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ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA ENTRE PROCESSOS REPETITIVOS E

1
PROCESSOS COLETIVOS

EDUARDO SCARPARO,
Doutor em direito processual civil.
Professor Adjunto na UFRGS.
Advogado em Porto Alegre (RS).

RESUMO. Buscou-se explorar as dificuldades na administração da justiça brasileira,


colocando em perspectiva a adoção de um sistema brasileiro de precedentes ao lado de sua
regulação em processos coletivos. Para tanto se referiu sobre a crise numérica da justiça,
fazendo-se referência à sistemática de precedentes em sistemas de common law e ao modelo
instituído pelo CPC/2015. Em conclusão sustentou-se a necessidade de melhor
regulamentação do processo coletivo ao lado da sustentação de um modelo de precedentes
vinculantes como forma de melhor dispor sobre a administração da justiça.
Palavras-chave: precedentes, administração da justiça, processos coletivos, crise judiciária,
processos repetitivos.

ABSTRACT. It is attempted to explore the difficulties in the administration of Brazilian


justice, putting into perspective the adoption of a Brazilian system of precedents alongside its
regulations of collective actions. In order to accomplish that it was referred the numerical
crisis of Brazilian justice, making references to the system of precedent in common law
systems and to the model established by the Brazilian civil procedure code of 2015. In
conclusion it is proposed a better regulation of the collective actions, beside the utility of a
binding precedent model in Brazil, as a way to better provide for the administration of justice.
Keywords: precedents, administration of justice, collective actions, judicial crisis, repeated
actions.

SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Brevíssima nota sobre precedentes e tradições


históricas. 3. Novo Sistema Brasileiro. 4. Processos Individuais Repetitivos e
Processos Coletivos. 5. Conclusões. 6. Referências Bibliográficas.

1
Texto originalmente publicado em SCARPARO, Eduardo. Administração da justiça entre processos repetitivos
e processos coletivos. In: I Congresso Brasileiro de Administração Pública e Processo, 2016, Porto Alegre. Anais
do I Congresso Brasileiro de Administração Pública e Processo. Porto Alegre: Edipucrs, 2016.
1) Introdução

Há uma impressão comum aos que de uma forma ou de outra convivem com o
ambiente forense, seja na condição de profissionais ou de partes: é necessário criar formas de
melhorar a administração da justiça. A prestação jurisdicional no Brasil não se mostra
eficiente e o diagnóstico é bastante evidente. Basta perceber não só a insatisfação geral da
população e o alto custo do sistema Judiciário pátrio, mas especialmente as muitas vezes
equivocadas destinações dos recursos de administração da justiça.

A solução dos problemas vividos no fórum passa não somente pela definição de
qual questão merece atenção, mas especialmente do modo como se pretende avançar para a
melhoria da administração da justiça. Em outros termos, é consenso que os processos
deveriam ser mais efetivos e seguros; contudo, a forma eleita para buscar ditas finalidades
passa por escolhas de política legislativa e de organização dos tribunais, como é assaz
pertinente à administração geral dos poderes públicos.

A legislação processual é, por sua vez, uma das ferramentas mais imediatas de
definição de uma política judiciária. Inegável que não representa uma boa destinação de
recursos humanos e econômicos a dedicação de grande parte da estrutura do Poder Judiciário
à realização de atividades largamente repetidas.

O sistema anterior do Código de Processo Civil de 1973 foi organizado partindo


de uma perspectiva ideológica liberal e individualista. Além disso, pressupunha uma
idealização no trato de problemas jurídicos, o que conduziu a um modelo de ampla
recorribilidade, larga ampliação subjetiva do processo (litisconsórcios, intervenções de
terceiro, recorribilidade por terceiros etc), regulação quase sempre pelo procedimento
ordinário, sendo exigível como regra cognição plena e exauriente. Não houve até quase o final
de sua vigência, avanços significativos sobre os problemas de administração de justiça
decorrentes de uma sociedade de massas. Por conta disso, o Judiciário foi assoberbado pelo
jurídico repetido, com dever de decidir diversas vezes ao dia – e todos os dias – as exatas
mesmas questões jurídicas 2.

2
Denunciado a repetitividade de demandas decorrente de uma sociedade de relações de massa, ver CUNHA,
Leonardo José Carneiro. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo, São Paulo, RT, n.
179, jan. 2010, p. 142.
O pressuposto individualista que amparava o processo atribuía ao juiz o espírito
de decidir também individualmente, podendo ignorar ou opor-se livremente até mesmo à
orientação consolidada da jurisprudência e decidir como melhor lhe aprouvesse. Com isso,
sempre havia a chance de êxito em recursos, diante da aleatoriedade de compreensões
advindas da jurisdição. A recorribilidade era não só permitida, mas também largamente
estimulada pela política de administração da justiça então vigente. Alimentando-se a má
gestão, as decisões eram combatidas quase que necessariamente por recursos também
repetidos e julgados como em uma esteira de produção 3.

