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BREVE ENSAIO SOBRE A ORIGEM DOS CONCEITOS DE

EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO DE TEMPO INTEGRAL

Mary Lúcia Medeiros Baldança1 - PUCPR


Maria Elisabeth Blanck Miguel2 - PUCPR

Grupo de Trabalho – História da Educação


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Inserido na linha de pesquisa História e Políticas da Educação, objeto do presente estudo é


compreender como historicamente os conceitos de educação integral e de tempo integral
influenciaram as políticas públicas educacionais. Para tanto, fez-se necessário inicialmente
recorrer às obras de Anísio Teixeira. A partir desse primeiro referencial, foi possível a análise
do desenvolvimento desses conceitos e entender a trajetória das políticas para a escola de
tempo integral ao longo da historiografia da educação brasileira. Durante a leitura das obras
de Anísio Teixeira: Educação não é privilégio (1957), Educação é um direito (1967) e
Educação no Brasil (1976) a pesquisa foi apontando para outros referenciais que embasaram
seu pensamento e atuação na educação do país, como Azevedo (1976), Carvalho (1989) e
Nagle (1974) que explicam e esclarecem o contexto de organização do trabalho nacional no
início do século XX, preponderante às políticas educacionais do período. A leitura desses
clássicos foi fundamental para os objetivos da pesquisa. Eles revelaram visões de mundo,
contextos históricos, políticos e econômicos que estão na origem das concepções de educação
integral e educação em tempo integral. Por conta disso, foi imprescindível também o estudo
das obras de John Dewey, enquanto um importante referencial para o este estudo, devido ao
seu aprofundamento nas questões liberais e suas teses filosóficas e educacionais às quais
influenciaram o pensamento de Anísio Teixeira. Nessa direção, o presente trabalho pretende
também contribuir e elucidar a diferença entre os conceitos de educação integral e educação
de tempo integral em Anísio Teixeira, e estabelecer relações com as políticas educacionais
que se traduzem atualmente e entender a função da escola de tempo integral atual.

Palavras-chave: Educação integral. Educação de tempo integral. Anísio Teixeira.

1
Pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Atua como Coordenadora em uma escola de tempo
integral. Mestranda em História e Políticas da Educação. E-mail: marylucia@hotmail.com
2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Mestrado e Doutorado - PUCPR. E-mail:
maria.elisabeth@pucpr.br

ISSN 2176-1396
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Introdução

Consideramos oportuna a discussão sobre os conceitos de educação integral e


educação de tempo integral, uma vez que este assunto tem aquecido os debates em torno da
educação pública. A reflexão sobre esse tema tem possibilitado rediscutir momentos
importantes da historiografia brasileira e ajudado a entender como esses conceitos se
constituíram e quais os reflexos nas políticas educacionais mais recentes.
Para tanto, o objeto estudado exigiu que a focalização inicialmente, se concentrasse na
década de vinte, no qual o país sofre as influências da doutrina liberal e da política que
privilegia a organização do trabalho nacional, baseado no modo de produção capitalista.
Nesse cenário foi possível interpretar como esses conceitos foram tecidos, qual a função e
seus significados para a educação brasileira. Na década de vinte inicialmente, apareceram as
primeiras disputas a respeito da escola e qual sua função na sociedade. Portanto, a educação
situa-se em um projeto de nacionalidade, e por conta disso, as reformas da educação pública
das décadas de vinte foram palco para a reorganização da educação no Distrito Federal e nos
estados. Depois de analisarmos esse momento histórico, nos aprofundamos em algumas das
obras de Anísio Teixeira, buscando a gênese dessas concepções, onde elas estavam
fundamentadas, em quais visões de mundo e em que contexto histórico, político e econômico
elas aparecem. Suas obras foram consideradas fontes primárias, preservando a importância do
pensamento, da atuação e o alcance do legado desse reformador. Ao estudarmos essas obras
tomamos o cuidado de destacar o caráter democrático do seu pensamento, enquanto alguém
que se preocupava em defender uma escola pública, laica e gratuita. Destacamos também,
como ele idealizou uma escola moderna pautada no método experimental e que tivesse a
função de formar integralmente o indivíduo, habilitando-o para o trabalho e para uma
sociedade democrática. No decorrer da interpretação de suas obras identificamos que suas
ideias filosóficas e pedagógicas estavam fundamentadas nos ideais da Escola Nova e no
pensamento do filósofo norte-americano John Dewey. Desse modo, ampliamos a
interpretação da pesquisa para que fosse possível esclarecer as origens das concepções de
Anísio Teixeira. Em torno das proposições de Dewey, salientamos questões de ordem
filosófica, com particular atenção às reflexões sobre os elementos do liberalismo: liberdade,
as capacidades inerentes aos indivíduos e a função central da inteligência. Esses elementos
por sua vez, constituíram-se em fundamentos essenciais para formular suas teses em torno da
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educação tomando a democracia como pressuposto para a construção de uma sociedade mais
justa.
Diante disso, tentamos construir um aporte teórico que viesse a contextualizar e
ampliar as formulações acerca da educação integral e de tempo integral, entendendo que são
concepções historicamente construídas e que influenciam as propostas e políticas
educacionais no presente.

