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SOCIEDADE E ECONOMIA

EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA


Maria do Carmo Ribeiro
Professora Auxiliar do Departamento de História da
Universidade do Minho, Investigadora do CITCEM
e da Unidade de Arqueologia da Universidade do
Minho. Doutorada em Arqueologia, na especialidade

EVOLUÇÃO DA
de Arqueologia da Paisagem e do Território, pela
Universidade do Minho. A sua investigação tem-se
centrado nas questões de urbanismo, morfologia

outros títulos de interesse:


EVOLUÇÃO DA
PAISAGEM URBANA urbana, arqueologia da arquitectura
e história da construção.

História da Construção - Os Construtores


Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro (coord.)
PAISAGEM URBANA SOCIEDADE E ECONOMIA Arnaldo Sousa Melo
SOCIEDADE E ECONOMIA Professor Auxiliar do Departamento de História da
Construir, Habitar: A Casa Medieval Universidade do Minho, Investigador do CITCEM.
Manuel Sílvio Alves Conde Coord. Doutorado em História da Idade Média pela

ARNALDO SOUSA MELO


MARIA DO CARMO RIBEIRO
Coord.
Coord. MARIA DO CARMO RIBEIRO
MARIA DO CARMO RIBEIRO Universidade do Minho e pela École des Hautes
ARNALDO SOUSA MELO
ARNALDO SOUSA MELO Études en Sciences Sociales, Paris. O seu campo de
investigação incide sobre a sociedade, economia,
poderes e organização do espaço urbano medieval, em
particular a organização do trabalho e da produção,
incluindo a história da construção.
EVOLUÇÃO DA
PAISAGEM URBANA
SOCIEDADE E ECONOMIA

Coord.
MARIA DO CARMO RIBEIRO
ARNALDO SOUSA MELO
FICHA TÉCNICA

Título: Evolução da paisagem urbana: sociedade e economia


Coordenação: Maria do Carmo Ribeiro, Arnaldo Sousa Melo
Figura da capa: Detalhe do Mappa da Cidade de Braga Primas, 1755, atribuído a André Soares, pertencente
à Biblioteca da Ajuda (Lisboa).
Edição: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»
Design gráfico: Helena Lobo www.hldesign.pt
ISBN: 978-989-97558-7-1
Depósito Legal: 343493/12
Concepção gráfica: Sersilito­‑Empresa Gráfica, Lda. www.sersilito.pt
Braga, Maio 2012

O CITCEM é financiado por Fundos Nacionais através da FCT-Fundação para a Ciência e a Tecnologia no
âmbito do projecto PEst-OE/HIS/UI4059/2011
SUMÁRIO

Apresentação
Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Nascita e sviluppo monumentale della città romana di Ostra (AN)


Pier Luigi Dall’Aglio, Michele Silani e Cristian Tassinari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Urbanismo e Arquitetura de Bracara Augusta. Sociedade, economia e lazer


Manuela Martins, Jorge Ribeiro, Fernanda Magalhães e Cristina Braga . . . . . . . . . . . 29

Dalla città romana alla città tardoantica: trasformazioni e cambiamenti nelle città
della pianura padana centro­‑occidentale
Pier Luigi Dall’Aglio, Kevin Ferrari e Gianluca Mete . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

A evolução do tecido urbano flaviense desde Aquae Flaviae a Chaves Medieval:


Síntese de Resultados
João Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

Urbanismo e poder na fundação de Portugal: a reforma de Coimbra com instalação de


Afonso Henriques
Walter Rossa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

A influência das atividades económicas na organização da cidade medieval portuguesa


Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

El impacto de las actividades industriales en el paisaje urbano de la Corona de Aragón


(siglo XV)
Germán Navarro Espinach . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173

Entre os "ideais e a realidade". ­A urbanização do Porto na Baixa Idade Média


Helena Teixeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
Casas da Câmara ou Paços do Concelho: espaços e poder na cidade tardo­‑medieval
portuguesa
Luísa Trindade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209

O Impacto da Rua Nova do Porto no urbanismo, construção e sociedade


Helena Pizarro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229

Na passagem do Estreito: evolução urbana do “castelo pequeno” entre mouros e cristãos


Jorge Correia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243

O Porto visto do rio


Luís Miguel Duarte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261

The regulation of ‘nuisance’: civic government and the built environment in the
medieval city
Sarah Rees Jones . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283
Entre os “Ideais e a Realidade”.
A urbanização do Porto
na Baixa Idade Média

Helena Lopes Teixeira1

A presente comunicação tem como objectivo refletir sobre a urbanização da


cidade medieval através do confronto entre dois factores, aparentemente antagóni-
cos, mas intrinsecamente presentes na sua construção: os ideais pretendidos pelo
homem medievo para a sua cidade, e a pragmática realidade inerente à vida urbana.
Utilizando como exemplo de estudo o processo de construção física do Porto
medievo, tomaremos os mecanismos construtivos, sociais, políticos e económicos
que condicionaram o seu desenvolvimento ao longo dos tempos como os represen-
tantes da realidade urbana, e os planos urbanísticos, posturas urbanas e cláusulas
de contratos de propriedade, como representantes de um ideal simbólico e funcio-
nal ambicionado. A sua análise apoia­‑se no estudo evolutivo das diferentes etapas
urbanísticas2 do Porto medievo que desenvolvemos durante o nosso trabalho de
mestrado3, e que se situam entre 1114 e 1518.
Embora a historiografia sobre a cidade medieval tenha já enorme tradição em
Portugal, nomeadamente no que se refere a uma vertente mais global e institucional,
a sua vertente ligada ao urbanismo e evolução espacial não está, nem de longe, tão
desenvolvida, apesar da nossa rica cultura urbana4. Do mesmo modo, embora o

1
  Aluna de Doutoramento do Curso de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
CITCEM, helenalopes.t@gmail.com
2
  Tendo em conta que a nossa prioridade de estudo é a compreensão do espaço físico da cidade, o
urbanismo será um ponto fulcral do nosso estudo, analisado em dois campos diferentes, mas intrinseca-
mente ligados: o da evolução urbana (como crescimento físico, ao longo dos tempos, da cidade), e o do
planeamento e gestão urbana (organização e administração do espaço público e privado).
3
  Teixeira, 2010.
4
  Com a exceção da obra de alguns poucos autores (Walter Rossa, Manuel Teixeira, Bernardo José
Ferrão, Luísa Trindade, Manuel Real, José Ferrão Afonso, Rui Tavares, Pereira de Oliveira), acreditamos

