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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
CURSO DE BACHARELADO EM INSTRUMENTO – FLAUTA

RODRIGO SÁVIO SOARES MOITA

PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO DO PRIMEIRO MOVIMENTO DO CONCERTO


PARA VIOLONCELO DE CAMILLE SAINT SAËNS OP. 33 PARA FLAUTA

FORTALEZA – CEARÁ
2015
RODRIGO SÁVIO SOARES MOITA

PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO DO PRIMEIRO MOVIMENTO DO CONCERTO


PARA VIOLONCELO DE CAMILLE SAINT SAËNS OP. 33 PARA FLAUTA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Música do Centro de Humanidades da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito à obtenção do grau de Bacharel
em Instrumento Flauta Transversal.

Orientador: Profº Me. Heriberto Porto


Cavalcante Filho.

FORTALEZA – CEARÁ
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas

Moita, Rodrigo Sávio Soares.


Processo de Transcrição do Primeiro Movimento
do Concerto para Violoncelo de Camille Saint Saëns
Op. 33 para Flauta [recurso eletrônico] / Rodrigo
Sávio Soares Moita. – 2015.1.
1 CD–ROM: Il.; 4 ¾ pol.

CD–ROM contendo o arquivo no formato PDF do


trabalho acadêmico com 47 folhas, acondicionado
em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm).

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) –


Universidade Estadual do Ceará, Centro de
Humanidades, Bacharelado em Flauta Transversal,
Fortaleza, 2015.1.
Orientação: Prof. Me. Heriberto Porto
Cavalcante Filho.

1. Transcrição musical. 2. Flauta. 3.


Violoncelo. 4. Camille Saint-Saëns. I.
Título.
RODRIGO SÁVIO SOARES MOITA

PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO DO PRIMEIRO MOVIMENTO DO CONCERTO


PARA VIOLONCELO DE CAMILLE SAINT SAËNS OP. 33 PARA FLAUTA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Música do Centro de Humanidades da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito para a obtenção do grau de
Bacharel em Flauta Transversal.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________
Prof. Me. Heriberto Cavalcante Porto Filho
Universidade Estadual do Ceará – UECE (Orientador)

__________________________________________________________
Profª. Me. Nelma Maria Moraes Dahás Jorge
Universidade Estadual do Ceará – UECE

__________________________________________________________
Prof. Dr. Márcio Spartaco Nigri Landi
Universidade Estadual do Ceará – UECE
AGRADECIMENTOS

A Deus pela vida e pela oportunidade de ter colocado no meu caminho


grandes pessoas, as quais quero sempre ter por perto.

Ao Prof. Me. Heriberto Porto, amigo, meu orientador pelo grande apoio e
incentivo nos meus estudos e carreira musical, pela paciência e dedicação por
acreditar na proposta do meu trabalho e por todos os conhecimentos compartilhados
durante a trajetória do curso.

A todos os professores do curso de música pela dedicação e por sempre


incentivar os alunos ao estudo e à prática musical.

A minha família pelo apoio, pelo carinho e por acreditar em mim quanto a
minha pessoa e profissão.

A Marie Pierre Frédéric pelo apoio, incentivo e os inúmeros puxões de orelha


para que eu terminasse meu trabalho mais rápido possível.

A minha mãe, Maria das Graças, em especial, pelo amor e carinho dado
sempre, por me apoiar mesmo achando que, em vários momentos, eu deveria seguir
outra profissão, por estar ao meu lado nos momentos bons e difíceis e por ter me
dado o dom da vida, o bem mais precioso que tenho.
RESUMO

O presente trabalho trata da transcrição do Concerto para Violoncelo de Camille


Saint-Saëns Op.33 e tem como objetivo geral mostrar o processo de transcrição da
parte do violoncelo solo para flauta. A execução deste trabalho se deu a partir da
análise comparativa de repertórios anteriormente transcritos de outros instrumentos
para flauta, da leitura e da pesquisa sobre transcrição e suas variações. Durante a
pesquisa foram classificados alguns procedimentos que serão utilizados para a
consolidação da transcrição sendo esses: mudanças de oitava, supressões de
notas, transferências de notas para orquestra, mudanças da estrutura de acordes e
arpejos e mudanças criativas com a utilização do harmônico. Isso com o intuito de
deixar a obra o mais fiel possível à original, de acordo com a adaptação idiomática
entre esses instrumentos. Por fim, o autor deste trabalho realiza a transcrição
embasando-se nas análises e nas pesquisas realizadas de forma metodológica e
apresenta a transcrição completa da parte solo do primeiro movimento do concerto.

Palavras chaves: Transcrição Musical. Flauta. Violoncelo. Camille Saint-Saëns.


ABSTRACT

This paper deals with the transcription of the Cello Concerto of Camille Saint-Saëns
Op.33 and has the general objective to show the process of transcription of the solo
cello part for flute. The execution of this work took place from the comparative
analysis of repertoires previously transcribed from other instruments for flute, reading
and research on transcription and its variations. During the research were classified
some procedures that will be used to consolidate the transcript being these: octave
changes, deletions notes, orchestra banknote transfers, changes of structure and
chord arpeggios and creative changes using the harmonic. This in order to make it as
true to the original work as possible, according to the idiomatic adaptation of these
instruments. Finally, the author of this work is done transcription-basing on the
analyzes and researches conducted methodological shape and has a complete
transcript of the soil of the first concert movement.

Keywords: Musical Transcription. Flute. Cello. Camille Saint-Saëns.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Compassos 1 a 4 do Concerto Nº 4 para 2 violinos RV522 de A.


