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Rio de Janeiro
2014
Elizia Januario da Silva
Rio de Janeiro
2014
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCSA
CDU 329.14
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação desde que citada a fonte.
_____________________ ____________________
Assinatura Data
Elizia Januario da Silva
______________________________________________
Prof.ª Dra. Rosangela Nair de Carvalho Barbosa
Faculdade de Serviço Social - UERJ
______________________________________________
Prof. Dr. Luis Eduardo Acosta Acosta
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2014
DEDICATÓRIA
SILVA, Elizia Januario da. Considerações sobre o marxismo tradicional e sua crítica.
2014. 90 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
SILVA, Elizia Januario da. Considerations about the traditional Marxism and your
critical. 2014. 90 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
This paper discusses the causes of the failure of really existing socialism and by extension
prepares a consistent critique of traditional Marxism. The Critical focuses precisely in the
emphasis that is given to the categories of exploitation, private property and the market, seen
as essential in determining capitalism. Following this logic, the critical formulations allow
certain mutual comparison the theoretical production of social work. Thus, compares
influences of current here criticized in the elaborations of the profession in order to explore
the manifests debates into the Marxist universe. Ultimately, offers other theoretical
perspectives on epistemological contribution of interest.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................09
REFERÊNCIAS ...............................................................................................88
9
INTRODUÇÃO
Esta dissertação teve como objetivo inicial analisar as interpretações das causas do
fracasso do socialismo real. O desenvolvimento do trabalho acabou por provocar uma
inflexão no estudo, que a partir de um certo ponto, se concentrou nas críticas contemporâneas
ao assim chamado marxismo tradicional. Destas análises, foi possível discutir os tipos de
influência na literatura marxista, na produção teórica do serviço social.
As investigações sobre o que foi designado como socialismo realmente existente
resultaram em diferentes críticas à ortodoxia marxista, ao marxismo tradicional. Nesse
particular iremos dar destaque às contribuições de Moishe Postone, Robert Kurz, István
Mészáros e Michael Heinrich. A meu ver, o trabalho desses autores não só oferece uma
explicação objetiva e convincente das razões daquele fracasso, mas, sobretudo, contribuem
para restaurar a dimensão crítica do pensamento marxiano.
Tendo em vista o objetivo deste trabalho foi possível delinear o que seria uma
tentativa de restaurar a dimensão efetivamente crítica do pensamento marxiano e, de modo
geral, explorar especificamente qual seria o desdobramento dessa restauração crítica na teoria
e prática do Serviço Social. Em outras palavras trata-se de indagar sobre as ressonâncias da
contribuição daqueles mesmos marxistas na produção teórica da profissão.
Restaurar a dimensão crítica da análise marxiana da sociedade moderna parece tudo
menos irrelevante, ou anacrônica. Em particular, como sublinhado pelos autores citados
acima, a relevância da categoria valor é cada vez indisputável: organiza a vida social sob o
capital em torno do trabalho e, ao mesmo tempo, requer cada vez menos trabalho (vivo) para
acionar uma massa crescente de capital. Em outras palavras, na sociedade em que o trabalho é
central prescinde-se progressivamente do trabalho, contradição explorada em suas distintas
dimensões na obra daqueles autores. Contradição que aparece sob a forma de crise estrutural
do capital, ou da sociedade de trabalho, cujos reflexos manifestam-se nos altos índices de
desemprego, subemprego e ocupações “informais” e na consequente exigência de políticas
sociais emergenciais.
É possível identificar na produção teórica do serviço social formulações muito
próximas daquelas que são objetos das críticas ao marxismo tradicional elaboradas pelos
10
processo, pretende-se refletir sobre questões, tais como: as perspectivas abertas por essa nova
dimensão crítica alteram substancialmente a prática profissional? Criam novas possibilidades,
novos objetivos? Em resumo: com tal propósito o capítulo destaca algumas categorias
privilegiadas pelo Serviço Social, em particular o objeto profissional, a saber, a “questão
social” e suas manifestações, na relação capital/trabalho. Discute a prática profissional, tendo
em vista, os debates contemporâneos sobre a natureza do proletariado e suas modificações
buscando compreender a relação interventiva dos assistentes sociais com os seus usuários.
12
1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS
Baseado na obra de Marx, o teórico e crítico Postone (2003) propõe uma interpretação
sobre as causas do fracasso do socialismo do século XX. O seu objetivo consiste em efetuar
uma reinterpretação da teoria crítica marxiana a fim de reconceituar a natureza do capitalismo
e apontar o que considera as fragilidades teóricas da interpretação hegemônica que ele
denomina de marxismo tradicional1.
Neste exame o autor fundamenta-se nas categorias centrais da crítica à economia
política de Marx reinterpretando-as à luz das relações sociais e das formas de produção que
1
Postone adverte que emprega a expressão marxismo tradicional para referir-se, de um modo geral, a todas as
abordagens teóricas que analisam o capitalismo do ponto de vista do trabalho e caracterizam esta sociedade,
essencialmente, em termos, de relações de classe, estruturadas pela propriedade privada dos meios de produção e
por uma economia regulada pelo mercado. (POSTONE, 2003, p. 4)
13
caracterizam a sociedade capitalista. Com base na apreensão tanto do caráter essencial quanto
do desenvolvimento histórico da sociedade moderna, o autor busca superar as dicotomias
teóricas no interior das interpretações da tradição marxista.
Postone (2003) sublinha primeiramente que a sociedade moderna é historicamente
específica e, portanto, que as relações sociais de interdependência são próprias deste tipo de
sociedade. Marx (1980) 2 mostra que a troca de mercadorias implica a interdependência entre
todos os sujeitos. O desenvolvimento da circulação de mercadorias, do mercado, que tem por
pressuposto uma complexa divisão social do trabalho, põe todos os indivíduos em contato
entre si. Esta interdependência generalizada dos sujeitos, em outras palavras, esta
interconexão cada vez mais impessoal e autônoma entre eles, marca a estrutura social
fundamentada no capital.
A estrutura social capitalista envolve um determinado tipo de trabalho, ou melhor,
uma forma específica de trabalho que ao longo deste estudo será examinado com mais detalhe
- o trabalho abstrato. Esta forma peculiar do trabalho é o que a sociedade moderna distingue
das outras sociedades pré-capitalistas. Com essa determinação, Postone, pretende resgatar a
noção de temporalidade, que permite uma substantiva crítica à dinâmica estrutural da
sociedade capitalista. Ele faz uma distinção entre a concepção transhistórica do trabalho
adotada pelo marxismo tradicional e o trabalho na sociedade capitalista que medeia as
relações sociais. A primeira compreende o trabalho como atividade social cujo objetivo
definido seria a mediação entre homem e natureza e que é comum a todas as formas de
sociedade. A segunda, antecipando o tratamento da categoria de trabalho abstrato salienta a
forma histórica específica do trabalho no capitalismo, em particular o duplo caráter do seu
produto, a mercadoria, que é valor de uso e valor, forma que constitui as relações sociais na
sociedade capitalista.
A certificação da forma peculiar do trabalho que compõe a sociedade moderna e
determina suas relações sociais constitui o ponto de partida para explicar o objeto da crítica –
a natureza do capitalismo – como veremos mais adiante. Crítica que, por conseguinte, permite
demonstrar as insuficiências teóricas do marxismo tradicional.
2
Ver MARX, K Mercadoria e Dinheiro in O Capital – Crítica da Economia Política, 1980 pág.(41-144).
14
A partir da análise da mercadoria, Marx (1980)3 examina o trabalho pelo seu “duplo
caráter” (concreto e abstrato). Ele refere-se ao trabalho concreto como a interação humana
com a natureza mediada pela atividade laborativa. O trabalho abstrato, por sua vez, não
significa somente trabalho geral, mas trata-se de uma categoria distinta. De acordo com
Postone, isso significa que o trabalho no capitalismo também possui uma dimensão social
exclusiva que não é intrínseca à atividade laborativa enquanto tal: ela medeia não só as
relações dos seres humanos com a natureza, mas também as relações sociais e, ao fazê-lo,
constitui uma forma de interdependência social nova, quase objetiva. Este caráter determina o
trabalho abstrato como uma função mediadora específica historicamente, que constitui a
“substância” do valor nas mercadorias.
De acordo com a obra marxiana, o trabalho neste tipo de sociedade não pode ser só
trabalho entendido transhistoricamente, mas sim como uma atividade socialmente mediadora
e historicamente específica. As objetivações que compreendem a mercadoria e o capital são
tanto produtos do trabalho concreto quanto formas objetivadas de mediação social. Com
efeito, essas objetivações tornaram as relações sociais que mais essencialmente caracterizam a
sociedade capitalista muito distintas das relações sociais qualitativamente específicas
(relações de parentesco ou de dominação direta) das sociedades pré-capitalistas. Entretanto,
estas últimas permanecem a existir no capitalismo sobrepostas por uma estrutura social nova e
subjacente de relações sociais, constituída pelo trabalho. Tais relações, conforme sublinha
Postone, têm um caráter peculiar, quase objetivo, e são dualisticamente caracterizadas pela
oposição entre uma dimensão abstrata, geral, homogênea e uma dimensão concreta, particular
e material. Duas dimensões que parecem ser “naturais”, e não sociais, e que, por sua vez,
escondem o caráter enigmático do trabalho. No interior destas relações sociais os sujeitos
produzem as próprias mercadorias, que assumem uma relação externa aos próprios sujeitos e
passam a ter vida própria, tornando-se figuras autônomas que mantêm relações entre si e com
os homens. Melhor dizendo, o trabalho abstrato materializado na mercadoria não aparece
expressando relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, mas como
relações reificadas entre pessoas e relações sociais entre coisas. (MARX, 1980)
3
MARX, K. O Capital - Crítica da Economia Política: Mercadoria e Dinheiro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira S.A, v. I, 1980. p. 41-105.
15
4
MARX, K. GRUNDRISSE - Manuscritos econômicos de 1857-1858/ Esboço da crítica da economia política.
1º. ed. São Paulo: Boitempo, 2011.
16
Esta reflexão decorre da análise da mercadoria cuja categoria não tem referência
unicamente a um produto, mas também ao modo estrutural que fundamenta a sociedade, uma
estrutura definida por uma prática social historicamente determinada. Nos Grundrisse, Marx
trata o valor como uma categoria que expressa tanto a forma determinada das relações sociais
quanto a forma particular da riqueza como características próprias do capitalismo. As relações
sociais, ou as relações de interdependência social aparecem encobertas pelo valor que
funciona como forma exterior e expressão do modo indireto de distribuição social do trabalho
e dos seus produtos, relações estas que são mediadas pelo dinheiro. Nos termos de Marx, “a
dependência recíproca se expressa na permanente necessidade da troca e do valor de troca
como mediador geral”. (MARX, 2011, p. 104) Esta dependência forma uma conexão que se
manifesta no valor de troca, onde o indivíduo realiza uma atividade ou produz algo com
caráter universal podendo ser trocado na forma isolada, individualizada do dinheiro.
... o poder que cada indivíduo exerce sobre a atividade dos outros ou sobre as
riquezas sociais existe nele como o proprietário de valores de troca, de dinheiro.
17
Seu poder social,assim como seu nexo com a sociedade,[o indivíduo] traz consigo
no bolso. (MARX, 2011, p. 105)
Este poder social, expresso no dinheiro, torna cada vez mais as relações sociais
impessoais e abstratas ao encobrir o caráter social das atividades e da produção. Certamente,
os indivíduos não trocam diretamente trabalho, trocam o produto do trabalho que possuem
qualidades distintas e que, reciprocamente possuem valor, uma substância que os iguala e que
se autonomiza em uma mercadoria particular, o dinheiro, o universal que garante a
permutabilidade imediata de todos os produtos como mercadorias. O dinheiro, desse modo,
expressa a coisa que conecta todos os indivíduos nesse tipo de sociedade.
