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EVOLUÇÃO DA
de Arqueologia da Paisagem e do Território, pela
Universidade do Minho. A sua investigação tem-se
centrado nas questões de urbanismo, morfologia
Coord.
MARIA DO CARMO RIBEIRO
ARNALDO SOUSA MELO
FICHA TÉCNICA
O CITCEM é financiado por Fundos Nacionais através da FCT-Fundação para a Ciência e a Tecnologia no
âmbito do projecto PEst-OE/HIS/UI4059/2011
SUMÁRIO
Apresentação
Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Dalla città romana alla città tardoantica: trasformazioni e cambiamenti nelle città
della pianura padana centro‑occidentale
Pier Luigi Dall’Aglio, Kevin Ferrari e Gianluca Mete . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
The regulation of ‘nuisance’: civic government and the built environment in the
medieval city
Sarah Rees Jones . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283
Entre os “Ideais e a Realidade”.
A urbanização do Porto
na Baixa Idade Média
1
Aluna de Doutoramento do Curso de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
CITCEM, helenalopes.t@gmail.com
2
Tendo em conta que a nossa prioridade de estudo é a compreensão do espaço físico da cidade, o
urbanismo será um ponto fulcral do nosso estudo, analisado em dois campos diferentes, mas intrinseca-
mente ligados: o da evolução urbana (como crescimento físico, ao longo dos tempos, da cidade), e o do
planeamento e gestão urbana (organização e administração do espaço público e privado).
3
Teixeira, 2010.
4
Com a exceção da obra de alguns poucos autores (Walter Rossa, Manuel Teixeira, Bernardo José
Ferrão, Luísa Trindade, Manuel Real, José Ferrão Afonso, Rui Tavares, Pereira de Oliveira), acreditamos
185
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
estudo da paisagem urbana do Porto medieval não seja uma novidade no panorama
historiográfico português, também a sua vertente urbanística e espacial tem recebido
menos atenção que a económica ou institucional. Assim sendo, pretendemos aqui,
de algum modo, colmatar uma parte desta falha, tentando focar‑nos na vertente
urbanística, sem, contudo, descurar os vários factores (naturais, económicos, políti-
cos, pessoais, de grupo) que se confrontaram simultaneamente, tentando perceber
o crescimento urbano do Porto como resultado destas tensões.
Para realizar o nosso estudo analisamos um vasto conjunto de bibliografia e de
fontes documentais5, assim como cartográficas e iconográficas relativas à cidade
do Porto. Daqui resultou não só uma base de dados que sistematiza a informação
contida em prazos e atas de vereação relativamente à informação urbanística e
construtiva, mas também esquemas cartográficos imprescindíveis para a com-
preensão do crescimento urbano do Porto, nomeadamente no que diz respeito às
principais infraestruturas urbanas6.
Resumindo, esta reflexão procura refutar a tradicional divisão entre a cons-
trução planeada (ou idealizada) e a construção espontânea (ou real) da cidade
medieval, e defender uma posição na qual ambos os tipos de construção se entre-
laçavam na sua edificação, independentemente de esta ser uma construção de
raiz ou pré‑existente. Acreditamos que as paisagens urbanas, pelo menos as que
tinham um sistema institucional de governo, seriam o resultado de um cuidadoso
desenvolvimento. Como refere José Mattoso7, a cidade era um centro político e,
que ainda muito está por explorar em relação ao trabalho de investigação urbanística em Portugal. O
estudo do urbanismo medieval ainda se pauta bastante pela metodologia definida décadas atrás por
Oliveira Marques e presente no “Atlas de cidades medievais portuguesas”, obra de síntese sobre a forma
e a topologia urbana portuguesa. Todavia, o carácter sintético da informação exposta, sem referência a
uma terceira dimensão e altimetria, acaba por condicionar o seu uso no âmbito da história do urbanismo,
pois “impossibilita o reconhecimento seguro, a estruturação e evolução das formas, dos programas e dos
contextos materiais”. Trindade, 2010.
