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A alma do sujeito poético encontra-se dividida, por uma lado, está devotada à
simplicidade, à paz, à natureza, à sensibilidade, por outro lado, vota-se à tristeza, ao
pensamento. Merece-se ser triste, confessa o sujeito lírico, quando o pensamento invade a
alma. É que os seus pensamentos aparecem “com um ruído de chocalhos”, isto é de forma
ruidosa, destituídos de simplicidade e “para além da curva da estrada” são contentes,
obstinados. Ele não lamenta que os seus pensamentos sejam contentes, eles sê-lo-iam de
qualquer modo, “Em vez de serem contentes... / Seriam... contentes. O que ele lamenta é “Só
tenho pena de saber que eles são contentes / Porque, se o não soubesse, / Em vez de serem...
tristes, / Seriam alegres”. Tudo isto, porque pensar incomoda, incomoda tanto como “andar à
chuva / Quando o vento cresce e parece que chove mais”., logo é o pensamento que gera a
infelicidade e não a tristeza.
O sujeito poético confessa “Não tenho ambições nem desejos / Ser poeta não é uma
ambição minha”. Ser poeta “é a minha maneira de estar sozinho”, acrescenta. “Às vezes”, tem
um desejo: “ser cordeirinho” (simbolizando um ser pacífico, natural, ingénuo, que não pensa),
ou ser o rebanho todo” para melhor sentir a felicidade:
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
E justifica-o com a necessidade de ultrapassar a tristeza que por vezes o assola, representada
simbolicamente pelo pôr-do-sol (o pôr do sol do verso 36 está relacionado com o pôr-do-sol do
verso 9), da nuvem que “passa a mão por cima da luz” (personificação) ofuscando-lhe a
felicidade, do silêncio que “corre... pela erva fora.
O sujeito lírico prossegue a sua caracterização enquanto pastor: ele é pastor quando
escreve versos na realidade e escreve versos no pensamento quando é pastor. Sente “um
cajado nas mãos”, símbolo do pastor, mas também da sua segurança, da sua estabilidade, e
vê-se no cimo de um outeiro olhando o rebanho (rebanho = ideias -> metáfora) e exigindo
ingenuidade.
“E vejo um recorte de mim” é mais uma manifestação da dispersão que aflige o sujeito
poético, ele não é tudo aquilo que quer ser, ele sente-se dividido. E é nessa condição de
pastor/poeta, sem outra ambição que não seja a de tentar ultrapassar a tristeza, a nuvem, o
silêncio, que ele, ingénuo e simples, deseja saudar todos os que lerem os seus versos. Ele é
um mestre muito procurado por todos os que se interessam pela sua doutrina, pela sua
filosofia, saudando-os e brindando-os com tudo o que é simples e objetivo, pacífico e suave,
ingénuo e natural: o sol, a chuva, a casa, a janela aberta, a cadeira predileta, a árvore antiga,
a criança despreocupada...
E o que ele deseja, unicamente, é fazer-se passar por qualquer coisa natural,
completamente alheia ao ato de pensar:
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural
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