185
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

estudo da paisagem urbana do Porto medieval não seja uma novidade no panorama
historiográfico português, também a sua vertente urbanística e espacial tem recebido
menos atenção que a económica ou institucional. Assim sendo, pretendemos aqui,
de algum modo, colmatar uma parte desta falha, tentando focar­‑nos na vertente
urbanística, sem, contudo, descurar os vários factores (naturais, económicos, políti-
cos, pessoais, de grupo) que se confrontaram simultaneamente, tentando perceber
o crescimento urbano do Porto como resultado destas tensões.
Para realizar o nosso estudo analisamos um vasto conjunto de bibliografia e de
fontes documentais5, assim como cartográficas e iconográficas relativas à cidade
do Porto. Daqui resultou não só uma base de dados que sistematiza a informação
contida em prazos e atas de vereação relativamente à informação urbanística e
construtiva, mas também esquemas cartográficos imprescindíveis para a com-
preensão do crescimento urbano do Porto, nomeadamente no que diz respeito às
principais infra­estruturas urbanas6.
Resumindo, esta reflexão procura refutar a tradicional divisão entre a cons-
trução planeada (ou idealizada) e a construção espontânea (ou real) da cidade
medieval, e defender uma posição na qual ambos os tipos de construção se entre-
laçavam na sua edificação, independentemente de esta ser uma construção de
raiz ou pré­‑existente. Acreditamos que as paisagens urbanas, pelo menos as que
tinham um sistema institucional de governo, seriam o resultado de um cuidadoso
desenvolvimento. Como refere José Mattoso7, a cidade era um centro político e,

que ainda muito está por explorar em relação ao trabalho de investigação urbanística em Portugal. O
estudo do urbanismo medieval ainda se pauta bastante pela metodologia definida décadas atrás por
Oliveira Marques e presente no “Atlas de cidades medievais portuguesas”, obra de síntese sobre a forma
e a topologia urbana portuguesa. Todavia, o carácter sintético da informação exposta, sem referência a
uma terceira dimensão e altimetria, acaba por condicionar o seu uso no âmbito da história do urbanismo,
pois “impossibilita o reconhecimento seguro, a estruturação e evolução das formas, dos programas e dos
contextos materiais”. Trindade, 2010.
5
  Relativamente à recolha de informação bibliográfica consultamos uma série de autores ligados ao
tema em questão, nomeadamente Armindo de Sousa, Luís Miguel Duarte, Luís Carlos Amaral, Manuel
Real, Ferrão Afonso e Pereira de Oliveira. Quanto às principais fontes para o estudo desta problemática,
procedemos a uma seleção da vasta documentação manuscrita e impressa relativa ao Porto medieval,
nomeadamente nos Livros de Vereações, prazos religiosos (Livros de Pergaminhos do Arquivo Histórico
Municipal do Porto e os documentos do Cartório do Cabido da Sé do Porto, nomeadamente os que se
encontram nos denominados “Livros dos Originais’’, prazos camarários e “Corpus Codicum’’.
6
  A nossa cartografia foi feita com o auxílio do programa CAD (Desenho assistido por computador),
utilizando não só a sobreposição gráfica de cartografia de diferentes épocas, (desde a mais atual até à
planta de Balck de 1813), mas também a bibliografia da especialidade, fontes documentais, iconografia
de diferentes épocas, informação arqueológica e vestígios visíveis na cidade actual. Entre todos estes ele-
mentos foi possível entrever­‑se com alguma segurança vários dos traços mais significativos da evolução
urbana e, até, alguns aspectos das razões e das causas específicas de certos problemas dessa evolução.
7
  Mattoso, 1992.

186
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

como tal, legitimaria o seu poder pela intenção de sujeitar o espaço circundante a
uma ordem racional. Assim, é natural que a racionalidade estivesse presente numa
vertente mais pragmática da construção urbana, sendo preconizada por preceitos
que acreditamos serem tudo menos espontâneos ou desprovidos de ponderação.
Pensamos, por isso, que o processo de desenvolvimento urbanístico obedecia a um
delicado equilíbrio de distintos pressupostos: por um lado, tínhamos aquilo a que
chamamos de ideais (que eram normalmente noções jurídicas, estéticas e plane-
adas daquilo que se desejava para a imagem da cidade) e, por outro, aquilo a que
chamamos de propósitos (necessidades pragmáticas e racionais do espaço urbano).
Para analisar a realidade física do Porto medieval julgamos ser importante
começar pela apresentação dos factores físicos (geográficos e humanos) que ser-
viram de matriz à configuração e desenvolvimento da cidade medieva.
A localização no Morro da Penaventosa, um ponto de grande altitude rodeado
de vários recursos agrícolas, minerais e hídricos, foi o factor que proporcionou a
este morro uma situação estratégica: boas condições defensivas, domínio sobre a
envolvente, convergência de vias terrestres e um povoamento constante desde a
época castreja. A topografia acidentada acabou por condicionar o traçado dos arru-
amentos e a ocupação humana, que procurou seguir as curvas de nível nas encostas.
Do mesmo modo, as características físicas do rio e os seus limites condicionaram
a morfologia da cidade, assim como seus atravessamentos fluviais e eixos viários.
Centrando­‑nos agora no espaço construído pelo homem, especificamente nos
principais sistemas de povoamento
e vias de circulação que se mantive-
ram até à cidade medieval, ressalta-
mos a época castreja. É a partir deste
momento que estão lançados os ali-
cerces de qualquer outra concentração
urbana posterior, dando­‑se início a um
particular processo de urbanização,
consolidado no período romano, que se
tornou fundamento urbano da cidade Fig. 1. Localização estratégica do Morro da Pena-
medieval. Ainda na época romana, ventosa.
destaca­‑se a passagem pelo burgo da
importante estrada de ligação entre Lisboa e Braga que, além de formar um eixo
urbano8 de ligação entre a Penaventosa e a zona ribeirinha, acabou por estruturar
não só a cidade romana, mas também a medieval depois dela. Outro factor relevante
foi o desenvolvimento da zona ribeirinha como resultado do estabelecimento de

8
  Alinhado a “grosso modo” com a atual Rua dos Mercadores. Teixeira, 2010.

187
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

Fig. 2. Esquema espacial do Porto no século XII.

um posto ligado à travessia fluvial desta via. Durante a Alta Idade Média vemos a
cidade regressar ao seu ponto de origem, o alto do morro da Penaventosa, tomando
funções bélicas através da rectificação da muralha, e religiosas, na implantação
do importante elemento em redor do qual a cidade medieval se organizou, a Sé9.
Em inícios do século XII o Porto seria uma pequena povoação que, à exceção
dos pequenos aglomerados junto ao rio e à Cividade, se concentrava no burgo
fortificado em redor da Sé.
A partir do século XIII começa a denotar­‑se o seu crescente desenvolvimento
que, atendendo à base topográfica de relevo acidentado, resulta num traçado viário
irregular e sinuoso10. Embora nesta época se saliente mais o pragmatismo do que
um ideal urbanístico (tendo em conta que a cidade assenta o seu esquema espacial
de ocupação numa morfologia que não a de matriz geométrica), existe, contudo,
uma lógica própria de ocupação do espaço11. Numa primeira instância, foi a base

  Real, 2001.Teixeira, 2010.