A ineficiência do Judiciário para a prestação da tutela jurisdicional se mostrava


paradoxalmente vantajosa ao próprio Estado e a particulares, em especial aos assim
considerados litigantes habituais. Afinal, sendo o Estado o primeiro devedor de prestações à
população – e grande inadimplente de suas obrigações –, não se notava grande mobilização
para uma maior efetividade nas demandas em que era parte, afinal, repercutiria em ataques
mais rápidos ao respectivo orçamento. O mesmo se diga geralmente dos réus, e grandes
concessionárias de serviços públicos, que contavam com o tempo doentio do processo para
postergar obrigações e angariar vantagens econômicas com a ineficiência do sistema
judiciário.

O diagnóstico é inequivocamente uma péssima aplicação de recursos humanos e


financeiros na gestão da justiça. Há inegáveis problemas quando grande parte da força de
trabalho do Poder Judiciário – servidores, magistrados, estagiários etc. – e da sua estrutura de
produção – prédios, salas, sistemas de informática etc. – está alocada para a produção de
decisões sobre as mesmas questões, por diversas e incontáveis vezes. Notadamente a operação

3
Outros fatores de esgotamento do Judiciário foram relacionados: o aumento da consciência jurídica dos
cidadãos, a ampliação da comunicação em massa para veiculação de informações relativas a reivindicação de
direitos, o desenvolvimento de novas tecnologias e produtos, a crise do Estado Social e os direitos que deixaram
de ser bem atendidos pelo Poder Público e o ativismo judicial. GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da
efetividade e do garantismo processual. In: SOUZA, Márcia Cristina Xavier de; RODRIGUES, Walter dos
Santos. O novo Código de Processo Civil: o projeto do CPC e os desafios das garantias fundamentais. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012. Igualmente, Rodolfo Mancuso sustenta que as diversas insatisfações sociais, econômicas
etc contribuem para a crise numérica do Judiciário. Há uma cultura de litígio identificada como exercício da
cidadania, dando-se a preferência pela judicialização de conflitos. Desenvolve o autor a influência da expansão
legislativa, bem como das contemporâneas influências entre políticas públicas e jurisdição que conduzem ao
problema do ativismo judicial. Coloca-se ao lado, a crise pela ineficácia executiva, bem como a desigualdade nas
classes de litigantes em demandas de massa, remetendo aos litigantes habituais e o uso do Judiciário para fins
econômicos em contraposição com os litigantes eventuais. Nessa esteira, é crítico ao aumento da intervenção do
Judicário, dado que considera tal ser estímulo ao que chama de cultura demandista. Como as experiências dos
juizados especiais não enfrentaram essas causas, além de serem insuficientes as divulgações e ações efetivas para
encorajamento do uso de meios diversos de autocomposição e heterocomposição, resta desenhado o preocupante
quadro da justiça brasileira. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e
ilegítimas. São Paulo: RT, 2011, p. 50-173.
se mostra inócua e pouco inteligente em termos de efetividade. Os problemas eram sentidos
inclusive nas demandas não repetidas que restavam também tomadas pela ineficiência do
sistema jurídico, pois competiam pelos mesmos recursos, perdendo invariavelmente
celeridade na resolução e, muitas vezes, qualidade no decidir e aprofundar de questões de
maior indagação.

Recentemente entrou em vigor um novo Código de Processo Civil, que além de


manter alguns aspectos do sistema anterior e aperfeiçoar alguns que já estavam presentes
desde as últimas reformas, buscou propor inovações para uma melhor administração da
justiça. Entre as mudanças de maior relevo aquela que carrega as maiores promessas e
esperanças dos juristas em geral para mudanças na gestão do sistema processual seja a adoção
de um sistema de precedentes vinculativos. Deixou a grande reforma processual, no entanto,
de tratar sobre questões inerentes ao processo coletivo, quiçá também relevante para fins de
uma proposição sustentável de administração da justiça.

2) Brevíssima nota sobre precedentes e tradições históricas

As relações entre as funções do parlamento e dos juízes foram costuradas


diferentemente no direito inglês e no direito continental, o que está ao fundo da aceitação, sem
maiores dissensos, da atribuição aos juízes de poderes de definir regras gerais por seus
julgamentos, aplicáveis a casos futuros 4. Como se sabe essa tarefa de definir regras gerais de
operacionalização do direito, tradicionalmente, no Direito Continental recaiu à lei 5. As
diferenças históricas são facilmente perceptíveis das próprias revoluções ao Antigo Regime.
Se, na França, a disputa de poder entre a realeza e o parlamento resultou na decapitação do
rei, na Inglaterra, a Revolução Gloriosa levou tão somente à submissão do rei ao parlamento.

