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1.1.1. Apresentação
O presente estudo foi levado a efeito a convite do Banco Mundial, com o objetivo de
proceder à identificação de concepções e características gerais que vêm orientando a
organização da Educação Inclusiva no Município do Rio de Janeiro e de indicar possibilidades
de ação e de suporte teórico capazes de ancorar o pressuposto de que o sujeito portador de
deficiência tem direito à educação escolar com a qualidade que garanta o seu pleno
desenvolvimento.
Numa 4ª feira, dia 14 de Agosto de 1974, o Diário Oficial do Estado da Guanabara faz
a seguinte publicação: “Passa a denominar-se Instituto de Educação do Excepcional Helena
Antipoff o atual Instituto de Educação do Excepcional, do departamento de Ensino de 1º
Grau, da Coordenação de Ensino, da Secretaria de Educação”. E o Decreto nº 15 de
23/05/1975 regulariza a nova estrutura orgânica da Secretaria Municipal de Educação e
Cultura: Departamento Geral de Educação / Assessorias Departamentais / Assessoria de
Educação Especial – Instituto Helena Antipoff (IHA).
Em 1975, o IHA inicia sua gestão, privilegiando a integração do excepcional na
comunidade, através de uma assistência médica e pedagógica, segundo as doutrinas da política
educacional, ressaltadas na Constituição do Estado. Durante esse ano, a atenção ao portador
de deficiência se resumia a três ações superpostas: Projeto Educação especial; instituto Helena
Antipoff e Centro de Terapia da Palavra. Nessa época, havia pouca garantia de matrículas,
tanto nas Escolas especiais quanto nos Centros Ocupacionais, além da falta de profissionais
especializados e falta de materiais adequados ao trabalho. Justamente por isso, numa tentativa
de resolução dos problemas encontrados, a estrutura da Educação Especial passa a centralizar
suas ações num só órgão: o IHA – o que possibilitou o levantamento do número de alunos
que esperavam por vagas nas instituições e os devidos encaminhamentos. A nova estruturação
também provocou ações voltadas para a formação de profissionais – professores e técnicos –,
a partir da realização de centros de estudos e cursos de atualização. Para a realização dessas
ações o IHA contou com Equipes Técnicas nas seguintes modalidades:
deficientes visuais (DV);
deficientes da audiocomunicação (DA);
superdotados (SD);
serviço social (SS);
audiovisual;
deficientes mentais (DM);
deficientes físicos (DF);
aprendizagem lenta (AL);
avaliação;
centro de estudos.
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O Caso do Município do Rio de Janeiro
2 Os conceitos usados neste parágrafo estão de acordo com as concepções teóricas que referenciavam a
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Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Cristina Nacif Alves
O Caso do Município do Rio de Janeiro
Nesse momento, uma nova visão toma conta das práticas do IHA: a responsabilidade
pela não aprendizagem passa da criança para a equipe escolar. A reflexão acerca dos
referenciais de educação aponta para métodos e procedimentos inadequados à aprendizagem
dos alunos. O IHA centra suas ações nos princípios da Integração, investindo maciçamente na
produção de materiais e no acompanhamento pedagógico. Com isso, um grande avanço é
conquistado, pois o IHA deixa de receber os alunos chamados deficientes mentais educáveis –
vítimas do fenômeno do fracasso escolar –, permanecendo, apenas, na sua estrutura, a atenção
aos deficientes mentais treináveis.
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O Caso do Município do Rio de Janeiro
Esse período caracteriza-se pela transição política que irá nortear novas políticas
públicas para a Educação Especial, aproximando-a ainda mais da proposta curricular da
Secretaria Municipal de Educação.
O ano de 1993 foi o início de um novo ciclo que vem tomando forma e
aperfeiçoando-se até os dias de hoje. O IHA passou por nova estruturação interna,
administrativa e pedagógica, evidenciando que a antiga não mais se adequava às demandas
geradas pela nova política educacional. Os chamados Programas de Atendimento foram
extintos e criadas 10 (dez) equipes destinadas a estabelecer uma parceria de trabalho com as
CRE(s)4, o que viabilizou uma descentralização das ações do IHA, conferindo-lhes maior
responsabilidade e autonomia na busca por uma educação de qualidade.
Outro fato de grande importância na direção de novas políticas públicas da Educação
Especial foi a criação da documentação escolar para o aluno portador de necessidades
educacionais especiais, que passaram a contar, além da ficha de matrícula, com registros de
avaliação do processo educativo, caracterizando, assim, um histórico escolar.
Nessa época, também, teve início o processo de desenvolvimento para a criação da
proposta Curricular Básica de Educação, onde a Educação Especial passa a incorporar as
mesmas diretrizes e orientações curriculares que o Ensino Básico. E, à medida que, as
propostas político-pedagógicas passam a ser as mesmas, descaracteriza-se uma ação de
reabilitação e de acomodação do sujeito portador de deficiência, priorizando uma prática
eminentemente pedagógica por parte da Educação Especial, onde as diferentes formas de
aprendizagem e conteúdos escolares são ressaltadas, dando ênfase aos conhecimentos
científicos das diversas áreas do saber.
A partir de 1994, o IHA encontrava-se cada vez mais em consonância com as políticas
públicas do Ministério da Educação e do Desporto, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
consolidando, pois, essa visão com estudos, pesquisas e divulgação dos princípios, política e
práticas de uma Educação Inclusiva, abordada pela Declaração de Salamanca.
Nesse período, o IHA realizou a I Jornada de Educação especial: uma sala do tamanho
do mundo, compartilhando com profissionais da educação temas atuais sobre uma política
para a Educação Inclusiva.