Ao considerar que a mercadoria é um produto que além de satisfazer as necessidades
sociais possui um quantum de trabalho humano, o trabalho na sociedade moderna assume ao
mesmo tempo uma dimensão privada e social. Ele é privado porque se expressa na troca de
valores do trabalho de indivíduos isolados e se converte em social quando assume a forma do
seu oposto imediato, sua forma generalizada abstrata. (POSTONE, 2006, p. 96) Isso supõe
que o caráter dual do trabalho expresso na mercadoria é um trabalho individual e isolado que
assume sua forma da generalidade abstrata que Marx define como forma direta ou
imediatamente social. Essa dualidade envolve
la oposición entre trabajo privado y trabajo directamente social, es una oposición
entre términos que están do mismo lado, que se complementan dependen entre sí.
Esto sugiere que es, precisamente, el trabajo en lo capitalismo el que tiene una
dimensión directamente social, y que “el trabajo directamente social” existe
únicamente en un entorno social marcado de igual modo por la existencia del
“trabajo privado”. (POSTONE, 2006, p. 96)
Este caráter social e imediato do trabalho reside no núcleo deste tipo de sociedade e
dele resultam os processos históricos próprios do capitalismo, processos que desenvolvem a
riqueza e poderes sociais às custas dos indivíduos singulares. (POSTONE, 2006, p. 96) Esta
forma peculiar de trabalho atua como atividade de mediação social o que lhe confere uma
qualidade única e específica desta sociedade.
Se o valor for somente interpretado como uma categoria de mercado, a dimensão do
trabalho no capitalismo como algo privado e social se resume a pessoas isoladas
objetivamente trabalhando umas para as outras como membros de um organismo social maior.
Deste modo, em uma sociedade estruturada pelo mercado e pela propriedade privada o
trabalho aparenta ser privado, porque as pessoas trabalham diretamente para si e somente
indiretamente para os outros. Se bem que, na medida em que o trabalho se encontra mediado
pelas relações capitalistas de produção, seu caráter social não pode ser mostrado enquanto tal.
No entanto, nesta perspectiva que entende o valor como categoria de mercado, a dimensão
18
social tem referência simplesmente naquilo que não é privado que supostamente diz respeito à
coletividade. O problema desta compreensão do social, assumida pelos marxistas tradicionais,
é que não há o questionamento a natureza específica das relações sociais envolvidas, e nem
implica uma oposição recíproca do social e do privado. (POSTONE, 2006, p. 95). Como vimos
acima, o trabalho imediatamente social apenas diferencia-se da noção de social como sendo
somente aquilo que não é privado.
Postone (2006) ressalta que, na teoria marxiana o trabalho no capitalismo possui
também uma dimensão diretamente social (ofuscada pela dimensão privada). Novamente,
tomar o valor unicamente como categoria mercantil implica tratar o trabalho como
diretamente social em todos os tipos de sociedade, exceto na sociedade capitalista e, na
verdade é exatamente ao contrário. De acordo com Marx, só nesta sociedade o trabalho possui
também esta dimensão social. Segundo o autor, a crítica não deve ser entendida como uma
crítica do modo atomizado de existência social individual nessa sociedade do ponto de vista
de uma coletividade da qual as pessoas seriam componentes. Na verdade, tal noção carece de
uma crítica do trabalho enquanto privado e imediatamente social como extremos que se
complementam. (POSTONE, 2006, p. 97). Em suma, o que caracteriza esta sociedade é o
caráter específico das suas relações e mediações sociais. E como se mostrou, as relações no
capitalismo são fundadas por este tipo de trabalho.
mercado. Isso porque quando Marx se refere à troca, diz respeito à troca que ocorre na
produção e não exclusivamente na circulação. Ainda mais, significa que as relações sociais
são constituídas no e pelo modo de produção. Neste sentido, exatamente pela forma de
riqueza ser baseada no valor (troca de trabalho vivo por trabalho morto ou “objetivado”)
destaca-se o papel peculiar do trabalho como um elemento central na sociedade capitalista que
fundamenta a produção.
Nos Grundrisse, Marx descreve o valor como categoria que define o modo de
produção cujo “pressuposto é – e permanece sendo – a quantidade de tempo de trabalho
imediato, a quantidade de trabalho empregado, como o fator determinante da produção de
riqueza.” (POSTONE, 2003, p. 18). Esta forma de riqueza está no coração da sociedade
capitalista e também implica uma tensão própria entre o modo de produzir e do seu
desenvolvimento histórico cujo resultado final é o contínuo declínio do trabalho imediato
requerido.
Porém, à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza real vai
depender menos do tempo de trabalho, e da qualidade de trabalho empregado, e
passa a depender mais da força produtiva dos agentes [instrumentos] postos em
movimentos durante o tempo de trabalho, cuja ‘potência efetiva’ é em si mesma, [...]
desproporcional ao tempo de trabalho [imediato] gasto em sua produção; mas que
depende, sobretudo, do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia... A
riqueza real manifesta-se excepcionalmente,... na fantástica desproporção entre o
tempo de trabalho aplicado e seu produto, bem como no desequilíbrio qualitativo
entre trabalho, reduzido a uma pura abstração, e a capacidade produtiva do processo
de produção que ele supervisiona. (POSTONE, 2003, p. 18 apud Marx. K, 2014, p.
587-8)
palavras, significaria outra lógica de produção social, adequada e estruturada com base na
emancipação do trabalho. Essa nova forma
implicitamente envolve a superação tanto dos aspectos formais, quanto dos aspectos
materiais do modo de produção fundado no trabalho assalariado. Ela acarreta a
abolição de um sistema de distribuição baseado na troca de força de trabalho,
enquanto uma mercadoria, por um salário com o qual os meios de consumo são
adquiridos; também acarreta a abolição de um sistema de produção baseado no
trabalho proletário, isto é, baseado no tipo de trabalho unilateral e fragmentado,
característico da produção capitalista industrial. A superação do capitalismo, em
outras palavras, também envolve a superação do trabalho concreto realizado pelo
proletariado. (POSTONE, 2003, p. 21)
5
LUKÁCS, G. Para uma Ontologia do Ser Social: O Trabalho. [S.l.]: [s.n.], 1981.
22
6
Postone (2003) se refere à emergência de uma pluralidade de grupos sociais, organizações, movimentos,
partidos e subculturas que tem surgido neste novo contexto.
25
limitado, como uma forma externa de relação social entre os proprietários da mercadoria. Tal
compreensão, por Sweezy, pressupõe que a natureza básica desta relação seria de produtores
individuais que, ao trabalharem cada um isoladamente, estariam trabalhando uns para os
outros.
Em síntese, o valor seria a forma externa da interdependência social no capitalismo
que não se expressa abertamente na organização da sociedade. O valor torna-se a expressão da
forma indireta de distribuição do trabalho e de seus produtos. (POSTONE, 2006).
A lei do valor em Marx, sob tal ótica, se resumiria na produção de mercadorias. Como
resultado, o valor possuiria a função de regular a relação proporcional de intercâmbios da
mercadoria; a quantidade produzida de cada uma delas; e a alocação da força de trabalho nos
diversos ramos da produção. Portanto, nesse caso, a lei do valor seria uma teoria
essencialmente do equilíbrio geral de distribuição. (POSTONE, 2006, p. 93) Paul Sweezy
descreve desta maneira:
A condição básica para a existência de uma lei do valor é uma sociedade de
produtores privados que satisfazem suas necessidades pela troca mútua. As forças
em atividade incluem, de um lado, a produtividade do trabalho nos vários ramos da
produção e o padrão das necessidades sociais modificadas pela distribuição da
renda. Do outro lado, as forças equilibradoras do mercado da oferta e procura
concorrenciais. Usando a expressão moderna, a lei do valor é essencialmente uma
teoria de equilíbrio geral desenvolvida em primeiro lugar com referencia à produção
simples de mercadorias e mais tardes adaptada ao capitalismo. (SWEEZY, 1983, p.
53)
Paul Sweezy (1988) entende a lei do valor, na verdade, como uma tentativa de explicar
a auto-regulação do mercado. Esta explicação converte o valor em uma categoria de
distribuição, em uma expressão do modo de distribuição não consciente mediado pelo
mercado no capitalismo. (POSTONE, 2006) Em consequência, Sweezy considera o mercado
o princípio do capitalismo e a planificação o princípio do socialismo, o que sugere uma
compreensão focalizada apenas no modo de distribuição. Diz Sweezy:
na medida em que a distribuição da atividade produtiva é colocada sob o controle
consciente a lei do valor perde a importância. Seu lugar é tomado pelo princípio do
planejamento. Na economia de uma sociedade socialista a teoria do planejamento
deve ocupar a mesma posição básica da teoria do valor na economia de uma
sociedade capitalista. (SWEEZY, 1983, p. 54)
No entanto, Postone (2006) compreende que o foco crítico deve estar no modo de
produzir e não somente no modo de distribuir. O valor não pode ser concebido essencialmente
como categoria de distribuição mediada pelo mercado ou como modo de distribuição da
riqueza historicamente específica. Pelo contrário, deve ser concebido como uma forma
específica da riqueza em si. Se o valor representa uma forma historicamente específica de
riqueza, por conseguinte, o trabalho que gera valor também consiste em uma forma
26
1.2.2 O trabalho como uma máquina que traz em si sua própria finalidade
De acordo com o autor o trabalho na sua forma abstrata não é supra-histórico. A forma
especificamente histórica do trabalho baseia-se na exploração econômica abstrata da força de
trabalho e das matérias primas. Ou seja, essa forma peculiar com que o trabalho se apresenta
pertence exclusivamente à era moderna, argumento também sustentado por Postone. Neste
contexto, o trabalho na sua forma abstrata pôde ser definido como atividade com finalidade
em si mesmo.
Este trabalho, com finalidade em si, caracteriza o sistema burguês do Ocidente e o
sistema do movimento dos trabalhadores modernos, pois o segundo absorveu acriticamente
esta forma peculiar do trabalho que na verdade constitui uma ideologia histórica do
capitalismo. Ademais, tratou o trabalho abstrato como “aquela idolatria fetichista do maior e
mais intenso dispêndio possível de força de trabalho, além das necessidades subjetivamente
perceptíveis”. (KURZ, 1999, p. 18) O autor aponta que o endeusamento do trabalho abstrato
foi apropriado e posto em prática pelo marxismo da classe trabalhadora e se difundiu nas
formações sociais do socialismo real que, por isso, não repensaram e nem aboliram a forma
do trabalho abstrato. Kurz (1992), embora crítico da proposta de Weber em pôr o trabalho
abstrato a serviço da religião, usa sua idéia para uma analogia ao socialismo do moderno
movimento dos trabalhadores que transformou o trabalho em religião de secularizada.
29
Certamente, o autor buscou inferir que neste tipo de sociedade a ênfase do valor
absoluto do trabalho se apresenta como princípio ético de maneira a lhe conferir dignidade,
muito embora a sua finalidade se encerre em si mesmo.
A perspectiva de Robert Kurz se assemelha às análises de Moishe Postone, posto que
este último sublinhasse o trabalho assalariado como forma específica do sistema produtor de
mercadorias e o diferencia das formações sociais anteriores. De acordo com Kurz
Essa forma específica do trabalho e o conceito de trabalho correspondente são de
fato incompatíveis com todas as formações sociais anteriores da história humana,
porque nestas o trabalho, seu produto e a apropriação deste ainda aparecem
essencialmente em sua forma concreta, direta, sensível: como ‘valores de uso’ na
linguagem da economia política. Ainda que o trabalho, como ‘labor’ no sentido
antigo, como estafa e moléstia, ocupasse completamente o horizonte da vida da
maioria das pessoas, isso acontecia por causa de grau de desenvolvimento
relativamente baixo das forças produtivas, no ‘metabolismo entre os homens e a
natureza’ (Marx); o trabalho era, portanto, uma necessidade imposta pela natureza,
porém precisamente por isso nenhum dispêndio abstrato da força de trabalho e
nenhuma atividade social traz em si sua própria finalidade. (KURZ, 1999, p. 21)
A inversão da primeira natureza do trabalho que o autor trata por segunda natureza é o
fundamento que constitui todas as sociedades da modernidade. Um aspecto que a teoria
burguesa ignora. Para ilustrar o que denomina de primeira natureza, o autor faz um contraste
entre a mercadoria na pré-modernidade e na modernidade. Na primeira o valor de uso tem na
sua produção uma finalidade social que se extingue, apesar de passar pelas abstrações do
processo de troca no mercado. Ademais, ela não poderia assumir uma forma de reprodução
social porque não pertence a um sistema produtor de mercadorias.
