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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE GEOCIENCIAS
PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇAO EM GEOCIÊNCIAS

INTRODUÇÃO À
EPISTEMOLOGIA

© RUALDO MENEGAT
rualdo.menegat@ufrgs.br

Porto Alegre
2014
“[...] a razão só discerne o
que ela mesma
produz segundo seu
projeto [...]”

IMMANUEL KANT, 1787 1

1 Kant (1987[1787]), p. 13.


3

APRESENTAÇÃO

O entendimento acerca dos pressupostos e características básicas da


Ciência, em geral, e da Geologia, em particular, não têm sido motivo de
preocupação na prática científica. Isso porque, de um lado, há a hegemonia de
mais de quatrocentos anos dos métodos baconianos, os quais afirmam que a
Ciência se alicerça em apenas um método científico. Por essa razão, não
haveria por que problematizar a metodologia científica. De outro lado, os
conceitos da Epistemologia e suas questões centrais, principalmente aquelas
introduzidas pela Nova Epistemologia, se apresentam com determinada
complexidade, aumentando a dificuldade de apreensão por parte daqueles que
fazem ciência. Razão pela qual, passam a ser tratadas como sendo ―de fora da
área‖ ou ―extracientíficas‖, e, portanto, não adquirem centralidade na
praxiologia científica.

Além disso, o próprio sucesso da ciência parece ser também ele uma
cortina para obscurecer a reflexão sobre a metodologia científica. Se o
resultado está dando certo, então o método para obtê-lo está
automaticamente justificado: ―para que discutir se dá certo?‖. Devido a esse
triplo bloqueio, a Epistemologia tem sido, via de regra, descartada como uma
área importante para a fabricação da ciência, o que seria impensável para os
primeiros cientistas do século XVII, como Galileu Galilei, Francis Bacon ou
René Descartes, para quem ―fazer a ciência‖ era indissociável de ―pensar a
ciência‖.

Contudo, nas últimas décadas, a Epistemologia tem interessado de


forma crescente, embora ainda tímida, alguns pesquisadores das mais
diferentes áreas [ver Para saber mais: Associações de história...]. As razões
disso se encontram na profunda mudança que a Ciência vem experimentando
desde as últimas quatro décadas. O russo Ylia Prigogine, Prêmio Nobel de
Química de 1977, junto com sua colaboradora, Isabelle Stengers, fizeram no
livro A nova aliança, um fascinante relato sobre o encanto proporcionado pela
ciência newtoniana desde seu surgimento e do completo esgotamento a que já
chegou:
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um dos aspectos dessa transformação teórica é o da descoberta dos


limites dos conceitos clássicos que implicavam, para os que
acreditavam na sua validade universal, a possibilidade de um
conhecimento completo do mundo. Pois se os seres oniscientes, como o
demônio de Laplace, de Maxwell, o deus de Einstein, abundam ainda
hoje nos textos científicos, não há nisso arcaísmo, mas simples
ingenuidade ou ―filosofia espontânea do sábio‖. (Prigogine & Stengers,
1991, p. 40)

Para saber mais


ASSOCIAÇÕES DE HISTÓRIA E EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA
SBCH – Sociedade Brasileira de AFHIC – Associação de Filosofia e
História das Ciências: História da Ciência do Cone Sul:
Fundada em São Paulo em 16 de Fundada em 05 de maio de 2000, na
dezembro de 1983, tendo como Argentina, estruturou-se a partir de
objetivo ―promover e divulgar encontros realizados em 1998 no
estudos sobre a História das Brasil e em 2000 na Argentina. Ela
Ciências e seus campos afins‖ tem como objetivo principal
[ver http://www.sbhc.org.br/]. ―contribuir para o desenvolvimento do
Ela é filiada à International Union conhecimento da ciência a partir de
of History and Philosophy of uma perspectiva tanto filosófica como
Science – Division of History of histórica, especialmente nos países do
Science and Technology Cone Sul americano‖.
(IUHPS/DHST). [http://www.afhic.com]
ABFHiB – Associação Brasileira SBHMat – Sociedade Brasileira de
de Filosofia e História da História da Matemática, Fundada
Biologia: em 30 de Março de 1999, em Rio
Fundada em 17 de agosto de Claro (SP) tem como objetivo
2006, em São Paulo, por ocasião promover levantamentos, pesquisas e
da realização do IV Encontro de estudos com vistas a divulgar dados,
Filosofia e História da Biologia. reflexões e informações referentes à
Tem como objetivo a promoção e História da Matemática [ver
divulgação de estudos sobre a http://www.sbhmat.com.br/]
filosofia e a história da biologia.
INHIGEO – International
[ver http://www.abfhib.org/]
Commission on the History of
SBHM – Sociedade Brasileira de Geological Sciences:
História da Medicina: Comissão Internacional de História
Fundada em 21 de novembro de das Ciências Geológicas, filiada à
1997, em São Paulo. Tem como União Internacional de Ciências
objetivos incentivar o estudo e a Geológicas (International Union of
pesquisa da história da medicina Geological Sciences), fundada em
e propugnar pelo ensino da 1967, possui mais de 250 membros
História da Medicina como oriundos de 50 países. [ver
requisito básico para a formação http://www.inhigeo.org/]
integral do médico. [ver
http://www.sbhm.org.br/]
5

Essas mudanças são anunciadas na literatura na forma de ―revoluções


paradigmáticas‖ e são diagnosticadas muito mais pelos seus aspectos
substantivos, isto é, pelo impacto produzido pelas novas teorias, do que pelos
aspectos metodológicos. Todavia, as mudanças que ocorreram nas
características metodológicas da Ciência são igualmente marcantes e
profundas. Entender essas transformações metodológicas passa a ser
condição para a prática da ciência bona fide. Para tanto, devemos lançar mão
dos preceitos da Epistemologia.

Nesta publicação, buscou-se estabelecer os objetos e métodos da


Epistemologia em dois sentidos: (i) preliminarmente, aquele situado em
algumas das principais tradições epistemológicas do Ocidente, de modo a
problematizar a natureza da própria Epistemologia e as diversas portas de
acesso ao seu objeto, a Ciência; (ii) em seguida, no sentido da busca de
respostas aos três problemas epistemológicos mais significativos coletados
nas tradições apontadas, quais sejam:

a) Como é possível a certeza do conhecimento? – ou o problema da


indução (o problema de Hume);

b) Como a ciência se distingue dos demais tipos de conhecimento? – ou


o problema da demarcação (ou problema de Kant);

c) Como avança a ciência? – ou o problema do progresso científico e a


Nova Epistemologia.

Tentaremos mostrar como esses problemas estão interligados, pois a


solução de um implica em certa solução dos demais. Assim, poderemos ter
várias combinações de soluções que nos ajudam a entender algumas das
escolas epistemológicas mais conhecidas no âmbito das ciências da Terra, da
natureza e da vida, como as de Bacon, Popper, Kuhn e Lakatos. Além disso,
esses problemas fundamentais fornecem os elementos para buscar a lógica da
descoberta em uma determinada área da Ciência, como, por exemplo, na
Geologia, Ecologia ou Biologia.

Muito mais do que esgotarmos os problemas contemporâneos colocados


pela Nova Epistemologia, procuramos delinear as características gerais da
Epistemologia enquanto campo de investigação. Evidentemente que tal
caminho já implica em certo tipo de análise. Assumimos o risco, mas, além
disto, nosso objetivo maior é o de introduzir essas problematizações no
cotidiano da prática científica.
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Agradecemos ao Prof. Dr. Luis Alberto D‘Ávila Fernandes, que abrigou


essas inquietações como problema de pesquisa; ao Prof. Dr. Mario Costa
Barberena (in memorian) pelo incentivo heurístico; aos meus colegas da
primeira turma de pós-graduação na área de Estratigrafia do convênio
UFRGS/PETROBRAS por reconhecerem a importância dessas questões para a
qualidade da produção científica; e meus colegas do Grupo Interdisciplinar em
Filosofia e História das Ciências, que compartilham comigo a construção de
um conhecimento interdisciplinar e epistemológico na UFRGS, à Profa. Dra.
Ana Maria Mizusaki, pelo incentivo no ensino desse tema.
7

SUMÁRIO

Para saber mais 4


Associações de história e epistemologia da ciência 4

1. A EPISTEMOLOGIA: PONTOS DE PARTIDA E VIAS DE ACESSO 9


Para saber mais 10
A palavra ‗epistemologia‘ nos dicionários 10
Epistemologia, teoria do conhecimento, filosofia da ciência e gnosiologia 12
1.1 Para além dos conceitos, as tradições investigativas 12
Para saber mais 18
É a filosofia alheia à atividade científica? 18
1.2. Ciência e devir histórico 20
Para saber mais 21
São históricos os critérios de rigor na ciência? 21
A geologia e os três níveis de historicidade 22

2. O CENÁRIO EPISTÊMICO: INVENTÁRIO DOS TRÊS PROBLEMAS


PRINCIPAIS 25
2.1. Como é possível a certeza do conhecimento? - o problema da indução
(ou problema de Hume) 26
Para saber mais 26
O que é o conhecimento para os pré-socráticos? 26
O mito da caverna 28
Habermas e o agir comunicativo na atualidade 29
O trilema de Fries: dogmatismo vs. ceticismo vs. psicologismo 31
Para saber mais 33
Tipos de ceticismo 33
2.2. Como a ciência se distingue dos demais tipos de conhecimento? -o
problema da demarcação (ou problema de Kant) 33
Para saber mais 34
O uso de silogismos por Aristóteles 34
A base empírica e a observação como critério de demarcação 35
Para saber mais 35
Método e filosofia da ciência em Galileu Galilei 35
Organon vs. Novum organon 37
A lógica ou a razão das ciências segundo Kant 39
A mente não é cera passiva: o programa de Kant 39
Os juízos sintéticos e a arquitetura da ciência moderna 41
Verificacionismo e significado: o critérios do Círculo de Viena 42
Para saber mais 42
O Círculo de Viena [1926-1936] 42
É a indução um critério de demarcação? 44
Da probabilidade segundo Popper e Watkins 46
Falibilismo e falseacionismo: aprender com os erros 47
Para saber mais 47
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8

Xenófanes: tudo é uma teia de suposições 47


Como Galileu foi vencido pelo instrumentalismo 48
Como criticar a noção de juízos sintéticos a priori de Kant? 48
2.3. Como avança a ciência? - o problema do progresso científico e a Nova
Epistemologia 50
O progresso empirista da ciência: linear e acumulativo 51
Para saber mais 53
A indução verdadeira e perfeita por meio das tábuas da descoberta 53
A solução do problema da indução e o método do falseamento 54
A revolução dos paradigmas científicos: os conceitos de Kuhn 56
Para saber mais 58
Há conciliação posível entre Kuhn, Popper e Lakatos? 58
Programas de pesquisa e organização do conhecimento 58
Para saber mais 59
Os pioneiros da epistemologia e os contextos da descoberta e da justificação 59
A tectônica de placas e seu cinturão protetor 61

3. REFERÊNCIAS 62

ÍNDICE ONOMÁSTICO, TOPONÍMICO E REMISSIVO 66


9

1. A EPISTEMOLOGIA: PONTOS DE PARTIDA E


VIAS DE ACESSO

A Epistemologia, como disciplina, é um ramo da Filosofia surgido a


partir do século XIX em função do próprio triunfo da Ciência como
conhecimento de sucesso2. Além disso, por um lado, ela afastou-se cada vez
mais da Filosofia, desde Galileu em 1640 e, por outro, complexificou-se de
modo crescente, principalmente a partir do final século XIX, mas
acentuadamente nas últimas décadas do século XX até nossos dias.
Etimologicamente, o vocábulo epistemologia, cuja criação é tão recente
quanto a disciplina que designa, significa teoria da ciência (do grego
epistêmé – ciência; e logos – que estuda; cf. Ferreira, 2009). Segundo Blanché
(1988, p. 9), a palavra epistemologia "não figura nem no Littré, nem no Novo
Larousse ilustrado [...]" e "o seu aparecimento nos dicionários franceses data
de 1906 [...]." A palavra em português deriva do francês epistemologie e tem
seu surgimento nos dicionários brasileiros pelo menos desde o início da
década de 40 [ver Para Saber mais: A palavra ‗epistemologia‘ nos dicionários].

Para tão nova disciplina, a Epistemologia já acumulou um incontável


número de controvérsias, nos mais diferentes aspectos. A diversidade de
conceitos, justamente daquela disciplina cujo objetivo é teorizar sobre um
determinado tipo de conhecimento, por exemplo, acabou por constituir-se em
paradoxo, pois, nesse caso, a ausência de marcos conceituais mais precisos
tem implicado em digressões heterológicas, o que é próprio do ato de
conhecer. Por conseguinte, a Epistemologia dificilmente pode ser encarada
como una nas tipologias de teorização da ciência. Além disso, seu objeto, a
ciência, tem sofrido mudanças conceituais cada vez mais frequentes. Temos,
então, um duplo fato para a filosofia considerar: (i) o crescimento da impor-

2 Para Watkins (1990, p. 14) ―Os filósofos usam frequentemente o termo 'conhecimento' como
uma palavra-sucesso; mas, neste livro, o termo será usado para denotar certo corpo
organizado de saber sem a implicação de estar livre de erro‖.
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10

Para saber mais


A PALAVRA ‘EPISTEMOLOGIA’ NOS DICIONÁRIOS
Nos dicionários de Silva (1813), teorias e práticas em geral,
Diccionario contemporaneo da lingua avaliadas em sua validade
portugueza (1911), Figueiredo cognitiva, ou descritas em suas
(1925), Freire (1941-1942) e Freire trajetórias evolutivas, seus
(1954) o vocábulo ―epistemologia‖ paradigmas estruturais ou suas
está ausente. relações com a sociedade e a
história; teoria da ciência‖.
Já em Lima (1951, p. 481) no
verbete epistemologia lemos: Há poucos vocábulos oriundos de
―Estudo do grau de certeza do epistêmé, etimologicamente,
conhecimento científico em seus ―familiaridade com uma matéria,
diversos ramos". entendimento, habilidade;
conhecimento científico, ciência‖,
Em Silva (1952, p. 570) encontra-se:
todos surgidos no século XX:
"do gr. episteme, ciência + logos,
episteme 'ciência', epistêmico,
tratado. Estudo crítico das várias
epistemologia, epistemológico,
ciências. Teoria do conhecimento.‖
epistemólogo.
Para Houaiss (2012), o termo foi
No Aurélio (2009), podemos ler:
introduzido em 1942 e é definido
―Conjunto de conhecimentos que
como: ―reflexão geral em torno da
têm por objeto o conhecimento
natureza, etapas e limites do
científico, visando a explicar os
conhecimento humano,
seus condicionamentos (sejam eles
especialmente nas relações que se
técnicos, históricos, ou sociais,
estabelecem entre o sujeito
sejam lógicos, matemáticos, ou
indagativo e o objeto inerte, as duas
linguísticos), sistematizar as suas
polaridades tradicionais do processo
relações, esclarecer os seus
cognitivo; teoria do conhecimento‖
vínculos, e avaliar os seus
E também: ―estudo dos postulados, resultados e aplicações‖.
conclusões e métodos dos diferentes
ramos do saber científico, ou das

tância do conhecimento científico na totalidade do conhecimento,


principalmente a partir do século XIX, é um fato extracientífico, que
aumenta o interesse para (ii) reconhecer como ocorrem essas mudanças
conceituais dentro da própria ciência, sendo um fato intracientífico.

Portanto, embora o significado etimológico da palavra epistemologia


seja bastante claro, não raro detecta-se na literatura digressões de toda a
sorte na delimitação de seus objetos e conceitos que, por razões didáticas e
expositivas, os posicionaremos em dois terrenos: primeiro, no terreno das
possibilidades conceituais dentro dos referenciais mais propriamente
filosóficos, o qual chamaremos de extracientífico; o segundo, no terreno das
11

inerências conceituais derivadas da própria praxiologia da ciência, o qual


denominaremos de intracientífico.

Nessa esquematização, que assumimos, por ora, meramente para fins


de reconhecimento de um campo da tensão conceitual na epistemologia
(natureza extracientífica vs. intracientífica de sua atividade), podemos denotar
que as possibilidades definitórias oriundas do terreno extracientífico são
também necessariamente implicadas pelo segundo, intracientífico. De outro
modo, qualquer que seja o ponto de partida, não há como resolver o problema
sem considerá-lo tanto na dimensão relacionada com os aspectos mais
amplos do significado do conhecimento, quanto na dimensão que diz respeito
aos aspectos mais específicos do conhecimento científico, sendo necessária
uma decisão metodológica.

Com efeito, nas variantes conceituais de tipo extracientíficas, lemos na


literatura possibilidades que tornam o vocábulo epistemologia sinônimo ora de
teoria do conhecimento, ora de filosofia da ciência; ora, ainda, de
metaciência e de lógica da ciência, sendo todas elas disciplinas vizinhas à
Epistemologia. [ver Para saber mais: Epistemologia, teoria do conhecimento,
filosofia da ciência e gnosiologia]

Para além de simples controvérsias vocabulares, a origem dessas


variantes reside no fato de que a Epistemologia, embora venha tratando, nos
últimos decênios, mais especificamente da ciência, ela não tem como
desconsiderar as relações dessa investigação com as teorias gerais do
conhecimento humano. Resulta disso uma intricada relação
concomitantemente vertical e horizontal entre uma determinada investigação
particular do conhecimento – a ciência – em relação à totalidade do
conhecimento humano.

Se, além disso, analisarmos sob o ponto de vista da evolução história


desses conceitos e das matrizes filosóficas e ideológicas3 que nela se
desenvolveram e desenvolvem, o mosaico de possibilidades inflaciona.
Portanto, há posicionamentos de natureza filosófica que orientam os conceitos
que, quando não são explicitados, nos autoriza a chamá-los de espontâneos, e

3 Segundo a categorização do empirismo lógico, somente o conhecimento científico possui


significado. Dessa forma, a Teoria do Conhecimento somente tem lugar enquanto redução à
Epistemologia e, nesse caso, é definida como Ciência da Ciência. Objeções a esse
posicionamento serão dadas mais adiante no item sobre o programa epistemológico do
Círculo de Viena.
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12

há a possibilidade de uma abordagem situar-se ou mais próxima da Filosofia


e do saber em geral, ou da Ciência e do conhecimento em particular.

