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apenas para aspectos formais dos gêneros. discursos socialmente adequados aos vá-
Já na abordagem sociorretórica, a autora rios contextos e circunstância da vida. Ba-
defende que o estudo dos gêneros deve ser zerman (1994) compartilhando com Miller
baseado no estudo das convenções da prá- (1984) da concepção de gênero como ação
tica retórica, isto é, nas ações que envol- social, reconhece que,
vem situação e motivo, já que “a ação hu-
mana, seja ela simbólica ou de outra forma Podemos chegar a uma compressão mais
só pode ser interpretável apenas contra um profunda de gêneros se os compreen-
contexto de situação e através de atribui- dermos como fenômenos de reconheci-
ções de motivos” (MILLER, 1984, p. 23). mento psicossocial que são parte de pro-
Carvalho (2005) discute que importante cessos de atividades socialmente organi-
zadas. Gêneros são tão-somente os tipos
nessa visão de gênero como ação social na
que as pessoas reconhecem como sendo
obra de Miller, são os conceitos de recor-
usados por elas próprias e pelos outros.
rência e ação retórica. Devitt (2004) to- Gêneros são o que nós acreditamos que
mando também por base o trabalho semi- eles sejam. Isto é, são fatos sociais sobre
nal de Miller (1984) concebe o gênero co- tipos de atos de fala que as pessoas po-
mo artefato sociocultural, caracterizando-o dem realizar e sobre os modos como elas
como uma ação social tipificada, ou seja, os realizam (BAZERMAN, 2005, p. 31).
para essa autora, na abordagem sociorretó-
rica o gênero é reconhecido a partir do Bazerman (2005) defende ainda que os
momento em que há uma recorrência de gêneros emergem nos processos sociais em
situações nas quais ele ocorre e para os fins que as pessoas tentam compreender umas
que serve. às outras suficientemente bem para coor-
No que diz respeito às implicações para denar atividades e compartilhar significa-
o ensino, Miller (2009) defende que apren- dos com vista a seus propositivos práticos e
der gêneros não significa aprender um con- sociais. Além de Bazerman (1994; 2005) e
junto de formas ou simplesmente um mo- Miller (1984; 2009), a abordagem sociorre-
do de realizar nossos propósitos. Para ela, tórica conta ainda com as contribuições de
o que se aprende são os fins que podemos Swales e Najjar (1987) que propõem uma
alcançar com essas formas e métodos, tais análise de gêneros – principalmente aca-
como elogiar, pedir desculpas, recomendar dêmicos, mas que atualmente tem sido
alguém ou alguma coisa, assumir um papel, adaptada para outros campos discursivos -
explicar algo, etc. Ademais, aprender gêne- a partir de uma etnografia da escrita, isto é,
ros, segundo a autora, é útil para o aluno busca evidenciar uma análise formal e dis-
compreender como participar nas ações de cursiva de gêneros variados. Swales (1990),
uma comunidade. não muito diferente dos autores já citados
Concebendo, portanto, os gêneros como anteriormente, defende que o gênero deve
ações retóricas tipificadas, baseadas em ser visto em seu contexto e não pode ser
situações recorrentes em determinadas completamente entendido e interpretado
culturas, Miller (1984) considera que na apenas por meio de uma análise de seus
prática discursiva nós aprendemos a agir elementos linguístico-gramaticais ou for-
retoricamente por meio do uso de tipos de mais. Para esse autor,
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Análise dos movimentos retóricos no gênero tira: contribuições para o ensino de língua portuguesa 89
Um gênero compreende uma classe de 3 O MODELO CARS E A ANÁLISE DE GÊNE-
eventos comunicativos, cujos membros ROS
compartilham os mesmos propósitos co-
municativos. Tais propósitos são reco- Em sua obra seminal, Aspects of article
nhecidos pelos membros especialistas da introductions, Swales (1981) realiza a análi-
comunidade discursiva de origem e, por-
se de 48 introduções de artigos científicos
tanto, constituem o conjunto de razões
para o gênero. Essas razões moldam a es-
e, a partir disso, o autor desenvolveu uma
trutura esquemática do discurso e influ- descrição esquemática que encapsulava tais
enciam e impõem limites à escolha de regularidades. Esse modelo, baseado em
conteúdo e de estilo. (SWALES, 1990, p. moves (em português, “movimentos retóri-
58). cos”) foi denominado pelo autor de modelo
CARS (Create a Research Space) e represen-
O autor argumenta ainda que a concep- ta uma estrutura esquemática típica da in-
ção de gênero adotada por ele origina-se trodução de artigos acadêmicos. O modelo
do entrelaçamento de tradições de vários CARS produzido por Swales (1981) aponta
campos de estudo, mas que sofreu grande para uma regularidade de quatro movimen-
influência da linguística aplicada. Hemais e tos (moves), sendo eles: movimento 1 - es-
Biasi-Rodrigues (2005) destacam que a ori- tabelecer o campo de pesquisa; movimento
ginalidade do trabalho de Swales está na 2 - sumarizar pesquisas prévias; movimento
integração proveitosa que o autor faz de 3 - preparar a presente pesquisa; movimen-
diversas ideias emprestadas de tradições to 4 - introduzir a presente pesquisa
também diversas. Swales (1990) defende (SWALES, 1981).
