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À procura do protagonismo na história do teatro brasileiro:

uma leitura da autobiografia de Procópio Ferreira


ANGÉLICA RICCI CAMARGO∗

Introdução
O interesse crescente pelas histórias de vida no campo das ciências humanas vem se
refletindo na produção de estudos sobre trajetórias individuais e na valorização de relatos
orais, biografias e autobiografias como fontes para o conhecimento histórico. Fontes que
constituem matéria importante para a escrita da história do teatro brasileiro do século XX,
como atestam inúmeros trabalhos, e que requerem, como quaisquer outras, um tratamento
específico para sua utilização.
A proposta desta apresentação consiste em analisar a autobiografia do ator Procópio
Ferreira (1898-1979), buscando articulá-la com os debates e transformações ocorridos no
meio teatral a partir da segunda metade do século XX. Nossa hipótese é a de que a narrativa
autobiográfica prevista para ser publicada em 1979, mas somente vinda a público no ano
2000, foi a forma encontrada por Procópio para preservar a imagem de grande ator do
teatro brasileiro, na época um pouco esquecida.
Para isso, trabalharemos com a definição de autobiografia proposta por Philippe
Lejeune que a concebe como um relato retrospectivo que uma pessoa faz de sua própria
existência, quando focaliza sua vida individual e, em especial, a história de sua
personalidade (LEJEUNE, 2008: 14). Outro elemento importante para refletirmos sobre o
assunto é a ideia de que sujeito que escreve sobre si o faz reconhecendo que seu destino se
situa acima da comunidade a que ele pertence, e mais, que sua vida compreende uma
aventura para ser inventada. Além disso, a questão de sua sobrevivência na memória dos
outros, ponto que se torna premente quando o indivíduo encontra-se em idade avançada,
também contribui como fator que deve ser considerado em qualquer análise
(CALLIGARIS, 1998: 46).
Ao fazer um balanço de sua vida, Procópio rememorou diversos acontecimentos de
sua carreira e da história do teatro brasileiro. Mas, o que nos interessa aqui não é sua


Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e técnica em assuntos
culturais do Arquivo Nacional/RJ. E-mail: angelicaricci@gmail.com. Formatado: Centralizado

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fidelidade aos fatos ocorridos a partir de um confronto com outras fontes, e sim, assinalar
os recortes efetuados, as recorrentes valorizações de sua personalidade e as omissões de
grandes períodos de sua trajetória, questões que nos levam a refletir sobre o momento de
sua escrita e sobre as estratégias utilizadas na construção da memória que queria preservar.
Considerando, portanto, o presente como o tempo próprio da lembrança, “o tempo do qual
a lembrança se apodera, tornando-o próprio” (SARLO, 2007: 9-10), buscaremos
compreender a lógica que norteou o ator no processo de seleção dos fatos narrados em sua
autobiografia.

O ator
João Álvaro de Jesus Quental Ferreira, conhecido como Procópio Ferreira, foi um
dos artistas mais populares do teatro brasileiro do século XX. Nasceu no Rio de Janeiro, em
8 de julho de 1898, e morreu nesta mesma cidade no dia 18 de junho de 1979. Cursou a
Escola Dramática Municipal, então dirigida por Coelho Neto, e trabalhou, a partir de 1917,
em diversas companhias teatrais, entre as quais a Companhia Dramática Nacional, ao lado
de Itália Fausta, e a companhia criada pelos dramaturgos Oduvaldo Vianna e Viriato Corrêa
e pelo empresário Nicolino Viggiani no Teatro Trianon.
Seu êxito como ator e sua vocação para a comédia ganharam destaque com o
personagem Zé Fogueteiro da peça Juriti, de Viriato Corrêa, levada aos palcos em 1919.
Três anos depois, Procópio já atingia o primeiro posto de artista nacional, segundo o crítico
teatral do Jornal do Brasil Mário Nunes (NUNES, 1956b: 40).
Em 1924 montou, em São Paulo, sua própria companhia, contando com atores
vindos do teatro de revista como Palmerim Silva, Margarida Max e Ítala Ferreira. Seu
maior sucesso veio em 1932, com a montagem de Deus lhe pague, de Joracy Camargo,
peça para a qual escreveu o prefácio e com a qual realizou, em várias temporadas ao longo
da carreira, mais de três mil apresentações.
A principal característica da sua atuação era a imposição de sua personalidade
cômica, marca de todo o teatro de comédia brasileiro das primeiras décadas do século XX,
que também consagrou nomes como Leopoldo Fróes e Jayme Costa, tornando-os as
grandes estrelas da época.

