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D I R E I T O PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

Fernando Rabello

BREVES CONSIDERAÇÕES
SOBRE O DIREITO PROCESSUAL
14

CONSTITUCIONAL
BRIEF REMARKS ON CONSTITUTIONAL PROCEDURAL LAW
Francisco Wildo Lacerda Dantas

RESUMO ABSTRACT
Analisa sobre a existência de uma nova disciplina jurídica The author brings forward a new legal field, derived
nascida da interseção entre o Direito Processual e o Direito from two intertwining branches – procedural law and
Constitucional e avalia qual a denominação mais apropriada constitutional law – and tries to settle on an appropriate
para ela. terminology therefor.
Aprecia a disciplina própria de atuação da jurisdição He regards it as the adequate field for constitutional
constitucional na defesa da Constituição, quando se desenvolve jurisdiction application as to the upholding of the
um controle da constitucionalidade das normas e dos atos constitution, in case a constitutionality control of norms and
públicos. of public acts should take place.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Direito Processual Constitucional; Direito Constitucional; Constitutional Procedural Law; Constitutional Law;
processo – princípios constitucionais; controle de proceeding – constitutional principles of; constitutionality
constitucionalidade. control.

Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 51, p. 14-32, out./dez. 2010


1 INTRODUÇÃO Constitucionais alemães como um processo objetivo (ob­
Em sua obra didática e fundamental para a compreensão jektives Verfahren), destinado, para, simplesmente, a defesa
do Direito Constitucional pátrio, já na 23ª edição, Paulo Bo- da Constituição (Verfassungsrechtsbewahrungsverfahren)
navides referiu, com muita propriedade, como soe acontecer, (MENDES, 1990, p. 250), o que significa dizer um processo
que, com o fenômeno da chamada “publicização do proces- sem partes.
so”, estreitaram-se de tal modo os laços que uniam o processo Evidente que, em se tratando de um processo que busca a
à Constituição que já reclamava uma nova disciplina em ges- defesa da Constituição e dos valores nela contemplados, vista
tação: o Direito Processual Constitucional (BONAVIDES, 2008, esta como a norma fundamental do sistema jurídico, não se
p. 46). busca tutelar, jurisdicionalmente, nenhum interesse particular
que tenha sido contrariado por outrem de modo a constituir
2 A questão da terminologia e do específico objeto a clássica lide. Busca-se a prevalência do texto constitucional,
da disciplina e este é o único objetivo de quem atua no processo. Não ha-
Recentemente, Eduardo Ferrer Mac Gregor escreveu artigo vendo um interesse particular que se pretende fazer prevalecer
em que investiga o relacionamento entre o Direito Processual sobre o de outro, não há, a rigor, parte processual. Em uma
Constitucional e a Justiça Constitucional, examinando, também, palavra, não há lide constitucional, mas apenas um contencioso
o questionamento a respeito de onde deveria radicar-se o es- constitucional (PRADI, 2000, p. 7).
tudo dessa disciplina, se no campo do Direito Constitucional, Em respeito ao contencioso constitucional – que é diferen-
ou nos domínios próprios do Direito Processual, em razão dos te do conceito de lide, insista-se – explicou Louis Favoreu, em
princípios que devem orientar essa nova matéria. França: Lo contencioso constitucional, que se distingue de lo
Por fim, entendido o estudo como privativo desses ra- contencioso ordinario, es competencia exclusiva de un tribu-
mos jurídicos, examinou-se se deveria formar uma nova nal especialmente creado con este fin, el cual puede resolver, 15
disciplina, informada pelos princípios e regras de ambos os sin que pueda hablarse con propiedad del/itigios, por recurso
ramos do direito, para concluir: En el nuevo milenio se apre- directo de autoridades politicas o jurisdiccionales o, incluso, de
cia un acercamiento entre constitucionalistas y procesalistas particulares, y sus fallos tienen efecto de cosa juzgada. (FAVO-
al tratar de consolidar al derecho procesal constitucional REU, 1994, p. 15).
como disciplina jurídica autônoma. Anotou, também, sem Cobra interesse, por fim, apurar qual a denominação cor-
embargo do que já havia dito que en ese dialogo interdisci- reta para a disciplina destinada a investigar o processo que se
plinario, que trata de abrir nuevos enfoques a la disciplina, desenvolve a partir dos princípios constitucionais se a expressão
se pueden advertir en general dos posturas de autonomia. Direito Processual Constitucional ou se outra denominada Di-
La vertiente que la considera “autónoma mixta “, al estimar reito Constitucional Processual e qual os limites da matéria de
que debe construirse bajo los conceptos, métodos y estruc- que tratariam1.
turas del derecho constitucional y del derecho procesal. Esta Entre os propósitos dessa pequena abordagem sobre o
postura atractiva sin lugar a dudas, nos debe llevar a la re- tema, cuidar-se-á de apresentar um resumo da visão moder-
flexión de si existen en realidad disciplinas jurídicas “mixtas” na e constitucional do processo, para, com base nela, apreciar
o bien si la tendencia contemporánea de cualquier materia a terminologia e o específico objeto da disciplina e, definido
es el enfoque multidisciplinario, con independencia de su este, examinar, em apertada síntese, matéria como os princí-
propia naturaleza de pertenencia a una particular rama ju- pios constitucionais do processo e as ações constitucionais do
rídica. (MAC GREGOR, 2008, p. 336). controle de constitucionalidade das leis que, aparentemente, ra-
A observação é pertinente. O Direito Processual Constitu- dicam no âmbito próprio de cada disciplina: Direito Processual
cional trata de questões que tem um tratamento diferenciado Constitucional e Direito Constitucional Processual.
na disciplina tradicional, pois revelam com uma disciplina
própria no campo específico da matéria em que atuam. Basta 3 A visão moderna e constitucional do processo
citar que, nessa nova disciplina, não se pode considerar a Há muito tempo Ramiro Podetii havia observado que o fe-
relação processual que forma a noção de processo para a nômeno processual se apresentava trifacetado e que não podia
teoria geraI que, segundo o clássico ensinamento de Chio- ser estudado sem ter por base os conceitos angulares da juris-
venda, e vista como “a relação processual tem três sujeitos: dição, da ação e do processo, pois que estas noções se consti­
o órgão jurisdicional de um lado, e de outro as partes (autor tuíam na base metodológica e científica do estudo da teoria e
e réu)” (CHIOVENDA, 1942, p. 99). O processo destinado da prática do processo2.
ao controle de constitucionalidade das normas, por sua vez, A visão moderna do processo tem de partir dessa consi-
próprio do Direito Processual Constitucional, revela-se, na li- deração inicial, não pode ser encarada isoladamente, senão
ção de Gilmar Ferreira Mendes, aurida nos próprios Tribunais que em conjunto com as duas outras noções estruturais do

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fenômeno processual: jurisdição e ação. Além disso, tenha- 4 Conceito e breve resumo da matéria
se em mira que o fenômeno processual já se libertou da an- do Direito Processual Constitucional
tiga ideia que o limitava ao exercício da jurisdição e de que Com base nessas considerações e lastreado nos inúmeros
tudo que se assemelhasse ao fenômeno, mas que não se conceitos já elaborados para essa disciplina, pode-se colaborar
referisse à jurisdição, somente poderia ser encarado como para a investigação científica sobre o tema por apresentar tam-
mero procedimento3. bém um conceito próprio.
Modernamente, como demonstrou Odete Medauar, Parece-me que a novel disciplina, que radica na interdiscipli-
desde Adolf Merkl, já se concluiu que a processualidade naridade do Direito Processual e do Direito Constitucional, deva
está ínsita a toda atuação estatal, em que se pode distinguir ser considerada como o conjunto epistemológico e sistemático
um fieri de um factum, entre o operar e o resultado dessa dos princípios e normas constitucionais e processuais que disci-
operação, identificando-se como um vir a ser do fenôme- plinam o fenômeno processual tratado no texto constitucional.
Conjunto porque os princípios e métodos formam um sistema,
Busca-se a prevalência do texto constitucional, com unidade e ordem, obedecendo a uma metodologia e, por
e este é o único objetivo de quem atua no isso, epistemológico, dos princípios, pois norteiam o sistema e es-
truturam a metodologia científica da disciplina e, por fim, que dis-
processo. Não havendo um interesse particular ciplinam o fenômeno processual tratado no texto constitucional.
que se pretende fazer prevalecer sobre o de Partindo desse conceito, para atender ao propósito deste
outro, não há, a rigor, parte processual. Em trabalho, procede-se a um breve resumo de dois temas de que
trata a disciplina do Direito Processual Constitucional, com o
uma palavra, não há lide constitucional, mas que se revela que a postura adotada pode ser identificada como
apenas um contencioso constitucional. integrante da corrente doutrinária apontada por Eduardo Ferrer
Mac Gregor, como mista porque também entende que essa
no, com o que ela se apresentava no exercício de cada um novel disciplina assenta em conceitos, métodos e estrutura do
dos poderes: Administrativo, Legislativo e Judiciário e, mais Direito Constitucional e do Direito Processual (MAC GREGOR,
ainda, também na atividade privada, particular (MEDAUAR, 2008, p. 336). Refiro-me aos princípios constitucionais do pro-
1993, p. 24). Corresponde à visão constitucional do pro- cesso, em que se percebe a predominância do texto constitu-
cesso, como o refere a Seção VIII, do Capítulo I, do Título cional por ter por objeto a imposição sistemática dos valores
IV da CF/88, que, ao tratar da Organização dos Poderes, humanos contemplados na Constituição sobre a processualida-
16
refere, em respeito ao Poder Legislativo, precisamente no de em geral e ao processo do controle de constitucionalidade
art. 59, o processo legislativo, mencionando, também, no das leis que se refere, exclusivamente, a instrumentalidade da
Título II, no Capítulo I, a respeito dos Direitos e Garantias jurisdição constitucional.
Indivi­duais, e, precisamente no inc. LV do art 5º, que faz
expressa referência ao processo judicial ou administrativo, 4.1 Resumo dos princípios constitucionais do processo
sabido que o processo negocial decorre do princípio pacta 4.1.1 Valor sistemático dos princípios
sunt servanda, pois, como já tinha observado Hans Kelsen, Tem-se insistido na importância dos princípios como ele-
o contrato resulta das vontades concordantes que criam mentos indissociáveis à ideia de sistema porque, como acen-
uma norma individual. tuou Kant, na definição clássica: sistema é a unidade, sob uma
Isso corresponde à visão constitucional do processo, como ideia, de conhecimentos diversos ou, se se quiser, a ordenação
o refere à Seção VIII, do Capítulo I, do título IV da CF/88, que, de várias realidades em função de pontos de vista unitário5.
ao tratar da Organização dos Poderes, refere, em respeito ao Os princípios são indispensáveis à noção de sistema por-
Poder Legislativo, precisamente no art. 59, o processo legis- que, como demonstrado por Celso Antônio Bandeira de Mello,
lativo, mencionando, também, no Título II, no Capítulo I, a são mandamentos nucleares de um sistema6, ainda que se con-
respeito dos Direitos e Garantias Individuais no inc. LV do art. sidere que o sistema jurídico não atua dentro de um sistema
5º, o processo judicial ou administrativo4. Em consequência, a adstrito à lógica formal, pois, como demonstra o mesmo Antô-
nova disciplina, radicada no campo do processo judicial, tem nio Menezes Cordeiro, [...] a unidade interna do sentido do Di-
de ser encarada a partir da interação dos três institutos bási- reito, que opera para o erguer em sistema, não corresponde a
cos – jurisdição, ação e processo – para considerar-se que se uma derivação da idéia de justiça do tipo lógico, mas antes de
trata de um processo que radica no texto constitucional e que, tipo valorativo ou axiológico (CORDEIRO, 1996, p. 16). Em uma
portanto, o estudo que se fizer das normas que a disciplinam, palavra, tem-se que os princípios são indispensáveis à noção de
ainda que envolvendo dois ramos autônomos do direito – o sistema e que o sistema jurídico não repousa em uma concep-
Constitucional e o Processual – está dirigido unicamente para ção lógico-formal, senão que em um entendimento da lógica
o texto constitucional. del humano e del razonable, como acentua, com propriedade,
Sendo a natureza do processo essencialmente instrumen- Recanses Siches (1981, p. 627 e ss.).
tal (DINAMARCO, 1993), deve-se denominar a nova disciplina
como “Direito Processual Constitucional”, assim como se tem o 4.1.2 Sumário crítico dos princípios gerais
Direito Processual Penal, porque serve de instrumento para o 4.1.2.1 Princípios formtivos do processo
Direito Penal e o Direito Processual Civil, porque instrumentaliza O tema dos princípios constitucionais gerais do processo já
o direito não penal, isto é, cível. foi abordado entre nós, profusamente, pelos mais importantes