A nova concepção de Educação Especial assumida, desde o ano de 1994 até os dias
atuais, interferiu nos conceitos sobre desenvolvimento e aprendizagem, adaptações
curriculares, avaliação, processos de integração/inclusão, qualidade de ensino, papel da escola,
função do professor etc., criando duas demandas: a de investimento na área da formação
profissional que, desde então, vem ocorrendo de forma continuada e em serviço; e a de
reformulações administrativas.
4 Coordenadoria Regional de Educação (CRE): órgão criado para facilitar a interação e a comunicação
entre escolas e SME, em função do grande número de escolas e de localização variada nas regiões metropolitanas.
São 10 (dez) CREs em todo o Município, cada qual numa região administrativa.
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A LDB nº 9394/96, em seu art. 1º, do título I, ressalta que “a educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organização da
sociedade civil e nas manifestações culturais” e, no art. 2º, do título II, confere “por finalidade
[da educação] o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”. E, ainda, salienta como princípios (art. 3º) a
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a garantia de padrão de
qualidade, legitimando o acesso ao ensino fundamental como um direito público subjetivo
(art. 5º) e como dever do Estado (art. 4º) a “oferta de educação escolar regular para jovens e
adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades”.
Essa mesma legislação define como uma das responsabilidades dos Municípios (art.
11): “organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de
ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados”,
conceituando a Educação Especial como um dos níveis e das modalidades de educação e
ensino (título V), que deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para os
educandos portadores de necessidades especiais (art. 58). Assegura, também, em seu art. 59,
currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender a
essas necessidades, bem como professores capacitados para a integração desses educandos nas
classes comuns.
Nesse sentido, o papel e a função do IHA têm se mostrado de grande valor na
conquista de uma educação inclusiva, ratificando em sua prática os pressupostos teóricos da
Lei acima citada, uma vez que conta com um Projeto Político Pedagógico que leva em conta a
diversidade do aluno e a necessidade de construir currículos capazes de garantir o acesso à
qualidade de ensino por parte do deficiente.
A resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, institui as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica, obrigando “os Sistemas de Ensino a conceber a
demanda real de atendimento a alunos portadores de necessidades educacionais especiais,
mediante a criação de sistemas de informação e o estabelecimento de interface com os órgãos
governamentais responsáveis pelo Censo Demográfico, para atender a todas as variáveis
implícitas à qualidade do processo formativo desses alunos”. Dessa forma, conforme palestra
da Alicia Bercovich, do IBGE, na Oficina “Educação Inclusiva no Brasil: diagnóstico atual e
desafios para o futuro”, os números estatísticos apresentados apontam o Município do Rio de
Janeiro como o de maior abrangência na recepção das referidas demandas.
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Uma Educação Inclusiva pressupõe educação para todos, não só do ponto de vista da
quantidade, mas também do da qualidade, onde os sujeitos possam apropriar-se tanto dos
saberes já disponíveis no mundo quanto das formas e das possibilidades de novas produções
que, através de sua participação e de sua atuação cotidianas, irão criar, disponibilizando-as aos
outros sujeitos, numa interação dialógica e dialética com a vida.
A construção de uma Educação Inclusiva não é simples, requer o envolvimento de
todos os sujeitos na busca de uma qualidade de vida. E isso, implica em qualidade na
educação, acesso de fato ao que a vida exige para uma efetiva participação social: saber ler,
escrever, contar, mas também, reler, rescrever, recontar as diversas histórias que habitam
nosso universo e fazem dele o cenário para novas histórias, que emergirão como conseqüência
do agir sobre o mundo.
Como diz Leila Blanco, diretora do IHA, é preciso trazer a vida para a escola:
“acredito que para a vida fazer parte da escola é urgente ouvir o outro, compreendendo a
trama cultural que possibilita sua identidade, a imersão no caldo de valores que inclui os éticos,
os estéticos, os morais, tudo o que é prestigiado pelo grupo social e visto como consumo
desejado” (Entrevista: 25/04/2003). Assim, de fato, estaremos voltando nossos olhos para
opções de vida e de sociedade mais conscientes, fruto do pensar e do agir com base no
respeito à diversidade e na construção de práticas inclusivas.
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6 Em função do tempo e da natureza, a presente pesquisa não se deterá nas concepções citadas nesse
parágrafo, optando por aprofundar-se nas concepções propostas pelo referencial sócio-histórico.
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A fase pré-verbal do pensamento pode ser descrita como aquela em que o pensamento
associa-se à utilização de instrumentos. Já a fase pré-intelectual da fala aponta para a função
social da linguagem. Pois, desde muito cedo, a criança reage à voz humana, demonstrando que
sons inarticulados, risadas, movimentos etc. são meios de contato social.
Porém, há um momento em que as curvas da evolução do pensamento e da fala se
unem, dando origem a uma nova forma de comportamento: “a fala começa a servir ao
intelecto e os pensamentos começam a ser verbalizados” (VYGOTSKY, 1989: 37). Nesse
momento, a criança não mais precisa estar diante do objeto para se relacionar com ele, basta
sua representação para que isso ocorra. Assim, inicia-se uma nova forma de funcionamento
psicológico – a fala torna-se intelectual, com função simbólica e o pensamento torna-se verbal,
mediado por significados dados pela linguagem – o significado das palavras.
