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Abstract: Contrary to some regional historiographical discourses, about the situation of the
Indians of the Rio Grande in the North from 1759, when there was suppression Regiment
Missions and subsequent installation directory of the Indians, from the administration of
the ancient villages of the hands of the religious to the secular colonial agents, the Indians
did not “disappeared”. Rather, through research in documentary sources cursive found
that the Indians were experiencing, yes, an adaptation to the new situation historically
given. Even if there were direct interference in the lives of indigenous people in the villages
of that captaincy, with the imposition of norms Pombal, which came to be called often
prays “Caboclos” prays “tapuias” so that they were denied their ethnicities not ceased to be
“Indians”, just took different ethnic identities.
Quando o Atlas das Terras Indígenas do Nordeste foi publicado em 2003, não se registrou grupos
indígenas no território do Estado do Rio Grande do Norte, seja reunidos em reservas da FUNAI, seja
vivendo em comunidades que se auto-identificassem como tal. Levando-se em conta a grande presença
indígena na Capitania do Rio Grande no período da colonização, este “desaparecimento” dos índios
poderia levar a questões inquietantes, como: o que foi feito dos milhares de indígenas relatados pelos
colonizadores? O que aconteceu aos numerosos Potiguara e Tarairiú que enfrentaram o poder colonial
português através de lutas aguerridas que deixaram farta memória e muitos registros históricos, como
a Guerra dos Bárbaros no século XVII e início do XVIII? Teriam sido todos exterminados nesses
conflitos? Se não foram exterminados todos, o que foi feito de seus descendentes?
Na realidade, eles não foram exterminados, mas continuaram a viver nas Missões e depois nas vilas
de Índios, contudo foram perguntas como estas que levaram a antropóloga Julie Cavignac a pesquisar as
narrativas escritas – literatura de cordel – e orais da população do sertão (regiões do Centro e Oeste do
Rio Grande do Norte) sobre a História e representações ligadas à figura do índio, principalmente quanto
às mitologias de origem da população. Em suas conclusões, a antropóloga diz ter identificado que, além
da aceitação geral de um “desaparecimento” inexplicável dos índios, havia também:
Para a Cavignac (1995, p. 86), o “apagamento geral da memória dos habitantes do sertão”
sobre os índios pode se entendido como “uma tentativa de negar o massacre de milhares de índios,
mas também uma justificativa da colonização: se não havia índios não houve nenhuma violência e
nenhuma ocupação abusiva dos seus territórios.” A negação é tal que, em algumas narrativas, foram
os colonos europeus que trouxeram os índios para o Brasil.
Quando o índio aparece naquelas narrativas populares é geralmente na sua forma feminina, a
índia roubada por um homem “branco” para casar, sendo esta a explicação da formação da população
– a miscigenação pacífica, que reduz a responsabilidade dos colonos na eliminação dos índios e de
sua cultura. Dessa forma, é o “caboclo”, entendido como um mestiço pelo senso comum, que aparece
como o ancestral legítimo e não o índio. Conclui Cavignac (1995, p. 87): “nesta versão ‘sertaneja’ e
sexualizada da história da colonização, não há massacre, nem guerra, nem invasão de terras; só existe
um roubo legítimo do ponto de vista moral, o roubo das mulheres.”
Dessa maneira, ficava explicado o “desaparecimento” pacífico do índio e sua cultura e, ao mesmo
tempo, a sua substituição pelo “caboclo”.