Breve Ensaio Sobre a Origem dos Conceitos de Educação Integral e Educação de Tempo
Integral

Entre os diversos temas que a educação evoca, a reflexão sobre a educação integral e
de tempo integral faz-se urgente diante das mudanças estruturais que ocorrem na sociedade.
Repensar a escola e garantir que o conhecimento bem como o saber sistematizado seja a
justificação da sua existência, passa pela discussão do que vem a ser educação integral e
consequentemente qual a função da escola de tempo integral ao longo da história. Na
trajetória dessa discussão foi necessário contextualizar o seguinte problema de pesquisa:
Quais os significados dos conceitos de educação integral e de educação de tempo integral, na
educação brasileira, a partir de Anísio Teixeira e como suas propostas integraram as políticas
públicas educacionais? Para atingir o objetivo principal de analisar como esses conceitos
estão presentes no pensamento educacional brasileiro, como influenciaram a escola de tempo
integral atual e as políticas públicas, foi indispensável recorrer aos textos de Anísio Teixeira e
aos seus fundamentos.

Metodologia

A pesquisa de cunho histórico e documental procurou nas obras desse autor,


manifestos, textos, propostas e leis educacionais, compreender tais conceitos. Essas fontes de
pesquisa foram contextualizadas e relacionadas com as transformações que
aconteciam/acontecem na sociedade e que faziam/fazem com que a educação desejada
fosse/seja “integral” ou “escola de tempo integral”. Por esse caminho, a metodologia baseou-
se investigação histórica que contou inicialmente com as obras de Anísio Teixeira: Educação
não é privilégio (1957), Educação é um direito (1967) e Educação no Brasil (1976), enquanto
fontes primárias, que permitiram uma aproximação inicial desses conceitos.
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Referencial Teórico

Após termos nos aproximado das obras de Anísio Teixeira enquanto fontes
bibliográficas primárias, o objeto de estudo exigiu maior ênfase na década de vinte, por conta
do cenário político, econômico e das reformas da instrução pública que estavam ocorrendo no
Distrito Federal e em alguns estados. Para tanto, com o intuito de contextualizar o período
estudado, contamos com referências da historiografia da educação brasileira como: Azevedo
(1976), Azevedo et al. (2006), Carvalho (1989), Nagle (1974) e Souza (1998) para nos
aproximarmos e analisarmos as reformas de vinte. Além de Mendonça (2008) e Paro et al.
(1988) que possibilitaram a realização de um diálogo com as ideias de Anísio e com as
questões referentes à educação de tempo integral.

A Origem dos Conceitos de Educação Integral e de Tempo Integral

Para endossar a intenção do objeto investigado, encontramos em Brandão e Mendonça


(2008) no livro Uma tradição esquecida – Por que não lemos Anísio Teixeira? - a referência à
importância de revisitarmos esse educador:

porque não lemos Anísio Teixeira é uma questão que, cada vez mais
frequentemente, vimos nos colocando. Desde nossas pesquisas de doutoramento, no
Programa de Pós-Graduação em Educação na PUC-RIO, o pensamento de Anísio
Teixeira tem se afigurado como uma fonte que precisa ser retomada. O Programa de
pesquisa [...] reforça o sentimento de que o pensamento e a atuação de Anísio
Teixeira não encontram entre as gerações de educadores, formadas pelos cursos de
pós-graduação, o interesse compatível com a importância de sua obra (BRANDÃO;
MENDONÇA, 2008, p. 219).