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Os próprios dramaturgos rendiam-se ao prestígio desses ídolos, criando peças cujos


papéis principais se encaixavam no tipo interpretativo de cada ator, processo que Sábato
Magaldi chamou de “dramaturgia para atores” (MAGALDI, 2001: 191). No caso específico
de Procópio, sua popularidade ainda pode ser avaliada através da publicação, em 1933, de
Um para 40 milhões: Procópio através da psico-análise, biografia escrita por Gastão
Pereira da Silva a partir de conceitos psicanalíticos.
Mas o grande sucesso de público desses atores cômicos nem sempre se refletia na
crítica teatral que, concebendo os gêneros em termos de uma hierarquia, classificava como
inferior todo o teatro “para rir”, que era a forma popular e abrangia a comédia (baixa, de
costumes, vaudeville e outras variantes), incluindo suas variações no teatro musicado
(revista, burleta e opereta).1
Essa visão crítica passou a se materializar nos palcos especialmente na década de
1940 com a atuação de conjuntos amadores, como Os Comediantes e o Teatro do Estudante
do Brasil, no Rio de Janeiro, e o Grupo de Teatro Experimental e o Grupo Universitário de
Teatro, em São Paulo. Grupos que são considerados pela historiografia como os elementos
responsáveis pela renovação da cena brasileira, pois trouxeram uma concepção diferente de
organização de elencos, rompendo com a hierarquia das especializações até então norteada
pela ação dos atores-comediantes. Além disso, contribuíram por consolidar a importância
da figura do diretor no comando dos espetáculos, papel que até então era atribuído às
grandes estrelas (BRANDÃO, 2002: 212).
A partir de 1948 essa nova concepção de teatro alcançou o terreno profissional, com
a formação do Teatro Popular de Arte e, principalmente, do Teatro Brasileiro de Comédia,
o TBC, que se apoiou em dois pilares: textos consagrados e encenadores estrangeiros. Dos
quadros do TBC formaram-se várias outras companhias com moldes semelhantes, como a
Companhia Tônia-Celi-Autran, o Teatro Cacilda Becker e o Teatro dos Sete (PRADO,
2008: 43).
A década de 1950 consolidou esse processo de abertura às novas experiências e
presenciou a criação do Teatro de Arena, em São Paulo, que contribuiu para a valorização
de peças nacionais. Um pouco depois, tomou corpo, também na capital paulista, o Teatro

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Cabe ressalvar que a crítica teatral do século XX não produziu um discurso homogêneo, mas foi pontuada
por diversas tensões que não cabem aqui retratar. Sobre o assunto ver BERNSTEIN, 2005.