Para saber mais


EPISTEMOLOGIA, TEORIA DO CONHECIMENTO, FILOSOFIA DA
CIÊNCIA E GNOSIOLOGIA
Para o filósofo neozeolandês Rom sejam 'especulativos' [crenças], quer
Harré [1927-...] a epistemologia, sejam 'científicos'". Essa expressão,
uma das quatro divisões da contudo, não foi encontrada em
Filosofia, onde se incluem também a outros autores.
Lógica, Epistemologia, Metafísica e
O importante epistemólogo e físico
Ética, é ―a teoria do
argentino Mario Bunge [1917-...]
conhecimento‖ e, ―na pesquisa
utiliza Filosofia da Ciência e
epistemológica, estudam-se os
Epistemologia como sinônimos
modelos aos quais deverá
(Bunge, 1980).
conformar-se o conhecimento
genuíno.‖ (Harré, 1988, p. 15) O filósofo e historiador da ciência
italiano Geymonat, premiado no ano
Nesse mesmo livro, esse autor
de 1985 pela Academia Nazionale dei
propõe que trata-se de uma tarefa
Lincei, não utiliza o vocábulo
do epistemólogo ―demonstrar como é
―Epistemologia‖, valendo-se sempre
possível distinguir o conhecimento
da expressão ―Filosofia da Ciência‖
da crença na verdade e diferençar a
para designar o mesmo estudo, o
certeza da probabilidade.‖ Além
qual ―incorporou um setor inteiro
disso, ele reconhece a epistemologia
(talvez o mais importante desde os
como parte da filosofia da ciência:
tempos da Grécia antiga): o setor
―Esse estudo é uma parte
gnosiológico‖ (Geymonat, 1985, p.
importante da filosofia da ciência.‖
9).
(Harré, 1988, p. 15)
―Gnosiologia‖ por sua vez é um
Japiassu (1991, p. 16), utiliza o
sinônimo de teoria do conhecimento,
termo epistemologia global como
porém com menor uso na literatura
sendo o estudo do saber
em geral.
globalmente considerado, "quer

1.1 PARA ALÉM DOS CONCEITOS, AS TRADIÇÕES INVESTIGATIVAS

Além disso, as variantes conceituais estão, também, contingenciadas


pelas tradições filosóficas e linguísticas dos diversos países nos quais têm sido
desenvolvidas. Assim, encontramos na língua inglesa a palavra epistemology
com o sentido de ―teoria do conhecimento‖ ou ―gnosiologia‖, opondo-se à
filosofia da ciência, a qual teria por objeto os métodos e resultados científicos,
13

enquanto aquela o estudo do conhecimento mais geral. A teorização do


conhecimento será, então, dependente do conceito que fazemos de
‗conhecimento‘ e, dessa maneira, remete-nos sempre para a esfera geral,
sendo as demais, derivadas como modos de encarar o estudo. Essa relação
está bem evidenciada na definição do professor David W. Hamlyn [1924-...],
que escreveu um dos poucos textos exaustivos sobre a história da
Epistemologia, onde podemos ler

Epistemologia, ou a teoria do conhecimento, é o ramo da filosofia que


diz respeito à natureza e escopo do conhecimento, seus pressupostos e
suas bases, e a confiabilidade geral das assertivas do conhecimento.
(Hamlyn, 1967, p. 8.)

E, de acordo com a tradição filosófica anglicana, aquele autor


acrescenta ainda

Um entendimento do conceito de conhecimento é um pré-requisito para


aventurar-se em qualquer tentativa de responder outras questões
epistemológicas. A maioria dos filósofos teve algo a dizer sobre a
natureza do conhecimento, embora muitos consideraram sua natureza
como dada. A partir disso originaram-se diversas dificuldades
epistemológicas tradicionais. (Hamlyn, 1967, p. 10.)

Para a filosofia de tradição italiana, o termo epistemologia é tido como


sinônimo de filosofia da ciência. Em Ugo Viglino (1950), por exemplo,
encontramos

No uso corrente, entretanto, o significado do temo não é ainda


universalmente estabelecido. Para alguns, com senso mais genérico, a
epistemologia vem identificada com a lógica (H. Cohen, E. Hurssel,
Rabier). [...] Em um sentido restrito e próprio, que é também o mais
comum no italiano, epistemologia designa a filosofia da ciência, ou seja,
o estudo crítico dos princípios, métodos e resultados da ciência, com o
objetivo de estabelecer os fundamentos lógicos e a determinação do
valor específico da objetividade em relação ao conhecimento da
realidade. Como tal, a epistemologia se divide em geral [...] e especial.
(Viglino, 1950, p. 448.)

Na tradição francesa, é onde há os maiores esforços para delimitar a


épistémologie como disciplina distinta da teoria do conhecimento e da filosofia
da ciência. Desde Lalande, em 1926, podemos ver a epistemologia definida
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com objetos e métodos distintos da gnosiologia ou da filosofia da ciência,


quando do estudo do conhecimento científico

Esta palavra designa a filosofia das ciências, mas com um sentido mais
preciso. [...] essencialmente é o estudo crítico dos princípios, das
hipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado a
determinar sua origem lógica (não psicológica), seu valor e seu alcance
objetivo. (Lalande, 1960[1926], p. 293)
Adotaremos aqui uma definição que procura delimitar a epistemologia
como disciplina distinta daquelas citadas como sinônimos, embora
assumimos que nem sempre as fronteiras entre elas são fixas, situada no
contexto intracientífico e enunciada de forma concisa e precisa em Greimas &
Courtés (1992):
Epistemologia é a análise dos axiomas, das hipóteses e dos
procedimentos, e mesmo dos resultados que especificam uma dada
ciência: com efeito, ela se propõe como objetivo examinar a organização
e o funcionamento das abordagens científicas e apreciar-lhes o valor.
Assim concebida, a epistemologia não poderia ser confundida nem com
a metodologia nem com a teoria do conhecimento (ou gnosiologia) - às
vezes denominada também epistemologia -, que estuda a relação entre
sujeito e objeto do ponto de vista filosófico. (Greimas & Courtés, 1992,
pp. 152-153)

Filosofia ou Teoria do
conhecimento
(a) F ILOSOFIA DA CIÊNCIA
-

(b) EPISTEMOLOGIA (Metaciência)

(c) CIÊNCIA

CONHECIMENTO COMUM

Figura 1 – Organograma dos níveis de relação entre


conhecimento comum, ciência e epistemologia.
15

Para esclarecer um pouco mais as diferenças tidas como sinonímicas do


conceito de epistemologia e áreas correlatas, principalmente de natureza
extracientífica, assumiremos que o conjunto de indagações da teoria do
conhecimento (ver Figura 1) é o mais abrangente; que a filosofia da ciência
é algo mais ampla que a epistemologia, na medida em que relações entre
ciência e sociedade, objeto e sujeito, também possam ser estudadas, não
constituindo objeto da epistemologia em si; que a metodologia inclui-se no
programa das investigações epistemológicas.

Finalmente, assumiremos que a metaciência possui um objeto ainda


mais particular do que a epistemologia, como, por exemplo, a análise de uma
teoria em particular, ou um aspecto técnico de um problema, e ambas
apresentam uma maior intimidade com a ciência; donde podemos estabelecer
os seguintes níveis de relação apontados na Figura 1, no qual temos em (a) e
(b) a epistemologia extracientífica, também chamada de epistemologia
externa e, em (c), a epistemologia intracientífica, também denominada de
epistemologia interna. Para Blanché (1988, p. 40), "os trabalhos de
epistemologia fazem a junção entre esses dois extremos, em uma cadeia sem
ruptura, e seria arbitrário querer fixar o ponto em que eles começam e em que
acabam."

No sentido desse quadro, epistemologia poderá ser lida por alguns como
um equivalente ou de metaciência, quando tratar um assunto de modo mais
técnico em relação à ciência, colocando-se desse modo como atividade no
caminho do próprio cientista, que às vezes o faz sem sabê-lo; ou de Filosofia
da Ciência, quando for mais externo e, nesse caso, será um conceito muito
mais flexível podendo expandir-se, no limite, até a esfera da teoria do
conhecimento enquanto um todo. Blanché (1988, p. 42) qualifica a
epistemologia interna como obrigatória, porque "é exigida por problemas que
se colocam no interior da ciência", sendo, portanto, um estudo mais preciso e
mais técnico em relação à ciência que problematiza; e, a externa, como
facultativa porque "é praticada deliberadamente em seguida a uma decisão
arbitrária", sendo mais filosófica e, nesse caso, pode estudar qualquer forma
de conhecimento.

O professor Geymonat (1985, p. 7) aponta os grandes matemáticos,


entre eles David Hilbert, Henri Poincaré, e físicos, a exemplo de Albert
Einstein, como aqueles que deram importantes contribuições à epistemologia
e que os mais importantes filósofos da ciência também são cientistas, como
Moritz Schlick, Hans Reicheinbach, Gaston Bachelard, aos quais podemos
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16

acrescentar Karl R. Popper, Imre Lakatos e Paul Feyerabend entre outros


tantos. Entre filósofos importantes que se dedicaram à epistemologia,
Geymonat (1985, p. 7) cita Ernst Cassirer. Também é notável a contribuição
do filósofo francês e Michel Serres.

Dentro desse quadro, poderíamos, ainda, definir como epistemologia


específica, quando se refere a uma determinada ciência ou área do
conhecimento, como, por exemplo, a epistemologia da geologia, da física, da
biologia, da ecologia, etc. E, epistemologia geral, quando trata da ciência
enquanto um todo. Alguns autores defendem a ideia de que a epistemologia
somente pode ser regional, sendo a epistemologia geral uma coleção daquelas.
Evidentemente que se trata, antes de mais nada, de uma concepção filosófica
frágil, pois pressupõe a ciência como sendo o conjunto de várias ciências,
portanto sempre particulares e não podendo ser una.

As diferentes inflexões conceituais derivam, também, do fato de que


cada vez mais a epistemologia deixa de ser uma disciplina eminentemente da
esfera filosófica, para ser feita pelos próprios cientistas, ou seja, torna-se
cada vez mais intracientífica, o que significa abranger novas áreas de
investigação. Essa transferência é característica da epistemologia
contemporânea e, segundo Blanché (1988)

Isto não acontece por efeito de uma moda passageira, mas porque as
crises recentes que abalaram as diversas ciências e as revoluções por
que tiveram de passar obrigaram aqueles que as praticavam a
efetuarem um retorno aos seus princípios e a interrogarem-se sobre os
seus fundamentos. (Blanché, 1988, p. 22-23.)

As variantes nas definições epistemológicas, como vimos, resultarão, em


última instância das questões que cada autor decide e elege como fulcrais
para teorizar a ciência e, assim, a epistemologia pode também tornar possível
a crítica ao conhecimento científico. Nesse sentido, podemos então nos
perguntar se existem questões capazes de incidir horizontal e verticalmente
nos problemas tanto de natureza global do conhecimento (extracientífico),
quanto de natureza particular da ciência (intracientífico) e se estas questões
podem, ao mesmo tempo, implicar numa metodologia crítica do fazer
científico. Essa indagação é respondida por Karl R. Popper (1989[1934]) que,
no seu livro A Lógica da Pesquisa Científica, utiliza os termos filosofia da
ciência, epistemologia e lógica da ciência de maneira indistinta, como modo
de denotar, por um lado, a existência de um centro de preocupações tangível a
qualquer uma dessas esferas - sejam elas de natureza mais extracientíficas ou
17

intracientíficas -, e, por outro, de demonstrar a amplitude e verticalidade de


um problema específico, qual seja: o da demarcação da ciência dos demais
tipos de conhecimento. Para Popper (1989[1934], p. 105),

[...] o que a Epistemologia deve indagar é antes: como submeter a testes


enunciados científicos, considerando suas consequências dedutivas? E
que espécie de consequências devemos selecionar para esse objetivo,
se elas, por sua vez, hão de ser suscetíveis de teste intersubjetivo?

Na edição de 1972, Popper acrescentou:

Presentemente, eu formularia a questão desta maneira: de que modo


proceder para melhor criticar nossas teorias (nossas hipóteses, nossas
conjecturas), em vez de defendê-las contra a dúvida? É claro que a
prova sempre constituiu, no meu entender, parte da Crítica.
(Popper,1989[1934/1972], nota *1, p. 105.)

Desse modo, a profusão de sinônimos para a palavra epistemologia


embora pareça, muitas vezes, simples variantes do vocabulário, está fundada
no fato de que tanto a ciência (objeto da epistemologia), no século XVII,
quanto a epistemologia, no século XIX, surgem a partir da filosofia e dela se
desligam na medida em que passam a ter seu próprio instrumental de reflexão
e conhecimento. Trata-se de uma questão de reconhecer se a epistemologia
possui ou não esse instrumental próprio para inquirir a ciência. Se
considerarmos a epistemologia como necessária à atividade científica – e disso
não podemos ter dúvidas –, a resposta será sim; caso contrário, a
epistemologia ainda depende da Filosofia, sem que isso signifique
necessariamente um problema.

Se os diversos modos da definição de epistemologia, enunciados acima,


sugerissem pertinência à exterioridade científica, ou seja, atividade de
natureza filosófica antes do que científica, não estaríamos, de certa forma,
excluindo-a das próprias necessidades da praxiologia científica? Não
poderíamos dizer que a epistemologia é meramente necessidade dos filósofos?
E, com isso, simplificar o problema e definir a epistemologia como
instrumento de aplicação e não como necessidade intrínseca à prática da boa
ciência?

Essas questões, embora possam sugerir que os cientistas não precisam


da filosofia para a sua atividade de pesquisa, são sumamente importantes
para a elucidação da natureza da epistemologia, pois que nos levam não só a
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
18

refutar a sugestão de exterioridade a priori, mas, também, fundamentalmente,


a posicioná-la dentro da atividade da ciência.

Para saber mais


É A FILOSOFIA ALHEIA À ATIVIDADE CIENTÍFICA?
Uma excelente refutação da tese de comum e no bom-senso; 3) em todo
que a reflexão filosófica se coloca o sistema de crenças. (Gramsci,
como atividade externa à ciência 1978, p. 11.)
pode ser encontrada em Gramsci,
Em seguida, Gramsci pergunta: ―é
(1978[1955]). Esse autor começa
preferível ‗pensar‘ sem disso ter
argumentando que a filosofia não é
consciência crítica ou é preferível
uma atividade exclusiva de ―filósofos
elaborar de uma maneira crítica?‖
profissionais ou sistemáticos‖ ao
(Gramsci, 1978, p. 12).
demonstrar que todos os homens
são, em si, ―filósofos‖. Depois, define Em Althusser (1979[1968]), embora
os limites e as características dessa com alguns esquematismos,
―filosofia espontânea‖ peculiar a podemos encontrar uma abordagem
―todo o mundo‖, pois se trata da mais construída daquilo que
filosofia que está contida: 1) na denominou de ―filosofia espontânea
própria linguagem; 2) no senso dos cientistas‖.

Sob esse ponto de vista intracientífico, o estatuto da epistemologia no


processo de investigação que a ciência estabelece com seu objeto é assim
definido por Greimas & Courtés (1992):

O nível epistemológico é uma característica essencial de toda teoria


bem formada. Partindo do material (ou linguagem-objeto) estudado
(considerado como nível 1), pode-se situar antes de mais nada o plano
da descrição (nível 2) que é uma representação metalinguística do nível
1, e o da metodologia (nível 3) que define os conceitos descritivos. É em
um plano hierarquicamente superior (nível 4) que se localiza a
epistemologia: a ela compete criticar e verificar a solidez do nível
metodológico, testando-lhe a coerência e medindo-lhe a adequação
relativamente à descrição e avaliar, entre outras coisas, os
procedimentos de descrição e de descoberta. (Greimas & Courtés, 1992,
p. 152.)

Ou seja, a epistemologia na esfera da ciência avalia a integração de uma


estratégia e de uma tática de pesquisa, ao mesmo tempo em que verifica, em
função delas, a consistência dos vários procedimentos possíveis e dos
resultados obtidos e obteníveis, resultando no organograma da Figura 2, feito
19

com base nas definições de Greimas & Courtés (1992) no qual temos, abaixo
da linha tracejada, a atividade tida como mais comum na ciência e, acima, a
atividade epistemológica.

EPISTEMOLOGIA - NÍVEL 4

METODOLOGIAS - NÍVEL 3

DESCRIÇÃO - NÍVEL 2

OBJETO - NÍVEL 1

Figura 2 – Organograma dos níveis de relação desde o objeto até


a epistemologia, segundo Greimas & Courtés (1992).

Compreensão semelhante a essa podemos encontrar na já consagrada


obra de John Losee, Introdução Histórica à Filosofia da Ciência, na qual
reconheceu a discordância existente sobre "o objeto próprio da sua disciplina"
e considera, ainda, que "uma decisão sobre o escopo da Filosofia da Ciência é
condição prévia para falar de sua história". Assim, dentre as variantes
definitórias possíveis, esse autor prefere a seguinte definição, na qual, embora
não se refira ao termo epistemologia, podemos considerá-la como próxima a
que tomamos acima: ―a filosofia da ciência é uma criteriologia de segunda
ordem‖ (Losee, 1979, p. 12).

Para Losee (1979), o filósofo da ciência deve procurar saber: 1) quais


características distinguem a indagação científica de outros tipos de
indagações; 2) quais procedimentos os cientistas deveriam adotar na
investigação da natureza; 3) que condições são necessárias para que um
explicação científica seja correta; e, por fim, 4) qual é o estado cognitivo dos
princípios e leis da ciência.
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
20

Ao avaliar qual relação a epistemologia possui no fazer científico, Losee


(1979, p. 12) refere-se a níveis de análise muito semelhantes ao que
apresentamos anteriormente, conforme ilustrados no Quadro 1.