5
Relativamente à recolha de informação bibliográfica consultamos uma série de autores ligados ao
tema em questão, nomeadamente Armindo de Sousa, Luís Miguel Duarte, Luís Carlos Amaral, Manuel
Real, Ferrão Afonso e Pereira de Oliveira. Quanto às principais fontes para o estudo desta problemática,
procedemos a uma seleção da vasta documentação manuscrita e impressa relativa ao Porto medieval,
nomeadamente nos Livros de Vereações, prazos religiosos (Livros de Pergaminhos do Arquivo Histórico
Municipal do Porto e os documentos do Cartório do Cabido da Sé do Porto, nomeadamente os que se
encontram nos denominados “Livros dos Originais’’, prazos camarários e “Corpus Codicum’’.
6
A nossa cartografia foi feita com o auxílio do programa CAD (Desenho assistido por computador),
utilizando não só a sobreposição gráfica de cartografia de diferentes épocas, (desde a mais atual até à
planta de Balck de 1813), mas também a bibliografia da especialidade, fontes documentais, iconografia
de diferentes épocas, informação arqueológica e vestígios visíveis na cidade actual. Entre todos estes ele-
mentos foi possível entrever‑se com alguma segurança vários dos traços mais significativos da evolução
urbana e, até, alguns aspectos das razões e das causas específicas de certos problemas dessa evolução.
7
Mattoso, 1992.
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ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
como tal, legitimaria o seu poder pela intenção de sujeitar o espaço circundante a
uma ordem racional. Assim, é natural que a racionalidade estivesse presente numa
vertente mais pragmática da construção urbana, sendo preconizada por preceitos
que acreditamos serem tudo menos espontâneos ou desprovidos de ponderação.
Pensamos, por isso, que o processo de desenvolvimento urbanístico obedecia a um
delicado equilíbrio de distintos pressupostos: por um lado, tínhamos aquilo a que
chamamos de ideais (que eram normalmente noções jurídicas, estéticas e plane-
adas daquilo que se desejava para a imagem da cidade) e, por outro, aquilo a que
chamamos de propósitos (necessidades pragmáticas e racionais do espaço urbano).
Para analisar a realidade física do Porto medieval julgamos ser importante
começar pela apresentação dos factores físicos (geográficos e humanos) que ser-
viram de matriz à configuração e desenvolvimento da cidade medieva.
A localização no Morro da Penaventosa, um ponto de grande altitude rodeado
de vários recursos agrícolas, minerais e hídricos, foi o factor que proporcionou a
este morro uma situação estratégica: boas condições defensivas, domínio sobre a
envolvente, convergência de vias terrestres e um povoamento constante desde a
época castreja. A topografia acidentada acabou por condicionar o traçado dos arru-
amentos e a ocupação humana, que procurou seguir as curvas de nível nas encostas.
Do mesmo modo, as características físicas do rio e os seus limites condicionaram
a morfologia da cidade, assim como seus atravessamentos fluviais e eixos viários.
Centrando‑nos agora no espaço construído pelo homem, especificamente nos
principais sistemas de povoamento
e vias de circulação que se mantive-
ram até à cidade medieval, ressalta-
mos a época castreja. É a partir deste
momento que estão lançados os ali-
cerces de qualquer outra concentração
urbana posterior, dando‑se início a um
particular processo de urbanização,
consolidado no período romano, que se
tornou fundamento urbano da cidade Fig. 1. Localização estratégica do Morro da Pena-
medieval. Ainda na época romana, ventosa.
destaca‑se a passagem pelo burgo da
importante estrada de ligação entre Lisboa e Braga que, além de formar um eixo
urbano8 de ligação entre a Penaventosa e a zona ribeirinha, acabou por estruturar
não só a cidade romana, mas também a medieval depois dela. Outro factor relevante
foi o desenvolvimento da zona ribeirinha como resultado do estabelecimento de
8
Alinhado a “grosso modo” com a atual Rua dos Mercadores. Teixeira, 2010.
187
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
um posto ligado à travessia fluvial desta via. Durante a Alta Idade Média vemos a
cidade regressar ao seu ponto de origem, o alto do morro da Penaventosa, tomando
funções bélicas através da rectificação da muralha, e religiosas, na implantação
do importante elemento em redor do qual a cidade medieval se organizou, a Sé9.
