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RESUMO
Ser escolarizado pode ser um desafio para crianças que possuem algum Transtorno Específico de
Aprendizagem. Daí a necessidade da realização de um diagnóstico adequado para que se possa
intervir nos problemas identificados, o quanto antes, e gerar melhores perspectivas de futuro
para essas crianças. Determinar uma forma efetiva de avaliar as dificuldades que surgem no
processo de ensino e aprendizagem, especialmente fazendo a distinção entre aquelas de origem
ambiental (as chamadas Dificuldades de Aprendizagem) das de origem biológica (os chamados
Transtornos Específicos de Aprendizagem) é essencial. O presente artigo descreve o protocolo de
avaliação do Ambulatório de Avaliação e de Intervenção nos Transtornos da Linguagem Escrita
(AmbLin) no que tange, principalmente, ao diagnóstico diferencial desses transtornos. Para
tal, apresenta um levantamento dos casos diagnosticados e dos recursos e técnicas adotados
no procedimento de avaliação, realizado com base em evidências científicas. A coordenação do
AmbLin é parte das atividades da primeira autora, no Departamento de Psicologia (FAFICH/
UFMG). O ambulatório conta com uma equipe multidisciplinar para a avaliação, intervenção
e acompanhamento de indivíduos com suspeita ou diagnóstico de Transtorno Específico de
Aprendizagem com prejuízo na leitura (Dislexia). O procedimento de avaliação no âmbito do
AmbLin se caracteriza pela utilização de: i) anamnese e escalas comportamentais para o familiar;
ii) escalas para professores, iii) bateria de avaliação neuropsicológica da inteligência e da
cognição; e iii) protocolo multidisciplinar de avaliação da linguagem escrita. Esse procedimento
se mostrou sensível para a distinção entre a Deficiência Intelectual Leve e a Inteligência Limítrofe,
assim como entre as Dificuldade de Aprendizagem com causa ambiental ou emocional e os
Transtornos Específicos da Aprendizagem com prejuízo na leitura (Dislexia), oferecendo, assim,
as primeiras evidências da efetividade do diagnóstico diferencial realizado. No entanto, estudos
futuros são necessários para a validação do presente protocolo de avaliação.
1. INTRODUÇÃO
A competência em leitura é desenvolvida à medida que a criança mantém contato com
a língua, inicialmente falada e, posteriormente, escrita, além da exposição explícita ao princípio
1
Psicóloga (PUC-Minas), Mestre em Psicologia Educacional (University of Glasgow), Doutora em Psicologia Cognitiva (Universi-
ty of Dundee) e Pós-doutora (Universidade de Educação de Ludwigsburg). Professora Titular da Universidade Federal de Minas
Gerais.
2
Psicóloga, doutoranda no programa de pós-graduação em Cognição e Comportamento da FAFICH/UFMG
3
Fonoaudióloga, doutoranda no programa de pós-graduação em Psicologia da FAFICH/UFMG
alfabético, no caso das línguas alfabéticas. Compreender quais transtornos e elementos que
podem interferir na aprendizagem da leitura tem relevância social e educacional. De acordo o
DislexiaBrasil (PINHEIRO et al., 2012), frente aos problemas de aprendizagem, os familiares e os
professores, quando não conseguem determinar as causas das dificuldades, por desconhecimento,
acabam associando-as a ‘preguiça’ ou ‘baixa inteligência’. Por exemplo, as crianças disléxicas (mas
também muitas com outros tipos de dificuldade aprendizagem), acabam rotuladas com estigmas
que afetam suas relações sociais e escolares gerando, baixa autoestima e aversão à aprendizagem,
estados que, em conjunto, podem determinar um curso de vida negativo.
Muitas outras, mesmo com desenvolvimento típico, ao adentrar o universo escolar
apresentam dificuldades ou atrasos na aprendizagem da leitura, na soletração e/ou escrita (CATTS,
2002) e na matemática, que revelam que transformar letras e números em um produto coerente e
compreensível é um desafio para a cognição infantil. De acordo com as classificações do CID-10, as
dificuldades de aprendizagem são percebidas principalmente no contexto escolar e podem afetar,
em alguns casos, de forma determinante o desempenho dos alunos.
