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D I R E I TO CO N STITU C I O NAL

Hélcio Corrêa

REFLEXÕES PARA UMA NOVA TEORIA


SOBRE O PODER CONSTITUINTE: a
tese do patriotismo constitucional 53

como superação das antigas tradições


THOUGHTS ON A NEW CONSTITUENT POWER THEORY: the constitutional
patriotism thesis for overcoming ancient patterns
Flávio Quinaud Pedron

RESUMO ABSTRACT
Objetiva demonstrar que o discurso teórico sobre o Poder The author intends to show that theoretical speech about
Constituinte não é uníssono, sendo normalmente transmitido the constituent power does not stem from a single direction,
aos estudantes como uma mescla de duas tradições teóricas being usually conveyed to students as a mixture of two
– a clássica e a moderna. theoretical traditions – the modern and classical ones.
Discute seus principais argumentos, os quais, afirma, não são He brings up its main arguments, which, in his opinion,
capazes de nortear um estudo adequado a um paradigma de- are unsufficient to conduct a proper study on Law
mocrático de Direito, e, por fim, apresenta uma terceira leitura democratic paradigm. At the end, he presents a third
a partir da noção de patriotismo constitucional, apropriada pela interpretation based on the concept of constitutional
Teoria Discursiva do Direito e da Democracia, de J. Habermas. patriotism that has been introduced into Habermas’
Discursive Theory of Law and Democracy.
PALAVRAS-CHAVE
Direito Constitucional; Poder Constituinte; Teoria Discursiva do KEYWORDS
Direito e da Democracia; patriotismo constitucional. Constitutional Law; constituent power; Discursive Theory
of Law and Democracy; constitutional patriotism.

Revista CEJ, Brasília, Ano XIII, n. 44, p. 53-64, jan./mar. 2009


1 TRODUÇÃO: TRÊS LEITURAS tituinte. Dentro dessa (re)leitura, temos a – compreendia-o a partir de duas subdi-
CONCORRENTES NO DISCURSO mudança de titularidade da Nação para o visões: Poder Constituinte originário e o
JURÍDICO ATUAL Povo – figura que foi aos poucos recons- Poder Constituinte derivado.
Ao longo dos estudos que opta- truída para abarcar uma noção pluralista. O primeiro tinha por escopo a cria-
ram por uma abordagem dogmático- As preocupações em distinguir os proce- ção de uma nova ordem constitucional,
constitucional sobre a figura do Poder dimentos democráticos de procedimentos e poderia decorrer ou da elaboração em
Constituinte, pode-se observar a exis- não-democráticos levaram os constitucio- Assembléia Constituinte de um novo tex-
tência de três agrupamentos teóricos nalistas a pensar o seu exercício para além to constitucional, ou da modalidade de
(ou momentos teóricos), reunindo um da Assembléia Constituinte, incorporando outorga (estabelecimento da Constitui-
conjunto de tradições e visões de mun- instrumentos de decisão popular como o ção por declaração unilateral do agente
do sobre o tema: tradicional, moderno plebiscito e o referendum. No estudo do revolucionário)4, destruindo, assim, a
e contemporâneo. Poder Constituinte derivado, tal concepção ordem jurídica anterior.
Todavia, aqui vai o alerta de que a qua- lança luzes aos processos de “mutações in- Um nome de destaque dentro des-
se totalidade dos manuais olvidam (ou formais” da Constituição, como elementos sa tradição é o do abade de Sieyès, para
desconhecem) tal diferenciação, limi- de modificação do significado da norma quem o Poder Constituinte originário re-
tando-se à construção de uma narrati- constitucional, sem qualquer alteração no presentava um modo de legitimação do
va que mistura a visão tradicional com próprio texto. poder político da nação (seu titular), que
a visão moderna, e deixam de lado Por fim, a leitura contemporânea é criava uma nova ordem para a socieda-
a visão contemporânea – de maior realizada à luz dos pressupostos teóricos de, quebrando com uma ordem eminen-
complexidade –, talvez na busca do trazidos pela teoria discursiva do direito temente tradicional (dinástica) anterior. É
desenvolvimento de uma Teoria Geral e da democracia de Jürgen Habermas possível identificar aproximações em seu
do Poder Constituinte1. A tentativa de e explorada pelos componentes da pensamento com os contornos da teolo-
construir-se uma versão didática de Escola Mineira de Direito Constitucional gia, notadamente a idéia de onipotência
explanação sobre o Poder Constituinte – e bem reconstruída nos ensaios Poder do Poder Constituinte originário que cria
– adequada à presente proposta – é Constituinte e Patriotismo Constitucional: o do nada todo um novo ordenamento ju-
um desafio que faz com que aborde- projeto constituinte do Estado democrático rídico (MENDES, 2007, p.187).
mos, à parte, a visão contemporânea, de Direito na Teoria Discursiva de Jürgen Por isso mesmo, afirmam os autores
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que recebe importantes contributos da Habermas, de Marcelo Andrade Cattoni de – em sua grande maioria positivistas – li-
tese do patriotismo constitucional de Oliveira2 e Poder Constituinte e Patriotismo gados a esta corrente que seria um poder
Jürgen Habermas. Constitucional, de Álvaro Ricardo de de fato, isto é, uma manifestação extra-
jurídica que, como poder revolucionário,
Em sua releitura moderna, o Poder Constituinte (quer não encontrava derivação em qualquer
originário, quer derivado de reforma) é assumido a partir de norma jurídica do ordenamento jurídico
deposto5. Por ter sua natureza divorciada
marcos democráticos, que trazem para a figura de povo do universo jurídico, os autores dessa
(noção pluralista) sua titularidade. linha de compreensão são se preocu-
param em realizar qualquer análise ou
A versão clássica da teoria do Poder Souza Cruz (2006). Aqui a noção de estudo a respeito de sua legitimidade
Constituinte é, principalmente, oriunda Poder Constituinte é conectada à de (SOUZA CRUZ, 2006, p. 49-50).
dos trabalhos de autores como Sieyès, Patriotismo Constitucional, permitindo um Não é sem razão que, para Carl
Burdeau, Duguit, Carré de Malberg e questionamento mais radical sobre não Schmitt (1927), a Constituição era
Esmein. No Brasil, a figura de destaque apenas a dinâmica do Poder Constituinte, compreendida como um conjunto de
é Manuel Ferreira Filho, cuja doutrina mas ainda, sobre a concepção moderna decisões sobre a unidade política do
atribui a autoria do conceito de Poder de legitimidade política, a partir da idéia Estado, de modo que o Poder Cons-
Constituinte derivado decorrente (SOU- de autonomia (política, jurídica e moral) tituinte era, então, entendido como a
ZA CRUZ, 2006, p. 48). Aqui, o Poder (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006, p. 33). vontade política dotada de força ou
Constituinte na modalidade originária Assim, o ato fundador da Constituição de autoridade para dar concretude a tal
seria o poder de fato (não-jurídico) cria- um Estado passa a ser tomado como um decisão, que, por sua vez, dispunha a
dor de uma nova ordem jurídica por “processo de aprendizado social capaz de se forma e a identidade política6.
meio de um novo texto constitucional. corrigir a si mesmo”, tendo continuidade e Dado seu caráter revolucionário, Raul
Seu titular seria, antes de tudo, a nação, prosseguimento no transcurso de gerações. Machado Horta, como outros autores, as-
como elemento sociológico que consta- (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006, p. 35). sociavam sua forma à do “Golpe de Esta-
taria um compartilhamento homogêneo do”7, o que é equivocado, pois o “Golpe
de tradições, língua, religião, numa dada 2 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO de Estado” se caracteriza como movimen-
sociedade. Por ser um poder de fato, é 2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA to de usurpação do poder. A seu turno, a
ilimitado e incondicionado. 2.1.1 CONCEPÇÃO CLÁSSICA revolução é então um movimento rápido
Já a versão moderna traz, a partir do A leitura clássica do Poder Constituin- e profundo na estrutura social e no siste-
século XX, uma nova leitura do Poder Cons- te – condizente com o paradigma liberal3 ma do poder. Todavia, afirmar isso não

