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Filosofia da Filosofia
Tradução
Nasser Kassem Hammad
1
Índice
Introdução............................................................................................... 3
1 – A essência da Filosofia..................................................................... 5
a) A palavra “filosofia”.................................................................. 5
b) Velhas e novas definições da filosofia...................................... 6
c) Definição da filosofia................................................................ 8
2 – Divisão da filosofia........................................................................... 13
3 – O método da filosofia...................................................................... 16
5 – O valor da filosofia.......................................................................... 26
7 – O sistema filosófico.......................................................................... 36
1. A tradição filosófica.................................................................. 37
2. A Individualidade do filósofo.................................................... 38
3. A época...................................................................................... 39
4. A cultura.................................................................................... 40
5. A raça........................................................................................ 40
1. A fé religiosa............................................................................. 43
2. Uma concepção do mundo........................................................ 43
3. Um sistema filosófico................................................................ 43
4. Pressupostos procedentes das ciências especiais....................... 45
Notas........................................................................................................ 56
2
Introdução
3
gundo pensam, não é necessário nem estudo, nem aprendizado e nem tra-
balho”.(2)
A primeira tarefa da filosofia como teoria da ciência consiste em dar
uma resposta clara e unívoca à pergunta: O que é a filosofia? Porém só é
possível resolver este problema esclarecendo, a partir de diversos ângulos,
a essência da filosofia. Devemos levá-la em conta não só como produto
objetivo, mas também como processo subjetivo e considerá-la não mera-
mente em si mesma, mas também em relação com os outros campos de es-
tudo do espírito e da cultura, a fim de chegarmos efetivamente a uma filo-
sofia da filosofia.
4
Capítulo I
A essência da filosofia
a) A palavra “filosofia”.
5
b) Velhas e novas definições da filosofia
6
Também na filosofia poskantiana difere muito a concepção da filoso-
fia. Para Hegel a filosofia é “ciência do absoluto”. (17) Deste modo, e na
opinião de Kant, a filosofia se converte na função mais alta do espírito hu-
mano. Frente a essa definição a de Herbart parece muito seca: “a filosofia é
a elaboração dos conceitos”. (18) Porém muito mais modesta é a tarefa que
lhe assiná-la o positivismo, que nega toda e qualquer existência indepen-
dente das ciências positivas. Assim para E. Mach a filosofia consiste “so-
mente em uma recíproca integração, compenetração e reunião crítica das
ciências especiais para convertê-las em um todo unitário”. (19) Na defini-
ção de Wilhelm Wundt, de que a filosofia é “uma ciência geral que deve
reunir em um todo coerente os conhecimentos gerais procurados pelas ci-
ências especiais” (20) prolonga e aprofunda está concepção.
No neokantismo encontramos um ponto de vista totalmente diferente
das concepções recém mencionadas. Assim Bruno Bauch caracteriza a filo-
sofia como “autoconsciência do saber”, (21) seu objeto é constituído pelas
hipóteses e condições sistemáticas da ciência. A definição de Wilhelm
Windelband, que soa tão distinta desta, está contudo aparentada com ela
pelo lado objetivo: a filosofia é “a ciência crítica dos valores universalmen-
te válidos”. (22)
A fenomenologia, que se opõe em muitos aspectos à filosofia neo-
kantiana, retorna a uma definição objetiva da filosofia levando em conta
também os modos de conhecer em filosofia, aos quais caracteriza no senti-
do do método fenomenológico. Assim Max Scheler define: “a filosofia é o
conhecimento da essência e das relações essenciais do ente, na ordem e hie-
rarquia em que se encontram em relação ao ente absoluto e a sua essência;
conhecimento que por sua essência é rigorosamente evidente, não pode ser
aumentado nem destruído pela indução, vale a priori para toda existência
contingente e se aplica a todos os casos particulares exeqüíveis”. (23) Está
definição se apresenta modificada por Martin Heidegger no sentido da filo-
sofia existencial: a filosofia é “a ontologia universal e fenomenológica que
parte da hermenêutica do ‘ser ai’ (das sein), a qual por sua vez, como analí-
tica da existência ata o cabo do fio condutor de toda questão filosófica, ali
onde toda questão filosófica surge e retorna”. (24) Em uma direção muito
distinta aponta a definição que dá outro representante da filosofia existen-
cial, Karl Jaspers: a filosofia é a arriscada aventura de “penetrar no campo
vedado à auto-consciência humana”. (25)
Como cetamente já notou o leitor entendido nesta matéria, as defini-
ções da filosofia que citamos não foram escolhidas arbitrariamente, mas
com o propósito de refletir de certo modo o desenvolvimento da filosofia
ocidental. Nelas se tornam manifesto as principais concepções da filosofia
que se destacaram na sua história. Porém precisamente por isso todas estas
definições em conjunto oferecem uma prova contundente de que é impos-
sível extrair delas uma definição unitária e objetiva, nem sequer por com-
7
paração e síntese. As definições citadas se opõem francamente entre si,
quase como antíteses. Isto se deve a que é possível considerar a filosofia a
partir de diferentes ângulos, ou simplesmente se pode abarcar e reter só um
dos muitos aspectos e planos essenciais. Quase todas as definições que fo-
ram apresentadas incluem uma idéia correta, porém a destacam de um mo-
do exclusivo. Não são falsas mas apenas incompletas. O que dizem da filo-
sofia é geralmente correto; porém não dizem tudo. Não refletem a idéia to-
tal da filosofia. De seus autores se pode dizer, com Kant, que “giram ao
redor de uma idéia que não esclareceram, e portanto não podem determinar
o conteúdo próprio, a articulação (ou unidade sistemática) e os limites da
ciência”. Em conseqüência, e para continuar com Kant, não devemos defi-
nir nossa ciência segundo a descrição que dela dão os diversos autores, mas
“segundo a idéia que… encontramos fundada na própria razão”. (26)
c) Definição da filosofia.
8
órica. O filósofo se dirige ao nosso intelecto. O que nos oferece é conheci-
mento. Cada sistema é a expressão visível da forte vontade de conhecer que
o respalda. Para o filosofo só se trata de conhecer, de saber. O filósofo não
se propõe contemplar e modelar artisticamente a realidade, nem configurá-
la eticamente, nem vivê-la religiosamente, mas compreendê-la e concebê-la
intelectualmente. Sua única paixão é querer saber: non videre, non lugere,
neque destestari, sed intelligere (não ver, não lamentar, nem detestar, mas
compreender) dizia Espinosa.
Em conseqüência um sistema filosófico é produto do intelecto, uma
criação racional. Esta é a primeira característica essencial que nele perce-
bemos. Porém esta não é a única coisa. Este traço não caracteriza todavia a
essência peculiar de um sistema filosófico. Não só o filósofo, mas também
o cientista se ocupa do conhecimento. Todo sistema científico é uma cria-
ção intelectual. Em que se distingue o sistema filosófico frente ao sistema
científico? Onde reside sua particularidade? Para responder a estas pergun-
tas devemos nos voltar para o aspecto material do sistema filosófico. De-
vemos perguntar: Qual é o conteúdo deste sistema? Uma mera considera-
ção superficial nos permite reconhecer que um sistema filosófico se distin-
gue por sua intenção de universalidade. Não se refere a um objeto determi-
nado nem a uma região particular de objetos, mas ao conjunto de todos os
objetos do conhecimento. O olhar do filósofo aponta para a totalidade das
coisas, trata de compreender toda a realidade. Precisamente por isso os sis-
temas filosóficos se diferenciam dos sistemas de conhecimento que são
constituídos pelas ciências específicas.
“O filósofo – observa Georg Simmel –, não necessita sempre se refe-
rir à totalidade, e eventualmente não precisa fazê-lo em sentido estrito; po-
rém qualquer que seja a questão especial da lógica ou da ética, da estética
ou da religião que aborde, só o fará de fato como filósofo se a vivência in-
teriormente em relação à totalidade do que existe” (29) em linguagem poé-
tica Friedrich Nietzsche expressa esta mesma idéia: “o filósofo trata de que
repercuta dentro de si o som universal, e procura reproduzi-lo por meio de
conceitos.” (30) À primeira nota de racionalidade ou intelectualidade se
acrescenta então uma segunda a da universalidade ou totalidade.
Podemos dizer agora que a filosofia é o conhecimento total, uma ci-
ência universal. Porém temos que complementar essa definição. Também
na esfera das ciências especiais encontramos um afã de amplitude, um ane-
lo de conhecimento total. Vemos que há espíritos que se esforçam por reu-
nírem em uma grande síntese geral numerosos conhecimentos conquistados
por meio de cuidadosas análises. Assim se origina uma imagem científica
do universo, que compendia as conclusões das ciências especiais corres-
pondente ao estado da investigação neste momento. Porém com isso ainda
não chegamos a pisar no solo que é próprio da filosofia. O cientista que
também busca uma ampla síntese ainda continua se movendo no plano das
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ciências especiais, não no plano da filosofia. O conhecimento filosófico
possui uma dimensão de profundidade pelo qual se distingue essencialmen-
te do conhecimento científico especial. Não só avança em amplitude, mas
também em profundidade, não é só conhecimento total, mas também co-
nhecimento radical. Trata de conceber a totalidade do ser a partir dos últi-
mos princípios que servem de fundamentos do ser. A filosofia se apresenta
assim como ciência fundamental ou ciência dos fundamentos. É “ciência
dos princípios”. Assim a havia entendido Aristóteles: lembremo-nos de sua
doutrina das quatro causas ou fundamentos, que domina toda sua “filosofia
primeira”. Assim também a caracteriza um dos principais filósofos de nos-
so tempo: “a filosofia é por essência a ciência dos verdadeiros princípios,
das origens, Õ4.f:"J" BV<JT< (rhizómata pánton) a raiz de todas as coi-
sas”. (31)
Deste modo nossa caracterização anterior – da filosofia como ciên-
cia universal – se completa com esta outra: a filosofia é a ciência dos fun-
damentos; o conhecimento filosófico é cognitio ex principiis (conhecimen-
to a partir dos princípios). Assim se torna manifesto em que sentido a filo-
sofia se torna uma ciência universal. Ela não o é no sentido do conhecimen-
to empírico universal, mas do conhecimento filosófico dos princípios. Não
fica aderida à exterioridade empírica do mundo, mas trata de conhecer “o
que mantém unido o mundo no que ele tem de mais íntimo”. À definição
“da filosofia como ciência do universal” faz falta um novo acréscimo. Se o
primeiro acréscimo ficava no plano lógico, este outro se orienta na direção
do ato espiritual pelo qual se realiza esta ciência e que encontramos ao per-
guntar o que significa aqui o conceito de “universal”. Evidentemente se
pensa antes de tudo na realidade que nós envolve, estendida no espaço e no
tempo. Porém além deste universo exterior há um universo interior. (“No
íntimo há também um universo”, diz Goethe). Este universo interior não é,
certamente, acessível aos sentidos. É um mundo oculto, só visível ao olhar
interior. Porém não é menos importante que o mundo das coisas visíveis.