A segunda natureza, ao contrário da primeira, traz em si o tipo de processo da
produção moderna. O valor que se reflete também na forma de mais-valor não se “extingue no
seu valor de uso” e aparece como um mediador social tautológico, que põe o trabalho abstrato
como uma máquina com finalidade em si. Nesta sociedade, esta forma peculiar do trabalho se
apresenta “como automovimento do dinheiro, como transformação de certa quantidade de
trabalho morto e abstrato em outra quantidade maior [...] (mais-valor)” (KURZ, 1999, p. 23)
Certamente, os recursos humanos e materiais não poderiam ser mais entendidos em
termos da relação metabólica do homem com a natureza para suprir suas necessidades
materiais. Ao contrário, o trabalho abstrato para a produção de mais trabalho abstrato não tem
finalidade fora de si mesmo.
7
Ou melhor, o processo de modernização incompleto.
31
Kurz (1999) conclui que desde o início o socialismo real não poderia suprimir a
sociedade capitalista porque permaneceu inserido como parte do próprio sistema burguês e,
por isso, não poderia ser capaz de substituir esta formação social por outra. O socialismo real
somente representou uma fase do desenvolvimento capitalista da mesma formação da
histórica.
As conclusões de Kurz (1992) também sublinharam o esgotamento do valor na
sociedade moderna. Neste contexto, ele enfatiza que a categoria valor em Marx também deve
ser o centro das abordagens teóricas capazes de refletir alternativas e possibilidades da
superação histórica do capitalismo. Conclusões essas convergentes com as formulações de
Postone.
8
“Nesta figura ideológica, o antagonismo inconciliável de valor fetichista e valor de uso sensível dissolve-se
definitivamente para formar uma massa sem fundamento conceitual”. Ibid. p.22.
32
O teórico Michael Heinrich propôs uma leitura d’O Capital capaz de recuperar os
fundamentos teóricos de Marx a fim de apreender a estrutura e funcionamento do modo de
produção capitalista. Seu objetivo foi distinguir ou até mesmo esclarecer a crítica teórica das
versões do marxismo ideológico difundidas no contexto preponderantemente eufórico das
lutas políticas do século XX. Ademais, a crítica da economia política marxiana oferece
argumentos substantivos para analisar e julgar as interpretações equivocadas elaboradas pelos
marxistas tradicionais.
Na sociedade capitalista, como já vimos, os homens relacionam-se entre si através das
relações entre coisas. É a troca que pressupõe estas relações. Heinrich (2008) recupera em O
Capital - e procura fazê-lo como um todo -, uma análise descritiva do sistema científico, da
economia política, que subtende o capitalismo como uma estrutura dinâmica a-historica. Tal
sistema provoca, inevitável e espontaneamente, uma naturalização das relações sociais
capitalistas e, por conseguinte, subsume os indivíduos a um mecanismo totalmente
independente de sua vontade. Por essa razão, o fetichismo constitui um momento fundamental
na crítica marxiana, que põe em relevo a inversão sujeito - objeto. Passando despercebida pela
análise, essa inversão desaparece da descrição científica que, desse modo, alimenta uma
pratica social que a reproduz.
Enquanto crítica ao marxismo corrente, a contribuição de Heinrich (2008) vai além da
interpretação limitada à crítica da economia política burguesa cujo produto seria uma
economia política alternativa, “marxista”. Nesse sentido, apesar do autor integrar em sua
pesquisa, a exploração e o caráter estrutural das crises no capitalismo, suas conclusões se
distinguem em diversos aspectos das presentes do marxismo tradicional. Antes de tudo, o
autor enfatiza que Marx, ao analisar a constituição essencial da sociedade moderna, descobre
a lei econômica que a governa dinamicamente, e cujo resultado é uma estrutura invariável e
comum às diversas configurações históricas do capitalismo - no seu modo de produção. Com
isso, o autor diferencia-se das análises focalizadas em conjunturas históricas de como o
capitalismo funcionava em determinadas épocas, a exemplo do século XIX ou de quaisquer
de suas manifestações empíricas.
A afirmação de que “a história de todas as sociedades que já existiram é a história de
luta de classes” (MARX, 2004, p. 9) não é novidade para os marxistas. Essa luta é resultado
da exploração, ou seja, da produção realizada pela classe dominada para garantir tanto o seu
33
9
O operaísmo italiano surgiu na década de 60 em que Antonio Negri participava. Embora, de acordo com
Heinrich teve suas raízes na Alemanha Ocidental com Karl Heinz Roth e pelo periódico Autonomie.
35
análise inadequada da forma valor e do fetichismo pelo marxismo tradicional e, por extensão
pelo operaísmo.
O exame de Heinrich (2008) procurou assinalar que a produção marxiana, em especial
O Capital, foi interpretada, por certos marxistas, de maneira fragmentária em lugar de ser
compreendida em sua totalidade. Em sua opinião, é impossível extrair-se uma teoria do
materialismo histórico a partir de uma página e meia de observações em relação às forças
produtivas e às relações de produção. Essa teoria marxista fragmentada se valeu do prefácio
de 1859 da Contribuição à Critica da Economia Política; pelo uso indiscriminado das
famosas Teses de Feuerbach de 1845, publicadas por Engels que foram lidas como
documento fundador de uma nova ciência da sociedade e da história. A décima primeira tese
que afirma “os filósofos apenas interpretam o mundo, a questão é transformá-lo” foi
assumida, com satisfação, como um argumento potente contra os adversários que
aparentemente teorizam demais. No entanto, recorda Heinrich (2014), tais teses foram notas
elaboradas por Marx ao discutir com alguns filósofos, mas que nunca mais foram utilizadas
por ele. Omite-se também, no caso da décima primeira tese, é o fato de que em nenhuma outra
parte da obra de Marx podemos encontrar “tensão, para não falar da exclusão mútua, entre
‘interpretação’ e ‘transformação’10” (HEINRICH, 2014, p. 31). O mesmo tipo de expediente
foi utilizado na leitura de O Capital. (HEINRICH, 2014)
Outra distorção interpretativa exposta pelo autor são os tipos de construção histórico-
filosófica. O desenvolvimento dessas construções supõe uma posição privilegiada que torna
transparente o passado e o desenvolvimento progressivo da história. Nas palavras de Heinrich
O desenvolvimento futuro estava sujeito a predições distintas (o crescimento do
proletariado e de sua consciência derrotam a burguesia em um ato revolucionário, o
capitalismo entra em crise e colapso final, os poderes imperialistas se engalfinham
em guerras), mas em todos os casos apresentados como resultado inevitável de leis
objetivas. Tais filosofias da historia ainda não foram extintas. (HEINRICH, 2014, p.
32)
10
O autor indica essa discussão em - c.f Heinrich, 2004 para uma investigação crítica a respeito das Teses sobre
Feuerbach e o uso que delas foi feito.
36
Desta maneira, Heinrich (2014) considera uma regressão em relação à crítica marxista
da economia política, à teoria de monopólio de Lênin em que as relações econômicas
impessoais de poder são transformadas em pessoais em lugar de considerar a lei do valor
como lei impessoal e a personifica como os “lordes do monopólio’ atribuindo a eles a
imposição de suas vontades ao resto da sociedade, na qual a lógica objetiva das coisas perde o
seu papel. No mesmo sentido, algumas tendências do operaísmo também reduziram a
dominação mediada e objetiva à dominação deliberada de uma classe social. Em diversos
debates a crise era tratada como uma resposta dos capitalistas às lutas dos trabalhadores.
Na medida em que há a dominação objetivamente mediada, o fetichismo opera no
produto do trabalho que se tornou mercadoria. No entanto, o autor chama a atenção para o
fato de que essas circunstâncias não podem ser analisadas como uma falsa consciência ou
37
como manipulação, pois a questão refere-se a uma forma espontânea de uma prática
específica e impessoal. De modo que, se as atividades sociais são mediadas por coisas, então
todas as coisas assumem propriedades sociais e, consequentemente tanto a classe burguesa
quanto a classe trabalhadora estão sujeitas a esse fetichismo que emerge das próprias práticas
sociais. (HEINRICH, 2014) Para o autor, não há uma visão privilegiada sobre o
funcionamento do capitalismo. Nem do lado dos capitalistas e nem do lado dos trabalhadores
explorados diretamente pelo capital. Por essa razão, assumir o ponto de vista dos
trabalhadores não propicia um descortino da lógica fundamental do capitalismo e por
extensão não resolve os problemas teóricos.
No século XIX, já nas primeiras décadas, surgiram múltiplas análises sobre o
capitalismo, conceitos de socialismo, propostas de reformas e estratégias de lutas. Marx e
Engels foram os teóricos que tiveram crescente influência nessas discussões. Com a sua
morte, no final do século, o legado do marxismo desfrutou hegemonia no movimento
internacional dos trabalhadores. O propósito de Heinrich (2008), a partir da teoria de Marx,
em particular de O Capital, é analisar até que ponto esse marxismo hegemônico tem haver
com a teoria marxiana. (HEINRICH, 2008)
Após a morte de Marx, Engels, influente no partido socialdemocrata, redigiu inúmeros
escritos denominados Anti-Duhring. Esta obra e o seu resumo sob o título El desarrollo del
socialismo desde la utopía hasta la ciencia formam parte dos escritos mais lidos pelo
movimento dos trabalhadores antes da Primeira Guerra Mundial, ao passo que O Capital, a
principal obra de Marx ficou conhecido por uma pequena minoria. Engels criticava as
concepções do professor Eugen Duhring, de Berlim, que pretendia criar um sistema completo
de filosofia, economia política e socialismo ganhando muitos seguidores da social
democracia. Segundo Heinrich (2008), Duhring ganhou esses seguidores na própria social
democracia por oferecer uma orientação que possibilitava uma explicação completa do mundo
e uma resposta para todas as perguntas. A aceitação desse sistema filosófico só se deu, pois o
movimento dos trabalhadores carecia de orientações. O fato de que Engels não só criticou
Duhring, mas também lhe contrapôs em diversos âmbitos as posições “corretas” de um
“socialismo científico” contribuiu para assentar as bases de um marxismo ideológico. A social
democracia acolheu, de bom grado, essas “tais posições corretas” em sua propaganda social
democrata, tornando-a cada vez mais simplificada. (HEINRICH, 2008, p. 42)
Karl Kautsky foi o teórico marxista mais importante após a morte de Engels até a
Primeira Guerra Mundial. Na opinião de Heinrich (2008) o que vigorou com o ‘marxismo’ até
o final do século XIX consistiu um repertório de formulações esquemáticas:
38
Nessa mesma linha Heinrich (2008) sugere que a continuação e simplificação deste
marxismo ideológico deram lugar ao marxismo-leninismo. Lênin teria desenvolvido um
pensamento enraizado no marxismo ideológico que acabava de se esboçar e tem sua
expressão desta maneira: “a doutrina de Marx é toda poderosa porque é verdadeira. Está
concluída em si mesma e harmoniosa, os dá aos homens uma visão do mundo unitária”.
(HEINRICH, 2008, p. 43 apud Lenin: 1913, p. 3 y ss.)
Na compreensão do autor, Lênin, após sua morte foi convertido na figura sagrada do
marxismo. Sua obra, que muitas vezes era conjuntural e que continha caráter polêmico, foi
celebrada como a mais alta expressão da “ciência marxista” e em conjunto com o marxismo
existente formou um sistema dogmático de filosofia (“materialismo dialético”), história
(“materialismo histórico”) e economia política: o “marxismo-leninismo”. Ainda mais, essa
variante do marxismo dogmático foi essencial para formação de identidade e a União
soviética utilizou-a para legitimar o poder do partido asfixiando toda a discussão pública.