Vivaldi. ................................................................................................ 12
Figura 2 – Compassos 1 a 3 da transcrição de Bach para órgão. .................. 13
Figura 3 – Compassos 1 a 7 da Partita em Mi menor para violino BWV1006. 14
Figura 4 – Compassos 1 a 5 da Sinfonia da Cantata BWV29. ......................... 14
Figura 5 – Compassos 1 a 50 do Concerto em Dó maior para oboé KV314... 15
Figura 6 – Compassos 1 a 50 da transcrição de Mozart do Concerto em
Ré maior para flauta KV314b ............................................................ 16
Figura 7 – Extensões da flauta e oboé .............................................................. 26
Figura 8 – Extensões do violino e violoncelo ................................................... 26
Figura 9 – Mudança de oitava nos compassos 30 a 38 do Concerto em
Mi menor para violino da O. 64 de F. Mendelssohn . ..................... 27
Figura 10 – Mudança de oitava nos compassos 31 a 38 transcrito por
Wilhelm Popp para flauta ................................................................. 27
Figura 11 – Suspensão de notas nos compassos 96 à 115 do Concerto
para violino em Mi menor Op. 64 de F. Meldelssohn. .................... 28
Figura 12 – Suspensão de notas nos compassos 96 a 155, transcrição
para flauta de Wilhelm Popp............................................................. 29
Figura 13 – Transferência de notas para orquestra, compassos
62 a 65 do Concerto para flauta e harpa de W.A.Mozart. ............... 30
Figura 14 – Transferência de notas para orquestra, compassos
62 a 65 transcritos por Dalla Costa. ................................................. 31
Figura 15 – Mudança de estrutura de acordes e arpejos nos compassos
319 a 352 do Concerto para violino em Mi menor OP.64
de F. Mendelssohn. ........................................................................... 32
Figura 16 – Mudança de estrutura de acordes e arpejos nos compassos
319 a 352 transcritos por Wilhelm Popp.......................................... 33
Figura 17 – Mudanças criativas, utilização do harmônico nos compassos
33 a 38 da Suíte nº1 de J.S.Bach. ..................................................... 34
Figura 18 – Mudanças criativas, utilização do harmônico nos compassos
31 a 36, transcrição de Jean-Claude Veilhan. ................................. 34
Figura 19 – Mudança de oitava, compassos 51 a 59. ......................................... 36
Figura 20 – Mudança de oitava, compassos 54 a 63, transcrição própria ....... 37
Figura 21 – Mudança de oitava, compassos 176 a 179, transcrição própria ... 37
Figura 22 – Mudança de oitava, compassos 69 a 72. ......................................... 38
Figura 23 – Mudança de oitava, compassos 51 a 59, transcrição própria ....... 38
Figura 24 – Mudança de oitava, compassos 64 a 78 .......................................... 38
Figura 25 – Mudança de oitava, compassos 64 a 78, transcrição própria ....... 38
Figura 26 – Utilização de harmônicos nos compassos 66 a 74 ........................ 39
Figura 27 – Utilização de harmônicos, compassos 71 a 74, transcrição
própria ............................................................................................... 39
Figura 28 – Supressão e transferência de notas para orquestra, compassos
89 a 110. ............................................................................................ 40
Figura 29 – Supressão e transferência de notas para orquestra, compassos
91 a 109, transcrição própria ........................................................... 41
Figura 30 – Supressão de notas para orquestra, compassos 144 a 162. ......... 42
Figura 31 – Supressão a de notas para orquestra, compassos 91 a 109,
Transcrição própria .......................................................................... 42
Figura 32 – Supressão de notas, compassos 106 a 110. ................................... 43
Figura 33 – Supressão de notas, compassos 107 a 111, transcrição própria 433
Figura 34 – Alteração na execução de acordes, compassos 154 a 158. .......... 43
Figura 35 – Alteração na execução de acordes, compassos 154 a 158,
transcrição própria ........................................................................... 44
Figura 36 – Mudanças na disposição de notas de acordes, compassos
159 a 166 ........................................................................................... 44
Figura 37 – Mudanças na disposição de notas de acordes, compassos
161 a 175, transcrição própria .......................................................... 45
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10
2 BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA TRANSCRIÇÃO MUSICAL ............. 12
3 A TRANSCRIÇÃO EM PAUTA: CONCEITOS .............................................. 20
3.1 TRANSCRIÇÃO ............................................................................................. 20
3.2 ARRANJO ...................................................................................................... 21
3.3 ORQUESTRAÇÃO ......................................................................................... 22
3.4 REDUÇÃO ..................................................................................................... 23
4 CLASSIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS TÉCNICAS UTILIZADAS
NA TRANSCRIÇÃO ....................................................................................... 25
4.1 MUDANÇAS DE OITAVA ............................................................................... 25
4.2 SUPRESSÕES DE NOTAS ........................................................................... 28
4.3 TRANSFERÊNCIAS DE NOTAS PARA ORQUESTRA ................................. 29
4.4 MUDANÇAS DA ESTRUTURA DE ACORDES E ARPEJOS ........................ 32
4.5 MUDANÇAS CRIATIVAS, UTILIZAÇÃO DO HARMÔNICO .......................... 34
5 CONCERTO PARA VIOLONCELO DE SAINT-SAËNS ................................ 35
5.1 BREVE BIOGRAFIA DA COMPOSITORA CAMILLE SAINT-SAËNS ............ 35
5.2 O PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO DO PRIMEIRO MOVIMENTO DO
CONCERTO EM LÁ MENOR OP. 33 ............................................................. 36
5.2.1 Mudanças de Oitava ..................................................................................... 36
5.2.2 Harmônicos................................................................................................... 39
5.2.3 Supressões de notas e transferência de notas para os instrumentos da
orquestra ....................................................................................................... 40
5.2.4 Alterações na execução de acordes ........................................................... 43
5.2.5 Mudanças na disposição de notas de acordes ......................................... 44
CONCLUSÕES .............................................................................................. 46
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 47
APÊNDICES....................................................................................................48
10

1 INTRODUÇÃO

A prática da transcrição vem se tornando um trabalho cada vez mais


frequente entre os músicos atuais. No entanto este tipo de técnica de composição já
era utilizado há séculos, por grandes compositores desde a renascença. Atualmente
há uma quantidade relativamente pequena de publicações sobre o assunto,
sobretudo no Brasil. Por dispor de pouco material e estudos sobre o assunto, senti
uma necessidade de um estudo mais específico na área da transcrição.
Desde o inicio dos meus estudos musicais tive contato com a transcrição,
seja lendo partituras para violino para substituir uma voz num grupo de cordas, seja
nos estudos de alguns métodos de flauta. Muitas vezes nós passamos
despercebidos por esse tema, mas quando paramos para analisar o que já tocamos,
deparamo-nos com muitos estudos e peças que foram adaptadas para nosso
instrumento.
Em diversas discussões com colegas de profissão foi notória a impressão
de que uma boa parte deles não é de acordo com esse tipo de prática, a de
transcrever peças, baseando-se na simples hipótese de que existe um vasto
repertório para flauta e que não há necessidade de tomar o repertório de outros
instrumentos. Refletindo um pouco mais sobre o assunto e levando em conta meu
percurso durante o curso de bacharelado em flauta posso afirmar que isso seria
mais bem entendido como uma troca de conhecimentos para o crescimento artístico
pessoal. No momento em que nós, instrumentistas, damo-nos o prazer de apreciar a
música seja na escuta ou mesmo no desafio de tocar peças de caráter virtuosístico e
brilhantes, como no meu repertório, como os Caprichos de Paganini1,ou mesmo
peças que demandam uma intensa energia do intérprete como a Sonata em Lá
maior de C. Franck2, conseguimos abrir uma gama enorme de subsídios para
enriquecer a performance musical, dando-nos também mais liberdade na escolha de
como interpretar uma música.

1 Nícolo Paganini (1782-1840). Violinista Italiano e compositor. Pelo seu desenvolvimento da técnica,
sua excepcional habilidade e seu extremo magnetismo pessoal ele não somente contribuiu para a
história do violino como mais famoso virtuoso, mas também desenhou a atenção para outros
compositores românticos, notavelmente Liszt, para significância de virtuosidade como elemento de
arte.
2
César Franck (1822-1890). Compositor francês, professor e organista da Belgian Birth. Ele foi uma
das figuras mais importantes da vida musical francesa durante a segunda metade do século XIX.
11

De uma forma geral a academia não dá bastante ênfase neste assunto


quando se trata de formação de instrumentistas ou intérpretes, quando o essencial
seria abranger ainda mais a escuta musical para que possamos ter uma maior visão
de interpretação e isto vai de acordo com a ideia de Barbeitas (2000, p. 90) na
seguinte citação:

Pensar a transcrição musical traz como consequência o questionamento de


alguns conceitos fundamentais como, por exemplo, o conceito de obra, o
conceito de autoria e também o conceito de interpretação. Embora exerçam
um papel central para a compreensão musical, tais conceitos costumam
passar incólumes durante a formação dos músicos, isto é, não são
problematizados, não suscitam discussões. Pode-se afirmar, sem medo do
exagero, que são esquecidos nas academias que se propõem exatamente a
formar intérpretes e compositores.

