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Cap.

13
Psicologia para fazer a crítica, a crítica para fazer a psicologia.1
Odair Furtado2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Psicologia e o compromisso social/Ana Mercês Bahia Bock (org.).
-- 2. ed. rev. -- São Paulo: Cortez, 2009.
Vários autores.
ISBN 978-85-249-1515-4
1. Compromisso (Psicologia) 2. Pesquisa psicológica 3. Psicologia
- Brasil 4. Psicologia - História 5. Psicologia como profissão 6.
Psicologia social I. Bock, Ana Mercês Bahia.
09-05762 CDD-150.981
índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Psicologia: História 150.981
pp. 241 – 254.

1. O pensamento crítico
Desde os pré-socráticos temos exercitado o pensamento crítico. A Filosofia se
caracteriza dessa forma desde a Grécia Antiga. Então, esta forma de pensamento não
representa nenhuma novidade. As escolas se sucedem exatamente pela crítica do modelo
anterior e não foram poucas. Entretanto, não deve ser desse ponto de vista que estamos
enquadrando o termo crítica ao apontarmos que é necessário realizar a crítica da psicologia
hoje e como usá-la para fazer a própria psicologia. Estamos falando, certamente, do fato de
que o conhecimento consolidado se transforma em conhecimento conservador. Vou usar,
como referência, o pensamento que considero crítico por excelência, a filosofia política de
Karl Marx. Marx utiliza a crítica como método e parte do que considera a base de
conhecimento a ser superada, na época, a filosofia oficial do estado prussiano – o
hegelianismo. Ocorre que Hegel também era crítico, mas seu pensamento crítico, com o
passar do tempo passa a ser usado como uma verdade absoluta pelo estado prussiano, ou
seja, a filosofia de Hegel passa a ser usado como instrumento de manutenção do status quo.
Quando sua filosofia é instrumentalizada pelo estado, o hegelianismo perde sua virulência e

1
Versão adaptada e revista da intervenção em mesa-redonda realizada no I Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e
Profissão em setembro de 2002, realizado na cidade de São Paulo (SP).
2
Professor Associado da PUC-SP, doutor em Psicologia Social, coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Psicologia Social da PUC-SP. Membro do Instituto Silvia Lane de Psicologia e Compromisso Social. E-mail:
odairfurtado@gmail.com.
deixa de ser crítico. Se um pensamento crítico pode ser capturado, isso significa que ele não
é tão virulento como poderíamos supor. Sabemos, que uns são mais facilmente capturados
que outros. Valho-me de uma produção do cotidiano – o movimento punk na periferia de
São Paulo na década de 80: esse movimento era absolutamente virulento e, portanto,
crítico. Sua crítica era voltada para a sociedade de consumo e, com uma rapidez que
caracteriza a sociedade capitalista moderna, foi transformado em consumo. O hegelianismo
foi um conhecimento que permitiu sua captura porque servia para justificar o estado
prussiano. Um bom exemplo da virulência da crítica exercida por Marx, encontramos no
livro Miséria da Filosofia. Trata-se de uma resposta ao pensador francês P.J. Proudhon que
havia escrito A Filosofia da Miséria. Em um determinado trecho do livro Marx ataca ao
mesmo tempo Hegel e o próprio Proudhon:

“Desse modo absoluto fala Hegel nos termos seguintes:


‘O método é a força absoluta, única, suprema, infinita, a que nenhum objeto pode opor
resistência; é a tendência da razão a encontrar-se e reconhecer-se a si mesma, em cada coisa’
(Lógica, t. III)
Se cada coisa se reduz a uma categoria lógica, e cada movimento, cada ato de produção ao
método, daqui se infere, naturalmente, que cada conjunto de produtos e de produção, de objetos
e de movimento, se reduz a uma metafísica aplicada.
O que Hegel fez para a religião, o direito, etc., o Sr. Proudhon pretende fazer para economia
política.” p.103