Em inícios do século XII o Porto seria uma pequena povoação que, à exceção
dos pequenos aglomerados junto ao rio e à Cividade, se concentrava no burgo
fortificado em redor da Sé.
A partir do século XIII começa a denotar‑se o seu crescente desenvolvimento
que, atendendo à base topográfica de relevo acidentado, resulta num traçado viário
irregular e sinuoso10. Embora nesta época se saliente mais o pragmatismo do que
um ideal urbanístico (tendo em conta que a cidade assenta o seu esquema espacial
de ocupação numa morfologia que não a de matriz geométrica), existe, contudo,
uma lógica própria de ocupação do espaço11. Numa primeira instância, foi a base
Teixeira, 2010.
10
11
Tal é comprovado pela procura sistemática da exposição solar mais favorável, pelo decalque das
curvas de nível como forma de vencer os desníveis, pela ocupação de terras altas por questões defensivas,
pela proximidade às vias de comunicação, pela procura de canais de água e locais férteis. Do mesmo
188
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
modo, o carácter irregular e estreito que caracteriza muitas das ruas da cidade medieval tem uma razão
de ser: a prevenção contra as intempéries, permitindo a proteção contra o sol e o calor e contra a chuva e
o vento. Do mesmo modo também não importava que a largura das casas, e consequentemente dos lotes,
fosse muito grande, pois o que interessava era a casa ter um acesso para a rua. Quando a cidade medieval
começa a aparecer, o lote estreito e profundo estaria já consolidado, muito em parte pela forma como
se “adaptava e respondia às necessidades da cultura urbana emergente”. Lavedan, P., Hugueney, J., 1974,
pp. 1-58. Amaral, 2009. p. 42.
12
Os mesteres com carácter poluidor, ou que aproveitavam estruturas naturais ou urbanas próprias
para elaboração da sua atividade, seriam colocados em zonas menos habitadas da cidade por razões
pragmáticas de afastamento. Exemplo disso são as atividades de curtição, que se concentram no rio de
Vila ( Pelames e Souto) e se afastam das zonas mais densamente povoadas por causa da poluição, ou as
atividades de cordoaria, que pelo tipo de manuseamento específico, se localizam nas encostas compridas
abaixo do monte do Olival. Melo, 2009.
13
Teixeira, 2010.
189
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
14
Se atentarmos nos modos de movimentação e deslocação humana, vemos que não é natural
andar em grelhas ortogonais. Ou seja, havendo uma diagonal num quarteirão, o movimento mais lógico
e instintivo é segui‑la e não dar a volta. Kostof, 1999.
15
Sousa, 2000.
190
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
e vivência do espaço. Torna‑se assim necessária uma atuação mais eficaz e cuidada
na edificação do espaço urbano.
A resposta a este problema pode subentender‑se precisamente no significativo
conteúdo da carta‑sentença endereçada por D. Dinis, em 1316, ao Concelho16, na
qual estão patentes indicações normativas relativas à urbanização do aglomerado,
nomeadamente da zona ribeirinha. Nesta carta, reconhece‑se, pela primeira vez,
os rossios como terrenos de serventia pública que devem ser preservados e não
ocupados por construções privadas, ao contrário do que era normal até aí17. Do
mesmo modo começa a reconhecer‑se o valor do alinhamento e da funcionalidade,
passando o traçado dos novos arruamentos a ser objecto de prévia deliberação, em
vez de resultado da conversão dos caminhos e azinhagas de expressão rural. Tal
subentende uma prática, ainda que empírica, de ordenamento urbano de lugares
públicos, desde rossios a ruas18.
16
A referida carta sentença vem dar resposta ao recurso do concelho do Porto que apelara ao rei
para interceder aos agravos de vária ordem que dizia receber do bispo e seus oficiais, nomeadamente na
ocupação indevido dos espaços que deviam ser públicos. Oliveira, 1973, p. 222–224.