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processualistas e, por não ser matéria Tem sua matriz no art 5º, XXXV, da no art. 125, I, do CPC quando expres-
inédita, se tratará, nessa abordagem, de CF/88, pois, embora tal dispositivo seja samente se estabelece que o juiz tem o
condensar o que de melhor se escreveu visto como fundamento do direito de poder dever de dirigir o processo para
a respeito. ação, revela-se, também, como garantia assegurar às partes igualdade de tra-
Começo por referir àqueles princípios constitucional de submeter, por meio tamento, que Ada Pellegrini Grinover
que, segundo Cândido Rangel Dinamar- do processo, qualquer lesão ou ameaça revela tratar-se de princípio que pode
co, estão previstos expressamente no tex- de direito à apreciação do Poder Judi­ ser visto sob duplo aspecto: meramen-
to constitucional e, por sua importância, ciário para que se possa efetuar a tutela te formal, que se contrapõe ao outro
devem prevalecer sobre toda a espécie de jurisdicional. aspecto da igualdade material, ou mais
processo: Civil, Penal, Trabalhista, Jurisdi- Muito embora o dispositivo constitu- precisamente, há uma dimensão estáti-
cional ou não, apontando-os como o de- cional esteja expresso em fórmula que, ca e uma outra dinâmica, para concluir:
vido processo legal, o da inafastabilidade aparentemente, exclui dessa proteção Na dimensão estática, o axioma de que
do controle jurisdicional, o da igualdade, os estrangeiros não residentes no país todos são iguais perante a lei (grifos
da liberdade. do contraditório e ampla – afinal, o caput do dispositivo soa: Art. do autor) parece configurar, como foi
defesa, o do juiz natural e o da publici- 5º Todos são iguais perante a lei, sem argutamente observado, mera ficção
dade. Incluem-se, ainda, o princípio do distinção de qualquer natureza, garan- jurídica, no sentido de que é eviden-
duplo grau de jurisdição, o princípio da tindo-se aos brasileiros e aos estrangei- te que todos são desiguais, mas essa
motivação das decisões judiciárias, que, ros residentes no país – a interpretação patente desigualdade é recusada pelo
na verdade, se insere no princípio ante- correta reconhece tratar-se de direito legislador. A isonomia supera, assim, as
rior (DINAMARCO, 2004, p. 197). fundamental, que, como se sabe, se las- desigualdades, para afirmar uma igual-
Estes princípios, que serão objeto da treia no princípio da dignidade da pessoa dade puramente jurídica. Na dimensão
análise sumária que se seguirá se ajusta à humana. dinâmica, porém, verifica-se caber ao
classificação de Mancini e Manfredini, re- Evidentemente, não pode ficar limi- Estado suprir as desigualdades para
sumidos por José da Silva Pacheco como tada aos nacionais, por ser reconhecido transformá-las em igualdade real (GRI-
decomposto em: a) princípio lógico, ao ser humano em geral, o que, natu- NOVER, 1990, p. 6).
conforme o qual dever-se-ia selecionar ralmente, inclui os estrangeiros. Signifi- Nesse sentido, aconselha-se que o
os mais aptos e rápidos meios de per- ca dizer: apesar da redação da garantia juiz exerça um papel pró-ativo para as-
quirir e descobrir a verdade e de evitar o constitucional que o direito de acesso à segurar essa igualdade dinâmica, fugindo 17
erro; b) princípio jurídico, que impele a justiça e, em consequência, aos tribunais do papel clássico que o queria estático,
igualdade no direito e justiça na decisão; pátrios é reconhecido aos estrangeiros, inerte, por caber-lhe o dever constitucio-
c) princípio político, de que decorre dar ainda que não residentes no país7. Além nal de garantir um processo justo, o que
ao processo a máxima garantia social, disso, o princípio há de ser encarado de somente pode ocorrer se for garantido o
com o mínimo de sacrifício individual maneira ampla, não restrito ou limitado par condicio, ou seja, a igualdade real de
de liberdade; d) principio econômico, a quem demonstrar previamente ter um arma, no processo, ainda que, para isso,
pelo qual não devem os processos ser direito subjetivo. Todos têm o direito a equidistância do juiz seja adequada-
onerados com gravosas taxas ou despe- subjetivo de ter acesso aos tribunais para mente temperada (Idem, p. 7).
sas, nem com a demora, a fim de não alegar a existência de um direito subjeti- O conteúdo do princípio de igualda-
se tornar privilégio dos ricos. (PACHECO, vo ou apenas de um interesse legítimo8. de, segundo Nelson Nery Júnior, significa
1985, p. 2) que os litigantes devem receber do juiz
Os ajustes dos princípios constitu- b) Juiz natural tratamento idêntico. Isso não significa,
cionais gerais aos princípios gerais do O princípio do juiz natural, que Nel- porém, como sustenta alguma doutrina,
Direito Processual serão observados no son Nery Júnior prefere enunciar como que é inconstitucional a prerrogativa de
exame sumário que se procede a seguir. princípio do juiz e promotor natural, contagem de prazo diferenciado para a
apresenta-se de forma tridimensional, Fazenda Pública, considerada pelos auto-
4.1.2.2 Princípios gerais do processo por significar que: 1) não haverá juízo res que defendem essa postura como um
a) Inafastabilidade do controle ou tribunal ad hoc, isto é, tribunal de privilégio inaceitável. Como esse mesmo
jurisdicional: inte­resse legítimo e exceção; 2) todos têm o direito de sub- autor reconhece em seguida: [...] O que
direito subjetivo meter-se a julgamento (civil ou penal) o princípio constitucional quer significar
Entre os princípios constitucionais do por juiz competente, pré-constituído na é a proteção da igualdade substancial,
processo que se amoldam aos princípios forma da lei; 3) o juiz competente deve e não a isonomia meramente formal10.
gerais, revela-se como o mais impor- ser imparcial9. (NERY JÚNIOR, 2004, p. 72).
tante o da inafastabilidade do controle Em síntese, o benefício dos prazos a
jurisdicional, que se ajusta ao princípio c) Igualdade das partes e as determinados entes públicos, previstos
político, no sentido de que o processo prerrogativas do Estado no art. 188 do CPC, não se revela como
se identifica como o acesso à justiça e, Princípio constitucional recorrente um privilégio odioso e, por isso, inconsti-
por isso, recebe a maior garantia social, do processo é o da igualdade das partes, tucional por agredir o princípio da isono-
com o mínimo de restrição individual de Encontra-se contemplado no próprio mia. Antes, apresenta-se como uma prer-
liberdade. texto infraconstitucional, precisamente rogativa própria desses entes, justificada

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– apenas e tão somente – quando servem de instrumento para II – O contraditório no processo de execução
a satisfação do interesse público que esses entes corporificam. Elio Fazzalari observou, com propriedade, que o proces-
so é um procedimento com contraditório12. Se assim o é – e,
d) Contraditório sem dúvida, é assim ­–, não se pode conceber a existência
I – Contraditório e as partes de um processo sem a existência de um contraditório. Não
O contraditório é outro princípio constitucional geral do se pode, pois, imaginar que o processo de execução, por ser
processo. Encontra-se previsto no art. 5º, LV, da CF/88 – Aos liti- um processo de sujeição, pois somente tem lugar a partir de
gantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados um título executivo judicial ou extrajudicial e que, por isso,
em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, não se destina a provocar um contraditório13, não se desen-
com os meios e recursos a ela inerentes. Como se vê, refere-se, volva por meio de um procedimento em que se respeite o
expressamente, ao exercício do direito de defesa. contraditório.
O contraditório se desdobra em dois momentos: a infor- Cândido Dinamarco demonstrou que existe instrução em
mação necessária e a reação possível (GRINOVER, 1990, p. todo processo porque não se deve identificar a instrução com
4). Esse princípio decorre de outro, mais amplo, o princípio a fase probatória, que certamente não existe no processo de
do devido processo legal ­due process of law – também resu- execução e em muitos outros processos, mas sim com a prepa-
mido a seguir, em razão do que a jurisprudência pátria tem ração. Instruir não se confunde com provar, pois, como afirma,
reconhecido que, considerado em sua amplitude, se tomaria instruir é preparar. (DINAMARCO, 1993a, p. 1666)
desnecessário qualquer acréscimo, ou seja, a inclusão expres- Nessas condições, forçoso reconhecer que existe, sim, um
sa de qualquer outro princípio. contraditório no processo de execução, limitado aos atos prepa-
Tudo já estaria implicitamente previsto nessa cláusula geral, ratórios da satisfação do direito já previamente reconhecido, em
pelo que já se enumeraram as garantias constitucionais que de- procedimento que deve-se desenvolver sempre com a oitiva da
correm dele, a saber: 1º – ­direito à citação e ao conhecimento parte contrária.
do teor da acusação; 2º – direito a um julgamento público e
rápido; 3º – direito ao arrolamento de testemunhas e II no- III – Contraditório e tutela coletiva
tificação delas para comparecimento perante os tribunais; 4º O contraditório remete à legitimatio ad causam, à eficácia
– direito ao procedimento contraditório; 5º – direito de não se da sentença e aos limites da coisa julgada, que consagram o
processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis acendrado individualismo; tais restrições, no entanto, têm sido
18 ex post facto, ou seja, com base em lei posterior ao fato que limitadas ultimamente, como demonstram obras recentes14.
é imputado ao acusado; 6º – direito à plena igualdade entre Propõe-se que tais institutos sejam substituídos pela con-
acusação e defesa; 7º – direito contra medidas ilegais de busca cepção da legitimidade adequada e que se considere que os
e apreensão; 8º – direito de não ser acusado nem condenado efeitos da sentença e a autoridade da coisa julgada se projetem
com base em provas ilegalmente obtidas; 9º – direito à assis- além dos próprios sujeitos que, nesses casos, figuram como
tência judiciária, inclusive gratuita; e, finalmente, 10º – privilé- autores, para atingir os integrantes do grupo ou comunidade
gio contra a autoincriminação. (NERY JÚNIOR, 2004, p. 70). substituída no processo pelo autor (DINAMARCO, 2002, p. 220).
De consequência, não se admite qualquer ofensa ao princípio
O conteúdo do princípio de igualdade [...] do contraditório quando, nesses processos, promove-se a exten-
são dos efeitos do provimento jurisdicional a quem não atuou
significa que os litigantes devem receber do juiz
pessoalmente no processo.
tratamento idêntico. Isso não significa, porém,
como sustenta alguma doutrina, que é IV – Contraditório e atuação do juiz
Entende-se, também, que, embora a garantia do contraditó-
inconstitucional a prerrogativa de contagem de rio beneficie as partes, dirige-se diretamente ao juiz por ser ele
prazo diferenciado para a Fazenda Pública [...] o único que, na relação processual, tem poderes, sendo estes,
na verdade, poderes-deveres, como bem estabelece o art. 125
Acrescente-se, apenas, que não basta garantir a notificação do CPC, que lhe impõe, no inc. I, assegurar as partes igualdade
das testemunhas para que compareçam ao tribunal. Não basta, de tratamento.
também, que se considere indispensável ao atendimento des- Na concepção moderna do processo, como observa
se princípio a efetiva oitiva da testemunha nem a garantia da Ada Pellegrini Grinover, a visão do contraditório é menos
produção das provas alegadas para a defesa. Essa garantia se individua­lista e mais dinâmica [...] postula a necessidade de a
tornaria inútil – como um frasco de perfume vazio se, a despeito eqüidistância do juiz ser adequadamente temperada, mercê
de tudo isso, o julgamento se fizesse sem nenhuma apreciação da atribuição ao magistrado de poderes mais amplos, a fim
das provas produzidas, sem nenhuma argumentação precisa a de estimular a efetiva participação das partes no contraditó-
respeito delas, para aceitá-las ou rejeitá-las, expressamente. Afi- rio e, consequentemente, sua colaboração e cooperação no
nal, como demonstrou Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 216 justo processo15.
e ss.), o contraditório impõe que se garanta às partes o exercí­cio
do poder de pedir, alegar e de provar, sendo certo, também, V – Liberdade das partes e o princípio inquisitório
que o magistrado está obrigado, na fundamentação, a apreciar Já se disse que o princípio do contraditório beneficia as par-
todas as questões e as questões todas11. tes, embora também seja dirigido ao juiz, por haver-se impu-

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tado a ele a responsabilidade maior de exemplo, não caber apelação nas exe- tais mínimas contra o subjetivismo e
observá-lo no processo. Acrescente-se, cuções fiscais de valor igual ou inferior o arbítrio dos que tem poder de deci-
mais, que, em respeito às partes, essa a 50 OTNs (art. 34, da Lei n. 6.830/80) dir. Exige-se, sem que seja admissível
garantia busca estabelecer-lhes a liberda- e nas causas, de qualquer natureza, nas qualquer exceção, a prévia instituição
de de atuarem no processo, reconhecen- mesmas condições, que forem julgadas e definição da competência daqueles
do, tanto em respeito ao autor como ao pela Justiça Federal (art. 4º, da Lei n. a quem se atribua o poder de decidir
réu – porque ambos são partes e não se 6.825/1980), ou, ainda, não caber recur- o caso concreto (juiz natural), a bilate-
faz nenhuma distinção processual nesse so dos despachos (art. 504, CPC). (NERY ralidade da audiência (ninguém pode
particular – o exercício de pedir, alegar JÚNIOR, 2004, p. 163). sofrer restrição .em seu patrimônio ou
e provar16. Após analisar, com cuidado de em sua liberdade sem previamente ser
Cândido Dinamarco descreve a sempre, os vários dispositivos que de- ouvido e ter o direito de oferecer suas
atua­ção das partes no processo, em monstram não haver a garantia de um razões) a publicidade (eliminação de
respeito ao contraditório, como sendo duplo grau de jurisdição, acrescenta, já todo procedimento secreto e da ina-
criticamente necessária para a defesa na 8ª edição de sua obra, em comento cessibilidade ao publico interessado de
dos direitos em juízo quando surge ao artigo da Convenção Interamericana todos os atos praticados no processo),
algum ato contrário ao interesse do de Direitos Humanos (Pacto de San Jose a fundamentação das decisões (para
sujeito. Diz-se então que o contraditó- da Costa Rica), de 22/11/1969, de que permitir a avaliação objetiva e crítica
rio se exerce mediante reação aos atos o Brasil é signatário, que o duplo grau da avaliação do decisor) e o controle
desfavoráveis – quer eles venham da de jurisdição foi adotado como garantia dessa decisão (possibilitando-se. sem-
parte contrária ou do juiz: reage-se à constitucional, mas precisamente como pre. a correção da ilegalidade pratica-
demanda inicial contestando – e à sen- um direito de o réu, no processo penal, da pelo decisor e sua responsabilização
tença adversa, recorrendo (DINAMAR- interpor recurso de apelação, não lhe pelos erros inescusáveis que cometer).
CO, 2002, p. 217). parecendo, no entanto, à míngua de dis- (PASSOS, 1999, p. 69).
positivo expresso a respeito, de que exis- Este não é, porém, um princípio
VI – O duplo grau de jurisdição ta tal garantia, em sentido absoluto, no absoluto, nem se revela como uma ga-
Ivo Dantas explicou que, muito em- Direito Processual Civil ou do Trabalho rantia constitucional18. Em consequên-
bora houvesse sinais do princípio do du- (NERY JÚNIOR, 2004, p. 213-214). cia, ainda que não se tenha superado
plo grau de jurisdição na antiga Roma, foi Cândido Dinamarco, ao revés, afir- as inúmeras críticas deferidas quanto ao 19
com a Revolução Francesa que ganhou ma que a CF/88, ao promover clara princípio, mais precisamente em respei-
foros de cidadania como uma evolução opção pela possibilidade de recursos to, à obrigatoriedade e ao cabimento do
natural à postura inicial do movimento contra as decisões judiciais, conclusão a recurso, em tese: dificuldade do acesso
no sentido de aboli-lo por se considerar que chega fundado em três argumen- à justiça, desprestígio da primeira ins-
que os tribunais configuravam uma espé- tos: 1º – estabelecimento dos tribunais tância, quebra de unidade do poder
cie de aristocracia judiciária. Revela que de superposição para o julgamento do jurisdicional, insegurança, afastamento
o tema tem sido alvo de muita discus- recurso ordinário, do extraordinário da verdade (mais próxima da real) e
são, havendo quem os negue e quem os e do especial; 2º – ao dispor sobre os inutilidade do procedimento oral, pelo
afirme, enquanto, em termos legislativos, recursos a serem endereçados aos tri- que se tem reconhecido a importância
registra-se tão somente a Turquia como bunais integrantes da Justiça da União do princípio, insiste-se que não se apre-
país que adota um único grau de jurisdi- STM, TST, TSE e TRF, ao que acrescento senta como uma garantia constitucional
ção (DANTAS, 2006, p. 178). o Superior Tribunal de Justiça bem como porque nossa Carta apenas o refere,
Nelson Nery Júnior, porém, havia ao prever órgãos inferiores e superiores mas não o garante. Em consequência,
anotado que, muito embora a primeira nas Justiças Estaduais, teria consagrado como se trata de um princípio que pode
Constituição brasileira (a do Império, de [...] o que ordinariamente se denomina ser contraposto por outro princípio, im-
1824) houvesse recepcionado o princípio princípio do duplo grau de jurisdição pondo-se reconhecer que haja exceções
expressamente previsto no art. 158, não (DINAMARCO, 2004, p. 237). ao princípio, pelo que pode o legislador
havia sido rigorosamente recepcionado Nenhuma dúvida pode existir quan- infraconstitucional restringir ou até eli-
no texto de nenhuma Constituição que to ao recepcionamento do princípio minar recursos em casos específicos,
lhe seguiu, contentando-se em men- entre nós. Realmente ele se encontra como é a hipótese do art. 504 do CPC,
cionar a existência de tribunais, para consagrado implicitamente no texto que proíbe recurso contra despacho
fixar-lhes a competência, sem qualquer constitucional, quando se refere à pos- (antigamente se dizia contra despacho
referência a esse princípio como uma sibilidade de recorrer-se das decisões de mero expediente). (DIDIER; CUNHA,
garantia constitucional ampla17. judiciais, como observou Calmon de 2006, p. 18-25).
Acrescenta que embora a diferença Passos: Devido processo constitucional
seja sutil, é bastante para concluir-se que jurisdicional, cumpre esclarecer, para VII – Motivação das decisões
não havendo garantia constitucional evitar sofismas e distorções malicio- judiciais
do duplo grau, mas mera previsão, o sas, não é sinônimo de formalismo, Este princípio, albergado no art. 93,
legislador infraconstitucional pode li- nem culto da forma pela forma, do rito IX, da CF/88, nunca teve sabor de novi-
mitar o direito do recurso, dizendo, por pelo rito, sim um complexo de garan- dade em nossa processualística. Desde

