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Ciência é mais política do que cientistas imaginam

Entrevista com Isabelle Stengers

Folha de São Paulo, Sexta-Feira, 27 de outubro de 1989

H-2 - CIÊNCIA

Jesus de Paula Assis

Editor de Ciência

lsabelle Stengers, 40, professora da Universidade de Bruxelas,


esteve no Brasil para uma curta estada no Rio de Janeiro. Lá, a
convite do Colégio Internacional de Estudos Filosóficos
Transdisciplinares, deu um curso de cinco dias em que traçou um
panorama de suas reflexões acerca da ciência. De passagem por
São Paulo. antes de partir, na quarta-feira, ela deu uma entrevista
à Folha, em que abordou desde seu trabalho em conjunto com o
químico Ilya Prigogine, prêmio Nobel de 1977, até suas
preocupações atuais com a dimensão política da ciência. A seguir,
algum trechos da entrevista.

Folha - Você é mais conhecida no Brasil como a autora da “Nova


Aliança”, com lIya Prigogine. Mas o curso dado no Rio de Janeiro
mostrou que você tem outros interesses. Poderia falar um pouco
deles?

Isabelle Stengers - Esses outros interesses desenvolveram-se


como uma reação à “Nova Aliança”. Tentei escrever com Prigogine
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um livro que mostrasse as profundas transformações conceituais


por que passa a física. Era necessário escrever uma história dentro
de um novo espírito. Muitas das reações à “Nova Aliança” foram do
mesmo tipo que eu criticava. Qual era a nova verdade da física? As
pessoas me encontravam e perguntavam como deviam proceder
para poder seguir essa nova orientação. Percebi então que não era
possível falar do que se passa no interior da ciência sem refletir
sobre as relações de poder entre as ciências, sobre a “dimensão
politica do saber”. Assim, foi a partir da história da “Nova Aliança”
que eu me dei conta de que seria desonesta se ficasse surda ao
fato de que a mensagem que passei no livro foi deturpada.

Folha - Quando você fala de dimensão política da ciência, você se


refere aos estudos em sociologia da ciência. como os feitos por
Thomas Kuhn?

Stengers - Não penso apenas em termos de epistemologia e


história como ele. Kuhn pensa em termos de paradigmas, em que
o cientista aprende, através da leitura de manuais, a ver um
fenômeno como naturalmente pertencente à sua área. Penso que
vale retomar essa mesma discussão, por exemplo, na ciência como
era feita no século 18, quando os manuais não eram tão difundidos
e quando a dimensão política era mais importante. Tento não ver a
ciência atual como o produto de uma racionalidade científica.
Quero mostrar que a ciência, tal como funciona hoje, é produto de
uma história, não somente cientifica, mas política e cultural. Nesse
ponto, os instrumentos da sociologia da ciência são gerais demais.
É preciso compreender que o cientista cria a própria sociedade.

Folha - No século 18 havia cientistas muito influentes na política. E


no século 20?
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Stengers - Creio que hoje são mais importantes que nunca. No


século 18, o cientista intervinha na cultura não apenas como
expert, mas fazendo parte do movimento das luzes, Hoje em dia,
os cientistas atuam principalmente como experts, isto é,
representando um saber estabelecido.

Folha - Os políticos de hoje buscam o auxílio da ciência visando


mais os aspectos económicos que ela possa propiciar.

Stengers - É para tornar isso menos “natural” que eu trabalho.


Num momento quando, no melhor dos casos, um saber científico
se desenvolve no laboratório ou na universidade, o que se veem
são apenas os resultados obtidos a partir de problemas purificados.
Mas, quando o problema sai do laboratório e vai para o mundo,
essa purificação deixa de ser científica para se tornar política.
Esses problemas que não foram pensados antes terão um papel e
a visão purificada do expert vai mudar de sentido. O que sai do
laboratório muda de sentido.

Folha - Existe uma relação entre a política e a metodologia da


ciência?

Stengers - Meu interesse é estudar a ciência fora do laboratório.


Autores como Kuhn, para quem essa relação é evidente,
preocupam-se apenas com o interior do laboratório. O que ele
mostra é que a metodologia é, no fundo, o que permite que o
grupo trabalhe em conjunto. Nele, a metodologia é uma maneira
de operar, mais que algo abstrato. Mas existe um lado politico
nesse paradigma (prefiro esse termo a metodologia) dentro da
comunidade, na formação de novos cientistas, na maneira como
essa sociedade se reproduz. Há também uma dimensão política
nas relações entre as várias comunidades cientificas.
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Folha - A educação científica esconde essa dimensão política?

