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DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8034.

2018v20n2p207

Apólogo das Amebas1

Claude Lévi-Strauss

Tradução: Juliana P. Lima Caruso


Laboratoire d’Anthropologie Sociale) – EHESS, Paris, Île-de-France, França
E-mail: ju.limacaruso@gmail.com

Tiago Hyra Rodrigues


Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, São Paulo, São Paulo, Brasil
E-mail: tiagohyra@gmail.com

Beatriz Perrone Moisés


Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, São Paulo, Brasil
E-mail: perrone@usp.br
Claude Lévi-Strauss, Juliana P. Lima Caruso, Tiago Hyra Rodrigues e Beatriz Perrone Moisés

Resumo Abstract

A versão original do texto a seguir The original version of the following


faz parte de uma coletânea de textos text is part of a collection of texts
dedicados a Françoise Héritier. Nesse dedicated to Françoise Héritier. In this
breve apólogo, Lévi-Strauss retoma, em brief apologue, Lévi-Strauss resumes,
diálogo com grandes pensadores das in dialogue with Humanities great
humanidades e o saber da biologia, a thinkers and Biology knowledge, the
grande questão da natureza do social grand question of the nature of the social
– do lugar da sociabilidade. Trata-se – of the place of sociability. It discusses
aí de troca, de origens da linguagem, exchange, the origins of language,
de relações entre humanos e grandes relations among humans and great apes,
símios, de células e de transmissores cells and chemical carriers. The attentive
químicos. A consideração atenta da consideration of amoebas’ life entices
vida das amebas enseja reflexões sobre reflections on cooperation and conflict,
cooperação e conflito, em conversa com in conversation with Durkheimian
a sociologia durkheimiana e a tradição sociology and philosophical tradition;
filosófica; uma pérola de maturidade, a jewel of maturity, which defies
que desafia barreiras disciplinares e disciplinary boundaries and established
pressupostos instalados, movendo a assumptions, inducing to the rethinking
repensar grandes questões fundadoras. of major founding issues.

Palavras-chave: Lévi-Strauss. Relações Keywords: Lévi-Strauss. Social relations. Life


sociais. Formas de vida. Guerra. Aliança. forms War. Alliance.

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E m seu seminário sobre a violência, cujo segundo volume foi lançado


há alguns meses, Françoise Héritier toma como ponto de partida
de sua reflexão “[...] a questão […] frequentemente formulada, de
saber se o homem é naturalmente, ou seja, biologicamente, violento e
intolerante”2. Eu gostaria, como homenagem, de trazer uma contribuição
a esse velho debate.
É impressionante que a morte, forma extrema da violência, tenha
um lugar tão grande no pensamento de autores que pretendem explicar
a origem da proibição do incesto e da exogamia e, ao mesmo tempo,
a da sociedade. Freud, em Totem e tabu, procura tal origem no seio
da família biológica, em contradição com Tylor que, em um célebre
aforismo, afirmava que, muito cedo, os homens não tiveram outra
escolha senão marrying out ou being killed out3.
Essas concepções, uma positiva e a outra negativa, estão em
relação de simetria invertida. Os antropólogos podem encontrar-lhes
respectivamente os méritos, segundo suas inclinações para as teorias
ditas “da aliança” ou “da filiação”, mas seria ingênuo crer que eles
as tomam ao pé da letra. Já faz 50 anos que defendi a ideia de que,
para conservar o valor de Totem e tabu, era necessário tratá-lo como um
mito: não como reconstituição de eventos passados a respeito dos quais
nada permite levantar hipóteses, mas como expressão de um sonho
ao mesmo tempo duradouro e antigo que assombra o pensamento dos
homens geração após geração.
O mesmo vale para o aforismo de Tylor. Ninguém alegará que
enuncia uma verdade histórica. Ele traduz, sob a forma de mito, a
visão retrospectiva que as famílias biológicas devem ter de um passado
imaginário, para entenderem que a sociedade as proíba de levarem
vidas separadas.

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Se nós insistíssemos em especular sobre o modo como as coisas


