Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
2018v20n2p207
Claude Lévi-Strauss
Resumo Abstract
ILHA
v. 20, n. 2, p. 207-214, dezembro de 2018
208
Tradução: Apólogo das Amebas
ILHA
v. 20, n. 2, p. 207-214, dezembro de 2018
209
Claude Lévi-Strauss, Juliana P. Lima Caruso, Tiago Hyra Rodrigues e Beatriz Perrone Moisés
210
Tradução: Apólogo das Amebas
sobre os macacos, não sobre a linguagem). Pois tudo se passa como se,
à imagem das espirais de Vico, funções idênticas se manifestassem de
forma recorrente em estágios distintos do conjunto dos seres vivos6. Não
descobriremos a origem da linguagem articulada retomando as etapas
de sua aquisição ou de seu aprendizado. Ela tem como modelo outra
linguagem que a pré-forma, e cuja origem (bem como o mistério de sua
reaparição de um nível ao outro com as mesmas propriedades) coloca
problemas que ultrapassam a competência de psicólogos e linguistas.
Para compreender a natureza da sociabilidade, pode ser que,
no mesmo espírito, seja necessário voltar-se para as formas mais
elementares da comunicação: manifestando-se no nível celular, estão
presentes em todos os seres vivos. No caso dos mamíferos que somos,
a comunicação entre as células, que faz de cada corpo individual uma
imensa sociedade, é assegurada por mensageiros químicos, eles mesmos
tributários de uma substância, o monofosfato cíclico de adenosina
(AMPc), esta intracelular, que desempenha um papel essencial.
Mas consideremos seres unicelulares como as amebas. Uma espécie
terrícola vive sob dois regimes alternados. Habitualmente, cada ameba
leva uma existência solitária em busca das bactérias das quais se nutre.
Mas quando este alimento falta, algumas amebas, e depois pouco a
pouco todas as outras, passam a secretar uma substância cujo efeito
é fazê-las se atraírem. Elas convergem e se aglomeram em dezenas de
milhares, tornam-se um corpo único de apenas um ou dois milímetros
de altura, mas tornam-se uma verdadeira sociedade onde reina uma
solidariedade que Durkheim teria chamado de orgânica. Os indivíduos
se especializam, uns formando, juntos, um tubo oco para o qual as
amebas mortas servirão de revestimento. Outras se posicionam no alto
do tubo em um globo repleto de esporos. Essas se dispersarão e darão
origem a uma nova geração sobre um solo mais rico em alimentos. Em
sua fase social, de fato, as amebas têm a capacidade – que lhes falta
no estado solitário – de se locomover em direção a fontes de umidade
e de calor. Como Durkheim também teria dito neste caso, a sociedade
é mais do que a soma dos indivíduos que a compõem…
Ora, essa substância atrativa que determina a passagem das amebas
à vida social não é outra senão a AMP cíclica, segundo mensageiro,
como vimos, da comunicação entre as células do corpo dos animais
ILHA
v. 20, n. 2, p. 207-214, dezembro de 2018
211
Claude Lévi-Strauss, Juliana P. Lima Caruso, Tiago Hyra Rodrigues e Beatriz Perrone Moisés
ILHA
v. 20, n. 2, p. 207-214, dezembro de 2018
212
Tradução: Apólogo das Amebas
Notas
1
Versão original: “ Apologue des amibes”. In: En Substances – Textes Pour
Françoise Heritier. Sous la direction de Jean-Luc Jamard, Emmanuel Terray et
Margharita Xanthakou. © Librairie Arthème Fayard, 2000, p.493-496.
2
F. Héritier, Séminaire de Françoise Héritier. De la Violence II. Paris, Odile Jacob, 1999,
p. 322.
3
(N.T.) “Casar fora” e “ser morto fora”, em inglês no original.
4
C. Lévi-Strauss, Les Structures élémentaires de la parenté, Paris, PUF, 1949; réédition
1967, Paris/La Haye, Mouton, p.51, 593, 609-611, 616.
5
(N.T.): Literalmente, «parentesco entre primos». Em francês, cousinage carrega
também o sentido de um parentesco mais amplo e indeterminado.
6
R. Jakobson and L. Waugh, The Sound Shape of Language, Bloomington/Londres,
Indiana University Press, 1979, p. 64-69.
7
J.T. Bonner, « Hormones in Social Amoebae and Mammals », Scientific American, vol.
CCXX, n.6, 1969, p.78-91 ; J.Roth et D. LeRoith, «Chemical Cross Talk. Why Human
Cells Understand the Molecular Messages of Plants», The Sciences (Published by the
New York Academy of Sciences), mai/juin 1987, p.53-54 ; E.Ben-Jacob et M. Levine,
«The Artistry of Microorganisms», Scientific American, vol. CCLXXIX, n. 4, 1998,
p. 61 ; La recherche, Paris, Société d’éditions sientifiques, n. 306, février 1998, p. 19.
8
C. Lévi-Strauss, L’Homme Nu, Paris, Plon, 1971, p. 617 ; Paroles données, Paris, Plon,
1984, p. 143-144.
9
Plutarque, « Contre l’épicurien Colotès », Les Œuvres meslées, trad. Amyot, Paris,
G. de la Nouë, vol.II, 1584, p. 764-765.
ILHA
v. 20, n. 2, p. 207-214, dezembro de 2018
213
Claude Lévi-Strauss, Juliana P. Lima Caruso, Tiago Hyra Rodrigues e Beatriz Perrone Moisés
10
M. de Montaigne, Les Essais, édition de Pierre Villey, Paris, PUF, coll. «Quadrige»,
n. 94-96, 1988, p. 488.
Referências
BEN-JACOB, E.; LEVINE, M. The Artistry of Microorganisms. Scientific
American, [S.l.], v. CCLXXIX, n. 4, p. 61, 1998.
BONNER, J. T. Hormones in Social Amoebae and Mammals. Scientific
American, [S.l.], v. CCXX, n. 6, p. 78-91, 1969.
HÉRITIER, Françoise. Séminaire de Françoise Héritier: de la Violence
II. Paris, Odile Jacob, 1992. p. 322.
JACOBSON, R.; WAUGH, L. The Sound Shape of Language.
Bloomington; Londres: Indiana University Press, 1979. p. 64-69.
LA RECHERCHE. Société d’éditions scientifiques, Paris, n. 306, p. 19,
février 1998.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Les Structures élémentaires de la parenté.
Paris: PUF, 1949; réédition 1967. Paris/La Haye, Mouton, p. 51, 593, 609-
611, 616.
LÉVI-STRAUSS, Claude. L’Homme Nu. Paris: Plon, 1971. p. 617.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Paroles données. Paris: Plon, 1984. p. 143-144.
MONTAIGNE, Michel de. Les Essais, édition de Pierre Villey, Paris, PUF,
coll. Quadrige, n. 94-96, p. 488, 1988.
PLUTARQUE. Contre l’épicurien Colotès. Les Œuvres meslées. Trad.
Amyot, Paris, G. de la Nouë, v. II, p. 764-765, 1584.
ROTH, J.; LeROITH, D. Chemical Cross Talk. Why Human Cells Understand
the Molecular Messages of Plants. The Sciences (Published by the New
York Academy of Sciences), mai/juin, p. 53-54, 1987.
Recebido em 07/08/2018
Aceito em 20/10/2018
Este texto está publicado sob uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-
CompartilhaIgual 4.0 Internacional – CC BY NC AS.
Mais detalhes em: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/deed.pt_BR
ILHA
v. 20, n. 2, p. 207-214, dezembro de 2018
214