O significado é um componente essencial da palavra e é, ao mesmo tempo, um ato de
pensamento, pois o significado de uma palavra já é em si a generalização de um conceito. É no
significado que se encontra a unidade das duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio
social e o pensamento generalizante. São os significados que possibilitam a mediação
simbólica entre o indivíduo e o mundo real, constituindo-se no filtro através do qual o sujeito
é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele.
Os significados são construídos ao longo da história dos sujeitos com base nas suas
relações com o mundo físico e social, encontrando-se, portanto, em constante transformação,
tanto na história de uma língua e como na história do sujeito, segundo o processo de aquisição
da linguagem pelo sujeito.
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O texto Pra que é que presta uma menininha?7 nos possibilita “visualizar” o
quanto a relação com outros sujeitos é de suma importância para a formação de nossas
personalidades e para a regulação de nossas atuações no mundo.
Em “Pra que é que presta uma menininha?”, a autora relata a força que o conceito
imprestável exerceu em sua vida, desde a infância – época em que foi formulado – até a vida
adulta – onde o “peso” do significado ainda guia sua operacionalização no mundo. A reflexão
sobre o significado dessa palavra perpassa toda a narrativa do texto. A autobiografia é iniciada:
Pra que é que eu presto?
Pra que serve uma menininha?
As respostas podem ser variadas, de acordo com o ângulo e a visão
do mundo do respondedor. É possível afirmar, liricamente, que ela enfeita e
dá alegria à vida dos pais. Ou, cientificamente, buscar explicações nas leis
biológicas de preservação da espécie e sua futura e provável incidência.
Nada disso, porém, respondia à angústia da menininha nascida no Natal
de 1941 e que desde muito cedo era brindada constantemente com o
adjetivo de imprestável, coisa meio difícil de entender, palavra que se
revirava na cabeça sem sentido claro, mas evidentemente negativa, pelo tom
de voz que era insistentemente pronunciada.
7 ANA MARIA MACHADO, In: ABRAMOVICH, FANY. O Mito da Infância Feliz. São Paulo, 1985:
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Apesar da frustração da “menininha” ter sido ressaltada até então, não significa,
portanto, que ela não a tenha elaborado de forma a resignificá-la. A autora aponta alguns
instrumentos de salvação: a divisão do peso com os outros irmãos; o carinho que, apesar da
rigidez, nunca faltou; os momentos de prazer quando, no colo dos pais, ouvia histórias com
temas diversos – momento em que a ansiedade era dissolvida na esperança trazida pela
fantasia.
Mas não era tudo horrível, claro. E há um outro lado. O que
salvou. Primeiro, a consciência de que a desgraça era coletiva. (...) O peso,
quando se distribuiu pelos nove filhos, ficou mais fácil de carregar.
Acontecia com os outros também. E o convívio fraterno foi sempre uma
coisa de uma carga tão positiva nesses tempos de infância que dava força
para segurar qualquer barra. Apesar dos ciúmes e rivalidades naturais,
das brigas eventuais, o carinho era muito grande e muito bom. Dava para
ir em frente numa boa. Garças à repetição do processo, que o atenuava. A
história se repetia. (...) Mas outro instrumento de salvação foi o era uma
vez...
(...) E as histórias ensinavam tanto... Traziam a certeza da
esperança, garantiam a vitória do mais fraco, aplacavam as angústias
difusas, davam forma às bruxas fora da gente. (...) Um dia põem a bruxa
no fogo e quando ela grita:
_ Água, meus netinhos...
Eles podem ser malcriadíssimos e gritar:
_ Azeite, minha vozinha...
O indivíduo introjeta os significados, a partir dos vínculos que estabelece com dois
tipos de experiência: o da gratificação e o da frustração. O mundo interno é constituído por
um processo de progressiva internalização dos objetos e dos vínculos, cujo processo encontra-
se em permanente interação com o mundo exterior e interfere, constantemente, na
constituição da identidade e da autonomia do indivíduo.
O vínculo é sempre um vínculo social, fruto das interações entre os sujeitos. Portanto,
a relação com o outro será pautada na repetição de vínculos fundados num tempo e num
espaço, onde o papel que se desempenha no grupo, o lugar que se ocupa e a comunicação que
se estabelece irão influenciar a elaboração e o desenvolvimento de novas possibilidades na
formação dos conceitos e, certamente, de vínculos posteriores.
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Segundo essa perspectiva, o espaço escolar, então, deve funcionar de forma a desafiar
e a exigir do intelecto da criança e do adolescente. A escola proporciona ao aluno um
conhecimento sobre coisas e fatos que não estão disponíveis à percepção ou à experiência
diretas, fornecendo as bases para o acesso ao conhecimento construído e acumulado pela
humanidade, ao longo do tempo, possibilitando, assim, a criação de novos conhecimentos,
que farão a história posterior.
“O aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante,
desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança dos
seus próprios processos mentais. Os conceitos científicos, com o seu sistema
hierárquico de inter-relações, parecem constituir o meio no qual a
consciência e o domínio se desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a
outros conceitos e a outras áreas do pensamento. A consciência reflexiva
chega à criança através dos portais dos conhecimentos científicos”
(VYGOTSKY, 1989: 79).
8 O termo normalidade encontra-se entre aspas para evidenciar sua contradição e ambigüidade.
Vygotsky faz uma crítica ao uso de testes de QI para a triagem de crianças, uma vez
que estes podem apenas detectar o nível de desenvolvimento real – aquilo que a criança realiza
de forma independente –, argumentando que os referidos testes se ancoram no ponto fraco da
criança. Por isso, propõe que se leve em conta não só a gravidade da deficiência, mas também
a incorporação de estratégias pedagógicas capazes de distinguir entre deficiência e dificuldade,
visado à superação desses problemas, através de práticas eficientes. Dito de outra forma,
Vygotsky apresenta uma teoria que salienta a forma de levar a criança de um estado atual de
aprendizagem e de desenvolvimento para um ponto no futuro – nível de desenvolvimento
potencial –, acentuando que o papel do professor e de outros sujeitos mais competentes é
indispensável na mediação do mundo para a criança.