Por conta disso, percebemos a valiosa contribuição de suas obras e entendemos que
seus fundamentos políticos e filosóficos são imprescindíveis ao propósito da pesquisa.
Mas, antes do estudo das obras propriamente ditas, faz-se necessário um recorte
histórico das primeiras décadas do século XX, pois foram momentos importantes que
constituíram contextos determinantes, no que diz respeito à organização socioeconômica
brasileira.
A educação integral e a de tempo integral se apresentam diferentemente em
determinados períodos históricos: ora aparecem como opção de formação integral para os
filhos de famílias mais abastadas, ora apresentam-se como preparação da população para o
trabalho. Não se pode ignorar a História do pensamento educacional no Brasil no início do
séc. XX, circunscrito em uma política de organização do trabalho nacional baseado no modelo
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de produção fabril que via na educação o caminho para responder aos anseios sociais. As
reformas educacionais foram acontecendo em esferas estaduais e no governo federal
alimentando o ideário republicano de que a escola era a ponte para o progresso. O conceito de
educação também se modificava, valorizando a formação e o preparo para o mercado de
trabalho. Nagle (1974, p. 125) afirma:

a crença nos poderes da escolarização difundiu-se amplamente no período, o que se


demonstra pela ocorrência de várias iniciativas e reformas, dos Governos Federal e
Estadual, no campo da escolarização; durante todo o período da história brasileira,
até 1930, não se encontra outra etapa de tão intensa e sistemática discussão,
planejamento e execução de reformas da instrução pública.

A educação recebe significados diferentes no decorrer da história da educação


brasileira e parece modificar-se de acordo com os interesses do Estado. Passaria por um plano
de sociedade, que estava inserida no movimento de modernização no início do século XX.
Nesse sentido, Carvalho (1989, p. 17) completa: “É neste quadro que a educação
ganha estatuto de peça fundamental de uma política de valorização do homem como fator de
produção e de integração nacional.”
É nesse projeto de nacionalidade que o modelo republicano reconhecia na escola o
instrumento a serviço da formação do homem, capaz de colaborar para o desenvolvimento da
sociedade.
A concepção de educação no período republicano trazia na sua base de sustentação os
ideais do liberalismo que proclamava uma escola para todos. Nos anos finais do século XIX
por volta de 1890, na primeira reforma da instrução pública no Estado de São Paulo, o termo
educação integral era empregado para destacar as mudanças anunciadas por Gabriel Prestes.
Conforme Souza (1998, p. 31):

em realidade, na origem da escola graduada encontra-se um processo de profundas


transformações sofridas pela escola primária: da existência de um conjunto de
escolas sem uniformidade para um sistema mais ordenado, estandardizado e de
caráter estatal de uma escola de ler-escrever-contar para uma escola de educação
integral com um programa enriquecido e enciclopédico; de acesso restrito para uma
de acesso obrigatório, generalizado e universalizado.

É imprescindível realizar essa leitura histórica para reconstituir a intencionalidade com


que a escola foi organizada.
Num outro momento da historiografia educacional o Manifesto dos Pioneiros da
Educação, em 1932, apresentou à sociedade nova diretrizes de uma política escolar, baseada
em novos ideais pedagógicos e pensada para uma civilização urbano-industrial. Assim em
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Azevedo (1976, p. 17) encontramos a referência à importância de elucidar essa política


educacional:

a defesa do principio de laicidade, a nacionalização do ensino, a organização da


educação popular, urbana e rural, a reorganização da estrutura do ensino secundário
e do ensino técnico e profissional, a criação de universidades e de institutos de alta
cultura, para o desenvolvimento dos estudos desinteressados e da pesquisa científica,
constituíam alguns dos pontos capitais desse programa de política educacional, que
visava fortificar a obra do ensino leigo, tornar efetiva a obrigatoriedade escolar, criar
ou estabelecer para as crianças o direito à educação integral, segundo suas aptidões,
facilitando-lhes o acesso, sem privilégios, ao ensino secundário e superior, e alargar,
pela reorganização e pelo enriquecimento do sistema escolar, a sua esfera e os seus
meios de ação.

