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1. O Direito das obrigações ......................................................................................................................... 4
1.1 A relevância jurídica das obrigações ...................................................................................................... 4
1.2 O conteúdo das obrigações ................................................................................................................... 5
1.3 Obrigações civis e naturais .............................................................................................................. 6
2.O cumprimento e o não cumprimento das obrigações ................................................................................. 6
2.1 O cumprimento .................................................................................................................................... 7
2.1.1 Quem pode cumprir? ..................................................................................................................... 8
2.1.2. A quem pode ser feita a prestação? .............................................................................................. 8
2.1.3 Prazo a prestação........................................................................................................................... 9
2.1.3.1 O benefício do prazo ................................................................................................................ 9
2.1.4 Lugar da prestação ....................................................................................................................... 11
2.1.5 Imputação do cumprimento ......................................................................................................... 11
2.1.6 Prova do cumprimento e direito à restituição do título ou à menção do cumprimento .................. 12
2.2 O não cumprimento............................................................................................................................ 13
2.2.1 A impossibilidade ......................................................................................................................... 13
2.2.1.1 O “commodum” da representação ......................................................................................... 14
2.2.1.2 As consequências da impossibilidade ..................................................................................... 15
2.2.1.3 O risco................................................................................................................................... 15
2.2.2 O incumprimento ......................................................................................................................... 16
2.2.2.1 O incumprimento em função do critério temporal .................................................................. 16
2.2.2.1.1 A mora do devedor ......................................................................................................... 17
2.2.2.1.2 O incumprimento definitivo ............................................................................................ 18
2.2.2.2 O incumprimento em função do critério material ................................................................... 19
2.2.2.3 O incumprimento imputável ao credor – mora do credor...................................................... 21
3.O regime substantivo da realização da prestação ...................................................................................... 22
3.1 A garantia das obrigações ................................................................................................................... 23
3.1.1 A garantia geral das obrigações ................................................................................................... 23
3.1.2 Garantia especial das obrigações ................................................................................................. 25
4. A extinção das obrigações ........................................................................................................................ 27
4.1 O cumprimento .................................................................................................................................. 27
4.2 Dação em cumprimento ..................................................................................................................... 27
4.3 Consignação em depósito ................................................................................................................... 28
4.4 A compensação .................................................................................................................................. 28
4.5 A novação .......................................................................................................................................... 28
4.6 A remissão ......................................................................................................................................... 29
4.7 A confusão ......................................................................................................................................... 29
5.A transmissão das obrigações .................................................................................................................... 29
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5.1 Cessão de crédito.......................................................................................................................... 29
5.2 Sub-‐rogação ................................................................................................................................. 33
5.3 A assunção de dívida .................................................................................................................... 33
5.4 Cessão de posição contratual........................................................................................................ 35
6.Modalidades das obrigações ..................................................................................................................... 36
6.1 Obrigações genéricas ......................................................................................................................... 36
6.2 Obrigações alternativas ...................................................................................................................... 37
6.3 As obrigações pecuniárias .................................................................................................................. 38
6.4 As obrigações de juros ........................................................................................................................ 38
6.5 As obrigações solidárias e conjuntas ................................................................................................... 39
6.5.1 A solidariedade ............................................................................................................................ 39
6.5.1.1 Regras gerais ........................................................................................................................ 40
6.5.1.2 Solidariedade passiva (entre devedores) ............................................................................... 40
6.5.1.3 Solidariedade ativa (entre credores) ..................................................................................... 41
6.5.2 A conjunção ................................................................................................................................. 42
6.5.2.1 Obrigações divisíveis ............................................................................................................. 42
6.5.2.2 Obrigações indivisíveis .......................................................................................................... 42
7.As fontes das obrigações ........................................................................................................................... 43
7.1 A gestão de negócios .......................................................................................................................... 43
7.2 O enriquecimento sem causa ............................................................................................................. 46
7.2.1 A compensação ........................................................................................................................... 47
8. Casos práticos e outros Elementos para as Aulas práticas ..................................................................... 52
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1. O Direito das obrigações
Em Direito das obrigações estudam-‐se as situações jurídicas ditas obrigacionais. Uma situação é
obrigacional quando uma das partes tem relativamente à outra o compromisso de adotar um determinado
comportamento, sendo esse comportamento tutelado pelo Direito.
Na generalidade, excetuando as obrigações naturais, um compromisso é tutelado pelo Direito quando o
ordenamento jurídico reage à sua inobservância. Por exemplo, compromissos de natureza moral que não
sejam cumpridos não desencadeiam nenhuma reação por parte do ordenamento jurídico, o que quer dizer
que estes compromissos não constituem obrigações.
Conclusão: O que particulariza as obrigações de dentro dos compromissos é a capacidade do ordenamento
jurídico para reagir ao seu incumprimento.
Artigo 397º
(Noção de obrigação)
Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com a outra à realização de
uma prestação.
® As obrigações nunca existem no ordenamento jurídico isoladas, pelo
que pressupõem a existência de um vínculo jurídico, ou seja, de uma Existe sempre um credor
relação. Porém, do ponto de vista técnico, a obrigação é apenas o lado e um devedor entre os
passivo da relação, sendo-‐lhe ainda acrescentado um lado ativo. É o quais existe o vínculo
conjunto da situação jurídica ativa e passiva que forma a relação jurídica.
® O vínculo que a obrigação pressupõe tem de ser um vínculo jurídico:
tem de ter relevância jurídica e um conteúdo específico.
1.1 A relevância jurídica das obrigações
Como saber se uma obrigação tem relevância jurídica ou não?
Uma obrigação tem relevância jurídica consoante a natureza da sua fonte. Existem obrigações de dois tipos:
• Fonte legal: Na sua base está a aplicação da lei a uma situação concreta;
• Fonte voluntária: Na sua base está o exercício da autonomia privada;
Nas obrigações de fonte voluntária torna-‐se difícil saber se se revestem, ou não de natureza jurídica.
Como resultam do nosso comportamento temos de verificar quais dos nossos comportamentos visam revestir
importância legal e quais visam revestir importância social.
Nestes casos temos de qualificar o facto que está na origem do efeito: verificar se o que está na base do
compromisso são negócios jurídicos ou acordos de mera relevância social que não são importantes para o
direito.
1. Teoria subjetivista: Tudo depende daquilo que os sujeitos, naquele caso concreto, quiseram.
Devemos procurar saber se, quando assumiram determinado compromisso queriam que ele fosse
sancionável pelo direito ou não.
2. Teoria objetivista: A distinção não se faz em função da vontade dos agentes, mas sim da relevância
objetiva do interesse que esteja em causa. Há interesses que são relevantes e há interesses que não
são suficientemente relevantes para que o ordenamento jurídico se disponibilize a intervir.
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Exemplo: considerem-‐se dois comportamentos de quem tem filhos e os confia à guarda de outrem:
1. Um pai leva um filho para a escola:. Tem uma confiança institucionalizada naquela instituição e por
isso acredita que o filho vai ser bem tratado. Não por confiar nas pessoas em questão, mas na
instituição e que em caso de necessidade existe proteção legal. Neste caso, quer-‐se que o direito
intervenha.
2. Um pai leva um filho para casa dos avós mas não acredita que haja algum contrato ou obrigação de
que o filho seja bem tratado. Não se conta com a proteção do direito mas sim com as relações
interpessoais.
Artigo 398º: As partes são livres de fixarem o que quiserem (dentro dos limites da lei) inclusive a intervenção
jurídica ou não: prevalece a autonomia privada. Porém, se o interesse for digno de proteção legal prevê-‐se
que o ordenamento jurídico possa intervir: prevalece a teoria objetivista).
1.2 O conteúdo das obrigações
O vínculo jurídico que pressupõem as obrigações tem um conteúdo específico. Esse conteúdo resulta da
adstrição de uma determinada pessoa que é devedora à realização de uma prestação perante outra que é
credora.
Por prestação entende-‐se aquilo a que está obrigado o devedor de uma obrigação, ou seja, o
comportamento a que o devedor fica adstrito.
Este comportamento pode assumir várias naturezas: positiva ou negativa, ou seja, pode relacionar-‐se com
uma ação ou com uma omissão. Pode, ainda, assumir-‐se a obrigação de suportar as consequências negativas
que resultem de um determinado comportamento de outra pessoa.
Exemplo: Tenho um terreno em que quero fazer uma construção que vai emitir barulho, gases tóxicos… Posso
celebrar um contrato com o meu vizinho segundo o qual ele suporte passivamente o sofrimento que lhe vou
causar.
Dentro das prestações ativas (ação) pode distinguir-‐se:
• Obrigação de dar – entregar alguma coisa
• Obrigação de fazer – fazer alguma coisa
Aquele que está adstrito a uma prestação fica sob o dever de prestar. Porém, este dever não existe sozinho,
existem outras situações jurídicas que no seu conjunto constituem a obrigação: deveres acessórios e
secundários.
As obrigações são predominantemente passivas, mas têm momentos de atividade. Olhar para uma
obrigação apenas como um dever é analisar a questão de maneira demasiado restritiva.
Os deveres acessórios são, por exemplo, a boa-‐fé (artigo 762º). São deveres associados ao dever principal,
mas que resultam da concretização da boa-‐fé a propósito da configuração de o dever principal.
Os deveres secundários manifestam-‐se naqueles deveres que são instrumentais ou que estão previstos
como instrumentos do dever principal. Não são esses deveres que justificam essa mesma obrigação, são os
deveres que gravitam em torno da obrigação cuja utilidade é consequência da própria obrigação.
Exemplo: Alguém vai pintar uma parede e aplica uma proteção para não sujar o chão. Este é um dever
secundário: o que o justifica é a pintura da parede que é o dever principal.
Estes elementos são passivos, mas existem elementos ativos. São, por exemplo, os momentos em que o
credor pode exigir que o devedor assuma determinado comportamento ou atue de determinada forma. Por
exemplo, atuar segundo a boa-‐fé (artigo 762º) é um comportamento ativo.
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1.3 Obrigações civis e naturais
A generalidade das obrigações são civis, mas existem algumas que são naturais (artigo 402º).
“A obrigação diz-‐se natural quando se funda num mero dever moral ou social, cujo cumprimento não é
judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”.
O que distingue as obrigações civis das naturais é o âmbito de proteção que o ordenamento jurídico lhes
confere. Esse âmbito é muito mais completo nas obrigações civis do que nas obrigações morais.
O ordenamento jurídico tem duas formas de proteger as obrigações:
1. Enquanto o devedor não adota o comportamento que lhe é exigível nos termos da obrigação que o
vincula, o ordenamento jurídico disponibiliza ao credor aquilo a que chamamos garantia geral das
obrigações. Esta garantia geral das obrigações é o conjunto de instrumentos que o ordenamento
jurídico põe à disposição do credor para que se o devedor incumprir, o credor possa reagir a esse
incumprimento e obter a satisfação para o direito de crédito que não tenha sido satisfeito.
® Coloca-‐se à disponibilidade do credor os mecanismos que ele precisa para reagir ao
incumprimento do devedor, de modo a que possa obter aquilo que lhe é devido.
2. Temos no nosso ordenamento jurídico um princípio segundo o qual quando existe uma deslocação
patrimonial de uma esfera jurídica para outra, a vantagem que daí advém só se consolida na medida
em que tenha uma causa que a justifique. Sempre que esta deslocação tenha sido feita em
cumprimento de uma obrigação está justificada. Desta forma, a proteção do ordenamento jurídico
ocorre através da consolidação. Se a deslocação não for consolidada e justificada, o ordenamento
jurídico o que foi prestado tem que ser restituído de volta.
Nas obrigações naturais, a proteção só existe do cumprimento em diante, o que significa que nas
obrigações naturais, o credor não goza da proteção do número 1, não tendo meios que lhe permitam atuar
em caso de incumprimento do devedor.
A partir do momento em que a obrigação é cumprida é consolidada e não pode haver restituição. É esta a
proteção que o ordenamento jurídico dá após o cumprimento da obrigação (artigo 403º).
Um exemplo de uma obrigação natural é o jogo e aposta (artigo 1245º).
2.O cumprimento e o não cumprimento das obrigações
No âmbito das obrigações existem dois momentos que importam referir: o momento da constituição da
obrigação e o momento em que a obrigação deve ser cumprida.
Regra geral, é no segundo momento que o devedor deve cumprir a prestação. Quando ele o faz
efetivamente estamos perante uma situação de cumprimento que leva à extinção da obrigação – o dever é
exaurido. Quando o devedor não faz o que é suposto, há uma reação por parte do ordenamento jurídico de
modo a que as necessidades do credor sejam satisfeitas.
Na prática, a obrigação funciona como um plano que corresponde à descrição de um comportamento que
deve ser adotado. A adoção desse comportamento é juridicamente exigível, pelo que se coloca nos termos do
plano dever-‐ser.
A partir do momento em que é constituída a obrigação vamos comparando o plano dever-‐ser com o que
está a acontecer na realidade. Esta comparação pode-‐nos levar a duas conclusões:
1. O plano definido a nível do dever-‐ser corresponde ao que está a acontecer na prática: situação de
cumprimento – artigos 762º e ss.
2. O plano do dever-‐ser e a prática não correspondem: situação de não cumprimento – artigos 790º e ss.
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2.1 O cumprimento
O cumprimento corresponde à adoção, pelo devedor, do comportamento que lhe é exigível nos termos da
obrigação, permitindo satisfazer o interesse que o credor tinha naquela obrigação. Consequentemente, o
cumprimento resulta na extinção da obrigação.
Artigo 762º/1
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4. Por quem? – Legitimidade para cumprir (artigos 767º-‐768º).
5. A quem? – Pessoas junto das quais o cumprimento da obrigação tem o efeito extintivo da obrigação
(769º -‐ 771º)
6. Quando? – Momento em que se deve cumprir a obrigação (artigos 777º -‐ 782º).
7. Onde? – Local onde o devedor deve adotar o comportamento que lhe é exigível (artigos 772º -‐ 775º).
As três primeiras perguntas estão relacionadas com a identificação e caracterização da obrigação –
elementos intrínsecos da obrigação. As quatro últimas perguntas relacionam-‐se com os elementos extrínsecos
da obrigação.
Estes critérios são supletivos, o que quer dizer que apenas valem na falta de disposição das partes em
sentido contrário, que podem fixar o que quiserem.
São também disposições gerais, o que leva a que tenhamos que ter cuidado quanto à sua supletividade e
quanto à possibilidade de existência de disposições especiais.
2.1.1 Quem pode cumprir?
Regra geral “a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no
cumprimento da obrigação” (Artigo 767º/1).
Se um terceiro surgir junto do credor para cumprir e o credor recusar é uma recusa ilegítima que faz com
que o credor incorra em mora (Artigo 768º/1).
Artigo 813º: “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado,
não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica
os atos necessários ao cumprimento da obrigação”.
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Artigo 779º: Regra geral: O prazo é estabelecido em favor do devedor.
Numa situação concreta em que não tenhamos mais nenhuma informação presume-‐se que o benefício do
prazo é do devedor. Só quando exista informação em contrário é que saímos da regra-‐geral e se tem por dado
o benefício do credor ou de ambas as partes.
Mesmo nos casos em que o benefício do prazo resida no devedor, existem situações em que o credor pode
antecipar a exigência do cumprimento antes do final do prazo (Artigo 780º), perdendo o devedor o benefício
do prazo. O credor pode fazê-‐lo:
• Se o devedor se tornar insolvente: Uma vez que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da
responsabilidade patrimonial (artigo 601º), se o património do devedor não for suficiente para cobrir
a obrigação é insolvente e é permitido ao credor exigir desde aí o cumprimento.
• Se diminuírem as garantias de crédito: Risco de insolvência.
• Se não forem prestadas as garantias prometidas: Pelo risco de crédito, os credores podem pedir
garantias especiais que funcionam como uma proteção adicional no caso de o devedor se tornar, por
exemplo, insolvente. Existem garantias de dois tipos:
o Pessoais: B pede crédito a A. A pode pedir garantias que somem ao património de B o de C
que será seu fiador. Deste modo, o património de C poderá responder ao cumprimento da
obrigação em caso de necessidade.
o Reais: A tem duas dívidas de 1000 (B e C) e apenas tem 500. Diz a lei (artigo 604º) que cada
um dos credores recebe 250. Pode acontecer que o credor B tenha exigido uma garantia real.
Se A apenas tiver uma casa no seu património que valha 500, isso significa que adquiriu
prioridade sobre o valor da casa para satisfação do seu crédito. Como B tem prioridade sobre
o credor C, vai receber os 500 da casa e C não vai receber nada.
Nota: Quando alguém pede uma garantia especial fica à espera que o outro cumpra mas com o
benefício da garantia adicional. Se a garantia desaparecer, então o credor pode exigir desde aí o
cumprimento da obrigação.
Para além desta, temos ainda uma outra exceção que figura no artigo 781º. ”Se a obrigação puder ser
liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Este artigo só é aplicável quando estamos perante uma prestação única em que as parcelas que se vão
pagando num período de tempo fracionado correspondem a um custo indivisível.
Exemplo: Há uma obrigação em pagar 1000 e o seu cumprimento é dividido em 10 prestações mensais.
Mensalmente, o credor não pode exigir mais do que o cumprimento da prestação de 100. Porém, se o devedor
falhar uma prestação, perde o benefício do prazo e resulta no vencimento de todas as prestações.
Em relação a este artigo temos uma regra especial, a do artigo 934º segundo o qual” a falha de uma
prestação só determina o vencimento se a parte incumprida exceder a oitava parte do preço.
Exemplo 1: Retomando o exemplo anterior, caso se falhasse uma prestação mensal de 100 em relação à
obrigação total de 1000, como essa é inferior à oitava parte (corresponde a 1/10) não se dá o vencimento
antecipado. Se, no entanto, o devedor incumprir com uma segunda prestação, a prestação em atraso é
superior à oitava parte pelo que ocorre o vencimento antecipado.
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2.1.4 Lugar da prestação
Artigo 772º/1: Regra geral: É no domicílio do devedor que a obrigação deve ser cumprida.
Este princípio geral não se aplica quando se trata da entrega de coisa móvel (773º) ou de obrigação
pecuniária (774º).
• Quando se trate de coisa móvel, a obrigação deve ser cumprida no lugar onde se encontrava a
coisa ao tempo da conclusão do negócio.
Exemplo: Tenho um carro no Porto e vendo-‐o hoje, a determinada pessoa que sabe que o carro está
no Porto. O carro deve ser entregue no Porto. Se eu não for lá entregá-‐lo, entro em mora do devedor;
se o credor não for, estamos perante mora do credor.
• Quando se trate de obrigação pecuniária, o cumprimento deve fazer-‐se no domicílio do credor.
Nota: A propósito desta regra geral, deve ter-‐se em conta o artigo 885º, específica para a compra e
venda, segundo o qual “o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida”.
Enquanto os critérios dos artigos 772º e 774º são móveis, o critério do artigo 773º é imóvel, o que quer
dizer que, no caso dos artigos 772º e 774º o lugar da prestação pode alterar-‐se. Os problemas que esta questão
pode originar são respondidos pelos artigos 772º/2 e 775º.
Artigo 772º/2: “Se o devedor mudar de domicílio a prestação será efetuada no novo domicílio do devedor,
exceto se a mudança acarretar prejuízo para o credor devendo, nesse caso, efetuar-‐se no lugar do domicílio
primitivo”.
Artigo 775º: Se o lugar da prestação consistir no domicílio do credor é aplicável este artigo. O credor só pode
exigir ao devedor a mudança de local para o cumprimento da obrigação se o indemnizar no prejuízo que sofrer
com a mudança, caso contrário a prestação pode ser efetuada no domicílio do devedor.
2.1.5 Imputação do cumprimento
A imputação do cumprimento é um regime que se aplica à situação cuja base assenta num determinado
devedor que tem várias dívidas da mesma natureza perante um mesmo credor e realiza uma prestação que é
insuficiente para as satisfazer a todas.
Artigo 783º/1:Regra geral: É o devedor que deve escolher quais as obrigações cumpridas e quais as que se
encontram por cumprir.
Exemplo: Entre várias dívidas, uma com hipoteca, outra com juro de 5% e outra de 7%, a que vale mais a pena
cumprir é a do juro de 7%.