Stengers - Esconde, mas ela é feita para fazer do cientista um bom


político. Isto é, pata lhe ensinar como escrever artigos que
convençam os outros sobre a perfeição daquilo que estão fazendo.
Ao mesmo tempo, o torna cego para a dimensão crítica. Fabrica
políticos sem escrúpulos porque o cientista tem o mínimo de
formação para enxergar implicações políticas em seu trabalho. A
ciência dita “de ponta” é aquela que tenta ser a mais operacional
possível, levantando o maior numero de questões sem se
perguntar sobre a pertinência de suas atividades.

Folha - Toda a ciência, em todas as disciplinas e lugares, é assim?

Stengers - Mesmo dentro dessa ciência “de ponta” existem


tensões, movimentos minoritários. No interior da psicologia há
pesquisadores que propõem novas maneiras de se pesquisar com
animais. Existe uma etologia que quer estudar os animais em
situações reais não-purificadas, quer aprender a olhar os animais
de maneira nova. Isso também existe na etnologia. Há etnólogos
que acreditam que apresentar seu trabalho dentro de um texto
científico seria uma mutilação. Usam uma linguagem quase de
romance. Consideram sua experiência de campo parte do que
devem relatar. Meu trabalho é mostrar que é uma argumentação
política aquela que diz que essas pessoas não são racionais.
Reforço a necessidade de se diversificarem as práticas científicas.

Folha - Existem essas minorias na física?

Stengers - Na física existem outros movimentos interessantes. Mas


os objetos da física são sempre purificados. Por isso, é mais fácil
notar esses movimentos minoritários na psicologia, na medicina,
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na etnologia ou na etologia. Entre os psicólogos, dizem que o


estudo em animais de laboratório é um estudo feito sobre criaturas
traumatizadas, que não existem naturalmente. O conhecimento
sobre um rato de laboratório não é representativo dos ratos em
geral. Em todas as ciências onde a prática de laboratório vai mal
por não ser o objeto purificável, os movimentos minoritários
contestam a cientificidade do “establishment” de suas disciplinas.
O trabalho de Prigogine mostra que mesmo no interior da física,
existem esses movimentos de contestação. Esse trabalho mostra a
diferença entre ciência fenomenológica e ciência fundamental. Meu
grande interesse agora é modificar a relação entre essas ciências.
Modificar essa ideia de que a ciência fundamentai é o tronco de
onde nascem as outras ciências, que a partir de alguns princípios é
possível reduzir tudo à física. Creio que o modelo da física será
menos dominante se as pessoas se derem conta de que ela é
também uma criação humana.

Folha - Mas Prigogine ganhou um prêmio Nobel. Ele não foi bem
compreendido então?

Stengers - O prêmio Nobel que ele recebeu foi considerado, pela


maior parte dos físicos fundamentalistas, um escândalo. Dar um
prêmio desses a alguém que se interessa por termodinâmica e não
por física de partículas elementares, por exemplo, foi um
escândalo.

Folha - Não existem outros casos? Somente esse prêmio Nobel em


todo o século 201

Stengers - A física fenomenológica de Prigogine, minoritária na


época, começa a se expandir. Existem agora todos esses teóricos
do caos e as teorias sobre os atratores estranhos, que começam a
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revolucionar a física. Existe um novo tipo de física e de matemático


que começa a contestar, no interior da física, a predominância da
ciência dita fundamental. O importante é mostrar que essa não
deve ser uma luta acerca de qual o melhor modelo para a física,
mas sim a emergência da ideia de que diferentes vertentes podem
conviver numa disciplina. O importante é que os físicos leiam essas
obras sem pensar em que teoria dominará as outras.

Folha - A luta para colocar essas ideias será sempre política?

Stengers - Uma característica da ciência experimental moderna é


que ela coloca as pessoas em conjunto, trabalhando criativamente.
Existem sempre. então, as questões políticas, as questões sobre
como trabalhar em conjunto. É preciso, a partir desse trabalho
experimental, colocar a questão política de usar outras práticas
científicas, diferentes daquelas que deram resultado até hoje. Um
caso interessante que deixei passar antes’ foi o prêmio Nobel dado
recentemente a Barbara McClintock. Na maior parte de sua vida
cientifica. ela foi considerada louca, porque todos os geneticistas
trabalhavam com bactérias enquanto ela usava milho. Enquanto os
outros caminhavam rapidamente, ela ia devagar, pois os grãos de
milho são muito diferentes entre si. Cada grão colocava seus
próprios problemas e, assim, seus artigos lembravam romances
policiais. O prêmio retrospectivo é um reconhecimento de que,
dentro desses romances policiais, os geneticistas encontram
muitos dos problemas que devem enfrentar.

