Sie sind auf Seite 1von 17

FACULDADE FABAPAR

CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA E INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

A APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS


(EXEGESE DE MARCOS 3.31-35)

CURITIBA
2019
FABIANO QUEIROZ DE SOUZA

A APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS


(EXEGESE DE MARCOS 3.31-35)

Projeto de exegese apresentado como requisito parcial de


avaliação da disciplina de metodologia exegética para
Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Teologia e
Interpretação Bíblica FABAPAR.

Orientador(a): Prof. Ranon Gomes dos Santos.

CURITIBA
2019
2
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 4

1. TEXTO BÍBLICO DA APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS .................. 4

1.1.Visão Geral do Texto...................................................................................................... 4

1.2.Delimitação do Texto ..................................................................................................... 5

1.3.Crítica Textual ................................................................................................................ 5

1.4.Tradução do Texto .......................................................................................................... 6

1.4.1. Análise da Palavra ἀδελφός (Irmão) ........................................................................ 6

1.4.2. Análise da Palavra θέλημα (Vontade) ...................................................................... 6

2. CONTEXTO DA APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS ........................... 9

2.1.Contexto Histórico........................................................................................................ 10

2.2.Contexto Geográfico..................................................................................................... 10

3. ANÁLISE DO TEXTO DA APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS ........ 12

3.1.Análise Estilística ......................................................................................................... 13

3.2.Análise Teológica ......................................................................................................... 13

4. SÍNTESE DO TEXTO DA APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS ......... 14

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 17

2
INTRODUÇÃO

Uma grande multidão de pessoas seguiu Jesus durante o seu ministério e por aceitarem
superficialmente aquela nova doutrina (cf. Marcos 1.22-28), pensavam fazer parte da família
espiritual do Grande Mestre de Nazaré. Algumas o seguiam por fé, outros, porém, o buscavam
apenas por interesse pessoal (cf. João 6.26). Entretanto, chegou o momento em que Jesus
revelou especificamente a natureza e o caráter da sua verdadeira família. O que está por trás
desta revelação?

1. TEXTO BÍBLICO DA FAMÍLIA DE JESUS

1.1 Visão Geral do Texto

A passagem que temos em Marcos 3.31 até 35 trata de uma perícope maior que vai
dos versos 20 até 35. Nesta pequena porção das Escrituras Marcos, assim como os demais
evangelistas, relata a apresentação da família de Jesus. Ele mencionou este acontecimento logo
após a narração de uma série de curas, libertação de pessoas possessas, uma multidão sedenta
e o início da amarga oposição dos religiosos a Jesus (3.1ss). Para Pinto, em seguida a estas
controvérsias Jesus, Marcos indica uma mudança de ênfase e a consumação de um cisma radical
no ministério de Jesus com a escolha dos doze apóstolos para a formação de um núcleo de uma
nova família (3.7ss) (PINTO, 2008).
A oposição cresce e se torna cada vez mais profunda (3.20ss). Enquanto a multidão
concorria para ver e ouvir Jesus, os religiosos o perseguiam e o acusavam injustamente de estar
possuído por Belzebu (3.22), até mesmo sua família procurou removê-lo do seu ministério
público crendo na falsa acusação dos religiosos (3.21). Marcos registra a sabedoria excelsa de
Jesus por um lado ao demonstrar a inconsistência lógica dos religiosos, e por outro, ao advertir
sobre a blasfêmia contra Deus o Espírito (3.23ss) para logo em seguida apresentar o caráter e a
natureza da sua verdadeira família (3.31ss) (PINTO, 2008).
A ação de Jesus pode ser considerada como uma rejeição da sua mãe e irmãos segundo
o sangue? E se for, qual o seu significado? Será que Jesus tinha de fato irmãos e irmãs segundo
o sangue? Qual o sentido da fala de Jesus ao apresentar sua verdadeira família? Quem é a
verdadeira família de Jesus, qual seu caráter e sua natureza? Este é o objetivo deste trabalho.

4
1.2 Delimitação do Texto

A perícope da apresentação da família de Jesus pode ser definida dos versos 31 até 35
do capítulo 3 de Marcos, somente se considerarmos que o verso 21 não se refere as mesmas
pessoas que aparecem no verso 31. Entretanto, se for este o caso, ao considerar que temos um
processo de intercalação presente nos versos de 20 até 35, mais especificamente nos versos 21
e 31, a perícope ficaria definida incorretamente entre os versos 31 e 35, pois os parentes de
Jesus partem de Nazaré no verso 21, mas só chegam a Cafarnaum no verso 31; nesse meio
tempo temos uma controvérsia entre Jesus e os religiosos (SILVA, 2009).