A escolha não é discricionária: existem limites que o credor não pode ultrapassar: Artigo 783º/2
• O devedor não pode designar contra vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida,
se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor;
• O devedor não pode designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da
prestação efetuada, desde que o credor tenho o direito de recusar a prestação parcial;
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Artigo 784º
(Regras supletivas)
1. Se o devedor não fizer a designação, deve o cumprimento imputar-‐se na dívida vencida; entre várias
dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente
garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que
primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido ao mesmo tempo, na mais antiga em data.
2. Não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-‐se-‐á feita
por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo
763º.
Artigo 785º/1: Este artigo aplica-‐se nos casos em que existem dívidas de juros, despesas e indemnização.
Nestes casos, presumem-‐se prestadas, sucessivamente, as despesas, a indemnização, os juros e o capital.
Exemplo: O montante é de 1000, o juro é de 50 e o juro moratório é de 100. A dívida total é de 1150. Num
determinado momento o devedor entrega ao credor 1100. Primeiro estão satisfeitos os juros e só depois o
montante. Fica, assim, em dívida, 50 do montante inicial de 1000.
2.1.6 Prova do cumprimento e direito à restituição do título ou à menção do cumprimento
Em relação à prova do cumprimento, a lei estabelece duas coisas que acabam por ser o reverso da mesma
moeda:
• Direito do devedor à quitação (artigo 787º/1)
• Direito do devedor à restituição do título de obrigação (artigo 788º/1)
Quitação: Declaração feita pelo credor de que a obrigação foi cumprida e de que o devedor se encontra,
portanto, exonerado ou quite.
O devedor não é obrigado a cumprir até que tenha a prova de que cumpriu, ou seja, até que tenha quitação.
Se o credor não lhe conferir esta declaração então é ele quem entra em mora (artigo 787º/2).
Exemplo: Devo 750 a alguém. No dia e sítio acordado tenciono pagar e peço o recibo comprovativo de que
cumpri a obrigação e o credor não a passa. Posso recusar-‐me a pagar sem entrar em mora. Quem entra em
mora é o credor.
Artigo 786º: Se a quitação não tem reservas, então presumem-‐se cumpridos, se existirem, os juros, ainda que
não o tenham sido. A presunção é em benefício do devedor.
Direito à restituição do título ou à menção do cumprimento: O devedor tem o direito a exigir do credor a
restituição do título da obrigação quando esta se extinguir, a menos que o credor tenha qualquer legítimo
interesse na sua conservação, caso em que ao devedor é lícito exigir que do título passe a constar menção do
cumprimento da obrigação (artigo 788º/1).
Sendo invocado pelo credor, a impossibilidade de restituir o título ou de nele mencionar o cumprimento,
o devedor pode exigir quitação passada em documento autêntico ou autenticado ou com reconhecimento
notarial, correndo o encargo pro conta do credor (artigo 789º/1).
No caso de o credor recusar a restituição do título ou a menção do cumprimento, o devedor tem a
faculdade de se recusar a cumprir (artigo 788º/3).
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2.2 O não cumprimento
Quando existe alguma desconformidade entre o que se está a passar na realidade e o plano dever-‐ser
estamos perante o não cumprimento.
Esclareça-‐se de antemão que o não cumprimento é diferente do incumprimento, sendo o incumprimento
uma categoria de não cumprimento que já inclui um juízo de valoração. O não cumprimento apenas quer dizer
que ainda não houve cumprimento.
Perante a situação de não cumprimento devemos colocar uma nova questão: O que é que determinou o
não cumprimento?
Podemos identificar três causas para o não cumprimento:
1. Impossibilidade: O não cumprimento não é imputável ao devedor, mas sim ao credor, ou a condições
externas, em conformidade com o artigo 790º. – artigos 790º-‐797º.
2. Causa imputável ao devedor: O devedor deveria ter feito determinada coisa e não fez. É a estes casos
que chamamos verdadeiramente incumprimento – artigos 798º -‐ 812º.
3. Causa imputável ao credor: O credor deveria ter feito alguma coisa que não fez – artigos 813º -‐ 816º.
Consoante a diferente causa para o não cumprimento, também as consequências são diferentes.
2.2.1 A impossibilidade
Para que a impossibilidade cause extinção a obrigação:
1. Não pode ser imputável ao devedor;
2. Tem que ser objetiva ou, sendo subjetiva, tem que se reportar a uma situação de facto infungível;
3. Tem que ser definitiva;
4. Tem que ser total;
5. Tem que ser absoluta;
Impossibilidade não imputável ao devedor
Artigo 790º/1: Regra geral: “A obrigação extingue-‐se quando a prestação torna impossível por causa não
imputável ao devedor”.
Para que a impossibilidade extinga a obrigação esta não pode ser imputável ao devedor, o que significa que
a impossibilidade pode resultar de facto externo ou de facto imputável ao credor.
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Exemplo: Estou obrigado a entregar um carro amanhã e hoje um terceiro destrói-‐me o carro. A obrigação
extinguiu-‐se por aplicação dos artigos 790º e ss. O que me destruiu o carro está obrigado a indemnizar-‐me,
pelo que o facto que é motivo de impossibilidade é também a causa que me atribui um direito contra um
terceiro.
Eu não posso entregar o carro ao meu credor, mas nos termos do artigo 794º, o credor pode exigir que eu
lhe entregue a indemnização que vou receber.
2.2.1.2 As consequências da impossibilidade
Regra geral, uma pessoa não se vincula perante outra sem uma contrapartida. Isto é, normalmente os
contratos que celebramos não são gratuitos mas sim sinalagmáticos: pressupõem uma troca.
Deste modo, quando alguma coisa frustra o programa obrigacional, esse facto não frustra apenas uma
obrigação, repercute-‐se também na obrigação oposta.
Se uma obrigação é impossível o que acontece então?
® Artigo 795º: Se uma obrigação se torna impossível, a outra também cai, pois o nexo que existe entre
elas deixa de existir.
Se, porém a impossibilidade for criada pelo próprio credor, não obstante de ele não receber o que
lhe é devido, vai continuar vinculado à obrigação na qual é devedor. Se foi ele que destruiu o equilíbrio
contratual, é ele quem tem que arcar com as consequências.
® Artigo 793º: Se estivermos perante uma situação em que uma obrigação se torna parcialmente
impossível, a obrigação oposta será reduzida de forma proporcional à impossibilidade. Quer dizer que
o impossibilitado presta menos, mas também recebe menos em troca.
Se a impossibilidade for imputável ao credor mantém-‐se, por analogia, o critério do artigo 795º: a
obrigação do devedor reduz-‐se mas a do credor mantém-‐se.
Pode ainda acontecer que o credor diga, justificadamente, que não tem interesse no cumprimento
parcial da obrigação. Se a impossibilidade não lhe for imputável e se demonstrar que não tem
interesse, não vai receber nada nem ter que prestar nada.
Nota: A desvinculação do contrato não é livre mas é possível de acordo com o artigo 432º.
2.2.1.3 O risco
Dentro do regime da impossibilidade, o regime do risco só se aplica em situações especiais.
O regime do risco surge no artigo 796º, mas para aplicarmos este artigo temos que ter vários requisitos
reunidos cumulativamente:
1. Estar perante uma obrigação que resulte de um contrato que tem por efeito a transmissão ou a
constituição de um direito real sobre uma coisa;
2. A obrigação que esteja em causa tem de ser a obrigação de entrega da coisa a que esse contrato se
refira;
3. É necessário que a obrigação se tenha tornado de conteúdo impossível, não podendo ocorrer da forma
que era prevista;
4. É necessário que essa impossibilidade seja consequência da perda ou da deterioração da coisa
Se algum destes requisitos não for preenchido, não se pode aplicar este regime do risco.
Regra geral, a perda ou deterioração da coisa corre por risco do adquirente.
Exemplo: A e B celebram o contrato de compra e venda da coisa X. A ficou obrigado a entregar a coisa, mas
antes de o fazer a coisa deteriora-‐se por motivos não imputáveis à sua pessoa.
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Por mero efeito do contrato transferiu-‐se o direito e o risco. O que quer que aconteça à coisa depois do
contrato recai na esfera de risco do adquirente, sendo ele a suportar as consequências negativas do suporte
desse risco.
Exceções:
® Quando a perda ou a deterioração é imputável ao alienante, o risco ocorre por sua conta.
® Quando é fixado um prazo para a entrega da coisa sobre a qual recai a obrigação, o risco só se transfere
quando a coisa for entregue ou terminar o prazo. Até l á, o risco fica ao encargo daquele que beneficia
do prazo.
Exemplo: A tem de entregar x a B e tem um prazo de 30 dias para o fazer. Se A quer 30 dias para entregar a
coisa então enquanto tem este benefício também tem o risco inerente.
® O risco transfere-‐se com o direito. Se o contrato cessar com determinação de um facto, só aí cessa o
risco. Se o contrato só fizer efeito a partir de um dado acontecimento, só a partir desse facto se
transfere o risco.
Artigo 797º: Aplica-‐se quando a obrigação está configurada em termos tais que se considera cumprida com a
expedição da coisa.
2.2.2 O incumprimento
Para declarar incumprimento de uma obrigação temos primeiro de identificar o incumprimento. Existem
vários tipos de incumprimento diferentes que, por isso, têm também consequências distintas.
Existem dois critérios diferentes que importam quando se tenta identificar o tipo de incumprimento: o
critério temporal e o critério material.
As soluções para o incumprimento resultam sempre do cruzamento destes dois critérios.
2.2.2.1 O incumprimento em função do critério temporal
Este critério faz a distinção fundamental entre o que é a mora e o incumprimento definitivo.
Temos uma situação de mora quando o devedor está atrasado no cumprimento da obrigação, ou seja,
quando deixou passar o momento em que deveria ter cumprido a obrigação. Nesta situação, o devedor conta
ainda com alguma benevolência por parte do ordenamento jurídico, uma vez que se acredita que ainda se
espera que o devedor se conforme com o cumprimento da prestação. É isto que caracteriza verdadeiramente
a mora: a possibilidade de a qualquer momento ser sanada.
Durante a pendência da mora, quem controla o destino da obrigação é o devedor porque é ele que decide
se vai ou não cumprir. Se o devedor oferecer o cumprimento e o credor recusar então é o credor que entra
em mora.
Estamos perante uma situação de incumprimento definitivo quando, para efeitos jurídicos, se acredita que
o devedor não cumpriu nem vai cumprir a prestação a que estava obrigado: já esgotou todas as possibilidades
que tinha para se conformar com a prestação. O incumprimento definitivo é muito mais grave do que a mora,
pelo que também tem consequências mais gravosas.
Regra geral, a mora antecede o incumprimento definitivo, porém é possível chegar ao incumprimento sem
antes passar pela situação de atraso.
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2.2.2.1.1 A mora do devedor
A mora do devedor está prevista nos artigos 804ºe ss.
A mora tem sempre um termo inicial que consiste no momento em que o devedor deveria ter realizado a
prestação e não realizou. A fixação desse momento é estabelecida pelo artigo 805º, no qual tem que se ter
em conta dois aspetos:
® Se estamos perante uma obrigação a prazo certo, o devedor constitui-‐se em mora por mera
ultrapassagem desse prazo;
® Se estamos perante uma obrigação que não tem um prazo certo, o devedor só se constitui em mora
quando interpelado judicial ou extrajudicialmente;
As consequências da mora:
® Indemnização: Visa ressarcir o credor pelo atraso no cumprimento da prestação (artigo 804º). Na
obrigação pecuniária (artigo 806º/1) a indemnização corresponde aos juros moratórios.
® Exceção de não cumprimento: a mora do devedor pode ser motivo bastante para a invocação do não
cumprimento pela outra parte (artigo 428º).
® Mora do credor: Uma vez que o credor pode invocar o artigo 428º pelo não cumprimento da obrigação
em que é devedor, o devedor que inicialmente estava em mora, entra também em mora do credor na
segunda obrigação.
Exemplo: A vende um carro a B. B atrasa-‐se no pagamento: está em morado devedor em relação à obrigação
em que tem de pagar a A. Como A não foi pago, não entregou o carro que devia pela invocação do 428º. Como
a não entrega do carro foi culpa de B, este entra também em mora do credor em relação à obrigação em que
tem de receber o carro. B fica, portanto em mora em relação às duas obrigações: aquela em que é credor e
aquela em que é devedor.
® Inversão do risco: Regra geral, se o devedor se atrasou no cumprimento da obrigação, então é ele que
suporta o risco da coisa que fosse ser prestada (artigo 807º/1).
Porém, é permitido ao devedor provar que o credor teria sofrido igualmente os danos se a obrigação
tivesse sido cumprida, se esse for o caso (807º/2) – relevância negativa da causa virtual.
Exemplo: A tem de entregar um carro a B que lhe vai pagar pelo carro. Enquanto devedor, B encontra-‐se em
mora. 2 dias depois da data em que o carro deveria ter sido entregue há um incêndio na garagem e o carro é
destruído. O que levou a que o carro fosse destruído foi a mora do devedor: se B tivesse pago a tempo, o carro
teria sido prestado a tempo e não teria sido destruído.
Se, porém, o credor fosse seu vizinho e após comprar o carro B o fosse guardar na mesma garagem,
independentemente, ou não, do cumprimento, o carro teria sido destruído.
O artigo 807º parece ter o seu âmbito de aplicação recortado do artigo 796º. Porém, nos artigos relativos
à impossibilidade, o regime do risco é uma figura especial. Acontece que no caso de mora do devedor, o
regime do risco do artigo 807º corresponde ao regime geral (o devedor suporta os riscos da impossibilidade
porque quando a impossibilidade ocorreu, o devedor já estava em mora).
Exemplo: A contrata B para fazer obras em sua casa. As obras deveriam ter sido feitas no dia 1. Porém, no dia
1 B não se dirige a casa de A para fazer as obras – incorre em mora. No dia 2, quando tencionava cumprir a
prestação, é cortada a única estrada que dá acesso a casa de B e fica cortada durante 12 dias (caso de
impossibilidade). Durante a impossibilidade, quem assume o risco é B (devedor).
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O término da mora
Como a mora pode ser a qualquer momento sanada é considerada transitória. Deste modo, tal como tem
um início, também tem de ter um fim. A mora termina:
® Quando o devedor se conforma e oferece o cumprimento – extingue-‐se a obrigação através do
cumprimento;
® Quando o devedor permanece na situação de incumprimento até que a mora deixe de ser mora e
passe a ser incumprimento definitivo. A mora passa a ser cumprimento definitivo quando, regra geral,
deixa de ser exigível ao credor que continue à espera do devedor.
2.2.2.1.2 O incumprimento definitivo
Existem 5 causas para chegarmos ao incumprimento definitivo que têm em comum a inexigibilidade do
credor esperar pelo devedor:
1. Decurso do prazo admonitório (artigo 808º);
2. Perda objetiva do interesse da prestação (artigo 808º);
3. Impossibilidade definitiva imputável ao credor (artigo 801º e ss.);
4. Declaração perentória de não cumprimento;
5. Perda de confiança/Justa causa;
Decurso do prazo admonitório (artigo 808º): Estamos perante um facto que para ser causa do incumprimento
definitivo pressupõe a existência de mora. O que caracteriza esta situação é que o devedor está atrasado e o
credor lhe dá uma segunda oportunidade que se traduz na atribuição de um prazo adicional dentro do qual o
devedor deverá cumprir. Este prazo não é, porém, aleatório. Exige-‐se que:
• O prazo seja razoável: tem que ser uma verdadeira segunda oportunidade;
• Seja transmitido de tal forma que seja percecionado pelo devedor como a última oportunidade que
tem;
Se o devedor cumprir dentro deste prazo, a obrigação extingue-‐se, se não entra-‐se em incumprimento
definitivo. A entrada no incumprimento definitivo dá-‐se, portanto, pelo esgotamento do segundo prazo.
Perda objetiva de interesse (artigo 808º): Esta situação só é relevante se estivermos perante mora, o que
quer dizer que mais uma vez é a mora que se torna em incumprimento definitivo.
Em consequência do atraso, o credor perdeu o interesse que tinha na prestação. Nesta situação, a
obrigação deixa de ter utilidade para o credor por não ter sido prestada em tempo útil. A perda tem de ser
uma perda objetiva e razoável. Isto é, temos de considerar que o Homem justo e razoável, naquelas
circunstâncias teria perdido o interesse (808º/2). Isto só funciona se a perda de interesse for causada por
atraso.
Exemplo: Alguém encomenda um presente para oferecer a alguém que deve chegar antes do aniversário da
pessoa. Na sequência do atraso, quem adquiriu o bem perdeu o interesse nele. Se o presente se atrasou teve
que ir comprar-‐se outro, por isso o primeiro deixa de fazer sentido.
Impossibilidade definitiva imputável ao devedor: A impossibilidade imputável ao devedor, sendo definitiva,
leva-‐nos a uma situação de incumprimento definitivo sem necessidade de mora.
Declaração perentória de não cumprimento: Não se trata de uma causa prevista na lei, corresponde a um
desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial que é unanimemente aceite. Corresponde a uma importação
para o direito português do incumprimento antecipado. Estão em causa as situações em que o devedor deixa
claro perentoriamente que não vai cumprir. O que podemos fazer é antecipar a tutela do credor.
Mais uma vez, não se espera que o credor fique à espera que o devedor venha fazer algo que já disse que
não faria.
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Perda de confiança/Justa causa: é resultado da concretização de uma vertente doutrinária reconhecida pela
jurisprudência. O que está em causa é que existem relações contratuais que pressupõem uma relação de
confiança. Essa relação de confiança às vezes perde-‐se tornando inexigível ao outro que se mantenha na
relação contratual. Habitualmente isto acontece nas relações duradouras. Quando se quebra a relação de
confiança, a justa causa permite cessar a relação duradoura.
Temos que chegar a uma situação em que olhamos para o credor e vemos que não é razoável que o credor
atribua ao devedor outra oportunidade.
2.2.2.2 O incumprimento em função do critério material
Este critério avalia o grau de desconformidade entre o comportamento do devedor na realidade e o
comportamento que deveria ter sido adotado nos termos da obrigação.
Perante o grau de desconformidade com o que deveria ter sido adotado é feita a distinção entre:
• Incumprimento total: casos em que o devedor não realiza parte alguma da obrigação e, por isso,
há uma divergência total entre aquilo que era esperado e aquilo que aconteceu;
• Incumprimento parcial: casos em que o devedor se mobiliza para cumprir a obrigação, mas não o
faz por inteiro;
o Incumprimento parcial qualitativo: o devedor pode respeitar a prestação na totalidade
mas não respeita a qualidade exigível, sendo a sua prestação deficiente;
o Incumprimento parcial quantitativo: o devedor simplesmente não realiza parte da
prestação;
As consequências do incumprimento total e parcial
A lei prevê diferentes consequências para o incumprimento total e para o incumprimento parcial.
Aquilo que é pedido, em qualquer caso, em relação às consequências, pode traduzir-‐se na resposta a três
questões fundamentais, feitas a partir da perspetiva do credor:
1. O que é que eu vou fazer com a prestação não realizada?
2. O que é que eu vou fazer com a obrigação que eu próprio devo?
3. Que indemnização vou pedir?
A 1ª e a 3ª perguntas verificam-‐se em todas e quaisquer obrigações, enquanto a 2ª apenas é relevante
quando estamos perante obrigações sinalagmáticas. Isto porque, se uma obrigação tem outra como
contrapartida, uma qualquer frustração dessa obrigação afeta automaticamente a outra.
Conceitos relevantes
Interesse contratual: na responsabilidade obrigacional e, em especial, na responsabilidade contratual, a
obrigação de indemnizar é sempre uma obrigação que visa anular as diferenças entre uma situação real e uma
situação hipotética. A situação hipotética pode ser uma de duas:
1. Situação em que o credor estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido – interesse
contratual positivo. Assim, a indemnização pelo interesse contratual positivo visa colocar o credor na
situação hipotética em que ele estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
2. Situação que existiria se o credor não tivesse celebrado o contrato – interesse contratual negativo. A
indemnização pelo interesse contratual visa colocar o credor na situação hipotética em que ele estaria
se não tivesse celebrado contrato algum.