Isso caracteriza, segundo Vygotsky, a lei psicológica que aponta que qualquer função
psíquica aparece duas vezes no desenvolvimento humano: primeiro, entre pessoas, no plano
social; depois, no interior da própria criança, no plano psicológico. A manifestação dessa lei se
dá no domínio do conceito de “zona de desenvolvimento proximal”, lugar onde as ações
educacionais devem ancorar-se para que não o passado, mas o futuro do desenvolvimento, o
desenvolvimento potencial, possa vir a se fazer presente, transformando-se em
desenvolvimento real e, assim, abrindo novos horizontes ou novas zonas de aprendizagens.
Vygotsky aponta que as crianças portadoras de deficiência desenvolvem mecanismos
compensatórios de suas funções, cuja nova organização orienta o funcionamento psicológico
na superação dos limites impostos pela deficiência. Mais uma vez, ressalta-se a importância da
eficácia da estratégia pedagógica utilizada com o objetivo de fornecer condições adequadas e
ajustadas às necessidades educacionais especiais da criança.
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alunos e professores se envolvam na tarefa educativa de modo significativo. Mas para que a
tarefa significativa tenha lugar, é fundamental que a ação educativa não “abra mão” do
conceito de zona de desenvolvimento proximal – distância entre os níveis de
desenvolvimento real (aquilo que a criança põe em prática sozinha) e potencial (aquilo que a
criança só consegue realizar com a colaboração de outro sujeito) – para que as interações entre
adulto e criança, ou entre criança e criança, aconteçam de forma a impulsionar o
desenvolvimento sempre para um estado futuro (potencial) – visão prospectiva.
9 Em momentos como esse, o tão anunciado direito à Educação é negado: por um lado, liga-se à baixa
expectativa com relação às possibilidades de aprendizagem; por outro, converge-se para conteúdos curriculares
específicos que valorizam, na maioria das vezes, a formação de hábitos e atitudes, a socialização. Certamente, a
Educação não pode se resumir a esses termos, pois o acesso ao currículo “formal” é uma das prerrogativas para a
Inclusão.
Um sistema estruturado que objetiva a aprendizagem bem sucedida, não apenas para o
aluno, mas também para o professor, precisa ser realimentado por um processo de avaliação
constante, o que irá permitir que sejam feitas modificações sistemáticas e eficazes na direção
das metas traçadas. Determina-se o currículo, aperfeiçoando-se os programas de ensino que
melhor conduzem a concretização das metas.
O currículo move-se para melhor atender às necessidades dos alunos. Para isso, faz-se
necessário que professores (e demais agentes do universo educacional) envolvam-se, através
da pesquisa-ação, na tarefa criativa de desenvolvimento do currículo, compreendendo sua
natureza pedagógica, flexibilizando-o para perceber e alcançar os processos de aprendizagem
dos alunos.
“(...) os objetivos derivados da pesquisa de ação pelos professores, a
partir do processo de ensino e debate, têm funções especiais. Uma delas é
estimular a comunicação entre professores e alunos, mas serve, também,
como uma base sólida para a comunicação entre os professores, e entre
professores e outros. Dessa forma, servem como instrumentos de
aprendizagem para alunos, professores e terceiros” (EVANS, 1994: 82).
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A proposta é poder lidar com a escola tal como ela é: plural, não só pelas
possibilidades de ação, como também pela variedade de contextos sociais e culturais de
pessoas de diferentes lugares, idades, valores, crenças, idéias, hábitos e, sobretudo,
necessidades.
Aqui, também se faz presente, além do respeito às diferenças, a garantia a TODOS do
direito a uma educação de qualidade, voltada para o pleno exercício da cidadania, lendo,
escrevendo, calculando, entendendo as relações com o mundo e estabelecendo outras novas,
transformando e recriando a realidade para a melhoria da vida no planeta.
envolvidos no cenário educacional, visando a uma sociedade mais justa e democrática para
seus cidadãos.
Os Princípios Educativos são: meio ambiente, trabalho, cultura e linguagens. E os
Núcleos Conceituais: identidade, espaço, tempo e transformação. Um quadro esquemático dos
objetivos do Núcleo Curricular Básico, retirado da proposta curricular do Município do Rio de
Janeiro – a MULTIEDUCAÇÃO –, pode ser consultado no Anexo [1].
música, o teatro, a mídia, as artes plásticas, da literatura, do cinema, da TV, da Internet, o silêncio etc.
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“Daí vale repetir que para que esta prática possa acontecer é
importante que façamos da escola um grande espaço social, um lugar onde
caibam a ousadia, a criatividade, sonhos e diferentes falas. Lugar onde se
possa assumir a liberdade de saltar as cercas; quando as exigências
desafiadoras do conhecimento forçarem e, especialmente, onde o trabalho
solidário entre direção, professores, alunos e suas famílias passem a ser uma
prática efetivamente vivenciada. Para tanto, é necessário rever o que nos
parece seguro e certo, desconfiando de verdades estabelecidas e também dos
nossos preconceitos, procurando investir de modo ousado nas possibilidades
dos alunos, mesmo daqueles que apresentam problemas mais
complexos.”(MULTIEDUCAÇÃO: 192, 193)
ensino é concebido dessa forma, rejeita-se a visão de escola como simples transmissora de
conteúdos prontos e acabados, desvinculados das realidades dos sujeitos e desprovidos de
sentido e significação.