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quer dizer que a revolução seja fruto da violência, como é muitas premo Tribunal Federal apreciar a validez da norma em ação
vezes mal-interpretado. (CARVALHO, 2005, p. 178). direta de inconstitucionalidade. Se a hipótese for vista como
Por ser uma expressão do fato social, afirma-se como um de revogação, por outro lado, os tribunais não precisam de
poder sem limites, sem condições e autônomo, por isso mes- quorum especial para afastar a incidência da regra no caso
mo, inicial, ou seja, capaz de traçar a nova ordem constitucio- concreto. Se o que há é revogação, o problema se resumirá a
nal como bem desejar8. um juízo sobre a persistência da norma no tempo15.
Na jurisprudência do STF, o acolhimento da tese da re-
2.1.2 CONCEPÇÃO MODERNA vogação deu-se com o precedente da ADI 02-DF, em 1997.
Em sua releitura moderna, o Poder Constituinte (quer origi- Em voto do relator, Min. Paulo Brossard, invocou-se a dou-
nário, quer derivado de reforma) é assumido a partir de marcos trina tradicional para afirmar que a norma inconstitucional é
democráticos, que trazem para a figura de povo (noção pluralis- nula absolutamente, tendo invalidade desde a entrada em
ta) sua titularidade. Quanto a sua natureza, são tomados como vigor da nova Constituição16.
manifestações jurídicas e, por isso mesmo, pertencentes à seara
do universo jurídico. Já a versão moderna a partir das lições de Jellineck
Como conseqüência, passa a ser compreendido como limi-
tado, marcando uma inovação quanto ao pensamento anterior
irá conceber o titular do Poder Constituinte na
(SOUZA CRUZ, 2006, p. 58). Tais limitações seriam de ordem: figura do Povo – como conceito jurídico – em
• Espaciais (territoriais): vinculando o Poder Constituinte a
vez da Nação – conceito este fortemente ligado
uma base territorial determinada9;
• Culturais: uma vez que o povo é o titular do poder cons- a noções sociológicas e antropológicas.
tituinte, é de se esperar um condicionamento a partir de tradi-
ções, da cultura, enfim, do pano de fundo cultural compartilha- E o que aconteceria àquela lei produzida por um ente da Fe-
do por aquela sociedade10. Por isso mesmo, como bem observa deração no regime constitucional anterior, sendo, com a nova or-
Álvaro Ricardo de Souza Cruz, o constitucionalismo moderno dem constitucional, a mesma competência legislativa e transferida
ainda não consegue se livrar da herança clássica, acabando por para figura diversa? É o que se chama de “inconstitucionalidade
aproximar os conceitos de povo e de nação11; formal”: Gilmar Ferreira Mendes é dos poucos autores a enfrentar
• “Direitos Humanos”: consolidando-se a partir da segun- o assunto. Ensina que ‘não há cogitar de uma federalização de
da metade do século XX e marcando uma retomada do pen- normas estaduais ou municipais, por força de alteração na regra 55
samento jusnaturalista e uma reação ao horror do holocausto de competência’. Por isso sustenta que se o tema era antes da
nazista, passou-se a defender a limitação do Poder Constituin- competência, por exemplo, dos Municípios e se torna assunto de
te originário a direitos suprapositivos12 contra a deliberação competência federal com a nova Carta, não haveria como aceitar
majoritária, ou provenientes dos tratados pactuados sobre que permanecessem em vigor como se leis federais fossem – até
direito internacional. por uma impossibilidade prática de se federalizar simultaneamente
As limitações ao Poder Constituinte originário, então, mar- tantas leis acaso não coincidentes (MENDES, 2007, p. 196)
cam uma nova compreensão acerca do tema: seu “exercício” Todavia, o entendimento é pela manutenção da lei federal
não mais representa uma “ruptura integral com o edifício ju- no caso de alteração da competência para as legislaturas esta-
rídico sustentado pela Constituição anterior”. Logo, o cons- duais e municipais. (MENDES, 2007, p. 196).
titucionalismo moderno marca-se como opositor da tese da Outro fenômeno dentro da dinâmica constitucional é o da
originalidade do Poder Constituinte originário, afirmando sim repristinação – que estaria ligada ao retorno da vigência de uma
uma continuidade “formal e material” entre o novo texto e lei com o advento de uma nova Constituição, mas que restabe-
seu antecessor13. leceria sua vigência quando tal Constituição é revogada por uma
Basta lembrar da figura da recepção de normas infracons- terceira Carta Constitucional. A restauração da eficácia de tal lei
titucionais pela nova Constituição, que pode se dar pela via é inviável, não se admitindo a repristinação sob o fundamento
expressa14 ou implícita (ou tácita). Atribui-se a Kelsen a teo- da segurança das relações. A exceção a tal regra, fica a cargo
rização sobre o fenômeno da recepção ao buscar conciliar o do novo texto constitucional expressamente revigorar aquela lei.
Poder Constituinte originário e o vácuo legislativo originado da (MENDES, 2007, p. 197).
instauração de uma nova ordem constitucional. A leitura, então,
dos antigos diplomas normativos devem se dar à luz da nova 2.2 TITULARIDAD E DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
Constituição, sendo esta – e não a anterior – a fonte de funda- 2.2.1 CONCEPÇÃO CLÁSSICA
mento para tais normas. Para a compreensão clássica – que corresponde ao pa-
Mas a norma pretérita não guarda compatibilidade de radigma liberal – o Poder Constituinte Originário como cria-
conteúdo com o novo texto constitucional? A doutrina consti- dor de um novo texto constitucional encontrava na figura da
tucional diverge afirmando uma corrente tratar-se de revogação Nação o seu “titular”. (SOUZA CRUZ, 2006, p. 48). Tal idéia
enquanto outra afirma ser caso de inconstitucionalidade super- decorre da obra de Abade Sieyès, O que é o Terceiro Esta-
veniente: Situar o problema numa ou noutra dessas vertentes do?17 e irá buscar afirmar uma identidade entre o povo e seus
rende conseqüências práticas diversas, a mais notável delas representantes; estes últimos, por sua vez, se reuniriam com o
sendo a de que apenas se entendido que o caso é de incons- único propósito de formar uma Assembléia Constituinte para
titucionalidade superveniente haveria a possibilidade de o Su- redação do texto constitucional.

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Importante frisar que o conceito de nação acaba por en- te originário se manifesta para além do modelo da Convenção
volver uma idéia de homogeneidade cultural, lingüística, eco- (SOUZA CRUZ, 2006, p. 56). No quadro histórico norte-ame-
nômica e política, como lembra Álvaro Ricardo de Souza Cruz, ricano, anota três momentos constitucionais: a fundação dos
de modo que compartilham um mesmo passado de tradições Estados Unidos, ocasião em que uma Convenção de repre-
e eventos históricos [que] une os cidadãos em torno de um sentantes dos trezes Estados se transformou em Assembléia
projeto comum (2006, p. 49), qual seja: uma ruptura com o an- Constituinte; no período da Reconstrução, em que o modelo
tigo ordenamento jurídico a partir da instauração de uma nova de federalismo dual cedeu espaço para um federalismo coo-
ordem constitucional. perativo com uma ampliação significativa das competências
A partir dessa tradição e do compartilhamento dos mesmos federais; e por último, com a implantação do Estado Social, ali
valores éticos, religiosos e culturais, um grupo pode até arrogar- implementado sem qualquer alteração na Constituição, mas
se a condição de representante desse Poder Constituinte, mas por via infraconstitucional, em especial pelo conjunto de nor-
ao fazer isso, necessariamente, deverá agir no sentido de obter mas ordinárias que deram forma à política intervencionista de
acolhimento dos valores dominantes, sob pena de perda do Franklin Delano Roosevelt (New Deal)20.
seu reconhecimento como Poder Constituinte originário. Caso O constitucionalismo moderno também lança novas luzes
contrário, estaríamos apenas diante de uma insurreição – o que quanto ao “exercício” do Poder Constituinte preocupando-se
representa não um movimento político, na visão de alguns cons- em classificá-lo como democrático ou não-democrático. Este
titucionalistas, mas um ilícito penal. (MENDES, 2007, p. 189). último se caracteriza pela usurpação da vontade popular, [...]
Por isso mesmo, nessa concepção há de se destacar uma seja por arbítrio de um Imperador (Brasil/1824), de um ditador
exigência de eficácia atual: quem atua como poder constituinte (Brasil/1937), de uma facção política (União Soviética/1919),
originário deve-se consistir numa força histórica efetiva, apta ou por potências estrangeiras, tais como as Constituições dos
para realizar os fins a que se propõe. (MENDES, 2007, p. 189). países da antiga ‘Cortina de Ferro” ou como a Carta Japonesa
Mais que um querer ser legitimado, essas pessoas têm de estar de 1947 e a Lei Fundamental da Alemanha de 1949, ambas
legitimadas, pois devem produzir uma decisão sobre a nova or- aprovadas diante de clara pressão dos países ocidentais, em
dem jurídica, que revê ter acatamento pelos submetidos a ela. especial dos Estados Unidos (SOUZA CRUZ, 2006, p. 57).
A partir da máxima de que quem pode o mais pode o me- Em sentido inverso, um exercício democrático do Poder
nos, a titularidade do Poder Constituinte derivado foi também Constituinte está ligado ao respeito da vontade popular, que
associada ao mesmo titular do Poder Constituinte originário pode se manifestar: pelo processo democrático representativo
56 (SOUZA CRUZ, 2006, p. 50). Uma vez que só a ele caberia a – circunstância em que o povo elege representantes livremen-
criação de um novo texto constitucional, igualmente, caberia te; ou pelo processo democrático direto, que prevê, além das
sua alteração ou modificação parcial. eleições de representantes, um plebiscito (antecedente aos tra-
balhos) ou um referendum (homologatório ou não dos traba-
2.2.2 CONCEPÇÃO MODERNA lhos) (SOUZA CRUZ, 2006, p. 57). A atual Constituição adotou
Já a versão moderna a partir das lições de Jellineck18 irá conce- o primeiro modelo.
ber o titular do Poder Constituinte na figura do Povo – como con- A supervalorização da Assembléia Constituinte levou à afir-
ceito jurídico – em vez da Nação – conceito este fortemente ligado mação de que esta não estaria submetida às pressões oriundas
a noções sociológicas e antropológicas. Com o avanço do constitu- do Poder Executivo ou mesmo do poder econômico.
cionalismo, incorporando maiores complexidades, que marcam a
construção e a dinâmica social moderna, a noção de “povo” incor- 3 PODER CONSTITUINTE MATERIAL E PODER
pora feições pluralistas trazendo uma preocupação com a tolerância CONSTITUINTE FORMAL
e o direito à diferença19. É claro que o “povo” aqui não pode ser É comum a discussão na doutrina brasileira sobre Poder
tomado como sinônimo de um “bloco de cidadãos ativos”, mas em Constituinte material e sobre Poder Constituinte formal (BONA-
seu sentido político, como conjunto de pessoas que atuam a partir VIDES, 2004, p. 317-319).
de idéias, interesses e representações de ordem política (CANOTI- O primeiro termo é utilizado para designar a força política
LHO, 2002, p. 75). Assim, a mesma noção de novo não pode ser geradora da mudança na ordem jurídica do Estado; sendo as-
reduzida ao numerário de cidadãos ativos ou mesmo ao elemento sim, representa um antecedente lógico do Poder Constituinte
majoritário, ultrapassando tudo isso. O problema se radicaliza no formal, de modo que é responsável por fixar o conteúdo das
fato de que para tal tradição constitucional ainda não se operou normas constitucionais (CARVALHO, 2005, p. 182-183).
uma separação e distinção necessária entre povo e nação. Já o Poder Constituinte formal é termo utilizado para desig-
nação da entidade (grupo constituinte) que formaliza as normas
Os chamados “direitos adquiridos” ocorrem constitucionais, conferindo ao conjunto uma estabilidade. Dado
quando determinada pessoa já teve preenchido o enfoque positivista – e acrítico – a doutrina constitucional se
preocupou mais em sistematizar as suas manifestações que em
todos os requisitos normativos para obtenção
analisar a legitimidade de seus atos, identificando as seguintes
de certa vantagem ou prerrogativa, mas dela formas de expressão:
ainda não desfrutou. • ato unilateral singular (por exemplo, a outorga);
• ato unilateral plural (ato de representação mas conectado
Bruce Ackerman (1991, v. 1, p. 192), constitucionalista nor- ao ato de manifestação direta);
te-americano, é importante para anotar que o Poder Constituin- • ato constituinte bilateral (combina institutos representa-