Alguns historiadores que escreveram sobre a História do Rio Grande do Norte, quando fala-
vam sobre a população indígena sobrevivente às guerras de conquista foram lacônicos, referendando
o “desaparecimento” indígena. Um fragmento de texto de Luís da Câmara Cascudo demonstra essa
situação ao dar o seu veredicto sobre o destino dos índios:
Em três séculos toda essa gente desapareceu. Nenhum centro resistiu, na paz, às tentações da
aguardente, às moléstias contagiosas, às brutalidades rapinantes dos conquistadores. Reduzidos,
foram sumindo, misteriosamente, como sentindo que a sua hora passara e eles eram estrangeiros
Esta posição repetia a ideia da “decadência moral” que o Presidente da Província de Pernam-
buco, José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, apresentou ao Imperador, em 1827, sobre a população das
vilas de Índios da região:
De todos os lados aparecem uns quase nus, e com os cabelos eriçados; outros dormindo sobre a
terra; e outros com uma cuia na mão, e nela misturada uma pouca de má farinha, ou com mel
de abelhas ou com mesquinha caça, que lhe ministra a flecha, ou armadilha, sendo todos vítimas
das facções, e desavenças, que de contínuo reinam entre os Diretores e Párocos; suas mulheres e
filhos são presas desgraçadas de tais administradores (NOÇÃO... 1827).
Foram afirmações como estas que apontaram as circunstâncias possíveis de ter acontecido aos
índios do Rio Grande do Norte: extinção, dispersão e assimilação cultural (PORTO ALEGRE , 1993).
Contudo, a ideia do “sumiço misterioso” dos indígenas do Rio Grande torna-se interessante
ao se verificar que um contingente populacional indígena significativo vivia nas Missões Religiosas
do Rio Grande do Norte por volta de 1759, quando as Missões foram elevadas obrigatoriamente à
categoria de vilas e essas tinham uma população aldeiada variando de 900 a 1.500 habitantes cada
uma (LOPES, 2003).
No momento da criação das vilas de Índios do Rio Grande (em meados do século XVIII), a sua
população era formada por índios Potiguara, a quem os missionários chamavam “caboclos de língua
geral”, e por diversas outras etnias Tarairiu e Gê, chamadas de “língua travada”, que foram descidos
do sertão e aldeados no litoral ao serem submetidos na época da Guerra dos Bárbaros, Essa população
indígena, seguindo o pensamento de Moreira Neto, poderia ser caracterizada como “destribalizada”,
dado o contato de longa data com os missionários e colonos, o que quer dizer, com a religião cristã e
com as imposições culturais européias, e também por causa da convivência das diversas etnias nos
espaços missioneiros, que acarretara a dificuldade de manterem as características culturais tradicionais
(MOREIRA NETO, 1988, p. 23) Essa destribalização, no entanto, não era apenas um fato cultural,
mas também um fato ideológico que se evidencia no quase desaparecimento dos etnônimos na docu-
mentação da segunda metade do século XVIII e na homogeneização da identificação dos indígenas
como apenas “índios” ou “caboclos”, ou “tapuias”, quando muito, identificando-os em grupos pela
língua que falavam: “geral” ou “travada” (MEDEIROS, 2000).
Segundo Marcos Carvalho (1996) as fontes sobre o século XIX também não se referem aos in-
dígenas por nações ou línguas, mas apenas pelo local da sua morada (como os “Índios do Brejo”, por
exemplo), por falta de interesse em distinguir nações, mas também pelo processo de miscigenação que
acarretou a “perda de algumas das especificidades étnicas e linguísticas de cada povo” (CARVALHO,
1996, p. 55). Contudo, adverte ainda que as fontes históricas oitocentistas foram escritas pela elite
interessada em apossar-se das terras indígenas restantes e esta ausência dos etnônimos não é sem
razão, dado que remete essa população a uma massa não identificada e, por isso mesmo, sem direitos
à posse de terras indígenas.
Apesar dessa homogeneização, a população indígena das novas vilas mantinham uma identida-
de étnica distinta dos luso-brasileiros, tanto para si quanto para a comunidade colonial circundante,
a ponto das suas vilas continuarem a ser chamadas por todo o período de vigência do Diretório de
“vilas de Índios”.
Subordinada mas, de certa forma, também apoiada pelas determinações do Regimento das
Missões, esta população conseguira manter certa “autonomia” em relação aos agentes coloniais, por
viverem isoladas da comunidade luso-brasileira dentro das Missões (MOREIRA NETO, 1988, p. 24).