Os juízes, por seu turno, ficaram lados distintos. Na Revolução Francesa,


estavam ao lado do monarca, não sendo ao acaso a intensa descrença dos revolucionários

4
Durante o período de formação do direito inglês, não se tinha a presença de um poder legislativo real no
Parlamento, também contribuindo a presença um marcante poder das Cortes Reais de Justiça. GARAPON,
Antoine; PAPAPOULOS, Ioannis. Julgar nos Estados Unidos e na França – cultura jurídica francesa e
common law e uma perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 33.
5
Para aprofundamento acerca da formação e distinção entre civil e common law, por todos em razão de sua
condição de texto clássico: DAVID, René. Os grandes sistemas de direito contemporâneo. 5ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2014.
quanto à confiabilidade dos magistrados. Tanto o é que a organização que seguiu lhes atribuía
tão somente à função de boca da lei, ou em termos processuais, a tarefa de declarar a vontade
concreta da lei. A ruptura total com o Antigo Regime vem expressa pela edição do Código
Civil Frances de 1804, designando o Direito Privado como espaço de não intervenção, em
absoluto, do Estado 6.

Por sua vez, na Revolução Gloriosa, os magistrados assim como o próprio


monarca mantiveram parte da tradição curvando-se ao parlamento. O sistema de Common law
se organizou a partir do reconhecimento e força de uma tradição extremamente enraizada na
cultura 7. Por conta disso, decisões judiciais tomadas ao longo da história articularam um
sistema de precedentes, que constituem a fonte mais significativa do direito. Nesse modelo, os
conflitos sobre bens da vida e regulação jurídica partem de um exame tópico e são construídos
a partir do julgamento de um caso paradigmático. Uma vez decidido, as razões que
conduziram à conclusão são alçadas à condição de regras gerais, aplicáveis a casos ulteriores.
No futuro, quando diante de situações similares buscar-se-á a ratio decidendi daquele
primeiro julgamento, correlacionando-o ao novo caso e, permitindo-se um julgamento que se
insere na tradição do direito comum. Note-se que, nesse sistema, embora os precedentes
sejam erigidas a partir de um caso, constituem regras do tipo jurídico 8.

No Direito Continental, a tradição é reconhecer força à legislação, inclusive


como fruto histórico das posições do Judiciário e Legislativo a partir da Revolução 9. Uma
consequência política bem evidente da nova organização de poder foi a construção de um
Estado a partir da ideia de sua regulação pela lei, de modo que o verdadeiro poder do Estado
seria o Legislativo. Seguiu-se a consideração da jurisdição como não criativa de direito, mas
tão somente reprodutora ou especificadora de decisões tomadas em sede abstrata pela lei. O

6
“O Código Civil de Napoleão, de 1804, além de romper definitivamente com o direito do Ancien Régime,
funciona como um guia completo, coerente e claro dirigido ao cidadão em linguagem acessível para que pudesse
permitir às próprias pessoas, independentemente das interpretações dos juristas e dos juízes, a conhecer por conta
própria seus direitos e obrigações. Dessa forma, o papel do juiz francês, tão ligado ao Ancien Régime, é
desvalorizado, a fim de evitar um governo dos juízes, razão pela qual o juiz como boca da lei é considerado
modelo ideal de magistrado”. NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e
brasileiro. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 38.
7
“A common law é de uma longevidade invejável. Ela sobreviveu a guerras civis e mudanças de dinastias e
várias vezes foi invocada sua superioridade sobre o próprio Rei, a Igreja e o Parlamento”. NOGUEIRA, Gustavo
Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 38
8
Para um perfil histórico comparado, passando por construções de modelos de interpretação, ver MITIDIERO,
Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 19-77.
9
A respeito, ver MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. The civil law tradition – na
introduction to the legal sistems of Europe and Latin America. 3ª ed. Stanford: Stanford University Press,
2007.
juiz nada decidiria, pois acabaria por somente reconhecer no caso o direito aplicável às partes,
mediante as decisões de ordem legislativa já tomada pelo parlamento 10.

Embora dificilmente se possa pensar em sistemas puros de precedentes ou


11
estabelecidos a partir da predominância da lei , é viável sustentar algumas características
comuns a cada família, a partir do respeito ou não a precedentes e sua vinculatividade, o
reconhecimento de um maior ou menor poder criativo aos magistrados, diferenças no rito a
serem pautadas por maior escritura ou oralidade com a maior ou menor presença de júris, os
poderes instrutórios conferidos aos juízes e a presença em maior ou menor grau da
adversariedade como marca de organização do sistema processual. Com o CPC/2015, a
incorporação de um modelo próprio de precedentes vinculantes coloca o direito pátrio, nesse
quesito, a um meio passo entre a tradição continental e a de common law.