(HEINRICH, 2008, p. 44)
No entanto, afirma Heinrich (2008), o marxismo não se limitou ao marxismo
ideológico. Os acontecimentos históricos que trouxeram principalmente a desesperança
revolucionária ocasionaram nos anos 20 e 30 uma variedade de crítica “marxista” ao
marxismo ideológico. Estas novas correntes associadas a nomes como Karl Korsch, Georg
Lukács, Antonio Gramsci ou a “escola de Frankfurt” fundada por Max Horkheimer, Theodor
W. Adorno e Hebert Mercuse foram rotulados retrospectivamente como “marxismo
ocidental”. De acordo com o autor, o marxismo ocidental, por muito tempo, só criticou os
fundamentos filosóficos e teórico-históricos do marxismo tradicional, ou melhor, o
“materialismo dialético” e o “materialismo histórico”. A redução, operada pelo marxismo
tradicional da crítica da economia política a uma economia política marxista só foi
compreendida nas décadas de 60 e 70. O retorno destas discussões, baseado no O Capital e
nos Grundrisse, sobretudo a partir do livro de Rosdolsky (1968) possibilitaram o debate sobre
39
a construção e estrutura teórica da crítica da economia política de Marx. Neste caso, as novas
leituras dos escritos do próprio Marx permitiram também diferenciar a crítica da economia
política da economia política marxista com mais objetividade.
Em uma sociedade que se baseia na troca de mercadorias, todas e cada pessoa têm
que seguir a lógica da troca se quiser sobreviver. Não é simplesmente o resultado de
meu comportamento 'maximizador da utilidade' que eu queira vender caro minha
própria mercadoria e comprar mais barata outras mercadorias, é que eu não tenho
escolha (a menos que seja tão rico que pode não me interessar as relações de trocas).
E posto que não vejo outra alternativa, eu percebo meu comportamento como
'natural'. Se a maioria se comporta do modo indicado, então se reproduzem as
relações sociais que se baseiam no intercâmbio de mercadorias, e com isso também
41
De acordo com Heinrich (2008), Marx ilustra que na troca as pessoas não sabem
realmente o que fazem, pois existe uma estrutura social onde todas agem independentes de
sua vontade ou do que pensam a respeito. Isso significa que Marx não considera a troca como
um ato particular. Pelo contrário, a relação de troca é parte de um contexto social
determinado.
Heinrich (2008) ao observar o caráter do trabalho questiona-se; se nas condições da
produção de mercadorias a divisão do trabalho privado gasto em cada parte da produção está
mediada pelo valor das mercadorias, então como o trabalho privado gasto pode se converter
em parte constitutiva do trabalho social global? Segundo ele, a teoria do valor não pretende
demonstrar que a relação de troca particular está determinada pelas quantidades de trabalho
necessário para a produção. Pelo contrário, pretende explicar o caráter especificamente do
trabalho privado e ao mesmo tempo social que produz essas mercadorias.
Desta maneira, a teoria do valor de Marx não poderia se resumir ao tempo de trabalho
necessário, pois oferece muito além do que somente determinar a quantidade de trabalho
necessário nas mercadorias. Como diz Heinrich (2008), a teoria marxiana ultrapassa as sete
primeiras páginas d’O Capital consideradas pelo marxismo tradicional, entre outros críticos
de Marx, que partem deste suposto como o mais importante da sua teoria. O que está posto e,
que importa aprofundar é a especificidade do trabalho como o mediador social global com um
papel determinado dentro da estrutura e dinâmica deste tipo de sociedade. E de acordo com
Postone, essa forma de trabalho que pressupõe a forma de riqueza, nessa sociedade,
unilateraliza as relações sociais.
Em relação ao fetichismo, é certo elucidar, como característica essencial, a inversão
das relações sociais pessoais à relação coisal. A relação entre coisas subverte as relações
sociais causando na consciência, uma ilusão.
Primeiro porque a mercadoria aparece como uma coisa trivial e não se revela de
imediato o que está por trás dela. Por tanto, o mistério da forma mercadoria consiste em
produto do trabalho social não expresso nas relações de troca. Essas relações aparecem como
propriedade das coisas e não é nenhum tipo de ilusão. (HEINRICH, 2008, p. 87)
Podemos dizer que a relação de fetichismo movimenta uma sociabilidade plausível das
relações sociais, pois reproduz uma dinâmica imediata das coisas. Então, surge uma questão
implicada na interpretação teórica de Marx. Basta desmascarar o fetiche das relações sociais
42
para se alcançar o outro tipo de sociabilidade? Ainda que posto em evidência que tais relações
são invertidas, a dinâmica social é estruturada por relações relativamente autônomas.
Pondo de lado seu valor de uso, abstraímos, também, das formas e elementos
materiais que fazem dêle o valor de uso. [...] Ao desaparecer o caráter útil do
trabalho dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos produtos do
trabalho neles corporificados, desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de
trabalho concreto, elas não mais se distinguem uma das outras, mas reduzem-se,
todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato. (MARX, 1980,
p. 44)
De acordo com Heinrich (2008), a abstração da forma concreta do trabalho que Marx
denomina de substância do valor tem sido entendida, na visão do autor, de maneira quase
material -“substancialista”. Sob essa ótica, o trabalhador gasta uma determinada quantidade
de trabalho, e esta quantidade existe no interior da mercadoria e converte o artigo isolado em
objeto de valor. (HEINRICH, 2008, p. 65) Fosse essa a objetividade do valor, afirma o autor,
seria muito difícil explicar como Marx refere-se a ela, como objetividade espectral.
Tal consideração sugere que é necessário analisar o trabalho abstrato de maneira mais
precisa, uma vez que este último não se torna visível, e em seu lugar, só se manifesta o
trabalho concreto. As abstrações normalmente formadas no pensamento humano tendem a
constituir conceitos genéricos abstratos. Porém, o trabalho abstrato não constitui uma
abstração mental e sim uma abstração real. Esta última efetiva-se nos comportamentos reais
das pessoas, saibam elas ou não. (HEINRICH, 2008, p. 66)
É na relação de troca que ocorre a abstração do valor de uso das mercadorias. Nesse
momento é que se igualam os valores das mercadorias e se abstraem ‘faticamente’ as
particularidades do trabalho produzido e passam valer como trabalho abstrato que gera valor.
Assim sendo, conclui Heinrich (2008) “a abstração tem lugar realmente, com independência
do que pensam a respeito os possuidores das mercadorias implicadas”. (HEINRICH, 2008, p.
66)
Para o autor, esse ponto não foi muito esclarecido por Marx e que, de fato, ele fala
sobre o trabalho abstrato como gasto de força de trabalho humano em sentido fisiológico. A
redução dos distintos trabalhos à trabalho em sentido fisiológico provoca justamente uma
abstração mental em que se pode subsumir qualquer trabalho independente de que produza
mercadorias ou não. Com esta formulação o trabalho abstrato tem um fundamento
43
Para que o trabalho privado e concreto tenha validez como uma determinada quantidade
de trabalho abstrato que gera valor é preciso, como sustenta Heinrich (2008), haver três
reduções distintas:
1- O tempo de trabalho gasto individualmente se reduz a tempo de trabalho socialmente
necessário. Mas, a magnetude da produtividade não depende dos produtores
individuais e sim da todalidde destes produtores de valores-de-uso. Apesar das
contantes modificações das condicões de trabalho, é na troca que o trabalhador
individual chega a conhecer em que medida seu tempo de trabalho gasto
individualmente corresponde ao tempo de trabalho socialmente necessário.
2- A produção de valores de uso é uma produção de uso social, para os outros, segundo
Marx. Não se pode reduzir, como faz o marxismo tradicional, o “tempo socialmente
necessario” como o único determinante do trabalho que gera valor: “unicamente
produz valor aquele tempo de trabalho que não só foi gasto em condicões médias de
produção, como também é necessário para a satisfação da demanda social solvente.”
(HEINRICH, 2008, p. 68) A demanda produtiva de outros produtores (sociais) revela
em que medida o trabalho privado gasto foi realmente necessário para cobrí-la. Ambas
as coisas só se manifestam na troca.
3- Os distintos gastos de trabalho diferem-se em seu caracter concreto e na qulificação da
força de trabalho necessária para realizá-los, em que esta última interfere na
determinação do dispedio de trabalho ou ‘trabalho socialmente necessario’. Porém, só
se pode medir o valor de uma determinada quantidade de trabalho complexo com
44
A análise da crítica da economia política de Marx efetuada por Heinrich (2008), com o
objetivo de ilustrar que a obra de O Capital deve ser compreendida como um todo teórico,
contribui para apreciar as distintas interpretações do marxismo tradicional. Além de elucidar a
teoria do valor trabalho, sendo o valor determinado pela relação entre trabalho individual
concreto e o trabalho social global, verificou-se que esta relação só pode se realizar na troca
entre mercadorias. Fora isto, os produtos do trabalho não são mercadorias e, por conseguinte,
não possuem valor. Por essa razão, nessa interpretação da teoria do valor, em oposição a
concepções correntes, o valor não é aquela substância determinada diretamente pelo tempo de
trabalho socialmente necessário gasto na produção de uma mercadoria isolada, mas é co-
determinado pela produção e pela circulação.
A teoria monetária do valor de Marx expressa tal co-determinação por essas duas
esferas. O dinheiro não é apenas como um meio técnico que auxilia e facilita a troca; é
também o meio necessário através do qual se constitui a forma social contida nos produtos do
trabalho individual. Sabe-se Marx descreve o dinheiro como a forma do valor autônoma, ou
melhor, forma do equivalente geral necessária para a representação do valor. Em geral, o
dinheiro aciona o mecanismo da troca entre os possuidores das mercadorias e assume distintas
funções na circulação simples.
Heinrich (2008), no sentido de ilustrar a teoria marxiana, analisa o capitulo V
examinando os conceitos fundamentais que possibilitam a compreensão do modo de produção
capitalista. Os conceitos de capital constante e variável, taxa de mais-valor seja absoluta e
45
relativa. Além de descrever como o processo do capital opera, formula outra questão
fundamental: o potencial destrutivo do desenvolvimento como algo inerente ao sistema. O
movimento do capital D-M-D’ implica necessariamente o infinito processo de valorização, a
expansão sem fim do valor. Heinrich, como tantos outros marxistas sublinham que essa
própria dinâmica põe em risco a própria humanidade e natureza.
A expansão infinita do valor posto na produção das distintas mercadorias encontra-se
o núcleo da crítica marxiana ao capitalismo, sem naturalmente desprezar as suas outras
consequências socialmente nefastas: aumento do EIR, desigualdade social.
Robert Kurz (1999), em sua análise, argumenta que a relação do homem com a
natureza foi transformada numa coação social que envolve uma mediação social
inconscientemente produzida cuja necessidade apresenta-se aos indivíduos de forma
insensível e exigente. A produção em si mesma necessariamente envolveria o colapso da
modernidade – este argumento em última instância aparece como um determinismo do fim do
capitalismo, alimentando as teorias sobre o colapso iminente do capitalismo. Segundo Kurz
(1999), a forma peculiar que o trabalho assume no capitalismo apresenta-se como
‘automovimento do dinheiro’, como transformação de certa quantidade de trabalho morto e
abstrato em quantidades cada vez maiores de mercadoria. Neste sentido, o caráter social e
imediato do trabalho reside no núcleo deste tipo de sociedade e dele resultam os processos
47
obra de Marx, em particular, O Capital, para superar os limites teóricos das interpretações
precedentes e seus reflexos na profissão. Entretanto, esse esforço não aproximou as
concepções adotadas pela profissão e, as formulações expressas pelos autores analisados neste
trabalho.11
Nesse sentido, a análise dessas divergências poderá contribuir construtivamente para
produção teórica do serviço social.
11
As considerações propostas nesta dissertação são apenas de teóricos marxistas, embora saiba que existem
diversas contribuições de teóricos não marxistas no âmbito do serviço social.
12
Para mais detalhes acerca deste processo veja o primeiro capítulo do livro Capitalismo e Reificação de José
Paulo Netto. (1981)
50
Antes de discorrer sobre sua linha teórica – a reificação que se estende à positividade
da sociedade burguesa – o autor elabora uma sinopse da constituição e do colapso do que ele
denomina de marxismo institucional. Este marxismo compõe o marxismo-leninismo e a
“autocracia stalisnista”. Desse modo, o autor mostra as concepções e correntes marxistas e as
inflexões teóricas da obra marxiana. Segundo o autor, há concepções acerca das correntes
analisadas que assinalam evidências positivistas. Como por exemplo, a prática política do
Partido da Social Democracia Alemão, que compreendia a obra marxiana como uma
sociologia científica. Assim, podia-se desvendar o mecanismo da evolução social a partir da
análise da situação econômica. Segundo (NETTO, 1981, p. 19) tal abordagem evolucionista
sustentava a inevitabilidade da transição socialista, já que a dinâmica econômica do
capitalismo era fatal. Portanto, Netto (1981), com base histórica, verifica as diversas
interpretações e inflexões das principais correntes marxistas com o interesse de expor suas
fragilidades e equívocos históricos. Nesse sentido, essas perguntas históricas, principalmente
aquelas deixadas pelo fracasso do socialismo real, desafiam inúmeros marxistas e incentivam
a busca por respostas concernentes às consequências postas no interior do marxismo.
