em que serviços absolutamente
essenciais para milhões de pessoas desempenham na vida urbana um
papel análogo ao da circulação sanguínea na sustentação da vida indivi-
dual.
No entanto, os próprios motoboys transformaram-se num ícone que
funciona como objeto de ódio e causador de desordem, morte e fatalida-
de (acidentes são frequentes, com mais de uma vitima por dia nas ruas
de São Paulo). São referidos como expressões do mal, do feio e do pobre,
do desqualificado e do infrator.
O fato, dada a superpopulação dos espaços urbanos, é que a
mobilidade física (e a falta dela) transforma-se em vantagem compe-
titiva, ou seja, plataforma de negócios para inúmeras redes de servi-
ços. As assimetrias tecnológicas do transporte e da comunicação tor-
nam-se mutuamente funcionais, gerando valor pela exploração do
tráfego sobrecarregado e da má qualidade de vida em megacidades
pós-industriais.
Inserido numa camada social que se aproxima da grande massa
das classes C, D e E, o motoboy é saudado como fonte de mobilidade e
como um empecilho à própria mobilidade e ao comportamento civiliza-
do em nossas superpopulosas cidades. Uma descrição interessante do
fenômeno motoboy em sua relação paradoxal com a sociedade a que
serve foi publicada no New York Times por Larry Rohter, com título que

54
resume bem a imagem do motoboy (Pedestrians and Drivers Beware! Motoboys
Are in a Hurry):

Em uma cidade com quase 11 milhões de habitantes


e 4.5 milhões de carros, 32 mil táxis e congestiona-
mentos de tráfego com mais de 100 quilômetros, não
raro cruzar a cidade pode demorar mais de duas ho-
ras. Somente um grupo na maior cidade da América
do Sul parece imune a tais frustrações e atrasos: o exér-
cito audaz dos mensageiros da motocicleta conheci-
dos como ‘motoboys’. Esta vantagem comparativa,
entretanto, vem com um custo, porque incansáveis
velocistas, zigue-zagueando entre os carros parados,
ignorando a sinalização das vias, eles ameaçam regu-
larmente pedestres, enfurecem motoristas enquanto
zumbem entre faixas nas ruas e estradas. (ROHTER,
2004)

Rohter adicionou mais comentários reveladores:

[…] muitos motoboys, especialmente mais novos,


veem-se como os espíritos livres ou cowboys urba-
nos, desafiando as convenções da sociedade e inveja-
dos pelos assalariados padrão metidos em carros e es-
critórios. […] Todos odeiam os motoboys exceto
quando necessitam um eles mesmos, disse Caíto Ortiz,
diretor de ‘Motoboys: Vida louca’, um documentário
recentemente premiado. (ROHTER, 2004)

Em suma, a mobilidade é um ícone da pós-modernidade e uma


vantagem individualmente batalhada pelos indivíduos competidores em
espaços urbanos, uma rede viva de agentes móveis é afinal necessária,
ainda que paradoxalmente ao mesmo tempo descartável e mórbida, emer-
gem matizes de uma “luta de classes” entre aqueles que podem se mo-
ver, os motoboys, e aqueles que são mais pegajosos, lentos ou regulados,

55
os motoristas de carros e outros veículos e, finalmente, até os pedestres
(há roubos frequentes de pedestres por indivíduos atuando em duplas
sobre motocicletas). Radicaliza-se a oposição entre a estrutura de um
mundo sticky (pegajoso) e as redes flexíveis, os espaços modulares, os
fluxos imateriais, as ondas virais, “meme-rizáveis” e contagiosas. (Cf.
JENKINS, 2009)
A importância da mobilidade como um recurso estratégico vital
nas sociedades constituídas “por projetos” foi discutida exemplarmente
por Boltanski e por Chiapello (1999):

Em um mundo reticular, o projeto é a ocasião e a ra-


zão para a conexão […] Os projetos fazem a produ-
ção e a acumulação possível em um mundo que, fos-
sem puramente conectivo, conteria simplesmente os
fluxos, nada poderia ser estabilizado, acumulado ou
cristalizado.

Enquanto um trabalhador contribui sem ter acesso aos frutos da


acumulação de capital no modo de produção industrial, o motoboy é um
agente dos fluxos e contribui ao processo de reprodução capitalista em
rede nas megacidades, está sempre no lado “do córrego infinito de asso-
ciações efêmeras”, enquanto os clientes, os empreendedores e as autori-
dades que regulam o trânsito do motofrete dedicam-se a sugar seus
benefícios e a gozar os frutos acumulados fora do fluxo (a pizza na mesa,
o pagamento no banco, a droga em casa).

MOTOANJOS: nascimento de um ícone


O Canal Motoboy foi lançado em maio de 2007 como um projeto
de arte pública por Antoni Abad, um artista espanhol que utiliza a
tecnologia digital na arte do vídeo e da instalação e trabalha em diversos
países com grupos discriminados tais como imigrantes, indivíduos com
necessidades especiais, prostitutas, ciganos, taxistas e motoboys. De acor-

56
do com Osava (2008), Abad persuadiu inicialmente 12 motoboys para
gravar sua vida diária usando as câmeras dos seus celulares.
Os acidentes, os crimes, a poluição da água, os congestionamen-
tos, arte da rua (como o grafitti) e outros eventos compõem um diário
visual cujas fotos, vídeos ou textos curtos são imediatamente lançados
no site do Canal Motoboy. O primeiro líder do grupo, Eliezer Muniz, um
motoboy graduado em Filosofia na Universidade de São Paulo, criou um
grupo de estudo e passou a promover eventos em favor da identidade e
da cultura dos motoboys.
O sonho de Muniz era o de viabilizar “10 mil motoboys” relatando
através de SMS, fotos e vídeos de todo o país, criando uma agência de
notícias que ofereceria um diferencial, um ponto de vista mais democrá-
tico da vida urbana. A revolução cultural dos motoboys (The Motoboys’ Cultu-
ral Revolution) foi a manchete da edição do Le Monde Diplomatique de
maio de 2008 sobre um evento cultural promovido pelo “Canal
Motoboy”.
No encerramento do projeto de Abad, fui convidado a participar
de um debate sobre os efeitos da inclusão digital dos motoboys por meio
de celulares. Sem emitir juízo sobre o projeto artístico em si, o fato é que
minha própria agenda de pesquisa sobre tecnologia e cidade ganhou
uma nova inquietação diante do desafio não apenas de “usar” a cultura
motoboy como um ingrediente numa performance (no lugar da tinta no
pincel, a imagem captada por um motoboy fica registrada no site, no livro
ou no manifesto artístico), como um sujeito/objeto passivo, mas de con-
vidar os motoboys a de fato se posicionarem como sujeitos, colocando-os
na condição de criadores de ícones e empreendedores de projetos
emancipatórios.
Da arte à ciência social, surgiu assim uma nova agenda de pesqui-
sa, desenvolvimento e inovação para a “Cidade do Conhecimento”, pos-
sível na medida em que se possa inquirir sobre o que resultaria dos
fluxos de motoboys se eles próprios se apropriassem (por exemplo, pelo
uso dos celulares) dos potenciais de valor gerados pelas assimetrias icônicas

57
urbanas em que navegam e a partir das quais são explorados cotidiana-
mente.
Tal agenda seria experimentalmente executada por meio de uma
rede de projetos de motoboys (e motogirls) interessados em constituir uma
nova identidade, fazendo da mesma cidade que os ameaça um espaço de
ampliação de sua cidadania, um espaço de fluxos, mas também de medi-
ações culturais dialógicas aptas para a produção colaborativa de conhe-
cimento, renda e transformação da própria cidade que os engole.
Essa “mobilização” de motoboys para o protagonismo como media-
dores de um ideal de humanismo, educação e sustentabilidade urbana,
em que o móvel descartável assume a condição de montador criativo de
um ator-rede numa pesquisa-ação que contribui para uma cidade sus-
tentável culminou em 2008 com a criação do projeto MotoAnjos na USP.
Passar da condição de “boy” para “anjo” significa reconhecer que
motoboys (e motogirls) têm aspirações, querem mover-se para o alto e não
apenas para a frente ou em frente nos corredores por onde se esgueiram,
pois desenham e implementam seus próprios projetos e trilhas de infor-
mação, acumulação de benefícios e resignificação da identidade enquan-
to suportam cotidianamente um status descartável no jogo dos fluxos
urbanos de São Paulo.
Essa agenda de “pesquisa-programa-ação” na Cidade do Conheci-
mento avançou com base em etnografia contratada numa pesquisa coor-
denada por Manuel Castells para a Fundación Telefônica em 2008-2009,
a ponto de reunir um grupo de motoboys ao longo do segundo semestre
de 2008 para focus groups e oficinas de empreendedorismo no programa
Gestão de Mídias Audiovisuais para o Desenvolvimento Local (GeMA), com
apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP (www.cidade.usp.br/
gema). Originalmente, essa pesquisa previa um experimento
econométrico sobre o perfil de uso de celulares pelos motoboys que, por
razões de ordem logística, infelizmente acabou não ocorrendo.
Luiz Fernando Bicchioni, motoboy autônomo que participou da cri-
ação do Canal Motoboy e depois atuou como diretor cultural do

58
SINDIMOTO (sindicato de motofretistas de São Paulo), assumiu a lide-
rança de uma coalizão temática no programa GeMA da USP e, a partir
dessa mobilização criativa, tornou-se co-autor da marca e do conceito
de MotoAnjo.
Na sua essência, trata-se do reconhecimento da possibilidade de
integrar os componentes simbólicos (a imagem do motoboy, a foto por ele
captada) e técnico (o celular, a moto) numa engenharia de produção de
conhecimento que esteja associada a modelos inovadores de apropriação
social de tecnologia e geração de renda em serviços inovadores e criati-
vos. Ao gerar valor para uma imagem e para um processo coletivo de
produção e gestão de imagens, o MotoAnjo poderia ordenar processos
comunicativos de criação de mercados ou inclusão em mercados exis-
tentes.

DESENVOLVIMENTO LOCAL E EMANCIPAÇÃO


DIGITAL NA BASE DA PIRÂMIDE
O microcrédito a pessoas de baixa renda, com protagonismo local
das mulheres, tem sido uma das fronteiras do desenvolvimento humano
em que o potencial de aplicação das novas mídias digitais aos poucos se
transforma em novos modelos de geração de emprego, renda e oportu-
nidades.
A prática ganhou notoriedade com Muhammad Yunus, o chama-
do “banqueiro dos pobres”, que fundou o Banco Grameen, no
Bangladesh, associado também à apropriação das tecnologias de comu-
nicação móveis (celulares) como mídia para suporte ao microcrédito (lo-
cal e global).
Ou seja, há uma clara e estratégica conexão entre microcrédito,
geração de renda e apropriação local das novas tecnologias de telecomu-
nicações e computação, num modelo inovador de desenvolvimento hu-
mano que resumimos na tríade “desenvolvimento local para a emanci-
pação digital na base da pirâmide”. As redes digitais abrem inúmeras

59
oportunidades de integração do local simultaneamente à participação
em mercados de conteúdo digital que já operam em escala global, a
exemplo de portais como Google, YouTube e tantos outros.
O projeto MotoAnjos enquadra-se na metodologia de pesquisa-pro-
grama-ação desenvolvida pelo grupo de pesquisa “Cidade do conheci-
mento”: trata-se de um ícone a ser criado e alimentado digitalmente, a
serviço de uma reinvenção dos serviços móveis em conglomerados urba-
nos ultraconcentrados, como a Grande São Paulo. O ícone “MotoAnjos”
certificará profissionais, por meio de cursos de extensão, eventos, pro-
dutos, serviços e atividades online, assim como outras iniciativas criadas
e implementadas por profissionais qualificados para a gestão de redes
audiovisuais de sustentabilidade para projetos locais de desenvolvimen-
to de aplicativos para mídia móvel. Mistura de “curso”, “incubadora” e
“movimento social”, as atividades certificadas pelo ícone “MotoAnjos”
terão o foco voltado para a emancipação social e cultural de setores eco-
nômicos da “base da pirâmide”, nas megaperiferias das grandes cidades
no cinturão em torno de São Paulo.
Essa certificação poderá alcançar outras cidades, conglomerados e
redes associadas, por meio de parcerias, contratos e convênios. Trata-se
de articular uma plataforma sociotécnica cuja lógica econômica tem por
referência a realidade desse mercado global, denominado “base da pirâ-
mide”, geralmente desprezado pelas empresas, onde 4 bilhões de pesso-
as ganham até US$ 4 por dia. Casos de sucesso e empreendedorismo na
base da pirâmide multiplicaram-se nos últimos anos e o desenvolvimen-
to das redes telemáticas (telecomunicações, computação e automação)
permite graus cada vez maiores de disseminação e localização de
microtransações locais, revelando um potencial considerável de geração
de renda, especialmente num momento de crise global em que as gran-
des empresas contribuem de forma massiva para o aumento do desem-
prego estrutural, de dificílima reversão a médio prazo.
Motoboys e ambulantes, na Grande São Paulo, constituem um
contigente expressivo de indivíduos e famílias, com grau relativamen-

60
te limitado de acesso a tecnologias de informação e comunicação, cujas
atividades têm elevadíssimo impacto na qualidade de vida da metró-
pole.
A qualificação para o uso de mídias digitais móveis tem como
finalidade revelar o potencial de novos produtos, negócios e serviços de
qualidade no segmento de motofrete urbano, modificando a imagem e a
identidade dos profissionais do setor e efetivamente ampliando o seu
potencial de contribuição individual e coletiva para o desenvolvimento
humano sustentável, com valorização da vida, do conhecimento e da
diversidade.
O economista indiano, formado nos Estados Unidos, C.K. Prahalad
notabilizou-se por superar a clássica visão que coloca os desprovidos na
condição de “tutelados pelo Estado” - o autor prefere a defesa do “capi-
talismo inclusivo”, com foco nos mercados na base da pirâmide.
Não basta copiar as estratégias de gestão, produção e marketing
que dão certo nos países desenvolvidos ou nas grandes empresas. É
necessário recriar essas soluções e inventar outras, permitindo que a
própria população de baixa renda encontre o caminho de sua emanci-
pação por meio da apropriação de tecnologias de informação e comu-
nicação, com foco na valorização do conhecimento, da sustentabilidade
e da cidadania.
O papel das mídias digitais nesse contexto, em especial dos tele-
fones celulares, é cada vez mais evidente: “Vejamos os setores que cres-
cem com velocidade, como o de telefones celulares”, disse o economista
Prahalad à revista Across the Board – traduzida em HSM Management, 53,
novembro-dezembro, 2005.

Na China existem 300 milhões de aparelhos, e pou-


cos pertencem aos chineses ricos. Não estou dizendo
para não atuar no mercado norte-americano, mas sim
para não deixar escapar as maiores oportunidades de
crescimento. (PRAHALAD, 2005)

61
O que costuma faltar é uma inovação fundamental para transfor-
mar a solução local em um produto viável e em um sistema de distribui-
ção capaz de colocá-lo em toda parte – mas os custos dessa distribuição
caem com a inclusão digital.
Há inúmeros exemplos, na Ásia e na América Latina, de
empreendedorismo na base da pirâmide, até mesmo em benefício de
grandes empresas, como a mexicana CEMEX, terceira maior empresa
do mundo na área de fabricação de insumos para construção civil. Ao
parar de vender apenas cimento e passar a realizar o sonho da casa pró-
pria para pessoas pobres, essa empresa começou a faturar muito mais.
A partir de uma negociação com seu freguês, estabelecia-se que
este deveria fazer a poupança mensal de certa quantia, que seria
monitorada, e após ter economizado 50% do valor do novo cômodo
completo (e não só da argamassa), este seria construído pelo próprio
comprador, a partir de cursos e acompanhamentos que lhe seriam ofere-
cidos, evitando o desperdício de material, que antes era guardado até a
compra de toda a matéria-prima. Ou seja, o potencial de organização e
atendimento a amplas camadas de baixa renda na população abre opor-
tunidades também para parcerias com grandes empresas, contribuindo
para a sustentabilidade de setores cujas escalas mínimas são colossais
(caso do cimento).
O importante a captar nesse exemplo é a lógica em que o micro e
o macro, o local e o global, a baixa renda e a sustentabilidade das estru-
turas de mercado mais complexas se complementam por meio de redes
de informação, comunicação e organização. O microcrédito, os
micropagamentos e outras formas de geração de informação e renda
mediada por plataformas móveis e locativas são espaços naturais para a
incubação de empreendimentos populares e locais de alta tecnologia.
O projeto MotoAnjos propõe-se a funcionar como o marco
regulatório para a governança de uma rede de entidades colaborando
por meio do ensino, da pesquisa, da extensão e da produção cultural, em
empresas, instituições públicas, instituições de ensino, organizações do

62
terceiro setor e também cidadãos comprometidos com a melhoria sus-
tentável das condições de mobilidade física, informacional e social na era
do conhecimento global.

MERCADO AUDIOVISUAL: inclusão e dinamismo na


“base da pirâmide”
Prahalad afirma que a base da pirâmide é fonte de inspiração para
novas estratégias e pode ser geradora de capital para si e para as empre-
sas que a valorizam. No cinema brasileiro atual, vemos que essas prerro-
gativas têm influenciado a produção de filmes. Na chamada Retomada,
os seguintes filmes nacionais fizeram maior sucesso de público: Carandiru,
Cidade de Deus, Dois filhos de Francisco e Se eu fosse você (1 e 2). Percebemos
que os dois primeiros se apropriaram da base da pirâmide, em termos de
temática, ao passo que os demais ancoraram sua abordagem na mídia de
massa, popular nessa Base: cantores sertanejos, atores conhecidos (a au-
diência de baixa renda valoriza tanto marcas quanto atores famosos no
sistema de astros brasileiros e mundiais). O mesmo é visível na estética
televisiva e na teledramaturgia.
Muitas dessas obras têm algo em comum, estão associadas a um
conglomerado de mídia, a Rede Globo de Televisão, empresa-líder no
país que mantém um padrão de linguagem que vem garantindo a adesão
do público, especialmente camadas de escolaridade mais baixa, à sua
programação. As novas mídias podem servir de espaço de inovação para
outras cadeias de valor junto ao mesmo segmento, porém de forma mui-
to mais descentralizada e com outras demandas de broadcasting, plena-
mente funcionais sobre a infraestrutura de telecomunicações móveis,
especialmente a partir da introdução da banda larga móvel (3G).
Ao combinar pesquisa, ensino, extensão e produção cultural nas
dimensões da infra-estrutura, das plataformas de software, dos progra-
mas e aplicativos, assim como qualificação em escala-piloto de uma pri-
meira turma de MotoAnjos, o ícone refletirá a agenda, as iniciativas e os

63
resultados que a comunidade de prática de base tiver capacidade de
implementar em rede. Além de serviços de produção e distribuição de
conteúdo audiovisual, outros empreendimentos serão incubados por meio
de projetos, que integrarão o Banco de Projetos certificados.

MOTOBOYS: tecnologia, semiótica, valor


O uso do celular por parte dos profissionais motociclistas (motoboys,
moto-fretes, mensageiros, mototaxistas, deliveries, couriers etc.) tem-se
apresentado como um amplo campo de estudos nas mais diversas áreas
de pesquisas, ao verificarmos como tal ferramenta, em seu meio, tem
ajudado na criação não apenas de estratégias de locomoção e soluções de
problemas em seu cotidiano, mas também, aliada à internet, ganha ou-
tro status e abre possibilidades de apropriação desta tecnologia para o
empreendedorismo: novos serviços, negócios e produtos.
Boa parte do raciocínio desenvolvido para motoboys pode ser apli-
cado também aos protagonistas do comércio ambulante, outra atividade
urbana de alto impacto social, aglutinando indivíduos de baixa renda,
alta mobilidade e baixa escolaridade.
O número de serviços oferecidos pelas operadoras de telefonia
móvel hoje é tão reduzido e caro que não podemos dizer que estes pro-
fissionais se diferenciariam muito do espectro geral dos clientes consu-
midores (majoritariamente em planos “pré-pagos”).
Caberá, no programa MotoAnjos, ampliar a gama de tecnologias e
modelos de negócios que será criada ou adotada por estes profissionais
na mobilidade (motociclistas e ambulantes). A densidade ainda baixa
dos aplicativos em celulares para suporte e monitoramento de negócios
móveis deve-se também à recente (e incompleta) regulação do setor de
telefonia móvel no país, aos custos elevados dos serviços e à falta de
conhecimento sobre tecnologias inovadoras de baixo custo já disponí-
veis tanto para celulares quanto para internet e microcrédito.

64
A categoria dos “Profissionais Motociclistas” (vulgarmente conhe-
cidos como motoboys, com uma minoria de motogirls) é formada basica-
mente por jovens moradores de periferia, proprietários de motocicletas
de baixa cilindrada e que atuam em tarefas antes realizadas por office-
boys. A vertiginosa expansão desse contingente, entre contratados for-
malmente e uma ampla massa de informais, reflete o crescimento
desordenado da metrópole e as insuficiências da regulação em áreas como
transporte público, empreendedorismo e educação popular.
O objetivo do programa MotoAnjos é abrir oportunidades de gera-
ção de renda, reconstrução da identidade (pessoal e profissional) e acesso
a conhecimento para profissionais envolvidos em vários elos da cadeia
do motofrete e do comércio ambulante na Grande São Paulo, não apenas
na ponta dos prestadores finais de serviços (motoboys e ambulantes) mas
também em outras camadas envolvidas nessas cadeias de produção e
prestação de serviços (empresas de agenciamento, cooperativas, forne-
cedores, clientes, competidores, motoristas e transeuntes).
A inclusão digital de motofretistas e ambulantes abrirá ainda no-
vos canais de formalização de relações trabalhistas, monitoramento para
fins de políticas públicas e de ocupação do território, organização sindi-
cal e associativismo, cuidados ambientais e promoção de novos canais de
distribuição de produtos e conteúdos digitais, de equipamentos a bens
de consumo audiovisuais.