O instrumentista com bom conhecimento de repertório, tanto do seu


próprio instrumento quanto dos demais poderá, então, ter acesso a diversas
linguagens, culturas, a compositores até então desconhecidos, a técnicas e
sonoridades novas, enriquecendo assim seu conhecimento artístico e fazer musical.
O objetivo principal deste trabalho é, além de tentar esclarecer um pouco
mais sobre algumas técnicas utilizadas pelos compositores em suas obras, de
realizar a transcrição do primeiro movimento do Concerto para violoncelo de Saint-
Saëns para a flauta transversal, uma vez que não encontrei nenhum registro sobre
alguma transcrição já realizada, e mostrar os processos utilizados, dando também
sugestões de interpretação para o flautista, abrindo assim mais possibilidades de
repertório.
Desde o começo dos meus estudos sempre tive contato com a
transcrição, de maneiras direta e indireta, pois costumo apreciar bastante o
repertório de outros instrumentos além da flauta. No caso deste concerto, tive um
maior contato com ele quando participei como tradutor das duas edições do Festival
Internacional Violoncelos em Folia em Fortaleza e pude acompanhar de perto
masterclasses de violoncelo tanto desta obra quanto de outras. Há também o fato de
que o repertório para flauta escrito por Saint-Saëns é bastante reduzido. Estas foram
as principais motivações para o desenvolvimento deste trabalho.
12

2 BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA TRANSCRIÇÃO MUSICAL

Vamos nos dar como ponto de partida histórico o período Barroco,


mesmo tendo conhecimento que a prática das transcrições vem desde épocas
remotas da história da música com destaque para o começo da Renascença com as
transcrições para a música vocal. Podemos citar o grande nome da música da época
barroca, J. S. Bach, que além de transcrever obras de seus contemporâneos como
B. Marcello3, G. F. Telemann e A. Vivaldi (DESFRAY, sd), realizava transcrições de
obras de sua própria autoria, ampliando assim seus conhecimentos e
desenvolvendo suas técnicas instrumentais. Bach tinha um grande interesse pelo
estilo italiano, por este motivo, transcreveu algumas obras de Vivaldi como o
Concerto BWV593 em Lá menor para Órgão, a partir do Concerto para dois Violinos
RV522.

Figura 1 – Compassos 1 a 4 do Concerto Nº 4 para 2 violinos RV522 de A.


Vivaldi

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

3
Benedetto Marcello (1686 -1739). Compositor e escritor italiano. O filho de um nobre veneziano, ele
seguiu a carreirade todos os nobres venezianos de seu tempo: foi admitido no Maggior Consiglio da
República em 04 de dezembro de 1706 e, depois de completar os estudos na literatura e na lei, serviu
em várias magistraturas sobre as próximas duas décadas.
13

Figura 2 – Compassos 1 a 3 da transcrição de Bach para órgão

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Neste período, Johann Sebastian Bach foi o compositor que mais se


destacou quando falamos de transcrição. Temos como exemplo, várias de suas
obras, entre as mais importantes “A Arte da Fuga” que foi composta nos seus
últimos anos de vida e não temos na partitura especificações quanto ao instrumento
para qual foi composta. Isso pode nos dar inúmeras interpretações, mas o que fica
bastante claro é que as estruturas e a forma na qual ela foi escrita nos mostra o
quanto Bach se preocupava com a organização de suas obras.
Outra grande obra, sem dúvida alguma, que foi transcrita para várias
outras formações é o Prelúdio da Partita BWV1006 em Mi maior também de Johann
Sebastian Bach. Inúmeras são as transcrições desta obra. Até mesmo o próprio
compositor a transcreveu como o tema da Partita na Sinfonia da Cantata BWV29,
enriquecendo a melodia originalmente tocada pelo violino solo com um grupo de
instrumentos, incluindo órgão, trompetes e tímpanos dando um ar mais festivo à
Cantata.
A Ilustração a seguir mostra a melodia do Prelúdio composto por Bach da
Partita BWV1006.
14

Figura 3 – Compassos 1 a 7 da Partita em Mi menor para violino BWV1006

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Figura 4 – Compassos 1 a 5 da Sinfonia da Cantata BWV29

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Assim como Bach, outros grandes compositores se aventuraram a


transcrever esta obra, dentre eles Saint-Saëns que fez uma redução da sinfonia em
1862, já transcrita por Bach.
15

Já no período do Classicismo (Final do Sec. XVIII) vemos que mais compositores


são adeptos à prática da transcrição, entre eles W. A. Mozart com aproximadamente
50 transcrições tanto de compositores contemporâneos a ele quanto de
compositores de períodos passados da história da música.
O concerto em ré maior escrito para flauta de W. A. Mozart, uma dentre
as várias obras de maior visibilidade do compositor, é, na verdade, uma transcrição
feita por ele mesmo a partir do Concerto em dó maior escrito para oboé. Nesta obra
ele não só a transpõe, como também ele adéqua sua própria composição levando
em conta o idiomatismo entre os instrumentos, acrescentando e modificando
algumas frases musicais. Algumas dessas modificações são visíveis logo nos
primeiros compassos após a entrada do solo, como será demonstrado nas
ilustrações a seguir:

Figura 5 – Compassos 1 a 50 do Concerto em Dó maior para oboé KV314

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).


16

Figura 6 – Compassos 1 a 50 da transcrição de Mozart do Concerto em Ré


maior para flauta KV314b

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

No século XVIII houve um avanço na produção gráfica das editoras que


procuravam propagar transcrições de obras famosas com intuito comercial. O
músico antes era praticamente um escravo das cortes ou muitas vezes tratados
como os lacaios. Ele começou a se emancipar, graças ao aumento do número de
salas de concertos, da mais ampla alfabetização da sociedade, ao surgimento de
agremiações de músicos e de corais. Toda essa revolução contribuiu para o
surgimento da figura do empresário musical que buscava lucros com os concertos e
vendas de partituras. O grande exemplo é J. Haydn que foi funcionário da corte de
Estheházy na Áustria e durante muitos anos tratado praticamente como em servo.
Isto é muito bem ilustrado na citação de Blanning (2011, p. 33), onde ele explica o
processo de emancipação do músico que foi recebido na Inglaterra como o maior
compositor de seu tempo:

Àquela altura, sua música já estava à venda por toda a Europa. Haydn teve
a sorte de sua carreira coincidir com uma enorme expansão da impressão e
publicação de música. Embora a impressão já fosse possível desde o final
do século XV, só em meados do século XVIII começou a se desenvolver
algo parecido com um mercado de massa. Era parte essencial de um
fenômeno mais vasto: o surgimento de uma esfera pública. O aumento dos
índices de alfabetização e a concomitante revolução da leitura, a expansão
das cidades e a promoção de valores urbanos, a ascensão do consumismo
e comercialização do lazer, a proliferação de associações voluntárias como
clubes de leitura, sociedades corais e lojas maçônicas, a melhoria das
comunicações e serviços postais – todos esses avanços se uniram para
criar um novo tipo de espaço cultural que os empresários culturais trataram
de explorar.
17

Nessa época dezenas de editoras surgiram entre 1745 e 1780, em varias


partes da Europa. Houve um grande avanço nas vendas de partituras na época e
das mais variadas formas, sendo por correio, catálogos, encomendas... Peças para
grandes formações eram adaptadas para outras formações menores, quartetos,
duetos, propiciando a execução destas em salões burgueses graças às diversas
transcrições destas peças.
A transcrição no período do Romantismo teve um papel fundamental no
que se diz respeito à prática interpretativa. Neste período alguns instrumentos
estavam se transformando, se adaptando às necessidades técnicas das obras cada
vez mais complexas e sofrendo grande influência da revolução industrial. Os
instrumentistas também passavam por grandes adaptações para tocar estes novos
instrumentos. Por outro lado as transcrições serviam para a divulgação do repertório
dentre as classes emergentes, pois até então o público que ia aos concertos era da
nobreza ou os grandes burgueses.
Durante o século XVIII a ascensão da economia na Europa impulsionou a
prática musical, tanto na classe trabalhadora quanto na burguesia, e isso resultou
musicalmente falando, na grande quantidade de pianos nas casas europeias. Era
muito comum arranjos, reduções e transcrições para piano naquele tempo, como
disse Chanan (apud PEREIRA, 2011, p. 16):

A expansão do piano serviu para promover umas aventuras comerciais de


maior sucesso na época que foi a música de salão ou a sucessão de
arranjos de óperas e sinfonias, trazidas não só para dentro das casas, em
família, como também em lugares públicos através do piano solo, duos, trios
com piano, além de diversas outras combinações.