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as Ordenações Portuguesas, herdadas dos colonizadores e do convencimento, identificando-­as cada uma de per se – o
aqui aplicadas, mesmo depois da Independência, mais pre- texto das Ordenações se refere às causas – e não se limitar a
cisamente do Livro III das Ordenações Filipinas, havia-se es- alegações genéricas como as célebres “atendidas as exigências
tabelecido, no Título LXVI, dedicado às Sentenças definitivas, de lei” (sem dizer quais eram), concedo a liminar, pelo que tal
mais precisamente no item 7, seguinte: E, para as partes sa- motivação e nenhuma, em consequencia, é nula. Além disso
berem se lhes convém appelar, ou aggravar das sentenças – insiste o autor –, a motivação deve ser completa, no sentido
definitivas, ou vir embargos a ellas, e os juizes de mor alça- de que não deve omitir a apreciação de pontos cuja solução
da entenderem melhor os fundamentos, por que os juizes poderia conduzir o decisor a pronunciar-se de modo diverso
inferiores se movem a condenar, ou absolver, mandamos (DINAMARCO, 2004, p. 243).
que todos nossos Desembargadores, e quaesquer outros
julgadores, ora sejam Letrados, ora não o sejam, declarem 4.1.3 O devido processo legal
specificadamente em suas sentenças definitivas, assim na Qualquer apreciação dos princípios gerais do processo,
contemplados no texto constitucional, seria incompleta, ainda
[...] muito embora houvesse sinais do princípio que se examinassem breves considerações como na hipótese,
sem que se mencionasse, sumariamente, o princípio maior do
do duplo grau de jurisdição na antiga Roma, foi
devido processo legal, justificadamente considerado como a
com a Revolução Francesa que ganhou foros de base sobre a qual todos os demais se sustentam19.
cidadania como uma evolução natural Muito antes de serem recepcionadas, do atual texto cons-
titucional, a doutrina e a jurisprudência brasileira já havia, par-
à postura inicial do movimento no sentido de cimoniosa e expressamente, construído doutrina a respeito
aboli-lo por se considerar que os tribunais deste princípio, identificando-o, implicitamente, na garantia
de direito de acesso à jurisdição expresso no direito de ação,
configuravam uma espécie de na célebre fórmula com que foi inserido desde o texto cons-
aristocracia judiciária. titucional de 1946, mantido desde então, ainda que com im-
portantes aperfeiçoamentos: a lei não poderá excluir da apre-
primeira instancia, como no caso de appelação, ou aggravo, ciação do Poder Judiciário, lesão (acrescentou-se, depois,
ou revista, as causas, em que se fundaram a condenar, ameaça) a direito individual (restringiu-se, depois, apenas a
20 ou absolver, ou a confirmar, ou a revogar (Grifos nossos). direito). Como se sabe, o dispositivo constitucional – no art.
(PORTUGAL, 1985, p. 669). 5º, LIV – soa: Ninguém será privado da liberdade ou de seus
Observa-se que se a motivação da exigência da funda- bens sem o devido processo legal (tradução ao pé da letra
mentação das decisões judiciais decorria, como se percebe, do da expressão inglesa “due process of law”), sendo certo que
escólio transcrito das Ordenações Filipinas, da necessidade de Nelson Nery Junior observou que a fórmula adotada, bem re-
as partes examinarem a conveniência ou não de recorrer e de sume o conteúdo genérico do princípio, caracterizado pelo
os julgadores para quem eventualmente se recorria pudessem trinômio vida–liberdade­–propriedade20.
apreciar a justeza da decisão e, se fosse o caso, reformá-la, ga- Muito se tem escrito a respeito desse princípio, inclusive
nhou maior dimensão no Estado de Direito. Passou a significar a para distinguir o substancial due process of law do procedu-
necessidade de justificarem-se, previamente, as razões por que ral due process of law, mas, para atender às pretensões deste
se decidiu de determinada maneira e não de outra. trabalho, limito-me a reproduzir as observações procedidas por
Cândido Dinamarco explica, mesmo, que para cumprir seu Carlos Mario Velloso, ex-presidente do STF, em artigo sucinto a
objetivo e atender as exigências da Constituição e da lei, a mo- respeito do tema, quando assinalou, de modo conciso e exato,
tivação deve ser tal que traga ao leitor a sensação de que o a distinção entre o chamado devido processo legal substantivo
juiz decidiu de determinado modo porque assim impunham – ou substantive due process of law – e o devido processo legal
os fundamentos adotados, mas decidiria diferentemente se ti- processual – ou procedural due process: Due process of law,
vesse adotado outros fundamentos – seja no exame da prova, com conteúdo substantivo, estabelece limite ao Poder Legis-
seja na interpretação do sistema jurídico. lativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com
Penso, pois, que esse princípio se revela como indispensá- justiça e, devem ser razoáveis, devem guardar segundo o juiz
vel à legitimação do poder exercido pelo magistrado. Diferente- O. W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que
mente dos outros agentes políticos que têm legitimação a priori se quer atingir, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade.
para o exercício do poder, que decorre do fato de haverem sido Paralelamente, due process of law com caráter processual (ou
prévia e periodicamente eleitos para o exercício de cargos pú- procedural due process of law, acrescento), garante às pessoas
blicos, os magistrados não são – nem devem – ser eleitos, mas um procedimento judicial (e também administrativo, acrésci-
são obrigados a justificarem, a posteriori, mercê da indispen- mo do original) justo, com o direito de defesa21.
sável fundamentação de todas as decisões que proferem, pois Não se poderia, também, deixar de transcrever precioso
que todas as decisões que proferem são legítimas porque, com resumo das cláusulas do devido processo legal, sob o aspec-
base nos fundamentos apresentados, outra não poderia ser to processual – ou o procedural due process – no processo
proferida na hipótese. Acrescente-se que, como bem observa- americano, procedido por Nelson Nery Júnior, quando esse
do pelo mesmo Cândido Dinamarco, há de se exigir coerência autor esclarece que a obediência desse princípio importa
na motivação, no sentido de que esta deve ater-se às razões reconhecer o dever de propiciar ao litigante:

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a) Comunicação adequada sobre a uma norma fundamental; a da valida- daquelas formulas consagradas na
recomendação ou base da ação gover- de das normas que derivam da Cons- Constituirão e a inefetividade daquela
namental (que me parece corresponder tituição; e, finalmente, a ineficácia das prevalência, numa efetiva, dinâmica e
à citação e à intimação); normas contrárias ao texto constitucio- permanente “concretização” desses va-
b) Um juiz imparcial (o que me nal para que subsista íntegra a garan- lores, através da obra de um intérprete
parece ínsito a cláusula do juiz natural, tia, para concluir que [...] a inconstitu- qualificado: o juiz constitucional (Huter
pois corresponde a exigência, própria cionalidade deve ser apercebida em der Verfassung). (CAPPELLETTI, 1984,
deste princípio de que todos têm o di- função da garantia da Constituição p. 9-15).
reito de exigir submeter-se a julgamento – a invalidade deve ser iluminada por A jurisdição constitucional, explicou
(civil ou penal) por juiz competente, pré- essa garantia (MIRANDA, 1996, p. 12- José Afonso da Silva, revela-se como
constituído na forma da lei; 14). O fundamento maior da existência aquela que tem por objeto a defesa
c) A oportunidade de deduzir defesa de um controle (em Portugal, prefere- da constituição, entendida esta como
oral perante o juiz (o que corresponde se dizer fiscalização) de constitucio- a expressão jurídica de um sistema de
ao nosso princípio de ampla defesa); nalidade das normas é o de permitir valores aos quais se pretende dar um
d) A oportunidade de apresentar a garantia que o texto constitucional conteúdo histórico e político, insistindo,
provas ao juiz (o que corresponde ao oferece e que, por isso, deve ser man- porém, que a constituição assim en-
nosso princípio do contraditório, como tido íntegro. Essa perspectiva remete tendida se revelava como a expressão
já visto); ao conteúdo da jurisdição constitu- desse sistema de valores emergentes
e) A chance de reperguntar as tes- cional23, que, por sua vez, conduz à da comunidade social que se consagra
temunhas e de contraditar as provas existência mesma do Direito Proces- num texto político. Se a constituição não
que forem utilizadas contra o litigante sual Constitucional, aspecto tratado for essa expressão não terá legitimida-
(correspondente ao nosso princípio do no início dessa abordagem e que aqui de. (SILVA, 1996).
contraditório, já visto); se revela sob o viés de uma disciplina Esse autor ressaltou que a jurisdição
f) O direito de ter um defensor no voltada para o processo constitucional constitucional tem por objeto o conten-
processo perante o juiz ou tribunal (o de controle de constitucionalidade das cioso constitucional e se exercita de vá-
que corresponde ao princípio do contra- normas infraconstitucionais, ou seja, rios modos:
ditório, também já visto); tem por objeto a defesa do próprio a) Controle de constitucionalidade
g) uma decisão fundamentada, texto constitucional. de leis e outros atos normativos do 21
com base no que consta dos autos (o Por outro lado, penso que este estu- Poder Público, quando a atuação ju-
que corresponde ao nosso princípio do remete à precedente observação de risdicional opera mediante provocação
do dever de fundamentar as decisões, Mauro Cappelletti de que a concepção por um dos remédios ou ações consti-
já anteriormente apreciado e se har- da Constituição como norma – e como tucionais, correspondentes a jurisdição
moniza, também, com o art. 131 do norma superior, norma normarum – de- constitucional das liberdades. b) Reso-
nosso CPC). corre de uma ideia que finca raízes no lução dos conflitos que se instauram
Acrescenta-se, ainda: jusnaturalismo, no entendimento de que entre os diversos órgãos do poder em
a) O direito ao processo com a ne- havia um direito natural superior ao di- relação ao alcance de suas competên-
cessidade de haver provas; reito positivo, ao qual este havia de se cias e atribuições estabelecidas nas
b) O direito de publicar-se e estabe- conformar. Isso resulta do esforço dos normas constitucionais, corresponden-
lecer-se conferência preliminar sobre as juristas em positivar o jusnaturalismo24, te à jurisdição constitucional orgânica;
provas que serão produzidas; o que se deu a partir do movimento do e, finalmente;
c) O direito a uma audiência pública; constitucionalismo pela adoção das se- c) Resolução dos conflitos derivados
d) O direito a transcrição dos atos guintes providências: da aplicação das disposições constitu-
processuais; 1. Admitirem-se as Constituições cionais internacionais e comunitárias
e) Julgamento pelo Tribunal do Júri; modernas como normas prevalente- incorporadas ao ordenamento jurídico
f) O ônus da prova, que o governo mente “de valor” porque, ainda que interno, correspondente a jurisdição
deve suportar mais acentuadamente do expressa em fórmulas necessariamente constitucional de caráter comunitária ou
que o litigante individual22. vagas, ambíguas, imprecisas e progra- internacional. (SILVA, 1996)
máticas, têm-se que define uma tá- O controle de constitucionalidade,
4.2 O processo de bua de valores que rege determinada como visto, enquadra-se na hipótese da
constitucionalidade das leis sociedade e que, por isso, devem ser alínea a, supracitada.
4.2.1 O fundamento do controle de respeitadas, com caráter vinculativo das
constitucionalidade das normas e a demais normas; 4.2.2 Controle de
jurisdição constitucional 2. Atribuir um caráter rígido a essa constitucionalidade
Jorge Miranda observou, com pre- constituição, de modo a não poder mo- a) Formas
coce acuidade, que qualquer teoria dificá-la senão cumpridas certas forma- Valemo-nos do resumo procedido
acerca da inconstitucionalidade das lidades, nela expressas; por Gilmar Ferreira Mendes para refe-
normas deveria partir de uma das três 3. Buscar-se transformar a impre- rir que as formas de controle podem
perspectivas: a de ser a Constituição cisão e a imóvel estaticidade dessas ser: quanto ao órgão (quem exercita o