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Acesso em: 27 jul. 2009.

67
TECNOLOGIAS MÓVEIS COMO
PLATAFORMAS DE PRODUÇÃO
NO JORNALISMO
Fernando Firmino da Silva

INTRODUÇÃO
Neste artigo discutimos o uso de tecnologias móveis digitais e
conexões sem fio e as implicações e potencializações desencadeadas na
relação entre jornalismo e mobilidade no contexto da mídia brasileira.
Mostraremos experiências de sites de notícias e redes de televisão do país
com a apropriação destas tecnologias como plataformas de produção
jornalística em combinação com a banda larga 3G e recursos da Web
2.0. Argumentaremos que as tecnologias móveis digitais em redes sem
fio são fomentadoras de mudanças nas redações, na prática jornalística e
na construção de novos formatos de notícias com o entrelaçamento de
microblogs, live streaming e produção colaborativa.

MÍDIAS MÓVEIS E CONEXÕES SEM FIO


Os estudos da comunicação móvel tem se expandido por várias
áreas (exemplo da sociologia, comunicação, cibercultura, estudos cultu-
rais e outras), fomentados por práticas oriundas da emergência das no-

69
vas tecnologias móveis digitais76 e das conexões sem fio77, originando
novos fenômenos comunicacionais. Estes fenômenos geram problemas
reais de pesquisa com questões que necessitam de tratamento para a
identificação e compreensão das implicações econômicas e socioculturais
trazidas pelas tecnologias móveis para a vida contemporânea.
Em particular, este artigo visa compreender como estes dispositi-
vos móveis, em interface com o jornalismo, podem delinear mudanças
em torno da prática dos jornalistas, da cultura das redações e do pro-
cesso de produção e distribuição de conteúdo em um ambiente de con-
vergência, multiplicidade de suportes e da expansão da mobilidade78.
A miniaturização computacional que resultou na portabilidade destes
artefatos comunicacionais, caracterizados pela expressão ubíqua no seu
aspecto de conectividade, nos leva a pensar sobre mobilidades física e
informacional (LEMOS, 2008, SHELLER; URRY, 2006) embutidas nos
novos processos de produção, consumo e circulação de informação no
campo do jornalismo em interação com o próprio espaço urbano. Estas
mobilidades são interligadas e potencializadas com as tecnologias da
comunicação móvel.
O conceito de mobilidade, no sentido aqui empregado, pode ser
entendido como uma conexão entre seu aspecto físico/espacial (trans-
porte) e virtual/informacional (mídia) como aparece em Lemos (2008),
que se aproxima da mesma ideia de Sheller e Urry (2006), que, por

76
Entende-se por tecnologias móveis digitais smartphones, palmtops, notebooks, mini-laptops, celula-
res, PDA´s, gravadores e câmeras digitais, aplicativos portáteis como pen drive e similares.
77
As conexões sem fio são formadas por Wi-Fi, WiMax, Bluetooth, infra-vermelho e tecnologia
de terceira geração 3G que variam de acordo com a velocidade de conexão e o alcance em
termos de cobertura.
78
Jean Yves Chainon afirma no artigo US: Mobile Journalism is changing the newsroom, 2008, da
Editors Blogs, que o jornalismo móvel está impactando as redações americanas porque as tecnologias
móveis digitais cada vez menores, mais potentes e híbridas são responsáveis por manter o repór-
ter por mais tempo em campo para apurar, capturar vídeo, imagens e enviar às redações ou
publicar direto do local. Entretanto, alguns editores se mostram preocupados com a qualidade das
notícias sem uma supervisão adequada da produção de campo dos repórteres.

70
outro lado, ampliaram estes aspectos para contemplar outras vertentes
como transporte, migração e estudos do turismo para a mobilidade físi-
ca; e internet, mídia e telefone móvel para mobilidade informacional. É
um conceito que orbita em vários períodos históricos e áreas distintas
do conhecimento com aplicações variadas, considerando as especificidades
dos campos de atuação. Para nosso objeto de discussão, este conceito
perpassa a metamorfose dos meios de comunicação de massa e o
surgimento de novas mídias na atualidade. Para Jensen (2006) e Bauman
(2001), fluxos e mobilidade estão imersos nas práticas das cidades con-
temporâneas em torno das redes e da globalização.

Um outro efeito, particularmente poderoso e em


combinação com todos estes, é a emergência da mo-
bilidade dos produtores e consumidores de informa-
ção. Nós podemos baixar da rede para dispositivos
móveis sem fio o que quisermos e na hora que qui-
sermos. Da mesma forma, podemos subir produtos
que criamos enquanto estamos em movimento, em
deslocamento. É uma mudança em relação à idéia
de trabalho em lugar fixo. (MITCHELL, 2003, p.
84, tradução nossa)

Dourish, Anderson e Nafus (2007), na análise da inter-relação


entre tecnologia e mobilidade, entendem que se deve falar em mobilida-
des no plural, em decorrência das várias formas que ela adquire na rela-
ção com a computação e a cidade, expondo novas experiências deslocadas
dos lugares de trabalho fixos.

A computação está em movimento. Telefonia móvel,


redes sem fio, computação pervasiva e ambientes di-
gitais ubíquos são expressões de um amplo padrão
no qual a mobilidade exerce uma importante função
na experiência computacional. (DOURISH;
ANDERSON; NAFUS, 2007, p.1, tradução nossa)

71
Para Andreas Nilsson, Urban Nulden e Daniel Olsson (2007) a
mobilidade é uma dimensão da convergência dos meios como uma etapa
em andamento da evolução da indústria da informação.
Portanto, pensar a(s) mobilidade(s) dentro do jornalismo requer
considerar estas novas concepções e as mudanças orientadas pelos dis-
positivos móveis e pelas conexões sem fio que emergiram significativa-
mente a partir da década de 1990 conjuntamente com o processo de
digitalização vinculado à computação, que se torna cada vez mais ubí-
qua, pervasiva, portátil (WEISER, 1991, DODGE; KITCHIN, 2007) e
conectada. (MITCHELL, 2003) Contextualmente, a introdução de
tecnologias no jornalismo não é nova. A novidade está no modo como se
processa a informação através da capacidade de digitalização,
compartilhamento, armazenamento e distribuição. Neste sentido, é im-
portante situar o processo de informatização das próprias redações
(MASIP, 2008) da década de 1970 para a de 1980 como uma etapa de
incorporação de tecnologias modernas no interior da cultura jornalística,
trazendo novas formas de lidar com fontes de informação, com base de
dados, com o processo produtivo como um todo interligado por redes
locais e remotas através da possibilidade de construção de reportagens
mediadas por computador.
No início do século XXI, com o jornalismo digital consolidando
o seu espaço na cultura midiática, a abordagem sobre os impactos no
campo do jornalismo passa a considerar as implicações da nova mídia
no conteúdo da notícia, na forma de trabalho dos jornalistas, na
reestrutura das redações e na redefinição da relação entre jornalistas,
público e organizações dos media como visto em Pavlik (2001) e am-
pliado em outros corpos teóricos. (DEUZE, 2003, PALACIOS, 2003)
A transformação das redações e da profissão com a inovação tecnológica
(PATERSON; DOMINGO, 2008, DEUZE, 2008) resultante do pro-
cesso de convergência jornalística colaborado pela fusão das telecomu-
nicações, da computação e dos dispositivos móveis ocasiona “proces-
sos simultâneos de convergência na esfera empresarial, profissional e
de conteúdos” (SALAVERRÍA; AVILÉS, 2008). A convergência é uma

72
discussão pertinente que perpassa o horizonte do jornalismo num ce-
nário de diversificação midiática que entrecruza tv-internet-celular-
rádio-impressos na tentativa de estabelecer novos formatos e aproxi-
mações de suportes midiáticos baseados na digitalização e em novos
modelos de negócios suportados pelo mercado de nichos. (ANDERSON,
2006)
Estas mudanças se intensificam mais ainda na atualidade diante
da introdução das plataformas móveis no contexto jornalístico com sua
capacidade de expandir o componente mobilidade para a produção e
consumo de notícia de forma remota e em movimento. De forma
prospectiva, tanto o produtor quanto o consumidor da notícia podem se
encontrar em estado de movimento, no seu aspecto físico e informacional,
propiciado pelas tecnologias móveis digitais conectadas79 em situação
ubíqua e pervasiva.
Para situar o problema em torno deste fenômeno, algumas ques-
tões podem ser levantadas para ajudar a pensar sobre as possíveis
consequências e implicações inseridas na discussão. Como a introdução
no jornalismo das tecnologias móveis digitais conectadas em rede sem
fio interferem no processo de produção da notícia? Quais as modifica-
ções nas rotinas de produção da notícia considerando-se a expansão da
mobilidade e uma compressão do deadline com always on? Que novos
formatos de notícia podem emergir da conexão entre tecnologias móveis
digitais e aplicações da Web 2.0?
Como hipótese de trabalho, entende-se que há uma reconfiguração
do jornalismo centrada nestas tecnologias que pode ser identificada, num
primeiro momento, em termos de modificação no deadline dos repórte-

79
As tecnologias móveis digitais conectadas tanto podem ser vistas como plataformas de pro-
dução do jornalista quanto plataformas de acesso e consumo de informação midiática por parte
do usuário no seu deslocamento pelo espaço urbano. Com o aperfeiçoamento das interfaces dos
dispositivos, o crescente número de sites em formato apropriado para celulares e as capacidades
internas do aparelho, em termos de recursos multimídia, tem-se neste conjunto de possibilida-
des agregadas condições novas para a produção e o consumo.

73
res (PAUL, 2008, PATERSON, 2008), que passam a ser exigidos ainda
em campo para uma atualização mais contínua em decorrência de estar
always on, principalmente em situações críticas de cobertura de grande
repercussão que necessitam alimentar a ânsia da audiência por notícias
atualizadas. (SCHNEIDER, 2007)
Em segundo momento, o processo de produção também passa a
considerar com mais evidência a condição de mobilidade diante de um
ambiente móvel que permite o acesso e a produção de forma ubíqua
para publicação instantânea via dispositivos portáteis conectados a re-
des sem fio. Este caráter de imediatismo faz parte da natureza do pró-
prio jornalismo desde a sua existência como fenômeno social e
comunicacional. A notícia, neste caso, incorpora esta instantaneidade
de uma forma mais incisiva. (CANAVILHAS, 2007)
Da mesma forma, o surgimento de aplicações da Web 2.0 e de
tecnologias móveis favorece uma conexão mais forte entre as mídias de
massa como televisão e estes novos dispositivos, gerando novos forma-
tos com notícias integradas em seu caráter multimídia e interativo
entre televisão, microblogs, live streaming, celulares e redes
colaborativas. A narrativa, nesta situação, leva em consideração as di-
versas ferramentas na sua estruturação, fazendo surgir uma espécie de
narrativa híbrida.
Na análise do cenário brasileiro, observa-se esta ampliação do es-
pectro de produção e consumo em mobilidade com o início da operação,
a partir de novembro de 2007, da tecnologia de terceira geração
(3G)80 que vem sendo apropriada por conglomerados de comunicação

80
A tecnologia de terceira geração é considerada como a banda larga de alta velocidade dos
celulares para navegação na internet e a realização de atividades como upload e download. Além
da velocidade, o 3G é marcado por dispositivos multimídias com câmera embutida, browser de
internet. Num contexto evolutivo, os celulares de primeira geração são os analógicos com
capacidade apenas de comunicação de voz e o de segunda geração são os celulares digitais que
já incorporam o tráfego de dados simples como SMS. (KUKLINSK, P. et al., 2008,
SRIVASTAVA, 2008)

74
para a prática do que se denomina de jornalismo móvel81, que podemos
entender como a potencialização da relação entre jornalismo e mobilida-
de. As experiências com transmissão ao vivo e produção jornalística em
mobilidade se dimensionaram no país com a implantação das redes de
alta velocidade 3G e outros dispositivos portáteis utilizados como cone-
xão e plataforma móvel em complemento ou contraponto mesmo ao
pouco alcance das redes Wi-Fi82 via cobertura dos hotspots83.
A exemplo da maioria dos países do mundo, no Brasil o celular é
um importante artefato de comunicação com mais de 140 milhões de

81
O conceito de jornalismo móvel ainda não está teoricamente definido. É um fenômeno que
ainda carece de estudos e observações empíricas para a apreensão do seu funcionamento e a
idenficação das reais implicações sobre a prática jornalística contemporânea. Entretanto, neste
artigo ele é delineado como a potencialização da relação jornalismo e mobilidade por meio da
utilização de tecnologias móveis digitais e conexões sem fio e pode incidir sobre duas situações
básicas: produção ou consumo de informação em mobilidade. Neste último caso se aproxima-
ria da web móvel, com o uso de handsets para o acesso de forma ubíqua de informações no
ciberespaço e em banco de dados. Entendemos que é na produção de conteúdo através das
variadas plataformas móveis always on que o conceito se operacionaliza de forma plena tendo-
se como exemplos atualizações em microblogs e moblogs ou live streaming como novas condições
introduzidas pelo jornalismo móvel.
82
O Grupo de Pesquisa em Cibercidades do Programa de Programa de Pós-Graduação em Comu-
nicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia – UFBA, em Salvador –
BA, Brasil, vem realizando, desde julho de 2007, um mapeamento dos hotspot da cidade de Salva-
dor e identificou que uma parte da rede sem fio Wi-Fi está centralizada em hotéis, em shoppings,
universidades e centros comerciais com restrições de acesso para os usuários em deslocamento
pelo espaço urbano. Neste sentido, há dificuldades para encontrar conexões abertas para acesso à
internet. O projeto denominado de Wi-Fi Salvador (http://blog.ufba.br/wifisalvador/) é pioneiro
no país e se propõe a desenvolver estudos e caracterização de novas práticas em torno do acesso
sem fio nos respectivos hotspot e a relação com o espaço urbano.
83
É necessário pontuar que parte deste fenômeno emergente na mídia brasileira em torno do
3G se explica pela conjuntura de que a infra-estrutura de wireless ainda é limitada e centra-
lizada em hotspots de shoppings, aeroportos, hotéis e com uma forte política de fechamento das
redes por parte de empresas e usuários, como mencionado na nota anterior. Da mesma forma, a
política de instalação de redes Wi-Max é praticamente inexistente no país. A tecnologia 3G
tende a ser mais abrangente e ubíqua no Brasil devido à cobertura das operadoras de telefonia
que não se restringe a ambientes fechados e centros comerciais.

75
aparelhos em operação, dividido por 81,09% de pré-pagos e 18,91% de
pós-pagos, conforme a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL
(2008) para uma população de aproximadamente 180 milhões de habi-
tantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
(2008). Neste sentido, o celular representa um dispositivo para o desen-
volvimento de várias práticas no espaço urbano como produção, consu-
mo ou circulação de informação, pois se constitui num objeto caracteri-
zado pela portabilidade, conectividade e mobilidade. “The mobile phone
enables communication free from physical connections, unfettered by wires and
cables.” (HEMMENT, 2005) Com a convergência de funções embutidas
nos aparelhos, tais como câmera fotográfica e de vídeo, web browser, edi-
tor e visualizador de textos em vários formatos, conexões 3G, Wi-Fi e
Wi-Max, o celular ou o conjunto de tecnologias móveis torna-se uma
plataforma móvel ideal para a prática jornalística pela sua capacidade
multimídia como dispositivo híbrido. (LEMOS, 2008, LEVINSON, 2004)
No Brasil, um fator adicional encontra-se no modelo de TV digital em
operação que permite o aceso móvel em aparelhos como celular, a exem-
plo do Japão, ampliando o contexto de mobilidade que estas tecnologias
introduzem como qualidade na cena contemporânea.
De fato, a comunicação móvel se impõe no contexto como
disseminadora de práticas que se relacionam aos diferentes tipos de mobili-
dade como uma forma avançada da cibercultura (SANTAELLA, 2008,
BEIGUELMAN, 2006) com interferências no espaço urbano, na prática
jornalística e na arte, capturadas por pesquisas em mídia locativa (LEMOS,
2008, BRUNET, 2008, BLEECKER; KNOWLTON, 2006, SANTAELLA,
2008), jornalismo móvel (BRIGGS, 2007, SILVA, 2008, CARMO, 2008,
QUINN, 2002, PAVLIK, 2001), smart mobs (RHEINGOLD, 2002), proces-
sos sociopolíticos (GERGEN, 2008), estudos culturais (GOGGIN, 2008),
aspectos da transformação social (KATZ, 2008, CASTELLS et al., 2006) e
jornalismo cidadão ou jornalismo colaborativo (GILMMOR, 2005, BRUNS,
2006). Há, portanto, um olhar panorâmico sobre as diversas facetas
introduzidas pelas mídias móveis a partir dos celulares e dos demais disposi-
tivos portáteis de característica multimídia.

76
Em resumo, estamos diante de novas práticas que se aproximam
do que Castells e outros (2006) define como “sociedade em rede móvel”
em torno da qual orbitam todas estas perspectivas desencadeadas de
forma mais massiva a partir do início do século XXI com a formatação
da estrutura da Web 2.0, das plataformas móveis e das conexões sem fio
Wireless, Bluetooth, infra-vermelho, 3G, WiMax. Como temos apontado,
a comunicação móvel instaura novos desafios de estudo e observação de
experiências com o uso destas tecnologias digitais para a análise do seu
desenrolar e de suas implicações em várias esferas, principalmente da
paisagem midiática que se estabelece na atualidade. Na seção a seguir
demonstraremos esta conjunção de fatores imbricada nas experiências
dos conglomerados de mídia brasileiros entre “velha mídia” e “nova mídia”
dentro do contexto específico do jornalismo.

MOBILIDADE, TECNOLOGIA 3G E REPORTAGEM:


EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS
Nesta seção exploraremos, portanto, alguns casos no cenário bra-
sileiro derivados das novas tecnologias móveis digitais. Grupos de co-
municação se utilizam de aplicativos da Web 2.0 como Qik84, Cover It
Live85, Mogulus86, Twitter87, Flickr88 e celulares 3G para reportagens, en-
trevistas e coberturas ao vivo como iniciativas no campo do live streaming
e da interação entre mídias de funções pós-massivas89 com as mídias de

84
Ver, Qik. Disponível em <http://qik.com/>. Acesso em 15 set. 2008.
85
Ver, Cover It Live. Disponível em <http://www.coveritlive.com/>. Acesso em 15 set. 2008.
86
Ver, Mogulu. Disponível em <http://www.mogulus.com/>. Acesso em 15 set. 2008.
87
Ver, Twitte. Disponível em <http://twitter.com/>. Acesso em 15 set. 2008.
88
Ver, Flickr. Disponível em <http://www.flickr.com/>. Acesso em 15 set. 2008.
89
Lemos (2007a) diferencia as mídias de funções pós-massivas das mídias massivas (impressos,
televisão, rádio) pela característica da digitalização que define as primeiras tendo a internet e
seus produtos como Wiki, blogs, podcasts, redes sociais e dispositivos móveis como formatadora
deste ambiente e pela possibilidade de circulação de informação sem o filtro ou intermédio dos
meios de comunicação massivos. O foco está nas funções exercidas.