Netto (1981) considera que a questão de corte epistemológico aparece como uma
problemática falsa e só se apresenta enquanto tal na medida em que o instrumental crítico
ainda permanece no estágio pré-científico, permitindo que o conceito de alienação seja
desqualificado como pertinente na obra de Marx. Obviamente, se não houvesse na formulação
generalizada da teoria de Marx, o fundamento hegeliano, não seria possível pontuar a
problemática da alienação.
imprópria a revolução teórica de Marx, assimilando-a como mera troca de sinais. Neste caso,
parece que Marx havia apenas revelado a essência histórico-econômica das categorias
filosóficas, desmistificando o idealismo e subvertendo a sua disposição lógica e ontológica.
Por essa razão, “a teoria da alienação passa a constituir um aspecto de concepção materialista
da realidade relativa aos fenômenos ditos superestruturais”. E “disto resulta-se que há ainda
uma redução da revolução marxiana à inversão” situada no campo da filosófica, mas agora
materialista, de modo que a alienação aparece como componente da filosofia marxiana, mas
não do seu todo teórico. (NETTO, 1981, p. 33)
Existem, ainda destacado pelo autor, três linhas de reflexão correntes sobre a temática
da alienação. Na primeira, ela surge como um fenômeno que se manifesta exclusivamente na
sociedade de classes, e que pode ser suprimida por uma ruptura com as sociedades do tipo
capitalistas. Nesta lógica, a transição socialista seria a solução viável. A hipótese, nessa
perspectiva, marca suas raízes na propriedade privada. Postone (2003) ainda assegura também
a exploração. Por isso, neste caso, acreditava que a supressão podia garantir a ultrapassagem
da alienação. Portanto, nessa lógica, o autor, expõe que "a experiência atual do chamado
socialismo real leva a crer que a complexidade do fenômeno é de tamanha ordem que a sua
outra ultrapassagem implica, para além da socialização dos meios de produção e de uma
eventual modificação nos mecanismos de divisão social do trabalho, a constituição de formas
radicalmente novas de sociedade - que não são dadas automaticamente por aquelas
socialização e modificação". (NETTO, 1981, p. 34).
53
Netto (1981) é uns dos autores que também busca refletir a questão da alienação. Esta
questão tem como pressuposto, sobretudo a contribuição teórica pertinente em O Capital. Tal
obra descreve e desvela o caráter misterioso que existe no produto do trabalho, tendo como a
sua essência, a mercadoria simples. Como já vimos no primeiro capítulo, a duplicidade do
trabalho permitiu a Marx analisar o valor, implicando a função do trabalho de tal forma que
54
ele pôde apreender com certa objetividade, o caráter ontológico da prática sócio-humana, em
um momento históricamente específico. (NETTO, 1981, p. 39)
Com efeito, essa análise, de acordo com Netto (1981), efetiva duas considerações
teóricas: “a captação ontológico-histórica do trabalho como constitutivo do ser social e a
tomada da dimensão econômico social particular da sociedade burguesa.” (NETTO, 1981, p.
39) Os pressupostos sobre o fetichismo, de acordo com o autor, articulam-se reciprocamente à
reprodução teórica do movimento histórico da categoria trabalho, e a reprodução teórica do
movimento histórico da categoria valor, sintetizando em um movimento concreto, o qual
desemboca na consolidação do modo de produção capitalista. Netto (1981), mediante tais
considerações, demonstra que tal reprodução teórica é possível, porque possui o valor como a
célula secreta de todas as formas burguesas do produto do trabalho. (NETTO, 1981, p. 40)
Embora já tenhamos exposto anteriormente sobre a forma que o trabalho assume neste
tipo de sociedade, podemos observar na mercadoria uma determinada duplicidade - valor de
uso e valor - e que nela repousa um mistério. E no interesse de desvendar esse mistério, surge
a indagação “porque a produção mercantil dominante instaurando-se sobre fundamento
puramente sociais, obscurece e escamoteia estes mesmos fundamentos”. Nessa mesma lógica
Marx, questiona-se: "o caráter misterioso que o produto do trabalho humano apresenta ao
assumir a forma de mercadoria donde provém?” (NETTO, 1981, p. 40)13. Em sua resposta, o
autor já expõe a problemática do fetichismo:
Dessa própria forma, claro. A igualdade dos trabalhos humanos fica disfarçada sob a
forma de igualdade dos produtos do trabalho como valores; a medida, por meio da
duração, do dispêndio da força humana de trabalho toma a forma de quantidade de
valor dos produtos do trabalho; finalmente as relações entre os produtores, nas quais
se afirma o carater social dos seus trabalhos, assumem a forma de relação social
entre os produtos do trabalho... Uma relação social definida, estabelecida entre os
homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas... Chamo a
isto fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho quando são
gerados como mercadorias. É inseparável da produção de mercadorias. (NETTO,
1981, p. 41)
13
Ver nota de rodapé número 61.
55
Diante do exposto, Netto (1981) afirma que para uma dissolução definitiva do
fetichismo são necessários outros vetores da vida social, como forças sociais práticas, as quais
podem transformar qualitativamente as relações sociais do modo de produção mercantil.
Segundo o autor, Marx mostra os limites da intervenção teórica.
De acordo com Netto (1981), o fetichismo e alienação não são idênticos. Por essa
razão, a alienação aparece como um complexo simultâneo entre causalidade e consequências
histórico-sociais, que se desenvolve quando os agentes sociais particulares não conseguem
discernir e reconhecer nas formas sociais, o conteúdo e o efeito das suas ações e
intervenções.Para NETTO ( 1981, p. 74) ainda possibilita afirmar que em toda a sociedade,
independentemente da existência de produção mercantil,onde vigora a apropriação privada do
excedente econômico estão dadas as condições para emergência da alienação, isso quer dizer,
que a alienação precede as sociedades anteriores. Nesse tipo de sociedade, o fetichismo
implica alienação, que é especifica como as formas alienadas mais arcaicas. Diz Netto
(1981), “o que ele [o fetichismo] instaura, entretanto, é uma forma nova e inédita que a
alienação adquire na sociedade burguesa constituída, assim entendidas as formações
econômico-sociais embasadas no modo de produção capitalista dominante, consolidado e
desenvolvido.” (NETTO, 1981, p. 75)
Netto (1981) examina que Marx não distingue a reificação – “forma qualitativamente
diferente e peculiar da alienação na sociedade em que o fetichismo se universaliza” – da
alienação tout court, de modo que não o discrimina do gênero. (NETTO, 1981, p. 75)
Segundo o autor, Marx não consegue efetivar a determinação histórico-social dos processos
alienantes. Desta maneira, para Marx, toda forma reificada é uma forma alienada, mas ele não
se atenta a que nem toda forma alienada é uma forma reificada, que pode ser expressa numa
relação objetual. Portanto, a especificidade histórica deste tipo de sociedade, sem desprezar as
formas alienadas das sociedades que precederam, instaura processos alienantes particulares,
postos pelo fetichismo e que se reduzem em formas alienadas específicas, as reificadas.
57
Os argumentos expostos por Netto (1981) tratam a sociedade burguesa, assentada por
seus processos alienados e alienantes, radicada na mercadoria, que mistifica as relações
sociais envolvendo-as na especificidade da reificação. O autor busca explicar que tal
especificidade se manifesta como positividade da sociedade capitalista. Segundo ele, tal
positividade se apresenta como “um elemento equalizador e agregador que dá aos agentes
sociais particulares a sensação de estarem congregadas (pela factualidade) as múltiplas
objetualidades a que devem amoldar-se diferencialmente.” (NETTO, 1981, p. 87) Ela envolve
dinamicamente o complexo da vida social deste tipo de sociedade, e tende a homogeneizar,
por meio de nexos, os agentes sociais que desempenham papéis pseudo-objetivos
evidenciados no comportamento social real. Nesta lógica, a positividade põe-se como um
requisito para manutenção funcional desse tipo de sociedade.
Netto, (1981) como vimos, aborda a análise de reificação de Lukács e trata mais a
frente, peculiarmente, da prática profissional. Mas o que interessa nesse momento é que Netto
compreende os nexos causais postos pela reificação, que de alguma maneira aproxima-se das
análises de Postone. Entretanto, o ponto de distanciamento é o suposto de que o Sujeito
revolucionário seja o proletariado ou classe trabalhadora, de acordo com Netto. Nesse sentido,
e a partir disso, pode-se considerá-lo ainda inserido na crítica de Postone, pertencendo, ao que
ele denomina, de marxismo tradicional.
14
Baseado em referencias extraídas do texto (LUKÁCS, 1971: 102-121, 135, 145, 151-153,162, 175, 197-200).
59
Após a nova inserção teórica que baliza o Serviço Social – a tradição marxista – foi
possível produzir teses acerca da profissão. Duas delas serão abordadas neste trabalho com
um esforço de cotejar com as correntes do marxismo tradicional, já tratadas no primeiro
capítulo.
Lukács, este fenômeno (positividade) não rompe com os processos sociais deste tipo de
sociedade, porque não supera a sua imediacidade.
Por outro lado, Iamamoto (2011), procura confrontar esta tese de Netto (1992) sobre a
prática indiferenciada. De acordo com a autora, Netto (1992) expõe em sua análise que a
participação política dos sujeitos não tem expressividade para a transformação social. A
ausência política torna opaca a perspectiva da luta de classe, a resistência à sociedade
capitalista. Isso estabelece uma visão cerrada da reificação, forma assumida pela alienação na
idade dos monopólios. Na perspectiva do autor, afirma Iamamoto (2011), a alienação tende a
ser apreendida como estado, e menos como um processo que comporta contra tendências,
porque as contradições das relações sociais ficam obscurecidas na lógica de sua exposição.
(IAMAMOTO, 2011, p. 269)
Acerca da temática positividade, Iamamoto (2011) relata que, para o autor, a ruptura
da positividade como padrão geral de emergência do ser social na sociedade burguesa
constituída implicaria uma introdução de outra racionalidade comportamental a este tipo de
sociedade, a qual este último não poderia tolerar. (IAMAMOTO, 2011, p. 271) De acordo
com a autora o “círculo da análise se fecha, alimentando o fatalismo, pois não permite
vislumbrar nem a presença dos movimentos revolucionários da história e nem horizontes de
61
ruptura da positividade em uma análise aprisionada num ‘pessimismo da razão’ que não dá
lugar ao ‘otimismo da vontade política’” citando Gramsci (IAMAMOTO, 2011, p. 271).
A autora resgata para a discussão dois vetores propostos por Netto (1992) acerca do
sincretismo, que por sua vez, fornecem as condições para uma intervenção da sociedade
burguesa marcada pela positividade ou pseudo-objetividade. O primeiro vetor, diz respeito ao
fato de que a eficácia permaneceu circunscrita à manipulação de variáveis empíricas no
rearranjo da organização do cotidiano, não rompendo com a imediaticidade. Desse modo, a
positividade está impregnada na funcionalidade do estado, no confronto das refrações da
questão social. O outro vetor contribui para o sincretismo da prática referente às políticas
sociais estatais, as quais não podem ser capazes de resolver a questão social, visto que só
podem repor, em bases ampliadas, as suas manifestações, mantendo-as crônicas.
(IAMAMOTO, 2011, p. 274)
Nesse sentido, a autora considera que “o campo das políticas públicas dos direitos
sociais é, também, uma arena de acumulação de forças políticas de lutas em torno de projetos
para a sociedade no enfrentamento das desigualdades condensadas na questão social.”
(IAMAMOTO, 2011, p. 275)
Esse confronto teórico entre os dois autores debatidos acima trata com
transversalidade a crítica elaborada acerca do marxismo tradicional pelos autores,
principalmente por Postone. E no desenvolvimento deste trabalho surgem alguns
apontamentos, que de certa maneira, comparam as perspectivas teóricas destes importantes
pensadores do serviço social.