17
Assim, em cumprimento do ordenado por D. Dinis, vai‑se dar a posse ao concelho de espaços que
eram seus mas haviam sido indevidamente apropriados, principalmente na zona ribeirinha. OLIVEIRA,
1973. 222‑225. Corpus Codicum, vol. I, p. 41, art. 261.
18
Oliveira, 1973, p. 222– 226.
191
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
Voltando à referida carta‑sentença, vemos que esta vem dar ao concelho uma
maior atuação sobre o espaço físico, até então quase sempre controlada pelo poder
eclesiástico (com exceção das intervenções urbanas da Coroa). Tal subentende uma
responsabilização do concelho do Porto pela preservação dos espaços tidos como
públicos, o que pressupõe a consciência da sua função e significado.
Todos os factores atrás referidos levam‑nos a crer que esta carta marcou um
momento crucial da história urbanística do Porto, não só por ter sido provavel-
mente a primeira expressão conhecida de preocupação com o ordenamento e
regulamentação do espaço urbano, mas também como modelo futuro de legislação
e ordenamento urbanístico19. Testemunho disso é a abertura, já no reinado de D.
Afonso IV, de espaços delineados segundo um traçado que respondesse a uma
determinada função, como o arranjo do rossio no campo do Olival e a construção
da Alfândega do Rei, iniciada em 1325, da qual ressalta a importância política20
e a inovação urbanística. Constituída por um conjunto amplo de construções e
arruamentos com funções alfandegárias e viárias, a Alfândega régia tem como base
um traçado que faz pressupor o seu deliberado planeamento. A articulação que
cria entre a Rua da Alfândega e a Rua das Congostas21 vai precisamente preconizar
novos valores urbanísticos de alinhamento e funcionalidade, cuja implantação
no terreno vai acabar por organizar todo o espaço envolvente. O facto de esta
construção estar inserida num período de afirmação régia e de consolidação do
Porto como polo comercial, pode indicar que a nova consciência de intervenção no
espaço público22 está diretamente relacionada com a afirmação do poder temporal
ante o poder secular vigente.
Outro equipamento de relevo que se enquadra num contexto de atribuição de
maiores poderes ao concelho e que, simultaneamente, viu nele aplicados novos
valores espaciais, foi o edifício dos Paços do Concelho. E são precisamente as suas
características espaciais e arquitectónicas (a implantação em frente à Sé catedral,
19
Tendo em conta que as medidas nela contidas vão figurar depois noutros documentos e atuações
sobre a cidade. Oliveira, 1973, p. 222–226.
20
Pois faz parte da estratégia régia de intervenção num dos espaços mais relevantes do Porto do
século XIV, a área a oeste do rio da Vila, em terreno reclamado pela Coroa e Mitra simultaneamente.
Tavares, Real, 1987.
21
Podendo esta última ser um caminho pré‑existente que é somente rectificado ou alinhado neste
processo. Oliveira, 1973.
22
Para o bom funcionamento duma cidade comercial e marítima são imprescindíveis equipamentos
adequados. Quando estes têm já uma escala considerável, assim como uma especificação funcional com-
plexa (arruamentos e diferentes infraestruturas), o melhor caminho para a sua rápida e eficaz implantação
será, em nossa opinião, um planeamento prévio, de qualquer grau ou tipo que seja.
192
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
23
Para a localização deste equipamento a Câmara do Porto escolheu, num gesto simbólico e provo-
catório, o alto da colina, à entrada do burgo, entre a Rua de S. Sebastião e o Pátio da Sé. Com esta localiza-
ção, ombreando com o Edifício do Bispo, ambos os edifícios passaram a formar os pontos de referência
tutelares do velho burgo. Real, 2001.
24
Segundo Armindo de Sousa, a sua edificação terá começado provavelmente em 1355, mas uma
inscrição datada de 1348 encontrada no postigo do Carvão, na Ribeira, pode recuar o seu início a esta
última data 163. Oliveira, 1973. 228.
