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Faculdade  de  Direito  –  Universidade  Nova  de  Lisboa  

Ano  letivo  2015/2016  

2º  ano-­‐  2º  semestre  

Direito  das  Obrigações  


 
 
Professor  Vítor  Neves  
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
1.   O  Direito  das  obrigações  .........................................................................................................................  4  
1.1  A  relevância  jurídica  das  obrigações  ......................................................................................................  4  
1.2  O  conteúdo  das  obrigações  ...................................................................................................................  5  
1.3   Obrigações  civis  e  naturais  ..............................................................................................................  6  
2.O  cumprimento  e  o  não  cumprimento  das  obrigações  .................................................................................  6  
2.1  O  cumprimento  ....................................................................................................................................  7  
2.1.1  Quem  pode  cumprir?  .....................................................................................................................  8  
2.1.2.  A  quem  pode  ser  feita  a  prestação?  ..............................................................................................  8  
2.1.3  Prazo  a  prestação...........................................................................................................................  9  
2.1.3.1  O  benefício  do  prazo  ................................................................................................................  9  
2.1.4  Lugar  da  prestação  .......................................................................................................................  11  
2.1.5  Imputação  do  cumprimento  .........................................................................................................  11  
2.1.6  Prova  do  cumprimento  e  direito  à  restituição  do  título  ou  à  menção  do  cumprimento  ..................  12  
2.2  O  não  cumprimento............................................................................................................................  13  
2.2.1  A  impossibilidade  .........................................................................................................................  13  
2.2.1.1  O  “commodum”  da  representação  .........................................................................................  14  
2.2.1.2  As  consequências  da  impossibilidade  .....................................................................................  15  
2.2.1.3  O  risco...................................................................................................................................  15  
2.2.2  O  incumprimento  .........................................................................................................................  16  
2.2.2.1  O  incumprimento  em  função  do  critério  temporal  ..................................................................  16  
2.2.2.1.1  A  mora  do  devedor  .........................................................................................................  17  
2.2.2.1.2  O  incumprimento  definitivo  ............................................................................................  18  
2.2.2.2  O  incumprimento  em  função  do  critério  material  ...................................................................  19  
2.2.2.3  O  incumprimento  imputável  ao  credor  –  mora  do  credor......................................................  21  
3.O  regime  substantivo  da  realização  da  prestação  ......................................................................................  22  
3.1  A  garantia  das  obrigações  ...................................................................................................................  23  
3.1.1  A  garantia  geral  das  obrigações  ...................................................................................................  23  
3.1.2  Garantia  especial  das  obrigações  .................................................................................................  25  
4.  A  extinção  das  obrigações  ........................................................................................................................  27  
4.1  O  cumprimento  ..................................................................................................................................  27  
4.2  Dação  em  cumprimento  .....................................................................................................................  27  
4.3  Consignação  em  depósito  ...................................................................................................................  28  
4.4  A  compensação  ..................................................................................................................................  28  
4.5  A  novação  ..........................................................................................................................................  28  
4.6  A  remissão  .........................................................................................................................................  29  
4.7  A  confusão  .........................................................................................................................................  29  
5.A  transmissão  das  obrigações  ....................................................................................................................  29  

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5.1   Cessão  de  crédito..........................................................................................................................  29  
5.2   Sub-­‐rogação  .................................................................................................................................  33  
5.3   A  assunção  de  dívida  ....................................................................................................................  33  
5.4   Cessão  de  posição  contratual........................................................................................................  35  
6.Modalidades  das  obrigações  .....................................................................................................................  36  
6.1  Obrigações  genéricas  .........................................................................................................................  36  
6.2  Obrigações  alternativas  ......................................................................................................................  37  
6.3  As  obrigações  pecuniárias  ..................................................................................................................  38  
6.4  As  obrigações  de  juros  ........................................................................................................................  38  
6.5  As  obrigações  solidárias  e  conjuntas  ...................................................................................................  39  
6.5.1  A  solidariedade  ............................................................................................................................  39  
6.5.1.1  Regras  gerais  ........................................................................................................................  40  
6.5.1.2  Solidariedade  passiva  (entre  devedores)  ...............................................................................  40  
6.5.1.3  Solidariedade  ativa  (entre  credores)  .....................................................................................  41  
6.5.2  A  conjunção  .................................................................................................................................  42  
6.5.2.1  Obrigações  divisíveis  .............................................................................................................  42  
6.5.2.2  Obrigações  indivisíveis  ..........................................................................................................  42  
7.As  fontes  das  obrigações  ...........................................................................................................................  43  
7.1  A  gestão  de  negócios  ..........................................................................................................................  43  
7.2  O  enriquecimento  sem  causa  .............................................................................................................  46  
7.2.1  A  compensação  ...........................................................................................................................  47  
8.   Casos  práticos  e  outros  Elementos  para  as  Aulas  práticas  .....................................................................  52  
 
 

 
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1.  O  Direito  das  obrigações  
 
Em   Direito   das   obrigações   estudam-­‐se   as   situações   jurídicas   ditas   obrigacionais.   Uma   situação   é  
obrigacional  quando  uma  das  partes  tem  relativamente  à  outra  o  compromisso  de  adotar  um  determinado  
comportamento,  sendo  esse  comportamento  tutelado  pelo  Direito.  
Na  generalidade,  excetuando  as  obrigações  naturais,  um  compromisso  é  tutelado  pelo  Direito  quando  o  
ordenamento  jurídico  reage  à  sua  inobservância.  Por  exemplo,  compromissos  de  natureza  moral  que  não  
sejam  cumpridos  não  desencadeiam  nenhuma  reação  por  parte  do  ordenamento  jurídico,  o  que  quer  dizer  
que  estes  compromissos  não  constituem  obrigações.  
 
Conclusão:  O  que  particulariza  as  obrigações  de  dentro  dos  compromissos  é  a  capacidade  do  ordenamento  
jurídico  para  reagir  ao  seu  incumprimento.  
 
Artigo  397º  
(Noção  de  obrigação)  
 
Obrigação  é  o  vínculo  jurídico  por  virtude  do  qual  uma  pessoa  fica  adstrita  para  com  a  outra  à  realização  de  
uma  prestação.  
 
 
®  As  obrigações  nunca  existem  no  ordenamento  jurídico  isoladas,  pelo  
que   pressupõem   a   existência   de   um   vínculo   jurídico,   ou   seja,   de   uma   Existe   sempre   um   credor  
relação.  Porém,  do  ponto  de  vista  técnico,  a  obrigação  é  apenas  o  lado   e   um   devedor   entre   os  
passivo   da   relação,   sendo-­‐lhe   ainda   acrescentado   um   lado   ativo.   É   o   quais  existe  o  vínculo  
conjunto  da  situação  jurídica  ativa  e  passiva  que  forma  a  relação  jurídica.  
   
®  O  vínculo  que  a  obrigação  pressupõe  tem  de  ser  um  vínculo  jurídico:    
tem  de  ter  relevância  jurídica  e  um  conteúdo  específico.    
 
1.1  A  relevância  jurídica  das  obrigações  
 
Como  saber  se  uma  obrigação  tem  relevância  jurídica  ou  não?  
 
Uma  obrigação  tem  relevância  jurídica  consoante  a  natureza  da  sua  fonte.  Existem  obrigações  de  dois  tipos:  
•   Fonte  legal:  Na  sua  base  está  a  aplicação  da  lei  a  uma  situação  concreta;  
•   Fonte  voluntária:  Na  sua  base  está  o  exercício  da  autonomia  privada;  
 
Nas   obrigações  de  fonte  voluntária   torna-­‐se   difícil   saber   se   se   revestem,   ou   não   de   natureza   jurídica.  
Como  resultam  do  nosso  comportamento  temos  de  verificar  quais  dos  nossos  comportamentos  visam  revestir  
importância  legal  e  quais  visam  revestir  importância  social.  
Nestes  casos  temos  de  qualificar  o  facto  que  está  na  origem  do  efeito:  verificar  se  o  que  está  na  base  do  
compromisso  são  negócios  jurídicos  ou  acordos  de  mera  relevância  social  que  não  são  importantes  para  o  
direito.  
 
1.   Teoria   subjetivista:   Tudo   depende   daquilo   que   os   sujeitos,   naquele   caso   concreto,   quiseram.  
Devemos  procurar  saber  se,  quando  assumiram  determinado   compromisso   queriam   que   ele  fosse  
sancionável  pelo  direito  ou  não.  
2.   Teoria  objetivista:  A  distinção  não  se  faz  em  função  da  vontade  dos  agentes,  mas  sim  da  relevância  
objetiva  do  interesse  que  esteja  em  causa.  Há  interesses  que  são  relevantes  e  há  interesses  que  não  
são  suficientemente  relevantes  para  que  o  ordenamento  jurídico  se  disponibilize  a  intervir.  
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Exemplo:  considerem-­‐se  dois  comportamentos  de  quem  tem  filhos  e  os  confia  à  guarda  de  outrem:  
1.   Um  pai  leva  um  filho  para  a  escola:.  Tem  uma  confiança  institucionalizada  naquela  instituição  e  por  
isso   acredita   que   o   filho   vai   ser   bem   tratado.   Não   por   confiar   nas   pessoas   em   questão,   mas   na  
instituição   e   que   em   caso   de   necessidade   existe   proteção   legal.   Neste   caso,   quer-­‐se   que   o   direito  
intervenha.  
2.   Um  pai  leva  um  filho  para  casa  dos  avós  mas  não  acredita  que  haja  algum  contrato  ou  obrigação  de  
que   o   filho   seja   bem   tratado.   Não   se   conta   com   a   proteção   do   direito   mas   sim   com   as   relações  
interpessoais.  
 
Artigo  398º:  As  partes  são  livres  de  fixarem  o  que  quiserem  (dentro  dos  limites  da  lei)  inclusive  a  intervenção  
jurídica  ou  não:  prevalece  a  autonomia  privada.  Porém,  se  o  interesse  for  digno  de  proteção  legal  prevê-­‐se  
que  o  ordenamento  jurídico  possa  intervir:  prevalece  a  teoria  objetivista).  
 
1.2  O  conteúdo  das  obrigações  
 
  O  vínculo  jurídico  que  pressupõem  as  obrigações  tem  um  conteúdo  específico.  Esse  conteúdo  resulta  da  
adstrição  de  uma  determinada  pessoa  que  é  devedora  à  realização  de  uma  prestação  perante  outra  que  é  
credora.  
  Por   prestação   entende-­‐se   aquilo   a   que   está   obrigado   o   devedor   de   uma   obrigação,   ou   seja,   o  
comportamento  a  que  o  devedor  fica  adstrito.  
  Este  comportamento  pode  assumir  várias  naturezas:  positiva  ou  negativa,  ou  seja,  pode  relacionar-­‐se  com  
uma  ação  ou  com  uma  omissão.  Pode,  ainda,  assumir-­‐se  a  obrigação  de  suportar  as  consequências  negativas  
que  resultem  de  um  determinado  comportamento  de  outra  pessoa.  
Exemplo:  Tenho  um  terreno  em  que  quero  fazer  uma  construção  que  vai  emitir  barulho,  gases  tóxicos…  Posso  
celebrar  um  contrato  com  o  meu  vizinho  segundo  o  qual  ele  suporte  passivamente  o  sofrimento  que  lhe  vou  
causar.  
 
Dentro  das  prestações  ativas  (ação)  pode  distinguir-­‐se:  
•   Obrigação  de  dar  –  entregar  alguma  coisa  
•   Obrigação  de  fazer  –  fazer  alguma  coisa  
 
Aquele  que  está  adstrito  a  uma  prestação  fica  sob  o  dever  de  prestar.  Porém,  este  dever  não  existe  sozinho,  
existem   outras   situações   jurídicas   que   no   seu   conjunto   constituem   a   obrigação:   deveres   acessórios   e  
secundários.    
As   obrigações   são   predominantemente   passivas,   mas   têm   momentos   de   atividade.   Olhar   para   uma  
obrigação  apenas  como  um  dever  é  analisar  a  questão  de  maneira  demasiado  restritiva.  
 
Os  deveres  acessórios  são,  por  exemplo,  a  boa-­‐fé  (artigo  762º).  São  deveres  associados  ao  dever  principal,  
mas  que  resultam  da  concretização  da  boa-­‐fé  a  propósito  da  configuração  de  o  dever  principal.  
Os  deveres  secundários  manifestam-­‐se  naqueles  deveres  que  são  instrumentais  ou  que  estão  previstos  
como  instrumentos  do  dever  principal.  Não  são  esses  deveres  que  justificam  essa  mesma  obrigação,  são  os  
deveres  que  gravitam  em  torno  da  obrigação  cuja  utilidade  é  consequência  da  própria  obrigação.  
Exemplo:   Alguém   vai   pintar   uma   parede   e   aplica   uma   proteção   para   não   sujar   o   chão.   Este   é   um   dever  
secundário:  o  que  o  justifica  é  a  pintura  da  parede  que  é  o  dever  principal.    
 
Estes  elementos  são  passivos,  mas  existem  elementos  ativos.  São,  por  exemplo,  os  momentos  em  que  o  
credor  pode  exigir  que  o  devedor  assuma  determinado  comportamento  ou  atue  de  determinada  forma.  Por  
exemplo,  atuar  segundo  a  boa-­‐fé  (artigo  762º)  é  um  comportamento  ativo.  
 

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1.3  Obrigações  civis  e  naturais  
 
A  generalidade  das  obrigações  são  civis,  mas  existem  algumas  que  são  naturais  (artigo  402º).    
“A  obrigação  diz-­‐se  natural  quando  se  funda  num  mero  dever  moral  ou  social,  cujo  cumprimento  não  é  
judicialmente  exigível,  mas  corresponde  a  um  dever  de  justiça”.  
O  que  distingue  as  obrigações  civis  das  naturais  é  o  âmbito  de  proteção  que  o  ordenamento  jurídico  lhes  
confere.  Esse  âmbito  é  muito  mais  completo  nas  obrigações  civis  do  que  nas  obrigações  morais.  
O  ordenamento  jurídico  tem  duas  formas  de  proteger  as  obrigações:  
1.   Enquanto  o  devedor  não  adota  o  comportamento  que  lhe  é  exigível  nos  termos  da  obrigação  que  o  
vincula,   o   ordenamento   jurídico   disponibiliza   ao   credor   aquilo   a   que   chamamos  garantia   geral   das  
obrigações.   Esta   garantia   geral   das   obrigações   é   o   conjunto   de   instrumentos   que   o   ordenamento  
jurídico   põe   à   disposição   do   credor   para   que   se   o   devedor   incumprir,   o   credor   possa   reagir   a   esse  
incumprimento  e  obter  a  satisfação  para  o  direito  de  crédito  que  não  tenha  sido  satisfeito.    
®   Coloca-­‐se   à   disponibilidade   do   credor   os   mecanismos   que   ele   precisa   para   reagir   ao  
incumprimento  do  devedor,  de  modo  a  que  possa  obter  aquilo  que  lhe  é  devido.  
 
2.   Temos  no  nosso  ordenamento  jurídico  um  princípio  segundo  o  qual  quando  existe  uma  deslocação  
patrimonial  de  uma  esfera  jurídica  para  outra,  a  vantagem  que  daí  advém  só  se  consolida  na  medida  
em   que   tenha   uma   causa   que   a   justifique.   Sempre   que   esta   deslocação   tenha   sido   feita   em  
cumprimento  de  uma  obrigação  está  justificada.  Desta  forma,  a  proteção  do  ordenamento  jurídico  
ocorre  através  da   consolidação.  Se  a  deslocação  não  for  consolidada  e  justificada,  o  ordenamento  
jurídico  o  que  foi  prestado  tem  que  ser  restituído  de  volta.  
 
Nas   obrigações   naturais,   a   proteção   só   existe   do   cumprimento   em   diante,   o   que   significa   que   nas  
obrigações  naturais,  o  credor  não  goza  da  proteção  do  número  1,  não  tendo  meios  que  lhe  permitam  atuar  
em  caso  de  incumprimento  do  devedor.  
A  partir  do  momento  em  que  a  obrigação  é  cumprida  é  consolidada  e  não  pode  haver  restituição.  É  esta  a  
proteção  que  o  ordenamento  jurídico  dá  após  o  cumprimento  da  obrigação  (artigo  403º).  
Um  exemplo  de  uma  obrigação  natural  é  o  jogo  e  aposta  (artigo  1245º).    
 
2.O  cumprimento  e  o  não  cumprimento  das  obrigações  
 
No  âmbito  das  obrigações  existem  dois  momentos  que  importam  referir:  o  momento  da  constituição  da  
obrigação  e  o  momento  em  que  a  obrigação  deve  ser  cumprida.  
Regra   geral,   é   no   segundo   momento   que   o   devedor   deve   cumprir   a   prestação.   Quando   ele   o   faz  
efetivamente  estamos  perante  uma  situação  de  cumprimento  que  leva  à  extinção  da  obrigação  –  o  dever  é  
exaurido.  Quando  o  devedor  não  faz  o  que  é  suposto,  há  uma  reação  por  parte  do  ordenamento  jurídico  de  
modo  a  que  as  necessidades  do  credor  sejam  satisfeitas.  
Na  prática,  a  obrigação  funciona  como  um  plano  que  corresponde  à  descrição  de  um  comportamento  que  
deve  ser  adotado.  A  adoção  desse  comportamento  é  juridicamente  exigível,  pelo  que  se  coloca  nos  termos  do  
plano  dever-­‐ser.  
A  partir  do  momento  em  que  é  constituída  a  obrigação  vamos  comparando  o  plano  dever-­‐ser  com  o  que  
está  a  acontecer  na  realidade.  Esta  comparação  pode-­‐nos  levar  a  duas  conclusões:  
1.   O   plano   definido   a   nível   do   dever-­‐ser   corresponde   ao   que   está   a   acontecer   na   prática:   situação   de  
cumprimento  –  artigos  762º  e  ss.  
2.   O  plano  do  dever-­‐ser  e  a  prática  não  correspondem:  situação  de  não  cumprimento  –  artigos  790º  e  ss.  
 
 

6  
 
2.1  O  cumprimento  
 
O  cumprimento  corresponde  à  adoção,  pelo  devedor,  do  comportamento  que  lhe  é  exigível  nos  termos  da  
obrigação,   permitindo   satisfazer   o   interesse   que   o   credor   tinha   naquela   obrigação.  Consequentemente,   o  
cumprimento  resulta  na  extinção  da  obrigação.  
 
Artigo  762º/1  

“O  devedor  cumpre  a  obrigação  quando  realiza  a  prestação  a  que  está  vinculado”  


 
 
Esta  definição  está  incompleta:  não  basta  realizar  a  prestação,  tem  de  se  a  realizar  pontualmente.  
 
Juridicamente,  o  termo  pontualidade  é  mais  vasto  do  que  simplesmente  fazer  as  coisas  atempadamente.  
A  pontualidade  tem  a  ver  com  tudo  aquilo  que  seja  relevante  para  o  cumprimento  da  obrigação.  Deste  modo,  
o  comportamento  adotado  deve  corresponder  ponto  a  ponta  com  tudo  aquilo  que  deveria  ser  adotado.  Não  
se   trata   de   cumprir   a   obrigação   de   qualquer   forma,   tem   de   se   cumpri-­‐la   de   acordo   com   as   características  
exigidas.  
Qualquer   divergência   para   com   as   características   exigidas   corresponde   a   uma   situação   de   não  
cumprimento.  
 
Artigo  763º/1:  Este  artigo  aflora  o  princípio  a  pontualidade.  A  ideia  fundamental  é  que  o  devedor  tem  que  
fazer  tudo  aquilo  a  que  está  obrigado,  não  podendo  impor  ao  credor  receber  o  que  quer  que  seja  diferente  
daquilo  a  que  está  obrigado.  
 
Exemplo:  A  deve  1000€  a  B.  Tem  de  pagar  dia  29  de  fevereiro.  No  dia  acordado,  A  apenas  tem  950€  e  tenta  
pagar  essa  parte  a  B.  B  pode  recusar:  ou  paga  tudo  ou  não  paga.  Pode  ainda  ser  convencionado  um  acordo  do  
género:  A  paga  950€  e  fica  a  pagar  juros  sobre  os  50€que  ficam  em  falta.  De  qualquer  das  formas,  o  devedor  
fica  em  mora.  
Conclusão:  Como  o  devedor  está  a  atuar  de  forma  diferente  daquilo  que  se  pressupõe  o  credor  pode  
recusar  a  prestação.  
 
 
Por   mora   entende-­‐se   o   atraso   no   cumprimento   da   prestação   devida.   O   atraso   pode   ser  
 
imputável  ao  credor  ou  ao  devedor,  podendo  ainda  resultar  de  facto  alheio  a  qualquer  deles.  
 
 
 
Artigo  763º/2:  O  devedor  tem  o  seu  próprio  interesse  em  cumprir  e  em  livrar-­‐se  da  obrigação,  interesse  este  
que  é  tutelado  pelo  Ordenamento  Jurídico.  Deste  modo,  mesmo  que  o  credor  possa  exigir  parte  da  prestação,  
não  quer  dizer  que  o  devedor  não  possa  oferecer  o  pagamento  integral.  Neste  caso,  o  credor  tem  de  aceitar  
a  prestação  inteira.  
 
Para  sabermos  se  o  comportamento  adotado  pelo  devedor  corresponde  ao  que  lhe  era  exigível  podemos  
identificar  um  conjunto  de  questões  que  nos  ajudam  a  determinar  caso  a  caso  se  este  cumprimento  pontual  
existiu  ou  não.  Essas  questões  são  as  seguintes:  
1.   O  quê?  –  Comportamento  que  deve  ser  adotado.    
2.   Como?   –   Caracterização   qualitativa   da   prestação.   São   os   especiais   requisitos   que   o   devedor   deve  
observar   na   adoção   do   comportamento.   Podem   ser   específicos   ou   genéricos   se   nada   se   impor   de  
específico.  
3.   Quanto?  –  Caracterização  quantitativa.  

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4.   Por  quem?  –  Legitimidade  para  cumprir  (artigos  767º-­‐768º).  
5.   A  quem?  –  Pessoas  junto  das  quais  o  cumprimento  da  obrigação  tem  o  efeito  extintivo  da  obrigação  
(769º  -­‐  771º)  
6.   Quando?  –  Momento  em  que  se  deve  cumprir  a  obrigação  (artigos  777º  -­‐  782º).    
7.   Onde?  –  Local  onde  o  devedor  deve  adotar  o  comportamento  que  lhe  é  exigível  (artigos  772º  -­‐  775º).  
 
As   três   primeiras   perguntas   estão   relacionadas   com   a   identificação   e   caracterização   da   obrigação   –  
elementos  intrínsecos  da  obrigação.  As  quatro  últimas  perguntas  relacionam-­‐se  com  os  elementos  extrínsecos  
da  obrigação.  
Estes  critérios  são  supletivos,  o  que  quer  dizer  que  apenas  valem  na  falta  de  disposição  das  partes  em  
sentido  contrário,  que  podem  fixar  o  que  quiserem.  
São  também  disposições  gerais,  o  que  leva  a  que  tenhamos  que  ter  cuidado  quanto  à  sua  supletividade  e  
quanto  à  possibilidade  de  existência  de  disposições  especiais.  
 
2.1.1  Quem  pode  cumprir?  
 
Regra   geral   “a   prestação   pode   ser   feita   tanto   pelo   devedor   como   por   terceiro,   interessado   ou   não   no  
cumprimento  da  obrigação”  (Artigo  767º/1).  
Se  um  terceiro  surgir  junto  do  credor  para  cumprir  e  o  credor  recusar  é  uma  recusa  ilegítima  que  faz  com  
que  o  credor  incorra  em  mora  (Artigo  768º/1).  
 
 
Artigo  813º:  “O  credor  incorre  em  mora  quando,  sem  motivo  justificado,  
 
não  aceita  a  prestação  que  lhe  é  oferecida  nos  termos  legais  ou  não  pratica  
 
os  atos  necessários  ao  cumprimento  da  obrigação”.  
 

Existem  exceções  à  regra  geral:  (artigo  767º/2)  


1.   O  devedor  deixa  de  se  poder  fazer  substituir  quando  assim  estiver  convencionado;  
2.   A  prestação  não  pode  ser  prestada  por  terceiro  se  isto  prejudicar  o  credor;  nestes  casos  temos  que  
colocar-­‐nos  na  posição  do  credor  e  verificar  se  ele  tem  motivos,  em  termos  razoáveis,  para  se  sentir  
prejudicado.  
 
2.1.2.  A  quem  pode  ser  feita  a  prestação?  
 
O  interesse  de  saber  a  quem  pode  ser  feita  a  prestação  relaciona-­‐se  com  o  facto  de  se  saber  junto  de  quem  
se  exonera  a  obrigação,  já  que  a  prestação  feita  junto  da  pessoa  errada  constitui  o  não  cumprimento,  não  
desvinculando  o  devedor  da  obrigação.  
Se  a  obrigação  for  cumprida  junto  da  pessoa  errada  vai  ter  de  ser  cumprida  novamente  junto  da  pessoa  
certa.  A  prestação  errada  pode  sempre  ser  reavida  nem  que  seja  através  do  regime  do  enriquecimento  sem  
causa.  
 
Regra  geral,  “a  prestação  deve  ser  feita  ao  credor  ou  ao  seu  representante”  (artigo  769º).  O  representante  
não   pode   ser   um   representante   qualquer:   tem   de   ser   um   representante   com   poderes   para   receber   a  
prestação.  Se  estivermos  perante  uma  situação  de  falta  de  poderes  é  como  se  a  prestação  estivesse  a  ser  
prestada  a  um  terceiro.  
 
Existem  casos  em  que,  excecionalmente,  a  prestação  feita  a  terceiro  extingue  a  obrigação:  (Artigo  770º)  
•   Quando  assim  for  estipulado  ou  consentido  pelo  credor;  
•   Quando  o  credor  ratificar  a  prestação;  
•   Quando  quem  a  recebeu  houver  adquirido  posteriormente  o  crédito;  
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•   Quando  o  credor  vier  a  aproveitar-­‐se   do   cumprimento   e   não   tiver   interesse   fundado   em   não   a  
considerar  como  feita  a  si  próprio;  
•   Quando   o   credor   for   herdeiro   de   quem   recebeu   e   responder   pelas   obrigações   do   autor   da  
sucessão;  
•   Quando  a  lei  assim  o  determine;  
 
2.1.3  Prazo  a  prestação  
 
Na  matéria  do  prazo  existem  dois  tipos  de  situações:    
1.   O  prazo  é  fixado  previamente,  sendo  claro  da  própria  obrigação  que  ela  incorpora  a  matéria  do  prazo;  
2.   Não  existe  prazo  fixado;  
 
No  caso  de  não  existir  prazo  fixado,  a  obrigação  pode:  
2.1  Não  pressupor  um  prazo:  
•   Artigo  777º/1:  O  credor  pode  exigir  o  cumprimento  da  obrigação  a  todo  o  tempo,  assim  como  o  
devedor  pode  a  qualquer  momento  exonerar-­‐se  dela.  Este  é  um  regime  supletivo.  
 
2.2  Pressupor  um  prazo:  
•   Artigo  777º/2:  Sendo  legítima  a  existência  de  um  prazo,  não  é  correto  ser  nenhuma  das  partes  a  
defini-­‐lo  unilateralmente:  ou  as  partes  se  põem  de  acordo  quanto  ao  mesmo,  ou  o  prazo  é  fixado  
pelo  tribunal.  
•   Artigo  777º/3:  Fixação  do  prazo  deixada  ao  credor:  Nestes  casos,  mesmo  que  o  devedor  queira  já  
cumprir  a  obrigação  só  o  pode  fazer  dentro  do  interesse  do  credor,  uma  vez  que  a  fixação  do  prazo  
foi  deixada  ao  seu  critério.  
•   Artigo  778º:  Nestes  casos,  o  devedor  cumpre  a  obrigação  quando  puder,  só  lhe  sendo  exigível  o  
cumprimento  quando  estiver  na  possibilidade  de  o  fazer.  
 
O   momento   em   que   se   torna   exigível   ao   devedor   cumprir   a   obrigação   denomina-­‐se   vencimento   da  
obrigação.  A  obrigação  vence  no  momento  a  partir  do  qual  o  credor  pode  exigir  o  seu  cumprimento.  
Até  ao  vencimento  da  obrigação,  o  devedor  nunca  entra  em  mora  uma  vez  que  o  cumprimento  ainda  não  
lhe  foi  exigido.  
 
2.1.3.1  O  benefício  do  prazo  
 
O   benefício   do   prazo   é   relevante   nas   situações   em  que   se   encontra   fixado   um   prazo   temporal   para   o  
cumprimento  em  vez  de  uma  data  específica  para  o  mesmo.  
Por  exemplo,  em  vez  de  se  dizer  que  se  tem  de  cumprir  no  dia  x,  diz-­‐se  que  tem  de  se  cumprir  até  ao  dia  x,  
ou  no  prazo  de  x  dias.  
Quem  tem  o  benefício  do  prazo  é  aquele  que  tem  na  sua  disponibilidade  escolher  o  momento  concreto  
dentro  do  prazo  em  que  a  obrigação  vai  ser  cumprida.  
•   Quando  esse  poder  é  do  devedor,  é  ele  que  decide  o  dia  em  que  vai  cumprir  ficando  o  credor  na  
posição  oposta:  tem  de  esperar  pelo  cumprimento,  só  o  podendo  exigir  no  dia  limite  do  prazo  
•   Quando  esse  poder  é  do  credor  é  este  que  pode,  dentro  do  prazo,  dirigir-­‐se  a  qualquer  momento  
ao  devedor  e  exigir  o  cumprimento  da  obrigação  
•   Se  o  prazo  for  estabelecido  no  benefício  de  ambos,  a  obrigação  deve  ser  cumprida  no  último  dia  
do  prazo,  a  menos  que  ambos  estejam  de  acordo  quando  à  antecipação  da  data  
 
 
 

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Artigo  779º:  Regra  geral:  O  prazo  é  estabelecido  em  favor  do  devedor.  
 
 
Numa  situação  concreta  em  que  não   tenhamos  mais  nenhuma  informação  presume-­‐se  que  o  benefício  do  
prazo  é  do  devedor.  Só  quando  exista  informação  em  contrário  é  que  saímos  da  regra-­‐geral  e  se  tem  por  dado  
o  benefício  do  credor  ou  de  ambas  as  partes.  
 
Mesmo  nos  casos  em  que  o  benefício  do  prazo  resida  no  devedor,  existem  situações  em  que  o  credor  pode  
antecipar  a  exigência  do  cumprimento  antes  do  final  do  prazo  (Artigo  780º),  perdendo  o  devedor  o  benefício  
do  prazo.  O  credor  pode  fazê-­‐lo:  
 
•   Se  o  devedor  se  tornar  insolvente:  Uma  vez  que  no  nosso  ordenamento  jurídico  vigora  o  princípio  da  
responsabilidade  patrimonial  (artigo  601º),  se  o  património  do  devedor  não  for  suficiente  para  cobrir  
a  obrigação  é  insolvente  e  é  permitido  ao  credor  exigir  desde  aí  o  cumprimento.  
 
•   Se  diminuírem  as  garantias  de  crédito:  Risco  de  insolvência.  
 
•   Se   não   forem   prestadas   as   garantias   prometidas:   Pelo  risco   de   crédito,  os   credores  podem  pedir  
garantias  especiais  que  funcionam  como  uma  proteção  adicional  no  caso  de  o  devedor  se  tornar,  por  
exemplo,  insolvente.  Existem  garantias  de  dois  tipos:  
o   Pessoais:  B  pede  crédito  a  A.  A  pode  pedir  garantias  que  somem  ao  património  de  B  o  de  C  
que  será  seu  fiador.  Deste  modo,  o  património  de  C  poderá  responder  ao  cumprimento  da  
obrigação  em  caso  de  necessidade.  
o   Reais:  A  tem  duas  dívidas  de  1000  (B  e  C)  e  apenas  tem  500.  Diz  a  lei  (artigo  604º)  que  cada  
um  dos  credores  recebe  250.  Pode  acontecer  que  o  credor  B  tenha  exigido  uma  garantia  real.  
Se   A   apenas   tiver   uma   casa   no   seu   património   que   valha   500,   isso   significa   que   adquiriu  
prioridade  sobre  o  valor  da  casa  para  satisfação  do  seu  crédito.  Como  B  tem  prioridade  sobre  
o  credor  C,  vai  receber  os  500  da  casa  e  C  não  vai  receber  nada.  
 