Não é, supostamente, outra coisa que o mundo do espírito, o reino das idéi-
as e dos valores. Toda verdadeira filosofia em última instância está con-
vencida de que nela se expressa e se revela a íntima essência e o coração da
realidade. Tão rapidamente quanto o gênio da filosofia recolhe e conduz a
concepção do mundo do homem natural, nesta concepção se produzem
mudanças fundamentais que deslocam o centro de gravidade do mundo,
passando do visível ao invisível, do sensível ao insensível ou supra-
sensível, e do real ao ideal. Isto é uma “transmutação dos valores” que so-
brevem como conseqüência de nos ocuparmos com a filosofia.
Se o olhar investigador do filósofo se dirige agora para o universo in-
terior, para o mundo do espírito, a filosofia aparece como uma reflexão do
espírito sobre si mesmo, como auto-reflexão ou, para melhor pontuar: co-
mo autocontemplação do espírito. O filósofo se interroga e investiga a res-
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peito do sentido das funções e criações espirituais: ciência, arte, moralidade
e religião. Se, ao contrário, o olhar do filósofo se dirige ao universo exteri-
or, para o mundo que nos envolve, a filosofia aparece como contemplação
do mundo ou concepção do mundo. No primeiro caso o conhecimento filo-
sófico se dirige para o mundo dos objetos que se acham dentro do espírito;
no segundo para o mundo exterior à esfera espiritual. Num caso os olhos do
filósofo se dirigem para dentro; no outro se dirigem para fora.
Como ciência universal a filosofia é, portanto, autocontemplação e
concepção do mundo. Ela sempre procurou introduzir uma unidade no lu-
gar desta duplicidade. Algumas vezes se restringiu à autocontemplação,
outras à concepção do mundo. Porém ambas as reduções se chocam contra
a realidade da filosofia, como se nos apresenta em sua história. A evolução
da filosofia mostra que cada um destes aspectos ou momentos pertencem
essencialmente ao conceito da filosofia.
Não é sem razão que Sócrates foi assinalado como o criador da filo-
sofia ocidental. Nele se manifesta claramente a expressa atitude teorética
do espírito grego. Sócrates se esforça por basear a vida do homem na refle-
xão e no saber. Trata de tornar cada ação humana em ação consciente, em
saber. Sócrates procura elevar a vida com todos os seus conteúdos para o
plano da ciência filosófica. Esta tendência encontra pleno desenvolvimento
em seu maior discípulo, Platão. Em Platão a reflexão filosófica se estende
para a totalidade da consciência humana; não só se dirige para os objetos
práticos, aos objetos e virtudes, como ocorria predominantemente em Só-
crates, mas também ao conhecimento científico. A conduta do estadista, do
poeta e do homem de ciência se converte de igual modo em objeto da re-
flexão filosófica. A filosofia aparece, pois, em Sócrates, e ainda mais em
Platão, como auto-reflexão do espírito sobre suas mais altas funções de va-
lor teórico e prático.
A filosofia de Aristóteles mostra outra face. Seu espírito se ocupa
predominantemente do conhecimento científico e de seu objeto, o ser. No
centro de sua filosofia se acha uma ciência universal do ser: a “filosofia
primeira” ou, como se chamou mais tarde “a metafísica”, que se refere à
essência das coisas, às relações e ao princípio último da realidade. Se à fi-
losofia socrático-platônica se pode caracterizar como autocontemplação do
espírito, deve-se dizer que a filosofia de Aristóteles é sobretudo concepção
do mundo.
Na época posterior a Aristóteles, com os estóicos e epicuristas, a fi-
losofia se converteu novamente em auto-reflexão do espírito. Porém o hori-
zonte da concepção socrático-platônica se restringe quase que totalmente às
questões práticas. A filosofia, segundo um dito de Cícero, aparece então
como “mestra da vida, criadora das leis, instrutora da virtude”. Em uma
palavra, a filosofia se converteu em ética.
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No começo da Idade Moderna percebemos um retorno à concepção
aristotélica. Os sistemas de Descartes, Espinosa e Leibniz mostram a mes-
ma tendência para o conhecimento do mundo objetivo que comprovamos
no estagirita. A filosofia aparece aqui declaradamente como concepção
mundo. Pelo contrário, em Kant ressurge novamente o tipo platônico. A
filosofia adquire outra vez o caráter de uma auto-reflexão, de uma autocon-
templação do espírito. Aparece antes de tudo como teoria do conhecimento,
como fundamentação crítica do conhecimento científico. Porém não se li-
mita ao campo teórico, mas dele passa para uma fundamentação crítica dos
demais campos determinados por algum valor. Ao lado da Crítica da Ra-
zão Pura se encontra a Critica da Razão Prática que trata do campo do va-
lor, e também a Critica do Juízo, que tem por objeto de investigação crítica
os valores estéticos. Assim aparece também em Kant a filosofia como auto-
reflexão universal do espírito, como reflexão do homem culto sobre a tota-
lidade de sua conduta referida a valores.
No século XIX, nos sistemas do idealismo alemão, sobretudo em S-
chelling e Hegel, se revive a filosofia de tipo aristotélico. A forma exagera-
da e unilateral que se manifesta neles promove um movimento contrário,
igualmente unilateral, que produz uma completa desvalorização da filosofi-
a, como ocorre no materialismo e no positivismo, e chega por outra parte a
uma renovação de tipo kantiana, como aconteceu com o neokantismo. A
unilateralidade desta renovação consiste em excluir todos os aspectos refe-
rentes ao conteúdo da filosofia, e à concepção do mundo, que em Kant e-
xistem inequivocamente; assim a filosofia adquire um caráter puramente
formal e metodológico. Este modo de ver origina por sua vez um novo mo-
vimento do pensamento filosófico que, frente à predileção dos neokantia-
nos pelo formal e metodológico, retorna outra vez ao conteúdo e à concep-
ção do mundo, e portanto significa uma renovação de tipo aristotélico. Por
outra parte motivou ensaios de uma metafísica indutiva, como as empreen-
didas por E. Von Hartmann, Wundt, Driesch, e por outra para uma filosofia
da intuição, como aparece em Bergson e, em outra forma, na fenomenolo-
gia de Husserl e Scheler, de onde surgiu uma ontologia que tem um sentido
antropológico em Heidegger e cosmológico em Nicolai Hartmann. (32)
A filosofia é, por conseguinte, uma ciência universal, que se apre-
senta como ciência dos princípios e que se realiza na autocontemplação e
na concepção do mundo. Assim como a autocontemplação do espírito se
dirige para o mundo não sensível, ideal, a filosofia enquanto autocontem-
plação aparece como filosofia ideal. Seus objetos são de natureza ideal: são
verdades e valores. Ao contrário, a filosofia como concepção do mundo
aponta para objetos reais, que existem na realidade, e portanto aparece co-
mo filosofia real. No primeiro caso é teoria dos princípios ideais; no se-
gundo dos princípios reais.
12
Capítulo II
Divisão da filosofia
De nossa definição podemos deduzir uma divisão da filosofia. A fi-
losofia, como tal, se refere tanto ao universo exterior como ao interior. A
ciência do universo interior representa, como vimos, uma auto-reflexão do
espírito, que pode se referir tanto aos atos teóricos como aos práticos. Os
primeiros se realizam na teoria da ciência, os últimos na teoria dos valores.
A filosofia ideal se divide por conseguinte em teoria da ciência e teoria dos
valores. A teoria da ciência abarca duas disciplinas: a lógica e a teoria do
conhecimento; a primeira é doutrina formal da ciência; a segunda é doutri-
na material da ciência. A teoria dos valores investiga os valores éticos, es-
téticos e religiosos. Se divide, pois, em ética, estética e filosofia da religião.
Ao lado da ciência do universo interior se acha a ciência do universo
exterior; junto à “autocontemplação” está a “concepção do mundo”. A filo-
sofia divide em teoria da realidade o segundo dos dois problemas funda-
mentais que acabamos de assinalar. A teoria da realidade considera antes
de tudo o ser como tal, e é portanto teoria geral do ser ou ontologia. Em
seguida investiga a essência, as relações e o princípio último do real. Este
complexo de questões constitui o campo da metafísica. Dele se diferencia
um último círculo de problemas constituídos pelas mais elevadas questões
da existência humana: as questões acerca de Deus e de sua relação com o
universo, acerca do destino último do homem e do sentido final da história
da humanidade. Como a solução destas questões colocam manifestamente
uma determinada concepção do mundo, designamos brevemente a discus-
são filosófica destes temas com o nome de “teoria da concepção do mun-
do”. A filosofia real se divide, por conseguinte: em ontologia, metafísica e
teoria da concepção do mundo.