A convivência multiétnica dentro das Missões e os contatos com a cultura colonial através dos mis-
sionários, mas também através dos contatos estabelecidos com os colonos pelos trabalhos que eram
prestados a eles, levaram à formação daquilo que Carlos de Araújo Moreira Neto (1988) chamou de
“cultura do contato” para designar o resultado de um processo de sobrevivência étnica, construído
O termo [tapuio] passaria mais tarde a significar o índio colonizado, submisso aos costumes
dos brancos [...] os termos “tapuio” e “caboclo” eram, em certa medida, intercambiáveis para
designar o índio destribalizado [...] Ambos os vocabulários, “tapuio” e “caboclo”, usados para
definir o índio genérico, aproximariam inevitavelmente desse conceito o índio que havia aderido
à maneiras dos brancos, com o abandono de seus hábitos e lealdades tradicionais, isto é, o “índio
crioulo”[...] Também por esta razão, [...] ambos os termos seriam, de modo quase necessário,
contaminados por uma conotação depreciativa e discriminatória como, sem dúvida, parece ter
ocorrido na Amazônia e nas demais regiões do país (MOREIRA NETO, 1988, p. 54).
Esta a situação é também a dos índios na Capitania do Rio Grande do Norte em 1759, quando
ocorreu a supressão do Regimento das Missões e subsequente instalação do Diretório dos Índios,
passando a administração dos antigos aldeamentos das mãos dos religiosos para a dos agentes colo-
niais laicos. Como se percebe, é evidente que, até este momento, os índios não haviam “desaparecido
misteriosamente”. Eles vivenciavam sim uma adaptação à nova situação historicamente dada, mas
não deixavam de ter a sua identidade étnica diferenciada. Conforme admite Maria Sylvia Porto Alegre
(1993) ao analisar o processo de “desaparecimento” dos índios no Nordeste: “Todas as interferências
diretas na vida das aldeias certamente impuseram o aceleramento de transformações na identidade
étnica, impossíveis de serem apontadas hoje. Entretanto [...] não resultaram no ‘desaparecimento’ do
índio da região” (PORTO ALEGRE, 1993, p. 212).
É essa população de índios, genéricos, destribalizados, produto de um processo de adaptação
ao contexto colonial – os “caboclos”, no mesmo sentido que os “tapuios” definidos por Carlos Moreira
Neto –, que permaneceram nas novas vilas instaladas e, segundo Porto Alegre (1993), resultado da
“capacidade que as sociedades tribais demonstram em seu sistema organizatório de se adaptar ao
contato e insistir em permanecer no local de origem, preservando de alguma forma sua identidade”
(PORTO ALEGRE, 1993, p. 214).
Essa maneira de ver o índio ficou bem evidenciada no registro de Henry Koster, em 1810, que
distinguia o “caboclo” do “mestiço”. Para esse autor, os trabalhadores livres da pecuária encontrados
no sertão eram mamelucos, “isto é, mestiços da união ente brancos e indígenas [...], mas, no litoral se
encontrava mais [...] indígenas em estado de domesticidade, que são chamados geralmente ‘caboclos’”
(KOSTER,1978, p. 380, 374).
Essas são expressões que bem denotam o preconceito vivenciado na colônia que carregam como
afirma Moreira Neto, o peso da ideologia da dominação:
Todos esses termos classificatórios, relativos a grupos ou categorias sociais, que definiam os
diversos modos de inserção dos índios na ordem colonial, têm um elemento essencial comum,
que os aproxima e iguala. Trata-se, como parece claro na definição dos vários termos, da
condição de sujeição ao domínio dos brancos, estatuto colonial comum a todos (MOREIRA
NETO, 1988, p. 55).
Na criação das vilas de Estremoz e Arez, em 1760, as populações indígenas, chamadas gene-
ricamente de “caboclos de língua geral” e de “índios de língua travada”, foram viladas contando,
respectivamente, com 1438 e 954 moradores. Posteriormente, em 1762, foram instaladas as vilas de
Portalegre, São José do Rio Grande e Vila Flor, cada uma com 1805, 1235 e 1452 índios, respectivamente.