Interesse contratual total: A indemnização aproxima a situação hipotética da situação real, cobrindo a
totalidade do programa obrigacional, que não ocorreu.
Indemnização contratual residual: a indemnização apenas repara os danos depois de as prestações terem
sido realizadas.
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Que fazer com a prestação
O que fazer com a prestação não realizada? Que indemnização devo pedir?
que eu próprio devo?
O credor está numa situação de espera. Não pode Recorrer à exceção de não Indemnização limitada aos danos
recusar a prestação. O máximo que poder faze é cumprimento (428º). causados pelo atraso (804º),
Mora
exigir que ela seja cumprida. O credor pode fixar porque a obrigação foi
o prazo admonitório (808º) – prende-‐se com a materialmente cumprida – ICP
exigência do cumprimento. residual.
Insistir no cumprimento da prestação. Pode usar Está obrigado a realizar a Apenas poderá exigir uma
meios coercivos (817º e seguintes). contraprestação. No máximo indemnização pelo interesse
pode servir-‐se da exceção do contratual positivo, pelos danos do
não cumprimento (428º). atraso (804º).
Incumprimento definitivo total (801º)
Desistir Reduzir (801º, nº2). Não há ICN residual se desistir de
resolução. contraprestar)
Em relação ao
Desistir
que está feito:
(801º, nº2). Indemnização pelo ICN ou pelo ICP
Rejeitar tudo Resolve o total (a indemnização é
contrato independente do facto de o credor
(432º e resolver o contrato – 801º, nº2).
total
em
seguintes).
Está obrigado a realizar a
ICP residual pelos danos do atraso
Insistir contraprestação. Exceção do
(804º)
Em relação ao não cumprimento (428º)
que falta:
Reduzir. Não há resolução.
Desistir ICP residual (ou ICN residual se
Insistir desistir de contraprestar)
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2.2.2.3 O incumprimento imputável ao credor – mora do credor
O incumprimento nem sempre é imputável ao devedor. Pode também ser imputável ao credor, o que se
verifica, sobretudo, através da mora do credor.
O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado (artigo 813º):
• Não aceita a prestação que lhe é oferecida: se existir razão para recusar a prestação então temos
uma situação de mora do devedor e não do credor.
Ex: O devedor deve 1000 e quer pagar 900 e o credor recusa. Apesar de o devedor querer ter pago,
não pagou na totalidade, pelo que o credor tem uma justificação para recusar a prestação. Deste
modo, quem entra em mora é o devedor e não o credor.
• O cumprimento do devedor está dependente da prática de vários atos por parte do credor e este
não os realiza.
Ex: A deve pagar uma dívida em casa de B. Se B não está lá no momento acordado, então B não
praticou um ato necessário para viabilizar o cumprimento e entra em mora.
Consequências da mora do credor (artigo 814º-‐816º):
• A mora do credor não exonera o devedor do dever de cumprir. Quando o credor deixar de estar
em mora, o devedor deve cumprir a sua prestação.
• Quando estamos perante determinada coisa que produziu frutos, pode acontecer que aquele que
esteja obrigado a entregar a coisa, esteja também obrigado a entregar os devidos frutos. Ora, a
partir do momento em que o credor está em mora, o devedor fica exonerado da responsabilidade
sobre os frutos (814º/2).
• Se depois do credor estar em mora, se observar uma situação de impossibilidade, o risco corre por
conta do credor (815º/1). Isto só não acontece se a impossibilidade tiver origem em dolo do
devedor. Dizer que o risco corre por conta do credor, significa que, para todos os efeitos, é como
se a obrigação tivesse sido integralmente cumprida.
Nota: no artigo 795º, o que dá aso à impossibilidade é um comportamento do credor. O artigo
815º aplica-‐se quando está em causa um facto exterior.
• Obrigação de indemnizar (816º): A lei admite que o devedor, ao fazer um renovado esforço por
cumprir, venha a ter despesas adicionais em resultado do comportamento do credor, que deverá
indemnizar o devedor na medida correspondente.
• A mora do credor tem um efeito atenuador da responsabilidade do devedor, na qual se incluem os
juros legais ou convencionados. Numa situação normal, se o devedor estiver obrigado a entregar
determinada coisa ao credor, o devedor será responsabilizado se acontecer algo a essa coisa, quer
por dolo, quer por falta de cuidado. A partir do momento em que o credor entra em mora, ao
devedor só é exigível que não prejudique intencionalmente o credor: o devedor fica exonerado
quanto à sua responsabilidade para com a coisa a prestar. Para estas situações é fundamental
distinguir o dolo da negligência: se o devedor tiver atuado com dolo é responsável, se tiver atuado
com negligência não.
O dolo está associado a uma ideia de intenção. Pode ser direto, necessário ou eventual.
O dolo direto é aquele em que o agente pratica um ato tendo em vista alcançar um determinado resultado.
Ou seja, o resultado é o objetivo direto da sua atuação.
O dolo necessário é aquele em que o agente não quer diretamente aquele resultado, mas sabe que esse
resultado é necessariamente uma consequência do seu comportamento. Por exemplo, A que provocar um
incêndio numa garagem onde tem um carro para ganhar o dinheiro da seguradora; sabe que a destruição do
carro será uma consequência necessária do seu comportamento, mas mesmo assim atua.
O dolo eventual relaciona-‐se com o facto de o agente praticar um ato admitindo como possível, mas não
certo, a verificação de um resultado e conforma-‐se com ele. O que tem de diferente para com o dolo
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necessário é que neste o acontecimento é certo, enquanto no dolo eventual apenas se admite a possibilidade.
No exemplo anterior, o agente que quer incendiar a garagem não tem a certeza se o carro está ou não na
garagem, mas mesmo assim atua.
Na negligência o agente provoca o resultado porque é descuidado na sua atuação, provocando um
resultado indesejado. A negligência pode ser consciente ou inconsciente.
A negligência consciente é quando o agente, ao violar a regra de cuidado, admite como possível que essa
violação tenha por efeito um determinado prejuízo para outro.
Na negligência inconsciente o agente nem prevê como possível causar quele prejuízo. Por exemplo, A deve
entregar amanhã um carro a B e estaciona-‐o debaixo de um prédio em obras. Não quer fazer mal a ninguém,
mas não está a ser cuidadoso. A negligência consciente admite que alguma coisa possa acontecer, enquanto
a inconsciente revela um maior desinteresse para com o prejuízo que se pode causar ao outro.
O que distingue o dolo eventual e a negligência inconsciente?
Existem várias teorias que permitem fazer esta distinção:
1. Um distingue-‐se do outro se fizermos o seguinte raciocínio: fazemos ao agente a questão: “sabendo
que pode acontecer alguma coisa atuas mesmo assim?”. Se a resposta for sim, há dolo, se a resposta
for não estamos perante negligência consciente.
2. Critério da conformação: (critério utilizado) devemos verificar o pressuposto em que o agente
assentou atuar. Por exemplo, alguém vai a uma festa e bebe vinho. Saídos da festa, aqueles que
conduzem pensam no que devem fazer. Obviamente não estão em condições de conduzir, porém,
podem adotar uma de duas atitudes: “que se lixe”, desprezo pelo que pode acontecer (dolo); e o “não
acontece a ninguém porque é que há de me acontecer a mim?”, em que houve consciencialização do
problema, mas se atuou porque se conformou que o resultado não iria acontecer (negligência
consciente).
No que diz respeito ao dolo, o artigo 814º deve ser interpretado amplamente, pelo que a culpa grave deve
ser equiparada ao dolo.
A culpa pode ser grave, padrão, leve ou levíssima. A culpa padrão manifesta-‐se na figura do bom pai de
família. Quanto maior o desvio, maior o grau de culpa. Se a gravidade do seu comportamento for maior é
porque o desvio é maior. Nesse caso, não faz sentido que o agente não responda, o que justifica que a
interpretação ampla inclua também a culpa grave.
3.O regime substantivo da realização da prestação
® Artigos 817º -‐ 830º
Quando se fala em realização coativa da prestação fala-‐se dos meios que o OJ coloca à disposição do credor,
no sentido de obter satisfação para o seu crédito ou no limite para a indemnização que lhe seja devida em
caso de incumprimento, ou caso o devedor não realize a prestação espontaneamente.
Regra geral, nós chegamos ao momento em que o devedor deve cumprir e ele fá-‐lo: o cumprimento é
espontâneo. Outras vezes, isto não ocorre e entra-‐se em situação de incumprimento.
Perante essa situação, o credor pode reagir executando a prestação: exigindo do devedor a realização
coativa da prestação. Nesta realização podemos dar por adquiridos dois princípios:
• Recurso às vias de execução normais;
• Princípio da responsabilidade exclusivamente patrimoniais;
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Para as obrigações pecuniárias:
® Artigos 817º -‐ 826º: Quando o devedor deve dinheiro ao seu credor, obtém-‐se a realização coativa da
prestação indo ao património do devedor, pegando em bens que lá estejam e vendendo-‐os de modo
a satisfazer o credor;
Para as obrigações não-‐pecuniárias:
® Artigo 827º -‐ 830º: não sendo a entrega da coisa feita espontaneamente, a forma coativa de realização
da prestação consiste na possibilidade de o credor se dirigir ao tribunal para tentar que este ordene a
entrega da coisa.
Prestação de facto fungível (artigo 828º): “O credor de prestação de facto fungível tem a faculdade de
requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor”.
Prestação de facto negativo (artigo 829º): “Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum ato e vier a
praticá-‐lo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se
obrigou a não fazer.”
Sanção pecuniária compulsória (artigo 829º-‐A): a prestação só pode ser realizada pelo devedor (prestação
infungível), mas não o podemos forçar a realizar a prestação. Este artigo, permite-‐nos dizer “podes não realizar
a prestação, mas enquanto não o fizeres pagas-‐me x por dia/mês”. Ao ver acumular-‐se a dívida, normalmente
o devedor mobiliza-‐se a cumprir.
3.1 A garantia das obrigações
A garantia das obrigações é composta pelo conjunto de instrumentos que permitem ao credor reagir ao
incumprimento do devedor, sendo que essa reação tem em vista que o credor possa obter, em espécie ou por
equivalente, o mesmo que deveria receber pelo cumprimento espontâneo da prestação. Ora, o ordenamento
jurídico e o credor não têm de ficar parados perante a ação ilícita do devedor da não satisfação da prestação.
A última garantia de que em qualquer caso o credor beneficia é o património do devedor. Em caso de não
satisfação do direito de crédito, o credor pode voltar-‐se para o património que o devedor tenha.
Temos que ter em conta que o que é relevante é o património do devedor no momento em que o crédito
deva ser cumprido. Muitas vezes, entre o momento em que o crédito foi constituído e o momento em que
tem que ser cumprido, há um lapso temporal, pelo que a situação patrimonial do devedor se pode alterar.
Se o devedor tiver património para satisfazer as suas obrigações, o credor vai obter satisfação, caso
contrário não vai.
A garantia pode ser geral ou especial.
3.1.1 A garantia geral das obrigações
A garantia geral reporta-‐se aos meios que o ordenamento jurídico põe á disposição dos credores (artigos
601º-‐622º):
• Não precisam de uma previsão específica;
• Caráter automático -‐ são resultado automático da aplicação do regime legal das obrigações;
• Caráter universal -‐ todos os credores participam por igual modo, não contribuindo de forma
alguma para a distinção dos credores;
Regra geral, pelas obrigações de uma determinada pessoa responde o seu património (Artigo 601º).
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Exceções:
1. Apenas respondem os bens suscetíveis de penhora. Por exemplo, há bens que não podem ser
suscetíveis de penhora por concretizarem parte essencial às condições mínimas da vida. Não obstante
de estes bens integrarem o património cultural do devedor, fazem parte desta exceção.
2. Regime da separação de patrimónios: Cada um de nós tem apenas um património. Porém, existem
situações em que a lei permite que uma pessoa tenha mais do que um património. Estas situações
têm de resultar da lei, não podem resultar de uma situação de vontade própria de uma determinada
pessoa.
Exemplo: Estabelecimento individual de responsabilidade limitada – uma determinada pessoa quer
exercer uma atividade comercial: se o fizer em nome próprio, o que está a fazer é colocar todo o
património em risco em função dessa atividade comercial. Deste modo, uma pessoa pega em parte
do seu património e autonomiza-‐o para responder ao exercício da atividade comercial.
Artigo 602º: Permite que o credor e o devedor acordem que em caso de incumprimento, o credor não pode
agredir determinados bens ou só se pode satisfazer pelo produto de determinados bens.
Artigo 604º: Princípio de tratamento equitativo de todos os credores: se o devedor não dispuser de bens
suficientes para a satisfação de todos os seus credores, todos eles devem se tratados de forma equitativa –
cada um vai ser satisfeito e deixar de ser satisfeito na proporção do seu crédito.
O interesse do credor é que, no momento em que o devedor deva cumprir ou no momento em que reaja
ao incumprimento, o património do devedor tenha o maior número de bens possível.
Em alguns casos, a lei transforma este interesse num interesse juridicamente protegido, permitindo ao
credor que tome determinadas iniciativas para proteger o património do devedor.
Regra geral, é o devedor que gere o seu património sem nenhuma interferência dos credores, porém, há
um conjunto de leis a que o credor pode recorrer que visam que o património do devedor não seja
desvalorizado a modo de pôr em causa a expetativa que o credor tem – meios de conservação de garantia
patrimonial:
• Artigo 605º: qualquer interessado pode requerer, nos termos do artigo 289º, a nulidade. O credor
é um dos interessados pelo que pode fazê-‐lo, não necessitando de demonstrar que a nulidade é
necessária para a satisfação do seu direito de crédito.
Exemplo: A vem invocar a nulidade de um negócio entre B e C. É um direito que tem,
autonomamente, independentemente do que daí possa retirar.
• Sub-‐rogação do credor ao devedor (artigos 606º e ss.): Sub-‐rogação = substituição. Uma pessoa
sub-‐roga-‐se na posição de outra quando se substitui na posição de outra. Na sub-‐rogação, para
que um credor se substitua a outro, tem de demonstrar que aquela é a única forma que tem de
obter satisfação ao direito de crédito.
o Artigo 606º: A sub-‐rogação não permite ao credor obter uma posição de vantagem em
relação aos demais.
Exemplo: C deve a B e B deve a A. A, sendo credor de B, pode substituir-‐se a B para exigir
o cumprimento a C.
o Artigo 609º: A sub-‐rogação exercida por um dos credores aproveita aos demais.
Estas duas figuras permitem ao credor substituir-‐se ao devedor para exercer direitos que este tem,
mas que não está a exercer: assim ultrapassa a inércia.
Nota: considerar sempre uma relação de A deve a B e B deve a C.
• Impugnação pauliana: Estamos perante casos em que os atos de garantia envolvam a diminuição
da garantia patrimonial de crédito.
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Critérios:
o Dessa diminuição tem de resultar a impossibilidade, para o credor, de satisfazer
integralmente o seu direito de crédito;
o Essa diminuição tem de diminuir o património do devedor de tal modo que ele fique sem
património suficiente que permita ao credor satisfazer o seu direito de crédito;
o O ato tem que ser posterior ao crédito ou, sendo anterior, tem de ser praticado com o
objetivo de inviabilizar a satisfação do direito de crédito (Artigo 610º);
o Se o ato for oneroso, para que possa ser impugnado, é necessário que o devedor e o
terceiro com quem tenha celebrado contrato tenham atuado de má-‐fé (Artigo 612º);
o Se o ato for gratuito, a impugnação é permitida ainda que tenham agido de boa-‐fé (Artigo
612º);
o A impugnação tem de ser feita no prazo de cinco anos a contar da data de realização do
ato impugnável (Artigo 618º);
Efeitos: Se a impugnação for procedente, o ato impugnado torna-‐se ineficaz em relação ao credor.
Deste modo, o credor pode executar os bens na medida necessária à satisfação do seu direito de
crédito. A impugnação pauliana só aproveita ao credor que a tenha requerido (Artigo 616º).
A lei atua, sobretudo de acordo com os artigos 616º e 617º, para compor os interesses,
sobretudo do terceiro, cujo património desaparece para cumprir uma prestação que não era sua.
• Arresto: Este meio de conservação de garantia patrimonial é um meio preventivo em relação à
impugnação pauliana. Nesta situação, o credor está numa posição em que antecipa que o devedor
vai prejudicar o seu direito de crédito, protegendo-‐se antecipadamente (Artigo 619º).
Exemplo: O devedor está a fazer doações sem critério e a passar os seus bens para o nome dos
familiares. Enquanto isto, o credor atua, recorrendo a tribunal, pedindo a congelação dos bens do
devedor para que possa vir a satisfazer o seu direito de crédito (Artigo 622º).
Para que estes meios sejam ativados, o credor tem de demonstrar que a atuação por esta via é necessária
para a proteção do seu direito de crédito. A única exceção a este princípio é a declaração da nulidade do artigo
605º.
Formas de diminuição do valor patrimonial:
• Diminuição do valor do património (desvalorização);
• Prática de atos gratuitos;
• Prática de atos onerosos a menor valor que o real;
• Diminuição da execução prática dos bens;
Exemplo: Se entregarmos ao devedor uma determinada quantia, ele pode passa-‐la para um terceiro,
pô-‐lo no banco, etc., o que pode gerar dificuldade em ver para onde foi o dinheiro. Se, porém, se tratar
de uma casa, sabemos exatamente onde está o “dinheiro”: no valor da casa. Os imóveis requerem
inúmeros registos e requisitos formais que os tornam património facilmente localizável.
3.1.2 Garantia especial das obrigações
As garantias especiais só beneficiam determinados credores que ficam, desta forma, numa posição de
vantagem em relação a outros, no que toca à satisfação do seu direito de crédito.
As garantias especiais podem ser:
• Reais: Estas garantias traduzem-‐se na atribuição, a um determinado credor, de um direito real de
garantia (Artigos 656º e ss.) que vai incidir sobre uma determinada coisa. Este credor passa a ser
titular não só do crédito, mas também de uma situação jurídica auxiliar que é o direito real de
garantia.
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Existindo um direito real de garantia sobre determinada coisa, quando esta for vendida para
satisfação do direito de crédito do credor, o seu valor não será dividido por todos os credores
equitativamente. O seu valor vai ser utilizado, primeiramente, para satisfazer o direito de crédito
do credor que tem o direito real de garantia e só depois para satisfazer os determinados credores.
• Pessoais: Nestes casos, o credor soma ao direito de crédito uma situação jurídica auxiliar de caráter
pessoal. Esta garantia traduz-‐se num segundo direito de crédito, não contra o devedor, mas sim
contra um terceiro. Junta-‐se ao direito de crédito sobre o devedor um direito de crédito sobre um
terceiro, juntando ao património do devedor o do terceiro.
A garantia especial pessoal de eleição é a fiança (Artigos 627º e ss.).
As situações jurídicas de garantia são acessórias, isto é, servem apenas para reforçar o direito de crédito,
não tendo uma razão de ser autónoma.
Da acessoriedade resultam determinadas consequências. Vejamos o caso da fiança:
• Artigo 627º/2: A obrigação é acessória por ser instrumental, ou seja, só existe por ser instrumento
de uma obrigação principal;
• Artigo 631º/1: A existência da fiança nunca pode ser motivo de enriquecimento do credor, pelo
que a fiança não pode ser superior à prestação;
• Artigo 632º: Se a obrigação principal for inválida, a fiança também o é;
• Artigo 582º: Se o direito de crédito se transferir de uma esfera jurídica para outra, o direito do
credor sobre o fiador transmite-‐se também. O direito à fiança segue o direito do credor;
• Artigo 637º: O fiador só é obrigado a responder perante o credor na medida em que o devedor
também o fosse. O fiador pode, então, invocar todos os meios de defesa que o devedor pudesse
invocar;
• Quando a obrigação principal se extinguir, a fiança extingue-‐se igualmente;
A fiança
O que existe na fiança é a vinculação de uma determinada pessoa perante o credor através do qual esse
fiador aceita responder pessoalmente pela dívida de um terceiro.