Para maior clareza resumimos nossa divisão da filosofia no seguinte
quadro sinóptico:
I. Teoria da ciência
1. Lógica
2. Teoria do conhecimento
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B. Filosofia como “contemplação do mundo” (filosofia real)
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valores. Ao terceiro dos campos principais, a teoria da realidade, Kant não
o considera como disciplina filosófica própria. As concepções gnosiológi-
cas o levam a negar a metafísica científica e a incluir a teoria da concepção
do mundo na ética.
Em nossa divisão da filosofia se encontra um número menor de dis-
ciplinas do que é costume encontrar na filosofia. Antes de tudo a psicologi-
a. Não só desde a mais remota antiguidade foi considerada como parte da
filosofia, mas ainda hoje nas aplicações práticas da ciência aparece como
uma disciplina filosófica. Porém Oswald Külpe, que era às vezes filósofo e
psicólogo, observa muito justamente: “a psicologia se ocupa de fatos de
experiência que se encontram muito próximos dos fatos tratados pela ciên-
cia natural, e emprega um método que esta última há muito tempo reconhe-
ceu, com bom fundamento, como o método verdadeiramente empírico. Por-
tanto é suficiente caracterizar a psicologia como ciência especial, e a acei-
tação deste fato, por obra do estudo autônomo, independente da filosofia, é
só uma questão de tempo”. (34) A psicologia deve ser considerada, pois,
como uma ciência especial, tanto por seu objeto como por seu método que,
em princípio, guarda com a própria filosofia relação que qualquer outra ci-
ência especial. Contudo, como ciência dos fenômenos de consciência pos-
sui particulares pontos de contato com a filosofia. Assim como não há teo-
ria do conhecimento possível sem noções psicológicas, tampouco são pos-
síveis sem elas a ética, a estética e a filosofia da religião. Porém também a
metafísica necessita dela para construir uma antropologia filosófica. Assim,
os conhecimentos psicológicos possuem valor e importância para todas as
disciplinas filosóficas.
Além da psicologia, em nossa divisão faltam a filosofia da natureza e
a filosofia da história. Contudo, o que falta não é a coisa, mas só o nome. A
filosofia da natureza encerra duas coisas: uma filosofia do conhecimento
natural e uma filosofia da realidade natural. A primeira pertence à teoria da
ciência, que investiga os pressupostos formais (metodológicos) e materiais
(gnosiológicos) do conhecimento científico-natural. A segunda é parte da
teoria da realidade, ou mais exatamente, da metafísica. Algo análogo ocorre
com a filosofia da história, que sem dúvida participa também da teoria dos
valores e da teoria das concepções do mundo, na medida em que a filosofia
dos valores estuda os valores que se manifestam na história, e que a ques-
tão do sentido da história representa uma questão de concepção do mundo.
15
Capítulo III
O método da filosofia
Tão diferentes quanto as respostas à questão “o que é filosofia?” são
as soluções à pergunta “qual é o método da filosofia?” Ambas as perguntas
se relacionam estreitamente entre si. Toda definição do que é filosofia con-
tém implicitamente uma definição de seu método.
Sobre o método da filosofia já se discutiu muito, especialmente na
Idade Moderna. Pode-se dizer, sem exagero, que não há nenhum método
que não tenha sido reivindicado como método da filosofia. Deste modo se
comete quase sempre o erro que consiste em tomar a parte pelo todo, con-
vertendo em método da filosofia o método válido para uma determinada
região do saber.
Tendo-se concebido a filosofia como pura ciência racional, se acredi-
tou que seu método seria os das ciências racionais ou ideais. Assim se che-
gou a assinalar como método da filosofia o procedimento dedutivo. O e-
xemplo clássico desta concepção é Espinosa, que construiu seu sistema mo-
re geométrico. Frente a esta concepção se apresenta como antítese a que
entende que a filosofia é uma ciência de experiência, ou uma ciência real, o
que deu lugar a que se reclamasse o método das ciências empíricas como
método da filosofia. Deste modo se chegou a proclamar a indução como
método da filosofia. Citaremos o exemplo de Eduard Von Hartmann, que
pretende alcançar os (resultados especulativos segundo o método indutivo
das ciências naturais). Os filósofos que negam a metafísica e que dissolvem
a filosofia convertendo-a em teoria da ciência e teoria dos valores, caracte-
rizam seu método como método crítico ou transcendental, que investiga os
pressupostos ou princípios últimos do saber e do valer, segundo os funda-
mentos da validez ideal. Todo o kantismo se declara partidário desta con-
cepção fundamental. Outros filósofos tratam de separar a filosofia da ciên-
cia e convertê-la em algo referente à vida e às vivências. Para eles o méto-
do da filosofia é a vivencia interna e a visão imediata ou, para dizer em
uma só palavra: a intuição. Toda “filosofia da vida” professa esta concep-
ção. Dentro desta corrente Henri Bergson discutiu minuciosamente o pro-
blema do método, resolvendo-o com resoluto intuicionismo. Com esta con-
cepção guarda afinidade com aquele que encontra o método da filosofia na
intuição essencial da fenomenologia, como faz Max Scheler em sua defini-
ção que citamos mais acima. Porém há uma diferença, pois esta intuição
essencial se dirige as essências ideais, enquanto que, ao contrário, a intui-
ção de Bergson aponta para as realidades metafísicas.
Como vimos, os ensaios de caracterizar o método filosófico partem,
sem exceção, de uma concepção mais ou menos unilateral da filosofia. Por
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esta causa são insuficientes. O método da filosofia só pode se caracterizar
acertadamente partindo de uma adequada definição da filosofia.
Nossa definição da filosofia tem a vantagem de que não só permite
deduzir dela uma divisão da filosofia em suas diversas regiões, mas tam-
bém uma clara resposta à pergunta acerca do método. Mostrando primeiro
que métodos excluem nossa definição, nós atingiremos a resposta por um
caminho indireto.
A filosofia é a ciência do todo e do último. Trata de conceber a tota-
lidade do ser a partir de seus últimos fundamentos. Partindo do dado, pro-
cura alcançar seus princípios. Com outras palavras, reduz o dado a seus úl-
timos fundamentos. Isto significa que o método da filosofia não pode ser a
dedução, pois, como seu nome indica, a dedução caminha do fundamento
para a conclusão, dos princípios às suas conseqüências. Porém o caminho
da filosofia é precisamente o contrário. A indução é o procedimento oposto
à dedução. A indução trata de obter conceitos e leis gerais partindo de fatos
particulares. Parece ser, pois, um método da filosofia. Porém o geral, obti-
do por indução, não é de nenhum modo idêntico aos princípios, que é o ob-
jeto a que aponta o conhecimento filosófico. Este conhecimento filosófico
pertence de certo modo a uma dimensão diferente: os fundamentos ou prin-
cípios últimos significam um estrato profundo a que a indução não pode
penetrar e que sempre fica no plano do dado. Em conseqüência a indução
não pode ser o método da filosofia. E isso significa também que a indução
não pode ser o método buscado, pois também fica na esfera do dado e não é
capaz de avançar na dimensão de profundidade em que se move o conhe-
cimento filosófico. Se procurar fazê-lo, como em Bergson, a filosofia perde
totalmente seu caráter racional e científico.
Entre as concepções do método filosófico que acabamos de citar não
assinalamos a correspondente à filosofia transcendental, da qual temos que
dizer que, no fundamental, é correta. É a idéia de que a filosofia sempre se
dirige às últimas condições e pressupostos. A marcha de seu pensamento
tem como terminus a quo o condicionado, o fundado; tanto que seu termi-
nus ad quem está constituído pelas condições, fundamentos, princípios. O
insuficiente desta concepção se baseia em sua estreiteza. Considera que o
campo do trabalho filosófico é só a Filosofia do Ideal, que inquire acerca
dos fundamentos ideais ou fundamentos de direito. Não se vê o outro he-
misfério da filosofia, o da Filosofia do Real; não o leva em conta com plena
consciência. Seus princípios não são de natureza ideal, mas real, não são
fundamentos do conhecer, mas do ser. O método transcendental aqui não
vem ao caso porque se ocupa só dos fundamentos da validez, não dos fun-
damentos da realidade. Assim, pois, pode-se dizer que o método da filoso-
fia é transcendental no que diz respeito a uma parte capital da filosofia, po-
rém não à totalidade da filosofia.
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Deste modo preparamos o terreno para uma definição positiva do
método filosófico. Vimos que a filosofia vai das conseqüências aos funda-
mentos, do condicionado ao incondicionado. “Reduz”, pois, o dado, a seus
últimos princípios. Seu método é a “redução” que afirma sua peculiaridade
tanto frente à dedução como ante a indução, segundo já ficou esclarecido.
Na Filosofia do Ideal se identifica com o método transcendental, pois neste
caso os fundamentos a que se reduz o dado são de natureza ideal. Porém
algo distinto ocorre na filosofia do real. Aqui a redução leva a fundamentos
ou princípios reais, como veremos mais detalhadamente quando nos ocu-
parmos do método da teoria da realidade.