77
funções massivas. Ou seja, novas aplicações são verificadas na conjunção
entre tecnologias móveis e Web 2.0. Para Pardo Kuklinski, Brandt e
Puerta (2008), a convergência dos dispositivos móveis e das aplicações
da Web 2.0 sugere o surgimento da mobile Web 2.0 como uma migração
das funcionalidades da plataforma desktop para dispositivos portáteis com
conexão always on gerando novos enquadramentos para o consumo e
produção de conteúdo.
O jornalismo, dentro de um contexto histórico amplo, foi
construído tendo como background a tecnologia, a busca pela mobili-
dade e a instantaneidade para a produção e emissão da notícia. Estas
fronteiras se entrecruzam de forma mais tênue na atualidade com a
disponibilização de um “ambiente móvel” para a condução de reporta-
gens de forma remota através de estruturas formadas por tecnologias
móveis digitais e conexões em banda larga 3G. (BRIGGS, 2007,
SRIVASTAVA, 2008, PARDO KUKLINSKI; BRANDT; PUERTA,
2008)
Para compreender como ocorre esta relação entre jornalismo e
mobilidade, iremos descrever alguns casos da incorporação da estrutura
móvel no jornalismo brasileiro em redes de televisão e sites de jornalis-
mo digital de médios e grandes conglomerados de mídia. Entre as expe-
riências com comunicação móvel no Brasil, estão as das redes de televi-
são Band, Globo, Cultura, Jornal do Commercio do Recife e os portais de
notícia JC Online, NH Jornal e revista Época de São Paulo.
A primeira experiência vem da revista Época com o Urblog90. Tra-
ta-se de um blog urbano voltado para relatar situações cotidianas da
cidade de São Paulo através do registro de fotos, vídeos, transmissões ao
vivo e matérias jornalísticas postadas diretamente do local de apuração e
em situação de mobilidade plena. Para isto, a repórter utiliza um celular
Nokia N95 com conexões Wi-Fi e 3G. As matérias se caracterizam por
uma interação mais forte com o espaço urbano e a identificação ocasio-

90
Ver, Urblog. Disponível em <http://urblog.com.br>. Acesso em 20 dez. 2008

78
nal da localização de produção através de mapas gerados por GPS em-
barcado no celular. Este projeto demonstra o realce da mobilidade (física
e informacional) com o uso de um aparato móvel que permite a
instantaneidade ubíqua da notícia em diversos formatos (textual,
imagético, audiovisual) e situações de geolocalização como parte inte-
grante da rotina de produção, do consumo e da circulação de conteúdos.
(SILVA, 2008, AGUADO; MARTINEZ, 2008)
A Rede Globo, do mesmo grupo de comunicação, também dispõe
desde 2007, no telejornal local no Rio de Janeiro, de uma redação móvel
veicular, o RJ-Móvel, equipada com notebooks, câmeras de vídeo digital,
celulares, ilha de edição e sistema de transmissão via satélite para entrar
ao vivo de qualquer parte da cidade com o objetivo de oferecer mais
mobilidade aos repórteres. Enquanto que o programa jornalístico Globo
Universidade da mesma emissora de televisão utiliza celulares Nokia N82
para entrevistas e pequenas reportagens.
Por outra parte, o jornalismo da TV Band, uma das redes mais
tradicionais, explora a transmissão ao vivo dos seus repórteres através
de celulares 3G para notícias que exijam mais agilidade e menos equipa-
mentos para facilitar o deslocamento e as entradas ao vivo. Uma das
experiências foi posta em prática em maio de 2008 com o repórter do
Parque Ibirapuera na capital de São Paulo (figura 1). Posteriormente,
através do projeto Band Repórter Celular, diariamente são veiculadas
vídeos-reportagens de flagras e situações jornalísticas captadas pelas
câmeras dos celulares das ruas de São Paulo.
Esta tendência de desenvolvimento de experiências com o uso de
celular em redes de alta velocidade também é seguida pelo conglomera-
do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, na cidade de Recife, em
Pernambuco. Tanto a rede de televisão local, a TV Jornal, quanto o
portal JC Online, vêm se configurando com a prática enquadrada na mo-
dalidade de jornalismo móvel através da criação de formatos de notícias
que integram à cobertura ao vivo com plataformas móveis como celula-
res e notebooks, além de aplicativos da Web 2.0 como o sistema de microblog

79
Twitter, a rede social de imagens Flickr91, Cover It Live e o Qik para trans-
missões ao vivo, sendo que este último é um programa instalado no
aparelho celular que permite o streaming de vídeo em tempo real. Em
outubro de 2008, na eleição para prefeito no Estado de Pernambuco,
foram utilizadas no portal JC OnLine quatro câmeras geradas por celular
com o aplicativo Qik instalado, Flickr e Cover It Live para interação com
os internautas em forma de chat. Por sua vez, a TV Jornal foi a primeira
emissora de televisão do país a utilizar a tecnologia 3G em novembro de
2007 a partir do projeto Notícia Celular, no qual oito repórteres e
cinegrafistas gravavam vídeos em celulares de 5 megapixels de situações
inusitadas como incêndios, conflitos, acidentes e transmitiam à emisso-
ra dentro da proposta de notícia instantânea e ubíqua.
Esta questão de cidade “desplugada” é explorada também na ex-
periência da TV Cultura de São Paulo com a cobertura do seu principal
programa de entrevista denominado de Roda Viva. O programa com
mais de 20 anos de existência na televisão passou a adotar em 2008 uma
interação maior com os telespectadores e com produtores de conteúdo
através da inserção de uma plataforma web que integra transmissão si-
multânea ao vivo, três câmeras dos bastidores vinculadas ao aplicativo
de streaming Mogulus e Cover It Live. Três twitters convidados postam
diretamente do programa a partir de notebooks informações dos basti-
dores e das entrevistas, enquanto que o público também participa e
interage externamente dos seus computadores, notebooks e celulares
através de comentários via Twitter a partir do uso da tag #rodaviva.
A estratégia de reportagem móvel também foi adotada pelo Jor-
nal NH Online, de Novo Hamburgo (RS), região sul do país, que realiza
reportagens ao vivo com o uso de tecnologia de terceira geração. A
primeira reportagem do gênero em um portal de notícia na web brasi-
leira ocorreu em maio de 2008. Para as transmissões foram utilizados
celulares Nokia N95 de terceira geração e o software americano Qik. A
ideia do portal, vinculado ao Grupo Sinos, é adotar a prática do jornalis-

91
Ver, Flickr. Disponível em <http://www.flickr.com>. Acesso em 14 maio 2008.

80
mo móvel nas reportagens de campo em tempo real para oferecer mais
velocidade na transmissão de notícias e entrevistas.
Entretanto, as experiências no Brasil com celular como plata-
forma de produção começaram antes da implantação das redes de
terceira geração. Em 2005, através da TV Alterosa, de Belo Hori-
zonte, do Estado de Minas Gerais, na região Sudeste do país, surgia
o projeto Repórter Celular, mesma denominação hoje utilizada pela
Band. A tecnologia de conexão e transmissão utilizada na época pe-
los repórteres era o GPRS, que demandava baixas taxas de transfe-
rência de dados em comparação com o 3G, mas de qualquer forma
facilitava o envio de arquivos de áudio, vídeo e fotos à distância.
Neste mesmo ano o portal JC Online também iniciou suas transmis-
sões em tempo real de uma das principais festas populares de carna-
val do Brasil, a de Recife-Olinda, em Pernambuco, além de cobertu-
ra de jogos de futebol e das eleições a partir da utilização de celula-
res com conexão GPRS, bluetooth e notebooks para o envio de imagens,
vídeos e reportagens produzidas no campo.
Nestes projetos de jornalismo móvel92 apresentados, observa-se
uma interação intrínseca entre o espaço urbano e o espaço digital da
internet e mais ainda uma aproximação entre as mídias de massa como a
televisão e as mídias de funções pós-massivas como Twitter, live blogging,
e live streaming operacionalizadas pelas tecnologias móveis e Web móvel.

92
A experiência mais representativa de jornalismo móvel em nível internacional foi introduzida
pela agência de noticias Reuters em outubro de 2007 com a criação do projeto Reuters Mobile
Journalism (http://reutersmojo.com/). Repórteres da agência espalhados pelo mundo estão uti-
lizando um kit composto por um celular Nokia N95, um teclado sem fio bluetooth, um
microfone externo para a gravação com mais qualidade das entrevistas e um tripé para auxiliar
na estabilização das imagens e vídeos gravados, além de aplicativos de edição embutidos no
aparelho celular. Com este kit, o repórter produz suas reportagens em formatos distintos (áudio,
vídeo, imagens, textos) para distribuição através de diversas plataformas da agência de notíci-
as. Este aparato oferece mais mobilidade, portabilidade e ubiqüidade aos repórteres que podem
exercer sua atividade em tempo real realizando transmissão de vídeo através de celular 3G via
aplicativo Qik.

81
Os aparelhos móveis criam uma relação mais dinâmi-
ca com a internet incluindo-a em práticas cotidianas
que ocorrem em espaços urbanos, não faz mais senti-
do dissertar sobre a desconexão entre espaços físicos e
digitais. Um novo conceito de espaço surge, então, o
qual será denominado de espaço híbrido. (SILVA,
2006, p. 24)

Logo, pesquisas empíricas podem ser empreendidas para uma ob-


servação mais profunda das práticas emergentes no ambiente jornalístico
a partir da introdução destas tecnologias móveis digitais. Sendo assim,
pode-se capturar as evidências de reconfiguração do jornalismo no seu
processo de produção e consumo da notícia baseado nas mencionadas
tecnologias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, exploramos alguns casos brasileiros de prática da
comunicação móvel a partir da perspectiva do conceito de jornalismo
móvel. Tais experiências demonstram um alto nível de correlação entre
as mídias de massa e as mídias de funções pós-massivas e mudanças nas
rotinas produtivas dos jornalistas a partir do estabelecimento de um
deadline distinto do da mídia tradicional tendo em vista a condição mai-
or de mobilidade física e informacional dos repórteres com conexão per-
manente com o ciberespaço e, por conseguinte, com a redação através
de conexões 3G e Wi-Fi. Outro fator é a portabilidade destes dispositi-
vos híbridos móveis digitais que permitem que sejam carregados até em
um bolso.
Consequentemente, estas tecnologias móveis em rede sem fio
incidem sobre a prática jornalística gerando modificações nas rotinas de
produção da notícia. Compreender como e por que o uso de tais ferra-
mentas interfere no processo de produção da notícia e das novas relações
que se estabelecem no interior das redações e da produção em campo é

82
fundamental para a demarcação deste novo fenômeno comunicacional.
Nossa abordagem esteve centrada em discutir a introdução destas
tecnologias móveis no jornalismo brasileiro e apresentar casos que pos-
sam oferecer uma visão mais aproximada dos usos e das práticas em
desenvolvimento no país com a apropriação destes dispositivos como
plataformas de produção. Estes resultados e experiências fazem parte do
processo de convergência que se verifica nestes meios de comunicação
diante da multiplicação de suportes e da digitalização do aparato de
produção, consumo e compartilhamento de conteúdo por redes
telemáticas.

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88
ARTE E MÍDIA LOCATIVA NO BRASIL
André Lemos

The internet has already started leaking into the real


world.
Ben Russel (1999)

INTRODUÇÃO
O atual estágio do desenvolvimento das tecnologias digitais
móveis configura-se como uma nova fase da cibercultura, a da
internet das coisas. Utilizarei aqui a metáfora do download do
ciberespaço ou, como diz Russel (1999), da internet “pingando”
nas coisas, para mostrar que a antiga discussão sobre a constitui-
ção de um mundo à parte com o surgimento do ciberespaço parece
estar em questão com a virada espacial que os estudos das mídias
locativas trazem para o debate contemporâneo. Vamos examinar o
uso de tecnologias e serviços baseados em localização no contexto
brasileiro, apontando para trabalhos de artistas que tensionam ques-
tões como espaço, lugar, comunicação e mobilidade. Para tal, usa-
remos um exemplo hipotético no mercado da Av. Afonso Pena, em
Belo Horizonte.

89
DOWNLOAD DO CIBERESPAÇO NOS TERRITÓRIOS
INFORMACIONAIS
A discussão sobre a relação entre espacialidade e mídia não é nova.
São bem conhecidas as formas de produção social do espaço pelas mídias de
massa (jornais, rádio, TV, telefone, telégrafo, correios). As mídias confor-
mam a percepção do espaço e a própria subjetividade em um jogo de espe-
lhos mostrando o nosso lugar no mundo (em relação a outros lugares no
mundo), a nossa identidade (em relação a outras culturas), além de organizar
o arranjo espacial da sociedade, das cidades e das instituições. O lugar deve,
desde sempre, ser entendido como fluxo, evento (THRIFT, 1999, MASSEY,
1997, SHIELDS, 1991, DOURISH; ANDERSON; NAFUS, 2007), cruza-
mentos de territorialidades, sempre aberto e sujeito aos agenciamentos
midiáticos. Novas mídias produzem novas espacialidades.
A cibercultura, desde sempre, trouxe em seus primórdios questões
ligadas ao espaço, a ponto de muitos autores a considerarem como a cul-
tura do ciber-espaço, do espaço eletrônico. Desde o surgimento da
internet, a discussão se pautou no espaço virtual, nas relações nas comuni-
dades virtuais, na virtualização das instituições, na webarte, na educação a
distância, no e-commerce, no e-governement e na democracia eletrônica, no
web jornalismo, ou seja, na “desmaterialização” da cultura e na sua “subi-
da” ao ciberespaço. Na primeira fase, a ênfase é o upload de informação
para esse espaço eletrônico, entendido aqui como a transposição de coisas
(relações sociais, instituições, processos e informações) para o ciberespaço
fora do “mundo real”. Esta concepção, embora exagerada e incorreta (não
há nada fora do “mundo real”), tornou-se hegemônica a ponto de autores
afirmarem a morte da geografia, o fim das relações face a face, do corpo, da
sala de aula, dos livros e jornais impressos..., em suma, a “virtualização”
do mundo fora do lugar. Se essa posição já era difícil de sustentar com o
upload de informações e a questionamos em Lemos (2002), agora ela pare-
ce ter sido completamente soterrada12.

12
Reforcei essa posição na conferência no II Simpósio Nacional da ABCiber, PUC-SP, 2008.

90
Podemos definir as mídias locativas como dispositivos, sensores e
redes digitais sem fio e seus respectivos bancos de dados “atentos” a
lugares e contextos. Dizer que essas mídias são atentas a lugares e a
contextos significa dizer que elas reagem informacionalmente aos mes-
mos, sendo eles compostos por pessoas, objetos e/ou informação, fixos
ou em movimento. O que conta, a partir da mobilidade física e
informacional (KELLERMAN, 2006), é a relação dinâmica desses dispo-
sitivos com o lugar e as trocas infocomunicacionais daí advindas. Emer-
gem aqui duas dimensões fundamentais da cibercultura: localização e
mobilidade13.
A característica fundamental das mídias locativas é que elas ali-
am, paradoxamente, localização e mobilidade. Movimentar é sempre “des-
locar”, o que poderia levar rapidamente à ideia de um apagamento dos
lugares. No entanto, o deslocamento (mobilidade física e informacional)
não significa, necessariamente, o desaparecimento da dimensão espacial
em sua materialidade e suas dimensões sociais, políticas, econômicas.
Antes, as mídias locativas, pelas trocas informacionais no espaço urba-
no, criam novos sentidos dos lugares. Se a mobilidade era um problema
na fase do upload do ciberespaço (ir ou sair do local de conexão), na atual
fase do download (ou da internet das coisas14), a mobilidade é uma opor-

13
Locative media - expressão criada por artistas para se diferenciarem de projetos comerciais. Trata-
se de tecnologias e serviços baseados em localização (LBT e LBS), ver (KARIMI; HAMMAD, 2004).
Locative media é a crítica dos Location-based technology (LBT) e Location-based services (LBS). A
expressão foi proposta em 2003 por Karlis Kalnins Russel (1999), Benford, (2005) e Pope (2005).
14
A internet of things veio para descrever um número de tecnologias e disciplinas de pesquisa
que permite que a internet alcance objetos físicos do mundo real. Tecnologias como RFID,
comunicações sem fio de curto alcance, localização em tempo real e sensores de rede estão
agora se tornando cada vez mais comuns, trazendo a internet of things para o uso comercial.
[internet of Things’ has come to describe a number of technologies and research disciplines that
enable the internet to reach out into the real world of physical objects. Technologies like RFID,
short-range wireless communications, real-time localization and sensor networks are now
becoming increasingly common, bringing the internet of Things into commercial use.”] Ver:
INTERNET of things 2008. Disponível em: <http://www.the-internet-of-things.org>. Aces-
so em: 20 out. 2009.

91
tunidade para usos e apropriações do espaço para diversos fins (lazer,
comerciais, políticos, policiais, artísticos). Aqui, mobilidade informacional,
aliada à mobilidade física, não apaga os lugares, mas os redimensionam.
Com o ciberespaço “pingando” nas coisas, não se trata mais de conexão
em “pontos de presença”, mas de expansão da computação ubíqua em
“ambientes de conexão” em todos os lugares. Devemos definir os luga-
res, de agora em diante, como uma complexidade de dimensões físicas,
simbólicas, econômicas, políticas, aliadas a bancos de dados eletrônicos,
dispositivos e sensores sem fio, portáteis e eletrônicos, ativados a partir
da localização e da movimentação do usuário. Esta nova territorialidade
compõe, nos lugares, o território informacional.
As tecnologias móveis, os sensores invasivos (tipo RFID) e as redes
de acesso sem fio à internet (Wi-Fi, Wi-MAX, 3G) criam a computação
ubíqua da era da internet das coisas e fazem com que o ciberespaço “des-
ça” para os lugares e os objetos do dia-a-dia. A informação eletrônica
passa a ser acessada, consumida, produzida e distribuída de todo e qual-
quer lugar, a partir dos mais diferentes objetos e dispositivos. O ciberespaço
começa assim a “baixar” para coisas e lugares, a “pingar” no “mundo
real”. A metáfora do download mostra bem a atual ênfase da localização e
da mobilidade física e informacional de pessoas, objetos e informações,
ressaltando relações espaciais concretas nos lugares (públicos e privados).
O download do ciberespaço cria uma nova territorialização do espaço, a
territorialidade informacional. O lugar não é mais um problema para aces-
so e trocas de informação no ciberespaço “lá em cima”, mas uma oportuni-
dade para acessar informação a partir das coisas “aqui em baixo”.

MOBILIDADE E TERRITORIALIDADE
Com a computação ubíqua e disseminada em lugares e objetos a
partir dos Location-based technology (LBT) e Location-based services (LBS),
emerge a nova territorialização informacional que amplia, transforma e/
ou modifica antigas funções dos lugares. Um café, uma praça, um mer-
cado, dotados de sensores, dispositivos e redes sem fio continuam sendo

92
um café, uma praça ou um mercado, só que transformados pela
territorialidade informacional emergente. Este território informacional
pode ser entendido pela imagem do ciberespaço “pingando” nas coisas,
como uma membrana, uma pele eletrônico-digital acoplada aos luga-
res15, criando novas heterotopias. (FOUCAULT, 1984) Surge assim uma
relação particular do mundo “real” com bancos de dados, redes e dispo-
sitivos eletrônicos sem fio embutidos nas coisas.
Comprovando a existência desses novos territórios informacionais,
autores falam de espaço híbrido, bolha ou território digital (BESLAY;
HAKALA, 2007), espaço intersticial (SANTAELLA, 2008), realidade
híbrida, aumentada ou cellspace (MANOVICH, 2005), parede ou muro
virtual. (KAPADIA, et al., 2007) Todas essas imagens descrevem fron-
teiras informacionais criadas pelo download do ciberespaço, apontando
para uma fusão do espaços eletrônico e físico. O conceito de território
nos é útil pois ele dirige a compreensão para uma nova ontologia dos
lugares. Território aqui é uma zona de controle informacional cercado
por bordas ou fronteiras invisíveis (a bolha, a parede, a célula, o interstício)
que emergem dos lugares oferecendo possibilidades de acesso, produção
e distribuição de informação. Já podemos sentir seus impactos sociais,
culturais, artísticos e políticos na atual expansão dos telefones celulares,
do acesso à internet sem fio, da banalização de dispositivos de localiza-
ção tipo GPS, na implantação de sensores RFID… É importante salien-
tar que é na ruptura dessas bordas que emergem formas atuais de vigi-
lância, controle e monitoramento. (LEMOS, 2009a)
Explicamos em outro lugar (LEMOS, 2009c) que para a compre-
ensão dos aspectos comunicacionais, políticos e sociais das mídias locativas
é fundamental entender que a sociedade da informação cria zonas de
controle informacional, territorializações e funções eletrônico-digitais
nos lugares do “mundo real”. Todo lugar é composto por linhas de fuga,
movimentos, fluxos e tensões entre diversos níveis de controle, ou seja,
territorializações. (THRIFT, 1999, CRESSWELL, 2004) E todo territó-

15
Ciberespaço é aqui o nome genérico para as redes telemáticas.

93
rio é uma zona de controle no interior de fronteiras. Estas devem ser
entendidas de forma polissêmica (física, econômica, subjetiva, política,
cultural, pessoal...). É na tensão entre diversas fronteiras que emerge a
dimensão local. Essa tensão configura-se por processos de socialização.
Ou lugares são produzidos pela sociedade em sua relação territorial (e
desterritorializante), mediando a nossa relação material e simbólica com
o mundo. (LYMAN, 1967, GOTTMANN, 1973; SACK, 1986,
DELANEY, 2005, PRED, 1984) A nova tensão de fronteira informacional
(o território informacional) vai assim adicionar uma camada de tensão na
constituição dos atuais lugares do espaço urbano. A internet, pingando
nas coisas, cria um território informacional através de controle de dados
eletrônicos no interior de novas fronteiras nos lugares (acesso, firewall,
bolhas digitais, paredes virtuais...), ressignificando-os.
Empresas e governos utilizam as mídias locativas para criar servi-
ços de localização, ambientes inteligentes, computação ubíqua, ações de
marketing e publicidade, jogos e diversas experiências associadas à mobi-
lidade e à localização de pessoas, objetos e informação. Projetos incluem
redes sociais móveis, anotações urbanas, mapas e georeferenciamento,
jogos de rua, mobilizações artísticas e/ou políticas. O espectro é bastan-
te amplo e em expansão. Como mostramos em outros trabalhos (LE-
MOS, 2007, 2008, 2009b, 2009c), os projetos com as mídias locativas
podem ser agrupados em cinco categorias:

1. Anotações urbanas eletrônicas (geo-annotation) - escrita eletrô-


nica no espaço, indexando dados a um determinado lugar com conteú-
dos diversos (Yellow Arrow16, Sonic City17, MurMur18, Node Explore19, GPS
Drawing20, Real Time Rome21).
16
Ver, Yellow Arrow. Disponível em: <http://yellowarrow.net/index2.php>
17
Ver, Sonic City. Disponível em: <http://www.tii.se/reform/projects/pps/soniccity/index.html>.
18
Ver, MurMur. http://murmurtoronto.ca/
19
Ver, Node Explore. Disponível em: http:// www.nodeexplore.com/news.php?newsid=187
20
Ver, GPS Drawing . Disponível em: <http://www.gpsdrawing.com/>.
21
Ver, Real Time Rome. Disponível em: < http://senseable.mit.edu/realtimerome/>.