A fiança resulta de um negócio jurídico que deve obedecer a determinados requisitos (Artigo 628º):
• A vontade de prestar fiança tem de ser expressa;
• A declaração de prestar fiança tem de ser feita na forma da obrigação principal;
• Para que exista fiança basta que o fiador queira e o credor aceite, a posição que o devedor tenha
em relação à fiança é irrelevante;
Efeitos da fiança: O principal efeito da fiança é contido no artigo 634º. Por efeito deste artigo, o credor pode
dirigir-‐se ao fiador para que este pague aquilo que o devedor deixou e pagar. Se nada for dito, a fiança inclui
a obrigação principal e os juros moratórios ou culpa do devedor.
Uma vez interpelado, o fiador deve, regra geral, pagar. Caso não o faça, o seu património responde pelo
que é devido pelo devedor.
No entanto, existem fundamentos que o fiador pode invocar contra o credor no sentido de evitar pagar:
• Artigo 637º: O fiador pode invocar contra o credor todos os meios de defesa que o devedor
pudesse invocar.
Exemplo: A vende um carro a B. A não confia em B, pelo que C se torna fiador de B. A não entrega
o carro a B, então este pode não entregar o preço (428º), adiando o cumprimento da sua obrigação.
A não está para esperar e vai pedir a C que pague. C, à semelhança do devedor, pode também
invocar o artigo 428º.
• Argumentos próprios: São meios de defesa próprios do fiador.
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o Benefício da execução prévia (Artigo 638º e 639º): o fiador pode recusar-‐se a cumprir
enquanto houver oportunidade de o credor se satisfazer pelo património de devedor. Só
quando o património do devedor estiver esgotado é que o fiador fica obrigado a
responder. O esgotamento do património do devedor, inclui também que o fiador possa
invocar a existência de uma outra garantia real que esteja acordada.
O fiador pode renunciar a estes benefícios através do artigo 640º e mediante os casos
nele previstos.
o Artigo 642º: O fiador pode evitar responder na medida em que o credor se possa satisfazer
por compensação e enquanto o negócio puder ser impugnado;
Se o credor exigir o cumprimento do fiador e este cumprir, a obrigação não se extingue. Existindo uma
fiança e sendo o crédito cumprido por um fiador, o crédito em causa não se extingue pelo cumprimento,
continua a existir.
O crédito não continua a existir na forma original. De acordo com o artigo 644º, o crédito transmite-‐se,
deixando de ser titularidade do credor e passando a ser da titularidade do fiador – sub-‐rogação.
Exemplo: A é credor de B e C é fiador de B. C cumpre a obrigação perante A. O crédito transfere-‐se da esfera
jurídica de A pra C. C passa a ser credor de B, mantendo-‐se a obrigação entre eles.
5.A transmissão das obrigações
Quando falamos em transmissão de obrigações falamos em quatro figuras:
• Cessão de crédito
• Sub-‐rogação
• Assunção de dívidas
• Cessão de posição contratual
Estes são institutos através dos quais se processa a transmissão de uma posição jurídica para uma esfera
jurídica alheia. Por se transmitir apenas um direito estamos perante uma transmissão singular.
Existe ainda transmissões globais, quando se trate de um conjunto de direitos ou posições jurídicas,
caracterizando-‐se pelas transmissões de património. O património transmite-‐se como um todo, de modo que
as coisas ou posições jurídicas que o integrem são transferidas conjuntamente com o património e não
individualmente.
5.1 Cessão de crédito
® Artigos 577º e ss.
Cessão, para o direito, significa transmissão, neste caso, do direito de crédito. A cessão de crédito traduz-‐
se num contrato entre o cedente e o cessionário – credor originário e o que vem a receber na sua esfera
jurídica o direito de crédito, respetivamente – no qual o cedente transmite, gratuita ou onerosamente, o seu
direito de crédito ao cessionário. Nesta relação o devedor denomina-‐se devedor cedido.
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Exemplo: A é credor e B devedor. A, credor, celebra um contrato com C pelo qual transmite a C o direito de
crédito. Onde estava A, passa a estar C. Nesta relação A é o cedente, C o cessionário e B o devedor cedido.
Em relação ao contrato elaborado entre o cedente e o cessionário o devedor é considerado um terceiro.
Ainda assim, este contrato produz um único efeito para o devedor: o de alterar o seu credor.
Artigo 577º/1: Regra geral, o direito de crédito pode transferir-‐se independentemente do consentimento do
devedor. Pressupõe-‐se que para o devedor é irrelevante a pessoa a quem deve, uma vez que tem que cumprir
independentemente do credor. Não existe nenhum interesse legítimo que o devedor possa invocar para se
opor à cessão.
Exceções: Há casos em que a cessão não é permitida. São casos em que a cessão é:
• Proibida legalmente;
• Proibida contratualmente por convenção das partes;
• Proibida pela natureza da prestação;
Artigo 577º/2: Quando as partes convencionem a proibição da cessão de crédito, esta convenção não é
oponível ao cessionário, a menos que se demonstre que no momento da cessão, o cessionário conhecia a
proibição. Isto é, é necessário que o cessionário atue de má-‐fé.
Efeitos da cessão:
• A cessão proibida legalmente é nula (Artigo 294º);
• A cessão proibida contratualmente pode ser considerada ineficaz nos casos de má-‐fé por parte do
cessionário (Artigo 577º/2);
• A cessão proibida pela natureza da prestação pode ser oponível ao cessionário caso este atue de má-‐
fé; também neste caso se aplica o artigo 577º/2.
• Artigo 578º
O principal problema que a cessão oferece relaciona-‐se com a sua relação com o devedor cedido. Apesar
de ser considerado um terceiro, o devedor é um terceiro que tem uma posição especial por ser devedor de
uma pessoa e por efeito da cessão passar a ser devedor de outra. Deste modo, é imperativo que o devedor
saiba junto de quem deve cumprir.
Artigo 583º: O devedor deve ser protegido por não ser parte da transmissão do direito de crédito. Se não tiver
conhecimento dela, esta não lhe pode ser oponível, não podendo ter para si qualquer consequência negativa.
O devedor só fica obrigado a levar em conta o contrato de cessão a partir do momento em que se verifique
um destes três fenómenos:
• O devedor é notificado da cessão;
• O devedor aceita a cessão;
• O devedor demonstra por outra via ter conhecimento da cessão;
A verificação do primeiro destes três factos marca o momento a partir do qual o devedor passa a ver o
cessionário como seu credor.
A única forma que o cessionário tem de se fazer valer como credor é antecipar a notificação, isto é, encurtar
o período de tempo que vai entre a transmissão do direito de crédito e a sua notificação ao credor.
A verificação de um destes três fenómenos é essencial porque marca o momento a partir do qual a
transmissão se torna oponível ao devedor cedido.
A notificação não tem de ter uma forma especial. A única coisa que tem que se demonstrar é que foi feita
essa comunicação. O momento em que a notificação produz efeitos retira-‐se do artigo 224º.
A lei não menciona se a notificação deve ser feita pelo cedente ou pelo cessionário, pelo que se aceita que
seja feita por qualquer um dos dois. Não obstante não haver qualquer impedimento em relação a quem faz a
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notificação, o devedor, quando apenas recebe notificação do cessionário sem nenhuma demonstração da
veracidade da cessão, pode pensar que se trata de um qualquer terceiro a ganhar vantagem. Daqui retira-‐se
que é preferível que a notificação deva ser feita pelo cedente. Caso contrário, deverá ser munida de tudo
aquilo que ajude a comprovar que a transmissão do direito de crédito ocorreu realmente.
Podem, todavia, existir cessões que não são notificadas: cessões ocultas. Isto pode ocorrer por duas razões:
• Por consenso de ambas as partes, presumindo-‐se, neste caso, que existe um mandato sem
representação;
• Porque não foi feito o necessário para que a cessão se tornasse conhecida pelo devedor;
Exemplo: (primeira razão)
B deve a A uma quantia de dinheiro que tem que pagar dentro de um ano. A não pode esperar um ano pelo
pagamento pelo que cede o crédito a C. B, passado um ano passa a ter que pagar a C. Imagine-‐se que, porém,
A não quer que B perceba que este tinha urgência em receber o dinheiro antes do prazo estipulado, mantendo
tudo em segredo com C. Apesar de o crédito ser de C, B vai dirigir-‐se a A para pagar o que deve, por não ter
conhecimento da cessão. A vai estar a atuar como mandatário sem representação de C, o que quer dizer que
receberá o crédito e o deverá entregar na totalidade a C.
Se A recebesse o crédito sem se tratar de um mandato sem representação estaria a atuar ilicitamente.
Artigo 584º: Este artigo trata dos casos em que o cedente cede duas vezes o mesmo direito de crédito.
Existem, assim, dois negócios conflituantes que não podem coexistir. Este artigo resolve esse conflito dizendo
que, nestes casos, prevalece o primeiro negócio que seja notificado ou aceite pelo devedor.
Exemplo: A cede dia 1 a B, e cede dia 2 a C. Se D, o devedor, aceitar primeiro a cessão a C, então é esta que
prevalece. B, neste caso, teria direito de indemnização contra A.
® Na opinião do professor saber qual o cessionário que prevalece é um problema de anterioridade
temporal da cessão. A, ao transmitir uma segunda vez, já não está a transmitir algo que é seu, uma
vez que já fora por si transmitido.
Para além disto, esta forma de resolver a questão também permite uma maior proteção do devedor.
Argumentos:
1. Coerência para com o Ordenamento Jurídico como um todo;
2. Inserção sistemática do artigo 584º: o artigo anterior trata a proteção do devedor, assim como o
seguinte. Seria estranho se no meio dessa temática se fosse abordar outra questão;
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Artigo 581º: A proibição da cessão dos créditos ou direitos litigiosos não tem lugar nos seguintes casos:
1. Quando a cessão for feita ao titular de um direito de preferência ou de remição relativo ao direito
cedido;
2. Quando a cessão se realizar para defesa de bens possuídos pelo cessionário;
3. Quando a cessão se fizer ao credor em cumprimento ao que é devido.
Artigo 582º: A menos que haja convenção em contrário, a transmissão do direito de crédito implica a
transmissão de todos os acessórios que ele tenha. Quando transmitimos o direito de crédito, se nada for dito
em contrário é assim que se processam as coisas.
Exemplo: Se tenho um direito de crédito garantido por penhor, se o ceder, a garantia é transmitida
conjuntamente com o direito de crédito.
Artigo 585º: O devedor tem, também meios de defesa que podem usar contra o credor para obstar ou atrasar
o cumprimento licitamente. Este artigo garante que o devedor pode usar contra o cessionário todos os meios
de defesa que tinha contra o cedente até ao momento da cessão. Meios de defesa que o devedor arranje
contra o cedente após a cessão se ter tornado eficaz, já não são procedentes para invocação contra o
cessionário, apenas podem ser invocados contra o cedente.
Pretende-‐se que por efeito da cessão, o devedor não perca nada do que tinha anteriormente.
Exemplo: A vende x a B. B deve o pagamento a A. O direito de crédito de A é transmitido para C passados 3
meses, momento em que B, o devedor, toma conhecimento da cessão. No momento da prestação, B
apercebe-‐se que o bem x tinha defeito e por isso não quer pagar a C. Este meio de defesa não pode ser
exercido contra o cessionário, tem de ser exercido contra o cedente.
® Acontecimentos que ponham em causa o contrato original são sempre imputáveis ao cedente
independentemente do momento em que ocorram.
Artigo 587º: Existem quatro tipos de garantia que o cedente pode dar ao cessionário:
• O crédito existe;
• O crédito é exigível: não há nenhum fundamento que possa prejudicar a exigibilidade do direito de
crédito);
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• Solvência do devedor: garantia de que o devedor tem condições para cumprir e satisfazer o direito de
crédito do cessionário;
• Cumprimento pelo próprio devedor: garantia de que o devedor vai cumprir. A isto se chama cessão
com recurso, uma vez que o cessionário fica com um recurso contra o cedente caso o devedor não
cumpra a obrigação.
As duas primeiras formas de garantia são prestadas automaticamente com a cessão ainda que nada seja
dito em relação a elas.
Por sua vez, para que a solvência seja garantida, é preciso que esta garantia tenha sido dada
expressamente.
5.2 Sub-‐rogação
Há sub-‐rogação quando um terceiro cumpre uma dívida de outrem ou empresta dinheiro (ou outra coisa
fungível) ao devedor para esse cumprimento, adquirindo os direitos do credor originário em relação ao
devedor. Trata-‐se de outra forma de transmissão de créditos.
Exemplo: A deve 1000 a B. C entrega os 1000 a B para satisfazer esse crédito. Em vez de se extinguir o direito
de crédito, este transmite-‐se para C que passa a deter o direito de crédito que antes era de B. A que antes
devia a B, passa a ficar a dever a C.
De acordo com o artigo 589º, para que haja sub-‐rogação, é necessário que haja uma declaração expressa
de que assim se procederá. Sem esta declaração expressa, a obrigação extingue-‐se em vez de se transmitir.
A sub-‐rogação pode ser:
• Voluntária: resulta de um acordo entre o terceiro e o devedor (Artigo 589º e 590º);
• Legal: verifica-‐se por imposição da lei (artigo 592º);
Efeitos da sub-‐rogação:
• O terceiro que cumpre a prestação adquire os poderes que competiam ao credor;
• Em casos de satisfação parcial a sub-‐rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário;
• Nenhum sub-‐rogado pode ter preferência sobre os demais, aquando de momentos sucessivos de
satisfação parcial do crédito;
® É aplicável à sub-‐rogação, o disposto nos artigos 582º e 584º sobre a cessão, com as devidas
alterações.
Temas: transmissão de garantias e outros acessórios; efeitos em relação ao devedor; sub-‐rogação a
várias pessoas.
5.3 A assunção de dívida
Da mesma forma que admite a transmissão de créditos, o CC prevê nos artigos 595ºe ss. a transmissão
singular de dívidas através da figura da assunção de dívida. Esta transmissão é feita através de um contrato
celebrado com terceiro.
Artigo 595º/1: A transmissão de uma dívida pode verificar-‐se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
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Verifica-‐se que a intervenção do credor é sempre necessária, quer através da ratificação do contrato, quer
como parte do contrato. A sua intervenção é fundamental, uma vez que conhecer a identidade do devedor é
fundamental para o credor, daí que só exista assunção se o credor nisso concordar.
A intervenção do novo devedor também é sempre necessária, uma vez que vai ser este quem vai assumir
a obrigação.
Podemos ter a transmissão de uma obrigação sem que o antigo devedor, o transmitente, esteja de acordo.
Se ele não está de acordo, a obrigação permanece na sua esfera jurídica. Assim, o que acontece é que se
mantem uma situação de solidariedade porque, neste caso, o credor não pode exonerar o antigo devedor
contra a sua vontade.
A relevância da transmissão de obrigações é tal para o credor, que “em qualquer dos casos, a transmissão
só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor. De contrário, o antigo devedor responde
solidariamente com o novo obrigado” (artigo 595º/2).
Isto significa que não basta que o devedor celebre o contrato com o novo devedor, ou ratifique o contrato
entre o antigo e o novo devedor. A transmissão só se torna perfeita no sentido de vermos o novo devedor
ocupar o lugar do antigo, quando o credor declare expressamente que exonera o antigo devedor da
responsabilidade que ele tinha. Até aí, ambos os devedores respondem perante o credor, solidariamente.
A solidariedade não quer dizer que ambos sejam devedores, simplesmente ambos têm de responder
perante o credor até que este exonere o antigo devedor da sua responsabilidade.
Nota: O momento da ratificação é diferente do momento da exoneração!
Artigo 596º: Até ao momento em que o credor ratifique, as partes podem distratar o contrato. Pode porém,
qualquer uma das partes, fixar ao credor o prazo para a ratificação. Se este prazo for ultrapassado sem que
nada seja feito, considera-‐se a ratificação recusada.
Artigo 599º: A ideia geral é que o acessório se transmite juntamente com a obrigação principal (nº1). Da
mesma forma, as garantias que asseguravam o cumprimento de uma obrigação, continua a assegurá-‐la,
embora o devedor tenha mudado (nº2). Porém, neste último caso existe uma exceção: não se mantêm as
garantias que tiverem sido constituídas por terceiro ou pelo antigo devedor, que não hajam consentido na
transmissão da dívida. Efetivamente, se alguém se decide a garantir uma obrigação, fá-‐lo especificamente em
razão da pessoa e da situação patrimonial do devedor, que lhe transmite a confiança de que irá cumprir a sua
obrigação. Daí que qualquer alteração da pessoa do devedor corresponda a uma alteração dos pressupostos
que estiveram na base da concessão da garantia e, consequentemente, das condições em que a mesma é
prestada.
Artigo 598º: “Na falta de convenção em contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os
meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-‐lhe os meios de defesa
derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à
assunção de dívida e se não trate de meios de defesa pessoais do antigo devedor”.
Verifica-‐se, assim, que o novo devedor não pode, em primeiro lugar, opor ao credor quaisquer meios de
defesa que resultem da relação entre o antigo e o novo devedor. Assim, por exemplo, se o antigo devedor
prometeu ao novo devedor uma prestação como contrapartida da assunção de dívida, é vedado a este último
opor ao credor, quer a exceção de não cumprimento, quer a resolução do contrato fundadas no não
cumprimento daquela prestação. Portanto, prevalece a proteção do credor contra quaisquer exceções
derivadas da relação causal entre o antigo e o novo devedor.
Pelo contrário, não há qualquer dúvida de que o novo devedor pode opor ao credor os meios de defesa
derivados da relação entre ele próprio e o credor. Assim, se, por exemplo, o credor, aquando da assunção de
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dívida, concedeu ao devedor uma moratória no prazo de pagamento ou uma remissão parcial da sua
obrigação, naturalmente o novo devedor pode opor essas exceções ao credor.
Relativamente aos meios de defesa que existem na relação entre o antigo devedor e o credor, estes
poderão, em princípio, ser opostos pelo novo devedor, uma vez que, ao assumir a dívida, ela passa a responder
exatamente nos mesmo termos que respondia o antigo devedor. Há, no entanto, uma restrição a esta
possibilidade de invocação. É que o fundamento dessas exceções tem que ser anterior à assunção de dívida e
não podem constituir meios de defesa pessoais do antigo devedor.
Artigo 597º e 600º: Estes artigos regulam a eventual relevância que tenham factos supervenientes à assunção
da dívida.
Se depois de feita a transmissão da dívida, o contrato de assunção for declarado inválido e o credor já tiver
exonerado o antigo devedor da sua responsabilidade, repristina-‐se a responsabilidade que tinha sido
exonerada.
Consideram-‐se, também, “extintas as garantias prestadas por terceiro, exceto se este conhecia o vício na
altura em que teve notícia da transmissão.”
Segundo o artigo 600º, é irrelevante que o credor venha a descobrir que o seu novo credor é insolvente,
uma vez que foi o credor quem se colocou nessa situação quando aceitou a assunção de dívida.
5.4 Cessão de posição contratual
Só se fala de cessão da posição contratual se essa posição incluir obrigações e créditos. Se apenas incluir
créditos, trata-‐se de cessão de créditos; se apenas incluir obrigações, então trata-‐se de assunção de dívida.
Na cessão da posição contratual, o que se transmite já não são créditos ou dívidas individualmente, mas
sim a própria posição contratual globalmente considerada.
A cessão da posição contratual corresponde, assim, à transmissão por via negocial da situação jurídica
complexa de que era titular o cedente em virtude de um contrato celebrado com outrem.
A cessão da posição contratuais requere determinados requisitos (artigo 424º):
• Um contrato a estabelecer a transmissão da posição contratual, celebrado entre cedente e terceiro;
• O consentimento dessa cessão por parte do outro contraente;
• A inclusão da posição contratual no âmbito dos contratos com prestações recíprocas;
O consentimento pode dar-‐se a propósito de um caso específico ou pode ser um consentimento
antecipado, no sentido de as partes acordarem previamente a possibilidade de transmitirem a sua posição
contratual.
No entanto, se o consentimento for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir do momento da
notificação ou reconhecimento (artigo 424º/2).
Artigo 425º: determina a necessidade de determinar qual o negócio que está na base da cessão.
Artigo 426º: Ao ceder a sua posição contratual, o cedente garante ao cessionário, no momento da cessão, a
existência da posição contratual transmitida, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que
a cessão se integra.
A garantia do cumprimento das obrigações é que só existe se for expressamente convencionada, nos termos
gerais (426º/2).