Em uma outra oportunidade Marx e Engels, no livro A Sagrada Família 3, que leva o
sugestivo subtítulo de “Crítica da crítica crítica: contra Bruno Bauer e consortes” podemos
notar que o tom da crítica é o mesmo, mas há também uma exposição dos critérios da
crítica, que de resto, nestes autores estão bastante explicitados no decorrer de sua obra:
“Para o senhor Bauer a verdade é, como para Hegel, um autômato que se demonstra a si
mesmo. O homem só tem de a seguir. Como em Hegel, o resultado do desenvolvimento real
não é senão verdade demonstrada, isto é, levada à consciência. A Crítica absoluta pode
portanto, coincidindo com o teólogo mais limitado, pôr a questão:
‘Para que serviria a história, se não tivesse por missão precisamente prova-nos estas verdades,
as mais simples de todas (como o movimento da terra à volta do sol)?’” (p. 119)

Neste caso, o fundamento para a crítica é a contraposição do materialismo ao


idealismo e a crítica sistemática da filosofia e dos filósofos neo-hegelianos, levam Marx e
Engels a produção do livro A Ideologia Alemã: Crítica da novíssima filosofia alemã nas

3
MARX, K & ENGELS, F. A sagrada família ou a crítica da crítica crítica: contra Bruno Bauer e consortes. Lisbora:
Presença. São Paulo: Martins Fontes, 1974.
pessoas de seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stiner e do socialismo alemão na de
seus diferentes profetas. Neste caso, um profundo trabalho teórico em que os autores
expõem as bases da constituição material da consciência humana, para demonstrar que não
é a consciência que constrói o mundo, mas o mundo a constrói numa inter-relação dinâmica
e dialética.
Quando Marx busca colocar Hegel de cabeça para baixo, como aprendeu com
Feuerbach, procura levar a crítica ao seu limite o que significa produzir um manejo que
impediu a fácil captura desse conhecimento pelo Estado e pelas classes dominantes. Isso
significa dizer que o marxismo será crítico para sempre? Não, se formos radicalmente
marxistas, não podemos acreditar na existência de qualquer coisa eterna, porque isso seria
acreditar no fim da história. O que aprendemos com Marx é que a crítica para ser eficiente
deve ser radicalmente crítica.

Gosto muito de um texto de Michel Foucault chamado, Nietzsche, Freud, Marx4 ele
mesmo um autor crítico. Neste texto, Foucault procura demonstras a base da construção
crítica dos três monstros do pensamento moderno. Ele considera que os três construíram
uma nova epistemologia que leva em consideração a interpretação. Ou seja, cada um ao seu
modo busca a proveniência do fenômeno que não está na sua aparência, no sentido de
factibilidade (claro que não vou cair na armadilha de considerar o fenômeno através do
essencialismo). Freud busca a determinação do sujeito no seu inconsciente, Nietzsche na
cultura e o que me interessa, Marx, nas múltiplas determinações da história. De qualquer
forma, para os três é necessário um exercício de desvelamento da realidade. A coisa não
nos aparece, no imediato, como ela realmente é. No caso de Marx, temos a teoria da mais-
valia e todas as decorrências da produção da mercadoria.
Então, o que Marx faz é levar ao limite a crítica ao capitalismo e suas várias formas
de expressão. Conhecemos muitas tentativas de captura do marxismo, desde a interpretação
reformista da social-democracia até a leitura acadêmica conservadora. Conhecemos formas
que procuram aprofundar o pensamento crítico e gostaria de mencionar a escola de
Frankfurt – Adorno e Horkheimer. A preocupação com a crítica é tão intensa que chega a
paralisar e não encontramos uma solução para o problema – como superar o capitalismo.

4
Foucault, M. Nietzsche, Freud, Marx. In Nietzsche. Cahiers de Royaumont, Philosophie nº VI. Paris : Minuit, 1967 (183 –
192)
Em Dialética do Esclarecimento5 os autores corretamente analisam a proveniência do
homem burguês e como a perspectiva estava traçada desde o mito de Ulisses na Grécia
Antiga – eles estão fazendo referência à capacidade de iludir. A pedra de toque do
capitalismo está na sua capacidade de iludir, de encobrir através da ideologia, os processos
de dominação de classe. Curioso notar que o desdobramento da escola de Frankfurt,
Habermas, nos leva na direção da superação do problema e na produção de um outro
problema: Em seu Discurso da Ação Comunicativa, Habermas supera o negativismo da
escola de Frankfurt ao mesmo tempo em que acaba com a virulência da crítica. A ação
comunicativa se coloca no lugar da revolução e o capitalismo será superado por dentro –
como diria o poeta Thomas S. Eliot, não com um estrondo, mas com um suspiro!
Temos também hoje a releitura de György Lukács e de Antonio Gramsci. O primeiro
usado muitas vezes como exemplo de submissão ao stalinismo e o segundo como pré-
mentor do eurocomunismo. Mas a potência de Lukács tem sido retomada como forma de
discussão do sujeito – sobre a consciência de classe e a ontologia do ser social. E o segundo
vem sendo muito usado, particularmente no campo da educação. Curioso pensar que fora
Adorno e Horkheimer, nunca ouvimos falar dos outros autores na psicologia. Curioso
porque a educação, a economia, a ciências sociais não prescindem desses autores para
exercitar o pensamento crítico. Por que a psicologia não precisa deles? Acho que temos
aqui um sinal!