A melhor coisa que já foi escrita nos últimos tempos sobre o método
da filosofia se encontra na Introdução à Filosofia de Aloys Müller. É certo
que não se trata ali do método, mas dos métodos da filosofia. Segundo
Müller há dois e apenas dois métodos na filosofia: o método fenomenológi-
co e o método da inferência. (35) Como vimos, o método fenomenológico
na realidade é uma inferência. Também tratamos de definir mais exatamen-
te esta inferência e encontramos que não é uma inferência dedutiva nem
uma inferência indutiva, mas uma inferência redutora. Como ciência dos
fundamentos, a filosofia é essencialmente uma ciência redutora: voltar aos
fundamentos é sempre reduzir. Pois bem, além da inferência Müller cita o
método filosófico: o fenomenológico que, segundo Müller, consiste em
uma intuição e apreensão que muito embora seja imediata não é sensível. É
um “simples tomar consciência, um apropriar-se, um capturar”. (36) Tam-
bém nós opinamos que a filosofia não pode passar sem uma intuição desta
classe. Porém não queremos ver nela um dos métodos coordenados à infe-
rência ou à redução. A característica do procedimento que utiliza o saber
filosófico é sempre a redução, como foi mostrado ao se considerar a essên-
cia da filosofia. Porém esta redução tem que ser preparada, e aqui é onde
intervém a intuição. A função própria da intuição não é a de obter o conhe-
cimento, mas a de prepará-lo. Por esta razão não falamos de dois métodos
da filosofia, mas de apenas um.
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Capítulo IV
A filosofia como processo anímico
Se até aqui nos esforçamos por conquistar uma “lógica da filosofia”,
nossa tarefa será agora a de obter uma “psicologia da filosofia”. Já não
consideramos a filosofia como uma forma objetiva, mas como um processo
subjetivo, como um acontecer que se dá na psiquê humana. A visão estática
se converte em uma visão dinâmica. Antes de tudo, investigaremos o ato
espiritual de caráter filosófico relacionando-o com suas condições e pres-
supostos psicológicos, e em seguida com referência aos seus efeitos psico-
lógicos.
Se costuma reduzir todas as funções superiores do espírito e da cultu-
ra do homem às correspondentes disposições ou aptidões. Assim falamos
de aptidões científicas, artísticas, religiosas. Estas expressões assinalam
uma capacidade inata que constitui o pressuposto necessário para se culti-
var frutuosamente a respectiva disciplina. Falamos sobretudo de tais apti-
dões quando nos referimos à arte, porque neste campo mais que em qual-
quer outro todas as produções parecem se basear em uma aptidão particu-
lar, em certos dotes específicos, como o expressa a conhecida frase poeta
nascitur.
Com toda razão se pode falar de uma especial aptidão filosófica. O
que o justifica é a observação de que o filosofar – como a criação e a com-
preensão da arte – não é algo que qualquer um possa fazer. Precisamente o
filósofo comprova repetidas vezes que seus esforços mais sinceros encon-
tram a incompreensão da maioria dos homens e que o que comove mais
profundamente sua alma só desperta um sorriso compassivo. Como diz a-
certadamente Schopenhauer, “apenas poucos abraçam seriamente o misté-
rio da existência humana… assim como o animal passa sua vida sem olhar
para além das suas necessidades, e portanto não se admira de que o mundo
exista, e de que seja como é, tampouco os homens de atitudes corrente sen-
tem alguma admiração pelo mundo. Encaram tudo como muito natural. Em
todo caso, raramente se surpreendem de algum acontecimento insólito e
desejam conhecer a sua causa; de forma que o maravilhoso que se acha na
totalidade dos acontecimentos, o maravilhoso de sua própria existência, é
algo do qual não se inteiram. Por isso estão propensos a ridicularizar os que
se maravilham, refletem acerca daquelas coisas e se ocupam de tais inves-
tigações. Pensam que se dedicam a fazer coisas muito mais sérias cuidando
de si mesmos e dos seus, e usando uma informação detalhada acerca das
relação que guardam os acontecimentos entre si, para poder utilizá-los pro-
veitosamente”. (37)
Por conseguinte podemos falar com razão de uma aptidão filosófica,
de uma capacidade especial para filosofar. Quando esta capacidade se en-
19
contra muito desenvolvida dizemos que há um gênio filosófico. Todas as
grandes produções da filosofia se baseiam em alguma aptidão genial desta
índole. Os gênios filosóficos produziram suas obras com valor e significa-
ção intemporais. Precisamente ante estas produções, que são eternamente
válidas porque procedem de um gênio, nos fica claro que a filosofia tam-
bém pressupõe uma certa aptidão anímica.
Esta aptidão anímica se origina antes de tudo de uma vivência pecu-
liar. Platão e Aristóteles coincidem na caracterização desta vivência como
um 2":V.g4< (thaumázein) um admirar, um assombrar-se, um maravi-
lhar-se que caracteriza, portanto, o surgimento do filósofo. Quem experi-
menta essa vivência deixa de enfrentar a realidade como um homem ingê-
nuo. Não aceita as coisas como algo “natural”: ele as converte em proble-
ma. Portanto, se poderia caracterizar a paixão do 2":V.g4< (da admira-
ção) dizendo que consiste em sentir filosoficamente um problema.
Experimentamos este 2":V.g4< sobretudo quando imediatamente
nos maravilhamos pelo fato de que existimos. O fato de que eu exista não é
algo que se compreenda por si. Há tantos e tantos anos eu não existia, e
dentro de alguns anos não existirei. O fato de que eu exista precisamente
neste mundo, de que a realidade seja como é, de que o que nela exista acon-
teça precisamente segundo estas leis e não segundo outras, não é, tampou-
co, algo por si só compreensível. Tudo poderia ser também de outra manei-
ra. Por que é precisamente assim? E por que existe algo? Também poderia
não existir nada. Assim o ente, que para o homem ingênuo é algo compre-
ensível por si mesmo, aparece como enigma, maravilha e mistério. Esta
maravilha do ser é no fundo o que penetra em nossa consciência na vivên-
cia do 2":V.g4<.
Certamente, o 2":V.g4< desempenha também um papel na investi-
gação científica. Neste sentido Külpe tem razão ao dizer que “o assombro
ante a existência ou à qualidade de algo e a dúvida referente à correção ou
validez de qualquer afirmação ou suposição, são estados de ânimo propul-
sores de todas as ciências, e só poderiam se relacionar mais estreitamente
com a filosofia assinalando o objeto próprio que os excita”. (38) E contudo
nos permitiremos falar do 2":V.g4< em filosofia como algo especial e
próprio. Com efeito, enquanto o investigador nas ciências especiais se ma-
ravilha só com os fatos e acontecimentos particulares, o assombro do filó-
sofo nasce da totalidade do ser e do acontecer. No primeiro caso a emoção
de maravilhar-se se deve a um ser determinado; no segundo, se deve ao ser
enquanto tal, e em cada caso a causa confere à respectiva emoção seu cará-
ter especial. Disse Schopenhauer com acerto: “a atitude filosófica consiste
em se maravilhar do que é usual e cotidiano, e, portanto, em problematizar
o geral dos acontecimentos; ao contrário dos investigadores das ciências
especiais que se maravilham só com os acontecimentos raros e rebuscados
e só a estes problematizam”. (39)
20
A emoção de maravilhar-se conduz natural e necessariamente ao
problema. Ao 2":V.g4< seguem o ¦>gJV.g4<, o indagar e perguntar. A
pergunta foi caracterizada como o gesto do filósofo. Assim como as formas
são os esboços do artista, a pergunta é a figura do filósofo. Para o filósofo
tudo é de alguma maneira “questionável”; nada é para ele inquestionavel-
mente válido. O filósofo leva ante seu tribunal os juízos da consciência in-
gênua, que devem, por assim dizer, apresentar-lhe suas credenciais. Se não
podem fazê-lo, para o filósofo perdem validez. Pode aplicar-se portanto a
cada filósofo, o que Friedrich Nietzsche dizia de si mesmo e de sua sala-
mandra:
21
a uma maior adequação do conhecimento – é a atitude fundamental do au-
todomínio dos impulsos instintivos por meio da vontade racional”. (42) Há,
pois, segundo Scheler, três atos fundamentais que condicionam o conheci-
mento filosófico: amor, humildade e autodomínio. O amor permite dirigir o
espírito humano muito além de seu estreito horizonte ambiental para totali-
dade do ser. A humildade orienta para a essência das coisas. Só na atitude
da humildade, da franqueza, da receptividade se nos revela o essencial do
ser, o profundo da realidade. O autodomínio, finalmente, é a condição para
que o conteúdo objetivo da realidade se reflita em sua pureza e sem falsea-
mento no espírito subjetivo.
Destas três condições, pelo menos a terceira poderia ser discutível.
Com efeito, o domínio dos impulsos e paixões é um requisito imprescindí-
vel para a “adequação do intelecto à coisa”, e nesta adequação, segundo a
antiga sabedoria, consiste a verdade do conhecimento. Isto já o sabiam Só-
crates e Platão, e por isso os filósofos reclamaram a liberdade interior com
respeito a toda classe de paixões perturbadoras, liberdade que só se pode
conseguir por meio de uma séria e estrita auto-purificação. Portanto, quan-
do Scheler menciona o amor como outra condição do filosofar, renova uma
idéia da filosofia antiga, que teve sua formulação clássica na doutrina pla-
tônica do Eros. Platão, diz o próprio Scheler, “caracteriza a potência que
reside no núcleo da pessoa, o impulso, aquilo que há em seu interior e que
se eleva para o mundo das essências, como a forma mais alta e mais pura
daquilo que chama Eros, por assim dizer, como o que ele mais tarde... defi-
ne mais precisamente como a tendência ou movimento intrínseco de todo
ser imperfeito para o ser perfeito, ou do :¬ Ð< (não-ser) para o Ð<JTH Ð<
(ser-efetivo)”. Deste modo Platão “abriu para sempre a porta de acesso à
filosofia”. (43) Sem dúvida esta valoração de Scheler é justa. Porém o Eros
filosófico de Platão não parece significar tanto um ato formalmente erótico
quanto o impulso da alma para o supra-sensível, o anelo que o espírito sen-
te por sua verdadeira pátria, e que constitui a alma de todo autêntico e pro-
fundo filosofar. É o desejo, “no meio do finito, de identificar-se com o infi-
nito”. Nesta sua grande ânsia a filosofia coincide com a religião e seu espí-
rito mais profundo. Sem este Eros na realidade não se produziria nenhuma
criação filosófica de valor perdurável.