3) Novo Sistema Brasileiro

O Brasil teve seu sistema jurídico herdado de Portugal, tendo larga influência no
que diz respeito com direito processual do ordenamento italiano. Como é bem evidente aos
juristas brasileiros, embora se reconheça alguns valores no direito inglês e americano, esses
não foram proeminentes na formação da cultura processual brasileira até então, nem deixaram

10
Em linha da teoria processual tradicional, pode-se referir, verbi gratia, as clássicas compreensões sobre a
função jurisdicional, em especial pela pena de Giuseppe Chiovenda. Para o autor, “o juiz segue necessariamente
um puro procedimento lógico, consistente na aplicação precisa da norma da lei ao caso concreto”.
CHIOVENDA, Giuseppe. Principios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Madrid: Instituto Editorial Reus, 1922,
p. 362.
11
Tratando sobre a dificuldade de se classificar de forma peremptória os diferentes sistemas existentes,
sustentou-se adequadamente que não se consegue com facilidade determinar qual o nível de influência das
diferentes famílias em cada sistema jurídico, sendo que as diferentes culturas deram origem a alguns sistemas
ditos mistos. NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro. 2ª
ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 30. Ainda, sobre a aproximação das famílias de direito ocidentais: “se a
divisão estanque entre common law e o civil law foi perceptível em algum momento do passado, atualmente não
o é mais. Essas duas famílias passam a trocar soluções jurídicas. Dentre várias outras características que podem
ser destacadas entre as duas famílias, o civil law tradicionalmente tinha, como principal fonte do direito, a
legislação, enquanto que no common law, havia maior valorização dos precedentes. Nesta família do direito,
embora exista a legislação ela é considerada como fonte secundária do direito e a sua aplicação é realizada de
forma literal e restritiva. No entanto, na atualidade, nota-se uma troca recíproca de influências, em que países do
civil law passam por uma valorização da teoria dos precedentes e aqueles que estão inseridos no common law,
por um aumento na utilidade da legislação, dentre outras formas de aproximação”. PEIXOTO, Ravi. Superação
do precedente e segurança jurídica. Salvador. Jus Podivm, 2015, p. 146-147.
12
historicamente, grandes marcas no ordenamento processual . Recentemente, em especial
pela edição do CPC/2015, no entanto, está sendo construído um modelo que está a meio passo
entre a tradição continental, de vinculatividade somente pela lei, e tradição de common law,
fundada na tradição de decisões 13.

A nova legislação processual erige, em seu art. 927, um rol de julgamentos


paradigmáticos que necessariamente devem ser observados por juízes ao julgamento de casos
futuros 14. Assim, devem os juízes e tribunais observar, denotando vinculatividade às decisões
do STF em controle concentrado de constitucionalidade, aos enunciados de súmula
vinculante, aos acórdãos em incidente de assunção de competência, em incidente de resolução
de demandas repetitivas e em julgamentos de recursos extraordinário e especial repetitivos,
aos enunciados de súmula do STF e do STJ, nas respectivas competências constitucionais e à
orientação do plenário ou órgão especial aos quais estiverem vinculados 15.

A necessidade de promover mudanças na administração da justiça por meio de


seu sistema processual seguramente teve origem em um quadro impraticável de demandas
repetidas 16. Em todos os tribunais do país, tarefas de repetição consomem enorme tempo e
recursos destinados à atividade jurisdicional. Os frutos da sociedade de consumo e de massa,
em que as relações jurídicas são reproduzidas aos milhares, alcançaram à advocacia e,
consequentemente, o Judiciário. Não espanta hoje a informação de que o contencioso de
12
Fazendo indicativos históricos dos precedentes no direito processual brasileiro, e partir disso, deixando clara
que a formação histórica brasileira relativamente aos precedentes é distinta daquela de tradição anglo-americana.
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004, p. 233-246.
13
Significativo da aproximação é o título dado ao excelente texto de Zanetti acerca da aproximação entre o
Brasil e a tradição de precedentes na common law. No texto, há válidas referências e indicativos de uma
aproximação a ainda ser intensificada com a implementação de uma cultura de precedentes. ZANETI JR.,
Hermes. Brasil: um país de “common law”. As tradições jurídicas de “common law” e “civil law” e a
experiência da Constituição brasileira como constitucionalismo hibrido. In: DIDIER JR, Fredie. Pontes de
Miranda e o direito processual. Salvador: Juspodivm, 2013.
14
Para uma aplicação vinculada ao processo brasileiro, das diferentes compreensões em torno da ratio decidendi,
ver. MACEDO, Lucas Buril de. Contributo para a definição de ratio decidendi na teoria brasileira dos
precedentes judiciais. In: DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da.; ATAÍDE JR, Jaldemiro
Rodrigues de. ; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 215-238.
15
Como muito bem tem apontado a doutrina, as escolhas feitas pelo legislado no rol do art. 927 não condizem
todas com a noção de precedente. Para esse dado, é relevante distinguir entre precedente e outras expressões que
forma indicadas nos incisos como “jurisprudência” e “súmula”. PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e
segurança jurídica. Salvador. Jus Podivm, 2015, p. 159-163. Também merecem nota os textos de MOREIRA,
José Carlos Barbosa. Sumula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. In: Temas de direito
processual. 9ª série. São Paulo: Saraiva, 2007, TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de
Processo, São Paulo: RT, n. 199, set. 2011 e MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 81-85.
16
“O Poder Judiciário passou a ser questionado, haja vista a insatisfação social com a prestação da tutela
jurisdicional. Por exemplo, as regras liberais de direito processual civil até então existentes mostraram-se
insuficientes e inadequadas para a resolução dos conflitos que se apresentaram de forma repetitiva e massificada
perante a sociedade”. CAVALCANTI, Marcos. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Ações
Coletivas. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 384.
massa representa fonte de receita de larga importância a grandes e pequenos escritórios. A
consequência desse interesse econômico tanto na reprodução relações jurídicas materiais,
como na instauração de incontáveis demandas de teor extremamente parecido, é o prejuízo à
qualidade e efetividade da prestação jurisdicional 17.