Desde o início do século XX, tal modelo esteve sempre atrelado a projetos de
sociedade mais amplos, que conferiam à escola, a função social de preparar o indivíduo para o
trabalho.
A questão da organização do trabalho nacional permeia o conceito de educação
integral a ser discutido e permite interpretar com rigor, as políticas públicas vinculadas a ela.
A industrialização influenciou a educação daquele momento histórico. Tais ideias
condensavam atitudes políticas, que percebiam a necessidade de organizar o trabalho
nacional, uma vez que a população configurava homens livres pós-abolição, empobrecidos
sem escolarização e condições de se inserirem no mundo do trabalho.
É a partir desse contexto que Anísio Teixeira e outros reformadores da época,
escreveriam quais as intenções e o papel da educação num Estado democrático.
Em “Educação não é privilégio” (1957), podemos ressaltar os elementos essenciais da
conjuntura política e econômica do início do século XX. Na referida obra, o autor buscou nos
princípios liberais todo o seu fundamento para imprimir à escola pública o papel de formação
do indivíduo para o trabalho. Analisou que uma nova filosofia do conhecimento se instaurou e
o pensamento racional foi submetido à comprovação científica através dos métodos
científicos, à pesquisa e à tecnologia, esta entendida aqui como ferramenta que dará suporte
ao novo modelo industrial da época. Nesse título, fez também uma análise da finalidade da
escola enquanto instituição que tinha sua função bem definida em uma sociedade que se
organizava para um modelo industrial. Por conta disso, Anísio Teixeira iria defender uma
escola de tempo integral, com vistas ao mundo do trabalho. Assim, afirmava Teixeira (1957,
p. 49):
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a sua finalidade é, como diz o seu próprio nome, ministrar uma educação de base,
capaz de habilitar o homem ao trabalho nas suas formas mais comuns. Ela é que
forma o trabalhador nacional em sua grande massa. É pois uma escola, que é o seu
próprio fim e que só indireta e secundariamente prepara para o prosseguimento da
educação ulterior à primária. Por isto mesmo, não pode ser uma escola de tempo
parcial, nem uma escola somente de letras, nem uma escola de iniciação intelectual,
mas uma escola sobretudo prática, de iniciação ao trabalho, de formação de hábitos
de pensar, hábitos de fazer, hábitos de trabalhar e hábitos de conviver e participar
em uma sociedade democrática, cujo soberano é o próprio cidadão.

Para o autor, por uma escola primária, entendia-se uma escola de dias letivos
completos. Esse modelo de escola pública que permitiria sem privilégios o acesso a uma
educação integral, que possibilitasse ao aluno uma formação que lhe garantisse a emancipação
pelo trabalho produtivo. A defesa de que a escola não poderia ser privilégio de poucos, foi
sempre destaque nas discussões políticas de Anísio Teixeira. A marcha da democracia por
uma escola pública, universal e gratuita, embasou a concepção de educação integral
encampada pelo reformador:

as democracias, porém, sendo regimes de igualdade social e povos unificados, isto é,


com igualdade de direitos individuais e sistema de governo de sufrágio universal,
não podem prescindir de uma sólida educação comum, a ser na escola primária, de
currículo completo e dia letivo integral, destinada a preparar o cidadão nacional e o
trabalhador ainda não qualificado e, além disto, estabelecer a base igualitária de
oportunidades, de onde irão partir todos, sem limitações hereditárias ou quaisquer
outras, para os múltiplos e diversos tipos de educação, semi-especialização e
especializada, ulteriores à educação primária (TEIXEIRA, 1957, p. 124).