Quadro 1 – Níveis hierárquicos de análise da Filosofia da Ciência


e da Ciência segundo Losee (1979).

Nível Disciplina Assunto específico


2 Filosofia da Ciência
Análise dos procedimentos e a
lógica da explicação científica
1 Ciência Explicação dos fatos

0 Fatos

Todavia, embora possa afigurar-se que tenhamos exaurido as variantes


possíveis no campo de tensão conceitual entre os polos extracientífico (mais
próximo da filosofia) e o intracientífico (mais próximo à ciência), devemos,
agora, reconhecer que tal configuração ainda não é suficiente e, mesmo se
enunciássemos de uma forma mais sofisticada, em termos de linguagens
lógicas, por exemplo, tal insuficiência não se alteraria.

1.2. CIÊNCIA E DEVIR HISTÓRICO

Com efeito, temos que reconhecer que existe mais um campo de tensão
– o da recorrência histórica – sem o qual nosso esboço para definir o objeto e
o conceito da epistemologia eivar-se-ia de dinamicidade. Tal recorrência
histórica pode operar em três níveis de simultaneidade não desconexos: no da
história da própria ciência; no da história do conceito de conhecimento e de
ciência; e no da história da humanidade.

Uma ciência, enquanto atividade de conhecimento de um objeto


particular, opera como retificação de um saber prévio já obtido. Trata-se da
historicidade da construção do objeto científico. Para Bachelard,
21

o espírito científico é essencialmente uma retificação do saber, um


alargamento dos quadros do conhecimento. Julga o seu passado
histórico, condenando-o. A sua estrutura é a consciência dos seus
erros históricos. Cientificamente, considera-se o verdadeiro como
retificação histórica de um longo erro, considera-se a experiência como
retificação de uma ilusão comum e inicial. [...] A própria essência da
reflexão é compreender que não se tinha compreendido. (Bachelard,
1984, p. 125; grifos meus)

A ciência enquanto empreendimento do conhecimento diferente dos


demais se dá em termos de uma busca de um rigor cujos critérios estão
circunscritos a uma determinada época histórica e, portanto, sofre
transformações no tempo.

Para saber mais


SÃO HISTÓRICOS OS CRITÉRIOS DE RIGOR NA CIÊNCIA?
Geymonat (1985) caracteriza muito Geymonat (1985, p. 18) afirma que
bem o problema do rigor científico. essa presunção desapareceu no
No final do século XVIII, a imagem século XIX, com a descoberta das
desse rigor era dada pelo modo geometrias não-euclidianas.
como fora construído os Elementos
Na época clássica, os atomistas
de Euclides. O grande filósofo
gregos e, depois, Platão,
Espinosa escreveu, nessa época, o
consideravam as ―Formas‖ os
livro Ética cuja estrutura é
únicos objetos do conhecimento
semelhante àquela dos Elementos.
(episteme) contrapostos às ―coisas
Newton seguiu pelo mesmo
sensíveis‖, objetos da opinião
caminho com seu livro Philosophiae
(doxa). (cf. Hamlyn, 1967)
naturalis principia Nathematica.

Nesse sentido, a historicidade é a do conceito que temos de ciência e


conhecimento, para o que Geymonat pondera

[...] se pensarmos que o rigor, ou a procura do rigor, é o que mais


caracteriza o discurso científico relativamente aos restantes tipos de
discurso, devemos admitir que tal caracterização não constitui algo de
meta-histórico. Por outras palavras: nenhuma teoria se pode considerar
rigorosa abstratamente; de facto, só merecerá o título de científica
relativamente às exigências de rigor aceites em uma determinada época,
que podem ser diferentes das admitidas noutra época.
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
22

Aqui está a razão principal do carácter intrinsecamente histórico da


ciência, e, portanto, da inaceitabilidade da concepção filosófica de
Comte, que [...] considerava a ciência como um absoluto (neutro e
atemporal). (Geymonat, 1985, p. 18-19)

E, por fim, a ciência é, antes de tudo, um resultado não apenas de um


grupo de homens circunscritos aos seus laboratórios de pesquisa, mas,
fundamentalmente, de toda a atividade humana - seus valores, suas
possibilidades e suas necessidades - de um dado momento de sua história, a
qual pode ser chamada de cultura ou cosmovisão de uma época. São essas
três historicidades congruentes que tornam forte o aforismo de Protágoras o
homem é a medida de todas as coisas4. Através de uma historicidade assim
estabelecida, podemos tornar a ciência uma atividade crítica que se
desenvolve no sentido de tornar-se cada vez menos antropomórfica e, assim,
em um processo dialético, possa o homem cada vez mais ser reconhecido na
sua dimensão humana. [Ver Para saber mais]

Para saber mais


A GEOLOGIA E OS TRÊS NÍVEIS DE HISTORICIDADE
A geologia é um exemplo peculiar do contra a ideia de mundo bíblica,
recobrimento desses três níveis de fazendo uma assepsia de toda a
historicidade. contaminação metafísica e teológica
e, nesse sentido, a construção do
Primeiro, que o descobrimento da
objeto geológico foi distinta em cada
América que implicou em um
momento de sua construção, pois
paradigma de mundo esférico,
mudavam os valores enquanto um
condicionou as diversas hipóteses
todo.
cosmo-geológicas. John Playfair
(1964[1802]), por exemplo, parte da Terceiro, a historicidade da
análise de como poderia a Terra ter- construção do próprio objeto, que, na
se tornado esférica para conjecturar geologia, comporta-se sempre no
acerca de prováveis leis. A ideia da sentido de que aquilo que é global em
esfericidade do planeta tornou um dado momento, torna-se
possível uma geologia dedutiva. particular no período seguinte, e
assim, sucessivamente.
Segundo, a geologia teve de erigir-se

4 Protágoras (480-410 a.C. apud História do Pensamento, 1987, v. 1, p. 46). Esse pensador
grego é considerado o primeiro sofista, e o aforismo completo é "O homem é a medida de
todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são." Tal ideia
demarca aquilo que pertence ao mundo natural daquilo que pertence ao mundo dos
homens.
23

Nesse sentido, a ciência pode tanto ser estudada no seu aspecto atual,
como no seu devir histórico desde o seu surgimento. Um estudo é intemporal
e, o outro, temporal. Esse corte acaba aproximando a epistemologia da
história da ciência. E de fato, não existe um sem o outro, pois "não há história
das ciências que não seja epistemológica, não existe reciprocamente
epistemologia que não seja histórica"5. Contemporaneamente, estudos
epistemológicos vinculados à história da ciência têm sido os mais amplamente
empregados. Os vantajosos aspectos metodológicos envolvidos são assim
avaliados por Popper:

Se ignorarmos o que outras pessoas pensam ou pensaram no passado,


a discussão racional se encerrará, embora cada um de nós possa
progredir alegremente, falando consigo mesmo. [...] Não há dúvida de
que Deus fala principalmente consigo mesmo, porque não existe quem
seja digno de ouvi-lo. (Popper, 1989[1934], p. 537).

Tal ênfase na historicidade dos estudos epistêmicos é derivada,


também, da contrapartida às proposições de uma das principais correntes
epistemológicas desse século, referenciadas pelo Círculo de Viena (1926-
1936), cuja abordagem epistêmica implicou em uma visão intemporal da
ciência, na qual os problemas científicos foram, simplesmente, substituídos
por problemas de linguagem e, neste caso, ao invés do método histórico, foi
feita uma exaltação da análise lógico-linguística.

As possibilidades de acesso à teorização da ciência fornecidas pela


interação dos dois campos tensivos, demarcados, por um lado, pela
polarização ciência-filosofia e, por outro lado, pela historicidade que recobre o
campo anterior, são inúmeras, de modo que não há como discordar de
Bachelard quando diz

Chegaremos, então, para caracterizar a filosofia das ciências, a um


pluralismo filosófico que é o único capaz de informar os elementos tão
diversos da experiência e da teoria, tão longe de estarem todos ao
mesmo nível de maturidade filosófica. Definiremos a filosofia das
ciências como uma filosofia distribuída. (Bachelard, 1984, p. 27)

Tal distribuição nos é exemplificada, hoje, por seis grandes linhas


epistemológicas que construíram uma tradição de pesquisa epistêmica ao
combinar de algum modo particular os elementos que conferem as amplas
possibilidades de inquirição enunciadas. São elas:

5 Encyclopaedia Universalis, v.6, p. 372 apud Blanché (1988) p. 42.


I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
24

1) Filosofia das ciências, na qual os pesquisadores mesmos procedem a


uma explicação dos elementos filosóficos presentes em sua prática,
emergente hoje devido à crise dos fundamentos matemáticos, do
formalismo lógico e dos princípios na Física (e.g., Russel, Hilbert,
Brouwer, Bohr);
2) Elucidação das proposições científicas como análise formal das suas
condições de validação e de verificação ou falsificação (e.g., Russel,
Wittgenstein, Carnap, Reichenbach, Quine, Popper);
3) Epistemologias regionais, dadas pela diversificação das ciências, que
examinam princípios, métodos e conceitos de uma ciência particular
(e.g., Bunge na Física, Jacques Monod na Biologia);
4) Epistemologias históricas, resultantes da diversificação rápida e
profunda das ciências em nossa época, precisam responder aos
processos de formação e transformação das teorias científicas (e.g.,
Jean Cavaillès, Alexandre Koyré, Gaston Bachelard, Georges
Canguilhem, Paul Feyerabend, Thomas Kuhn, Imre Lakatos);
5) Arqueologia do saber, dada pelo entendimento de que o estudo das
ciências do homem autoriza uma melhor compreensão das
condições históricas da estruturação do discurso do saber,
acarretando também nas implicações genéticas do saber (e.g.,
Foucault);
6) Epistemologia genética (e.g., Piaget).

Para situar uma escolha de uma linha epistemológica, torna-se


importante situar como se constituiu e em que consiste a inquirição. As
soluções dadas a três grandes questões da epistemologia, quais sejam: (i)
como é possível a certeza do conhecimento; (ii) como a ciência se distingue dos
demais tipos de conhecimento? e (iii) como avança a ciência? parecem
satisfazer os propósitos apontados, como veremos no item 2, a seguir.
25

2. O CENÁRIO EPISTÊMICO: INVENTÁRIO DOS


TRÊS PROBLEMAS PRINCIPAIS

As categorias ou conceitos utilizados pela epistemologia para a análise


da ciência são tão plurais quanto as infindáveis incursões que podemos fazer
consoante a diversidade de acessos esboçada no item anterior. Em geral, cada
autor estabelece as categorias para a pesquisa epistêmica em conformidade
com o problema principal que se propõe a resolver. Assim, em Bachelard 6,
encontramos categorias como obstáculos epistemológicos, corte epistemológico,
vigilância epistemológica. Em Popper, temos a falseabilidade; em Kuhn
(1989[1962]), o conceito de paradigma científico; em Lakatos (1982), o conceito
de programa de pesquisa; em Blanché (1988), a recorrência histórica, etc. Tais
categorias tornam-se completamente desprovidas de sentido se forem
definidas fora do contexto no qual emergiram, de modo que se torna mais útil
e profícuo conhecermos os problemas que se propuseram a resolver e como
foram resolvidos.

Três questões são particularmente interessantes para introduzir


minimamente o instrumental teórico capaz de dar a noção de como é
construído a inquirição epistêmica e, ao mesmo tempo, quais as
possibilidades de soluções e como foram resolvidas no devir histórico. São
elas:

1) Como é possível a certeza do conhecimento? - o problema do


ceticismo e o problema da indução (ou problema de Hume);

2) Como a ciência se distingue dos demais tipos de conhecimento? - o


problema da demarcação7 (ou problema de Kant);

3) Como avança a ciência? - o problema do progresso científico.

As respostas a essas três questões remonta-nos à filosofia grega e leva-


nos a diferentes modalidades de abordagens filosóficas, conformando um
verdadeiro mosaico de multiplicidades. Seria necessário traçarmos todo um
desenvolvimento histórico para podermos, sem cair nos simplismos originados

6 O desenvolvimento desses conceitos pode ser encontrado em Bachelard (1984): obstáculo


epistemológico; Bachelard (1977): corte epistemológico (cap. VI); a vigilância epistemológica
(cap. IV);
7 Para Popper (1987) essa é a principal questão da epistemologia.
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
26

por definições curtas, compreender com profundidade a natureza de tais


abordagens. Mesmo assim, indicaremos a importância e consequência de cada
uma na praxiologia científica.

2.1. COMO É POSSÍVEL A CERTEZA DO CONHECIMENTO? - O


PROBLEMA DA INDUÇÃO (OU PROBLEMA DE HUME)

Questionar a certeza do conhecimento que adquirimos parece hoje, com


todo o sucesso das teorias científicas contemporâneas, um monstruoso
contrassenso. Mas, ao perguntarmos como é possível a certeza do
conhecimento, implicitamente perguntamos: é de fato possível conhecer? Em
que está fundado aquilo que chamamos de conhecimento? Aonde reside a
certeza do conhecimento?

Essa dúvida, levantada desde a antiga Grécia por Platão na sua obra
Teeteto, pode ser considerada como originadora da epistemologia, no sentido
geral de teoria do conhecimento. [Ver Para saber mais]

Para saber mais


O QUE É O CONHECIMENTO PARA OS PRÉ-SOCRÁTICOS?
Brown afirma que na pergunta de deram atenção a esse problema, pois
Platão "O que é o conhecimento?" estavam concentrados com a
não estava implícita a dúvida e, por natureza e a possibilidade de
isso, estava implícita a "infalibidade mudanças.
como um dos critérios pelos quais
Para Hamlyn, tal dúvida surgiu
que se julgam as respostas
apenas com os Sofistas (Gorgias e
propostas a sua pergunta" (Brown,
outros) no século V a.C., quando a
1988, p. 191).
tradição pré-socrática foi
Posição diferente é a de Hamlyn que criticamente examinada pela
considera que "Quando um filósofo primeira vez, e, assim, muitos
pergunta se algo é possível, a atributos anteriormente
questão deve ser definida contra a considerados como sendo parte da
consideração de que tal coisa não natureza foram vistos como não
pode ser possível‖ (Hamlyn, 1967, p. sendo, de tal sorte que emerge o
9). problema da antítese entre atributos
da natureza e sensações humanas.
Com efeito, Hamlyn acrescenta que
Foi então que se colocaram
os filósofos pré-socráticos (Tales de
perguntas como: nós temos algum
Mileto, Anaximandro, Pitágoras,
conhecimento da natureza tal como
Parmênides, Zenão, Heráclito,
ela realmente é?
Empédocles, entre outros) os
primeiros da tradição Ocidental, não
27

Mas é na obra República onde Platão apresenta uma visão sobre as


diversas modalidades do conhecimento por meio do esquema da linha
dividida8 em dois segmentos (ab, bc). O primeiro segmento ab representa o
mundo sensível e, o segundo (bc), o mundo inteligível.

BEM
c
IDEIAS DIALÉTICA [noêsis]
MUNDO CIÊNCIA
INTELIGÍVEL OBJETOS e CONHECIMENTO episteme
MATEMÁTICOS MATEMÁTICO [diânoia]
b
OBJETOS CRENÇA [pistis]
SENSÍVEIS

MUNDO d OPINIÃO
SENSÍVEL SOMBRAS ILUSÃO, CONJECTURA doxa
a

Figura 3 – Esquema das modalidades de conhecimento dos


mundos sensível e inteligível, segundo Platão.

O conhecimento dá-se então pela progressiva passagem das incertezas


das aparências (sombras, imagens) e crenças do mundo sensível – opinião
(doxa) –, para a perfeição das formas (objetos matemáticos) e das ideias
(dialética) do mundo inteligível – ciência (episteme). No cume desse processo
está o Bem, como princípio de conhecimento, funcionando como análogo ao
Sol ao iluminar o plano material, como pode ser visualizado na

Figura 3.

8 Esse esboço foi modificado de Platão, 1987, p. xix e xx, e de História do Pensamento, 1987,
v. 1, p. 66.
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
28

É, entretanto, no mito da caverna, na mesma obra, onde Platão


dramatiza com toda profundidade o problema do conhecimento e o critério de
verdade. [Ver Para saber mais]

Para saber mais


O MITO DA CAVERNA
Essa alegoria, que Platão escreveu A situação agravar-se-ia,
em sua obra República, Livro VII, sobremaneira, se o homem
514A/519D, descreve homens que aprisionado fosse conduzido para fora
habitam no fundo de uma caverna da caverna e contemplasse a
desde pequenos, presos de tal modo verdadeira realidade. Aos poucos
que somente podem olhar para a descortinaria o mundo real,
frente. A luz de um fogo, situado no percebendo, primeiro, as sombras;
alto bem atrás deles, projeta na depois, as imagens refletidas na água
parede que contemplam sombras de e, por fim, o Sol, fonte de toda luz e
artefatos com formas diversas da realidade do espaço visível. Assim,
(utensílios, animais, etc.) quando se lembraria dos seus
transportados por homens que companheiros de prisão, ―não te
caminham ao longo de um muro parece que se felicitaria pela mudança
entre o foco de luz e os e lastimaria a sorte deles todos?‖,
aprisionados. ―Para semelhante questiona o narrador.
gente, a verdade consistiria apenas
Situação mais paradoxal aconteceria
na sombra dos objetos fabricados‖,
caso esse homem retornasse à
assevera o narrador Sócrates.
caverna. Ao emitir juízos a respeito
Destarte, a situação mudaria das sombras, tornar-se-ia motivo de
radicalmente se um deles fosse zombaria por parte dos eternos
libertado. Ao virar a cabeça, aprisionados e "não diriam estes que
primeiro deslumbrar-se-ia com o o passeio lá por cima lhe estragara a
fogo o que, além de causar-lhe dor, vista e que não valia a pena sequer
o impediria que visse a ―encenação‖. tentar aquela subida?"
Mas, ao vê-la, "não te parece que
E se, mesmo assim, ele tentasse a
ficaria atrapalhado e imaginaria ser
libertação dos demais, "não lhe
mais verdadeiro tudo o que ele vira
tirariam a vida?", sentencia Sócrates.
até então do que quanto lhe
Múltiplas interpretações podem ser
mostravam?", pergunta Sócrates.
tiradas dessa alegoria.