Elenco alguns argumentos em favor da unidade da perícope entre os versos 20 até 35:

a) Nos versos 20 até 35 não existe uma mudança de personagens.


b) Nos versos 20 até 35 não há deslocamento ou mudança de espaço geográfico.
c) Nos versos 20 até 35 não há mudança de tema e de foco.
d) Nos versos 20 até 35 os personagens da narrativa são previamente indicados pelo
autor nos versos 20, 21 e 22.
e) No verso 31 existe uma inserção de personagens previamente citados no verso 21.
f) No verso 20 até 21 temos a intercalação para que o fato seja retomado mais à frente
no verso 31.
g) Nos versos 20 até 35 o autor não parece dar a narrativa por concluída como faz
claramente em outros casos. Portanto, a partir do verso 31 existe uma continuidade
do episódio iniciado no verso 20.

Assim, parece estar comprovado que temos uma única perícope que gira em torno de
um único tema nos versos 20 até 35.

1.3 Crítica Textual

Nossa expectativa é uma análise superficial da crítica textual, utilizando material


disponibilizado no aparato crítico de Omanson, publicado pela SBB1 e também as informações
prestadas por Champlin2.

A perícope da apresentação da família de Jesus apresenta variantes textuais em apenas


um verso. As variantes do verso 32, conforme o aparato crítico de Omanson são:

1
OMANSON, 2010, p.67
2
CHAMPLIN, 2001, p.684-685
5
οἱ ἀδελφοί σου [καὶ αἱ ἀδελφαι σου] (teus irmãos [e tuas irmãs])

A maioria dos manuscritos não traz a locução καὶ αἱ ἀδελφαι σου (e tuas irmãs). O
texto mais breve tem um sólido apoio de manuscritos alexandrino e cesariano, o que para
Champlin é argumento suficiente para se adotar o texto mais breve (CHAMPLIN, 2001).
Entretanto, para Omanson, tudo indica que estas palavras sejam de fato originais e algumas
possibilidades são apresentadas para a ausência desta locução:

A primeira possibilidade é a omissão acidental, pode ter ocorrido quando o copista


passou do primeiro pronome σου ao segundo pronome σου. A segunda possibilidade é a
omissão intencional, visto que as irmãs não são mencionadas nos versos 31 e 343.

Por fim, Omanson argumenta que se essas palavras não fossem originais, e sim um
acréscimo feito por um copista, seria mais lógico que fossem inseridas no verso 31, e não no
32 (OMANSON, 2010). O peso da discussão entre os dois lados faz com que a locução καὶ αἱ
ἀδελφαι σου apareça no texto entre colchetes, para indicar que há dúvidas quanto ao texto
original. Os editores do aparato crítico disponibilizado pela SBB optaram por atribuir a letra C
para o grau de originalidade do texto assumido. Provavelmente a leitura foi assumida com base
na fala de nosso Senhor Jesus no verso 35, em que ele afirma: οὖτος ἀδελφός μου καὶ ἀδελφὴ
καὶ μήτηρ ἐστίν (este irmão meu e irmã e mãe é).

1.4 Tradução do Texto

O texto grego de Marcos 3.31-35, segundo o Grego Analítico do Novo Testamento é:

καὶ ἔρχεται ἡ μήτηρ αὐτοῦ καὶ οἱ ἀδελφοὶ αὐτοῦ καὶ ἔξω στήκοντες ἀπέστειλαν πρὸς
αὐτὸν καλοῦντες αὐτόν. καὶ ἐκάθητο περὶ αὐτὸν ὄχλος, καὶ λέγουσιν αὐτῶ, ἰδοὺ ἡ
μήτηρ σου καὶ οἱ ἀδελφοί σου [καὶ αἱ ἀδελφαι σου] ἔξω ζητοῦσίν σε. καὶ ἀποκριθεὶς
αὐτοῖς λέγει, τίς ἐστιν ἡ μήτηρ μου καὶ οἱ ἀδελφοί [μου]; καὶ περιβλεψάμενος τοὺς
περὶ αὐτὸν κύκλῳ καθημένους λέγει, ἴδε ἡ μήτηρ μου καὶ οἱ ἀδελφοί μου. ὃς [γὰρ] ἂν
ποιήσῃ τὸ θέλημα τοῦ θεοῦ, οὖτος ἀδελφός μου καὶ ἀδελφὴ καὶ μήτηρ ἐστίν4.