Essa é uma das questões mais polêmicas nessa discussão: o sujeito histórico
revolucionário que hoje se tornou principal pauta das discussões marxistas. Nesse intento,
foram expostos distintos conceitos em relação às teses apresentadas por Netto e Iamamotto -
teóricos do serviço social -, radicalmente distintas às de Moishe Postone. Se para Postone, o
sujeito revolucionário não existe, quer dizer, não tem consciência e se revela como o próprio
capital, para Netto (1981), o sujeito revolucionário se apresenta como a classe trabalhadora
e/ou o surgimento de possíveis novos movimentos sociais, afirmando seu papel político. Mas
este autor não expõe e nem discute, nas obras aqui examinadas, a maneira de como esse
sujeito poderia se tornar revolucionário. Iamamoto (2011), por outro lado, afirma a
centralidade da classe trabalhadora como o sujeito revolucionário histórico.
Se fosse possível elaborar uma comparação substantiva, a partir da crítica proposta por
Postone, diria que a tese teórica de Netto (1981), mesmo pertencendo ao marxismo
tradicional, tende a ser mais sensível às críticas elaboradas por Postone, reconhecendo a
implicação da reificação na vida social. Mas, por outro lado, as posições teóricas de Iamamoto
apresentam-se radicalmente pertinentes ao marxismo tradicional, com a posição de que os
sujeitos políticos de classe trabalhadora apresentam o potencial exclusivo de transformação.
63
Esse é um assunto que, a meu ver, merece ser aprofundado, pois compete como uns
dos temas inseridos nas discussões marxistas que ainda trazem rebatimentos dentro do meio
acadêmico, como também refletem no papel dos assistentes sociais, tanto quanto como nas
práticas políticas contemporâneas voltadas para impulsionar processos de transformação
social radicais.
15
Para maior aprofundamento vide Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma interpretação
histórico-metodológica e Serviço Social em tempos de Capital Fetiche: Capital financeiro, trabalho e “questão
social”.
64
O Serviço Social enquanto profissão emergiu, de acordo com Netto (2005) na fase
histórica do capitalismo maduro - capitalismo monopolista. O salto à profissionalização
carrega fortes marcas do filantropismo que são pertinentes desde sua origem. Esses sinais, que
não se devem menosprezar, manifestam-se até hoje na falta de clareza ou desconhecimento da
identidade profissional por parcela dos próprios assistentes sociais e pela maioria de seus
usuários. Entretanto, nesse estudo, o interesse é refletir o Serviço Social epistemologicamente
a partir da nova orientação que se alcançou com o movimento de reconceituação. Nesse
sentido, o que interessa é compreender a contribuição da corrente de intenção de ruptura –
que se tornou hegemônica e norteou a produção teórica pela opção marxista.
Essa inflexão teórica permitiu compreender a necessidade da profissão na divisão
social do trabalho como uma nova determinação imposta pela sociabilidade do capital. Nessas
circunstâncias, os enfrentamentos da problemática engendrada pelo capital começaram a ser
encarados segundo as críticas contidas na tradição marxista. As mazelas sociais são
compreendidas como parte imanente da produção capitalista, provocando uma postura
profissional diferenciada das atitudes anteriores de matriz conservadora. O novo
conhecimento produzido no interior da academia necessariamente repercutiu na prática. Para
tanto, foi fundamental a revisão dos três pilares da profissão: código de ética; grades
curriculares e lei de regulamentação da profissão.
O novo currículo inspirado nessas transformações intencionou pensar a prática
profissional de acordo com os parâmetros ideo – políticos acolhidos pela tradição marxista. A
instrumentalidade é uma condição necessária para todo trabalho social. No contexto da
66
16
Neste caso, consideramos os profissionais comprometidos com o projeto ético político profissional
hegemônico.
67
da categoria torna-se suscetível das críticas endereçadas à tradição marxista. Tome-se a título
de ilustração a passagem acima citada de Lessa “a história humana é resultado exclusivo das
ações dos homens em sociedade”, referencia a idéia que vigora na profissão e baliza a prática
profissional. Essa passagem considerada em si mesma é um truísmo. O trabalho inclusive é
momento dessa autoconstrução da humanidade. No entanto, na crítica aos teóricos do
marxismo tradicional, Postone (2003) argumenta que o trabalho é tratado por eles como
transhistórico, ou melhor, eles não o distinguiam como uma atividade socialmente mediadora
historicamente específica ao modo de produção capitalista. A questão é, nesse caso, as ações
dos homens, subordinadas a este tipo particular de trabalho, plasmam formas de prática social
quase independente dos próprios homens. Desse modo pode se dizer, que os homens, nesse
caso específico, têm uma estrutura social que é “resultado exclusivo das ações dos homens”
mas que os domina.
Nesse sentido, a prática social condicionada pela produção de valor e, por conseguinte,
do trabalho abstrato condiciona os comportamentos dos sujeitos. O trabalho do assistente
social, é claro, não foge a essa regra. As polêmicas sobre autonomia relativa talvez tenham aí
sua origem. Em particular quando se baseiam na idéia propositiva de que o sujeito faz sua
própria história. Todavia, independentemente da posição crítica do profissional, em geral, o
que ocorre na prática é a sua submissão involuntária e às vezes inconsciente aos imperativos
do capital coagidos por um sistema impessoal e quase autônomo.
críticos sobre a sociedade capitalista. Muito embora, há autores, dentre eles Postone (2003),
que ofereça outro tipo de análise sobre as categorias marxianas, com menor ênfase na
exploração. Tudo indica que, em certa medida, a categoria profissional absorve as
interpretações dos marxistas tradicionais, quando enfatiza as explicações acerca do
pauperismo a partir da análise da exploração. Assunto que consiste na formação acadêmica
dos profissionais.
As críticas direcionadas ao marxismo tradicional possibilitam repensar algumas
compreensões sobre a “questão social” e talvez considerá-las nas discussões acerca desse
assunto Desta maneira, podemos destacar algumas considerações:
Primordialmente, é preciso ilustrar por que a categoria profissional acolhe a
exploração do trabalho como a principal categoria capaz de responder o que corresponde ao
objeto profissional – a “questão social”. Resumidamente, porque a ‘“questão social” é
provocada pela extração de mais-valor e o pauperismo é a consequências dessa exploração
refletidas nas mazelas sociais. O apêndice à terceira edição do livro Capitalismo Monopolista
e Serviço Social de José Paulo Netto, por sinal bem conhecido na categoria profissional,
expõe nas Cinco notas a propósito da “questão social” tal explanação.
Segundo Netto (2005), a expressão “questão social”, pelo que tudo indica, tem data
recente no século XIX, no entanto tal expressão surge para dar conta do fenômeno de
pauperismo vivenciado na Europa no século XVIII cujo resultado foi o processo de
pauperização massiva da população trabalhadora. Se antes, a população em geral vivenciava a
pobreza por razão de escassez produtiva, no século XIX, o pauperismo emerge como um
fenômeno novo precisamente porque produzia riqueza pelas mesmas condições que
propiciavam os seus supostos. (NETTO, 2005, p. 154) O início desta nova configuração da
pobreza iniciou-se pela instauração do capitalismo em seu estágio industrial – concorrencial
com o surgimento de uma dinâmica da pobreza radicalmente nova que, então, se generalizava.
Em oposição à escassez “pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão
direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas.” (NETTO, 2005, p. 153).
Esta nova “pobreza” agora aparece vinculada, de modo contraditório, pelo aumento da
capacidade de produzir riquezas, uma característica própria modo de produção capitalista.
Além do mais, de acordo com Netto (2005), o pauperismo pela expressão “questão social”
tem uma relação diretamente com os desdobramentos sócio-políticos da época. Por mais que
os pauperizados fossem tratados como “vítimas do destino” para a ordem burguesa, estes não
se conformaram com a sua situação e, já nas primeiras décadas até a metade do séc. XIX, o
protesto tomado pela mais diversa formas culminou na transformação do pauperismo em uma
69
“questão social”. Nesse caso, todas as correntes do pensamento sejam eles conservadores ou
não resolveram questionar o surgimento desta última.
Deixando de lado, as concepções conservadoras e considerando as marxistas, o marco
histórico em 1848 revelou que as expressões da “questão social” estariam vinculadas à ordem
burguesa. Nessas circunstâncias, o fenômeno do pauperismo não podia ser “considerado
mais” como natural.
Uma das resultantes de 1848 foi a passagem, em nível histórico-universal, do
proletariado da condição de classe em si a classe para si. As vanguardas
trabalhadoras acederam, no processo de luta, à consciência política de que a
“questão social” está necessariamente colada à sociedade burguesa: somente a
supressão desta conduz à supressão daquela. (NETTO, 2005, p. 156)
O exame da “questão social” obteve, pela linha marxista, uma compreensão mais
rigorosa. A partir das análises de O Capital foi possível explicar a razão deste fenômeno e as
suas manifestações imediatas. Segundo Netto (2005), a análise marxiana da lei geral da
acumulação capitalista, no capítulo XXIII, desvenda o que constitui a “questão social”, sua
complexidade e seu caráter preciso no desenvolvimento capitalista em todos os seus estágios.
De acordo com Netto (2005), a teoria marxiana foi capaz de revelar que a “questão social”
está elementarmente determinada pelo traço próprio e peculiar da relação capital/trabalho – a
exploração.
A exploração, todavia, apenas remete à determinação molecular da “questão social”;
na sua integralidade, longe de qualquer unicausalidade, ela implica a intercorrência
mediada de componentes históricos, políticos, culturais etc. sem ferir de morte os
dispositivos exploradores do regime do capital, toda luta contra as manifestações
sócio-políticas e humana (precisamente o que se designa por “questão social”) está
condenada a enfrentar sintomas, consequências e efeitos. (NETTO, 2005, p. 157)
Pela análise teórica de Marx, para Netto (2005) os problemas sociais estão vinculados
exclusivamente a sociabilidade fundada no capital (NETTO, 2005, p. 158) A partir desta
mesma análise, o autor afirma ainda: “porém, não se pode derivar o imobilismo sócio-político
70
Nesse sentido, apesar das novas expressões da “questão social” que têm suas raízes na
exploração, Netto (2005) assegura que, ainda sob as formas contemporâneas da “lei geral de
acumulação”, é preciso considerar a complexa totalidade dos sistemas de mediações em que
ela se realiza. (NETTO, 2005, p. 161)
Se a lei geral opera independentemente de fronteiras políticas e culturais, seus
resultantes societários trazem a marca da história que a concretiza. Isto significa que
o desafio teórico acima salientado envolve, ainda, a pesquisa das diferencialidades
histórico-culturais (que entrelaçam elementos de relações de classes, geracionais, de
gênero e de etnia constituídos em formações sociais específicas) que se cruzam e
tensionam na efetividade social. (NETTO, 2005, p. 161)
Em primeiro lugar, tal análise acaba por definir o valor somente como categoria de
mercado sem levar em conta seu caráter de elemento fundante do capital. Resulta dessa
posição que o fim da exploração é o fim do pauperismo e que a supressão da exploração se dá
pelo aproveitamento igualitário do modo industrial de produzir criado sobre o capital. Em
segundo, exploração não deve ser necessariamente sinônimo de pauperismo. A partir da teoria
marxiana, Heinrich (2008) mostra que a exploração, em outras palavras, a extração do mais-
valor não necessariamente causa redução no nível de vida dos trabalhadores, podendo, ao
contrário, elevá-lo. Como veremos adiante, que a exploração não reduz o nível de vida.
Nesse sentido, ela é importante porque está diretamente relacionada com o objeto
profissional e suas diversas manifestações. Por isso, analisá-la corretamente é condição para
uma prática adequada.
segunda ordem que tem agora como objetivo, não mais modificar a natureza, mas a
consciência de outros homens.
O desenvolvimento do trabalho implica uma crescente complexidade da divisão social
do trabalho, fazendo com que a atividade ideal-consciente deixe de ser inteiramente
subordinada à atividade prático-material e a atividade intelectual e dela se diferencie. (Marx e
Engels, 1977; Markus, 1974 apud Iamamoto: 2011; p.352) A necessidade da divisão do
trabalho é a principal contribuição para desenvolvimento do ser social, aprofundando a
dimensão universal do homem como ente genérico tornando-o um sujeito social e histórico.