os gêneros teriam valor sociocultural na Apresentando algumas dificuldades para
medida em que atendem às necessidades a aplicação a representação esquemática de
sociais e espirituais de diversos grupos so- Swales, o modelo CARS passa a ser criticado
ciais situados. e o autor reformula-o em 1990, reduzindo
Assim, para Swales (1990) os gêneros os quatro movimentos a três, porém acres-
podem ser entendidos como eventos co- centando vários passos (steps) em cada um
municativos que se moldam a partir do dos movimentos, como se pode observar
propósito comunicativo dos sujeitos e dos no Quadro 1 abaixo:
contextos sociais. Nesse sentido, o objetivo
Quadro 1: Modelo CARS SWALES - Descrição da
da ação discursiva influi no modo como as
organização retórica da seção introdutória de arti-
pessoas vão construir e organizar seu dis- gos acadêmicos
curso. Segundo Hemais e Biasi-Rodrigues Movimentos Passos
(2005, p.118), Swales propõe abandonar a Passo 1 – Alegando centralidade
noção de propósito comunicativo como Movimento 1 e/ou Passo 2 – Fazendo genera-
meio imediato “para a classificação dos gê- Estabelecendo lizações sobre o tópico e/ou
um território Passo 3 – Revisando itens de pes-
neros, sugerindo que o analista deveria
quisas anteriores
manter em mente que o a identificação do Movimento 2 Passo 1A – Contra-
objetivo comunicativo do gênero está em Estabelecendo argumentando ou Passo 1B –
função do resultado da análise textual e um nicho Indicando uma lacuna ou
contextual”. Passo 1C – Levantando questio-
dem e disposição de cada requadro deter- formas, conforme aponta Ramos (2009):
mina o sentido da leitura, no qual o conjun- por convenções gráficas, denominados li-
to deles, denominado sequência ou monta- nhas cinéticas e pelo próprio corpo da per-
gem, é o que compõem a narrativa. sonagem que pode ser desenhado várias
Segundo Ramos (2009) os balões são os vezes apresentando diferentes etapas da
principais recursos presentes nas tiras, o ação.
que os tornou uma das marcas característi- No que concerne à linguagem verbal,
cas desse gênero. Eles demonstram não só percebemos aspectos da oralidade que si-
as falas das personagens, mas também seus mulam uma conversação, na qual os balões
pensamentos e sentimentos, e ainda con- representam os turnos da fala que de acor-
tribuem para enfatizar as ações das perso- do com Koch e Elias (2011) são as contribui-
nagens. A diversidade de funções dos ba- ções dadas por cada participante no mo-
lões é compreendida por meio de efeitos mento de conversação. O letreiamento re-
variados em seus contornos ou pela ausên- presenta os diferentes tipos de letras, ta-
cia deles. Nesse sentido, os balões assu- manhos e estilos, e refletem a natureza e a
mem a forma e teor do que expressam, emoção das falas dos personagens.
mudando seu formato para incorporar o Os sons nas tiras – elementos importan-
nível, o tom e o conteúdo do texto ou ima- tes também na construção de sentidos para
gem do personagem que fala, como no e- esse gênero - são representados de duas
xemplo da Figura 1 abaixo. formas pelos elementos paralinguísticos
que indicam sons que acompanham a fala e
Figura 01 - Balões diversos
são produzidos pelas personagens como o
choro, suspiros, risos etc, como também
pelas onomatopeias, isto é, palavras que
representam os sons e ruídos nas tiras,
sendo que com o uso dessas palavras são
exploradas cores, formas e espessuras a fim
de que se obtenha um efeito expressivo
maior como evidencia Akahoshi (2012).
Fonte: <www.cantinhodocalvin.blogspost.com>
O ruído nos quadrinhos, muitas vezes, é
Outro recurso visual também explorado mais visual do que sonoro, pois os dese-
nas tiras são as metáforas visuais, as quais nhistas exploram a espessura, a forma, a
são representadas por imagens que substi- cor dos fonemas que o constituem a fim
de conseguirem um efeito expressivo
tuem certas palavras e indicam um senti-
maior. Uma boa onomatopeia é de vital
mento ou acontecimento. As expressões importância nas histórias em quadrinhos,
faciais dos personagens são uma referência pois atinge juntamente com a imagem
nos textos e orientam o rumo da narrativa, uma grande área de significação, criando
sendo que parte dos elementos de ação é efeitos expressivos de consumo rápido e
transmitida pelos rostos e movimento das intensa comunicação. (AKAHOSHI 2012,
personagens. Vale ressaltar que a noção de p. 7)
movimentos pode ser percebida de duas
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Análise dos movimentos retóricos no gênero tira: contribuições para o ensino de língua portuguesa 93
Dentre os recursos linguísticos possíveis Cada análise apresenta um exemplar dife-
de serem explorados nas tiras, as figuras de rente do gênero de diversos quadrinistas,
linguagem são destaque, principalmente, com fontes da internet, com o objetivo de
no trabalho em sala de aula, pois essas têm proporcionar o acesso a um número maior
o objetivo de ampliar o sentido do texto, de textos do gênero e consequentemente,
tornando-o assim mais expressivo. São em- uma discussão mais ampla acerca da sua
pregadas para expressar situações, fatos e variedade discursiva por parte dos alunos.