Artigo 427º: A cessão da posição contratual não implica que a outra parte conserve integralmente as exceções
que possuía contra o cedente, apenas passando a poder invocar contra o cessionário as exceções que resultam
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da própria relação contratual em prejuízo do cessionário, já que este nunca poderia opor ao contraente cedido
outras exceções, que não fossem resultantes da posição contratual transmitida.
Admite-‐se, porém, que o contraente cedido possa reservar outros meios de defesa que disponha como
condição para consentir na cessão, caso em que o cessionário já saberá de antemão que terá que contar com
o exercício dessas exceções.
6.Modalidades das obrigações
6.1 Obrigações genéricas
• Artigos 539º -‐ 542º
O que caracteriza estas obrigações é o facto de o seu objeto da prestação estar designado apenas quanto
ao género.
Normalmente, o que acontece é que o devedor está obrigado a entregar uma coisa específica ao credor.
Nas obrigações genéricas, o que ocorre é que a coisa a entregar não está devidamente identificada:
corresponde a uma coisa a retirar de um grupo genérico de coisas.
Exemplo: Uma loja tem três televisores iguais expostos. Chegamos à loja e dizemos que pretendemos um
televisor daquele modelo. A loja fica obrigada a entregar um desses três televisores e não um deles em
concreto. Ou seja, o objeto fica apenas referenciado pelo seu género.
Estas obrigações suscitam alguns problemas especiais que, no essencial, correspondem ao problema de
saber quem escolhe o objeto a ser entregue dentro dos objetos do mesmo género, e com os casos de
impossibilidade.
Artigo 539º: “Se o objeto da prestação for determinado apenas quanto ao género, compete a sua escolha ao
devedor, na falta de estipulação em contrário”.
O momento da concentração é o momento específico em que a obrigação deixa de ter um caráter genérico
para passar a ter um caráter específico. Este momento é decisivo para sabermos que regime aplicar.
Artigo 540º: É irrelevante a escolha do objeto, dentro do género, feita pelo devedor para o momento da
concentração. Ou seja, não obstante essa escolha já ter sido feita, a obrigação continua a ser genérica.
Artigo 541º
Regra geral, o momento da concentração só ocorre com o cumprimento, ou seja, com a entrega efetiva da
coisa selecionada.
Exceções: embora cabendo a escolha ao devedor, a lei admite que em certos casos a obrigação se concentre
antes do cumprimento:
• Quando isso resultar de convenção das partes;
• Quando o género se extinguir a ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas;
• Quando exista mora do credor;
Quando a escolha compete ao credor ou a terceiro, as coisas ocorrem de maneira diferente. A escolha
realizada por credor ou por terceiro passa a ser irrevogável. Consequentemente, a escolha pelo credor ou pelo
terceiro concentra imediatamente a obrigação genérica, desde que declarada respetivamente ao devedor ou
a ambas as partes (artigo 542º/1).
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6.2 Obrigações alternativas
É alternativa a obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se exonera
efetuando aquela que, por escolha, vier a ser designada. Na falta de determinação em contrário, a escolha
pertence ao devedor (543º/1).
A escolha também pode ser feita pelo credor ou por terceiro (549º), sendo nestes casos aplicável o artigo
542º.
Se a escolha couber ao devedor, e este não a fizer, é o credor que a faz (548º).
Artigo 544º: Nas obrigações alternativas, a escolha tem de se verificar entre várias prestações, não sendo
permitido, mesmo tratando-‐se de prestações divisíveis, que aquele a quem incumbe a escolha a realize entre
parte de uma prestação ou parte de outra.
O maior problema das obrigações alternativas relaciona-‐se com a impossibilidade. A lei distingue a
impossibilidade conforme tenha origem no comportamento do devedor, no comportamento do credor, ou
não seja imputável a qualquer das partes.
• Impossibilidade não imputável a nenhuma das partes: a obrigação mantém-‐se relativamente às que
ainda são possíveis (545º).
Exemplo: Se o devedor se comprometeu a entregar ao credor o carro X ou o barco Y e este último
naufraga em virtude de um temporal, é o devedor que tem de suportar esse prejuízo, entregando ao
credor o carro X.
Se todas as prestações alternativas se tornarem impossíveis, então a obrigação torna-‐se toda
impossível. Por isso aplicamos o regime geral da impossibilidade.
• Impossibilidade imputável ao devedor: Se a escolha a este competir (546º), ele deve efetuar uma das
prestações possíveis. No caso de a impossibilidade ser imputável ao devedor, mas a escolha competir
ao credor, este último pode exigir uma das prestações possíveis, ou exigir indemnização pelos danos
de não ter sido realizada a prestação que se tornou impossível, ou resolver o contrato nos termos
gerais. A lei atribui em alternativa a indemnização ou a resolução do contrato porque o direito do
credor a realizar a escolha foi afetado.
• Impossibilidade imputável ao credor: (547º) Se a escolha pertencer ao credor, considera-‐se que está
cumprida. Se a escolha pertencer ao devedor, a obrigação considera-‐se igualmente cumprida, a menos
que o devedor preferia realizar outra prestação ou obter indemnização pelos danos de ter sido
afetado o direito de escolha.
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6.3 As obrigações pecuniárias
As obrigações pecuniárias são aquelas cujo objeto é uma determinada quantia em dinheiro.
Segundo a sistematização do CC, as obrigações pecuniárias podem dividir-‐se em três modalidades:
• Obrigações de quantidade (550º e 551º);
• Obrigações em moeda específica (552º a 554º);
• Obrigações em moeda estrangeira.
6.4 As obrigações de juros
Caracterizam-‐se por corresponderem à remuneração da cedência ou do diferimento da entrega de coisas
fungíveis (capital) por um certo lapso de tempo.
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Podemos distinguir dois tipos de juros:
• Juros compensatórios – destinam-‐se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma
temporária privação de capital, que ele não deveria ter suportado;
• Juros moratórios – têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando
recompensar o credor pelos prejuízos sofridos, em virtude do retardamento no cumprimento da
obrigação pelo devedor (806º).
Os juros podem ser legais ou convencionais. Sendo convencionais, a lei impõe limites à liberdade de
estipulação das partes, na medida em que prevê, no art. 1146º, estendido a todas as obrigações de juros pelo
art. 559º-‐A, a proibição dos juros excessivos (usurários).
Uma das regras importantes relativas à obrigação de juros é a proibição do anatocismo, ou seja, da
cobrança de juros sobre juros, uma vez que essa cobrança poderia ser uma forma indireta de violar a proibição
da cobrança de juros usurários (560º).
O juro é um acessório do crédito. Em princípio, transferido o crédito, transfere-‐se o juro. Mas é admissível
que os juros sejam objeto de um negócio autónomo (561º).
6.5 As obrigações solidárias e conjuntas
Estes são casos em que as obrigações se caracterizam pela pluralidade subjetiva, isto é, por termos vários
credores ou vários devedores.
A primeira coisa que temos de saber quando temos uma pluralidade de sujeitos é qual o regime a aplicar.
Existem duas opções:
• Regime da conjunção: artigos 534º e ss. É o regime prioritário (artigo 513º, à contrario).
• Regime da solidariedade: artigos 512º e ss. É o regime excecional (artigo 513º).
6.5.1 A solidariedade
“A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos
libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta
libera o devedor para com todos eles.”
(Artigo 512º)
A solidariedade pode ser:
• Ativa: Quando existem vários credores solidários. Nesta situação, cada um dos credores tem a
capacidade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles. O
credor, não obstante de ter outros credores iguais a si, pode dirigir-‐se sozinho ao devedor e fazê-‐lo
cumprir a prestação integralmente perante si, com efeitos exoneratórios.
• Passiva: Quando existem vários devedores solidários. Neste caso, cada um dos devedores responde
pela prestação integral e esta a todos libera, o que quer dizer que o credor pode escolher qualquer
um dos devedores, podendo exigir-‐lhe a prestação integral, o que vai exonerar todos eles perante o
credor. O devedor escolhido não tem o benefício da divisão da prestação, tem de cumprir a prestação
integralmente por sua própria conta.
Exemplo: A, B e C, em regime de solidariedade devem 1000 a um devedor comum. Este pode exigir
os 1000 a qualquer um deles. Assim que a prestação for prestada, todos os devedores ficam
exonerados, independentemente de qual delas a tenha cumprido.
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Artigo 497º: Responsabilidade solidária: “Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a
sua responsabilidade.
O regime da solidariedade está dividido em três partes:
1. As regras gerais aplicáveis (artigos 512º-‐517º)
2. Solidariedade passiva (artigo 518º-‐527º)
3. Solidariedade ativa (artigos 528º-‐533º)
6.5.1.1 Regras gerais
Artigo 516º: “Nas relações entre si, presume-‐se que os devedores ou credores solidários comparticipam em
partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são
diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do
crédito”.
Este artigo releva quando se fala no direito de regresso, isto é, o direito a ser reembolsado daquilo que
pagou em excesso/não recebeu, em relação à sua quota.
Por exemplo, na solidariedade passiva, o devedor que paga por todos, tem direito a ser reembolsado pelos
demais das suas partes respetivas da prestação. Na solidariedade ativa, o credor que receba tem de
reembolsar os demais daquilo que lhes é devido.
Deste modo, para sabermos o que foi pago ou recebido em excesso, temos de saber quanto é imputável a
cada um. Se não soubermos, presume-‐se que a responsabilidade é de todos de forma igual.
6.5.1.2 Solidariedade passiva (entre devedores)
Artigo 518º: A exclusão do benefício da divisão significa que o devedor solidário, sendo chamado a cumprir a
totalidade da prestação, tem que o fazer na totalidade. Não pode invocar que existem mais devedores na
mesma posição que ele.
Artigo 519º: O credor não está vinculado a seguir uma qualquer repartição. Escolhe livremente aquele a quem
se dirige e fazendo-‐o, pode exigir a totalidade da prestação, ou apenas uma parte dela.
Se o credor exigir, judicialmente, a um dos devedores parte ou a totalidade da obrigação, fica inibido de
proceder judicialmente contra os demais, até que esgote essa via.
Enquanto a ação judicial estiver pendente e não se verificar nenhum facto que ponha objetivamente em causa
a possibilidade de sucesso dessa obrigação, ele não pode estar a exigir judicialmente o mesmo crédito a outros
devedores.
Se a ação acabar sem que consiga obter satisfação, ou porque o devedor é insolvente, ou por qualquer outro
motivo, então fica de novo com o caminho aberto para pedir satisfação a qualquer um dos outros.
è A situação de apenas pode abordar um devedor é transitória: só não pode exigir a mesma prestação
a dois devedores ao mesmo tempo.
Artigo 523º: A realização da prestação por inteiro de qualquer um dos devedores extingue a obrigação de
todos os devedores.
Artigo 520º: Este artigo relaciona-‐se com a questão da impossibilidade imputável a um dos devedores.
• Situação de impossibilidade imputável a nenhuma das partes: a solidariedade não é imputável.
• Situação de impossibilidade imputável ao credor: exoneração de todos os devedores.
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• Situação de impossibilidade a os devedores: como todos contribuíram para a impossibilidade, todos
respondem solidariamente pelas consequências da impossibilidade.
• Situação de impossibilidade não imputável a todos os devedores: todos respondem perante a
prestação, mas no que se refere à indemnização pelos danos, apenas responde o que criou a
impossibilidade ou, caso seja mais do que um o responsável, responde o conjunto de responsáveis
solidariamente.
Artigo 514º: Existem meios de defesa comuns a todos os condevedores e meios de defesa pessoais.
Os meios de defesa comuns podem ser invocados por todo e qualquer devedor, enquanto os meios de defesa
pessoais são específicos a cada um dos devedores.
Se for invocado um meio de defesa geral, todos os devedores podem invocá-‐lo, por isso, todos podem,
com base nele, refutar-‐se ao cumprimento da obrigação.
Se o meio de defesa invocado for pessoal, o credor não pode exigir àquele devedor aquela prestação,
naquelas circunstâncias, mas pode continuar a fazê-‐los aos demais (artigo 519º/2 – direitos do credor).
Artigo 521º: A prescrição é um meio de defesa com um regime especial. A prescrição determina a
transformação das obrigações civis em obrigações naturais por efeito do decurso do tempo. A prescrição
interrompe-‐se e suspende-‐se, estando estas relacionadas com situações que são pessoais.
Por estarem relacionadas com situações pessoais, numa obrigação solidária, a obrigação pode prescrever
para uns devedores e para outros não. Assim, se o credor vier exigir a prestação a um devedor cuja
responsabilidade ainda não está prescrita, ainda que a dos demais devedores já esteja, este devedor, sendo
interpelado, vai ter direito de regresso dos demais devedores.
Para isto tem que invocar a prescrição contra os condevedores (521º/2).
Exemplo: Uma obrigação prescreve em 20 anos. Em relação a A prescreveu em 2010; em relação a B
prescreveu em 2010; em relação a C, por ter estado suspensa 10 anos, a obrigação só prescreve em 2020. Se
em 2019 o credor abordar C e este cumprir a prestação, continua a ter direito de regresso perante A e B,
mesmo que a sua obrigação já tenha prescrito.
Artigos 524º-‐527º: Regras que permitem estabelecer as contas que devem ser feitas entre os devedores
• 524º: O devedor que satisfazer o direito do credor tem direito de regresso sobre os demais credores
na contraparte que a estes compete.
• 526º: Esta regra prevê a responsabilidade acrescida de cada um dos devedores em caso de insolvência
ou impossibilidade de cumprimento de algum dos devedores Nestes casos, o devedor que pagou não
tem como reaver a parte do que é insolvente. O que acontece é que a sua parte é dividida por todos
os outros devedores solidários.
• 527º: “A renúncia à solidariedade a favor de um ou alguns dos devedores não prejudica o direito do
credor relativamente aos restantes, contra os quais conserva o direito à prestação por inteiro”.
6.5.1.3 Solidariedade ativa (entre credores)
Esta é a situação em que temos vários credores solidários. Tendo nós vários credores, dos artigos 521º e ss
resulta que:
• Qualquer um dos credores poe exigir do devedor a totalidade da prestação (512º/1);
• O devedor pode escolher o credor perante o qual cumprirá por inteiro (528º);
• O cumprimento do devedor junto de qualquer dos credores o exonera em relação a todos os credores
(532º);
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Artigo 528º: a partir do momento em que o devedor seja citado judicialmente para cumprir junto de um
determinado credor tem de o fazer. Se cumprir perante credor diferente, não fica exonerado de cumprir a
prestação perante o credor citado judicialmente.
Artigo 529º: Se a impossibilidade for imputável ao devedor, isso equivale a incumprimento da obrigação. Se a
impossibilidade se dever apenas a um dos credores, fica este obrigado a indemnizar os demais.
6.5.2 A conjunção
Ao contrário do que acontece na solidariedade em que o regime é único, na conjunção temos que fazer
uma distinção consoante a prestação seja divisível ou não divisível.
Também a conjunção pode ser passiva (devedores em regime de conjunção) ou ativa (credores em regime
de conjunção).
Enquanto na solidariedade passiva, qualquer devedor está adstrito ao cumprimento da obrigação total, na
conjunção cada um só está adstrito à concretização da parte que lhe compete.
Na perspetiva inversa, cada credor, apenas pode exigir e apenas pode receber a parte do crédito que lhe
compete.
Se a prestação for divisível é fácil dizer que cada devedor presta a sua parte e cada credor recebe a sua
parte. Mas se a prestação não for divisível, não é possível dividi-‐la, não é possível dizermos que cada devedor
faz uma parte e cada credor recebe uma parte.
6.5.2.1 Obrigações divisíveis
Artigo 534º: Tendo crédito sobre um conjunto de devedores e sendo a obrigação divisível, cada um deles só
está obrigado a cumprir a parte que lhe toca. Se não soubermos que parte cabe a cada um, a lei manda
presumir que as partes são iguais.
O mesmo funciona para a conjunção ativa. Cada credor só pode exigir do devedor o que este lhe deve
individualmente. O devedor só cumpre bem e se exonera junto de cada um dos credores quando lhes pagar a
parte que lhes compete individualmente. Se não soubermos que parte compete a cada um, a lei manda
presumir que as partes são iguais.
Exemplo: O credor tem um crédito de 9000 sobre os devedores A, B e C. Deve exigir 3000 a cada um, sendo
que cada um deles só está obrigado a cumprir esta parte.
6.5.2.2 Obrigações indivisíveis
Quando as obrigações não são divisíveis e estamos numa situação de conjunção passiva, aplicam-‐se os artigos
535º-‐537º.
Artigo 535º: Como a obrigação é indivisível não se pode exigir uma parte a cada um. Assim, a única alternativa
é dirigir-‐se simultaneamente a todos os devedores, fazendo-‐os, em conjunto, praticar a prestação integral.
Nos casos previstos na lei ou estipulados pelas partes, aplica-‐se a solidariedade.
Artigo 536º: “Se a obrigação indivisível se extinguir apenas em relação a algum ou alguns dos devedores, não
fica o credor inibido de exigir a prestação dos restantes obrigados, contanto que lhes entregue o valor da parte
que cabia ao devedor ou devedores exonerados”
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Artigo 537º: Se um dos devedores tornar impossível a prestação da realização, os outros devedores ficam
exonerados porque não podem prestar, mas o que causou a impossibilidade é que responde pelo
incumprimento da prestação integral.
Quando as obrigações não são divisíveis e estamos numa situação de conjunção ativa, aplica-‐se o artigo 538º.
Os credores conjuntos podem, por si só, exigir, individualmente, a totalidade da prestação. O objetivo é
que não fiquem uns na dependência dos outros, permitindo-‐se que qualquer um promova a exigência do
cumprimento. Porém, para que o devedor resulte exonerado é necessário que cumpra junto de todos os
credores.
Se houver situação judicial, pode cumprir apenas perante o credor que tiver iniciado o processo contra si.
7.As fontes das obrigações
Existem quatro fontes das obrigações:
• Contratos
• Responsabilidade civil
• Gestão de Negócios
• Enriquecimento sem causa
7.1 A gestão de negócios
è A gestão e negócios encontra-‐se nos artigos 464º e ss.
Artigo 464º
(Noção de Gestão de negócios)
“Dá-‐se a gestão de negócios quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta
do respetivo dono, sem para tal estar autorizada.”
A ideia base é aquela em que alguém adota, pelo interesse de outrem, um determinado comportamento.
Subjacente a esta ideia está uma atuação altruísta: alguém atua sem um título jurídico que lhe imponha o
dever de atuar ou que autorize essa atuação. Trata-‐se, portanto de uma atuação não autorizada na esfera
jurídica alheia.
Estas intervenções costumam ser ilícitas gerando a obrigação de indemnizar. Porém, a intenção altruísta
da gestão de negócios distingue-‐a das intervenções demais intervenções na esfera jurídica de terceiros,
tornando-‐a lícita.
Como a gestão é altruísta, regra geral, o gestor não tme direito a ser remunerado de qualquer forma (artigo
470º). Apenas ressalva o caso em que a gestão corresponda ao exercício da atividade profissional do gestor.
Exemplo: O nosso vizinho está de férias e está a chover. Reparamos que tem uma telha partida. Vamos nós
arranjar o telhado para evitar infiltrações. Estamos a atuar movidos pelo objetivo de satisfazer a necessidade
do outro.
Requisitos para a gestão de negócios – artigo 464º:
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1. Assunção da direção de negócio alheio por parte de um indivíduo: uma determinada pessoa interfere
com a esfera jurídica alheia, praticando um ato que, em regra, só o outro poderia praticar. O gestor
substitui-‐se ao dono do negócio, na prática de determinado ato, dirigindo o seu negócio.
2. Atuação no interesse do outro: A atuação não pressupõe que quem atua obtenha um bem para si, mas
sim satisfazer uma necessidade do dono do negócio.
3. Atuação por conta de outrem: A atuação por conta de outrem pressupõe que se queira transferir os
efeitos da nossa atuação para
A atuação deve ser indiferente para o gestor, no sentido em que não dá direito a qualquer remuneração
(artigo 470º).
4. A atuação é feita sem autorização: O gestor não pode estar autorizado, seja de que forma for, a praticar
aquele ato.
Se estes requisitos não se verificarem cumulativamente, então não estamos perante gestão de negócios.