2. A crítica na psicologia

Acho que posso afirmar sem susto que a produção de conhecimento na psicologia tem
sido conservadora. Não preciso fazer retrospectos e o leitor deve conhecer a história da
psicologia. Não há um autor, dos mais conhecidos, que tenha se dedicado à produção de um
conhecimento revolucionário. Mesmo Freud mencionado acima, era um pensador
conservador. Revoluciona o conhecimento psicológico, mas não coloca esse conhecimento
a serviço da transformação social. São raríssimos autores da psicologia que trabalham de
um ponto de vista radicalmente crítico como mencionamos anteriormente. Vigotski e seus
seguidores representam uma exceção. Lucien Sève, Louis Althusser, Georges Politzer

5
ADORNO, Th. W. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1985. 2ª ed.
escreveram sobre a psicologia desse ponto de vista crítico, mas não eram psicólogos ou se
dedicavam à psicologia como tema central de sua obra. Mesmo os autores da Escola de
Frankfurt emprestaram à psicologia, pela vertente da Psicanálise uma leitura crítica, mas
também como os anteriores, não era a Psicologia o objeto central de suas preocupações.
Quando observamos o carro chefe da Psicologia Social, da Psicologia do Desenvolvimento,
da Psicologia Clínica, a produção é, na imensa maioria das vezes, conservadora e quando
há crítica, ela está no limite da crítica interna, que leva em consideração a própria
consistência do objeto analisado, do ponto de vista da lógica formal.
Bem, talvez o próprio objeto da psicologia seja conservador. Trabalhar com o
psiquismo é trabalhar com o resultado das determinações sociais como algo pronto, dado,
consolidado. Mesmo quando se admite a plasticidade desse psiquismo, ele é pensado a
partir de seu próprio referencial. Não se pensa o sujeito como produto de múltiplas
determinações (inclusive as orgânicas e mentais).
Só muito recentemente o pensamento crítico chega à psicologia e posso mencionar
Deleuze e Guattari como exemplo. A referência destes autores está assentada em Marx,
Nietzsche e Freud e em uma visão militante de filosofia. Deleuze, filósofo francês que revê
a filosofia a partir da leitura de Platão, Leibniz, Bérgson, Hume e Nietzsche, se associa a
Félix Guattari, psicanalista francês que participou do movimento institucionalista da década
de 60 e produziu a reforma no hospital psiquiátrico de La Borde. Dessa união nasce um dos
mais contundentes ensaios da psicologia contemporânea – O Anti-Édipo6. É verdade que a
influência pós-modernista ou pós-estruturalista leva Guattari na direção da micropolítica e
ao movimento autonomista, que teve sua maior expressão na Itália dos anos 80. Entretanto,
não se pode negar que trouxeram para a psicologia uma visão programática de intervenção
na realidade. Aqui no Brasil, parte do movimento de Rádios Piratas e, depois, rádios
comunitárias, foi incentivada pela intervenção de Gattari quando aqui esteve.
Existem outros, como é o caso de Serge Moscovici, Robert Pagès, Max Pagès, Claude
Faucheux que em 1962 escrevem para o volume 25/26 da revista Arguments, “Vers une
psycho-sociologie politique”7 e podemos dizer que a partir da década de 60 chega à
psicologia uma vaga de pensamento crítico. Será também a partir dos anos 60 que Michel