9

  Teixeira, 2010.
10

11
  Tal é comprovado pela procura sistemática da exposição solar mais favorável, pelo decalque das
curvas de nível como forma de vencer os desníveis, pela ocupação de terras altas por questões defensivas,
pela proximidade às vias de comunicação, pela procura de canais de água e locais férteis. Do mesmo

188
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

geográfica que ditou a configuração da cidade, desde o traçado dos caminhos e


estradas (seguindo a menor pendência), à implantação dos edifícios mais emble-
máticos. Numa segunda fase, vemos que a cidade, no seu desenvolvimento, se
constituiu por partes, sendo cada uma delas caracterizada por elementos de relevo,
em volta dos quais se agregam edifícios. Assim, vemos que no Porto a construção
se concentra em torno das principais vias de circulação (Rua dos Mercadores,
caminho para Braga e caminho para Penafiel), dos principais polos edificados (Sé
e zona Ribeirinha) e das novas centralidades urbanas, umas de iniciativa régia (os
Mosteiros mendicantes), e outras de iniciativa eclesiástica (Monchique, Ermida S.
Nicolau e Cordoaria do Olival). Do mesmo modo também as atividades económicas
(produção e comércio) se concentram em determinadas áreas e vias em função do
mester (como os bainheiros na Bainharia e os mercadores na Rua dos Mercadores),
refletindo a toponímia urbana o impacto da localização dos mesteres12.
Seguindo a mesma lógica de ocupação do espaço por zonas temáticas, temos
a concentração em função da distinção sócio/espacial. Numa época em que o
poder eclesiástico era o principal a manifestar­‑se no espaço (através da Catedral,
do Paço Episcopal e dos arruamentos de morada eclesiástica), destaca­‑se a con-
centração duma elite religiosa na área em torno da Sé. Quanto à elite burguesa
esta espalhava­‑se pela Rua dos Mercadores, zona ribeirinha e também pela Sé. A
distinção social é ainda acompanhada por diferenças na tipologia (os edifícios com
oficina no rés­‑do­‑chão e habitação no primeiro piso seriam os mais comuns, as
casas­‑torre, a exceção), e na qualidade construtiva (material, decoração, altura). Do
mesmo modo a construção dos edifícios de mesteres segue regras próprias conso-
ante a atividade a exercer (oficinas tapadas ou abertas para a rua, com diferentes
tipos de tabuleiros e balcões)13. Mas o carácter pragmático da cidade medieval
tem também lados subversivos, nomeadamente a falta de defesa e manutenção do

modo, o carácter irregular e estreito que caracteriza muitas das ruas da cidade medieval tem uma razão
de ser: a prevenção contra as intempéries, permitindo a proteção contra o sol e o calor e contra a chuva e
o vento. Do mesmo modo também não importava que a largura das casas, e consequentemente dos lotes,
fosse muito grande, pois o que interessava era a casa ter um acesso para a rua. Quando a cidade medieval
começa a aparecer, o lote estreito e profundo estaria já consolidado, muito em parte pela forma como
se “adaptava e respondia às necessidades da cultura urbana emergente”. Lavedan, P., Hugueney, J., 1974,
pp. 1-58. Amaral, 2009. p. 42.
12
  Os mesteres com carácter poluidor, ou que aproveitavam estruturas naturais ou urbanas próprias
para elaboração da sua atividade, seriam colocados em zonas menos habitadas da cidade por razões
pragmáticas de afastamento. Exemplo disso são as atividades de curtição, que se concentram no rio de
Vila ( Pelames e Souto) e se afastam das zonas mais densamente povoadas por causa da poluição, ou as
atividades de cordoaria, que pelo tipo de manuseamento específico, se localizam nas encostas compridas
abaixo do monte do Olival. Melo, 2009.
13
  Teixeira, 2010.

189
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

Fig. 3. Esquema espacial do Porto no século XIII.

espaço público. Tendo em conta que o desenvolvimento é deixado inteiramente


nas mãos dos moradores, é natural que as ruas e quarteirões tenham começado
a ser construídos de modo a melhor se adequarem aos movimentos humanos14.
Somente chegando ao século XIV é que vamos encontrar um período em que
o diálogo entre os ideais e a realidade começa a ser definitivamente marcante.
Por esta altura, o espaço urbano do Porto era já maior em arrabalde do que em
almedina, consequência de se ter tornado numa cidade decididamente comercial e
marítima. Este crescimento urbano verificou­‑se sobretudo no arrabalde ribeirinho
(incluindo agora Miragaia), enquanto espaço apropriado para as atividades mercantis
(movimentos de barcos e mercadorias, disposição de redes e percursos viários).
Nesta altura a expansão da cidade terá sido certamente caótica, tendo em conta
que a população, segundo os cálculos demográficos efectuados, quase duplica entre
o século XIII e o século XV15. Neste cenário é lícito adiantar que um descontrole
construtivo seria a consequência lógica, assim como novos problemas de circulação

14
  Se atentarmos nos modos de movimentação e deslocação humana, vemos que não é natural
andar em grelhas ortogonais. Ou seja, havendo uma diagonal num quarteirão, o movimento mais lógico
e instintivo é segui­‑la e não dar a volta. Kostof, 1999.
15
  Sousa, 2000.

190
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

e vivência do espaço. Torna­‑se assim necessária uma atuação mais eficaz e cuidada
na edificação do espaço urbano.
A resposta a este problema pode subentender­‑se precisamente no significativo
conteúdo da carta­‑sentença endereçada por D. Dinis, em 1316, ao Concelho16, na
qual estão patentes indicações normativas relativas à urbanização do aglomerado,
nomeadamente da zona ribeirinha. Nesta carta, reconhece­‑se, pela primeira vez,
os rossios como terrenos de serventia pública que devem ser preservados e não
ocupados por construções privadas, ao contrário do que era normal até aí17. Do
mesmo modo começa a reconhecer­‑se o valor do alinhamento e da funcionalidade,
passando o traçado dos novos arruamentos a ser objecto de prévia deliberação, em
vez de resultado da conversão dos caminhos e azinhagas de expressão rural. Tal
subentende uma prática, ainda que empírica, de ordenamento urbano de lugares
públicos, desde rossios a ruas18.

Fig. 4. Esquema espacial no Porto no século XIV.

16
  A referida carta sentença vem dar resposta ao recurso do concelho do Porto que apelara ao rei
para interceder aos agravos de vária ordem que dizia receber do bispo e seus oficiais, nomeadamente na
ocupação indevido dos espaços que deviam ser públicos. Oliveira, 1973, p. 222–224.
17
  Assim, em cumprimento do ordenado por D. Dinis, vai­‑se dar a posse ao concelho de espaços que
eram seus mas haviam sido indevidamente apropriados, principalmente na zona ribeirinha. OLIVEIRA,
1973. 222­‑225. Corpus Codicum, vol. I, p. 41, art. 261.
18
  Oliveira, 1973, p. 222– 226.