Esta última, a Vila Flor, à época da sua instalação, tinha uma população composta de 851 índios
de “língua geral”, aos quais foram agregados mais 353, “da mesma língua”, transferidos de Utinga e
outros 227 das localidades de “Tapissurema e Maracahu" (sic). Já neste momento da instalação, co-
meçaram a implementar as mudanças que se intensificariam daí por diante: foram introduzidos na
nova vila como moradores dois casais de “brancos” e um de “pardos” (MAPA..., 1762). Quinze anos
depois, em 1777, na mesma vila habitavam apenas 849 indígenas (MAPA..., 1777). Depois de 28 anos,
em 1805, a população indígena em Vila Flor era somente 378 índios, enquanto a população composta
de “brancos”, “pretos” e “pardos” alcançara os 2105 habitantes (MAPA..., 1806).
Essas informações sobre a população da Capitania foram obtidas em mapas populacionais co-
loniais, que, apesar de poderem conter falhas e apresentarem dificuldades quanto à variação na coleta
dos dados e na sua apresentação, são uma referência para se apreciar a variação e a relação inversa
de crescimento entre a população índia e a não índia, possibilitando uma reavaliação das relações
interétnicas no contexto local (PORTO ALEGRE, 1993, p. 199). Desse modo, o decréscimo populacio-
nal dos habitantes indígenas da antiga Missão de Igramació, elevada à Vila Flor, é um exemplo mais
detalhado do que aconteceu nas outras vilas, conforme pode-se ver nos quadros a seguir.
Tabela 1: Evolução da População Indígena na Capitania do Rio Grande do Norte na segunda metade do século
XVIII e início do XIX
Ano/Vilas São José Estremoz Arez Vila Flor Portalegre Não vilada Totais
1760 - 1429 949 - - - -
1762 1272 - - 1452 - - -
1763 1235 1438 954 1452 1805 - 6884
1777 3550 2503 1731 849 765 - 9398
1786 2980 2000 1350 425 691 - 7446
1805 913 1886 755 378 400 708 4332
1811 311 1291 776 - - - -
Fontes: MAPA ..., [1760]; MAPA..., 1762; EXTRATO..., 1759- 1763; MAPA..., 1777; RELAÇÃO..., [1786]; MAPA...,
1806; MAPA..., 1811.
Constata-se um decréscimo populacional indígena nas vilas, com algumas perdendo mais po-
pulação índia que outras. Da criação das vilas até 1805, a Vila de Portalegre perdeu 78% da população
índia; Vila Flor, 74%; São José perdeu 28% e Arez, 21%. Mas também se observa que a grande perda
se registra de 1786 em diante, pois até 1777, algumas vilas registraram um aumento populacional
indígena. Talvez as medidas econômicas iniciadas pelo Diretório tivessem produzido efêmeros re-
Tabela 2: Proporção entre as Populações Indígena e Não índia do Rio Grande do Norte
Tabela 3: Proporção entre a População Índia e Não Índia moradoras nas vilas de Índios do Rio Grande do
Norte em 1805
Pop./Vila São José Estremoz Arês Vila Flor Portalegre
Índia 913 (18%) 1886 (30%) 755 (44%) 378 (15%) 400 (39%)
Não Índia 4167 (82%) 4400 (70%) 973 (56%) 2105 (85%) 617 (61%)
Total 5080 6286 1728 2483 1017
Fontes: MAPA..., 1806.
MISCIGENAÇÃO E CABOCLIZAÇÃO
Tabela 4: Referências a origens étnicas genéricas utilizadas nos registros de Casamentos da Paróquia de Na Sra
da Apresentação
Referência étnica dos noivos Casamentos de não escravos Casamentos de Escravos
Índio e índia 14 7
Índio e negra 5 11
Índio e parda 5 -
Índio e SIE * 1 -
Negro e índia 13 11
Pardo** e índia 3 -
Pardo e parda 1 -
Pardo e negra 2 -
Pardo e SIE 1 -
SIE e índia 8 -
Total 53 29
Legenda: * SIE = Sem Indicação Étnica ** Expressão utilizada nos próprios registros
Fontes: LIVROS..., 1727-1807; LIVRO..., 1727-1760.