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Oficina, apresentando ousadas propostas estéticas, que alcançariam seu auge em 1967 com
a representação de O rei da vela de Oswald de Andrade.
Durante o regime militar, o teatro se tornou um importante espaço de resistência
democrática e de defesa da radicalização política, e também de experimentos no âmbito da
teatralidade a partir da investigação de novas formas e estilos (GUINSBURG; PATRIOTA,
2011: 513-514).
Em meio a essas transformações na cena brasileira, Procópio continuou sua
atividade como ator e empresário, mantendo, basicamente, as mesmas características do
teatro que o consagrou nas décadas de 1920 e 1930, somadas a algumas poucas tentativas
de elevação de seu repertório, com a encenação de alguns clássicos do teatro brasileiro e
estrangeiro. Porém, da década de 1950 em diante, com a chegada em massa de atores
formados pelo amadorismo ou pelas escolas dramáticas, Procópio teve que procurar novos
palcos para recuperar o sucesso “que começava a lhe escapar pelas mãos” (PRADO,
1993:47). Iniciou-se, assim, um longo período de excursões por todo o país, com o retorno
esporádico ao Rio de Janeiro e São Paulo.
A despeito das dificuldades enfrentadas para fazer teatro, Procópio permaneceu
como artista bastante reconhecido, recebendo prêmios e homenagens em programas de
televisão, como Essa é sua vida, exibido pela TV Tupi em 1969, e mesmo de órgãos
oficiais, como atesta a exposição montada pelo Serviço Nacional de Teatro em razão dos
cinquenta anos de sua carreira, em 1967.
Fora de cena, Procópio se envolveu com as associações de classe formadas no início
do século XX, como a Casa dos Artistas, que chegou a presidir em 1925, a Sociedade
Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) e o Sindicato dos Artistas de Teatro de São Paulo,
que presidiu em 1936.
Procópio também escreveu quatro livros sobre teatro: Arte de fazer graça (1925), O
ator Vasques: o homem e a obra (1939), Como se faz rir (1967), e História e efemérides do
teatro brasileiro (póstumo), além de peças que encenou na sua própria companhia, como
Briga em família, Banho de civilização e Convidado de Honra.

A autobiografia

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A autobiografia intitulada Procópio Ferreira apresenta Procópio: um depoimento


para a história do teatro no Brasil foi publicada pela Editora Rocco no ano de 2000, em
comemoração ao centenário de seu autor, ocorrido dois anos antes. A primeira ideia de
edição data do ano da morte de Procópio, 1979, e seria realizada pela Casa dos Artistas,
como assinala a nota prévia presente no livro.
Não se sabe quando Procópio começou a juntar suas memórias e escrever sua
autobiografia, mas não há dúvida acerca da sua intenção de publicá-la como indica sua
apresentação. A justificativa utilizada foi a de levar ao público não apenas o conhecimento
de sua vida, mas o de toda a história do teatro brasileiro que ele vivenciou:

Este livro não conta somente histórias sobre mim. É uma fonte inesgotável de
fatores indispensáveis à urdidura de um verdadeiro trabalho histórico. É a força
animadora que deve mover todos os porquês quando se fizer em definitivo a
minha biografia, ou o estudo de toda uma época do teatro nacional. Nem se diga,
ainda que à primeira vista pareça, que a minha contribuição é unilateral, porque
os motivos aqui encerrados referem-se a um ciclo teatral do qual eu sou símbolo
(...) (FERREIRA, 2000: 23).

Neste trecho fica nítido o grande valor que ele atribuía a sua própria trajetória,
concebendo-a, no entanto, como parte do movimento geral do teatro brasileiro. Outro ponto
que destacamos e que reforça essa importância é a alusão a possível biografia definitiva que
alguém, um dia, escreveria. Assim, considerando sua autobiografia como “mais um livro
sobre teatro”, explica que ela se distinguia de outros por não ter o objetivo de contar
anedotas ou episódios curiosos2. Além disso, foi “escrita com ideias dos outros”, já que a
matéria-prima utilizada foi recolhida em sua coleção de milhares de recortes de jornais de
diferentes épocas (Idem: 21).
Sua preocupação em contar a história do teatro brasileiro não era nova. Em Arte de
fazer graça, de 1925, Procópio, ao discutir sobre o “novo” tipo de ator surgido nos palcos
brasileiros, retomou a trajetória de duas figuras importantes, mas um pouco esquecidas, que
fizeram sucesso entre o final do século XIX e o início do XX: Brandão “o popularíssimo”
(1845-1921) e Machado Careca (1850-1920). Em 1939, foi a vez de escrever a história do
ator Francisco Correia Vasques (1839-1892). Em História e Efemérides do Teatro
Brasileiro, abordou o teatro de Anchieta a Leopoldo Fróes.
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Prática que foi comum entre os artistas, como pode exemplificar os trabalhos do ator, autor, ensaiador e
diretor Olavo de Barros.