25
Os primeiros que sentiram a sua necessidade terão sido os burgueses, sobretudo aqueles que
tinham casa e negócio fora da zona amuralhada, agora pequena demais. Mas também os funcionários da
alfândega, e a restante população deveria pensar o mesmo, procurando proteção eficaz contra os inimigos
de guerra ou contra malfeitores, pois vivia‑se um clima de guerra onde ainda não estavam a estabilizadas
as relações com o país vizinho e reinava um clima de insegurança devido aos conflitos entre o Infante D.
Pedro e seu pai D. Afonso IV. Ferrão, 1989; Sousa, 2000.
26
Ao vedarem o espaço e melhor vigiarem os acessos e a cobrança de portagens. Almeida, 1992, p. 138.
27
O impacto que esta muralha queria causar como obra defensiva acabou por também se manifestar
num efeito visual extremamente poderoso, não só pela altura e robustez das muralhas, mas também pela
amplitude do traçado e pelas numerosas torres, adarves e peitoris. Sousa, 2000, p. 140.
193
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
28
Quase todas as portas da muralha gótica faziam ligação com os caminhos regionais que desembo-
cavam nas portas da muralha românica. Junto às portas foram‑se formando aglomerados com o decorrer
do tempo. O facto de serem locais de muito trânsito, aliado ao facto de servirem de filtros que controla-
vam as entradas e saídas da cidade, teve como consequência a concentração de construções suburbanas,
nomeadamente habitacionais e comerciais, de pessoas que não queriam aceder à urbe e se ficavam por
aqui, partilhando vantagens como a localização. Teixeira, 2010.
194
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
29
Nesta fase os burgueses impõem‑se no caminho político, consolidando o seu papel numa sociedade
que cada vez mais se complexifica em gradações de riqueza e profissões. Estes acabaram por formar uma
verdadeira oligarquia urbana composta por mercadores, armadores, alguns funcionários régios e poucos
mesteirais de mesteres de maior prestígio, como os ourives. Melo, 2009, p. 209 – 210; Miranda, Sequeira,
Duarte, 2010. p. 43.
30
Este eixo corresponde hoje às ruas de S. Bento da Vitória e de S. Miguel. Teixeira, 2010.
31
Tavares, Real, 1987.
32
Trindade, 2010, p. 648 – 657.
33
“O desenvolvimento do porto fluvial, a frequente estadia de estrangeiros e o nascimento de uma
nova burguesia mercantil estimularam o rei para a construção de uma artéria luxuosa, regularizadora do
quadro urbanístico ribeirinho”. Tavares, Real, 1987, p. 398.
195
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
34
Numa altura em que o típico das ruas medievais era serem o mais estreitas possível (para proteção
das chuvas e do sol), o alinhamento recto e a largura do seu perfil transversal (à volta de 8,5 m) seria
algo verdadeiramente notável para a época, uma vez que o normal eram ruas de 2 a 5 metros de largo.
Leguay, 1984.
35
Como refere Pereira de Oliveira, seria importante a existência de um eixo “sensivelmente paralelo
à Ribeira e proporcionando uma relativa aproximação constante desta”, dado que caminhos que o fizessem
perpendicularmente já existiam. Do mesmo modo a sua implantação, paralela ao cais, permitia a ligação
de vários edifícios de grande vitalidade e significado: a Casa da Moeda do Rei e sua Alfândega, o Mosteiro
de São Francisco e a igreja de São Nicolau. Oliveira, 1973, p. 233–235.
36
Oliveira, 1973, p. 234.
37
Oliveira, 1973, p. 231–234.
38
Tavares, Real, 1987. p. 397‑398
39
Tavares, Real, 1987. p. 397‑398
40
Sabemos que a Coroa terá recorrido à prática de aforamentos a preços relativamente baixos para
compensar o investimento, aforando muitas vezes pardieiros situados no traçado da rua a construir. Tal
leva a pensar que a falta de dinheiro seria o principal motivo do estado de ruína de algumas casas, ou pelo
196
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
para construção de acordo com o plano ambicioso, já referido, deverá ter sido o
principal factor.