94
2. Mapeamento – etiquetas geográficas (geotags) e produção de
cartografias diversas, vinculando informações como fotos, textos, vídeos,
sons a mapas ou conjunto de mapas (Neighbornode22, Peuplade23, Citix24).
3. Redes sociais móveis (mobile social networking) – sistemas de lo-
calização de pessoas criando possibilidades de encontro e/ou troca de
informação em mobilidade através de smartphones (Imity25, Dodgeball26,
Citysense27, Google Latitude28).
4. Jogos computacionais de rua (Pervasive Computacional Games) -
jogos de diversas modalidades nos quais parte importante da trama se
dá no espaço urbano com o uso de LBT e LBS (Geocaching29, Uncle Roy All
Around You30, CanYou See Me Now31, Pac-Manhattan32).
5. Mobilizações inteligentes (Smart e Flash Mobs) - mobilizações
políticas e/ou estéticas utilizando as LBT e LBS para organizar reuniões
efêmeras no espaço público. (RHEINGOLD, 2003)

Para o escopo deste artigo, vamos analisar projetos de arte com


mídia locativa (locative media art) no Brasil a partir dessas cinco categori-
as. Após termos visto a dinâmica do upload e do download do ciberespaço,
de termos definido as mídias locativas, os territórios informacionais e as
novas tensões na produção social dos lugares, vamos olhar com mais
atenção para a situação brasileira.

22
Ver, Neighbornod. Disponível em: <http://www.neighbornode.net/>.
23
Ver, Peuplade. Disponível em: <http://www.peuplade.fr/home/>.
24
Ver, Citix. Disponível em: <http://www.citix.net/pages/sobre>.
25
Ver, Imity. Disponível em: <http://www.imity.com>.
26
Ver, Dodgeball. Disponível em: <http://www.dodgeball.com/>.
27
Ver,Citysense. Disponível em: <http://www.citysense.com/>.
28
Ver, Google Latitude. Disponível em: <http://www.google.com/latitude/intro.html>.
29
Ver, Geocaching.Disponível em: <http://www.geocaching.com/>.
30
Ver, Uncle Roy All Around Yo. Disponível em:<http://www.uncleroyallaroundyou.co.uk/street.php>.
31
Ver, CanYou See Me Now. Disponível em: <http://www.canyouseemenow.co.uk/>.
32
Ver, Pac-Manhattan. Disponível em: <http://pacmanhattan.com/index.php>.

95
MÍDIAS LOCATIVAS NO BRASIL
LBS e LBT estão em expansão no Brasil. No entanto, o debate
sobre as mídias locativas ainda engatinha e o país sofre de graves proble-
mas de exclusão (incluindo aí a digital). Temos atualmente 138,4 mi-
lhões de celulares e uma densidade de 72,09 cel/100 hab, sendo que
80% são celulares pré-pagos (Anatel, agosto 2008), demonstrando pou-
ca capacidade de investimento pessoal em novos serviços. As redes 3G
crescem no país e estudos mostram que a internet móvel já ultrapassa
padrões de países desenvolvidos. O acesso via dispositivos móveis já
chega a 9% do total de 8,1 milhão de usuários de banda larga (nos EUA
esse número cai para 6%). O Brasil está em segundo lugar entre os
países com mais interesse em mobilidade (comparando-se com a França,
os EUA, a Itália, a GB, a Espanha, a Alemanha), perdendo apenas para o
México. São 950 mil conexões à internet via rede 3G, como mini-modens,
representando 10% de todos os tipos de conexão. E isso em pouquíssimo
tempo. (MONTE, 2008)
As redes sem fio – Wi-Fi e Wi-Max, estão em expansão também. 30
cidades brasileiras, segundo o Ministério das Comunicações, têm projetos im-
plantados ou em implantação. O Plano Nacional de Cidades Digitais quer
levar banda larga a todo o país e articular ações de inclusão digital (incluindo
redes sem fio) e implementar 160 Cidades Digitais em todo o País.
Em relação aos LBS e LBT, já há no Brasil experiências de merca-
do com serviços corporativos para acesso a redes Wi-Fi, Bluetooth e Wi-
Fi marketing, RFID, pervasive games aliados principalmente a marketing de
filmes (Meu nome não é Johnny), empresas de telefonia (Oi) ou de petróleo
(Petrobrás com o Mobile Racing), serviços de localização com smartphones
como o Vivo Localiza ou o Vivo Co-piloto, ou serviços de localização
como o Mapas & Rotas da Nextel. Há um grande desenvolvimento de
GPS (embarcado nos carros) e em celulares 3G (hoje com 500 mil usuá-
rios no Brasil) (MUNDOGEO, 2005), além de GIS, mapas digitalizados.
Aparecem os primeiros usos de QR Code (o jornal A Tarde de Salvador é
o primeiro a usar em sua versão impressa). Cresce a implantação de

96
etiquetas RFID no comércio e também no trânsito. Desde 2007, o go-
verno brasileiro vem implementando o chip nas placas dos carros (inici-
ando em SP), tendo como meta todo o país. (SERRÃO, 2008) O número
de câmeras IP de vigilância pública e privada está em crescimento geo-
métrico. Em suma, o quadro geral mostra que os LBS e LBT devem
crescer muito no Brasil em 2009 e nos próximos anos.
Para além do uso comercial e corporativo, há poucos exemplos de
uso das mídias locativas para apropriação do espaço urbano, fortalecimen-
to comunitário e tensionamento de questões políticas e/ou estéticas. Os
melhores exemplos vem, como sempre, dos artistas, mostrando suas
potencialidades e perigos. Deve-se ressaltar que alguns festivais tem esti-
mulado o debate no Brasil. Os dois mais importantes são o MobileFest33 e
o Arte.Mov34. Há também o Motomix35 e o Nokia Trends36.

ARTE COM MÍDIAS LOCATIVAS NO BRASIL37

[...] os projetos em mídias locativas mais instigantes


têm sido aqueles que se realizam no território da arte,
apresentando propostas estéticas que despertam nos-
sas reflexões.
SANTAELLA (2008)

Estive no último Arte.Mov, em Belo Horizonte, em novembro de


2008. Durante o festival, visitei o mercado popular de rua na Av. Afonso
Pena (em frente ao local do evento). Vou usar o mercado como um exem-
plo hipotético para falar das artes com as mídias locativas no Brasil.

33
Ver, MobileFest. Disponível em: <http://www.mobilefest.org.br>.
34
Ver, Arte.Mov. Disponível em: <http://www.artemov.net>.
35
Ver, Motomix. Disponível em: <http://www.motorolamotomix.com.br>.
36
Ver, Nokia Trends. Disponível em: <http://www.nokiatrends.com.br/>.
37
Alguns projetos citados aqui não são artísticos, mas políticos e/ou comerciais. Eles foram
citados para exemplificar com casos brasileiros algumas categorias.

97
Logo ao chegar, uma mídia locativa me chamou a atenção. De
maneira muito eficiente pude observar que ela produzia espacialização:
mediava relações, ordenava o espaço, produzia comunicação massiva in-
formando sobre serviços e os problemas do lugar. Essa mídia locativa,
embora sem nenhuma característica digital, era uma “rádio-poste”, lo-
cal e comunitária, que divulgava, em tempo real, notícias sobre equipa-
mentos urbanos e documentos perdidos, problemas de segurança e no-
vidades da feira. Ou seja, uma mídia locativa analógica com informação
massiva vinculada ao contexto local38. A “rádio-poste” era aqui mídia de
massa locativa. Pelos alto-falantes espalhados pelo mercado ela emitia
informações massivas, não reagia aos visitantes de forma “inteligente”
(eletronicamente) e não produzia ou estocava informações em banco de
dados. Não havia, por assim dizer, territorialização informacional. Mes-
mo sendo uma mídia locativa analógica, como toda mídia, ela produzia
sentido social de lugar, ela produzia espacialização.
Comecei então a imaginar como seria esse mesmo mercado dotado
de territorialização informacional com LBS e LBT. O sentido de lugar se
perderia? Como o mercado reagiria com a disseminação de mídias locativas,
digitais, ubíquas e “atentas” eletronicamente ao seu contexto?
Vejamos de forma hipotética. Com celulares, sensores e redes sem
fio vinculados a bases de dados locais, informações poderiam ser dispa-
radas de forma “inteligente” de acordo com a localização do cidadão. Ao
entrar no mercado, uma emissão via bluetooth daria as boas vindas nos
celulares dos visitantes, mostrando através de vídeo, textos e fotos, a
sua história; um mapa indicaria a posição exata do usuário e suas opções
pelos setores e equipamentos; informações cidadãs seriam enviadas so-
bre encontros, datas importantes, documentos extraviados, via SMS;
visitantes encontrariam conhecidos com sistemas de rede social móvel;
transeuntes deixariam suas impressões “anotando” eletronicamente de-
terminados pontos do lugar; jogos com celulares, palms e GPS, tipo
gincana, criariam uma atmosfera lúdica... O sentido de lugar não se

38
Sobre mídias locativas analógicas ver, Lemos (2008)

98
perderia e, mas ainda, poderia ser reforçado. A territorialização
informacional abriria possibilidades para intervenções livres e abertas.

ARTE LOCATIVA NO MERCADO


E se propuséssemos aos artistas brasileiros a utilização do merca-
do como um playground? Se os artistas brasileiros tomassem a feira como
um espaço de experimentação poderíamos ver pinturas e escritas com
GPS, como o Locative Painting, GPSart, Survivall ou Identité; derivas mu-
sicais por GPS como na performance “Burro sem rabo” do grupo Hapax,
encontros com personagens históricos em realidade aumentada como no
projeto Invisíveis; imagens projetadas em outdoors via celulares como em
Poétrica; fotos e vídeos feitos por feirantes ou Motoboys; divulgação de
notícias de interesse local como no projeto Alô Cidadão, jogos de rua
como Senhor da Guerra ou Alien Revolt, mapas de inscrições ou proble-
mas sociais como Stickers Maps, Wikicrimes ou Citx; estímulo à conexão de
pessoas como o GPSface. Vejamos essas experiências a partir das cinco
categorias propostas.

ANOTAÇÕES URBANAS ELETRÔNICAS


Temos, nessa categoria trabalhos, com GPS, realidade aumenta-
da, performances sonoras e teleintervenções. Sur-viv-all (2008)39, de
André Lemos, Mari Fiorelli e Rob Shields foi realizado em Edmonton no
Canadá escrevendo a palavra em 40 km da cidade. A escrita eletrônica
buscou ressaltar o imaginário canadense a partir do livro Survival de
Margareth Atwood. Identité40 (2008) foi realizado por André Lemos de
bicicleta em 14 km em Montreal, apontando para uma das questões
centrais do Québec e do Canadá, a identidade. Locative Painting41 (2008),

39
Ver, Sur-viv-all. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/survivall>.
40
Ver, Identité. Disponível em: <http://www.andrelemos.info/identite/>.
41
Ver, Painting. Disponível em: <http://www.locativepainting.com.br/>.

99
de Martha Gabriel, é uma pintura com GPS de acordo com as posições
geográficas dos usuários baseada nos dados do interator (cor da pele,
nome, cidade, país, gênero etc.). GPSart (2008)42, de Cícero Silva, é uma
aplicação para produzir imagens com um GPS a partir de um celular. Os
projetos com GPS poderiam servir de exemplo para mapear percursos,
mostrar usos dos espaços ressaltando regiões (usadas e descartadas) e
poderiam servir como forma eletrônica de escrita para destacar aspectos
do mercado.
Outra forma interessante de escrita eletrônica é o uso da realidade
aumentada (WELLNER et al, 1993), como no projeto Invisíveis43 (2007),
de Bruno Viana. Ao fundir personagens virtuais em espaços reais de
BH, Invisíveis, apresentado em 2007 no Parque Américo Renné
Giannetti, proporcionava aos usuários olhar através de uma câmera de
celular e visualizar diversos personagens que representam freqüentadores
históricos do parque. O projeto funde passado e futuro, realidade física e
eletrônica. Invisíveis poderia muito bem colocar personagens históricos
no ambiente do mercado, criando um sentido de história e pertencimento.
Já o grupo carioca HAPAX realizaria suas performances sonoras e
deambulações pelo espaço do mercado com celulares, computadores e
GPS. A performance Burro sem Rabo (2006)44, mesclando alta tecnologia
e sucata, produz uma onda sonora no espaço urbano de acordo com o
deslocamento do veículo. O posicionamento é controlado pelo GPS e
convertido em sons. O DJ é o percurso.
Trabalhos de teleintervenção por dispositivos móveis poderiam
criar tensões entre o espaço publicitário e a produção de conteúdo dos
visitantes do mercado. Poétrica (2002)45 é uma teleintervenção com SMS
e disponibilizadas em painéis eletrônicos situados nas avenidas Paulista,

42
Ver, GPSart, Disponível em:<http://www.gpsart.net/>.
43
Ver, Invisíveis. Disponível em: <http://geral.etc.br/invisibles>.
44
Ver, Burro sem rabo. Disponível em: <http://hapax.com.br/performances/burro-sem-rabo>.
45
Ver, Poétrica. Disponível em: <http://www.poetrica.net>.

100
Consolação e Rebouças, em SP, ocupando, intermitentemente, a grade
publicitária. Em Leste o leste?, de Gisele Beiguelman, propunha através
da web ou de telefones celulares, inscrições em painéis eletrônicos urba-
nos que dialogam com o entorno, a Radial Leste em São Paulo (SP). Da
mesma forma em Egoscópio (2002)46, a artista Egoscópio47 explora o fluxo
de informações da internet e convida o público a des/organizar a auto-
biografia coletiva do personagem-título. Os endereços dos sites envia-
dos foram projetados num painel eletrônico na Avenida Brigadeiro Faria
Lima em SP. Algo similar poderia ser pensado para o mercado, onde
inscrições do público ocupariam painéis publicitários criando tensões
entre o mercado e o “mundo da vida”.

MAPEAMENTO
Podemos citar nessa categoria cinco trabalhos: dois artísticos e
três mais voltados para produção de conteúdo. Os dois primeiros são os
projetos Motoboy e Sticker Maps, os outros três são o Wikicrimes, Citix e
Wi-Fi Salvador.
O projeto Motoboys (2007) do Zexe48 poderia muito bem ser adap-
tado para o bairro central ao redor do mercado. Em São Paulo, os motoboys
percorrem espaços públicos da cidade com celulares e fotografam, fil-
mam e publicam, em tempo real, suas impressões. Eles usam a potência
locativa para dar sentido aos seus percursos e registrar crônicas visuais
do quotidiano. Imaginem ambulantes circulando pelo mercado, regis-
trando flagrantes, criando suas próprias crônicas.
O projeto Sticker Maps (2008)49, de alunos da PUC-SP, utiliza re-
des sem fio, mapeamento e QR Codes para destacar os stickers das ruas
de São Paulo. O mapeamento fotográfico foi realizado na Avenida Paulista

46
Ver, Egoscópio. Disponível em: <http://www.desvirtual.com/egoscopio/english/tec.htm>
48
Ver, Motoboys. Disponível em: <http://www.zexe.net/SAOPAULO/intro.php?qt>.
49
Ver, Sticker Maps. Disponível em: <http://www.flickr.com/people/stickermap/>.

101
em 2008 usando redes Wi-Fi ou 3G para fazer o upload em tempo real
com coordenadas GPS. Depois foram colocados QR Codes que direcionam
o visitante para o mapa na web. Esse tipo de ação poderia ser feita na
região do mercado, registrando inscrições urbanas e adicionando mais
um elemento para a produção de informações ligadas ao mercado.
WikiCrimes (2007)50 e Citix (2007)51 mapeiam crimes em regiões
do Brasil. O Citix tem como base a cidade de Recife, permitindo aos
usuários adicionarem comentários sobre locais da cidade. O projeto conta
com uma parceria entre o Ministério Público Federal e o C.E.S.A.R. O
WikiCrimes, desenvolvido em Fortaleza na Unifor, tem o mesmo objeti-
vo, só que para todo o território nacional. Já o Wi-Fi Salvador (2007)52 é
um trabalho de mapeamento de hotspot em Salvador realizado pelo Gru-
po de Pesquisa em Cibercidade da UFBA, onde qualquer pessoa pode
adicionar novos pontos, fazer comentários, colocar links, fotos ou vídeos.
Projetos afins poderiam ser feitos no mercado propondo mapeamento
diversos (pontos interessantes, barracas, violência etc.) com comentári-
os dos visitantes de forma aberta e participativa.

REDE SOCIAL MÓVEL


As mídias locativas permitem que pessoas que se conhecem e que
compartilham ocasionalmente um mesmo lugar possam interagir, trocar
informações e eventualmente encontrar-se. No mercado em Belo Hori-
zonte (BH), pessoas circulam e poderiam encontrar amigos através do
GPSface (2007)53 de Cícero Silva, reforçando encontros e laços sociais. O
GPSface é uma rede social on-line que conecta pessoas ao redor do mundo,
mostrando no Google Maps a posição do interator no telefone celular.

50
Ver, WikiCrimes. Disponível em: <http://www.wikicrimes.org/main.html;jsessionid=
3F205FA5F00B5746C9855DDA26024B12>.
51
Ver, Citix. Disponível em: <http://www.citix.net/index/>
52
Ver, Wi-Fi Salvador. Disponível em: <http://www.wifisalvador.ufba.br>.
53
Ver, GPSface. Disponível em: <http://www.gpsface.com/>.

102
FLASH E SMART MOBS
Flash Mobs, manifestações-relâmpagos para realização de
performances, têm sido realizadas no Brasil desde 2003, como a que
aconteceu na Av. Paulista, em novembro de 2008, para protestar contra
o projeto de cibercrimes do Senador Eduado Azeredo em tramitação na
Câmara dos Deputados. O espaço do mercado seria muito apropriado
para esse tipo de manifestação.
O projeto Alô Cidadão54, parceria entre a ONG Instituto Hartmann
Regueira e o Instituto Telemar, oferece informações sobre cidadania55 na
tentativa de ajudar pessoas com baixa renda a encontrarem emprego,
obterem informações locais gerais sobre cultura, educação, campanhas
de vacinação, entre outras. Desenvolvida para os moradores da comuni-
dade Pedreira Prado Lopes, em BH, o sistema tem se mostrado popular
com replicação das mensagens recebidas entre familiares e amigos. O
uso de um sistema similar no mercado poderia muito bem servir como
ferramenta de cidadania e para organização de manifestações de mora-
dores e visitantes, como uma Smart Mob.

PERVASIVE COMPUTACIONAL GAMES


Os jogos de rua com mídias locativas no Brasil têm um desenvol-
vimento tímido, mais ligado a empresas como ferramenta de marketing.
Não há ainda experiências artísticas que mereçam destaque. Apenas como
exemplo histórico apontamos os dois mais conhecidos: Alien Revolt
(2005)56 e Senhor da Guerra (2003)57. Alien Revolt é uma guerra entre

54
Ver, Alô Cidadão. Disponível em: <http://www.institutohr.org.br/noticias/not6
_alocidadao.html>.
55
Não é smart mob, mas como é ligado à cidadania resolvemos incluí-lo aqui.
56
Ver, Alien Revol. Disponível em: <http://www.alienrevolt.com/pt/>.
57
Ver, Senhor da Guerra. Disponível em: <http://www.senhordaguerra.com.br/>.

103
caçadores e aliens onde é possível identificar, por radar, jogadores em um
raio de até 3 quilômetros. Senhor da Guerra, o primeiro do Brasil, com
mais de 500 mil jogadores cadastrados é uma adaptação do clássico War
onde o jogador deve conquistar regiões espalhadas pelo país, desde que
haja cobertura e que ele esteja fisicamente próximo ao local58. No caso
do mercado, esses jogos poderiam transformar o lugar em uma esfera
lúdica com jogos de localização ou de resolução de mistérios ligados a
questões próprias ao mercado e à região da cidade.
O exemplo hipotético do mercado de rua de BH mostra a
territorialização informacional criada pelas mídias locativas. Como fluxo
entre territorialidades, o lugar ganharia potência comunicacional e soci-
al pela conexão e pela mobilidade informacional. As mídias locativas
atualizariam potencialidades e o mercado, embora diferente, continua-
ria a ser o mercado da Av. Afonso Pena.