191
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

Voltando à referida carta­‑sentença, vemos que esta vem dar ao concelho uma
maior atuação sobre o espaço físico, até então quase sempre controlada pelo poder
eclesiástico (com exceção das intervenções urbanas da Coroa). Tal subentende uma
responsabilização do concelho do Porto pela preservação dos espaços tidos como
públicos, o que pressupõe a consciência da sua função e significado.
Todos os factores atrás referidos levam­‑nos a crer que esta carta marcou um
momento crucial da história urbanística do Porto, não só por ter sido provavel-
mente a primeira expressão conhecida de preocupação com o ordenamento e
regulamentação do espaço urbano, mas também como modelo futuro de legislação
e ordenamento urbanístico19. Testemunho disso é a abertura, já no reinado de D.
Afonso IV, de espaços delineados segundo um traçado que respondesse a uma
determinada função, como o arranjo do rossio no campo do Olival e a construção
da Alfândega do Rei, iniciada em 1325, da qual ressalta a importância política20
e a inovação urbanística. Constituída por um conjunto amplo de construções e
arruamentos com funções alfandegárias e viárias, a Alfândega régia tem como base
um traçado que faz pressupor o seu deliberado planeamento. A articulação que
cria entre a Rua da Alfândega e a Rua das Congostas21 vai precisamente preconizar
novos valores urbanísticos de alinhamento e funcionalidade, cuja implantação
no terreno vai acabar por organizar todo o espaço envolvente. O facto de esta
construção estar inserida num período de afirmação régia e de consolidação do
Porto como polo comercial, pode indicar que a nova consciência de intervenção no
espaço público22 está diretamente relacionada com a afirmação do poder temporal
ante o poder secular vigente.
Outro equipamento de relevo que se enquadra num contexto de atribuição de
maiores poderes ao concelho e que, simultaneamente, viu nele aplicados novos
valores espaciais, foi o edifício dos Paços do Concelho. E são precisamente as suas
características espaciais e arquitectónicas (a implantação em frente à Sé catedral,

19
  Tendo em conta que as medidas nela contidas vão figurar depois noutros documentos e atuações
sobre a cidade. Oliveira, 1973, p. 222–226.
20
  Pois faz parte da estratégia régia de intervenção num dos espaços mais relevantes do Porto do
século XIV, a área a oeste do rio da Vila, em terreno reclamado pela Coroa e Mitra simultaneamente.
Tavares, Real, 1987.
21
  Podendo esta última ser um caminho pré­‑existente que é somente rectificado ou alinhado neste
processo. Oliveira, 1973.
22
  Para o bom funcionamento duma cidade comercial e marítima são imprescindíveis equipamentos
adequados. Quando estes têm já uma escala considerável, assim como uma especificação funcional com-
plexa (arruamentos e diferentes infra­estruturas), o melhor caminho para a sua rápida e eficaz implantação
será, em nossa opinião, um planeamento prévio, de qualquer grau ou tipo que seja.

192
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

e o relevo na paisagem utilizando uma tipologia de torre), que vão personificar o


afrontamento ao poder da Mitra23.
Mas é com a construção da muralha gótica, o elemento medieval por excelência,
que os novos pressupostos de intervenção no espaço vão ter, de modo incisivo, a sua
influência na urbanização do Porto medievo. Este elemento, que define e condiciona
toda a cidade, foi mandado erguer por ordem de Afonso IV24, enquadrando­‑se num
contexto de acentuação do poder do rei na cidade. Surgiu como resposta a uma
série de novas necessidades do tempo, nomeadamente de segurança25, prestígio e
controle sobre a fiscalidade26.
Um dos aspectos mais inovadores desta muralha, e inequivocamente ligado
a um pressuposto de ideal urbanístico, foi a sua implantação, que se baseava
sobretudo em factores militares. Obra de homens bem conhecedores das artes
militares, que sabiam de defesa, assalto, ângulos e estratégias de ataque, utilizou
na sua construção altos muros fortificados com parapeitos, ameias e várias torres
de base quadrangular (onde se situavam as portas), dispostas ao longo dos muros,
sobressaindo para cima e para fora, a “espaços ditados pela ocorrência das aberturas
e pelas técnicas de defesa”27.
Mas também razões pragmáticas estiveram presentes na construção da muralha
gótica. Começando pelos factores que ditaram a sua delimitação, vemos que estes
foram essencialmente de ordem prática: incluir áreas de valor defensivo, como o
Morro do Olival, aproveitar os declives da zona e incluir áreas urbanizadas que
estavam fora da proteção da muralha antiga (Cividade, Chã das Eiras e especial-
mente a Ribeira, devido à sua importância económica). Outro aspecto prático que
se refletiu na construção da muralha teve a ver com a colocação das suas portas

23
  Para a localização deste equipamento a Câmara do Porto escolheu, num gesto simbólico e provo-
catório, o alto da colina, à entrada do burgo, entre a Rua de S. Sebastião e o Pátio da Sé. Com esta localiza-
ção, ombreando com o Edifício do Bispo, ambos os edifícios passaram a formar os pontos de referência
tutelares do velho burgo. Real, 2001.
24
  Segundo Armindo de Sousa, a sua edificação terá começado provavelmente em 1355, mas uma
inscrição datada de 1348 encontrada no postigo do Carvão, na Ribeira, pode recuar o seu início a esta
última data 163. Oliveira, 1973. 228.
25
  Os primeiros que sentiram a sua necessidade terão sido os burgueses, sobretudo aqueles que
tinham casa e negócio fora da zona amuralhada, agora pequena demais. Mas também os funcionários da
alfândega, e a restante população deveria pensar o mesmo, procurando proteção eficaz contra os inimigos
de guerra ou contra malfeitores, pois vivia­‑se um clima de guerra onde ainda não estavam a estabilizadas
as relações com o país vizinho e reinava um clima de insegurança devido aos conflitos entre o Infante D.
Pedro e seu pai D. Afonso IV. Ferrão, 1989; Sousa, 2000.
26
  Ao vedarem o espaço e melhor vigiarem os acessos e a cobrança de portagens. Almeida, 1992, p. 138.
27
  O impacto que esta muralha queria causar como obra defensiva acabou por também se manifestar
num efeito visual extremamente poderoso, não só pela altura e robustez das muralhas, mas também pela
amplitude do traçado e pelas numerosas torres, adarves e peitoris. Sousa, 2000, p. 140.

193
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

Fig. 5. Configuração da Muralha gótica.

e postigos, que foi condicionada pelas principais vias pré­‑existentes de acesso à


cidade28. É importante frisar que a muralha acaba por funcionar nesta altura como
uma verdadeira matriz física da cidade coeva e da cidade futura, enquadrando o
desenvolvimento espacial vindouro.
Continuando o nosso estudo de um ideal urbanístico como ferramenta de
construção do Porto medieval, segue­‑se, em fins do século XIV, a implantação
da Judiaria do Olival, equipamento importantíssimo pela razão de que nele se
desenvolveu o planeamento como ferramenta de intervenção no espaço. Até aqui
poucas tinham sido as experiências urbanísticas na cidade (podemos considerar
a da Alfândega a um nível muito básico), mas nenhuma, pelo menos que se saiba,
teria sido elaborada seguindo um plano prévio como a Judiaria, primeiro, e a Rua

28
  Quase todas as portas da muralha gótica faziam ligação com os caminhos regionais que desembo-
cavam nas portas da muralha românica. Junto às portas foram­‑se formando aglomerados com o decorrer
do tempo. O facto de serem locais de muito trânsito, aliado ao facto de servirem de filtros que controla-
vam as entradas e saídas da cidade, teve como consequência a concentração de construções suburbanas,
nomeadamente habitacionais e comerciais, de pessoas que não queriam aceder à urbe e se ficavam por
aqui, partilhando vantagens como a localização. Teixeira, 2010.

