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A inconformidade do ser no Diário de Um Pároco de Aldeia

Letícia Alves

“Minha paróquia é uma paróquia como as outras. Todas as paróquias se parecem.” É


assim que Georges Bernanos (1888-1948) começa o seu segundo romance, Diário de Um
Pároco de Aldeia, considerado por muitos críticos como sua obra-prima. Ao contrário do
que diz esta frase inicial, este livro definitivamente não é como os outros: de narrativa
simples, é uma história quase sem história, embora dificultosa de ler, pois se aprofunda
visceralmente na alma das personagens e da paróquia de Ambricourt, norte da França,
onde se passa.

Trata-se de um diário em que o narrador-personagem, um jovem sacerdote recém-


formado no seminário, descreve sua experiência de pastorear uma cidadezinha habitada
por gente assustadoramente cínica e pragmática, para quem a fé católica não é mais do
que uma uma religião formal mantida por aparências. Nem mesmo os padres das
paróquias próximas foram poupados pelo vírus da conveniente crença burocrática, ou
melhor, pela descrença asséptica que parece ter infectado a maior parte da Igreja, segundo
a percepção pessimista do pároco, cujo nome não se sabe.

Ele não tem nome, pois poderia ser qualquer um. Não porque se parece com todos os
jovens padres ingênuos, imaturos e idealistas, mas exatamente pelo contrário: ele
representa o único sacerdote entre tantos que ousa ir contra a mundanização da tradição
católica. Ele não tem nome porque, embora seja o protagonista da história, não é o seu
centro – este livro não é sobre um Pároco de Aldeia, mas sobre a santidade. O leitor atento
acompanha, página após página, a transformação deste pobre homem de hábitos infantis
em um santo.

Santo porque não se adapta à farsa geral do mundo nem falsifica seus objetivos para ser
aceito pela população: ele se mantém intacto na sua missão, mesmo diante da corrupção
que vigora ao seu redor, e tem a audácia de não ser um homem do seu tempo. “Cada época
é salva por um pequeno punhado de homens que têm a coragem de não serem atuais”,
disse certa vez o escritor inglês G. K. Chesterton, que não estava se referindo ao Pároco,
mas bem que poderia.
Há outra frase que define com primor o espírito do Pároco, e foi escrita por ele próprio:
“O ridículo está sempre tão próximo do sublime” – ele não sabe se é um ou se é outro e
passeia entre os dois durante toda a narrativa. Do meio para fim do romance, percebemos
que esse impasse vai perdendo importância para o protagonista: o desprestígio junto ao
povo, as dores da doença, a inadaptação ao “mundo real” vão se esvaindo junto com sua
vida.

O que ocorre é que, além de pobre e menosprezado, o Pároco também está doente, e a
gravidade desse mal vai se acentuando ao longo da narrativa. A forma como trata da sua
situação é desleixada, pois ele se contenta em sentir dor. Paralelamente, cuida da
catequese das crianças da Paróquia e tenta resolver os dramas internos (e interiores) de
uma família de nobres bastante respeitada na cidade, mas consumida pela vaidade e pela
arrogância. É desta pequena receita que se constitui a narrativa simples do romance.

Simples porque é evidente a despreocupação de Bernanos de se utilizar de elementos


padrões para “enriquecer” a ficção: as personagens são apresentadas sem cerimônia,
como se o leitor estivesse convivendo com elas ao mesmo tempo que o narrador-
personagem. A história se arrasta, mas não de forma maçante, porque tem o ingrediente
principal de todo bom romance: o dilema entre a inconformidade do seu protagonista com
as coisas do mundo e a conformidade de todos que estão ao seu redor. O Pároco é um
homem que não se adapta à sociedade porque crê que isso o rebaixaria, assim como
Raskólnikov de Crime e Castigo. Não à toa, Bernanos é considerado o “Dostoiévski
francês” por muitos críticos.

O impasse entre essa alma e o mundo é representado pelos os embates frequentes do


Pároco com o Vigário de Torcy, homem pragmático, mas sábio, que tornou-se, por fim,
seu melhor amigo e confidente. Diante das lições deste velho sacerdote, o protagonista
por vezes envergonhou-se de si mesmo, mas também aprendeu muito sobre a realidade.
Os diálogos entre ambos formam os trechos mais brilhantes deste livro, que é ele todo
impressionante pela profundidade humana que alcança.

O Diário de Um Pároco de Aldeia é classificado pela crítica especializada como um


“romance confessional”, seguindo a linha de grandes livros católicos como Confissões,
de Santo Agostinho. Não se trata, porém, de uma literatura “catequética”, escrita para
converter seus leitores. Bernanos, embora seja reconhecido como um dos maiores
escritores católicos da França junto com François Mauriac, despreza esse título. Ele nem
gostava de se dizer “escritor”, e sua literatura não foi aceita com louvores pelos padres de
sua época.

Bernanos era um católico radical e invencível, totalmente inadaptado a viver em uma


sociedade dúbia e relativista. Seus livros, porém, são duros e intensamente críticos a essa
gente e também ao clero e aos aspectos formais da Igreja. Não porque desprezasse
completamente essa faceta, mas porque era sensível demais à caridade humana – à
verdadeira caridade, diga-se. Os protagonistas criados por ele foram sempre os homens
que se tornam santos, não através do processo burocrático de canonização, mas pela sua
luta feroz e heróica para vencer o mundo corrompido e empoeirado pelo tédio. Bernanos
escreve sobre humanidade. E é disto que este livro fala.

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