Na Alemanha ocorreu um prognóstico assustador quando muitos investidores


receberam informações falsas de companhias como a Deustch Teloken, ensejando a
propositura de 2.200 processos. Na oportunidade, sustentou-se a indispensabilidade de um
novo modelo, tendo em vista que ditos julgamentos, a partir da ótica do judiciário alemão,
poderiam levar até 15 anos. Em razão do pânico e pretensa paralisação da jurisdição alemã
com o ocorrido, instituíram um modelo conhecido como Musterverfahren. Em suma, por
meio do procedimento modelo se seleciona alguns casos, julga-se por amostragem e se aplica
18
a decisão a todos os demais . Dito sistema, portanto, permitia julgar poucos processos, tanto
no que condiz com a situação e fato e direito, inviabilizando uma discussão individualizada
caso a caso.

Esse modelo foi base para que, ainda na vigência do CPC/1973, se editassem
reformas sinalizadoras de uma mudança mais impactante na ordem processual. Começou-se a
trilhar passo em direção aos precedentes, como anotou oportunamente Daniel Mitidiero
acerca dos art. 518, §1 (inadmissibilidade da apelação em face de súmula), art. 543-B e art.
543-C (instituição de julgamento de recursos repetitivos) art. 557 (viabilidade de decisões
monocráticas em face de jurisprudência ou súmula), instituindo uma sistemática nos tribunais
superiores, para tratativa de recursos repetitivos 19.

No CPC/2015 uma variação desse modelo assume ao lado de outras figuras o


caráter de formador de paradigmas vinculantes na forma determinada pelo art. 927. De notar
que no direito pátrio, todos os institutos que são vinculantes por conta do dispositivo indicado,

17
“A doutrina percebe, cada vez mais, de forma crítica os perigos de uma jurisprudência lotérica, também
denominada de jurisprudência banana boat, que destacam o caos gerado pela costumeira prática dos tribunais de
não respeitar seus próprios precedentes. (...) A doutrina tem identificado uma série de elementos que corroboram
a necessidade da adoção do stare decisis no direito brasileiro. Um dos argumentos mais relevantes são as razões
de segurança, visto que o ordenamento jurídico requer certa estabilidade”. PEIXOTO, Ravi. Superação do
precedente e segurança jurídica. Salvador. Jus Podivm, 2015, p. 152.
18
Para maior desenvolvimento, inclusive situando a questão como uma alternativa à via coletiva: CABRAL,
Antônio do Passo. O novo Procedimento-Modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações
coletivas. Revista de Processo, São Paulo, v. 32, n. 147, p. 123-146, maio 2007. CAVALCANTI, Marcos.
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Ações Coletivas. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 328-351.
19
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.
109-112.
não externam eficácia vinculante quanto a questões fáticas, mas apenas naquilo que diz
respeito à interpretação do direito aplicável. Note-se, portanto, que não se trata do mesmo
modelo previsto na Musterverfahren alemã, nem com a forma de edição e precedentes dos
sistemas de Common law.

No modelo previsto no CPC/2015, quer-se, a rigor, estabelecer uma sistemática


que vincula a interpretação jurídica de dadas questões que se mostram repetitivas. Assim
sendo, as inúmeras causas que tem ao fundo uma mesma variabilidade de interpretações
passíveis de realização de um dado texto legal, podem ser solucionadas em único caso,
fazendo mais eficiente a administração da justiça no Brasil 20.

Note-se bem: a questão envolvendo recursos repetitivos, súmulas, e afins serve,


no modelo do CPC/2015 tão somente para eliminar a possibilidade de interpretações
divergentes relativamente ao direito discutido nos mais variados casos. Por conta da
incorporação de poder vinculante a algumas decisões de tribunais edita-se uma interpretação
jurídica vinculante para os casos mais diversos que invoquem a aplicação dos mesmos
parâmetros legais. Justamente por conta disso, o sistema de precedentes brasileiro pode ser
aplicado perfeitamente a questões processuais ou acabar por definir parâmetros de aplicação
do direito material, a incidir para resolver litígios que não se assemelham a primeira vista.