Assim, a população europeia começa a ter mais acesso à música e passa


a conhecer um pouco mais as composições de seus contemporâneos.
Alguns compositores se destacaram com suas obras de grande
virtuosismo. O húngaro F. Liszt sempre mostrava obras quase impossíveis de serem
tocadas pelos outros pianistas devido ao alto nível técnico exigido. Ele também foi
um grande adepto das transcrições. Segundo Blanning (2011, p. 196):

Liszt resolveu provar a verdade de sua afirmação ao transcrever para o


piano uma série de músicas (entre outros) Beethoven, Berlioz, Schubert,
Rossini e Verdi. Suas surpreendentes versões das óperas de Wagner são
obras-primas em si mesmas, provando de forma irrefutável o poder
expressivo de seu instrumento.
18

Liszt era um exímio intérprete, de fato, e podemos constatar isso em suas


obras para o piano, sempre muito expressivas e virtuosas. Dava concertos em
grandes salas, onde divulgava suas obras e muitas vezes as de outros compositores
da época como seu amigo R. Wagner.
Durante este período da história da música, a flauta teve um papel menos
importante como instrumento solista porque ela estava passando por um período de
mudanças e adaptações tendo em vista o nível técnico exigido pelos compositores.
De fato, a quantidade de obras escritas para ela não é grande, o que nos deixa um
buraco quando se trata de formação de repertório. Vale lembrar que apesar de não
ter um papel muito grande como instrumento solista, a flauta passou a ser
instrumento essencial na formação das orquestras por conta das transformações
sofridas durante o século XIX, passagens de virtuosismo e trechos bastante líricos
eram intercalados nas obras orquestrais e de música de câmara.
Este foi período de experimentação e adaptação dos instrumentos, não
somente da flauta, mas de vários outros, citaremos T. Boehm4. O sistema de Boehm
não ganhou logo a unanimidade, só seria adotado pelos flautistas mais tarde, após
sofrer muita resistência dos seus contemporâneos, conforme Rónai (2008, p. 75-76):

Alguns dos mais importantes flautistas contemporâneos, dentre os quais os


célebres Fürsternau e Tolou, a rejeitaram enfaticamente por acreditarem
que suas inovações tornavam supérfluos os dedilhados alternativos que
realçavam o caráter do instrumento. Füsternau, em seu Kunstdes Flöten-
Spiels (Leipzig, ca. 1844), deixa clara sua oposição à flauta Boehm, que
acusa de ter um som monótono. Os defensores da flauta de sistema
simples não estavam dispostos a abrir mão de maior variedade tímbrica do
instrumento antigo apenas para ganhar uma afinação mais precisa, um
escopo maior de dinâmica, e a fluidez técnica que a flauta Boehm prometia.
E não há nada de estranho nisso. A cada modificação introduzida em
qualquer instrumento, existe uma reação de igual força em sentido
contrário.

É bastante natural que o sistema Boehm tenha sofrido tal resistência.


Afinal, trazer facilidade na digitação e uma gama de novos artifícios já enraizados na
cultura dos flautistas da época em troca da variedade de cores do som da flauta de
madeira com poucas chaves parecia algo inaceitável, mas não se pode afirmar que
este sistema traria somente perdas. Tudo estava se desenvolvendo, era
simplesmente o momento de testar e de se abrir ao novo, ao desconhecido.

4Theobald Boehm (1794-1881), compositor, flautista virtuoso e fabricante de flautas da época que
estava para criar, em 1847, um sistema de chaves para flauta, sistema este que passou a levar o seu
próprio nome; inspirou Hyacinthe Klosé o inventor do clarinete moderno.
19

As maiores contribuições do sistema Boehm para flauta com a


implantação do seu sistema de chaves e mudança do corpo de cônico para o
formato cilíndrico, foi para melhorar a homogeneidade do som, a execução de
passagens virtuosísticas, facilitar o cromatismo e as mudanças de dinâmicas e
articulações, aumentar a amplitude do som, deixando-o mais homogêneo levando
em consideração a mudança do ambiente de concertos de salas pequenas e
privadas para as grandes salas.
Tendo em vista o fato de não existir um repertório vasto para flauta no
século XIX, a transcrição de obras de outros instrumentos para flauta é uma
alternativa significativa para suprir a necessidade de se conhecer mais os
compositores e obras deste período, no que se refere à flauta como instrumento
solista, buscando aprimorar também a questão interpretativa e expressiva do
instrumento. Dentre as obras transcritas de outros instrumentos para flauta podemos
citar algumas de grande importância para o seu repertório como a Sonata em Lá
maior para violino de C. Franck, a Sonata Arpeggione5 de F. Schubert e os 3
Romances para oboé de R. Schumann. É muito interessante salientar que estas
obras também foram transcritas para outros instrumentos como violoncelo, viola e
oboé.

5Sonata para Arpeggione e piano (d.821) escrita em 1824; o Arpeggione, uma espécie de guitarra
baixa, foi inventado em Viena em 1814.
20

3 A TRANSCRIÇÃO EM PAUTA: CONCEITOS

Nesta parte do trabalho iremos explanar e esclarecer mais sobre os


conceitos que envolvem a prática da transcrição, gerando assim algumas
discussões e confrontando alguns significados encontrados durante a pesquisa.
Para isto, usarei principalmente os conceitos encontrados no The New Grove
Dictionnary for Music and Musicians na tese de Doutorado de Flávia Vieira Pereira
(2011).

3.1 TRANSCRIÇÃO

O termo transcrição tem, por si só, diversos significados, dando-nos


possíveis aberturas e vários caminhos não relacionados ao focodeste trabalho.
Portanto, tentaremos aqui esclarecer sobre os diversos conceitos de transcrição a
fim de refletir e fomentar discussões sobre este assunto, esperando contribuir para
futuros trabalhos de instrumentistas e dos compositores. Segundo Constance
Luzzati (2014, Pág.21), os estudos gerais sobre transcrição cobrem quatro domínios:

A Etnomusicologia, onde o termo “transcrição” cabe a transposição por


escrito de uma música de tradição oral; o jazz e as músicas atuais, onde se
tratam igualmente de uma passagem da oralidade para escrita; a
transferência de um sistema de notação a outro, notadamente de uma
notação antiga à uma notação moderna, ou mesmo de uma tablatura à
partitura; a troca do meio instrumental, qualquer que seja o trabalho de
arranjo que está associado a ele.6

E segundo o The New Grove Dictionnary for Music and Musicians o termo
Transcrição tem os seguintes significados:

… refere-se a cópia de um trabalho musical, usualmente com alguma


mudança na notação… Transcrições são normalmente feitas de fontes
musicais manuscritas (antes de 1800) e que envolvem algum grau de
trabalho de edição. Pode significar também um arranjo, especialmente
envolvendo uma troca de meio7 (Grove,1980, p. 117).

6 l’ethnomusicologie, où le terme de « transcription » concerne la transposition par écrit d’une musique


de tradition orale ; - le jazz et les musiques actuelles, où il s’agit également d’un passage de l’oralité à
l’écriture ; - le transfert d’un système de notation à un autre, notamment d’une notation ancienne à
une notation moderne, ou bien de la tablature à la partition ; - le changement de médium instrumental,
quel que soit le travail d’arrangement qui lui est associé. LUZZATI, Constance. “Du Clavecin à la
Harpe, Transcription du répertoire français du XVIIIe siècle”. Minha tradução.
7 …refers to copying of a musical work, usually with some change in notation... Transcriptions are

usually made from manuscript sources of early (pre-1800) music and therefore involve some degree of
editorial work. It may also mean an Arrangement, especially one involving a change of médium. Minha
tradução.
21

Nota-se ao comparar as duas fontes que apesar das diferenças que


existem sobre os conceitos de transcrição, há pensamentos que nos levam ao
mesmo ponto: a mudança do meio instrumental. Isto consiste na troca da
instrumentação de uma determinada obra, não obrigatoriamente de um instrumento
a outro, mas sim de uma instrumentação a outra, seja solo ou em conjunto.
No caso deste trabalho, estarei relacionando meu estudo à troca do meio
instrumental: do violoncelo para a flauta, tentando sempre me manter fiel ao
Concerto para Violoncelo de Camille Saint-Saëns utilizando o máximo o idiomatismo
entre os instrumentos.
Dentre os demais termos conhecidos, podemos citar além da transcrição
outros conceitos relacionados: arranjo, orquestração e redução. É importante
ressaltar que estes conceitos muitas vezes estão interligados, um fazendo parte do
outro.