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A obra é resumida da seguinte forma:

Neste livro há episódios dramáticos, trechos de hilariante comicidade,


acontecimentos da mais amarga ironia, contradições de fina desorientação
psicológica, paralelos que simbolizam o mais apavorante contraste de caracteres,
cenas de alta e baixa comédia que a própria vida escreveu, exaltações indiscretas
da personalidade... ou, em poucas palavras, para me utilizar de um termo da
psicanálise: traições do inconsciente (Idem: 22).

Consciente das possíveis contradições e da presença constante de elogios a sua


personalidade, Procópio empreendeu a reconstituição da história do teatro brasileiro do
século XX tendo a si próprio como protagonista.
A obra é dividida em duas partes: Do meu primeiro dia a 1936 e De 1936 em
diante, e também é composta por apêndices organizados pelo ator, que reúnem homenagens
e comentários recebidos ao longo da vida.
A primeira parte do livro foi elaborada, segundo ele, com o auxílio dos
mencionados recortes de jornais pertencentes ao seu arquivo. Destes foram extraídos
extensos trechos, alguns deles reproduzidos integralmente, alcançando razoável número de
páginas. A segunda parte foi escrita tendo como base somente a sua memória, o que explica
“a ausência de método e de ordem cronológica” (Idem: 238). Nesta última, há também um
espaço dedicado às frases cunhadas pelo ator, chamadas de “pipocas”, que sintetizam sua
opinião e assemelham-se a provérbios populares que tratam de assuntos diversos como
política, mulheres e teatro.
Nos apêndices foram incluídos comentários enaltecedores de algumas figuras do
meio teatral, como Álvaro Moreyra, Joracy Camargo, Henrique Pongetti e Viriato Corrêa.
Por último, seguem listas das peças representadas, dos filmes e novelas que contaram com
sua participação, dos autores que lançou, dos livros em que aparece seu nome, dos títulos
honoríficos recebidos e das obras editadas.
O tom cômico que o marcou profissionalmente, também marca sua autobiografia, o
que dá ao leitor a ideia de uma identidade entre indivíduo e personagem(ns). Identidade que
é sugerida desde o início com a Advertência:

Aos intelectuais,
Aos falsos intelectuais,
Aos esnobes das letras,

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Aos críticos e
Aos falsos críticos,
este livro não é de escritor.
É o simples relato que um ator faz de
sua vida, por imposição da curiosidade
popular. Não possui virtudes estilísticas
e, talvez, esteja mesmo escrito em língua
bunda.

Nota: Como nem todos estão em dia com a significação dos vocábulos, previno que a “bunda” a
que me refiro não é “aquela”, é a linguagem despida dos primores de uma forma caprichada.
(Idem: 9)

Assim, é a vida profissional praticamente o único foco de sua autobiografia. Dos


cinquenta capítulos que compõe as duas partes, apenas três tratam de aspectos propriamente
pessoais, dois deles dedicados a suas aventuras amorosas, e um sobre sua filha, Bibi –
notadamente a única que seguiu a carreira do pai.
Dessa forma, podemos notar que a obra de Procópio se enquadra na categoria de
relato retrospectivo que tem um sentido de balanço do vivido e de afirmação de sua
identidade como ator. É do homem de teatro que ela trata. E todas as incursões às esferas
mais íntimas de sua vida estão relacionadas a este, que como figura pública, muitas vezes
teve que ceder à curiosidade dos seus seguidores.
Na primeira parte, Procópio narra cronologicamente sua história desde a decisão de
seguir a carreira de ator, recusando o caminho determinado pelo pai – o curso de Direito –,
e todas as consequências advindas do ato. Seus primeiros passos são contados: as
companhias, os papéis, as intrigas e o triunfo. Tudo é descrito com minúcia, o que inclui os
supostos diálogos travados pelo ator com seus colegas, diretores de companhias e outras
figuras.
Parte integrante de sua trajetória, as críticas recebidas no início da carreira também
merecem espaço no livro, algumas delas até aparecem na íntegra, fator que confere à
narrativa certa impressão de isenção ou imparcialidade. Mas essa impressão logo se apaga
diante da grande quantidade de elogios transcritos que, somados aos próprios louvores
sobre sua capacidade artística, dão o tom do relato.
Como implicações de sua atividade profissional são também contados episódios que
o mostram em ocasiões históricas, como o foram as chamadas Revolução de 1930 e
Revolução Constitucionalista de 1932, e até sua intimidade com o poder, desfrutada durante