CONCLUSÃO
A fase atual do download do ciberespaço vincula mobilidade e lo-
calização, reforçando paradoxalmente o sentido dos lugares. Isso vai contra
a ideia, difundida na fase do upload do ciberespaço e das mídias de mas-
sa, de que as novas tecnologias seriam desterritorializantes e apagariam
o sentido de lugar, comunidade e espaço público. (MEYROWITZ, 1985)
As mídias locativas parecem criar novos sentidos dos lugares.
Vimos, neste curto artigo, a definição de mídias locativas, o download
do ciberespaço, os novos territórios informacionais, a situação das LBT e
LBS bem como da arte locativa no Brasil. A situação brasileira está em
expansão, mas há muito por fazer. A ausência de mais experiências artís-
ticas pode deixar um campo aberto para intervenções apenas comerci-
ais, que não levariam em conta o potencial de criação de conteúdo e de
colaboração, de apropriação e ressignificação dos lugares. Perigos como
monitoramento, vigilância e invasão da privacidade também estão no
58
Ver, War. Disponível em: <http://www.inova.unicamp.br/inventabrasil/senhorwar.htm>.

104
horizonte. Só uma apropriação crítica, tática (CERTEAU, 1984), ao mes-
mo tempo política, social e estética, poderá evitar a instrumentalização
comercial e policial das mídias locativas que manteriam o usuário na
posição de simples receptor massivo.
O mercado de rua da Afonso Pena foi usado como exemplo para
mostrar que um lugar real, pode ser o terreno de experimentação das
mídias locativas e de criação e produção social do espaço, reforçando
sociabilidades e vínculos comunitários. Entretanto, devemos salientar
que o desejo de tudo encontrar e localizar é uma maneira de racionalizar
o espaço e de não enfrentar as surpresas do inusitado, isto é, uma forma
de sucumbir ao medo do desconhecido e do imponderável. Mesmo vis-
lumbrando potencialidades com as mídias locativas, viver o mercado
como ele é, se perder entre suas barracas, encontrar desconhecidos ou
amigos ao acaso é uma excelente maneira de se apropriar do espaço. A
deriva sem orientação e caótica é uma forma de encontro com o espaço.
A rigor, não precisamos de nenhuma ferramenta de localização ou de
informação “inteligente” para viver o mercado. Sem celular ou GPS,
deixei-me levar pelas cores, aromas e sons da “rádio-poste”. Flanando,
fiz do mercado um lugar também meu.

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108
APROXIMAÇÕES ARRISCADAS ENTRE
SITE SPECIFIC E ARTES LOCATIVAS
Lucas Bambozzi

Gostaria de tratar aqui do “lugar” como campo de migrações se-


mânticas, como migrações que ocorrem em função de deslocamentos
culturais, operações linguísticas, influências tecnológicas, licenças poé-
ticas ou digressões teóricas.
Convivemos com definições que poderiam ser aplicadas a muitos
trabalhos artísticos que dialogam com seu entorno: seriam obras site
related, context specific, contexto relacionadas... site oriented... Estes são os
“lugares” da palavra, que muitas vezes aprisiona e faz reverberar.
Tais denominações compostas, que definem qualidades do “lugar”,
encontram curioso estado movediço ao serem relacionadas com os pro-
cessos de fricção da arte com a comunicação.
Os “des-locamentos” e ressalvas semânticas do “lugar” se inici-
am, para os não-nativos na língua inglesa, na utilização do termo site
specific a partir da literalidade que o termo sofre na tradução para o por-
tuguês – incorrendo também em riscos linguísticos. No projeto-texto
Especificidade e (in)traduzibilidade, os artistas Jorge Mena Barreto
e Raquel Garbelotti propõem que a utilização do termo no contexto
brasileiro “[...] deveria sofrer uma elaboração, tradução, ou canibalização,
sob o risco de esvaziamento do teor de reflexão e crítica implicados pelo

109
termo”. (BARRETO; GARBELOTTI, 2008) De fato, uma tradução li-
teral como “lugar específico” é imprecisa e errônea, ao retirar o específi-
co como “qualidade” da obra e o colocar em relação ao lugar físico59.
Aproprio-me desse pensamento por compartilhar da vontade de
esgarçamento do termo site specific, que nos serve afinal para as relações
que a obra tem com o seu contexto, para além das relações de
interioridade que em meios plásticos mais convencionais seriam atribu-
ídas a elementos formais envolvendo cor, textura, composição – ou ain-
da profundidade de campo, montagem, narrativa, ritmo ou construção
de sentido diegético, em meios audiovisuais.
O que aqui interessa não é “re-buscar” mais uma discussão sobre
site specific, mas enfatizar aspectos referentes à exterioridade da obra de
arte, em um entorno que envolve o espaço público compartilhável. Como
dizem Barreto e Garbelotti (2008), “é na relação com o seu contexto
que a obra começa a formar o seu significado e a sua complexidade. É
nas relações com o seu entorno que o objeto ou instalação artística al-
cança a sua potencialidade.”
Revendo artistas como Richard Serra60, ou Robert Smithson nos
deparamos com a imensa fisicalidade com a qual seus trabalhos se relaci-
onam – e ao mesmo tempo se apresentam. Passamos a entender que
nessas obras, tal magnitude tem motivo de ser, especialmente ao se apro-
ximarem de elementos exteriores de grande escala. Desde os anos 70,
artistas como Hans Haacke apontaram com os seus trabalhos uma ver-
tente próxima, e ao mesmo tempo de outra ordem: a forma como o

59
Adotando a simplicidade da explicação de Barreto e Garbelotti (2008): “No inglês, a expres-
são site - specific é usada como um adjetivo para caracterizar a especificidade da obra de arte.
A expressão sítio específico em português qualifica o lugar físico como sendo específico e não
a obra. Funciona como um substantivo.”
60
Cf. Fulcrum (1987), escultura ‘site specific’ de Richard Serra, comissionada para uma das
entradas da estação Liverpool Street em Londres. Disponível em: <http://www.zazzle.com/
fulcrum_1987_by_richard_serra_is_a_site_specif_postcard-239869248791076008>. Acesso
em: 20 out. 2009.

110
espaço público se transforma com a influência dos meios de comunica-
ção de massa e de interesses comerciais privados61.
Refiro-me a um suposto movimento de desmaterialização da no-
ção de site que a partir dos anos 70, passa a incorporar obras onde “[...] o
mapeamento sociológico é explícito” (FOSTER, 1996), tornando o site
não mais algo estritamente físico, mas o incorporando de um sentido
discursivo e social.
A noção de que o site não é definido como uma pré-condição, mas
sim “determinado discursivamente” é uma das premissas de Miwon Kwon
em One Place After Another: Notes on Site Specificity – um texto bastante
utilizado recentemente por artistas e pesquisadores, que revela uma su-
posta revitalização do estudo do lugar na arte. Citando James Meyer,
Kwon (2000) discorre sobre o lugar na condição funcional (functional
site), como um processo, uma operação que ocorre entre sites, delinean-
do o lugar como um local onde se sobrepõem também informações.
Para a autora, o lugar se torna funcional ao ser delineado como um
campo de conhecimento, troca intelectual ou debate cultural (envolven-
do eventualmente o próprio embate enfrentado pelo sujeito/artista no
espaço, diante de informações como texto, fotografias, vídeos, dados,
elementos físicos e objetos). Pois esse é o espaço teórico que nos permite
rever o lugar em tempos de mobilidade e sob influências de tecnologias
de posicionamento e geolocalização.

O AMBIENTE INFORMACIONAL E O LUGAR


“COMUNICANTE”
As frases de Bárbara Kruger ou de Jenny Holzer embrulhando
grandes fachadas, se valendo da estética “midiática” dos anos 90 e
inundando o espaço público que se fez através de um misto de arqui-
tetura e comunicação, são exemplos de um suposto des-locamento e

61
Cf. Hans Haacke, News, 1969: o trato silmutâneo com espaços físicos e ‘informacionais’.

111
desmaterialização do site diante da informação e da comunicação vi-
sual.
As projeções em grande escala de Krzysztof Wodiczko também
nos pontuam o quanto a informação imaterial pode estruturar o espaço
público de forma tão potente como a arquitetura construída fisicamente
– inclusive em termos de construção de um espaço comum.
São trabalhos em que o político se encontra em estado híbrido,
em uma presença imaterial e que se torna potente ao ir de encontro à
fisicalidade de espaços de circulação. Os projetos de vídeo de Dan Grahan
relacionados à arquitetura (desenhados para interação social em espaços
públicos) também foram marcos no que se refere a um empacotamento
entre o social, o espaço arquitetônico e a imaterialidade das imagens.
No entanto, sempre que pensamos o espaço físico tendemos a
recair em noções nostálgicas do lugar. Diríamos, “nada como a fisicalidade,
a ambiência”... São formas nostálgicas de fruição do espaço, de localiza-
ção, de intimidade, que hoje se confundem com os estímulos que rece-
bemos de informações ligadas a esses lugares. Não é mais tão simples
distinguir a formação arquitetônica da idealização semiótica que se faz
de um espaço, local ou da própria cidade.
Essas seriam as eficiências mais evidentes do chamado capitalismo
“semiótico”, corporativo, tal como descrito por Maurizio Lazzarato (2003),
como uma forma de dominação global que “cria mundos cognitivos base-
ados em arranjos de percepção.” Cabe a nós, usuários ou artistas, enten-
dermos como se dão essas relações – algo que também o fazem os publici-
tários, na maioria das vezes em melhores condições. As estratégias de
representação desempenham um importante papel na definição do que
seria uma nova forma de alienação na sociedade atual, resultado do acento
semiótico de um capitalismo entranhado nas redes de comunicação.
Nesse assentamento de ilusões vale entendermos o quanto o lu-
gar, o espaço e suas fisicalidades complementam o vazio que determina-
das tecnologias causam (especialmente aquelas ligadas às virtualidades
sugeridas na virada do século, que nos prendem a telas e a redes exclusi-
vamente tecnológicas).

112
Em 2004 durante o Sonarsound, um braço do Sonar de Barcelona
em São Paulo62, tive a oportunidade de viabilizar um trabalho que me
parece ainda hoje emblemático com relação a questões de preenchimen-
to de vazio e conexão de espaços díspares, contrastantes inclusive. E nos
serve para pensar a dificuldade de categorização com relação à noção de
lugar, quando se envolvem espaços mediados.
O trabalho Coluna Infinita II - Opostos, de Daniel Lima, consisitiu
em uma emissão de raio lasers advindos de dois pontos distintos da
cidade de São Paulo. Uma fonte de laser tem origem do alto prédio do
Instituto Tomie Ohtake, onde ocorre a exposição multimídia que abriga
o projeto e aponta para a zona sul da cidade de São Paulo. Do “local-
alvo”, uma escola estadual no bairro Paraisópolis, parte uma outra fonte
de raio laser, em direção ao Instituto Tomie Ohtake. Entre os dois pon-
tos existem sete quilômetros de espaços não-contíguos, de área urbana
conectada por ruas e vias de acesso, mas com muito pouco em comum,
dado o contraste social entre os bairros. Por três dias esse eixo horizon-
tal de luz conecta “fisicamente” os espaços (em aspecto expandido na
medida ainda em que luz também é matéria)63.
O trabalho acontece primordialmente fora do espaço expositivo.
Mas dentro da exposição, e também na escola pública no bairro dis-
tante, ambos os públicos têm acesso ao registro do contexto imediato
de seus arredores. Durante as três noites do evento, o raio de luz oscila
entre o concreto e o ‘imaterial’ e se lança como reação ao isolamento
social imposto pela metrópole, como confraternização possível, como
ponte temporária e simbólica entre isolamentos e exclusões que a ci-
dade promove. A crítica e curadora de arte Daniela Labra assim o
descreve:

62
A mostra multimídia e de projetos ligados a tecnologia celular teve uma curadoria local por
mim conduzida, em estreita sintonia com a curadoria internacional de Oscar Abril Oscaso, da
equipe do Sonar de Barcelona.
63
Cf. O projeto Coluna Infinita II - Opostos, de Daniel Lima: conectando a Zona Oeste e a
Zona Sul de São Paulo.

113
Nada de novo, mas as crianças moradoras de
Paraisópolis, que subiram no topo do prédio e viram
como a luz chegava até seu bairro, descobriram que
São Paulo é grande demais e tem infinitas luzes, que
nunca chegaram na sua vizinhança. Para quem via a
comunidade do alto do prédio distante, o ponto de
chegada daquela luz, lá, era uma explosão, um ponto
imenso que devolvia com violência toda a energia do
raio intenso que vinha do céu.64

Aqui surgem algumas questões: qual o específico desse trabalho?


Com certeza não seria o raio laser, a tecnologia empregada e as suas
qualidades intrínsecas. Com que espaço ele se relaciona? Qual o lugar da
obra? Não seria o prédio do Instituto Tomie Ohtake, nem a escola esta-
dual em Paraisópolis65. Mas talvez o vazio entre esses espaços, o que há
de conectável entre eles.
Se as tecnologias, a partir de sua mobilidade e ubiquidade (de pode-
rem estar em todo lugar), estão se voltando para o espaço físico, então que
se busque formas de relacionarmos com o espaço em sua vocação pública,
tirando inclusive proveito dessas possibilidades de mediação.

MÍDIAS LOCATIVAS
O termo “mídias locativas” é novo, estranho, e às vezes pode ser
contestado energicamente, de formas nem sempre construtivas: “é um
conceito que pode ser problemático ou, no mínimo, impreciso.” (BAS-
TOS; GRIFFIS, 2007)

Texto crítico e independente de divulgação do trabalho produzido pelo artista na forma de


64

PDF.
65
Reações distintas: do topo do prédio do Instituto Tomie Ohtake freqüentadores usuais de
exposições e grandes eventos aproveitavam para admirar a vastidão da cidade; em Paraísopolis
as crianças tentavam alcançar a luz com cabos de vassoura.

114
Em termos técnicos, o locativo é localizável, rastreável, tende a ser
intrusivo, serve a operações vigilantes, tem vocações disciplinadoras.
Mas os desvios são possíveis: e é interessante entender o desvio/aproxi-
mação da tecnologia no espaço urbano.
As chamadas artes locativas conforme definição de Drew Hemment
(2004) “estão simultaneamente abrindo novos caminhos para o
engajamento no mundo e mapeando seus próprios domínios e
geopolíticas”.66 Drew propõe entender o termo de forma inclusiva, ao
invés de excludente, o que às vezes implica no risco de não diferenciar as
mídias locativas de outras formas de envolvimento mediado com a
espacialidade. Mas nos incita a “enfrentarmos o contexto, ao invés de
engavetarmos o campo prematuramente.” (HEMMENT, 2004)

Atualmente a única opção para as pessoas preocupa-


das com algumas das implicações das novas
tecnologias de rede é desligá-las ou nunca começar a
usá-las, em primeiro lugar. A política da nova mobi-
lidade vai aparecer em algum lugar entre o ligamen-
to e o desligamento.67

A construção de um redimensionamento da ideia de site-specific nos


termos colocados até o momento configura o site como um espaço de
possibilidades não materiais, mas que apontam para espaços efetivos.
Na mostra Deslocamentos: desvios da tecnologia no espaço público (artemov
2007)68 foi possível pensar em um conjunto de projetos dentro da ver-
tente ‘locativa’ que como elemento comum apresentam uma inversão do
procedimento militar de localização, explorando as possibilidades que
surgem entre redes móveis e espaço urbano. Os trabalhos foram monta-

66
Ver, Locative arts. Disponível em: <http://www.drewhemment.com/2004/locative
_arts.html>. Acesso em: 20 out. 2009.
67
Palestra ministrada por Drew Hemment, no Arte.Mov. realizado em Belo Horizonte, 2006.
68
Desde 2006 o evento tem curadoria de Lucas Bambozzi, Marcus Bastos e Rodrigo Minelli.

115
dos de forma levando-se em consideração as características da cidade de
Belo Horizonte, e do Parque Municipal (que funcionou como uma espé-
cie de laboratório para as instalações locativas). Assim, trabalhos criados
originalmente para outros contextos como Tactical Sound Garden de Mark
Shepard, AIR do Grupo Preemptive Media, ou Motoboys de Antoni Abad,
tiveram componentes pensados e cuidadosamente adaptados para a nova
situação.
Já o projeto Invisíveis de Bruno Viana foi desenvolvido através de
um comissionamento que resultou num trabalho estritamente específi-
co, relacionado a determinadas localidades do Parque Municipal, envol-
vendo suas histórias e frequentadores. O projeto partiu dos conceitos de
portabilidade e realidade aumentada para proporcionar um passeio
exploratório no parque, uma expedição em busca de personagens inti-
mamente ligados àquele espaço. Os usuários ou participantes recebem
celulares especialmente preparados com um aplicativo que filtra a ima-
gem ao vivo da câmera através de máscaras, sobrepondo fotos pré-exis-
tentes de freqüentadores do parque às imagens vistas no visor do celu-
lar. Um algoritmo de reconhecimento de imagem faz com que as ima-
gens “flutuem” em lugares fixos, dando a sensação de uma presença
virtual no local.
O funcionamento do trabalho envolve caminhadas por rotas me-
nos conhecidas do parque bem como boa dose de observação, algo que
não ocorre à maioria dos transeuntes locais, que utilizam o parque não
como espaço de lazer, mas como uma conexão rápida entre duas grandes
avenidas da cidade. Uma vez aberto a esse tipo de exploração, o visitan-
te busca por locais “ativos”, sensíveis ao reconhecimento do local pelo
software e assim o programa identifica as suas posições e insere diferen-
tes personagens anônimos na tela, relacionados com o local, que apare-
cem sentados em bancos, deitados na grama ou próximos a pontos de
fácil referência em função do posicionamento do visitante. Pessoas com
acesso a celulares com o sistema operacional S60 – como os da Nseries
da Nokia – podem instalar os programas em seus próprios telefones e
explorar o parque de maneira independente.

116
Uma intenção recorrente em mostras como essa tem sido a de
agenciar as possibilidades de reaproximação dos indivíduos do espaço
urbano compartilhável, muitas vezes através do caráter lúdico dos even-
tos criados, que sendo também organizados em grupo, evidencia tam-
bém o potencial de agenciamento coletivo de uso das tecnologias sem
fio,69 algo cada vez mais difícil de ocorrer espontaneamente nas grandes
cidades.
Muitas vezes ao trabalhar com meios de comunicação, o que muitos
artistas buscam é a criação de ferramentas ou formas de explicitar condi-
ções já existentes (uma espécie de ready-made), em um mecanismo de
espelhamento de situações de conflito ou de confluências potencialmente
relevantes (em termos expressividade estética, social ou política) que já
existem nas redes. Esse processo reflete uma consideração do curador Steve
Dietz, em que ele faz ecoar uma pergunta-chave sobre a pertinência de
uma arte nas redes, ao assumir que “[...] a internet é mais interessante do
que a maioria dos trabalhos de net-arte.” (DIETZ, 2004)
O projeto Descontínua paisagem de Fernando Velazquez, contempla-
do com o prêmio Artes Locativas, criado pelo arte.mov em 2008, é uma
contribuição que aponta para esse tipo de pensamento ao mesmo tempo
em que desconstrói o caráter cartesiano ou didático que começa a ser
associado a determinados projetos que operam com tecnologias móveis.
No projeto, os participantes escolhem lugares a serem visualizados
a partir de uma lista de coordenadas enviando uma mensagem SMS a
um servidor. As locações disponíveis são mapeadas a partir do site Degree
Confluence Project (www.confluence.org)70, que adquiriu notoriedade

69
A mostra incluiu ainda documentação de trabalhos como Os Duelistas (David Levine), Meu
nome é Ronaldo (Antoni Abad), Paintersflat.net (Brett Staulbam), Manifeste-se (mm não é
confete), Hundekopf, Knife and Fork (Brian House), Can you see me now? (Blast Theory), Loca
(Drew Hemment e grupo Loca) e outros.
70
O objetivo lançado pelo projeto é visitar cada intersecção entre graus de latitudes e longitu-
des de números inteiros no mundo, e tirar fotos nestes lugares. As fotos, e histórias sobre estas
visitas, são postadas no site confluence.org.

117
na internet ao convidar indivíduos munidos de um aparelho de GPS a
dirigir-se aos pontos de encontro entre meridianos e paralelos, e foto-
grafar o espaço circundante a partir deste ponto de vista específico,
apontando a câmera para os pontos cardeais. O Degree Confluence tem
certa pretensão de fornecer “uma amostragem do planeta terra mapeado
geograficamente”, organizado de forma matemática e supostamente pre-
cisa. Como outros projetos de construção coletiva (Google, Youtube,
Daylymotion, 12 seconds), sugere ao usuário a perspectiva de colocar-se
como colaborador do projeto, com seus testemunhos (textos e imagens)
de como chegaram aos pontos especificados e como os registraram.
O projeto de Velazquez interage com esse dispositivo, buscando
no Degree Confluence as imagens dos pontos existentes e trazendo-as
para o contexto da exposição. Há uma interação que ocorre localmente
no espaço expositivo e arredores, mas, que está localizada remotamente
(no servidor do Degree) e se refere a pontos ainda mais remotos. O
visitante também pode ele mesmo sair em busca de um cruzamento de
coordenadas nas próprias imediações onde o trabalho acontece e intro-
duzir uma paisagem mais local ou mais diretamente contextual no tra-
balho. De um modo ou de outro, o projeto aborda a questão do lugar
pela negação de sua matemática, por se apropriar do olhar alheio, por
traficar coordenadas de um espaço para outro, por introduzir elementos
subjetivos e embaralhar o específico.
A ideia de lugar existe o tempo todo no processo, inclusive de
forma literal. Mas com qual “lugar” específico o trabalho se relaciona?
Não seria efetivamente o das coordenadas. Com que contexto a obra
dialoga? Presumidamente, talvez com o contexto da web, a ânsia de
mapeamento progressivo do planeta, e não menos interessante, se rela-
ciona também com a disposição e mobilidade dos tantos indivíduos que
colaboram com o projeto remotamente.
Os resultados são visualizados num conjunto de quatro projeções
que formam uma paisagem imaginaria, descontínua, porém capaz de
fazer expandir as noção de lugar e espaço como territórios fixos, despro-
vidos de subjetividade.