Como segunda condição Scheler assinala a humildade, e ao fazê-lo
nos parece que erige uma norma, não que descreva uma situação. Scheler
não se refere aqui à filosofia como situação histórica, mas como represen-
tação ideal. E contudo em todos os tempos houve filósofos orgulhosos da
razão que tiveram também profundas intelecções filosóficas. Scheler viu
neste ponto algo que é justo, e que poderíamos chamar de a consagração ao
objeto com total desapego e esquecimento de si mesmo. Sem ela não há
realmente nenhum conhecimento digno deste nome e, sobretudo, nenhum
conhecimento filosófico. Se se compreende neste sentido restrito o que S-
22
cheler chama “humildade”, se pode considerar que constitui com todo di-
reito uma “condição moral” do conhecimento filosófico.
Assim como todo processo psíquico está condicionado por outros
processos, também é, por sua parte, condição de novos processos. Em ou-
tras palavras: não é puro efeito, mas também causa. Isto pode se aplicar
também ao processo anímico do filosofar. Havendo mostrado suas condi-
ções, consideraremos agora mais de perto seus efeitos.
Vejamos antes de tudo a influência na esfera da vontade ou, dito de
outro modo, seus efeitos morais. Assim como o ato fundamental do filoso-
far pressupõe uma atitude moral, também parece apropriado para favorecê-
la e fortificá-la. O autodomínio que o filósofo deve exercitar conduz a um
aprofundamento e espiritualização de seu ser. Sua postura frente ao supra-
sensível o impulsiona e induz a basear sua existência no eterno e espiritual.
Assim aprende a considerar todas as coisas sub specie aeternitatis (sobre o
aspecto da eternidade). Ainda que no que se refere ao foro externo esta ex-
posição às vicissitudes da vida, de fato estes embates não alcançam o nú-
cleo íntimo do seu ser. A esfera em que vive sua vida profunda está além
da esfera finita, ou seja, no eterno e invisível.
Estes efeitos do filosofar, que espiritualizam e aprofundam a vida,
torna compreensível muitas vezes que encontremos nos pensadores um alto
nível ético, que afastem e combatam todas as obrigações morais e religio-
sas. Um exemplo típico é Nietzsche, que apesar de sua decidida oposição
ao ethos religioso, e particularmente ao ethos cristão, foi um homem de
grande dignidade moral, incompreendido geralmente pelos que consideram
que sua doutrina fornece “rédeas soltas” para as tendências naturais mais
baixas.
Os efeitos morais que se derivam da função anímica do filosofar são,
pois, totalmente positivos. Porém, qual é sua influência sobre o aspecto
emocional do ser humano? Como o filosofar repercute na vida sentimental
do ser humano? Ou, dito de uma maneira mais popular: o filosofar torna o
homem feliz?
Assim como no reino animal a satisfação de um impulso acarreta
prazer, também a satisfação de um impulso espiritual repercute agradável e
felizmente no homem, produzindo nele sentimentos de alegria e felicidade.
Isto se aplica também ao impulso filosófico. Também sua satisfação está
ligada a uma certa alegria e significa um prazer espiritual superior. Os gre-
gos, cujo pronunciado espírito teórico os predispunha e inclinava ao filoso-
far, ressaltavam com entusiastas palavras a felicidade da 2gTD\", a sina da
investigação e do conhecimento filosófico. {/ 2gTDÂ" JÎ »*4FJ@< 6"Â
–D4FJ@< (a teoria é o que há de mais agradável e melhor) – diz uma conhe-
cida frase de Aristóteles. (44) O testemunho de Fichte mostra que não só os
antigos, mas também os modernos, foram capazes de sentir este prazer da
2gTD\". A experiência decisiva de sua evolução filosófica foi seu contato
23
com a filosofia kantiana, cujos juízos recebeu com um arrebato de prazer.
“Foram os dias mais felizes que vivi. Ainda que tivesse dificuldades para
conseguir o pão de cada dia, era por acaso um dos homens mais felizes em
toda superfície da terra”. (45)
Se a primeira repercussão anímica do filosofar consiste em tornar o
sujeito feliz, satisfazendo uma necessidade espiritual, pode-se perguntar
contudo se também apazigua as mais profundas necessidades do espírito
humano, ou se há certas disposições e exigências do espírito que nenhuma
filosofia pode satisfazer, e que melhor apontam para algo último e supre-
mo, para além da filosofia.
Reconhecemos que a alma de toda filosofia autêntica é a nostalgia do
espírito por sua verdadeira pátria, o reino do ideal, do eterno e divino. O
filósofo criador trata de acalmar esta nostalgia erigindo seu sistema filosó-
fico, que é uma interpretação conceitual do sentido do universo. Porém nes-
te ponto aparece a dupla tragédia do filósofo. O filósofo quer conhecer o
mundo. Neste sentido afirma o mundo. Porém para conhecê-lo o filósofo
deve distanciar-se dele, dirigindo-se para a região dos conceitos abstratos e
das relações lógicas. Nesta região vive e respira. “A filosofia – disse Ni-
etzsche – é a vida espontânea nos altos montes gelados”. Do “sim” dado ao
mundo surge então um secreto “não”: o filósofo só pode apreender o mun-
do na medida que se acha espiritualmente afastado dele.
Se bem que o conhecimento filosófico até certo ponto compartilha
esta tragédia com todos os conhecimentos científicos, há uma segunda tra-
gédia de caráter especificamente filosófico. O gênio filosófico trata de se
libertar de seu insatisfeito impulso para o infinito construindo seu sistema
de pensamentos. Com isto não aspira senão a sujeitar o infinito à esfera de
seu espírito, a possuí-lo como propriedade espiritual sua. Porém ao tratar de
apreender o infinito em conceitos humanos se dá conta com muita dor de
que se trata de um empreendimento impossível. Está negado ao intelecto
humano representar a infinita plenitude do ser em um sistema de conceitos.
O finito não pode apreender o infinito: finitum incapax infiniti. Assim a
vontade de infinito naufraga em sua finitude. Profunda tragédia, na verda-
de, implícita nas funduras do ato espiritual do filosofar.
Com maior ou menor clareza observamos este traço trágico no rosto
de todo gênio filosófico. De suas obras nos chega algo daquele sentimento
que um poeta moderno expressou assim:
24
A tragédia do conhecimento filosófico não se pode superar no plano
da filosofia, porque brota de sua essência mais íntima. Deste modo a filoso-
fia aponta para um ideal mais alto, muito além dela mesma, que significa
atingir aquele último anelo que nenhuma filosofia pode satisfazer. Com ou-
tras palavras, é a religião o que a filosofia assiná-la como seu complemento
essencialmente necessário. Porque só a religião pode culminar naquele ane-
lo do infinito, pois vive na plenitude do divino. Assim se nos confirma a
profunda palavra do poeta Geibel: “o fim da filosofia é saber no que deve-
mos acreditar”.
25
Capítulo V
O valor da filosofia
Já vimos no último capítulo que o filosofar pertence às funções vali-
osas do espírito. Porém é necessário esclarecer com maiores detalhes o va-
lor da filosofia, que foi energicamente impugnado a partir de dois ângulos:
por aqueles que se dedicam ao puramente prático e pelos investigadores de
orientação positivista.
Como a experiência cotidiana ensina, o homem prático se inclina a
considerar os esforços do filósofo como totalmente infrutuosos e sem ne-
nhum valor. Se pensa como dizia a frase de Goethe:
Devido a sua atitude puramente prática mede toda ação por seus êxi-
tos visíveis e tangíveis, e como não os percebe na filosofia, acredita que
deve negar-lhe valor.
Muito mais importante que esta posição negativa do homem pura-
mente prático é a postura do pensador e teórico positivista. Enquanto o juí-
zo do primeiro vale em geral para a ciência na medida em que esta não se
aplica imediatamente à vida, o juízo do segundo ataca especialmente a filo-
sofia. Se trata no fundo de uma luta entre dois ideais de conhecimento. O
ideal do conhecimento para o positivista consiste em reproduzir com a má-
xima fidelidade um aspecto mais ou menos limitado da realidade. Para o
positivista o que é decisivo não é a importância e significação do objeto
investigado, mas a exatidão dos métodos de investigação. Por esta razão
para o positivista não tem sentido que o espírito humano se ponha a inves-
tigar o conjunto do real e seus fundamentos últimos.