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o primeiro governo de Getúlio Vargas: “Em assuntos de teatro, Getúlio Vargas só confiava
em mim” (Idem: 285).
Outras histórias do teatro também são retratadas, nas quais Procópio não aparece
apenas como testemunha, mas como ativo participante. Tal foi o caso da proibição da
entrada de menores de 18 anos nos teatros de revista pelo juiz Melo Matos, quando se
mostrou solidário com seus colegas, escrevendo um artigo repudiando o fato. Dessa mesma
maneira agiu quando o Teatro da Experiência, proposta radical de Flávio de Carvalho, foi
fechado pela polícia em 1933 – o que reforça a relevância do seu papel no meio teatral e
sua participação nos principais eventos da época.
Na segunda parte, escrita sem o auxílio de seus recortes, como nos referimos
anteriormente, encontramos fragmentos dispersos de sua memória, incluindo lembranças de
figuras importantes da cultura brasileira, como Catulo da Paixão Cearense, Martins Fontes
e Cândido Portinari.
Mas, apesar de intitulada De 1936 em diante, há poucos relatos sobre suas
atividades teatrais posteriores a década de 1930. Assim, fora das imposições dos
documentos de seu arquivo, vemos Procópio retomando, de forma mais livre, grande parte
dos assuntos tratados na primeira parte, ou seja, a primeira fase de seu trabalho. Foi esse o
melhor momento de sua vida profissional e era esse Procópio, o de Deus lhe pague, amigo
do presidente Vargas, figura de relevo nas associações de classe, que provavelmente ele
queria conservar na memória do público.
Percebemos, desse modo, que o que restou, o de 1936 em diante, foi quase todo
omitido. Quase todo, porque Procópio não apagou de sua autobiografia as críticas recebidas
a partir dos anos 1940, que condenaram toda sua obra em prol do teatro brasileiro. Essa
lembrança vem à tona ainda na apresentação do livro:

Fui eu, em 50 anos de atividade ininterrupta, o único que manteve a altura de seus
verdadeiros desígnios a arte cênica objetiva entre nós, em que pese todas as
opiniões em contrário para negar-me ou destruir-me (Idem: 23).

Cumpre-nos, então, indagar por que elas mereceram tanto espaço, acreditando que a
resposta a essa questão pode fornecer uma chave importante para a leitura da obra.
Sobre a atividade da crítica Procópio escreveu:

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A crítica não nasceu para condenar, mas para aferir do êxito da obra em relação
ao público a que se destina. Fazer da crítica um tribunal permanente de acusação,
quando a obra não vai ao encontro do gosto dos bem dotados da cultura ou dos
esnobes das letras, é desconhecer a missão popular do teatro e a força invencível
das multidões (Idem: 267).

Alguns desses críticos foram nomeados e seus escritos encontram-se presentes no


capítulo “Opiniões da nova geração”. Um deles, de Maria Inês, datado de 1956, dizia que
ele não acrescentou nada ao teatro brasileiro a não ser seu nome. Outro o situava como:

... uma fase que passou. Que tinha que passar. A mentalidade que ainda impera
entre muitos dos nossos atores de se servir do teatro como trampolim para
exibições medíocres, vaidades pequenas e lucros fabulosos. O horror ao diretor.
A repulsa ao trabalho de equipe. O mambembe. A improvisação. É o teatro de
ontem, que interessa como reminiscência e estudo. Como pesquisa para o que não
se deve fazer (João Augusto Apud idem: 298).

Essas críticas não ficaram sem resposta. E a defesa do seu trabalho teve um
argumento quase indiscutível: ele era estrela porque o público assim o fizera. Dessa
maneira, ao citá-las em sua autobiografia, Procópio conseguiu mais uma justificativa para
enfatizar a grandiosidade de sua carreira.
A associação de êxito à conquista das plateias e à consequente lucratividade da
atividade teatral, que distinguiu pelo menos a fase inicial de seu trabalho, transparece em
vários comentários. Um deles diz respeito aos dramaturgos “modernos”:

Tennessee Williams, Arthur Miller, Eugene O´Neill e Jean Cocteau não são
autores de êxito. Êxito, para mim, é presença de público. E, ao que conste,
nenhum deles deu lucro até hoje às empresas brasileiras (Idem: 297).