pensamentos envolvidos no texto de uma Nesse sentido, o Quadro 02 apresenta as
forma diferente e original, o que permite o categorias de análises adotadas nesta pes-
leitor observar o texto sob uma visão mais quisa, cuja descrição e discussão baseiam-
crítica, valorizando assim o texto e as inten- se na adaptação da organização retórica do
ções do autor. gênero tira proposta por Catto e Hendges
A organização retórica do gênero tira es- (2010).
tá associada à observação da linguagem
Quadro 02 - Organização retórica do gênero tira
verbal e não verbal presentes no mesmo,
Apresentar os
sendo assim, possível a partir dessas, definir Função 1
personagens
as ações e os elementos discursivos, em Apresentar o ce-
função de cada movimento retórico dispos- Movimento 1: Situação Função 2
nário
tos nas vinhetas. De acordo com Catto e Função 3
Apresentar o
Hendges (2010) o gênero tira está organi- evento
zado em três movimentos retóricos básicos: Provocar expecta-
Movimento 2: Conflito Função 4
tiva
situação, conflito e resposta inesperada; e Movimento 3: Respos- Produzir o humor
dois movimentos opcionais: autoria e locali- Função 5
ta inesperada ou reflexão
zação temporal. A organização retórica do Assinatura do
Movimento 4: Autoria Função 6
gênero, proposta pelos autores Catto e quadrinista
Hendges (2010), é a base de discussão e Movimento 5: Locali- Data de publica-
Função 7
crítica aos movimentos retóricos dos exem- zação temporal ção
Fonte: Adaptada de Catto e Hendges (2010).
plares analisados pelos alunos, como será
apresentado na seção seguinte. Sobre o primeiro movimento retórico (a-
presentação da Situação) considera-se a
5 ANÁLISE CRÍTICA DO GÊNERO TIRA apresentação dos participantes da ação
(personagens) e sobre o que está aconte-
A discussão dos dados embasa-se em um cendo (evento), situando ainda o leitor so-
corpus composto por 17 análises feitas por bre onde e quando ocorre (cenário) a ação.
alunos do 9º ano do Ensino fundamental de Para esse movimento, tem-se como princi-
uma escola pública da cidade de Macapá, pal referência os elementos não verbais,
capital do Estado do Amapá, de exemplares porém como explicam Catto e Hendges
do gênero tira. Este estudo desenvolveu-se (2010, p. 11) “as marcas linguísticas explíci-
por meio do Modelo Didático de Consciên- tas da linguagem verbal identificam mais
cia Crítica de Gênero que prevê a análise diretamente o quem e o o quê da situação,
retórica e escrita de um gênero familiar dos com referência a nomes de personagens
alunos, sendo o gênero escolhido a tira.
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94 Carneiro e Gomes
Fonte: <cmeitortato.blogspot.com>
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto ao primeiro movimento, perce-
bemos, na identificação dos participantes
O presente estudo contribui, conforme
do evento, o conhecimento prévio dos per-
Bazerman (2005), para compreensão de
sonagens, Chico Bento na tira A e Chico
práticas de linguagem e também conheci-
Bento e Zé Lelé na tira B, como protetores
mento das pessoas e situações, ao mesmo
da natureza, sendo ainda reconhecida a
modo que essas práticas emergem e são
função social dos mesmos na tira B como
aprendidas. O ensino da consciência crítica
agricultores, tal fato demonstra que os alu-
apresenta aos escritores novas formas de
nos estabelecem relações entre os conhe-
considerar os gêneros, apontando-lhes es-
cimentos de mundo e os saberes linguístico-
tratégias e conhecimentos sobre os meios
discursivos apreendidos por meio do estudo
“de como interpretar o que encontram, dis-
de gêneros.
cernindo especialmente os elementos re-
A temática sobre o desmatamento é en-
queridos dos opcionais e a natureza retórica
focada no texto A pela atitude da persona-
do gênero para compreender seu contexto
gem em salvar a floresta, representada pela
e funções para seus usuários, a fim de evitar
imagem das árvores amedrontadas e reuni-
cópia formulaica de um modelo” (DEVITT,
das no canto direito, para isso, a persona-
2009, p. 201).
gem proíbe a “caça” das árvores com a fixa-
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