Nota:   Quando   alguém   pede   uma   garantia   especial   fica   à   espera   que   o   outro   cumpra   mas   com   o  
benefício   da   garantia   adicional.   Se   a   garantia   desaparecer,   então   o   credor   pode   exigir   desde   aí   o  
cumprimento  da  obrigação.  
 
Para  além  desta,  temos  ainda  uma  outra  exceção  que  figura  no  artigo  781º.  ”Se  a  obrigação  puder  ser  
liquidada  em  duas  ou  mais  prestações,  a  falta  de  realização  de  uma  delas  importa  o  vencimento  de  todas”.  
Este  artigo  só  é  aplicável  quando  estamos  perante  uma  prestação  única  em  que  as  parcelas  que  se  vão  
pagando  num  período  de  tempo  fracionado  correspondem  a  um  custo  indivisível.    
Exemplo:   Há   uma   obrigação   em   pagar   1000   e   o   seu   cumprimento   é   dividido   em   10   prestações   mensais.  
Mensalmente,  o  credor  não  pode  exigir  mais  do  que  o  cumprimento  da  prestação  de  100.  Porém,  se  o  devedor  
falhar  uma  prestação,  perde  o  benefício  do  prazo  e  resulta  no  vencimento  de  todas  as  prestações.  
 
Em   relação   a   este   artigo   temos   uma   regra   especial,  a   do   artigo   934º   segundo   o   qual”   a   falha   de   uma  
prestação  só  determina  o  vencimento  se  a  parte  incumprida  exceder  a  oitava  parte  do  preço.  
Exemplo   1:  Retomando   o   exemplo   anterior,   caso   se   falhasse   uma   prestação   mensal   de   100   em   relação   à  
obrigação  total  de  1000,  como  essa  é  inferior  à  oitava  parte  (corresponde  a  1/10)  não  se  dá  o  vencimento  
antecipado.   Se,   no   entanto,   o   devedor   incumprir   com   uma   segunda   prestação,   a   prestação   em   atraso   é  
superior  à  oitava  parte  pelo  que  ocorre  o  vencimento  antecipado.  
 
 
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2.1.4  Lugar  da  prestação  
 

Artigo  772º/1:  Regra  geral:  É  no  domicílio  do  devedor  que  a  obrigação  deve  ser  cumprida.  
 
Este   princípio   geral   não   se   aplica   quando   se   trata   da   entrega   de   coisa   móvel   (773º)   ou   de   obrigação  
pecuniária  (774º).  
•   Quando  se  trate  de  coisa  móvel,  a  obrigação  deve  ser  cumprida  no  lugar  onde  se  encontrava  a  
coisa  ao  tempo  da  conclusão  do  negócio.  
Exemplo:  Tenho  um  carro  no  Porto  e  vendo-­‐o  hoje,  a  determinada  pessoa  que  sabe  que  o  carro  está  
no  Porto.  O  carro  deve  ser  entregue  no  Porto.  Se  eu  não  for  lá  entregá-­‐lo,  entro  em  mora  do  devedor;  
se  o  credor  não  for,  estamos  perante  mora  do  credor.  
 
•   Quando  se  trate  de  obrigação  pecuniária,  o  cumprimento  deve  fazer-­‐se  no  domicílio  do  credor.  
Nota:  A  propósito  desta  regra  geral,  deve  ter-­‐se  em  conta  o  artigo  885º,  específica  para  a  compra  e  
venda,  segundo  o  qual  “o  preço  deve  ser  pago  no  momento  e  no  lugar  da  entrega  da  coisa  vendida”.  
 
Enquanto  os  critérios  dos  artigos  772º  e  774º  são  móveis,  o  critério  do  artigo  773º  é  imóvel,  o  que  quer  
dizer  que,  no  caso  dos  artigos  772º  e  774º  o  lugar  da  prestação  pode  alterar-­‐se.  Os  problemas  que  esta  questão  
pode  originar  são  respondidos  pelos  artigos  772º/2  e  775º.  
 
Artigo  772º/2:  “Se  o  devedor  mudar  de  domicílio  a  prestação  será  efetuada  no  novo  domicílio  do  devedor,  
exceto  se  a  mudança  acarretar  prejuízo  para  o  credor  devendo,  nesse  caso,  efetuar-­‐se  no  lugar  do  domicílio  
primitivo”.  
 
Artigo  775º:  Se  o  lugar  da  prestação  consistir  no  domicílio  do  credor  é  aplicável  este  artigo.  O  credor  só  pode  
exigir  ao  devedor  a  mudança  de  local  para  o  cumprimento  da  obrigação  se  o  indemnizar  no  prejuízo  que  sofrer  
com  a  mudança,  caso  contrário  a  prestação  pode  ser  efetuada  no  domicílio  do  devedor.  
 
2.1.5  Imputação  do  cumprimento  
 
A  imputação  do  cumprimento  é  um  regime  que  se  aplica  à  situação  cuja  base  assenta  num  determinado  
devedor  que  tem  várias  dívidas  da  mesma  natureza  perante  um  mesmo  credor  e  realiza  uma  prestação  que  é  
insuficiente  para  as  satisfazer  a  todas.  
 
Artigo  783º/1:Regra  geral:  É  o  devedor  que  deve  escolher  quais  as  obrigações  cumpridas  e  quais  as  que  se  
encontram  por  cumprir.  
Exemplo:  Entre  várias  dívidas,  uma  com  hipoteca,  outra  com  juro  de  5%  e  outra  de  7%,  a  que  vale  mais  a  pena  
cumprir  é  a  do  juro  de  7%.  
 
A  escolha  não  é  discricionária:  existem  limites  que  o  credor  não  pode  ultrapassar:  Artigo  783º/2  
•   O  devedor  não  pode  designar  contra  vontade  do  credor  uma  dívida  que  ainda  não  esteja  vencida,  
se  o  prazo  tiver  sido  estabelecido  em  benefício  do  credor;  
•   O  devedor  não  pode  designar  contra  a  vontade  do  credor  uma  dívida  de  montante  superior  ao  da  
prestação  efetuada,  desde  que  o  credor  tenho  o  direito  de  recusar  a  prestação  parcial;  
 
 
 
 
 

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Artigo  784º  
(Regras  supletivas)  
1.   Se  o  devedor  não  fizer  a  designação,  deve  o  cumprimento  imputar-­‐se  na  dívida  vencida;  entre  várias  
dívidas   vencidas,   na   que   oferece   menor   garantia   para   o   credor;   entre   várias   dívidas   igualmente  
garantidas,   na   mais   onerosa   para   o   devedor;   entre   várias   dívidas   igualmente   onerosas,   na   que  
primeiro  se  tenha  vencido;  se  várias  se  tiverem  vencido  ao  mesmo  tempo,  na  mais  antiga  em  data.  
2.   Não  sendo  possível  aplicar  as  regras  fixadas  no  número  precedente,  a  prestação  presumir-­‐se-­‐á  feita  
por  conta  de  todas  as  dívidas,  rateadamente,  mesmo  com  prejuízo,  neste  caso,  do  disposto  no  artigo  
763º.  
 
Artigo  785º/1:   Este  artigo  aplica-­‐se   nos   casos   em   que   existem   dívidas   de   juros,   despesas   e   indemnização.  
Nestes  casos,  presumem-­‐se  prestadas,  sucessivamente,  as  despesas,  a  indemnização,  os  juros  e  o  capital.  
Exemplo:  O  montante  é  de  1000,  o  juro  é  de  50  e  o  juro  moratório  é  de  100.  A  dívida  total  é  de  1150.  Num  
determinado  momento  o  devedor  entrega  ao  credor  1100.  Primeiro  estão  satisfeitos  os  juros  e  só  depois  o  
montante.  Fica,  assim,  em  dívida,  50  do  montante  inicial  de  1000.  
 
2.1.6  Prova  do  cumprimento  e  direito  à  restituição  do  título  ou  à  menção  do  cumprimento  
 
Em  relação  à  prova  do  cumprimento,  a  lei  estabelece  duas  coisas  que  acabam  por  ser  o  reverso  da  mesma  
moeda:  
•   Direito  do  devedor  à  quitação  (artigo  787º/1)  
•   Direito  do  devedor  à  restituição  do  título  de  obrigação  (artigo  788º/1)  
 
Quitação:   Declaração  feita  pelo  credor  de  que  a  obrigação  foi  cumprida  e  de  que  o   devedor  se  encontra,  
portanto,  exonerado  ou  quite.  
 
O  devedor  não  é  obrigado  a  cumprir  até  que  tenha  a  prova  de  que  cumpriu,  ou  seja,  até  que  tenha  quitação.  
Se  o  credor  não  lhe  conferir  esta  declaração  então  é  ele  quem  entra  em  mora  (artigo  787º/2).  
Exemplo:  Devo  750  a  alguém.  No  dia  e  sítio  acordado  tenciono  pagar  e  peço  o  recibo  comprovativo  de  que  
cumpri  a  obrigação  e  o  credor  não  a  passa.  Posso  recusar-­‐me  a  pagar  sem  entrar  em  mora.  Quem  entra  em  
mora  é  o  credor.  
 
Artigo  786º:  Se  a  quitação  não  tem  reservas,  então  presumem-­‐se  cumpridos,  se  existirem,  os  juros,  ainda  que  
não  o  tenham  sido.  A  presunção  é  em  benefício  do  devedor.  
 
Direito  à  restituição  do  título  ou  à  menção  do  cumprimento:  O  devedor  tem  o  direito  a  exigir  do  credor  a  
restituição  do  título  da  obrigação  quando  esta  se  extinguir,  a  menos  que  o  credor  tenha  qualquer  legítimo  
interesse  na  sua  conservação,  caso  em  que  ao  devedor  é  lícito  exigir  que  do  título  passe  a  constar  menção  do  
cumprimento  da  obrigação  (artigo  788º/1).  
Sendo  invocado  pelo  credor,  a  impossibilidade  de  restituir  o  título  ou  de  nele  mencionar  o  cumprimento,  
o  devedor  pode  exigir  quitação  passada  em  documento  autêntico  ou  autenticado  ou  com  reconhecimento  
notarial,  correndo  o  encargo  pro  conta  do  credor  (artigo  789º/1).  
No   caso   de   o   credor   recusar   a   restituição   do   título   ou   a   menção   do   cumprimento,   o   devedor   tem   a  
faculdade  de  se  recusar  a  cumprir  (artigo  788º/3).  
 
 
 
 
 

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2.2  O  não  cumprimento  
 
Quando  existe  alguma  desconformidade  entre  o  que  se  está  a  passar  na  realidade  e  o  plano  dever-­‐ser  
estamos  perante  o  não  cumprimento.  
Esclareça-­‐se  de  antemão  que  o  não  cumprimento  é  diferente  do  incumprimento,  sendo  o  incumprimento  
uma  categoria  de  não  cumprimento  que  já  inclui  um  juízo  de  valoração.  O  não  cumprimento  apenas  quer  dizer  
que  ainda  não  houve  cumprimento.  
 
Perante  a  situação  de  não  cumprimento  devemos  colocar  uma  nova  questão:  O  que  é  que  determinou  o  
não  cumprimento?  
Podemos  identificar  três  causas  para  o  não  cumprimento:  
 
1.   Impossibilidade:  O  não  cumprimento  não  é  imputável  ao  devedor,  mas  sim  ao  credor,  ou  a  condições  
externas,  em  conformidade  com  o  artigo  790º.  –  artigos  790º-­‐797º.  
2.   Causa  imputável  ao  devedor:  O  devedor  deveria  ter  feito  determinada  coisa  e  não  fez.  É  a  estes  casos  
que  chamamos  verdadeiramente  incumprimento  –  artigos  798º  -­‐  812º.  
3.   Causa  imputável  ao  credor:  O  credor  deveria  ter  feito  alguma  coisa  que  não  fez  –  artigos  813º  -­‐  816º.  
 
Consoante  a  diferente  causa  para  o  não  cumprimento,  também  as  consequências  são  diferentes.  
 
2.2.1  A  impossibilidade  
 
Para  que  a  impossibilidade  cause  extinção  a  obrigação:  
1.   Não  pode  ser  imputável  ao  devedor;  
2.   Tem  que  ser  objetiva  ou,  sendo  subjetiva,  tem  que  se  reportar  a  uma  situação  de  facto  infungível;  
3.   Tem  que  ser  definitiva;  
4.   Tem  que  ser  total;  
5.   Tem  que  ser  absoluta;  
 
Impossibilidade  não  imputável  ao  devedor  
Artigo   790º/1:   Regra   geral:   “A   obrigação   extingue-­‐se   quando   a   prestação   torna   impossível   por   causa   não  
imputável  ao  devedor”.  
 
Para  que  a  impossibilidade  extinga  a  obrigação  esta  não  pode  ser  imputável  ao  devedor,  o  que  significa  que  
a  impossibilidade  pode  resultar  de  facto  externo  ou  de  facto  imputável  ao  credor.  
 

  A  mora  não  se  enquadra  nos  factos  imputáveis  ao  credor.  


  Na  mora  do  credor,  o  credor  não  fez  aquilo  que  devia  mas  
  o  cumprimento  ainda  é  possível:  a  mora  não  é  definitiva.  
  Na  mora  do  credor,  o  devedor  não  se  exonera  da  obrigação.  
 
Exemplo:   Uma   determinada   pessoa   assume   a   obrigação   de   fazer   uma   intervenção   em   casa   de   alguém.   O  
devedor,   nos   dias   combinados,   apresenta-­‐se   na   casa   do   credor,   mas   este   não   lhe   permite   entrar.   O  
cumprimento  ainda  é  possível,  mas  o  credor  colocou-­‐se  numa  situação  de  mora.  
Se  o  credor  vender  a  casa  a  um  terceiro,  aí  já  não  vai  ser  possível,  no  futuro,  realizar  aquela  prestação.  Este,  
por  ser  um  facto  imputável  ao  devedor,  constitui  uma  situação  de  impossibilidade.  
 
 
Impossibilidade  objetiva  e  subjetiva  –  artigo  791º  
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Sempre  que  o  devedor  estiver  impossibilitado  de  cumprir  mas  um  terceiro  não,  a  impossibilidade  é  subjetiva.  
Se  não  se  puder  fazer  substituir,  a  impossibilidade  é  objetiva,  o  que  resulta  na  extinção  da  obrigação.  
Exemplo:  Contratamos  um  pintor  famoso  para  pintar  um  retrato  nosso.  Essa  pessoa  parte  o  braço  com  que  
pinta,  fica  numa  situação  em  que  não  pode  cumprir.  Neste  caso  a  impossibilidade  é  subjetiva:  outra  pessoa  
qualquer  pode  pintar  o  quadro.  
Se  quisermos  que  o  quadro  seja  pintado  por  aquele  pintor  em  específico,  a  impossibilidade  é  infungível,  logo  
pode  causar  a  extinção  da  obrigação.  
 
A  impossibilidade  tem  que  ser  definitiva  –  artigo  792º  
Se  a  impossibilidade  não  for  definitiva  não  se  extingue  a  obrigação.  Logo  que  a  impossibilidade  cesse  o  
devedor  é  chamado  a  cumprir.  Como,  neste  caso,  o  atraso  resultou  de  impossibilidade,  o  devedor  não  entra  
em  mora,  não  sofrendo  consequências.  
O  ser  possível  ou  impossível  não  se  relaciona  com  a  eternidade,  mas  sim  com  o  interesse  do  credor  na  
prestação.  Assim,  ainda  que  seja  fisicamente  possível,  no  futuro,  vir  a  realizar  tal  prestação,  se  o  interesse  do  
credor  não  se  mantiver,  a  impossibilidade  não  é  temporária  mas  sim  definitiva.  
A  frustração  do  programa  obrigacional  só  é  definitiva  quando  verificamos  que  no  horizonte  temporal  em  
que   se   mantenha   razoavelmente   o   interesse   do   credor   naquela   prestação,   aquela   prestação   não   venha   a  
ocorrer.  
   
A  impossibilidade  tem  que  ser  total  –  artigo  793º  
“Se  a  prestação  se  tornar  parcialmente  impossível,  o  devedor  exonera-­‐se  mediante  a  prestação  do  que  for  
possível  devendo,  neste  caso,  ser  proporcionalmente  reduzida  a  contraprestação  a  que  a  outra  parte  estiver  
vinculada”.  
Estando  nós  perante  uma  impossibilidade  parcial,  o  devedor  não  se  exonera  de  toda  a  obrigação,  apenas  
se   exonera   da   parte   impossível,   o   que   quer   dizer   que   é   exigível   que   cumpra   parte   da   prestação.   A  
impossibilidade  parcial  não  extingue  a  obrigação,  apenas  a  reduz.  Somente  a  impossibilidade  total  extingue  a  
obrigação.  
 
A  impossibilidade  tem  que  ser  absoluta  
O  devedor  tem  que  estar  efetivamente  numa  situação  em  que  independentemente  do  esforço  que  faça  não  
possa  cumprir.  
Exemplo:  uma  pessoa  assume  a  obrigação  de  fazer  uma  obra  num  determinado  sítio  para  o  qual  existiam  duas  
estradas  diferentes,  uma  em  boas  condições  e  outra  em  más  condições.  A  estrada  em  boas  condições  fechou,  
o  que  quer  dizer  que  o  devedor,  em  vez  de  demorar  meia  hora  vai  demorar  uma  hora.  Ainda  assim,  é  possível  
cumprir   a   obrigação,   pelo   que   esta   não   se   extingue.   Só   existiria   impossibilidade   e,   consequentemente,  
extinção  a  obrigação  se  ambas  as  estradas  fossem  fechadas  e  por  isso  o  devedor  não  tivesse  acesso  ao  local  
da  prestação.  
 
2.2.1.1  O  “commodum”  da  representação  
 
Em  alguns  casos,  os  factos  que  determinam  a  impossibilidade  são  factos  que  permitem  ao  devedor  adquirir  
um  determinado  direito  perante  terceiro,  sendo  que  esse  direito  vem  substituir  na  esfera  jurídica  do  devedor  
o  bem  que  ele  deveria  entregar”.  
 
Artigo  794º  
“Se  por  virtude  do  facto  que  tornou  impossível  a  prestação,  o  devedor  adquirir  algum  direito  sobre  certa  coisa,  
ou  contra  terceiro,  em  substituição  do  objeto  da  prestação,  pode  o  credor  exigir  a  prestação  dessa  coisa,  ou  
substituir-­‐se  ao  devedor  na  titularidade  do  direito  que  este  tiver  adquirido  contra  terceiro.”  
 

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Exemplo:  Estou  obrigado  a  entregar  um  carro  amanhã  e  hoje  um  terceiro  destrói-­‐me  o  carro.  A  obrigação  
extinguiu-­‐se  por  aplicação  dos  artigos  790º  e  ss.  O  que  me  destruiu  o  carro  está  obrigado  a  indemnizar-­‐me,  
pelo  que  o  facto  que  é  motivo  de  impossibilidade  é  também  a  causa  que  me  atribui  um  direito  contra  um  
terceiro.  
Eu  não  posso  entregar  o  carro  ao  meu  credor,  mas  nos  termos  do  artigo  794º,  o  credor  pode  exigir  que  eu  
lhe  entregue  a  indemnização  que  vou  receber.  
 
2.2.1.2  As  consequências  da  impossibilidade  
 
Regra   geral,   uma   pessoa   não   se   vincula   perante   outra   sem   uma   contrapartida.  Isto  é,  normalmente  os  
contratos  que  celebramos  não  são  gratuitos  mas  sim  sinalagmáticos:  pressupõem  uma  troca.  
Deste  modo,  quando  alguma  coisa  frustra  o  programa  obrigacional,  esse  facto  não  frustra  apenas   uma  
obrigação,  repercute-­‐se  também  na  obrigação  oposta.  
Se  uma  obrigação  é  impossível  o  que  acontece  então?  
 
®   Artigo  795º:  Se  uma  obrigação  se  torna  impossível,  a  outra  também  cai,  pois  o  nexo  que  existe  entre  
elas  deixa  de  existir.  
Se,  porém  a  impossibilidade  for  criada  pelo  próprio  credor,  não  obstante  de  ele  não  receber  o  que  
lhe  é  devido,  vai  continuar  vinculado  à  obrigação  na  qual  é  devedor.  Se  foi  ele  que  destruiu  o  equilíbrio  
contratual,  é  ele  quem  tem  que  arcar  com  as  consequências.  
 
®   Artigo   793º:   Se   estivermos   perante   uma   situação   em   que   uma   obrigação   se   torna   parcialmente  
impossível,  a  obrigação  oposta  será  reduzida  de  forma  proporcional  à  impossibilidade.  Quer  dizer  que  
o  impossibilitado  presta  menos,  mas  também  recebe  menos  em  troca.  
Se  a  impossibilidade  for  imputável  ao  credor  mantém-­‐se,  por  analogia,  o  critério  do  artigo  795º:  a  
obrigação  do  devedor  reduz-­‐se  mas  a  do  credor  mantém-­‐se.  
Pode  ainda  acontecer  que  o  credor  diga,  justificadamente,  que  não  tem  interesse  no  cumprimento  
parcial   da   obrigação.   Se   a   impossibilidade   não   lhe   for   imputável   e   se   demonstrar   que   não   tem  
interesse,  não  vai  receber  nada  nem  ter  que  prestar  nada.  
 
Nota:  A  desvinculação  do  contrato  não  é  livre  mas  é  possível  de  acordo  com  o  artigo  432º.  
 
2.2.1.3  O  risco  
 
Dentro  do  regime  da  impossibilidade,  o  regime  do  risco  só  se  aplica  em  situações  especiais.    
O  regime  do  risco  surge  no  artigo  796º,  mas  para  aplicarmos  este  artigo  temos  que  ter  vários  requisitos  
reunidos  cumulativamente:  
1.   Estar   perante   uma   obrigação   que   resulte   de   um   contrato   que   tem   por   efeito   a   transmissão   ou   a  
constituição  de  um  direito  real  sobre  uma  coisa;  
2.   A  obrigação  que  esteja  em  causa  tem  de  ser  a  obrigação  de  entrega  da  coisa  a  que  esse  contrato  se  
refira;  
3.   É  necessário  que  a  obrigação  se  tenha  tornado  de  conteúdo  impossível,  não  podendo  ocorrer  da  forma  
que  era  prevista;  
4.   É  necessário  que  essa  impossibilidade  seja  consequência  da  perda  ou  da  deterioração  da  coisa  
Se  algum  destes  requisitos  não  for  preenchido,  não  se  pode  aplicar  este  regime  do  risco.  
 
Regra  geral,  a  perda  ou  deterioração  da  coisa  corre  por  risco  do  adquirente.  
Exemplo:  A  e  B  celebram  o  contrato  de  compra  e  venda  da  coisa  X.  A  ficou  obrigado  a  entregar  a  coisa,  mas  
antes  de  o  fazer  a  coisa  deteriora-­‐se  por  motivos  não  imputáveis  à  sua  pessoa.    

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Por  mero  efeito  do  contrato  transferiu-­‐se  o  direito  e  o  risco.  O  que  quer  que  aconteça  à  coisa  depois  do  
contrato  recai  na  esfera  de  risco  do  adquirente,  sendo  ele  a  suportar  as  consequências  negativas  do  suporte  
desse  risco.  
 
Exceções:  
®   Quando  a  perda  ou  a  deterioração  é  imputável  ao  alienante,  o  risco  ocorre  por  sua  conta.  
 
®   Quando  é  fixado  um  prazo  para  a  entrega  da  coisa  sobre  a  qual  recai  a  obrigação,  o  risco  só  se  transfere  
quando  a  coisa  for  entregue  ou  terminar  o  prazo.  Até  l á,  o  risco  fica  ao  encargo  daquele  que  beneficia  
do  prazo.  
Exemplo:  A  tem  de  entregar  x  a  B  e  tem  um  prazo  de  30  dias  para  o  fazer.  Se  A  quer  30  dias  para  entregar  a  
coisa  então  enquanto  tem  este  benefício  também  tem  o  risco  inerente.  
 
®   O  risco  transfere-­‐se  com  o  direito.  Se  o  contrato  cessar  com  determinação  de  um  facto,  só  aí  cessa  o  
risco.   Se   o   contrato   só   fizer   efeito   a   partir   de   um   dado   acontecimento,   só   a   partir   desse   facto   se  
transfere  o  risco.  
 
Artigo  797º:  Aplica-­‐se  quando  a  obrigação  está  configurada  em  termos  tais  que  se  considera  cumprida  com  a  
expedição  da  coisa.  
 
2.2.2  O  incumprimento  
 
Para  declarar  incumprimento  de  uma  obrigação  temos  primeiro  de  identificar  o  incumprimento.  Existem  
vários  tipos  de  incumprimento  diferentes  que,  por  isso,  têm  também  consequências  distintas.  
Existem  dois  critérios  diferentes  que  importam  quando  se  tenta  identificar  o  tipo  de  incumprimento:   o  
critério  temporal  e  o  critério  material.  
As  soluções  para  o  incumprimento  resultam  sempre  do  cruzamento  destes  dois  critérios.  
 
2.2.2.1  O  incumprimento  em  função  do  critério  temporal  
 
Este  critério  faz  a  distinção  fundamental  entre  o  que  é  a  mora  e  o  incumprimento  definitivo.  
Temos  uma  situação  de  mora  quando  o  devedor  está  atrasado  no  cumprimento  da  obrigação,  ou  seja,  
quando  deixou  passar  o  momento  em  que  deveria  ter  cumprido  a  obrigação.  Nesta  situação,  o  devedor  conta  
ainda  com  alguma  benevolência  por  parte  do  ordenamento  jurídico,  uma  vez  que  se  acredita  que  ainda  se  
espera  que  o  devedor  se  conforme  com  o  cumprimento  da  prestação.  É  isto  que  caracteriza  verdadeiramente  
a  mora:  a  possibilidade  de  a  qualquer  momento  ser  sanada.  
Durante  a  pendência  da  mora,  quem  controla  o  destino  da  obrigação  é  o  devedor  porque  é  ele  que  decide  
se  vai  ou  não  cumprir.  Se  o  devedor  oferecer  o  cumprimento  e  o  credor  recusar  então  é  o  credor  que  entra  
em  mora.    
Estamos  perante  uma  situação  de  incumprimento  definitivo  quando,  para  efeitos  jurídicos,  se  acredita  que  
o  devedor  não  cumpriu  nem  vai  cumprir  a  prestação  a  que  estava  obrigado:  já  esgotou  todas  as  possibilidades  
que  tinha  para  se  conformar  com  a  prestação.  O  incumprimento  definitivo  é  muito  mais  grave  do  que  a  mora,  
pelo  que  também  tem  consequências  mais  gravosas.  
Regra  geral,  a  mora  antecede  o  incumprimento  definitivo,  porém  é  possível  chegar  ao  incumprimento  sem  
antes  passar  pela  situação  de  atraso.  
 
 
 
 

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2.2.2.1.1  A  mora  do  devedor  
 
A  mora  do  devedor  está  prevista  nos  artigos  804ºe  ss.  
 
A  mora  tem  sempre  um  termo  inicial  que  consiste  no  momento  em  que  o  devedor  deveria  ter  realizado  a  
prestação  e  não  realizou.  A  fixação  desse  momento  é  estabelecida  pelo  artigo  805º,  no  qual  tem  que  se  ter  
em  conta  dois  aspetos:  
 
®   Se   estamos   perante   uma   obrigação   a   prazo   certo,   o   devedor   constitui-­‐se   em   mora   por   mera  
ultrapassagem  desse  prazo;  
®   Se  estamos  perante  uma  obrigação  que  não  tem  um  prazo  certo,  o  devedor  só  se  constitui  em  mora  
quando  interpelado  judicial  ou  extrajudicialmente;  
 
As  consequências  da  mora:  
®   Indemnização:  Visa   ressarcir   o   credor   pelo   atraso   no   cumprimento   da   prestação  (artigo   804º).  Na  
obrigação  pecuniária  (artigo  806º/1)  a  indemnização  corresponde  aos  juros  moratórios.  
 
®   Exceção  de  não  cumprimento:  a  mora  do  devedor  pode  ser  motivo  bastante  para  a  invocação  do  não  
cumprimento  pela  outra  parte  (artigo  428º).  
 
®   Mora  do  credor:  Uma  vez  que  o  credor  pode  invocar  o  artigo  428º  pelo  não  cumprimento  da  obrigação  
em  que  é  devedor,  o  devedor  que  inicialmente  estava  em  mora,  entra  também  em  mora  do  credor  na  
segunda  obrigação.  
Exemplo:  A  vende  um  carro  a  B.  B  atrasa-­‐se  no  pagamento:  está  em  morado  devedor  em  relação  à  obrigação  
em  que  tem  de  pagar  a  A.  Como  A  não  foi  pago,  não  entregou  o  carro  que  devia  pela  invocação  do  428º.  Como  
a  não  entrega  do  carro  foi  culpa  de  B,  este  entra  também  em  mora  do  credor  em  relação  à  obrigação  em  que  
tem  de  receber  o  carro.  B  fica,  portanto  em  mora  em  relação  às  duas  obrigações:  aquela  em  que  é  credor  e  
aquela  em  que  é  devedor.  
 
®   Inversão  do  risco:  Regra  geral,  se  o  devedor  se  atrasou  no  cumprimento  da  obrigação,  então  é  ele  que  
suporta  o  risco  da  coisa  que  fosse  ser  prestada  (artigo  807º/1).  
Porém,  é  permitido  ao  devedor  provar  que  o  credor  teria  sofrido  igualmente  os  danos  se  a  obrigação  
tivesse  sido  cumprida,  se  esse  for  o  caso  (807º/2)  –  relevância  negativa  da  causa  virtual.  
Exemplo:  A  tem  de  entregar  um  carro  a  B  que  lhe  vai  pagar  pelo  carro.  Enquanto  devedor,  B  encontra-­‐se  em  
mora.  2  dias  depois  da  data  em  que  o  carro  deveria  ter  sido  entregue  há  um  incêndio  na  garagem  e  o  carro  é  
destruído.  O  que  levou  a  que  o  carro  fosse  destruído  foi  a  mora  do  devedor:  se  B  tivesse  pago  a  tempo,  o  carro  
teria  sido  prestado  a  tempo  e  não  teria  sido  destruído.  
Se,   porém,   o   credor   fosse   seu   vizinho   e   após   comprar   o   carro   B   o   fosse   guardar   na   mesma   garagem,  
independentemente,  ou  não,  do  cumprimento,  o  carro  teria  sido  destruído.  
   
O  artigo  807º  parece  ter  o  seu  âmbito  de  aplicação  recortado  do  artigo  796º.  Porém,  nos  artigos  relativos  
à   impossibilidade,  o  regime  do  risco  é  uma  figura  especial.  Acontece  que  no   caso  de  mora  do   devedor,  o  
regime  do  risco  do  artigo  807º  corresponde  ao  regime  geral  (o  devedor  suporta  os  riscos  da  impossibilidade  
porque  quando  a  impossibilidade  ocorreu,  o  devedor  já  estava  em  mora).  
Exemplo:  A  contrata  B  para  fazer  obras  em  sua  casa.  As  obras  deveriam  ter  sido  feitas  no  dia  1.  Porém,  no  dia  
1  B  não  se  dirige  a  casa  de  A  para  fazer  as  obras  –  incorre  em  mora.  No  dia  2,  quando  tencionava  cumprir  a  
prestação,   é   cortada   a   única   estrada   que   dá   acesso   a   casa   de   B   e   fica   cortada   durante   12   dias   (caso   de  
impossibilidade).  Durante  a  impossibilidade,  quem  assume  o  risco  é  B  (devedor).  
 
 
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O  término  da  mora  
Como  a  mora  pode  ser  a  qualquer  momento  sanada  é  considerada  transitória.  Deste  modo,  tal  como  tem  
um  início,  também  tem  de  ter  um  fim.  A  mora  termina:  
®   Quando   o   devedor   se   conforma   e   oferece   o   cumprimento   –   extingue-­‐se   a   obrigação   através   do  
cumprimento;  
®   Quando  o  devedor  permanece  na  situação  de  incumprimento  até  que  a  mora  deixe  de  ser  mora  e  
passe  a  ser  incumprimento  definitivo.  A  mora  passa  a  ser  cumprimento  definitivo  quando,  regra  geral,  
deixa  de  ser  exigível  ao  credor  que  continue  à  espera  do  devedor.  
 