6
DELEUZE, G. & GUATTARRI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Lisboa: Assirio & Alvim. S/d. edição do original
em francês pela Minuit em 1972.
7
Moscovici, Serge et alli Psicologia Social y compromisso político: Responsabilidades actuales del Professional de la psicologia.
Buenos Aires: Rodolfo Alonso Ed., 1971.
Foucault passará a demolir sistematicamente a noção naturalizada e conservadora de
subjetividade que predominava na psicologia e psiquiatria até então.
Na América Latina, como apontou Maritza Montero8, o pensamento crítico chega à
Psicologia através do educador brasileiro Paulo Freire e do sociólogo colombiano, Fals-
Borda. Os dois exerceram forte influência na produção de um pensamento crítico latino-
americano e essa visão crítica acabou também influenciando a Psicologia latino-americana,
até então muito ligada aos cânones do experimentalismo que dominava a psicologia dos
Estados Unidos da América. Apontando a influência de Paulo Freire e Fals-Borda, escreve
Montero:
Sobre estas bases la psicologia comienza, a mediados de los años 70 a intentar redefinir su
praxis social, tratando de responder así a las críticas y acusaciones de ser socialmente
irrelevante e insensble. Tal examen de consciencia, así como el dolor de tales pecados y su
correspondiente propósito de enmienda, se traducirán en el surgimiento de una corriente de
construcción y transformación crítica, mardada por ideas liberadoras en el campo de la
psicología comunitaria, cuyo desarrollo inicialmente concretado a formas de intervención, ha
pasado a la construcción teórica y a la disquisición epistemológica, así como a ser objeto de
aplicación y estudio en otros ámbitos… (p.13)

Em artigo tratando da psicologia e ação social, Furtado et alli9 chegam a uma posição
muito semelhante a essa manifestada por Maritza Monteiro, analisando como surge a
Psicologia Social Comunitária em São Paulo. Neste caso, também a influência marcante, do
ponto de vista de uma teoria crítica, é a de Paulo Freire e Fals-Borda. Mas no caso de São
Paulo, particularmente na produção realizada na PUC-SP e capitaneada pela professora
Silvia Lane, esse pensamento crítico é também influenciado pelo marxismo e é o que levara
Silvia Lane a aproximar-se de Vigotski, Lúria e Leontiev e constituir o que Maria
Auxiliadora Banchs chamou de Escola de São Paulo. No mencionado artigo os autores
apontam que:
... a participação dos setores de classe média nos movimentos populares, através da JUC, cresce
qualitativa e quantitativamente na virada dos anos 60. Os militantes mais preparados da JUC
conquistam cargos nas UEEs de vários estados e na UNE, e tendem a se constituir como um
verdadeiro partido. Ainda de acordo com esse autor, é nesse momento que militantes da JUC e
líderes políticos formulam a idéia de uma nova organização política que será conhecida como
Ação Popular, a famosa AP. A AP passa progressivamente a funcionar como um partido e
afasta-se da direção ideológica (de caráter religioso) dada pela Ação Católica. Com o golpe de
64 e a mudança de rumos no compromisso político dos setores de esquerda, que se colocam na
luta de resistência ao modelo que se impôs através da força das armas, a AP rompe com a

8
Montero, Maritza Perspectivas y retos de la Psicología de la liberación. Em Vázquez Ortega, José Joel (coord) Psicología
Social y Liberación en América Latina. Cid. do México: UAM Iztapalapa, s/d.
9
FURTADO, O; BICHARA, T; RIBEIRO, C. A psicologia social e a ação social. Psicologia Revista: revista da Faculdade de
Psicologia da PUC-SP, nº 7, dezembro de 1998.
Igreja Católica e torna-se um movimento independente com características de partido
revolucionário.10

É no bojo desta participação que aparece a psicologia comunitária no Brasil. Os


acontecimentos imediatos que antecedem ao seu aparecimento são bastante
ilustrativos. Já relatamos que a década de 70 marca o encontro dos pesquisadores
latino-americanos que estão descontentes com a teoria predominante na psicologia
social e que é quase toda importada dos EEUU e, pela sua pretensão de se constituir
como uma produção neutra, não responde à realidade latino-americana, que, pelo
contrário, exige posicionamento político do pesquisador, como já demonstrava o
campo da Educação e das Ciências Sociais. Em 1977, depois de amadurecer a crítica
à psicologia social americana, Silvia Lane e Alberto Abib Andery lançam o programa
que abrirá estágios na cidade de Osasco, na Grande São Paulo. Abib é padre, além de
psicólogo, e, na época, estava ligado à Frente Nacional do Trabalho, que tinha um
núcleo bastante ativo em Osasco, e à JOC - Juventude Operária Católica. Em 1978,
juntamente com Luiz Eduardo W. Wanderley, que dirigia a URPLAN - Instituto de
Planejamento Regional e Urbano da PUC-SP, Silvia Lane e Abib realizam um
detalhado estudo sobre os dois bairros de Osasco para a Secretaria de Economia e
Planejamento do Governo do Estado de São Paulo, que foi publicada em 1979. Os
bairros escolhidos para o estudo eram Jardim Yolanda (o mesmo onde se instalou a
primeira Comunidade Eclesial de Base em Osasco) e Jardim Santo Antônio.