Por razões de espaço, não será possível transcrever aqui toda a análise léxica das
palavras do texto. Portanto, será apresentado a tradução melhorada e as traduções da ACF, NVI
e TEB e em seguida a análise léxica das palavras ἀδελφός (irmão) e θέλημα (vontade):

3
OMANSON, 2010. p.67
4
BARBARA & TIMOTHY, 2014, p.115
6
VRS5 ACF6 NVI7 TEB8 TDM9
Chegaram, então, Então chegaram a Chegam sua mãe e E chegaram sua mãe e
seus irmãos e sua mãe e os irmãos de seus irmãos. os irmãos dele, e,
mãe; e, estando Jesus. Ficando do Estando do lado de ficaram parados do
31
fora, mandaram-no lado de fora, fora, eles o lado de fora, e,
chamar. mandaram alguém mandaram chamar. enviaram alguém
chamá-lo. para chama-lo.
E a multidão estava Havia muita gente A multidão estava E a multidão estava
assentada ao redor assentada ao seu sentada em torno assentado ao redor
dele, e disseram- redor; e lhe dele. Dizem-lhe: dele, e lhe disseram:
32 lhe: Eis que tua mãe disseram: "Tua mãe “Eis que tua mãe e Olha a tua mãe os
e teus irmãos te e teus irmãos estão lá teus irmãos estão lá teus irmãos [e irmãs]
procuram, e estão lá fora e te procuram". fora: eles te estão lá fora e te
fora. procuram”. procuram.
E ele lhes "Quem é minha mãe, Ele lhes respondeu: E respondendo a eles
respondeu, dizendo: e quem são meus “Quem são minha disse: Quem é a
33
Quem é minha mãe irmãos? ", perguntou mãe e meus irmãos? minha mãe e os
e meus irmãos? ele. ” [meus] irmãos?
E, olhando em redor Então olhou para os E, percorrendo com E, olhando em volta
para os que estavam que estavam o olhar os que (para) os que estavam
assentados junto assentados ao seu estavam sentados assentados ao seu
34 dele, disse: Eis aqui redor e disse: "Aqui em círculo à sua redor, disse: Eis a
minha mãe e meus estão minha mãe e volta, disse: “Eis minha mãe e os meus
irmãos. meus irmãos! minha mãe e meus irmãos.
irmãos”
Porquanto, Quem faz a vontade Todo aquele que faz Quem fizer a vontade
qualquer que fizer a de Deus, este é meu a vontade de Deus, de Deus, este é meu
vontade de Deus, irmão, minha irmã e esse é meu irmão, irmão, minha irmã e
35
esse é meu irmão, e minha mãe". minha irmã, minha minha mãe".
minha irmã, e mãe.
minha mãe.

5
Versículo Bíblico de Marcos 3
6
Almeida Corrigida Fiel
7
Nova Versão Internacional
8
Tradução Ecumênica da Bíblia
9
Tradução Melhorada
7
Dentre os termos que aparecem na perícope de Marcos, foram escolhidos alguns para
um estudo mais específico, tendo em vista a relevância do seu significado para a compreensão
do todo.
1.4.1 ἀδελφός
“Irmão”, “parente de sangue”, “parente próximo”, “alguém da mesma nação ou
natureza”, “alguém de igual nível ou dignidade”, “associado”, “membro da comunidade cristã”.

A palavra ἀδελφός [irmão] é utilizada também em Marcos 6.3; 12.19; 13.12 sempre
com a intenção de indicar irmãos do mesmo ventre (KEENER, 2017). Em outras passagens
somos informados que Jesus tinha irmãos e irmãs (cf. Mateus 12.46-47; Lucas 8.19-20; João
2.12; 7.3,5, 10; Atos 1.14). Além disso, Lucas 2.7 nos informa que Jesus foi o primogênito de
Maria e em Mateus 13.55 somos informados dos nomes de seus irmãos.

A palavra ἀδελφός em conexão com ὃς [γὰρ], torna-se uma palavra de natureza


inclusiva, não devemos entender que Jesus reconheça como membros de sua família espiritual
exclusivamente pessoas do sexo masculino, antes ela significa negros, brancos, pardos,
amarelos, homem e mulher, judeu e gentio. A exclusividade encontra-se em: aqueles que fazem
a vontade de Deus, estes que fazem a vontade de Deus são seus irmãos e formam sua família
(HENDRIKSEN, 2014).

1.4.2 θέλημα

“Vontade”, “propensão”, “inclinação”, “propósito”, “plano”, “determinação”,


“soberana vontade”, “ordem”, “comando”.