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tivos e democracia direta ou semi- que sejam contrários à Constituição em cia, limitações e condições para seu exer-
direta); e vigor21. Desse modo, apenas o consti- cício, subordinando-o às definições do
• ato constituinte plurilateral (com a tuinte pode criar exceções ou regras de próprio Poder Constituinte originário.
participação de instâncias distintas transições, se entender como melhor tal Tratado como um axioma – sem muitas
do poder representativo) (CARVA- situação. explicações e argumentos – Burdeau o
LHO, 2005, p. 183-184). Mas se tal direito adquirido não for submeteu à Constituição, afirmando a
contrário, ele tem aplicação produzindo impossibilidade de alterar todo o seu tex-
4 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO efeitos exigíveis e sendo respeitado pela to, sob pena de usurpar espaço e poder
E DIREITOS ADQUIRIDOS Nova Constituição. do Poder originário (SOUZA CRUZ, 2006,
Os chamados “direitos adquiridos” p. 50). Dentro desse grupo o pensamen-
ocorrem quando determinada pessoa 5 PODER CONSTITUINTE DERIVADO: to divergente fica a cargo de Duguit que
já teve preenchido todos os requisitos CONCEITO E LIMITAÇÕES também concebia o poder de reforma
normativos para obtenção de certa van- 5.1 PODER CONSTITUINTE DERIVADO como igualmente ilimitado22.
tagem ou prerrogativa, mas dela ainda DE REFORMA DA CONSTITUIÇÃO Esta teoria fala, então, em quatro
não desfrutou. Suponhamos que, dian- As discussões acerca do Poder Cons- modalidades de limitações:
te de tal hipótese, ocorra a alteração da tituinte de reforma estão muitas vezes • Temporais: representa uma deter-
Constituição, passando agora a proibir associadas ao problema do tempo no minação feita pelo próprio Poder Consti-
tal vantagem. Direito. O Poder Constituinte originário e tuinte originário no sentido de suspensão
O próprio texto constitucional pode sua obra, a Constituição, assumem uma das manifestações do Poder Constituinte
determinar que se respeitem os benefí- expectativa de perenidade no tempo, ge- de reforma (notadamente Emendas à
cios daqueles cidadãos que já estiverem rando segurança jurídica e previsibilidade Constituição) objetivando uma estabili-
usufruindo de tais vantagens. Mas, se- das relações sociais. Todavia, imaginar zação das relações jurídicas durante um
gundo as leituras tanto modernas quanto um ordenamento jurídico e mais, ainda, determinado momento no tempo23;
clássicas sobre o Poder Constituinte ori- uma Constituição, que não seja adaptada • Circunstanciais: por determinação
ginário, a nova Constituição pode dispor e consciente da abertura para mudanças, do Poder Constituinte originário, o texto
diferentemente, eliminando o benefício, significaria sobrecarregar o Poder Consti- constitucional traz uma vedação para al-
já que este Poder supostamente seria tuinte originário, já que, para pequenas terações em períodos de agitação política
ilimitado e incondicionado. Nesse senti- mudanças, muitas vezes, meramente extrema, seja em razão de fatores natu- 57
do, Gilmar Ferreira Mendes e co-autores: pontuais, exigir-se-ia um processo de rais (catástrofes), seja sociais (golpes,
Não se pode esquecer que a Constitui- ruptura constitucional. guerra civil ou externa). Ainda, no caso
ção é o diploma inicial do ordenamento
jurídico e que as suas regras têm inci- Uma corrente contrária à existência das cláusulas pétreas, [...]
dência imediata. Somente é direito o advogam a tese da indistinção entre Poder Constituinte
que com ela é compatível, o que nela
retira o seu fundamento de validade. originário e de reforma, já que o exercício, em democracias, é
Quando a Constituição consagra a ga- igual – isto é, escolha popular de representantes eleitos [...].
rantia do direito adquirido, está presti-
giando situações e pretensões que não Para tanto, o mesmo Poder Consti- brasileiro, o art. 60, §1º, da Constituição
conflitam com a expressão da vontade tuinte já trazia em sua construção a previ- da República de 1988 impede mudanças
do poder constituinte originário. O poder são de um mecanismo de alteração/atu- no texto (alterações formais) na vigência
constituinte originário dá início ao orde- alização. Trata-se, ao mesmo tempo, de de intervenção federal, de estado de sítio
namento jurídico, define o que pode ser um procedimento que deverá ser neces- ou de estado de defesa;
aceito a partir de então. O que repudiado sariamente observado, como ainda de • Formais ou procedimentais: por
pelo novo sistema constitucional não há imposição de limites a serem observados determinação do Poder Constituinte ori-
de receber status próprio de um direito, (MENDES, 2007, p. 203). ginário, o texto constitucional consagra
mesmo que na vigência da Constituição um procedimento próprio para que se
anterior o detivesse. Somente seria viá- 5.1.1 CONCEPÇÃO CLÁSSICA operem as alterações em seu texto24. No
vel falar em direito adquirido como exce- O Poder Constituinte derivado, na texto constitucional atual esse procedi-
ção à incidência de certo dispositivo da concepção clássica sobre o tema, era mento está disciplinado no art. 60, I, II
Constituição se ela mesma, em alguma aquele destinado à modificação parcial e III, §2º, 3º e 5º. Assim, levanta-se a exi-
de suas normas, o admitisse claramente. do texto da Constituição. Importante des- gência de um quorum especializado para
Mas, aí, já não seria mais caso de direito tacar que tal tradição não teceu estudos aprovação de uma Emenda à Constitui-
adquirido contra a Constituição, apenas no sentido de identificar uma distinção ção, de modo que a proposta somente
de ressalva expressa de certa situação entre poder de reformar e poder de re- pode ser aprovada pelo voto favorável
(MENDES, 2007, p. 198-199). visão, tratando ambas as vertentes como de 3/5 dos membros de ambas as Ca-
Por isso, a jurisprudência do STF se indiferenciáveis. sas do Congresso Nacional (Câmara dos
firmou do sentido de não reconhecer Sua natureza jurídica assumida como Deputados e Senado Federal) em dois
a invocação de “direitos adquiridos” poder jurídico estabelecia, por conseqüên­ turnos de votação em cada uma. Outro