Essa alegoria aborda os diversos problemas do ato de conhecer. Nela, o


mundo aparente é apresentado como uma ilusão, situando-se a verdade para
além dela. Mas, ao procurá-la, a linguagem pela qual designamos as coisas
mudam na medida em que melhor a conhecemos a ponto de já não mais
poder ser entendida pelos que designam as coisas pela aparência das ilusões.
O ato de conhecer, implica, na visão platônica, num ato também pedagógico
29

que não pode dissociar-se de sua permanente divulgação, sob pena de não ser
entendido por aqueles que, aprisionados pelo mundo das aparências na vida
comum, não podem buscar a verdade. (Ver Para saber mais)

Para saber mais


HABERMAS E O AGIR COMUNICATIVO NA ATUALIDADE
Dentre os pensadores nucleares [...] é que as suas
contemporâneos, Jürgen Habermas consequências práticas subversivas
(1987 [1968]) em seu livro Técnica e podem penetrar na consciência
ciência como "ideologia" foi quem literária do mundo vital. - Surgem
trabalhou intensamente o problema poesias relativamente a Hiroshima, e
do abismo entre o mundo social da não através da elaboração de
vida contraposto pelo universo hipóteses sob a transformação da
amundano dos fatos. Esse abismo é massa em energia.
somente suplantável por uma ação
Essa desproporção das duas culturas
comunicativa entre os agentes de
é alarmante só porque [...] se perfila
ciência e os agentes sociais, pois
verdadeiramente um problema vital
―Os conhecimentos da física da civilização configurada pela
atômica tomados em si mesmos ciência: o problema de como se pode
permanecem sem consequências hoje efetuar a reflexão sobre a
para a interpretação do nosso conexão, ainda espontânea, entre
mundo vital – pelo que o abismo progresso técnico e mundo social da
entre essas duas culturas é vida, e submetê-la aos controles de
inevitável. Só quando mediante as uma discussão racional‖ (Habermas,
teorias físicas realizamos fissões 1987, p. 95-96).

Outro pensador grego, o sofista Gorgias, assim apresenta o mesmo


problema, segundo Hamlyn de modo mais radical:

[...] não haveria tal coisa como a realidade, pois, se houvesse, não
poderíamos saber dela, e que mesmo que pudéssemos conhecê-la, não
poderíamos comunicar nosso conhecimento acerca dela. (Gorgias [487-
380 a.C.] apud Hamlyn, 1967.)

O problema da certeza do conhecimento se coloca como uma equação


complexa, que tem sido renovada até os dias atuais. Desde Platão, para o qual
as ―Formas‖ são os únicos objetos do conhecimento, sendo as coisas sensíveis
objetos meramente da opinião9, muitas outras tradições filosóficas abordaram
esse problema, recebendo várias modalidades de soluções. Algumas delas,

9 Cf. Hamlyn (1967, p. 10); cf. História do Pensamento (1987, v. 1).


I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
30

inclusive, opostas, como a dúvida racionalista do século XVII (Descartes,


Leibniz, Spinoza), resolvida pela certeza das ideias claras, e a dúvida do
empirismo do século XVII e XVIII (Locke, Berckeley, Hume, Bacon e Mill),
resolvida pela certeza da percepção. Tal contraposição deriva de diferentes
concepções sobre qual a fonte do conhecimento (apriorista ou perceptivo;
analítico ou sintético; esquemas lógicos ou experiência do mundo sensível) e
qual é o critério de verdade (a "ideia clara" ou a percepção). Tal polaridade,
entretanto, acabou por fundar, de um lado, o dogmatismo, encerrado em
esquemas metafísicos sem possibilidade de autorreflexão e crítica; e, de outro,
o ceticismo empirista, recusando terminantemente as ideias na explicação dos
fatos, como faces de uma mesma moeda.

Com efeito, a ideia clara de Descartes ―penso, logo existo‖ (cogito ergo
sum) era tida como verdadeira e, portanto, ideias claras semelhantes, também
haveriam de ser. A verdade é obtida por um processo do pensamento feito com
um método capaz de assegurá-la, pois o mundo exterior não fornece garantias
para a certeza do conhecimento. Tal verdade é, então, apriorística e
dogmática.

De outro lado, Hume declara que a certeza só pode ser uma crença
pois:

O contrário de um fato qualquer é sempre possível [...]. Que o sol não


nascerá amanhã é tão inteligível e não implica em mais contradições do
que a afirmação que ele nascerá. [...] Portanto, deve ser assunto digno
de nossa atenção investigar qual é a natureza desta evidência que nos
dá segurança acerca da realidade de uma existência e de um fato que
não estão ao alcance do testemunho atual de nossos sentidos ou do
registro de nossa memória. (Hume, 1989[1777], p. 77-78.)

Isso torna o ceticismo inevitável, dado que a crença se baseia no hábito


e não em bases racionais. Diz ainda Hume

Segue-se daqui que todos os raciocínios sobre a causa e o efeito são


fundamentados sobre a experiência e que todos os raciocínios da
experiência são, por sua vez, fundados na suposição de que o curso da
natureza continuará o mesmo, uniformemente. (Hume, 1989[1777], p.
77-78.)

Mas se a origem dessa suposição não pode ser a razão: ―Somente o


hábito nos leva a supor o futuro conforme o passado‖. (Hume, 1989[1777], p.
77-78.)
31

As ideias (pensamento) são resultados da associação de impressões


(percepções do sentido) e só a experiência possui, então, validade para o
conhecimento – e não o encadeamento lógico das ideias, na medida em que os
fatos não possuem relação de causalidade necessária, mas apenas
contingente. Nesse sentido, acreditar na causalidade dos fatos é uma crença
determinada pelo hábito ou costume de passar para a impressão uma ideia
associada, sendo, portanto, uma impressão da reflexão, resulta em uma
abordagem psicológica. Com isso, Hume (1989[1777]) apresenta o importante
problema do método indutivo, ao evidenciar que a implicação de um fato a
uma causa hoje não fornece nenhuma razão lógica para pressupor que o
mesmo fato seja implicado pela mesma causa amanhã, de modo que a única
justificativa para a indução é uma crença de que os fenômenos se repetem. No
entanto, Hume não forneceu alternativas à indução.

O trilema de Fries: dogmatismo vs. ceticismo vs. psicologismo

Foi Jakob Fries [1773–1843] quem apresentou as três possibilidades de


solução do problema da certeza do conhecimento, até então existentes no
meio científico e brevemente abordadas acima, na forma de um trilema,
chamado por Popper (1989[1934]) de trilema de Fries: 1) Dogmatismo; 2)
Ceticismo (regressão infinita); e 3) Psicologismo.

Esse trilema foi, segundo Popper, estudado profundamente por Fries,


que apontou a solução psicologista como a mais amplamente aceita pela
comunidade científica. Popper enuncia do seguinte modo o trilema de Fries:

Ensinou ele [Fries] que, se não cabe aceitar dogmaticamente os


enunciados da Ciência, devemos ter como justificá-los. Se exigirmos
justificação através de argumento que desenvolva razões, no sentido
lógico, seremos levados à concepção segundo a qual enunciados só
podem ser justificados por enunciados. A exigência de que todos os
enunciados devam ser logicamente justificados (a que Fries se refere
falando em "predileção por demonstrações") tende, portanto, a conduzir
a uma regressão infinita [ceticismo].

Ora, se quisermos evitar o perigo do dogmatismo, ao mesmo tempo que


a regressão infinita, aparentemente não restará outro recurso que não o
do psicologismo, isto é, a doutrina de acordo com a qual enunciados
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
32

podem encontrar justificação não apenas em enunciados, mas também


na experiência perceptual.

Diante desse trilema – dogmatismo vs. regressão infinita vs.


psicologismo – Fries, e com ele quase todos os epistemologistas que
desejavam explicar nosso conhecimento empírico, optaram pelo
psicologismo. Na experiência sensória, ensinou ele, encontramos
"conhecimento imediato": através desse conhecimento imediato
podemos justificar nosso "conhecimento mediato" – conhecimento
expresso no simbolismo de alguma linguagem. (Popper, 1989[1934], pp.
99-100)

Entretanto, aceitar as experiências perceptuais como fonte do


conhecimento implica necessariamente em aceitar o método indutivista como
aquele capaz de transportar o valor de verdade de um enunciado singular
(um fato) para um enunciado universal (uma lei, uma generalização). Embora
o problema da indução tenha sido apontado desde Hume (1989[1777]) (a
conexão entre fatos como vemos hoje, não implica que seja a mesma de
amanhã e, nesse sentido, a generalização não tem justificativa lógica a não ser
enquanto crença numa suposta regularidade dos fatos), tal método foi
utilizado como o único modo de chegar a generalizações verdadeiras durante
um grande período da história da ciência.

A solução definitiva do trilema de Fries, que nega tanto o dogmatismo


como o ceticismo pirrônico [ver Para saber mais] e, além disto, suplanta o
problema da indução e do psicologismo, é devida a Karl R. Popper
(1989[1934]) em sua conhecida obra Logik der Forschung, na qual é proposto
o racionalismo crítico na atividade científica. Tais pressupostos serão vistos
no próximo item sobre o problema da demarcação da ciência (o Programa
Falseacionista de Popper). Por ora, ficamos com a excelente metáfora de
Popper na qual, embora considere que o que conhecemos apenas tangencia
a verdade, admite também que podemos de fato conhecer algo e o nível de
regressão infinita que aplicamos a esse conhecimento depende de onde
queremos chegar

A base empírica da ciência objetiva nada tem, portanto, de "absoluto". A


ciência repousa em terra firme. A estrutura de suas teorias levanta-se,
por assim dizer, num pântano. Assemelha-se a um edifício construído
sobre pilares. Os pilares são enterrados no pântano, mas não em
qualquer base natural ou dada. Se deixamos de enterrar mais
profundamente esses pilares, não o fazemos por termos alcançado
terreno firme. Simplesmente nos detemos quando achamos que os
33

pilares estão suficientemente assentados para sustentar a estrutura -


pelo menos por algum tempo. (Popper, 1989[1934], p. 119)

Para saber mais


TIPOS DE CETICISMO
São diversos os tipos de ceticismo. persuadíveis.
Um estudo pormenorizado dos
Uma compreensão mais interessante
argumentos dos céticos e sua
do ceticismo científico, porque
refutação fazendo uso de linguagem
racionalista crítica, encontra-se em
formalizada e sob um ponto de vista
Watkins (1990, p. 13). Fazendo uso de
empirista pode ser encontrado na
linguagem formalizada, sem, no
obra de Dancy (1990). Esse autor
entanto, deixar de ser bastante
define três tipos de argumentos
acessível, esse autor distingue três
céticos:
ceticismos:
1) O conhecimento é impossível;
1) O acadêmico, que diz não há senão
ninguém conhece porque ninguém
uma coisa que podemos saber;
pode conhecer.
2) O ceticismo pirrônico, que diz que
2) O ceticismo que leva a uma
nem isso podemos saber;
regressão infinita: a cada resposta,
recoloca-se a pergunta "Como é que 3) O ceticismo egocêntrico de Hume,
sabe isso?" que "concede que cada um de nós tem
uma boa dose de conhecimento
3) Elevam-se os padrões evidenciais
egocêntrico sobre nossas próprias
tão alto que é impossível conformar-
crenças, sentimentos e experiências
se-lhes. Esse cético estigmatiza os
perceptivas."
outros de crédulos ou facilmente

2.2. COMO A CIÊNCIA SE DISTINGUE DOS DEMAIS TIPOS DE


CONHECIMENTO?
- O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO (OU PROBLEMA DE KANT)

O problema da demarcação da ciência com a pseudociência e outros


tipos de conhecimento, embora continuadamente presente desde as
postulações do pensamento clássico, adquiriu uma importância crescente
nesse século, passando não apenas a constituir-se numa das principais
polêmicas atuais, bem como a ser considerada por muitos cientistas e
epistemologistas (e.g., Popper, Lakatos, etc.) como a mais importante questão
epistemológica dentre todas. Lakatos (1987) considera que uma solução do
problema de Kant, assim denominado por Popper (1989[1934]), pressupõe a
superação da pergunta cética e dogmática "como conhecemos?", que cliva toda
a história da ciência desde a antiguidade, para uma nova pergunta "como
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
34

corrigimos e melhoramos nossas conjecturas?". Essa nova questão produz uma


mudança epistêmica substancial a ponto de Lakatos proclamar que

dará muito trabalho aos filósofos durante séculos inteiros; e como viver,
atuar, lutar e morrer quando somente contamos com conjecturas dará
trabalho mais que suficiente aos futuros filósofos de política e
pedagogos.(Lakatos, 1987, p. 24.)

Segundo Losee (1979, p. 190), ―Aristóteles foi o primeiro filósofo da


ciência a enfatizar a demarcação entre as interpretações científicas e as
interpretações não científicas.‖ [Ver Para saber mais]

Para saber mais


O USO DE SILOGISMOS POR ARISTÓTELES
Para Losee (1979, p. 19), uma das temos como meramente acidental a
grandes conquistas de Aristóteles foi relação entre a estrutura dos cascos e
―insistir que a validade de um a da mandíbula, posto que as
argumento é determinada somente premissas do silogismo do fato não
pela relação entre as premissas e a afirmam a sua causa. De outro modo,
conclusão". temos uma relação causal no
chamado silogismo do fato racionado,
Assim, Losee explica que se tornava
como por exemplo:
possível, a partir dos sujeitos e
predicados de um conjunto de - Todos os ruminantes com estômago
premissas, a dedução de conclusões de quatro câmaras são animais sem
fazendo uso de silogismos, desde os dentes incisivos superiores.
que tais premissas satisfizessem
- Todos os bois são ruminantes
quatro requisitos extralógicos: a)
dotados de estômagos de quatro
serem verdadeiras; b)
câmaras.
indemonstráveis; c) melhor
conhecidas do que a conclusão; e, o ... Todos os bois são animais privados
mais importante, d) tivessem uma dos incisivos superiores.
relação causal.
Losee acrescenta, ainda, que
Os chamados silogismos do fato não Aristóteles sugeriu, para diferenciar
eram considerados satisfatórios, as relações causais das acidentais,
pois, por exemplo, se considerarmos "que em uma relação causal o
o silogismo: atributo é 1) verdadeiro para todos os
- Todos os ruminantes com cascos casos em que aparece o sujeito, 2)
bífidos são animais privados de verdadeiro especificamente para o
incisivos superiores. sujeito, e não por ser ele parte de um
todo maior, e 3) é 'essencial ao'
- Todos os bois são animais sujeito." (Losee, 1979, p. 21) Dessa
ruminantes com casco bífido. forma, para Aristóteles, "uma ciência
tem um gênero distintivo de sujeitos e
... Todos os bois são animais
um conjunto próprio de predicados."
privados dos incisivos superiores.
(Losee, 1979, p. 21).
35

A base empírica e a observação como critério de demarcação


Mas é somente a partir do surgimento da ciência moderna com Galileu
que a base empírica tem sido enfatizada como o grande critério demarcatório
em relação à pura especulação filosófica encetada pelos escolásticos do século
XVII, que canonizaram o método aristotélico ao mesmo tempo em que o
perverteram ao cortar-lhe justamente a base empírica. Diz-se, a partir de
então, que é científico o conhecimento que tem por base a experiência. Mas,
em si, isso diz muito pouco. O próprio Galileu desenvolveu suas teorias sem
absolutizar os dados ou aquilo que chamamos de experiência.
A revolução científica empreendida por Galileu abalou a concepção
aristotélica-escolástica ao demonstrar que o edifício puramente lógico e
dedutivo desta pode resultar em enganos quando se refere às questões da
natureza. [Ver Para saber mais]

Para saber mais


MÉTODO E FILOSOFIA DA CIÊNCIA EM GALILEU GALILEI
Em sua obra O Ensaiador, Galileu teorizar e testar pela experiência
(1987 [1623]) dedicou-se a refutar fazendo uso da matemática, pois ―a
as alegações de um crítico filosofia [com o sentido de ciência]
escolástico que afirmava serem as encontra-se escrita neste grande livro
experiências inapropriadas para que continuamente se abre perante
provar fenômenos da natureza nossos olhos (isto é, o universo), que
produzidos pelo acaso e que, não se pode compreender antes de
portanto, deveria prevalecer o entender a língua e conhecer os
depoimento e o testemunho dos caracteres com os quais está escrito.
poetas filósofos e historiadores, Ele está escrito em língua matemática,
como Aristóteles, mesmo quando se os caracteres são triângulos,
tratasse de ideias tão bizarras como circunferências e outras figuras
a de supor que o ar seria capaz de geométricas, sem cujos meios é
derreter projéteis de chumbo e impossível entender humanamente as
cozinhar ovos. palavras; sem eles, nós vagamos
Para Galileu, a experiência é perdidos dentro de um obscuro
suficiente para refutar qualquer labirinto.‖ (Galileu (1987[1623]), p. 21)
crença, mesmo aquelas das Contudo, Galileu não absolutizava a
autoridades, pois, diz ele: ―Eu observação e a experiência. Para Losee
poderia dar muitos exemplos da ele ―adotou o ideal arquimediano da
variedade da natureza em produzir sistematização dedutiva, e também
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
36

seus efeitos de maneira aceitou a distinção platônica entre o


inimaginável para nós, se o sentido real e o fenomenal [...]. È luz desta
e a experiência não nos distinção, é natural desenfatizar as
explicitassem sem, muitas vezes, discrepâncias entre os teoremas dos
suprir a nossa incapacidade.‖ sistemas dedutivos e aquilo que é
(Galileu (1987 [1623]), p. 63.) realmente observado‖. (Losee, 1979, p.
Galileu defendia seu método de 70)
A grande crise da ciência contemporânea não é outra senão a crise da
base empírica como fonte segura do conhecimento per se. Estão aí as grandes
teorias de sucesso, como as de Einstein, Maxwell, Bohr, para citar apenas
algumas, que não foram originadas pela clássica ideia de acumular dados
originados pela percepção do fato. Afinal, dificilmente podemos pensar que o
universo, um átomo ou mesmo uma placa litosférica sejam
fenomenologicamente perceptíveis. Qual seria, então, o critério de
demarcação?