118
Outro projeto que se insere na cidade como proposta de explora-
ção unindo elementos físicos e informacionais é o projeto Hiper GPS.
Idealizado por Cicero Inácio Silva e Brett Stalbaum, eles propõem apli-
car o conceito de hipertexto à trama da cidade. Ao caminharem pelas
ruas das cidades, os participantes podem localizar através de celulares
dotados de GPS uma combinação de textos, imagens e sons pré-grava-
dos no sistema. Apesar de ainda não implementado71 o projeto avança
no sentido de pensar a cidade não como um intrincamento de coordena-
das geográficas e números (dados como latitude e longitude não
siginificam muita coisa para a maioria das pessoas), mas através de pon-
tos e regiões sensíveis que podem levar as pessoas a compartilharem
histórias e eventualmente encontrarem situações em comum.
A acessibilidade e a adoção do comum (o commons, tão ursupado
pelos poderes privados) são elementos vitais nas tênues práticas associa-
das à tecnologia móvel, que exatamente por este viés, talvez as torne
menos um novo gadget de mediação e talvez mais uma ferramenta de
aproximação da realidade social – ou ainda, uma forma de contato entre
realidades sociais que permaneceriam de outra forma, talvez distantes.
Assim, pouco a pouco, vemos o surgimento, tímido ainda talvez,
de trabalhos que lidam com grandes escalas e magnitudes (os parques,
as cidades) ao mesmo tempo em que se apresentam como intervenções
quase invisíveis no espaço físico.
São configurações de obras afiliadas a categorias instáveis e incer-
tas, como o são os conceitos ligados às locative media, mas que sugerem uma
possível apropriação das idéias de site-related ou de context-specific – despro-
vidos de fisicalidade e por isso tão dependentes desta.
Não interessam muito as premonições, mas vale dizer que se trata
de uma tecnologia que ganha respaldo e se legitima através da
popularização de seu uso e aplicação. Nenhuma tecnologia se espalhou

71
O projeto foi apresentado para comissionamento junto ao Prêmio Artes Locativas do Vivo
artemov, 2008.

119
tão rapidamente como as mídias móveis estão se difundindo, e se
sedimentando nas estratificações mais populares da sociedade.
Assim, o lugar, do “locativo” que nos interessa, não é um slogan do
tipo anytime, anywhere, everywhere. Mas sim uma ideia que resulta de uma
aproximação com práticas muito potentes no campo da arte, com ques-
tões que envolvem os espaços físicos e suas especificidades, tensões e
conflitos. Pode ser uma aproximação arriscada equacionar trabalhos am-
plamente celebrados no circuito da arte com estes que surgem e que
sequer são considerados arte pelos circuitos mais estabelecidos. Somen-
te o tempo nos permitirá descobrir como colocar lado a lado, num mes-
mo campo de práticas, a fisicalidade de algumas obras com a total
imaterialidade de outras. Caberia a essa arte locativa, desgarrada e de
lastros frouxos, a busca e o risco de alguma afiliação a partir do que se
produziu sob a idéia de site specific, de site funcional. Nos resta indagar que
tipo de obras ainda surgirão nesse novo e movediço “lugar” que toma
forma no mundo.

REFERÊNCIAS
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utopia of democratic communication, 2000. Disponível em: <http://
www.medienkunstnetz.de/themes/overview_of_media_art/society/16/
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“perfomative / locative”, 2007. Disponível em: <http://
leoalmanac.org/resources/lead/digiwild/mbastosrgriffis.asp>. Acesso
em: 20 out. 2009.
BARRETO, J. M.; GARBELOTTI, R. Especificidade e
(in)traduzibilidade, texto-base para debate e oficina: Práticas artísticas
contemporâneas em sistemas de movimentação ou o site - specific
hoje. [S. l. : s. n.], 2008. Arte e Esfera Públic, Centro Cultural São
Paulo e Fórum Permanente.

120
DIETZ, S. Por que não tem havido grandes net-artistas?, In: LEÃO,
L. (Ed.). Derivas: cartografias do ciberespaço. São Paulo: Anablume, 2004.
p. 137-147.
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century. London: The MIT Press, 1996.
HEMMENT, D. Locative arts, 2004. Disponível em: <http://
www.drewhemment.com/2004/locative_arts.html>. Acesso em: 20
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SUDERBURG, E. (Ed.). Space, site, intervention: situating installation art.
Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 2000.
LAZZARATO, M. Struggle, event, media, 2003. Disponível em:
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lazzarato01_en.htm>. Acesso em: 20 out. 2009.
MEYER J. The functional site: or, the transformation of site-
specificity. In: SUDERBURG, E. (Ed.). Space, site, intervention: situating
installation art. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 2000.

121
REVISITANDO O CORPO NA ERA
DA MOBILIDADE
Lucia Santaella

Um conceito psicanalítico rico – e exportável para situações dis-


tintas do setting analítico – é o conceito de après-coup, isto é, de
ressignificação. Os fatos vividos só significam depois que algo - um even-
to, um ato, uma fala, uma repetição, uma falha – os traz de volta à
memória de modo enigmático. Obras literárias e filmes fazem muito uso
desse recurso como estratégia narrativa. O momento de profunda in-
tensidade dramática – inolvidável para o leitor – da revelação de Diadorim
para Riobaldo, no romance Grande sertão: veredas, é um momento de
ressignificação, como se a história reclamasse por ser inteiramente rees-
crita e relida de um ponto de vista totalmente diverso.
Foi justamente esse conceito de ressignificação que me veio à
cabeça diante da necessidade que ora se faz presente de rever e recon-
siderar muitas das lamentações sobre perdas das coordenadas físicas,
das escalas de espaço e tempo, da propriocepção que surgiram e ainda
surgem nas discussões e debates sobre o estatuto do corpo humano
quando imerge nos espaços informacionais das redes, nas experiências
de telepresença e nos espaços simulados do Second Life e da realidade
virtual, ou seja, quando imerge nos ambientes do ciberespaço. A revi-
são proposta procede, porque não foi à eficácia discursiva dos argu-
mentos contrários, mas sim a evolução da própria ecologia midiática,

123
hoje em plena era da mobilidade, que precipitou a necessidade de
reconsideração desses lamentos que muitos ainda consideram perti-
nentes.

DILEMAS DO CORPO NO CIBERESPAÇO


Antes de tudo, vale observar que não são simplesmente gratuitos
os sombrios diagnósticos sobre o esquecimento e atrofia do corpo físico,
plugado e inerte enquanto a mente viaja pelos espaços abstratos da
virtualidade. Frente à tão falada oposição entre real e virtual, o estatuto
do corpo, de fato, torna-se ambíguo. Processos de corporificação e
descorporificação e efeitos perceptivos, psíquicos e cognitivos corres-
pondentes, sem dúvida, ocorrem. Tanto isso é verdade que, para alguns,
a ambivalência do corpo entre o real e o virtual constitui-se no dilema
representacional do ciberespaço cujo clímax apresenta-se nas fronteiras
corporais que se borram nas experiências de realidade virtual. Mas nem
precisamos ir tão longe quanto na realidade virtual. Imersões menos
profundas no ciberespaço, como aquelas que milhões de pessoas prati-
cam cotidianamente quando surfam pelos reinos sem fronteiras da web,
já provocam notórias recalibrações da fisicalidade do corpo e da matéria
mental. Para constatar isso, basta um levantamento pouco exaustivo de
comentários sobre os dilemas tidos como insolúveis do corpo no
ciberespaço.
Alguns teóricos colocam ênfase apenas no corpo físico. Para Bailey
(1996, p. 36), por exemplo, “um estado de alerta em relação ao corpo
físico, real, é crucial nas projeções descorporificadas do ciberespaço. O
corpo físico permanece como o referente. E, sem ele, o ciberespaço nem
faria sentido”. Na mesma linha de argumentação, Tenhaaf (1996, p. 59-
60) diz que:

[...] embora a viagem para dentro de matrizes de da-


dos através de interfaces seja proposta como mais real

124
do que a realidade, ela invoca uma luta por se apegar
ao conhecimento de que esse espaço não engaja todo
o eu, a psique fica ligada à memória de que esse espa-
ço é uma representação, isto é, aferra-se à memória do
corpo real e sua formulação no espaço físico. O corpo
é experienciado como uma imagem do corpo engajado
em uma profunda penetração ou em uma dissolução
momentânea no espaço. A experiência é intensificada
pelo sentido de que esse espaço projetado tem um
poder metafísico, ele parece ser ou imputa-se que seja
um recurso de controle que se auto-sustenta para além
da autoria, um aparato simbólico fora do eu com a
capacidade de ordenar a representação e construir o
sujeito percebedor. Em vez de um fluxo bidirecional,
é uma absorção que reconstitui o controle de uma po-
derosa fonte externa.

Outros teóricos, ao contrário, enfatizam o papel de um corpo


imaterial em detrimento do corpo físico. Hayles (1999, p. 68-94), por
seu lado, reage contra o privilégio da informação sobre a imaterialidade
e argumenta que não passa de uma construção histórica acreditar que as
mídias computacionais são tecnologias desencarnadas. Não podemos ig-
norar a materialidade das interfaces que criam e os efeitos dessas interfaces
nos usuários.
Heim (1993, p. 101), no entanto, interroga se podemos estar com-
pletamente presentes, quando vivemos através de um corpo substitutivo
que lá está em nosso lugar e constata que, ao substituto, falta a fragili-
dade e vulnerabilidade de nossa identidade primária. Por isso, não pode
nos representar completamente. Quanto mais tomamos o ciborgue por
nós mesmos, mais a máquina nos transforma na prótese que estamos
usando. Por fim, Hayles (1996, p. 262) conclui que as tecnologias
imersivas trazem à tona o par padrão e aleatoriedade, e fazem com que
presença e ausência se tornem irrelevantes.

125
INTERPRETAÇÕES ANTIDUALISTAS
Quando esses debates ainda estavam no auge, em um texto sob
o título de Corpos carnais e corpos alternativos (SANTAELLA, 2007a, p.
303-314), utilizei conceitos da semiótica de C. S. Peirce para compre-
ender as complementaridades, mesclas e intercâmbios entre os corpos
carnais e os corpos alternativos para além dos usuais dualismos simpli-
ficados entre o real vs. virtual, natural vs. artificial, o material vs. seus
espectros. De saída, abandonei a denominação de “corpos reais” e “cor-
pos virtuais”, preferindo chamar de “corpos carnais” e “corpos alter-
nativos”, pois não há oposição epistemológica mais equivocada do que
aquela que opõe o virtual ao real ou o virtual ao físico, como se as
representações virtuais não fossem também físicas e reais. A diferença
não está em ser real ou não-real, mas nos tipos de realidade e de
fisicalidade que são distintas nesses casos. Veio daí minha predileção
pelo “carnal”, pois este adjetivo explicita de que tipo de matéria física
e mental se trata aí.
A análise me levou à conclusão de que, de um lado, mesmo quan-
do acessa as redes, o corpo mantém a propriocepção de sua existência
carnal no espaço em que existe. De outro lado, as interfaces transpor-
tam o aparato sensorial e perceptivo aumentado do corpo para uma
jornada imersiva em um mundo espectral. Isso significa que, para o
julgamento de percepção, há duas distintas e simultâneas representa-
ções do corpo: aquela do corpo carnal e aquela dos corpos alternativos,
não importa quantos sejam, nas projeções desencarnadas. Isso explica
porque a coerência proprioceptiva pode ser mantida a despeito das fron-
teiras mutáveis do corpo no ciberespaço.
Se tomarmos por base a fenomenologia da percepção de Merleau-
Ponty, como fez Hansen (2004, 2006) conclusões compatíveis com aque-
las a que cheguei, por meio da semiótica, também podem ser atingi-
das. Para Merleau-Ponty (1994), antes de pensar o mundo, estamos no
mundo e, nessa condição, “precisamos reconhecer o indeterminado
como um fenômeno positivo.” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 27) As-

126
sim, “a unidade espacial e temporal, a unidade intersensorial ou a uni-
dade sensorimotora do corpo são, por assim dizer, de direito”. Elas
“não se limitam aos conteúdos efetiva e fortuitamente associados no
curso de nossa experiência”. De certa maneira, “elas os precedem e
justamente tornam possível sua associação.” (MERLEAU-PONTY,
1994, p. 145) Nessa medida, as vicissitudes da expansão perceptiva
que o ciberespaço apresenta, embora transformem, não são capazes de
quebrar a unidade tempo-espacial e intersensorial do corpo, pois esta
unidade lhe é imanente, uma unidade que lhe é concedida “enquanto o
corpo está polarizado por suas tarefas, enquanto existe em direção a
elas, enquanto se encolhe sobre si para atingir sua meta” (MERLEAU-
PONTY, 1994,p. 147), justamente o que ocorre quando a percepção,
envolvendo todo o corpo em integração indissolúvel com a mente, se
debruça sobre as redes de signos, sobre os artefatos e arquiteturas
líquidas do ciberespaço.
Cada acontecimento motor ou tátil, no caso, o simples clicar de
botões, faz alçar à consciência uma abundância de intenções que vão
do corpo enquanto centro de ação virtual em direção do objeto
(MERLEAU-PONTY, 1994, p. 157), nesse caso, as construções simu-
ladas. Enfim, o sujeito humano é uma realidade indecomponível e pre-
sente inteira em cada uma de suas manifestações, seja esta bater um
prego na parede ou navegar, por meio de conexões, de um ponto a
outro em espaços informacionais. “Portanto, não se deve dizer que
nosso corpo está no espaço, nem tampouco que ele está no tempo. Ele
habita o espaço e o tempo” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 193), não
importa quão complexas essas coordenadas tenham se tornado. Somos
no espaço e no tempo. Nosso corpo aplica-se a eles e os abarca. A
amplitude dessa apreensão mede a amplitude de nossa consciência;
mas, de qualquer maneira, ela nunca pode ser total: o espaço e o tem-
po que habitamos de todos os lados “tem horizontes indeterminados
que encerram outros pontos de vista. A síntese do tempo assim como
a do espaço são sempre para se recomeçar.” (MERLEAU-PONTY, 1994,
p. 195)

127
Mais ainda:

[...] os lugares do espaço não se definem como posi-


ções objetivas em relação à posição objetiva do nosso
corpo, mas eles inscrevem em torno de nós o alcance
variável de nossos objetivos ou de nossos gestos.
(MERLEAU-PONTY, 1994, p. 199)

Assim, o corpo é mediador de um mundo.

Ser corpo é estar atado a um certo mundo, e nosso


corpo não está primeiramente no espaço: ele é no es-
paço. [...] Por isso, nosso corpo é comparável à obra
de arte. Ele é um nó de significações vivas e não a lei
de um certo número de termos co-variantes.
(MERLEAU-PONTY, 1994, p. 210)

O objeto exterior não é o geometral ou o invariante de uma série


de perspectivas, mas algo em direção ao qual somos conduzidos.
(MERLEAU-PONTY, 1994, p. 211)
É impressionante verificar até que ponto a concepção
merleaupontiana do corpo e do espaço-tempo denuncia a ingenuidade
das lamentações sobre o esquecimento do tempo e dos arredores físicos
dos corpos dos internautas. Embora distinto da filosofia, outro caminho
não menos ontológico e epistemológico para o exame da reciprocidade e
compatibilidade entre corpo biológico e ciberespaço encontra-se na teo-
ria ecológica da percepção desenvolvida por Gibson. (1986) Gibson ini-
ciou sua trajetória com vínculos behavioristas, passou, então, para a
investigação psicofisiológica da visão (1950), fase também ultrapassada
pelo estudo dos sentidos considerados como sistemas perceptivos (1966)
que, por fim, o conduziu à sua teoria ecológica da percepção.
Contra quaisquer formas de dualismo entre mente/matéria e mente/
corpo, para a ecologia perceptiva, há múltiplos níveis de realidade e a

128
percepção resulta de fatores evolutivos e adaptativos a vários tipos de
ambiente. Ela se dá num continuum sensório em que não há como separar
do seu entorno aquele que percebe. O continuum também implica o
acoplamento entre percepção e propriocepção. Esta compreende o co-
nhecimento do corpo próprio dentro do ambiente. A propriocepção é
muscular, articulatória, vestibular, cutânea, auditiva e visual. As ativi-
dades perceptivas, por meio de sistemas exteroceptivos, proprioceptivos
e performativos, são exploratórias, implicam a reciprocidade entre a ati-
vidade perceptiva e a estimulação efetiva e estão enraizadas no
ecossistema.
Dessa breve apresentação, algumas conclusões podem ser extraí-
das relativas ao corpo e o ciberespaço. Se a realidade percebida apresen-
ta múltiplos níveis, a realidade simulada integra-se ao ecossistema como
um de seus níveis, principalmente porque ambientes simulados consti-
tuem-se em um novo tipo de ambiente ao qual a percepção, como um
sistema evolutivo, se adapta. Uma vez que a percepção se dá em um
continuum sensório, não há por que postular uma separação drástica en-
tre pretensos espaços físicos e pretensos espaços virtuais. No que diz
respeito ao corpo, se esse continuum também abarca a propriocepção, não
há como postular que o corpo fica inerte e esquecido enquanto a mente
surfa pelo ciberespaço, pois percepção e propriocepção são dois pólos
inseparáveis de atenção. Em suma: o continuum perceptivo inclui a per-
cepção do próprio corpo, do seu entorno e a estimulação efetiva e, na
maior parte das vezes, sinestésica que o ciberespaço apresenta ao
percebedor e ao qual este reage como agente performativo, pois navegar
no ciberespaço significa interagir perceptiva e mentalmente com os es-
tímulos sensórios voláteis que se apresentam.
Ao fim e ao cabo, o que os estudos dos especialistas em percepção
parecem indicar com alguma segurança é que os cultivados temores
quanto ao esquecimento do corpo são decorrentes de visões dualistas
incuráveis que tomam como pressupostas as separações entre o mundo
dito real e o mundo dito virtual, entre o corpo e a mente. Seja como for,
nem são mais necessários argumentos para contradizer esses dualismos,

129
pois a força da realidade veio mais ligeira, ao introduzir, com os equipa-
mentos móveis, novas condições corporais, espaciais e temporais, que
estão levando os temores de roldão.

CONCEITOS ANTECIPATÓRIOS
Antes mesmo que a era da mobilidade tivesse se instalado com a
onipresença que ela hoje alcançou, alguns autores, que não caíram no
conto dualístico, antecipatoriamente trabalharam com conceitos que hoje
se revelam fundamentais para se pensar as condições ontológicas e
comunicacionais que emergiram com a mobilidade. Entre esses autores,
vale a pena citar dois: Manuel Castells (2000) e André Lemos (2004b)
com seus conceitos de espaços de fluidos e cidade ciborgue respectiva-
mente.
Para Castells (2000), a sociedade das redes se caracteriza por espa-
ços de fluxos, ou seja, redes são a organização material de práticas soci-
ais temporalmente compartilhadas que funcionam através de fluxos. A
infraestrutura material, embutida em estruturas urbanas, que torna es-
sas práticas possíveis é, em parte, composta pelas tecnologias digitais e
por redes físicas. Essas redes físicas dão suporte material ao ciberespaço.
Portanto, o ciberespaço em nada se assemelha a um território extra-
natural, pairando acima da fisicalidade do mundo, mas é parte integran-
te de um espaço de fluxos. Nas palavras de Lemos (2004b, p. 134), o
espaço de fluxos é a organização de uma nova estrutura específica, defi-
nida pela “concentração e descentralização territorial articulada por re-
des telemáticas, o ciberespaço”. O autor continua:

O espaço de fluxos reestrutura as cidades e dá forma


às cidades contemporâneas. A rede telemática é a infra-
estrutura central da cidade-ciborgue. O espaço de flu-
xos caracteriza-se assim por interação das redes e é
construído de nós que se estruturam a partir da cone-
xão e atividades em uma dada localidade. Ele é feito e

130
preenchido por diversos atores sociais que operam a
rede, seja em espaços residenciais, de trabalho ou lazer.
No entanto, o espaço de fluxo mostra sua intersecção
com o espaço de lugar, já que ele se caracteriza tam-
bém pelos espaços físicos compostos de cabos, servi-
dores, roteadores, hubs e toda a infra-estrutura neces-
sária ao livre trânsito das informações digitais. (LE-
MOS, 2004b, p. 134)

Sob esse ponto de vista, portanto, não há oposição, mas sim in-
tensificação das ligações entre o espaço de fluxos e o espaço de lugar.
Ruas, monumentos e praças são interfaceados pelo espaço de fluxo por
meio dos diversos dispositivos de conexão às informações digitais. Como
se pode ver, tanto as redes telemáticas sempre se instalaram em lugares
físicos, quanto as comunidades virtuais eletrônicas nunca deixaram de
viver em áreas limítrofes entre a cultura física e a virtual, de modo que o
crescimento dos espaços eletrônicos nunca caminhou na direção de uma
dissolução das cidades, dos corpos, do mundo físico, mas sim para a
intersecção do físico com o ciberespacial. Assim como os ambientes ur-
banos são físicos, dando suporte material às redes e, ao mesmo tempo,
vias de acesso ao ciberespaço, nos usos que disponibilizam, por exemplo,
tornou-se muito comum a perplexidade de pais relatando a situação de
filhos que fazem a lição de casa, enquanto respondem seus e-mails, com
a TV ligada e intermitentemente atendem a telefonemas de amigos.