Se por um lado o pensamento prático e positivista desconhece e nega
o valor da filosofia, por outro lado há quem o encarece com excesso. En-
contramos sobretudo em Hegel tal valoração excessiva da filosofa. Quando
em 1816 Hegel assumiu o cargo da cátedra em Berlin, pronunciou uma ce-
lebre conferência inaugural, que representa um hino à filosofia e a seu va-
lor. “O denodo da verdade – diz no final –, a fé no poder do espírito, é a
primeira condição do estudo filosófico; o homem deve honrar-se a si mes-
mo e avaliar-se digno do Altíssimo. Nunca poderá considerar suficiente-
mente grande a importância e poder do espírito. A essência do universo, a
princípio fechada, não tem força que possa opor resistência ao denodo do
conhecer: tem que se abrir ante ele e colocar ante seus olhos suas riquezas e
suas profundidades dando-lhe assim motivo de prazer”. (48) O pensamento
intelectualista que se expressa nestas palavras é a base de toda especulação
26
de Hegel. Por conseguinte Hegel define a filosofia dizendo que é “a idéia
que se pensa a si mesma”, “a verdade que se sabe a si mesma”, “a razão
que se concebe a si mesma”. Para Hegel a essência das coisas consiste no
pensar, é algo lógico, conceitual. Este pensar objetivo também alcança au-
toconsciência na filosofia, caso o apreenda de forma plenamente adequada,
de sorte que a filosofia proporciona ao homem um saber absoluto, e em
conseqüência representa a mais alta função do espírito humano.
A filosofia contemporânea é unânime em considerar que esta con-
cepção da excessiva importância da filosofia, como também é unânime em
seu juízo sobre a apreciação positivista acerca da filosofia. O pensamento
filosófico contemporâneo já não pisa no solo do intelectualismo hegeliano.
Pensa mais humildemente acerca da razão humana e de sua capacidade. Já
não vê as coisas com os olhos dos grandes conceitualistas românticos e
portanto tampouco acredita que a filosofia pode dar ao homem um saber
absoluto, e que nisto se baseia sua importância e valor.
Se agora queremos evitar menosprezá-la ou estimá-la em excesso,
devemos representar-nos sua essência e tratar de determinar seu valor com
base nessa consideração essencial.
Como vimos, na filosofia se realiza uma auto-reflexão do espírito.
Como reflexão do espírito sobre sua atitude teorética e seu conhecimento
científico, a filosofia adota o caráter de uma teoria da ciência, que consiste
na investigação e exame crítico dos pressupostos objetivos e formais do
conhecimento científico. Como teoria da ciência a filosofia fixa sua atenção
nos métodos e conceitos fundamentais das ciências especiais. Ao fazê-lo
adquire uma importância positiva para o investigador das ciências especi-
ais. Mostra-lhe, por uma parte, os limites de seu campo de investigação,
formando nele uma consciência crítica e equânime. Por outra parte, estabe-
lece no campo de sua ciência relações mais amplas, levando-o a um apro-
fundamento intelectual de toda investigação. Deste modo o guarda do espe-
cialismo unilateral, que Goethe censura com suas conhecidas palavras:
27
modo o guarda das unilateralidades que tão facilmente aparecem ao culti-
var com intensidade um campo especial de valores, e lhe permite compre-
ender também outras atividades valiosas e julgá-las com imparcialidade.
A filosofia não esgota sua essência na auto-reflexão do espírito. Co-
mo já vimos, esta reflexão está em última estância a serviço de uma finali-
dade superior: o conhecimento da totalidade do ser, a conquista de uma vi-
são de conjunto da realidade. A filosofia realiza esta tarefa na teoria da rea-
lidade. Como teoria da concepção do universo se ocupa em alcançar uma
interpretação do sentido do universo e, com isso, também uma interpreta-
ção da existência humana. Sem uma concepção do universo e da vida o
homem não pode viver de um modo verdadeiro. Pode ir vivendo com a
consciência adormecida como um animal; porém só pode levar uma vida
digna de um ser racional se tiver clareza acerca do sentido do mundo e da
vida. A filosofia pretende ajudá-lo a obter essa clareza. Certamente que não
pode dar por si só uma interpretação do sentido do universo; daí porque,
como veremos em seguida, dependa de outra fonte de conhecimento, mais
profunda. Porém, ao contrário, pode oferecer ao homem os instrumentos
conceituais de que ele necessita para construir sua concepção do mundo.
Ao pô-lo em condições de conquistar uma clara concepção do mundo cria-
da pelo pensamento, adquire decisiva importância para o homem e para a
realização de sua vida.
O valor da filosofia que acabamos de examinar é um valor teórico,
situado no plano do conhecimento. Porém como todo conhecer se acha de
certa maneira relacionado com a vida, a filosofia serve também indireta-
mente à vida, proporcionando-lhe valores de conhecimento. Além disso,
podemos falar também de um valor direto da filosofia para a vida. Quando
o seu valor teórico acrescenta algo ao seu conteúdo, este valor prático se
funda em sua realização subjetiva, na função do filosofar.
A filosofia é a ciência das coisas últimas e fundamentais. É próprio
da sua essência mover-se não só em extensão, mas também em profundida-
de. A consagração à filosofia se presta, pois, como nenhuma outra ocupa-
ção espiritual, para dirigir o pensamento humano até as coisas últimas e
essenciais. O homem possuído pelo gênio da filosofia não acha nenhuma
satisfação no exterior e periférico. Seu ser e seu querer aspiram ao profun-
do. Despreza os valores superficiais da vida, vê neles valores só aparentes e
se consagra aos valores da vida culta no que ela tem de profundo e que só
brinda a quem possui profundidade. Fazendo valer em sua vida interior a
devida ordem de valores, sabe sempre encontrar a decisão correta nas situ-
ações concretas da vida. Não é só um erudito, mas também um sábio. De
novo entra em vigor a significação da palavra “filosofia”: o filósofo apare-
ce como um “amante da sabedoria”.
A esta sapientia que coroa a scientia pertence também o conheci-
mento dos limites do saber e do poder humano, a consciência da finitude e
28
limitação do ser humano. A investigação filosófica é muito apropriada para
manter viva esta consciência. O conhecimento que aprofunda as coisas se
encontra sempre com os limites e estreitezas que foram traçados ao intelec-
to humano e que têm sua razão de ser no fato de que o homem foi criado.
Assim o filosofar torna o homem humilde e, deste modo, sensível aos valo-
res mais altos, como se encontram na religião. Tal é o sentido da celebre
frase de Francis Bacon: Leves gustus in philosophia movere ad atheismum,
sed pleniores haustus reducere ad religionem (é possível que o gosto pela
filosofia conduza ao ateísmo, mas ela satisfaz plenamente e reconduz para
religião).
Certamente que a função do filosofar pode também ter um efeito o-
posto. Pode despertar no homem aquele orgulho da razão que põe como
algo absoluto a atitude filosófica e, junto com ela, o próprio eu.
A filosofia é uma função do intelecto. O cultivo unilateral ou total-
mente exclusivo desta função leva necessariamente a uma hipertrofia do
intelecto, que então absorve de certo modo as restantes faculdades do espí-
rito, as forças dos sentimentos e da vontade. O homem conhece as coisas só
em relação com o saber. O que não pode saber nem comprovar não existe
para ele. A realidade existe para ele só na medida em que passa a fazer par-
te da sua consciência teórica. Assim enfrenta todo ser na fria e orgulhosa
atitude do homem que, por assim dizer, se converteu em um intelecto.
Este perigo do intelectualismo prático que ameaça todo homem de
ciência existe principalmente para o filósofo. Seu intelecto se dirige para o
conjunto da realidade, querendo abarcar a totalidade das coisas. Com este
fim pergunta sobre seu ser e sentido. “O espírito filosófico – disse Dilthey
– não esquece nenhum sentimento de valor e nenhum afã tal como se apre-
sentam, nem deixa isolado nenhum saber e prescrição; inquire acerca do
fundamento da validez de tudo o que vale”. (50) Trazendo ante seu foro
crítico todos os objetos, se apresenta como juíz e monarca do reino do espí-
rito. Naturalmente, entronizada esta forma de existência ela é ameaçada
pelo perigo da hybris, da soberba espiritual, do orgulho prometeico. Com
muita facilidade o filósofo se sente como um “pequeno deus” que não tole-
ra deuses acima de si. Esta é a atitude espiritual que encontramos no co-
nhecido aforismo de Nietzsche: “se houvessem deuses, com eu poderia su-
portar não ser um deus? Portanto não há deuses”.
Converter a atitude filosófica em algo absoluto significa fechar-se e
proibir-se o acesso à esfera de valores supremos que só se abre a quem se
aproxime da atitude contrária ao orgulho e a obstinação prometeica: a ati-
tude de humildade. Nesta perspectiva revela o seu verdadeiro sentido clare-
ador da existência a frase de Jesus que raras vezes se compreende com toda
sua profundidade: “Te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que tenhas
escondido estas coisas dos sábios e dos entendidos, e as tenha revelado às
crianças” (Mateus XI, 25).
29
A conversão da filosofia em algo absoluto, que tratamos de compre-
ender psicologicamente, tem também um aspecto lógico, que deve igual-
mente ser considerado. Se baseia em num pressuposto inteiramente arbitrá-
rio, como demonstrou irrefutavelmente Max Scheler. A filosofia, explica
Scheler, é conhecimento, ou seja, a espécie de participação nas essências
que se chama conhecimento. (51) Deste modo institui um intelectualismo
metódico ou formal. Quem como filósofo queria escapar dele, não sabe o
que quer. “Porém tão absurdo como negar o intelectualismo formal da filo-
sofia seria o procedimento oposto, de querer alcançar ou incluir algo acerca
do conteúdo material das essências em que o filósofo originalmente trata de
participar. Porque é tão certo que pelo conhecimento (ou na medida em que
é possível pelo conhecimento) o filósofo está sujeito à participação nas es-
sências, como o é o fato de que a essência original não está obrigada a pri-
ori a conceder ao cognoscente enquanto cognoscente uma última participa-
ção. Pois o caráter da participação se ajusta exclusivamente ao conteúdo
essencial da essência originária, porém não à essencialidade do conteúdo.