Não é possível neste espaço, dado o próprio escopo deste artigo, avaliar a influência da
militância em partidos políticos de esquerda ou da própria influência que um pensamento

10
Para Luís Eduardo Wanderley, “...um grupo de jucistas e mais alguns profissionais cristãos engajados,
predominantemente, criaram um movimento político que estava fadado a exercer influxo na ACB (Ação Comunitária
Brasileira) e no processo político brasileiro. Lançado informalmente em 1961, tornou-se público em meados de 1962. Sua
história ainda está por ser escrita, havendo múltiplas versões principalmente na bibliografia que trata da Igreja.” Citando
Souza Lima, Wanderley aduz que “O desenvolvimento da ACB e a formação da AP são fenômeno nacional, que se coloca
dentro dos marcos teóricos e históricos do processo de formação das esquerdas brasileiras e necessita ser conhecido,
compreendido, analisado e criticado como tal...” Ainda citando Souza Lima, Wanderley conclui que “...são três os fatores
que permitiram a AP crescer nos seus dois de vida legal (1962 -1964): a) era uma organização nacional e assim recebeu
militantes da ACB (basicamente da JUC e JEC) de todo o País... b) era uma organização presente em várias classes e
setores de classe da sociedade - com hegemonia na direção do movimento universitário e grande força no movimento dos
estudantes médios, e penetração razoável em setores da pequena e média burguesia; c) possuía uma ideologia em via de
definição - propunha o engajamento político dos cristãos na mudança social brasileira, na direção de um projeto socialista,
a partir de motivações humanistas cristãs fundidas com o materialismo histórico, e com críticas à natureza das
transformações ocorridas na União Soviética e em outros países socialistas.”
ou uma teoria revolucionária teria exercido sobre os promotores do pensamento crítico na
Psicologia a partir da década de 60, mas o caso brasileiro pode ser emblemático e assim
estar apontando uma tendência. Há um evidente compromisso dos atores da construção do
pensamento crítico na psicologia brasileira com a transformação social. A trajetória de
Silvia Lane se consolida com o lançamento, juntamente com Wanderley Codo, do livro
que os dois organizam em 1984 – Psicologia Social: o homem em movimento11. Nesta
obra os organizadores não deixam dúvidas, pretendem construir uma psicologia social
militante, um instrumento para pensar a realidade brasileira e que sirva como elemento
crítico para seus leitores. Podemos dizer que nasce ali uma Psicologia Social brasileira com
forte compromisso social, em que o exercício da crítica é o fio condutor de toda a obra,
reunindo autores que vinham discutindo alternativas para a Psicologia Social de cunho
cognitivista e experimental praticada nos Estados Unidos e como decorrência, também no
Brasil. A intervenção social e a discussão do compromisso social do psicólogo e a
renovação teórica a partir do desvelamento da realidade, do cotidiano do trabalhador, do
morador da periferia, representou uma verdadeira práxis social. Qualquer pensamento que
se disponha a uma crítica radical, não pode prescindir da práxis no sentido da intervenção,
da reflexão, da abstração, enfim da construção de uma teoria crítica da realidade.
Martin-Baró também é um grande exemplo de construção de um pensamento crítico na
psicologia latino-americana. Ainda de acordo com Furtado et alli:

Martín-Baró nasceu na Espanha. Foi jesuíta, padre paroquial, teólogo e psicólogo. Foi
assassinado em 16 de novembro de 1989 por soldados do governo de El Salvador.
Sua trajetória foi fortemente marcada pelo seu envolvimento político, quando abraçou a
concepção da opção preferencial pelos pobres, princípio central da Teologia da Libertação
Critica o capitalismo e a relação entre exploradores (classe dominante) e explorados (classe
dominada), assumindo a perspectiva da maioria oprimida. Para tanto, faz investigações
sistemáticas das classes trabalhadoras utilizando o método dialético. Coloca o resultado de suas
pesquisas à disposição dos próprios trabalhadores, buscando com isso a ação política a partir do
seu trabalho científico. Acredita, desta forma, numa ciência que esteja engajada, que toma
partido e que não advoga a neutralidade. O ponto central de sua produção é o que ele poderia
aprender que viesse a contribuir para a sua tarefa de criar e aplicar uma psicologia a serviço da
luta do povo Salvadorenho por liberdade e justiça.

Martín-Baró foi um militante que lutava contra as oligarquias salvadorenhas e foi um


militante da psicologia latino-americana, a figura do psicólogo, do teólogo e do

11
LANE, Silvia T. M. & CODO, Wanderley (orgs.) Psicologia Social: O homem em movimento. São Paulo: Brasiliense,
1984.
revolucionário se confundiam. Sua psicologia buscou o tempo todo a crítica do modelo
conservador a partir da realidade vivida pelo salvadorenho. No artigo mencionado acima12
a obra de Martín-Baró é analisada através das seguintes categorias:
Fazer - Fazer transformador: trabalha com a construção de uma nova verdade política e social -
portanto:
Ação social: a psicologia torna-se instrumento de luta
Nível de consciência de classe do trabalhador salvadorenho
Identidade: situação concreta de vida do trabalhador salvadorenho
Constituição da identidade social: condições para o trabalhador buscar sua própria autonomia
No artigo intitulado Hacia una Psicologia Politica Latinoamericana, Baró define e classifica os
fenômenos que devem estar presentes na elaboração de uma psicologia política. O ponto de
partida deve ser a realidade da América Latina e deve enfocar os dilemas 1) entre ditadura e
democracia, 2) entre dependência e autonomia regional e 3) entre alienação e identidade
histórica.

Silvia Lane, Ignácio Martín-Baró, Maritza Monteiro, Gladys Montecino, Fernando


González Rey, entre outros formaram uma geração, ainda hoje bastante atuante, que
constrói a base do pensamento crítico na Psicologia latino-americana. A iniciativa é
pioneira e se observamos o relato de Ian Parker sobre o mesmo processo no reino unido,
veremos que lá o pensamento crítico somente chega à Psicologia no final dos anos 70:

La historia comienza com uma intervención teórica por parte de otras personas que fue
también concebida como práctica política, con la revista Ideology and Consciousness (Ideología
y Conocimiento), que apareció por vez primeira en 1977, antes de que muchos de nosotros
fuésemos estudiantes de psicología, y desaparecería en 1981, al comienzo de nuestro trabajo de
postgraduado.
La revista tradujo escritos de Michel Foucault y otros teóricos franceses, aunque por ese
entoces nos pareció bastante incomprensible, esta era la única revista marxista en psicología
disponible. También intentó una serie de compromisos con el feminismo proporcionando un
marco para el trabajo critico. Había grupos de lectura y discusión en diferentes partes del Reino
Unido…13

Os ingleses são influenciados por Foucault, pelos lacanianos e pela geração dos
anos 60 e 70, período em que revistas como Humpty Dumpty e manifestos como Rat, Myth
and Magic defendiam uma posição crítica e humanista de renovação da psicologia, com a
presença de Laing e Cooper, autores da Anti-psiquiatria.
A influência francesa está presente também entre os psicólogos latino-americanos
primeiro porque Louis Althusser era leitura obrigatória dos marxistas no final dos anos 60 e