194
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

Nova, logo de seguida, ambas construídas num contexto da afirmação do poder


real e concelhio29.
O conjunto urbano da Judiaria do Olival (instituído por D. João I por volta
de 1386), foi criado com o intuito de isolar da restante população, e numa deter-
minada área, uma comunidade “diferente”, mas ligada ao comércio internacional,
cujos serviços se não podiam dispensar. A zona escolhida para a sua implantação,
contrariamente ao que acontecia em outras cidades medievais, distanciava­‑se dos
centros políticos e económicos do Porto medieval, mas tinha a vantagem de ser
plana e desocupada, factor necessário à implantação de um conjunto edificado de
grande envergadura. Além do mais, situava­‑se junto a duas das principais saídas
da cidade (estradas para a Póvoa e Braga), a elementos urbanos de relevo (rossio
do Concelho, cordoaria do Bispo e cimo urbanizado da Rua do Souto) e dentro
da proteção da muralha.
Mas o que nos interessa aqui realçar é o carácter inédito da construção deste
bairro na cidade. Primeiro devido à sua composição espacial geométrica (eixo cen-
tral que formava um ângulo recto30), segundo porque foi uma construção planeada
desde raiz, que começou pela delimitação dos arruamentos, realizando­‑se posterior-
mente a edificação das casas, e terceiro porque a sua implantação em grande escala
previa um loteamento em parcelas semelhantes. Aliando estes factores a Judiaria
constituiu­‑se como um dos primeiros arranjos urbanísticos da cidade31, ainda que
condicionado de algum modo pela ação conjunta do poder régio e eclesiástico que,
com o objectivo de anular o seu impacto espacial, proibiu a elevação dos edifícios
acima do casario envolvente e obrigou a uma estrita contenção decorativa32.
Também a construção da Rua Nova, na qual já se trabalhava em 1395, preco-
nizou novos ideais urbanísticos como uma das primeiras experiências de planea-
mento na cidade. A sua implantação na zona ribeirinha surge no enquadramento
da expansão urbana encetada por D. João I, e terá resultado da vontade deste rei
em ter um espaço representativo no Porto, bem como da necessidade de estru-
turação viária da zona33. A sua implantação, larga e em linha recta, conjugou as

29
  Nesta fase os burgueses impõem­‑se no caminho político, consolidando o seu papel numa sociedade
que cada vez mais se complexifica em gradações de riqueza e profissões. Estes acabaram por formar uma
verdadeira oligarquia urbana composta por mercadores, armadores, alguns funcionários régios e poucos
mesteirais de mesteres de maior prestígio, como os ourives. Melo, 2009, p. 209 – 210; Miranda, Sequeira,
Duarte, 2010. p. 43.
30
  Este eixo corresponde hoje às ruas de S. Bento da Vitória e de S. Miguel. Teixeira, 2010.
31
  Tavares, Real, 1987.
32
  Trindade, 2010, p. 648 – 657.
33
  “O desenvolvimento do porto fluvial, a frequente estadia de estrangeiros e o nascimento de uma
nova burguesia mercantil estimularam o rei para a construção de uma artéria luxuosa, regularizadora do
quadro urbanístico ribeirinho”. Tavares, Real, 1987, p. 398.

195
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

características inovadoras de regularidade e amplitude, desejadas pelo rei34, com a


função comercial e de reunião que os burgueses pretendiam nesta zona da cidade.
Outros exemplos da sua inovação urbanística são o facto de ser uma rua plana
numa cidade e época em que as vias se submetiam ao declive acidentado, e de
ter um alinhamento paralelo ao rio para melhor articulação com as vielas e ruas
existentes (Congostas e São Nicolau), e melhor estruturação do crescente tráfego
da zona ribeirinha (que como escoamento viário tinha simplesmente os caminhos
e ruas que se articulavam perpendicularmente ao rio Douro – ruas das Congos-
tas e da Alfândega)35. Assim, a sua implantação, mais do que um capricho régio,
representou “uma compreensão nova das funções dos arruamentos na estrutura
do desenvolvimento da cidade”36.
Mas outro ideal urbanístico está aqui presente: um padrão arquitectónico pré­
‑estabelecido das fachadas e da tipologia das habitações. Como espaço representativo
régio, esta rua deveria ter as casas mais altas e mais formosas da cidade, assim como
o conjunto edificado mais harmonioso37. Tal refletiu­‑se no ordenamento conjunto
das fachadas ao sistematizar soluções específicas: teriam de ser “casas de pedraria
e carpintaria e sem sobrelojas”, com “balcões e compartimentos como são feitos
em outras casas da dita rua” 38. Assim, vemos que esta rua usou o planeamento
não só para estabelecer uma lógica de organização viária na zona, consolidando o
tecido existente, mas também para criar, provavelmente pela primeira vez no Porto,
modelos arquitectónicos a seguir em outras artérias da cidade39.
Quanto ao pragmatismo da realidade, este está presente na “ideal” Rua Nova
através dos vários relatos de casas degradadas, ameaçando ruína, num período
anterior à conclusão da rua40. As razões podem ser várias, mas a falta de verbas

34
  Numa altura em que o típico das ruas medievais era serem o mais estreitas possível (para proteção
das chuvas e do sol), o alinhamento recto e a largura do seu perfil transversal (à volta de 8,5 m) seria
algo verdadeiramente notável para a época, uma vez que o normal eram ruas de 2 a 5 metros de largo.
Leguay, 1984.
35
  Como refere Pereira de Oliveira, seria importante a existência de um eixo “sensivelmente paralelo
à Ribeira e proporcionando uma relativa aproximação constante desta”, dado que caminhos que o fizessem
perpendicularmente já existiam. Do mesmo modo a sua implantação, paralela ao cais, permitia a ligação
de vários edifícios de grande vitalidade e significado: a Casa da Moeda do Rei e sua Alfândega, o Mosteiro
de São Francisco e a igreja de São Nicolau. Oliveira, 1973, p. 233–235.
36
  Oliveira, 1973, p. 234.
37
  Oliveira, 1973, p. 231–234.
38
  Tavares, Real, 1987. p. 397­‑398
39
  Tavares, Real, 1987. p. 397­‑398
40
  Sabemos que a Coroa terá recorrido à prática de aforamentos a preços relativamente baixos para
compensar o investimento, aforando muitas vezes pardieiros situados no traçado da rua a construir. Tal
leva a pensar que a falta de dinheiro seria o principal motivo do estado de ruína de algumas casas, ou pelo

196
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

Fig. 6. Implantação da Judiaria e da Rua Nova.