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aspecto é quanto à titularidade da propositura da Emenda à identidade (MENDES, 2007, p. 208).
Constituição: (1) 1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos Apresentando sua posição, Gilmar Mendes entende que a
Deputados ou do Senado Federal; (2) Presidente da República; estrutura das cláusulas pétreas é mais principiológica do que
e (3) mais da metade das Assembléias Legislativas dos Estados- redacional. Dessa feita, não é a alteração de sua redação que se
membros, manifestando-se, em cada uma, pela maioria relativa mostra vedada pelo constituinte originário, mas a desnaturação
dos seus membros25. de seu núcleo essencial, ou seja, os “bens constitucionais” que
• Limitações substantivas ou materiais: são, normalmente, ela pretende preservar intocados. Logo, não haveria qualquer
identificadas na forma das chamadas “cláusulas pétreas da Cons- problema em alteração de seu texto ou mesmo em mudança
tituição” (ou cerne imodificável) (CARVALHO, 2005, p. 187); ou de sua disciplina, mas sim na situação de supressão ou aniquila-
seja, o Poder Constituinte originário determina por meio do texto ção27, desfigurando-se a obra do constituinte originário.
constitucional, que alguns elementos essenciais – ligados à iden- Havendo dúvidas quanto à ocorrência de violação dos limi-
tidade da Constituição – fiquem intocados de alteração (SOUZA tes impostos pelo constituinte originário, o Judiciário pode ser
CRUZ, 2006, p. 54). Na Constituição de 1988, esses elementos acionado para se manifestar quanto à (in)constitucionalidade.
estão definidos no art. 60, § 4º (mudança da forma federativa; Tal situação é pacífica desde o início da primeira República28.
manutenção do voto direto, secreto, universal e periódico; sepa- Posteriormente, reconheceu a possibilidade de se questionar,
ração dos Poderes; e os direitos e garantias individuais). por via de mandado de segurança, a desobediência à clausula
Todavia, não é pacífico a defesa desse rol de limites, e pétrea, antes de a proposta se transformar em emenda à Cons-
muitos autores, inclusive, mostram-se perplexos quanto a tal tituição29. Todavia, a legitimidade para tal ajuizamento é exclu-
vedação, indagando o porquê da distinção no Direito Consti- siva do parlamentar federal – já que seria ele o convocado para
tucional, uma vez que tanto a modalidade originária quanto a participar da deliberação.
modalidade derivada são representadas por pessoas escolhidas Quanto ao conteúdo das cláusulas pétreas, ainda há
democraticamente26. Todavia, sua justificação está por constituir polêmica em se definir se além dos direitos individuais (ex-
um verdadeiro núcleo essencial do projeto constituinte, razão pressamente determinados no art. 60, § 4º), também haveria
pela qual, mesmo sendo permitida a mudança pontual, mos- igual proteção aos direitos sociais. Uma corrente advoga que,
trar-se-ia fechada a via para uma ruptura radical. uma vez não havendo inclusão expressa pelo constituinte
Uma corrente contrária à existência das cláusulas pétreas, originário, dever-se-ia assumir o entendimento que este op-
representada por autores como Loewenstein e Barthélemy, ad- tou pela ausência de proteção especial. Corrente contrária,
58 vogam a tese da indistinção entre Poder Constituinte originário por sua vez, compreende que não pode haver a exclusão
e de reforma, já que o exercício, em democracias, é igual – isto dos direitos sociais do rol de cláusulas pétreas, isso porque,
é, escolha popular de representantes eleitos (MENDES, 2007, p. se assumirmos uma compreensão do princípio da dignida-
207). Outra corrente já parte do pressuposto de que as normas de da pessoa humana como fundamento da República, não
que estabelecem as cláusulas pétreas apresentam preceitos ju- podemos tomá-la como satisfeita apartada do valor social do
ridicamente vinculantes, mas não imunes às alterações e revo- trabalho, da construção de uma sociedade justa e solidária,
gações. Assim, as próprias limitações fixadas pelo constituinte da erradicação da pobreza e da marginalização e da redução
originário poderiam sofrer alterações. O sentido básico, então, das desigualdades sociais. Tudo isso se materializa, ou pelo
de tais cláusulas, seria a de proporcionar uma maior estabilida- menos, mostra-se umbilicalmente conectado aos direitos so-
de, mas sem absolutizá-las. ciais (MENDES, 2007, p. 214).
Mas se as cláusulas pétreas, por um lado, criam obstáculo
Quanto ao conteúdo das cláusulas pétreas, para exclusão (abolição) de direitos fundamentais nelas previs-
ainda há polêmica em se definir se além dos to, admitir-se-ia para o constituinte de reforma a faculdade de
inclusão de novos direitos dentro deste rol protetivo? Para Gil-
direitos individuais (expressamente
mar Mendes (2007, p. 215), se a função das cláusulas pétreas
determinados no art. 60, § 4º), também haveria é a limitação da atividade de reforma da Constituição, parece
igual proteção aos direitos sociais. ser descabido ou desprovido de razão imaginar que o Poder
Constituinte derivado objetivar-se-ia limitar a si mesmo. Porém,
Em defesa de tais limitações materiais, busca-se consagrar uma advertência deve ser feita: É possível que uma emenda à
o parâmetro das opções essenciais do constituinte originário, Constituição acrescente dispositivos ao catálogo dos direitos
acusando de “desvio de poder” a tentativa de alteração desse fundamentais sem que, na realidade, esteja criando direitos
núcleo essencial. Se imaginássemos a atividade de revisão da novos. A emenda pode estar apenas especificando direitos
Constituição como algo destacado, autônomo, acabaríamos por já concebidos pelo constituinte originário (MENDES, 2007, p.
romper a linha distintiva das modalidades originárias e deriva- 215). Ou seja, temos um direito já existente dentro do rol, só
das, bem como o sistema de rigidez constitucional, autorizando que agora melhor explicitado. Um exemplo foi o que aconteceu
não a reforma do texto constitucional, mas a construção de um com o direito à prestação jurisdicional célere que, por meio do
novo texto constitucional substitutivo. Outra leitura busca ligar inc. LXXVIII, agregou-se ao art. 5º da Constituição pela Emenda
as cláusulas pétreas aos valores formadores e norteadores da n. 45/2004. Este já existia, porém implicitamente no “direito ao
identidade constitucional de uma sociedade, de modo que as acesso à Justiça”30.
alterações acabariam correndo risco de romper com este sis- A partir da mesma Emenda à Constituição, passou-se a ad-
tema axiológico e esfacelar, ou, pelo menos, descaracterizar tal mitir que os tratados aprovados em cada Casa do Congresso

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Nacional, por dois turnos, com quorum Anna Cândida Ferraz desenvolveu 6 PODER CONSTITUINTE (DERIVADO)
de 3/5 dos seus membros, passam a ser uma célebre monografia sobre o tema, DECORRENTE: ESPÉCIES,
equivalentes às emendas constitucionais. a partir do pensamento de Burdeau, CARACTERES E LIMITAÇÕES
Como anteriormente discutido percebendo que a legislação infracons- O Poder Constituinte derivado de-
quando abordamos a temática do Poder titucional, os costumes e a hermenêu- corrente representa a possibilidade que
Constituinte Originário, ficou assentada tica seriam suas modalidades33. os Estados-membros têm, como conse-
a tese doutrinária tradicional de que o A “interpretação” como forma qüência da autonomia político-adminis-
direto adquirido não poderia ser opo- mais simples de “mutação informal” trativa garantida constitucionalmente, de
nível àquele. Resta agora analisar se tal da Constituição opera sob as bases se auto-organizarem por meio de suas
garantia poderá ser atingida por uma da abertura textual e da polissemia da respectivas constituições estaduais (MO-
emenda constitucional. Constituição, revelando o que Bonavi- RAES, 2006, p. 24). Sua dinâmica releva
Desde já, destacamos haver duas des34 chamou de paradoxo: se, por um para nós o movimento de predominância
correntes colidentes: uma em sentido lado, contribui para a evolução do Di- de forças centrífugas ou centrípetas no
afirmativo e outra em sentido negativo. reito, supostamente impedindo even- âmbito do Estado Federal (CARVALHO,
Sendo assim, uma corrente buscará na tos revolucionários, por outro, revelou- 2005, p. 189).
história do instituto do direito adquiri- se uma abertura para a insegurança Trata-se de um poder derivado, su-
do demonstrar que seu destinatário é o jurídica, correndo o risco de diluir a bordinado e condicionado (CARVALHO,
Legislador Ordinário, e nunca, o Poder Constituição em uma total fluidez35. 2005, p. 189). Para tanto, devem obede-
Constituinte, seja qual for sua moda-
lidade. Reforça-se tal argumento invo- Mas se as cláusulas pétreas, por um lado, criam
cando a literalidade do art. 5º, XXXVI, obstáculo para exclusão [...] de direitos fundamentais
que traz que “a lei” não poderá preju- nelas previsto, admitir-se-ia para o constituinte de
dicar o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada (MENDES,
reforma a faculdade de inclusão de novos direitos
2007, p. 217). A corrente contrária, dentro deste rol protetivo?
por sua vez, argumenta que a garan-
tia do direito adquirido foi concebida Outra fonte de “mutação” é a ativi- cer às normas fixadas na Constituição da
também contra o constituinte de refor- dade legislativa, capaz de solucionar pro- República, quais sejam: 59
ma, não podendo ser suprimida. Ora, blemas como as lacunas do texto consti- • Princípios constitucionais sensí-
“lei” aqui não poderia ser tomada em tucional ou a ausência de eficácia plena veis: estão previstos no art. 34, VII, da
seu sentido literal, mas interpretada de de algumas normas constitucionais36. Constituição de 1988 (forma republi-
maneira adequada, como abrangente Por fim, a modalidade de “mutação cana, sistema representativo e regime
de todo instrumento normativo, o que consuetudinária” foi assumida como prá- democrático; direitos da pessoa huma-
inclui as emendas à Constituição. Ivo tica usual de lacunas ou omissões no tex- na; autonomia municipal; prestação de
Dantas descreve bem o absurdo da pri- to constitucional, marcando uma forma contas da administração pública direta
meira corrente, que com seu argumen- de tradição constitucional37. e indireta; e aplicação do mínimo exi-
to, então, acabaria por reconhecer que A solução do paradoxo apresenta- gido da receita resultante de impostos
o direito adquirido poderia ser atingido do por Bonavides, dentro dessa mesma estaduais – compreendida a proveniente
por um decreto legislativo ou por uma tradição, é fornecido por Gilmar Mendes de transferências – na manutenção e no
resolução (DANTAS, 1997, p. 61). Em em seu manual: fica a cargo das Cortes desenvolvimento do ensino e nas ações
outra linha, alguns autores lembram Constitucionais a palavra final sobre e serviços públicos de saúde). Seu des-
que o instituto do direito adquirido quais “mutações” podem ser considera- cumprimento pelos Estados-membros
não pode ser separado da proteção das legítimas e quais não38. autoriza a sanção política de intervenção
à segurança jurídica (art. 5º, caput da federal (MORAES, 2006, p. 249-250);
Constituição de 1988)31. 5.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO • Princípios federais extensíveis: são
DE REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO as normas comuns à União, Estados, Dis-
5.1.2 CONCEPÇÃO MODERNA No caso brasileiro, é importante des- trito Federal e Municípios, de observância
A concepção moderna de Poder tacar que a previsão constitucional do art. obrigatória (art. 1º, I a V; art. 3º, I a IV; art.
Constituinte derivado de reforma traz 3º do ADCT gerou uma polêmica sobre 4º, I a X; art. 5º; art. 6º a 11; art. 93, I a XI;
novidades a sua disciplina, sendo a prin- a amplitude da revisão constitucional. art. 95, I a III) (MORAES, 2006, p. 250);
cipal a consideração de que a Consti- Muitos constitucionalistas entendiam que • Princípios constitucionais estabele-
tuição pode sofrer alterações informais, a revisão era um mecanismo necessário cidos: são normas espalhadas pelo texto
ou seja, uma evolução nas dimensões para adequar o texto constitucional a uma constitucional responsáveis por organizar
sintática, semântica e pragmática do eventual opção popular pelo parlamenta- a Federação, subdividindo-se em normas
texto (SOUZA CRUZ, 2006, p. 61), sem rismo ou pela monarquia no Plebiscito de de competência (art. 23 a 25; art. 27, §
alteração no seu texto32. Tal fenômeno 1993 (BONAVIDES, 2005); o que não veio 3º; art. 75; art. 96, I, a-f, II, a-d, III; art. 98,
ficou conhecido pelo nome de mutações a ocorrer, uma vez que a maioria decidiu I e II; art. 125, § 4º; art. 144, § 4º a 6º; art.
informais da Constituição. pela manutenção do presidencialismo. 145, I a III; art. 155, I, a-c, II) e normas de