No surgimento da ciência moderna os homens de saber viviam às turras


com especulações metafísicas e teológicas, algumas das quais de cunho
científico, no sentido que hoje lhe empregamos. A ciência moderna surge das
entranhas da própria filosofia e dela teve que se distinguir, diferenciar e
demarcar. A questão não se colocava de uma maneira fácil, pois toda uma
tradição do pensamento filosófico tinha que ser superada. A famosa obra de
Newton, Philosophiae naturalis principia mathematica (Princípios matemáticos
da filosofia natural, 1687), por exemplo, ainda não estava de todo desligada da
filosofia, como o próprio título indica. O mesmo ocorria com Descartes, em
sua obra Principia Philosophiae (1644; Princípios da Filosofia, 2007[1644]).

O critério fundamental de demarcação inaugurado nesse período, que


propiciou o próprio desenvolvimento da ciência moderna, ao delimitá-la da
especulação escolástica então em voga, foi aquele que passou a considerar
científico apenas o que fosse originado pela observação direta da natureza. Já
não se tratava de tecer os princípios do mundo num sistema hermético e
indecifrável, no qual cada um propunha a sua verdade, mas de descrever a
natureza tal como ela é.

Esses critérios, embora já trabalhados por Galileu, foram estipulados


segundo outra tradição filosófica – a empirista – por Francis Baconem sua
obra Novum Organum ("Novo Instrumento"), de 1620 [ver Para saber mais]. As
noções metafísicas genéricas, a maioria delas originadas no pensamento
clássico, como substância, qualidade, ação, paixão, corrupção, elemento,
matéria, forma, foram consideradas fantásticas e mal definidas (Aforismo XV,
37

Livro I, p. 15), devendo ser suprimidas e dar lugar a características


mensuráveis e observáveis tais como peso, maleável, dúctil, volátil, liquefação,
solução (Aforismo V, Livro II, p. 96).

Para saber mais


ORGANON VS. NOVUM ORGANON
O título da obra de Francis Bacon da verdade, como, mesmo depois de
Novum Organon contrapõe-se ao ‗velho‘ seu pórtico logrado e descerrado,
Organon ("Instrumento") escrito por poderão ressurgir como obstáculo à
Aristóteles. O Organon ou instrumento própria instauração das ciências, a não
aristotélico era um conjunto de regras ser que os homens, já precavidos
pelas quais se tornava possível a contra eles, se cuidem o mais que
formulação de proposições sobre possam." (Bacon, 1988[1620], p.20-21)
alguma coisa sem cair-se nas
E, para precaver-se:
armadilhas da linguagem, tão praticada
pelos sofistas. Tais regras, que hoje "Só há e só pode haver duas vias para
denominamos de lógica, colocavam-se a investigação e para a descoberta da
como anteriores ao conhecimento, pois, verdade. Uma, que consiste no saltar-
do contrário, poder-se-ia facilmente cair se das sensações e das coisas
em equívocos. particulares aos axiomas mais gerais e,
a seguir, descobrirem-se os axiomas
O aristotelismo foi o grande modelo
intermediários a partir desses
de conhecimento dos escolásticos na
princípios e da sua inamovível verdade.
Idade Média e contra ele Bacon
Esta é a que ora se segue. A outra, que
(1988[1620]) dirigiu suas principais
recolhe os axiomas dos dados e dos
críticas e farpas:
sentidos e particulares, ascendendo
"Quanto a nós apoiados na evidência contínua e gradualmente até alcançar,
dos fatos, rejeitamos toda a sorte de em último lugar, os princípios de
fantasia ou impostura. E não máxima generalidade. Este é o
reputamos de interesse para o que nos verdadeiro caminho, porém ainda não
ocupa saber-se se o que vai ser instaurado." (Bacon, 1988[1620], p. 16)
descoberto já era conhecido dos antigos
Desse modo:
ou se está sujeito às vicissitudes das
coisas ou às circunstâncias desta ou "Resta-nos um único e simples método,
daquela idade. Tampouco parece digno para alcançar os nossos intentos: levar
da preocupação dos homens o saber-se os homens aos próprios fatos
se o Novo Mundo é aquela ilha particulares e às suas séries e ordens,
Atlântida, conhecida dos antigos, ou se a fim de que eles, por si mesmos, se
foi descoberta agora pela primeira vez. sintam obrigados a renunciar às suas
A descoberta das coisas deve ser feita noções e comecem a habituar-se ao
com recurso à luz da natureza e não trato direto das coisas." (Bacon,
pelas trevas da Antiguidade." (Bacon, 1988[1620], p. 20.)
1988[1620], p. 81) O intelecto é visto como um altar
E, para sair do impasse, propõe uma imaculado:
limpeza do intelecto humano ocupado "fundamos no intelecto humano um
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
38

por ídolos e noções falsas: templo santo à imagem do mundo. E


por ele nos pautamos. Pois tudo o que
"Os ídolos e noções falsas que ora
é digno de existir é digno de ciência,
ocupam o intelecto humano e nele se
que é a imagem da realidade."
acham implantados não somente o
(Bacon, 1988[1620], p. 79, grifos
obstruem a ponto de ser difícil o acesso
meus.)
Embora os critérios de demarcação parecessem claros, não eram
suficientes. A demarcação deu-se basicamente em função de um método – o
indutivo – declarado como sendo o verdadeiro e único. Como vimos, Hume
(1989[1777]) já havia apontado o problema da indução e, assim, a demarcação
entre ciência e não ciência não ficou de todo resolvida. Se, por um lado, a
observação em si colocou-se como bom critério de demarcação com a
especulação escolástica, por outro, a generalização da observação não se
traduzia em método seguro para a certeza do conhecimento e, assim, alcançar
a verdade.

No entender de alguns, como na posição cética de Hume (1989[1777]), a


generalização é uma crença e, neste sentido, nada podemos afirmar com
certeza sobre nada. Para Francis Bacon (1988[1620]), a observação leva, pela
indução, quase que forçosamente à generalização, mas o argumento de Hume
(1989[1777]) é um óbice claro a esse desiderato e não foi considerado por ele e
pelos que o seguiram. O método científico ficou sendo sinônimo do paradigma
baconiano por um longo período da história da ciência e até hoje é ensinado
nas escolas e universidades.

Se, para a ciência nascente, segundo o "filósofo da ciência planificada",


como Bacon foi chamado por alguns historiadores, concepções a priori deviam
ser expurgadas totalmente da atividade científica, tal pressuposto não se
sustentou. Foi Kant quem retomou o fio da meada demonstrando que formas
espaço-temporais são necessariamente uma característica a priori da
experiência. Além disso, introduziu o critério de intersubjetividade na análise
de fenômenos ao considerar que tal característica não é subjetiva, mas válida
para todos os homens. Resgata a Lógica como necessária aos
empreendimentos científicos (ver Para saber mais), bem como o conceito de
causalidade dos fenômenos (então "limpados" por Bacon, 1988[1620]) e Hume
(1989[1777]) e demarca a Metafísica da Ciência utilizando-se de Galileu como
um grande paradigma da ciência.
39

Para saber mais


A LÓGICA OU A RAZÃO DAS CIÊNCIAS SEGUNDO KANT
Sobre a justificativa da razão nas ciências, nos diz Kant:
―Na medida em que deve haver razão nas ciências, algo tem que ser conhecido
nelas a priori, e o conhecimento da razão pode ser referido de dois modos ao
seu objeto: ou meramente para determinar este seu conceito (que precisa ser
dado alhures) ou também para torná-lo real. O primeiro é conhecimento
teórico, o outro, conhecimento prático da razão.
Não importa quão grande ou pequeno seja o seu conteúdo, a parte pura de
ambos, ou seja, aquela em que a razão determina seu objeto de modo
completamente a priori, tem que ser exposta antes sozinha, e aquela que
provém de outras fontes não tem de ser mesclada com ela; pois constitui
péssima economia gastar cegamente todos os ganhos sem poder distinguir
depois, quando ele emperra, qual parte dos rendimentos pode arcar com a
despesa e de qual parte tem de cortá-la.‖ (Kant, 1987, p. 12.)

A mente não é cera passiva: o programa de Kant

Através de uma bela metáfora, que posiciona a teoria diante da


observação não como um aluno diante do professor, mas como um juiz em
um tribunal, critica convincentemente a visão baconiana e inaugura, no
entender de Popper, uma das mais importantes questões da ciência: o
problema da demarcação, também chamado de problema de Kant. Na ciência,
diz Kant

[...] acendeu-se uma luz para todos os pesquisadores da natureza.


Compreenderam [Galileu, Torricelli e Stahl] que a razão só discerne o
que ela mesmo produz segundo seu projeto, que ela tem de ir à frente
com princípios dos seus juízos segundo leis constantes e obrigar a
natureza a responder às suas perguntas, mas sem ter de deixar-se
conduzir somente por ela como se estivesse presa a um laço [crítica
explícita a Bacon, para quem a mente deveria ser guiada apenas pela
natureza]; pois do contrário observações casuais, feitas sem um plano
previamente projetado, não se iterconectariam em uma lei necessária,
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coisa que todavia a razão procura e necessita. (Kant 1987[1787], p. 13,


grifos meus.)

Kant comenta, ainda, sobre o papel do investigador diante da natureza.


Ao afirmar que ele não deve ser um papel de expectador, mas de quem está
julgando a partir dos fatos as perguntas que propõe:

A razão tem de ir à natureza tendo em uma das mãos os princípios


unicamente segundo os quais os fenômenos concordantes entre si
podem valer como leis, e na outra o experimento que ela imaginou
segundo aqueles princípios, na verdade para ser instruída pela
natureza, não porém na qualidade de um aluno que se deixa ditar tudo
o que o professor quer, mas na de um juiz nomeado que obriga as
testemunhas a responder às perguntas que lhes propõe. (Kant
1987[1787], p. 13, grifos meus.)

Já na metafísica, segundo Kant (1987[1787], p. 13), a "razão deve ser


aluna de si mesma" e, portanto, se trata de um conhecimento isolado e
especulativo que ainda não teve sucesso, mas que poderia tê-lo se se
utilizasse do método do investigador da natureza, qual seja, "procurar os
elementos da razão pura naquilo que pode ser confirmado ou refutado por um
experimento" (Kant, 1987[1787], p. 15). Em outras palavras, "testar suas
proposições", de modo a obstruir "toda a fonte de erros": eis "a primeira e a
mais importante preocupação da Filosofia". Para tanto, utilizou na metafísica
o conceito de categorias tal como na ciência utiliza-se o de objetos. Assim, o
conhecimento científico distingue-se do metafísico, pois "possui suas fontes a
posteriori, ou seja, na experiência" (Kant, 1987[1787], p. 25), enquanto o
metafísico se realiza somente a priori.

O programa kantiano, reconhecidamente ambicioso, pois pretendia


desenvolver uma disciplina na qual se pudesse afirmar "nil actom repuntans,
si quid superesset agendum" (Kant 1987[1787], p. 17; ―Reputando nada como
feito, se algo restasse para fazer‖), foi um marco no pensamento por declarar
que "embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por
isso todo ele se origina justamente da experiência", pressupondo uma síntese
entre o conhecimento a priori e a posteriori. Assim, Kant soluciona o impasse
criado entre o racionalismo idealista e dogmático de Descartes (entre outros),
que declarava o apriorismo de todo o conhecimento, de um lado, e o
empirismo cético de Hume (1989[1777]), entre outros, que enunciava a
impossibilidade de causalidade dos fatos, ou seja, a impossibilidade de
conhecimentos a priori, tipo leis universais rigorosas, de outro. Para tanto,
41

admitiu existirem dois campos de conhecimentos, os a priori - isto é,


independentes da experiência - e os a posteriori - ou seja, derivados da
experiência. Porém, os primeiros devem ser criticados pela experiência, de
modo a restringir seus erros e limitar suas possibilidades especulativas. Já os
segundos (os da experiência), só encontram possibilidade de universalização
rigorosa se propostos junto aos juízos a priori.

De fato, a ―universalidade empírica é somente uma elevação arbitrária


da validade‖, e aqui Kant concorda com Hume (1989[1777]), que chama essa
arbitrariedade de crença, na qual nunca saberemos quais são as suas
exceções, pois a lei natural é enunciada pela contingência dos fatos e não por
que é necessária aos fatos. Do contrário, a universalidade a priori é necessária
aos fatos, ou seja, não permite nenhuma exceção, e, se existir, não terá mais o
mesmo estatuto, tendo sido, portanto, refutada.

Os juízos sintéticos e a arquitetura da ciência moderna

Além disso, em relação ao sujeito e ao predicado de um juízo, Kant


(1987[1787], p. 29) denomina de juízos analíticos aqueles que são intrínsecos
às coisas, não informam, pois servem para elucidar e analisar o conceito
envolvido (diz-se que o predicado está contido no sujeito e, por isso, envolve
contradição); e juízos sintéticos aqueles que informam sobre a coisa e ampliam
o conceito do sujeito (diz-se que o predicado está fora do sujeito e, portanto,
não envolve contradição). Por exemplo, ―todos os corpos são extensos‖ é um
juízo analítico na medida em que a extensão é intrínseca ao conceito de corpo;
e, ―todos os corpos são pesados‖ é um juízo sintético, pois o predicado
acrescenta um atributo ao sujeito para além do mero conceito de corpo. O
mesmo se verifica em ―todos os corpos são amarelos‖.

Dessa forma, pode-se agora relacionar os campos do conhecimento (a


priori ou a posteriori) com o tipo de conexão entre sujeito e predicado (juízo
analítico ou sintético). Teremos juízos analíticos a priori, possíveis apenas na
metafísica, e a posteriori, sempre impossíveis; e juízos sintéticos a priori (leis
naturais, predições, etc., sempre referidos à experiência) e a posteriori (dados,
experiência). Nesse sentido, os juízos da experiência são todos sintéticos, mas
eles podem ser a priori, pois
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
42

antes de recorrer à experiência, já possuo no conceito todas as


condições para o meu juízo, conceito do qual posso extrair o predicado
segundo o princípio de contradição e com isso tornar-me ao mesmo
tempo consciente da necessidade do juízo, coisa que a experiência nunca
me ensinaria. (Kant, 1987[1787], p. 29, grifos meus.)

Kant fornece, assim, a arquitetura do moderno conhecimento científico,


originado por Copérnico e Galileu, que admite enunciados universais e
causalidades dos fenômenos e, assim, declara a possibilidade de predição
empírica (não especulativa, no sentido escolástico), mas ao mesmo tempo,
admite que a enunciação de leis universais rigorosas e não contingentes
(negadas por Bacon (1988[1620]), que só admitia as contingentes, e por Hume
(1989[1777]), que não admitia nenhuma) devem ser sempre submetidas ao
teste da experiência. Desse modo, tem-se a síntese entre o dogmatismo e o
empirismo cético, resultando no racionalismo crítico, que trabalha com a
tríade: analítico (metafísica, conceitos), sintético (experiência) e sintético a
priori (leis, princípios, matemática), contraposta à dicotomia Humeana entre
relations of ideas e matters of fact (ou de Platão ―mundo das ideias‖ e ―mundo
sensível‖).

Verificacionismo e significado: o critérios do Círculo de Viena

O debate sobre a demarcação da ciência, contudo, ganha um novo


impulso e enfoque no início do presente século, com as proposições do Círculo
de Viena (ver Para saber mais), que renova o programa empirista-baconiano e
declara que o significado é o critério para demarcar o conhecimento. Para
definir se o conhecimento tem ou não significado, utiliza-se o método do
verificacionismo. Nas palavras de Schlick (1988[1936], p. 85) ―o significado de
uma proposição é o método de sua verificação‖. Deste modo, todas as
proposições que possuem significado ou são analiticamente (lógica e
matemática) ou empiricamente verificáveis (ciência). Nesse caso, qualquer
outro tipo de proposição será dita não possuir nenhum significado, como, por
exemplo, as proposições da metafísica. Assim, um enunciado é significativo
se, e somente se, forem indicadas quais as condições e experiências pelas
quais ele pode vir a ser verificado e controlado.
43

Para saber mais


O CÍRCULO DE VIENA [1926-1936]
O Círculo de Viena foi formado por Moritz Schlick, seu organizador, em
1926, em Viena. Contou com a participação de Rudolf Carnap, uma das
figuras centrais, Otto Neurath, Friedrich Waismann, Edgar Zilsel, Béla
von Juhos, Felix Kaufmann, Herbert Feigl, Victor Kraft, Philipp Frank,
Karl Menger, Kurt Gödel e Hans Hahn, influenciados pelas ideias de
Mach e Russell.
Ludwig Wittgenstein, autor do Tractatus Logicophilosophicus, onde
interpreta e desenvolve o empirismo britânico, influenciou também
profundamente o círculo, fazendo parte de algumas reuniões.
Lançaram, em 1929, o manifesto Wissenschaftliche Welrauffaussung,
Der Wiener Kreis (―A visão científica do mundo: o Círculo de Viena‖).
Interessou-se pelo Círculo de Viena uma série de outros cientistas e
filósofos tais como os participantes do grupo de Berlin, Hans
Reichenbach, Carl Hempel, dos americanos C.W. Morris, Ernest Nagel,
W.V. Quine; dos britânicos Gilbert Ryle, Alfred. J. Ayer; do polonês Alfred
Tarski, que muito influenciou o círculo.
Publicaram suas formulações na revista Erkenntnis. Com a ascensão do
Nazi-fascismo na Alemanha, o círculo dissolveu-se em 1936. Seus
membros emigraram para vários países e o positivismo lógico foi
absorvido pelo movimento internacional do empirismo lógico.