O raciocínio, hoje muito em voga, que baseando-se no fato de que a filoso-
fia tem por objeto o cognoscível ou o conhecimento possível do universo,
deduz um intelectualismo metódico da filosofia, é portanto totalmente ab-
surdo”. (52) Suas premissas são de caráter extra lógico. “Não é um funda-
mento lógico, mas moral – o pecado da arrogância na pessoa instruída que
faz filosofia – o que produz a aparência de estar fechada a priori, e de que
o processo metódico e rigorosamente intelectual da filosofia (trás a vitória
moral sobre os obstáculos opostos ao conhecimento) pode conduzir a um
conteúdo de essências que exija de sua natureza, como último ato do filóso-
fo, uma livre e autônoma auto-limitação da filosofia enquanto filosofia, e
que portanto o conteúdo da essência original pode tornar necessária uma
forma correspondente da participação como atitude de conhecimento filo-
sófico. Por conseguinte pode ser muito bem que o filósofo, em rigorosa
conseqüência de seu filosofar, tenha que subordinar-se livre e espontanea-
mente a outra forma superior de participação nas essências; e que o próprio
filósofo mesmo enquanto filósofo, como a razão filosofante em geral, sacri-
fique livremente o caráter não filosófico da participação exigida pelo con-
teúdo da essência originaria”. (53) Assim, para o filósofo, a conclusão final
da sabedoria, única capaz de superar a perigosa hybris (soberba, arrogân-
cia) do intelecto, é a livre auto-limitação da filosofia, o que não significa
outra coisa que o espírito filosófico está intimamente aberto ao Deus vivo e
a sua revelação.
30
Capítulo VI
A filosofia e a sua história
Quem quer que afirme o direito da filosofia deve estar preparado pa-
ra receber uma objeção que é especialmente natural na concepção vulgar.
Segundo esta objeção, por mais que se pondere sobre a filosofia, sua pró-
pria história diz outra coisa. Quem a contemplar sem preconceito se encon-
trará ante um caos de opiniões, tanto maior quanto maior for o espaço de
tempo considerado. Muitas delas se contradizem como um sim e um não.
Em nenhuma parte se descobre algo parecido ao seguro e mais ou menos
constante progresso do conhecimento que observamos nas outras ciências e
que nos inspira confiança em seu trabalho. A história da filosofia aparece
francamente como uma história dos erros humanos.
A esta objeção pôde responder Windelband, um dos melhores conhe-
cedores da história da filosofia, que inclusive considera que a objeção não é
totalmente falsa. “Na realidade ocorre nessa história algo essencialmente
distinto do que se passa com a das outras ciências. Estas têm seu objeto
mais ou menos definitivamente delimitado, e sua história é uma paulatina
aproximação a este conhecimento. Se se considera, por exemplo, a história
da física ou da filologia grega, se observa que com o correr do tempo au-
menta nesses campos a amplitude dos conhecimentos seguros e a penetra-
ção da inteligência. Se torna evidente um progresso em extensão e em in-
tensidade, que muito embora não seja sempre constante, no conjunto se a-
presenta como algo inequívoco. Semelhante história inclui conquistas que
se reconhecem como permanentes, e pode tratar os erros como verdades em
potência. Outra coisa ocorre com a filosofia... Cada filósofo parece traba-
lhar como se os outros não houvessem existido antes dele; e precisamente
nos mais importantes parece ocorrer isso. Assim a história da filosofia dá a
impressão de algo desconexo, eternamente mutável, contraditório e capri-
choso, e por esta falta de continuidade não há nada nela indisputável, nada
que possa se assinalar como uma descoberta. Não existe “a” filosofia, como
existe “a” matemática, “a” história do direito, etc.”. Todavia não encontra-
mos aqui nenhuma objeção contra a possibilidade da filosofia. “Estas ine-
gáveis flutuações entre os objetos mostram persuasivamente que o conjunto
dos problemas e suas conexões não ocorrem para filosofia de forma tão u-
nívoca como nas demais ciências, mas que a totalidade e o sistema dos
problemas devem ser indagados por primeiro, e por acaso isto constitui o
problema último e supremo da filosofia. Porém a descontinuidade do sur-
gimento das questões se explica de modo mais simples se pensamos que
dos pressupostos da vida e das ciências – cuja comoção leva à filosofia se-
gundo especiais circunstâncias históricas que dependem em parte da vida
espiritual do indivíduo e em parte da vida espiritual coletiva – com o correr
31
do tempo se tornam sucessivamente duvidosas e exigem reflexão. Daí por-
que alguns coloquem o conjunto dos problemas filosóficos a partir de um
ponto de vista, outros a partir de outros; e as diferentes energias com que
tanto uma questão, quanto outra, aparece em primeiro plano, se deve mais à
constelação histórica de motivos intelectuais que a considerações sistemáti-
cas. Porém se, apesar de tudo, reiteradamente se abrem passagem para os
mesmos problemas e as mesmas oposições nos ensaios de solução, este é o
melhor título para afirmar o direito da filosofia. Isso mostra que seus pro-
blemas são necessários, que surgem inevitavelmente das coisas, colocando-
se de um modo irrecusável, ao ponto de que uma vez que tenham aparecido
o pensamento sério já não pode descartá-los. E aquele constante retorno da
intenção de solução, que à primeira vista parecia vergonhoso, só mostra
que na relação do pensamento com aqueles objetos nascem necessidades
duradouras, que apesar das mudanças das circunstâncias históricas sempre
se repetem”. (54)
Se a história da filosofia apresenta uma estrutura diferente do desen-
volvimento histórico das ciências, só um cientista unilateral pode ver nisso
uma objeção contra a filosofia. Na verdade, o fato de que a história da filo-
sofia guarde maior similitude com a história da arte que com a história das
ciências especiais, não a prejudica em nada. Na história da filosofia, como
na história da arte, o ponto essencial está nas grandes e dominantes produ-
ções individuais. Aparecem de repente e permanecem em uma esfera de
validez intemporal. Não envelhecem, mas continuam sendo eternamente
revigoradas. Isto vale para as obras de Platão não menos que para as imor-
tais criações de um Sófocles ou de um Praxíteles. Na história da filosofia,
como na da arte, o que está mais próximo da verdade não é o ponto final do
desenvolvimento, o estado atual, como ocorre nas ciências especiais – se,
por exemplo, me proponho o estudo de química compro para mim o tratado
de química mais recente –, mas a produção criadora do gênio. Ela represen-
ta a máxima aproximação da plena idéia da filosofia ou da arte.
A comparação com a arte é adequada para ilustrar a profunda relação
que a filosofia guarda com sua história. A essência da arte se torna evidente
nas criações de seus gênios. Quem quiser penetrá-las tem que se ocupar
delas. Quem quiser ver e plasmar artisticamente deve estudar os grandes
mestres. O mesmo ocorre com a filosofia. Também ela só revela seu se-
grego a quem se submerge nas obras clássicas. Estas constituem a verda-
deira via de acesso ao reino do pensamento filosófico. Portanto quem quer
filosofar tem que travar contato com elas. Nesse sentido a história da filo-
sofia é efetivamente o organon da filosofia”. (55)
Assim, pois, a verdadeira situação é precisamente o contrário do que
parece à primeira vista. A princípio parecia totalmente questionável o valor
da história da filosofia em comparação com a história das ciências especi-
ais. Em um caso um ir e vir, no outro um progresso continuo; ou, como diz
32
Kant, frente aos “tateio” da filosofia, “a segura marcha da ciência”. Contu-
do a História da Filosofia, como vimos, tem mais valor para a investigação
filosófica que a História das Ciências especiais para a investigação científi-
ca especializada. A história é prescrita para filosofia numa medida muito
distinta que para as ciências particulares. A filosofia guarda uma relação
muito mais profunda com sua história. Isto se relaciona, como vimos, com
sua íntima essência, cuja peculiaridade aqui se revela claramente frente às
ciências especiais.
A comparação que fizemos com a arte não deve nos levar a uma
concepção estética da filosofia. A filosofia é e continua sendo ciência. Nela
não se trata da beleza, mas da verdade. Quer conhecer e proporcionar co-
nhecimentos. Na formação e estruturação de seus conhecimentos, em um
sistema arquitetonicamente ordenado, penetra, sem dúvida, um elemento
estético, porém que apenas acrescenta a forma e não o conteúdo do conhe-
cimento filosófico. Este, como conteúdo intelectual, pertence à esfera lógi-
ca, não à estética. Tampouco deve se passar por alto o fato de que a história
da filosofia pretende que seja considerada e seja compreendida como algo
que em última instância não é um ir e vir de sistemas filosóficos. Quem
assim a vê, a vê todavia muito exterior e esteticamente. A visão que penetra
a fundo descobre, sobre a mudança dos sistemas filosóficos, uma elabora-
ção mais ou menos contínua dos problemas, e um inequívoco progresso no
domínio destes.
Nicolai Hartmann prosseguiu o desenvolvimento destas idéias tra-
tando de estabelecer uma nova perspectiva na história da filosofia. Segundo
Hartmann, é preciso remontar dos sistemas aos problemas contidos neles.
A história da filosofia até agora foi muito mais a história dos sistemas. “Se
escreve a história da filosofia como se escreve a história da religião ou a
história das artes, não como se escreve a história de um ramo do conheci-
mento, de uma ciência. O que foi escrito foi sempre como mera história do
espírito, e, como tal, seus resultados possuem também um grande valor. Ao
contrário, os esforços por dominar os problemas e a marcha progressiva do
conhecimento – por certo muito escassa e com freqüência incipiente – se
malograram”. (56) Frente a isto se deve exigir o reconhecimento dos pro-
blemas que se apresentam como um conteúdo contínuo. (57) Cabe obser-
var “que há também uma marcha autônoma dos problemas, que em todas as
épocas as idéias decisivas repousam em concepções revolucionárias que se
manifestam no contínuo progresso do trabalho cognoscitivo, que corre o-
culto pela luta das opiniões expressas e que sempre requer especial desco-
berta”. (58) Deve-se exigir, portanto, uma investigação histórica “que trate
das conquistas e conhecimentos filosóficos. Para este empreendimento o
mais importante não é “compreender” o que é que os pensadores pensaram,
opinaram, ensinaram ou quiseram, mas ‘reconhecer’ o que conheceram”.