A ANTROPOMORFIA DOS DISPOSITIVOS MÓVEIS


Curioso notar o quanto a presença crescente das mídias móveis
(celulares incrementados, palm-tops, redes Wi Fi etc.) contribuiu para
intensificar todas as intersecções que já existiam em potência, fazendo
jus àqueles que preconizam que a evolução dos dispositivos tecnológicos
os converterá a uma antropomorfia cada vez mais acentuada e não o
contrário. Nessa medida, uma vez que o movimento é condição imanente

131
dos corpos vivos, enquanto a conexão por computadores de mesa apre-
senta, no seu sentido físico, uma interface estática, pois implica que o
usuário esteja parado diante do computador para poder entrar na
internet, coextensivas ao humano, as interfaces tornam-se móveis quan-
do a mobilidade passa a ser parte integrante do processo. Conforme
Souza e Silva (2006, p. 35), enquanto na internet fixa os servidores e
roteadores representam os nós fixos da rede digital, em uma rede mó-
vel, os celulares se tornam tais nós, carregados por usuários que se
deslocam por espaços físicos. “Nesse movimento, não apenas os nós da
rede se tornam móveis, mas também os caminhos através dos quais os
nós se movem são de suma importância para a configuração da rede.”
(SILVA, 3006)
Desse modo, como diz Pellanda (2006, p.202),

[...] a própria geografia da rede passa a não ser fixa. O


fato de os nós estarem sempre em movimento e não
mais estáticos faz com que o mapa da rede seja sem-
pre mutante. Os dados não só trafegam pela rede
como os próprios nós também se alteram até em fun-
ção dos tipos de informação.

Nessa nova ecologia, Lemos (2004a, p. 2) completa:

[...] a cibercultura [...] solta as amarras e desenvolve-


se de forma onipresente, fazendo com que não seja
mais o usuário que se desloque até a rede, mas a rede
que passa a envolver os usuários e os objetos numa
conexão generalizada.

A cibercultura, desde sempre, significou cultura do acesso. Contu-


do, todo o processo se metamorfoseia, quando o acesso se dá em movi-
mento e, mais do que isso, com os celulares cada vez mais multifuncionais,
quando não apenas se recebe informação em movimento, mas também se

132
pode emitir, em um canal de retorno, conteúdo relacionado inclusive com
a posição geográfica do aparelho. Além dos intensos deslocamentos inter-
nos que são próprios dos fluxos informacionais do ciberespaço, passam a
existir deslocamentos externos, acompanhando os movimentos dos usuá-
rios, ou seja, o ciberespaço ganha o trânsito das ruas e os usuários conectam-
se a vários espaços simultaneamente com o mínimo de deslocamento físi-
co. Resulta disso um neonomadismo que potencializa a movimentação e
os pontos de encontro nas cidades. (PELLANDA, 2006, p. 203)
O espaço digital, por tudo isso, está sofrendo uma profunda
reconceitualização especialmente devido às ações grupais micro e macro
coordenadas, naquilo que Rheingold (2004, p. 195) chama de redes so-
ciais ad hoc móveis, novas formas sociais que nascem da junção da com-
putação, comunicação e sensores de localização, possibilitadas pela co-
nexão móvel. Nesse contexto, ad hoc significa que a organização entre as
pessoas e os dispositivos desenvolve-se de modo informal. Rede social,
por seu lado, quer dizer que cada indivíduo de um coletivo inteligente é
um nó que tem laços sociais (canais de comunicação e vínculos sociais)
com outros indivíduos.
Nesse contexto de profunda intimidade dos equipamentos
tecnológicos com a dinâmica que é ditada pelo corpo humano, os novos
recursos para celular que, aliás, é hoje um minicomputador
multifuncional, vão surgindo como cogumelos depois da chuva. Como
se sabe, os celulares 3G incluem acesso à internet banda larga, à trans-
missão e recepção de mensagens de texto (SMS), mensagens multimídia
(MMS), câmeras digitais e sistemas de posicionamento. Recentemente,
o Twitter, por exemplo, a mais nova febre cibercultural, uma rede social
para microbloging, recebeu vários tipos de interfaces para o seu acesso em
diferentes aparatos móveis, por exemplo, o Twinkle para iPhone. O Twinkle,
que faz parte de uma nova geração de softwares que utilizam a localização
física como um grande diferencial na internet móvel, incorpora a possi-
bilidade de listagem de pessoas que estão próximas. Outro serviço base-
ado em localização é o Loopt, “[...] um ambiente de comunidade virtual

133
onde a posição geográfica de todos os participantes é transmitida em
tempo real para os servidores da rede.” (PELLANDA, 2006, p. 205)
Com tudo isso, as condições limítrofes - já insinuadas antes mesmo
da emergência dos espaços móveis interconectados pelo uso de
interfaces portáteis - progressivamente vieram se tornando pervasivas,
tomando conta de todas as situações vividas e provocando significati-
vas mutações no estatuto do corpo e de suas condições de existência
em um espaço digital agora metamorfoseado na medida em que se
cruza com o espaço físico no ato mesmo em que se dão as conexões. O
corpo, cuja perda iminente foi tão lastimada, está na realidade se trans-
formando rapidamente em um conjunto de extensões ligadas a um
mundo multidimensional, pautado pela interconexão de redes e siste-
mas on e off line. (BEIGUELMAN, 2006, p. 153) Assim, nós continua-
mos a habitar esferas físicas, em urdiduras nas quais várias outras esfe-
ras ciberespaciais se misturam, sem que os ambientes físicos desapare-
çam. Essa é a urdidura dos espaços híbridos (SILVA, 2006) espaços
informacionais (LEMOS, 2008) ou espaços intersticiais (SANTAELLA,
2007b), diferentes nomes para referir-se a uma mesma condição de
espaços diferenciais que se sobrepõem, se cruzam, se interpenetram,
se complementam e, em meio aos quais, é a presença do corpo com
todo o seu aparato motor, perceptivo e cognitivo que comanda a enre-
dada cena.

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136
VÍDEO-VIGILÂNCIA E
MOBILIDADE NO BRASIL 93*

Fernanda Bruno

INTRODUÇÃO
A incorporação da vídeo-vigilância em espaços públicos de livre
circulação no Brasil vem crescendo significativamente nos últimos anos.
Tomando como base dados levantados em entrevistas realizadas com as
instâncias responsáveis pela instalação e monitoramento das câmeras de
vigilância em vias públicas e em pesquisa efetuada no período de agosto
de 2007 a agosto de 2008 em jornais brasileiros disponíveis na internet,
o artigo analisa o regime de visibilidade e de controle da mobilidade
vigente na utilização da vídeo-vigilância como dispositivo de segurança
nos espaços públicos das cidades brasileiras.

MOBILIDADE E VIGILÂNCIA DISTRIBUÍDA


Vigilância e mobilidade mantêm, historicamente, relações estrei-
tas: as demarcações de fronteiras e proteções territoriais, o controle das
migrações e circulação de pessoas, bens, doenças etc. nos lembram como

93
Este artigo é um resultado da pesquisa Visibilidade, vigilância e subjetividade nas novas
tecnologias de informação e de comunicação, apoiada pelo CNPq (Bolsa de Produtividade em
Pesquisa 2007-2010).

137
são antigos os cruzamentos entre esses dois processos. (SALTER; ZUREIK,
2005, FOUCAULT, 2007) Uma primeira visada histórica parece mos-
trar que as práticas e técnicas de vigilância usualmente atuam no senti-
do da contenção da mobilidade. As forças relativamente estáticas e
imobilizantes da vigilância, com seus controles territoriais,
esquadrinhamentos espaciais e inspeções dos fluxos de homens, merca-
dorias etc. se oporiam às forças desterritorializantes e relativamente
imprevisíveis da mobilidade, que representariam riscos à ordem social.
(ADEY, 2004) No entanto, um olhar mais cuidadoso revela outra rela-
ção entre vigilância e mobilidade, que não exclui a anterior, mas se so-
brepõe a ela. Sobretudo, desde a constituição das cidades e Estados mo-
dernos, os dispositivos de vigilância não simplesmente se opõem às di-
versas formas de mobilidade, mas as acompanham e as ordenam não
apenas no sentido de contê-las ou imobilizá-las, mas também no sentido
de capitalizá-las e potencializá-las a seu serviço. Isto é especialmente
visível nos processos de urbanização a partir do século XVIII, cujos
dispositivos de vigilância e segurança (a constituição das polícias, das
políticas de saúde e gestão da população etc.) visavam não apenas esta-
belecer limites, fronteiras, localizações, mas possibilitar e assegurar a
circulação de pessoas, de mercadorias, do ar etc. (FOUCAULT, 2007)
Esta dupla relação entre vigilância e mobilidade se acentua e se
complexifica no mundo contemporâneo, uma vez que se amplia enorme-
mente a mobilidade dos indivíduos, populações, informações, comuni-
cações, bens, negócios etc., ao mesmo tempo em que se multiplicam e se
diversificam os dispositivos de monitoramento, vigilância e controle dessa
mobilidade tornada cotidiana. (LYON, 2002) A difusão das tecnologias
móveis de comunicação (telefones celulares, laptops, palmtops), da compu-
tação pervasiva e dos sistemas informacionais de geolocalização
(Geographic information system - GIS, Global positioning system - GPS) são
centrais na crescente imbricação entre vigilância e mobilidade, uma vez
que tais tecnologias, embora não sejam projetadas especificamente para
o exercício da vigilância, incluem em sua própria engrenagem sistemas
de monitoramento das ações, informações, comportamentos e comuni-

138
cações de seus usuários. Neste contexto, a mobilidade, que antes pode-
ria, em certos casos, ser uma forma de escapar à vigilância ou transgre-
di-la, se torna seu meio privilegiado: estar em movimento ou ser móvel
significa, muitas vezes, estar sujeito à vigilância e ao monitoramento,
uma vez que não há mais distância material, espacial, temporal ou
informacional que se interponha entre o sistema de vigilância/
monitoramento e o sujeito/objeto vigiado. Esta condição, contudo, não
implica, como se costuma identificar, a consolidação de uma sociedade
hiperpanóptica em que a vigilância se tornaria total. Tendo em vista a
penetração dessas tecnologias no cotidiano e a retórica da segurança e
do terror pós-11 de setembro, inúmeros autores têm diagnosticado uma
hipertrofia do dispositivo panóptico nas atuais sociedades de vigilância.
(KOSKELA, 2003, GANDY, 1993, POSTER, 1990) Supor que se trata,
sobretudo de uma intensificação deste dispositivo implica perder de vis-
ta algo essencial: as mudanças não apenas na intensidade da vigilância,
mas no seu modo de funcionamento, que se encontra em muitos aspec-
tos bastante distanciado do modelo panóptico. Uma extensa discussão
sobre as rupturas e continuidades com tal modelo já foi produzida no
âmbito dos estudos de vigilância (BOGARD, 1996, MARX, 2002,
LIANOS, 2001) e não se pretende aqui revisá-la. Trata-se, sim, de anali-
sar alguns elementos das relações entre mobilidade e vigilância no Bra-
sil, buscando ressaltar certas especificidades do atual modo de atuação
da vigilância neste contexto.
A incorporação da vídeo-vigilância às paisagens urbanas contem-
porâneas é um processo global amplamente instituído em diversos paí-
ses. No Brasil, embora estejamos familiarizados com a vídeo-vigilância
em espaços privados e semi-públicos, testemunhamos o início da sua
presença em áreas públicas de livre circulação. As implicações sociais,
políticas e subjetivas deste processo ainda não podem ser plenamente
apreendidas e contamos com pouquíssimas pesquisas sobre o tema. Neste
artigo, me restrinjo a apontar alguns poucos aspectos da relação entre
vídeo-vigilância e mobilidade em contextos urbanos brasileiros. Para
tanto, utilizo dados coletados em entrevistas realizadas com instâncias

139
responsáveis pela instalação e monitoramento das câmeras de vigilância
em vias públicas e de pesquisa realizada no período de um ano (de agos-
to de 2007 a agosto de 2008) em jornais brasileiros disponíveis na internet.
Os dados produzidos nestas pesquisas serviram de base para a análise
efetuada neste artigo, em que se procura ressaltar tanto os processos
próprios ao modelo contemporâneo de vigilância distribuída e seus con-
trastes com o modelo panóptico, quanto as tensões e ambiguidades do
regime de visibilidade e controle da mobilidade próprios à presença da
vídeo-vigilância em espaços públicos urbanos brasileiros.
Proponho o termo “vigilância distribuída” para designar não um
dispositivo ou uma atividade específica, mas o estado geral da vigilân-
cia nas sociedades contemporâneas. Em linhas breves, trata-se de uma
vigilância que tende a se tornar cada vez mais ubíqua e incorporada
aos diversos dispositivos tecnológicos, serviços e ambientes que usa-
mos ou frequentamos cotidianamente, mas que se exerce de modo des-
centralizado, sem hierarquias estáveis e com uma diversidade de pro-
pósitos, funções e significações nos mais diferentes setores: nas medi-
das de segurança e coordenação da circulação de pessoas, informações
e bens, nas práticas de consumo e nas estratégias de marketing, nas
formas e meios de comunicação, entretenimento e sociabilidade, na
prestação de serviços etc. Nota-se que em certos casos ela se exerce
misturada a dispositivos que não são prioritariamente voltados para a
vigilância, sendo assim uma função potencial ou um efeito secundário
de dispositivos que são projetados inicialmente para outras finalidades
– comunicação, publicidade, geolocalização etc. Daí deriva uma
multiplicidade de objetos atuais ou potenciais de vigilância, que não
mais se restringem nem se justificam por grupos suspeitos, marginais
ou supostamente perigosos, mas que podem ser todos e qualquer um
– consumidores, transeuntes, internautas, criminosos, participantes
de reality shows etc.
No seio dessa vigilância distribuída, há ainda uma variedade de
focos possíveis, pois os atuais dispositivos que constituem esse regime
de vigilância distribuída não vigiam ou monitoram apenas indivíduos

140
ou grupos, mas informações, transações eletrônicas, comportamentos e
hábitos no espaço informacional, deslocamentos, comunicações, rastros
no ciberespaço, fluxos de corpos anônimos no espaço urbano etc. Não
são menos diversos os afetos e as significações subjetivas e sociais que a
vigilância hoje mobiliza: se por um lado ela se justifica ou se exerce pelo
medo e pela promessa de segurança e proteção, ela também se faz pre-
sente nos circuitos de diversão, prazer, sociabilidade, como nos mos-
tram cotidianamente os reality shows, os sites de compartilhamento de
imagem, os micro-blogs, as redes sociais etc. Conta, por fim, com um
tríplice regime de legitimação: o da segurança, o da visibilidade midiática
(marcado pela presença dos dispositivos de vigilância nos circuitos de
entretenimento, sociabilidade e espetáculo) e o da eficiência na presta-
ção de serviços, sobretudo no campo dos serviços das redes e tecnologias
de comunicação, as quais cada vez mais incorporam aos seus critérios de
eficiência e funcionalidade mecanismos de monitoramento, arquivo e
classificação de dados sobre seus usuários.
Falar de vigilância distribuída é, portanto, bastante diferente de
falar de vigilância total ou panóptica. Como se pode ver, não se trata de
uma simples expansão de modelos historicamente conhecidos, mas de
outra configuração das práticas e dispositivos em que a vigilância se
torna um processo distribuído entre múltiplos atores, técnicas, funções,
contextos, propósitos, afetos etc. Vale notar o quanto a mobilidade, nes-
se processo, é menos o que se pretende estancar ou conter, do que aquilo
que se deseja orientar, conduzir, capitalizar ou potencializar em deter-
minadas direções. Quando os próprios focos e os próprios dispositivos
de vigilância tendem a se tornar cada vez mais móveis, a mobilidade
deixa de ser simplesmente o avesso ou o perigo que perturba os espaços
ordenados sob monitoramento do que aquilo mesmo que deve ser ga-
rantido e assegurado pela vigilância.
Esta noção de vigilância distribuída servirá de pano de fundo na
análise da recente e crescente presença da vídeo-vigilância em espaços
públicos de livre circulação nas cidades brasileiras. Ressaltarei, nesse
contexto, aspectos de um regime de visibilidade e de controle da mobi-

141
lidade em que os espaços e deslocamentos dos corpos monitorados são
cada vez mais associados à segurança, enquanto a imobilidade passa a
ser indício de ameaça e fonte de suspeita. Notarei, ainda, como aí convi-
vem e se alimentam duas formas distintas de controle da mobilidade
pela vídeo-vigilância – aquela que se dirige a garantir e estimular a livre
circulação, sob vigilância, de indivíduos e grupos que participam dos
circuitos de serviços, consumo e trabalho na cidade e aquela que se
dirige a capturar e conter a mobilidade de populações pobres e/ou consi-
deradas perigosas, retirando-as destes circuitos.

VÍDEO-VIGILÂNCIA: visibilidade e controle da


mobilidade urbana no Brasil
Comecemos por números: no ano de 2005, havia apenas cinco
câmeras de vídeo-vigilância em vias públicas de livre circulação (open
street cameras) na cidade do Rio de Janeiro; em 2008 essas câmeras so-
mam 220, com previsão de se chegar a 720 até o fim do ano, represen-
tando um crescimento expressivo entre 2005 e 2008 (com um aumento
de 144 vezes neste período)94. Na cidade de São Paulo, havia 96 ruas
monitoradas em 2007 e, até o fim de 2008, estima-se haver 369 ruas
monitoradas e um total de 12.000 câmeras em vias e estabelecimentos
públicos (museus, escolas, parques etc.) na cidade95. Outras importan-
tes cidades brasileiras, como Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba,
vêm ampliando significativamente, a partir dos anos de 2004 e 2005,
seus investimentos em sistemas de vídeo-vigilância em espaços públicos
de livre circulação. No Nordeste brasileiro, Fortaleza é a cidade que
conta com o projeto mais ambicioso, prevendo a instalação de 250 novas

94
Informações fornecidas pela Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, em entre-
vista concedida em abril de 2008.
95
Informações fornecidas pela Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, em entrevista
concedida em junho de 2008.

142
câmeras até o fim do ano de 2008, sendo hoje o espaço público
monitorado por 35 câmeras96.
A constatação mais evidente frente a esses números é a de um
recente e expressivo crescimento da vídeo-vigilância em espaços públi-
cos no Brasil, mesmo que os números absolutos sejam baixos, se compa-
rados a outras cidades do mundo, como Londres97 ou Nova Iorque98. As
razões para tal crescimento no Brasil são múltiplas, locais e globais, e
não é a intenção deste artigo analisá-las. Apenas apontaremos alguns
elementos da trajetória da vídeo-vigilância no Brasil para em seguida
nos dedicarmos às suas implicações para o controle da mobilidade nas
grandes cidades brasileiras.
A trajetória da vídeo-vigilância no Brasil tem início nos anos 1980,
se intensifica nos anos 1990 e a partir de 2003 se torna quase um sinô-
nimo de segurança (KANASHIRO, 2008), passando a figurar não ape-
nas nos setores privados e semi-públicos, como nos espaços públicos.
Como se pôde notar pelos números apresentados, os sistemas de vídeo-
vigilância em áreas públicas de livre circulação só começaram há cerca
de quatro anos no Brasil, tendo se intensificado significativamente nos
últimos dois anos. O Estado é responsável pela instalação e
monitoramento destes sistemas, ainda que existam parcerias pontuais

96
Todas as informações relativas ao número e características técnicas de câmeras de vídeo-
vigilância em vias públicas de livre circulação nas cidades brasileiras mencionadas neste artigo
são resultados de entrevistas realizadas entre março e outubro de 2008 com as instâncias res-
ponsáveis pela vídeo-vigilância nas Secretarias Estaduais e/ou Municipais de Segurança Pública,
e de pesquisa realizada em jornais brasileiros disponibilizados na internet no período de agosto
de 2007 a agosto de 2008. Os números de câmeras aqui referidos se restringem as que se
destinam à segurança pública, instaladas em áreas de livre circulação (as câmeras de
monitoramento do trânsito, por exemplo, não estão incluídas nessa contagem).
97
Segundo pesquisa realizada em 2004, há cerca de 4 milhões de câmeras em Londres, sendo
aproximadamente 40.000 utilizadas em vias públicas de livre circulação (open-street CCTV).
Ver, Hempel e Töpfer (2004).
98
Segundo relatório da New York Civil Liberties Union (2006), no ano de 2005 havia cerca de
4.468 câmeras visíveis desde o nível da rua na cidade de New York.