A democracia aparece como mais um elemento precioso nas obras de Anísio Teixeira.
Nesse sentido, a segunda obra analisada, “Educação é um direito” (1967), trouxe fundamentos
importantes para elucidarmos esse conceito em seus textos. Desta obra podemos brevemente
destacar que Anísio buscou nos elementos do liberalismo os fundamentos democráticos da
educação, e a partir deles explicar o papel da educação que para ele, seria ideal na nova
sociedade que se organizava no Brasil no início do século XX. São esses elementos: o
indivíduo, a liberdade, a democracia, a igualdade individual que a partir de seu entendimento
nos permite compreender o indivíduo como aquele que tem a livre iniciativa individual, a
liberdade como condição do próprio indivíduo, a democracia como a participação na
experiência social e a contribuição para a sociedade, a igualdade proclamada como
fundamental na forma social democrática e na participação política. Com base nesses
elementos, Anísio fez uma crítica na forma como a educação foi conduzida no início do
processo de industrialização no final século XIX, refutando que a educação brasileira ainda
não havia se tornado importante para a nova organização social do Brasil. Diante do exposto:
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a chamada crise do indivíduo na ordem social criada pela indústria e pela ciência é o
resultado de uma profunda contradição da sociedade, que, de um lado, aceitou a
mais revolucionária das formas de transformação e, de outro, recusou considerar-se
revolucionária, não permitindo sequer a formação de uma ideologia revolucionária,
quanto mais o preparo efetivo, pela educação, do novo tipo de homem que a nova
ordem estaria a exigir (TEIXEIRA, 1967, p. 20).

O autor manifestou em “Educação é um direito” (1967), como os princípios liberais


permearam as suas intenções para a educação, esclarecendo que o Estado tem uma função
definida, legitimando o modo de produção capitalista. Para Anísio, é no Estado democrático
que se promove a liberdade do indivíduo a partir das condições que lhe são oferecidas, como
a educação por exemplo. Esta premissa é essencial para conceber liberdade num Estado
democrático, que confere à educação a tarefa de servir a democracia. Desse modo a educação
assumiria imperiosa função no processo de formação do homem. Diante disso, a teoria
democrática num Estado liberal confere à escola o papel de consolidar os interesses do Estado
democrático e dela depende para seu funcionamento e perpetuação. As relações entre
democracia e educação se estreitam em “Educação é um direito” (1967), porque na visão de
Anísio Teixeira, a educação tem uma finalidade, que é de formar integralmente o homem para
as grandes mudanças da sociedade. E ainda, a democracia é a essência do Estado democrático
que tem a função de construir e consolidar um sistema educacional brasileiro que tenha uma
escola laica, obrigatória e gratuita.
Sobre o sistema educacional brasileiro, encontramos em “Educação no Brasil” (1976),
importante fonte que reúne textos e debates após a volta do regime democrático de 1946 e tem
um caráter de discussão e denúncia em torno da administração pública da educação,
retomando orientações para a reconstrução do sistema educacional do país. Podemos salientar
que Anísio apresentou nesses textos claramente seu embasamento nos pressupostos da Escola
Nova, baseada na educação diferencial sob a influência da psicologia, da biologia e da
ciência. Esses pressupostos deram suporte ao seu discurso em defesa de uma escola para
todos, valorizando a capacidade individual, um dos princípios do liberalismo. Conforme
Teixeira (1976, p. 45):

em todos os países democráticos, os sistemas escolares tendem a construir um único


sistema de educação, para todas as classes, ou, melhor, para uma sociedade
verdadeiramente democrática, isto é, sem classes, em que todos os cidadãos tenham
oportunidades iguais para se educarem e se redistribuírem, depois, pelas ocupações e
profissões, de acordo com a sua capacidade e as suas aptidões, demonstradas e
confirmadas.
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Ainda sobre as principais ideias dessa obra, talvez a que mais se destaca nos estudos
desse reformador é a maneira como ele trata as questões da Pedagogia da Escola Nova,
embasado num dos elementos do liberalismo que é o método experimental, que entre outras
questões, salienta no indivíduo as suas aptidões. É evidente como a sua visão de educação
enquanto formação do homem passa eminentemente pelo pragmatismo da filosofia empirista,
não o empirismo tradicional, mas, aquele em que o conhecimento e a verdade são construídos
a partir da experiência humana. Desse modo Teixeira (1976, p. 70) completa:

com efeito, desde que o homem verifica que o seu espírito não era apenas uma
máquina especulativa e contemplativa, que criara o método dedutivo, mas um
instrumento de observação e descoberta, pensamento e ação se fizeram a mesma
cousa, não podendo ninguém pensar sem agir, nem agir sem pensar. A imensa
conciliação assim operada pelo método experimental teria de unir o trabalho e o
pensamento, a oficina e a escola, prática e a teoria. Pensar já não era contemplar,
mas investigar, e investigar nada mais é que trabalhar com a atenção necessária para
descobrir o que se passa no trabalho e daí extrair a teoria, que vai depois orientar o
trabalho reconstruído e progressivo de todos os que, sem capacidade de descobrir,
tenham a capacidade de compreender, pelos resultados, o alcance da descoberta, na
prática aplicando-a, por ela orientando-se e com ela elevando o seu pragmatismo.