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preorganização (art. 27 e 28; art. 37, I a XXI, §§ 1º a 6º; art. 39 a tucionalmente delineados, garantidores de uma autonomia
41; art. 42, §§ 1º a 11; art. 75; art. 95, I a III, parágrafo único; art. jurídica pública (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006a, p. 624).
235, I a XI) (MORAES, 2006, p. 250). Isto é, substitui o ethos social, de caráter universal, por um
Os constitucionalistas brasileiros distinguem, então, um Po- consenso sobre democracia, limitações do governo, Estado de
der Constituinte derivado decorrente inicial – como poder de Direito e respeito para com a melhor interpretação dos direitos
estabelecer a Constituição do Estado-membro quando não há fundamentais (SOUZA CRUZ, 2006, p. 66). Para tanto, a aposta
uma Constituição Estadual ou quando há uma já em vigor – e recai em um Direito emancipatório e a justificação não se dá
um Poder Constituinte derivado decorrente de revisão estadual apenas na esfera da coerção, mas antes na legitimidade de uma
(ou Poder Constituinte derivado decorrente de segundo grau) racionalidade comunicativa.
– destinado a rever e modificar o texto da Constituição Estadual A Constituição, então, como cerne do Direito, representa
(CARVALHO, 2005, p. 189-190). um norte normativo com princípios de liberdade e de igualdade
e, de outro, as balizas para o sistema político que passa a res-
7 PODER CONSTITUINTE E PATRIOTISMO peitar a legitimidade discursiva e a democracia participativa41.
CONSTITUCIONAL: UMA RELEITURA CONTEMPORÂNEA Nesse diapasão, o conceito de povo deixa de ser um dado pré-
Partindo das conclusões já explanadas no estudo sobre as político ou extrajurídico para ser reconduzido na forma de um
concepções clássica e moderna acerca do Poder Constituinte, consenso voltado para compatibilização e coexistência de distin-
vimos a insuficiência dos conceitos de nação e de povo em tos projetos de vida boa. Desse modo, a noção de povo pode-
ambas as tradições. À luz da Teoria Discursiva do Direito e da ria perder seu caráter de ethos compartilhado como elemento
Democracia, de Jürgen Habermas, podemos apontar dois re- histórico/cultural para subsumir-se em um processo [herme-
paros nessas construções, a fim de adequá-los ao paradigma nêutico] circular de autocompreensão estabelecida mediante
do Estado democrático de Direito: 1º) o conceito está ainda uma comunicação entre os cidadãos, inclusive entre aqueles
muito preso ao constitucionalismo clássico, sendo concebido de diferentes nacionalidades. Com isso, não pretende dizer que
como uma identidade cívica; e 2º) ao se atribuir a titularidade é necessário uma perda de raízes culturais. Pretende apenas
do Poder Constituinte ao cidadão apenas, retorna-se a visão mí- apostar que o cerne do exercício do Poder Constituinte deve se
ope típica do constitucionalismo liberal, isto porque há um su- afastar da procura de um consenso em torno de valores éticos
perdimensionamento do “eu” individual para um “eu” coletivo substantivos, apostando em um consenso procedimentalista
(SOUZA CRUZ, 2006, p. 64-65). Tal identidade cívica é fundante em torno de princípios universais de liberdade e igualdade42.
60 da noção de nação e da afirmação de uma responsabilidade Tal conceito, em sua estrutura comunitarista, acaba por ali-
para os demais membros da sociedade. Observa-se, portanto, mentar uma noção de nacionalismo adversa ao diferente – xe-
a incorporação de noções comunitaristas como um dado pré- nofóbica e discriminatória –, o que é contrário a uma concepção
político e extrajurídico. de povo modelado à luz de uma cidadania participativa. Por
Por isso mesmo, a proposta de Habermas é compreen- isso mesmo, a noção de Patriotismo Constitucional traz à tona
der a idéia de povo para além desta perspectiva comuni- um conceito permanentemente aberto e sem ligações à figura
tarista – recolocando a relação entre autonomias pública e do “nacional”43. A cidadania da comunidade européia é um óti-
privada – mediante a noção de Patriotismo Constitucional, mo exemplo desse novo modelo e demonstra que tal consenso
originalmente cunhada por Dolf Sternberger, quando do 30º pode ser alcançado sem que, para isso, precise-se abrir mão da
aniversário da Lei Fundamental de Bonn (1979), a fim de se herança cultural de cada identidade.
referir à construção de uma nova identidade coletiva alemã Essa conclusão, então, permite a Habermas criticar a tese
que tomava por referência o conteúdo normativo da Lei moderna de que a cultura é modo de limitação apriorística do
Fundamental de 194939. Apesar de outros autores – como Poder Constituinte originário. Sem querer afirmar a necessida-
Rainer Lepsius – fazerem uso da expressão, Habermas bus- de de desconectarmo-nos das amarras culturais – o que seria
cou empregá-la no intuito a dar uma resposta ao problema impossível – a proposta é agora de compreendê-la à luz de
de como os alemães podiam se reconciliar com sua própria um processo crítico de aprendizagem, mostrando-nos que, ao
história totalitária (Nazismo, Holocausto, etc.)40. contrário do que pensam muitos comunitaristas, não somos es-
cravos dos valores sob os quais nascemos e fomos educados,
Os constitucionalistas brasileiros distinguem, possibilitando, inclusive, a superação de preconceitos velados
então, um Poder Constituinte derivado por estas tradições44.
decorrente inicial [...] e um Poder Constituinte Desse modo, podemos mais uma vez apontar falhas na tese
moderna sobre o Poder Constituinte, explicando que nem o indi-
derivado decorrente de revisão estadual (ou
víduo, nem a sociedade encontram-se “amarrados” a elementos
Poder Constituinte derivado decorrente de a priori, intransponíveis, sendo-lhes aberta a via se romperem ou
segundo grau) [...]. superarem condicionantes impostos por esse pano de fundo lin-
güístico-cultural (SOUZA CRUZ, 2006, p. 72). Esse processo de
É desse modo que, por sua vez, Habermas irá substituir o aprendizado social, para Habermas, é explicado a partir de uma
conceito de cidadania de uma vertente romântica e autoritária combinação da psico-pedagogia de Piaget com teorias constru-
de nacionalismo, por uma proposta ligada a um contexto pós- tivistas pós-Piaget, somando-se a tudo a psicologia genética de
nacional e pós-nacionalista – refere-se, agora, à titularidade de Kolhberg, com sua perspectiva de aprendizagem evolutiva (CAT-
direitos fundamentais de participação política, jurídico-consti- TONI DE OLIVEIRA, 2006, p. 624; SOUZA CRUZ, 2006, p. 72).

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Tudo isso o conduz a uma teoria da evo- democracia, ínsito à razão comunicati- cidade e abertura lingüística. Novamente
lução social45. va, assume papel constitutivo do Poder aqui, são os requisitos do discurso [que]
Isso, então, revela que a tese mo- Constituinte, seja ele Originário ou De- permitem avaliação sobre essa correção
derna sobre o Poder Constituinte ainda rivado, no lugar de direitos humanos de [...] (SOUZA CRUZ, 2006, p. 87-88).
se encontra presa a um nível de mo- cunho jusnaturalistas/liberais ou das tra- Como conclusão, destacamos os se-
ralidade chamada convencional, que dições comunitárias de um povo (SOU- guintes pontos:
corresponderia ao momento em que ZA CRUZ, 2006, p. 82). • os conceitos tradicionais do cons-
os valores éticos, religiosos, sociais, po- Se o Poder Constituinte é, então, titucionalismo moderno não levam em
líticos e econômicos de uma sociedade uma prática discursiva de aprendizagem, conta o devido papel da esfera pública
já estão estabelecidos firmando um fica fácil compreender como os direitos como elemento essencial para democra-
status quo social (SOUZA CRUZ, 2006, fundamentais podem assumir diferentes cia participativa51;
p.73). Portanto, desconhecem o fato de noções ao longo do tempo, variando de • a tese moderna não é capaz de
as sociedades contemporâneas já terem conteúdo em cada paradigma jurídico perceber que o processo constituinte
alcançado uma etapa além, uma mora- (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006, p. 35; se dá sob a base de um procedimento
lidade pós-convencional, dentro da qual Souza cruz, 2006, p. 82-83). Destacamos, discursivo de modo que sua titularidade
os indivíduos já conseguem identificar então, para o fato de que tal discurso é, não pode se corporificar em nenhum
os valores que formam sua identidade portanto, sempre aberto e incompleto, ente coletivo52;
e produzem juízos críticos sobre eles, sendo permanentemente renovado49. • Sem querer desvalorizar o “ato
reconhecendo direitos individuais, bem Tais pressupostos, então, também de fundação” de um ordenamento ju-
como princípios universais46. nos obrigam a repensar a prática cons- rídico, Habermas enfatiza que o Poder
A par destas reflexões, resta ainda a titucional levada a cabo pelo Judiciário, Constituinte é algo construído não em
tarefa de criticar a tese liberal de que os em especial pelas Cortes Constitucionais. só momento, mas diuturnamente53. Este
direitos humanos substantivos, fundados O uso difundido da técnica de pondera- “ato” é dependente de constantes relei-
em uma concepção jusnaturalista, re- ção de valores acaba por transformá-las turas críticas.
presentariam limites à atuação do Poder em uma espécie de Poder Constituinte
Constituinte originário. No momento em anômalo (SOUZA CRUZ, 2006, p. 86),
que Habermas recoloca a relação entre permeado por irracionalismos metodo- NOTAS
autonomias (pública e privada), levando lógicos e decisionismos subjetivistas50. 1 Por isso mesmo a relevância do ensaio de Ál-
varo Ricardo de Souza Cruz (2006), que apre- 61
em conta que não há falar-se em integra- A compreensão adequada da atividade senta sistematicamente cada um desses três
ção social hoje apartada de uma esfera jurisdicional, como discurso de aplicação momentos, identificando seus principais traços
pública que permita aos cidadãos serem – e não de criação – de normas contribui, teóricos e seus pensadores.
2 Ver Cattoni de Oliveira (2006) e também Cat-
co-autores das normas que irão gover- ainda, para o problema das mutações toni de Oliveira (2007), capítulo 5 (Qual o Sen-
nar suas vidas, inclusive a Constituição. constitucionais informais: A construção tido do Projeto Constituinte do Estado Demo-
Assim, o problema deixa de estar no e a reconstrução do texto constitucio- crático de Direito? Um exercício de Patriotismo
Constitucional no Marco da Teoria do Discurso
campo da concepção de direitos naturais nal pela via hermenêutica não podem
de Jürgen Habermas) .
antecedentes ao Estado ou mesmo da ser entendidas como permissão para 3 Curioso observar que a visão clássica surge
materialização de valores éticos, para um desconsideração deste mesmo texto. O nos primórdios do constitucionalismo do sé-
processo institucionalizado de criação e risco desta divisa ser transposta é per- culo XVIII, estudando, por conseguinte, toa-
somente pactos fundadores datados, como
aplicação de normas47. manente na atividade judiciária. Con- a Assembléia Nacional da França ou a Con-
Nesse prisma, a Constituição é condi- tudo, o emprego da ponderação de va- venção de Filadélfia nos Estados Unidos. Logo,
ção recíproca para o exercício da sobera- lores pelas Cortes Supremas ou Cortes constituições predominantemente costumeiras
ou as cartas não codificadas (inorgânicas)
nia popular e dos direitos fundamentais, Constitucionais o transforma em certeza não se encaixavam nos parâmetros dessa
no momento em que passa a institucio- (SOUZA CRUZ, 2006, p. 86). perspectiva, a despeito de, tal como a inglesa,
nalizar o sistema de direitos – o conjunto Em vez disso, sua função se poten- serem anteriores ao movimento contratualista
do iluminismo (SOUZA CRUZ, 2006, p. 50).
de direitos (fundamentais) que os mem- cializa quando entendida como contri-
4 Por exemplo, as Constituições de 1824, 1937 e
bros de uma comunidade se atribuem buto para o respeito dos procedimentos o Ato Institucional n. 1, de 1964 como demons-
reciprocamente quando decidem regular constituintes – quer originário, quer de tra Moraes (2006, p. 23).
legitimamente sua convivência mediante reforma. No primeiro caso, é a própria 5 Os partidários da tradição do jusnaturalismo
buscaram associar o Poder Constituinte a um
o Direito Positivo.48 Nessa construção, noção de discurso que permitirá à so- poder de direito a partir da idéia de Direito
o Direito não se dilui na moral, como ciedade realizar uma filtragem quanto Natural, tese esta já afastada com a própria
acontecia no pensamento jusnaturalista, à legitimidade de seu exercício. Já no decadência do pensamento jusnaturalista.
6 A ‘decisão’, na qual Carl Schmitt vê a própria
já que o princípio da democracia é ape- campo do controle do Poder Judiciário possibilidade do direito, in fieri, como divisão
nas co-originário ao princípio da mora- derivado de reforma, temos de observar e confronto entre amigo e inimigo, e que ele
lidade; e ambos derivam do princípio dois pontos. O respeito ao cumprimento vê percorrer, em seguida, a totalidade do or-
denamento, formando-o e sobredeterminan-
do discurso: Sendo assim, o discurso, adequado das limitações formais e tem-
do-o, este ato de guerra representa o máximo
tanto pelo princípio da moralidade pós- porais é facilmente visualizável, ficando de factualidade, plasmada como imanência
convencional, contido na razão prática maiores indagações quanto às limitações absoluta no ordenamento jurídico. A ima-
habermasiana, quanto pelo princípio da circunstanciais e materiais, dadas elasti- nência é tão profunda que, à primeira vista,