Assim, à exceção das construções planeadas, o grosso da urbanização do Porto
do século XV ia crescendo segundo uma lógica mais funcional e pragmática. Ou
seja, concentrando‑se em redor dos eixos viários mais importantes (entre a zona
ribeirinha e o Cima de Vila, e entre a zona este e oeste da cidade)41.
Mas com a passagem do senhorio do Porto, em 1405‑1406, para D. João I, uma
nova legitimidade de intervenção no espaço é delegada ao concelho, que toma em
mãos grande parte da gestão administrativa e espacial da cidade42. A iniciativa
urbanística concelhia revelou‑se sobretudo no fomento à construção em novas zonas
da cidade, nomeadamente junto à Judiaria, Rua Nova e Alfândega. Assim, vemos a
menos da sua não conclusão (que certamente lhe conferia um aspecto semelhante a uma ruína). Amaral,
Duarte, 1985, p. 17. Marques, 1980.
41
Este eixo viário compreendia cinco ruas umas a seguir às outras: a dos Mercadores, da Bainharia,
a Escura, a Chã das Eiras e a de Cimo de Vila. Real, 2001.
42
Mas embora por um lado o protagonismo do Concelho tenha aumentado com a passagem do
senhorio do Porto ao rei, depois de uma primeira fase em que é protagonista, segue‑se outra fase, já em
finais do século XV, na qual vemos já um certo acentuar do poder dos mesteirais e alguma perda do poder
concelhio, que se intensificou a partir do ano de 1518, data em que é comumente aceite o fim do poder
autárquico popular no Porto. Machado, 2006.
197
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
área da Sé perder o seu relevo urbano sensivelmente ao mesmo tempo que o Clero
perdia o seu poder político, e zonas como o Monte do Olival e a vertente oeste do
rio da Vila ganhar população e consistência urbana43. Também na zona este da
cidade começam a surgir novas áreas urbanizadas, assim como equipamentos de
relevo, tais como o convento de Santa Clara, situado no Cimo de Vila que, por sua
vez, terá contribuído para a edificação da sua envolvente44.
A norte da cidade, na proximidade da Rua do Souto e da Porta de Carros45
destacamos a construção do convento dos Lóios. A escolha da sua localização nesta
área (a maior zona verde da cidade intramuros, denominada as “Hortas do Bispo,
e junto ao principal caminho de saída da cidade para Norte), foi uma boa aposta
da Igreja. E na verdade, a implantação deste convento acabou por conduzir a um
surto de construção em redor, assim como à estruturação viária da zona46.
43
Neste processo de crescimento urbanístico é também de assinalar a atividade do Hospital de Roca-
mador, administrado pela Câmara, que muito contribuiu para a urbanização da zona do Souto. Ferrão, 1989.
44
Barros, 1998, p. 416–41
45
Que depois se passa a chamar Porta de Santo Elói Oliveira, 1973, p. 237–241.
46
A ele se deve a urbanização do largo com o mesmo nome e, provavelmente, a urbanização da Rua
de Trás, que estaria não só ligada à Porta do Olival mas também situada acima da Rua do Souto. Oliveira,
1973, p. 237–241.
198
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
47
Gonçalves, 1987; Machado, 1997.
48
Seria uma construção toda lavrada em granito, com coroamento de ameias e janelas trabalhadas.
“Vereações”, anos de 1390 – 1395, (Comentário e Notas de Artur Magalhães Basto), Documentos e Memó-
rias para a História do Porto, Porto: Publicações da Câmara Municipal do Porto, Gabinete de História da
cidade, pp. 253 – 264.
49
Este processo começou lentamente, sendo mais precoce em Lisboa. A este respeito ver: Gonçalves,
1996: p. 77‑94.
199
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
50
No decorrer do texto detalharemos as referências aos livros de vereações em questão.
51
Teixeira, 2010.
52
Os matadouros, os curtumes e a venda e a conserva de peixe eram afastados da cidade, sobretudo
das suas zonas mais “nobres” como a Rua Nova. Gonçalves, 1996. p. 89.
200
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
53
Amaral, 1984. p.16.
54
Teixeira, 2010. p. 119‑120.
55
Duarte, 1984.pp.105‑106.
56
Duarte, 1984.pp.105‑106.