Pode-se, aqui em caráter meramente exemplificativo, definir critérios para


aferição de adimplemento substancial a serem aplicados em causas que possam versar desde
um prédio inacabado em um contrato de empreitada, até a viabilidade do uso da prisão civil
para débitos alimentares quase integralmente adimplidos; igualmente, pode-se fixar a tese
aplicável a uma imensa variabilidade de casos de que a ausência de indicação das provas a
produzir na petição inicial é mera irregularidade, entre incontáveis exemplos de aplicabilidade
às mais variadas lides.

Nesse passo, as questões que envolvam interpretação jurídica debatidas no


processo, por sua vez, se repetidas em inúmeros casos, podem ser resolvidas em única vez,
por meio dos institutos decorrentes da nova legislação. Os últimos dados apresentados pelo
Conselho Nacional de Justiça indicam que o Brasil tem entre casos novos e pendentes,

20
“A fidelidade do precedente consiste no respeito às razões necessárias e suficientes empregadas pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça para solução de uma determinada questão de um caso”.
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 103.
21
101.216.596 de processos , sendo muitos deles repetitivos. Note-se que se 2.200 processos
causariam colapso no sistema alemão, justificando a criação de uma forma de julgamento por
amostragem, é bastante razoável concluir que o sistema construído para a jurisdição cível no
Brasil constitui uma tentativa legítima e, quiçá, indispensável para se trabalhar com
administração da justiça.

4) Processos Individuais Repetitivos e Processos Coletivos

A linha de pensamento até então desenvolvida no último tópico não deveria ter
sido trilhada sem que alguns descontentamentos fossem notados. Afinal, se um dos grandes
motivadores de uma intromissão no sistema processual condiz com a massificação das
atuações jurídicas, ao lado de um modelo individualista de resolução de impasses percebe-se
que um ponto de enfrentamento significativo tenha ficado à margem das novas
esquematizações do CPC/2015: a via coletiva.

As técnicas individuais de repercussão coletivas não se confundem com as


técnicas coletivas de repercussão individual. Isso porque se pode pensar na solução de
questões coletivas por meio de um tratamento efetivamente coletivo ou a solução de casos
22
individuais semelhantes mediante uma dinâmica de demandas repetitivas . Nesse passo,
essas diferenças merecem algumas breves considerações sobre a aplicabilidade dos diferentes
modelos, sendo que por vezes encontram espaços de incidência comuns, especialmente
quando diante de repetição de demandas fundadas em direitos individuais homogêneos.

Fato é que muitas demandas repetidas que emanam como exemplos de


indispensabilidade do sistema brasileiro de precedentes poderiam ser resolvidas por meio de
processos coletivos. As causas que se repetem na jurisdição em geral condizem com direitos
individuais homogêneos antes mesmo de reproduzirem divergências de interpretação da
legislação pelos tribunais. Veja-se, por exemplo, que no Rio Grande do Sul há um incontável
número de processos que versam sobre etapas de privatização de companhia telefônica,

21
Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016 - Infográficos: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016,
p. 13.
22
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Técnicas individuais de repercussão coletiva x técnicas coletivas de
repercussão individual. Por que estão extinguindo a ação civil pública para a defesa de direitos individuais
homogêneos? In: DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes (coords.). Repercussões do Novo CPC
– Vol. 8 - Processo Coletivo. Salvador: Juspodivm, 2015.
envolvendo diferentes abordagens sobre a forma e tempo da subscrição de ações. Ou quiçá,
em todo o país, quando diante das longas tratativas acerca de eventual limitação de
determinadas tarifas bancárias. Ou ainda as questões tributárias de incidência de impostos
para dada atividade econômica ou em certas condições. Todas elas, antes de teses jurídicas
divergentes, constituem situações em que os direitos são individuais, reconhecíveis seus
titulares e sua extensão, mas que tem algum elemento em comum que lhes outorga
homogeneidade.

No modelo dos julgamentos repetitivos de recursos a definição da tese


vinculante realizar-se-á somente após uma tramitação toda em primeiro grau de inúmeros
processos repetitivos. Além disso, após o reconhecimento da procedência dos pleitos, terá o
titular do direito necessariamente que promover demanda individual para haver um título
executivo próprio e buscar satisfação da tutela jurisdicional. Por conta desse singelo dado,
mesmo com a definição vinculativa da tese, forçar-se-ão milhares de novas petições iniciais,
contestações, réplicas, sentenças, apelações e acórdãos sobre o mesmo. Inclusive, se
vencedora a tese, ter-se-á um inegável estímulo à propositura de demandas, dada a
vinculatividade da tese e, assim, a alta probabilidade de procedência dos pedidos.

Em termos perversamente pragmáticos, a forma mais imediata de evitar essa


replicação de postulações seria a de impedir que a tese vinculante reconhecesse questões que
conduzissem à procedência dos pleitos futuros. Ou seja, nesse modelo, para evitar futura
intensificação de causas por conta do precedente vinculante, nada será tão eficaz quanto negar
o reconhecimento de teses das quais possam derivar postulações futuras. Os desejos para uma
melhor disponibilidade de recursos para administração da justiça, eventual e paradoxalmente,
poderá se situar em um cenário conflitante com o propósito de reconhecer direitos decorrentes
de relações massificadas.