Essa extensão genérica do ser social é pressuposta pela possibilidade e pela atividade coletiva,
de modo que “o próprio ato individual do trabalho [seja] essencialmente histórico-social”.
(IAMAMOTO, 2011, p. 353) Ainda de acordo com a autora, a historicidade humana
pressupõe um traço decisivo do gênero humano, da existência humana na sua genericidade.
Esta existência engloba, não somente a esfera econômica, mas a atividade vital completa
deste gênero, tais como, a ciência, a arte, a filosofia e a religião. “Por isso, a essência humana
na análise marxiana não se resolve em traços imutáveis e eternos, independentes do processo
histórico em curso, mas como um vir a ser das relações sociais entre indivíduos por eles
criadas ao longo do curso da história”. (IAMAMOTO, 2011, p. 353)
Para Postone (2003) essa análise do trabalho em geral muitas vezes tem se convertido
em uma concepção transhistórica do trabalho que impede apreender a forma de trabalho
específica da sociedade capitalista. Tal distinção é essencial para demonstrar que o marxismo
tradicional analisa a teoria do valor como uma teoria que explica que a riqueza social seria
criada pelo trabalho em qualquer lugar e tempo e que, no capitalismo, esta riqueza é
distribuída de maneira não consciente, “automático” e mediada pelo mercado.
Sob essa ótica, o trabalho seria comum em todos os tipos de sociedade dado seu
caráter ontológico constituinte do ser social. Em consequência, o caráter específico do
trabalho, na sociedade capitalista, seria simplesmente obscurecido. Daí a importância de
autores como Postone que insiste nessa necessidade de dar conta das diferenças da forma de
trabalho nas diversas formações sócio-econômicas.
74
Como vimos, a dinâmica do sistema capitalista é regida por leis impessoais que
subordinam todos os indivíduos. A forma da produção da riqueza não é determinada a uma
pessoa ou a um grupo de pessoas; ela coage os trabalhadores como os capitalistas. Por essa
razão, a constatação das mazelas sociais não pode dar ensejo a críticas de ordem moral.
Heinrich (2008) enfatiza com base na teoria marxiana, a impessoalidade deste sistema e de
suas leis que têm a mesma característica. Por esse motivo, a extração de mais-valor do
trabalho independe dos capitalistas individuais, que na análise de corte moral, são muitas
vezes acusados pessoalmente pela exploração do trabalho.
as leis imanentes do capital, como a tendência a prolongar a jornada de trabalho
laboral e o desenvolvimento da força produtiva, são independentes da vontade dos
capitalistas individuais. Impõem-se frente a eles como leis coercitivas da
competência. (HEINRICH, 2008, p. 119)
se o nosso trabalhador pode comprar hoje com 40 euros os mesmos meios de vida de
antes com 80, então agora tem a disposição 60 euros, podendo aumentar em 50% a
quantidade de meios de vida. Dito em termos usuais hoje: os salários nominais (isto
é, dinheiro expresso em salário) caíram em 25% (de 80 para 60 euros), os salários
reais (isto é, os salários expressos em poder aquisitivo) aumentaram em 50%
(podendo comprar em 50% mais bens). (HEINRICH, 2008, p. 129)
Concluiu, portanto, que o aumento das forças produtivas permitiu uma elevação do
nível de vida da classe trabalhadora que acompanhou um incremento de mais-valor de modo
que apropriado pelo capital. Dessa forma, dado que a diminuição do valor da força de trabalho
e o acréscimo do mais-valor produzido pela força de trabalho individual mostraram que houve
crescimento da taxa de mais-valor, segue-se que teve lugar um aumento da exploração, mas
não necessariamente um decréscimo do nível de vida da classe trabalhadora.
...a exploração não tem referência a condições especialmente ruins e miseráveis, sim
ao estado de coisas no qual os trabalhadores e trabalhadoras criam um valor maior
76
do que recebem em forma de salário. O grau da exploração não se mede pelo nível
de vida, sim pela taxa de mais-valor. (HEINRICH, 2008, p. 130)
O autor defende que a noção de proletariado surgiu antes da era cristã vinculada à
sociedade romana. Ela referia-se a um grupo amplo, formado por homens livres, cidadãos
pobres designados proles, que poderiam servir ao império como soldados. A expressão
“proletariado” ressurge no final do século XVIII e início do século XIX, presente na formação
pré-capitalista da sociedade moderna. De acordo com os autores da época o proletariado
formava “o nível mais baixo, o estrato mais profundo da sociedade”, que consistia em quatro
grupos: “os trabalhadores, os mendigos, os ladrões e as mulheres públicas”. (LINDEN, 2014,
p. 58)
Segundo o autor, entre os trabalhadores (os novos trabalhadores sob jugo do
capitalismo) e o “nível mais baixo” da camada social, os trabalhadores comunistas já
“organizados” de Londres optaram por se chamar proletários e diferenciar-se do denominado
lupemproletariado17. A despeito dessa diferenciação, estes “trabalhadores comunistas”
acreditavam que esta classe, considerada a mais baixa da antiga sociedade, poderia ser
arrastada ao movimento por uma revolução proletária. No entanto, seu nível de sobrevivência
a tornaram mais um instrumento de intriga reacionária. (LINDEN, 2014, p. 59)
Linden (2014) observou que Marx fizera algumas distinções consideráveis sobre o
proletário, tais como: o escravo não poderia pertencer ao proletariado, pois não é proprietário
da sua capacidade de trabalho, em outras palavras, não é trabalhador livre; e, pela separação
do proletariado da pequena burguesia, em que o primeiro possui somente a sua força de
trabalho para vender, sem possuir propriedade privada ou quaisquer meios de produção.
Segundo Linden (2014), estas duas definições ficaram cada vez mais distintas nas formas
sociais demarcadas como capitalistas, onde a luta de classes foi intensificada principalmente
entre capitalistas, proprietários de terras e assalariados. Na tentativa de definir com a maior
precisão possível a natureza histórica e os limites sociais do proletariado, Marx, em O
17
Ver descrição de lupemproletariado em Marx.
78
Capital, definiu o puro proletariado como o trabalhador que “como um homem livre pode
dispor de sua força de trabalho como sua própria mercadoria” e, “por outro lado, não tem
além desta outra mercadoria para vender” (MARX, 1980, p.188-189). As consideradas classes
intermediárias – entre a classe trabalhadora e burguesa - se enfraqueceriam e finalmente
desapareceriam com o desenvolvimento moderno das indústrias. O autor sublinha que Marx,
em seus últimos escritos, buscou fundamentar esta tese no sentido de que para o autor, o
contínuo processo de acumulação do capital implicaria um crescente número de homens
duplamente “livres”, tanto em termos absolutos como relativos. Isto porque quanto maior o
capital, maior o contingente de trabalhadores necessários, pois, de acordo com Marx, a
acumulação de capital é sinônimo de incremento do proletariado.
Segundo Linden (2014), a categoria escravo foi abolida da análise teórica de Marx,
pois a sociedade moderna não compreendia mais essa velha categoria. Dessa maneira, ele
afirma que Marx descuidou desse assunto. Linden insiste que “a história tem dado muitos
exemplos em que a força de trabalho é oferecida no mercado não pelo trabalhador que a
possui. O trabalho infantil, em que os pais ou os tutores recebem os salários das crianças, é
um exemplo claro disso”. (LINDEN, 2014, p. 64) Segundo ele, esta outra forma de trabalho
que tem sido desprezada na teoria marxiana produz valor, mas não cabe na teoria do valor,
pois os escravos consistem no capital fixo e somente o capital variável é capaz de criar valor.
Preocupado com o crescimento do lupemproletariado e da escravização (que nunca foi
abolida) e de outras formas de trabalho na sociedade moderna, Linden (2014) argumenta que
é preciso, portanto, ampliar a teoria de valor de tal modo que ela seja também adequada para
dar conta dessa “novidade”.
As preocupações de Linden (2014) que, no fundo faz uma crítica à teoria marxiana ao
tratamento restrito do proletariado elaborado por este, se vincula às seguintes questões: o
proletariado como sujeito revolucionário; a ênfase da teoria do valor limitada à exploração do
trabalho; e a problemática crise do marxismo que, de certa maneira, tem sido incapaz de
fornecer respostas convincentes.
A teoria do valor, em uma análise precisa, prevê que a dinâmica do capital implica a
redução do proletariado. A fase histórica, em que a acumulação capitalista necessitava de um
número crescente de produtores diretos, pode ter dificultado a compreensão daquela
tendência. Fase essa que não refutou a legalidade tendencial descoberta por Marx. A contra
face dessa tendência é o aumento do lupemproletariado, ou melhor, dos descartáveis para o
capital. É possível que outras categorias como a escravidão possam subsistir historicamente,
mas não são produtos específicos, quando pressionadas as reprimem por meio da legislação.
79
pelo surgimento do capital financeiro, ocorrido pela fusão entre capital bancário e capital
industrial. Neste processo, a fusão entre capitais já não dá conta da forma atual de
concentração, que “decorre e impulsiona o crescimento de todas as formas de capital,
pornograficamente entrelaçadas” (FONTES, 2010, p. 198 apud MATTOS, 2014, p. 85).
Enfim, o autor, usando o argumento de Fontes, expõe que uma das características do processo
de expansão capital-imperialista é uma tendência a opor de forma direta a propriedade
capitalista ao conjunto da humanidade a imposição e sobreposição da forma de extração de
mais-valor. Isto resulta em fases expropriatórias, entendidas pela autora como “primarias”,
aquelas que separam o homem da terra, coagindo a venda da sua força de trabalho no mercado
para garantir a sobrevivência como consumidor neste mesmo mercado, e “secundárias”, na
medida em que até os “direitos”, já conquistados por meio de lutas sociais são também
desapropriados. (FONTES, 2010, p. 198 apud MATTOS, 2014, p. 85)
O autor também recorre a Antunes para discutir a nova morfologia da classe
trabalhadora. Antunes propõe uma ampliação do conceito de classe, denominando-o como
“classes-que-vive-do-trabalho”, que se justifica com base na seguinte pergunta: “afinal, não
viveriam todas as classes “do trabalho”, sendo que umas viveriam da exploração do trabalho
de outras?”. (MATTOS, 2014)
De acordo com Badaró, Antunes, no esforço de criticar aqueles que defendem o fim da
classe definiu como noção ampliada da classe trabalhadora, “a totalidade daqueles que
80
vendem sua força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos”
(MATTOS, 2014, p. 89), mas englobando também, os trabalhadores improdutivos, além do
proletariado rural. Certamente o autor mantém-se amparado pela validade analítica conceitual
de Marx. De acordo com Antunes (1995), a nova morfologia abrange uma diminuição da
classe operária industrial tradicional. Mas, de outro lado, ocorre uma expansão do trabalho
assalariado no setor de serviços.
No entanto, segundo Badaró (2014), Marx nem sempre foi sempre preciso em sua
terminologia sobre proletariado e classe trabalhadora. Marx afirma, por exemplo, que por
“proletariado podemos entender todos aqueles que nada possuem, ou melhor, não possuem
outra forma de sobreviver, numa sociedade de mercadorias, do que vender, como tal, a sua
força de trabalho” e identifica classe trabalhadora “ao conjunto daqueles que vivem da venda
da sua força de trabalho, quase sempre em troca de um salário” (MATTOS, 2014, p. 90);
Na citação mais acima, o autor indica que a associação do conceito de proletariado
com o de classe operária pode ser entendida como um equívoco analítico marxista que, de
certa maneira, considera o proletário unicamente como trabalhador fabril. Se considerarmos a
proposição de Marx, podemos afirmar que o trabalhador é um proletário, mas um proletário
não é somente aqueles que compõem operariado.
Afinal, a redução do conceito de proletário à classe operária envolve outro erro: o de
compreender a classe operária como o sujeito revolucionário. E levando-se em conta que o
capital, em sua dinâmica imanente, reduz proporcionalmente o trabalho vivo em relação o
81
trabalho morto, seria possível afirmar que o sujeito revolucionário, visto como o operário,
tendencialmente desaparece. Dando margens às polêmicas em torno do “fim do trabalho.”