2.2.2.1.2  O  incumprimento  definitivo  
 
Existem  5  causas  para  chegarmos  ao  incumprimento  definitivo  que  têm  em  comum  a  inexigibilidade  do  
credor  esperar  pelo  devedor:  
1.   Decurso  do  prazo  admonitório  (artigo  808º);  
2.   Perda  objetiva  do  interesse  da  prestação  (artigo  808º);  
3.   Impossibilidade  definitiva  imputável  ao  credor  (artigo  801º  e  ss.);  
4.   Declaração  perentória  de  não  cumprimento;  
5.   Perda  de  confiança/Justa  causa;  
 
Decurso  do  prazo  admonitório  (artigo  808º):  Estamos  perante  um  facto  que  para  ser  causa  do  incumprimento  
definitivo  pressupõe  a  existência  de  mora.  O  que  caracteriza  esta  situação  é  que  o  devedor  está  atrasado  e  o  
credor  lhe  dá  uma  segunda  oportunidade  que  se  traduz  na  atribuição  de  um  prazo  adicional  dentro  do  qual  o  
devedor  deverá  cumprir.  Este  prazo  não  é,  porém,  aleatório.  Exige-­‐se  que:  
•   O  prazo  seja  razoável:  tem  que  ser  uma  verdadeira  segunda  oportunidade;  
•   Seja  transmitido  de  tal  forma  que  seja  percecionado  pelo  devedor  como  a  última  oportunidade  que  
tem;  
Se  o  devedor  cumprir  dentro  deste  prazo,  a  obrigação  extingue-­‐se,  se  não  entra-­‐se  em  incumprimento  
definitivo.  A  entrada  no  incumprimento  definitivo  dá-­‐se,  portanto,  pelo  esgotamento  do  segundo  prazo.  
 
Perda  objetiva  de  interesse  (artigo  808º):  Esta  situação  só  é  relevante  se  estivermos  perante  mora,  o  que  
quer  dizer  que  mais  uma  vez  é  a  mora  que  se  torna  em  incumprimento  definitivo.  
Em   consequência   do   atraso,   o   credor   perdeu   o   interesse   que   tinha   na   prestação.   Nesta   situação,   a  
obrigação  deixa  de  ter  utilidade  para  o  credor  por  não  ter  sido  prestada  em  tempo  útil.  A  perda  tem  de  ser  
uma   perda   objetiva   e   razoável.   Isto   é,   temos   de   considerar   que   o   Homem   justo   e   razoável,   naquelas  
circunstâncias  teria  perdido  o  interesse  (808º/2).  Isto  só  funciona  se  a  perda  de  interesse  for  causada  por  
atraso.  
Exemplo:  Alguém  encomenda  um  presente  para  oferecer  a  alguém  que  deve  chegar  antes  do  aniversário  da  
pessoa.  Na  sequência  do  atraso,  quem  adquiriu  o  bem  perdeu  o  interesse  nele.  Se  o  presente  se  atrasou  teve  
que  ir  comprar-­‐se  outro,  por  isso  o  primeiro  deixa  de  fazer  sentido.  
 
Impossibilidade  definitiva  imputável  ao  devedor:  A  impossibilidade  imputável  ao  devedor,  sendo  definitiva,  
leva-­‐nos  a  uma  situação  de  incumprimento  definitivo  sem  necessidade  de  mora.  
 
Declaração  perentória  de  não  cumprimento:  Não  se  trata  de  uma  causa  prevista  na  lei,  corresponde  a  um  
desenvolvimento  doutrinário  e  jurisprudencial  que  é  unanimemente  aceite.  Corresponde  a  uma  importação  
para  o  direito  português  do  incumprimento  antecipado.  Estão  em  causa  as  situações  em  que  o  devedor  deixa  
claro  perentoriamente  que  não  vai  cumprir.  O  que  podemos  fazer  é  antecipar  a  tutela  do  credor.  
Mais  uma  vez,  não  se  espera  que  o  credor  fique  à  espera  que  o  devedor  venha  fazer  algo  que  já  disse  que  
não  faria.  
 
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Perda  de  confiança/Justa  causa:  é  resultado  da  concretização  de  uma  vertente  doutrinária  reconhecida  pela  
jurisprudência.   O   que   está   em   causa   é   que   existem   relações   contratuais   que   pressupõem   uma   relação   de  
confiança.   Essa   relação   de   confiança   às   vezes   perde-­‐se   tornando   inexigível   ao   outro   que   se   mantenha   na  
relação  contratual.  Habitualmente  isto  acontece  nas   relações  duradouras.  Quando  se  quebra  a  relação  de  
confiança,  a  justa  causa  permite  cessar  a  relação  duradoura.  
Temos  que  chegar  a  uma  situação  em  que  olhamos  para  o  credor  e  vemos  que  não  é  razoável  que  o  credor  
atribua  ao  devedor  outra  oportunidade.  
 
2.2.2.2  O  incumprimento  em  função  do  critério  material  
 
Este   critério   avalia   o   grau   de   desconformidade   entre   o   comportamento   do   devedor   na   realidade   e   o  
comportamento  que  deveria  ter  sido  adotado  nos  termos  da  obrigação.  
Perante  o  grau  de  desconformidade  com  o  que  deveria  ter  sido  adotado  é  feita  a  distinção  entre:  
•   Incumprimento  total:  casos  em  que  o  devedor  não  realiza  parte  alguma  da  obrigação  e,  por  isso,  
há  uma  divergência  total  entre  aquilo  que  era  esperado  e  aquilo  que  aconteceu;  
•   Incumprimento  parcial:  casos  em  que  o  devedor  se  mobiliza  para  cumprir  a  obrigação,  mas  não  o  
faz  por  inteiro;  
o   Incumprimento  parcial  qualitativo:  o  devedor  pode  respeitar  a  prestação  na  totalidade  
mas  não  respeita  a  qualidade  exigível,  sendo  a  sua  prestação  deficiente;  
o   Incumprimento   parcial   quantitativo:   o   devedor   simplesmente   não   realiza   parte   da  
prestação;  
 
As  consequências  do  incumprimento  total  e  parcial  
A  lei  prevê  diferentes  consequências  para  o  incumprimento  total  e  para  o  incumprimento  parcial.  
Aquilo  que  é  pedido,  em  qualquer  caso,  em  relação  às  consequências,  pode  traduzir-­‐se  na  resposta  a  três  
questões  fundamentais,  feitas  a  partir  da  perspetiva  do  credor:  
 
1.   O  que  é  que  eu  vou  fazer  com  a  prestação  não  realizada?  
2.   O  que  é  que  eu  vou  fazer  com  a  obrigação  que  eu  próprio  devo?  
3.   Que  indemnização  vou  pedir?  
 
A  1ª  e  a  3ª  perguntas  verificam-­‐se  em  todas  e  quaisquer  obrigações,  enquanto  a  2ª  apenas  é  relevante  
quando   estamos   perante   obrigações   sinalagmáticas.   Isto   porque,   se   uma   obrigação   tem   outra   como  
contrapartida,  uma  qualquer  frustração  dessa  obrigação  afeta  automaticamente  a  outra.  
 
Conceitos  relevantes  
Interesse   contratual:   na   responsabilidade   obrigacional   e,   em   especial,   na   responsabilidade   contratual,   a  
obrigação  de  indemnizar  é  sempre  uma  obrigação  que  visa  anular  as  diferenças  entre  uma  situação  real  e  uma  
situação  hipotética.  A  situação  hipotética  pode  ser  uma  de  duas:  
1.   Situação   em   que   o   credor   estaria   se   o   contrato   tivesse   sido   pontualmente   cumprido   –   interesse  
contratual  positivo.  Assim,  a  indemnização  pelo  interesse  contratual  positivo  visa  colocar  o  credor  na  
situação  hipotética  em  que  ele  estaria  se  o  contrato  tivesse  sido  pontualmente  cumprido.  
2.   Situação  que  existiria  se  o  credor  não  tivesse  celebrado  o  contrato  –  interesse  contratual  negativo.  A  
indemnização  pelo  interesse  contratual  visa  colocar  o  credor  na  situação  hipotética  em  que  ele  estaria  
se  não  tivesse  celebrado  contrato  algum.  
 
Interesse   contratual   total:   A   indemnização   aproxima   a   situação   hipotética   da   situação   real,   cobrindo   a  
totalidade  do  programa  obrigacional,  que  não  ocorreu.  
Indemnização  contratual  residual:  a  indemnização  apenas  repara  os  danos  depois  de  as  prestações  terem  
sido  realizadas.  
19  
 
  Que   fazer   com   a   prestação  
O  que  fazer  com  a  prestação  não  realizada?   Que  indemnização  devo  pedir?  
que  eu  próprio  devo?  

O  credor  está  numa  situação  de  espera.  Não  pode   Recorrer   à   exceção   de   não   Indemnização  limitada  aos  danos  
recusar  a  prestação.  O  máximo  que  poder  faze  é   cumprimento  (428º).   causados  pelo  atraso  (804º),  
Mora  

exigir  que  ela  seja  cumprida.  O  credor  pode  fixar   porque  a  obrigação  foi  
o   prazo   admonitório   (808º)   –   prende-­‐se   com   a   materialmente  cumprida  –  ICP  
exigência  do  cumprimento.   residual.  
Insistir  no  cumprimento  da  prestação.  Pode  usar   Está   obrigado   a   realizar   a   Apenas   poderá   exigir   uma  
meios  coercivos  (817º  e  seguintes).   contraprestação.   No   máximo   indemnização   pelo   interesse  
pode   servir-­‐se   da   exceção   do   contratual   positivo,  pelos  danos   do  
não  cumprimento  (428º).   atraso  (804º).  
Incumprimento  definitivo  total  (801º)  

Desistir  (801º,  nº2).  Resolve  o   Indemnização  pelo   ICN   ou   pelo  ICP  


contrato  (432º  e  seguintes).  É   total   (a   indemnização   é  
o   que   acontece   na   independente   do  facto  de   o   credor  
generalidade  dos  casos.   resolver  o  contrato  –  801º,  nº2).  
Insiste   na   contraprestação.   É   Indemnização   maior   de   todas  
uma   situação   pouco   porque  o  credor  prestou  o  que  devia  
Desistir  da  prestação   recorrente.   ter   prestado,   mas   não   recebeu   a  
prestação   devida.   É   o   cenário   em  
que   o   credor   está   numa   situação  
real   mais   afastada   da   situação  
hipotética.  Por  isso,  a  indemnização  
deve  contemplar  o  valor  daquilo  que  
o  credor  não  recebeu,  bem  como  o  
valor  daquilo  que  prestou*.  

O   que   é   feito   mantém-­‐se.   Não   pode   Continua   obrigado   a   prestar.    


Escassa  importância  para  o  credor  

desistir.   Há  a  possibilidade  de  redução  


 
(802º,  nº1).  
 
Está   obrigado   a   realizar   a  
contraprestação.   Pode   servir-­‐ ICP   residual   pelos   danos   do   atraso  
Insistir  
se   da   exceção   de   não   (804º)  
Em   relação   ao   cumprimento  (428º).  
 
que  falta:  
Insistir  
ICP  residual  pela  parte  em  falta  (ou  
Incumprimento  definitivo  parcial  (802º)  

Desistir   Reduzir   (801º,   nº2).   Não   há   ICN  residual  se  desistir  de  
resolução.   contraprestar)  

Está  obrigado  à  prestação.    


Manter   Possibilidade  de  redução    
(802º,  nº1).  
Importância  relevante  para  o  credor  

Insistir   Grande  indemnização*  


Situação  transforma-­‐se  
incumprimento  

Em   relação   ao  
Desistir    
que  está  feito:  
(801º,  nº2).   Indemnização  pelo  ICN  ou  pelo  ICP  
Rejeitar  tudo   Resolve  o   total  (a  indemnização  é  
contrato   independente  do  facto  de  o  credor  
(432º  e   resolver  o  contrato  –  801º,  nº2).  
total  
em  

seguintes).  
 
Está   obrigado   a   realizar   a  
ICP  residual  pelos  danos  do  atraso  
Insistir   contraprestação.   Exceção   do  
(804º)  
Em   relação   ao   não  cumprimento  (428º)  
que  falta:    
Reduzir.  Não  há  resolução.  
Desistir   ICP  residual  (ou  ICN  residual  se  
Insistir   desistir  de  contraprestar)    

 
 

20  
 
2.2.2.3  O  incumprimento  imputável  ao  credor  –  mora  do  credor  
 
O  incumprimento  nem  sempre  é  imputável  ao  devedor.  Pode  também  ser  imputável  ao  credor,  o  que  se  
verifica,  sobretudo,  através  da  mora  do  credor.  
 
O  credor  incorre  em  mora  quando,  sem  motivo  justificado  (artigo  813º):  
•   Não  aceita  a  prestação  que  lhe  é  oferecida:  se  existir  razão  para  recusar  a  prestação  então  temos  
uma  situação  de  mora  do  devedor  e  não  do  credor.  
Ex:  O  devedor  deve  1000  e  quer  pagar  900  e  o  credor  recusa.  Apesar  de  o  devedor  querer  ter  pago,  
não  pagou  na  totalidade,  pelo  que  o  credor  tem  uma  justificação  para  recusar  a  prestação.  Deste  
modo,  quem  entra  em  mora  é  o  devedor  e  não  o  credor.  
•   O  cumprimento  do  devedor  está  dependente  da  prática  de  vários  atos  por  parte  do  credor  e  este  
não  os  realiza.  
Ex:  A  deve  pagar  uma  dívida  em  casa  de  B.  Se  B  não  está  lá  no  momento  acordado,  então  B  não  
praticou  um  ato  necessário  para  viabilizar  o  cumprimento  e  entra  em  mora.  
 
Consequências  da  mora  do  credor  (artigo  814º-­‐816º):  
•   A  mora  do  credor  não  exonera  o  devedor  do  dever  de  cumprir.  Quando  o  credor  deixar  de  estar  
em  mora,  o  devedor  deve  cumprir  a  sua  prestação.  
•   Quando  estamos  perante  determinada  coisa  que  produziu  frutos,  pode  acontecer  que  aquele  que  
esteja  obrigado  a  entregar  a  coisa,  esteja  também  obrigado  a  entregar  os  devidos  frutos.  Ora,  a  
partir  do  momento  em  que  o  credor  está  em  mora,  o  devedor  fica  exonerado  da  responsabilidade  
sobre  os  frutos  (814º/2).  
•   Se  depois  do  credor  estar  em  mora,  se  observar  uma  situação  de  impossibilidade,  o  risco  corre  por  
conta   do   credor   (815º/1).   Isto   só   não   acontece   se   a   impossibilidade   tiver   origem   em   dolo   do  
devedor.  Dizer  que  o  risco  corre  por  conta  do  credor,  significa  que,  para  todos  os  efeitos,  é  como  
se  a  obrigação  tivesse  sido  integralmente  cumprida.  
Nota:  no  artigo  795º,  o  que  dá  aso  à  impossibilidade  é  um  comportamento  do  credor.  O  artigo  
815º  aplica-­‐se  quando  está  em  causa  um  facto  exterior.  
•   Obrigação  de  indemnizar  (816º):  A  lei  admite  que  o  devedor,  ao  fazer  um  renovado  esforço  por  
cumprir,  venha  a  ter  despesas  adicionais  em  resultado  do  comportamento  do  credor,  que  deverá  
indemnizar  o  devedor  na  medida  correspondente.  
•   A  mora  do  credor  tem  um  efeito  atenuador  da  responsabilidade  do  devedor,  na  qual  se  incluem  os  
juros  legais  ou  convencionados.  Numa  situação  normal,  se  o  devedor  estiver  obrigado  a  entregar  
determinada  coisa  ao  credor,  o  devedor  será  responsabilizado  se  acontecer  algo  a  essa  coisa,  quer  
por  dolo,  quer  por  falta  de  cuidado.  A  partir  do  momento  em  que  o  credor  entra  em  mora,  ao  
devedor  só  é  exigível  que  não  prejudique  intencionalmente  o  credor:  o  devedor  fica  exonerado  
quanto  à  sua  responsabilidade  para  com  a  coisa   a   prestar.   Para   estas   situações   é   fundamental  
distinguir  o  dolo  da  negligência:  se  o  devedor  tiver  atuado  com  dolo  é  responsável,  se  tiver  atuado  
com  negligência  não.  
 
O  dolo  está  associado  a  uma  ideia  de  intenção.  Pode  ser  direto,  necessário  ou  eventual.  
O  dolo  direto  é  aquele  em  que  o  agente  pratica  um  ato  tendo  em  vista  alcançar  um  determinado  resultado.  
Ou  seja,  o  resultado  é  o  objetivo  direto  da  sua  atuação.  
O  dolo  necessário  é  aquele  em  que  o  agente  não  quer  diretamente  aquele  resultado,  mas  sabe  que  esse  
resultado  é  necessariamente  uma  consequência  do  seu  comportamento.  Por  exemplo,  A  que  provocar  um  
incêndio  numa  garagem  onde  tem  um  carro  para  ganhar  o  dinheiro  da  seguradora;  sabe  que  a  destruição  do  
carro  será  uma  consequência  necessária  do  seu  comportamento,  mas  mesmo  assim  atua.  
O  dolo  eventual  relaciona-­‐se  com  o  facto  de  o  agente  praticar  um  ato  admitindo  como  possível,  mas  não  
certo,   a   verificação   de   um   resultado   e   conforma-­‐se   com   ele.   O   que   tem   de   diferente   para   com   o   dolo  
21  
 
necessário  é  que  neste  o  acontecimento  é  certo,  enquanto  no  dolo  eventual  apenas  se  admite  a  possibilidade.  
No  exemplo  anterior,  o  agente  que  quer  incendiar  a  garagem  não  tem  a  certeza  se  o  carro  está  ou  não  na  
garagem,  mas  mesmo  assim  atua.  
 
Na   negligência   o   agente   provoca   o   resultado   porque   é   descuidado   na   sua   atuação,   provocando   um  
resultado  indesejado.  A  negligência  pode  ser  consciente  ou  inconsciente.  
A  negligência  consciente  é  quando  o  agente,  ao  violar  a  regra  de  cuidado,  admite  como  possível  que  essa  
violação  tenha  por  efeito  um  determinado  prejuízo  para  outro.  
Na  negligência  inconsciente  o  agente  nem  prevê  como  possível  causar  quele  prejuízo.  Por  exemplo,  A  deve  
entregar  amanhã  um  carro  a  B  e  estaciona-­‐o  debaixo  de  um  prédio  em  obras.  Não  quer  fazer  mal  a  ninguém,  
mas  não  está  a  ser  cuidadoso.  A  negligência  consciente  admite  que  alguma  coisa  possa  acontecer,  enquanto  
a  inconsciente  revela  um  maior  desinteresse  para  com  o  prejuízo  que  se  pode  causar  ao  outro.    
 
O  que  distingue  o  dolo  eventual  e  a  negligência  inconsciente?    
Existem  várias  teorias  que  permitem  fazer  esta  distinção:  
1.   Um  distingue-­‐se  do  outro  se  fizermos  o  seguinte  raciocínio:  fazemos  ao  agente  a  questão:  “sabendo  
que  pode  acontecer  alguma  coisa  atuas  mesmo  assim?”.  Se  a  resposta  for  sim,  há  dolo,  se  a  resposta  
for  não  estamos  perante  negligência  consciente.  
2.   Critério   da   conformação:   (critério   utilizado)   devemos   verificar   o   pressuposto   em   que   o   agente  
assentou   atuar.   Por   exemplo,   alguém   vai   a   uma   festa   e   bebe   vinho.   Saídos   da   festa,   aqueles   que  
conduzem  pensam  no  que  devem  fazer.  Obviamente  não  estão  em  condições  de  conduzir,  porém,  
podem  adotar  uma  de  duas  atitudes:  “que  se  lixe”,  desprezo  pelo  que  pode  acontecer  (dolo);  e  o  “não  
acontece  a  ninguém  porque  é  que  há  de  me  acontecer  a  mim?”,  em  que  houve  consciencialização  do  
problema,   mas   se   atuou   porque   se   conformou   que   o   resultado   não   iria   acontecer   (negligência  
consciente).  
 
No  que  diz  respeito  ao  dolo,  o  artigo  814º  deve  ser  interpretado  amplamente,  pelo  que  a  culpa  grave  deve  
ser  equiparada  ao  dolo.  
A  culpa  pode  ser  grave,  padrão,  leve  ou  levíssima.  A  culpa  padrão  manifesta-­‐se  na  figura  do  bom  pai  de  
família.  Quanto  maior  o  desvio,  maior  o  grau  de  culpa.  Se  a  gravidade  do  seu  comportamento  for  maior  é  
porque   o   desvio   é   maior.   Nesse   caso,   não   faz   sentido   que   o   agente   não   responda,   o   que   justifica   que   a  
interpretação  ampla  inclua  também  a  culpa  grave.  
 
3.O  regime  substantivo  da  realização  da  prestação  
 
®   Artigos  817º  -­‐  830º  
 
Quando  se  fala  em  realização  coativa  da  prestação  fala-­‐se  dos  meios  que  o  OJ  coloca  à  disposição  do  credor,  
no  sentido  de  obter  satisfação  para  o  seu  crédito  ou  no  limite  para  a  indemnização  que  lhe  seja  devida  em  
caso  de  incumprimento,  ou  caso  o  devedor  não  realize  a  prestação  espontaneamente.  
Regra  geral,  nós  chegamos  ao  momento  em  que  o   devedor  deve  cumprir  e  ele  fá-­‐lo:  o  cumprimento  é  
espontâneo.  Outras  vezes,  isto  não  ocorre  e  entra-­‐se  em  situação  de  incumprimento.  
Perante  essa  situação,  o  credor  pode  reagir  executando  a  prestação:  exigindo  do  devedor  a  realização  
coativa  da  prestação.  Nesta  realização  podemos  dar  por  adquiridos  dois  princípios:  
•   Recurso  às  vias  de  execução  normais;  
•   Princípio  da  responsabilidade  exclusivamente  patrimoniais;  
 
 
 
 
22  
 
Para  as  obrigações  pecuniárias:  
®   Artigos  817º  -­‐  826º:  Quando  o  devedor  deve  dinheiro  ao  seu  credor,  obtém-­‐se  a  realização  coativa  da  
prestação  indo  ao  património  do  devedor,  pegando  em  bens  que  lá  estejam  e  vendendo-­‐os  de  modo  
a  satisfazer  o  credor;  
 
Para  as  obrigações  não-­‐pecuniárias:    
®   Artigo  827º  -­‐  830º:  não  sendo  a  entrega  da  coisa  feita  espontaneamente,  a  forma  coativa  de  realização  
da  prestação  consiste  na  possibilidade  de  o  credor  se  dirigir  ao  tribunal  para  tentar  que  este  ordene  a  
entrega  da  coisa.  
 
Prestação   de   facto   fungível   (artigo   828º):   “O   credor   de   prestação   de   facto   fungível   tem   a   faculdade   de  
requerer,  em  execução,  que  o  facto  seja  prestado  por  outrem  à  custa  do  devedor”.  
 
Prestação  de  facto  negativo  (artigo  829º):  “Se  o  devedor  estiver  obrigado  a  não  praticar  algum  ato  e  vier  a  
praticá-­‐lo,  tem  o  credor  o  direito  de  exigir  que  a  obra,  se  obra  feita  houver,  seja  demolida  à  custa  do  que  se  
obrigou  a  não  fazer.”  
 
Sanção  pecuniária  compulsória  (artigo  829º-­‐A):  a  prestação  só  pode  ser  realizada  pelo  devedor  (prestação  
infungível),  mas  não  o  podemos  forçar  a  realizar  a  prestação.  Este  artigo,  permite-­‐nos  dizer  “podes  não  realizar  
a  prestação,  mas  enquanto  não  o  fizeres  pagas-­‐me  x  por  dia/mês”.  Ao  ver  acumular-­‐se  a  dívida,  normalmente  
o  devedor  mobiliza-­‐se  a  cumprir.  
 
3.1  A  garantia  das  obrigações  
 
A  garantia  das  obrigações  é  composta  pelo  conjunto  de  instrumentos  que  permitem  ao  credor  reagir  ao  
incumprimento  do  devedor,  sendo  que  essa  reação  tem  em  vista  que  o  credor  possa  obter,  em  espécie  ou  por  
equivalente,  o  mesmo  que  deveria  receber  pelo  cumprimento  espontâneo  da  prestação.  Ora,  o  ordenamento  
jurídico  e  o  credor  não  têm  de  ficar  parados  perante  a  ação  ilícita  do  devedor  da  não  satisfação  da  prestação.  
A  última  garantia  de  que  em  qualquer  caso  o  credor  beneficia  é  o  património  do  devedor.  Em  caso  de  não  
satisfação  do  direito  de  crédito,  o  credor  pode  voltar-­‐se  para  o  património  que  o  devedor  tenha.    
Temos  que  ter  em  conta  que  o  que  é  relevante  é  o  património  do  devedor  no  momento  em  que  o  crédito  
deva  ser  cumprido.  Muitas  vezes,  entre  o  momento  em  que  o  crédito  foi  constituído  e  o  momento  em  que  
tem  que  ser  cumprido,  há  um  lapso  temporal,  pelo  que  a  situação  patrimonial  do  devedor  se  pode  alterar.  
Se   o   devedor   tiver   património   para   satisfazer   as   suas   obrigações,   o   credor   vai   obter   satisfação,   caso  
contrário  não  vai.  
A  garantia  pode  ser  geral  ou  especial.  
 
3.1.1  A  garantia  geral  das  obrigações  
 
A  garantia  geral  reporta-­‐se  aos  meios  que  o  ordenamento  jurídico  põe  á  disposição  dos  credores  (artigos  
601º-­‐622º):  
•   Não  precisam  de  uma  previsão  específica;  
•   Caráter  automático  -­‐  são  resultado  automático  da  aplicação  do  regime  legal  das  obrigações;  
•   Caráter   universal   -­‐   todos   os   credores   participam   por   igual   modo,   não   contribuindo   de   forma  
alguma  para  a  distinção  dos  credores;  
 
Regra  geral,  pelas  obrigações  de  uma  determinada  pessoa  responde  o  seu  património  (Artigo  601º).  
 
 

23  
 
 
Exceções:  
1.   Apenas   respondem   os   bens   suscetíveis   de   penhora.   Por   exemplo,   há   bens   que   não   podem   ser  
suscetíveis  de  penhora  por  concretizarem  parte  essencial  às  condições  mínimas  da  vida.  Não  obstante  
de  estes  bens  integrarem  o  património  cultural  do  devedor,  fazem  parte  desta  exceção.  
2.   Regime  da  separação  de  patrimónios:  Cada  um  de  nós  tem  apenas  um  património.  Porém,  existem  
situações  em  que  a  lei  permite  que  uma  pessoa  tenha  mais  do  que  um  património.  Estas  situações  
têm  de  resultar  da  lei,  não  podem  resultar  de  uma  situação  de  vontade  própria  de  uma  determinada  
pessoa.  
Exemplo:  Estabelecimento  individual  de  responsabilidade  limitada  –  uma  determinada  pessoa  quer  
exercer  uma  atividade  comercial:   se  o   fizer  em  nome  próprio,  o  que   está  a  fazer   é   colocar  todo  o  
património  em  risco  em  função  dessa  atividade  comercial.  Deste  modo,  uma  pessoa  pega  em  parte  
do  seu  património  e  autonomiza-­‐o  para  responder  ao  exercício  da  atividade  comercial.  
 
Artigo  602º:  Permite  que  o  credor  e  o  devedor  acordem  que  em  caso  de  incumprimento,  o  credor  não  pode  
agredir  determinados  bens  ou  só  se  pode  satisfazer  pelo  produto  de  determinados  bens.  
 
Artigo  604º:   Princípio  de  tratamento  equitativo  de  todos  os  credores:   se   o   devedor   não   dispuser   de   bens  
suficientes  para  a  satisfação  de  todos  os  seus  credores,  todos  eles  devem  se  tratados  de  forma  equitativa  –  
cada  um  vai  ser  satisfeito  e  deixar  de  ser  satisfeito  na  proporção  do  seu  crédito.  
 
O  interesse  do  credor  é  que,  no  momento  em  que  o  devedor  deva  cumprir  ou  no  momento  em  que  reaja  
ao  incumprimento,  o  património  do  devedor  tenha  o  maior  número  de  bens  possível.    
Em  alguns  casos,  a  lei  transforma  este  interesse  num  interesse  juridicamente  protegido,  permitindo  ao  
credor  que  tome  determinadas  iniciativas  para  proteger  o  património  do  devedor.  
Regra  geral,  é  o  devedor  que  gere  o  seu  património  sem  nenhuma  interferência  dos  credores,  porém,  há  
um   conjunto   de   leis   a   que   o   credor   pode   recorrer   que   visam   que   o   património   do   devedor   não   seja  
desvalorizado  a  modo  de  pôr  em  causa  a  expetativa  que  o  credor  tem  –  meios  de  conservação  de  garantia  
patrimonial:  
•   Artigo  605º:  qualquer  interessado  pode  requerer,  nos  termos  do  artigo  289º,  a  nulidade.  O  credor  
é  um  dos  interessados  pelo  que  pode  fazê-­‐lo,  não  necessitando  de  demonstrar  que  a  nulidade  é  
necessária  para  a  satisfação  do  seu  direito  de  crédito.  
Exemplo:   A   vem   invocar   a   nulidade   de   um   negócio   entre   B   e   C.   É   um   direito   que   tem,  
autonomamente,  independentemente  do  que  daí  possa  retirar.  
 
•   Sub-­‐rogação  do  credor  ao  devedor  (artigos  606º  e  ss.):  Sub-­‐rogação  =  substituição.  Uma  pessoa  
sub-­‐roga-­‐se  na  posição  de  outra  quando  se  substitui   na  posição  de  outra.  Na  sub-­‐rogação,  para  
que  um  credor  se  substitua  a  outro,  tem  de  demonstrar  que  aquela  é  a  única  forma  que  tem  de  
obter  satisfação  ao  direito  de  crédito.  
o   Artigo  606º:  A  sub-­‐rogação  não  permite  ao  credor  obter  uma  posição  de  vantagem  em  
relação  aos  demais.  
Exemplo:  C  deve  a  B  e  B  deve  a  A.  A,  sendo  credor  de  B,  pode  substituir-­‐se  a  B  para  exigir  
o  cumprimento  a  C.  
o   Artigo  609º:  A  sub-­‐rogação  exercida  por  um  dos  credores  aproveita  aos  demais.  
Estas  duas  figuras  permitem  ao  credor  substituir-­‐se  ao  devedor  para  exercer  direitos  que  este  tem,  
mas  que  não  está  a  exercer:  assim  ultrapassa  a  inércia.  
Nota:  considerar  sempre  uma  relação  de  A  deve  a  B  e  B  deve  a  C.  
 
•   Impugnação  pauliana:  Estamos  perante  casos  em  que  os  atos  de  garantia  envolvam  a  diminuição  
da  garantia  patrimonial  de  crédito.  
24  
 
 
Critérios:  
o   Dessa   diminuição   tem   de   resultar   a   impossibilidade,   para   o   credor,   de   satisfazer  
integralmente  o  seu  direito  de  crédito;  
o   Essa  diminuição  tem  de  diminuir  o  património  do  devedor  de  tal  modo  que  ele  fique  sem  
património  suficiente  que  permita  ao  credor  satisfazer  o  seu  direito  de  crédito;  
o   O  ato  tem  que  ser   posterior  ao  crédito  ou,  sendo  anterior,  tem  de  ser  praticado  com  o  
objetivo  de  inviabilizar  a  satisfação  do  direito  de  crédito  (Artigo  610º);  
o   Se   o   ato   for   oneroso,   para   que   possa   ser   impugnado,   é   necessário   que   o   devedor   e   o  
terceiro  com  quem  tenha  celebrado  contrato  tenham  atuado  de  má-­‐fé  (Artigo  612º);  
o   Se  o  ato  for  gratuito,  a  impugnação  é  permitida  ainda  que  tenham  agido  de  boa-­‐fé  (Artigo  
612º);  
o   A  impugnação  tem  de  ser  feita  no  prazo  de  cinco  anos  a  contar  da  data  de  realização  do  
ato  impugnável  (Artigo  618º);  
Efeitos:  Se  a  impugnação  for  procedente,  o  ato  impugnado  torna-­‐se  ineficaz  em  relação  ao  credor.  
Deste  modo,  o  credor  pode  executar  os  bens  na  medida  necessária  à  satisfação  do  seu  direito  de  
crédito.  A  impugnação  pauliana  só  aproveita  ao  credor  que  a  tenha  requerido  (Artigo  616º).  
A   lei   atua,   sobretudo   de   acordo   com   os   artigos   616º   e   617º,   para   compor   os   interesses,  
sobretudo  do  terceiro,  cujo  património  desaparece  para  cumprir  uma  prestação  que  não  era  sua.  
 