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controle); quanto ao modo ou à maneira como se exercita o 4.2.3.1 Difuso
controle e quanto ao momento em que se realiza. a) Introdução
Quanto ao órgão, o controle pode ser político, juris- Como assinalou Jorge Miranda, com propriedade, esse con-
dicional ou misto. Será político – como ocorre na França trole – que denominou de “modelo judicialista” – baseia-se no
–, quando for realizado por órgão político e não jurisdi- poder normal que o juiz tem de recusar a aplicação de leis in-
cional. Observa-se que o controle de constitucionalidade, constitucionais às lides que tenha de dirimir. (MIRANDA, 1996a,
realizado nas Casas Legislativas, como uma fase do res- p. 382). Para muitos, somente esse tipo de controle oferece ao
pectivo processo, e a possibilidade de veto a ser oposto magistrado a plena dignidade de órgãos de soberania, por atri-
pelo Executivo também se enquadram nessa categoria. buírem ao juiz o importante papel de cumprir, antes de tudo,
Será jurisdicional se o controle for exercido por órgão a Constituição, definindo-se a questão da inconstitucionalidade
do Poder Judiciário ou por Corte Constitucional, ainda como uma questão jurídica. Não se pode desvincular, porém, o
que considerada fora desse Poder e pode ser difuso (tam- papel político exercido com esse controle, porque o magistrado
bém chamado americano); e concentrado (denominado recusa a aplicação de uma lei, na apreciação do caso concre-
também de “austríaco”); e, finalmente, misto. (MENDES, to, porque o fundamento de validade dessa norma é o pró-
2008, p. 1005). prio texto constitucional que, por sua vez, se apresenta como
fundamento do poder político, substancial e formal, de todos
b) Modelos: difuso e concentrado e de cada um dos atos de seus órgãos25. O sistema apresenta
O controle difuso – também denominado “concreto”, inconvenientes, sendo o mais grave o de permitir decisões con-
porque sempre é exercido para a defesa de algum direito, traditórias26. Tem-se esse controle como o que integra a tradi-
daí porque se alega que é exercido pela via exceptiva, sabi- ção brasileira desde o início da República, quando foi adotado,
do que o vocábulo exceptio significa, em sentido amplo, a expressamente, na CF/1891, sendo considerado, a despeito da
própria defesa – ocorre quando, no curso de uma demanda expansão do controle de constitucionalidade por via direta ocor-
judiciária, uma das partes levanta, em defesa da sua causa, rido nos últimos anos, como a única via acessível ao cidadão
a objeção de inconstitucionalidade da lei que se quer lhe comum para a tutela de seus direitos subjetivos constitucionais.
aplicar. Verifica-se sempre no curso de uma ação e é exerci- (BARROSO, 2004, p. 71).
do por qualquer juiz ou tribunal, sendo certo que somente
por este último, com obediência ao princípio da reserva do b) Características
22 plenário (CF/88, art. 97) pode o tribunal que conhecer do Segundo Luís Roberto Barroso (2004), esse controle apre-
chamado “incidente de inconstitucionalidade” declará-la in- senta as seguintes características:
constitucional. I – Caso concreto: o exercício desse controle pressupõe
a existência de um processo, de uma ação judicial, uma lide
[...] se o juiz ou o tribunal, apreciando trazida ao processo, em cujo iter se tenha suscitado a incons-
incidentemente a questão que lhe cabe decidir, titucionalidade da lei que deveria reger a disputa. Chama-se
controle por via de exceção (como já se explicou), não apenas
concluir que de fato existe incompatibilidade porque seja o réu que, em sua defesa, levante a questão de
entre a norma invocada e a Constituição, inconstitucionalidade, mas porque, excepcionalmente, alega-se
a existência de um direito que nasce do fato de se reconhecer,
deverá negar-lhe aplicação ao caso concreto, incidentemente, que uma lei é inconstitucional (o que, segura-
declarando a inconstitucionalidade [...] mente, será feito por um autor e não um réu. Basicamente, se o
juiz ou o tribunal, apreciando incidentemente a questão que lhe
O controle concentrado – ou abstrato – é realizado por cabe decidir, concluir que de fato existe incompatibilidade entre
meio de uma ação prevista abstratamente que o provoca ex- a norma invocada e a Constituição, deverá negar-lhe aplicação
clusivamente perante a Corte Constitucional que, no Brasil, é ao caso concreto, declarando a inconstitucionalidade, quando
o STF, o qual somente atua limitadamente nas precisas hipó- se tratar de Tribunal, nos exatos termos do art. 97 da CF/88
teses previstas na CF/88. O controle misto, por fim, consiste (tendo em vista que o juiz singular apenas recusa a aplicação
no sistema em que opera tanto o sistema difuso – ou concreto da lei, tida por inconstitucional, mas não a declara, acrescento).
– quanto o concentrado – (ou abstrato), como no Brasil. II – Legitimado a suscitar esse controle: embora o con-
Importante observar que o controle difuso, presta-se mais trole incidental houvesse sido provocado apenas pelo réu, o
a defesa do cidadão, e o controle concentrado, mais a defesa que deu origem a denominá-lo “controle por via de exceção”,
do Estado. (REGO, 2001, p. 207). que corresponde à defesa, também é reconhecido ao autor
quando vem postular, em seu pedido inicial ou em momento
4.2.3 O processo do controle de constitucionalidade no posterior, a declaração de inconstitucionalidade de uma nor-
Brasil ma, para que não tenha de se sujeitar a seus efeitos. Por fim,
O controle de constitucionalidade exercitado no Brasil é também o Ministério Público, quer funcione como parte, quer
misto. Ele tanto é realizado incidentemente, pela via de exceção, funcione como custos legis, bem como terceiros que tenham
isto é, com técnicas do sistema difuso, quanto pela via principal, intervindo legitimamente (assistente, litisconsorte, opoente) e,
por meio de ações próprias para esse fim, com técnicas de um ainda, o juiz ou o tribunal de ofício, quando as partes tenham
sistema abstrato/concentrado. silenciado a respeito.

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III – Processo em que cabe suscitar- um processo independente27. Penso que, respeito à atuação dos diversos órgãos
se o controle: a questão incidental de in- a questão prejudicial de inconstituciona- que nele atuam:
constitucionalidade da lei pode ser levan- lidade se revela como questão prejudicial 1ª etapa – atuação do Juiz mono­
tada em processos de qualquer natureza: jurídica, porque não há nada que impeça crático
conhecimento, execução ou cautelar. O que a alegação incidental de inconstitu- O juiz monocrático deve observar
que se exige é que haja, no processo, cionalidade não possa ser suscitada por que:
um conflito de interesses, uma pretensão meio de uma ação direta de inconstitu- 1º – atua no controle difuso de cons-
resistida, um ato concreto de autoridade cionalidade, mediante pedido próprio titucionalidade, sem perder de vista que
ou a ameaça de que venha a ser prati- específico ou, dito de outro modo, pela se trata de um controle incidental;
cado. Importante ressaltar, porém, que é via principal. 2º – deve prevalecer a presunção de
um controle incidental de inconstitucio- VI – Controle difuso: neste controle, constitucionalidade da lei;
nalidade que somente pode operar na tanto o juiz monocrático quanto o tri- 3º – por se tratar de um controle
tutela de uma pretensão subjetiva. O ob- bunal pode apreciar, incidentemente, exercido pela via da exceção, somente
jeto do pedido não pode ser um ataque como questão prejudicial, a alegação de deve apreciar a alegada inconstituciona-
frontal à lei, que acontece principaleter, inconstitucionalidade de uma norma. lidade quando ela se torne indispensável
mas a proteção de um direito que seria O juiz monocrático, porém, se limitará ao julgamento da causa;
afetado pela aplicação de uma lei repu- a afastar a aplicação da lei que reputa 4º – o objeto de sua atuação é ape-
tada inconstitucional e, portanto, de cog- inconstitucional ao caso concreto, mas nas a recusa de aplicação da lei reputada
nição incidenter tantum. A arguição de não a declarará inconstitucional. A com- inconstitucional ao caso concreto;
inconstitucionalidade, portanto, pode se petência de o magistrado recusar a apli- 5º – incide o reexame necessário (cf.
dar em ação de rito ordinário, sumário, cação da lei reputada inconstitucional art. 475, II, CPC).
especial, em ação constitucional, como a está expressa no art. 13, § 10, da Lei n. 2ª etapa – perante órgão fracioná­
ação popular e a ação civil pública, ape- 221, de 20 de novembro de 1894, que rio do Tribunal
sar da discussão travada em respeito a organizou a Justiça Federal, que tem a (arts. 480 a 482 do CPC)
esta última. seguinte redação: 1º – Na Turma, ou Seção do Tribunal
IV – Normas objeto do controle: esse § 10 – Os juizes e tribunaes aprecia- (órgão fracionário) o relator submete-
controle pode ser exercido em respeito rão a validade das leis e regulamen- rá a questão de inconstitucionalidade,
às normas emanadas de qualquer nível tos e deixarão de applicar aos casos arguida por qualquer das partes, pelo 23
de poder: federal, estadual ou municipal, ocurrentes as leis manifestamente Ministério Público, pelo juiz monocráti-
inclusive às normas anteriores à Cons- inconstitucionais e os regulamentos co, por ele próprio relator ou por qual-
tituição – o que não é possível pela via manifestamente incompatíveis com quer de seus pares, à Turma, Câmera ou
abstrata/concentrada, com exceção da as leis ou com a constituição. Grupo de Câmeras, Seção, ou qualquer
Ação de Arguição de Descumprimento VII – Reserva de plenário: Desde a órgão fracionário, ao qual incumba julgar
de Preceito Fundamental. CF/1934, introduziu-se entre nós o prin- o feito (art. 480, CPC);
V – Questão prejudicial: como já cípio da reserva de plenário pelo qual, 2º – Se a arguição for rejeitada, o
se disse, não se promove, no controle na forma do atual art. 97 da CF/88: So- julgamento prosseguirá normalmente, se
difuso, uma arguição direita de inconsti- mente pelo voto da maioria absoluta for acolhida, será lavrado acórdão, a fim
tucionalidade da lei. Não se pede, pois, de seus membros ou dos membros do de ser submetida a questão ao tribunal
objetivamente, como pedido próprio, respectivo órgão especial poderão os pleno (art. 481 do CP). Tem-se entendi-
específico, da ação, que se declare in- tribunais declarar a inconstituciona- do que dessa decisão não cabe nenhum
constitucional. Postula-se um direito que lidade de lei ou ato normativo com o recurso28.
somente poderá ser atendido se se afas- poder público. Embora criado na época 3ª etapa – perante o Pleno do
tar a incidência de uma norma, reputada em que somente havia o controle di- Tribunal
inconstitucional. Diz-se então que o ór- fuso, estendeu-se também ao controle (ou órgão especial)
gão julgador necessitará formar um juízo abstrato/concentrado e esse princípio Opera, neste preciso momento, a
prévio sobre a constitucionalidade da lei, espelha o princípio da presunção de cisão funcional da competência, ou seja,
ainda que incidentemente. constitucionalidade das leis. (BARRO- o Tribunal Pleno (ou o órgão especial
O exame da questão de inconstitu- SO, 2004, p. 78). Penso que esse dis- onde houver) decide a questão constitu-
cionalidade da lei dá-se, pois, como uma positivo se encontra ainda em vigor e, cional e o órgão fracionário julga o caso
questão prejudicial, isto é, como uma como se dirige aos juízes e tribunais, e concreto, com a obrigatória aplicação do
questão decidida previamente, como o Poder Judiciário é uno, serve de lastro julgamento do Pleno do Tribunal – ou do
pressupostos lógicos e indispensáveis para a competência de todo e qualquer órgão especial com competência para
para a solução da questão principal. juiz brasileiro. esse fim (cf. art. 97 da CF/88) sobre a
A esse respeito, Francesco Menes- questão de inconstitucionalidade. Do jul-
trina distingue a prejudicialidade lógica c) Procedimento gamento do órgão fracionário em que se
da prejudicialidade jurídica. Somente Anoto como procedimento próprio aplica a decisão do Pleno, cabe recurso
existirá prejudicialidade jurídica se a do exercício desse controle os seguintes extraordinário, mas não da decisão do
questão prejudicial puder ser objeto de cuidados que devem ser seguidos, em Pleno, em si.