para construção de acordo com o plano ambicioso, já referido, deverá ter sido o
principal factor.
Assim, à exceção das construções planeadas, o grosso da urbanização do Porto
do século XV ia crescendo segundo uma lógica mais funcional e pragmática. Ou
seja, concentrando­‑se em redor dos eixos viários mais importantes (entre a zona
ribeirinha e o Cima de Vila, e entre a zona este e oeste da cidade)41.
Mas com a passagem do senhorio do Porto, em 1405­‑1406, para D. João I, uma
nova legitimidade de intervenção no espaço é delegada ao concelho, que toma em
mãos grande parte da gestão administrativa e espacial da cidade42. A iniciativa
urbanística concelhia revelou­‑se sobretudo no fomento à construção em novas zonas
da cidade, nomeadamente junto à Judiaria, Rua Nova e Alfândega. Assim, vemos a

menos da sua não conclusão (que certamente lhe conferia um aspecto semelhante a uma ruína). Amaral,
Duarte, 1985, p. 17. Marques, 1980.
41
  Este eixo viário compreendia cinco ruas umas a seguir às outras: a dos Mercadores, da Bainharia,
a Escura, a Chã das Eiras e a de Cimo de Vila. Real, 2001.
42
  Mas embora por um lado o protagonismo do Concelho tenha aumentado com a passagem do
senhorio do Porto ao rei, depois de uma primeira fase em que é protagonista, segue­‑se outra fase, já em
finais do século XV, na qual vemos já um certo acentuar do poder dos mesteirais e alguma perda do poder
concelhio, que se intensificou a partir do ano de 1518, data em que é comumente aceite o fim do poder
autárquico popular no Porto. Machado, 2006.

197
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

área da Sé perder o seu relevo urbano sensivelmente ao mesmo tempo que o Clero
perdia o seu poder político, e zonas como o Monte do Olival e a vertente oeste do
rio da Vila ganhar população e consistência urbana43. Também na zona este da
cidade começam a surgir novas áreas urbanizadas, assim como equipamentos de
relevo, tais como o convento de Santa Clara, situado no Cimo de Vila que, por sua
vez, terá contribuído para a edificação da sua envolvente44.
A norte da cidade, na proximidade da Rua do Souto e da Porta de Carros45
destacamos a construção do convento dos Lóios. A escolha da sua localização nesta
área (a maior zona verde da cidade intramuros, denominada as “Hortas do Bispo,
e junto ao principal caminho de saída da cidade para Norte), foi uma boa aposta
da Igreja. E na verdade, a implantação deste convento acabou por conduzir a um
surto de construção em redor, assim como à estruturação viária da zona46.

Fig. 7. Esquema espacial no Porto no século XV

43
  Neste processo de crescimento urbanístico é também de assinalar a atividade do Hospital de Roca-
mador, administrado pela Câmara, que muito contribuiu para a urbanização da zona do Souto. Ferrão, 1989.
44
  Barros, 1998, p. 416–41
45
  Que depois se passa a chamar Porta de Santo Elói Oliveira, 1973, p. 237–241.
46
  A ele se deve a urbanização do largo com o mesmo nome e, provavelmente, a urbanização da Rua
de Trás, que estaria não só ligada à Porta do Olival mas também situada acima da Rua do Souto. Oliveira,
1973, p. 237–241.

198
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

Vimos assim durante todo o século XV uma intervenção acentuada da Câmara


do Porto no seu espaço público, que procurava seguir os preceitos dum ideal
urbano. Esta elite governativa, saída do grupo mercantil, seria conhecedora de novos
mecanismos de intervenção no espaço através da sua atividade profissional e das
suas viagens, que usou para aliar a funcionalidade ao “enobrecimento” e “embele-
zamento” da cidade. A requalificação da Praça da Ribeira em finais do século XV
é disso o principal exemplo. Lugar privilegiado, mas exíguo para a quantidade
de pessoas e bancas que ali se amontoavam, recebeu agora a atenção da câmara
seguindo critérios que visavam uma maior amplitude, organização e cuidado do
ponto de vista urbanístico e estético. Assim, configuraram­‑se os limites da praça
numa forma rectangular, através de edifícios cujas fachadas foram enobrecidas por
arcadas, criando um espaço coberto adequado a uma intensa atividade comercial.
Além da harmonização da tipologia arquitectónica o espaço foi também enobrecido
com o arranjo das vias de acesso e a pavimentação da praça, algo raro na época47.
Também na reconstrução dos antigos Paços do Concelho, feita em meados do
século XV, é notório o cuidado que a câmara teve a nível arquitectónico, embora
expectável tendo em conta o relevo que esta adquirira na cidade. A força simbólica
desta obra expressa­‑se na grande elevação da torre, assim como nos esforços com a
sua ornamentação48 e especialização funcional (como local de reunião e de arquivo).
Completa a análise dos principais planos e equipamentos urbanísticos do Porto
medievo, passaremos agora à análise das estratégias de atuação tomadas pelos
órgãos de poder (Rei/Concelho/Clero), tendo em vista o controlo e transformação
do espaço urbano. Este conjunto de decisões tomadas para a gestão e planeamento
da cidade vão materializar­‑se em instrumentos oficiais de controlo como posturas
municipais, ordenações régias e contratos de propriedade.
Relembrando a paisagem física da cidade medieval, sabemos que, apesar de
alguns exemplos de planeamento urbano, os mais comuns seriam os espaços
construídos segundo necessidades pragmáticas do quotidiano. Imperavam assim
as ruas exíguas e sinuosas e os edifícios que apresentavam várias reentrâncias e
saliências (alpendres, sacadas e passadiços, entre outros elementos perturbadores
da fluidez espacial). A construção privada disputava entre si o espaço que deveria
ser público e colectivo, impondo­‑se cada vez mais uma boa gestão do espaço49.

47
  Gonçalves, 1987; Machado, 1997.
48
  Seria uma construção toda lavrada em granito, com coroamento de ameias e janelas trabalhadas.
“Vereações”, anos de 1390 – 1395, (Comentário e Notas de Artur Magalhães Basto), Documentos e Memó-
rias para a História do Porto, Porto: Publicações da Câmara Municipal do Porto, Gabinete de História da
cidade, pp. 253 – 264.
49
  Este processo começou lentamente, sendo mais precoce em Lisboa. A este respeito ver: Gonçalves,
1996: p. 77­‑94.