•   Arresto:  Este  meio  de  conservação  de  garantia  patrimonial  é  um  meio  preventivo  em  relação  à  
impugnação  pauliana.  Nesta  situação,  o  credor  está  numa  posição  em  que  antecipa  que  o  devedor  
vai  prejudicar  o  seu  direito  de  crédito,  protegendo-­‐se  antecipadamente  (Artigo  619º).  
Exemplo:  O  devedor  está  a  fazer  doações  sem  critério  e  a  passar  os  seus  bens  para  o  nome  dos  
familiares.  Enquanto  isto,  o  credor  atua,  recorrendo  a  tribunal,  pedindo  a  congelação  dos  bens  do  
devedor  para  que  possa  vir  a  satisfazer  o  seu  direito  de  crédito  (Artigo  622º).  
 
Para  que  estes  meios  sejam  ativados,  o  credor  tem  de  demonstrar  que  a  atuação  por  esta  via  é  necessária  
para  a  proteção  do  seu  direito  de  crédito.  A  única  exceção  a  este  princípio  é  a  declaração  da  nulidade  do  artigo  
605º.  
 
Formas  de  diminuição  do  valor  patrimonial:  
•   Diminuição  do  valor  do  património  (desvalorização);  
•   Prática  de  atos  gratuitos;  
•   Prática  de  atos  onerosos  a  menor  valor  que  o  real;  
•   Diminuição  da  execução  prática  dos  bens;  
Exemplo:  Se  entregarmos  ao  devedor  uma  determinada  quantia,  ele  pode  passa-­‐la  para  um  terceiro,  
pô-­‐lo  no  banco,  etc.,  o  que  pode  gerar  dificuldade  em  ver  para  onde  foi  o  dinheiro.  Se,  porém,  se  tratar  
de  uma  casa,  sabemos  exatamente  onde  está  o  “dinheiro”:  no  valor  da  casa.  Os  imóveis  requerem  
inúmeros  registos  e  requisitos  formais  que  os  tornam  património  facilmente  localizável.  
 
3.1.2  Garantia  especial  das  obrigações  
 
As   garantias   especiais   só   beneficiam   determinados   credores   que   ficam,   desta   forma,   numa   posição   de  
vantagem  em  relação  a  outros,  no  que  toca  à  satisfação  do  seu  direito  de  crédito.  
As  garantias  especiais  podem  ser:  
•   Reais:  Estas  garantias  traduzem-­‐se  na  atribuição,  a  um  determinado  credor,  de  um  direito  real  de  
garantia  (Artigos  656º  e  ss.)  que  vai  incidir  sobre  uma  determinada  coisa.  Este  credor  passa  a  ser  
titular  não  só  do   crédito,  mas  também  de  uma  situação  jurídica  auxiliar  que  é   o  direito  real  de  
garantia.  
25  
 
Existindo  um  direito  real  de  garantia  sobre  determinada  coisa,  quando  esta  for  vendida  para  
satisfação   do   direito   de   crédito   do   credor,   o   seu   valor   não   será   dividido   por   todos   os   credores  
equitativamente.  O  seu  valor  vai  ser  utilizado,  primeiramente,  para  satisfazer  o  direito  de  crédito  
do  credor  que  tem  o  direito  real  de  garantia  e  só  depois  para  satisfazer  os  determinados  credores.  
 
•   Pessoais:  Nestes  casos,  o  credor  soma  ao  direito  de  crédito  uma  situação  jurídica  auxiliar  de  caráter  
pessoal.  Esta  garantia  traduz-­‐se  num  segundo  direito  de  crédito,  não  contra  o  devedor,  mas  sim  
contra  um  terceiro.  Junta-­‐se  ao  direito  de  crédito  sobre  o  devedor  um  direito  de  crédito  sobre  um  
terceiro,  juntando  ao  património  do  devedor  o  do  terceiro.  
A  garantia  especial  pessoal  de  eleição  é  a  fiança  (Artigos  627º  e  ss.).  
 
As  situações  jurídicas  de  garantia  são  acessórias,  isto  é,  servem  apenas  para  reforçar  o  direito  de  crédito,  
não  tendo  uma  razão  de  ser  autónoma.    
Da  acessoriedade  resultam  determinadas  consequências.  Vejamos  o  caso  da  fiança:  
•   Artigo  627º/2:  A  obrigação  é  acessória  por  ser  instrumental,  ou  seja,  só  existe  por  ser  instrumento  
de  uma  obrigação  principal;  
•   Artigo  631º/1:  A  existência  da  fiança  nunca  pode  ser  motivo  de  enriquecimento  do  credor,  pelo  
que  a  fiança  não  pode  ser  superior  à  prestação;  
•   Artigo  632º:  Se  a  obrigação  principal  for  inválida,  a  fiança  também  o  é;  
•   Artigo  582º:  Se  o  direito  de  crédito  se  transferir  de  uma  esfera  jurídica  para  outra,  o  direito  do  
credor  sobre  o  fiador  transmite-­‐se  também.  O  direito  à  fiança  segue  o  direito  do  credor;  
•   Artigo  637º:  O  fiador  só  é  obrigado  a  responder  perante  o  credor  na  medida  em  que  o  devedor  
também  o  fosse.  O  fiador  pode,  então,  invocar  todos  os  meios  de  defesa  que  o  devedor  pudesse  
invocar;  
•   Quando  a  obrigação  principal  se  extinguir,  a  fiança  extingue-­‐se  igualmente;  
 
A  fiança  
 
O  que  existe  na  fiança  é  a  vinculação  de  uma  determinada  pessoa  perante  o  credor  através  do  qual  esse  
fiador  aceita  responder  pessoalmente  pela  dívida  de  um  terceiro.    
A  fiança  resulta  de  um  negócio  jurídico  que  deve  obedecer  a  determinados  requisitos  (Artigo  628º):  
•   A  vontade  de  prestar  fiança  tem  de  ser  expressa;  
•   A  declaração  de  prestar  fiança  tem  de  ser  feita  na  forma  da  obrigação  principal;  
•   Para  que  exista  fiança  basta  que  o  fiador  queira  e  o  credor  aceite,  a  posição  que  o  devedor  tenha  
em  relação  à  fiança  é  irrelevante;  
 
Efeitos  da  fiança:  O  principal  efeito  da  fiança  é  contido  no  artigo  634º.  Por  efeito  deste  artigo,  o  credor  pode  
dirigir-­‐se  ao  fiador  para  que  este  pague  aquilo  que  o  devedor  deixou  e  pagar.  Se  nada  for  dito,  a  fiança  inclui  
a  obrigação  principal  e  os  juros  moratórios  ou  culpa  do  devedor.  
Uma  vez  interpelado,  o  fiador  deve,  regra  geral,  pagar.  Caso  não  o  faça,  o  seu  património  responde  pelo  
que  é  devido  pelo  devedor.  
No  entanto,  existem  fundamentos  que  o  fiador  pode  invocar  contra  o  credor  no  sentido  de  evitar  pagar:  
•   Artigo   637º:   O   fiador   pode   invocar   contra   o   credor   todos   os   meios   de   defesa   que   o   devedor  
pudesse  invocar.  
Exemplo:  A  vende  um  carro  a  B.  A  não  confia  em  B,  pelo  que  C  se  torna  fiador  de  B.  A  não  entrega  
o  carro  a  B,  então  este  pode  não  entregar  o  preço  (428º),  adiando  o  cumprimento  da  sua  obrigação.  
A  não  está  para  esperar  e  vai  pedir  a  C  que  pague.  C,  à  semelhança  do  devedor,  pode  também  
invocar  o  artigo  428º.  
•   Argumentos  próprios:  São  meios  de  defesa  próprios  do  fiador.    

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o   Benefício   da   execução   prévia   (Artigo   638º   e   639º):   o   fiador   pode   recusar-­‐se   a   cumprir  
enquanto  houver  oportunidade  de  o  credor  se  satisfazer  pelo  património  de  devedor.  Só  
quando   o   património   do   devedor   estiver   esgotado   é   que   o   fiador   fica   obrigado   a  
responder.  O  esgotamento  do  património  do  devedor,  inclui  também  que  o  fiador  possa  
invocar  a  existência  de  uma  outra  garantia  real  que  esteja  acordada.  
O  fiador  pode  renunciar  a  estes  benefícios  através  do  artigo  640º  e  mediante  os  casos  
nele  previstos.  
o   Artigo  642º:  O  fiador  pode  evitar  responder  na  medida  em  que  o  credor  se  possa  satisfazer  
por  compensação  e  enquanto  o  negócio  puder  ser  impugnado;  
 
Se  o  credor  exigir  o  cumprimento  do  fiador  e  este  cumprir,  a  obrigação  não  se  extingue.  Existindo  uma  
fiança   e   sendo   o   crédito   cumprido   por  um  fiador,  o   crédito   em  causa  não  se  extingue   pelo   cumprimento,  
continua  a  existir.  
O  crédito  não  continua  a  existir  na  forma  original.  De  acordo  com  o  artigo  644º,  o  crédito  transmite-­‐se,  
deixando  de  ser  titularidade  do  credor  e  passando  a  ser  da  titularidade  do  fiador  –  sub-­‐rogação.  
Exemplo:  A  é  credor  de  B  e  C  é  fiador  de  B.  C  cumpre  a  obrigação  perante  A.  O  crédito  transfere-­‐se  da  esfera  
jurídica  de  A  pra  C.  C  passa  a  ser  credor  de  B,  mantendo-­‐se  a  obrigação  entre  eles.  
 

4.  A  extinção  das  obrigações  


 
Existem  sete  principais  causas  que  levam  á  extinção  das  obrigações.  São  elas:  
•   Cumprimento  
•   Dação  em  cumprimento;  
•   Consignação  em  depósito;  
•   Compensação;  
•   Novação;  
•   Remissão;  
•   Confusão;  
 
4.1  O  cumprimento  
 
O  cumprimento  é  a  causa  que,  regra  geral,  extingue  as  obrigações.  
 
4.2  Dação  em  cumprimento  
 
A  dação  em  cumprimento  (artigo  837º  e  ss.)  resulta  de  um  acordo  entre  o  credor  e  o  devedor,  nos  termos  
do  qual  o  devedor  se  exonera  mediante  uma  prestação  diferente  daquela  que  era  inicialmente  prevista.  
Para  que  o  devedor  se  exonere  desta  forma,  isto  só  pode  acontecer  se  o  credor  estiver  de  acordo.  (artigo  
837º).  
 
Exemplo:  A  deve  x  a  B.  A  e  B  acordam  que  em  vez  de  prestar  x,  A  vai  prestar  y  e  que  é  através  desta  prestação  
que  a  obrigação  se  extingue.  
 
Existem  dois  tipos  de  dação:  
 
•   Dação  pro  soluto:  A  obrigação  fica  extinta  e  o  devedor  exonera-­‐se  com  a  nova  prestação.  
Ex:  A  deve  10mil€  a  B.  Como  A  não  tem  dinheiro  para  pagar  acordaram  que  A  vai  entregar  o  seu  carro  
a  B.  Com  a  entrega,  A  exonera-­‐se  e  a  obrigação  extingue-­‐se.  
27  
 
 
•   Dação   pro   solvendo   (artigo   840º):   A   obrigação   só   se   extingue   e   o   devedor   só   fica   exonerado   na  
medida  em  que  o  devedor  consiga  obter  satisfação  para  o  seu  crédito  através  da  prestação  da  coisa.  
Ex:  A  vai  entregar  o  seu  carro  a  B  em  vez  dos  10mil€.  B  vai  vendê-­‐lo  e  ver  se  da  venda  consegue  obter  
os  10mil€.  Se  só  conseguir  9mil€,  A  vai  ter  de  pagar  a  diferença.  Só  na  medida  em  que  o  consiga  é  que  
o  devedor  se  exonera  e  a  obrigação  se  extingue.  
 
4.3  Consignação  em  depósito  
 
Consignação  em  depósito  permite  ao  devedor  livrar-­‐se  da  obrigação  quando  se  verifique  algum  dos  casos  
mencionados  no  artigo  841º/1:  
•   Quando,   sem   culpa   sua,   não   puder   efetuar   a   prestação   ou   não   puder   fazê-­‐lo   com   segurança,   por  
qualquer  motivo  relacionado  à  pessoa  do  credor;  
•   Quando  o  credor  estiver  em  mora;  
 
A  consignação  em  depósito  é  meramente  facultativa  (artigo  841º/2)  e  necessariamente  judicial.  
Neste  regime,  a  prestação  é  depositada  e  o  credor  vai  busca-­‐la  quando  oportuno.  “A  consignação  aceita  
pelo  credor  ou  declarada  válida  por  decisão  judicial  libera  o  devedor,  como  se  ele  tivesse  feito  a  prestação  ao  
credor  na  data  do  depósito”  (artigo  842º).  
 
4.4  A  compensação  
 
A  compensação  é  a  forma  de  extinção  das  obrigações  mais  relevante  na  prática.  Ocorre  quando  existem  
créditos  cruzados  entre  credor  e  devedor  numa  obrigação  sinalagmática.  
Nestes  casos,  em  vez  de  multiplicarmos  os  atos  exigindo  ao  devedor  que  realize  perante  o  credor  e  vice-­‐
versa,  permite-­‐se  um  encontro  de  contas.  
 
Ex:  A  deve  100  a  B  e  B  deve  50  a  A.  A  apenas  paga  50  a  B.  
 
Para  que  possa  haver  compensação  têm  de  estar  verificados  dois  requisitos  cumulativamente  (847º/1):  
•   Ser  o  seu  crédito  exigível  judicialmente  e  não  proceder  contra  ele  exceção,  perentória  ou  dilatória,  de  
direito  material;  
•   Terem  as  duas  obrigações  por  objeto  coisas  fungíveis  da  mesma  espécie  e  qualidade;  
   
Não  podem  extinguir-­‐se  por  compensação  (artigo  853º):  
•   Os  créditos  provenientes  de  factos  ilícitos  dolosos;  
•   Os  créditos  impenhoráveis,  exceto  se  ambos  forem  da  mesma  natureza;  
•   Os  créditos  do  estado  ou  de  outras  pessoas  coletivas  públicas,  exceto  quando  a  lei  o  autorize;  
•   Quando   haja   prejuízo   de   direitos   de   terceiro,   constituídos   antes   de   os   créditos   se   tornarem  
compensáveis,    
•   Quando  o  devedor  a  ela  tenha  renunciado;  
 
A  compensação  tem  como  vantagens  a  facilidade  do  ajuste  de  contas  e  a  obtenção  do  cumprimento  ainda  
que  haja  insolvência.  
 
4.5  A  novação  
 
“Dá-­‐se  a  novação  objetiva  quando  o  devedor  contrai  perante  o  credor  uma  nova  obrigação  em  substituição  
da  antiga.”  (artigo  857º)  
28  
 
 
Para  que  exista  novação,  esta  tem  de  ser  expressamente  manifestada  ou  declarada  (artigo  859º).  
 
Não   se   confunde  a  novação  com  a  dação.  No  caso  da  novação,  a  obrigação  extingue-­‐se   porque   vai   ser  
substituída   por   uma   nova   que   também   será,   eventualmente,   extinta,   enquanto   na   dação   apenas   há   uma  
alteração  da  prestação.  
Assim   sendo,   considera-­‐se   que   a   novação   é,   ao   mesmo   tempo,   uma   causa   extintiva   e   constitutiva   de  
obrigações.  
 
4.6  A  remissão  
 
A   remissão   traduz-­‐se   na   causa   da   extinção   da   obrigação   que   resulta   de   o   credor   prescindir/perdoar,   a  
prestação  da  obrigação  que  lhe  é  devida.  
Fruto  do  princípio  da  autonomia  privada,  nem  perdoar  aos  outros  se  pode  fazer  sozinho.  Assim.  Nos  termos  
do  artigo  863º,  é  preciso  consentimento  do  devedor  para  que  haja  remissão.  
 
4.7  A  confusão  
 
A  confusão  opera  quando,  em  virtude  de  uma  transmissão  de  situações  jurídicas,  se  reúne  numa  mesma  
esfera  jurídica,  a  obrigação  e  o  correspondente  direito  de  crédito.  
Ora,   não   faz   sentido   que   a   pessoa   seja   credora   ou   devedora   de   si   própria.   Assim   sendo,   a   obrigação  
extingue-­‐se  por  confusão  (artigo  868º).  
 

 
5.A  transmissão  das  obrigações  
 
Quando  falamos  em  transmissão  de  obrigações  falamos  em  quatro  figuras:  
•   Cessão  de  crédito  
•   Sub-­‐rogação  
•   Assunção  de  dívidas  
•   Cessão  de  posição  contratual  
 
Estes  são  institutos  através  dos  quais  se  processa  a  transmissão  de  uma  posição  jurídica  para  uma  esfera  
jurídica  alheia.  Por  se  transmitir  apenas  um  direito  estamos  perante  uma  transmissão  singular.  
Existe   ainda   transmissões   globais,   quando   se   trate   de   um   conjunto   de   direitos   ou   posições   jurídicas,  
caracterizando-­‐se  pelas  transmissões  de  património.  O  património  transmite-­‐se  como  um  todo,  de  modo  que  
as   coisas   ou   posições   jurídicas   que   o   integrem   são   transferidas   conjuntamente   com   o   património   e   não  
individualmente.  
 
5.1  Cessão  de  crédito  
 
®   Artigos  577º  e  ss.  
 
Cessão,  para  o  direito,  significa  transmissão,  neste  caso,  do  direito  de  crédito.  A  cessão  de  crédito  traduz-­‐
se  num  contrato  entre  o   cedente  e  o  cessionário  –  credor  originário  e  o  que  vem  a  receber  na  sua  esfera  
jurídica  o  direito  de  crédito,  respetivamente  –  no  qual  o  cedente  transmite,  gratuita  ou  onerosamente,  o  seu  
direito  de  crédito  ao  cessionário.  Nesta  relação  o  devedor  denomina-­‐se  devedor  cedido.  
 
29  
 
Exemplo:  A  é  credor  e  B  devedor.  A,  credor,  celebra  um  contrato  com  C  pelo  qual  transmite  a  C  o  direito  de  
crédito.  Onde  estava  A,  passa  a  estar  C.  Nesta  relação  A  é  o  cedente,  C  o  cessionário  e  B  o  devedor  cedido.  
 
Em  relação  ao  contrato  elaborado  entre  o  cedente  e  o  cessionário  o  devedor  é  considerado  um  terceiro.  
Ainda  assim,  este  contrato  produz  um  único  efeito  para  o  devedor:  o  de  alterar  o  seu  credor.  
 
Artigo  577º/1:  Regra  geral,  o  direito  de  crédito  pode  transferir-­‐se  independentemente  do  consentimento  do  
devedor.  Pressupõe-­‐se  que  para  o  devedor  é  irrelevante  a  pessoa  a  quem  deve,  uma  vez  que  tem  que  cumprir  
independentemente  do  credor.  Não  existe  nenhum  interesse  legítimo  que  o  devedor  possa  invocar  para  se  
opor  à  cessão.  
Exceções:  Há  casos  em  que  a  cessão  não  é  permitida.  São  casos  em  que  a  cessão  é:  
•   Proibida  legalmente;  
•   Proibida  contratualmente  por  convenção  das  partes;  
•   Proibida  pela  natureza  da  prestação;  
 
Artigo   577º/2:   Quando   as   partes   convencionem   a   proibição   da   cessão   de   crédito,   esta   convenção   não   é  
oponível  ao  cessionário,  a  menos  que  se  demonstre  que  no  momento  da  cessão,  o  cessionário  conhecia  a  
proibição.  Isto  é,  é  necessário  que  o  cessionário  atue  de  má-­‐fé.  
 
Efeitos  da  cessão:  
•   A  cessão  proibida  legalmente  é  nula  (Artigo  294º);  
•   A  cessão  proibida  contratualmente  pode  ser  considerada  ineficaz  nos  casos  de  má-­‐fé  por  parte  do  
cessionário  (Artigo  577º/2);  
•   A  cessão  proibida  pela  natureza  da  prestação  pode  ser  oponível  ao  cessionário  caso  este  atue  de  má-­‐
fé;  também  neste  caso  se  aplica  o  artigo  577º/2.  
•   Artigo  578º  
 
O  principal  problema  que  a  cessão  oferece  relaciona-­‐se  com  a  sua  relação  com  o  devedor  cedido.  Apesar  
de  ser  considerado  um  terceiro,  o  devedor  é  um  terceiro  que  tem  uma  posição  especial  por  ser  devedor  de  
uma  pessoa  e  por  efeito  da  cessão  passar  a  ser  devedor  de  outra.  Deste  modo,  é  imperativo  que  o  devedor  
saiba  junto  de  quem  deve  cumprir.  
 
Artigo  583º:  O  devedor  deve  ser  protegido  por  não  ser  parte  da  transmissão  do  direito  de  crédito.  Se  não  tiver  
conhecimento  dela,  esta  não  lhe  pode  ser  oponível,  não  podendo  ter  para  si  qualquer  consequência  negativa.  
O  devedor  só  fica  obrigado  a  levar  em  conta  o  contrato  de  cessão  a  partir  do  momento  em  que  se  verifique  
um  destes  três  fenómenos:  
•   O  devedor  é  notificado  da  cessão;  
•   O  devedor  aceita  a  cessão;  
•   O  devedor  demonstra  por  outra  via  ter  conhecimento  da  cessão;  
A  verificação  do  primeiro  destes  três  factos  marca  o  momento  a  partir  do  qual  o  devedor  passa  a  ver  o  
cessionário  como  seu  credor.  
A  única  forma  que  o  cessionário  tem  de  se  fazer  valer  como  credor  é  antecipar  a  notificação,  isto  é,  encurtar  
o  período  de  tempo  que  vai  entre  a  transmissão  do  direito  de  crédito  e  a  sua  notificação  ao  credor.  
A   verificação   de   um   destes   três   fenómenos   é   essencial   porque   marca   o   momento   a   partir   do   qual   a  
transmissão  se  torna  oponível  ao  devedor  cedido.  
 
A  notificação  não  tem  de  ter  uma  forma  especial.  A  única  coisa  que  tem  que  se  demonstrar  é  que  foi  feita  
essa  comunicação.  O  momento  em  que  a  notificação  produz  efeitos  retira-­‐se  do  artigo  224º.  
A  lei  não  menciona  se  a  notificação  deve  ser  feita  pelo  cedente  ou  pelo  cessionário,  pelo  que  se  aceita  que  
seja  feita  por  qualquer  um  dos  dois.  Não  obstante  não  haver  qualquer  impedimento  em  relação  a  quem  faz  a  
30  
 
notificação,  o  devedor,  quando  apenas  recebe  notificação  do  cessionário  sem  nenhuma  demonstração  da  
veracidade  da  cessão,  pode  pensar  que  se  trata  de  um  qualquer  terceiro  a  ganhar  vantagem.  Daqui  retira-­‐se  
que  é  preferível  que  a  notificação  deva  ser  feita  pelo  cedente.  Caso  contrário,  deverá  ser  munida  de  tudo  
aquilo  que  ajude  a  comprovar  que  a  transmissão  do  direito  de  crédito  ocorreu  realmente.  
 
 
 
 
Podem,  todavia,  existir  cessões  que  não  são  notificadas:  cessões  ocultas.  Isto  pode  ocorrer  por  duas  razões:  
•   Por   consenso   de   ambas   as   partes,   presumindo-­‐se,   neste   caso,   que   existe   um   mandato   sem  
representação;  
•   Porque  não  foi  feito  o  necessário  para  que  a  cessão  se  tornasse  conhecida  pelo  devedor;  
 
Exemplo:  (primeira  razão)  
B  deve  a  A  uma  quantia  de  dinheiro  que  tem  que  pagar  dentro  de  um  ano.  A  não  pode  esperar  um  ano  pelo  
pagamento  pelo  que  cede  o  crédito  a  C.  B,  passado  um  ano  passa  a  ter  que  pagar  a  C.  Imagine-­‐se  que,  porém,  
A  não  quer  que  B  perceba  que  este  tinha  urgência  em  receber  o  dinheiro  antes  do  prazo  estipulado,  mantendo  
tudo  em  segredo  com  C.  Apesar  de  o  crédito  ser  de  C,  B  vai  dirigir-­‐se  a  A  para  pagar  o  que  deve,  por  não  ter  
conhecimento  da  cessão.  A  vai  estar  a  atuar  como  mandatário  sem  representação  de  C,  o  que  quer  dizer  que  
receberá  o  crédito  e  o  deverá  entregar  na  totalidade  a  C.  
Se  A  recebesse  o  crédito  sem  se  tratar  de  um  mandato  sem  representação  estaria  a  atuar  ilicitamente.  
 
Artigo   584º:   Este   artigo   trata   dos   casos   em   que   o   cedente   cede   duas   vezes   o   mesmo   direito   de   crédito.  
Existem,  assim,  dois  negócios  conflituantes  que  não  podem  coexistir.  Este  artigo  resolve  esse  conflito  dizendo  
que,  nestes  casos,  prevalece  o  primeiro  negócio  que  seja  notificado  ou  aceite  pelo  devedor.    
Exemplo:  A  cede  dia  1  a  B,  e  cede  dia  2  a  C.  Se  D,  o  devedor,  aceitar  primeiro  a  cessão  a  C,  então  é  esta  que  
prevalece.  B,  neste  caso,  teria  direito  de  indemnização  contra  A.  
 
®   Na   opinião   do   professor   saber   qual   o   cessionário   que   prevalece   é   um   problema   de   anterioridade  
temporal  da  cessão.  A,  ao  transmitir  uma  segunda  vez,  já  não  está  a  transmitir  algo  que  é  seu,  uma  
vez  que  já  fora  por  si  transmitido.  
Para  além  disto,  esta  forma  de  resolver  a  questão  também  permite  uma  maior  proteção  do  devedor.    
 
Argumentos:  
1.   Coerência  para  com  o  Ordenamento  Jurídico  como  um  todo;  
2.   Inserção  sistemática  do  artigo  584º:  o  artigo  anterior  trata  a  proteção  do  devedor,  assim  como  o  
seguinte.  Seria  estranho  se  no  meio  dessa  temática  se  fosse  abordar  outra  questão;  

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Artigo  581º:  A  proibição  da  cessão  dos  créditos  ou  direitos  litigiosos  não  tem  lugar  nos  seguintes  casos:  
1.   Quando  a  cessão  for  feita  ao  titular  de  um  direito  de  preferência  ou  de  remição  relativo  ao  direito  
cedido;  
2.   Quando  a  cessão  se  realizar  para  defesa  de  bens  possuídos  pelo  cessionário;  
3.   Quando  a  cessão  se  fizer  ao  credor  em  cumprimento  ao  que  é  devido.  
 
Artigo   582º:   A   menos   que   haja   convenção   em   contrário,   a   transmissão   do   direito   de   crédito   implica   a  
transmissão  de  todos  os  acessórios  que  ele  tenha.  Quando  transmitimos  o  direito  de  crédito,  se  nada  for  dito  
em  contrário  é  assim  que  se  processam  as  coisas.  
Exemplo:   Se   tenho   um   direito   de   crédito   garantido   por   penhor,   se   o   ceder,   a   garantia   é   transmitida  
conjuntamente  com  o  direito  de  crédito.  
 
Artigo  585º:  O  devedor  tem,  também  meios  de  defesa  que  podem  usar  contra  o  credor  para  obstar  ou  atrasar  
o  cumprimento  licitamente.  Este  artigo  garante  que  o  devedor  pode  usar  contra  o  cessionário  todos  os  meios  
de  defesa  que  tinha  contra  o  cedente  até  ao  momento  da  cessão.  Meios  de  defesa  que  o  devedor  arranje  
contra   o   cedente   após   a   cessão   se   ter   tornado   eficaz,   já   não   são   procedentes   para   invocação   contra   o  
cessionário,  apenas  podem  ser  invocados  contra  o  cedente.  
Pretende-­‐se  que  por  efeito  da  cessão,  o  devedor  não  perca  nada  do  que  tinha  anteriormente.  
 
Exemplo:  A  vende  x  a  B.  B  deve  o  pagamento  a  A.  O  direito  de  crédito  de  A  é  transmitido  para  C  passados  3  
meses,   momento   em   que   B,   o   devedor,   toma   conhecimento   da   cessão.   No   momento   da   prestação,   B  
apercebe-­‐se   que   o   bem  x   tinha  defeito  e  por  isso  não  quer   pagar  a  C.  Este  meio  de  defesa  não  pode  ser  
exercido  contra  o  cessionário,  tem  de  ser  exercido  contra  o  cedente.  
 
®   Acontecimentos   que   ponham   em   causa   o   contrato   original   são   sempre   imputáveis   ao   cedente  
independentemente  do  momento  em  que  ocorram.  
 
Artigo  587º:  Existem  quatro  tipos  de  garantia  que  o  cedente  pode  dar  ao  cessionário:  
•   O  crédito  existe;  
•   O  crédito  é  exigível:  não  há  nenhum  fundamento  que  possa  prejudicar  a  exigibilidade  do  direito  de  
crédito);  
32  
 
•   Solvência  do  devedor:  garantia  de  que  o  devedor  tem  condições  para  cumprir  e  satisfazer  o  direito  de  
crédito  do  cessionário;  
•   Cumprimento  pelo  próprio  devedor:  garantia  de  que  o  devedor  vai  cumprir.  A  isto  se  chama  cessão  
com  recurso,  uma  vez  que  o  cessionário  fica  com  um  recurso  contra  o  cedente  caso  o  devedor  não  
cumpra  a  obrigação.  
 
As  duas  primeiras  formas  de  garantia  são  prestadas  automaticamente  com  a  cessão  ainda  que  nada  seja  
dito  em  relação  a  elas.  
Por   sua   vez,   para   que   a   solvência   seja   garantida,   é   preciso   que   esta   garantia   tenha   sido   dada  
expressamente.  
 
5.2  Sub-­‐rogação  
 
Há  sub-­‐rogação  quando  um  terceiro  cumpre  uma  dívida  de  outrem  ou  empresta  dinheiro  (ou  outra  coisa  
fungível)   ao   devedor   para   esse   cumprimento,   adquirindo   os   direitos   do   credor   originário   em   relação   ao  
devedor.  Trata-­‐se  de  outra  forma  de  transmissão  de  créditos.  
 
Exemplo:  A  deve  1000  a  B.  C  entrega  os  1000  a  B  para  satisfazer  esse  crédito.  Em  vez  de  se  extinguir  o  direito  
de  crédito,  este  transmite-­‐se  para  C  que  passa  a  deter  o  direito  de  crédito  que  antes  era  de  B.  A  que  antes  
devia  a  B,  passa  a  ficar  a  dever  a  C.  
 
De  acordo  com  o  artigo  589º,  para  que  haja  sub-­‐rogação,  é  necessário  que  haja  uma  declaração  expressa  
de  que  assim  se  procederá.  Sem  esta  declaração  expressa,  a  obrigação  extingue-­‐se  em  vez  de  se  transmitir.  
 
A  sub-­‐rogação  pode  ser:  
•   Voluntária:  resulta  de  um  acordo  entre  o  terceiro  e  o  devedor  (Artigo  589º  e  590º);  
•   Legal:  verifica-­‐se  por  imposição  da  lei  (artigo  592º);  
 
Efeitos  da  sub-­‐rogação:  
•   O  terceiro  que  cumpre  a  prestação  adquire  os  poderes  que  competiam  ao  credor;  
•   Em  casos  de  satisfação  parcial  a  sub-­‐rogação  não  prejudica  os  direitos  do  credor  ou  do  seu  cessionário;  
•   Nenhum   sub-­‐rogado   pode   ter   preferência   sobre   os   demais,   aquando   de   momentos   sucessivos   de  
satisfação  parcial  do  crédito;  
 
®   É   aplicável   à   sub-­‐rogação,   o   disposto   nos   artigos   582º   e   584º   sobre   a   cessão,   com   as   devidas  
alterações.  
Temas:  transmissão  de  garantias  e  outros  acessórios;  efeitos  em  relação  ao  devedor;  sub-­‐rogação  a  
várias  pessoas.  
 