Como se pode constatar na tabela acima, o casamento entre índios é volumoso; no entanto, os
mistos também eram comuns durante todo o período, mas majoritariamente entre índios e negros e
mestiços. Muitos deles originaram-se de relacionamentos anteriores também mistos, o que amplia a
miscigenação, como se pode perceber na indicação da etnia dos pais dos noivos encontrada em alguns
registros (LIVROS..., 1727-1807) que se apresenta abaixo como exemplos:
João Bezerra Cavalcanti, preto, forro, natural de Angola, escravo que foi do Coronel Leonardo
Bezerra Cavalcanti; com Luiza da Costa Monteiro, forra, filha de Joana da Costa, tapuia, solteira
e de Jacinto Monteiro, escravo do Alferes Pascoal Gomes de Lima (Livro 1o, fl. 25 v, 1734).
João de Deus da Afonseca, filho natural do Licenciado Bento de Afonseca e de Maria Barbosa,
tapuia, escrava que foi do Alferes de Infantaria Antônio Barbosa de Araújo; com Maria da Rocha
Pimentel, filha natural do Alferes Damião da Rocha Pimentel e de Bárbara da Rocha, tapuia e
escrava da viúva D. Margarida da Rocha (Livro 2 o, fl. 57 v., 1744).
Antônio José Ferreira, do gentio da Guiné, escravo da viúva Suzana de Oliveira e Melo; com Luiza
Gomes do Nascimento, mameluca, cativa que foi de Leandra Gomes, viúva (Livro 4 o, fl. 80 v, 1762).
Felipe José, filho de Manuel José, crioulo, escravo que foi do Capitão Feliciano Gomes e da índia
Antônia Maria; com Inácia Maria do Espírito Santo, filha de Josefa da Silva, hoje casada com o
crioulo Damião, escrava do Sargento-mor João de Souza Nunes (Livro 6 o, fl. 166, 1784).
No livro de assentamento dos casamentos dos escravos, também foram encontrados registros
de casamentos mistos cujos cônjuges já eram nascidos também de relações mistas:
Nicolau de Moraes Bezerra, filho de Luiz de Moraes, crioulo, e sua mulher Theodora de Moraes,
tapuia da Nação Potigy; com Francisca Bezerra da Silva, filha de Domingos de Moraes, do gentio
da Guiné e sua mulher Joana de Moraes, tapuia da Nação da Capela, todos escravos da viúva D.
Francisca de Bezerra da Silva (LIVRO..., 1727-1760, fl. 116 v., 1739).
Miguel, cabra, escravo de D. Francisca Bezerra da Silva, filho legítimo de Paulo Tapuia e de
sua mulher Ignácia, preta da Costa, escrava da dita Sra com Maria José, cabra, escrava que foi
do Capitão Theodósio Freire de Amorim, natural da Vila de Aquiraz, filha de Francisco Arda
e Domingas Tapuia, escravos do capitão-mor João de Barros Braga (LIVRO..., 1727-1760, fl.
138 v., 1758).
Não se pôde fazer uma comparação entre os anos anteriores e posteriores à divulgação do
Alvará que liberou e incentivou o casamento misto para os índios, pois como não se encontrou os
livros de registros das novas paróquias não se teve acesso a esses registros. Na Paróquia de Na Sra da
Apresentação, porém, não houve evidência de acréscimo dos casamentos mistos entre índios e brancos
neste período.
O que fica evidenciado, no entanto, é que a miscigenação maior que havia era entre índios e
negros e mestiços. Pois, mesmo que alguns dos registros não trouxessem indicações étnicas, a ten-
dência dos registros demonstra que a miscigenação envolvendo índios ocorria nos estratos inferiores
da hierarquia social colonial, muitas vezes, interrelacionando escravos e livres.
Essa mesma tendência pôde ser observada nos registros de batismo da Freguesia de Nª. Srª. da
Apresentação. De forma semelhante à ocorrida com os registros de casamentos, só foram encontrados
livros, ou fragmentos de livros, de assentamentos de batismo da Freguesia da Matriz e somente para
o período entre 1753 e 1777.