143
com o setor privado. Boa parte do aumento recente deste investimento
público deriva de verbas possibilitadas pelo Programa Nacional de Se-
gurança Pública com Cidadania (PRONASCI99), lançado pelo Ministé-
rio da Justiça em 2007, com o intuito de combater a criminalidade no
país, aliando políticas de segurança a ações sociais de caráter, sobretudo,
preventivo. Embora a instalação de câmeras de vigilância não esteja en-
tre os projetos oficiais do projeto, diversos estados tem efetivamente
orientado as verbas obtidas nesse sentido. Até muito recentemente, gran-
de parte dos investimentos em vídeo-vigilância se deram massivamente
no âmbito da segurança privada, marca da reação brasileira à violência
nas suas cidades. Em 2002, por exemplo, estima-se que havia cerca de
um milhão de câmeras instaladas no Estado de São Paulo, sendo boa
parte delas destinada à proteção de espaços privados ou semi-públicos.
(KANASHIRO, 2008) As cidades brasileiras multiplicaram seus “enclaves
fortificados” (CALDEIRA, 2000, p. 12), que são “espaços privatizados,
fechados, monitorados, destinados à residência, lazer, trabalho e consu-
mo” e que mantêm “do lado de fora” aqueles que não participam desses
circuitos ou que representam alguma ameaça ao bom funcionamento
dos enclaves e à segurança daqueles que os habitam. O monitoramento
das câmeras de vigilância situadas em espaços públicos é usualmente
feito por instâncias responsáveis pela segurança pública, ainda que em
alguns casos preveja a terceirização na contratação de pessoal. O Estado
passa a engordar a crescente receita da indústria de segurança, que nos
últimos nove anos cresce cerca de 13% ao ano no Brasil, segundo a
Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Seguran-
ça (ABESE)100. No ano de 2007, o crescimento foi de 15% comparado ao
ano anterior101 e, em 2008, uma das mais importantes empresas do se-
tor de vídeo-vigilância, a Axis102, escolheu o Brasil para sede dos seus

99
Ver endereço eletrônico: http://www.mj.gov.br/pronasci/
Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (http://
100

www.abese.org.br/).
101
Dados fornecidos pela Abese: http://www.abese.org.br/
102
Ver endereço eletrônico: http://www.axis.com/

144
escritórios na América do Sul. Segundo o discurso das próprias indústri-
as de segurança, a suposta saturação dos mercados europeu e norte-
americano aponta países como Brasil, Índia, Rússia e China como mer-
cados emergentes da vídeo-vigilância103.
No que concerne às relações entre vídeo-vigilância e mobilidade
nos espaços urbanos brasileiros, um primeiro aspecto a ser ressaltado, de
ordem técnica, é a progressiva conversão do modelo de circuito fechado
de televisão com utilização de cabos, que ainda guarda tanto tecnicamen-
te quanto esteticamente vínculos com espaços delimitados e relativamen-
te fechados, para o modelo de vídeo-vigilância digital e sem fio, que se
propõe mais apropriado ao monitoramento da mobilidade urbana. Cida-
des como São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba tem investido
em tais sistemas digitais e sem fio com transmissão de dados pela internet,
telefone celular ou rádio, possibilitando tanto uma maior mobilidade dos
próprios dispositivos e ações de monitoramento, quanto um maior con-
trole do fluxo de pessoas nos espaços públicos urbanos104. Os sistemas de
vídeo-vigilância sem fio permitem que as câmeras sejam reposicionadas
com maior frequência e menor custo, bem como a transmissão e o
monitoramento de imagens por telefones celulares, ou a instalação de
câmeras em carros, o que torna a vigilância simultaneamente mais móvel
e mais apta ao monitoramento da mobilidade. Além de se mostrar um
sistema “ideal” para as redes públicas de monitoramento do espaço urba-
no, inclusive pelo seu baixo custo, se comparado aos sistemas analógicos e
com fio, a vídeo-vigilância digital e sem fio encarna ainda a “solução técni-
ca” para a distribuição da vídeo-vigilância para todo e qualquer indivíduo
que deseje monitorar seus imóveis, negócios, empregados, parentes, fi-

103
Dados fornecidos pela Abese: http://www.abese.org.br/
104
Embora seja clara a progressiva conversão do modelo de vídeo-vigilância analógico e com
utilização de cabos para o modelo digital e sem fio, há hoje diferentes combinações destes
modelos convivendo no Brasil. Independente do modelo utilizado, a maioria das câmeras ins-
taladas em vias públicas a partir do ano de 2005 possui visão de 360 graus, zoom de 22x e
monitoramento em tempo real pelos setores encarregados pela segurança pública nos estados e
cidades brasileiras.

145
lhos, etc. No Brasil, as câmeras IP, que permitem monitoramento via
internet, anunciam-se como a tecnologia que trará vigilância por todos e
para todos, ampliando o uso personalizado da vídeo-vigilância em ambi-
entes domiciliares, de trabalho, entre outros.
Além desse aspecto técnico, gostaria de ater-me em alguns aspec-
tos do regime de visibilidade e de controle da mobilidade presentes na
incorporação de sistemas de vídeo-vigilância em espaços públicos urba-
nos no Brasil. A face mais exposta desse processo é a progressiva conso-
lidação de uma retórica da segurança que promove uma quase identifi-
cação da vídeo-vigilância com uma mobilidade segura. Tal retórica é
particularmente visível nas matérias jornalísticas que reportam a insta-
lação de câmeras de vigilância no Brasil. Em pesquisa realizada ao longo
de um ano nos jornais brasileiros disponíveis na internet105, observou-se
que 98,3% das matérias que noticiavam a instalação de sistemas de
vídeo-vigilância em espaços públicos de livre circulação apontavam a
segurança como o seu principal elemento legitimador. Nestas matérias,
o aumento da vídeo-vigilância é praticamente identificado ao aumento
da segurança, sendo esta entendida, neste contexto, como redução do
número de infrações e prisão de infratores. Apenas 3,39% das matérias
aborda a ineficácia das câmeras de vigilância na redução de crimes, o que
é digno de nota, dado o fato de as estatísticas recentes em diversos
países indicarem não haver evidências quanto à eficiência da vídeo-vigi-
lância no combate à criminalidade. (GILL; SPRIGGS, 2005)
No entanto, o discurso jornalístico e sua retórica da segurança
não explicitam nem questionam o quanto a mobilidade que a câmera se
propõe a assegurar dirige-se a uma parcela da população que é conside-
rada “vítima virtual” (VAZ; CARVALHO; POMBO, 2006) de uma ou-
tra imensa parte da população para quem a câmera é, não um dispositi-

105
A pesquisa foi realizada de agosto de 2007 a agosto de 2008 em jornais brasileiros disponí-
veis na internet. Foram selecionadas e analisadas matérias que noticiavam a instalação de siste-
mas de vídeo-vigilância em espaços públicos de livre circulação, procurando apreender os ele-
mentos legitimadores deste processo no discurso jornalístico.

146
vo de segurança e proteção, mas de exclusão e suspeita. Ainda no âmbi-
to do discurso jornalístico, Vaz, Carvalho e Pombo (2006) mostram como
as matérias recentes relativas à criminalidade na cidade do Rio de Janei-
ro priorizam o sofrimento das vítimas, multiplicando depoimentos das
próprias ou de seus parentes e amigos, enquanto raramente mencionam
das causas sociais do crime ou o sofrimento dos criminosos. Promove-se,
assim, uma identificação dos leitores como vítimas potenciais ou virtu-
ais de crimes que, segundo tal discurso, cada vez mais são caracterizados
por uma aleatoriedade e uma irracionalidade que os tornam uma espécie
de sombra constante de um grupo de bárbaros sobre uma elite a quem
parece não restar outra ação além da busca por mais proteção e seguran-
ça. Nesse contexto, as câmeras de vigilância nos espaços públicos de
livre circulação anunciam-se como uma forma de garantir às classes que
antes se protegiam atrás de muros e grades dos condomínios, shopping
centers, etc., uma mobilidade segura pelas ruas das cidades, uma vez que
as câmeras, segundo a retórica que as legitima, teriam um efeito
dissuasivo, afastando o crime das zonas monitoradas, ou possibilitando
flagrantes e prisões de criminosos em plena ação, uma vez que são
monitoradas em tempo real. Nota-se, assim, que se por um lado, as
câmeras em espaços públicos asseguram a mobilidade dos cidadãos que
tem livre acesso aos circuitos de consumo e civilidade, estendendo, para
além dos “enclaves fortificados”, a sua mobilidade “segura”, por outro
lado, ela participa de processos de gentrificação, deslocando das áreas
monitoradas e vigiadas toda uma outra parcela da população, cuja mo-
bilidade é vista como ameaçadora e precisando ser controlada, contida.
Este aspecto torna-se mais claro quando a instalação de câmeras de vigi-
lância faz parte de projetos de revitalização ou reurbanização de áreas
decadentes ou abandonadas pelo poder público. Uma pesquisa realizada
no Parque da Luz da cidade de São Paulo (KANASHIRO, 2008), uma
região até há pouco tempo frequentada prioritariamente por uma popu-
lação pobre, consumidores de drogas, prostitutas e mendigos, aponta
como a revitalização da área e o uso de câmeras de vigilância no local
implicou uma política de promoção do desaparecimento desses grupos.

147
Cabe notar como a significação social e a forma de controle exercida
pela incorporação de câmeras de vigilância aos espaços públicos nas cida-
des brasileiras envolve um regime de visibilidade e de ordenação da mobi-
lidade marcado por ambiguidades e tensões. De um lado, este regime
encarna o modelo global de vigilância para todos, uma vez que a vídeo-
vigilância, quando incorporada aos espaços públicos de livre circulação,
não é dirigida a grupos previamente definidos. Diferentemente dos dispo-
sitivos de inspeção modernos, que observavam um conjunto predefinido
de indivíduos cuja presença se devia à própria instituição que as vigiava
(prisioneiros, enfermos), as câmeras de vigilância em ruas, parques públi-
cos etc. são dirigidas a todos e a qualquer um, cumprindo uma função
prioritariamente dissuasiva e “preventiva”. Os indivíduos aí não têm uma
identidade individual nem coletiva que justifique a vigilância, sendo o
acaso de transitarem num mesmo espaço inspecionado o único fato que os
une. Nesse sentido, somos todos transformados em vítimas e suspeitos
potenciais. Em alguns casos, a própria instância socialmente encarregada
de exercer a vigilância é transformada em seu objeto, como a polícia, por
exemplo, que também passa a ser monitorada pelos batalhões responsá-
veis pelo monitoramento das vias públicas. Um exemplo recente desse
processo na cidade Rio de Janeiro foi a instalação de câmeras de vigilância
nos carros da polícia encarregados de fazer operações nas comunidades
carentes (favelas), conhecidos como “caveirões”. Como tais operações po-
dem ser marcadas por grande violência, as câmeras, monitoradas em tem-
po real pela Central de Comando e Controle da Secretaria de Segurança
Pública, vigiam tanto eventuais ações dos criminosos quanto da polícia.
Entretanto, como se viu, esse regime de visibilidade para todos
convive com uma distinção bastante clara entre as massas móveis para
quem vigilância rima com proteção e segurança e as massas cuja mobili-
dade deve ser contida e para quem vigilância rima mais fortemente com
suspeita e exclusão106. Mais uma vez pode-se perceber uma diferença

106
Ainda que esta seja uma forte característica do uso da vídeo-vigilância no Brasil, inúmeros
estudos mostram processos similares em outros países. Ver, (NORRIS; ARMSTRONG, 1999,
COLEMAN, 2003, BOTELLO, 2007).

148
significativa em relação ao modelo disciplinar e panóptico, segundo o
qual a segurança das cidades e populações implicava a vigilância de indi-
víduos perigosos em espaços circunscritos. Hoje, diferentemente, a se-
gurança implica uma vigilância tanto das vítimas quanto dos suspeitos
potenciais, o que cria uma zona de indiscernibilidade mais forte entre
estes termos. Mas essa indiscernibilidade se conjuga, no Brasil, com
uma clara distinção entre as populações a quem se pretende assegurar
uma mobilidade segura e livre e as populações que se tornam alvo de
suspeita nas zonas de mobilidade monitorada, uma vez que não se encai-
xam na regularidade prevista das massas móveis ‘civilizadas’. (BAUMAN,
1999) É possível ainda afirmar que, inversamente ao modelo panóptico,
hoje as elites que se identificam como vítimas virtuais das populações
pobres e supostamente perigosas das cidades passam a “requerer” vigi-
lância como sinônimo de segurança. A câmera de vigilância exerce assim
uma função simbólica ambígua: de um lado, legitima-se a partir de um
discurso que afirma haver perigo e razão para haver medo, uma vez que
um local monitorado é supostamente um local potencialmente perigoso,
pois caso não o fosse não haveria razão para que a câmera estivesse ali; de
outro lado, ela provê, simbolicamente, uma aparência de segurança as-
sociada à visibilidade. A câmera atua, assim, para uma certa lógica que
procura legitimar a sua presença em espaços públicos, como um disposi-
tivo que ao mesmo tempo supõe insegurança e provê segurança.
Tal regime de visibilidade e controle da mobilidade conta, ainda,
com um regime perceptivo e atencional em que o repouso, a lentidão, os
corpos parados ou as rupturas na mobilidade regular são um dos alvos
privilegiados de suspeita do olhar vigilante. Tal aspecto pode ser parci-
almente entendido como um dos elementos gerais do processo atencional
em jogo na vídeo-vigilância urbana contemporânea, o qual está voltado
para a captura do excepcional, do irregular. Ou seja, as câmeras não se
destinam tanto a instaurar uma normalidade no seio de uma população
desviante (como no caso das instituições panópticas), mas antes a flagrar
uma fratura na ordem corrente. Tanto os humanos por trás das câmeras
quanto os softwares de identificação de movimentos suspeitos podem exe-

149
cutar essa tarefa de flagrar uma ruptura na normalidade, ou mesmo
antecipá-la. Em boa parte dos ambientes urbanos, especialmente nas
vias públicas, o fluxo movente dos corpos e objetos constitui hoje o
movimento regular e esperado, associado às dinâmicas do consumo, do
trabalho e da vida corrente e corrida das cidades. Há inúmeros softwares
de vídeo-vigilância que detectam automaticamente paradas e interrup-
ções nos movimentos dos corpos, bem como objetos estáticos por deter-
minado tempo em certos locais, filtrando e destacando tais situações
suspeitas para os operadores de câmeras ou as instâncias de seguran-
ça107. No Brasil, tais softwares ainda não são utilizados em vias públicas,
mas um processo similar se dá no treinamento da atenção vigilante dos
operadores de câmeras, como mostra a já mencionada pesquisa de
Kanashiro (2008) no Parque da Luz da cidade de São Paulo. Segundo a
autora, a massa de transeuntes e a cadência dos movimentos estão no
campo atencional dos operadores, sendo as mudanças bruscas de direção
e as interrupções de fluxo os signos de perigo ou irregularidade. Além
disso, mesmo se tratando de um parque, os corpos parados ou demasia-
damente “ociosos” também são alvo de suspeita, uma vez que se desta-
cam da mobilidade esperada ou se tratam de corpos que, do ponto de
vista da vigilância, não deveriam estar ali – como mendigos, meninos de
rua, indivíduos embriagados ou usuários de drogas. A mobilidade incor-
pora-se, assim, a uma arquitetura da regularidade e é sobre as interrup-
ções, fraturas e descontinuidades em seu fluxo padrão que recaem os
olhares por trás das câmeras, fazendo soar o sinal de alarme na atenção
vigilante sobre os territórios urbanos monitorados.

107
Tais softwares fazem partem de um novo ramo da vigilância – Intelligent Video Surveillance -
que visa detectar automaticamente situações suspeitas nas imagens capturadas. Empresas como
VideoIQ (http://www.videoiq.net/), Intuvision (http://www.intuvisiontech.com/), Arinc (http:/
/www.arinc.com/), IntelliVid (http://www.intellivid.com/) têm desenvolvido esses softwares para
prover segurança em diversos setores: transportes, comércio, lazer etc.

150
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152
SOBRE OS AUTORES
André Lemos (alemos@ufba.br) é Professor Associado da Facul-
dade de Comunicação da UFBa, engenheiro, mestre em política de ciên-
cia e tecnologia (COPPE/UFRJ), doutor em Sociologia pela Université
René Descartes, Paris V, Sorbonne e Pós-Doutor (visiting scholar) pelas
University of Alberta e McGill University, Canadá, 2007-2008. Pesqui-
sador 1 do CNPq. É autor de diversos artigos nacionais e internacionais
e de livros sobre comunicação e cibercultura. Membro de diversos comi-
tês editoriais, particularmente do Canadian Journal of Communications, do
Prix Ars Electronica e do Wi. Journal of Mobile Media. Consultor da Capes,
CNPq e Fapesp. Foi presidente da Associação Nacional dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS) de 2003 a 2005. http:/
/andrelemos.info

Eduardo Campos Pellanda (eduardo.pellanda@pucrs.br) é gra-


duado em Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio Grande do Sul, mestre e doutor em Comunicação
Social também pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Pós-Doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) -
Boston - EUA. Atualmente é professor da Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio Grande do Sul e membro do programa de Pós-Graduação em
Comunicação da mesma instituição. Coordenador do Laboratório de
Documentos Digitais HP/Famecos. http://ubimidia.com

Fabio B. Josgrilberg (fabio.josgrilberg@metodista.br) é jorna-


lista, mestre em Estudos da Mídia pela Concordia University, Canadá, e

153
doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Ar-
tes da Universidade de São Paulo, com estágio pós-doutoral na London
School of Economics and Political Science. É professor associado do Programa
de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista
de São Paulo onde é Assessor de projetos da Pró-reitoria de Educação a
Distância. É integrante da comissão editorial do Wi-Journal of Mobile
Media e editor executivo da revista Comunicação & Sociedade. Integra o
comitê internacional do Mobile Life e o comitê executivo da Cátedra de
Gestão de Cidades. http://www.fabio.jor.br.

Fernanda Bruno (fgbruno@matrix.com.br) é professora adjunta


do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Comunicação pela ECO/
UFRJ. Coodenadora do CiberIDEA: Núcleo de pesquisa em tecnologias
da comunicação, cultura e subjetividade. Pesquisadora do Conselho Naci-
onal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq. Endereço
Institucional: Av. Pasteur, 250/Fundos. Rio de Janeiro/Brasil. CEP 22290-
240. http://dispositivodevisibilidade.blogspot.com/

Fernando Firmino da Silva (fernando.milanni@gmail.com) é jor-


nalista e professor titular do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB. É doutorando no Programa
de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Uni-
versidade Federal da Bahia- UFBA. Faz parte dos Grupos de Pesquisa
em Cibercidades (GPC) e Jornalismo Online (GJOL). Edita o blog http:/
/jornalismomovel.blogspot.com

Gilson Schwartz (schwartz@usp.br) é graduado em Economia e


Ciências Sociais pela USP, Doutor em Economia pela Unicamp
e Professor Associado do Depto. de Cinema, Rádio e TV da Escola de
Comunicações e Artes da USP, com Pós-Doutorado (Professor Visitante)
pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, onde desenvolveu o proje-
to Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br). Coordena no Brasil o
Consório PRO-IDEAL (Promoting and ICT Dialogue between Europe

154
and América Latina) patrocinado pelo “Framework Program 7” da Co-
missão Européia (www.pro-ideal.eu). Integra o Conselho Consultivo do
Instituto Claro.

Lucas Bambozzi (lbambozzi@comum.com) é artista multimídia


baseado em São Paulo. Seus trabalhos cobrem uma variedade de forma-
tos (instalações, vídeos, curtas, projetos interativos, etc). Bambozzi tem
apresentado seus trabalhos em exposições individuais e coletivas no Brasil
e em mais de 40 países. Foi artista visitante de CAiiA-STAR Centre.
Desenvolveu pesquisa sobre privacidade e sistemas pervasivos onde ob-
teve seu MPHIL em 2006 na University of Plymouth, UK. Seus traba-
lhos de curadoria mais importates são: SonarSound (2004); Digitofagia
(2004); Motomix Art & Music Festival (2006), arte.mov, International
Mobile Media Art Festival (2006-2009). http://bambozzi.wordpress.com

Lucia Santaella (lbraga@pucsp.br) é coordenadora do Programa


de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital-
PUCSP. Doutora em Teoria Literária pela PUCSP e Livre-docente em
Ciências da Comunicação pela USP. Professora convidada na Uni-Valen-
cia (2004) e Uni-Kassel (2009). Organizou 11 livros e publicou 30, além
de muitos artigos em periódicos no Brasil e no exterior. Site: http://
www.pucsp.br/~lbraga.

Sérgio Amadeu da Silveira (samadeu@gmail.com) é professor


titular da Faculdade Cásper Líbero. Graduado em Ciências Sociais (1989),
mestre (2000) e doutor em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo (2005). Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da
Informação (2003-2005) e membro do Comitê Gestor da internet no
Brasil (2003-2005). Pesquisa as relações entre comunicação e tecnologia,
práticas colaborativas na internet e a teoria da propriedade dos bens
imateriais. Autor dos livros: Exclusão Digital: a miséria na era da informa-
ção e Software Livre: a luta pela Liberdade do conhecimento. http://
samadeu.blogspot.com/

155
Colofão

Formato 16 x 23 cm

Tipologia AGarmnd

75 g/m2 (miolo)
Papel Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)

Impressão Setor de Reprografia da EDUFBA

Capa e Acabamento Gráfica Cian

Tiragem 600 exemplares

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