Ser escolarizado é difícil para crianças típicas, para as com algum tipo dificuldade
de aprendizagem e ainda pior para aquelas que possuem algum Transtorno Específico de
Aprendizagem (definido abaixo). Dessa forma, um diagnóstico adequado para os dois últimos
grupos, é crucial para que se possa corrigir os problemas no curso do desenvolvimento e para gerar
melhor possibilidades para o futuro dessas crianças. Determinar uma forma efetiva de avaliar as
dificuldades que surgem no processo de ensino-aprendizagem, especialmente fazendo a distinção
entre aquelas de origem ambiental (as chamadas Dificuldades de Aprendizagem) e as de origem
biológica (os chamados Transtorno Específico de Aprendizagem), é essencial.
O presente artigo tem o objetivo de descrever o protocolo de avaliação do Ambulatório
de Avaliação e de Intervenção nos Transtornos da Linguagem Escrita (AmbLin) e apresentar
um levantamento dos casos diagnosticados, descrevendo os procedimento adotados na
avaliação diferencial das condições de linguagem (oral e escrita) com outros Transtornos do
Neurodesenvolvimento (caracterizados por disfunção no desenvolvimento da criança que levam
a comportamento e desempenho discrepante em relação aos seus pares) que se tornam evidentes
no período de escolarização inicial (1º ao 5º ano do ensino fundamental). O AmbLin suporta e
possibilita a ampliação das atividades de extensão, de ensino e de pesquisa coordenadas pela
primeira autora. O diferencial desse ambulatório, em relação aos outros na área em Belo Horizonte
(ex., Laboratório de Estudos dos Transtornos de Aprendizagem, “Letra”, no Hospital das Clínicas
(HC/UFMG)), é o oferecimento de intervenção, nos transtornos da linguagem escrita.
2.1 Dislexia
4. MATERIAIS E MÉTODOS
A metodologia do ambulatório é quanti-qualitativa e caracterizada como exploratória-
descritiva. Ao longo do ano de 2017, 55 clientes foram atendidos, passando todos pelo acolhimento
inicial. Desses, somente dois casos não iniciaram a triagem por desejo do familiar. As demais 53
iniciaram pelo menos uma parte da Triagem 2 (avaliação da inteligência e da cognição geral).
O presente artigo faz o primeiro levantamento dos tipos de casos encontrados em um
total de 31 clientes que tiveram diagnóstico fechado até novembro de 2017. Todos os casos
apresentaram queixa de baixo desempenho escolar, sem aparente explicação para tal desempenho,
observada na Triagem 1 e tiveram suas habilidades intelectuais e desempenho escolar avaliados
por meio da Triagem 2. Nem todos os casos foram submetidos a diagnóstico diferencial (Triagem
3), sendo esse procedimento destinado apenas àqueles sob suspeita de dislexia.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 31 (trinta e um) casos com diagnóstico realizado até novembro de 2017 pelo AmbLin:
• em 38,7% dos clientes, as queixas foram explicadas pela inteligência geral (sendo
66,7% identificados com Deficiência Intelectual e 25% com inteligência Limítrofe) e
8,3% por Atraso Global do Desenvolvimento;
• em 35,5%, houve suspeita de dislexia e os clientes foram submetidos ao procedimento
de resposta à intervenção para confirmação do diagnóstico;
• em 6,5%, o TDAH explicou, sozinho, o baixo desempenho escolar; e
• em 19,3%, encontrou-se um padrão comportamental, pedagógico e sociocultural que
causou confusões na determinação do quadro diagnóstico final (ex., dificuldade de
aprendizagem explicada por escolarização deficiente).
Todos os casos identificados como Deficiência Intelectual puderam ser identificados na
Triagem 2. Fase na qual a combinação de dois testes de inteligência não verbais com uma bateria
de avaliação neuropsicológica (WISC-IV) é complementada pela utilização de questionário de
funcionalidade e pela observação clínica supervisionada.