5.3   A  assunção  de  dívida  
 
Da  mesma  forma  que  admite  a  transmissão  de  créditos,  o  CC  prevê  nos  artigos  595ºe  ss.  a  transmissão  
singular  de  dívidas  através  da  figura  da  assunção  de  dívida.  Esta  transmissão  é  feita  através  de  um  contrato  
celebrado  com  terceiro.  
 
Artigo  595º/1:  A  transmissão  de  uma  dívida  pode  verificar-­‐se:  
a)   Por  contrato  entre  o  antigo  e  o  novo  devedor,  ratificado  pelo  credor;  
b)   Por  contrato  entre  o  novo  devedor  e  o  credor,  com  ou  sem  consentimento  do  antigo  devedor.  
 
33  
 
Verifica-­‐se  que  a  intervenção  do  credor  é  sempre  necessária,  quer  através  da  ratificação  do  contrato,  quer  
como  parte  do  contrato.  A  sua  intervenção  é  fundamental,  uma  vez  que  conhecer  a  identidade  do  devedor  é  
fundamental  para  o  credor,  daí  que  só  exista  assunção  se  o  credor  nisso  concordar.  
A  intervenção  do  novo  devedor  também  é  sempre  necessária,  uma  vez  que  vai  ser  este  quem  vai  assumir  
a  obrigação.  
Podemos  ter  a  transmissão  de  uma  obrigação  sem  que  o  antigo  devedor,  o  transmitente,  esteja  de  acordo.  
Se  ele  não  está   de  acordo,  a  obrigação   permanece  na  sua  esfera  jurídica.  Assim,  o  que  acontece  é   que  se  
mantem  uma  situação  de  solidariedade  porque,  neste  caso,  o  credor  não  pode  exonerar  o  antigo  devedor  
contra  a  sua  vontade.  
 
A  relevância  da  transmissão  de  obrigações  é  tal  para  o  credor,  que  “em  qualquer  dos  casos,  a  transmissão  
só  exonera  o  antigo  devedor  havendo  declaração  expressa  do  credor.  De  contrário,  o  antigo  devedor  responde  
solidariamente  com  o  novo  obrigado”  (artigo  595º/2).  
Isto  significa  que  não  basta  que  o  devedor  celebre  o  contrato  com  o  novo  devedor,  ou  ratifique  o  contrato  
entre  o  antigo  e  o  novo  devedor.  A  transmissão  só  se  torna  perfeita  no  sentido  de  vermos  o  novo  devedor  
ocupar   o   lugar   do   antigo,   quando   o   credor   declare   expressamente   que   exonera   o   antigo   devedor   da  
responsabilidade  que  ele  tinha.  Até  aí,  ambos  os  devedores  respondem  perante  o  credor,  solidariamente.  
A   solidariedade   não   quer   dizer   que   ambos   sejam   devedores,   simplesmente   ambos   têm   de   responder  
perante  o  credor  até  que  este  exonere  o  antigo  devedor  da  sua  responsabilidade.  
 
Nota:  O  momento  da  ratificação  é  diferente  do  momento  da  exoneração!  
 
Artigo  596º:  Até  ao  momento  em  que  o  credor  ratifique,  as  partes  podem  distratar  o  contrato.  Pode  porém,  
qualquer  uma  das  partes,  fixar  ao  credor  o  prazo  para  a  ratificação.  Se  este  prazo  for  ultrapassado  sem  que  
nada  seja  feito,  considera-­‐se  a  ratificação  recusada.  
 
Artigo  599º:   A   ideia  geral  é  que  o  acessório  se  transmite  juntamente  com  a  obrigação  principal   (nº1).  Da  
mesma   forma,   as   garantias   que   asseguravam   o   cumprimento   de   uma   obrigação,   continua   a   assegurá-­‐la,  
embora  o  devedor  tenha  mudado  (nº2).  Porém,  neste  último  caso  existe  uma  exceção:  não  se  mantêm  as  
garantias  que  tiverem  sido  constituídas  por  terceiro  ou  pelo  antigo  devedor,  que  não  hajam  consentido  na  
transmissão  da  dívida.  Efetivamente,  se  alguém  se  decide  a  garantir  uma  obrigação,  fá-­‐lo  especificamente  em  
razão  da  pessoa  e  da  situação  patrimonial  do  devedor,  que  lhe  transmite  a  confiança  de  que  irá  cumprir  a  sua  
obrigação.  Daí  que  qualquer  alteração  da  pessoa  do  devedor  corresponda  a  uma  alteração  dos  pressupostos  
que  estiveram  na  base  da  concessão  da  garantia  e,  consequentemente,  das  condições  em  que  a  mesma  é  
prestada.  
 
Artigo  598º:  “Na  falta  de  convenção  em  contrário,  o  novo  devedor  não  tem  o  direito  de  opor  ao  credor  os  
meios  de  defesa  baseados  nas  relações  entre  ele  e  o  antigo  devedor,  mas  pode  opor-­‐lhe  os  meios  de  defesa  
derivados   das   relações   entre   o   antigo   devedor   e   o   credor,   desde   que   o   seu   fundamento   seja   anterior   à  
assunção  de  dívida  e  se  não  trate  de  meios  de  defesa  pessoais  do  antigo  devedor”.  
 
Verifica-­‐se,  assim,  que  o  novo  devedor  não  pode,  em  primeiro  lugar,  opor  ao  credor  quaisquer  meios  de  
defesa  que  resultem  da  relação  entre  o  antigo  e  o  novo  devedor.  Assim,  por  exemplo,  se  o  antigo  devedor  
prometeu  ao  novo  devedor  uma  prestação  como  contrapartida  da  assunção  de  dívida,  é  vedado  a  este  último  
opor   ao   credor,   quer   a   exceção   de   não   cumprimento,   quer   a   resolução   do   contrato   fundadas   no   não  
cumprimento   daquela   prestação.   Portanto,   prevalece   a   proteção   do   credor   contra   quaisquer   exceções  
derivadas  da  relação  causal  entre  o  antigo  e  o  novo  devedor.  
Pelo  contrário,  não  há  qualquer  dúvida  de  que  o  novo  devedor  pode  opor  ao  credor  os  meios  de  defesa  
derivados  da  relação  entre  ele  próprio  e  o  credor.  Assim,  se,  por  exemplo,  o  credor,  aquando  da  assunção  de  

34  
 
dívida,   concedeu   ao   devedor   uma   moratória   no   prazo   de   pagamento   ou   uma   remissão   parcial   da   sua  
obrigação,  naturalmente  o  novo  devedor  pode  opor  essas  exceções  ao  credor.  
Relativamente   aos   meios   de   defesa   que   existem   na   relação   entre   o   antigo   devedor   e   o   credor,   estes  
poderão,  em  princípio,  ser  opostos  pelo  novo  devedor,  uma  vez  que,  ao  assumir  a  dívida,  ela  passa  a  responder  
exatamente   nos   mesmo   termos   que   respondia   o   antigo   devedor.   Há,   no   entanto,   uma   restrição   a   esta  
possibilidade  de  invocação.  É  que  o  fundamento  dessas  exceções  tem  que  ser  anterior  à  assunção  de  dívida  e  
não  podem  constituir  meios  de  defesa  pessoais  do  antigo  devedor.  
 
Artigo  597º  e  600º:  Estes  artigos  regulam  a  eventual  relevância  que  tenham  factos  supervenientes  à  assunção  
da  dívida.    
Se  depois  de  feita  a  transmissão  da  dívida,  o  contrato  de  assunção  for  declarado  inválido  e  o  credor  já  tiver  
exonerado   o   antigo   devedor   da   sua   responsabilidade,   repristina-­‐se   a   responsabilidade   que   tinha   sido  
exonerada.  
Consideram-­‐se,  também,  “extintas  as  garantias  prestadas  por  terceiro,  exceto  se  este  conhecia  o  vício  na  
altura  em  que  teve  notícia  da  transmissão.”  
Segundo  o  artigo  600º,  é  irrelevante  que  o  credor  venha  a  descobrir  que  o  seu  novo  credor  é  insolvente,  
uma  vez  que  foi  o  credor  quem  se  colocou  nessa  situação  quando  aceitou  a  assunção  de  dívida.  
 
5.4  Cessão  de  posição  contratual  
 
Só  se  fala  de  cessão  da  posição  contratual  se  essa  posição  incluir  obrigações  e  créditos.  Se  apenas  incluir  
créditos,  trata-­‐se  de  cessão  de  créditos;  se  apenas  incluir  obrigações,  então  trata-­‐se  de  assunção  de  dívida.  
Na  cessão  da  posição  contratual,  o  que  se  transmite  já  não  são  créditos  ou  dívidas  individualmente,  mas  
sim  a  própria  posição  contratual  globalmente  considerada.  
A   cessão   da   posição  contratual   corresponde,  assim,  à  transmissão  por  via  negocial  da  situação  jurídica  
complexa  de  que  era  titular  o  cedente  em  virtude  de  um  contrato  celebrado  com  outrem.  
 
A  cessão  da  posição  contratuais  requere  determinados  requisitos  (artigo  424º):  
•   Um  contrato  a  estabelecer  a  transmissão  da  posição  contratual,  celebrado  entre  cedente  e  terceiro;  
•   O  consentimento  dessa  cessão  por  parte  do  outro  contraente;  
•   A  inclusão  da  posição  contratual  no  âmbito  dos  contratos  com  prestações  recíprocas;  
 
O   consentimento   pode   dar-­‐se   a   propósito   de   um   caso   específico   ou   pode   ser   um   consentimento  
antecipado,  no  sentido  de  as  partes  acordarem  previamente  a  possibilidade  de  transmitirem  a  sua  posição  
contratual.  
No   entanto,   se   o   consentimento   for   anterior   à   cessão,   esta   só   produz   efeitos   a   partir   do   momento   da  
notificação  ou  reconhecimento  (artigo  424º/2).  
 
Artigo  425º:  determina  a  necessidade  de  determinar  qual  o  negócio  que  está  na  base  da  cessão.  
 
Artigo  426º:  Ao  ceder  a  sua  posição  contratual,  o  cedente  garante  ao  cessionário,  no  momento  da  cessão,  a  
existência  da  posição  contratual  transmitida,  nos  termos  aplicáveis  ao  negócio,  gratuito  ou  oneroso,  em  que  
a  cessão  se  integra.  
A  garantia  do  cumprimento  das  obrigações  é  que  só  existe  se  for  expressamente  convencionada,  nos  termos  
gerais  (426º/2).  
 
Artigo  427º:  A  cessão  da  posição  contratual  não  implica  que  a  outra  parte  conserve  integralmente  as  exceções  
que  possuía  contra  o  cedente,  apenas  passando  a  poder  invocar  contra  o  cessionário  as  exceções  que  resultam  

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da  própria  relação  contratual  em  prejuízo  do  cessionário,  já  que  este  nunca  poderia  opor  ao  contraente  cedido  
outras  exceções,  que  não  fossem  resultantes  da  posição  contratual  transmitida.  
Admite-­‐se,  porém,  que  o  contraente  cedido  possa  reservar  outros  meios  de  defesa  que  disponha  como  
condição  para  consentir  na  cessão,  caso  em  que  o  cessionário  já  saberá  de  antemão  que  terá  que  contar  com  
o  exercício  dessas  exceções.  
 
6.Modalidades  das  obrigações  
 
6.1  Obrigações  genéricas  
 
•   Artigos  539º  -­‐  542º  
 
O  que  caracteriza  estas  obrigações  é  o  facto  de  o  seu  objeto  da  prestação  estar  designado  apenas  quanto  
ao  género.  
Normalmente,  o  que  acontece  é  que  o  devedor  está  obrigado  a  entregar  uma  coisa  específica  ao  credor.  
Nas   obrigações   genéricas,   o   que   ocorre   é   que   a   coisa   a   entregar   não   está   devidamente   identificada:  
corresponde  a  uma  coisa  a  retirar  de  um  grupo  genérico  de  coisas.  
 
Exemplo:  Uma  loja  tem   três  televisores  iguais  expostos.  Chegamos  à  loja  e  dizemos  que  pretendemos  um  
televisor   daquele   modelo.   A   loja   fica   obrigada   a   entregar   um   desses   três   televisores   e   não   um   deles   em  
concreto.  Ou  seja,  o  objeto  fica  apenas  referenciado  pelo  seu  género.  
 
Estas  obrigações  suscitam  alguns  problemas  especiais  que,  no  essencial,  correspondem  ao  problema  de  
saber   quem   escolhe   o   objeto   a   ser   entregue   dentro   dos   objetos   do   mesmo   género,   e   com   os   casos   de  
impossibilidade.  
 
Artigo  539º:  “Se  o  objeto  da  prestação  for  determinado  apenas  quanto  ao  género,  compete  a  sua  escolha  ao  
devedor,  na  falta  de  estipulação  em  contrário”.  
 
O  momento  da  concentração  é  o  momento  específico  em  que  a  obrigação  deixa  de  ter  um  caráter  genérico  
para  passar  a  ter  um  caráter  específico.  Este  momento  é  decisivo  para  sabermos  que  regime  aplicar.  
 
Artigo  540º:   É   irrelevante  a  escolha  do  objeto,  dentro  do  género,   feita  pelo   devedor  para   o  momento  da  
concentração.  Ou  seja,  não  obstante  essa  escolha  já  ter  sido  feita,  a  obrigação  continua  a  ser  genérica.  
 
Artigo  541º  
Regra  geral,  o  momento  da  concentração  só  ocorre  com  o  cumprimento,  ou  seja,  com  a  entrega  efetiva  da  
coisa  selecionada.  
Exceções:  embora  cabendo  a  escolha  ao  devedor,  a  lei  admite  que  em  certos  casos  a  obrigação  se  concentre  
antes  do  cumprimento:  
•   Quando  isso  resultar  de  convenção  das  partes;  
•   Quando  o  género  se  extinguir  a  ponto  de  restar  apenas  uma  das  coisas  nele  compreendidas;  
•   Quando  exista  mora  do  credor;  
 
Quando  a  escolha  compete  ao  credor  ou  a  terceiro,  as  coisas  ocorrem  de  maneira  diferente.  A  escolha  
realizada  por  credor  ou  por  terceiro  passa  a  ser  irrevogável.  Consequentemente,  a  escolha  pelo  credor  ou  pelo  
terceiro  concentra  imediatamente  a  obrigação  genérica,  desde  que  declarada  respetivamente  ao  devedor  ou  
a  ambas  as  partes  (artigo  542º/1).  
 
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6.2  Obrigações  alternativas  
 
É  alternativa  a  obrigação  que  compreende  duas  ou  mais  prestações,  mas  em  que  o  devedor  se  exonera  
efetuando  aquela  que,  por  escolha,  vier  a  ser  designada.  Na  falta  de  determinação  em  contrário,  a  escolha  
pertence  ao  devedor  (543º/1).  
A  escolha  também  pode  ser  feita  pelo  credor  ou  por  terceiro  (549º),  sendo  nestes  casos  aplicável  o  artigo  
542º.  
Se  a  escolha  couber  ao  devedor,  e  este  não  a  fizer,  é  o  credor  que  a  faz  (548º).  
 
Artigo  544º:  Nas  obrigações  alternativas,  a  escolha  tem  de  se  verificar  entre  várias  prestações,   não  sendo  
permitido,  mesmo  tratando-­‐se  de  prestações  divisíveis,  que  aquele  a  quem  incumbe  a  escolha  a  realize  entre  
parte  de  uma  prestação  ou  parte  de  outra.  
 
O   maior   problema   das   obrigações   alternativas   relaciona-­‐se   com   a   impossibilidade.   A   lei   distingue   a  
impossibilidade  conforme  tenha  origem  no  comportamento  do  devedor,  no  comportamento  do  credor,  ou  
não  seja  imputável  a  qualquer  das  partes.  
 
•   Impossibilidade  não  imputável  a  nenhuma  das  partes:  a  obrigação  mantém-­‐se  relativamente  às  que  
ainda  são  possíveis  (545º).  
Exemplo:  Se  o  devedor  se  comprometeu  a  entregar  ao  credor  o  carro  X  ou  o  barco  Y  e  este  último  
naufraga  em  virtude  de  um  temporal,  é  o  devedor  que  tem  de  suportar  esse  prejuízo,  entregando  ao  
credor  o  carro  X.  
Se   todas   as   prestações   alternativas   se   tornarem   impossíveis,   então   a   obrigação   torna-­‐se   toda  
impossível.  Por  isso  aplicamos  o  regime  geral  da  impossibilidade.  
 
•   Impossibilidade  imputável  ao  devedor:  Se  a  escolha  a  este  competir  (546º),  ele  deve  efetuar  uma  das  
prestações  possíveis.  No  caso  de  a  impossibilidade  ser  imputável  ao  devedor,  mas  a  escolha  competir  
ao  credor,  este  último  pode  exigir  uma  das  prestações  possíveis,  ou  exigir  indemnização  pelos  danos  
de  não  ter  sido  realizada  a  prestação  que  se  tornou  impossível,  ou  resolver  o  contrato  nos  termos  
gerais.  A  lei  atribui  em  alternativa  a  indemnização  ou  a  resolução   do   contrato  porque  o  direito  do  
credor  a  realizar  a  escolha  foi  afetado.  
 
•   Impossibilidade  imputável  ao  credor:  (547º)  Se  a  escolha  pertencer  ao  credor,  considera-­‐se  que  está  
cumprida.  Se  a  escolha  pertencer  ao  devedor,  a  obrigação  considera-­‐se  igualmente  cumprida,  a  menos  
que   o   devedor   preferia   realizar   outra   prestação   ou   obter   indemnização   pelos   danos   de   ter   sido  
afetado  o  direito  de  escolha.  
 

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6.3  As  obrigações  pecuniárias  
 
As  obrigações  pecuniárias  são  aquelas  cujo  objeto  é  uma  determinada  quantia  em  dinheiro.  
Segundo  a  sistematização  do  CC,  as  obrigações  pecuniárias  podem  dividir-­‐se  em  três  modalidades:  
•   Obrigações  de  quantidade  (550º  e  551º);  
•   Obrigações  em  moeda  específica  (552º  a  554º);  
•   Obrigações  em  moeda  estrangeira.  
 
6.4  As  obrigações  de  juros  
 
Caracterizam-­‐se  por  corresponderem  à  remuneração  da  cedência  ou  do  diferimento  da  entrega  de  coisas  
fungíveis  (capital)  por  um  certo  lapso  de  tempo.    
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Podemos  distinguir  dois  tipos  de  juros:  
•   Juros   compensatórios  –   destinam-­‐se   a   proporcionar  ao   credor   um   pagamento   que   compense   uma  
temporária  privação  de  capital,  que  ele  não  deveria  ter  suportado;  
•   Juros   moratórios   –   têm   uma   natureza   indemnizatória   dos   danos   causados   pela   mora,   visando  
recompensar   o   credor   pelos   prejuízos   sofridos,   em   virtude   do   retardamento   no   cumprimento   da  
obrigação  pelo  devedor  (806º).  
 
Os   juros   podem   ser   legais   ou   convencionais.   Sendo   convencionais,   a   lei   impõe   limites   à   liberdade   de  
estipulação  das  partes,  na  medida  em  que  prevê,  no  art.  1146º,  estendido  a  todas  as  obrigações  de  juros  pelo  
art.  559º-­‐A,  a  proibição  dos  juros  excessivos  (usurários).  
Uma   das   regras   importantes   relativas   à   obrigação   de   juros   é   a   proibição   do   anatocismo,   ou   seja,   da  
cobrança  de  juros  sobre  juros,  uma  vez  que  essa  cobrança  poderia  ser  uma  forma  indireta  de  violar  a  proibição  
da  cobrança  de  juros  usurários  (560º).  
O  juro  é  um  acessório  do  crédito.  Em  princípio,  transferido  o  crédito,  transfere-­‐se  o  juro.  Mas  é  admissível  
que  os  juros  sejam  objeto  de  um  negócio  autónomo  (561º).  
 
 
6.5  As  obrigações  solidárias  e  conjuntas  
 
Estes  são  casos  em  que  as  obrigações  se  caracterizam  pela  pluralidade  subjetiva,  isto  é,  por  termos  vários  
credores  ou  vários  devedores.  
 
A  primeira  coisa  que  temos  de  saber  quando  temos  uma  pluralidade  de  sujeitos  é  qual  o  regime  a  aplicar.  
Existem  duas  opções:  
•   Regime  da  conjunção:  artigos  534º  e  ss.  É  o  regime  prioritário  (artigo  513º,  à  contrario).  
•   Regime  da  solidariedade:  artigos  512º  e  ss.  É  o  regime  excecional  (artigo  513º).  
 
6.5.1  A  solidariedade  
 
“A  obrigação  é  solidária,  quando  cada  um  dos  devedores  responde  pela  prestação  integral  e  esta  a  todos  
libera,  ou  quando  cada  um  dos  credores  tem  a  faculdade  de  exigir,  por  si  só,  a  prestação  integral  e  esta  
libera  o  devedor  para  com  todos  eles.”  
(Artigo  512º)  
 
 
 
A  solidariedade  pode  ser:  
•   Ativa:   Quando   existem   vários   credores   solidários.   Nesta   situação,   cada   um   dos   credores   tem   a  
capacidade  de  exigir,  por  si  só,  a  prestação  integral  e  esta  libera  o  devedor  para  com  todos  eles.  O  
credor,  não  obstante  de  ter  outros  credores  iguais  a  si,  pode  dirigir-­‐se  sozinho  ao  devedor  e  fazê-­‐lo  
cumprir  a  prestação  integralmente  perante  si,  com  efeitos  exoneratórios.  
•   Passiva:  Quando  existem  vários  devedores  solidários.  Neste  caso,  cada  um  dos  devedores  responde  
pela  prestação  integral  e  esta  a  todos  libera,  o  que  quer  dizer  que  o  credor  pode  escolher  qualquer  
um  dos  devedores,  podendo  exigir-­‐lhe  a  prestação  integral,  o  que  vai  exonerar  todos  eles  perante  o  
credor.  O  devedor  escolhido  não  tem  o  benefício  da  divisão  da  prestação,  tem  de  cumprir  a  prestação  
integralmente  por  sua  própria  conta.  
Exemplo:  A,  B  e  C,  em  regime  de  solidariedade  devem  1000  a  um  devedor  comum.  Este  pode  exigir  
os   1000   a   qualquer   um   deles.   Assim   que   a   prestação   for   prestada,   todos   os   devedores   ficam  
exonerados,  independentemente  de  qual  delas  a  tenha  cumprido.  
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Artigo  497º:  Responsabilidade  solidária:  “Se  forem  várias  as  pessoas  responsáveis  pelos  danos,  é  solidária  a  
sua  responsabilidade.  
 
O  regime  da  solidariedade  está  dividido  em  três  partes:  
1.   As  regras  gerais  aplicáveis  (artigos  512º-­‐517º)  
2.   Solidariedade  passiva  (artigo  518º-­‐527º)  
3.   Solidariedade  ativa  (artigos  528º-­‐533º)  
 
6.5.1.1  Regras  gerais  
 
Artigo  516º:  “Nas  relações  entre  si,  presume-­‐se  que  os  devedores  ou  credores  solidários  comparticipam  em  
partes  iguais  na  dívida  ou  no  crédito,  sempre  que  da  relação  jurídica  entre  eles  existente  não  resulte  que  são  
diferentes  as  suas  partes,  ou  que  um  só  deles  deve  suportar  o  encargo  da  dívida  ou  obter  o  benefício  do  
crédito”.  
 
Este  artigo  releva  quando  se  fala  no  direito  de  regresso,  isto  é,  o  direito  a  ser  reembolsado  daquilo  que  
pagou  em  excesso/não  recebeu,  em  relação  à  sua  quota.  
Por  exemplo,  na  solidariedade  passiva,  o  devedor  que  paga  por  todos,  tem  direito  a  ser  reembolsado  pelos  
demais   das   suas   partes   respetivas   da   prestação.   Na   solidariedade   ativa,   o   credor   que   receba   tem   de  
reembolsar  os  demais  daquilo  que  lhes  é  devido.  
Deste  modo,  para  sabermos  o  que  foi  pago  ou  recebido  em  excesso,  temos  de  saber  quanto  é  imputável  a  
cada  um.  Se  não  soubermos,  presume-­‐se  que  a  responsabilidade  é  de  todos  de  forma  igual.  
 
6.5.1.2  Solidariedade  passiva  (entre  devedores)  
 
Artigo  518º:  A  exclusão  do  benefício  da  divisão  significa  que  o  devedor  solidário,  sendo  chamado  a  cumprir  a  
totalidade  da  prestação,  tem  que   o  fazer  na   totalidade.  Não  pode  invocar  que  existem  mais  devedores  na  
mesma  posição  que  ele.  
 
Artigo  519º:  O  credor  não  está  vinculado  a  seguir  uma  qualquer  repartição.  Escolhe  livremente  aquele  a  quem  
se  dirige  e  fazendo-­‐o,  pode  exigir  a  totalidade  da  prestação,  ou  apenas  uma  parte  dela.  
Se   o   credor   exigir,   judicialmente,   a   um   dos   devedores   parte   ou   a   totalidade   da   obrigação,   fica   inibido   de  
proceder  judicialmente  contra  os  demais,  até  que  esgote  essa  via.  
Enquanto  a  ação  judicial  estiver  pendente  e  não  se  verificar  nenhum  facto  que  ponha  objetivamente  em  causa  
a  possibilidade  de  sucesso  dessa  obrigação,  ele  não  pode  estar  a  exigir  judicialmente  o  mesmo  crédito  a  outros  
devedores.  
Se  a  ação  acabar  sem  que  consiga  obter  satisfação,  ou  porque  o  devedor  é  insolvente,  ou  por  qualquer  outro  
motivo,  então  fica  de  novo  com  o  caminho  aberto  para  pedir  satisfação  a  qualquer  um  dos  outros.  
è   A  situação  de  apenas  pode  abordar  um  devedor  é  transitória:  só  não  pode  exigir  a  mesma  prestação  
a  dois  devedores  ao  mesmo  tempo.  
 
Artigo  523º:  A  realização  da  prestação  por  inteiro  de  qualquer  um  dos  devedores  extingue  a  obrigação  de  
todos  os  devedores.  
 
Artigo  520º:  Este  artigo  relaciona-­‐se  com  a  questão  da  impossibilidade  imputável  a  um  dos  devedores.  
•   Situação  de  impossibilidade  imputável  a  nenhuma  das  partes:  a  solidariedade  não  é  imputável.  
•   Situação  de  impossibilidade  imputável  ao  credor:  exoneração  de  todos  os  devedores.  

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•   Situação  de  impossibilidade  a  os  devedores:  como  todos  contribuíram  para  a  impossibilidade,  todos  
respondem  solidariamente  pelas  consequências  da  impossibilidade.  
•   Situação   de   impossibilidade   não   imputável   a   todos   os   devedores:   todos   respondem   perante   a  
prestação,   mas   no   que   se   refere   à   indemnização   pelos   danos,   apenas   responde   o   que   criou   a  
impossibilidade  ou,  caso  seja  mais  do  que  um  o  responsável,  responde  o  conjunto  de  responsáveis  
solidariamente.  
 
Artigo  514º:  Existem  meios  de  defesa  comuns  a  todos  os  condevedores  e  meios  de  defesa  pessoais.  
Os  meios  de  defesa  comuns  podem  ser  invocados  por  todo  e  qualquer  devedor,  enquanto  os  meios  de  defesa  
pessoais  são  específicos  a  cada  um  dos  devedores.  
Se  for  invocado  um  meio  de  defesa  geral,  todos  os  devedores  podem  invocá-­‐lo,  por  isso,  todos  podem,  
com  base  nele,  refutar-­‐se  ao  cumprimento  da  obrigação.  
Se   o   meio   de   defesa   invocado   for   pessoal,   o   credor   não   pode   exigir  àquele  devedor  aquela  prestação,  
naquelas  circunstâncias,  mas  pode  continuar  a  fazê-­‐los  aos  demais  (artigo  519º/2  –  direitos  do  credor).  
 
Artigo   521º:   A   prescrição   é   um   meio   de   defesa   com   um   regime   especial.   A   prescrição   determina   a  
transformação   das   obrigações   civis   em   obrigações   naturais   por   efeito   do   decurso   do   tempo.   A   prescrição  
interrompe-­‐se  e  suspende-­‐se,  estando  estas  relacionadas  com  situações  que  são  pessoais.  
Por  estarem  relacionadas  com  situações  pessoais,  numa  obrigação  solidária,  a  obrigação  pode  prescrever  
para   uns   devedores   e   para   outros   não.   Assim,   se   o   credor   vier   exigir   a   prestação   a   um   devedor   cuja  
responsabilidade  ainda  não  está  prescrita,  ainda  que  a  dos  demais  devedores  já  esteja,  este  devedor,  sendo  
interpelado,  vai  ter  direito  de  regresso  dos  demais  devedores.  
Para  isto  tem  que  invocar  a  prescrição  contra  os  condevedores  (521º/2).  
Exemplo:   Uma   obrigação   prescreve   em   20   anos.   Em   relação   a   A   prescreveu   em   2010;   em   relação   a   B  
prescreveu  em  2010;  em  relação  a  C,  por  ter  estado  suspensa  10  anos,  a  obrigação  só  prescreve  em  2020.  Se  
em  2019   o  credor  abordar  C  e  este  cumprir  a  prestação,  continua  a  ter  direito  de  regresso  perante  A  e  B,  
mesmo  que  a  sua  obrigação  já  tenha  prescrito.  
 
Artigos  524º-­‐527º:  Regras  que  permitem  estabelecer  as  contas  que  devem  ser  feitas  entre  os  devedores  
•   524º:  O  devedor  que  satisfazer  o  direito  do  credor  tem  direito  de  regresso  sobre  os  demais  credores  
na  contraparte  que  a  estes  compete.  
•   526º:  Esta  regra  prevê  a  responsabilidade  acrescida  de  cada  um  dos  devedores  em  caso  de  insolvência  
ou  impossibilidade  de  cumprimento  de  algum  dos  devedores  Nestes  casos,  o  devedor  que  pagou  não  
tem  como  reaver  a  parte  do  que  é  insolvente.  O  que  acontece  é  que  a  sua  parte  é  dividida  por  todos  
os  outros  devedores  solidários.  
•   527º:  “A  renúncia  à  solidariedade  a  favor  de  um  ou  alguns  dos  devedores  não  prejudica  o  direito  do  
credor  relativamente  aos  restantes,  contra  os  quais  conserva  o  direito  à  prestação  por  inteiro”.  
 
6.5.1.3  Solidariedade  ativa  (entre  credores)  
 
Esta  é  a  situação  em  que  temos  vários  credores  solidários.  Tendo  nós  vários  credores,  dos  artigos  521º  e  ss    
resulta  que:  
•   Qualquer  um  dos  credores  poe  exigir  do  devedor  a  totalidade  da  prestação  (512º/1);  
•   O  devedor  pode  escolher  o  credor  perante  o  qual  cumprirá  por  inteiro  (528º);  
•   O  cumprimento  do  devedor  junto  de  qualquer  dos  credores  o  exonera  em  relação  a  todos  os  credores  
(532º);  
 

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Artigo  528º:   a   partir   do   momento   em   que   o   devedor   seja   citado   judicialmente   para   cumprir   junto   de   um  
determinado  credor  tem  de  o  fazer.  Se  cumprir  perante  credor  diferente,  não  fica  exonerado  de  cumprir  a  
prestação  perante  o  credor  citado  judicialmente.  
 
Artigo  529º:  Se  a  impossibilidade  for  imputável  ao  devedor,  isso  equivale  a  incumprimento  da  obrigação.  Se  a  
impossibilidade  se  dever  apenas  a  um  dos  credores,  fica  este  obrigado  a  indemnizar  os  demais.  
 
6.5.2  A  conjunção  
 
Ao  contrário  do  que  acontece  na  solidariedade  em  que  o  regime  é  único,  na  conjunção  temos  que  fazer  
uma  distinção  consoante  a  prestação  seja  divisível  ou  não  divisível.  
Também  a  conjunção  pode  ser  passiva  (devedores  em  regime  de  conjunção)  ou  ativa  (credores  em  regime  
de  conjunção).  
Enquanto  na  solidariedade  passiva,  qualquer  devedor  está  adstrito  ao  cumprimento  da  obrigação  total,  na  
conjunção  cada  um  só  está  adstrito  à  concretização  da  parte  que  lhe  compete.  
Na  perspetiva  inversa,  cada  credor,  apenas  pode  exigir  e  apenas  pode  receber  a  parte  do  crédito  que  lhe  
compete.  
Se  a  prestação  for  divisível  é  fácil  dizer  que  cada  devedor  presta  a  sua  parte  e  cada  credor  recebe  a  sua  
parte.  Mas  se  a  prestação  não  for  divisível,  não  é  possível  dividi-­‐la,  não  é  possível  dizermos  que  cada  devedor  
faz  uma  parte  e  cada  credor  recebe  uma  parte.  
 