Coenen nos lembra que nos Evangelhos Sinóticos e Atos, à parte de Mateus (que
ocorre 6 vezes) a raiz desta palavra se acha raras vezes para descrição direta da vontade de
Deus. A vontade de Deus expressa neste verso não deve ser entendida como algum tipo de
acomodação sem ação, como algum poder inalterável, mas sim, como afirmação ativa que ajuda
na realização da vontade e do plano divino (cf. Atos 21.4; Mateus 21.31) – trata-se de uma
participação através da capacitação do próprio Deus (cf. Filipenses 2.13). Portanto, fazer a
vontade divina, neste caso específico, está estreitamente ligado com o conhecimento desta
vontade (cf. Atos 22.14) (COENEN, 2000).

Dentro deste aspecto é possível identificar um tipo de vontade geral em Deus para
todos os crentes em todas as épocas, por exemplo, uma determinação de santificação (cf. I
Tessalonicenses 4.3-5), de ação de graças em que se demonstre aceitação da vontade de Deus

8
(cf. I Tessalonicenses 5.18), ou então, para que se faça o bem, afim de dar bom testemunho (cf.
I Pedro 2.15). E ainda, podemos identificar uma vontade específica de Deus para cada pessoa
em especial, por exemplo, no caso de Jesus é a vontade de Deus que ele bebesse o cálice da ira
(cf. Mateus 26.39ss), assim como foi a vontade de Deus a ressurreição e a salvação daqueles
que tem fé no Filho (cf. João 6.38ss). No caso de Paulo foi esta vontade específica de Deus que
o constituiu Apóstolo (cf. Romanos 1.1, etc.), é esta mesma vontade específica que dirigiu os
passos do Apóstolo (cf. Atos 16.6ss). É a aceitação e a obediência ativa a esta vontade geral e
específica, revelada como boa, perfeita e agradável que Deus requer daqueles que pertencem a
sua família (cf. Romanos 12.2, Marcos 3.35).

2. CONTEXTO DA APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS

Gundry argumenta que nenhum esboço de Marcos alcançou uma aceitação ampla,
talvez pelo fato de existir ecos da forma desconexa com que o Apóstolo Pedro narra as histórias
de Jesus. Entretanto, havendo poucas variações entre os estudiosos do Novo Testamento, é
ponto comum que o evangelho segundo Marcos está dividido em: Introdução (1.1-13), a
atuação de Jesus na Galileia e arredores (1.14-6.6), atividades de Jesus em peregrinação por
Jerusalém passando pela Transjordânia e Judéia (10.1-52) e as atividades de Jesus em Jerusalém
e arredores durante a semana da paixão, morte e ressurreição (11.1-16.20) (GUNDRY, 2008).

La Calle apresenta um esboço10 interessante em forma de quiasmo para uma parte do


ministério de Jesus na Galileia, que denomina de “Natureza da comunidade” (3.13-19):

2.1 Contexto Histórico

O Evangelho segundo Marcos à semelhança dos demais evangelhos é anônimo, o livro


não traz afirmações quando ao seu autor. O título [Kata Markon], provavelmente foi adicionado
quando os evangelhos foram reunidos e houve a necessidade de distinguir a versão de Marcos
entre os demais evangelhos (CARSON, 1997). Portanto, no segundo século este evangelho foi

10
CALLE, 1984, p.35
9
atribuído a João Marcos, filho de Maria (cf. Atos 12.12) e primo de Barnabé (cf. Colossenses
4.10), o mesmo que esteve com Paulo e Barnabé em sua primeira viagem missionária (cf. Atos
12.25) (HALE, 2001).

A afirmação mais antiga acerca da origem deste evangelho é apresentada por Papias
que foi bispo de Hierápolis, cidade da Ásia Menor até meados de 130 d.C. Esta afirmação está
registrada na obra literária de Eusébio, História da Igreja, produzida em 325, onde se lê:

E o Presbítero costumava dizer o seguinte: ‘Marcos tornou-se intérprete de Pedro e


escreveu com exatidão tudo de que se lembrava, na realidade, não na ordem das coisas
ditas ou feitas pelo Senhor. Pois ele não tinha ouvido o Senhor nem o havia seguido,
mas mais tarde, de acordo com o que eu disse, seguiu Pedro, que costumava ministrar
ensino conforme se tornava necessário, mas não organizando, por assim dizer, os
pronunciamentos do Senhor, de sorte que Marcos não fez nada de errado ao escrever
deste modo pontos específicos conforme se lembrava deles. Pois, para uma coisa deu
atenção, a não deixar fora nada do que ouvira e a não fazer neles nenhuma declaração
falsa11.