As implicações de tal critério de demarcação foram de grande impacto


para a concepção científica desenvolvida por todo o século XX. Primeiro
porque trouxe para a análise filosófico-científica a questão da linguagem, a
partir da qual problemas podem ser resolvidos na medida em que se pode
empregar uma linguagem rigorosa.10 Daí seguiu-se toda uma formulação
reducionista pela qual os "problemas da ciência" passaram a ser "problemas
matemáticos", os problemas matemáticos, problemas de lógica e, esses, de
linguagem. A proposição do verificacionismo era a de conferir ao indutivismo
uma linguagem lógica e, com isso, renovar seu programa à luz da
complexidade que as teorias vinham alcançando no início do século,
principalmente a teoria da relatividade e a teoria quântica. Ao mesmo tempo
em que se declaravam indutivistas, propunham uma formalização das teorias
de tal sorte que as observações fossem traduzidas em termos de protocolos
observacionais que garantissem a verificação e, assim, o critério de significado
seria dado apenas pela empiria.

10 Cf. Meotti (1984), que faz um extenso balanço crítico do empirismo lógico.
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Segundo, porque muitos mitos e obstáculos epistemológicos originaram-


se desse programa de "expurgar" toda a metafísica da ciência. O principal
deles foi a crença de que todas ciências poderiam ser, de alguma maneira,
redutíveis à física e essa, por sua vez, à matemática e, a matemática à lógica
e, a lógica, à linguagem. A boa ciência seria aquela cujo grau de formalização
de seus enunciados fosse elevado. O problema central dessa teleologia
reducionista foi substituir os "problemas da ciência" por "problemas de
linguagem".

O programa do positivismo lógico, entretanto, malogrou. Em Oliva


(1990) encontramos uma contundente crítica ao verificacionismo ao ser
buscada uma racionalidade epistemológica que o justifique:

Só capturamos plenamente o alcance epistemológico da verificabilidade


se nos damos conta de que no fundo equivale a deslocar o princípio do
Empirismo para a esfera da linguagem. Enquanto o princípio do
Empirismo sustenta que todo conhecimento autêntico promana da
experiência, o da verificabilidade estatui que o material sensível (atual
ou potencial) representa a única fonte de significação para os
enunciados que, de uma ou de outra maneira, debruçam-se sobre
'enredos fatuais'.

Dessa maneira, Oliva (1990) sustenta que o princípio da Verificabilidade


radicaliza o do Empirismo, pois

identifica o domínio do discurso cognitivamente significante com o do


conhecimento potencial, ou seja, tirante os enunciados tautológicos e os
contraditórios, só concede importe cognitivo a enunciados passíveis de
teste evidencial empírico. (Oliva, 1990, p. 44.)

Para Popper, tal revés do verificacionismo deriva do fato de que, ao ser


mantida a lógica indutivista, não há como cumprir o prometido, ou seja,
demarcar a ciência da pseudociência e da metafísica. (ver Para saber mais)

Para saber mais


É A INDUÇÃO UM CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO?
Popper afirma que a indução não é um método suficiente para demarcar a
ciência da não ciência:
―Pois a principal razão por que os epistemologistas de tendências
empiricistas propendem para o ‗método de indução‘ está, aparentemente,
em acreditarem que só tal método pode oferecer um critério adequado de
demarcação. Isso se aplica, de maneira especial, aos empiristas que seguem
45

a bandeira do ‗Positivismo‘.‖
―Os velhos positivistas só desejavam admitir como científicos os conceitos
(ou noções, ou ideias) que, como diziam, 'derivassem da experiência', ou
seja, os conceitos que acreditavam ser logicamente redutíveis a elementos
da experiência sensorial, tais como sensações (ou dados sensoriais),
impressões, percepções, lembranças visuais auditivas, e assim por diante.‖

―Os positivistas modernos têm a condição de ver mais claramente que a


Ciência não é um sistema de conceitos, mas, antes, um sistema de
enunciados. Nesses termos, desejam admitir como científicos, ou legítimos,
tão-somente os enunciados redutíveis a enunciados elementares (ou
‗atômicos‘) da experiência - a ‗juízos da percepção‘, ou ‗proposições
atômicas‘, ou ‗sentenças protocolares‘ (e que mais?). Claro está que o
critério implícito de demarcação é idêntico à exigência de uma Lógica
Indutiva.‖ Popper (1989[1934], p. 35-36.)

O verificacionismo implica em que proposições universais simples do


tipo "Todos os metais são condutores" sejam caracterizadas como sem
significado, pois é impossível verificá-la completamente. Se tal enunciado
fosse, por exemplo, verificado nos continentes do hemisfério sul para o cobre,
a prata e o ouro, faltariam todo o hemisfério norte e, ainda, os dois polos.
Mas, se nesses locais também fosse verificado, haveria de averiguar-se nos
planetas internos Mercúrio, Vênus e Marte. E assim por diante para cada um
dos metais (ferro, chumbo, etc.). A solução a esse problema da impossibilidade
de verificar completamente um enunciado universal foi dada pelos positivistas
lógicos em termos de um probabilismo da verificação.

Dir-se-ia, então, que um enunciado universal como "Todos os metais


são condutores" possui uma probabilidade de 80% de ser verdadeiro, o que
também não soluciona o problema. É um interessante exemplo de Popper que
põe termo à ilusão probabilista. Se considerarmos um enunciado do tipo "A
probabilidade deste dado exibir o número cinco no próximo lance é 1:6"
teremos, em caso de uma falha do dado em exibir o número cinco em seis
lances, a impossibilidade de corrigir o enunciado. E, se considerarmos agora
que em cem lances o número cinco ainda não venha a ser exibido, dir-se-á
que há algo de errado com o dado, e não com o enunciado. (ver Para saber
mais)
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Para saber mais


DA PROBABILIDADE SEGUNDO POPPER E WATKINS
Popper (1989[1934], capítulo VIII, pp. 160-236), estabelece dois problemas
sobre a probabilidade:
1) o problema epistemológico da decisibilidade (probabilidade das
hipóteses), que declara que um enunciado probabilístico não é falseável
nem verificável;
2) o problema matemático da teoria da probabilidade (qual o conceito de
probabilidade), para o qual propõe fundamentos novos para o cálculo da
probabilidade, estabelecidos na forma de uma "axiomatização da teoria da
probabilidade", feita a partir de uma crítica a dois postulados de von Mises
(o axioma da convergência e o axioma da aleatoriedade).
Uma abordagem dos aspectos epistemológicos da probabilidade de
hipóteses encontra-se também em Watkins, (1990, p. 13-27), onde é
refutada a tese do empirismo cético pela qual o probabilismo coloca-se
como uma estratégia da sustentação do problema de Hume. Com efeito,
lemos em Watkins:
―Para o ceticismo pirrónico, o mapa do conhecimento empírico é muito
simples: só mostra um oceano não diferenciado de incerteza. Para o
ceticismo de Hume, o mapa mostra um oceano de incerteza com uma
pequena ilha de certeza no meio; esta ilha contém, para qualquer pessoa X
no instante t, o conhecimento egocêntrico de X em t sobre as suas próprias
experiências perceptivas, etc. Para o probabilismo, o oceano na vizinhança
da ilha diferencia-se por linhas fechadas representando graus de
probabilidade, uma linha próxima da costa representando um alto grau de
probabilidade e a linha exterior representando uma probabilidade de um
meio [...].‖ (Watkins, 1990, p. 17-18.)

No que tange ao problema da decisibilidade desses enunciados, Popper


escreve:

Independentemente da maneira pela qual possamos definir o conceito


de probabilidade [...], os enunciados de probabilidade não serão
falseáveis. As hipóteses de probabilidade não afastam nada que seja
observável; estimativas de probabilidade não podem contradizer nem
ser contraditadas por um enunciado básico; não podem ser
contraditadas por uma conjunção de qualquer número finito de
47

enunciados básicos e, portanto, não podem ser contraditadas por


qualquer número finito de observações. (Popper 1989, pp. 208-209)

Falibilismo e falseacionismo: aprender com os erros

Em alternativa a esse malogro derivado essencialmente da tradicional


busca da estrutura do conhecimento na qual são contrapostos numa balança
o ceticismo empirista e o racionalismo clássico - no século XVII/XVIII - e o
positivismo lógico (ou empirismo lógico) e a metafísica - no século XIX/XX -
Popper (1989[1934], p. 549) apresenta uma terceira abordagem: a tese do
falibilismo científico, ou seja, ―nosso conhecimento é fruto de um conjecturar
criticamente; é uma rede de hipóteses; é uma teia de suposições.‖

Para saber mais


XENÓFANES: TUDO É UMA TEIA DE SUPOSIÇÕES
Popper acrescenta a seguir: ―Essa conclusão tornou-se clara, para mim,
quando percebi que minha concepção da teoria do conhecimento, formulada
em 1934, já havia sido considerada por Xenófanes, 2.500 anos antes de
mim.‖ (Popper, 1989[1934], p. 549).
Com efeito, escreveu Xenófanes [ca. 570 a.C. — 460 a.C]:
No início, os deuses não revelaram tudo aos mortais;\ com o correr do
tempo, todavia, procurando, encontramos o melhor.\ Verdades
indubitáveis, o homem não alcança; e nenhum virá a alcançá-las,\ acerca
dos deuses e das coisas a que me refiro.\ E se alguém viesse a proclamar a
Verdade, em toda a sua perfeição,\ ele próprio não saberia disso: tudo é
uma teia de suposições. (Xenófanes apud Popper, 1989[1934], p. 549).
Xenófanes foi, também, a primeira pessoa que utilizou os fósseis para dar
suporte a uma teoria da história da Terra.

Na tese do falibilismo científico é desmontada não só o movimento


pendular entre os pólos tradicionais do otimismo da teoria (e ceticismo da
observação) e do otimismo da observação (e ceticismo da teoria), origem de
todo o dogmatismo e autoritarismo do conhecimento; mas também são
resgatadas as tradições revolucionárias de Galileu e de Kant, com o que
podemos estabelecer o racionalismo crítico.
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Para saber mais


COMO GALILEU FOI VENCIDO PELO INSTRUMENTALISMO
Popper (1982) mostra como a revolucionária ciência de Galileu foi vencida
pelo empirismo instrumentalista de Berkeley, adotado pela maioria dos
físicos teóricos:
"Berkeley [...] estava convencido de que a teoria [da gravitação de Newton]
não representava mais do que uma 'hipótese matemática', ou seja, um
instrumento conveniente para calcular e prever fenômenos ou aparências;
não podia ser considerada uma descrição verdadeira da realidade." (Popper,
1982, p. 126)
Em seguida, Popper acrescenta: "Poucos dos cientistas que aceitaram a
visão instrumentalista do cardeal Belarmino e do bispo Berkeley percebem
que adotaram uma teoria filosófica. Todavia não percebem que romperam
com a tradição de Galileu. Pelo contrário, muitos acreditam ter mantido a
filosofia à distância; em todo caso, a maioria sequer demonstra interesse no
assunto." (Popper, 1982, p. 127-128)
Sobre o resgate de Kant feito por Popper (1982, ver Seção 7 Crítica e
Cosmologia de Kant), na qual podemos ler um dos mais significativos
tributos feitos ao grande filósofo:
"Assumindo um ponto de vista mais abrangente, para avaliar o papel
histórico de Kant, podemos compará-lo com Sócrates. Ambos foram
acusados de subverter a religião oficial e de corromper o espírito dos jovens.
Os dois contestaram essa acusação, defendendo a liberdade de
pensamento. Para eles liberdade significava algo mais do que a simples
ausência de coação - era um modo de viver." (Popper, 1982, p. 210)

Dessa forma, Popper sintetiza uma teoria da razão e da experiência


numa única tese, na qual tanto os argumentos racionais quanto nossas
observações possuem um papel modesto, mas importante: aqueles, ao
ensejarem a crítica as nossas tentativas de resolver os problemas; estas, ao
ajudar-nos a identificar erros. Enfim: podemos aprender com os erros que
cometemos.

Para saber mais


49

COMO CRITICAR A NOÇÃO DE JUÍZOS SINTÉTICOS A PRIORI DE


KANT?
Popper (1982) nos mostra que não fez uma mera "unificação" do método de
Galileu com os critérios de Kant, mas uma verdadeira síntese. Ao promovê-
la, Popper estabelece uma diferença com Kant que acreditava existirem
juízos sintéticos a priori verdadeiros, como as leis de Newton.
Com efeito, na obra Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza, Kant
estabelece os juízos a priori do que chamou de ciência genuína, ou seja,
aquela que "trata seu objeto segundo princípios a priori [...] cuja certeza é
apodítica", que era distinta da ciência imprópria "que trata seu objeto [...] de
acordo com a lei da experiência" (Kant, 1990[1786], p. 14).
Popper (1982, p. 121 e ss.) esclareceu que Kant assim pensava porque não
conheceu a teoria da relatividade que derrubou a teoria newtoniana e, por
isso, não podemos pensar que existam juízos a priori verdadeiros. Para
Popper, esses juízos a priori são conjecturas que devem ser falseadas pela
experiência, para serem considerados científicos.
E, aqui, reside o encontro com o método galilaico. Embora Galileu tenha
enunciado a necessidade de contrapor a teoria à experiência, ele possuía
uma visão dúbia sobre isso, como aponta Losee (1979, p. 67). Popper
estabelece uma função precisa para a relação teoria (a priori) e observação
(a posteriori), de modo que a crítica em ambas é possível, tornando-as,
portanto, modestas.

Tal possibilidade deveu-se à solução dada ao problema de Hume. Popper


acredita em tê-lo resolvido na medida em que atacou outro problema, no qual
aquele estava contido: o da demarcação da ciência da pseudociência
(metafísica). Como critério de demarcação, Popper contrapõe ao indutivismo e
ao verificacionismo sua tese da falsificabilidade [falsifiability], segundo a qual
uma teoria pode ser refutada dedutivamente com base na experiência de
modo negativo. Ou seja, não podemos ter certeza, com base na experiência,
em afirmar que uma teoria ou enunciado universal é verdadeiro, mas
podemos seguramente ter certeza quando ele é falso.

Assim, um enunciado universal do tipo Todos os corvos são pretos,


como exemplifica Popper ao utilizar uma velha proposição de Aristóteles, pode
ser refutado por um enunciado singular do tipo Há um corvo branco.
Estabelece-se a colisão entre a teoria (universal) e a experiência (singular),
podendo-se refutar com certeza a teoria, quando sua negação - o enunciado
Há um corvo branco - existir. De modo contrário, se não for confirmado o
enunciado Há um corvo branco, então não podemos ter certeza que o
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50

enunciado universal seja verdadeiro. Dizemos, apenas, que tal enunciado


universal foi corroborado.

Dessa forma, argumentou Popper, as teorias podem ser refutadas pelo


conjunto de seus falseadores potenciais, chamados de base empírica. E,
aquelas teorias impossíveis de serem falseadas, isto é, não possuem
falseadores (base empírica), não são científicas, pois não colidem com a
realidade por nada dizerem em relação a ela. As teorias possuirão, então,
tanto mais conteúdo empírico - dizem algo a respeito da realidade -, quanto
mais facilmente forem falseáveis. As teorias são, essencialmente, proibições e
quanto mais proibirem, tanto mais poderão colidir com a realidade. Por isso
um critério de demarcação com base na indução é defeituoso, pois a
generalização a partir das observações não só não pode transportar
logicamente a verdade desde o particular até o universal, bem como a
pretensa generalização alcançada não colide necessariamente com a
realidade, pois podem ser verificadas em qualquer instante. Generalizações do
tipo "Todos os dias chove" são facilmente verificadas, pois em algum lugar do
planeta, podemos constatar que choveu. A indução, segundo Popper,
colocava-se não apenas enquanto um método de fazer a ciência, mas também
de demarcá-la defeituosamente.

2.3. COMO AVANÇA A CIÊNCIA? - O PROBLEMA DO PROGRESSO


CIENTÍFICO E A NOVA EPISTEMOLOGIA

Estabelecidos os problemas de como podemos ter a certeza do


conhecimento e como a ciência se demarca da não ciência, podemos tratar
agora de um problema que tem assumido cada vez mais relevância nas
digressões epistêmicas da atualidade11: como avança a ciência? Como
progride o conhecimento científico? A notoriedade de tal interrogação é
derivada de uma antinomia crescente entre aqueles que consideram os
elementos intracientíficos como decisivos para o progresso científico, de um
lado (cf. Popper, Lakatos, etc.), e aqueles que atribuem esse avanço
primordialmente como resultado de fatores extracientíficos (cf. Kuhn,
Feyerabend, etc.), de outro.

11 Ver Lakatos & Musgrave (1979), onde são relacionadas as principais antinomias sobre o
tema na atualidade desenvolvidas no colóquio Internacional de Filosofia da Ciência,
realizado em Londres em 1965; também em Harré (1976), onde são coligidos os textos dos
participantes da conferência promovida pela Herbert Spencer lectures em 1973, em Oxford.
51

Para desenvolver essa questão, faremos referências a três posições


diferentes. A primeira delas, ainda muito forte no meio científico
contemporâneo, remonta à tradição baconiana e à Royal Society de mais de
três séculos, é a concepção empirista segundo a qual o avanço do
conhecimento dá-se como resultado do simples acúmulo de fatos. As duas
posições seguintes, profundamente discordantes dessa, mas também bastante
polarizadas, são: a do racionalismo crítico, que atribui o progresso do
conhecimento como consequência da permanente correção dos erros; e a
sociológica-irracionalista, que estipula que o desenvolvimento se dá por
grandes revoluções do paradigma vigente.