6.5.2.1  Obrigações  divisíveis  
 
Artigo  534º:  Tendo  crédito  sobre  um  conjunto  de  devedores  e  sendo  a  obrigação  divisível,  cada  um  deles  só  
está   obrigado  a  cumprir   a   parte  que  lhe  toca.  Se  não  soubermos   que  parte   cabe   a   cada   um,   a  lei  manda  
presumir  que  as  partes  são  iguais.  
O   mesmo   funciona   para   a   conjunção   ativa.   Cada   credor   só   pode   exigir   do   devedor   o   que   este   lhe   deve  
individualmente.  O  devedor  só  cumpre  bem  e  se  exonera  junto  de  cada  um  dos  credores  quando  lhes  pagar  a  
parte   que   lhes   compete   individualmente.   Se   não   soubermos   que   parte   compete   a   cada   um,   a   lei   manda  
presumir  que  as  partes  são  iguais.  
Exemplo:  O  credor  tem  um  crédito  de  9000  sobre  os  devedores  A,  B  e  C.  Deve  exigir  3000  a  cada  um,  sendo  
que  cada  um  deles  só  está  obrigado  a  cumprir  esta  parte.  
 
 
 
 
6.5.2.2  Obrigações  indivisíveis  
 
Quando  as  obrigações  não  são  divisíveis  e  estamos  numa  situação  de  conjunção  passiva,  aplicam-­‐se  os  artigos  
535º-­‐537º.  
 
Artigo  535º:  Como  a  obrigação  é  indivisível  não  se  pode  exigir  uma  parte  a  cada  um.  Assim,  a  única  alternativa  
é  dirigir-­‐se  simultaneamente  a  todos  os  devedores,  fazendo-­‐os,  em  conjunto,  praticar  a  prestação  integral.  
Nos  casos  previstos  na  lei  ou  estipulados  pelas  partes,  aplica-­‐se  a  solidariedade.  
 
Artigo  536º:  “Se  a  obrigação  indivisível  se  extinguir  apenas  em  relação  a  algum  ou  alguns  dos  devedores,  não  
fica  o  credor  inibido  de  exigir  a  prestação  dos  restantes  obrigados,  contanto  que  lhes  entregue  o  valor  da  parte  
que  cabia  ao  devedor  ou  devedores  exonerados”  
 

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Artigo  537º:  Se  um   dos  devedores  tornar  impossível  a  prestação  da  realização,  os  outros  devedores  ficam  
exonerados   porque   não   podem   prestar,   mas   o   que   causou   a   impossibilidade   é   que   responde   pelo  
incumprimento  da  prestação  integral.  
 
Quando  as  obrigações  não  são  divisíveis  e  estamos  numa  situação  de  conjunção  ativa,  aplica-­‐se  o  artigo  538º.  
 
Os  credores  conjuntos  podem,  por  si  só,  exigir,  individualmente,  a  totalidade  da  prestação.  O  objetivo  é  
que  não  fiquem  uns  na  dependência  dos  outros,  permitindo-­‐se   que   qualquer   um   promova   a   exigência   do  
cumprimento.   Porém,   para   que   o   devedor   resulte  exonerado   é   necessário   que   cumpra   junto   de   todos   os  
credores.    
Se  houver  situação  judicial,  pode  cumprir  apenas  perante  o  credor  que  tiver  iniciado  o  processo  contra  si.  
 
7.As  fontes  das  obrigações  
 
Existem  quatro  fontes  das  obrigações:  
•   Contratos  
•   Responsabilidade  civil  
•   Gestão  de  Negócios  
•   Enriquecimento  sem  causa  
 
7.1  A  gestão  de  negócios  
 
è   A  gestão  e  negócios  encontra-­‐se  nos  artigos  464º  e  ss.  
 
Artigo  464º  
(Noção  de  Gestão  de  negócios)  
 
“Dá-­‐se  a  gestão  de  negócios  quando  uma  pessoa  assume  a  direção  de  negócio  alheio  no  interesse  e  por  conta  
do  respetivo  dono,  sem  para  tal  estar  autorizada.”  
 
A  ideia  base  é  aquela  em  que  alguém  adota,  pelo  interesse  de  outrem,  um  determinado  comportamento.  
 
 
Subjacente  a  esta  ideia  está  uma  atuação  altruísta:  alguém  atua  sem  um  título  jurídico  que  lhe  imponha  o  
dever  de  atuar  ou  que  autorize  essa  atuação.  Trata-­‐se,  portanto  de  uma  atuação  não  autorizada  na  esfera  
jurídica  alheia.  
Estas  intervenções  costumam  ser  ilícitas  gerando  a  obrigação  de  indemnizar.  Porém,  a  intenção  altruísta  
da   gestão   de   negócios   distingue-­‐a   das   intervenções   demais   intervenções   na   esfera   jurídica   de   terceiros,  
tornando-­‐a  lícita.  
Como  a  gestão  é  altruísta,  regra  geral,  o  gestor  não  tme  direito  a  ser  remunerado  de  qualquer  forma  (artigo  
470º).  Apenas  ressalva  o  caso  em  que  a  gestão  corresponda  ao  exercício  da  atividade  profissional  do  gestor.  
 
 
Exemplo:  O  nosso  vizinho  está  de  férias  e  está  a  chover.  Reparamos  que  tem  uma  telha  partida.  Vamos  nós  
arranjar  o  telhado  para  evitar  infiltrações.  Estamos  a  atuar  movidos  pelo  objetivo  de  satisfazer  a  necessidade  
do  outro.  
 
Requisitos  para  a  gestão  de  negócios  –  artigo  464º:  
 
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1.   Assunção  da  direção  de  negócio  alheio  por  parte  de  um  indivíduo:  uma  determinada  pessoa  interfere  
com   a   esfera  jurídica  alheia,  praticando   um  ato  que,  em  regra,  só  o  outro  poderia  praticar.  O  gestor  
substitui-­‐se  ao  dono  do  negócio,  na  prática  de  determinado  ato,  dirigindo  o  seu  negócio.  
2.   Atuação  no  interesse  do  outro:  A  atuação  não  pressupõe  que  quem  atua  obtenha  um  bem  para  si,  mas  
sim  satisfazer  uma  necessidade  do  dono  do  negócio.  
3.   Atuação   por  conta  de  outrem:   A  atuação  por  conta   de  outrem  pressupõe   que   se   queira   transferir  os  
efeitos  da  nossa  atuação  para      
A  atuação  deve  ser  indiferente  para  o  gestor,  no  sentido  em  que  não  dá  direito  a  qualquer  remuneração  
(artigo  470º).  
4.   A  atuação  é  feita  sem  autorização:  O  gestor  não  pode  estar  autorizado,  seja  de  que  forma  for,  a  praticar  
aquele  ato.    
 
Se  estes  requisitos  não  se  verificarem  cumulativamente,  então  não  estamos  perante  gestão  de  negócios.  
 
 
Artigo  465º:  deveres  do  gestor  
O  gestor  deve:  
a)   Conformar-­‐se  com  o  interesse  a  vontade,  real  ou  presumível,  do  dono  do  negócio,  sempre  que  esta  
não  seja  contrária  à  lei  ou  a  ordem  pública,  ou  ofensiva  dos  bons  costumes;  
b)   Avisar  o  dono  do  negócio,  logo  que  seja  possível,  deque  assumiu  a  gestão;  
c)   Prestar  contas,  findo  o  negócio  ou  interrompida  a  gestão,  ou  quando  o  dono  as  exigir;  
d)   Prestar  a  este  todas  as  informações  da  gestão;  
e)   Entregar-­‐lhe  tudo  o  que  tenha  recebido  de  terceiros  o  exercício  da  gestão  ou  o  saldo  das  respetivas  
contas,  com  os  juros  legais,  relativamente  às  quantias  em  dinheiro,  a  partir  do  momento  em  que  a  
entrega  haja  de  ser  efetuada;  
466º)     O  gestor  não  pode  interromper  injustificadamente  a  gestão  a  que  tenha  dado  início.  
Caso  o  faça,  fica  sujeito  a  indemnizar  o  dono  do  negócio.  
 
A  alínea  a)  é  essencial  pra  fazer  a  distinção  entre  gestão  regular  e  irregular:  
•   Gestão  regular:  é  conforme  ao  interesse  ou  à  vontade,  real  ou  presumível,  do  dono  do  negócio;  
•   Gestão  irregular:  é  desconforme  ao  interesse  ou  à  vontade,  real  ou  presumível,  do  dono  do  negócio.  
Esta  distinção  é  fundamental  uma  vez  que  que  as  consequências  da  gestão  de  negócios  são  distintas  consoante  
estejamos  perante  uma  gestão  regular  ou  irregular.  
 
 
 
A  alínea  a)  também  utiliza  o  termo  “interesse”.  Porém,  esta  utilização  toma  um  sentido  diferente  do  termo  
“interesse”  utilizado  no  artigo  464º.  
è   No  artigo  465º,  o  “interesse”  aponta  para  uma  apreciação  objetivamente  valiosa  da  necessidade  que  
é  satisfeita.  O  que  se  pretende  é  uma  avaliação  da  necessidade.  
 
 
  •   Para   que   a   gestão   seja   regular,   é   necessário   que   esta   avaliação  
  objetiva   da   necessidade   permita   concluir   que   aos   olhos   do  
  Ordenamento   Jurídico   esta   é   uma   atuação   valiosa   que   a  
  generalidade  das  pessoas  valoraria  e  procuraria  satisfazer  de  alguma  
  forma.  
  •   Se  objetivamente  apreciada,  a  necessidade  que  o  gestor  visou  suprir  
  não  for  valiosa,  então  temos  uma  gestão  irregular.  
 
 
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Exemplo:  Alguém  vai  de  férias  de  verão  e  pede  ao  vizinho  para  tratar  do  seu  cão.  O  vizinho  fá-­‐lo,  mas  a  certa  
altura  pensa  que  está  frio  e  que  o  cão  precisa  de  uma  camisola  e  vai  comprá-­‐la.  Atua  por  pensar  que  esta  é  
uma   necessidade   que   o   vizinho   tinha,   porém,   quando   avaliada   objetivamente,   esta   atuação   não   é  
objetivamente  valiosa,  na  medida  que  a  maioria  das  pessoas  não  optaria  por  a  realizar.  
 
Artigo  467º:  Havendo  vários  gestores,  a  responsabilidade  entre  eles  é  solidária.  
 
Artigo  468º:  deveres  do  dono  do  negócio  
As  obrigações  do  dono  do  negócio  são  diferentes  consoante  esta  seja  regular  ou  irregular:  
 
•   Gestão  regular:  aplica-­‐se  o  nº1  do  artigo.  Neste  caso,  o  gestor  tem  direito  a  ser  reembolsado  pelas  
despesas  que  tenha  feito   com  vista  à  satisfação,  e  a   ser  indemnizado   por   eventuais   prejuízos   que  
tenha   sofrido   pela   sua   atuação.   O   reembolso   e   a   indemnização   só   são   feitos   na   medida   do  
indispensável.   Isto   é,   o   gestor   só   tem   direito   a   ser   reembolsado   pro   aquilo   que   tenha   gasto  
indispensavelmente  e  só  tem  direito  a  ser  ressarcido  pelo  prejuízo  que  tenha  tido  no  pressuposto  de  
uma  gestão  exemplar.  
è    Mesmo  que  a  gestão  seja  irregular,  se  for  aprovada,  aplica-­‐se  este  regime.    
Aprovação:  ato  pelo  qual  o  dono  do  negócio,  depois  de  ter  tomado  conhecimento  da  gestão,  a  aprove,  
ou  seja,  manifeste  a  sua  concordância  em  relação  a  ela.  
 
•   Gestão  irregular:  aplica-­‐se  o  nº2  do  artigo.  Neste  caso,  “o  dono  do  negócio  apenas  tem  que  responder  
perante  o  gestor  segundo  as  regras  do  enriquecimento  sem  causa”.  Isto  é,  o  gestor  apenas  vai  poder  
reclamar  aquilo  com  que  tenha  contribuído  para  o  enriquecimento  do  dono  do  negócio.  Aquilo  que  
tenha   empobrecido   ou   perdido   com   a   gestão   é   irrelevante.   Só   tem   direito   a   ser   compensado   na  
medida  em  que  contribuiu  para  o  enriquecimento  do  dono  do  negócio.  
 
Importa  não  confundir  a  aprovação  com  a  ratificação  que  o  dono  do  negócio  faça  sobre  alguns  dos  negócios  
celebrados  pelo  gestor.  Pode  haver  aprovação  da  gestão,  mas  não  haver  ratificação  de  determinado  contrato  
realizado  no  exercício  da  gestão;  pode  haver  ratificação  de  contratos  celebrados  no  exercício  da  gestão  e  não  
haver  aprovação  da  gestão.  
 
Exemplo  1:  O  dono  do  negócio  pode  estar  de  acordo  com  a  gestão  no  geral,  mas  ser  contra  um  contrato  que  
foi  celebrado.  Pode  aprovar  a  gestão  com  os  efeitos  do  469º,  mas  recusar  a  ratificação,  pelo  que  o  negócio  se  
torna  ineficaz  nos  termos  do  471º.  
 
Exemplo  2:  A  gestão  no  todo  não  merece  a  sua  aprovação,  mas  ato  x  em  concreto  é  do  seu  agrado.  Não  aprova  
a  gestão,  mas  ratifica  o  ato  x,  assumindo-­‐o  nos  termos  do  268º  
 
Quando   o   gestor   assume   a   condução   do   negócio,   vai   praticar   variadíssimos   atos   de   diferentes  
características  e  naturezas.  Pode  praticar  atos  jurídicos,  celebrar  contratos…  
Ao  praticar  estes  atos  está  a  envolver  na  gestão  de  negócios  terceiros,  cuja  posição  é  regulada  pelo  artigo  
471º.  
Deste  artigo  resulta  que  para  sabermos  quais  os  efeitos  associados  aos  negócios  jurídicos  celebrados  pelo  
gestor  no  exercício  da  gestão,  temos  de  ver  se  este  atuou  em  nome  próprio,  não  fazendo  qualquer  referência  
ao  dono  do  negócio,  ou  se  atuou  em  nome  do  dono  do  negócio.  
 
è   Atuação  em  nome  do  dono  do  negócio:  Neste  caso  temos  uma  gestão  representativa.  O  gestor  atua  
em  nome  do   dono   do   negócio,  pelo  que  se  aplica  o  artigo   268º.   Porque  atua  sem  autorização,  se  
invocar  a  qualidade  de  representante,  estará  a  invocar  uma  representação  que  não  tem.  Daí  que  se  
aplique  o  artigo  268º,  segundo  o  qual  o  negócio  se  torna  ineficaz.  
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è   Atuação  em  nome  próprio:  Neste  caos  temos  uma  gestão  não  representativa.  O  gestor  atua  em  nome  
próprio,  pelo  que  os  negócios  que  celebre  produzem  efeitos  na  sua  esfera  jurídica.    
No   entanto,   sabemos   que   o   gestor   atua   por   conta   do   dono   do   negócio,   aplicando-­‐se   o   regime   do  
mandato  sem  representação.  Aplicam-­‐se  os  artigos  1180º  e  ss.  
 
Artigo  1180º  
Mandatário  que  age  em  nome  próprio  
O  mandatário,  se  agir  em  nome  próprio,  adquire  os  direitos  e  assume  as  obrigações  decorrentes  dos  atos  que  
celebra,   embora   o   mandato   seja   conhecido   dos   terceiros   que   participem   nos   atos   ou   sejam   destinatários  
destes.  
 
Num  primeiro  momento,  todos  os  efeitos  jurídicos  se  produzem  na  esfera  jurídica  do  gestor,  no  entanto,  por  
atuar  por  conta  de  outrem,  os  efeitos  devem  vir  a  ser  transferidos  para  o  dono  do  negócio.  Essa  
transferência  fica  ao  encargo  do  gestor.  
 
 
Artigo  1182º  
Obrigações  contraídas  em  execução  do  mandato  
 
O  mandante  deve  assumir,  por  qualquer  das  formas  indicadas  no  nº1  do  artigo  595º,  as  obrigações  contraídas  
pelo   mandatário   em   execução   do   mandato;   se   não   puder   fazê-­‐lo,   deve   entregar   ao   mandatário   os   meios  
necessários  para  as  cumprir  ou  reembolsá-­‐lo  do  que  este  houver  despendido  nesse  cumprimento.  
 
 
Este  artigo  impõe  ao  mandante  (dono  do  negócio)  que  assuma  o  regime  da  assunção  de  dívida,  portanto  
que  assuma  as  obrigações  que  tenha  assumido  no  decurso  da  gestão.  Aquelas  que  não  puderem  ser  assumidas  
devem  ser  reembolsadas.  
Deve  fazer-­‐se  uma  leitura  restritiva  deste  artigo  porque  não  faz  sentido  impormos  ao  dono  do  negócio  que  
assuma  obrigações  pelas  quais  ele  não  fosse  responsável  nos  termos  do  artigo  468º.  
Devemos,  assim,  restringir  o  1182º,  dizendo  que  o  dono  do  negócio  deve  assumir  todas  as  obrigações  pelas  
quais  fosse  responsável  nos  termos  do  artigo  468º.  
Todas  as  responsabilidades  pelas  quais  não  possa  ser  responsabilizado  não  têm  de  ser  por  ele  assumidas.  
 
 
7.2  O  enriquecimento  sem  causa  
 
è   Está  previsto  nos  artigos  473º  e  ss.  
 
Este  instituto  tem  como  base  duas  pessoas:  
•   Uma  que  vê  sair  qualquer  coisa  da  sua  esfera  jurídica  –  o  empobrecido;  
•   Uma  que  vê  entrar  uma  vantagem  na  sua  esfera  jurídica  –  o  enriquecido;  
 
Se  há  determinado  valor  que  sai  da  esfera  do  empobrecido  para  entrar  na  esfera  do  enriquecido,  torna-­‐se  
necessário  perguntar  o  porquê.    
No  nosso  ordenamento  jurídico,  as  transferências  patrimoniais  têm  de  ter  uma  causa  e  de  ser  justificadas.  
Quando  não  se  encontra  justificação,  temos  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa,  que  impõe  a  obrigação  
de  o  enriquecido  restituir  o  empobrecido.  
A  obrigação  de  restituição  aparece  como  uma  forma  de  corrigir  uma  consequência  que  o  Ordenamento  
Jurídico  não  quer  aceitar,  mas  que  não  tem  outra  forma  de  desfazer.  Este  instituto  funciona,  assim,  como  uma  

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rede  de  segurança  última,  para  que  não  se  consolidem  situações  que  são  de  manifesta  injustiça  e  para  as  quais  
não  temos  outra  solução.  Assim,  a  sua  aplicação  é  reduzida.  
 
 
Artigo  474º:  Este  artigo  afirma  a  natureza  subsidiária  do  enriquecimento  sem  causa.  Assim,  não  há  lugar  à  
restituição  quando  “a  lei  facultar  ao  empobrecido  outro  meio  de  ser  indemnizado  ou  restituído,  negar  o  direito  
à  restituição  ou  atribuir  outros  efeitos  ao  enriquecimento”.  Se  houver  outra  norma  que  exclua  a  restituição  
ou  que  atribua  outros  efeitos  à  deslocação  patrimonial,  não  se  aplica  o  enriquecimento  sem  causa.  
 
7.2.1  A  compensação  
Artigo  479º  
(Objeto  da  obrigação  de  restituir)  

1.   A  obrigação  de  restituir  fundada  no  enriquecimento  sem  causa  compreende  tudo  quanto  se  tenha  
obtido   à   custa   do   empobrecido   ou,   se   a   restituição   em   espécie   não   for   possível,   o   valor  
correspondente.  
2.   A  obrigação  de  restituir  não  pode  exceder  a  medida  do  locupletamento  à  data  da  verificação  de  algum  
dos  factos  referidos  nas  duas  alíneas  do  artigo  seguinte.  
 
A  doutrina  mais  tradicional  dizia  que  para  sabermos  o  valor  que  o  enriquecido  deve  restituir,  devemos  
recorrer  à  teoria  do  duplo  limite.  
Esta   teoria   diz   que   temos   de   olhar,   individualmente,   para   a   esfera   jurídica   do   enriquecido   e   do  
empobrecido  e  vermos  quanto  o  enriquecido  enriqueceu  (valor  do  enriquecimento),  e  para  a  esfera  jurídica  
do  empobrecido  e  ver  quanto  é  que  ele  empobreceu  (valor  do  empobrecimento).    
Ficava-­‐se,   assim,   com   dois  limites,  o  do  enriquecimento  e  o  do  empobrecimento.  A  restituição  deveria  
corresponder  ao  mais  baixo  desses  valores.  
Esta   teoria   é   problemática   porque   não   permite   resolver   satisfatoriamente   todos   os   problemas.   É   que  
podemos  ter  alguém  a  adquirir  vantagens  sem  que  se  verifique  no  outro  um  empobrecimento.  Há  sempre  um  
enriquecido,  mas  pode,  nem  sempre,  haver  um  empobrecido.  
 
Exemplo:  Uma  pessoa  tem  uma  casa  de  férias  onde  só  está  um  mês  por  ano.  Uma  pessoa  sabe  disso  e  então  
vive   lá   durante   os   11   meses   em   que   a   casa   está   desabitada   e   sai   no   mês   em   que   o   dono   lá   vai.   Faz   um  
aproveitamento  da  casa  de  11  meses.  
Está,  efetivamente,  a  retirar  as  utilidades  patrimoniais  e  que  manifestamente  não  lhe  eram  dirigidas.  A  
utilidade  que  a  coisa  propícia  está  dirigida  ao  seu  proprietário  e  não  a  outros.  
Não  se  pode  aplicar  a  responsabilidade  civil  porque  não  há  danos.  Existe,  assim,  um  aproveitamento  da  
utilidade  da  coisa  por  alguém  a  que  essa  utilidade  não  foi  dirigida.  Se  não  houver  outra  solução  vamos  para  o  
enriquecimento  sem  causa.  
 
A  teoria  do  duplo  limite  não  serve  nestas  situações  em  que  não  se  consegue  quantificar  o  empobrecimento.  
Quando  se  fala  do  empobrecimento  olha-­‐se  para  a  esfera  jurídica  do  empobrecido  e  o  artigo  479º  não  manda  
olhar  para  o  empobrecido,  mas  sim  para  o  enriquecido.  
 
Segundo  o  artigo  479º,  se  possível,  a  restituição  deve  ser  feita  em  espécie  –  restituição  da  própria  coisa  
que  se  tenha  deslocado.  Caso  contrário,  procede-­‐se  ao  valor  correspondente.  Neste  ultimo  caso,  é  importante  
saber  como  fazer  o  cálculo  dessa  compensação.  
 
Para  fazer  essa  compensação  temos  de  estar  perante:  
•   Uma  situação  de  enriquecimento  sem  causa;  
•   Uma  situação  em  que  a  restituição  não  seja  possível;  
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O  artigo  479º,  que  aborda  a  questão,  refere  vários  aspetos:  
è   Tem  de  se  restituir  tudo  quando  tenha  sido  obtido  à  custa  do  empobrecimento;  
è   A  obrigação  de  restituir  não  pode  exceder  a  medida  do  locupletamento  à  data  de  verificação  de  algum  
dos  seguintes  factos:  
o   Ter  sido  o  enriquecido  citado  judicialmente  para  a  restituição;  
o   Ter  ele  conhecimento  da  falta  de  causa  do  seu  enriquecimento  ou  da  falta  do  efeito  que  se  
pretendia  obter  com  a  prestação;  
Isto  é,  o  momento  no  qual  se  vai  medir  o  enriquecimento  para  proceder  à  restituição,  é  o  primeiro  
destes  momentos  que  se  verifique.  
 
O  limite  máximo  da  compensação  é  o  valor  do  enriquecido.  Mas  depois,  tem  que  se  saber  até  que  ponto  a  
vantagem  patrimonial  foi  obtida,  ou  não,  à  custa  do  enriquecimento,  ou  seja,  à  custa  do  empobrecido.  
Enquanto   para   medir   o   enriquecimento   olhamos   para   a   esfera   do   enriquecido,   para   medir   o  
empobrecimento,  olhamos  para  a  esfera  do  empobrecido.  
 
Vamos,  assim,  comparar  os  patrimónios  antes  e  depois  da  transferência  patrimonial.  
 
Como   já   foi   visto   anteriormente,   pela   teoria   do   duplo   limite,   a   restituição   seria   igual   ao   menor   destes  
valores.  
Podemos  sujeitar  esta  teoria  a  duas  críticas:  
 
1.   Não  é  certo  que  o  artigo  479º  nos  mande  olhar  para  o  empobrecido.  Se  virmos  este  artigo,  todo  o  
regime  do  enriquecimento  sem  causa,  costuma  colocar-­‐se  na  perspetiva  do  enriquecido.  Na  verdade,  
não  encontramos  nada  neste  artigo  que  nos  oriente  no  sentido  de  que  devemos  deixar  de  olhar  para  
a  medida  do  enriquecimento,  para  passarmos  a  considerar  também  o  empobrecimento.  
 
2.   “à   custa   do   empobrecido”   não   significa,   necessariamente,   o   empobrecimento   à   custa   do  
empobrecido,  até  porque  este  pode  não  existir.  Para  isso,  podemos  pensar  em  duas  situações:  
 

a.   Situações  de  enriquecimento  sem  causa  em  que  uma  pessoa  usufrui  de  vantagens  que  não  
lhe  eram  destinadas  sem  que  se  verifique  do  outro  lado  um  empobrecimento.  
Ex:  alguém  utiliza  a  casa  de  outrem  sem  que  este  saiba  quando  o  proprietário  não  a  utiliza.  
 
b.   Situações  que  podem  contribuir  para  beneficiar  de  forma  errada  o  empobrecido.  Nem  tudo  
aquilo  que  o  enriquecido  enriquece  se  deve  ao  empobrecido.  O  enriquecimento  verificado  
pode  ter  inerente  a  exploração  de  um  valor  imanente  que  já  pertencia  ao  enriquecido.  
Ex:  dois  vizinhos  têm  terrenos  contíguos.  Um  pensando  que  está  a  construir  no  seu  terreno,  
constrói   uma   piscina,   mas   no   terreno   do   outro,   que   passa,   assim,   a   ter   uma   piscina.  
Consequentemente,  a  sua  casa  valoriza-­‐se  em  50mil€.  
A  gastou  10mil€  na  piscina,  mas  B  encontra  um  empreiteiro  que  lhe  diz  que  em  condições  
normais,  a  piscina  custaria  5mil€,  o  que  pressupõe  que  A  foi  enganado  ou  se  informou  mal.  
O  valor  do  enriquecimento  é  de  apenas  5mil€,  que  é  o  valor  que  tem  de  ser  restituído.  Se  A  
fosse  restituído  em  10mil€,  estaria  a  ser  beneficiado,  uma  vez  que  B  só  foi  beneficiado  em  
5mil€.  
Imagine-­‐se  que  a  piscina  não  fazia  sentido  neste  local,  pelo  que  a  casa  apenas  valorizava  2mil€.  
Então,  a  restituição  seria  de  2mil€,  que  é  o  valor  mais  baixo  dos  dois  valores  (5mil€/2mil€)  
 
É  do  artigo  480º,  que  retiramos  o  momento  relevante  para  medir  a  restituição.  

48  
 
Além  de  fixar  estes  momentos,  prevê  um  agravamento  da  situação  de  restituição  que  passa  a  incluir,  a  
partir  destes  momentos,  o  perecimento  ou  deterioração  da  coisa.  
Até  um  dos  momentos  definidos  neste  artigo,  o  enriquecido  só  responde  no  âmbito  do  479º,  mas  se  não  
fizer  a  restituição  no  primeiro  momento  indicado  pelo  480º,  a  obrigação  deixa  de  ser  apenas  de  restituir  o  que  
se  transferiu  já  que  a  obrigação  de  restituir  se  agrava  pelos  danos  causados  à  outra  parte.  
Até  ao  momento  em  que  o  enriquecido  se  apercebe  que  vai  ter  de  fazer  a  restituição,  o  enriquecido  está  
como   que   numa   situação   protegida,   sendo   que   em   qualquer   caso   apenas   tem   de   restituir   aquilo   que  
efetivamente  tenha  recebido.  
Porém,  após  a  verificação  de  um  dos  dois  momentos  definidos  no  artigo  480º,  o  que  tem  a  obrigação  de  
restituir   deve   ser   diligente   na   utilização   da   coisa.   Se   a   destruir,   tem   de   fazer   a   sua   restituição   e   tem   de  
responder  pela  deterioração  da  coisa.  Se  a  coisa  se  deteriorar  antes  de  um  destes  dois  momentos,  não  tem  
de  responder  pela  sua  deterioração.  
 
Temos  um  primeiro  momento:  o  momento  em  que  se  verifica  o  enriquecimento,  ou  seja,  em  que  há  a  
deslocação  patrimonial  da  esfera  do  empobrecido  para  o  enriquecido.  
Daqui   em   diante   abre-­‐se   um   lapso   de   tempo   que   só   acaba   quando   o   enriquecido   seja   judicialmente  
notificado,  ou  quando  o  enriquecido,  por  outra  qualquer  via,  se  aperceba  que  não  tinha  nenhuma  razão  para  
que  a  deslocação  patrimonial  tenha  ocorrido  (artigo  480º).  
O  momento  para  medir  o  enriquecimento  vai  ser  o  primeiro  destes  momentos  que  se  verificar.  
 

 
 
Exemplo:  A  paga  1000  a  B.  Passado  um  ano,  dá-­‐se  um  dos  momentos  referidos  no  480º.  
Durante  esse  ano  o  dinheiro  foi  posto  a  render  10%  por  ano  num  depósito.  Assim,  no  momento  em  que  se  vai  
medir  o  enriquecimento,  vai  ter  de  ser  restituir  1100.  
Se  o  dinheiro  tivesse  sido  investido  em  ações  e  tiver  perdido  metade  do  seu  valor  durante  o  ano,  a  medida  de  
enriquecimento  vai  ser  500.  
Do  momento  da  medida  do  enriquecimento  em  diante  já  não  é  assim,  porque  B  já  sabe  que  tem  de  restituir.  
A  partir   daí,   tem  de  deixar  de  considerar  que  aquela  é  uma  coisa  sua  e  que   não  tem  de  prestar   contas  e  
ninguém  acerca  dela.  Tem  de  passar  a  medir  o  seu  interesse  e  o  interesse  do  outro.  Assim,  pelo  que  aconteça  
do   momento   da   medida   do   enriquecimento   em   diante,   o   enriquecido   já   vai   ser   responsável.   Se   tem   a  
possibilidade  de  receber  frutos  e  não  o  faz,  tem  de  compensar  o  empobrecido  por  não  o  ter  feito,  por  exemplo.  
Há  um  agravamento  da  obrigação.  Agravamento  porque  vai  responder  acrescidamente  em  relação  ao  que  
tem  de  restituir.  
 
Artigo  476º:  Há  repetição  do  indevido  quando  alguém  cumpre  uma  obrigação  que  afinal  não  existia.    
Eu  penso  que  sou  devedor  de  alguém,  e  então  realizo  a  prestação  que  julgo  que  me  é  exigível.  Quando  realizo  
a  prestação,  estou  a  provocar  a  transferência  patrimonial  para  a  esfera  jurídica  de  outro,  pensando  que  tenho  

49  
 
uma   obrigação   em   fazê-­‐lo.   Se   afinal,   verificar   que   essa   obrigação   não   existe,   a   causa   que   justifica   a  
transferência  não  existe.    
Deste  modo,  de  acordo  com  o  artigo  476º,  o  que  eu  prestei  deve  ser  restituído.  
è   No  nº3  temos  uma  situação  em  que  se  cumpre  bem  junto  do  credor,  mas  que  a  prestação  é  feita  
antecipadamente,   porque   se   julga   que   a   obrigação   já   está   vencida.   O   devedor,   nestas   situações,  
perdeu  o  valor  que  o  tempo  tem.    
-­‐  Se  o  erro  for  não  desculpável,  não  há  nada  a  fazer.  
-­‐  Se  o  erro  for  desculpável,  o  devedor  tem  direito  a  exigir  do  credor  aquilo  em  que  este  enriqueceu  
por  efeito  do  cumprimento  antecipado.  Não  pode  exigir  a  restituição  da  prestação,  mas  pode  exigir  
a  compensação  nos  termos  do  479º  pelo  enriquecimento  que  teve  em  ter  recebido  hoje  aquilo  que  
só  lhe  era  devido  no  futuro.  
 