CARSON nos dizem que a partir desta declaração surgem três afirmações de grande
importância sobre o evangelho segundo Marcos: Primeiro, Marcos escreveu o evangelho, que
nos dias de Eusébio, era identificado com esse nome. Segundo, Marcos não foi uma testemunha
ocular dos fatos registrados, mas foi instruído por Pedro. Terceiro, existe uma característica
Petrina neste evangelho, a falta de organização, comum do Santo Apóstolo. Por fim, o
presbítero que Papias está citando é o Apóstolo João. Sendo o relato de Papias fidedigno, a
identificação de Marcos como o autor do evangelho remonta a primeira geração de discípulos
do Senhor (CARSON, 1997).

Quanto ao local da escrita deste evangelho, os antigos pais da igreja, principalmente


Clemente de Roma, concordam que Marcos escreveu da Itália, mais precisamente, em Roma.
Se Babilônia, em I Pedro 5.13, é uma referência encoberta a Roma, então Marcos estava em
Roma com Pedro quando este evangelho foi escrito. Além disso, o texto carrega evidências
internas que apoiam esta afirmação. Por exemplo, há alguns termos latinos emprestados do
grego, uma explicação e comparação de valor entre uma moeda grega e outra romana e a
explicação de costumes judaicos (7.3-4). A presença de Rufo em Marcos 15.21 como se fosse
um conhecido e a menção de Paulo em Romanos 16.13 dá a entender que Rufo, o filho de Simão
estava morando em Roma (HALE, 2001).

Quanto a data em que este evangelho foi escrito não é ponto de concordância e não
pode ser corretamente afirmada. Entretanto, pelo conteúdo do livro, pareceria que a época da

11
CARSON, 1997, p.102
10
escrita fosse durante um tempo de tensão e crise entre Judéia e Roma que levou a guerra
Judaico-Romana, entre 66-70, pouco tempo depois do incêndio criminoso provocado por Nero
em 64, no qual a igreja foi perseguida e acusada injustamente de incêndio culposo, sedição,
ateísmo, canibalismo e imoralidade (HALE, 2001).

Portanto, havia a necessidade de uma declaração dos feitos de Jesus para o


fortalecimento da fé destes cristãos romanos, mostrando que ele também fora muitas vezes
acusado injustamente e que estava sempre em guerra, porém a verdadeira guerra é uma luta
espiritual em que Jesus triunfou ao destruir as obras de Satanás. Manter a fé em Jesus e
continuar a segui-lo independente das circunstâncias é entrar no Reino de Deus (10.13-31) e
fazer parte da sua família (1.20; 1.29-36; 3.19-21; 31-35; 6.1-6; 10.30) sendo vitorioso com ele
(3.14; 15.18) (BROADMAN, 1986).

2.2 Contexto Geográfico

Quanto ao contexto geográfico somos informados que Jesus foi para casa (cf. Marcos
3.20 em conexão com Marcos 2.1). Para Turlington, o lugar é Cafarnaum (BROADMAN,
1986), cidade a noroeste do mar da Galileia, que se transformou por algum tempo em um quartel
general para Jesus e, portanto, se tornou conhecida como “sua” cidade (cf. Mateus 9.1), até que
finalmente foi condenada por sua falta de fé (cf. Lucas 10.15) (DOUGLAS, 2006).

Turlington argumenta que em Cafarnaum, Jesus possivelmente foi para a casa de


Simão e André, uma vez que a expressão grega não faz distinção tão claramente entre “casa” e
“lar” (BROADMAN, 1986). Hendriksen é da opinião de que o local é com certeza Cafarnaum,
porém, não está certo de que a casa é a de Pedro e André, se assim fosse, haveria uma distinção
mais clara no texto que tinha o próprio Pedro por narrador dos fatos e que em outro momento
fez a distinção (cf. Marcos 1.29). Seja como for, a casa em questão era considerada um lar para
Jesus, e estar em casa, era estar reunido com a família (HENDRIKSEN, 2014).

3. ANÁLISE DO TEXTO DA APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS

Uma das primeiras análises a ser feita é em relação a postura dos familiares de Jesus
que começa no verso 21 e tem uma conclusão no v.31. O que levou os familiares de Jesus no
curso do seu resgate? Seria ação de sua família a prova de mais uma ingerência de sua mãe em
seu ministério?

A família no contexto judaico recebia grande importância, Jacó ao visitar o seu tio
Labão em Harã foi recebido com “É meu osso e minha carne” (cf. Gênesis 29.14). Abraão
11
falando a Ló que era o seu sobrinho utiliza o mesmo símbolo “Porque, irmãos somos” (cf.
Gênesis 13.8). Este símbolo típico correspondia a realidade daquele povo (cf. I Crônicas 23.21).
A família era a base vital da sociedade. A família era mais que uma entidade social, era uma
comunidade religiosa, elo que era tão vigoroso que a conversão do líder da família conduziria
a conversão dos demais (cf. Atos 16.34; 18.8) (ROPS, 2008).