Desse modo, as diferentes concepções podem ser estabelecidas, em


última análise, de acordo com a posição assumida frente a fatores como: a) o
critério de demarcação entre a ciência e a não ciência; b) a concepção de
continuidade ou descontinuidade do desenvolvimento das teorias científicas; e
c) a preponderância de fatores extra- ou intracientíficos na mutação das
teorias científicas. Um quadro resumindo as três posições diante dos fatores
assinalados pode, então, ser estabelecido como ilustrado abaixo.

Quadro 2 – Escolas epistemológicas, critérios de demarcação,


concepção de progresso e fatores de mudança da
ciência.

Progresso da Fator de
Escola Critério de Demarcação
Ciência mudança

BACON Observação- Indutivismo Contínuo Intracientífico

Falseabilidade-
POPPER Contínuo Intracientífico
Dedutivismo

KUHN Não indutivista Descontínuo Extracientífico

O progresso empirista da ciência: linear e acumulativo


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52

A concepção empirista de progresso científico, baseada no método


indutivo, foi melhor enunciada por Francis Bacon (1988[1620]), na sua obra
Novum Organum. Segundo tais preceitos, o avanço da ciência é feito pela mera
acumulação dos fatos que, algum dia, resultarão em uma possível
generalização. O cientista nesse processo é, em geral, visto como um mero
descritor e catalogador de dados.

Para Bacon (1988[1620]), a complexidade da natureza estaria ao


alcance de qualquer um, caso os sentidos ficassem livres para ler as
evidências claras, expurgando da mente todas "noções" e "controvérsias" tidas
como "coisas malsãs" (Bacon 1988[1620], Aforismo X, p. 14). Na obra de
Bacon (1988[1620]), antecede aos aforismos do "verdadeiro método de
interpretação da natureza", uma série de recomendações que deveriam ser
cumpridas antes de aplicá-lo, para que se obtivesse o sucesso desejado.
Bacon (1988[1620]) considerou que se fazia necessário uma "espécie de
expiação e purgação da mente" (Aforismo LXIX, p. 38). E, se assim procedido,
o progresso da ciência seria simplesmente colossal, como profetizou com
grande jactância o aforismo CXII do formulador das tábuas da descoberta:

[...] se houvesse entre nós alguém pronto a responder às interrogações


incitadas pela natureza, em poucos anos seria realizado o
descobrimento de todas as causas e o estabelecimento de todas as
ciências. (Bacon 1988[1620], Aforismo , p. 73)

Para o historiador da ciência Paolo Rossi, e grande estudioso de Francis


Bacon12,

Essa concepção de ciência – que encontra expressão pela primeira vez,


num plano ―filosófico‖, na obra de Francis Bacon – tem um papel
decisivo e determinante na formação da ideia de progresso, visto que
implica:

a) a convicção de que o saber científico é algo que aumenta e cresce,


isto é, age através de um processo para o qual sucessivamente
contribuem as gerações de estudiosos;

b) a convicção de que esse processo nunca está 'completo' em qualquer


momento ou etapa sua, isto é, que não necessite acréscimos, revisões
ou integrações ulteriores;

12 Ver o extenso estudo de Paolo Rossi (2006), Fancis Bacon, da magia à ciência.
53

c) enfim, a convicção de que se tenha de alguma forma uma única


tradição científica, isto é, de que a ciência não se apresenta como um
conjunto de teorias contrapostas e de ismos, mas como um processo em
que os desenvolvimentos mais revolucionários 'salvam' o núcleo
essencial adquirido pelas gerações anteriores, apresentando-se como
teorias mais gerais que incluem as teorias 'velhas' como seus casos
particulares. (Rossi, 1989, p. 64)

O progresso científico, em Bacon (1988[1620]), dava-se de modo


inevitável, uma vez aplicado o método indutivo tal qual prescreviam as três
Tábuas da descoberta e as 27 Prerogativis Instantiarum (Instâncias
Prerrogativas ou Dignidades). Tal certeza tinha como base o entendimento de
que a observação e a indução levavam, apoditicamente, à verdade e ao
progresso: "A natureza não se domina, senão obedecendo-lhe." (Aforismo
CXXIX, p. 88) Como tanto o objeto quanto o método de descoberta eram
verdadeiros per se, temos, por conseguinte, uma concepção linear e contínua
do progresso científico, sendo os erros imputados a má aplicação do
indutivismo perfeito e à especulação escolástica. (ver Para saber mais)

Para saber mais


A INDUÇÃO VERDADEIRA E PERFEITA POR MEIO DAS TÁBUAS
DA DESCOBERTA
O método indutivo verdadeiro de Bacon (1988[1620]) era bastante
complexo e foi descrito por 52 Aforismos no Livro
Segundo de sua obra Novum Organum.
As três tábuas da descoberta que foram previstas para "isolar" a
observação pura das tentativas do intelecto em conspurcá-las eram:
1) Tábua da essência e da presença, que consistia numa "citação perante
o intelecto de todas as instâncias conhecidas que concordam com uma
mesma natureza, mesmo que se encontrem em matérias dessemelhantes.
E essa coleção deve ser feita historicamente [cfme. nota de rodapé, "tem o
sentido de: à medida que os fatos vão aparecendo, em oposição a qualquer
antecipação ou especulação"], sem especulações prematuras ou qualquer
requinte demasiado." (p. 103);
2) Tábua de desvio (ou declinação) ou de ausência em fenômenos próximos,
na qual "devem ser anotados os casos semelhantes, em que a natureza ou
fenômeno objeto não aparece" (cf. nota 53, p. 105); e
3) Tábuas de graus ou de comparação, onde são registrados os casos em
que a natureza ou fenômeno objeto apresentam variações de intensidade
(cfme. aforismo XIII, p. 115).
As vinte e sete instâncias prerrogativas tinham o papel de auxiliar a
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54

"indução verdadeira e perfeita".


As tábuas de Francis Bacon tinham a pretensão de vencer o ruído do
sentido das palavras, pois:
"O silogismo consta de proposições, as proposições de palavras, as
palavras são o signo das noções. Pelo que, se as próprias noções (que
constituem a base dos fatos) são confusas e temerariamente abstraídas
das coisas, nada que delas depende pode pretender solidez. Aqui está por
que a única esperança radica na verdadeira indução." (Bacon, 1988[1620],
p. 15)

A solução do problema da indução e o método do falseamento

Lakatos (1987), entretanto, chama a atenção para o fato de que

O credo indutivista dos séculos XVII e XVIII desempenhou um papel


muito importante e progressivo. Foi a grande fonte de energia
(lebenslüge) da jovem ciência especulativa na obscura idade pré-
popperiana da ilustração, quando se depreciava a mera conjectura, uma
refutação era um solecismo, e estabelecer uma fonte autorizada de
verdade era uma questão de sobre vivência. (Lakatos, 1987, p. 23; grifos
do original.)

Tal crença indutivista deveu-se à suposição de que era plenamente


possível retransmitir a verdade para cima, desde um enunciado básico
(observacional) até a cúspide de uma teoria (axioma), de modo que se a
observação fosse verdadeira, o axioma também sê-lo-ia (cf. Lakatos, 1987, p.
21). A refutação dessa crença efetivada por Popper foi assim reconhecida em
seu livro Objective Knowledge: ―Julgo haver resolvido importante problema
filosófico: o problema da indução.‖ (Popper, 1975, p. 13.) E, por problema
tradicional da indução, Popper assim o formulou naquela mesma obra: ―Qual é
a justificativa para a crença de que o futuro será (amplamente) como o
passado? Ou, talvez, qual á a justificativa para as inferências indutivas?‖
(Popper, 1975, p. 14)

A refutação desse problema implicou em uma mudança epistêmica


decisiva, assim declarada por Lakatos (1987)
55

A destruição empirista definitiva do indutivismo foi realizada,


paradoxalmente, por um filósofo que levou a revolução epistemológica
para além do empirismo: Popper. Ele mostrou, em sua crítica à versão
probabilística da teoria da inferência indutiva, que não pode haver
nem sequer uma transferência parcial do significado e verdade para
cima. (Lakatos, 1987p. 23; grifos meus em negrito)

Além disso, Lakatos destaca que Popper conseguiu esclarecer que os


enunciados básicos que se referem aos fatos não são a verdade definitiva e
também podem (e devem) ser criticados:

E depois [Popper] mostrou que as injeções de significado e do valor de


verdade no nível da base estão longe de ser triviais; que não existem
termos ―empíricos‖, mas sim apenas termos ―teóricos‖, e que não existe
nada definitivo no valor de verdade dos enunciados básicos,
restaurando assim a antiga crítica da experiência sensível. (Lakatos,
1987p. 23; grifos meus em negrito; do original, em itálico)

A base dessa transformação epistêmica de fundo está assentada na tese


do falibilismo crítico. Por meio da decisão pelo método do falseamento de uma
teoria pode-se criticá-la de modo permanente, e isso graças a maneira que
pode ser estabelecida de ao manipular a teoria e a experiência. Ao mesmo
tempo em que admite enunciados universais derivados unicamente dos
axiomas, admite também a formulação de enunciados básicos derivados da
observação. Dependendo da ciência, pode-se escolher, inclusive, qual a
melhor maneira de introduzir enunciados: se no topo ou na base de uma
teoria.

Mas há uma questão condicional: o método do falseamento é o único


que possibilita que o fluxo lógico importante seja feito da base para o topo,
pois somente a falsidade de um enunciado pode ser retransmitida para
cima (cf. Lakatos, 1987, p. 48). A verdade não pode ser retransmitida para
cima, como no indutivismo (ou verificacionismo). É isso o que permite a crítica
das teorias: o fato delas se manterem ou não com os falseamentos que lhe são
propostos. Esse critério não é uma verdade das tábuas, mas antes disso, uma
decisão metodológica que tomamos ao fazermos ciência. Como enuncia Popper
(1989[1934]):

Coloca-se de início uma regra suprema, que serve como uma espécie de
norma para decidir a propósito das demais regras e que é, por isso, uma
regra de tipo superior. É a regra que afirma que as demais regras do
processo científico devem ser elaboradas de maneira a não proteger
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56

contra o falseamento qualquer enunciado científico. (Popper,


1989[1934], p. 56; grifos meus)

Como esclareceu meridianamente Lakatos (1987),

O falibilismo crítico de Popper considera seriamente a regressão infinita


nas provas e definições, não se realiza nenhuma ilusão acerca de sua
‗interrupção‘, aceita a crítica cética de toda introdução de verdade
infalível. Em sua abordagem, não há qualquer fundamento do
conhecimento, nem na cúspide, nem na base das teorias, porém pode
haver introduções de verdades tentativas (feitas na base, ou seja, por
meio de enunciados básicos, observações) e introduções de significado
tentativas em qualquer ponto (i.e., por meio de enunciados universais,
axiomas e leis). Uma ‗teoria empirista‘ é falsa ou conjectural. Uma
‗teoria popperiana‘ somente pode ser conjectural. Nunca sabemos,
apenas conjecturamos. (Lakatos, 1987, p. 23-24; grifos em itálico do
original; tradução minha.)

Nesse sentido, está implícito, em uma concepção de progresso científico,


a compreensão de como se dá o avanço do conhecimento e de como a ciência
se demarca da não ciência. Para Popper (1982), a ciência é um "procedimento
cuja racionalidade consiste no fato de que aprendemos a partir de nossos
erros" (p. 247), portanto, de forma contínua. Tal posição não implica num
progresso irracional, pelo contrário, implica que a ciência tenha critérios
claros de racionalidade, pois, para Popper (1982), ela "origina-se em
problemas, não em observações; estas, no entanto, especialmente se forem
inesperadas, podem suscitar um problema, quando entram em conflito com
nossas expectativas e teorias." (Popper, 1982, p. 248; grifos meus)

A revolução dos paradigmas científicos: os conceitos de Kuhn

Kuhn apresentou, em 1962, no seu livro The Structure of Scientific


Revolutions, uma ideia que cresceu muito nos meios acadêmicos para
expressar o modo como as ciências progridem: a revolução dos paradigmas
científicos (Kuhn, 1989[1962]). Embora tal expressão indique com clareza
que as ciências mudam, às vezes, de forma drástica e descontínua
('revoluções'), não é patente na tese kuhniana como acontecem tais
transformações. De certo modo, entra-se numa circularidade ao apontar-se
57

que as ciências mudam porque os paradigmas mudam e, no sentido inverso,


os paradigmas mudam porque as ciências mudam.

Na verdade, Kuhn enunciou seu conceito de paradigma tendo como


ponto de partida a sociologia: ―paradigma é aquilo que os membros de uma
comunidade partilham" (Kuhn, 1989[1962], p. 219). Desse modo, ficam
evidentes os fortes elementos extracientíficos dessa concepção. Mas podemos
perguntar: O que é aquilo que uma comunidade partilha? – Um paradigma! –
responderia com destreza Kuhn (1989[1962]). E, assim, adia-se a explicação
de como é possível que ocorra uma "revolução científica".

Kuhn utilizou, ainda, as definições de ciência normal, para referir


quando "a pesquisa científica normal está dirigida para a articulação daqueles
fenômenos e teorias já fornecidos pelo paradigma" (Kuhn, 1989[1962], p. 45);
e de ciência revolucionária, quando o velho paradigma é derrubado e um novo
paradigma está em curso. Dessa forma, Kuhn não fornece nenhum elemento
para compararmos efetivamente as diferenças entre a ciência normal e a
ciência revolucionária, de modo que somente podemos falar de uma revolução
científica a posteriori, ou seja, em um contexto histórico. Kuhn (1989[1962]),
juntamente com Feyerabend (1989), apresentam a tese da
incomensurabilidade entre teorias como forma de contornar esse problema.
Assim, não poderíamos comparar o paradigma antigo com o novo porque eles
se referem a coisas diferentes e são construídos de maneiras diferentes.

Esse modo de abordar a questão do progresso da ciência e da própria


ciência por parte de Kuhn (1989[1962]) e, em parte, também por Feyerabend
(1989), foi motivo de longos e acalorados debates. Lakatos (1979) proferiu
severas críticas ao entendimento kuhniano, pois enquanto que para Popper ―a
mudança científica é racional ou, pelo menos, pode ser racionalmente
reconstruída e cai no domínio da lógica da descoberta‖ (Lakatos, 1979, p.
112), para Kuhn, a mudança de um paradigma para outro é uma espécie de
―mudança religiosa‖, pois se trata de ―uma conversão mística, que não é, nem
pode ser, governada por regras da razão e cai totalmente no reino da
psicologia (social) da descoberta.‖ (Lakatos, 1979, p. 112.)

Ou seja, se para Popper a ciência é ―revolução permanente‖, sendo ―a


crítica o cerne do empreendimento científico‖, para Kuhn, ―a revolução é
excepcional e, na verdade, extracientífica, e a crítica, em épocas 'normais', é
maldição‖. (Lakatos, 1979, p. 111.)
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
58

Considerado o aspecto sociológico que envolve a concepção de Kuhn


(1989), temos que as revoluções somente podem ser definidas a posteriori, o
que leva tal suposição para o irracionalismo. Também, de outro modo, ao
pressupor que a ciência normal é a vigência pura e simples de um paradigma
e que quando ocorre uma revolução há uma mudança por inteiro tanto dos
conceitos da base empírica quanto dos conceitos da teoria, implica
necessariamente numa mudança do tipo 'golpe global' cujos exemplos da
história não foram evidenciados por Kuhn (1989[1962]). É claro que, após a
declaração de uma teoria global, a base empírica tende a ser redefinida para
refutar tal tese. Ocorre que esse processo é de longo curso e via de regra
acaba transformando a própria teoria inicial. Assim, se é correto por um lado
falarmos em revolução científica sob o ponto de vista do significado de uma
mudança, por outro, tais mudanças não ocorrem sob o ponto de vista
estabelecido por Kuhn (1989[1962]). (ver Para saber mais)

Para saber mais


HÁ CONCILIAÇÃO POSÍVEL ENTRE KUHN, POPPER E LAKATOS?
Na obra Estructura y dinâmica de teorías do importante filósofo da ciência
Wolfgang Stegmüller (1983, p. 20 e ss.), encontramos uma proposta de
conciliação da polêmica Kuhn-Popper-Lakatos. Essa proposta pode ser
sumariada nos seguintes termos:
a) Kuhn somente expressou o aspecto sociológico e psicológico de uma
nova concepção na filosofia da ciência, o que induz que seus conceitos têm
relevância apenas para a história da ciência;
b) Sneed dispõe de uma base conceitual sobre a qual é possível formular-
se os aspectos lógicos de algumas das ideias novas de Kuhn;
c) é possível, com isso, eliminar os exageros kuhnianos e fazer desaparecer
uma fissura irracional que tem sido motivo da polêmica;
d) com a ajuda do método da reconstrução racional de Lakatos podem
revelar-se as origens das diferenças de opinião e pode proporcionar-se
uma clarificação.
O objetivo de Stegmüller é propor um novo procedimento para análise das
estruturas das teorias científicas, proporcionar instrumentos conceituais
necessários para a análise da dinâmica de teorias e para a reconstrução
lógica dos conceitos de "ciência normal" e "revoluções científicas" de Kuhn.
Além disso, ele discute o relativismo epistemológico e o irracionalismo
kuhnianos. Sustenta que Kuhn desenvolveu uma nova concepção de
filosofia da ciência. Alicerça sua tese na defesa da polaridade Kuhn-
Feyerabend (historicistas) versus Popper-Lakatos (logicistas), com base na
formulação de Sneed sobre The logical structure of mathematical physics.
59

Assim, diz Stegmüller:


―Dado que uma teoria no sentido de Kuhn não é um sistema de
enunciados, mas sim um instrumento conceitual relativamente
complicado, se depreende que o modo de uso de uma teoria que
caracteriza o cientista normal não se dá pela perseverança dogmática em
determinados pressupostos e convicções, mas pela utilização deste
‗instrumento conceitual‘ para resolver determinados problemas.‖
(Stegmüller, 1983, p. 10; tradução minha)

Programas de pesquisa e organização do conhecimento

Lakatos (1979) tem utilizado com maior propriedade o conceito de


programa de pesquisa, de natureza intracientífica, em vez da noção sócio-
psicológica de "paradigma", mais atinente ao contexto da justificação. (ver
Para saber mais)

Para saber mais


OS PIONEIROS DA EPISTEMOLOGIA E OS CONTEXTOS DA
DESCOBERTA E DA JUSTIFICAÇÃO
Os conceitos ―contexto da descoberta‖ e ―contexto da justificação‖ foram
introduzidos pelo inglês John Herschel [1792-1871] a partir de
―cuidadosas análises dos progressos recentes da física, química,
astronomia e geologia.‖ (Losee, 1979, p. 129) e muito influenciaram
William Whewell [1794-1866], John Stuart Mill [1806-1873], Charles
Darwin [1809-1882] e outros.
Outro contemporâneo de Herschel, o inglês William Whewell, professor de
mineralogia, foi pioneiro na caracterização morfológica do progresso
científico e introduziu uma metodologia da pesquisa histórica na qual "a
recuperação do passado necessariamente envolve atos de síntese por
parte do historiador" (Losee, 1979, p. 133), subvertendo a ideia
prevalecente de que a história da ciência é um "mero depósito de
exemplos que podem ser citados para ilustrar pontos particulares do
método científico" (Losee, 1979, p. 133).
Por isso, Whewell, que obteve o reconhecimento de Lyell, entre outros,
como ―autoridade sobre a nomenclatura científica‖ (Losee, 1979, p. 128),
é considerado um introdutor da análise histórico-crítica do método
científico (cf. Blanché, 1988, p. 45 e ss.), lançando as pedras
fundamentais da Epistemologia.
Desse modo, não é presunção afirmar que a epistemologia nasce com a
geologia e, em ambas, está presente o problema do tempo, cuja solução
permitiu derrubar mitos muito fortes: no caso da epistemologia, o mito
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
60

da acumulação dos conhecimentos e o mito de que o método na ciência


não tem história; no caso da geologia, o mito de que a Terra era muito
recente.