199
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

Nos livros de vereações do Porto analisados50 encontramos algumas deliberações


que provam a atenção que, em finais do século XIV e primeira metade do século
XV, o concelho demonstrava relativamente ao espaço urbano. As principais preo-
cupações relacionavam­‑se com a circulação na cidade e com a defesa do espaço
público perante a invasão de construções privadas. Exemplos disso foram as medi-
das de obrigação de colocação de elementos físicos (sacadas, tabuleiros, mós, etc.)
de modo a não embargar o trajeto de quem passava na rua, a proibição contra o
avanço das casas para além do alinhamento da rua e a proibição de construções
junto à muralha, entre outras51.
Outro aspecto relativo à qualidade urbana, importante para o concelho,
relacionava­‑se com questões de higiene pública. É sabido que a cidade medieval
apresentava zonas bastante sujas, nomeadamente ruas, fontes e chafarizes, onde se
acumulavam todo o tipo de detritos. Tal situação, juntamente com o livre­‑trânsito
de animais, constituía um perigo para a saúde pública que urgia resolver. Nesse
sentido foram estabelecidas posturas com o objectivo de manter a cidade mais limpa,
nomeadamente a proibição de poluir o Rio da Vila e lançar “coisas sujas” na rua
e nos chafarizes, a remoção dos lixos da cidade, o afastamento do centro urbano
de algumas das atividades artesanais e industriais mais poluentes e a proibição
de construções que retirassem “dignidade” à cidade (exemplo das “privadas”)52.
Do mesmo modo, o “embelezamento” e “enobrecimento” da cidade eram valori-
zados pelos homens do concelho, que promoviam o calcetamento e o alargamento
das ruas o que, além de permitir criar espaços mais amplos e luminosos, facilitava
a circulação. Tiveram ainda uma intervenção acentuada nos espaços e equipamen-
tos públicos existentes, especialmente a Praça da Ribeira, os Paços do Concelho, a
prisão, a muralha, as estalagens e as ruas. Também novas ruas foram construídas,
assim como chafarizes e fontes e corrigidas calçadas e casas em vias de ruir.
As cláusulas contratuais foram também instrumentos importantíssimos na
intervenção sobre o espaço urbano do Porto. Baseadas no regime de “Enfiteuse”
(regime de concessão de propriedade em que o proprietário cedia o domínio útil a
um concessionário mediante uma série de condições), tinham como condicionantes
urbanísticas uma série de imposições relacionadas com o tempo de duração do
contrato, o tipo de materiais a usar, o alinhamento que a construção deveria ter
e o número de pisos, entre outros factores. Neste panorama, o tempo de duração
do contrato, que podia ser em anos (arrendamento), vidas (emprazamento) ou

50
  No decorrer do texto detalharemos as referências aos livros de vereações em questão.
51
  Teixeira, 2010.
52
  Os matadouros, os curtumes e a venda e a conserva de peixe eram afastados da cidade, sobretudo
das suas zonas mais “nobres” como a Rua Nova. Gonçalves, 1996. p. 89.

200
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

perpétuo (aforamento), poderia funcionar como condicionante ou impulsionador


da urbanização, pois quanto maior fosse a sua duração (prazos perpétuos), maior
seria a segurança e incentivo do foreiro para investir no terreno53.
Os contratos do Clero eram, na sua maioria emprazamentos, e preconizavam
algum cuidado com o espaço público envolvente. Muitos referem a reparação e a
manutenção da propriedade ­‑“façades no dito lugar toda a benfeitoria e melho-
ramento que poderdes em tal guisa que todo seja melhorado e não pejorado”54.
Quanto às propriedades concelhias (que se concentravam sobretudo no Souto, na
Cordoaria e no Olival), estas eram aforadas maioritariamente a título perpétuo. Para
tal contribuiu a carta régia que D. Afonso V emitiu, autorizando o corpo municipal
a aforar “para sempre” os campos e lugares baldios da cidade, “pois muitas vezes,
devido ao sistema habitual das três vidas, não se construíam aí casas porque a
despesa não era compensada” 55. Esta situação convinha ao concelho porque, via os
seus terrenos vazios serem valorizados pelas construções neles erguidas, podendo
ainda, eventualmente, ter retorno da propriedade e depois aforá­‑la por preços mais
elevados. Interessava também aos foreiros porque, embora investissem uma grande
quantia na construção do imóvel, acabavam por garantir “para si e para os seus
descendentes” uma habitação por um custo bastante aceitável56.
Assim, nos prazos camarários que analisamos, verificamos a forte presença
da obrigação de construção de casas por parte dos inquilinos, especialmente nos
contratos de aforamento, embora também a houvesse, mas em minoria, nos de
emprazamento57. Verificamos ainda na maioria dos contratos analisados (quer de
aforamento quer de emprazamento) que era obrigatória a benfeitoria e manutenção
da propriedade58.
Um dos aspectos que nos interessa especialmente nos contratos camarários é
o modo como era encarada a via pública. Nos prazos analisados salientamos como
exemplo da preocupação com o espaço público as seguintes cláusulas: obrigatorie-
dade das paredes dos andares sobrados não saírem para além do alinhamento da
casa térrea; obrigatoriedade da manutenção do alinhamento das casas da mesma
rua; obrigações específicas na construção de zonas de trabalho (exemplo da oficina
de tanoaria que deveria ser alta e toda tapada em redor); obrigatoriedade do uso
de determinados materiais como a madeira, a pedra, ou telha. O uso de medidas

53
  Amaral, 1984. p.16.
54
  Teixeira, 2010. p. 119­‑120.
55
  Duarte, 1984.pp.105­‑106.
56
  Duarte, 1984.pp.105­‑106.
57
  Teixeira, 2010. p. 120­‑123.
58
  Através de expressões como: “as adubedes de todo aquello que lhes comprir e fezer mester”. Tei-
xeira, 2010. p. 120­‑123.

201
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

físicas nos contratos camarários mostra também a preocupação do concelho no


controle dos limites das propriedades, podendo tal indicar uma vontade de regu-
larização e ordenação dos lotes e terrenos59.
Todavia, o facto de o concelho permitir a construção de sacadas e alpendres
sobre o espaço público, ainda que sob o pagamento de um foro, contrariava a pre-
ocupação com a invasão do espaço urbano. Do mesmo modo, vielas e azinhagas
podiam ser aforadas a particulares, assim como pranchas (que eram usadas para
fazer a ligação entre algumas habitações e a muralha). O aluguer do espaço público
estendia­‑se ainda a logradouros públicos, para a colocação de bancas, mós e aduelas
que, pelo seu tamanho, ocupariam ainda um espaço considerável60.
Relativamente às propriedades régias, vemos que o monarca usou sobretudo
a mesma forma de contrato que o concelho61: o aforamento de terrenos vagos
ou casas arruinadas situados no traçado de uma rua a urbanizar, para serem
construídos ou reparados à custa dos foreiros, com rendas relativamente baixas
para compensar o investimento. Muitas destas habitações, nomeadamente as da
Rua Nova, deveriam seguir condições especificadas no contrato, como ter escadas,
sobrados, compartimentos em madeira, cozinhas, chaminés, armários e “privadas”.
Resumindo, tanto o concelho como o clero e o rei utilizavam cláusulas relativas
à intervenção no espaço público, mas é lícito pensar que o primeiro, enquanto
representante da cidade, e sensível à honra de tal cargo, assumisse mais a res-
ponsabilidade de velar em “prol e proveito” da urbe, procurando várias formas
de promover a sua qualidade urbanística. Tal está patente nas cláusulas de não
obstrução do espaço público, na obrigação de construção e manutenção de casas
que aforavam, nos foros baixos que pediam e no tempo longo dos contratos. Tal
poderia ter a ver com o facto de os cargos municipais, ao contrários dos clericais,
serem rotativos, e não permitirem um lucro pessoal com a administração do
património do burgo. Mas não nos podemos esquecer que alguns dos membros
concelhios eram também grandes arrendatários, como era o caso do vereador e
mercador João Martins Ferreira62. Na verdade, os aforamentos com foros baixos

  Teixeira, 2010. p. 120­‑123.