É desta unidade familiar que surge o go’el. Para Vaux o que temos nos versos 21 e 31
se trata de uma prática amorosa e misericordiosa conhecida como go’el. Os membros da família
em sentido amplo devem uns aos outros ajuda e proteção. A prática particular desse dever é
regulada pela instituição do go’el, que significa “resgatar, reivindicar e proteger”. O go’el é um
protetor dos interesses do indivíduo ou de um grupo. Ele intervém em certos casos,
especificamente no contexto de Marcos 3.31 a família de Jesus está se comportando como um
go’el de Jesus12. Rops nos lembra que ensinos rabínicos enfatizavam que não cuidar do irmão
era agir como Caim13. Portanto, o que a família de Jesus está fazendo é protegê-lo de si mesmo,
ou então, da matilha de religiosos que queriam devorá-lo.

3.1 Análise Estilística

Na construção gramatical da perícope temos um semitismo do tipo polissíndeto ou


parataxe, pois a conjunção καὶ é muito frequente nesta narrativa, ela aparece 13 vezes,
auxiliando na estrutura interna da narrativa da ação, com tal recurso, os elementos
coordenados interpenetram-se e o relato transmite a ideia de movimento, continuidade,
vivacidade e fluidez14.
Em nossa perícope devemos notar ainda o merismo que fica aparente na insistência
de Marcos em descrever a família de Jesus sempre em duas etapas: ἡ μήτηρ [a mãe] e οἱ
ἀδελφοὶ [os irmãos]. Marcos faz questão de reforçar a mãe e os irmãos, enquanto poderia
ter utilizado a expressão parentes ou família (v.21), é possível que Marcos esteja
enfatizando a crescente perseguição e pressão que chega a partir de pessoas íntimas15.
Por último, é possível observar a elipse de omissão. Uma leitura atenta da perícope vai
revelar algo bastante curioso: jamais aparece o nome [Jesus] ou o termo [discípulos]. Os sujeitos

12
VAUX, 2003, p.43
13
ROPS, 2008, p.134
14
SILVA, 2009, p.157
15
SILVA, 2009, p.159
12
especificamente nomeados são: seus irmãos e sua mãe (31, 32, 33, 34 e 35), a multidão (31),
Deus (35). Quando o sujeito da ação é Jesus ou os discípulos, os verbos estão sem nominativo16.

3.2 Análise Teológica

O Reino dos céus ou o Reino de Deus é o tema central da pregação de Jesus, segundo
os evangelhos sinóticos. Enquanto Mateus, que se dirige aos judeus, na maioria das vezes fala
em “Reino dos Céus”, Marcos e Lucas falam sobre o “Reino de Deus”, expressão essa que tem
o mesmo sentido daquela, ainda que mais inteligível para os que não eram judeus. O emprego
de “Reino dos Céus”, em Mateus, certamente é devido a tendência, no judaísmo, de evitar o
uso direto do nome de Deus. Seja como for, não existe distinção quanto ao sentido das duas
expressões (DOUGLAS, 2006).

A mensagem que os cristãos da era apostólica em geral e os leitores de Marcos em


particular precisavam ouvir se relacionava especificamente com a resposta de Jesus em Marcos
3.34ss, é a resposta de Jesus quem dá o tom para responder a pergunta: Quem é a verdadeira
família de Jesus? Ou então, quem são aqueles que pertencem ao Reino? Ao concluir a resposta
de Jesus às acusações feitas contra ele, Marcos queria enfatizar para os seus leitores a divina
filiação de Jesus e a natureza da verdadeira irmandade que está na própria essência do
discipulado. Para Marcos a verdadeira família de Deus inclui todos aqueles que se identificam
com Jesus, em sua obediência ao Pai mesmo que em face de perseguições. Aqui está o Reino
de Deus como Jesus o concebeu, a obediência a Deus é suprema e deve estar acima dos laços
familiares. Portanto, o Reino de Deus é formado pela identificação com Cristo, daqueles que
estão prontos para fazer a vontade de Deus mesmo que possa haver um custo alto
(BROADMAN, 1986).