Neles também se verificou a mesma tendência de miscigenação entre índios e negros ou mestiços
(LIVROS..., 1753 e 1777). Foi encontrada apenas uma única referência explícita de um avô originário
de Portugal, que tinha se unido a uma índia: “Rita, filha legítima de Raimundo Pereira, natural desta
Freguesia, e de [...] de Deus; neta por parte de paterna de Antônio Pereira, de Lisboa, e de Micaela,
índia, e pela materna de avós incógnitos” (Livro 6, fl. 138v., 1758)
Há também os registros sem informação de origem étnica, mas sem condição de inferir que
fossem brancos. No entanto, a maioria dos registros de batizados onde aparecem indicações de ín-
dios, envolvem pais ou avós negros ou mestiços, frutos de uma relação legalizada ou não. Dos 1463
registros de batismo consultados, apenas quarenta, isto é, 2,7% referenciavam índios. Alguns registros
exemplificam a miscigenação que ocorria:
Perpétua Antônia, filha de Antônio Pinto de Araújo, escravo de José da Costa Pinheiro, morador
da Campina do Ferreiro Torto, e de sua mulher Inácia Dias dos Santos, índia da Aldeia de Ara-
tary; foram padrinhos Manoel de Araújo, escravo de Francisco de Araújo, e de Felícia da Costa,
escrava do Capitão João Moura (Livro 1, fl. 36 v., 1754).
Maria, filha de Theodósio da Rocha e sua mulher Teresa de Jesus, neta por parte paterna de Maria
José, tapuia, e de avô incógnita, e por parte materna de Luzia, tapuia, e de Francisco, do gentio
da Guiné, escravos que foram do Pe. Manoel Pinheiro Teixeira (Livro 3, fl. 112, 1761).
Feliciano, filho de Manoel, escravo de Francisco da Costa Teixeira, natural desta Freguesia, e
de Maria José, índia, natural de Vila Flor; neta por parte paterna de João de Morais, natural de
Angola, e de Feliciana do Rego, natural da Cidade da Paraíba, e pela materna de Thomé da Costa
e Inês Pinheiro, ambos naturais de Vila Flor; foram padrinhos, José Jacques da Costa e sua mulher
Inácia Pereira (Livro 8, fl, 100, 1770).
Nota
1 As capelas eram: N. Sra. do Rosário dos Pretos (Natal), N. Sra. dos Prazeres do Guajiru, Senhor São
Miguel da Missão do Guajiru, N. Sra. da Soledade da Aldeia Velha (Igapó), Santo Antônio do Potengi,
São Gonçalo do Potengi, N. Sra. do Socorro de Utinga, Sra. Santana do Arraial do Ferreiro Torto, N. Sra.
da Conceição do Jundiaí, N. Sra. dos Remédios do Cajupiranga, N. Sra. do Ó da Missão do Mipibu, Sra.
Santana da Missão do Mipibu (MEDEIROS FILHO, 1991).
Referências
ALMEIDA, Regina C. de. Os vassalos d`El Rei nos confins da Amazônia: a colonização a Amazônia
Ocidental (1750-1798). 1990. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990.
ATLAS das Terras indígenas do Nordeste. Rio de Janeiro: PETI/PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 1993.a
CARTA do Governador de Pernambuco, Tomás José de Melo à rainha, em 31/11/1794. AHU–PE, cx.
187, doc. 12967.
CARVALHO, Marcos. Os índios de Pernambuco no ciclo das insurreições liberais, 1817/1848: ideo-
logias e resistência, Revista da SBPH, n. 11, p. 51-69, 1996.
CASCUDO, Luís da C. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Depart. de Imprensa Na-
cional, 1955.
CAVIGNAC, Julie. A índia roubada: estudo comparativo da história e das representações das popu-
lações indígenas no sertão do Rio Grande do Norte, Natal, UFRN, Cadernos de História, v. 2, 1995.
DIÁLOGOS geográficos, cronológicos, políticos e naturais, escritos por Joseph Barbosa de Saa,
nesta Vila real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá. 1769. (Oferecido ao Governador Luís Pinto de Souza