Artigo  477º:  Trata  das  situações  em  que  uma  pessoa  cumpre  a  obrigação  de  outrem  julgado  que  a  obrigação  
é  sua.    
è   Se  o  erro  for  desculpável,  o  credor  deve  restituir  o  que  foi  prestado  pelo  devedor  em  erro.  
è   Se  o  erro  for  não  desculpável  ou  quando  a  restituição  causasse  prejuízo  ao  credor  por,  no  seguimento  
do  pagamento,  ter  prescindido  de  direitos  que  tinha  conta  o  verdadeiro  devedor,  não  há  restituição.  
 
Artigo  478º:  Este  artigo  distingue-­‐se  do  anterior  pelo  facto  de  no  artigo  477º,  a  obrigação  ser  de  um  terceiro,  
mas  o  devedor  pensar  que  é  própria.  No  artigo  478º,  o  devedor  sabe  que  a  obrigação  é  de  terceiro,  mas  pensa  
que  está  obrigado  a  cumprir.    
Neste  caso,  não  há  direito  de  repetição  contra  o  credor,  mas  apenas  o  direito  de  exigir  do  devedor  exonerado  
aquilo  com  que  este  injustamento  se  locupletou,  exceto  se  o  credor  conhecia  o  erro  ao  receber  a  prestação.  
 
Artigo  481º:   Estamos  perante  a  situação  em  que   o  enriquecido  dispõe  da  coisa  que  deveria  restituir.  Nos  
termos  do  regime  do  enriquecimento  sem  causa,  o  enriquecido  deveria  restituir  uma  determinada  coisa,  mas  
antes  de  fazer  a  restituição  dispõe  dela  em  favor  de  terceiro.    
Primeiro,  temos  de  ver  se  a  disposição  foi  onerosa  ou  gratuita:  
è   Se  a  disposição  foi  onerosa,  a  coisa  foi  substituída  no  património  do  enriquecido  pela  contrapartida  
paga  pelo  terceiro.  O  que  ele  enriqueceu  deixou  de  ser  a  coisa,  para  passar  a  ser  a  contrapartida  que  
por  ela  recebeu.  A  obrigação  de  restituição  que  tinha  por  objeto  a  coisa,  passa  a  ter  como  objeto  a  
contrapartida.  
Se   o   valor   da   contrapartida   for   inferior   ao   da   coisa   prestada,   temos   de   distinguir   se   a   disposição  
ocorreu  antes  ou  depois  dos  momentos  a  que  faz  referência  o  480º:  
o   Se  ocorreu  antes  não  há  nada  a  fazer;  
o   Se  aconteceu  depois,  é  por  culpa  do  enriquecido  que  há  destruição  do  valor,  pelo  que  terá  de  
responder   perante   o   empobrecido   não   apenas   pelo   valor   do   seu   enriquecimento,   mas  
também  pela  destruição  do  valor;  
è   Se   a   disposição   for   gratuita,   a   coisa   que   deveria   ser   restituída   desaparece   do   património   do  
enriquecido  sem  que  nele  entre  qualquer  contrapartida,  o  que  significa  que  depois  da  alienação,  o  
enriquecimento  vai  ser  zero.  
Deve  distinguir-­‐se  se  a  alienação  ocorreu  antes  ou  depois  dos  momentos  a  que  faz  referência  o  480:  
o   Se  ocorreu  antes,  o  empobrecido  nenhum  direito  tem  contra  o  enriquecido,  podendo  apenas  
dirigir-­‐se  ao  terceiro,  o  adquirente,  pedindo  aquilo  pelo  qual  o  terceiro  tenha  enriquecido.  É  
como  se  o  dever  de  restituição  se  tivesse  transferido.  O  adquirente  fica,  portanto,  obrigado  a  
restituir  na  medida  do  sue  próprio  enriquecimento.  
o   Se   a   alienação   depois,   o   enriquecido   é   responsável   pela   destruição   do   valor   do  
enriquecimento.  
 
 
50  
 
O  regime  do  enriquecimento  sem  causa  tem  associado  um  regime  especial  de  prescrição  no  artigo  482.  O  
prazo  de  prescrição  ordinária  é  de  20  anos.  
 
Exemplo:  a  partir  do  momento  do  enriquecimento  conta-­‐se  20  anos.  Pode  acontecer  que  o  prazo  prescreva  
antes  desses  20  anos.  Por  exemplo,  se  ao  fim  de  cinco  anos,  o  empobrecido  tem  conhecimento  do  direito  que  
lhe  assiste,  a  prescrição  termina  3  anos  a  partir  desse  momento.  O  direito  prescreve  no  primeiro  destes  dois  
prazos.  
 

 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

51  
 
 
 
 

8.  Casos  práticos  e  outros  Elementos  para  as  Aulas  práticas  


 
10  –  A,  dona  de  uma  joia,  celebrou  com  B  um  contrato  de  depósito  da  mesma  por  um  ano,  com  início  a  1  de  
fevereiro;  a  título  de  remuneração  foi  ajustada  a  quantia  de  120€.  
A  obrigação  a  cargo  de  B  foi  garantia  pelo  penhor  de  um  anel  constituído  por  C.  
a)   Em   outubro,   C   vendeu   a   D   o   anel   objeto   do   penhor;   D   exige   a   B   a   imediata   entrega   do   anel  
empenhado,  pelo  que  este  pretende  saber  se  pode  entregar  a  joia  a  A  e  exigir  o  imediato  pagamento  
dos  120€  acordados.  
R:  O  penhor  não  se  extingue  por  venda  da  coisa,  pelo  que,  não  há  diminuição  das  garantias  e,  portanto,  não  
há  perda  do  benefício  do  prazo  (780º,  nº1).  Não  havendo  perda  do  benefício  do  prazo,  o  credor  não   tem  
direito  a  exigir  imediatamente  o  pagamento  dos  120€.  
Além   disso,   mesmo   que   neste   caso   a   venda   da   coisa   resultasse   numa   diminuição   das   garantias,   este  
comportamento  não  é  imputável  ao  devedor,  mas  sim  a  terceiro,  pelo  que  não  há  perda  do  benefício  do  prazo  
conforme  resulta  do  art.  780º,  nº1.  O  benefício  do  prazo  continua  a  ser  para  o  devedor  (779º).  
b)   Em  31  de  dezembro,  A  apresentou-­‐se  a  B  para  exigir  a  entrega  da  joia  objeto  de  depósito,  mas  B  
recusa-­‐se  a  entregar-­‐lha  porque  o  depósito  fora  celebrado  por  1  ano.  A  verdadeira  razão  estava,  
porém,  no  facto  de  B  ter  alugado  a  joia  a  D  para  o  “réveillon”.  
R:  Neste  caso,  a  exigência  da  obrigação  imediata  não  representa  para  o  devedor  (B)  nenhuma  desvantagem.  
Antes  pelo  contrário,  o  devedor  liberta-­‐se  de  dois  meses  de  obrigação  e  recebe  na  mesma  a  totalidade  do  
preço.   Por   isso,   ilidimos   a   presunção   do   art.   779º,   o   que   significa   que   A   pode   exigir   a   entrega   da   coisa   a  
qualquer  momento.    
O  que  A  não  pode  fazer  é  modificar  a  sua  obrigação  (o  pagamento  dos  120€).  
Art.  1194  º  -­‐  o  prazo  é  estabelecido  a  favor  do  depositante.  
c)   Em  janeiro  do  ano  imediato,  A  pretende  a  restituição  da  joia,  propondo-­‐se  pagar  a  B  apenas  110€,  
uma  vez  que  não  esgotara  o  prazo  previsto  no  contrato.  
R:  A  não  pode  modificar  a  sua  prestação.  Para  isso  tem  de  haver  justa  causa  (1194º).  
12  –  Numa  deslocação  ao  Porto,  A  residente  em  Lisboa,  vendeu  a  B  o  seu  automóvel,  que  guardava  numa  
garagem  de  recolha  em  Cascais,  pelo  preço  de  10.000€,  a  pagar  em  4  prestações  mensais  de  igual  valor.  
Ficou  acordado  que  o  vencimento  da  1º  prestação  seria  em  10  de  março,  data  em  que  o  carro  seria  entregue.  
A  vendeu  a  B  a  sua  vivenda  na  Foz,  por  500.000€,  por  escritura  lavrada  num  cartório  notarial  da  cidade  do  
Porto,  ficando  este  devedor  de  metade  do  preço.    
a)   Em  10  de  março,  B  quer  pagar  a  A  2500€.  Onde  o  deve  fazer?  Onde  deve  A  entregar  o  automóvel?  
R:  O  carro  deve  ser  entregue  em  Cascais  (773º,  nº1).  O  dinheiro  deve  ser  entregue  no  lugar  e  tempo  da  entrega  
da  coisa  (885º).  
b)   A  não  quer  entregar  o  automóvel  e  exige  a  B  o  pagamento  dos  2500€.  
R:  Se  A  não  aparece  no  dia  10  de  março  em  cascais,  há  incumprimento.  Há  também,  simultaneamente,  mora  
do  devedor  e  mora  do  credor,  dependendo  da  obrigação  sobre  a  qual  estejamos  a  perspetivar.    

52  
 
A  não  quer  entregar  o  carro,  mas  exige  o  pagamento  dos  2500€.  Não  pode  fazê-­‐lo,  pois  está  em  mora  do  
devedor.    
Se  A  não  entrega  o  automóvel,  B  pode  invocar  a  exceção  de  não  cumprimento  (428º).  Pode,  eventualmente,  
ter  direito  a  uma  indemnização  pelos  danos  causados.  
c)   Em  10  de  março,  B  pagou,  contra  a  entrega  do  carro,  2500€  a  A,  mas  em  10  de  abril  nada  paga.  
R:  B  está  em  mora  do  devedor  relativamente  à  2º  prestação.  Fica  obrigado  a  indemnizar  o  credor  pelos  danos  
que   lhe   tenha   causado   (804º).   Fica   também   obrigado   a   pagar   juros   moratórios   porque   a   sua   obrigação   é  
pecuniária  (806º).  
Além   disso,   a   falta  da  realização  de  uma  prestação,   importa   o   vencimento   de   todas   as   outras   (781º),   sem  
prejuízo  do  disposto  no  art.  934º.  
d)   Considerando   o   descrito   na   hipótese   anterior,   A   exige   a   B   os   7500€.   C   apresenta-­‐se   para   pagar  
5000€.  
R:  O  facto  de  ser  um  terceiro  a  oferecer  o  cumprimento  é  irrelevante  (767º  +  768º).  
A  pode   aceitar   o  pagamento  oferecido  por  C   ou  pode  recusar  com  o  fundamento  de  que  o   cumprimento  
oferecido  é  apenas  parcial  (763º).  Neste  momento,  porque  B  está  em  mora  e  dado  que  por  essa  razão  as  
prestações  em  falta  venceram,  A  tem  direito  a  exigir  a  totalidade  do  preço.  Como  tal,  não  é  obrigado  a  receber  
o  cumprimento  parcial.  
e)   B  envia,  no  final  de  março,  a  A  um  cheque  no  valor  de  7500€;  quando,  em  10  de  abril,  A  exige  a  B  o  
pagamento   da   2º   prestação,   este   responde-­‐lhe   que   já   pagara   a  totalidade  do  carro.  Contudo,   A  
contrapõe-­‐lhe  que  imputara  os  7500€  na  dívida  da  casa.  
R:   B   pode,   a   qualquer   momento,   decidir   oferecer   o   cumprimento   da   obrigação,   porque   o   prazo   está  
estabelecido  em  seu  benefício.  Se  A  se  recusar  a  receber,  incorre  em  mora  do  credor  (813º).  
O  problema  aqui  está  relacionado  com  a  matéria  da  imputação  do  cumprimento:  devemos  considerar  que  os  
7500€  pagos  por  B  foram  para  pagar  a  prestação  do  carro  ou  para  abater  na  dívida  da  casa?  
Como  o  devedor  não  designou  qual  a  dívida  no  momento  do  pagamento,  não  se  aplica  o  nº1  do  art.  783º.  
Assim  sendo,  temos  de  aplicar  os  critérios  supletivos  do  art.  784º  
 
13  –  A  comprometeu-­‐se  para  com  B  a  guardar-­‐lhe  uma  viatura  durante  1  ano,  tempo  corresponde  à  ausência  
deste  no  estrangeiro.  No  fim  do  ano  (dia  X),  B  apresentar-­‐se-­‐ia  no  domicílio  de  A  para  levantar  a  viatura  e  
pagar  500€  como  retribuição.    
No  dia  aprazado,  B,  que  já  regressara,  não  compareceu  no  domicílio  de  A  e  telefona-­‐lhe  a  exigir  que  este  
lhe  vá  entregar  a  viatura.  A  recusa-­‐se  a  fazê-­‐lo  porque  se  apercebe  que  B  se  “esquecera”  do  carácter  oneroso  
do  contrato.    
15  dias  depois  o  telhado  da  casa  de  A  ruiu  por  completo,  danificando  seriamente  o  automóvel  de  B.  
A  tem  a  obrigação  de  entregar  o  carro  a  B  e  B  tem  a  obrigação  de  pagar  500€  a  A.  
Nenhuma  das  obrigações  foi  cumprida  por  causa  imputável  a  B.  B  está  em  mora  do  credor  relativamente  à  
obrigação  de  receber  a  viatura  e  está  em  mora  do  devedor  relativamente  à  obrigação  de  pagar  500€.  
Não  se  pode  mudar  o  lugar  da  prestação  unilateralmente.  
Se  B  se  esqueceu  que  tinha  que  pagar  500€,  A  pode  invocar  a  exceção  de  não  cumprimento  (428º).  Mas  na  
verdade,  em  bom  rigor,  o  que  há  aqui  não  é  uma  exceção  de  não  cumprimento,  mas  um  direito  de  retenção.  
 

53  
 
a)   Quid  iuris,  sabendo  que,  oito  dias  antes,  A  fora  alertado  pelos  serviços  camarários  do  mau  estado  
do  telhado  e  do  perigo  de  desmoronamento.    
R:  Pelo  facto  de  o  carro  ter  sido  seriamente  danificado,  há  uma  situação  de  impossibilidade  que  se  reporta  à  
obrigação  de  entrega  do  carro.  
A  impossibilidade  ocorre  na  pendência  da  mora  do  credor.  
Se  o  carro  for  suscetível  de  reparação  aplicamos  o  art.  814º;  se  não  for  suscetível  de  reparação  aplicamos  o  
art.  815º  (este  artigo  refere-­‐se  a  todos  os  casos  de  impossibilidade).  
Neste  caso,  nunca  aplicaríamos  o  art.  796º  porque  a  causa  da  impossibilidade  não  é  imputável  ao  credor.  
A  consequência  da  aplicação  dos  artigos  814º  e  815º  é  que,  o  devedor,  na  pendência  da  mora,  não  responde  
pelo  risco,  exceto  no  caso  de  dolo  ou  de  culpa  grave.  Ora,  neste  caso  o  devedor  é  responsável  porque  se  
observou  no  seu  comportamento  um  elevado  grau  de  negligência,  pois  ele  sabia  que  o  telhado  corria  perigo  
de  desmoronamento.  Portanto,  A  está  obrigado  a  indemnizar  B.  
b)   Suponha   agora   que   o   automóvel   fica   totalmente   destruído   e   que   A   consegue   receber   de   uma  
companhia  de  seguros  quantitativo  razoável,  relativo  à  garagem  e  ao  automóvel.  
R:  Na  pendência  da  mora  do  credor  (B),  a  prestação  tornou-­‐se  impossível.  Aplicamos  então  o  art.  815º.  Não  
há  dolo  nem  culpa  grave  do  devedor,  por  isso  o  risco  corre  por  conta  do  credor  (B).  
Assumindo  que  as  obrigações  são  recíprocas,  A  está  exonerado  da  sua  responsabilidade  de  entregar  o  carro,  
mas  mantém  o  seu  direito  a  exigir  os  500€  (815º,  nº2).  Mas,  se  o  devedor  obter  algum  benefício  com  a  extinção  
da  obrigação,  deve  reduzir-­‐se  a  contraprestação  na  medida  desse  benefício  (última  parte  do  nº2  do  art.  815º).  
O  benefício  aqui  é  aquilo  que  o  devedor  tem  a  receber  da  companhia  de  seguros.  
c)   Admita  agora  que  o  lugar  combinado  para  a  entrega  da  viatura  era  o  domicílio  de  B  e  que  A  se  recusa  
a  fazer  essa  entrega  enquanto  B  não  lhe  entregar,  no  seu  domicílio  (de  A),  os  500€.  
R:  A  entrega  do  carro,  que  deveria  ter  ocorrido  no  domicílio  de  B,  no  dia  X,  não  ocorreu.  Portanto,  há  uma  
situação  de  não  cumprimento.    
Esta  situação  de  não  cumprimento  deve-­‐se  ao  facto  de  A  pretender  receber  os  500€  no  seu  domicílio.  Temos  
de  avaliar  se  este  fundamento  é  lícito  ou  não.    
Nos  termos  do  art.  774º,  a  obrigação  deve  ser  entregue  no  domicílio  do  credor  (A).  Mas,  por  força  do  art.  939º,  
aplicamos  o  art.  885º,  pelo  que  o  pagamento  do  preço  deve  ocorrer  em  simultâneo  com  a  entrega  da  coisa.  
Por  isso,  a  exigência  de  A  não  é  lícita,  o  que  significa  que  estamos  numa  situação  de  mora  do  devedor.  
A  continua  obrigado  a  proceder  à  entrega  do  carro  e  B  continua  obrigado  a  pagar  os  500€.  Mas  B  não  paga  
juros  moratórios  porque  há  mora  do  credor  (814º,  nº2).  
Além  disso,  A  deve  indemnizar  B  pelos  danos  causados.  
d)   A  mesma  situação  referida  na  alínea  anterior.  Quid  iuris,  admitindo  que  a  garagem  desabou,  que  o  
automóvel   foi   destruído   por   completo   e   que   poucas   horas   depois   seria,   por   qualquer   modo,  
destruído,  em  virtude  de  uma  explosão  de  gás  ocorrida  num  prédio  contíguo  à  garagem.    
R:  Há  uma  situação  de  impossibilidade.  Não  é  imputável  ao  devedor,  mas  ocorre  na  pendência  da  mora  deste.    
Assim  sendo,  aplicamos  o  art.  807º,  o  que  significa  que,  pelo  facto  de  estar  em  mora,  o  devedor  assume  a  
responsabilidade  da  destruição  do  automóvel,  mesmo  que  a  causa  da  impossibilidade  não  lhe  seja  imputável.    
O  devedor  tem  o  ónus  de  demonstrar  que  o  credor  teria  sofrido  igual  prejuízo,  mesmo  que  não  existisse  uma  
situação  de  mora  (807º,  nº2).  
Neste  caso,  a  mora  é  relevante,  pelo  que  A  deve  indemnizar  B.  

54  
 
14  –  A,  estudante  de  direito,  comprou  a  B  um  computador  pessoal  para  armazenar  e  tratar  a  jurisprudência  
de  Direito  das  Obrigações.  O  preço  acordado  foi  de  1000€,  a  pagar  em  4  prestações  iguais,  a  primeira  das  
quais  vencia-­‐se  no  momento  da  celebração  do  contrato  e  as  restantes,  sucessivamente,  no  último  dia  dos  3  
meses   subsequentes.   Segundo   o   acordado,   o   computador,   com   características   específicas,   deveria   ser  
entregue  no  dia  imediato  à  celebração  do  contrato  na  casa  de  A.  
a)   Quando,  no  dia  imediato  à  celebração  do  contrato,  B  colocava  cuidadosamente  o  computador  no  
seu  carro  para  o  levar  a  A,  cai  um  vaso  de  flores  de  uma  varanda,  destruindo  o  computador.  
R:  Temos  uma  situação  de  não  cumprimento  devido  a  uma  impossibilidade  que  não  é  imputável  a  nenhuma  
das  partes.  Assim,  sabemos  que  estamos  no  âmbito  de  aplicação  dos  artigos  790º  e  seguintes.  
O  regime  da  impossibilidade  divide-­‐se  em  duas  partes:  o  regime  geral  da  impossibilidade  e  o  regime  especial  
(risco).   Temos   de   optar   por   um   destes   caminhos   para   aplicar:   fazemos   isso   indo   ao   art.   796º   ver   se   estão  
preenchidos  os  requisitos  para  que  se  aplique  o  regime  especial  do  risco;  não  estando  preenchidos  esses  
requisitos,  aplicamos  o  regime  geral.    
Para  a  aplicação  do  regime  do  risco  é  necessário  que  se  verifiquem  cumulativamente  os  seguintes  requisitos:  
1.   Temos  que  estar  perante  uma  obrigação  que  emerge  de  um  contrato  que  tem  por  efeito  a  transmissão  
ou  a  constituição  de  um  direito  real  sobre  uma  coisa.  Ex:  compra  e  venda.  
2.   É  necessário  que  a  obrigação  que  esteja  em  causa  seja  a  obrigação  de  entrega  da  coisa  que  é  o  objeto  
do  contrato.  
3.   É  necessário  que  a  obrigação  se  tenha  tornado  impossível,  ou  seja,  a  entrega  da  coisa,  nos  termos  em  
que  estava  prevista,  não  pode  ocorrer.  
4.   É  necessário  que  essa  impossibilidade  seja  consequência  da  perda  ou  da  deterioração  da  coisa.  
Verificamos  que  estão  preenchidos  todos  os  requisitos  do  art.  796º,  pelo  que  aplicamos  o  regime  especial  do  
risco.    
De  acordo  com  o  art.  796º,  o  risco  de  destruição,  em  princípio,  corre  por  conta  do  adquirente  (A),  exceto  se  o  
benefício  do  prazo  tiver  sido  estabelecido  em  benefício  do  alienante  (B),  caso  em  que  o  risco  só  se  transfere  
com  a  entrega  da  coisa.    
Como  existe  um  dia  certo  para  o  cumprimento  da  obrigação,  o  benefício  do  prazo  é  fixado  em  benefício  de  
ambas   as   partes.   Por   isso,   não   se   aplica   o   nº2   do   art.   796º.   Isto   significa   que   o   risco   corre   por   conta   do  
adquirente  (A).  
A  obrigação  extinguiu-­‐se.  A  não  está  obrigado  a  pagar  o  preço  (795º,  nº1).    
 
b)   B  esqueceu-­‐se  da  data  de  entrega  do  computador  e  quando,  3  dias  após  a  celebração  do  contrato,  
recebe  um  telefonema  de  A,  envia-­‐lho,  por  C,  que,  ao  transpor  a  porta  de  entrada  do  prédio  de  A,  
escorrega  numa  casca  de  banana  e  parte  o  computador.  
R:  B  está  numa  situação  de  mora  do  devedor.    
Na  pendência  da  mora,  o  devedor  pode  oferecer  o  cumprimento  a  qualquer  momento.    
Pode  também  ser  um  terceiro  a  oferecer  o  cumprimento  (arts.  767º  e  768º).  
Porém,  o  computador  ficou  destruído,  há  uma  situação  de  impossibilidade.  Esta  impossibilidade  verificou-­‐se  
na  pendência  da  mora  do  devedor,  o  que  significa  que  o  devedor  responde  pelos  danos  causados  ao  credor  
(807º).  
Poderíamos  considerar  a  aplicação  do  art.  801º,  se  demonstrássemos  que  o  comportamento  do  terceiro  (C)  
foi  culposo.  B  responde  pelos  atos  de  C  como  se  tivesse  sido  ele  próprio  a  praticá-­‐los  (800º,  nº1).  

55  
 
c)   No  dia  do  vencimento  da  2º  prestação,  A  pede  a  D  que  passe  no  escritório  de  B  para  pagar  os  250€.  
D,  por  confusão,  entrega  o  dinheiro  a  E.  
8  dias  depois,  B,  que,  entretanto,  cedeu  o  seu  crédito  respeitante  às  duas  últimas  prestações  a  E,  
escreve  uma  carta  a  A  exigindo  o  pagamento  dos  750€  em  dívida  e  juros  respetivos.  
R:  No  dia  do  vencimento  da  2º  prestação,  A  deveria  pagar  250€  a  B,  no  domicílio  do  credor  (774º).  
A  encarrega  um  terceiro  (D)  de  efetuar  o  pagamento  (767º  e  768º),  mas  D  não  cumpriu  junto  do  credor.  Este  
facto  não  extingue  a  obrigação,  o  devedor  continua  obrigado  a  cumprir  perante  o  verdadeiro  credor.  
Portanto,   no   dia   em   que   o   pagamento   é   feito   ao   credor   errado,   constitui-­‐se   uma   situação   de   não  
cumprimento,  que  se  traduz  em  mora  do  devedor.    
A  mora  sobre  obrigações  pecuniárias  pressupõe  o  pagamento  de  juros  moratórios  (806º)  e,  por  se  tratar  de  
um   pagamento   a   prestações,   o   devedor,   neste   caso,   perde   o   benefício   do   prazo   (781º),   sem   prejuízo   do  
disposto  no  artigo  934º.  
Entretanto,  B  cedeu  o  crédito  correspondente  às  duas  últimas  prestações  a  E.  é  uma  cessão  de  créditos  parcial  
e  produz  efeitos  independentemente  do  conhecimento  do  devedor.  A  partir  do  momento  em  que  se  deu  a  
cessão,   o   credor   passa   a   ser   E,   pelo   que   B   não   pode   exigir   o   pagamento   dos   750€   em   falta   e   dos   juros  
respetivos.  Apenas  pode  exigir  250€  (correspondentes  à  2º  prestação)  e  os  juros  moratórios  sobre  esses.  
Mas  na  hipótese  de  A  pagar  os  750€  a  B  por  desconhecer  a  cessão  de  créditos,  isso  não  lhe  é  oponível  (583º).  
E  adquiriu  um  crédito  vencido  (porque  A  não  pagou  a  2º  prestação),  pelo  que  E  pode  exigir  imediatamente  a  
3º  e  a  4º  prestações  (781º).  
d)   No  dia  do  vencimento  da  2º  prestação,  D  apresenta-­‐se  na  casa  de  A  com  uma  procuração  de  B  para  
receber  a  quantia  devida.  A  recusa-­‐se  a  pagar,  razão  pela  qual  B  exige  o  imediato  pagamento  da  
quantia  correspondente  às  prestações  em  dívida.  
R:  O  credor  envia  um  procurador  a  casa  do  devedor  para  receber  o  pagamento.  O  devedor  não  paga,  pelo  que  
há  uma  situação  de  não  cumprimento.  Será  que  existe  algum  fundamento  para  este  não  cumprimento  ser  
lícito?  
A  pode   invocar   que  o  pagamento  não  está  a  ser  feito  no  local  indicado  (774º);  pode  invocar  o  facto   de   o  
pagamento  estar  a  ser  exigido  por  terceiro.    
O  devedor  pode  recusar  cumprir  perante  terceiro  nos  termos  do  art.  771º,  porque  não  existe  convenção  das  
partes  nesse  sentido.  Contudo,  se  o  devedor  proceder  à  realização  da  prestação  ao  representante  do  credor,  
a  obrigação  considera-­‐se  cumprida  (769º).  
Relativamente  ao  argumento  do  local,  nada  impede  que  a  prestação  seja  cumprida  noutro  local  diferente  do  
estabelecido,  desde  que  as  partes  nisso  consintam.    
Se  A  recusa  pagar  ao  procurador,  fica  obrigado  a  dirigir-­‐se  ao  domicílio  do  credor  para  realizar  a  prestação.  Se  
não  o  fizer,  entra  em  mora  do  devedor.  
e)   E,  amigo  de  A,  constatando  que  este  estava  mal  de  finanças,  apresenta-­‐se  no  escritório  de  B  para  
pagar  os  250€  da  2º  prestação,  mas  B,  ao  corrente   da  situação,  refere  que  tem  direito  a  exigir  a  
totalidade,  a  não  ser  que  F  garanta  o  cumprimento  do  restante.  
R:   F   oferece   o   cumprimento   da   prestação.   Pode   fazê-­‐lo   nos   termos   dos   artigos   767º   e   768º,   não   sendo  
necessário  que  o  devedor  esteja  de  acordo.    
B  está  a  invocar  a  situação  de  insolvência  do  devedor  para  justificar  a  perda  do  benefício  do  prazo  (780º,  nº1).  
Por  isso,  B  argumenta  que  F  deve  pagar  a  totalidade  da  obrigação.  
Note-­‐se  que  “estar  mal  de  finanças”  não  se  confunde  com  a  insolvência.  Só  está  numa  situação  de  insolvência  
o  devedor  que  não  tem  recursos  suficientes  para  fazer  face  às  suas  obrigações.  Se  o  devedor  não  estiver  numa  
56  
 