realmente ocorreram – ambição quimérica visando a uma Antiguidade
que, bem além do Homo sapiens, seria necessário contar em centenas
de milhares ou mesmo em milhões de anos – não haveria nenhuma
necessidade de postular a anterioridade lógica ou histórica das famílias
biológicas. Bastaria reconhecer que nenhum meio social pode ser
absolutamente fluido e indiferenciado, e que em razão de sua viscosidade
específica apresenta uma textura granulosa. Agregados se fazem e se
desfazem, mais visíveis uns aos outros do que as regiões mais instáveis,
e entre os quais, enquanto duram, não por cálculo racional, mas por
causa do pensamento simbólico, esboçam-se gestos de reciprocidade.
Nesse sentido, pode-se dizer que a troca preexiste a seus atores.
Seria, portanto, equivocado julgar que a troca matrimonial possui
natureza de contrato. Basta um único grau proibido para que a mecânica
da troca se desencadeie no grupo como um todo, independentemente
da consciência dos sujeitos. A troca é uma propriedade da estrutura
social. Não que na sociedade tudo se troque (mesmo entre os índios
da costa noroeste do Pacífico, exemplo sobre o qual Mauss fundou a
teoria da troca, certos bens ou valores permanecem intransferíveis,
como Boas já havia demostrado); mas, se não houvesse troca, não
haveria sociedade4.
Colocar a sociabilidade antes da família apresenta, no entanto,
uma dificuldade. Tomando o partido contrário, daríamos à sociedade um
fundamento natural – ele deve ser procurado alhures. Cremos geralmente
encontrá-lo aproximando as condutas humanas de comportamentos
animais que ofereceriam sua prefiguração. É amplamente ilusório.
Os antropólogos sabem há muito tempo que a relação entre o homem e
o chimpanzé não é genealógica, mas de cousinage5, mas não tiram disso
as devidas consequências: especializados em caminhos diferentes, o
homem e os grandes símios se situam na mesma horizontal, no mesmo
nível de geração. O estado atual de uns pouco nos ensina, portanto,
sobre o passado próximo ou distante do outro.
O estudo da estrutura e das operações do código genético
nos esclarece mais sobre a natureza da linguagem articulada, e
reciprocamente, do que os esforços despendidos para inculcar algumas
palavras ou fragmentos de frases em macacos bonobo (o que nos instrui
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sobre os macacos, não sobre a linguagem). Pois tudo se passa como se,
à imagem das espirais de Vico, funções idênticas se manifestassem de
forma recorrente em estágios distintos do conjunto dos seres vivos6. Não
descobriremos a origem da linguagem articulada retomando as etapas
de sua aquisição ou de seu aprendizado. Ela tem como modelo outra
linguagem que a pré-forma, e cuja origem (bem como o mistério de sua
reaparição de um nível ao outro com as mesmas propriedades) coloca
problemas que ultrapassam a competência de psicólogos e linguistas.
Para compreender a natureza da sociabilidade, pode ser que,
no mesmo espírito, seja necessário voltar-se para as formas mais
elementares da comunicação: manifestando-se no nível celular, estão
presentes em todos os seres vivos. No caso dos mamíferos que somos,
a comunicação entre as células, que faz de cada corpo individual uma
imensa sociedade, é assegurada por mensageiros químicos, eles mesmos
tributários de uma substância, o monofosfato cíclico de adenosina
(AMPc), esta intracelular, que desempenha um papel essencial.
Mas consideremos seres unicelulares como as amebas. Uma espécie
terrícola vive sob dois regimes alternados. Habitualmente, cada ameba
leva uma existência solitária em busca das bactérias das quais se nutre.
Mas quando este alimento falta, algumas amebas, e depois pouco a
pouco todas as outras, passam a secretar uma substância cujo efeito
é fazê-las se atraírem. Elas convergem e se aglomeram em dezenas de
milhares, tornam-se um corpo único de apenas um ou dois milímetros
de altura, mas tornam-se uma verdadeira sociedade onde reina uma
solidariedade que Durkheim teria chamado de orgânica. Os indivíduos
se especializam, uns formando, juntos, um tubo oco para o qual as
amebas mortas servirão de revestimento. Outras se posicionam no alto
do tubo em um globo repleto de esporos. Essas se dispersarão e darão
origem a uma nova geração sobre um solo mais rico em alimentos. Em
sua fase social, de fato, as amebas têm a capacidade – que lhes falta
no estado solitário – de se locomover em direção a fontes de umidade
e de calor. Como Durkheim também teria dito neste caso, a sociedade
é mais do que a soma dos indivíduos que a compõem…
Ora, essa substância atrativa que determina a passagem das amebas
à vida social não é outra senão a AMP cíclica, segundo mensageiro,
como vimos, da comunicação entre as células do corpo dos animais
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pluricelulares. Ela também está presente entre os vegetais, ao lado de


outros mensageiros químicos comuns aos dois reinos; o que explica
– como atestam desde tempos imemoriais os tratamentos à base de
plantas – que as células do corpo humano compreendem, por assim
dizer, as mensagens emitidas pelas dos vegetais: a linguagem que elas
falam é, em parte, a mesma. Isso dá a esperança de que possamos um
dia chegar a uma teoria unificada da comunicação intercelular.
Dos estudos de biologia que aqui resumo cabe realçar um ponto
capital. A substância idêntica à AMP cíclica, que as amebas produzem
em período de fome e que as induz a se agregarem, é a mesma que
secretam as bactérias das quais as amebas se nutrem e que as guiam
na direção de suas presas. Para passar de uma situação à outra, basta
que a produção de AMP cíclica pelas amebas aumente a um grau tal
que, tornadas insensíveis aos estímulos do ambiente, elas parem de
caçar e respondam apenas a estímulos idênticos, mas endógenos, que
as constituem em comunidade7.
Se fosse permitido, por meio de uma inversão dos gradientes,
extrapolar aos animais pluricelulares aquilo que a observação dos seres
unicelulares nos revela, a vida social apareceria entre os primeiros
como resultado de uma atração entre os indivíduos, suficiente para
que buscassem uns aos outros, mas não a ponto de, por excesso de
atração, virem a se entredevorar8.
Os antigos já percebiam esta proximidade entre estados
mutuamente exclusivos. Se, dizia um discípulo de Epicuro no IIIo
século antes de nossa era, “[...] removêssemos isto (as leis e prescrições,
as realezas e os governos das cidades) viveríamos uma vida de bestas
selvagens, e […] um comeria o outro, o primeiro que encontrasse”9.
Montaigne tem a respeito disso uma interpretação diferente da
de Plutarco. Se, diz ele, deixássemos os homens livres para pensarem
à vontade, “[...] segundo a imbecilidade (= fraqueza) e variedade
infinita de nossas razões e opiniões, nos forjaríamos ao final deveres
que nos levariam a nos comer uns aos outros”10. Poderíamos nos
divertir vendo aí uma premonição de correntes de pensamento que,
com o dadaísmo e o movimento modernista no Brasil, deram um valor
emblemático ao canibalismo (Picabia) ou à antropofagia (Oswald de