Artigo 465º: deveres do gestor
O gestor deve:
a) Conformar-‐se com o interesse a vontade, real ou presumível, do dono do negócio, sempre que esta
não seja contrária à lei ou a ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes;
b) Avisar o dono do negócio, logo que seja possível, deque assumiu a gestão;
c) Prestar contas, findo o negócio ou interrompida a gestão, ou quando o dono as exigir;
d) Prestar a este todas as informações da gestão;
e) Entregar-‐lhe tudo o que tenha recebido de terceiros o exercício da gestão ou o saldo das respetivas
contas, com os juros legais, relativamente às quantias em dinheiro, a partir do momento em que a
entrega haja de ser efetuada;
466º) O gestor não pode interromper injustificadamente a gestão a que tenha dado início.
Caso o faça, fica sujeito a indemnizar o dono do negócio.
A alínea a) é essencial pra fazer a distinção entre gestão regular e irregular:
• Gestão regular: é conforme ao interesse ou à vontade, real ou presumível, do dono do negócio;
• Gestão irregular: é desconforme ao interesse ou à vontade, real ou presumível, do dono do negócio.
Esta distinção é fundamental uma vez que que as consequências da gestão de negócios são distintas consoante
estejamos perante uma gestão regular ou irregular.
A alínea a) também utiliza o termo “interesse”. Porém, esta utilização toma um sentido diferente do termo
“interesse” utilizado no artigo 464º.
è No artigo 465º, o “interesse” aponta para uma apreciação objetivamente valiosa da necessidade que
é satisfeita. O que se pretende é uma avaliação da necessidade.
• Para que a gestão seja regular, é necessário que esta avaliação
objetiva da necessidade permita concluir que aos olhos do
Ordenamento Jurídico esta é uma atuação valiosa que a
generalidade das pessoas valoraria e procuraria satisfazer de alguma
forma.
• Se objetivamente apreciada, a necessidade que o gestor visou suprir
não for valiosa, então temos uma gestão irregular.
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Exemplo: Alguém vai de férias de verão e pede ao vizinho para tratar do seu cão. O vizinho fá-‐lo, mas a certa
altura pensa que está frio e que o cão precisa de uma camisola e vai comprá-‐la. Atua por pensar que esta é
uma necessidade que o vizinho tinha, porém, quando avaliada objetivamente, esta atuação não é
objetivamente valiosa, na medida que a maioria das pessoas não optaria por a realizar.
Artigo 467º: Havendo vários gestores, a responsabilidade entre eles é solidária.
Artigo 468º: deveres do dono do negócio
As obrigações do dono do negócio são diferentes consoante esta seja regular ou irregular:
• Gestão regular: aplica-‐se o nº1 do artigo. Neste caso, o gestor tem direito a ser reembolsado pelas
despesas que tenha feito com vista à satisfação, e a ser indemnizado por eventuais prejuízos que
tenha sofrido pela sua atuação. O reembolso e a indemnização só são feitos na medida do
indispensável. Isto é, o gestor só tem direito a ser reembolsado pro aquilo que tenha gasto
indispensavelmente e só tem direito a ser ressarcido pelo prejuízo que tenha tido no pressuposto de
uma gestão exemplar.
è Mesmo que a gestão seja irregular, se for aprovada, aplica-‐se este regime.
Aprovação: ato pelo qual o dono do negócio, depois de ter tomado conhecimento da gestão, a aprove,
ou seja, manifeste a sua concordância em relação a ela.
• Gestão irregular: aplica-‐se o nº2 do artigo. Neste caso, “o dono do negócio apenas tem que responder
perante o gestor segundo as regras do enriquecimento sem causa”. Isto é, o gestor apenas vai poder
reclamar aquilo com que tenha contribuído para o enriquecimento do dono do negócio. Aquilo que
tenha empobrecido ou perdido com a gestão é irrelevante. Só tem direito a ser compensado na
medida em que contribuiu para o enriquecimento do dono do negócio.
Importa não confundir a aprovação com a ratificação que o dono do negócio faça sobre alguns dos negócios
celebrados pelo gestor. Pode haver aprovação da gestão, mas não haver ratificação de determinado contrato
realizado no exercício da gestão; pode haver ratificação de contratos celebrados no exercício da gestão e não
haver aprovação da gestão.
Exemplo 1: O dono do negócio pode estar de acordo com a gestão no geral, mas ser contra um contrato que
foi celebrado. Pode aprovar a gestão com os efeitos do 469º, mas recusar a ratificação, pelo que o negócio se
torna ineficaz nos termos do 471º.
Exemplo 2: A gestão no todo não merece a sua aprovação, mas ato x em concreto é do seu agrado. Não aprova
a gestão, mas ratifica o ato x, assumindo-‐o nos termos do 268º
Quando o gestor assume a condução do negócio, vai praticar variadíssimos atos de diferentes
características e naturezas. Pode praticar atos jurídicos, celebrar contratos…
Ao praticar estes atos está a envolver na gestão de negócios terceiros, cuja posição é regulada pelo artigo
471º.
Deste artigo resulta que para sabermos quais os efeitos associados aos negócios jurídicos celebrados pelo
gestor no exercício da gestão, temos de ver se este atuou em nome próprio, não fazendo qualquer referência
ao dono do negócio, ou se atuou em nome do dono do negócio.
è Atuação em nome do dono do negócio: Neste caso temos uma gestão representativa. O gestor atua
em nome do dono do negócio, pelo que se aplica o artigo 268º. Porque atua sem autorização, se
invocar a qualidade de representante, estará a invocar uma representação que não tem. Daí que se
aplique o artigo 268º, segundo o qual o negócio se torna ineficaz.
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è Atuação em nome próprio: Neste caos temos uma gestão não representativa. O gestor atua em nome
próprio, pelo que os negócios que celebre produzem efeitos na sua esfera jurídica.
No entanto, sabemos que o gestor atua por conta do dono do negócio, aplicando-‐se o regime do
mandato sem representação. Aplicam-‐se os artigos 1180º e ss.
Artigo 1180º
Mandatário que age em nome próprio
O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que
celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários
destes.
Num primeiro momento, todos os efeitos jurídicos se produzem na esfera jurídica do gestor, no entanto, por
atuar por conta de outrem, os efeitos devem vir a ser transferidos para o dono do negócio. Essa
transferência fica ao encargo do gestor.
Artigo 1182º
Obrigações contraídas em execução do mandato
O mandante deve assumir, por qualquer das formas indicadas no nº1 do artigo 595º, as obrigações contraídas
pelo mandatário em execução do mandato; se não puder fazê-‐lo, deve entregar ao mandatário os meios
necessários para as cumprir ou reembolsá-‐lo do que este houver despendido nesse cumprimento.
Este artigo impõe ao mandante (dono do negócio) que assuma o regime da assunção de dívida, portanto
que assuma as obrigações que tenha assumido no decurso da gestão. Aquelas que não puderem ser assumidas
devem ser reembolsadas.
Deve fazer-‐se uma leitura restritiva deste artigo porque não faz sentido impormos ao dono do negócio que
assuma obrigações pelas quais ele não fosse responsável nos termos do artigo 468º.
Devemos, assim, restringir o 1182º, dizendo que o dono do negócio deve assumir todas as obrigações pelas
quais fosse responsável nos termos do artigo 468º.
Todas as responsabilidades pelas quais não possa ser responsabilizado não têm de ser por ele assumidas.
7.2 O enriquecimento sem causa
è Está previsto nos artigos 473º e ss.
Este instituto tem como base duas pessoas:
• Uma que vê sair qualquer coisa da sua esfera jurídica – o empobrecido;
• Uma que vê entrar uma vantagem na sua esfera jurídica – o enriquecido;
Se há determinado valor que sai da esfera do empobrecido para entrar na esfera do enriquecido, torna-‐se
necessário perguntar o porquê.
No nosso ordenamento jurídico, as transferências patrimoniais têm de ter uma causa e de ser justificadas.
Quando não se encontra justificação, temos o regime do enriquecimento sem causa, que impõe a obrigação
de o enriquecido restituir o empobrecido.
A obrigação de restituição aparece como uma forma de corrigir uma consequência que o Ordenamento
Jurídico não quer aceitar, mas que não tem outra forma de desfazer. Este instituto funciona, assim, como uma
46
rede de segurança última, para que não se consolidem situações que são de manifesta injustiça e para as quais
não temos outra solução. Assim, a sua aplicação é reduzida.
Artigo 474º: Este artigo afirma a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa. Assim, não há lugar à
restituição quando “a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito
à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. Se houver outra norma que exclua a restituição
ou que atribua outros efeitos à deslocação patrimonial, não se aplica o enriquecimento sem causa.
7.2.1 A compensação
Artigo 479º
(Objeto da obrigação de restituir)
1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha
obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor
correspondente.
2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum
dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.
A doutrina mais tradicional dizia que para sabermos o valor que o enriquecido deve restituir, devemos
recorrer à teoria do duplo limite.
Esta teoria diz que temos de olhar, individualmente, para a esfera jurídica do enriquecido e do
empobrecido e vermos quanto o enriquecido enriqueceu (valor do enriquecimento), e para a esfera jurídica
do empobrecido e ver quanto é que ele empobreceu (valor do empobrecimento).
Ficava-‐se, assim, com dois limites, o do enriquecimento e o do empobrecimento. A restituição deveria
corresponder ao mais baixo desses valores.
Esta teoria é problemática porque não permite resolver satisfatoriamente todos os problemas. É que
podemos ter alguém a adquirir vantagens sem que se verifique no outro um empobrecimento. Há sempre um
enriquecido, mas pode, nem sempre, haver um empobrecido.
Exemplo: Uma pessoa tem uma casa de férias onde só está um mês por ano. Uma pessoa sabe disso e então
vive lá durante os 11 meses em que a casa está desabitada e sai no mês em que o dono lá vai. Faz um
aproveitamento da casa de 11 meses.
Está, efetivamente, a retirar as utilidades patrimoniais e que manifestamente não lhe eram dirigidas. A
utilidade que a coisa propícia está dirigida ao seu proprietário e não a outros.
Não se pode aplicar a responsabilidade civil porque não há danos. Existe, assim, um aproveitamento da
utilidade da coisa por alguém a que essa utilidade não foi dirigida. Se não houver outra solução vamos para o
enriquecimento sem causa.
A teoria do duplo limite não serve nestas situações em que não se consegue quantificar o empobrecimento.
Quando se fala do empobrecimento olha-‐se para a esfera jurídica do empobrecido e o artigo 479º não manda
olhar para o empobrecido, mas sim para o enriquecido.
Segundo o artigo 479º, se possível, a restituição deve ser feita em espécie – restituição da própria coisa
que se tenha deslocado. Caso contrário, procede-‐se ao valor correspondente. Neste ultimo caso, é importante
saber como fazer o cálculo dessa compensação.
Para fazer essa compensação temos de estar perante:
• Uma situação de enriquecimento sem causa;
• Uma situação em que a restituição não seja possível;
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O artigo 479º, que aborda a questão, refere vários aspetos:
è Tem de se restituir tudo quando tenha sido obtido à custa do empobrecimento;
è A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data de verificação de algum
dos seguintes factos:
o Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição;
o Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se
pretendia obter com a prestação;
Isto é, o momento no qual se vai medir o enriquecimento para proceder à restituição, é o primeiro
destes momentos que se verifique.
O limite máximo da compensação é o valor do enriquecido. Mas depois, tem que se saber até que ponto a
vantagem patrimonial foi obtida, ou não, à custa do enriquecimento, ou seja, à custa do empobrecido.
Enquanto para medir o enriquecimento olhamos para a esfera do enriquecido, para medir o
empobrecimento, olhamos para a esfera do empobrecido.
Vamos, assim, comparar os patrimónios antes e depois da transferência patrimonial.
Como já foi visto anteriormente, pela teoria do duplo limite, a restituição seria igual ao menor destes
valores.
Podemos sujeitar esta teoria a duas críticas:
1. Não é certo que o artigo 479º nos mande olhar para o empobrecido. Se virmos este artigo, todo o
regime do enriquecimento sem causa, costuma colocar-‐se na perspetiva do enriquecido. Na verdade,
não encontramos nada neste artigo que nos oriente no sentido de que devemos deixar de olhar para
a medida do enriquecimento, para passarmos a considerar também o empobrecimento.
2. “à custa do empobrecido” não significa, necessariamente, o empobrecimento à custa do
empobrecido, até porque este pode não existir. Para isso, podemos pensar em duas situações:
a. Situações de enriquecimento sem causa em que uma pessoa usufrui de vantagens que não
lhe eram destinadas sem que se verifique do outro lado um empobrecimento.
Ex: alguém utiliza a casa de outrem sem que este saiba quando o proprietário não a utiliza.
b. Situações que podem contribuir para beneficiar de forma errada o empobrecido. Nem tudo
aquilo que o enriquecido enriquece se deve ao empobrecido. O enriquecimento verificado
pode ter inerente a exploração de um valor imanente que já pertencia ao enriquecido.
Ex: dois vizinhos têm terrenos contíguos. Um pensando que está a construir no seu terreno,
constrói uma piscina, mas no terreno do outro, que passa, assim, a ter uma piscina.
Consequentemente, a sua casa valoriza-‐se em 50mil€.
A gastou 10mil€ na piscina, mas B encontra um empreiteiro que lhe diz que em condições
normais, a piscina custaria 5mil€, o que pressupõe que A foi enganado ou se informou mal.
O valor do enriquecimento é de apenas 5mil€, que é o valor que tem de ser restituído. Se A
fosse restituído em 10mil€, estaria a ser beneficiado, uma vez que B só foi beneficiado em
5mil€.
Imagine-‐se que a piscina não fazia sentido neste local, pelo que a casa apenas valorizava 2mil€.
Então, a restituição seria de 2mil€, que é o valor mais baixo dos dois valores (5mil€/2mil€)
É do artigo 480º, que retiramos o momento relevante para medir a restituição.
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Além de fixar estes momentos, prevê um agravamento da situação de restituição que passa a incluir, a
partir destes momentos, o perecimento ou deterioração da coisa.
Até um dos momentos definidos neste artigo, o enriquecido só responde no âmbito do 479º, mas se não
fizer a restituição no primeiro momento indicado pelo 480º, a obrigação deixa de ser apenas de restituir o que
se transferiu já que a obrigação de restituir se agrava pelos danos causados à outra parte.
Até ao momento em que o enriquecido se apercebe que vai ter de fazer a restituição, o enriquecido está
como que numa situação protegida, sendo que em qualquer caso apenas tem de restituir aquilo que
efetivamente tenha recebido.
Porém, após a verificação de um dos dois momentos definidos no artigo 480º, o que tem a obrigação de
restituir deve ser diligente na utilização da coisa. Se a destruir, tem de fazer a sua restituição e tem de
responder pela deterioração da coisa. Se a coisa se deteriorar antes de um destes dois momentos, não tem
de responder pela sua deterioração.
Temos um primeiro momento: o momento em que se verifica o enriquecimento, ou seja, em que há a
deslocação patrimonial da esfera do empobrecido para o enriquecido.
Daqui em diante abre-‐se um lapso de tempo que só acaba quando o enriquecido seja judicialmente
notificado, ou quando o enriquecido, por outra qualquer via, se aperceba que não tinha nenhuma razão para
que a deslocação patrimonial tenha ocorrido (artigo 480º).
O momento para medir o enriquecimento vai ser o primeiro destes momentos que se verificar.
Exemplo: A paga 1000 a B. Passado um ano, dá-‐se um dos momentos referidos no 480º.
Durante esse ano o dinheiro foi posto a render 10% por ano num depósito. Assim, no momento em que se vai
medir o enriquecimento, vai ter de ser restituir 1100.
Se o dinheiro tivesse sido investido em ações e tiver perdido metade do seu valor durante o ano, a medida de
enriquecimento vai ser 500.
Do momento da medida do enriquecimento em diante já não é assim, porque B já sabe que tem de restituir.
A partir daí, tem de deixar de considerar que aquela é uma coisa sua e que não tem de prestar contas e
ninguém acerca dela. Tem de passar a medir o seu interesse e o interesse do outro. Assim, pelo que aconteça
do momento da medida do enriquecimento em diante, o enriquecido já vai ser responsável. Se tem a
possibilidade de receber frutos e não o faz, tem de compensar o empobrecido por não o ter feito, por exemplo.
Há um agravamento da obrigação. Agravamento porque vai responder acrescidamente em relação ao que
tem de restituir.
Artigo 476º: Há repetição do indevido quando alguém cumpre uma obrigação que afinal não existia.
Eu penso que sou devedor de alguém, e então realizo a prestação que julgo que me é exigível. Quando realizo
a prestação, estou a provocar a transferência patrimonial para a esfera jurídica de outro, pensando que tenho
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uma obrigação em fazê-‐lo. Se afinal, verificar que essa obrigação não existe, a causa que justifica a
transferência não existe.
Deste modo, de acordo com o artigo 476º, o que eu prestei deve ser restituído.
è No nº3 temos uma situação em que se cumpre bem junto do credor, mas que a prestação é feita
antecipadamente, porque se julga que a obrigação já está vencida. O devedor, nestas situações,
perdeu o valor que o tempo tem.
-‐ Se o erro for não desculpável, não há nada a fazer.
-‐ Se o erro for desculpável, o devedor tem direito a exigir do credor aquilo em que este enriqueceu
por efeito do cumprimento antecipado. Não pode exigir a restituição da prestação, mas pode exigir
a compensação nos termos do 479º pelo enriquecimento que teve em ter recebido hoje aquilo que
só lhe era devido no futuro.
Artigo 477º: Trata das situações em que uma pessoa cumpre a obrigação de outrem julgado que a obrigação
é sua.
è Se o erro for desculpável, o credor deve restituir o que foi prestado pelo devedor em erro.
è Se o erro for não desculpável ou quando a restituição causasse prejuízo ao credor por, no seguimento
do pagamento, ter prescindido de direitos que tinha conta o verdadeiro devedor, não há restituição.
Artigo 478º: Este artigo distingue-‐se do anterior pelo facto de no artigo 477º, a obrigação ser de um terceiro,
mas o devedor pensar que é própria. No artigo 478º, o devedor sabe que a obrigação é de terceiro, mas pensa
que está obrigado a cumprir.
Neste caso, não há direito de repetição contra o credor, mas apenas o direito de exigir do devedor exonerado
aquilo com que este injustamento se locupletou, exceto se o credor conhecia o erro ao receber a prestação.
Artigo 481º: Estamos perante a situação em que o enriquecido dispõe da coisa que deveria restituir. Nos
termos do regime do enriquecimento sem causa, o enriquecido deveria restituir uma determinada coisa, mas
antes de fazer a restituição dispõe dela em favor de terceiro.
Primeiro, temos de ver se a disposição foi onerosa ou gratuita:
è Se a disposição foi onerosa, a coisa foi substituída no património do enriquecido pela contrapartida
paga pelo terceiro. O que ele enriqueceu deixou de ser a coisa, para passar a ser a contrapartida que
por ela recebeu. A obrigação de restituição que tinha por objeto a coisa, passa a ter como objeto a
contrapartida.
Se o valor da contrapartida for inferior ao da coisa prestada, temos de distinguir se a disposição
ocorreu antes ou depois dos momentos a que faz referência o 480º:
o Se ocorreu antes não há nada a fazer;
o Se aconteceu depois, é por culpa do enriquecido que há destruição do valor, pelo que terá de
responder perante o empobrecido não apenas pelo valor do seu enriquecimento, mas
também pela destruição do valor;
è Se a disposição for gratuita, a coisa que deveria ser restituída desaparece do património do
enriquecido sem que nele entre qualquer contrapartida, o que significa que depois da alienação, o
enriquecimento vai ser zero.
Deve distinguir-‐se se a alienação ocorreu antes ou depois dos momentos a que faz referência o 480:
o Se ocorreu antes, o empobrecido nenhum direito tem contra o enriquecido, podendo apenas
dirigir-‐se ao terceiro, o adquirente, pedindo aquilo pelo qual o terceiro tenha enriquecido. É
como se o dever de restituição se tivesse transferido. O adquirente fica, portanto, obrigado a
restituir na medida do sue próprio enriquecimento.
o Se a alienação depois, o enriquecido é responsável pela destruição do valor do
enriquecimento.