Discriminar os casos de Inteligência Limítrofe e Dislexia foi, por vezes, um desafio, visto
que o rastreio por meio de testes padronizados para se fazer inferência sobre perfil cognitivo pode
sofrer interferência do rebaixamento de habilidades cognitivas específicas. A utilização do WISC-
IV junto a outros testes de avaliação da inteligência (para confirmação do QI Total) demonstrou
um procedimento adequado para indicar o diagnóstico mais condizente com os dados colhidos
do cliente. Confirmou-se que quanto maior é a discrepância entre os índices, maior a chance de
tratar-se de um transtorno específico de aprendizagem, o que foi confirmado pelos resultados de
testes de avaliação do processamento fonológico, da leitura, da escrita e da compreensão textual.
Os casos necessitam, ainda, passar pelo procedimento de RTI para confirmação do diagnóstico,
no entanto, há indicativos fortes da existência de dislexia.
A origem familiar e social da criança também é levada em conta uma vez que pode
potencializar ou interferir na aprendizagem escolar (NOGUEIRA, 2002). Um ambiente familiar
e/ou comunitário inapropriado causa vulnerabilidades que afetam a aprendizagem, assim como
os fatores intrínsecos da criança, como seu estado emocional (sujeito a mudanças de acordo com
as fases do desenvolvimento) e ou tipo de personalidade. Todos os elementos, assim como as
deficiências da escola (emprego de pedagogia equivocada), podem explicar o baixo desempenho
escolar do último grupo (19,3%).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A medida da dificuldade de aprendizagem é o baixo desempenho escolar, cujas causas
podem levar a diferentes rumos de ação. De acordo com o Manual de Diagnóstico Diferencial do
DSM-5, escrito por First (2015), o caráter inespecífico e comum das dificuldades escolares gera
dúvidas no momento do diagnóstico, sendo, no entanto, a questão escolar a queixa principal
queixa apontada por grande parte dos transtornos existentes na literatura, desde os específicos
até os globais.
Uma avaliação cuidadosa de todos os casos considerados destoantes nesse ambiente
deve ser efetuada com base em testes de inteligência, em avaliação das habilidades específicas
subjacentes ao desempenho escolar e em checklist de todos os critérios diagnósticos dos
transtornos que afetam a aprendizagem. Os passos sugeridos pelo manual, que é editorado
pela Associação Brasileira de Psiquiatria, são: i) estabelecimento de prejuízo substancial e
quantitativamente alto nas tarefas escolares, laborais ou sociais; ii) avaliação da presença de
transtornos psiquiátricos por meio da consulta ao histórico pregresso familiar e clínico, de
acordo com a visão de diferentes pessoas; e também da influência do uso de alguma substância
(medicamentos ou drogas); e iii) avaliação de todas as possibilidades de comorbidades e sugestões
presentes no algoritmo de decisão para baixo desempenho escolar. Transtornos psiquiátricos
podem associar-se aos Transtornos Específicos da Aprendizagem, seja como consequência, seja
como comorbidade, e reforça a importância de uma avaliação de qualidade do quadro clínico
geral (FIRST, 2015).
REFERÊNCIAS
CATTS, H. W.. A Longitudinal Investigation of Reading Outcomes in Children. Journal of Speech,
Language, and Hearing Research, 45:1142-1157, 2017.
PINHEIRO, A. M. V.. Prova de Leitura e de Escrita de palavras. Relatório Técnico Final aprovado
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG (FAPEMIG). Número
do processo: APQ-01914-09, 2013.
PINHEIRO, A. M. V.; SCLIAR-CABRAL, L.. Dislexia: Causas e Consequências. Belo horizonte, Editora
UFMG, 2017.
MANSER, R; WALTERS, E.H. What is evidence-based medicine and the role of the systematic
review: the revolution coming your way. Monaldi Arch Chest Dis., v. 56, pp 33-38, 2001. Disponível
em:<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11407 207?dopt=abstract>, Acesso em 10 dez
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SCLIAR-CABRAL, L.. Avanços das neurociências para a alfabetização e a leitura. Letras de Hoje
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STEIN, L. M. Teste de Desempenho Escolar (TDE). São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
WECHSLER, D.; DUPRAT, M. L. Escala Wechsler de inteligência para crianças: WISC-IV. São Paulo:
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