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III – Atuação do STJ e do STF dental em respeito a terceiros. Uma empresa havia depositado
Atuação do STJ em juízo parcelas de determinado tributo, ao mesmo tempo
Exerce o controle incidental nas causas de sua competência em que discutia sua exigibilidade em face de alegada inconsti-
originária (art. 105, I, CF/88), ou nas que aprecia recurso ordiná- tucionalidade. O pedido não foi acolhido, a sentença transitou
rio constitucional (art. 105, II, CF/88). Não aprecia a questão da em julgado e operou-se a decadência obstativa da propositura
inconstitucionalidade por via de recurso. da ação rescisória.
Atuação do STF Posteriormente, em ação movida por outra empresa con-
Exerce o controle difuso nas causas de sua competência tribuinte, o STF, apreciando Recurso Extraordinário, declarou
originária ou nos julgamentos dos recursos ordinários constitu- a inconstitucionalidade da norma que autorizava a cobrança,
cionais (art. 102, I e II, CF/88). Cabe-lhe a competência exclusiva havendo o Senado suspendido a execução da lei. A primeira
de reapreciar os julgamentos do Pleno dos tribunais, a partir empresa – que não teve acolhida sua pretensão – requereu o
do recurso extraordinário impetrado das decisões dos órgãos levantamento do depósito que havia feito e que ainda não havia
fracionários que aplicaram o julgamento no caso concreto (art. sido convertido em renda da União. A Fazenda Pública, porém,
102, III, da CF/88). alegou em seu favor a existência de coisa julgada. O entendi-
mento do autor citado – e que acompanho, no particular – é de
O exame da questão de inconstitucionalidade que a solução correta seria do deferimento do levantamento,
tendo em vista que a coisa julgada que, na espécie, nem se
da lei dá-se, pois, como uma questão
havia produzido na plenitude de seus efeitos, porque não tinha
prejudicial, isto é, como uma questão decidida havido ainda a conversão em renda, não podia prevalecer sobre
previamente, como pressupostos lógicos a justiça da recuperação ao do valor depositado, por um crité-
rio de ponderação de valores: coisa julgada X justiça no caso
e indispensáveis para a solução concreto30.
da questão principal.
4.2.3.2 Abstrato/concentrado
d) Efeitos do julgamento e efeitos temporais a) Características
A decisão pronunciada pelo STF, no ápice do controle difu- Luís Roberto Barroso procedeu a um excelente resumo so-
so de constitucionalidade somente tem efeito interpartes. Diz-se bre as características gerais do controle de constitucionalidade
24 que somente produz coisa julgada entre as partes para as quais abstrato/concentrado, também denominado, entre nós, de “con-
é dada, na forma do art. 472 do CPC, o que implica repetir-se a trole de constitucionalidade por via de ação direta”, que acaba
mesma ação onde SC arguiu a inconstitucionalidade da norma, por ser uma de suas características mais marcantes, ou seja, o
individualmente, por todos que se julguem prejudicados29. controle somente é exercido por uma ação própria, direta.
Anoto que, em Portugal, onde se manteve o controle di- As características apontadas por esse autor, a seguir resumi-
fuso ao lado do controle abstrato/concentrado, mesmo depois das, são as seguintes: pronunciamento em abstrato da valida-
que se criou um Tribunal Constitucional, adotou-se uma prática de da norma; julgamento de uma questão principal; exercício
que considero extremamente salutar, ao estabelecer-se, no art. de um controle concentrado; competência para o processo e
281, que trata da disciplina da chamada “fiscalização abstrata da julgamento; legitimação para figurar na relação processual; e,
constitucionalidade e da legalidade”, precisamente no item: 3. finalmente, o objeto da ação.
O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força
obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de I – Pronunciamento em abstrato
qualquer norma, desde que lenha sido por ele julgada incons- Paulo Bonavides considera que essa característica diz res-
titucional ou ilegal em Ires casos concretos. peito a que esse controle, ao contrário do que acontece com o
Efeitos temporais controle difuso, de natureza incidental, se revela como um con-
Tem-se entendido que a lei julgada inconstitucional é lei trole direto. Nesse caso – explica, então – impugna-se perante
nula e que, em consequência, a lei julgada inconstitucional determinado tribunal uma lei, que poder perder sua validade
é nula desde o seu nascimento, não produzindo efeitos váli- constitucional e conseqüentemente ser anulada erga omnes
dos desde então. Os efeitos seriam, pois, ex tunc. (BARROSO, (com relação a todos). (BONAVIDES, 2008, p. 307).
2004, p. 87).
Considero razoável, no entanto, a observação de José Afon- II – Julgamento de uma questão principal
so da Silva de que se deve considerar os aspectos em respeito Diferentemente do controle difuso, com quem sempre será
ao caso concreto, no curso do qual se declara incidentemente comparado, o controle abstrato/concentrado não se pronuncia
a inconstitucionalidade da norma. A declaração de inconstitu- sobre uma questão prejudicial. Como bem demonstrado por
cionalidade produz efeitos ex tunc, porque fulmina a relação José Carlos Barbosa Moreira, a questão prejudicial é aquela que
jurídica nascida sob seu império desde o seu nascimento. Essa se põe como antecedente lógico necessário e indispensável na
lei continua válida e eficaz até que o Senado suspenda sua exe- apreciação de outra questão que se tem por principaleter. O juiz
cutoriedade – prefiro a sua eficácia ou aplicabilidade. A partir a terá de – no juízo lógico que desenvolve –, necessária e de
daí, produz efeitos ex nunc (SILVA, 1990, p. 52). modo indispensável, apreciar a questão de inconstitucionalida-
Luís Roberto Barroso refere, porém, um caso curioso em de para decidir sobre a questão de direito material posta à sua
que se observou a eficácia retroativa – ex tunc – de decisão inci- apreciação. (MOREIRA, 1967, p. 54).

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A esse respeito, Mauro Cappelletti Acrescentando, em seguida: Como tivo federal ou estadual. Inclui-se, nessa
já se pronunciou quando, escrevendo intuitivo, a decisão que vier a ser pro- rubrica, uma série de atos que forma a
sobre la pregiudizialità costituzionale ferida pela suprema Corte vinculará o multiplicidade normativa brasileira, sobre
nel processo civile, apontou como ca- Tribunal de justiça, mas não o contrário. a qual não se discorrerá – emenda cons-
racterística fundamental a de que ela se Por essa razão, quando tramitarem pa- titucional, lei complementar, lei ordinária,
apresenta em determinado juízo como ralelamente as duas ações, e sendo a lei delegada, medida provisória, decretos
uma questão secundária, muito embora norma constitucional estadual contras- legislativos e resoluções, decretos autô-
possa transformar-se em uma questão tada mera reprodução da Constituição nomos, legislação estadual, tratados in-
principaleter em outro processo, tendo Federal, tem-se entendido pela suspen- ternacionais –, descabendo, no entanto,
em vista que, no processo em que atua são do processo no plano estadual. o exercício do controle de constituciona-
como questão prejudicial, ela não integra (IDEM, p. 117). lidade por essa via, em respeito aos atos
o thema decidendum. (CAPPELLETTI, normativos secundários, às leis e atos
1972, p. 34). No processo de controle V – Legitimação para a ação de efeitos concretos, às leis anteriores à
abstrato/concentrado de constitucionali- Como já se acentuou, a construção Constituição, às leis que já tenham sido
dade, a alegada inconstitucionalidade da do processo constitucional não foi des- revogadas e, por derradeiro, à lei muni-
norma é a questão mesma do processo, provida de dificuldades, tendo em vista cipal em face da Constituição Federal34.
apreciada como thema decidendum, ou que se procurou adaptar os institutos cria-
seja, examinada e decidida principaleter, dos pelo processo civil comum, que prefi- b) O procedimento das Leis ns.
como questão principal. ro denominar de “clássico”, e, sobretudo, 9.968/1999 e 9.882/1999
que o processo jurisdicional do controle O procedimento traçado pelas Leis
III – Exercício de um controle de constitucionalidade é um processo ob- n. 9.968/1999 e 9.882/1999 aplica-se a
concentrado jetivo31, isto é, um processo sem partes32. todas as ações destinadas ao controle
Por exercer-se um controle atribuído Como a legitimação se apresenta como abstrato/concentrado de constituciona-
a um órgão específico, que pode ou não uma das condições da ação que decorre lidade das leis e, de acordo com o exa-
integrar o Poder Judiciário, diz-se que da particular situação do titular de um di- me feito sobre esses diplomas legais,
se trata de um controle concentrado. reito subjetivo, o que não acontece com pode-se concluir que ressalta os seguin-
Luís Roberto Barroso observa que, em o processo constitucional de controle de tes aspectos:
nosso País, esse controle é concentrado constitucionalidade, tornou-se imperioso 1º – A legitimação ativa – é unica- 25
porque, no plano federal, ele é exercido construir-se uma legitimação própria, mente dos legitimados a propositura da
apenas pelo Supremo Tribunal Federal específica, para as ações destinadas ao Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou,
(STF) e, no plano estadual, pelo Tribunal controle de constitucionalidade. na forma do art. 103 da CF/88: o presi-
de Justiça. (BARROSO, 2004, p. 115). Assim é que se tem ressaltado que a dente da República, a Mesa do Senado
disciplina do processo objetivo com ins- Federal, a Mesa da Câmara dos Deputa-
IV – Competência para julgamento titutos próprios do processo civil clássico, dos, a Mesa da Assembleia Legislativa,
Prosseguindo na síntese do pen- que tem por objeto a tutela do direito o governador do Estado, o procurador-
samento do autor acima mencionado, subjetivo, imperiosamente deve ser feita geral da República, o Conselho Federal
tem-se que, no sistema federativo bra- cum grano salis. da Ordem dos Advogados do Brasil, o
sileiro, o controle de constitucionalidade A legitimação passiva – contra quem partido político com representação no
abstrato/concentrado é atribuído, consti- se deverá propor a ação destinada ao con- Congresso Nacional e a confederação
tucionalmente, ao STF, no plano federal, trole de constitucionalidade – recai sobre sindical ou entidade de classe de âmbito
e aos tribunais de justiça, no plano dos os órgãos ou autoridades responsáveis nacional, valendo, para identificar-se se
Estados federados, e no que se entende pela criação da lei ou do ato normativo, ela ocorreu os precedentes já construí-
como inconstitucionalidade de leis ou objeto da ação, aos quais caberá prestar dos pelo STF a respeito. Faculta-se, po-
atos normativos estaduais ou municipais informações ao relator do processo. Em rém, a qualquer interessado, representar
em face da Constituição Estadual, na respeito à legitimação ativa, reconhece- ao procurador­-geral da República que,
forma do art. 125, § 2º, da CF/88, com se que se operou profunda transforma- examinando os fundamentos jurídicos
uma observação derradeira cuja trans- ção no trato da jurisdição constitucional do pedido, decidirá a respeito do cabi-
crição se impõe: O sistema concebido em nosso País, por haver-se alargado o mento ou não da ação e a proporá ou
pelo constituinte permite o ajuizamento rol de legitimados à propositura da ação, não (cf. art. 2º das Leis n. 9.868/1999 e
simultâneo de ação direta no âmbito com a definitiva quebra do monopólio n. 9.882/1999);
estadual e no âmbito federal – isto é, do procurador-geral da República, único 2º – A legitimação passiva é das au-
perante o Tribunal de Justiça e perante legitimado desde a criação da ação gené- toridades ou dos órgãos responsáveis (e,
o Supremo Tribunal Federal – tendo por rica desse controle33. nesse caso, se considera o funcionário
objeto a mesma lei ou ato normativo es- que, na linguagem de Pontes de Miran-
tadual (grifo do original), mudando-se VI – Objeto da ação da, o presenta)35;
apenas o paradigma: no primeiro caso O objeto da ação destinada ao 3º – O procedimento se inicia por
a Constituição do Estado e, no segundo, controle abstrato/concentrado de cons- petição que satisfaça os requisitos do art.
a Carta da República. titucionalidade é a lei ou o ato norma- 3º das Leis n. 9.868/1999 e 9.882/1999

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(deverá conter: a indicação precisa do preceito fundamental com a matéria objeto da arguição de descumprimento de pre-
que se considera violado, a indicação do ato questionado, a pro- ceito fundamental, salvo se decorrente da coisa julgada (cf. § 3°,
va da violação do preceito fundamental e os pedidos, com suas do art 5°, da Lei n. 9.882/99);
especificações) e os colegitimados têm capacidade postulatória 12 – Após o prazo das informações, serão ouvidos, suces-
especial, que dispensa a presença de advogado (Adin 127-2/ sivamente, o advogado-geral da União e o procurador-geral da
Al. ReI. Min. Celso de Mello. In: DJU de 4/12/92, p. 23.057). República, que deverão manifestar-se cada qual, no prazo de 15
(BERNADES, 2000, p. 3); dias, na forma do art. da Lei n. 9.868/88;
4º – Não sendo o caso de arguição ou não preenchendo a 13 – Faculta-se, ainda, na forma do art 9º, § 1º, que – em-
inicial os requisitos exigidos em lei, o relator poderá indeferi-la bora o relator esteja apto a lançar relatório, com distribuição de
de plano (cf. art. 4º das Leis n. 9.868/1999 e n. 9.882/99). Dessa cópia para todos os ministros e pedir dia para julgamento – o
decisão cabe agravo, no prazo de cinco dias, na forma do § 2º relator requisite as informações que julgar necessárias, designe
do mesmo dispositivo; perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a
5º – Não se admite desistência da Ação Direta de Inconsti- questão, fixe data para, em audiência pública, ouvir depoimen-
tucionalidade ou de Declaração de Constitucionalidade. (Cf. art. tos de pessoas com experiência e autoridade na matéria e/ou
5º da Lei n. 9.868/99); solicite informações de quaisquer tribunais do País, na forma do
6º – Embora não se trate de um processo contencioso, art. 9º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.868/99;
porque, ­como já se disse, trata-se de um processo objeti- 14 – Em se tratando de Ação de Arguição de Descumpri-
vo (objektives Verfahren), prevê-se, no procedimento em mento de Preceito Fundamental, segue-se prazo para as in-
respeito à Ação Direta de Inconstitucionalidade e na Ação formações pelas autoridades responsáveis pela prática do ato
Declaratória de Constitucionalidade, um pedido de informa- impugnado, por dez dias (cf. art. 6º da Lei n. 9.882/99). Mesmo
ções aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei nas arguições incidentais (a que opera como prejudicial de in-
ou o ato normativo impugnado, na forma do art 6º da Lei constitucionalidade), não é imprescindível a oitiva das partes
n. 9.868/99; que compõem a relação processual originária, mas o relator
7º – De igual modo, faculta-se a prévia oitiva dos órgãos poderá, se entender necessário, ouvi-las ou requisitar informa-
ou das autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem ções adicionais, designar perito ou comissão de peritos para
como do advogado-geral da União ou do procurador-geral da que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para
República, no prazo comum de cinco dias, em respeito à Ação declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência
26 de Descumprimento de Preceito Fundamental (cf. art. 5º, § 2º, e autoridade na matéria (cf. art 6º, § 1º, da Lei n. 9.882/99);
da Lei n. 9.882/99); 15 – No procedimento dessa ação, a intervenção da Procu-
8º – Embora não se admita a intervenção de terceiros, radoria-Geral da República é obrigatória. Terá vista pelo prazo
faculta-­se a participação do amicus curiae, na forma do art. 7º, de cinco dias, após o decurso do prazo para informações (cf.
§ 2º, da Lei n. 9868/99 e art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.882/99, sobre CF/88, art 103, § 1º e art 7º, Parágrafo Único da Lei n. 9.882/99);
cujo instituto será apreciado, resumidamente, a seguir; 16 – A decisão somente será tomada se houver quórum
de pelo menos oito ministros (cf. art. 22, da Lei n. 9.868/99)
Tem-se entendido que a lei julgada ou, em respeito à Ação de Descumprimento de Preceito Fun-
inconstitucional é lei nula e que, em damental, se estiverem presentes pelo menos dois terços dos
ministros (cf. art. 8º, da Lei n. 9.882/99) e, julgada a ação, far-
consequência, a lei julgada inconstitucional se-á a comunicação às autoridades ou aos órgãos responsáveis
é nula desde o seu nascimento, não pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o
modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental (cf.
produzindo efeitos válidos desde então. art. 10 da Lei n. 9.882/99). O presidente do STF determinará o
Os efeitos seriam, pois, ex tunc. imediato cumprimento da decisão, ainda que o acórdão seja
lavrado posteriormente;
9º – O pedido de liminar somente poderá ser deferido por 17 – Tratando-se de Arguição de Descumprimento de Pre-
decisão da maioria absoluta dos membros do STF (cf. art. 10 da ceito Fundamental e em se tratando de ação oriunda de pre-
Lei n. 9.868/99 e art 5º da Lei n. 9.882/99); judicial de constitucionalidade, o magistrado retomará o curso
10 – Em caso de excepcional urgência, o tribunal poderá do feito – que se encontrava suspenso, na forma do art. 265,
deferir medida cautelar sem audiência dos órgãos ou das auto- c do CPC – para, tomando a decisão como ponto prejudicial,
ridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado prosseguir na direção da sentença36.
(cf. art. 10, § 3º, da Lei n. 9.868/99) e, em se tratando de Ação
de Descumprimento de Preceito Fundamental, quando houver c) A figura do amicus curiae
extrema urgência ou perigo de grave lesão ou, ainda, em perío- I – Breve histórico e conceito
do de recesso, o relator poderá concedê-la , ad referendum do O instituto amicus curiae é de origem americana, apesar
Pleno (cf. § 1º, do art 5º, da Lei n. 9.882/99); de se tratar de uma expressão latina. Luiz Fernando Martins da
11 – A liminar a que se refere o item anterior poderá con- Silva assinalou que o projeto de lei posteriormente convertido
sistir na determinação de que juízes e tribunais superiores sus- na Lei n. 9.868/99, que introduziria essa figura entre nós, refere
pendam o andamento do processo ou os efeitos de decisões que havia se inspirado na figura do mesmo nome – amicus
judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação curiae – no caso, o chamado Brandies-Brief, identificado como