3.2 ARRANJO

Conforme encontrado no Grove (1980), “o termo arranjo pode ser


aplicado para qualquer peça de música baseada na incorporação de material pré-
existente”. Logo em seguida também há este significado: “No sentido em que é
comumente utilizado entre os músicos, no entanto, a palavra pode significar também
a transferência de uma composição de um meio para outro ou a elaboração (ou
simplificação) de uma peça, com ou sem uma mudança do meio” (MALCOLM
BOYD).
Se olharmos bem os significados de arranjo, veremos que há muita
semelhança com o de transcrição, principalmente quando se trata da mudança do
meio. Logo, temos que nos basear na questão da estrutura de cada uma para que
possamos prosseguir com o trabalho.
Ao confrontarmos os termos arranjo e transcrição, entramos numa
discussão onde alguns pontos chaves podem nos ajudar a diferenciá-los melhor.
Trata-se dos aspectos musicais, envolvendo outra série de termos que, ao
analisarmos do ponto de vista da prática musical, podemos relacioná-los e usá-los
para uma breve análise comparativa entre os termos em questão. Para Pereira
(2011, Pág. 45-46), esses aspectos se dividem em dois grupos:
22

- Aspectos estruturais (estrutura melódica, harmônica, rítmica e formal)


aqueles que se tirados, acrescentados ou modificados numa reelaboração
acabam provocando uma transformação mais imediata, apresentando
diferenças mais claras, em relação ao original.
- Aspectos ferramentais (meio instrumental, altura, timbre, textura,
sonoridade, articulação, acento, dinâmica) aqueles que ao passarem por
modificações, embora estas possam provocar mudanças, as obras
reelaboradas podem ainda manter-se próximas ao original.

Levando em consideração principalmente os aspectos estruturais,


podemos constatar que numa transcrição as estruturas são mantidas e quase todos
os aspectos ferramentais podem ser modificados.
Sendo assim, quando falamos de arranjo, não necessariamente mantém-
se a mesma estrutura e/ou harmonia da original. É interessante dizer também que
bandas sinfônicas utilizam bastante este tipo de técnica composicional tendo em
vista sua formação totalmente diferente da orquestra tradicional.

3.3 ORQUESTRAÇÃO

Orquestração é feita para transformar uma obra de menor massa sonora


para uma de maior massa sonora. Comumente usa-se uma peça escrita para piano
e enriquece a massa sonora dela utilizando artifícios teóricos e técnicos para que o
resultado da obra final mantenha as mesmas características musicais da original.
Segundo o verbete encontrado no Grove (1980), orquestração é:

A arte de combinar os sons de um complexo de instrumentos para formar


uma combinação e equilíbrio satisfatório. O termo ‘orquestração’ é
frequentemente usado para denotar o oficio de uma escrita idiomática para
estes instrumentos.8

É de bastante importância o segundo significado, pois nos remete ao que


vai ser trabalhado no terceiro capítulo deste estudo. O capítulo 3 comportará uma
sugestão de alteração na orquestração do concerto para violoncelo de Saint-Saëns
a fim de que não percamos parte do material original escrito quando transcrito para a
flauta transversal.
Vale salientar que orquestração é uma técnica composicional utilizada há
bastante tempo, tendo seus primeiros resquícios ainda na renascença, e bem

8
The art of combining the sounds of a complex of instruments (an orchestra or other ensemble) to form
a satisfactory blend and balance. The term ‘orchestration’ is often used to denote the craft of writing
idiomatically for these instruments” minha tradução.
23

melhor abordado com H. Berlioz no seu tratado “Grand Traité d’Instrumentation et


d’Orchestration Moderne” .
Um dos melhores exemplos para ilustrar o termo orquestração é a
composição do russo M. Musorgsky, “Les Tableaux d’une Exposition” de 1874, um
conjunto de dez peças para piano solo escrita em meados do século XIX e bastante
conhecida pela orquestração de M. Ravel. “Pavane pour une infante défunte” de
Ravel é uma peça para piano solo e também foi orquestrada por ele mesmo. Ainda
temos o exemplo de C. Debussy com “Clair de Lune” orquestrado por A. Caplet9.

3.4 REDUÇÃO

Redução, como se pode perceber pelo nome, nada mais é que o caminho
inverso da orquestração, onde o compositor diminui o meio instrumental de uma
obra escrita para uma grande formação instrumental e /ou vocal para um grupo de
um número menor de instrumentistas ou um piano. Temos como exemplo
numerosas obras, no caso para piano, que fazem um papel de divulgação de
repertório e desafia os instrumentistas a reproduzir e interpretar grandes obras
escritas para uma grande formação sem perder o caráter da obra.
Na tese de Flávia Vieira Pereira (2011, p. 126), encontrei uma citação
onde ela fala do conceito de redução num verbete de transcrição:

... o Dizionário dela Música e dei Musicistia borda a redução dentro do


verbete transcrizione,... O termo redução surge no final do verbete e aborda
especificamente a redução para piano.

Fica bem claro nesta pequena citação que redução está ligada fortemente
ao termo transcrição. Em seguida podemos observar também que está sendo
especificado um tipo de redução, a redução para piano. Como vimos anteriormente
nos aspectos históricos, Liszt fazia com frequência este tipo de transcrição,
divulgando o repertório sinfônico da época em concertos solos de piano.
Podemos ter também outro tipo de redução muito semelhante ao que foi
sugerido pelo verbete citado por Pereira (2011), logo em seguida ela fala que nele é
abordada também a transcrição com piano. No caso, a diferenciação entre estes
dois tipos de redução se dá pelo fato de que na redução para piano a parte da
9
André Caplet (23 November 1878 – 22 April 1925) foi um compositor francês e regente conhecido
principalmente por suas orquestrações das obras de Debussy.
(http://en.wikipedia.org/wiki/Andr%C3%A9_Caplet).
24

orquestra, ou grupo instrumental, é reduzida integralmente para o piano, ou seja,


tanto a parte de acompanhamento quanto a parte de solos são transcritas para
piano solo. Na redução com piano podemos ver que a parte do acompanhamento da
orquestra é passada para o piano, mas a parte de solo permanece para o
instrumento para qual o solo foi escrito. Este tipo de redução é mais comum, pois
facilita também a análise e a execução de pequenos concertos com solistas.
25

4 CLASSIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS TÉCNICAS UTILIZADAS NA


TRANSCRIÇÃO

Quanto à questão da classificação e descrição das seguintes técnicas de


transcrição, tomaremos como base a Tese de Doutorado de Daniel Wolff. Ele nos
explica que:

... podem-se subdividir os procedimentos contidos no processo de


transcrição em quatro diferentes categorias:
1. Registro: Engloba compressão e inversão de registro, mudanças de
oitava e procedimentos criativos. Este ultimo trata das conversões que não
se mostram estritamente necessárias, mas são realizadas para maior
facilidade na execução, ou por escolhas pessoais do transcritor.
2. Condução de vozes: Trata das mudanças na condução de vozes
relacionadas à sua reestruturação, adição e supressão de notas da
harmonia e da melodia e mudanças na ordem das mesmas.
3. Textura: Adaptações na textura relacionadas a arpejo, acordes, notas,
pedal e ornamentos.
4. Mudanças criativas: Mudanças que remetem a processos composicionais
relacionados ao idioma do instrumento para o qual a peça foi transcrita.
(apud. COSTA, 2010)