Embora o modelo de julgamento de recursos repetitivos tente buscar elementos


de representatividade com alguma índole coletiva nos casos julgados e para o próprio
julgamento sob essa situação, pelo modelo posto, não se alcança o mesmo controle nem se
viabiliza o desenvolvimento representativo nas instâncias inferiores. Afinal, passa-se a se
tratar com instrumentos de coletivização da discussão os processos somente quando já
dispostos para julgamento nos tribunais. Isso fica evidente na necessidade de “seleção dos
recursos representativos”, na publicidade da afetação, na previsão de audiências públicas e de
participação de amicus curiae, além da necessidade de fundamentação integral de teses
vencidas e vencedoras. O trâmite em primeiro grau, onde quiçá se alcançaria maior
viabilidade de participação direta de parte dos afetados pela futura decisão vinculante, sequer
é ventilado dado que a ocorrência de eficácia erga omnes de vinculatividade da tese
reconhecida no julgamento somente será conhecida na esfera recursal. Excluir o primeiro grau
de deliberações com eficácia coletiva significa inviabilizar uma série de participações que
seriam viáveis por vias coletivas já conhecidas. Veja-se que realizar uma audiência pública
em Brasília (DF) dificilmente alcançaria a ampla representatividade que esse expediente
poderia proporcionar para uma resolução de questão local ocorrida em Manaus (AM).

No caso, nada disso se daria se a linha processual prioritária para resolução do


problema contextual de demandas repetitivas fosse esquematizada a partir do processo
coletivo. Com isso, garantida ampla representatividade e contraditório, seria sustentável
viabilizar larga discussão e aprofundamento em questões fáticas e jurídicas em poucos
processos coletivos, com ampla eficácia para direitos individuais homogêneos.

A solução dada pelo direito alemão – Musterverfahren –, da qual se extraiu o


esqueleto de organização do modelo de precedentes brasileiros, justificou-se naquele sistema
diante da ausência de uma sistematização sobre processo coletivo na Alemanha. Ocorre que o
mesmo não se passa no direito brasileiro, onde vige um sistema processual coletivo
organizado, ainda que de forma deficitária. Assim porque é contrastante sua potencialidade e
uso real para promoção de direitos e contribuição para a administração da justiça.

Apesar da previsão de um interessante rol de ações coletivas no direito


brasileiro, em especial as que comportam a tratativa de direitos individuais homogêneos,
como a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção coletivo,
as ações coletivas lato sensu e o habeas data coletivo, não se tem alcançado largo êxito em dar
efetividade às relações de massa mediante a via coletiva, muito em razão de deficiências
sistêmicas dessa regulação no Brasil.

A doutrina aponta, entre outros, alguns problemas determinantes para esse


cenário. Inicialmente se sustenta a pouca quantidade de associações civis e a concentração da
propositura de ações civis públicas por parte do Ministério Público e Defensoria Pública.
Além disso, a própria lei restringe indevidamente o uso das ações coletivas em algumas
situações, como se dá nas disposições de direito tributário e previdenciário do art. 1º da Lei
7.347/1985. Há deficiências no regime de coisa julgada que opera apenas em favor da
coletividade e na espúria limitação territorial da eficácia da decisão coletiva prevista no art. 16
da supracitada lei 23.

Embora algumas dessas causas sejam progressivamente enfrentadas no âmbito


dos tribunais, inclusive com importantes avanços (como se deu em recente julgamento da
Corte Especial do STJ que afastou a limitação territorial para eficácia da tutela prestada em
processo coletivo no EREsp 1.134.957, ou ainda na progressiva aceitabilidade de controles
24
judiciais da legitimidade ) é fato que o processo coletivo brasileiro padece de uma
regulamentação geral adaptada às questões contemporâneas de sua aplicação. Julga-se que
será extremamente profícua uma reforma no processo coletivo brasileiro, inclusive para a
finalidade de uma melhor administração da justiça. Pelo menos se deve aceitar que o processo
coletivo é um ponto que precisara ser regulado ao lado da sistemática de resolução de
questões e teses jurídicas repetitivas.

Veja-se que o sistema de precedentes brasileiro tem como fim a uniformização


da intepretação jurídica de textos legais pelos variados juízes e tribunais. Contudo, tal diz
respeito apenas a divergências sobre o direito em tese, não alcançando o julgamento de casos
que envolvem a consideração fática. Assim sendo, esses expedientes são válidos para
intepretações processuais controvertidas como, entre tantas, se cabe agravo de instrumento de
decisão que indefere o efeito suspensivo aos embargos à execução, diante da redação dada ao
art. 1.015, X. Nesse exemplo, não há processo coletivo possível e a resolução desses pontos
de divergência pela interpretação da legislação por Cortes Supremas são pertinentes e
indispensáveis para dar segurança jurídica ao sistema 25.