O saber, numa visão crítica de currículo, é compreendido na sua amplitude cultural e
histórica, onde alunos e professores são sujeitos interativos, orientados por princípios,
propósitos e metas, intencionalmente, voltados para a dialética dos saberes. Como nos aponta
SAVIANI (1991: 21), “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em
cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens”.
Outro aspecto importante na organização do currículo diz respeito à relação entre
conteúdo e método. Na orientação tradicional, o conteúdo está submetido ao método,
reduzido a técnicas, recursos e procedimentos didáticos. Porém, para o currículo criticamente
organizado, as relações entre conteúdo e método constituem uma unidade de entrelaçamento
da função educativa e da participação social, supondo uma trajetória de mediação entre o
objeto e o sujeito do conhecimento, ou seja, entre o conhecimento e o uso deste, por parte
dos agentes sociais.
Assim, algumas questões fazem relevantes:
Em que se constitui o ensino escolar?
Que conteúdos privilegiar?
Como organizá-los?
De que forma garantir as aprendizagens?
O currículo deve ser o produto da seleção da cultura onde a escola está inserida. Aqui,
compreende-se que a escola não transmite de forma didática os saberes, mas converte os
saberes históricos e culturais em saberes escolares. O conteúdo, então, será fruto dessa seleção
que entende os conhecimentos e os valores como o fio condutor da ação pedagógica numa
atividade objetiva de relevância social e humana, norteada pela estrutura particular de cada
disciplina ou área de conhecimento, visando a captar os processos psicológicos pelos quais
alunos e professores se apropriam dos saberes e os processos pelos quais a mediação entre o
objeto e sujeitos do conhecimento se faz presente.
No entanto, para que objeto e sujeitos do conhecimento possam ser concebidos
histórica e socialmente, pressupõe-se uma ação educacional específica: aquela que viabilize e
garanta uma atitude prática significativa. Nesse contexto, o professor assume o papel de
mediador dessa relação, onde a interação e a intervenção constantes possibilitem o avanço do
aluno no seu processo de desenvolvimento e de conhecimento do mundo, garantindo, assim,
uma participação social plena.
De modo geral, as questões levantadas sobre o contexto escolar se estendem ao
currículo da Educação Especial, que deve ser o mesmo para todos os alunos, ressalvadas as
devidas adaptações às necessidades especiais do portador de deficiências. Faz-se importante
ressaltar que os conteúdos não podem e nem devem ser selecionados a partir do rebaixamento
das metas e dos objetivos a serem atingidos – prática comum e recorrente do ensino especial
frente à baixa expectativa de aprendizagem do aluno portador de deficiência.
A expressão da baixa expectativa que afeta o aluno do ensino especial, diz respeito,
principalmente, ao portador de deficiência mental, considerado incapaz de alcançar um
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pensamento abstrato; com isso, as praticas pedagógicas se limitam ao uso de métodos que
privilegiam o trabalho concreto junto ao aluno, eliminando qualquer experiência de exercício e
de desenvolvimento do pensamento abstrato. Porém, se é justamente o desenvolvimento das
habilidades de pensamento abstrato o que o portador de deficiência mental mais precisa para
impulsionar o seu desenvolvimento, então, não se justifica sua eliminação. Ao contrário, uma
prática dessa natureza apenas reforça a deficiência, ao invés de possibilitar o avanço na direção
da construção de conceitos.
Cabe à escola levar o aluno portador de deficiência na direção do pensamento
abstrato, transformando o seu nível de conhecimento concreto num nível superior de
conhecimentos, ou seja, a transformação do desenvolvimento potencial em desenvolvimento
real, abrindo novas zonas de desenvolvimento proximal.
12 Todas as situações relatadas nesse trabalho foram observadas na rede pública de ensino do Município
do Rio de Janeiro. Portanto, as denominações das modalidades dizem respeito à estrutura de ensino do referido
município (capítulo 3).
13 “A Raposa e as Uvas – Morta de fome, a Raposa viu um vinhedo carregado de cachos enormes. Mas
por mais que tentasse, não conseguia alcançá-los. Depois de tantos esforços inúteis, foi embora dizendo: —
Quem quiser essas uvas pode pegar, estão verdes, estão azedas. Se alguém me desse essas uvas, eu não comeria”.
Com esse material, podemos pressupor que tanto Natasha quanto Rafael possuem um
conceito de “bicho”, sendo que Rafael amplia seu sentido quando aponta para os perigos de
sua natureza. Então, o trabalho da professora não pode permanecer centrado no que essas
crianças já conhecem, mas sim levá-las a se apropriarem de algo novo.
Pr.: Rafa, você tem medo de algum bicho?
Rafael: Eu não, eu sou forte.
Pr.: Mais forte que qualquer bicho?
Natasha: Que leão, não.
Rafael: Que tubarão, não.
Pr.: Vocês viram o tubarão que apareceu na praia de Copacabana?
Natasha: Eu vi. Na televisão.
Pr.: E você Rafa?
Rafael: Eu vi. Na televisão. Bateram nele... Mataram.
Pr.: Esse não foi o que apareceu na praia de Copacabana, mas na praia
de Grumari. E as pessoas bateram tanto no tubarão que acabou
morrendo... (Alunos e professora permaneceram por algum tempo falando
sobre diversos assuntos, até que o objetivo da atividade proposta fosse,
novamente, resgatado). Mas eu ainda não consegui contar a fábula... Eu
gostaria que vocês prestassem bem atenção, porque a raposa faz uma coisa e
diz outra. Quero ver quem vai saber o que é?