12
FURTADO, O; BICHARA, T; RIBEIRO, C. (op. cit)
13
Parker, Ian. Discurso, subjetividad y el orden social: El Unidade Del Discurso. Em VÁZQUES ORTEGA, J. J. Psicología
Social y Liberacón en América Latina. Cid. do México, UAM Iztapalapa, s/d.
início dos 70. Filósofo e militante do Partido Comunista Francês, responsável pela
depuração da visão stalinista da geração anterior a autor da famosa tese do “corte
epistemológico” entre Hegel e Marx, Althusser ganhou tantos admiradores quanto críticos
neste período. O fato é que para a geração de 68 ele representava algo novo no campo do
comunismo, muito marcado pela oficialidade soviética e pela política stalinista.
Representava a renovação para os que buscavam alternativa no campo da esquerda, assim
como o maoismo (mais) e o trotskismo (menos) adotado pelos jovens estudantes franceses
que estavam atrás das barricadas nas ruas de Paris em maio de 68. Herbert Marcuse,
filosofo alemão radicado nos Estados Unidos, membro da Escola de Frankfurt, era
praticamente o filósofo “oficial” da juventude rebelada em 1968. Assim, Althusser
respondia aos jovens que simpatizavam com PCF e estavam submetidos a severas críticas
pelos opositores do stalinismo. Evidentemente, entre as posições de Marcuse e as de Mao
Tse Tung havia considerável distância, mas o que importava realmente era uma leitura
combativa que garantisse a ação revolucionária e a crítica ao status quo do comunismo
representado pelos Partidos Comunistas servis a direção soviética, ou seja, ao stalinismo.
O período carrega inúmeros intelectuais franceses para a esquerda e é famosa a
“conversão” de Jean-Paul Sartre ao marxismo e seu apoio aos estudantes, visitando-os em
plenas barricadas. De resto, Sartre já havia escrito em 1960 o famoso Critique de la raison
dialectique pela Gallimard14, que colocava o existencialismo na direção da teoria crítica,
exatamente respondendo a crítica que lhe faziam os marxistas.
A crítica ao estruturalismo era o outro pólo desse efervescente caldeirão de idéias
representado pela geração de 68 e dessa crítica surgem posições como as de Foucault que
começa seu itinerário crítico discutindo exatamente a psicologia, a partir da década de 60.
Claro deve ficar que a geração anterior a esta geração crítica dos anos 60 e 70,
também exerceu um pensamento crítico e talvez, Georges Politzer, tenha sido um pioneiro,
elaborando o projeto que denominou de Psicologia Concreta. De acordo com Marcos R
Ferreira:
Militante do Partido Comunista, no qual ingressou já no final da década de 20, parece ter
chamado para si a tarefa de articular o estabelecimento dos fundamentos de uma nova
Psicologia, compatível com o materialismo histórico. Fuzilado pelos nazistas em 1942, há 13
anos deixara de escrever de forma sistemática sobre a Psicologia, o que tem sido atribuído por

14
Sartre, Jean-Paul. Crítica de la Razón Dialéctica. Buenos Aires: Losada, 1979, 2 vl.
alguns estudiosos de sua obra a uma possível desistência (e descrédito na possibilidade) de
construir a Psicologia Concreta...15

Lembro-me que Silvia Lane tomava como base, no final dos anos 70, a Psicologia
Concreta de Politzer para iniciar a discussão crítica da Psicologia Social. Politzer fez a
leitura crítica da psicologia da década de 20 e, apesar de severas críticas à Psicanálise,
considerava que esta era a concepção que mais se aproximava do modelo crítico que
defendia. Não chegou a construir as bases dessa nova Psicologia, mas deixou o clamor e a
necessidade de um pensamento crítico na Psicologia.
Com um pouco de esforço podemos retroagir até a Volkerpsychologie de Wundt e a
produção de um projeto para a Psicologia que teria mudado sua face atual. Michel Cole16,
representante da Psicologia Sócio-Cultural, seguidores americanos de Vigotski, aponta que
ocorreu uma reviravolta no pensamento de Wundt, na primeira década do século XX,
renegando a trajetória por ele próprio inaugurada, do experimentalismo na Psicologia, que
entretanto acabou não vingando. Alguns pesquisadores, como Cole, estão buscando nesta
tradição aportes para a discussão de uma Psicologia Crítica através de um ramo que
intitulam, inspirados em Wundt, de Psicologia Cultural.
Até aqui apontamos a presença de vários autores que tiveram como objetivo a
construção de uma Psicologia crítica. Porém, nosso propósito não era o de fazer um
inventário do tema e portanto, outros nomes devem fazer parte deste rol e como a
preocupação não é a do historiador, fizemos uma escolha que reflete a posição do autor
deste artigo. Na realidade, podemos considerar este conteúdo como apontamentos para uma
história da Psicologia crítica.