Contudo, outras situações são aquelas que versam sobre direitos de servidores
públicos a perceberem dado aumento ou gratificação, a questão sobre cadastro com ranking
de consumidores para fins de créditos, incidências tributárias em dadas situações reiteradas, o
direito a benefícios previdenciários em dadas hipóteses ou de haver indenizações cobertas
pelo seguro obrigatório em acidentes viários. Ditos casos são fundados em determinadas

23
CUNHA, Leonardo José Carneiro. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas
previsto no Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, RT, n. 193, mar. 2011,
p. 256-257.
24
A respeito, arrolou-se uma tendência de progressivo controle judicial de representatividade adequada em:
SCARPARO, Eduardo. Controle da representatividade adequada em processos coletivos no Brasil. Revista
de Processo, v. 208, p. 125-146, 2012.
25
Conforme defende Ada Grinover, não se pode confundir a via do IRDR com a dos processos coletivos.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A coletivização de ações individuais após o veto. In: CIANCI, Mirna; et. al.
(coords.) Novo Código de Processo Civil – Impactos na Legislação Extravagante e Interdisciplinar, Volume 1 -
São Paulo: Saraiva, 2016.
situações de fato que conjugadas com a norma jurídica viabilizam ou não a prestação da tutela
jurisdicional. São, por assim dizer, problemas que podem ser resolvidos, em tese,
coletivamente.

O fato é que o processo coletivo brasileiro padece de problemas estruturais: não


26
há indicativos reais para viabilizar a representação adequada carecendo de regulação , nem
27
organização legal para justificar soluções referentes a ações coletivas passivas , nem mesmo
se faz viável em nosso modelo atual a indispensável previsão de formação de coisa julgada
28
coletiva pro et contra em dadas situações . Não se tem previsão sobre a publicidade e
29
divulgação mediante uma notificação adequada do processo coletivo . Perdeu-se a
oportunidade de viabilizar a conversão de processos repetitivos individuais em coletivos que
versem sobre direitos individuais homogêneos e de regular formas de ampla participação e
deliberação em causas de interesses supraindividuais. A grande reforma processual não
propôs qualquer avanço significativo sobre execução coletiva de direitos, quem dirá sobre a
regulamentação da disponibilidade de direitos e negociações civis coletivas ou ainda sobre a
30
sucumbência em processos coletivos . Falta, cada vez mais, ao Brasil, um Código de
Processo Civil Coletivo.

Por conta disso, a reforma mais essencial ao direito brasileiro para bem lidar
com as dificuldades vinculadas a uma sociedade de relações massificadas, com o CPC/2015,
passou a ser – se é que já não era – a promoção de uma migração do sustentáculo de resolução
individual para o coletivo. E isso envolve uma releitura sobre as estratégias políticas de lidar
com problemas jurídico-legislativos.

5) Conclusões

26
GIDI, Antônio. A representação adequada nas ações coletivas brasileiras: uma proposta. Revista de
Processo, São Paulo, v. 108, p. 61-70, out. 2002.
27
PEREIRA, Rafael Caselli. Ação Coletiva Passiva (Defendant Class Action) no Direito Brasileiro.
Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 2, n. 3, 01 jul. 2011; VIOLIN, Jordão. Ação Coletiva Passiva:
Fundamentos e Perfis. Ed. JusPodivm. 1ª ed. 2008.
28
GIDI, Antônio. Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.
29
Como se dá no direito norte americano, exemplificativamente. A respeito, ver GIDI, Antônio. A Class Action
como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada.
Revista dos Tribunais, 2007.
30
Novamente faz-se referencia a estudos de direito comparado: GIDI, Antônio. A Class Action como
instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. Revista dos
Tribunais, 2007.
O modelo instituído pelo CPC/2015 apresenta ferramentas imprescindíveis hoje
diante da caótica situação em que compete aos tribunais e juízes administrar justiça. São
importantes também para organização da sociedade civil, gerando maior segurança jurídica e
previsibilidade nas relações balizadas pelo direito.

Porém, deixou-se até então de trilhar caminho que tem larga potencialidade para
tratar de questões não alcançáveis pelo modelo de precedentes, de modo a melhor garantir
direitos fundamentais e uma administração da justiça mais eficiente. Sustenta-se que as
questões coletivas, entre elas as condizentes com direitos individuais homogêneos, serão
melhores trabalhadas coletivamente que sob um método de resolução individual, por mais
habituados que estejamos em pensar os problemas massificados de nossa sociedade sob a
premissa da atomização de relações.

Embora salutar e indispensável diante do quadro da justiça brasileira, defende-se


que é ainda mais oportuna como estratégia de política legislativa para melhoria significativa
da prestação da atividade jurisdicional uma larga em ampla revisão, com reforço e ampliação
do processo coletivo brasileiro.

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