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um memorial-manifestação – esse é o interesse – ou um interesse relevante, nicamente, hipótese de intervenção ad
sentido do brief – utilizado pela primeira como parece mais bem ajustado – aliado coadjuvan-tum.
vez nos Estados Unidos pelo advogado à relevância da matéria, sendo certo que – Os despachos de mero expedien-
Louis D. Brandeis, no case Muller Vs esses inconvenientes têm representativi- te – como aqueles eu ordenam juntada
Oregan, em 1908 – pelo que imagino ter dade para serem ouvidos em juízo, por por linha, de simples memorial descriti-
recebido o nome Brandies-Brief. contribuírem para alargar o espectro dos vo – por não se revestirem de qualquer
Ressaltou que a importância dessa destinatários da decisão. conteúdo decisório, não são passíveis de
técnica pode ser observada pelo que De modo mais singelo, pois, pode-se impugnação mediante agravo regimen-
aconteceu no importantíssimo julgamen- definir o amicus curiae, como uma for- tal (CPC, art. 504).
to na Suprema Corte americana, em um ma análoga, abrandamento decorrente Importa ressaltar que a figura do
caso que envolveu a Universidade de Mi- da pertinência temática39, da intervenção amicus curiae está prevista, em ambas
chigan em 2003: a Universidade contou de terceiro40, própria do processo objeti- as leis, nas expressões “eventuais interes-
com o apoio de mais de 150 amicus vo da jurisdição constitucional – em que sados” e “manifestação de outros órgãos
curiae, os quais foram identificados se permite ouvir o destinatário da deci- e entidades”, postas em ressalto na trans-
como ONGs, empresas públicas e priva- são a ser proferida – no caso, a sociedade crição delas.
das, o que revela que as manifestações ­tornando esse processo mais democráti-
– os briefs – haviam sido produzidas co e contribuindo para confirmá-lo como III – Natureza jurídica
pela elite das 500 maiores empresas dos um processo objetivo41. Ainda que não se tenha formalizado
Estados Unidos cotadas pela revista For- o debate, penso que a nova figura não
bes, as mais conceituadas Universidades II – Recepção no Direito brasileiro pode ser considerada como uma espécie
e, ainda, organizações de direito civis, Os estudiosos têm assinalado que – de intervenção de terceiro, a exemplo
incluindo-se as de veteranos das Forças muito embora a figura só tenha ingres- da assistência. Não me parece – com as
Armadas37. sado em nosso ordenamento jurídico, devidas vênias do prof. Edgard Silveira
O Black’s Law Dictionary (algo as- formalmente, com a Lei n. 9.868, de Bueno Filho – assistência qualificada. A
sim como Manual dos Advogados nos 10/11/1999, mais precisamente com a intervenção de terceiro, como se viu aci-
Estados Unidos) registra o seguinte ver- regra do art. 7º, § 2º, que soa: o relator, ma, somente é possível quando um ter-
bete: Amicus curiae [Latin ‘friend of the considerando a relevância da matéria ceiro defende um interesse jurídico, que
Court’). A person who is not a party to e a representatividade dos postulantes, lhe afetará a esfera de atribuições. Ora, 27
lawsuit but who petitions the court to poderá, por despacho irrecorrível, admi- o processo constitucional de controle de
file a brief in the action because that tir, observado o prazo fixado no pará- constitucionalidade é um processo obje-
person has a strong interest in the sub- grafo anterior, a manifestação de outros tivo (cf. retro), em que não há partes, no
ject. – Often shortened to amicus – Also órgão ou entidades (grifos nossos) – já sentido material (embora possa haver no
termed friend of the court. Pl. amici havia precedentes no próprio STF que fa- sentido formal), pela simples e boa razão
curiae. ziam alusão à figura, como o que se deu que o interesse perseguido nesse tipo de
Em tradução livre, tem-se: Amicus com o julgamento do Agravo Regimental processo é o interesse de todos, de toda
curiae. [Latim. “amigo da Corte”]. Uma em Adin n. 784-5, de que foi relator o a comunidade, em que seja mantida ín-
pessoa que não é parte em um proces- eminente Ministro Celso de Mello, em tegra a ordem normativa de acordo com
so, mas cujas petições dirigidas à Corte que o Pleno dessa Corte lhe confirmou o texto constitucional.
(ou Tribunal) são consideradas em ra- decisão monocrática, assim ementada: Por essa razão, a regra foi sempre
zão do forte interesse que tem na ma- AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIO- a do descabimento de qualquer tipo de
téria sob julgamento. Expressão muitas NALIDADE. INTERVENÇÃO ASSISTEN- intervenção. A figura do amicus curiae
vezes abreviada para amicus. Há tam- CIAL. IMPOSSIBILIDADE. ATO JUDICIAL não se apresenta como a de um terceiro
bém a denominação friend of the court QUE DETER­MINA JUNTADA, POR LI- que venha defender um interesse pró-
(amigo da corte). Plural: amici curiae. NHA, DE PEÇAS DOCUMENTAIS. DES­ prio. Pelo contrário, significa que são
À míngua de um conceito elabora- PACHO DE MERO EXPEDIENTE. IRRE- pessoas representativas da sociedade
do pela doutrina, mas com amparo nas CORRIBILIDADE. AGRA­VO REGIMENTAL – sobretudo daquela parcela social que
contribuições de alguns autores sobre o NÃO CONHECIDO. será atingida com a decisão a ser profe-
assunto, divulgadas pela internet, pode- – O processo de controle normativo rida –, daí a exigência de que a matéria a
se elaborar um conceito da figura como abstrato instaurado perante O Supremo ser discutida seja relevante. Nesse senti-
forma análoga à intervenção de tercei- Tribunal Federal não admite a interven- do, aliás, o Ministro Milton Luiz Pereira,
ros – na verdade um abrandamento à ção assistencial de terceiro. Precedentes. do STJ, reconheceu que o amicus curiae
vedação que existia a ela nos processos – Simples juntada, por linha, de é um terceiro especial ou de natureza
objetivos de controle de constitucionali- peças documentais apresentadas por excepcional, não se confundindo com
dade38, diversa da tradicional, pois não órgão estatal que, sem integrar a rela- a assistência ou qualquer outra forma
fundada em interesse jurídico, como ção processual, agiu, em sede de Ação de intervenção de terceiros, prevista
o exige a regra do art. 50 do CPC, bas- Direta de Inconstitucionalidade, como no Código de Processo Civil, já tendo
tando, para isso, na forma da expressão colaborador informal da Corte (amicus a Corte de que faz parte – o STJ – ad-
inglesa, ter um strong interest, um forte curiae): situação que não configura, tec- mitido a intervenção de agências regu-

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ladoras em processos intersubjetivos, na qualidade de terceiro do amicus curiae é para efeito de instrução sendo possível
especial (amicus curiae)42. admiti-la quando em curso o julgamento. (BINEMBOJM,
Penso, pois – como ressaltou o Prof. Gustavo Binenbojm 2005. p. 12-13)
–, que o amicus curiae intervém no processo da ação direta, Acrescente-se, mais, que se tem entendido que essa inter-
tal como disciplinado pela Lei n. 9.868/1999 e em processos venção não se limita, tão somente, à apresentação dos memo-
semelhantes em que tal figura é, também, cabível, passando a riais – que nada têm a ver com os memoriais que as partes dis-
integrar a relação processual na condição de terceiro especial. tribuem aos julgadores antes do julgamento dos recursos – pois
Os requisitos de admissibilidade – matéria relevante e re- tem o sentido de registrar a participação do amicus curiae, da
presentatividade do amicus curiae – apontam para essa figura forma com que atua no processo, inclua, também, a sustenta-
como o da participação da sociedade, para fazer-se ouvir em ção oral, como reconhecido pelo Min. do STF Celso de Mello,
processo cuja decisão vai lhe atingir. verbis: [...] entendo que a atuação processual do amicus curiae
Por essas razões, entendo, também, ser cabível em outros não deve limitar-­se à mera apresentação de memoriais ou a
processos que não apenas os de controle de constituciona- prestação eventual de informações que lhe venham a ser so-
lidade das leis, desde que se trate de uma decisão que vá licitadas.
se revestir de um caráter de generalidade – como forma de Essa visão do problema – que restringisse a extensão
dos poderes processuais do “colaborador do Tribunal” – cul-
A figura do amicus curiae não se apresenta como minaria por fazer prevalecer, na matéria uma incompreensí-
vel perspectiva reducionista, que não pode (nem deve) ser
a de um terceiro que venha defender um
aceita por esta Corte, sob pena de frustração dos altos ob-
interesse próprio. Pelo contrário, significa que jetivos políticos, sociais e jurídicos visados pelo legislador na
são pessoas representativas da sociedade [...] positivação da cláusula que, agora, admite o formal ingresso
do amicus curiae no processo de fiscalização concentrada de
daí a exigência de que a matéria a ser constitucionalidade. Cumpre permitir, desse modo, ao ami-
discutida seja relevante. cus curiae, com extensão maior, o exercício de determina-
dos poderes processuais, como aquela consistente no direito
democratizar a decisão, no sentido mais genuíno de proces­ de proceder a sustentação oral das razões que justificaram a
sualizar a decisão, fazendo com que o destinatário dela parti- sua admissão formal na causa44.
28 cipe efetivamente, por participar do processo43. Com lastro nessas informações, observo que o proce-
dimento da intervenção do amicus curiae contempla, nota-
IV – Procedimento damente nos processos de controle de constitucionalidade
A lei não disciplina, especificamente, o procedimento de concentrado/abstrato, os seguintes elementos, como fases do
intervenção do amicus curiae. Pode-se traçá-lo, porém, com procedi­mento:
base nos dispositivos legais e nas contribuições doutrinárias 1. Requerimento dos eventuais interessados – ou outros
existentes. órgãos ou entidades;
No caso específico dessa intervenção nas ações de contro- 2. Decisão irrecorrível do relator do processo, admitindo ou
le de constitucionalidade regidas pela Lei n. 9.868/99, o § 2º não o ingresso do amicus curiae. Para essa decisão examinará,
do art. 7º define ser uma faculdade do relator. Realmente, o basicamente, a relevância da matéria e a representatividade de
dispositivo soa [...] O relator poderá admitir, por despacho ir- quem se apresenta como amicus curiae;
recorrível, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a 3. Momento da intervenção que se admite até a fase instru-
manifestação de outros órgãos ou entidades. Ocorre, porém, tória do processo, considerando-se – em respeito aos processos
que o parágrafo anterior (§ 1º), que fixava o prazo de 30 dias de controle de constitucionalidade – que ela se dê no prazo de
para os demais legitimados para ação na forma do art. 103 da 30 dias, contados da decisão que deferiu a intervenção;
CF/88 se manifestarem por escrito sobre o objeto da ação, foi 4. Possibilidade de o amicus curiae apresentar razões escri-
vetado. Em interpretação procedida pelo Prof. Gustavo Binem­ tas, inclusive com sustentação oral;
bojm tem-se que a oportunidade processual para a admissão 5. Julgamento final do feito pelo tribunal competente, na
do amicus curiae, nos termos do art. 7º, § 2º é a qualquer forma prevista no respectivo Regimento.
tempo, sendo de 30 dias o prazo para apresentar a respectiva
manifestação, depois que for admitida a sua participação pelo 5 CONCLUSÃO
relator. É tempo de concluir. Após as investigações realizadas, é
Antonio do Passo Cabral assinalou, porém, que o STF e o lícito concluir que, na interseção dos pianos do Direito Consti-
STJ [...] têm entendido, em nosso sentir com razão, que a inter- tucional e do Direito Processual, nasceu uma nova disciplina, o
venção do amicus curiae poderá ocorrer durante a instrução Direito Processual Constitucional, que se rege pelos Princípios
processual, não sendo admissível depois de iniciado o julga- do Direito Processual e do Direito Constitucional, com institutos
mento. (CABRAL, 2003, p. 138). próprios destas matérias, que, no entanto, não predominam em
Esse é o entendimento seguido pelo próprio STF, como cada uma delas, mas apenas na novel disciplina. Trata-se, pois,
se colhe do que foi decidido nos autos da Adin n. 2.238, que de matéria nova e mista.
teve como relator o então Ministro Ilmar Galvão, como se lê No campo de atuação específica dessa nova disciplina,
no Informativo STF n. 267: Considerou-se que a manifestação ressaltam os princípios constitucionais gerais aplicáveis ao pro-