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a própria distinção entre poder constituinte e Se há disparidade de grau hierárquico, o pro- Importante, então, fazer um alerta: rigidez não
poder constituído se desfaz, e o poder consti- blema seria de invalidade, embora a partir do é sinônimo de permanência de um texto cons-
tuinte apresenta-se em sua natureza de poder momento posterior à edição das normas, quan- titucional; para tanto, basta nos voltarmos aos
originário ou de contrapoder, potência histo- do a nova Constituição veio a lume. A hipótese, textos ingleses como a Magna Carta, de 1215,
ricamente determinada, conjunto de necessi- assim, seria de inconstitucionalidade superve- ou o Bill of Rights, de 1688, que permanecem
dades, desejos e determinações singulares. O niente, como, segundo lembrou, a vê o Direito intocados até hoje apesar de o modelo inglês
fato, porém, é que a trama existencial sobre a italiano e o português (MENDES, 2007, p. 195). poder ser classificado como flexível (SOUZA
qual o poder constituinte se define é, desde o 17 No livro, Sieyès assinala, nas vésperas da Revo- CRUZ, 2006, p. 53).
início, rompida, reconduzida às determinações lução, que o chamado Terceiro Estado – que 25 Importante, então, lembrar que não existe pre-
abstratas da violência, do evento puro como engloba quem não pertencesse à nobreza ou visão legislativa de iniciativa popular de Emenda
evento voluntário do poder. A tendência ab- ao alto clero, e que, portanto, incluía a burgue- à Constituição (MENDES, 2007,p. 205).
soluta da fundação torna-se pretensão cínica: sia –, embora fosse quem produzisse a riqueza 26 Há quem defenda que seria situação de uma
após haver esboçado uma definição material do país, não dispunha de privilégios e não tinha geração impor sua vontade sobre as futuras
de poder constituinte, Schmitt é enredado na voz ativa na condução política da França (MEN- (MENDES, 2007, p. 206).
sobredeterminação irracionalista da concep- DES, 2007, p. 187). 27 Mendes (2007, p. 209). Nesse sentido o julga-
ção de soberania – de uma concepção pura, 18 É de se registrar que compartilhamos do mesmo do MS 20.257-DF (RTJ, 99/1031) do STF, que
não mais de potência, mas de poder (NEGRI, espanto de Álvaro Ricardo de Souza Cruz: A des- discutiu se uma Emenda à Constituição que
2006, p. 17-18). peito da obra ter mais de um século, bem como prorrogava o mandato de prefeitos de dois
7 Horta (2003, p. 94-95). No mesmo sentido Car- da existência de doutrina mais recente muito para quatro anos afetava o princípio republica-
valho (2005, p. 177-178). mais elaborada do que a sua, tal como se de- no estampado como cláusula pétrea. Em voto,
8 Souza Cruz (2006, p. 50). Curiosamente, parece preende das obras de Müller (Quem é o povo?) Min. Moreira Alves se posicionou no sentido
ser esta a tese defendida por Moraes (2006,p. e Arendt (A condição humana), é curioso como que o aumento temporal por si, não ofenderia
23); e também por Mendes (2007, p 188). a teoria do Poder Constituinte, especialmente a a estrutura essencial do princípio republicano,
9 Logo, em um exemplo simplista, nossa Cons- que é trabalhada aqui no Brasil, ainda utiliza o já que não impedia eleições periódicas para o
tituição não poderia eleger, como capital, conceito de povo extraído da obra de Jellineck Executivo municipal. Outro julgado seguindo a
espaço territorial que desbordaria o exercício (SOUZA CRUZ, 2006, p. 55). mesma linha de raciocínio é o MS 23.047-MC,
próprio da soberania estatal, tal como, por 19 Remetemos, então, à leitura da obra Souza DJ de 14/11/2003.
exemplo, as cidades de Nova York ou de Bue- Cruz (2003). 28 HC 18.178, Arquivo Judiciário, v. XVIII, n. 5, p.
nos Aires [...](SOUZA CRUZ, 2006. p. 50). 20 Souza Cruz (2006, p 56-57). Ver também 341 (MENDES, 2007, p. 211).
10 Um exemplo desses limites são ações quase Ackerman (1991, v. 1, p. 160). Ao que parece, 29 MS 20.257-DF (RTJ, 99/1031).
inconscientes do constituinte de 1988, a men- em Mendes (2007, p. 190), encontramos uma 30 Reportamos ao nosso O Poder Judiciário e(m)
ção a Deus – preâmbulo – e a previsão de um leitura similar à de Ackerman, na qual os au- crise para críticas acerca da denominação
descanso semanal remunerado preferencial- tores defendem que a manifestação do Poder “acesso à Justiça”.
mente aos domingos (art. 7º, inciso XV) ilus- Constituinte originário não está restrita ao ato 31 Recentemente, o STF, em julgamento decidido
tram bem um condicionamento do texto com fundador – ou decisão fundamental, como se por apertada maioria de um voto, entendeu
tradições predominantemente cristãs da nossa referem, talvez lembrando Carl Schmitt –, mas que membros aposentados da Corte, que
62 população (SOUZA CRUZ, 2006, p. 58). recebiam quantia superior ao teto salarial ex-
reconhecem manifestações pontuais nos mo-
11 De um lado, pretende abraçar a matriz do or- mentos de “viragem histórica”, que formam traído da Emenda Constitucional n. 41/2003,
denamento jurídico como algo que fosse ade- (ou conformam) um Estado ex novo, revelando faziam jus – tendo adquirido direito a tanto,
quado à complexidade estrutural do mundo toda a ilimitação e a incondicionalidade de sua insuscetível de ser atingido pela Emenda – a
moderno, ou seja, suportando a concepção de manifestação continuar a perceber montante que superava
um Direito pluralista. De outro, concebe limi- 21 Ver RE n. 14.360, RDA 24/58, RE 74.284, RTJ o teto, até que a quantia excedente viesse a
tes ao Poder Constituinte Originário com bases 66/220, e, mais recentemente, RE 140.894, DJ ser absorvida por subsídio posterior de maior
sociológicas/antropológicas que incidiriam so- de 9-8-1996. valor. (MENDES, 2007, p. 218.).
bre seu titular. (SOUZA CRUZ, 2006, p. 58). 22 Tal polêmica também esteve presente na tradi- 32 Na doutrina de Jellineck (1991, p. 7), a
12 Souza Cruz (2006, p. 50). Ver também Bachof ção norte-americana como lembra Souza Cruz “mutação constitucional” não é produto da
(1994). (2006, p. 50), uma vez que Jefferson sustentava intencionalidade e voluntariedade – como
13 Destaca ainda o constitucionalista mineiro: “É a impossibilidade de se conceber a Constitui- acontece com as “reformas”. Nas “mutações”
possível lembrar o fato de que a Assembléia ção como um instrumento capaz de limitar a a modificação é de sentido, mantendo o texto
Constituinte, que redigiu a Carta de 1988, foi vontade majoritária do povo. Madison, por normativo intocado.
convocada pelo veículo formal da emenda outro lado, assumia posição oposta e temia a 33 Souza Cruz (2006, p. 61). Ver também Ferraz,
constitucional nº 26, de 27 de novembro de ausência de qualquer controle, o que poderia 1986.
1985, à Constituição de 1967. De outro lado, a significar o julgo sob a vontade da Nação às 34 Bonavides (2005). Aqui uma advertência tem
presença de elementos, tais como as normas maiorias apaixonas (idem, p. 51). de ser posta: ao falar em interpretação cons-
transitórias de acomodação (Ato das Disposi- 23 Souza Cruz (2006, p. 51) lembra-nos de que titucional não podemos esquecer o ensaio de
ções Constitucionais Transitórias), ao lado de importantes exemplos foram as Constituição Peter Häberle (1997). A Constituição, se tem
fenômenos como o da recepção de normas Francesas do ano I e do ano III, que, durante no povo sua titularidade, não pode nem ser
infraconstitucionais anteriores ao advento da o período de efervescência da Assembléia Na- produto da vontade exclusiva dos constituin-
nova Carta, demonstram sobejamente que o cional, vedaram qualquer proposta de alteração tes e muito mesmo uma massa de argila a ser
Poder Constituinte Originário não promove no texto constitucional pelo prazo de 10 anos. moldada livremente pelo Supremo Tribunal
um aniquilamento completo da ordem jurídica Todavia, [t]anto o ardor jacobino quanto a bur- Federal. [...] não podemos concordar com
anterior. (SOUZA CRUZ, 2006, p. 60). guesia no golpe de 18 de Brumário, em 1795, Nelson Jobim quando afirma que de todas
14 Por exemplo, como fez o art. 183 da Consti- desfizeram o sonho daqueles constituintes e as supostas negociatas que teriam sido re-
tuição de 1937, determinando a continuidade se tornaram parâmetros para a tese de que o alizadas durante o processo constituinte de
em vigor das leis anteriores à nova Constituição Poder Constituinte Originário era realmente um 1987-88, ‘isso não colocaria a legitimidade
(MENDES, 2007, p. 193). ‘poder de fato’ (SOUZA CRUZ, 2006, p. 51-52). A atual da Constituição em questão, porque nós
15 Mendes (2007, p. 194). Ver art. 97 da Constitui- Carta Imperial Brasileira de 1824, no seu art. 174 (leia-se o Supremo Tribunal Federal) fizemos
ção Brasileira. trazia a vedação de mudança desta pelo período alguma coisa que se chamaria de Constitui-
16 No pólo vencido, merece destaque a posição de 4 anos contados de sua promulgação. ção ‘funcionar’ nestes últimos 15 anos’. Isso
do Ministro Sepúlveda Pertence, de que have- 24 A análise comparativa entre os meios de porque o Supremo Tribunal Federal não pode,
ria aí inconstitucionalidade superveniente, já operação de tal mudança em face dos pro- sob a desculpa de querer guardar a Constitui-
que o critério cronológico de solução de con- cedimentos ordinários de criação de normas ção, privatizar, apropriar-se da Constituição.
flito de normas no tempo somente faz sentido infraconstitucionais foi o que levou Lorde Bryce Não se pode afastar a cidadania, nem do seu
para resolver problemas em que se defrontam a classificar as Constituições em rígidas, semi- momento de criação, nem do seu processo de
normas postas num mesmo plano hierárquico. rígidas e flexíveis. (SOUZA CRUZ, 2006, p. 53). interpretação. [...] Somos todos intérpretes da