Folha - Esses são casos em que o paradigma dominante percebeu


qualquer coisa de importante, mesmo sem compreender
completamente o espírito do trabalho?

Stengers - Eles tiveram de reconhecer que o trabalho colocou


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problemas importantes. A velocidade é a maior característica da


ciência atual. A questão é: por que ir tão rápido? O fato é que a
rapidez é o imperativo que orienta a vida da ciência hoje. Pessoas
como Prigogine ou McClintock não podem progredir, salvo em
casos excepcionais. Para cada um que tem sucesso, mil
desaparecem.

Folha - Como permitir a pluralidade, como faz Feyerabend, e, ao


mesmo tempo, escapar da acusação de irracionalismo?

Stengers - Acho que Feyerabend andou muito rápido com sua tese.
Ele, de certa forma, toma a racionalidade científica como
dominante ao afirmar que “tudo vale”. Ele diz que já Galileu era
mais retórico que cientista e, a partir daí, afirma: “bem, se é
assim, então vale tudo”. Se a retórica basta, então a ciência não é
diferente da máfia. Mas o fato é que as discussões da ciência sobre
metodologia não podem ser comparadas às discussões no interior
da Máfia. Os cientistas tentam sempre fazer com que os
fenômenos intervenham na discussão. Isso Feyerabend não viu.
Ele não percebeu que os cientistas estão preocupados em criar sua
própria racionalidade. Existem, é claro, diferenças entre as
ciências. O que se quer evitar é tornar a física fundamental o
modelo ideal da racionalidade científica.

Folha - Como efetivar essa proliferação? Trabalhando com grupos


interdisciplinares, ou reformando a educação do cientista para que
cada um seja capaz de encarar as várias facetas de seu trabalho?

Stengers - É preciso ter uma perspectiva utópica. A ciência que se


ensina no secundário é péssima. Ela é ensinada como autoridade,
não como uma invenção apaixonante do homem. Se fosse bem
ensinada, as pessoas interessadas em seguir uma carreira
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científica seriam um pouco diferentes. O perfil de quem opta por


essa carreira é muito estreito, O tratamento que se dão às
disciplinas não-científicas faz com que elas pareçam não-naturais.
Seria importante que o público tivesse acesso às controvérsias
científicas, sempre muito mais interessantes que os resultados.

Folha - Mas a ciência é complexa em alguns pontos e,


aparentemente, só pode ser entendida por pessoas muito
treinadas na área. Existe alguma chance concreta disso mudar? De
o público entender o que se passa na ciência?

Stengers - As coisas ficam complexas à medida que são


apresentadas como verdades cientificas definitivas. Livros como os
de Barbara McClintock informam o contexto de um dado fato e
deixam claro onde as peças se encaixam. Assim, a maneira de
entender a ciência segue a maneira como o cientista se interessa
por ela.

Folha - Qual é a sua formação?

Stengers - Sou formada em química, embora nunca tenha seguido


carreira de pesquisadora nessa disciplina. Logo depois da
graduação, comecei com filosofia. Para mim, o mais importante é
ver como a ciência acontece de fato. Frequentei laboratórios de
várias especialidades. Trabalhei com biólogos, sociólogos etc.
Minha formação foi menos para compreender uma ciência, mas
sim para compreender as diferenças entre as ciências. Quero
descobrir as condições para uma verdadeira interdisciplinaridade.
Hoje, ela é apenas uma reunião de gente de boa vontade que ouve
os outros, mas sempre com um sentido de dominação. Essas
reuniões produzem muitos livros, mas pouca luz. São comuns
obras com um tema, o tempo, por exemplo, que se dividem em
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capítulos como “o tempo na biologia”, “o tempo na física” etc. Pode


até haver capítulos interessantes, porque os autores são
individualmente bons. Mas da maneira como são reunidos, não
produzem nada.

Folha - Estando a ciência dentro da sociedade, essa mudança


deveria, ou acarretar uma transformação social, ou ser
consequência de uma mudança mais profunda na sociedade.

Stengers - Os operários conseguiram adquirir uma consciência de


classe sem jogar a sociedade num buraco. Não resolveram seu
problema, mas conseguiram, pelo menos, atrapalhar a história do
capitalismo. Gostaria muito que os cientistas atrapalhassem o
capitalismo do mesmo modo. Poderiam complicar a história que
vivem, em talvez. criar boa ciência de uma só vez. Mas colocariam
novos problemas. Isso poderia começar pela contestação dos
estudantes quanto ao tipo de curso que recebem, livros que leem.