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O regime do enriquecimento sem causa tem associado um regime especial de prescrição no artigo 482. O
prazo de prescrição ordinária é de 20 anos.
Exemplo: a partir do momento do enriquecimento conta-‐se 20 anos. Pode acontecer que o prazo prescreva
antes desses 20 anos. Por exemplo, se ao fim de cinco anos, o empobrecido tem conhecimento do direito que
lhe assiste, a prescrição termina 3 anos a partir desse momento. O direito prescreve no primeiro destes dois
prazos.
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A não quer entregar o carro, mas exige o pagamento dos 2500€. Não pode fazê-‐lo, pois está em mora do
devedor.
Se A não entrega o automóvel, B pode invocar a exceção de não cumprimento (428º). Pode, eventualmente,
ter direito a uma indemnização pelos danos causados.
c) Em 10 de março, B pagou, contra a entrega do carro, 2500€ a A, mas em 10 de abril nada paga.
R: B está em mora do devedor relativamente à 2º prestação. Fica obrigado a indemnizar o credor pelos danos
que lhe tenha causado (804º). Fica também obrigado a pagar juros moratórios porque a sua obrigação é
pecuniária (806º).
Além disso, a falta da realização de uma prestação, importa o vencimento de todas as outras (781º), sem
prejuízo do disposto no art. 934º.
d) Considerando o descrito na hipótese anterior, A exige a B os 7500€. C apresenta-‐se para pagar
5000€.
R: O facto de ser um terceiro a oferecer o cumprimento é irrelevante (767º + 768º).
A pode aceitar o pagamento oferecido por C ou pode recusar com o fundamento de que o cumprimento
oferecido é apenas parcial (763º). Neste momento, porque B está em mora e dado que por essa razão as
prestações em falta venceram, A tem direito a exigir a totalidade do preço. Como tal, não é obrigado a receber
o cumprimento parcial.
e) B envia, no final de março, a A um cheque no valor de 7500€; quando, em 10 de abril, A exige a B o
pagamento da 2º prestação, este responde-‐lhe que já pagara a totalidade do carro. Contudo, A
contrapõe-‐lhe que imputara os 7500€ na dívida da casa.
R: B pode, a qualquer momento, decidir oferecer o cumprimento da obrigação, porque o prazo está
estabelecido em seu benefício. Se A se recusar a receber, incorre em mora do credor (813º).
O problema aqui está relacionado com a matéria da imputação do cumprimento: devemos considerar que os
7500€ pagos por B foram para pagar a prestação do carro ou para abater na dívida da casa?
Como o devedor não designou qual a dívida no momento do pagamento, não se aplica o nº1 do art. 783º.
Assim sendo, temos de aplicar os critérios supletivos do art. 784º
13 – A comprometeu-‐se para com B a guardar-‐lhe uma viatura durante 1 ano, tempo corresponde à ausência
deste no estrangeiro. No fim do ano (dia X), B apresentar-‐se-‐ia no domicílio de A para levantar a viatura e
pagar 500€ como retribuição.
No dia aprazado, B, que já regressara, não compareceu no domicílio de A e telefona-‐lhe a exigir que este
lhe vá entregar a viatura. A recusa-‐se a fazê-‐lo porque se apercebe que B se “esquecera” do carácter oneroso
do contrato.
15 dias depois o telhado da casa de A ruiu por completo, danificando seriamente o automóvel de B.
A tem a obrigação de entregar o carro a B e B tem a obrigação de pagar 500€ a A.
Nenhuma das obrigações foi cumprida por causa imputável a B. B está em mora do credor relativamente à
obrigação de receber a viatura e está em mora do devedor relativamente à obrigação de pagar 500€.
Não se pode mudar o lugar da prestação unilateralmente.
Se B se esqueceu que tinha que pagar 500€, A pode invocar a exceção de não cumprimento (428º). Mas na
verdade, em bom rigor, o que há aqui não é uma exceção de não cumprimento, mas um direito de retenção.
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a) Quid iuris, sabendo que, oito dias antes, A fora alertado pelos serviços camarários do mau estado
do telhado e do perigo de desmoronamento.
R: Pelo facto de o carro ter sido seriamente danificado, há uma situação de impossibilidade que se reporta à
obrigação de entrega do carro.
A impossibilidade ocorre na pendência da mora do credor.
Se o carro for suscetível de reparação aplicamos o art. 814º; se não for suscetível de reparação aplicamos o
art. 815º (este artigo refere-‐se a todos os casos de impossibilidade).
Neste caso, nunca aplicaríamos o art. 796º porque a causa da impossibilidade não é imputável ao credor.
A consequência da aplicação dos artigos 814º e 815º é que, o devedor, na pendência da mora, não responde
pelo risco, exceto no caso de dolo ou de culpa grave. Ora, neste caso o devedor é responsável porque se
observou no seu comportamento um elevado grau de negligência, pois ele sabia que o telhado corria perigo
de desmoronamento. Portanto, A está obrigado a indemnizar B.
b) Suponha agora que o automóvel fica totalmente destruído e que A consegue receber de uma
companhia de seguros quantitativo razoável, relativo à garagem e ao automóvel.
R: Na pendência da mora do credor (B), a prestação tornou-‐se impossível. Aplicamos então o art. 815º. Não
há dolo nem culpa grave do devedor, por isso o risco corre por conta do credor (B).
Assumindo que as obrigações são recíprocas, A está exonerado da sua responsabilidade de entregar o carro,
mas mantém o seu direito a exigir os 500€ (815º, nº2). Mas, se o devedor obter algum benefício com a extinção
da obrigação, deve reduzir-‐se a contraprestação na medida desse benefício (última parte do nº2 do art. 815º).
O benefício aqui é aquilo que o devedor tem a receber da companhia de seguros.
c) Admita agora que o lugar combinado para a entrega da viatura era o domicílio de B e que A se recusa
a fazer essa entrega enquanto B não lhe entregar, no seu domicílio (de A), os 500€.
R: A entrega do carro, que deveria ter ocorrido no domicílio de B, no dia X, não ocorreu. Portanto, há uma
situação de não cumprimento.
Esta situação de não cumprimento deve-‐se ao facto de A pretender receber os 500€ no seu domicílio. Temos
de avaliar se este fundamento é lícito ou não.
Nos termos do art. 774º, a obrigação deve ser entregue no domicílio do credor (A). Mas, por força do art. 939º,
aplicamos o art. 885º, pelo que o pagamento do preço deve ocorrer em simultâneo com a entrega da coisa.
Por isso, a exigência de A não é lícita, o que significa que estamos numa situação de mora do devedor.
A continua obrigado a proceder à entrega do carro e B continua obrigado a pagar os 500€. Mas B não paga
juros moratórios porque há mora do credor (814º, nº2).
Além disso, A deve indemnizar B pelos danos causados.
d) A mesma situação referida na alínea anterior. Quid iuris, admitindo que a garagem desabou, que o
automóvel foi destruído por completo e que poucas horas depois seria, por qualquer modo,
destruído, em virtude de uma explosão de gás ocorrida num prédio contíguo à garagem.
R: Há uma situação de impossibilidade. Não é imputável ao devedor, mas ocorre na pendência da mora deste.
Assim sendo, aplicamos o art. 807º, o que significa que, pelo facto de estar em mora, o devedor assume a
responsabilidade da destruição do automóvel, mesmo que a causa da impossibilidade não lhe seja imputável.
O devedor tem o ónus de demonstrar que o credor teria sofrido igual prejuízo, mesmo que não existisse uma
situação de mora (807º, nº2).
Neste caso, a mora é relevante, pelo que A deve indemnizar B.
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14 – A, estudante de direito, comprou a B um computador pessoal para armazenar e tratar a jurisprudência
de Direito das Obrigações. O preço acordado foi de 1000€, a pagar em 4 prestações iguais, a primeira das
quais vencia-‐se no momento da celebração do contrato e as restantes, sucessivamente, no último dia dos 3
meses subsequentes. Segundo o acordado, o computador, com características específicas, deveria ser
entregue no dia imediato à celebração do contrato na casa de A.
a) Quando, no dia imediato à celebração do contrato, B colocava cuidadosamente o computador no
seu carro para o levar a A, cai um vaso de flores de uma varanda, destruindo o computador.
R: Temos uma situação de não cumprimento devido a uma impossibilidade que não é imputável a nenhuma
das partes. Assim, sabemos que estamos no âmbito de aplicação dos artigos 790º e seguintes.
O regime da impossibilidade divide-‐se em duas partes: o regime geral da impossibilidade e o regime especial
(risco). Temos de optar por um destes caminhos para aplicar: fazemos isso indo ao art. 796º ver se estão
preenchidos os requisitos para que se aplique o regime especial do risco; não estando preenchidos esses
requisitos, aplicamos o regime geral.
Para a aplicação do regime do risco é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
1. Temos que estar perante uma obrigação que emerge de um contrato que tem por efeito a transmissão
ou a constituição de um direito real sobre uma coisa. Ex: compra e venda.
2. É necessário que a obrigação que esteja em causa seja a obrigação de entrega da coisa que é o objeto
do contrato.
3. É necessário que a obrigação se tenha tornado impossível, ou seja, a entrega da coisa, nos termos em
que estava prevista, não pode ocorrer.
4. É necessário que essa impossibilidade seja consequência da perda ou da deterioração da coisa.
Verificamos que estão preenchidos todos os requisitos do art. 796º, pelo que aplicamos o regime especial do
risco.
De acordo com o art. 796º, o risco de destruição, em princípio, corre por conta do adquirente (A), exceto se o
benefício do prazo tiver sido estabelecido em benefício do alienante (B), caso em que o risco só se transfere
com a entrega da coisa.
Como existe um dia certo para o cumprimento da obrigação, o benefício do prazo é fixado em benefício de
ambas as partes. Por isso, não se aplica o nº2 do art. 796º. Isto significa que o risco corre por conta do
adquirente (A).
A obrigação extinguiu-‐se. A não está obrigado a pagar o preço (795º, nº1).
b) B esqueceu-‐se da data de entrega do computador e quando, 3 dias após a celebração do contrato,
recebe um telefonema de A, envia-‐lho, por C, que, ao transpor a porta de entrada do prédio de A,
escorrega numa casca de banana e parte o computador.
R: B está numa situação de mora do devedor.
Na pendência da mora, o devedor pode oferecer o cumprimento a qualquer momento.
Pode também ser um terceiro a oferecer o cumprimento (arts. 767º e 768º).
Porém, o computador ficou destruído, há uma situação de impossibilidade. Esta impossibilidade verificou-‐se
na pendência da mora do devedor, o que significa que o devedor responde pelos danos causados ao credor
(807º).
Poderíamos considerar a aplicação do art. 801º, se demonstrássemos que o comportamento do terceiro (C)
foi culposo. B responde pelos atos de C como se tivesse sido ele próprio a praticá-‐los (800º, nº1).
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c) No dia do vencimento da 2º prestação, A pede a D que passe no escritório de B para pagar os 250€.
D, por confusão, entrega o dinheiro a E.
8 dias depois, B, que, entretanto, cedeu o seu crédito respeitante às duas últimas prestações a E,
escreve uma carta a A exigindo o pagamento dos 750€ em dívida e juros respetivos.
R: No dia do vencimento da 2º prestação, A deveria pagar 250€ a B, no domicílio do credor (774º).
A encarrega um terceiro (D) de efetuar o pagamento (767º e 768º), mas D não cumpriu junto do credor. Este
facto não extingue a obrigação, o devedor continua obrigado a cumprir perante o verdadeiro credor.
Portanto, no dia em que o pagamento é feito ao credor errado, constitui-‐se uma situação de não
cumprimento, que se traduz em mora do devedor.
A mora sobre obrigações pecuniárias pressupõe o pagamento de juros moratórios (806º) e, por se tratar de
um pagamento a prestações, o devedor, neste caso, perde o benefício do prazo (781º), sem prejuízo do
disposto no artigo 934º.
Entretanto, B cedeu o crédito correspondente às duas últimas prestações a E. é uma cessão de créditos parcial
e produz efeitos independentemente do conhecimento do devedor. A partir do momento em que se deu a
cessão, o credor passa a ser E, pelo que B não pode exigir o pagamento dos 750€ em falta e dos juros
respetivos. Apenas pode exigir 250€ (correspondentes à 2º prestação) e os juros moratórios sobre esses.
Mas na hipótese de A pagar os 750€ a B por desconhecer a cessão de créditos, isso não lhe é oponível (583º).
E adquiriu um crédito vencido (porque A não pagou a 2º prestação), pelo que E pode exigir imediatamente a
3º e a 4º prestações (781º).
d) No dia do vencimento da 2º prestação, D apresenta-‐se na casa de A com uma procuração de B para
receber a quantia devida. A recusa-‐se a pagar, razão pela qual B exige o imediato pagamento da
quantia correspondente às prestações em dívida.
R: O credor envia um procurador a casa do devedor para receber o pagamento. O devedor não paga, pelo que
há uma situação de não cumprimento. Será que existe algum fundamento para este não cumprimento ser
lícito?
A pode invocar que o pagamento não está a ser feito no local indicado (774º); pode invocar o facto de o
pagamento estar a ser exigido por terceiro.
O devedor pode recusar cumprir perante terceiro nos termos do art. 771º, porque não existe convenção das
partes nesse sentido. Contudo, se o devedor proceder à realização da prestação ao representante do credor,
a obrigação considera-‐se cumprida (769º).
Relativamente ao argumento do local, nada impede que a prestação seja cumprida noutro local diferente do
estabelecido, desde que as partes nisso consintam.
Se A recusa pagar ao procurador, fica obrigado a dirigir-‐se ao domicílio do credor para realizar a prestação. Se
não o fizer, entra em mora do devedor.
e) E, amigo de A, constatando que este estava mal de finanças, apresenta-‐se no escritório de B para
pagar os 250€ da 2º prestação, mas B, ao corrente da situação, refere que tem direito a exigir a
totalidade, a não ser que F garanta o cumprimento do restante.
R: F oferece o cumprimento da prestação. Pode fazê-‐lo nos termos dos artigos 767º e 768º, não sendo
necessário que o devedor esteja de acordo.
B está a invocar a situação de insolvência do devedor para justificar a perda do benefício do prazo (780º, nº1).
Por isso, B argumenta que F deve pagar a totalidade da obrigação.
Note-‐se que “estar mal de finanças” não se confunde com a insolvência. Só está numa situação de insolvência
o devedor que não tem recursos suficientes para fazer face às suas obrigações. Se o devedor não estiver numa
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situação de insolvência, o credor não pode exigir todas as prestações em falta, porque não haveria
fundamento para haver vencimento antecipado e, consequentemente, não podia recusar os 250€ oferecidos
por F. Se o fizesse, incorria em mora do credor (768º + 813º).
Mas, se de facto o devedor se encontrar numa situação de insolvência, B pode invocar o art. 780º, nº1. Pode
também recusar os 250€ oferecidos por F nos termos do art. 763º. Dado que, pelo facto de o devedor estar
numa situação de insolvência, as prestações venceram, então o credor não tem de aceitar receber menos do
que a totalidade da obrigação.
B não pode exigir garantias de F porque este não é o devedor, pelo que não tem a obrigação de prestar
qualquer garantia. Além disso, a exigência de garantias só se aplica na situação de diminuição das garantias e
não na situação de insolvência (780º, nº2).
f) Quando B se dirige, no dia imediato à celebração do contrato, a casa de A, transportando o
computador, G, tia deste, informa-‐o que A ia pensar melhor se ia comprar o aparelho ou não.
Transtornado com os modos da tia de A, B, ao descer a escada de acesso ao apartamento de A, cai,
destruindo-‐se o computador.
R: O computador não foi entregue por causa imputável ao credor (não criou as condições para que a obrigação
fosse cumprida). Portanto, A está em mora do credor.
Posteriormente, o computador destrói-‐se – há uma impossibilidade que ocorre na pendência da mora do
credor. Aplicamos o art. 815º, o que significa que o risco corre por conta do credor. O credor já não irá receber
o computador, mas continua obrigado a pagar o preço. Só não é assim se houver dolo ou culpa grave da parte
do devedor (815º, nº2).
15 – Em janeiro, A celebrou com B um acordo, pelo qual o segundo se comprometia a adquirir ao primeiro
uma máquina de cortar relva, modelo X, tendo-‐lhe entregue a quantia de 1000€, correspondente a metade
do preço; o contrato seria celebrado em junho no escritório de A.
Ao mesmo tempo, B comprometeu-‐se a transportar para casa de A, o conteúdo de um contentor que
chegaria a 15 de fevereiro a bordo do barco “Mare mio”, transporte esse que deveria ser feito
imediatamente após o desalfandegamento. Como contrapartida a esse transporte, A entregaria a C, sócio
de B, a próxima colheira de laranjas do seu quintal.
I – A 16 de fevereiro B compareceu no porto, onde foi informado de que, em virtude de uma avaria nas
máquinas, o “Mare mio” só chegaria dia 20.
Em 21 de fevereiro, A telefonou a B, dizendo que o barco chegara e podia transportar o contentor, uma vez
que já havia luz verde na Alfândega.
Em 25 de fevereiro, o contentor, que ainda não fora transportado, foi destruído por um incêndio, provocado
por um grupo terrorista, quando já caducara o seguro das mercadorias.
A pretende uma indemnização de B, mas este recusa-‐se a pagá-‐la, alegando que tivera o camião avariado e
que, de qualquer forma, nunca poderia ser responsabilizado por atos do grupo terrorista, o qual, aliás,
também dinamitara o armazém de A. C, por sua vez, fez saber a A que pretende exigir a entrega das laranjas.
R: B deveria fazer o transporte imediatamente após o desalfandegamento – temos de interpretar o que isto
significa.
Há uma impossibilidade absoluta, não imputável a nenhuma das partes. Mas esta impossibilidade é apenas
temporária, pelo que o devedor fica exonerado das consequências do atraso apenas enquanto a
impossibilidade se verificar (792º).
A impossibilidade terminou no dia 21 de fevereiro, quando A informou B de que o barco já tinha chegado. Por
isso, B deve agora proceder ao cumprimento da obrigação dentro de um prazo razoável; se não o fizer entra
numa situação de mora do devedor.
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Mais tarde, verifica-‐se uma nova impossibilidade, não imputável a nenhuma das partes. Portanto, não há
incumprimento definitivo, o que há é impossibilidade definitiva na pendência da mora do devedor. Por isso,
aplicamos o art. 807º, de acordo com uma leitura extensiva.
De acordo com o art. 807º, nº1, o devedor suporta o risco de perda ou deterioração da coisa a entregar. O
devedor tem a possibilidade de provar que o credor teria sofrido igual prejuízo se a obrigação tivesse sido
cumprida a tempo (807º, nº2). É precisamente este o argumento que B está a invocar.
Ao aplicarmos o art. 807º, nº2, concluímos que o facto de a impossibilidade se ter verificado na pendência da
mora não tem, neste caso, relevância, pelo que aplicamos o regime geral da impossibilidade (arts. 790º e
seguintes). A obrigação extingue-‐se (790º). Da mesma forma, extingue-‐se a contraprestação (795º).
II – Em junho, A não se encontrava em condições de fornecer a máquina a B; em consequência, B pretende
uma indemnização de 2000€ e quer resolver o contrato, uma vez que já não tem interesse no modelo X por
ter aparecido um mais recente.
R: Há uma situação de incumprimento (portanto, o não cumprimento é imputável ao devedor). Temos de
qualificar este incumprimento à luz de 2 critérios: o temporal e o material. O temporal afere se há uma
situação de mora ou de incumprimento definitivo; o critério material avalia se o incumprimento é total ou
parcial.
Ora, estamos aqui perante um incumprimento total.
Relativamente ao critério temporal, diz-‐se no enunciado que B perdeu o interesse na prestação – a perda do
interesse do credor é um dos motivos que transforma uma situação de mora em incumprimento definitivo,
conforme diz o art. 808º.
Mas para que a mora se transforme em incumprimento definitivo pela perda do interesse do credor, é
necessário que se verifiquem determinados requisitos: o interesse perdido tem de resultar da situação de
mora; a perda de interesse tem de ser subjetiva e objetiva.