59

  Teixeira, 2010. p. 120­‑123.


60

61
  Para mais informações ver: Marques, 1980.
62
  Este homem foi o perfeito exemplo da dificuldade em separar os interesses pessoais dos cargos
políticos e impessoais. Embora grande proprietário urbano, e acusado de atuação abusiva, destacou­‑se
na procura de um maior rigor na construção da cidade. Foi este homem que pediu o restauro dos Paços
do Concelho e a construção da ponte de ligação entre a Rua Nova e a Rua dos Mercadores, mostrando
a sua preocupação com questões de ordenamento e bem­‑estar. Claro que o facto de ter a sua habitação
precisamente na Rua dos Mercadores, junto à referida Rua Nova, não deve ter sido alheio a esta decisão,
pois ao criar uma ligação direta a este espaço emblemático da cidade terá rentabilizado a sua propriedade
e o seu acesso a este local. Teixeira, 2010. Para mais informações ver: Um Mercador e Autarca dos Séculos

202
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

podiam levar ao aumento do número de sub­‑emprazamentos, favorecendo a


atividade especulativa de alguns homens que faziam contratos perpétuos com a
Câmara, com o objectivo de, depois, os emprazar a termo, pensando nos lucros
que poderiam vir a ter63.
Isto leva a crer que uma certa mentalidade “rentista” começava a influenciar
o comportamento dos burgueses do Porto a partir da primeira metade do século
XV. Sempre que se colocaram valores económicos em equação, forças contrárias64
notaram­‑se na construção da cidade, forças que induziam a construir, a adquirir
e a vender terrenos. E isto surge quando o monopólio do solo passa a propriedade
privada (por posse direta ou indireta) passando a ser objecto de especulação, dando
aos proprietários, ou sub­‑emprazadores, uma possibilidade grande de valorizar os
seus terrenos.
Desenvolvem­‑se então duas posturas antagónicas por parte dos poderes urba-
nos em relação ao espaço. Como representantes de um ideal urbano tínhamos os
planos urbanísticos e o conjunto de medidas que visavam a correta organização e
embelezamento da cidade, assim como a defesa do seu espaço público e a fiscali-
zação do aspecto exterior das construções. Mas do outro lado da moeda, estava a
procura da capitalização do espaço através da permissão da edificação de certos
elementos construtivos sobre a área pública, mediante o pagamento de foro à
edilidade, e o arrendamento de terrenos por parte dos membros da câmara, ou de
outros homens mais abastados, tendo em vista a sua rentabilização num clima de
especulação urbanística.
Ainda assim é preciso não esquecer que os membros concelhios, enquanto
representantes da cidade, procuravam que a sua atuação urbana projetasse de si
uma boa imagem, reforçando a sua posição. E, como já vimos, estes, efetivamente,
estavam mais conscientes dos problemas dos espaços urbanos e da necessidade de
defesa do espaço público65. Mesmo quando era permitida a invasão da área comum
sob pagamento de um foro, esta podia ser anulada quando ocorresse em locais
emblemáticos ou durante acontecimentos em que era importante dignificar a cidade.
Do mesmo modo, a especulação do solo se, por um lado, podia levar à dege-
neração do espaço público ao procurar rentabilizar ao máximo os terrenos, por
outro, promovia o seu desenvolvimento e construção.

XV­‑XVI: O Arquivo de João Martins Ferreira. “Exposição comemorativa da classificação do Porto como
Património Cultural da Humanidade”, Porto, 1996.
63
  Gonçalves, 1987. p 16­‑30.
64
  E quando as iniciativas de intervenção urbana dizem respeito a necessidades particulares de dife-
rentes indivíduos ou poderes políticos­‑económicos, dá­‑se um grande choque de influências e motivações
em jogo, mesmo que acidentais.
65
  Gonçalves, 1996. p. 87.

203
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

Assim, e concordando com Armindo de Sousa66, podemos concluir que a


honra de desempenhar cargos concelhios talvez tenha levado estes homens a
aliar os seus interesses e negócios com os da urbe, tirando partido financeiro
da situação e, simultaneamente, a acumular proveito e prestígio em nome da
sua cidade, o Porto.

  Sousa, 2000.
66

204
ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

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205
EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: SOCIEDADE E ECONOMIA

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Trindade, Luísa, Urbanismo na composição de Portugal, Tese de doutoramento em História – História
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ENTRE OS “IDEAIS E A REALIDADE”. A URBANIZAÇÃO DO PORTO NA BAIXA IDADE MÉDIA

RESUMO: Este artigo tem como objectivo a análise dos mecanismos sociais, políticos e económicos
que influenciaram e condicionaram a paisagem urbanística do Porto medieval.
Para tal consideraremos, por um lado, o espaço físico da cidade e, por outro, os planos,
posturas, e condições contractuais defendidas na construção do espaço urbano do Porto
pelos principais grupos sociais da cidade (elites municipais e religiosas). Para esta análise
baseamo­‑nos na informação contida nas Atas das Vereações e Livros de Pergaminhos do
Arquivo Histórico Municipal do Porto, e nos documentos do Cartório do Cabido da Sé.
Em oposição à maioria dos estudos existentes sobre a paisagem urbana do Porto medieval,
que, concentrando­‑se em zonas específicas da cidade e não no seu todo, mostram uma
visão compartimentada e limitada na sua abrangência, o presente estudo procura analisar
os vários interesses que se confrontaram em simultâneo no Porto medieval, tentando
perceber o seu crescimento urbano como resultado destas tensões. Pretende­‑se assim uma
nova visão da construção da cidade medieval, não focada na sua descrição física, mas na
compreensão dos mecanismos que a determinaram.
Palavras Chave: Urbanismo, Porto Medieval, Evolução urbana, Planos urbanísticos, Posturas
urbanas.

ABSTRACT: This paper aims to analyze the social, political and economical mechanisms, that have
influenced and conditioned the urban landscape of Porto in the middle ages.
We consider both the physical space of the city, and the attitudes, conditions and decisions
defended in the construction of urban space by the city’s main social groups (municipal
and religious elites). For this analysis we rely on the information contained in the “Actas
of Vereações” and the”Books of Scrolls” from the Municipal Historical Archive of Porto,
and in the documents from the Office of the Chapter of the Cathedral of the city.
Contrary to most existing studies on the medieval urban landscape of Porto, which, by
focusing on specific areas of the city and not in her whole, show a compartmentalized
and limited vision in its scope, this study seeks to analyze the various interests that are
simultaneously confronted in the medieval Porto, thus trying to understand its urban
growth as a result of these tensions.
Our goal is to construct a new vision of the medieval city, moving the focus from its
physical description to the mechanisms that shaped it.
Keywords: Urbanism, Medieval Porto, Urban evolution, Urbanistic plans, Urban postures.

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