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Analisando a situação acima citada, pode-se deduzir que caso o olhar da professora
fosse guiado pela baixa expectativa, sua prática não teria avançado para além do concreto,
rumo à formação de conceitos. Um olhar focado na deficiência limita o ensino em função das
dificuldades dos alunos, não permitindo que os alunos avancem no seu desenvolvimento real,
configurando-se como uma atitude paralisante. No entanto, a situação relatada demonstra que
a professora vê nos alunos possibilidades de ultrapassarem aquilo que já sabem, por isso busca
formas de interação e estratégias de ação para alcançar, junto com os alunos, formas mais
complexas de pensamento, tornando possível a construção de pensamentos generalizantes e a
aprendizagem de novos conhecimentos, forçando caminhos para que os alunos progridam e,
ao mesmo tempo, para que novas metas possam ser definidas e novas conquistas alcançadas.
A dificuldade de abstração precisa ser superada, inclusive para que o aluno possa
compreender e respeitar os limites impostos pala própria vida social, no exercício da cidadania
e na internalização dos conhecimentos produzidos e sistematizados pela humanidade. Nesse
contexto, a professora instaura um processo dialógico com os alunos, não desiste de sua meta,
elevando-a a cada momento.
Se analisarmos o discurso impresso entre a professora e seus alunos, pode-se ver
claramente que a ação pedagógica não se prende ao texto, ao que o texto quer dizer, ao
contrário, os interlocutores vão lendo e produzindo sentidos nas condições determinadas pela
aula e pelos sujeitos que ampliam os assuntos, relacionando-os à realidade vivida e sentida por
eles. A concepção de leitura da professora não é a de codificação e decodificação de letras e
fonemas, mas a de participação no processo de produção de sentidos, a partir de um lugar
social (o da interlocução) e de uma direção (objetivo e metas) historicamente determinados,
resultando em implicações e conseqüências, definindo a formação discursiva como móvel e
aberta, cuja relação com as várias outras formações se articula com a ideologia operante, com
as visões de mundo dos agentes do diálogo.
Segundo Orlandi (1988: 115), o sujeito se relaciona com a significação sob três
aspectos: o inteligível, sentido atribuído pela codificação / decodificação; o interpretável,
levando-se em conta o contexto lingüístico, sua coesão; o compreensível, considerando o
processo de significação no contexto da situação, relacionando-se enunciado/enunciação. O
processo de interação e interlocução citado abarca essas três vertentes para a produção de
sentidos, uma vez que vai além da superfície do texto: os sujeitos precisam saber ler
tecnicamente (codificar / decodificar), precisam pressupor o que o autor quer dizer
(interpretar), mas precisam refletir sobre o texto, saber que o sentido pode ser outro,
dependendo de como, onde e por quem vai ser lido (compreender o processo de significação)
– exigência para o exercício pleno de cidadania.
No dia do passeio, a pesquisadora não esteve presente, porém, o resultado pode ser
previsto a partir das atividades desenvolvidas pelos alunos e professora, onde o significado e o
conteúdo das mesmas serviram de base para que os sujeitos envolvidos ampliassem suas
possibilidades de ação e de compreensão do mundo. A professora assegurou a construção de
conhecimentos, pautada na diversidade que constitui a realidade, fundando as relações de
ensino na reorganização e na ampliação dos conhecimentos consolidados pelos alunos. A
professora adota uma relação de ensino, tendo como ponto de partida os conhecimentos
consolidados pelos alunos, assentando,assim, novas bases para o desenvolvimento destes. No
entanto, é importante ressaltar que, tanto a relação pedagógica como a organização do
ambiente, podem favorecer o acesso ao conteúdo curricular. A saber: os alunos tiveram o
olhar atento da professora durante todo o tempo da aula; o intercâmbio de idéias foi uma
14 Na sala de aula, há grande quantidade de brinquedos e materiais que são usados para simularem os
produtos expostos no supermercado. Além de contar com várias cédulas, em miniatura, de dinheiro com valores
diferentes.
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constante; o zelo pelo material pessoal e coletivo é uma regra cobrada e estimulada pela
professora; as tarefas propostas foram significativas para os alunos, que desempenharam-nas
de forma prazerosa e com interesse; nenhuma atividade mecânica – cobrir pontinhos, colorir
figuras, ligar objetos, cópia de letras – se fez presente.
O que podemos apreender dessa experiência? Que, apesar das dificuldades, um ensino
produtivo e eficiente pode se concretizar; para tanto, deve-se levar em conta as peculiaridades
de cada situação e de cada indivíduo, direcionando as respostas educacionais apropriadas, no
sentido de adotar os suportes indispensáveis às aprendizagens. Com as intervenções feitas pelo
sistema escolar, o aluno tem seu acesso ao currículo garantido, sua participação social no
grupo elevada, suas necessidades específicas atendidas.
Uma das expressões mais significativas no processo de inclusão do aluno portador de
deficiência no sistema educacional diz respeito ao papel do professor e suas implicações
práticas. Outras duas observações, numa mesma turma, podem auxiliar a reflexão dessa
questão. Natasha, 15 (quinze) anos, 7ª série, portadora de uma visão subnormal desde os 3
(três) anos de idade, está incluída numa turma regular. O prédio da escola é vertical e foi
totalmente reformado de forma a garantir o aceso físico de seus usuários a todos os espaços –
elevador, corrimão nas escadas, rampa de acesso à cadeira de rodas na entrada, banheiros
acessíveis etc. A escola conta também com outros equipamentos de suporte às aprendizagens
dos alunos – DOSVOX, lupa mecânica, máquinas braille, livros transcritos à braille,
computadores e programas adaptados para o uso do DV etc.