Folha - Existem livros que tentam passar essa nova mentalidade


interdisciplinar, que mostra a ciência como um empreendimento
essencialmente humano. Mas, e quanto a revistas. Existem
revistas com esse espírito hoje?

Stengers - Penso que revistas inglesas como a “New Scientist”


mostram a ciência com um perfil mais realista, menos autoritário e
mais acessível ao público. Os ingleses aprenderam muito com os
documentários da BBC. Os jornalistas ingleses são críticos e evitam
ser apenas os que passam para o público a imagem oficial da
ciência. Algumas revistas mostram, além dos sucessos, os
resultados negativos, que põem em xeque a ciência. Isso não quer
dizer simplesmente atacar a ciência. Os que a atacam, dizendo que
ela está destinada a dominar tudo, estão do mesmo lado da ciência
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da dominação. Aceitam a dominação da racionalidade cientifica.


Falo de filósofos da linha de Heidegger. Esse tipo de discurso
aumenta o perigo que denuncia.

Folha - Sua primeira aula no Rio de Janeiro foi sobre Galileu. Qual
sua posição sobre ele? Um filósofo, como dizia Koyré, ou um
experimentador inveterado, como pensa Stillman Drake?

Stengers - A posição agora clássica de Koyré (Galileu como filósofo


contra os aristotélicos) teve sua importância. No mínimo, reavivou
o estudo da obra de Galileu. Mas tendo a apoiar a posição de
Drake quanto a Galileu ser, na verdade, um homem mais
preocupado com experiência que com filosofia. Koyré usa textos da
juventude de Galileu para apoiar sua tese. Os textos da
maturidade, os que interessam mesmo, são claramente de
orientação experimental. Galileu criou uma nova maneira de
operar sobre a natureza, uma nova maneira de usar a matemática
nos estudos físicos. Mas sua orientação é sempre para os
fenômenos. Também, Galileu é um paradigma do cientista
moderno, à medida que sua retórica é extremamente eficaz para
convencer todos seus oponentes da veracidade de suas ideias.

Folha - Essa retórica de dominação começou com Galileu?

Stengers - O problema da dominação é um problema de retórica


que precede Galileu. O fato é que ele falava para pessoas muito
diferentes de nós. Sua retórica se torna dominadora mesmo, em
sentido atual, apenas no século 19, quando engenheiros e técnicos
passaram a ser obrigados a frequentar faculdades onde se iniciava
os estudos pelas leis de movimento de Galileu. É aí que eles
passam a acreditar que a verdade única, que as melhores
questões, são aquelas colocadas pela física galileana e pela
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mecânica racional. Esse fenômeno aconteceu principalmente na


França, com a construção das grandes escolas de engenharia. A
retórica de Galileu apenas foi insuficiente para essa operação. Foi
preciso que cientistas retóricos, no sentido moderno, entrassem
em cena. O fenômeno francês se estendeu para a Inglaterra e
Alemanha.

QUEM É QUEM

Thomas Samuel Kuhn - Filósofo norte-americano, cuja principal


obra é “A Estrutura das Revoluções Científicas” (traduzido no Brasil
pela Editora Perspectiva). Para ele, a ciência passa por períodos de
estabilidade, conhecidos por períodos de ciência normal e por
períodos revolucionários. Dentro dos períodos de ciência normal,
as bases ‘da ciência não são criticadas. Durante as revoluções,
acontece o que Kuhn denomina choque de paradigmas. Kuhn
afirma que esse choque não pode ser resolvido em termos
racionais pois os contendores não falam a mesma linguagem.

Paul Feyerabend - Filósofo austríaco. Em “Contra o Método”, de


1974, defende a tese do anarquismo epistemológico, na qual todos
os enfoques para a ciência são igualmente válidos:

Assim, a atividade científica e, por exemplo, a astrologia, não


podem ser diferenciadas claramente. Quanto a Galileu, Feyerabend
diz que sua obra só conseguiu aceitação devido aos dotes retóricos
do autor. Alexandre Koyré . filósofo e historiador da ciência russo,
que desenvolveu sua carreira acadêmica na França. Em 1938,
publica os “Estudos Galileanos” em que afirma que Galileu tinha
preocupações filosóficas mais fortes que qualquer preocupação
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científica experimental.

Stlllman Drake - Biógrafo de Galileu, canadense, esteve no Brasil


em 1988. Contra filósofos como Feyerabend e Koyré, afirma que
Galileu tinha poucas preocupações filosóficas e que toda sua obra
tem sólida base experimental.

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