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Constituição (CATTONI DE OLIVEIRA, 2007, p. ufanismo nacionalista em face de um passado instituições político-constitucionais; uma leal-
66-67). nacional idealizado. (CATTONI DE OLIVEIRA, dade política ativa e consciente. (CATTONI DE
35 [...] a doutrina brasileira do habeas corpus, 2006, p. 65-66). OLIVEIRA, 2006a, p. 624).
pela qual nossos tribunais estenderam outras 40 Habermas, assim, irá combater veemente- 46 Numa metáfora, poder-se-ia dizer que na pri-
matérias não afetas à cognição estrita da liber- mente historiadores neoconservadores que meira etapa o indivíduo está aprendendo as
dade de locomoção dos indivíduos ao referido pretendiam justificar, remetendo-se, mais regras do jogo. Na etapa convencional, ele
instituto processual, se presta a espelhar a uma vez, a uma dada tradição cultural her- está apto a jogá-lo. Finalmente, na fase pós-
concepção de que a Constituição evolui sem dada, uma certa normalização da história convencional, ele se torna capaz de criticar tais
que ocorra alteração no corpo de seu texto. alemã, quer seja à negação, quer seja ao es- regras. (SOUZA CRUZ, 2006, p. 73).
(SOUZA CRUZ, 2006, p. 62). quecimento, do holocausto e da experiência 47 O Direito deve fundar-se tão-somente no prin-
36 A teoria das normas programáticas, difundida totalitária do nazismo. (CATTONI DE OLIVEI- cípio democrático, não mais compreendido
no Brasil por José Afonso da Silva nas décadas RA, 2006a, p. 624). como mecanismo liberal de decisão majoritá-
de 1970 e 1980, ilustra bem a questão. (SOU- 41 Souza Cruz (2006, p. 67). Nesse sentido, pre- ria ou a partir de uma pretensa ‘vontade geral’
ZA CRUZ, 2006, p. 62). sente se faz o aspecto performativo do ‘prin- republicana, mas como institucionalização de
37 O costume constitucional de proibição de mais cípio da democracia’, que permite transformar processos estruturados por normas que garan-
de uma reeleição foi quebrado com as quatro os destinatários das normas jurídicas em seus tam a possibilidade de participação discursiva
eleições de Franklin Delano Roosevelt, o que, autores, fazendo com que os indivíduos pos- dos cidadãos no processo de tomada de deci-
mais tarde, ensejaria a aprovação da emenda sam usufruir, da melhor maneira possível, sões. (CATTONI DE OLIVEIRA, 2000, p. 93).
constitucional de nº 22, impondo tal restrição. suas liberdades subjetivas e suas liberdades 48 Importante, então observar que a crítica de
(SOUZA CRUZ, 2006, p. 63). comunicacionais. (Idem). Michelman (Brennan and Democracy) a Ha-
38 Mendes (2007, p. 56). Em outra passagem 42 Souza Cruz (2006, p. 68). É preciso lembrar que bermas - no sentido de afirmar um paradoxo
afirma: [...] torna-se evidente que incumbe es- o conceito comunitarista de povo se desdobra entre Estado de Direito e Democracia, o que
sencialmente aos intérpretes-alicadores [isto, é em um contexto de nacionalismo que vincula provocaria um regresso ao infinito, já que a
aos magistrados exclusivamente] – e não aos estranhos dentro de uma mesma relação. Essa Assembléia Constituinte não poderia avocar
legisladores – encontrar as primeiras respostas identidade se dá através de simbologia de um legitimidade democrática das normas que ela
para os novos problemas sociais, uma tarefa passado comum (bandeira, brasão, hino na- mesma criou. Em resposta, o autor alemão
da qual só poderão desincumbir-se a tempo e cional e datas comemorativas), normalmente (O Estado Democrático de Direito – uma
modo se forem capazes de olhar para o futu- evocado por monumentos à memória de pas- amarração paradoxal de princípios contraditó-
ro e trilhar caminhos ainda não demarcados; sagens notáveis da história, em especial de rios?) argumenta tal regresso pode ser melhor
se tiverem a coragem de enfrentar a opinião atos de bravura em conflitos armados.(Idem) compreendido no sentido, não de um círculo
dominante, em vez de se resignarem a seguir 43 Cattoni de Oliveira (2006a, p. 624); Souza Cruz vicioso, mas antes, hermenêutico, como uma
a jurisprudência estabelecida; se, finalmente, (2006, p. 69-70). Para Habermas, em um diá- abertura para o futuro, a partir da idéia de um
se dispuserem a assumir o ônus redobrado de logo crítico com a tradição do republicanismo projeto a ser enfrentado por diversas gerações,
combater as idéias cristalizadas, até porque, cívico, os direitos fundamentais de liberdade que assumirão a tarefa de atualizar a substância
via de regra, longe de traduzirem verdadeiros e de igualdade seriam, pois, a própria expli- normativa do sistema de direitos estatuído pela
consensos, essas falsas unanimidades não citação do sentidos performativo da práxis de Constituição. Para mais detalhes, ver Cattoni de
passam de preconceitos coletivos, fruto dos autolegislação democrática e da noção com- Oliveira (2006, p. 35-39). Devemos, portanto, 63
argumentos de autoridade, que sabidamente plexa de autonomia jurídica que lhe é subja- lembrar – já que parece passar despercebido
esterilizam o pensamento e impedem os vôos cente. (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006, p. 69). aos autores ligados à tradição do Comunitaris-
mais arrojados. (MENDES, 2007,p. 59). O 44 Souza Cruz (2006, p. 71). Enquanto processo de mo – que em Habermas (2002, p. 307) a idéia
curioso – para não chamar de paradoxal – é aprendizado, embora sujeito a tropeços, seria de “política deliberativa” adquire uma percep-
que nessa linha de pensamento é a própria au- capaz de corrigir-se a si mesmo, e assumiria ção muito mais dialógica que instrumental.
toridade, como já em Kelsen, do magistrado, interna e reflexivamente o projeto constitucio- 49 Esse rápido olhar inicial sobre a identidade
como criador da norma jurídica, que autoriza nal-democrático, aberto, inclusivo e moderno, constitucional, bem como sobre o sujeito e
a “alteração” do ordenamento jurídico e não a subjacente à Lei Fundamental, de 1949, assim a matéria constitucionais revela que é bem
racionalidade – capacidade de convencimento como à própria autocompreensão normativa mais fácil determinar o que eles não são do
em uma ceara discursiva, e não retórica, que das diversas Constituições dos Estados Demo- que propriamente o que eles são. Ao construir
deveria em uma democracia estabelecer tal cráticos de Direito. Por fim, ainda, tal processo essa intuição, esse insight, exploro a tese segun-
autoridade; e mais, como conciliar tal postura de aprendizado social levaria, inclusive, a uma do a qual, em última instância, é preferível e
“ativa” dos magistrados, se os mesmos autores descentração reflexiva da identidade coletiva mais acurado considerar o sujeito e a matéria
são famosos pela defesa de Súmulas Vinculan- alemã, que agora plausível, presentes as ten- constitucionais como uma ausência mais do
tes ou de Súmulas Impeditivas de Recursos? sões internas, próprias a uma permanente luta que como uma presença. Em outros termos, a
Ao final, o único com poder criativo, em suas por reconhecimento de novos sujeitos constitu- própria questão do sujeito e da matéria cons-
visões, seria o Supremo Tribunal Federal, nos cionais, uma Alemanha não somente reunifica- titucionais é estimulante porque encontramos
escravizando com sua condição de Tribunal da, pós-1989, mas também integrada jurídico, um hiato, um vazio, no lugar em que buscamos
último. Ora, a partir desses posicionamentos, político e economicamente à União Européia. uma fonte última de legitimidade e autoridade
o que assistimos é a uma radicalização da (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006a, p. 624). para a ordem constitucional. Além do mais,
tese kelseniana. Os juízes – como aplicadores 45 Habermas (1989). Para Habermas, estava-se o sujeito constitucional deve ser considerado
autênticos – fecham as vias hermenêuticas, ex- diante, pois, de uma identidade coletiva mo- como um hiato ou uma ausência em pelo me-
cluindo o debate jurídico dos influxos oriundos derna, pós-convencional, para usar o termo nos dois sentidos distintos: primeiramente, a au-
da esfera pública (sociedade), como “sábios de seu amigo e psicólogo norte-americano, La- sência do sujeito constitucional não nega o seu
trancados em torres de marfim” e passam a wrence Kohlberg, no sentido de que esse tipo caráter indispensável, daí a necessidade de sua
dizer-nos o que a Constituição diz. A radicali- de patriotismo não estaria orientado por uma reconstrução; e, em segundo lugar, o sujeito
zação de Kelsen, então, vem pela via do fato normatividade tradicional que se imporia por constitucional sempre envolve um hiato porque
de que os juízes, principalmente aos Ministros uma facticidade social irrefletida. Ao contrário, ele é inerentemente incompleto, e então sem-
do STF, não se encaixam apenas como legis- a defesa habermasiana do patriotismo cons- pre aberto a uma necessária, mas impossível,
ladores positivos, mas avocam-se à condição titucional diz respeito à construção, ao longo busca de completude. Conseqüentemente, o su-
de Poder Constituinte Originário e permanente do tempo, de uma identidade coletiva advinda jeito constitucional encontra-se constantemente
(CATTONI DE OLIVEIRA, 2002, p. 174-176). de um processo democrático autônoma e de- carente de reconstrução, mas essa reconstrução
39 Cattoni de Oliveira (2006a, p. 623). Nesse sen- liberativamente constituído internamente por jamais pode se tornar definitiva ou completa.
tido, uma república de cidadãos, formada princípios universalistas, cujas pretensões de Da mesma forma, de modo consistente com
após a derrota na Segunda Guerra Mundial validade vão além, pois, de contextos cultu- essa itese, a identidade constitucional deve ser
e a derrocada do nazifascismo, já não mais rais concretos. Em outras palavras, trata-se de reconstruída em oposição às outras identida-
podia se deixar reconhecer em uma suposta uma adesão racionalmente justificável, e não des, na medida em que ela não pode sobreviver
identidade ético-cultural particularista ou no somente emotiva, por parte dos cidadãos, às a não ser que pertença distinta dessas últimas.