Antunes, na tentativa de dar resposta a idéia do fim do trabalho presente, por exemplo,
no Adeus ao proletariado, de Andre Gorz elabora o ensaio intitulado Adeus ao trabalho? No
capítulo As metamorfoses no mundo do trabalho, ele investiga a desproletarização do mundo
do trabalho a fim de responder aos que defendem o fim do trabalho.
De acordo com o autor, houve sim, no capitalismo contemporâneo, uma redução da
classe trabalhadora na indústria tradicional e, paralelamente, uma expansão do trabalho
assalariado, em especial no setor de serviços. (ANTUNES, 1995, p. 41). Desta maneira, o
autor ilustra que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado e,
por outro, cresce o subproletariado que resulta no assalariamento no setor de serviços e em
uma desqualificação nas relações de trabalho. Este processo de subproletarização se apresenta
nas formas de trabalho precário, parcial, temporário, subcontratado, “terceirizado”, vinculado
a economia informal dentre outras modalidade. (ANTUNES, 1995, p. 44)
O autor compreende que com o resultado dessas transformações no mundo do trabalho
tem-se uma dissolução da antiga classe trabalhadora e ampliação à classe-que-vive-do-
trabalho. Dito de outra maneira, este conceito torna a classe trabalhadora mais ampliada,
portanto permitindo reconhecer as constantes e significativas metamorfoses no mundo do
trabalho.
Além do resultado das transformações no mundo do trabalho, que encontra sua
ilustração na tendência da redução do trabalho vivo e o crescente acúmulo de trabalho morto
decorrente do desenvolvimento das forças produtivas, o autor aponta outra consequência na
constituição da classe trabalhadora. Numa dupla direção, a redução quantitativa do operariado
industrial tradicional provoca uma alteração qualitativa na forma de ser do trabalho, que, de
um lado, impulsiona a maior qualificação do trabalho e, de outro, a crescente desqualificação.
Este processo tipicamente capitalista resultou em uma complexificação, fragmentação e
heterogeneidade da classe-que-vive-do-trabalho. (ANTUNES, 1995)
Ao considerar as ponderações feitas sobre o proletariado, o primeiro capítulo dessa
dissertação, no esboço teórico proposto por Postone, contém outra interpretação polêmica,
mas considerável, sobre o sujeito revolucionário. Certamente, consiste em uma concepção,
razoavelmente justificável, que indica o lado teórico extremamente oposto da concepção
marxista tradicional. Neste caso, o sujeito histórico – revolucionário – não contempla o
proletariado – e nem o lupemproletariado, muito menos o escravismo – mas adequada ao
82
capital, em termos, da sua própria contradição que prescinde do trabalho vivo ao mesmo
tempo em que, este último, é imprescindível.
De alguma maneira, ao longo desse capítulo, foram abordadas algumas questões ideo-
políticas sobre a prática profissional. As intervenções profissionais concentram-se na
socialização das informações e na persuasão de que os direitos sociais foram resultados das
lutas sociais no capitalismo. Em alguns discursos que tem como o sujeito revolucionário
como aquele que pode transformar a sociedade, por vezes aparece como parte das práticas
interventivas, a sua intenção de potencializar a consciência de classe tendo em vista a
possibilidade da transformação social. Presume-se que tal ação ativaria em parte dos usuários
(que são em sua maioria proletários) a consciência para si e o reconhecimento de sua
potencialidade para alterar as circunstâncias sociais de sua vida.
A despeito disso, os resultados dos enfrentamentos produzidos pela prática
profissional têm revelado uma disparidade em relação à pretensão finalística da nossa prática
(emancipação social). A evidência deste fenômeno tem demonstrado vínculos com as
discussões acerca da morfologia do proletariado hoje e torna estas reflexões imprescindíveis a
categoria profissional. Se há uma redução do proletariado e estes são sujeitos históricos logo
na consciência pode implicar certo desapontamento destes proletários.
O público alvo do serviço social inclui os proletários, nas suas distintas qualidades, e o
lupemproletariado – os descartáveis para o capital – que cresce em consequencia da dinâmica
contraditória do sistema, que tende a converter a condição de proletário na de
lumpenproletariado.
As discussões sobre as novas características do proletariado expressam uma crise na
concepção de seu papel revolucionário como sujeito da história. Há marxistas que consideram
as crises cíclicas do capital como uma circunstância que pode ativar a consciência da classe
trabalhadora, que, com isso, pode realizar o seu papel revolucionário. Sob essa ótica, os
proletários seriam capazes de consumar seu potencial revolucionário como sujeitos históricos
que tomariam o poder e edificariam os alicerces necessários de outro tipo de sociedade. O
momento mais propício para concretização dessa possibilidade seria o período de crise. Em
83
Nesse sentido, alguns marxistas, vislumbrando apenas o lado destrutivo das crises
como uma ameaça à existência do capitalismo, acreditaram que ela conduziria a uma crise do
sistema político de modo que com “as dificuldades da reprodução econômica, as relações de
poder no âmbito político perde[riam] sua legitimação, e as pessoas começa[riam] a rebelar-
se”. De acordo com Heinrich (2008), “Marx generalizou precipitadamente este efeito e
esperou que com a próxima crise econômica se produzisse também a próxima revolução.” E
os eventos o refutaram.
No entanto, o movimento dos trabalhadores, segundo o autor, difundiu amplamente a
ideia de que as sucessivas crises levariam ao colapso do sistema capitalista. O mesmo autor
lembra que tais ideias foram retomadas por Kurz e seu grupo Krisis. Heinrich (2008), em
contraposição a esta opinião de colapso, recorda que Marx, no terceiro livro de O capital,
expõe os limites do modo de produção, mas não no sentido determinista. Limites derivados do
fato de que “o capital desenvolve as forças produtivas em maior medida que qualquer outro
modo de produção anterior, mas este desenvolvimento está a serviço unicamente da
valorização do capital”. Na leitura de Heinrich (2008), existe um claro conflito permanente
entre o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas e o fim limitado da produção
capitalista, tal como exposto por Marx, mas daí não pode se inferir com base em Marx
qualquer tipo de colapso.
Heinrich (2008), em suas pesquisas sobre o pensamento teórico de Marx, sustenta que
em uma passagem dos Grundisse, mas não de O Capital, encontra-se uma observação que
permite compreender melhor a teoria do colapso. Esta passagem expressa à importância
crescente da ciência na produção da riqueza em contraste com o trabalho imediato realizado
84
De acordo com o autor, ainda que renunciando todas as objeções pontuais que as
teorias do colapso possam ter não se escapa do problema fundamental que “indica uma
tendência inevitável do desenvolvimento ao qual o capitalismo não pode fugir e que é
impossível sua existência ulterior, independentemente do que possa passar no processo
histórico”. (HEINRICH, 2008, p. 180) O autor retrata que “na história do marxismo essas
tendências ao colapso se fundamentando através de distintos fatores. Geralmente tendo
supérfluo o trabalho na sua maior parte conduziria a ‘dissolução da substância do valor”.
(HEINRICH, 2008, p. 181)
Nesses termos as teorias sobre o colapso, segundo Heinrich (2008), tem tido
historicamente uma função exculpatória para a esquerda.
Não importava as terríveis que foram as derrotas atuais, o fim do inimigo era seguro
antes ou depois. A crítica à teoria do colapso não é em absoluto uma ‘capitulação
frente ao capitalismo, [...] pois a ausência destas certezas proféticas não faz melhor
ao capitalismo em nenhum sentido”. (HEINRICH, 2008, p. 181)
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho permitiu levantar algumas questões sobre o marxismo tradicional e, com
isso, permitiu também avaliar a sua influência na produção teórica do Serviço Social.
As considerações críticas ao marxismo tradicional propostas pelos autores analisados
no primeiro capítulo revelaram inconsistências interpretativas cujo impacto na prática não
pode ser subestimado. Talvez não seja exagero debitá-las ao menos em parte pelo fracasso do
socialismo realmente existente. Acreditamos que tais considerações não têm somente o
interesse de sublinhar as possíveis inflexões teóricas das correntes marxistas, mas, sobretudo,
ajustar a crítica à obra marxiana. Desta maneira, talvez um ajuste crítico marxista a obra de
Marx possa contribuir preciosamente para a finalidade que os marxistas carregam – a
superação da sociedade capitalista.
A obra marxiana, um legado para todos aqueles que realizam uma crítica social
distinta das teorias clássicas, possibilita análises, revisões e tendências processuais da
sociedade capitalista. A continuidade deste legado se expressa na tradição marxista que por
interesse de garantir a validade teórica marxiana produz e reproduz análises diversas acerca
dos contextos históricos capitalista. Por isso, não se isentam das críticas que são elaboradas
por outros autores.
Da crítica ao marxismo tradicional, podemos observar uma reinterpretação
considerável da teoria do valor que regula a dinâmica social de modo impessoal. Por essa
razão, sendo o valor, a natureza que específica a forma social capitalista e daí, a forma de
riqueza, a extração de mais-valor ou exploração, sendo também preciso para a produção de
capital deve ser analisada como um dos resultados daquilo que é entendido de sua natureza. E
o trabalho, aquele cuja função é a produção de valor, este também deve ser historicamente
específico e não entendido como aquele trabalho, que o marxismo tradicional prega como
comum a todas as épocas e lugares. Destas críticas, elaboradas ao longo desta dissertação,
produziram-se considerações sólidas em torno do marxismo tradicional que buscaram
compreender as causas do fracasso daquilo que foi a possibilidade de transformação histórica
do século XIX. E como vimos, tal compreensão tiveram uma interpretação da teoria do mais-
valor, mas aproximada da lógica do mercado.
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Nesse sentido, todo em vista que a produção teórica e metodológica do serviço social
tem como pressuposto a tradição marxista, as críticas pertinentes a esta tradição devem ser
bem-vindas e acolhidas, pois, se corretas, impõem atualização e revisão teórica do referencial
analítico da profissão. O serviço social quando intervém nas mazelas sociais produzidas pelo
capitalismo ativa o conteúdo teórico-metodológico que possui referencias no marxismo
tradicional. Convém dizer que nada impede que a nossa categoria aja conforme as críticas
realizadas a estes. Ademais, há, talvez, aqueles que defendam que estas mesmas críticas sejam
as mais coerentes. Mas o que importa nesse trabalho é demonstrar que a profissão tendo como
o pressuposto teórico também o do marxismo tradicional ela está diante da crítica efetuada a
este.
Como temos nas categorias, trabalho, “questão social” e políticas sociais os
fundamentos teórico-metodológicos e, como finalidade última, a emancipação social,
discorrer sobre o conceito de proletariado, analisar as manifestações da “questão social” e a
relação interventiva da prática profissional com seus usuários são discussões necessárias para
o alcance da finalidade posta – a emancipação social, obviamente, entendida em conjunto com
a sociedade.
Obviamente, o tratamento detalhado destas categorias não foi o objetivo deste
trabalho; no entanto, tem sido temas de diversas outras pesquisas na academia. O interesse
inicial está em mostrar como o serviço social também está exposto as críticas elaboradas pelos
autores examinados por possuir um projeto ético político claramente de inspiração marxista.
Estas críticas que têm no interior da tradição marxista refletem-se também nas categorias que
constituem a base teórica do Serviço Social.
Contudo, espero que tais contribuições teóricas possam fornecer novos subsídios a fim
de fortalecer o projeto profissional e sua permanência. Também acredito que estas mesmas
contribuições possam ser aprofundadas futuramente a fim de contribuir para o conhecimento
da categoria profissional.
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REFERÊNCIAS
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revista e ampliada. ed. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.
LUKÁCS, G. O Trabalho. In: LUKÁCS, G. Para uma Ontologia do Ser Social. [S.l.]: [s.n.],
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II, 1982.
MARX, K. O Manifesto Comunista. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2004.
______. Crise Estrutural do Sistema do Capital. In: MÉSZÁROS, I. Para Além do Capital.
São Paulo: Boitempo Editorial, 2002. p. 605-970.
______. Ensaio sobre temas relacionados. In: MÉSZÁROS, I. Para Além do Capital. São
Paulo: Editora Boitempo, 2002. p. 983-1090.
______. Capitalismo e Reificação. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1981.
______. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 4ª edição. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
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