Diante do exposto, o liberalismo tornou-se fundamental para o aprofundamento da


pesquisa. Por esse motivo, recorremos ao pensamento de Dewey para compreendermos
aspectos intrínsecos às obras de Anísio Teixeira. Sabemos da amplitude e complexidade desse
aporte teórico, mas também reconhecemos a dificuldade de explorá-lo no corpo desse texto,
por isso, daremos ênfase aos pontos mais centrais e pertinentes a essa investigação, fazendo
menção a obra de Dewey, “Liberalismo, liberdade e cultura” (1970). Esta fonte trouxe a
explicação do que ocorreu em meados do século XIX, quando o cenário político e econômico
modificava drasticamente o modo de organização social e a doutrina liberal do laissez-faire,
justificava o status-quo de toda a sociedade.

As mudanças políticas e econômicas por que lutaram estavam tão amplamente


efetivadas, que se haviam tornado, por sua vez, interesses adquiridos, e as suas
doutrinas, especialmente as do liberalismo do laissez-faire, constituíam agora a
justificação intelectual do status-quo (DEWEY, 1970, p. 41).

Nesse contexto, Dewey vai trabalhar valores essenciais para o liberalismo como a
liberdade, o desenvolvimento das capacidades inerentes dos indivíduos e a função central da
inteligência. Evidenciou que tais valores estavam sujeitos às adversidades sociais, faltando
aos liberais o senso e o interesse histórico aos problemas ocorridos pela organização social
fundamentada na liberdade econômica. Portanto, na constituição de uma nova organização
social, os elementos externos deveriam ser considerados, é o que Dewey denominou de
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interpretação sujeita à relatividade histórica, condição para distinguir liberdade puramente


formal e legal de liberdade efetiva de pensamento e ação. Nessa direção encontramos em sua
obra “Democracia e Educação” (1936), suas proposições a respeito da democracia,
defendendo a importância da vida compartilhada e o trabalho coletivo sob a orientação da
inteligência. Ao definir democracia, Dewey (1936, p. 118) afirma que: “uma democracia é
mais do que forma de governo; é primacialmente, uma forma de vida associada, de
experiência conjunta e mutuamente comunicada”.
Considerou ainda, que a democracia é o único sistema de vida que pode promover a
condição indispensável ao reflorescimento da inteligência. No pensamento deweyano, a
inteligência livre é o caminho para a organização social, um ativo social, que se reveste de
uma função coletiva com intuito de alcançar interesses da maioria dos indivíduos. Nessa
proposta, situa o homem no contexto da interação com o meio, sofrendo modificações através
das experiências com o meio social e cultural. No seu entendimento, a atitude experimental é
premissa para dominar o conhecimento, pois é dessa atividade que decorrem as alterações
frente às situações. Tais proposições trouxeram importantes contribuições para a educação.
No contexto desse raciocínio, a filosofia educacional de Dewey influenciou o cenário
democrático de reformadores como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho
entre outros representantes da Escola Nova. Podemos dizer que a percepção da relação entre
homem, meio, inteligência, experiência e conhecimento, levou Dewey a formular teses
fundamentais sobre educação, partindo do pressuposto que a vida se renova através da ação e
reflexão sobre o meio na qual está inserida. Sobre esse contínuo processo, buscamos em sua
obra “Vida e Educação” (1978), também traduzida por Anísio Teixeira, melhor definição:

a experiência educativa é, pois, essa experiência inteligente, em que participa o


pensamento, através do qual se vêm a perceber relações e continuidades antes não
percebidas. Todas as vezes que a experiência for assim reflexiva, isto é, que
atentarmos no antes e no depois do seu processo, a aquisição de novos
conhecimentos, ou conhecimentos mais extensos do que antes, será um dos seus
resultados naturais. A experiência alarga, deste modo, os conhecimentos, enriquece
o nosso espírito e dá, dia a dia, significação mais profunda à vida. E é nisso que
consiste a educação. Educar-se é crescer, não já no sentido puramente fisiológico,
mas no sentido espiritual, no sentido humano, no sentido de uma vida cada vez mais
larga, mais rica e mais bela, em um mundo cada vez mais adaptado, mais propício,
mais benfazejo para o homem (DEWEY, 1978, p. 17).