57
Teixeira, 2010. p. 120‑123.
58
Através de expressões como: “as adubedes de todo aquello que lhes comprir e fezer mester”. Tei-
xeira, 2010. p. 120‑123.
201
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
61
Para mais informações ver: Marques, 1980.
62
Este homem foi o perfeito exemplo da dificuldade em separar os interesses pessoais dos cargos
políticos e impessoais. Embora grande proprietário urbano, e acusado de atuação abusiva, destacou‑se
na procura de um maior rigor na construção da cidade. Foi este homem que pediu o restauro dos Paços
do Concelho e a construção da ponte de ligação entre a Rua Nova e a Rua dos Mercadores, mostrando
a sua preocupação com questões de ordenamento e bem‑estar. Claro que o facto de ter a sua habitação
precisamente na Rua dos Mercadores, junto à referida Rua Nova, não deve ter sido alheio a esta decisão,
pois ao criar uma ligação direta a este espaço emblemático da cidade terá rentabilizado a sua propriedade
e o seu acesso a este local. Teixeira, 2010. Para mais informações ver: Um Mercador e Autarca dos Séculos
202
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
XV‑XVI: O Arquivo de João Martins Ferreira. “Exposição comemorativa da classificação do Porto como
Património Cultural da Humanidade”, Porto, 1996.
63
Gonçalves, 1987. p 16‑30.
64
E quando as iniciativas de intervenção urbana dizem respeito a necessidades particulares de dife-
rentes indivíduos ou poderes políticos‑económicos, dá‑se um grande choque de influências e motivações
em jogo, mesmo que acidentais.
65
Gonçalves, 1996. p. 87.
203
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA
Sousa, 2000.
66
204
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
Bibliografia
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206
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA
RESUMO: Este artigo tem como objectivo a análise dos mecanismos sociais, políticos e económicos
que influenciaram e condicionaram a paisagem urbanística do Porto medieval.
Para tal consideraremos, por um lado, o espaço físico da cidade e, por outro, os planos,
posturas, e condições contractuais defendidas na construção do espaço urbano do Porto
pelos principais grupos sociais da cidade (elites municipais e religiosas). Para esta análise
baseamo‑nos na informação contida nas Atas das Vereações e Livros de Pergaminhos do
Arquivo Histórico Municipal do Porto, e nos documentos do Cartório do Cabido da Sé.
Em oposição à maioria dos estudos existentes sobre a paisagem urbana do Porto medieval,
que, concentrando‑se em zonas específicas da cidade e não no seu todo, mostram uma
visão compartimentada e limitada na sua abrangência, o presente estudo procura analisar
os vários interesses que se confrontaram em simultâneo no Porto medieval, tentando
perceber o seu crescimento urbano como resultado destas tensões. Pretende‑se assim uma
nova visão da construção da cidade medieval, não focada na sua descrição física, mas na
compreensão dos mecanismos que a determinaram.
Palavras Chave: Urbanismo, Porto Medieval, Evolução urbana, Planos urbanísticos, Posturas
urbanas.
ABSTRACT: This paper aims to analyze the social, political and economical mechanisms, that have
influenced and conditioned the urban landscape of Porto in the middle ages.
We consider both the physical space of the city, and the attitudes, conditions and decisions
defended in the construction of urban space by the city’s main social groups (municipal
and religious elites). For this analysis we rely on the information contained in the “Actas
of Vereações” and the”Books of Scrolls” from the Municipal Historical Archive of Porto,
and in the documents from the Office of the Chapter of the Cathedral of the city.
Contrary to most existing studies on the medieval urban landscape of Porto, which, by
focusing on specific areas of the city and not in her whole, show a compartmentalized
and limited vision in its scope, this study seeks to analyze the various interests that are
simultaneously confronted in the medieval Porto, thus trying to understand its urban
growth as a result of these tensions.
Our goal is to construct a new vision of the medieval city, moving the focus from its
physical description to the mechanisms that shaped it.
Keywords: Urbanism, Medieval Porto, Urban evolution, Urbanistic plans, Urban postures.
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