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I. UM ESPETACULO REVELADOR Assim como Deus — coincidéncia de contrarios, segundo Nicolau de Cusa' (isto é: encruzilhada, intersegao de linhas, bifurcagao de trajetorias, plataforma ou terreno baldio onde se encontram to- dos os transeuntes) — pdde ser patafisicamente definido como “ponto tangente do zero e do infinito”,? encontra-se entre os inu- meros fatos que constituem nosso universo certa espécie de nos ou pontos criticos que poderiamos geometricamente representar como lugares onde o homem tangencia 0 mundo e a si mesmo. Com efeito, certos lugares, certos acontecimentos, certos objetos, certas circunstancias muito raros suscitam, quando so- brevém que se apresentem ou que nos envolvamos com eles, a sensagio de que sua fungao na ordem geral das coisas consiste em nos por em contato com o que ha em cada qual de mais pro- fundamente intimo, de mais quotidianamente turvo e mesmo de mais impenetravelmente oculto. Dir-se-ia que tais lugares, rat . A aA aa er, por um acontecimentos, objetos, circunstancias tem 0 poder, P issi i 4 ficie insipidamente uni- brevissimo instante, de trazer a superficie insipidame i i ; ra alguns forme em que habitualmente deslizamos mundo afo g dos elementos que pertencem com mais direito a nossa vida abissal, antes de deixar que retornem — acompanhando o ramo descendente da curva — 4 obscuridade lodacenta donde ha- viam emergido, Tao-somente a atividade passional (ou, de modo mais res- trito: genital) conhece tais tensdes seguidas de distensdes, tal se- qiiencia de aproximagoes e afastamentos, tais montanhas-russas de subidas e descidas. A alternancia dos processos de sacralizacio e dessacralizagao, inerente a todas as operagdes propriamente re- ligiosas,} o ritmo — 0 modo de conjugar valores fortes e valores fracos — em materia estética, o prazer que proporcionam os es- portes ¢ os jogos (em especial os jogos de azar) participam, em graus e a titulos diversos, dessa dinamica empolgante, que faz com que todo momento em que nos sentimos enfim num apice e em harmonia conosco e com a natureza ao redor revista-se do aspecto de uma espécie de tangéncia, isto é, de um breve paro- xismo, que nao dura mais que um relampago e que deve seu fulgor ao fato de estar na encruzilhada de uma uniio e de uma separagao, de uma acumulagao e de uma dissipagao, como 0 Deus de Nicolau de Cusa, absoluto apenas na medida em que abrange 0 conjunto de todas as linhas e seus desvios ao mesmo tempo em que se desfibra nelas. Entre os diversos acontecimentos mais ou menos sabiamente maquinados para responder a tal propésito, certos espetaculos violentos — como a tragédia, na qual tudo gravita em torno de uma crise que se deve intricar € destrincar — ocupam lugar de eminéncia; semelhantes a esses fatos privilegiados que suscitam a ilusio de nos revelar a nossos proprios olhos, em virtude de alguma afinidade ou analogia secreta, eles tomam ares, talvez com maior intensidade que todos os outros, de experiéncias cruciais, de revelagoes. Reagentes de uma espécie de quimica moral, cujas reacdes coloridas trariam 4 luz alguns dos turbilhdes confusos que se agi- tam em nossos recessos, esses fatos reveladores tornam-se cada vez menos freqiientes numa época como a nossa, esmagada pela necessidade imediata e engrenada de tal modo que o homem pa- rece a cada instante mais resignado a esse divércio de si mesmo que se da pela hipertrofia do pensamento logico ou, pior ainda,

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