Contudo, esse referencial nos levou a algumas considerações destacamos ser


imprescindível tanto para Dewey quanto para Anísio Teixeira. O ponto de intersecção entre
esses clássicos se encontra na integração de alguns pressupostos como: liberdade, democracia,
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inteligência livre, método experimental, experiência educativa, interação entre indivíduo –


meio e conhecimento entre outros. Esses pressupostos subsidiaram um modelo de escola de
tempo integral para Anísio Teixeira. Mas somente na década de 1950 foi possível traduzir
tudo o que idealizou.
Foi no ano de 1950, quando da implantação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro
(CECR), que Anísio concretizou a proposta de uma escola pública de tempo integral,
inaugurada na Bahia, localizada num bairro em Salvador. Pensado e construído na sua
concepção, para ser uma escola de tempo integral, que acolhesse crianças, suprisse algumas
de suas necessidades e promovesse, sobretudo, uma educação integral. Por ocasião do dia de
sua inauguração Anísio anunciou o que seria uma escola pública de tempo integral. Nesse
sentido, Anísio acrescenta:

precisamos restituir-lhe o dia integral, enriquecer-lhe o programa com atividades


práticas, dar-lhes amplas oportunidades de formação de hábitos de vida real
organizando a escola como miniatura da comunidade, com toda a gama de suas
atividades de trabalho, de estudo, de recreação e de arte (TEIXEIRA, 1957, p. 50).

A educação integral para esse representante liberal estava baseada na concepção do ser
humano inserido numa sociedade que está sempre em mudança, neste sentido a educação
deveria possibilitar o desenvolvimento global do indivíduo, com vistas à instrução intelectual,
formação do cidadão para viver em uma sociedade democrática e preparação para o trabalho.
A educação em tempo integral configurar-se-ia como um espaço de ampliação do tempo
escolar que comportava um processo educativo onde eram realizadas atividades de caráter
intelectual num período e no outro, atividades práticas valorizando a experiência, oficinas e
iniciação ao trabalho, uma educação que promovesse formação de hábitos de pensar, fazer e
trabalhar, sobretudo ensinar a conviver e participar de uma sociedade democrática. Portanto,
na concepção de Anísio, a educação em tempo integral era entendida como uma condição
para a realização da educação integral. A partir dessa experiência de educação em tempo
integral, temos condições de compreender historicamente como se constituiu essa concepção
e qual o impacto nas políticas de educação em tempo integral atual no âmbito das legislações.
A concepção de educação integral e de escola de tempo integral defendida e aplicada
por Anísio Teixeira, em sua atuação política e na implantação de suas propostas, ao longo da
história, permite fazer uma leitura das experiências mais recentes de educação em tempo
integral, observando a influência e contribuição de suas ideias nas propostas mais recentes.
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Muitos programas foram implantados como, por exemplo, e a título de informação: os


Centros de Integrados de Educação Pública (CIEP’s) no Estado do Rio de Janeiro na década
de 1980, idealizados por Darcy Ribeiro, os Centro de Atenção Integral à Criança (CAIC), na
década de 1990, enquanto proposta do Governo Fernando Collor de Melo, e demais
experiências em algumas cidades, não menos importantes e expressivas, mas, que não cabem
nesse momento da discussão. De qualquer forma, é válido colocar que essas experiências
sofreram descontinuidades por inúmeros motivos e pela falta de uma política educacional que
efetivamente pensasse em uma educação integral com vistas a uma escola de tempo integral
que oferecesse às nossas crianças mais que o cuidar e alimentar, sobretudo, uma formação
integral.
No cenário nacional, a discussão da educação integral em tempo integral vem se
configurando legalmente, desde a Constituição Federal de1988. De lá pra cá, muitas são as
iniciativas legais (LDB – art. 34 e 87, ECA, PNE, e outros) que preveem a ampliação da
jornada escolar em atendimento integral ou desdobramentos em programas inseridos em
propostas governamentais de ordem financeira ou da própria extensão da carga horária
escolar.
Vale colocar que depois da formulação de propostas de escolas de tempo integral
gerou-se, nas duas últimas décadas, um intenso debate com diversos posicionamentos. De um
lado a aprovação da ampliação da jornada enquanto solução para os problemas sociais. De
outro, os questionamentos sobre o caráter populista das propostas políticas. Assim demonstra
Paro et al. (1988, p. 202):