Situação 1
Aula de Artes Cênicas, cinqüenta minutos de duração: a professora inicia
a aula fazendo a chamada, dirige-se ao quadro dispondo à matéria, pára e
pergunta:
Prof.: quem tem escala15 com Natasha, hoje?
Thiago: é a Carolina, mas ela não veio. Posso fazer.
Prof.: ok. Natasha, você pode se sentar ao lado de Thiago, que ele vai ler
para você? Eu não vou ditar a matéria, porque é um resumo e vamos
precisar dele no quadro, e além do mais hoje nosso tempo será mais curto e
assim é mais rápido.
A professora escreve no quadro: “Dicionário Teatral (cont.) Letra D”,
dispondo abaixo os seguintes conceitos (diretor, dicção, dramaturgia,
dramaturgo) e os respectivos significados dicionarizados. Enquanto a
professora escreve no quadro, Thiago copia e dita para Natasha, ao mesmo
tempo, ambos executam a tarefa de copiar, praticamente, junto com a
professora. Ao mesmo tempo em que copiam, conversam sobre vários outros
assuntos. A maioria dos alunos demora a finalizar a tarefa que se estende
por quase toda a aula. Vez ou outra a professora dirige-se aos alunos,
dizendo: “terminaram?”; “fiquem quietos, com essa barulheira não dá
para dar aula; “será que vocês podem parar de falar?; “escutem, o barulho
já está demais, assim vou apagar o que está no quadro e vocês não vão
poder copiar, vão perder a matéria”. Os alunos parecem não ouvir a
professora e continuam conversando, gritando, movimentando-se pela sala.
Thiago e Natasha conversam entre si, o ambiente da sala vai se tornando
cada vez mais barulhento, os alunos realizam a tarefa de forma mecânica.
A pesquisadora aproxima de Thiago e Natasha e trava uma comunicação
com eles.
Pesquisadora: para que vocês estão aprendendo essa matéria?
Natasha: ela já deu as outras letras (referindo-se às palavras iniciadas por
A, B e C).
Thiago: é a continuação.
Pesq.: o que é dramaturgia, Natasha?
Natasha, aproximando o olho do caderno, lê o que está escrito. A
pesquisadora, então, colocando o braço sobre o significado de dramaturgo,
pergunta: o que é dramaturgo? Tanto Thiago quanto Natasha tentam
olhar no caderno para responder. A pesquisadora insiste: “não olhem,
tentem lembrar”.
Pesq.: vamos ver. O que é escrita?
Natasha: é escrever!
Thiago: é uma forma de registrar.
produziu uma escala de atenção mais individualizada à aluna. Participa quem quer, não é uma imposição, mas,
como a escola foi toda reformada e adaptada há pouco tempo, parece que os usuários da mesma estão mais
sensibilizados quanto à inclusão.
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Situação 2:
Aula de História, cinqüenta minutos de duração. A professora entra em
sala, pede que os alunos se acalmem (todos estão agitados, conversam,
movimentam-se pela sala – a aula anterior havia sido a da situação 1) e
abram o livro didático.
Prof.: abram o livro na página 122, capítulo 7. Hoje, nós vamos falar da
relação entre religião e política, no regime capitalista. O que é religião para
vocês?
Alunos: (muitas vozes ao mesmo tempo).
Prof.: um de cada vez: você Sabrina.
Sabrina: é uma crença.
Thiago: é fé.
Marcelo: é aquilo que a gente acredita.
A professora vai apontando e ouvindo as respostas. Os alunos se agitam,
todos querem falar, dar suas opiniões...
Prof.: calma! Alguém nessa aula já ficou sem falar. História só se aprende
pensando, falando. Todo mundo vai dar sua opinião, mas cada um na sua
hora, porque senão não adianta, ninguém ouve ninguém. A religião trata
de que questões?
Aluno 1: das coisas da alma.
Aluno 2: do espírito.
Aluno 3: na Assembléia de Deus tudo é pecado, tudo é errado.
Aluno 3: na igreja católica também tem pecado.
Aluno 4: no espiritismo tem carma.
Prof.: e que relação tem a religião com a política?
Thiago: acho que tem toda, porque, dependendo da crença, eu não vou ter
crítica nenhuma.
Natasha: é, tem religião que deixa a pessoa toda bitolada.
Aluno 6: é! Eu tenho uma tia que acha que o marido bebe e apronta por
causa do encosto, aí vive rezando e ele continua aprontando. Puxa! Não
tem nada a ver, ele é malandro mesmo.
Aluno 7: e minha irmã que agora entrou para a Assembléia. Não faz
mais nada, ela era da pá virada, mas agora parece uma freira. Só que ela
era super legal, agora tá dedo duro, tudo ela conta prá mãe. Outro dia eu
saí com uma amiga que minha mãe não gosta e ela contou e eu levei a
maior bronca. Isso por acaso é legal? Ser fofoqueira é legal? Se tudo é
pecado, isso devia ser também.
Prof.: ah! Vocês estão me dizendo que a religião interfere nas condutas dos
homens, é isso? Vocês conhecem aquela música chamada Romaria? ‘Sou
caipira, pirapora nossa Senhora de Aparecida. Ilumina a mina escura e
funda o trem da minha vida...’
Alunos e professora cantam a música, depois a professora lê a letra.