O Programa de Pesquisa de Lakatos

[...] consiste em regras metodológicas; algumas nos dizem quais são os


caminhos de pesquisa que devem ser evitados (heurística negativa),
outras nos dizem quais são os caminhos que devem ser palmilhados
(heurística positiva).

A própria ciência como um todo pode ser considerada um imenso


programa de pesquisa com a suprema regra heurística de Popper:
―arquitetar conjecturas que tenham maior conteúdo empírico do que as
predecessoras‖. (Lakatos, 1979, p. 162.)

Além disso, Lakatos procura uma morfologia mais precisa da análise de


como progride a ciência, pois, como ele mesmo assinala, ―os epistemólogos
foram lentos em perceber o aparecimento do conhecimento altamente
organizado, e o papel decisivo desempenhado pelos padrões específicos dessa
organização‖ (Lakatos, 1987, p. 19). Dessa forma, para tal autor, qualquer
programa de pesquisa possui um "núcleo", isto é, conjunto de leis, axiomas e
pressupostos principais. A heurística negativa tem a função de proibir que o
modus tollens13 (Ver Para saber mais) seja dirigido para o ―núcleo‖ do
programa, pois, do contrário, nenhum programa poderia ser desenvolvido e,
diante da primeira refutação, seria de imediato abandonado, resultando numa
posição chamada de ―falseacionismo ingênuo‖.

Para saber mais


O QUE É O MODUS TOLLENS?
Modus tollens é definido em Brody (1967, p. 69) como:
"um argumento com a forma ‗se A então B; não-B, portanto, não-A‘.
Alguns autores usam esse termo para designar a regra de inferência que
permite argumentos com essa forma.‖
Em Kant (1992[1800], p. 125), encontramos as seguintes definições:
―A forma de conexão nos juízos hipotéticos é dupla: a que põe (modus

13
61

ponens) e a que tira (modus tollens).


1) se a razão (antecedens) é verdadeira, então o consequente (consequens)
determinado por ele é também verdadeiro. Tal é o modus pones.
2) se o consequente (consequens) é falso, então a razão (antecedens)
também é falsa. Tal é o modus tollens.‖

O núcleo de um programa de pesquisa é protegido por um "cinturão


protetor" (formado por um conjunto de hipóteses, cadeia de modelos), dado
pela heurística positiva que redirige o modus tollens para o mesmo. O
―cinturão protetor‖ suportará, então, os impactos dos testes, sendo reajustado
ou mesmo refutado, de modo que o núcleo resulte fortalecido. De outro modo,
ensinou-nos Lakatos:

A heurística negativa especifica o "núcleo" do programa, que é


"irrefutável" por decisão metodológica dos seus protagonistas; a
heurística positiva consiste num conjunto parcialmente articulado de
sugestões ou palpites sobre como mudar ou desenvolver as "variantes
refutáveis" do programa de pesquisa, e sobre como modificar e sofisticar
o cinto de proteção "refutável". (Lakatos, 1979, p. 165)

Para saber mais


A TECTÔNICA DE PLACAS E SEU CINTURÃO PROTETOR
Um excelente exemplo da relação entre o núcleo heurístico e seu
cinturão protetor pode ser dado pela teoria da Tectônica de Placas. A
crescente sofisticação do conceito de placa litosférica implicou apenas
em uma refutação da hipótese de ‗placa rígida‘, sendo que o núcleo da
Teoria foi mantido intacto, resultando em seu fortalecimento.
Assim, as proposições de Lakatos são elucidativas para tornar mais
preciso quando um programa inteiro é refutado e quando apenas seu
"cinturão protetor" é reajustado, sob pena de estarmos constantemente
dizendo que a teoria ―mudou‖ porque certo aspecto seu foi substituído.

Por meio dessa dialética entre a heurística positiva e a negativa de um


programa de pesquisa, Lakatos indica que se pode, também, apurar melhor a
própria reconstrução histórico-crítica das teorias e da ciência:

Ao redigir o estudo de um caso histórico deve-se, creio eu, adotar o


seguinte procedimento: (1) faz-se uma reconstrução racional; (2) tenta-
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62

se cotejar essa reconstrução racional com a história real e criticar tanto


a reconstrução racional por falta de historicidade quanto a história real
por falta de racionalidade. Dessa maneira, todo o estudo histórico deve
ser precedido de um estudo heurístico: a história da ciência sem a
filosofia da ciência é cega. (Lakatos, 1979, p. 169, grifos meus.)

Assim, a partir dos debates entre Popper, Lakatos e Kuhn, entre outros,
define-se o contexto da assim chamada Nova Epistemologia, no qual não
apenas as questões metodológicas, mas também os contextos sociais,
econômicos e culturais são considerados para entender a natureza do
conhecimento científico.

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66

ÍNDICE ONOMÁSTICO, TOPONÍMICO E


REMISSIVO

Academia Nazionale dei Lincei ............... 12 contexto da justificação ......................... 65


Alemanha ............................................. 46 crença12, 29, 32, 33, 35, 38, 41, 44, 47, 59
Althusser, Louis ............................... 19, 69 critério de demarcação ...... 7, 8, 38, 39, 41,
Anaximandro ........................................ 28 47, 54, 56
antecedens ........................................... 67 critério de verdade ...........................30, 32
Aristóteles ....................... 7, 37, 38, 40, 54 Darwin, Charles .................................... 65
aristotelismo ......................................... 40 decisibilidade ........................................ 50
arqueologia do saber ............................. 26 demarcação da ciência ... 18, 35, 36, 46, 54
Associação Brasileira de Filosofia e Descartes, René. .................... 3, 32, 39, 44
História da Biologia ............................. 4 descrição .............................................. 20
Associação de Filosofia e História da dialética ..................................... 29, 68, 70
Ciência do Cone Sul ............................ 4 digressão heterológica ............................. 9
Atlântida .............................................. 40 dogmatismo ......... 7, 32, 33, 34, 35, 45, 52
átomo ................................................... 39 Einstein, Albert ............................ 4, 16, 39
autoritarismo do conhecimento ............. 52 Empédocles .......................................... 28
axioma científico . 15, 40, 50, 59, 60, 61, 66 empirismo lógico .................. 12, 46, 47, 51
Ayer, Alfred J. ....................................... 46 enunciado singular ..........................35, 54
Bachelard, Gaston ......... 16, 22, 25, 26, 69 enunciado universal ................... 35, 49, 54
Bacon, Francis .......3, 5, 32, 40, 41, 42, 43, epistêmico ................................... 7, 10, 26
45, 56, 57, 58, 69, 72 epistemologia, específica ....................... 17
Barberena, Mario Costa .......................... 6 externa ............................................ 16
base empírica ............ 7, 35, 38, 39, 54, 63 genética ........................................... 26
Belarmino, cardeal ................................ 52 geral ................................................ 17
Berckeley, bispo .................................... 32 global ............................................... 12
Blanché, Robert ....9, 16, 17, 24, 27, 65, 69 interna ............................................. 16
Bunge, Mario. ............................ 12, 25, 69 contemporânea ................................. 17
Canguilhem, Georges ............................ 25 da geologia ....................................... 17
Carnap, Rudolf ................................ 25, 46 epistemólogo ....................................10, 12
Cassirer, Ernst. .................................... 17 epistemology .............................. 13, 69, 71
Cavaillès, Jean ...................................... 25 erkenntnis ............................................. 46
certeza, da percepção ............................ 32 escolástica ................................. 39, 41, 58
do conhecimento .......... 5, 7, 10, 26, 32, ética ................................................12, 22
34, 41, 55 experiência perceptual .......................... 34
ceticismo .. 7, 27, 32, 33, 34, 35, 50, 51, 52 experimento .....................................43, 44
ciência moderna .................... 8, 38, 39, 45 extracientífico ................ 11, 17, 21, 55, 62
ciência normal ........................... 62, 63, 64 falibilismo científico .........................51, 52
ciência revolucionária ........................... 62 falseabilidade ........................................ 27
ciência, crise da .................................... 39 falseacionismo ingênuo ......................... 66
cinturão protetor, de um programa .....8, 67 falseador potencial ................................ 54
Círculo de Viena .................... 8, 12, 24, 46 falseamento, método do .... 8, 59, 60, 61, 71
concepção aristotélica-escolástica ......... 38 falsificabilidade ..................................... 54
concepção empirista ........................ 55, 56 fato, extracientífico ................................ 10
conjecturas .................... 18, 36, 37, 53, 66 intracientífico ................................... 10
consequens ........................................... 67 Fernandes, Luis Alberto D‘Ávila ............... 6
67

Feyerabend, Paul 16, 25, 55, 62, 63, 64, 69 Kant, Immanuel ...................................... 2
filosofia, da ciência.... 7, 11, 12, 13, 14, 15, Kant, problema de .............. 5, 7, 27, 36, 43
6, 18, 20, 55, 64, 68, 70, 71 Koyré, ALexandre .................................. 25
distribuída ....................................... 25 Kuhn, Thomas ...... 6, 8, 25, 27, 55, 62, 63,
de tradição anglicana ....................... 14 64, 68, 70
de tradição italiana .......................... 14 Lakatos, Imre ...6, 8, 16, 25, 27, 36, 37, 55,
espontânea .............................. 4, 19, 69 59, 61, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 70, 71
de tradição francesa .......................... 14 Laplace, demônio de ................................ 4
física atômica........................................ 31 lei, da ciência ........................................ 21
formalismo lógico .................................. 25 da experiência ................................... 53
Foucault. Michel. .................................. 26 universal ......................................44, 45
Fries, Jakob .......................................... 34 Leibniz, Gottfried W.. ............................ 32
Fries, trilema de ..................... 7, 33, 34, 35 linguagem ..... 19, 24, 31, 34, 35, 40, 47, 48
Galilei, Galileu ... 3, 7, 8, 38, 40, 42, 43, 45, Locke, John .......................................... 32
52, 53, 70 lógica da ciência ...............................11, 18
generalização ....................... 35, 41, 54, 56 Londres ..................................... 55, 70, 71
geologia ....................................... 7, 23, 65 Losee, John .......................................... 20
Geymonat, Ludovico ..... 12, 16, 17, 22, 23, Lyell, Charles ........................................ 65
70, 71 Marte .................................................... 49
gnosiologia....................... 7, 11, 13, 14, 15 Maxwell, James C. ............................ 4, 39
Gorgias ...................................... 28, 31, 32 Mercúrio ............................................... 49
Gramsci, Antonio ............................. 19, 70 metaciência .....................................11, 16
Grécia.............................................. 12, 28 metafísica .... 23, 39, 40, 43, 45, 46, 47, 48,
Habermas, Jürgen ....................... 7, 31, 70 51, 54
hábito ................................................... 33 meta-histórico ....................................... 23
Hamlyn, David W. ................................. 13 método, científico ......................... 3, 41, 65
Harré, Rom ........................................... 12 do verificacionismo ........................... 46
Heráclito ............................................... 28 indutivo ................................ 33, 56, 58
Herschel, John ..................................... 65 metodologia ......... 3, 15, 16, 17, 19, 65, 71
heurística, ................................. 66, 67, 68 Mill, John Stuart ..............................32, 65
negativa ...................................... 66, 67 mito da caverna ................................ 7, 30
positiva .................................. 66, 67, 68 Mizusaki, Ana Maria ............................... 6
Hilbert, David. ...................................... 16 modus ponens ....................................... 67
Hiroshima............................................. 31 modus tollens ...................................66, 67
história da ciência24, 35, 36, 42, 64, 65, 68 Monod, Jacques .................................... 25
história da Terra .............................. 51, 72 mundo inteligível .................................. 29
Hume, David32, 33, 35, 41, 42, 44, 45, 50, 70 mundo sensível .......................... 29, 32, 46
Hume, problema de ...... 5, 7, 27, 28, 50, 54 Nazi-fascismo ........................................ 46
ideal arquimediano ............................... 38 Newton, Isaac. ..................... 22, 39, 52, 53
imagem, da realidade ............................ 40 Nova Epistemologia .......... 3, 5, 6, 8, 55, 68
do mundo ........................................ 40 Novo Mundo ......................................... 40
incomensurabilidade, entre teorias ........ 62 objeto geológico ..................................... 23
indagação científica .............................. 21 obstáculo epistemológico ..................27, 47
infalibidade ........................................... 28 paradigma .......... 8, 10, 23, 27, 41, 42, 55,
instância prerrogativa ........................... 58 62, 63, 65
International Commission on the Parmênides ........................................... 28
History of Geological Sciences percepção ........................................33, 48
(INHIGEO) ........................................... 4 Piaget, Jean. ......................................... 26
intracientífico ................ 11, 15, 17, 19, 21 Pitágoras .............................................. 28
juízo, hipotético .................................... 67 placa litosférica ................................39, 67
a priori ........................................ 44, 53 Platão ................ 22, 28, 29, 30, 32, 46, 71
analítico ........................................... 45 Playfair, John ....................................... 23
da percepção .................................... 48 Poincaré, Henri. .................................... 16
sintético .................................. 8, 45, 53 polarização ciência-filosofia ................... 25
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
68

Popper, Karl ..... 5, 8, 16, 17, 18, 24, 25, 27, Sneed, Joseph D. .................................. 64
34, 35, 36, 43, 48, 49, 50, 51, 52, 53, Sociedade Brasileira de História da
54, 55, 59, 60, 61, 63, 64, 66, 68, 71 Matemática ......................................... 4
positivismo lógico ....................... 46, 48, 51 Sociedade Brasileira de História da
praxiologia científica .............. 3, 11, 18, 27 Medicina ............................................. 4
Prigogine, Ylia ...........................................3 Sociedade Brasileira de História das
probabilidade ................... 8, 12, 49, 50, 51 Ciências .............................................. 4
probabilismo da verificação ................... 49 sociologia .............................................. 62
problema da indução .... 5, 7, 8, 27, 28, 35, Sócrates...........................................30, 52
41, 59 Sofistas ................................................. 28
programa, de pesquisa ... 27, 65, 66, 67, 68 Spinoza, Baruch ................................... 32
falseacionista ................................... 35 Stegmüller, Wolfgang .......................64, 72
kantiano .......................................... 44 Stengers, Isabelle .................................... 3
progresso científico ..... 5, 8, 27, 55, 56, 58, tábuas da descoberta ................... 8, 57, 58
61, 65 Tales de Mileto ...................................... 28
Protágoras ............................................ 23 Tarski, Alfred ........................................ 46
protocolo observacional ......................... 47 tática de pesquisa ................................. 20
pseudociência ............................ 36, 48, 54 Tectônica de Placas ............................... 67
psicologia, da descoberta....................... 63 Teeteto, de Platão .................................. 28
psicologismo ......................................7, 34 teoremas dos sistemas dedutivos ........... 38
Quine, Willard ................................. 25, 46 teoria, ........ 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16,
racionalidade ............................. 48, 61, 68 19, 23, 25, 28, 43, 47, 50, 51, 52, 53,
racionalismo crítico .............. 35, 46, 52, 55 54, 59, 60, 63, 67
recorrência histórica ........................ 21, 27 da ciência..................................... 9, 10
regressão infinita ............................. 34, 35 do conhecimento .. 7, 10, 11, 12, 13, 14,
Reichenbach, Hans .................... 16, 25, 46 15, 16, 28, 51
representação metalinguística ............... 19 empirista.......................................... 61
República, de Platão ......................... 29, 30 popperiana ....................................... 61
requisito extralógico .............................. 37 tradição, Ocidental ................................ 28
revolução científica .... 8, 38, 60, 62, 63, 70 epistemológica .................................... 5
Rossi, Paolo ..................................... 57, 72 Vênus ................................................... 49
Russel, Bertrand. .................................. 25 Whewell, William ................................... 65
Schlick, Moritz. ..................................... 16 Wittgenstein, Ludwig ........................25, 46
Serres, Michel ....................................... 17 Xenófanes ......................................... 8, 51
silogismo ......................................... 37, 58 Zenão ................................................... 28

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