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cesso como um todo – administrativo, trínseca implicação que mantinham entre si, nistrativo, porque ali a justiça administrativa é
lastreamos nele a análise que fizemos do pro- competente para decidir sobre esses interes-
legislativo, jurisdicional, tanto civil como cesso civil brasileiro em nossa modesta obra ses, ficando os direitos subjetivos a cargo dos
penal – no sentido de conjunto de atos inaugural Jurisdição, ação (Defesa) e Proces- juízes integrantes do Poder Judiciário, ou da
que torna possível o exercício do poder so, editada pela dialética, 1997, cuja obra, com magistratura. No Brasil, em que vige o sistema
o mesmo embasamento, fora reeditada em da jurisdição una, a garantia constitucional
em suas várias formas, para o atingimen-
2007, já agora pela Ed. Método e sob outro do controle jurisdicional abrange uns e outros
to de seus fins e, além disso, a disciplina nome: Teoria Geral do Processo (Jurisdição, porque, com contrário, o titular de meros in-
própria de atuação da jurisdição constitu- ação (Defesa) e Processo. teresses ficaria desprovido de qualquer tutela
cional na defesa da Constituição, quando 3 Como se sabe, esse enquadramento obsoleto jurisdicional relativamente a estes – o que não
do fenômeno processual foi adotado, entre ocorre lá onde existe o contencioso adminis-
se desenvolver um controle de constitu- nós, pelo grande processualista José Frederico trativo. (DINAMARCO, 2004, p. 23). Nesse sen-
cionalidade das normas e dos atos públi- Marques (1986, p. 10) como já se referiu em tido, também Enrico Tullio Liebman (1984, p.
cos, além de várias outras matérias aqui nossa modesta obra (DANTAS, Francisco W. 23, v. 1).
Lacerda, 1997a, p. 396, n. 3). Nesse sentido, 9 Muito embora ainda haja certa discussão em
não mencionadas. Hans Kelsen já havia observado que [...] uma respeito à existência ou não do princípio do
Essas breves considerações foram ordem jurídica é um sistema de normas gerais promotor natural, Marcelo Navarro Ribeiro
traçadas, tão somente, em busca da e individuais que estão ligadas entre si pelo Dantas deu notável contribuição no sentido de
fato de a criação de toda norma que perten- afirmá-lo. (DANTAS, 2004, p. 97)
apreciação da verdadeira definição ce a este sistema ser determinada por outra 10 Nesse sentido, José de Albuquerque Rocha ob-
dessa fascinante disciplina, examinan- norma do sistema e, em última linha, pela serva que os entes favorecidos no caput do art.
do-se ainda, de modo sumário, os sua norma fundamental (1985, p. 252) com 188 do CPC não podem estar em pé de igual-
o que o processo é encarado, na visão con- dade substancial com o particular, em razão do
princípios constitucionais do processo temporânea, como uma técnica de criação de interesse público que encarnam, daí porque se
e a disciplina do processo jurisdicional normas, em que se pode identificar o processo observa, com propriedade: “Comprovado que
destinado ao controle de constitucio- legislativo, que diz respeito ao corpo de normas Estado e sujeitos privados são diferentes, seja
preestabelecido para o processo de criação das quanto à estrutura, seja quanto à função, o
nalidade das normas. leis – norma geral e abstrata por excelência – e passo seguinte é ver qual a finalidade a que
dos demais processos para a criação de normas servem os instrumentos jurídicos colocados à
individuais, como o processo negocial, que visa disposição do Estado no processo, e que cons-
à criação do contrato; o processo administra- tituem o objeto do tratamento desigual de que
NOTAS
tivo, que visa à criação do ato administrativo; se beneficia, relativamente às partes privadas.
1 A esse respeito, Paulo Roberto de Gouvêa Me-
e o processo judicial, que busca a criação da Ou seja, trata-se de investigar qual a finalida-
dina (2005), em obra já na 3ª edição, denomi-
sentença. (KELSEN, 1985, p. 397-398). de dos benefícios concedidos ao Estado em
nada Direito Processual Constitucional, registra
4 Sabido que o processo negocial decorre do juízo. Depois de tudo quanto foi dito sobre as
o fracionamento que é feito, em parte da dou-
princípio pacta sunt servanda, pois, como ha- atividades do Estado, evidentemente, não há a
trina, entre o Direito Processual Constitucional,
que teria por objeto exclusivamente a matéria via observado o mesmo Hans Kelsen, o con- menor dificuldade em identificar a finalidade 29
objeto da jurisdição constitucional enquanto o trato é uma norma individual que resulta da do tratamento desigual que lhe é outorgado
Direito Constitucional Processual versaria o es- vontade das partes. (KELSEN, 1985, p. 276). em juízo: sucintamente, podemos dizer que a
tudo dos princípios e institutos constitucionais, 5 O escólio de Kant foi referido por A. Menezes finalidade do tratamento normativo desigual
para, ao depois, desferir vigorosa crítica a esse Cordeiro (1996, p. 64), na excelente intro- dispensado ao Estado em juízo è a realização
entendimento, por não se fundar em nenhuma dução que fizera da obra de Claus Williem (Grifo do original) dos interesses públicos que
base metodológica segura nem apresentar ne- Canaris Pensamento Sistemático e Conceito lhe incumbe promover, no processo e fora
nhum interesse prático, para o que cita a obra de Sistema na Ciência do Direito à edição dele, por expresso mandamento constitucio-
de Willis Santiago Guerra Filho (1999, p. 17, n. portuguesa, publicada pela Fundação Calouste nal. Quer dizer, o trato normativo desigual dis-
15). Nesse sentido, Ivo Dantas (2006) procede Gulbenkhian. pensado ao Estado é um instrumento que lhe
a um excelente resumo dessa dicotomia, com 6 O conceito completo, formulado por Celso é atribuído para que possa realizar (grifo do
transcrição de escólios de Domingo Garcia Antônio Bandeira de Melo é: princípio e man- original) o interesse publico de que e portador
Belaunde, na Colômbia; Jose Alfredo Baracho, damento nuclear de um sistema, verdadeiro o defensor”. (ROCHA, 1995, p. 172)
no Brasil; Elvito A Rodriguez, no Peru; Nestor alicerce dele, dispositivo fundamental que se 11 Nesse sentido, Frederico Marques faz alusão ao
Pedro Saqües, na Argentina; bem como, ainda irradia sobre diferentes normas compondo- art. 458, III do CPC – o juiz resolverá as ques-
no Brasil, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada lhes o espírito e servindo de critério para sua tões que as partes lhe submeterem – para ex-
Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco, exata compreensão e inteligência, exatamente plicar que elas se apresentam como capítulos
em clássica obra coletiva, José Frederico Mar- por definir a lógica e a racionalidade do sis- da sentença, que define como questões preli-
ques e José de Albuquerque Rocha, além do tema normativo, no que lhe confere a tônica minares que o juiz deve apreciar a fim de deci-
próprio Paulo Bonavides, que, em obra já ci- e lhe dá sentido harmônico. Acrescentando, dir sobre a admissibilidade da tutela jurisdicio-
tada neste trabalho, ao cabo das transcrições, em seguida: É o conhecimento dos princípios nal, assim como as preliminares de mérito, as
aparentemente concorda com a observação de que preside o intelecto das diferentes partes questões prejudiciais, e cada um dos pedidos
J. J. Gomes Canotilho, para quem não se deve componentes do todo unitário que dá por cumulados em simultaneus processus. Cândi-
confundir uma disciplina – Direito Constitucio- nome sistema jurídico positivo. O acréscimo do Dinamarco prefere considerar os capítulos
nal Processual – com outra – Direito Processual posto em ressalto revela a importância dos da sentença como “unidades autônomas do
Constitucional –, pois ambas têm objetos dife- princípios para a compreensão do sistema ju- decisório da sentença”. (DINAMARCO, 2002,
rentes, com a afirmação de que o Direito Cons- rídico, como defendido no texto. (BANDEIRA p. 35). Impõe-se considerar, pois, que havendo
titucional Judicial (denominação que prefere DE MELO, 1993, p. 408-409). sido respeitado o contraditório, os argumentos
a Processual) é disciplina [...] constituída pelo 7 Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes observa, e provas trazidos pelas partes deverão ser apre-
conjunto de regras e princípios que regulam ao apreciar o tema dos direitos fundamentais em ciados como unidade autônoma, sendo que
a posição juridico-constitucional, as tarefas, respeito a estrangeiros: Há, portanto, direitos que não haveria contraditório.
o status dos magistrados, as competências e se assseguram a todos, independentemente da 12 Escreveu, precisamente: [...] il “proceso” è un
a organização dos tribunais. (CANOTILHO, nacionalidade do indivíduo, porquanto são con- procedimento in cui partecipano (sono abilitati
2000, p. 957). siderados emanações necessárias do princípio a participare) colloro nella cui sfera giuridica
2 Cf. PODETTI (1944, p. 115). Por estarmos e da dignidade humana (Grifos nossos). (MEN- l’atto finale è destinato a svolgere effetti: in
continuarmos convencidos da correção desse DES, 2008, p. 273). contraddittori, e in modo che l’autore dell’ato
entendimento, basicamente de que nenhuma 8 Cândido Rangel Dinamarco acentua, com pre- non possa obliterare le loro attività. (FAZZALA-
noção jurisdição + ação + processo pode ser cisão, que O tema de distinção entre meros in- RI, 1996, p. 82)
examinada nem disciplinada isoladamente, teresses w direitos subjetivos é muito versado 13 Basta observar que o art. 213 do CPC define
sem o concurso das demais, em face da in- nos países em que existe o contencioso admi- citação, no processo de conhecimento, como

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o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se de- um dos quais criando seus mecanismos próprios”. (DANTAS, Ivo, 2006, p.
fender, enquanto, no processo de execução e no mesmo CPC, a citação é 256, v. 1).
definida, no art. 652 do CPC, no sentido de que o devedor será citado para, 24 Gilmar Ferreira Mendes reconhece que o constitucionalismo moderno se
no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou nomear bens á penhora. esforça no sentido de positivar o Direito Natural. (1990, p. 105).
Como se vê, a citação não se destina a provocar o contraditório. 25 Nesse sentido, Jorge de Miranda (1996a, p. 362). Como se reconhece, re-
14 Refiro-me à obra de Teoria Albino Zavascky (2006) e de Gregório sulta do clássico pronunciamento do Chief of Justice John Marshall, quando,
Assagra de Almeida (2003, p. 88), entre outras obras. em 1803, sob a égide do art. 6º, cláusula 2ª da Constituição Federal ameri-
15 Para o que cita Comoglio (1970, p. 142). Cf. (GRINOVER, 1990, p. 7) cana de 1787, proclamou, no célebre caso Marbury/Madison: principle, sup-
16 A afirmação é de Cândido Dinamarco (2004, p. 216). Penso, no entanto, posed to be essential to all written constitutions, that a law repugnant to
com todo respeito ao eminente processualista, que cabe uma restrição the constitution is void, and that courts, as well as other departments, are
técnica em respeito ao pedido porque, no processo de conhecimento, so- bound by that instrument. (CAPPELLETTI, 1984, p. 63).
mente o autor pede e o réu resiste, não formulando, tecnicamente, nenhum 26 Mauro Cappelletti refere-se a esses inconvenientes ao assinalar que a intro-
pedido, exceto quando se torna autor, na reconvenção ou nas chamadas dução do sistema difuso em países sem essa tradição [...] levaria à conse-
ações dúplices. No processo de conhecimento, como se sabe, onde se dis- qüência de uma mesma lei ou disposição de lei poderia não se aplicada,
cute a procedência de uma pretensão, que lhe constitui o mérito, somente porque julgada inconstitucional, por alguns juízes, enquanto poderia, ao
o autor exercita a pretensão, o réu somente resiste a ela. O autor pede, o invés ser aplicada, porque não julgada em contraste com a Constituição,
réu não pede, ainda que ambos postulem a mesma coisa: uma prestação por outros, insistindo que esse comportamento forma verdadeiros contras-
jurisdicional justa. Tem-se, então, que o réu, tecnicamente, não pede nada. tes de tendências, para concluir com a observação de que a conseqüência
O réu requer. extremamente perigosa, de tudo isso, poderia ser uma grave situação de
17 O dispositivo era assim expresso: Para julgar as Causas em segunda e conflito entre os órgãos e de incerteza do direito, situação perniciosa quer
última instância haverá nas províncias do Império as Relações, que forem para os indivíduos como para a coletividade e o Estado. (CAPPELLETTI,
necessárias para commodidade dos Povos. (Manteve-se a grafia da época). 1984, p. 77-78)
(CAMPANHOLE, 1998, p. 829). 27 Como bem resumido por Mauro Cappelletti (1972, p. 12).
18 Como se sabe, a doutrina se esforça por estabelecer um discrímen en- 28 Cf. Sérgio Porto (2000, p. 373). O autor menciona como partícipes desse
tre os princípios e as garantias processuais. Ronnie Press Duarte, por entendimento Nelson e Rosa Andrade Nery, CPC Comentado, p. 937; Pon-
exemplo, procede a um excelente resumo a respeito, ao esclarecer que o tes de Miranda, Comentários ao CPC, tomo VI, p. 84, Vicente Greco Filho,
vocábulo princípio, na acepção liberal, não revela nenhuma força vincu- Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, 2003, p. 328.
lante, tendo Canaris observado que “Os princípios necessitam, antes, ser 29 Embora o sistema do controle difuso produza efeitos apenas entre as partes,
‘normativamente consolidados’ ou ‘normatizados’ (para que cita a obra Gilmar Ferreira Mendes sustenta que a suspensão da execução da lei pelo
System denken und Systembegriff in der Jurisprudenz, traduzida ao ver- Senado (cf. art 52, X, da CF/88), como também a demora na apreciação de-
náculo por Antonio Menezes Cordeiro, também citada neste trabalho), finitiva dessa questão pelo STF, reclamam uma superação nessa disciplina,
pelo que [...] não fazem nascer, na esfera jurídica de qualquer sujeito como se lê na obra, tantas vezes citada (MENDES, 2008, p. 1092). Sustenta
direito subjetivo algum”, enquanto “o emprego do termo ‘garantia’ traz mesmo, tanto em voto que proferiu como em artigo que fez publicar, que
consigo uma dimensão subjetiva própria, a qual não é passível de veri- não há necessidade de esperar-se que o Senado Federal suspenda a exe-
ficação nos princípios constitucionais em sentido estrito. (DUARTE, 2007, cução da lei para que ela produza efeitos erga omnes porque argumenta
p. 90-91). que o STF vem fazendo uma releitura do referido art. 52, X, da CF/88, no
30 19 Cf. Nelson Nery Júnior (2004, p. 28). Nesse sentido, Ivo Dantas (2006, p. sentido de haver-se tornado dispensável esse ato de suspensão. Cf. Mendes
165). (2004, p. 149-168, p. 165). Nada obstante a autoridade de quem defende
20 A esse respeito, Ada Pellegrini Grinover já havia feito referência, na justi- essa modificação, penso, como apoio em alguns votos dos ministros do STF
ficativa que apresentara à “Proposta à Constituinte: Princípios Fundamen- que não acompanharam esse voto, que essa releitura não pode ser feita,
tais e Declarações de Direito: “Nas garantias do ‘devido processo legal’”, validamente, a menos que se modifique o texto constitucional e que o país
cuidou-se de transpor para o texto constitucional os princípios que a abandone, de vez, o sistema da civil law, que sempre seguiu.
doutrina e a jurisprudência construíram à luz das Constituições ante- 30 Acrescento, ainda, que, no exemplo supramencionado, se deixou também
riores (Grifo nosso). O referido trabalho se encontra inserto em Grinover a função social do processo civil que Eduardo Cambi (2009), em excelente
(1990, p. 391). artigo com fundamento em vários autores, afirma, de modo contundente:
21 Cf. Velloso (2009, p. 49). Esse autor faz remissão a diversas obras de muitos A dogmática processual, se não quiser converter-se em abstração vazia,
outros autores, na nota 2 ao pé desta página: Vigoritti, Vincenzo, Garanzie deve servir de método para que o direito se concretize na justiça. (Grifo
del processo civile, Milano, Dott. A. Giuffrè, Ed. 1973; SIQUEIRA CASTRO, original)
Carlos Roberto de. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis 31 André Ramos Tavares (2005, p. 392 e ss.) observou que o processo consti-
na Nova Constituição do Brasil, Forense, 1990; BARACHO, José Alfredo tucional, notadamente o processo constitucional de controle de constitucio-
de oliveira. Processo Constitucional, Forense; ROSAS, Roberto. Direito Pro- nalidade, passou a ser admitido a partir do fim do século XIX para ressaltar
cessual Constitucional, RT; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tendências que se tratava de um processo que não servia para defesa de um direito
Contemporâneas do Direito Processual Civil, p. 31-99. Temas do Direito subjetivo, tendo-se construído essa expressão para ressaltar o distanciamen-
Processual, Saraiva, 1994; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A Interpreta- to desse processo (o constitucional, considerado objetivo) daquelas regras
ção dos Direitos Fundamentais na Suprema Corte dos EUA e no supremo processuais próprias dos conflitos intersubjetivos de interesses, do tipo clás-
Tribunal Federal, Jurisdição Constitucional dos Direitos Fundamentais, Del sico. O autor fundamenta as observações nas obras de muitos autores.
Rey, 2003; SAMPAIO, José Adércio Leite (Coordenador). O retorno às tra- 32 Como observou Gilmar Ferreira Mendes (1990, p. 251), trata-se de um pro-
dições: a razoabilidade como parâmetro constitucional, nesta última obra cesso objetivo, sem partes, no sentido material, porque “constitui processo
citada. que não tem outro escopo, senão o de defesa da ordem fundamental con-
22 Os acréscimos, à guisa de comentários procedidos entre parênteses, tra atos com ela incompatíveis”.
são meus. Observo que a segunda série de princípios também ínsitos 33 Como observa, com precisão, Luís Roberto Barroso (2004, p. 119 e ss.).
à cláusula geral do due process of law no direito americano não guarda 34 Na obra de Luís Roberto Barroso (2004, p. 129 e ss.), de cuja síntese nos
correspondência com o direito brasileiro porque, como se sabe, ali há a valemos, há estudo minudente sobre cada uma das hipóteses referidas no
predominância do processo oral, com a indispensável participação do júri, texto.
entre nós restrito apensas aos processos penais dos crimes dolosos contra 35 Cf. Pontes de Miranda (1998, p. 268). No mesmo sentido, Jorge Miran-
a vida. (NERY JR., 2004, p. 68-69). da assinala que os centros de formação da vontade, nas pessoas coletivas
23 Ivo Dantas, por exemplo, dedica o item 2 do Capítulo 3 – Da Justiça Cons- (pessoas jurídicas) são criados por lei e, como estas não têm existência pró-
titucional e seus principais Modelos – do item A Justiça Constitucional e o pria, são atribuídas a certas pessoas físicas a função de preencherem esses
Controle da Constitucionalidade ao tema, por reconhecer que “a questão órgãos em concreto e de agirem como se fosse a própria pessoa jurídica a
(controle de constitucionalidade, observo) encontra-se intimamente liga- agir. Desse modo, a vontade que essas pessoas físicas formem – uma von-
da à existência da denominada Justiça Constitucional (grifo no original), tade psicológica, como outra qualquer – e tida como a vontade da pessoa
instituição que, apesar de sua crescente consagração no constituciona- jurídica e qualquer ato que pratiquem a ela (pessoa jurídica) é atribuída.
lismo contemporâneo, não se encontra isenta de problemas de ordem Nisso – segundo o autor – consiste o fenômeno da imputação, observando
teórica e prática, até porque, e apesar do reconhecimento generalizado de que não há dualidade de pessoas (a pessoa jurídica e titular dos direitos e
que existe a necessidade da Defesa da Constituição, o modo como esta é a pessoa que os exerce) como na representação, legal ou voluntária, mas
realizado, varia de ordenamento jurídico para ordenamento jurídico, cada uma unidade: a pessoa jurídica, que exerce o seu direito ou prossegue o seu