Prof.: o que acharam?
Natasha: parece que tudo acontece porque Deus quer. Se o cara está
desempregado, é porque Deus quis assim.
Aluno 8: é se está doente, porque Deus quis. Não tem dinheiro... culpa de
Deus.
Aluno 9: por isso que os empresários se dão bem, porque o povo acha que
eles têm dinheiro porque Deus decidiu assim. Então, ninguém se revolta
com a exploração.
Professora e alunos dão continuidade ao diálogo e a matéria vai sendo
internalizada de forma crítica, cada um podendo revelar o que pensa,
confrontar-se com os outros. Outras músicas com relação ao tema são
lembradas.
Prof.: na página 124 tem um questionário, respondam em casa e tragam
na próxima aula. Natasha, esse capítulo já foi ampliado?
Natasha: já, a professora da SR-DV já me entregou.
Prof.: ok. Então agora quero que vocês façam uma poesia, uma letra de
música relacionando religião e política, mas com uma visão crítica.
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O Caso do Município do Rio de Janeiro
Outro aspecto que a educação deve contemplar no seu curso, trata-se da relação com a
comunidade e as famílias. Essa relação situa-se no âmbito dos movimentos sociais, tendo
como eixo o conceito de cidadania e sua expressão plena, num exercício de movimentos
sociais que mobilizam, pressionam e engendram mudanças no rumo da história.
“A cidadania não se constrói por decretos ou intervenções
externas, programas ou agentes pré-configurados. Ela se constrói como um
processo interno, no interior da prática social em curso, como fruto do
acúmulo das experiências engendradas. (...) se constrói no cotidiano, através
do processo de identidade político-cultural que as lutas cotidianas geram”
(GOHN, 1992: 16,17).
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A Reunião
Os pais foram recebidos pela coordenadora da equipe do IHA, da 8ª
CRE, por três representantes da CRE, lotados no ensino especial, e por
dois professores itinerantes.
1º momento – recepção dos responsáveis; distribuição de crachás para
identificação nominal de cada participante; oferecimento de um lanche.
2º momento – apresentação dos profissionais.
3º momento – realização de uma dinâmica e apresentação dos pais, sendo
incentivados a falarem sobre suas angústias, expectativas e dúvidas.
4º momento – leitura de uma mensagem sobre XXXXXXX.
5º momento – Informações sobre aspectos legais – Constituição Federal,
Estatuto da criança e do adolescente, Núcleo Curricular Básico
(Multieducação), Lei Orgânica – inclusão social e educacional, bem como
das responsabilidades da família e da instituição escolar na construção desse
processo.
6º momento – Discussão sobre o papel do professor itinerante, a
importância dos atendimentos especializados e da garantia de freqüência
dos alunos na escola.
7º momento – avaliação da reunião.
8º momento – distribuição de declarações informando sobre o dia, o local e
o horário da reunião para os responsáveis que necessitarem justificar a
ausência no trabalho.
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O Caso do Município do Rio de Janeiro
É muito importante que uma perspectiva metateórica unificada seja alcançada, a fim de
que as práticas educacionais dêem sentido ao trabalho docente, e também ao discente, para
refletir a articulação da Educação Especial à política social. Dessa forma, os princípios éticos
estarão sendo consolidados e novos rumos históricos constituídos. No entanto, essa meta só
será alcançada quando a Educação abranger:
a democratização do acesso e da qualidade do ensino para todos os alunos,
incluindo os portadores de necessidades educacionais especiais;
a organização necessária para a inclusão dos alunos p.n.e.e. na rede regular de
ensino;
a garantia das adaptações, físicas e curriculares, que os alunos p.n.e.e. demandam
para a efetiva participação social;
a garantia de recursos técnicos e humanos indispensáveis ao acesso com qualidade
ao ensino escolar;
a consolidação das metas e objetivos, proposta pedagógica e curricular;
a continuidade de uma política de formação de recursos humanos capaz de
alavancar as mudanças necessárias à garantia da qualidade da Educação;
a articulação com os diversos setores da sociedade para a garantia da inclusão social;
a promoção de projetos e práticas que favoreçam a interconstituição de saberes
voltados para o enfrentamento dos problemas que afetam a Ensino Especial;
a legitimação do espaço escolar como lugar de negociação e exercício de cidadania,
que valorize ações partilhadas que visem à superação dos problemas encontrados.
Para que a Educação Inclusiva deixe de ser uma meta, “para concretizá-la, é necessário
a reflexão continuada de todos os aspectos que fazem uma escola viva, desde suas instalações
às concepções de criança, desenvolvimento e aprendizagem, às relações para tomadas de
decisões e ao currículo em ação dentre os múltiplos aspectos” (BLANCO e FERNANDEZ).
A história da Educação no Município do Rio de Janeiro não está definida, mas vem
ganhando força e contornos nos novos valores e crenças internalizados a partir das reflexões e
questionamentos suscitados pelas metas e objetivos impostos pelo compromisso político em
superar as práticas excludentes.
“Mais do que integrar, estamos definindo políticas e estratégias
que materializam os princípios definidos na Confederação Mundial de
1994, que resultou na Declaração de Salamanca, onde é reafirmado o
compromisso com a Educação Para Todos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 e da Confederação Mundial sobre Educação
Para Todos em 1990.
É pensando e agindo com respeito à diversidade, rediscutindo a
função, as práticas e os objetivos da educação escolar, que vivenciamos a
construção de uma sociedade presente e futura que seja melhor para todos”
(BLANCO e FERNANDES).
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1.1.10. Anexos