4. SÍNTESE DO TEXTO DA APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA DE JESUS

A perícope do nosso estudo é introduzida aqui devido às acusações que foram citadas
por Marcos no verso 21, e é apropriada para a sua mensagem, visto que havia a necessidade de
uma declaração dos feitos de Jesus para o fortalecimento da fé destes cristãos romanos,
mostrando que ele também fora muitas vezes acusado e perseguido injustamente, quer pela sua
família no verso 21, ou pelos religiosos no verso 22. Agora, nos versos 31 até 35, Marcos busca
enfatizar para os seus leitores a divina filiação do Mestre de Nazaré e o esclarecimento sobre
quem é a família de Jesus. Nosso texto trabalha dois aspectos para que se possa compreender

16
SILVA, 2009, p.163
13
esta questão. Em primeiro lugar trataremos da família terrena de Jesus (cf. 3.31ss) - alvo de
muitas controvérsias no meio acadêmico, e num segundo momento, trataremos da família
espiritual de Jesus (cf. 3.35), conforme esboço:

a. A família terrena chegou


b. A família terrena está do lado de fora
c. A família terrena foi anunciada por alguém
d. A família terrena quer conversar com Jesus
e. A família terrena quer cuidar de Jesus
e. Jesus está cuidando da família celestial
d. Jesus está conversando com a família celestial
c. A família celestial foi anunciada por Jesus
b. A família celestial está do lado de dentro
a. A família celestial estava presente

Turlington nos lembra que a ideia de que estes irmãos de Jesus citados no verso 31,
eram na verdade, filhos de José em um casamento anterior remonta ao apócrifo do Evangelho
de Pedro (cf. 140-150 d.C). Jerônimo também chegou a insistir de que estes irmãos do verso
31, eram na verdade, primos de Jesus (BROADMAN, 1986). Para Champlin, estes versos
começaram a ser vistos de forma diferente após a proclamação do Papa Pio IX, em sua bula
ineffabilis (CHAMPLIN, 2002). Para González mesmo que o Novo Testamento se refira
repetidamente aos irmãos de Jesus, em alguma data incerta, mais ou menos no século IV, já era
costume afirmar que Maria continuou sendo virgem toda sua vida, que nunca coabitou com
José, e que os irmãos de Jesus eram de outros parentes seus, ou talvez de José de um matrimônio
anterior. González argumenta que era consenso geral no século IX que a virgindade perpétua
de Maria envolvia, não só não ter conhecido homem, mas também que ao dar à luz a Jesus,
Maria continuou sendo fisicamente virgem (GONZÁLEZ, 2009).

Certamente, o dogma da virgindade perpétua de Maria fez com que os versos ora
tratados fossem interpretados de forma diferente da intenção do autor deste evangelho. Para
Champlin podemos estar certos de que se o dogma da virgindade perpétua de Maria, fosse
importante aos olhos dos evangelistas, eles teriam deixado claro no verso 31 que com o termo
irmãos, eles entendiam parentes mais distantes, como primos, ou que esses eram filhos de José
através de um casamento anterior, visto que não deram tais explicações devemos concluir que
o texto se refere à família imediata de Jesus, filhos de José e Maria. Champlin conclui que os

14
evangelhos não têm a pretensão de esconder a realidade de que Jesus teve vários irmãos e irmãs
(cf. Mateus 12.46, 13.55ss; Marcos 6.3; Lucas 8.19; João 7.3ss; Atos 1.14 e Gálatas 1.19) e que
isso nunca foi uma dificuldade, até que o dogma exaltou Maria além da teologia bíblica
(CHAMPLIN, 2002).

Turlington concorda com Champlin e nos diz que a melhor explicação, e também, a
mais simples sobre a identidade dos irmãos de Jesus no verso 31 é que eles eram filhos de José
e Maria, e mais jovens do que Jesus (BROADMAN, 1986). Para Keener o termo irmãos e irmãs
são os termos comuns para se referir a pessoas com o mesmo progenitor; não se utiliza um
termo diferente para designar a ideia mais geral de “família” em relação aos irmãos de Jesus
(KEENER, 2017).

Para Rops “O termo “família” tinha um amplo sentido: em aramaico aha, ah em


hebraico, significava irmão, meio-irmão, primo e até mesmo um parente próximo” e é a
ambiguidade deste termo que desfaz os conhecidos argumentos sobre os “irmãos” de Jesus,
cuja existência destrói o dogma Católico Romano da virgindade perpétua de Maria (ROPS,
2008, p.134).