situação   de   insolvência,   o   credor   não   pode   exigir   todas   as   prestações   em   falta,   porque   não   haveria  
fundamento  para  haver  vencimento  antecipado  e,  consequentemente,  não  podia  recusar  os  250€  oferecidos  
por  F.  Se  o  fizesse,  incorria  em  mora  do  credor  (768º  +  813º).  
Mas,  se  de  facto  o  devedor  se  encontrar  numa  situação  de  insolvência,  B  pode  invocar  o  art.  780º,  nº1.  Pode  
também  recusar  os  250€  oferecidos  por  F  nos  termos  do  art.  763º.  Dado  que,  pelo  facto  de  o  devedor  estar  
numa  situação  de  insolvência,  as  prestações  venceram,  então  o  credor  não  tem  de  aceitar  receber  menos  do  
que  a  totalidade  da  obrigação.  
B   não   pode   exigir   garantias   de   F   porque   este   não   é   o   devedor,  pelo  que  não  tem  a  obrigação  de  prestar  
qualquer  garantia.  Além  disso,  a  exigência  de  garantias  só  se  aplica  na  situação  de  diminuição  das  garantias  e  
não  na  situação  de  insolvência  (780º,  nº2).  
f)   Quando   B   se   dirige,   no   dia   imediato   à   celebração   do   contrato,   a   casa   de   A,   transportando   o  
computador,   G,   tia   deste,   informa-­‐o   que   A   ia   pensar   melhor   se   ia   comprar   o   aparelho   ou   não.  
Transtornado  com  os  modos  da  tia  de  A,  B,  ao  descer  a  escada  de  acesso  ao  apartamento  de  A,  cai,  
destruindo-­‐se  o  computador.  
R:  O  computador  não  foi  entregue  por  causa  imputável  ao  credor  (não  criou  as  condições  para  que  a  obrigação  
fosse  cumprida).  Portanto,  A  está  em  mora  do  credor.  
Posteriormente,  o  computador  destrói-­‐se  –   há  uma  impossibilidade  que  ocorre  na  pendência  da  mora  do  
credor.  Aplicamos  o  art.  815º,  o  que  significa  que  o  risco  corre  por  conta  do  credor.  O  credor  já  não  irá  receber  
o  computador,  mas  continua  obrigado  a  pagar  o  preço.  Só  não  é  assim  se  houver  dolo  ou  culpa  grave  da  parte  
do  devedor  (815º,  nº2).  
15  –  Em  janeiro,  A  celebrou  com  B  um  acordo,  pelo  qual  o  segundo  se  comprometia  a  adquirir  ao  primeiro  
uma  máquina  de  cortar  relva,  modelo  X,  tendo-­‐lhe  entregue  a  quantia  de  1000€,  correspondente  a  metade  
do  preço;  o  contrato  seria  celebrado  em  junho  no  escritório  de  A.  
Ao   mesmo   tempo,   B   comprometeu-­‐se   a   transportar   para   casa   de   A,   o   conteúdo   de   um   contentor   que  
chegaria   a   15   de   fevereiro   a   bordo   do   barco   “Mare   mio”,   transporte   esse   que   deveria   ser   feito  
imediatamente  após  o  desalfandegamento.  Como  contrapartida  a  esse  transporte,  A  entregaria  a  C,  sócio  
de  B,  a  próxima  colheira  de  laranjas  do  seu  quintal.  
I  –  A  16  de  fevereiro  B  compareceu  no  porto,  onde  foi  informado  de  que,  em  virtude  de  uma  avaria  nas  
máquinas,  o  “Mare  mio”  só  chegaria  dia  20.  
Em  21  de  fevereiro,  A  telefonou  a  B,  dizendo  que  o  barco  chegara  e  podia  transportar  o  contentor,  uma  vez  
que  já  havia  luz  verde  na  Alfândega.    
Em  25  de  fevereiro,  o  contentor,  que  ainda  não  fora  transportado,  foi  destruído  por  um  incêndio,  provocado  
por  um  grupo  terrorista,  quando  já  caducara  o  seguro  das  mercadorias.    
A  pretende  uma  indemnização  de  B,  mas  este  recusa-­‐se  a  pagá-­‐la,  alegando  que  tivera  o  camião  avariado  e  
que,   de   qualquer   forma,   nunca   poderia   ser   responsabilizado   por   atos   do   grupo   terrorista,   o   qual,   aliás,  
também  dinamitara  o  armazém  de  A.  C,  por  sua  vez,  fez  saber  a  A  que  pretende  exigir  a  entrega  das  laranjas.  
R:  B  deveria  fazer  o  transporte  imediatamente  após  o  desalfandegamento  –  temos  de  interpretar  o  que  isto  
significa.    
Há  uma  impossibilidade  absoluta,  não  imputável  a  nenhuma  das  partes.  Mas  esta  impossibilidade  é  apenas  
temporária,   pelo   que   o   devedor   fica   exonerado   das   consequências   do   atraso   apenas   enquanto   a  
impossibilidade  se  verificar  (792º).  
A  impossibilidade  terminou  no  dia  21  de  fevereiro,  quando  A  informou  B  de  que  o  barco  já  tinha  chegado.  Por  
isso,  B  deve  agora  proceder  ao  cumprimento  da  obrigação  dentro  de  um  prazo  razoável;  se  não  o  fizer  entra  
numa  situação  de  mora  do  devedor.  
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Mais  tarde,  verifica-­‐se   uma   nova   impossibilidade,   não   imputável   a   nenhuma   das   partes.   Portanto,   não   há  
incumprimento  definitivo,  o  que  há  é  impossibilidade  definitiva  na  pendência  da  mora  do  devedor.  Por  isso,  
aplicamos  o  art.  807º,  de  acordo  com  uma  leitura  extensiva.  
De  acordo  com  o  art.  807º,  nº1,  o  devedor  suporta  o  risco  de  perda  ou  deterioração  da  coisa  a  entregar.  O  
devedor  tem  a  possibilidade  de  provar  que  o  credor  teria  sofrido  igual  prejuízo  se  a  obrigação  tivesse  sido  
cumprida  a  tempo  (807º,  nº2).  É  precisamente  este  o  argumento  que  B  está  a  invocar.    
Ao  aplicarmos  o  art.  807º,  nº2,  concluímos  que  o  facto  de  a  impossibilidade  se  ter  verificado  na  pendência  da  
mora   não   tem,   neste   caso,   relevância,   pelo   que   aplicamos   o   regime   geral   da   impossibilidade   (arts.   790º   e  
seguintes).  A  obrigação  extingue-­‐se  (790º).  Da  mesma  forma,  extingue-­‐se  a  contraprestação  (795º).  
II  –  Em  junho,  A  não  se  encontrava  em  condições  de  fornecer  a  máquina  a  B;  em  consequência,  B  pretende  
uma  indemnização  de  2000€  e  quer  resolver  o  contrato,  uma  vez  que  já  não  tem  interesse  no  modelo  X  por  
ter  aparecido  um  mais  recente.  
R:  Há  uma  situação  de  incumprimento  (portanto,  o  não  cumprimento  é  imputável  ao  devedor).   Temos  de  
qualificar   este   incumprimento   à   luz   de   2   critérios:   o   temporal   e   o   material.   O   temporal   afere   se   há   uma  
situação  de  mora  ou  de  incumprimento  definitivo;  o  critério  material  avalia  se  o  incumprimento  é  total  ou  
parcial.  
Ora,  estamos  aqui  perante  um  incumprimento  total.  
Relativamente  ao  critério  temporal,  diz-­‐se  no  enunciado  que  B  perdeu  o  interesse  na  prestação  –  a  perda  do  
interesse  do  credor  é  um  dos  motivos  que  transforma  uma  situação  de  mora  em  incumprimento  definitivo,  
conforme  diz  o  art.  808º.  
Mas   para   que   a   mora   se   transforme   em   incumprimento   definitivo   pela   perda   do   interesse   do   credor,   é  
necessário  que  se  verifiquem  determinados  requisitos:  o  interesse  perdido   tem  de  resultar  da  situação  de  
mora;  a  perda  de  interesse  tem  de  ser  subjetiva  e  objetiva.  
Relativamente  ao  prazo,  apenas  se  diz  que  o  contrato  deve  ser  celebrado  em  junho.  Ora,  tendo  em  conta  que  
o  benefício  do  prazo  está  estipulado  em  benefício  do  devedor  (779º),  a  mora  só  se  constitui  depois  do  dia  30  
de  junho,  o  que  significa  que  ainda  não  estamos  numa  situação  de  mora.  Consequentemente,  não  pode  haver  
perda  objetiva  do  interessa  na  prestação,  pelo  que  não  se  verificam  todos  os  requisitos  para  aplicação  do  art.  
808º.  
Além  disso,  se  o  modelo  X  apareceu  antes  de  se  constituir  uma  situação  de  mora,  a  perda  de  interesse  não  é  
consequência  da  mora,  pelo  que  não  se  aplicaria  o  art.  808º.  Na  verdade,  o  mesmo  se  diria  se  o  modelo  X  
tivesse  aparecido  na  pendência  da  mora.  
Mas,   depois   de   junho,   para   chegar   ao   incumprimento   definitivo,   o   credor   pode   estabelecer   um   prazo  
admonitório  (808º).  
16   –   A,  emigrante  no  Brasil,  celebrou  com  B,   residente  na  terra  natal  de  ambos,  o  seguinte  contrato:  B  
consertaria  uma  parede  da  casa  de  A  que  ameaçava  ruir  e,  em  troca,  A  traria  do  Brasil,  nas  férias  seguintes,  
a  jiboia  “666”  (assim  conhecida  depois  de  ter  sido  “protagonista”  de  um  filme  satânico  chamado  “666”)  que  
B  queria  colocar  no  seu  quintal  para  impor  respeito  aos  filhos  do  seu  vizinho  C.    
B  fez,  de  facto,  a  reparação  do  muro  em  que  despendeu  1500€.  
a)   A  traz  a  jiboia  numa  jaula,  mas  um  passageiro  envenena-­‐a  à  sucapa.  
R:  Há  uma  situação  de  não  cumprimento  por  impossibilidade.  Esta  impossibilidade  não  é  imputável  ao  devedor  
(assumindo  que  o  devedor  adotou  todos  os  comportamentos  de  cuidado  exigíveis).    
Devido  à  impossibilidade,  a  obrigação  de  entregar  a  jiboia  extingue-­‐se  (790º,  nº1).  Mas  como  B  já  arranjou  a  
parede,  tem  o  direito  de  exigir  a  restituição  da  prestação  (795º,  nº1),  na  medida  do  enriquecimento  sem  causa.  

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b)   A  traz  a  jiboia  numa  jaula  mas,  ao  sentir  sobre  si  os  olhares  aterrados  dos  passageiros,  envenena-­‐a.  
R:  Há  uma  situação  de  não  cumprimento  por  impossibilidade.  Esta  impossibilidade  é  imputável  ao  devedor.  
Estamos  no  âmbito  de  aplicação  dos  artigos  801º  e  seguintes.  
O   devedor   é   responsável   como   se   faltasse   culposamente   ao   cumprimento   da   obrigação   (801º,   nº1).  
Independentemente  do  direito  à  indemnização,  o  credor,  se  já  tiver  realizado  a  prestação,  pode  exigir  a  sua  
restituição  por  inteiro  (801º,  nº2).  
c)   A,  que  pensava  poder  trazer  a  jiboia  consigo,  é  informado  pelas  autoridades  aeroportuárias  que  a  
mesma,  dada  a  sua  perigosidade,  devia  seguir  em  transporte  especial,  o  que  custaria  3000€,  para  
além  de  uma  prévia  vistoria  veterinária  que  lhe  custaria  mais  500€;  perante  tal,  A  abandona  a  jiboia  
no  aeroporto.  
R:  A  obrigação  tornou-­‐se  mais  onerosa  do  que  aquilo  que  o  devedor  esperava,  pelo  que  A  abandonou  a  jiboia.  
Não  se  trata  de  uma  situação  de  impossibilidade.  
Há  uma  situação  de  erro  na  representação.  
Há  incumprimento.    
d)   A  é  informado,  no  aeroporto  de  Lisboa,  de  que  só  pode  levantar  a  jiboia  dali  a  15  dias,  pelo  que  
chega  à  terra  natal  sem  a  mesma.  
R:   Há   uma   impossibilidade   não   imputável   ao   devedor.   A   impossibilidade   é   temporária,   suspende-­‐se   nos  
termos  do  art.  792º.  Daqui  a  15  dias,  A  deve  levantar  a  jiboia  no  aeroporto  e  entrega-­‐la  ao  B.  
e)   A  considera  que  transportar  uma  jiboia  é  um  grande  incómodo  e  não  se  preocupa  mais  com  o  caso,  
deparando,  à  chegada,  com  a  ira  de  B.    
R:  Há  uma  situação  de  não  cumprimento,  imputável  ao  devedor.    
É  discutível  se  há  incumprimento  definitivo  ou  se  há  apenas  mora  do  devedor.  
17   –   A,  comerciante  grossista,  celebrou  com  B,  comerciante   retalhista,   a   15  de  janeiro,  um   contrato   de  
compra  e  venda  pelo  qual  aquele  vendia  a  este  cem  fardos  de  bacalhau  que  tenha  em  armazém.    
Convencionaram  ambos  que,  embora  o  preço  acordado  fosse  pago  no  ato  da  celebração  do  contrato  –  o  
que  realmente  aconteceu  –  a  entrega  da  mercadoria  a  B  apenas  teria  lugar  em  15  de  fevereiro,  ficando  a  
mesma,  entretanto,  depositada  no  armazém  de  A.  
a)   Em  2  de  Fevereiro,  um  incêndio  provocado  dolosamente  por  um  rival  de  A,  destruiu  as  instalações  
do  armazém  em  que  a  mercadoria  se  encontrava,  perdendo-­‐se  esta  totalmente  e  impedindo  que  A  
procedesse  à  sua  reposição  em  tempo  de  satisfazer  as  encomendas  de  terceiros.  
R:  No  dia  15  de  fevereiro  os  cem  fardos  de  bacalhau  deveriam  ter  sido  entregues  a  B.  Existe  não  cumprimento.    
A  entrega  não  ocorreu  por  impossibilidade,  impossibilidade  essa  que  não  é  imputável  a  nenhuma  das  partes.  
O  devedor  não  responde  pelas  consequências  do  não  cumprimento.  
A  obrigação  é  específica  (são  os  cem  fardos  de  bacalhau  que  estão  no  armazém),  pelo  que  esta  impossibilidade  
é  definitiva.    
b)   Admita  agora  que  o  incêndio  de  que  resulta  a  perda  da  mercadoria  foi  causado  por  B.  
18  –  A  empresa  A  comprometeu-­‐se  para  com  a  empresa  B  a  fabricar  e  fornecer-­‐lhe  moldes  para  a  produção  
desta,   no   valor   de   50000€,   fornecimento   esse   que   deveria   ser   feito   na   fábrica   do   comprador,   até   31   de  
março.  

59  
 
Em  31  de  março,  B  recebeu  uma  fatura  para  pagamento  da  quantia  acordada,  com  a  indicação  de  que  a  
entrega  da  mercadoria  pressupunha  o  prévio  pagamento.  B  recusou-­‐se  a  pagar  a  fatura  sem  a  entrega  prévia  
da  mercadoria.    
Em  31  de  julho,  os  moldes  são  entregues  na  fábrica  de  B,  mas  por  lapso  do  empregado  de  A,  a  entrega  dos  
moldes  foi  feita  sem  que  a  fatura  tivesse  sido  paga.    
Em  31  de  outubro,  A  exige  a  B  juros  moratórios  nos  termos  do  artigo  102º  do  Código  Comercial,  calculados  
desde  31  de  março,  mas  B  não  aceita  a  pretensão  de  A,  sustentando  por  um  lado,  que  só  tem  de  pagar  juros  
moratórios  a  partir  de  31  de  outubro  e,  por  outro,  que  os  juros  aplicáveis  seriam  os  civis.    
Mas  refere  B  que  é  A  quem  lhe  deve  pagamento  de  juros  moratórios,  desde  31  de  março,  calculados  sobre  
50000€,   valor   da   mercadoria,   valor   esse   que   deve   ser   acrescido   a   uma   indemnização   suplementar   de  
10000€,  correspondente  ao  prejuízo  que  teve  com  o  atraso  do  fornecimento.    
Quid  iuris?  
42  –  A,  colega  de  B,  deparou,  numa  galeria  de  arte,  com  uma  tela  de  Vieira  da  Silva  que,  há  muito  tempo,  B,  
em  gozo  de  férias  no  estrangeiro,  tentava  adquirir.  
Convencido  de  que  assim  seria  agradável  a  B,  A,  convencionou  com  C  (dono  da  galeria),  e  em  nome  próprio,  
o  seguinte:  
i)   C   venderia   o   quadro   dois   dias   depois,   por   5000€,   a   pagar   em   5   prestações   mensais   iguais,  
vencendo-­‐se  a  primeira  no  momento  da  entrega  do  quadro;  
ii)   O  pagamento  do  preço  ficaria,  pessoalmente,  garantido  por  D,  irmão  de  B.  
Ficou  também  acordado  que,  na  data  da  venda  do  Vieira  da  Silva,  C  entregaria  a  A  uma  cópia  de  um  Dali,  
que  este  adquiriu  em  nome  de  B,  por  500€,  tendo  pago  metade  do  preço.  
Dois  dias  depois,  A  deslocou-­‐se,  de  facto,  à  galeria,  onde  pagou  a  C  1000€  e  recebeu  os  dois  quadros,  que,  
com  a  ajuda  de  B  colocou  na  parede  do  “hall”  da  vivenda  de  B.  
Regressado  do  estrangeiro,  B  manifesta  a  sua  discordância  em  relação  ao  comportamento  de  A.  Acrescenta,  
referindo-­‐se  ao  Dali,  que  A  sabia  perfeitamente  que  só  se  interessava  por  originais.    
No  entanto,  ratifica  a  aquisição  da  cópia,  a  qual  vende,  de  imediato,  a  E,  por  750€.  
a)   Caracterize   juridicamente   as   situações   com   alusão   fundamentada   aos   direitos   e   deveres   dos  
intervenientes,  considerando  que  A,  magoado  com  B,  deixa  de  pagar  a  2º  prestação  a  C,  exigindo  a  
B  o  pagamento  das  despesas  efetuadas,  o  reembolso  das  quantias  entregues  a  C  com  juros  legais  e  
o  lucro  obtido  por  B  na  venda  do  Dali.  C,  por  sua  vez,  exige  o  pagamento  dos  4000€  em  falta  a  D.  
 
b)   Entretanto,  C  incendeia  a  galeria  para  receber  uma  indemnização  do  seguro,  tendo  ardido  o  quadro  
de  Vieira  da  Silva.  
 

18-­‐  A  pretende  intentar  uma  ação  com  fundamento  em  enriquecimento  sem  causa.  
a)   Com  vista  a  ser  reembolsado  dos  100.000€  que  entregou  a  B,  como  pagamento  de  um  apartamento  
que  lhe  comprou,  por  escrito  particular.  
R:  Há  um  contrato,  mas  este  é  nulo  por  falta  de  forma  (875º  +  220º).  Se  o  contrato  é  nulo,  deve  verificar-­‐se  a  
restituição  de  tudo  aquilo  que  foi  prestado  (289º).  Por  isso,  A  tem  direito  a  receber  de  volta  os  100.000€,  por  
força   da   nulidade   e   não   por   força   do   regime   do   enriquecimento   sem   causa   porque   este   é   de   natureza  
subsidiária  (474º).  
 
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b)   Contra  C,  a  quem  emprestou,  há  24  anos,  2500€,  cuja  devolução  ainda  não  conseguiu  obter.  
R:  Não  há  enriquecimento  sem  causa,  trata-­‐se  de  um  contrato  de  mútuo.  Mesmo  que  existisse,  a  obrigação  
está  prescrita  (482º  +  309º).  A  obrigação  converteu-­‐se  em  obrigação  natural.  
O  regime  do  enriquecimento  sem  causa  é  subsidiário  (474º)  e,  dado  que  a  obrigação,  neste  momento,  já  é  
natural,  o  regime  a  aplicar  é  o  regime  da  obrigação  natural,  que  não  é  possível  exigir  judicialmente.  
 
c)   A  conseguiu  agora  identificar  D,  como  autor  do  furto  do  seu  automóvel,  ocorrido  há  40  meses.  Por  
sua  vez,  a  seguradora  X,  com  idêntico  fundamento,  exige  de  A  o  reembolso  dos  25.000€,  pagos  a  
título  de  indemnização  pelo  furto  do  carro  agora  recuperado.  
R:  No  momento  em  que  a  compensação  foi  paga,  ela  era  devida.  Por  isso  a  deslocação  patrimonial,  numa  fase  
inicial,  tem  uma  causa  (a  verificação  de  um  facto  que  nos  termos  do  contrato  desencadeia  esta  consequência).  
Quando  o  carro  aparece,  há  duas  alternativas:  ou  o  contrato  diz  aquilo  que  as  partes  devem  fazer  ou  nada  diz  
e  aplicamos  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa.  
Na  primeira  hipótese,  aplicamos  aquilo  que  o  contrato  dispõe,  porque  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa  
é  de  natureza  subsidiária  (474º).  
No  caso  de  o  contrato  nada  dizer,  aplicamos  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa  porque  algo  foi  recebido  
por  virtude  de  uma  causa  que  deixou  de  existir  (473º,  nº2).  

d)   O  mesmo  exemplo  da  alínea  anterior,  mas  suponha  agora  que,  entretanto,  A  adquiriu  outro  carro  
com  os  25.000€  que  recebeu.  

R:  O  dinheiro,  que  é  um  bem  ultra  fungível,  transformou-­‐se  numa  coisa.  Mas  o  objeto  da  restituição  continua  
a   ser   dinheiro.   A   questão   da   conversão   do   bem   para   determinar   o   valor   correspondente   só   releva   se   a  
conversão  for  de  uma  coisa  para  dinheiro  ou  se  for  de  uma  coisa  para  outra  coisa.  

e)   No  último  natal,  por  engano,  o  primo  de  A  entregou  na  residência  de  E,  seu  vizinho,  4  garrafas  de  
whisky,  no  valor  de  200€,  destinadas  a  A  e  que  E  consumiu  de  imediato.  A,  habitual  consumidor  de  
whisky  barato,  pretende  reagir  contra  E,  que  alega  nada  dever,  já  que  “só  bebe  quando  não  paga”.  
R:  Assumamos  que  estamos  perante  uma  doação.  A  doação  pressupõe  a  entrega  da  coisa.  
Houve  enriquecimento,  o  enriquecido  acedeu  a  4  garrafas  de  whisky,  que  consome.    
Há  erro  sobre  a  pessoa  do  declaratário  (251º).  Por  isso,  o  negócio  é  anulável  se  verificados  os  pressupostos  do  
art.  247º.  Logo,  não  se  aplica  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa,  porque  este  é  de  natureza  subsidiária  
(474º).  Aplica-­‐se  o  artigo  289º  que  fala  sobre  os  efeitos  da  anulabilidade:  deve  ser  restituído  tudo  o  que  tiver  
sido  prestado.  Como  a  restituição  em  espécie  não  é  possível  porque  o  bem  foi  consumido,  E  deve  restituir  os  
200€  a  A.  
 
f)   Contratado  por  F,  pelo  preço  de  1500€,  para  pintar  o  exterior  do  seu  armazém,  A  enganou-­‐se   e  
procedeu  à  pintura  do  seu  armazém  contíguo,  propriedade  de  G,  que  assim,  de  imediato,  dispensou  
os  serviços  de  H,  a  quem  iria  pagar  2000€  para  proceder  a  idêntica  tarefa.  O  armazém  de  G  ficou  
valorizado  em  1750€.  
R:  Há  enriquecimento  sem  causa.  

A  cumpriu  perante  terceiro,  por  isso  aplicamos  o  artigo  476º,  nº1.  Daí  resulta  que  G  tenha  de  restituir  F  nos  
termos  do  artigo  479º.  

Nos   termos   do   artigo   479º   temos   de   determinar   o   valor   correspondente   de   acordo   com   os   dois   limites:  a  
medida   do   enriquecimento   e   o   que   ele   despenderia,   em   condições   normais,   para   aceder   a   este  
61  
 
enriquecimento.  Mas  neste  caso  em  concreto,  devemos  substituir  o  segundo  limite  por  outro  que  avalia  aquilo  
que  o  enriquecido  deixou  de  despender  para  aceder  ao  enriquecimento:  seriam  2000€,  porque  sabemos  que  
G  iria  obter  este  resultado  

De  acordo  com  a  teoria  do  duplo  limite  tradicional,  a  restituição  seria  1500€  (medida  do  empobrecimento).  

g)   A  assumiu  a  posição  de  fiador,  garantindo  uma  dívida  de  5000€,  contraída  por  I  perante  J,  com  
vencimento  em  31  de  outubro.  No  início  de  novembro,  A  pagou  os  5000€  a  J  quando  este  lhos  exigiu,  
invocando  que  I  se  recusava  a  cumprir.  
R:  Nem  sequer  há  enriquecimento  porque  J  não  ficou  melhor  por  este  facto,  recebe  aquilo  que  tinha  a  receber  
nos  termos  do  seu  direito.  
I  também  não  enriqueceu  porque  continua  obrigado  a  prestar  os  5000€,  mas  agora  perante  um  novo  credor,  
A,  por  efeito  de  uma  sub-­‐rogação  legal  (644º).  
 
h)   Por  escrito  assinado,  A  mutuou  a  L  1000€,  com  juros,  a  restituir  a  1  de  julho.  Passados  tempos,  ao  
consultar  o  texto  contratual,  A,  que  sofria  de  grave  miopia,  leu  1  de  junho,  procedendo  assim  nesta  
data  à  restituição.  
R:   A   obrigação   de   restituição   foi   cumprida   antecipadamente,   por   isso   aplicamos   o   nº3   do   art.   476º.   Só   há  
direito  à  restituição  se  o  erro  for  desculpável  e  na  medida  daquilo  que  o  enriquecido  enriqueceu  por  efeito  do  
cumprimento  antecipado.  
 
i)   M,  ignorando  que  o  terreno  Y  pertencia  a  A,  procedeu  aí  à  plantação  e  corte  de  eucaliptos,  que  veio  
a  vender  por  25.000€,  causando,  com  isso,  danos  no  imóvel  no  valor  de  5000€.  O  valor  de  mercado  
da  utilização  do  terreno,  para  efeitos  idênticos,  ronda  os  4000€.  
R:   Não   podemos   aplicar   o   regime   do   enriquecimento   sem   causa   porque   existe   um   outro   regime   aplicável  
(porque   o   enriquecimento   sem   causa   é   de   natureza   subsidiária   –   474º),   em   virtude   de   existir   dano:   a  
responsabilidade  civil.  
Não  encontramos  no  OJ  uma  causa  que  permita  ao  M  aproveitar  o  terreno  do  A  e  para  esta  situação  a  lei  não  
consagra  um  regime  para  aplicar,  pelo  que  estão  preenchidos  os  pressupostos  para  aplicar  o  enriquecimento  
sem  causa.  
De  acordo  com  o  artigo  479º   teremos  de   determinar  a  medida  da  compensação,   tendo  em   conta  os  dois  
limites:  a  medida  do  enriquecimento  do  enriquecido  e  aquilo  que  ele  teria  que  despender  para  aceder  àquele  
enriquecimento.  Neste  caso,  o  menor  dos  valores  é  4000€,  porque  é  o  valor  da  utilização  do  terreno  para  
efeitos  idênticos,  portanto,  é  este  o  valor  correspondente  da  restituição.  
Nota:  os  5000€  do  dano  nunca  podem  corresponder  ao  empobrecimento  do  empobrecido,  porque  estes  serão  
ressarcidos  ao  abrigo  do  regime  da  responsabilidade  civil.  
A   subsidiariedade   do   enriquecimento   sem   causa   não   invalida   a   possibilidade   de   serem   aplicados   outros  
regimes  em  simultâneo  com  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa,  como  é  o  caso.  
 
j)   N,  utilizando  um  pequeno  avião,  sobrevoou  um  palácio  pertencente  a  A,  tirando  várias  fotografias  
ao  edifício,  comercializando-­‐as,  mais  tarde,  através  da  venda  de  calendários  de  parede.  
R:   Ninguém   pode   tirar   proveito   económico   de   um   bem   alheio.   Portanto   há   enriquecimento   e   esse  
enriquecimento  não  tem  uma  causa.  

62  
 
O  regime  aplicável  não  pode  ser  o  da  tutela  dos  direitos  de  personalidade  porque  o  que  foi  fotografado  foi  um  
edifício.  Também  não  pode  ser  aplicado  o  regime  da  responsabilidade  civil  porque  não  há  danos.  Assim,  vamos  
aplicar  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa  a  título  subsidiário  (474º).  
De  acordo  com  o  artigo  479º   teremos  de  determinar  a  medida  da  compensação,   tendo  em   conta  os  dois  
limites:  a  medida  do  enriquecimento  do  enriquecido  e  aquilo  que  ele  teria  que  despender  para  aceder  àquele  
enriquecimento.  
 
k)   Sem  o  consentimento  de  A,  conhecido  apresentador  de  televisão,  Q  tirou-­‐lhe  algumas  fotografias,  
que  veio  a  utilizar  numa  campanha  publicitária  de  refrigerantes,  produzidos  por  uma  empresa  de  
que  é  titular.    
R:   Eventualmente,   neste   caso,   existiram   danos.   E   quanto   aos   danos,   aplicaríamos   o   regime   da  
responsabilidade  civil.  Não  temos  informação  se  houve  ou  não  danos.  
Quanto  ao  resto,  vamos  aplicar  o  enriquecimento  sem  causa:  Q  teve  um  enriquecimento  injustificado  pelo  
uso  da  imagem  de  A  na  campanha  publicitária.  
 
l)   P  atravessou  toda  a  cidade  de  Lisboa,  viajando  num  autocarro  da  empresa  de  A,  pensando  tratar-­‐se  
de  um  serviço  gratuito,  oferecido  pela  Câmara  Municipal.  Quando  foi  intercetado  por  um  fiscal,  no  
momento  em  que  já  saia  do  veículo,  P  recusou-­‐se  a  pagar  o  bilhete.  
R:  Não  há  enriquecimento  sem  causa.  Trata-­‐se  de  um  negócio  em  que  é  dispensada  a  aceitação  (234º).  Se  o  
OJ  dispensa  a  aceitação,  torna-­‐se  irrelevante  o  erro  do  declarante.  
 
m)   A  comprou,  por  150.000€,  uma  vivenda  a  Q,  que,  no  dia  seguinte,  a  vendeu  a  R,  que  registou  de  
imediato  a  aquisição.  O  valor  de  mercado  do  imóvel  ronda  os  160.000€,  preço  pago  por  R.  
R:  O  Q  enriqueceu  (vendeu  2x  a  mesma  coisa).  Não  há  causa  justificativa  para  esse  enriquecimento  porque  
quando  Q  está  a  vender  o  imóvel  pela  2º  vez,  está  a  vender  um  bem  alheio.    
Mas  aqui  não  se  aplica  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa,  porque  existe  dano.  Q  violou  o  direito  de  
propriedade  de  A,  pelo  que  o  regime  aplicável  é  o  da  responsabilidade  civil.  
 
n)   A  procedeu  à  pintura  da  casa  arrendada  que  habita,  propriedade  de  S.  Obra  essa  que,  embora  não  
imprescindível,  valorizou  o  imóvel  em  1000€.  Atingido  o  termo  do  contrato,  S  entende  nada  dever  
a  A,  que  gastou  500€  na  pintura,  tanto  mais  que  esta  foi  realizada  contra  a  sua  vontade  expressa.  
R:  Há  um  enriquecimento  de  S,  o  seu  património  valorizou  1000€.    
Para  saber  se  este  enriquecimento  sem  causa,  teríamos  de  ver  o  contrato  de  arrendamento  ou  a  lei  que  lhe  é  
aplicável  e  saber  se  existem  disposições  sobre  esta  questão.  Se  sim,  teríamos  de  aplicá-­‐las.  Ex:  o  contrato  tinha  
uma  disposição  que  diz  que  o  arrendatário  tem  autorização  para  realizar  trabalhos  de  manutenção,  sendo  que  
o   trabalho   passava   a   integrar   o   imóvel   sem   que   tivesse   direito   a   qualquer   compensação   –   haveria   causa  
justificativa.  
Não   existindo   disposições   sobre   a   questão   no   contrato   de   arrendamento   nem   na   lei   aplicável   ao  
arrendamento,  então  há  enriquecimento  sem  causa.  
 
o)   Crendo  pertencer-­‐lhe,  por  erro  desculpável,  T  retirou  areia  do  terreno  de  A,  no  valor  de  4500€,  não  
provocando  qualquer  dano  no  imóvel.  T  vendeu,  por  2500€,  metade  da  areia  a  U.  seguidamente,  
doou  a  outra  metade  a  V,  empreiteiro  que  a  utilizou  para  ultimar  uma  obra,  poupando  assim  500€,  

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correspondentes  ao  valor  da  areia  de  péssima  qualidade  que  costumava  adquirir.  Desconhece-­‐se  
se,  à  data  das  alienações,  T  já  teria  sido  alertado  para  o  facto  de  a  areia  provir  da  propriedade  de  A.  
R:   T   teve   um   enriquecimento   sem   causa   justificativa.   Não   há   no   OJ   nenhum   outro   instituto   que   possa   ser  
aplicado,  por  isso  aplicamos  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa.  
É  preciso  ter  em  conta  que  T  procedeu  a  duas  alienações:  uma  a  título  gratuito  e  outra  a  título  oneroso.    
Relativamente  à  venda  da  areia:  
-­‐  T  enriqueceu  2500€;  
-­‐  O  investimento  numerário  é  2250€  (valor  correspondente  à  metade  da  areia  vendida).  
Logo,  a  medida  do  valor  correspondente  a  restituir  é  2250€.  
Relativamente  à  doação  da  areia,  o  enriquecimento  é  0.  Por  isso,  de  acordo  com  o  artigo  481º,  nº1,  temos  de  
olhar  para  a  perspetiva  do  adquirente  (V):  não  sabemos  a  medida  do  seu  enriquecimento,  mas  sabemos  que  
o  valor  do  investimento  necessário  que  teria  que  fazer  para  aceder  o  enriquecimento  são  500€.  Por  isso,  neste  
caso,  o  valor  correspondente  nunca  excederá  os  500€.  
No  enunciado  diz-­‐se  que  se  desconhece,  à  data  das  alienações,  se  T  já  teria  sido  alertado  para  o  facto  de  a  
areia  provir  da  propriedade  de  A.  Isto  é  relevante  para  efeitos  da  aplicação  do  artigo  481º.  
Se  a  alienação  onerosa  tivesse  ocorrido  depois  da  verificação  do  primeiro  dos  factos  a  que  faz  referência  o  art.  
480º,  T  teria  que  pagar  os  2250€  +  juros.  
Se  a  alienação  gratuita  se  tivesse  verificado  depois  da  verificação  do  primeiro  dos  factos  a  que  faz  referência  
o  art.  480º,  T  teria  de  pagar  2250€  (corresponde  ao  valor  do  seu  enriquecimento  no  momento  em  que  ele  é  
medido)  e  responde  também  nos  termos  do  art.  480º.  
Sempre  que  desconhecemos  se  já  se  verificou  o  primeiro  dos  momentos  a  que  faz  referência  o  art.  480º,  o  A  
tem  o  ónus  da  prova  relativamente  a  provar  que  T  já  tinha  conhecimento  de  que  a  areia  pertencia  a  um  terreno  
seu  (342º).  Não  conseguindo  provar,  vamos  aplicar  o  regime  do  enriquecimento  sem  causa  como  se  T  não  
tivesse  conhecimento.  
 
 
 

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