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Por outro lado, a identidade constitucional não ___________________. Direito constitucional SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. O direito à dife-
pode simplesmente dispor dessas outras iden- e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, rença: as ações afirmativas como mecanismo de in-
tidades, devendo então lutar para incorporar 2002. clusão social de mulheres, negros, homossexuais e
e transformar alguns elementos tomados de CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitu- pessoas portadoras de deficiência. Belo Horizonte:
empréstimo. Em suma, a identidade do sujeito cional: teoria do estado e da Constituição, direito Del Rey, 2003.
constitucional só é suscetível de determinação constitucional positivo. 12. ed. rev. e atual. Belo ________________________. Poder consti-
parcial mediante um processo de reconstrução Horizonte: Del Rey, 2006. tuinte e patriotismo constitucional. In GALUPPO,
orientado no sentido de alcançar um equilíbrio ______________. Direito constitucional: teoria Marcelo Campos. O Brasil que queremos: reflexões
entre a assimilação e a rejeição das demais do estado e da Constituição, direito constitucional sobre o estado democrático de direito. Belo Hori-
identidades relevantes acima discutidas. (RO- positivo. 11. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del zonte: Editora PUC Minas, 2006.
SENFELD, 2003, p. 26-27). Rey, 2005.
50 Ligada a padrões de uma moralidade conven- CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito,
cional, a jurisdição constitucional calcada na política e filosofia: contribuições para uma teoria Artigo recebido em 4/11/2008.
técnica de ponderação, mais do que autorizar discursiva da constituição democrática no marco do
criatividade na aplicação do Direito, permite patriotismo constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen
que a mesma se transforme literalmente em Júris, 2007.
exercício do Poder constituinte. A supremacia ____________________. Direito constitucio-
da Constituição passa a ser entendida como nal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.
um mandado de otimização passível de des- ___________________. Patriotismo Consti-
consideração em face de outros valores, fazen- tucional. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.).
do com que as decisões judiciárias se afastem Dicionário de filosofia do direito. Rio de Janeiro:
do Direito, assumindo caráter exclusivamente Renovar; São Leopoldo: Unisinos, 2006a.
político/ideológico (SOUZA CRUZ, 2006, p. 86). ____________________. Poder constituinte e
Uma confirmação disso está na leitura feita por patriotismo constitucional: o projeto constituinte
Gilmar Mendes (2007, p. 56), no sentido de do estado democrático de direito na teoria discur-
atribuir exclusivamente às Cortes Constitucio- siva de Jürgen Habermas. Belo Horizonte: Manda-
nais a palavra final sobre o que a constituição mentos, 2006.
diz (ou não diz), colocando em sério risco de _____________________.Devido processo le-
apropriação o discurso constitucional que per- gislativo: uma justificação democrática do controle
de seu caráter democrático em razão desse jurisdicional de constitucionalidade das leis e do
fechamento do rol de intérpretes. processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamen-
51 Souza Cruz (2006, p. 89). Se, de um lado, o tos, 2000.
processo constituinte sofre influxos do agir es- DANTAS, Ivo. Direito adquirido, emendas consti-
tratégico dos sistemas que colonizam o mun- tucionais e controle de constitucionalidade. Rio de
do da vida, por outro lado, recebe também a Janeiro: Lúmen Júris, 1997.
influência da imprensa livre, da rede internet FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos in-
64 de comunicação, das mais variadas Igrejas, formais de mudanças da Constituição: mutações
da Universidade, de organizações não-gover- constitucionais e mutações inconstitucionais. São
namentais etc. (Idem, p. 90). Paulo: Max Limonad, 1986.
52 Souza Cruz (2006, p. 90). Nesse sentido, pode- HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a
se certamente afirmar que o projeto constituinte sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: a
de um Estado democrático de Direito envolve contribuição para a interpretação pluralista e “pro-
processos jurídico-políticos de construção histó- cedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira
rica de uma identidade constitucional inclusiva Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.
e aberta, a partir de interpretações paradigmáti- HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos
cas do sistema de direitos fundamentais. E esse de teoria política. Trad. George Speiber e Paulo As-
sistema direitos, garantidor das autonomias tor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
pública e privada dos cidadãos, interpretado no ____________________. O Estado democráti-
debate público, aberto a concepções ético-políti- co de direito – uma amarração paradoxal de princí-
cas e culturais, diversas e não-fundamentalistas, pios contraditórios? In: HABERMAS, Jürgen. Era das
envolve, portanto, a defesa de um patriotismo transições. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de
constitucional, sobre o pano de fundo de uma Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
cultura política pluralista. (CATTONI DE OLIVEI- ____________________. Consciência moral e
RA, 2006a, p. 625). agir comunicativo. Trad. Guido A. de Almeida. Rio
53 Afasta-se assim a tese das situações excepcionais de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
de Ackerman (1991). Souza Cruz (2006, p. 93). HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
JELLINECK, George. Reforma y mutación de la
constitución. Trad. Christian Förter. Madrid: Centro
REFERÊNCIAS de Estúdios Constitucionales, 1991.
ACKERMAN, Bruce. We the people. Cambridge: MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio
Harvard University Press, 1991. 2v (Volume 1: Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Foundations; Volume 2: Transformations). direito constitucional. São
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Paulo: Saraiva, 2007.
BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitu- MICHELMAN, Frank. Brennan and democracy.
cionais. Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa. Princeton: Princeton University, 1999.
Coimbra: Almedina, 1994. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
16. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre
__________________. Curso de direito consti- as alternativas da modernidade. Trad. Adriano Pilat-
tucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. ti. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. Flávio Quinaud Pedron é professor de
__________________. Teoria do estado. 5. ed. ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito cons- Teoria Geral do Processo e Direito Pro-
São Paulo: Malheiros, 2004. titucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito consti-
cessual na PUC-Minas e coordenador do
Horizonte: Mandamentos, 2003.
tucional e teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: SCHMITT, Carl. Teoría de la constitución. Revista de Núcleo de Prática Jurídica/Serviço de As-
Almedina, 2002. Derecho Privado, Madrid, 1927. sistência Judiciária da PUC-Minas.

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