Segundo Kenner, pensar nos membros da mesma religião como irmãos e irmãs era
comum; havia também quem considerasse a relação entre Mestre e discípulo mais importante
que os laços de família, mas nunca no grau visto nesta passagem. Em ensinamentos rabínicos
posteriores, quando um pagão se convertia ao judaísmo, a sua nova fé passava a ser mais
importante que responsabilidades familiares; o povo judeu, no entanto, não deveria negligenciar
seus parentes de sangue (KEENER, 2017). Mesmo assim, Jesus não está rejeitando a sua família
terrena, ele está dizendo quais são as prioridades dele, tais prioridades são voltadas para o Reino
de Deus em primeiro lugar.

O Reino dos céus ou o Reino de Deus é o tema central da pregação de Jesus, segundo
os evangelhos sinóticos. Enquanto Mateus, que se dirige aos judeus, na maioria das vezes fala
em “Reino dos Céus”, Marcos e Lucas falam sobre o “Reino de Deus”, expressão essa que tem
o mesmo sentido daquela, ainda que mais inteligível para os que não eram judeus. O emprego
de “Reino dos Céus”, em Mateus, certamente é devido a tendência, no judaísmo, de evitar o
uso direto do nome de Deus. Seja como for, não existe distinção quanto ao sentido das duas
expressões (DOUGLAS, 2006).

15
A mensagem que os cristãos da era apostólica em geral e os leitores de Marcos em
particular precisavam ouvir se relacionava especificamente com a resposta de Jesus em Marcos
3.34ss, é a resposta de Jesus quem dá o tom para responder a pergunta: Quem é a verdadeira
família de Jesus? Ou então, quem são aqueles que pertencem ao Reino de Deus?
(BROADMAN, 1986) Para Marcos a verdadeira família de Deus inclui todos aqueles que se
identificam com Jesus, em sua obediência a Deus mesmo que em face de perseguições. Aqui
está o Reino de Deus como Jesus o concebeu, a obediência a Deus é suprema e deve estar acima
dos laços familiares. Portanto, o Reino de Deus é formado pela identificação com Cristo,
daqueles que estão prontos a fazer a vontade de Deus mesmo que possa haver um custo alto
através de acusações e perseguições.

Destes versículos aprendamos valiosa lição. Em primeiro lugar, aprendamos que Jesus
considera como sua família aqueles que fazem a vontade do Pai e esta é tanto uma advertência
para o sonolento, quanto um consolo para os verdadeiros crentes, pois eles devem reconhecer
que há alguém que os ama, num sentido mais profundo do que um irmão ama ao outro, ou uma
mãe ama seu filho, e ainda, que tem uma ligação com eles mais profunda do que os laços de
sangue (RYLE, 2007).

Em segundo lugar, é uma palavra que traz conforto para aqueles que foram rejeitados
por sua família ao se alistarem para as fileiras do exército da fé. Estes não têm qualquer motivo
para se sentirem envergonhados, ou entristecidos quando forem perseguidos, maltratados e
abandonados pelo mundo, ou por seus próprios familiares. Deve ecoar em seus corações as
palavras do Salmista que diz: “Porque se meu pai e minha mãe me desampararem, o SENHOR
me acolherá” (cf. Salmos 27.10).

16
REFERÊNCIAS

BROADMAN, Comentário Bíblico: Mateus-Marcos. Rio de Janeiro: JUERP, 1986.

CALLE, Francisco de La. Teologia de Marcos. 2. Ed. São Paulo: Paulinas, 1984.

CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo: São
Paulo: Hagnos, 2002.

DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia, 3. Ed. São Paulo: Vida Nova, 2006.

FRIEBERG, Barbara & FRIEBERG, Timothy. Grego Analítico do Novo Testamento. Ed. Vida
Nova, 2014.

GONZÁLEZ, Justo. Breve Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2009.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Marcos. São Paulo: Cultura


Cristã, 2014.

HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Ed. Hagnos, 2001.

KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural Da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2017.

MOULTON, Harold K. Léxico Grego Analítico. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

Novo Testamento Interlinear Grego e Português. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.

OMANSON, Roger L. Variantes Textuais do Novo Testamento. Análise e Avaliação do


Aparato Crítico de “O Novo Testamento Grego”. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil 2010.

PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento. São Paulo:
HAGNOS, 2008.

ROPS, Henri Daniel. A Vida Diária Nos Tempos de Jesus. 3. Ed. São Paulo: Vida Nova, 2008.

RYLE, J. C. Meditações No Evangelho de Marcos. São Paulo: FIEL, 2007.

SCHMITZ, E. D. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin (Org.) Dicionário Internacional de


Teologia do Novo Testamento. 2. Ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.

SILVA, Cássio Murilo Dias. Metodologia de Exegese Bíblica. 3. Ed. São Paulo: Paulinas, 2009.

VAUX, R. De. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003.

17

Das könnte Ihnen auch gefallen