Levando em conta o que foi citado, analisando o repertório para flauta que
já foi transcrito até hoje, podemos relacionar algumas técnicas que serão utilizadas
durante o processo de transcrição do Concerto para Violoncelo de Saint-Saëns.
Para isto tomarei como exemplos duas transcrições feitas para flauta a
partir do repertório para cordas, o Concerto em mi menor para violino de F.
Mendelssohn com transcrição de W. Popp (1828-1903), a Suíte Nº 1 para violoncelo
de J. S. Bach com transcrição de Jean-Claude Veilhan e a transcrição do Concerto
para flauta e harpa de W. A. Mozart, a parte da harpa transcrita para violão, de Dalla
Costa (2011). Ao analisar este repertório e seguindo as orientações citadas
anteriormente, explicitarei nesse capítulo algumas técnicas que serão utilizadas para
o processo de transcrição do Concerto.

4.1 MUDANÇAS DE OITAVA

Normalmente a mudança de oitava é utilizada quando uma nota, ou


passagem, não é executável pelo instrumento para qual a peça foi transcrita, na
oitava onde foi originalmente escrita evitando as regiões muito graves ou muito
agudas. Ou mesmo como recurso interpretativo, onde o instrumento muda de oitava
para gerar uma mudança no sentido musical da frase, como por exemplo, nas
26

repetições onde muitas vezes se quer dar impressão de eco ou para evitar regiões
onde o instrumento não tem volume, podendo desaparecer no meio do
acompanhamento.
Cada instrumento possui extensões diferentes, o que pode causar alguns
problemas facilmente resolvidos por este recurso. Se analisarmos as extensões de
alguns instrumentos de cordas (violino e violoncelo), ou até mesmo de sopros
(oboé), podemos perceber que eles têm um número de oitavas parecido, em geral
entre 2 e 4 oitavas.

Figura 7 – Extensões da flauta e oboé

Fonte: Edição própria.

Figura 8 – Extensões do violino e violoncelo

Fonte: Edição própria.

Nota-se que os instrumentos possuem extensões semelhantes, sendo


que os instrumentos de cordas possuem uma extensão maior. Mesmo com a
diferença de uma oitava a mais nos instrumentos de cordas, o repertório para estes
quase sempre possui um intervalo de duas a três oitavas. Isso acaba facilitando a
questão da mudança de oitava no trabalho de transcrição, sem grandes problemas.
Entre a flauta e o violoncelo a semelhança é maior que entre a flauta e violino.
Muitas peças para violoncelo podem ser tocadas pelo flautista usando a mudança de
oitavas, no caso a flauta toca duas oitavas acima do violoncelo, simplesmente.
27

Figura 9 – Mudança de oitava nos compassos 30 a 38 do Concerto em Mi


menor para violino da O. 64 de F. Mendelssohn

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Figura 10 – Mudança de oitava nos compassos 31 a 38 transcrito por Wilhelm


Popp para flauta

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Como podemos notar nos trechos retirados do Concerto em mi menor


para Violino Op.64 de F. Mendelssohn fica claro que a mudança de oitava a partir do
compasso 34 foi para evitar os registros graves da flauta e para tornar executável o
trecho mantendo todo o desenho original do trecho sem qualquer alteração na
disposição das notas ou alteração rítmica, pois a flauta não alcança regiões tão
graves.
28

Este recurso é bastante utilizado na transcrição do concerto de


Mendelssohn, sobretudo para evitar mudanças maiores na composição, pela
utilização da corda mais grave do violino, a corda sol. A mudança de oitava também
é utilizada nos movimentos seguintes do concerto.

4.2 SUPRESSÕES DE NOTAS

A supressão de notas é um recurso onde são suprimidas algumas notas


que dificultam ou impossibilitam a execução de algumas passagens.
Geralmente na transcrição de obras de cordas para madeiras, a
supressão ocorre quando há passagens com uma grande sequência de cordas
duplas, seja fazendo duas vozes melódicas distintas seja fazendo sequências de
acorde impossibilitando a execução nos instrumentos de sopro.

Figura 11 – Suspensão de notas nos compassos 96 à 115 do


Concerto para violino em Mi menor Op. 64 de F. Meldelssohn

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Figura 12 – Suspensão de notas nos compassos 96 a 155, transcrição para


flauta de Wilhelm Popp
29

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Podemos ver que o transcritor se utilizou da supressão de notas como


recurso facilitador na frase a partir do compasso 105, suprimindo as semínimas
tocadas junto às quiálteras. Além disso, utilizou-se da mudança de oitava e mudou a
figura musical, substituindo as figuras de quiálteras por semínimas na mesma altura,
assim, facilitando a interpretação do concerto nesta parte. Este procedimento segue
nos primeiros e terceiros tempos da frase, mantendo o caráter desta passagem,
apesar de facilitar a execução do trecho.

4.3 TRANSFERÊNCIAS DE NOTAS PARA ORQUESTRA

Este recurso se dá no momento que o instrumento não pode executar


determinadas passagens, geralmente é utilizada em conjunto com a supressão de
notas. Ocorre com mais frequência na transcrição de instrumento de cordas para
sopros, podendo ocorrer também em instrumentos da mesma família, mas de uma
capacidade maior para menor, ou seja, quando o instrumento para o qual a obra
está sendo transcrita possui menos recursos em relação aos registros e regiões de
brilho.
A limitação se dá na transcrição para sopros, por conta das cordas
duplas, em intervalos grandes ou não, execução de acordes em instrumentos
harmônicos, ou mesmo por frases extensas que dificultam a respiração.
30

Para este exemplo, utilizarei o exemplo mostrado na transcrição de Dalla


Costa onde ele transfere as notas graves da harpa para a orquestra, mais
especificamente na parte do violoncelo, assim mantendo o timbre parecido no
trecho:

Figura 13 – Transferência de notas para orquestra, compassos 62 a 65 do


Concerto para flauta e harpa de W. A. Mozart

Fonte: Arquivo em PDF( Recorte, elaborado por Dalla Costa)


31

Figura 14 – Transferência de notas para orquestra, compassos 62 a 65


transcritos por Dalla Costa

Fonte1: Arquivo em PDF (Recorte, elaborado por Dalla Costa)

Percebe-se que Dalla Costa retirou a parte grave do trecho executado na


harpa e a transferiu para o violoncelo em forma de pizzicato, tanto para evitar os
registos mais graves do violão quanto para buscar homogeneidade na questão do
timbre entre dos instrumentos.
32

4.4 MUDANÇAS DA ESTRUTURA DE ACORDES E ARPEJOS

Este recurso é utilizado para melhor desempenho na execução de


passagens onde existem acordes (cordas), sejam arpejados ou escritos de forma a
serem executados tocando as notas simultaneamente.
Geralmente na transcrição das cordas para madeiras, os acordes são
transformados em apogiaturas em forma de arpejos rápidos ou deixando somente a
tônica do acorde e suprimindo as demais notas que o compõe. Um processo
bastante utilizado é a mudança das notas na disposição dos arpejos, o que podemos
ver nos seguintes exemplos:

Figura 15 – Mudança de estrutura de acordes e arpejos nos compassos 319 a


352 do Concerto para violino em Mi menor Op. 64 de F. Mendelssohn

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).


33

Figura 16 – Mudança de estrutura de acordes e arpejos nos compassos 319 a


352 transcritos por Wilhelm Popp

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).