Relativamente ao prazo, apenas se diz que o contrato deve ser celebrado em junho. Ora, tendo em conta que
o benefício do prazo está estipulado em benefício do devedor (779º), a mora só se constitui depois do dia 30
de junho, o que significa que ainda não estamos numa situação de mora. Consequentemente, não pode haver
perda objetiva do interessa na prestação, pelo que não se verificam todos os requisitos para aplicação do art.
808º.
Além disso, se o modelo X apareceu antes de se constituir uma situação de mora, a perda de interesse não é
consequência da mora, pelo que não se aplicaria o art. 808º. Na verdade, o mesmo se diria se o modelo X
tivesse aparecido na pendência da mora.
Mas, depois de junho, para chegar ao incumprimento definitivo, o credor pode estabelecer um prazo
admonitório (808º).
16 – A, emigrante no Brasil, celebrou com B, residente na terra natal de ambos, o seguinte contrato: B
consertaria uma parede da casa de A que ameaçava ruir e, em troca, A traria do Brasil, nas férias seguintes,
a jiboia “666” (assim conhecida depois de ter sido “protagonista” de um filme satânico chamado “666”) que
B queria colocar no seu quintal para impor respeito aos filhos do seu vizinho C.
B fez, de facto, a reparação do muro em que despendeu 1500€.
a) A traz a jiboia numa jaula, mas um passageiro envenena-‐a à sucapa.
R: Há uma situação de não cumprimento por impossibilidade. Esta impossibilidade não é imputável ao devedor
(assumindo que o devedor adotou todos os comportamentos de cuidado exigíveis).
Devido à impossibilidade, a obrigação de entregar a jiboia extingue-‐se (790º, nº1). Mas como B já arranjou a
parede, tem o direito de exigir a restituição da prestação (795º, nº1), na medida do enriquecimento sem causa.
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b) A traz a jiboia numa jaula mas, ao sentir sobre si os olhares aterrados dos passageiros, envenena-‐a.
R: Há uma situação de não cumprimento por impossibilidade. Esta impossibilidade é imputável ao devedor.
Estamos no âmbito de aplicação dos artigos 801º e seguintes.
O devedor é responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação (801º, nº1).
Independentemente do direito à indemnização, o credor, se já tiver realizado a prestação, pode exigir a sua
restituição por inteiro (801º, nº2).
c) A, que pensava poder trazer a jiboia consigo, é informado pelas autoridades aeroportuárias que a
mesma, dada a sua perigosidade, devia seguir em transporte especial, o que custaria 3000€, para
além de uma prévia vistoria veterinária que lhe custaria mais 500€; perante tal, A abandona a jiboia
no aeroporto.
R: A obrigação tornou-‐se mais onerosa do que aquilo que o devedor esperava, pelo que A abandonou a jiboia.
Não se trata de uma situação de impossibilidade.
Há uma situação de erro na representação.
Há incumprimento.
d) A é informado, no aeroporto de Lisboa, de que só pode levantar a jiboia dali a 15 dias, pelo que
chega à terra natal sem a mesma.
R: Há uma impossibilidade não imputável ao devedor. A impossibilidade é temporária, suspende-‐se nos
termos do art. 792º. Daqui a 15 dias, A deve levantar a jiboia no aeroporto e entrega-‐la ao B.
e) A considera que transportar uma jiboia é um grande incómodo e não se preocupa mais com o caso,
deparando, à chegada, com a ira de B.
R: Há uma situação de não cumprimento, imputável ao devedor.
É discutível se há incumprimento definitivo ou se há apenas mora do devedor.
17 – A, comerciante grossista, celebrou com B, comerciante retalhista, a 15 de janeiro, um contrato de
compra e venda pelo qual aquele vendia a este cem fardos de bacalhau que tenha em armazém.
Convencionaram ambos que, embora o preço acordado fosse pago no ato da celebração do contrato – o
que realmente aconteceu – a entrega da mercadoria a B apenas teria lugar em 15 de fevereiro, ficando a
mesma, entretanto, depositada no armazém de A.
a) Em 2 de Fevereiro, um incêndio provocado dolosamente por um rival de A, destruiu as instalações
do armazém em que a mercadoria se encontrava, perdendo-‐se esta totalmente e impedindo que A
procedesse à sua reposição em tempo de satisfazer as encomendas de terceiros.
R: No dia 15 de fevereiro os cem fardos de bacalhau deveriam ter sido entregues a B. Existe não cumprimento.
A entrega não ocorreu por impossibilidade, impossibilidade essa que não é imputável a nenhuma das partes.
O devedor não responde pelas consequências do não cumprimento.
A obrigação é específica (são os cem fardos de bacalhau que estão no armazém), pelo que esta impossibilidade
é definitiva.
b) Admita agora que o incêndio de que resulta a perda da mercadoria foi causado por B.
18 – A empresa A comprometeu-‐se para com a empresa B a fabricar e fornecer-‐lhe moldes para a produção
desta, no valor de 50000€, fornecimento esse que deveria ser feito na fábrica do comprador, até 31 de
março.
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Em 31 de março, B recebeu uma fatura para pagamento da quantia acordada, com a indicação de que a
entrega da mercadoria pressupunha o prévio pagamento. B recusou-‐se a pagar a fatura sem a entrega prévia
da mercadoria.
Em 31 de julho, os moldes são entregues na fábrica de B, mas por lapso do empregado de A, a entrega dos
moldes foi feita sem que a fatura tivesse sido paga.
Em 31 de outubro, A exige a B juros moratórios nos termos do artigo 102º do Código Comercial, calculados
desde 31 de março, mas B não aceita a pretensão de A, sustentando por um lado, que só tem de pagar juros
moratórios a partir de 31 de outubro e, por outro, que os juros aplicáveis seriam os civis.
Mas refere B que é A quem lhe deve pagamento de juros moratórios, desde 31 de março, calculados sobre
50000€, valor da mercadoria, valor esse que deve ser acrescido a uma indemnização suplementar de
10000€, correspondente ao prejuízo que teve com o atraso do fornecimento.
Quid iuris?
42 – A, colega de B, deparou, numa galeria de arte, com uma tela de Vieira da Silva que, há muito tempo, B,
em gozo de férias no estrangeiro, tentava adquirir.
Convencido de que assim seria agradável a B, A, convencionou com C (dono da galeria), e em nome próprio,
o seguinte:
i) C venderia o quadro dois dias depois, por 5000€, a pagar em 5 prestações mensais iguais,
vencendo-‐se a primeira no momento da entrega do quadro;
ii) O pagamento do preço ficaria, pessoalmente, garantido por D, irmão de B.
Ficou também acordado que, na data da venda do Vieira da Silva, C entregaria a A uma cópia de um Dali,
que este adquiriu em nome de B, por 500€, tendo pago metade do preço.
Dois dias depois, A deslocou-‐se, de facto, à galeria, onde pagou a C 1000€ e recebeu os dois quadros, que,
com a ajuda de B colocou na parede do “hall” da vivenda de B.
Regressado do estrangeiro, B manifesta a sua discordância em relação ao comportamento de A. Acrescenta,
referindo-‐se ao Dali, que A sabia perfeitamente que só se interessava por originais.
No entanto, ratifica a aquisição da cópia, a qual vende, de imediato, a E, por 750€.
a) Caracterize juridicamente as situações com alusão fundamentada aos direitos e deveres dos
intervenientes, considerando que A, magoado com B, deixa de pagar a 2º prestação a C, exigindo a
B o pagamento das despesas efetuadas, o reembolso das quantias entregues a C com juros legais e
o lucro obtido por B na venda do Dali. C, por sua vez, exige o pagamento dos 4000€ em falta a D.
b) Entretanto, C incendeia a galeria para receber uma indemnização do seguro, tendo ardido o quadro
de Vieira da Silva.
18-‐ A pretende intentar uma ação com fundamento em enriquecimento sem causa.
a) Com vista a ser reembolsado dos 100.000€ que entregou a B, como pagamento de um apartamento
que lhe comprou, por escrito particular.
R: Há um contrato, mas este é nulo por falta de forma (875º + 220º). Se o contrato é nulo, deve verificar-‐se a
restituição de tudo aquilo que foi prestado (289º). Por isso, A tem direito a receber de volta os 100.000€, por
força da nulidade e não por força do regime do enriquecimento sem causa porque este é de natureza
subsidiária (474º).
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b) Contra C, a quem emprestou, há 24 anos, 2500€, cuja devolução ainda não conseguiu obter.
R: Não há enriquecimento sem causa, trata-‐se de um contrato de mútuo. Mesmo que existisse, a obrigação
está prescrita (482º + 309º). A obrigação converteu-‐se em obrigação natural.
O regime do enriquecimento sem causa é subsidiário (474º) e, dado que a obrigação, neste momento, já é
natural, o regime a aplicar é o regime da obrigação natural, que não é possível exigir judicialmente.
c) A conseguiu agora identificar D, como autor do furto do seu automóvel, ocorrido há 40 meses. Por
sua vez, a seguradora X, com idêntico fundamento, exige de A o reembolso dos 25.000€, pagos a
título de indemnização pelo furto do carro agora recuperado.
R: No momento em que a compensação foi paga, ela era devida. Por isso a deslocação patrimonial, numa fase
inicial, tem uma causa (a verificação de um facto que nos termos do contrato desencadeia esta consequência).
Quando o carro aparece, há duas alternativas: ou o contrato diz aquilo que as partes devem fazer ou nada diz
e aplicamos o regime do enriquecimento sem causa.
Na primeira hipótese, aplicamos aquilo que o contrato dispõe, porque o regime do enriquecimento sem causa
é de natureza subsidiária (474º).
No caso de o contrato nada dizer, aplicamos o regime do enriquecimento sem causa porque algo foi recebido
por virtude de uma causa que deixou de existir (473º, nº2).
d) O mesmo exemplo da alínea anterior, mas suponha agora que, entretanto, A adquiriu outro carro
com os 25.000€ que recebeu.
R: O dinheiro, que é um bem ultra fungível, transformou-‐se numa coisa. Mas o objeto da restituição continua
a ser dinheiro. A questão da conversão do bem para determinar o valor correspondente só releva se a
conversão for de uma coisa para dinheiro ou se for de uma coisa para outra coisa.
e) No último natal, por engano, o primo de A entregou na residência de E, seu vizinho, 4 garrafas de
whisky, no valor de 200€, destinadas a A e que E consumiu de imediato. A, habitual consumidor de
whisky barato, pretende reagir contra E, que alega nada dever, já que “só bebe quando não paga”.
R: Assumamos que estamos perante uma doação. A doação pressupõe a entrega da coisa.
Houve enriquecimento, o enriquecido acedeu a 4 garrafas de whisky, que consome.
Há erro sobre a pessoa do declaratário (251º). Por isso, o negócio é anulável se verificados os pressupostos do
art. 247º. Logo, não se aplica o regime do enriquecimento sem causa, porque este é de natureza subsidiária
(474º). Aplica-‐se o artigo 289º que fala sobre os efeitos da anulabilidade: deve ser restituído tudo o que tiver
sido prestado. Como a restituição em espécie não é possível porque o bem foi consumido, E deve restituir os
200€ a A.
f) Contratado por F, pelo preço de 1500€, para pintar o exterior do seu armazém, A enganou-‐se e
procedeu à pintura do seu armazém contíguo, propriedade de G, que assim, de imediato, dispensou
os serviços de H, a quem iria pagar 2000€ para proceder a idêntica tarefa. O armazém de G ficou
valorizado em 1750€.
R: Há enriquecimento sem causa.
A cumpriu perante terceiro, por isso aplicamos o artigo 476º, nº1. Daí resulta que G tenha de restituir F nos
termos do artigo 479º.
Nos termos do artigo 479º temos de determinar o valor correspondente de acordo com os dois limites: a
medida do enriquecimento e o que ele despenderia, em condições normais, para aceder a este
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enriquecimento. Mas neste caso em concreto, devemos substituir o segundo limite por outro que avalia aquilo
que o enriquecido deixou de despender para aceder ao enriquecimento: seriam 2000€, porque sabemos que
G iria obter este resultado
De acordo com a teoria do duplo limite tradicional, a restituição seria 1500€ (medida do empobrecimento).
g) A assumiu a posição de fiador, garantindo uma dívida de 5000€, contraída por I perante J, com
vencimento em 31 de outubro. No início de novembro, A pagou os 5000€ a J quando este lhos exigiu,
invocando que I se recusava a cumprir.
R: Nem sequer há enriquecimento porque J não ficou melhor por este facto, recebe aquilo que tinha a receber
nos termos do seu direito.
I também não enriqueceu porque continua obrigado a prestar os 5000€, mas agora perante um novo credor,
A, por efeito de uma sub-‐rogação legal (644º).
h) Por escrito assinado, A mutuou a L 1000€, com juros, a restituir a 1 de julho. Passados tempos, ao
consultar o texto contratual, A, que sofria de grave miopia, leu 1 de junho, procedendo assim nesta
data à restituição.
R: A obrigação de restituição foi cumprida antecipadamente, por isso aplicamos o nº3 do art. 476º. Só há
direito à restituição se o erro for desculpável e na medida daquilo que o enriquecido enriqueceu por efeito do
cumprimento antecipado.
i) M, ignorando que o terreno Y pertencia a A, procedeu aí à plantação e corte de eucaliptos, que veio
a vender por 25.000€, causando, com isso, danos no imóvel no valor de 5000€. O valor de mercado
da utilização do terreno, para efeitos idênticos, ronda os 4000€.
R: Não podemos aplicar o regime do enriquecimento sem causa porque existe um outro regime aplicável
(porque o enriquecimento sem causa é de natureza subsidiária – 474º), em virtude de existir dano: a
responsabilidade civil.
Não encontramos no OJ uma causa que permita ao M aproveitar o terreno do A e para esta situação a lei não
consagra um regime para aplicar, pelo que estão preenchidos os pressupostos para aplicar o enriquecimento
sem causa.
De acordo com o artigo 479º teremos de determinar a medida da compensação, tendo em conta os dois
limites: a medida do enriquecimento do enriquecido e aquilo que ele teria que despender para aceder àquele
enriquecimento. Neste caso, o menor dos valores é 4000€, porque é o valor da utilização do terreno para
efeitos idênticos, portanto, é este o valor correspondente da restituição.
Nota: os 5000€ do dano nunca podem corresponder ao empobrecimento do empobrecido, porque estes serão
ressarcidos ao abrigo do regime da responsabilidade civil.
A subsidiariedade do enriquecimento sem causa não invalida a possibilidade de serem aplicados outros
regimes em simultâneo com o regime do enriquecimento sem causa, como é o caso.
j) N, utilizando um pequeno avião, sobrevoou um palácio pertencente a A, tirando várias fotografias
ao edifício, comercializando-‐as, mais tarde, através da venda de calendários de parede.
R: Ninguém pode tirar proveito económico de um bem alheio. Portanto há enriquecimento e esse
enriquecimento não tem uma causa.
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O regime aplicável não pode ser o da tutela dos direitos de personalidade porque o que foi fotografado foi um
edifício. Também não pode ser aplicado o regime da responsabilidade civil porque não há danos. Assim, vamos
aplicar o regime do enriquecimento sem causa a título subsidiário (474º).
De acordo com o artigo 479º teremos de determinar a medida da compensação, tendo em conta os dois
limites: a medida do enriquecimento do enriquecido e aquilo que ele teria que despender para aceder àquele
enriquecimento.
k) Sem o consentimento de A, conhecido apresentador de televisão, Q tirou-‐lhe algumas fotografias,
que veio a utilizar numa campanha publicitária de refrigerantes, produzidos por uma empresa de
que é titular.
R: Eventualmente, neste caso, existiram danos. E quanto aos danos, aplicaríamos o regime da
responsabilidade civil. Não temos informação se houve ou não danos.
Quanto ao resto, vamos aplicar o enriquecimento sem causa: Q teve um enriquecimento injustificado pelo
uso da imagem de A na campanha publicitária.
l) P atravessou toda a cidade de Lisboa, viajando num autocarro da empresa de A, pensando tratar-‐se
de um serviço gratuito, oferecido pela Câmara Municipal. Quando foi intercetado por um fiscal, no
momento em que já saia do veículo, P recusou-‐se a pagar o bilhete.
R: Não há enriquecimento sem causa. Trata-‐se de um negócio em que é dispensada a aceitação (234º). Se o
OJ dispensa a aceitação, torna-‐se irrelevante o erro do declarante.
m) A comprou, por 150.000€, uma vivenda a Q, que, no dia seguinte, a vendeu a R, que registou de
imediato a aquisição. O valor de mercado do imóvel ronda os 160.000€, preço pago por R.
R: O Q enriqueceu (vendeu 2x a mesma coisa). Não há causa justificativa para esse enriquecimento porque
quando Q está a vender o imóvel pela 2º vez, está a vender um bem alheio.
Mas aqui não se aplica o regime do enriquecimento sem causa, porque existe dano. Q violou o direito de
propriedade de A, pelo que o regime aplicável é o da responsabilidade civil.
n) A procedeu à pintura da casa arrendada que habita, propriedade de S. Obra essa que, embora não
imprescindível, valorizou o imóvel em 1000€. Atingido o termo do contrato, S entende nada dever
a A, que gastou 500€ na pintura, tanto mais que esta foi realizada contra a sua vontade expressa.
R: Há um enriquecimento de S, o seu património valorizou 1000€.
Para saber se este enriquecimento sem causa, teríamos de ver o contrato de arrendamento ou a lei que lhe é
aplicável e saber se existem disposições sobre esta questão. Se sim, teríamos de aplicá-‐las. Ex: o contrato tinha
uma disposição que diz que o arrendatário tem autorização para realizar trabalhos de manutenção, sendo que
o trabalho passava a integrar o imóvel sem que tivesse direito a qualquer compensação – haveria causa
justificativa.
Não existindo disposições sobre a questão no contrato de arrendamento nem na lei aplicável ao
arrendamento, então há enriquecimento sem causa.
o) Crendo pertencer-‐lhe, por erro desculpável, T retirou areia do terreno de A, no valor de 4500€, não
provocando qualquer dano no imóvel. T vendeu, por 2500€, metade da areia a U. seguidamente,
doou a outra metade a V, empreiteiro que a utilizou para ultimar uma obra, poupando assim 500€,
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correspondentes ao valor da areia de péssima qualidade que costumava adquirir. Desconhece-‐se
se, à data das alienações, T já teria sido alertado para o facto de a areia provir da propriedade de A.
R: T teve um enriquecimento sem causa justificativa. Não há no OJ nenhum outro instituto que possa ser
aplicado, por isso aplicamos o regime do enriquecimento sem causa.
É preciso ter em conta que T procedeu a duas alienações: uma a título gratuito e outra a título oneroso.
Relativamente à venda da areia:
-‐ T enriqueceu 2500€;
-‐ O investimento numerário é 2250€ (valor correspondente à metade da areia vendida).
Logo, a medida do valor correspondente a restituir é 2250€.
Relativamente à doação da areia, o enriquecimento é 0. Por isso, de acordo com o artigo 481º, nº1, temos de
olhar para a perspetiva do adquirente (V): não sabemos a medida do seu enriquecimento, mas sabemos que
o valor do investimento necessário que teria que fazer para aceder o enriquecimento são 500€. Por isso, neste
caso, o valor correspondente nunca excederá os 500€.
No enunciado diz-‐se que se desconhece, à data das alienações, se T já teria sido alertado para o facto de a
areia provir da propriedade de A. Isto é relevante para efeitos da aplicação do artigo 481º.
Se a alienação onerosa tivesse ocorrido depois da verificação do primeiro dos factos a que faz referência o art.
480º, T teria que pagar os 2250€ + juros.
Se a alienação gratuita se tivesse verificado depois da verificação do primeiro dos factos a que faz referência
o art. 480º, T teria de pagar 2250€ (corresponde ao valor do seu enriquecimento no momento em que ele é
medido) e responde também nos termos do art. 480º.
Sempre que desconhecemos se já se verificou o primeiro dos momentos a que faz referência o art. 480º, o A
tem o ónus da prova relativamente a provar que T já tinha conhecimento de que a areia pertencia a um terreno
seu (342º). Não conseguindo provar, vamos aplicar o regime do enriquecimento sem causa como se T não
tivesse conhecimento.
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