3. O futuro da Psicologia Crítica

Rigorosamente, é possível dizer que ainda não temos uma Psicologia Crítica e que
a psicologia só chegará a sua maioridade quando souber construir seu pensamento
crítico com toda a virulência que vimos no primeiro quadro, somente quando ela servir

15
FERREIRA, Marcos R. Exigências históricas para a Psicologia: Georges Politzer e a Psicologia Concreta. Psicologia
Revista: revista da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, nº 4, maio de 1997, pp. 61-72
16
COLE, Michael. Psicología Cultural: una disciplina del pasado y del futuro. Madrid: Morata, 1999.
como referência para o pensamento crítico, como serve de referência para a psicologia a
política, a sociologia, a economia, a história.
Penso que este caminho possa estar delineado ao citar, no início do artigo, a
presença de Gramsci e Lukács. Este último, particularmente, construiu uma trajetória
que interessa muito à Psicologia. Curiosamente, tal construção se dá como uma forma
de descartar a Psicologia como pensamento subjetivista e individualista, fruto da
tradição burguesa de escapar da essência das questões colocadas pela realidade,
projetando para o indivíduo questões que estariam ligadas a própria estrutura da
sociedade capitalista. Ao menos, é como eram colocadas tais questões no final do
século XIX e início do século XX pelos marxistas.
É preciso considerar que o pensamento marxista, que a produção de Marx e Engels
se dá no bojo de uma vaga revolucionária que varre toda a Europa a partir de 1848 e
que vai até a Comuna de Paris em 1871, primeira experiência de poder operário no
planeta. O momento seguinte que vai até a Revolução Russa de 1917, foi de refluxo do
movimento revolucionário e neste período se constitui a Segunda Internacional, que dá
origem a social-democracia européia. Engels, um dos fundadores da Segunda
Internacional e herdeiro político de Marx, que havia morrido em 1883, se propõe a
explicar o que teria ocorrido com a consciência das massas neste refluxo do movimento
revolucionário. Como Engels admite que as massas quando atingem um determinado
patamar de consciência não podem retroagir, o que estaria acontecendo é que o nível de
consciência verificado anteriormente, no processo revolucionário, tratava-se de uma
“falsa consciência”. Vejam, como essa discussão colocava em pauta a própria
Psicologia e ao mesmo tempo, como a Psicologia do período, com seu método
introspectivo, não teria a menor chance de responder a essa questão.
György Lukács, filósofo húngaro, enfrenta o problema apontando o erro de Engels,
que estaria ligado há maneira como este entendia a dialética da natureza, de forma
mecânica e muito influenciado por Darwin e pela Teoria da Evolução das Espécies.
Lukács faz a análise histórica da constituição da consciência de classes. Entretanto, ele
próprio ira, nos anos 70 do século XX, fazer a crítica de sua análise. É neste momento
que o autor envereda para a análise da ontologia do ser social. A psicologia crítica
desde Vigotski tem estudado a consciência e trabalhado com a consciência como objeto
de estudo da Psicologia. Entretanto, questões como a da consciência de classe e da
gênese do ser social, particularmente do ser social em sua expressão individual na
sociedade capitalista, estão para acontecer na Psicologia. Quem é o sujeito da
transformação social? Está é a questão que deve ser respondida.
Marx e Engels iniciam o Manifesto Comunista com a célebre frase: Um espectro
ronda a Europa. Vou parafraseá-la para: um espectro ronda a psicologia – penso que
esse espectro é a ausência de um pensamento crítico consolidado. É esta a tarefa para a
nossa e futuras gerações. As discussões sobre subjetividade e a constituição do sujeito
da psicologia, que tira o foco sobre a concepção de objeto da ciência, dos paradigmas
científicos emprestados das ciências naturais, podem produzir algum efeito. Na se trata
de buscarmos, como foi feito no início do século XX o estatuto de uma ciência
positivista, mas de saber qual a contribuição da psicologia na compreensão do ser
humano, e não há nada mais revolucionário que ele próprio, na medida que trata-se do
sujeito histórico por excelência e, portanto, o sujeito da transformação. É o ser humano
o único animal na face da Terra em condições de transformar sua própria história.
Quando a Psicologia tiver essa compreensão estará produzindo um conhecimento
revolucionário. Trata-se de buscarmos referências que definam esse ser da
transformação, que estudem sua subjetividade e que relacionem tal subjetividade
dialeticamente com as condições objetivas da transformação social. Neste momento
teremos, de fato, uma Psicologia crítica.

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