34

4.5 MUDANÇAS CRIATIVAS, UTILIZAÇÃO DO HARMÔNICO

O harmônico serve para trazer mais um elemento do idiomatismo entre os


instrumentos. A utilização destes nos instrumentos de corda é bastante comum tanto
em suas obras quanto nos estudos, seja escalas ou arpejos.
Na flauta, o som é produzido pela vibração da coluna de ar no tubo e
varia de acordo com a velocidade e intensidade de ar que é injetado dentro dela e
com a combinação das chaves.

Figura 17 – Mudanças criativas, utilização do harmônico nos compassos 33 a


38 da Suíte nº1 de J. S. Bach

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Figura 18 – Mudanças criativas, utilização do harmônico nos compassos 31 a


36, transcrição de Jean-Claude Veilhan

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Neste exemplo, o transcritor sugere a utilização o recurso de harmônico


neste trecho do Prelúdio da Suíte I de Bach para Violoncelo para imitar a troca de
cordas. Nota-se que a escrita é a mesma, a mudança é sugerida por uma nota de
rodapé na partitura onde ele faz a sugestão da utilização do harmônico sobre a nota
ré na flauta.
35

5 CONCERTO PARA VIOLONCELO DE SAINT-SAËNS

5.1 BREVE BIOGRAFIA DO COMPOSITOR CAMILLE SAINT-SAËNS10

Nasceu em Paris em 9 de outubro de 1835 e morreu em Alger em 1921,


Charles Camille Saint Saëns foi uma criança prodígio no piano e na composição,
tendo feito seu primeiro recital aos 5 anos de idade. Aos 10 fez sua primeira
apresentação pública na Sala Pleyel tocando no programa o Concerto em Dó Menor
de Beethoven para piano e Concerto K.450 de Mozart, onde ele executa sua própria
cadência.
Entra para o Conservatório Nacional de Paris em 1848, onde obtém seu
primeiro prêmio em Órgão.
Grande apreciador da música sinfônica e tendo uma preferência pelo
estilo livre do poema sinfônico, escreveu A Dança Macabra onde faz uma
homenagem ao seu antecessor F. Liszt. Escreveu várias suítes orquestrais, entre
elas O Carnaval dos Animais de 1886 que contribuiu bastante para sua reputação.
Compôs também 5 sinfonias, 5 concertos para piano, 3 concertos para violino e um
para Violoncelo e várias obras de música de câmara. Autor de 13 óperas, várias
melodias de caráter religioso, mesmo não sendo crente, oratórios, cantigas, motetos
e um Réquiem.
Para flauta, escreveu duas peças de caráter mais solista que são
Tarantella para flauta, clarinete e piano (1857) a pedido de P. Taffanel11 para o
Conservatório Nacional Superior de Paris, Odelette Op.162 (1920) e Romance
(1871), ambas para flauta e orquestra.
Contemporâneo de Liszt, Rossini e Berlioz, Saint-Saëns faz sua primeira
transcrição, para piano da obra La Fête de Pâques (Damnation) de Berlioz. Ainda
transcreve outros grandes nomes como Bach, Haydn, Beethoven. Gounnod, Chopin,
Schumann e Liszt. Dentre essas obras, as que mais se destacaram foram as
(pequenas) obras de Bach transcritas para piano.
Durante toda sua vida, ele não só se dedicou à música, Saint-Saëns foi
um dos fundadores da Societé Nationale de Musique em 1871 onde lutava pelos

10
O texto a seguir é uma adaptação de textos publicados e tem como referência este site:
http://www.musicologie.org/Biographies/saint_saens_c.htmle no livro Histoire de la Musique
Occidentale de Brigitte e Jean Massin (1983).
11 Flautista francês, professor no Conservatório Nacional de Paris de 1893 a 1908.
36

direitos do músico na época. Saint-Saëns trabalhou como escritor escrevendo para


alguns jornais e revistas na França, La Renaissance Litteraire et Artistique, La
Gazette Musicale e La Revue Bleue.

5.2 O PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO DO PRIMEIRO MOVIMENTO DO


CONCERTO EM LÁ MENOR OP. 33

A transcrição deste concerto fez-se em etapas onde foram decididas


algumas alterações e sugestões ao instrumentista que executará esta obra de
acordo com as classificações vistas no capítulo anterior.
Levou-se em consideração as extensões dos instrumentos, tendo como
ponto de partida a mesma nota em comum, no entanto soando em oitavas
diferentes, pois o violoncelo possui uma extensão mais grave que a flauta, tendo
como nota de partida o dó duas oitavas abaixo. Sendo assim, a flauta começando na
nota que chamamos de Dó 3 e o violoncelo no Dó 1. Uma técnica que destacaremos
durante este processo será a de utilização de harmônicos na flauta. Vale salientar
que não é a utilização do harmônico de oitava na flauta, mas sim o de décima
quarta, imitando a técnica utilizada nos instrumentos de cordas friccionadas e
afirmando a impressão da utilização desta técnica como recurso expressivo para a
execução do concerto.

5.2.1 Mudanças de Oitava

Esta mudança ocorre no primeiro tempo do compasso 58 por conta da


mudança de dinâmica e de caráter nesta parte do movimento, preparando o ouvinte
para uma ambientação mais amena, suave. Observaremos nos exemplos a seguir:

Figura 19 – Mudança de oitava, compassos 51 a 59

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).


37

Figura 20 – Mudança de oitava, compassos 54 a 63, transcrição própria

Fonte: Edição própria.

A execução deste trecho tocado na oitava grave da flauta possibilita


manter o fraseado nas dinâmicas originalmente escritas pelo compositor com mais
facilidade e faz a preparação para a parte que sucede na dinâmica piano. Para o
flautista é uma oportunidade de repouso após a execução de passagens que
demandam bastante energia nas regiões de brilho explorando bem toda a tessitura
da flauta.
Como podemos notar, o mesmo acontece mais a frente já no compasso
176, exatamente com o mesmo propósito, de preparar a passagem seguinte com a
dinâmica piano, ilustrado no exemplo abaixo:

Figura 21 – Mudança de oitava, compassos 176 a 179, transcrição própria

Fonte: Edição própria.

A mudança de oitava também ocorre no compasso 69, mas neste caso,


escolhi utilizar a mudança de oitava por dois motivos. Primeiro para dar uma
impressão de eco, já que os dois compassos que se seguem possuem as mesmas
notas, e segundo para preparar a utilização do efeito do harmônico. Segue o
exemplo:
38

Figura 22 – Mudança de oitava, compassos 69 a 72

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Figura 23 – Mudança de oitava, compassos 51 a 59, transcrição própria

Fonte: Edição própria.

Na passagem a seguir veremos outra utilização da mudança de oitava


que ocorre por conta da mesma técnica utilizada alguns compassos anteriores à
passagem:

Figura 24 – Mudança de oitava, compassos 64 a 78

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Figura 25 – Mudança de oitava, compassos 64 a 78, transcrição própria

Fonte: Edição própria.


39

Podemos notar que devido ao uso do harmônico e para manter o


fraseado na dinâmica sugerida por Saint-Saëns, o salto que ocorre na passagem do
compasso 77 e 78é reduzido na versão para flauta devido a extensão do
instrumento. O grau de dificuldade se tornaria maior se a passagem anterior tivesse
sido escrita uma oitava acima por conta da dinâmica pianíssimo.

5.2.2 Harmônicos

A utilização deste recurso dá-se em um único momento, nos compassos


72 e 73, onde Saint-Saëns escreve para que o violoncelo toque a nota lá utilizando o
recurso do harmônico. Esta nota é indicado por um pequeno 0 acima da nota.

Figura 26 – Utilização de harmônicos nos compassos 66 a 74

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Figura 27 – Utilização de harmônicos, compassos 71 a 74, transcrição própria

Fonte: Edição própria.