Afirmação semelhante ele fez em relação ao processo de renovação do teatro


brasileiro:

Não acho que Os Comediantes tenham contribuído para essa evolução. Eles
realizaram grandes coisas. Mas não alcançaram jamais um êxito como o de Alda
Garrido e o de Rodolfo Mayer (Idem: 296).

A ideia de que o sucesso legitimava o teatro cômico não era nova, e pode ser
encontrada em O ator Vasques: o homem e a obra, livro em que procurou reabilitar do
ostracismo a figura de Francisco Vasques, escrevendo uma história do teatro brasileiro que

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atribuía à comédia o papel preponderante, em detrimento de outros gêneros, devido a sua
maior popularidade (LOPES, 2006: 282).
O ataque à crítica que desqualificava seu trabalho também não era inédito. Em
Como se faz rir, de 1967, Procópio sintetizou o espírito das novas gerações na figura de
Manequinho Chupa-Ovo:

Manequinho Chupa-Ovo é hoje a maior figura do Teatro Brasileiro. Manequinho


é onisciente e onipotente. Manequinho está em tudo: na crítica, no texto, no
palco. (...) Foi ele quem descobriu Shakespeare e Molière e deu a mão a
Pirandello. (...) Manequinho criou cenários originais, fechando e abrindo portas
que não existem. Levou para o palco o palavrão como novidade e criou uma
iluminação sui generis. Onde bate o sol não há luz. Onde deve haver sombra o sol
aparece. Criações! Inovações! (FERREIRA apud PRADO, 1993: 86).

De forma diferente, em outros momentos de sua autobiografia, e também de sua


carreira, Procópio tentou recuperar um pretenso papel de precursor da renovação do teatro
no Brasil, como podemos observar neste comentário realizado em 1972, no qual ele busca
uma outra legitimidade, baseada nos preceitos dominantes defendidos pela crítica:

Há dias li num anúncio de teatro que o ator X tinha sido o renovador da cena
nacional. Isto, além de mentira, é ridículo. Essa renovação foi tentada em 1930,
com as peças Nossa vida é uma fita e Segredo de Próspero, cenários de Di
Cavalcanti e Lula Cardoso Ayres. Os jornais registraram o fato, e o público
aplaudiu com grande entusiasmo. A seguir, surgiu Joracy Camargo com O bobo
do rei, Deus lhe pague, Maria Cachucha e Anastácio (FERREIRA, 2000: 273).

Percebemos, portanto, que a construção da memória que queria perpetuar foi


permeada por lances contraditórios: ele foi o empresário e ator de grande sucesso nas
primeiras décadas do século XX que criticava todas as tentativas intelectualizadas de
transformação que se distanciavam do público, mas foi também o ator que primeiramente
trouxe temas e aspectos renovadores para o teatro no Brasil, que encenou Molière e aquele
que julgava o dramaturgo brasileiro mais inovador da época, Joracy Camargo.
De um lado ou de outro, ele aparecia ocupando um papel importante, um
protagonismo, muito distinto daquele que, na realidade, a partir da década de 1950, teve
que desempenhar, excursionando por centenas de cidades brasileiras com cenários
precários e reduzindo maciçamente o elenco de sua companhia com intuito de ganhar

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dinheiro e recuperar o sucesso que os grandes centros não mais lhes davam (PRADO, 1993:
47-49; BARCELLOS, 1999: 44).
Assim, a partir de um processo de seleção de fatos, que privilegiaram a primeira
fase de seu trabalho, pontuado por constantes elogios, Procópio construiu um novo sentido
para a sua trajetória, tentando responder aos críticos e retornar ao posto que havia perdido
para a modernidade. Procurando, acima de tudo, preservar para o futuro um lugar no
panteão das grandes estrelas do teatro brasileiro, condição que aquele presente em grande
parte lhe negava.

Bibliografia
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