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interesse, mediante pessoas físicas que formam 41 Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes (1990) titucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra:
a vontade, que são suporte ou titulares dos ór- averbou: a prática americana do amicus Almedina, 2000. p. 113-170
gãos. (MIRANDA, Jorge, 1990, p. 46-47). curiae brief permite à Corte Suprema converter CAPPELLETTI, Mauro. Controle judicial de consti-
36 O que bem revela o caráter de prejudiciali- o processo aparentemente subjetivo do con- tucionalidade das leis no direito comparado. Tra-
dade constitucional dessa ação, quando pro- trole de constitucionalidade em um processo dução ao vernáculo de Aroldo Plínio Gonçalves e
posta em respeito a questões pendentes de verdadeiramente objetivo (no sentido de um revisão de José Carlos Barbosa Moreira. Porto Ale-
julgamento, inclusive possíveis decisões con- processo que interessa a todos) no qual asse- gre: S.A. Fabris, 1984.
cessivas ou não de liminares. Nesse caso, a gura a participação das mais diversas pessoas ________. La pregiudizialità costitucizionale nel
questão prejudicial que é levada ao STF por e entidades. processo civile., Milano: A. Giuffrè, 1972.
intermédio da ação de arguição de descum- 42 Cf. Prof. Gustavo Binembojm, com remissão, CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemá-
primento de preceito fundamental volta de lá no particular, a Adin n. 2238, Relator o Min. tico e conceito de sistema na ciência do direito.
com a decisão, com eficácia erga omnes e a Ilmar Galvão, indicando como fonte o Informa- 2. ed. Introdução e tradução de A. Menezes Cor-
natureza de ponto prejudicial sobre essa no- tivo STF n. 267, Milton Luiz Pereira, no artigo deiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkhian,
ção, cf. (DANTAS, Francisco W. Lacerda, 1997, Amicus Curiae – intervenção de terceiros, pu- 1996.
p. 188). Nos sistemas de controle concentrado blicado na Revista de Informação Legislativa n. CHIOVENDA, Guiuseppe. Instituições de direito
– como o da Itália –, a provocação para apre- 156, ano 39, out./dez. 2002, p. 9.111 e o Agravo processual civil. Tradução da 2. edição italiana por J.
ciação da prejudicial de constitucionalidade é Regimental na Petição n. 1.6621/PE, Corte Es- Guimarães Menegale, acompanhada de notas por
feita pelo próprio juízo. Cappelleti acentua: pecial j. 2/5/2002; Agravo Regimental no REsp Enrico Tullio Liebman. v. 1.
II carattere necessario della sospensione n. 326.097/CE, Rei. Min. Milton Luiz Pereira, j. COMOGLIO, Luigi Paolo. La garantia costituziona-
del processo per pregiudizialita costizionale, 2/5/2002 le dell’azione ed il processo civile. Padova: CEDAM,
carattere che some s’e visto non e esclusoa 43 Como refere Ovídio A. Baptista da Silva, ao 1970.
dalla caratterislica examinata al parágrafo esclarecer que, na concepção moderna de DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Jurisdição, ação,
precedente. sub a, non é escluso nemmeno governo democrático, se tem como a de um defesa e processo. São Paulo: Dialética, 1997.
dal potere-dovere del giudice civile (penale governo participativo, em que – em suas pa- ________. Teoria geral do processo: jurisdição,
o amministrativo)di giudicare della ‘rilevan- lavras – nos países mais evoluídos, o próprio ação, defesa e processo. São Paulo: Método, 1997a.
za’ della norma di legge della cui legitdimità ato administrativo se “processualize” através DANTAS, Ivo. Constituição e processo. Curitiba: Ju-
costituzionale se discute nè (come vedremo do estabelecimento de um contraditório prévio ruá, 2006. v. 1.
nei prossimi paragrafi) da quello di giudicar entre as “partes interessadas em sua produ- DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Princípio do pro-
della eventuale ‘manifesta infondatezza’ del- ção”. Insista-se o amicus curiae não intervém motor natural. Salvador: JusPodium, 2004.
la questione di inconstituzionalità[...]. Esse como interesse jurídico, próprio, mas como DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José
autor observa que, no ordenamento jurídico colaborador eventual, para tornar mais demo- Carneiro da. Curso de direito processual civil. Sal-
italiano, cessa a suspensão do processo desde crático o processo judicial e político do controle vador: Podivm, 2006. v. 3.
o momento em que seja pronunciada na ins- de constitucionalidade, embora não sejam con- DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalida-
trução a sentença que resolve a questão (sen- siderados como parte interveniente nem com de do processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
tenza di proscioglimenlo) não mais sujeita à intervenção meramente assistencial. ________. Capítulos da sentença. São Paulo: Ma-
impugnação. (CAPPELLETTI, 1972, p. 101, p. 44 Grifos do original. Cf. voto proferido na Adin n. lheiros, 2002.
213-214). 2.777. São Paulo. Disponível em: <http://lfcon- ________. Execução civil. 3. ed. São Paulo: Ma- 31
37 Cf. Luiz Fernando Martins da Silva, Anotações jur.uol.com.br/tcroosl23254>, transcrito pelo lheiros, 1993a.
sobre o amicus curiae e a democratização Prof.Gustavo Binenbojm (2005, p. 16). ________. Instituições de direito processual civil.
da jurisdição constitucional, Jus Navigan- 4. ed. rev., atual. e com remissões do novo Código
di – <htpp//www1.jus.com.Br/doutrina/ Civil de 2002. São Paulo: Malheiros, 2004.
textoasp?id=6358>, p. 2-6. O autor registrou, REFERÊNCIAS DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justi-
na nota 11, que a decisão havia sido aperta- ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual ça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra:
díssima: 5 votos a favor e quatro contra. Os coletivo brasileiro: um novo ramo do direito pro- Coimbra, 2007.
juízes da Suprema Corte americana concluí- cessual. São Paulo: Saraiva, 2003. FAZZALARI, Elio. Istituzione di diritto processuale. 8.
ram que a universidade de Michigan poderia BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de ed. Padova: Cedam, 1996.
levar em consideração a raça dos candidatos direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, FAVOREAU, Louis. Los Tribunales Constitucionales.
de minorias étnicas no processo de admissão 1993. Tradução de Vicente Vilacampa. Barcelona: Ariel,
de pós-graduação da sua Escola de Direito. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucio- 1994.
38 Como o reconheceu o Prof. Gustavo Binembojm nalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do
(2005, p. 3). 2004. direito processual civil. 29. ed. São Paulo: Forense
39 O Prof. Gustavo Binembojm (2005, p. 2, n. 3) Bernardes, Juliano Taveira. In: Arguição de Des- Universitária, 1990.
explicou que, embora a Constituição não o pre- cumprimento de Preceito fundamental. Op. cit., p. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo cons-
veja, [...] o STF construiu, ao longo dos últimos 3. Revista Jurídica Virtual, Brasília, n. 8, jan. 2000. titucional e direitos fundamentais. São Paulo: C.
anos, uma robusta jurisprudência erigindo a Binenbojm, Gustavo. A Dimensão do Amicus Bastos, 1999.
pertinência temática como condição específi- Curiae no Processo Constitucional Brasileiro: requi- KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução
ca para que determinados órgãos e entidades sitos, poderes processuais e aplicabilidade no âmbi- João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,
se habilitem a manejar a ação direta de in- to estadual, Revista Eletrônica de Direito do Estado, 1985.
constitucionalidade. Tal condição consiste na Salvador, n. 1, p. 1-22, jan./fev./mar. de 2005. ________. Teoria geral do direito e do estado.
relação de pertinência que deve existir entre BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. Tradução ao vernáculo de Luís Carlos Borges. São
os fins institucionais e atribuições do órgão 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. Paulo: Martins Fontes, 1990.
ou entidade e o conteúdo do ato normativo BUENO FILHO, Edgar Silveira. Amicus Curiae: LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito proces-
impugnado por meio da ação direta. a democratização do debate nos processos de sual civil. Tradução e notas de Cândido Rangel Di-
40 A doutrina, em geral, repele que se trate de constitucionalidade. Revista Diálogo Jurídico, n. namarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984. v. 1.
uma forma de intervenção de terceiro. O prof. 14, jun./ago. 2002, p. 8. MACGREGOR, Eduardo Ferrer. Justicia constitucio-
Edgard Silveira Bueno Filho (2002, p. 8), po- CABRAL, Antônio do Passo. Pelas asas de Hermes: nal y derecho procesual constitucional. ¿Conver-
rém, afirma que o amicus curiae é uma forma a intervenção do amicus curiae. Revista de Direito gência ou convivência? Revista Latino-Americana
qualificada de assistência. Como se tem a as- Administrativo, Rio de Janeiro, n. 234, p. 138, out./ de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte, 2008.
sistência como uma forma de intervenção de dez. 2003. p. 331-351.
terceiros, é lícito concluir que se trata de uma CAMBI, Eduardo. Função social do processo ci- MARQUES, José Frederico. Manual de direito pro-
forma acabada de intervenção. Prefiro, porém, vil. Revista Tutela Jurisdicional, Salvador: Podium, cessual civil. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
conceber o novo instituto como forma análoga 2009. nais, 1986.
à intervenção, um abrandamento à proibição CAMPANHOLE, Hilton Lobo; CAMPANHOLE, Adria- MEDAUAR, Odete . Processualidade no
dela no processo objetivo de controle de cons- no. Constituições brasileiras. 4. ed. São Paulo: Atlas, direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribu-
titucionalidade, por não se ajustar essa figura à 1998. nais, 1993.
exigência do art. 50 do CPC. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito cons- MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito proces-

Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 51, p. 14-32, out./dez. 2010


sual constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade – Aspectos jurídicos
e políticos. Ed. Saraiva, São Paulo, 1990.
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Artigo recebido em 28/4/2010.


Artigo aprovado em 3/8/2010.

Francisco Wildo Lacerda Dantas é desembargador federal do


TRF da 5ª Região.

Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 51, p. 14-32, out./dez. 2010

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