Na flauta, no entanto, podemos ter duas interpretações deste trecho. A


primeira é fazer a nota lá na posição natural da nota, sem utilizar nenhum recurso
extra. Preferi utilizar a nota lá a partir do harmônico de quinta, onde o flautista deve
executar a digitação da nota ré grave fazendo soar a nota lá, com a indicação de
harmônico na partitura.
Desta forma, a execução soará como um efeito análogo ao que o
compositor quis ouvir na passagem original para violoncelo.
40

5.2.3 Supressões de notas e transferência de notas para os instrumentos da


orquestra

A flauta sendo um instrumento melódico não consegue fazer literalmente


duas vozes ao mesmo tempo. Tendo em vista essa afirmação, é possível se utilizar
da supressão de notas em conjunto fazendo a transferência das dessas notas
suprimidas para algum instrumento da orquestra. Como podemos observar no
exemplo a seguir, a passagem a partir do compasso 91, o violoncelo executa uma
sequência de cordas duplas, técnica muito característica dos instrumentos de
cordas:

Figura 28 – Supressão e transferência de notas para orquestra, compassos 89


a 110

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).


41

Figura 29 – Supressão e transferência de notas para orquestra, compassos 91


a 109, transcrição própria

Fonte: Edição própria.

Para poder resolver esta passagem, tornando-a mais fiel a composição


original, suprimi as notas centrais que fazem uma linha de condução ascendente
entre as notas graves e agudas da passagem e as coloquei na parte da segunda
flauta, assim mantenho o mesmo timbre, não perdendo nenhuma das linhas de
condução da frase.
No exemplo seguinte acontece exatamente à mesma situação, as notas
repetidas são suprimidas da parte do solo e transferidas para a parte da segunda
42

flauta. Deixando a primeira flauta livre para fazer sua linha originalmente tocada em
uníssono pelas duas flautas:

Figura 30 – Supressão de notas para orquestra, compassos 144 a 162

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Os trechos modificados podem ser facilmente visualizados pelas


marcações:

Figura 31 – Supressão de notas para orquestra, compassos 91 a 109,


transcrição própria

Fonte: Edição própria.


43

Já no exemplo a seguir veremos que ocorre somente a simples supressão


de notas:

Figura 32 – Supressão de notas, compassos 106 a 110

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

Foi decidido tomar uso da supressão da nota sol para evitar uma quebra
no sentido ascendente da frase e, mais importante, criar um ponto de respiração
para que o flautista possa executar a seguinte frase com mais naturalidade:

Figura 33 – Supressão de notas, compassos 107 a 111, transcrição própria

Fonte: Edição própria.

5.2.4 Alterações na execução de acordes

Trechos tocados em cordas duplas são muito característicos dos


instrumentos de cordas, às vezes estes instrumentos têm que tocar até suas 4
cordas simultaneamente. Como podemos ver a seguir, o violoncelo termina uma das
semi-frases do trecho executando um acorde:

Figura 34 – Alteração na execução de acordes, compassos 154 a 158

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).


44

Para tornar a execução desta passagem na flauta mais idiomática, sugeri


a formação de um arpejo sem alteração na estrutura do acorde, assim o flautista
poderá obter um resultado semelhante ao que é executado ao violoncelo, como
pode ser visto no exemplo abaixo:

Figura 35 – Alteração na execução de acordes, compassos 154 a 158,


transcrição própria

Fonte: Edição própria.

5.2.5 Mudanças na disposição de notas de acordes

Como podemos observar na passagem a seguir, o violoncelo faz uma


sequência de acordes e finaliza a frase com a execução de um acorde:

Figura 36 – Mudanças na disposição de notas de acordes, compassos 159 a


166

Fonte: Arquivo em PDF (Edição de recorte próprio).

A mudança na disposição dos acordes neste trecho do compasso 162 a


166 se dá como uma sugestão para facilitar a execução sem perder o caráter
melódico e harmônico da frase:
45

Figura 37 – Mudanças na disposição de notas de acordes, compassos 161 a


175, transcrição própria

Fonte: Edição própria.

As notas dos acordes permanecem as mesmas, mas suas disposições


foram alteradas de maneira em que a direção da frase é mantida pelas notas mais
graves dos acordes. Os principais motivos da alteração neste trecho dos compassos
162 a 166 são os intervalos entre as notas lá e mi, que ao ser executado na flauta há
uma grande possibilidade da nota soar de maneira indesejada, pois a nota mi 5 pode
ser obtida pela mesma digitação da nota lá através do harmônico. Isso gera uma
dificuldade muito grande quando este intervalo é tocado no sentido contrário (mi5-
lá4) e para resolver este problema sugeri a alteração da posição das notas mais
graves para facilitar a execução, pois mesmo que a diferença entre os intervalos
seja maior, a dificuldade de obter um bom resultado sonoro é menor. Além de que
tanto na parte de violoncelo quanto da flauta podemos perceber que há um
movimento descendente da linha melódica.
Podemos notar que ao final da frase, no compasso 166, foi utilizada a
supressão de notas do acorde final deixando somente a tônica do acorde, nota fá.
Esta decisão foi tomada para obter um melhor fraseado junto à passagem anterior,
levando em consideração o movimento descendente formado pela alteração das
notas dos acordes nos compassos.
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CONCLUSÕES

Levando em conta o resultado deste trabalho podemos dizer o quanto é


importante o conhecimento da transcrição para formação de qualquer músico, seja
qual for à área na qual ele atua. Não podemos afirmar que a transcrição serve para
somente um fim, pois para que possamos começar uma transcrição temos que levar
em consideração alguns fatores, entre eles: idiomatismo entre os instrumentos; a
extensão dos instrumentos; a habilidade de fazer uma releitura e recriação musical,
o conhecimento mais abrangente sobre história da música e seus diferentes
períodos e estilos, e finalmente as técnicas específicas dos instrumentos.
Ao entrar em contato maior com a transcrição, não só como instrumentista
solista, mas também como uma prática de releitura e reelaboração musical,
podemos entender melhor o quanto é importante para o estudo da música o
conhecimento teórico aplicado à composição. Isso nos leva a refletir sobre a
importância da escuta e apreciação musical de maneira mais abrangente e o quanto
nós devemos conhecer sobre os outros instrumentos.
Este trabalho teve como objetivo principal mostrar de uma forma didática, em
particular aos flautistas dos cursos de bacharelado, como é feita uma transcrição
para flauta e quais os caminhos que podem ser tomados a partir de análises de
outros repertórios já utilizados para a prática da transcrição, proporcionando uma
visão mais crítica sobre como executar as passagens idiomáticas também como
uma abertura para uma ampliação do repertório e apreciação musical mais
abrangente.
É importante ressaltar que os resultados obtidos na execução da transcrição,
objeto desta pesquisa, no ato da performance podem ser diferentes de acordo com o
instrumentista que a executa. Este tem liberdade de tomar suas próprias decisões
quanto a sua interpretação tomando como base os conceitos e as técnicas
sugeridas durante o processo aqui demostrado.
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REFERÊNCIAS

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Horizonte, v.1, 2000. P.89-97.

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Letras, 2011.

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Mestrado do PPGMus da Universidade Estadual de Campinas, 2008.

BORÉM, Fausto.250 anos de música brasileira no contrabaixo solista: aspectos


idiomáticos da transcrição musical. ANAIS DO XII ENCONTRO ANUAL DA
ANPPOM-ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
MÚSICA. Ed. Oscar Dourado. Salvador, 2000. (CD ROM, 8p.).

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– Vol I. Macmillan Press Ltda. Londres, 1980.

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RÓNAI, Laura. “Em busca de um mundo perdido, Métodos de flauta do Barroco ao


século XX”. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008.
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APÊNDICES
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APÊNDICE A - GRADE DO CONCERTO PARA FLAUTA


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APÊNDICE B - PARTE FLAUTA SOLO


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