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Andrade), interpretados como um apetite desregrado de comunicação


que chega à devoração.
O pequeno exercício a que acabo de me dedicar não pretende
provar nada: não passa de um apólogo. Justificado ou não, ele mostra
que, longe de negar ou de ignorar a violência como frequentemente me
acusaram, coloco-a na origem da vida social e a assento sobre fundações
mais profundas que aqueles que, com o sacrifício ou a morte do bode
expiatório, fazem nascer a sociedade de costumes que a supõem.
Mas se o apólogo contiver uma parte de verdade, deveríamos,
custasse o que custasse, reconhecer que basta apenas um pequeno passo
para ir da comunicação, como base da sociabilidade, à sociabilidade ela
mesma como limite inferior da predação. Entre elas, haveria apenas
uma diferença de grau. Formas elementares da vida celular, que toda a
história humana e inumeráveis cenas da vida coletiva não desmentem,
nos incitam a crer que sociabilidade e violência estão intrinsecamente
ligadas.

Notas
1
Versão original: “ Apologue des amibes”. In: En Substances – Textes Pour
Françoise Heritier. Sous la direction de Jean-Luc Jamard, Emmanuel Terray et
Margharita Xanthakou. © Librairie Arthème Fayard, 2000, p.493-496.
2
F. Héritier, Séminaire de Françoise Héritier. De la Violence II. Paris, Odile Jacob, 1999,
p. 322.
3
(N.T.) “Casar fora” e “ser morto fora”, em inglês no original.
4
C. Lévi-Strauss, Les Structures élémentaires de la parenté, Paris, PUF, 1949; réédition
1967, Paris/La Haye, Mouton, p.51, 593, 609-611, 616.
5
(N.T.): Literalmente, «parentesco entre primos». Em francês, cousinage carrega
também o sentido de um parentesco mais amplo e indeterminado.
6
R. Jakobson and L. Waugh, The Sound Shape of Language, Bloomington/Londres,
Indiana University Press, 1979, p. 64-69.
7
J.T. Bonner, « Hormones in Social Amoebae and Mammals », Scientific American, vol.
CCXX, n.6, 1969, p.78-91 ; J.Roth et D. LeRoith, «Chemical Cross Talk. Why Human
Cells Understand the Molecular Messages of Plants», The Sciences (Published by the
New York Academy of Sciences), mai/juin 1987, p.53-54 ; E.Ben-Jacob et M. Levine,
«The Artistry of Microorganisms», Scientific American, vol. CCLXXIX, n. 4, 1998,
p. 61 ; La recherche, Paris, Société d’éditions sientifiques, n. 306, février 1998, p. 19.
8
C. Lévi-Strauss, L’Homme Nu, Paris, Plon, 1971, p. 617 ; Paroles données, Paris, Plon,
1984, p. 143-144.
9
Plutarque, « Contre l’épicurien Colotès », Les Œuvres meslées, trad. Amyot, Paris,
G. de la Nouë, vol.II, 1584, p. 764-765.

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10
M. de Montaigne, Les Essais, édition de Pierre Villey, Paris, PUF, coll. «Quadrige»,
n. 94-96, 1988, p. 488.

Referências
BEN-JACOB, E.; LEVINE, M. The Artistry of Microorganisms. Scientific
American, [S.l.], v. CCLXXIX, n. 4, p. 61, 1998.
BONNER, J. T. Hormones in Social Amoebae and Mammals. Scientific
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PLUTARQUE. Contre l’épicurien Colotès. Les Œuvres meslées. Trad.
Amyot, Paris, G. de la Nouë, v. II, p. 764-765, 1584.
ROTH, J.; LeROITH, D. Chemical Cross Talk. Why Human Cells Understand
the Molecular Messages of Plants. The Sciences (Published by the New
York Academy of Sciences), mai/juin, p. 53-54, 1987.

Recebido em 07/08/2018
Aceito em 20/10/2018

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