não é por acaso que a dimensão assistencial é uma das mais caras aos projetos
recentes de expansão do tempo diário de escolaridade oferecido aos alunos das
escolas públicas. Nesses projetos, argumenta-se que a extensão sugerida é desejável
não só para que os alunos possam aprender mais e melhor, mas também para que,
nesse espaço, possam ser mais alimentados, mais bem cuidados (inclusive no que
diz respeito às questões de saúde) e mais protegidos dos “perigos da rua”. Por outro
lado, os segmentos da população a que esses projetos se dirigem têm-se mostrado
aparentemente receptivos às propostas de extensão do período diário da
escolaridade.

No tocante ao caráter social, sem dúvida a educação em tempo integral aparece em


primeiro plano como solução para as desigualdades e depois disso, como condição para a
melhoria dos aspectos pedagógicos. Ou seja, as atividades supletivas se sobrepõem à
finalidade da instrução. Recorremos à pertinente colocação de Paro et al. (1988, p. 200):
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mas, na perspectiva de defesa da socialização do saber, via instituição escolar, essas


atividades devem dar-se até o ponto em que auxiliem (ou pelo menos não
atrapalhem) o efetivo desempenho da função pedagógica instrucional da escola,
porque, na medida em que a hipertrofia das atividades supletivas se dê em
detrimento da função de socialização do saber, aquelas é que passam a ocupar o
lugar desta, descaracterizando, portanto, a instituição escolar enquanto instância
privilegiada de apropriação do saber sistematizado.

É válido acrescentar que não obstante, está o dever do Estado em cumprir com seu
papel social, para que as desigualdades não dependam da escola para serem minimizadas.
Nesse sentido é de fundamental importância que a discussão sobre a escola de tempo integral
vá além das políticas assistencialistas, mas, na direção de uma formação integral e abrangente
do indivíduo.

Resultados

Cabe ainda dizer que os objetivos da pesquisa foram alcançados, uma vez que a partir
das fontes pesquisadas foi possível estudar, analisar e compreender como os conceitos de
educação integral e de educação de tempo integral em Anísio Teixeira foram concebidos e
qual seu lugar na história e qual a sua influência na realidade e nas políticas educacionais
mais recentes da educação brasileira. A pesquisa trouxe respostas às indagações em relação à
origem desses conceitos, sobretudo, enfatizando pontos fundamentais em Anísio, como uma
educação integral baseada na ciência, na prática e na tecnologia. Durante a investigação foi
possível também, entender que esses conceitos estavam circunscritos em contextos históricos
que determinaram a maneira de pensar e organizar a educação, influenciando e refletindo
politicamente na configuração da escola de tempo integral atual.

Considerações Finais

Diante de todos esses apontamentos e reflexões, nosso propósito foi trazer nestas
breves notas a contribuição de algumas fontes, no sentido de alicerçar os conceitos de
educação integral e educação em tempo integral.
Em Anísio Teixeira, podemos entender que historicamente a educação se apresentou
enquanto uma resposta política educacional de educação popular, vinculada à tecnologia do
mundo do trabalho, e que por meio da apropriação desse conhecimento fosse possível
preparar o indivíduo à sociedade contemporânea. Tal educação estava ainda, atrelada à escola
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de tempo integral, condição indispensável para que a educação integral acontecesse


efetivamente.
Acreditamos que dessa forma, possamos fomentar e alicerçar essa discussão tão
pertinente à sociedade atual. Não temos a pretensão de propor uma escola ideal, mas, temos
clareza que a ampliação de jornada escolar só tem sentido quando em primeiro plano está a
efetiva apropriação do conhecimento. A escola de tempo integral atual exige mais que
ampliação de jornada escolar, impõe também formação de professores, infraestrutura e
espaços adequados à aprendizagem de modo que a escola cumpra sua função de socializar os
conhecimentos aos alunos, contextualizando-os e possibilitando-lhes conhecer o mundo e
dando-lhes condições e oportunidades emancipadoras de seu viver.

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