(59) Sem dúvida todo pensador se acha imerso nas concepções de seu tem-
33
po. Porém também luta contra elas, e o que elabora nestas lutas é seu co-
nhecimento. Há, pois, em cada pensador, intelecções que se elevam acima
das estreiteza de seu tempo. “O progresso histórico do conhecimento filo-
sófico consiste nestas intelecções”. (60) Se a filosofia é algo mais que uma
opinião, se é uma ciência, “sua própria história tem que consistir na série de
intelecções e não na das opiniões doutrinais e sistemas. Estas são – em sen-
tido estrito e na medida em que não representam intelecções latentes – o
não filosófico da filosofia”. (61) “Na realidade cada pensador parte de al-
gum autêntico problema tomado em uma determinada fase de seu desen-
volvimento, e no qual continua trabalhando. E qualquer que seja o resulta-
do que o seu sistema doutrinal aguarda se trata antes de tudo de que ele se
incorpore com sua pesquisa ao estado atual dos problemas para fazê-los
progredir com sua investigação”. (62)
As idéias de Hartmann são sem dúvida adequadas para contribuir
com o aprofundamento e a ampliação da história da filosofia. Com razão
sublinha que uma coisa é investigar historicamente o ir e vir dos sistemas, e
outra coisa é levar em conta a luta oculta com os problemas por trás destes
eventos, e o lento, porém contínuo, progresso do conhecimento filosófico.
Na realidade a “História da Filosofia” só se torna frutuosa para a filosofia
quando enfoca o progresso do saber que se realiza sob as disputas dos sis-
temas, e aceita estes conhecimentos filosóficos. Se trata de uma exigência
que Leibniz havia colocado com palavras verdadeiramente luminosas: “a
verdade é mais difundida do que se pensa; porém está muitas vezes masca-
rada e com muita freqüência também velada, e inclusive desvirtuada, muti-
lada, corrompida por acréscimos que a estropiam ou a tornam menos útil.
Fazendo observar estes sinais da verdade nos antigos, ou, para falar de um
modo mais geral, nos anteriores, retiraria o ouro do barro, o diamante de
seu escolho, e a luz das trevas; e isto seria, com efeito, uma espécie de pe-
rennis philosophia”. (63)
Essas palavras, também citadas por Hartmann, vão certamente além
do que ele pretende. Porque aqui não se fala tanto de problemas como da
verdade, por assim dizer, da correta solução dos problemas. Em Hartmann
quase parece que só tiveram valor ou importância os problemas e o traba-
lho aplicado a eles, e não ao contrário as soluções dos problemas, por assim
dizer, o fruto deste trabalho. Com isto se relaciona seu forte menos prezo
dos sistemas filosóficos, que para ele são “essencialmente os erros da filo-
sofia, o que há de perecível, ou, ao menos, de discutível nela”, (64) da
mesma forma que sua aguda divisão em pensadores sistemáticos e pensa-
dores problemáticos. Na realidade ocorre que o produto da investigação dos
problemas se acha até certo ponto combinado nos sistemas filosóficos e não
só há continuidade no que acrescenta ao trabalho nos problemas, mas tam-
bém no que se refere aos resultados deste trabalho. Há um caudal de inte-
lecções filosóficas que se conservou através dos séculos e que se manteve
34
contra todos os erros do pensamento filosófico. Leibniz foi precisamente
quem assinalou este fato, usando a expressão philosophia perennis, como o
mostra a passagem citada mais acima.
Comumente se tem confundido esta idéia ao equiparar a philosophia
perennis com a “filosofia cristã” ou a escolástica ou a um sistema filosófico
único, já fora o de Aristóteles, o “mestre dos que sabem”, como disse Dan-
te, ou o de Tomás de Aquino, o princeps scholasticorum. Porém, sublinha
com razão H. Meyer, a caracterização da “filosofia perene” não deve se
basear em critérios extra filosóficos nem tampouco temos que sujeitá-la ao
nome de um filósofo, por celebre que ele seja. A philosophia perennis não
coincide com a filosofia aristotélica, nem com a escolástica, nem com a
tomista. “O próprio Tomás de Aquino estava muito longe de identificar o
seu sistema com a philosophia perennis”. Temos que entender, pois, este
conceito, de uma maneira mais ampla. Não se o deve restringir a um de-
terminado período, e menos ainda a um sistema filosófico isolado. Melhor
temos que relacioná-lo com o grande processo multissecular do pensamen-
to filosófico. Philosophia perennis significa então que há um fundo perma-
nente, um caudal firme de conhecimentos filosóficos elaborados pelos
grandes pensadores da humanidade, que representa, por assim dizer, a sín-
tese de suas mais profundas intelecções e convicções filosóficas às quais a
filosofia, caso pretenda permanecer fiel a seu destino, não deve renunciar
nunca, mas desenvolver e enriquecer. A esta reserva permanente de verda-
des filosóficas fundamentais pertence as seguintes: o conhecimento é pos-
sível; há verdades que conhecemos com plena certeza e que excluem toda
dúvida; além do conhecimento sensível há um conhecimento espiritual; o
homem como ser espiritual está na situação de compreender o sentido do
universo; assim como há verdades absolutas, há também valores de validez
intemporal; há especialmente valores éticos que servem de normas absolu-
tas para todo querer e agir humanos; o homem pode realizar estes valores; o
homem se distingue dos seres naturais por não estar sujeito à coação causal
do acontecer natural, mas que é livre; seu destino é a realização dos valores
superiores, em especial os morais; realizando-os leva sua essência à perfei-
ção, que reside na personalidade moral.
No essencial estas verdades já haviam sido descobertas pelos grandes
pensadores da antiguidade. Foram em seguida retomadas pelos filósofos
cristãos da Idade Média e incorporadas à revelação religiosa. Finalmente
foram reelaboradas pelos principais pensadores da época moderna: Nicolau
de Cusa, Descartes, Leibniz, Kant, Fichte, Schelling, Hegel, Fechner, Lot-
ze, Eduard Von Hartmann, Eucken, Scheler. A estes se podem aplicar os
versos de Goethe:
“A verdade foi encontrada há muito,
E reuniu nobres espíritos
Apreende a velha verdade!” (65)
35
Capítulo VII
O sistema filosófico
“Desconfio de todos os sistematizadores e me separo de seu cami-
nho. A vontade de sistema é uma falta de honestidade.” (Nietzsche).
As expressões de Nicolai Hartmann que reproduziremos na seqüên-
cia mostram que não só os filósofos-poetas avaliam negativamente o siste-
ma filosófico, mas também os filósofos-cientistas. Segundo Hartmann “a
época das construções de sistemas terminou, e a filosofia sistemática voltou
a retomar um caminho mais modesto, porém mais sólido, da investigação
dos problemas”. (66)
Como antítese deste juízo Heinrich Rickert pretende que “a filosofia
que queira ser uma reflexão universal sobre o mundo… tem que proceder a
partir de agora de uma maneira estritamente sistemática. Do contrário não
chega a nenhum mundo teórico ou ‘verdadeiro’, nem, em geral, a nenhum
‘mundo’ que mereça este nome em sentido científico”. (67) À vontade de
contemplação filosófica do mundo está necessariamente ligada a “vontade
de sistema”. (68) “Só por meio do sistema passamos do caos teórico ao
cosmos teórico. Isto constitui o fim inevitável de toda filosofia como ciên-
cia universal. Quem não pensa sistematicamente não pensa filosoficamen-
te”. (69)
Qual é nossa posição ante esta divergência de opiniões? Sem dúvida
a construção de sistemas filosóficos que Rickert assinala contém um peri-
go. É o perigo de estancamento, limitação e falseamento, que finalmente
ameaça toda construção formal. Por outra parte, a vida e a vivência necessi-
tam da forma. A intuição e concepção criadoras do filósofo também reque-
rem o cunho do conceito para alcançar clareza e ser suscetível de comuni-
cação ao próximo. Compre-se aqui uma necessidade interna que não requer
nenhuma justificação externa porque se justifica por si mesma. Esta neces-
sidade não justifica o menosprezo pelo sistema, que vê suas conseqüências
negativas, porém não as positivas. Não percebe sua função esclarecedora e
construtiva. A história mostra que todo filósofo que conta com grande nú-
mero de intelecções tem também necessidade de convertê-las em um con-
junto unitário. Portanto, o sistema – que para Kant é “um conjunto de co-
nhecimentos ordenados segundo princípios” – não se opõe ao saber, mas o
unifica. Apesar dos perigos que encerra constitui algo essencialmente posi-
tivo, valioso e justo.
Este juízo de certo modo se confirma se considerarmos a origem dos
sistemas filosóficos. Diversos fatores intervêm nela. O pensamento filosó-
fico não é certamente um processo que se desenvolve no ar: é o pensamen-
to de um homem concreto. Porém este homem se acha em uma determina-
da época, pertence a uma determinada cultura e raça. Além do mais, não
36
começa a filosofar a partir do princípio, mas se vincula – ao menos em re-
gra geral – ao pensamento dos precursores, a uma determinada tradição fi-
losófica. Todos estes fatores determinam de certa maneira o conhecimento
filosófico e intervêm na formação dos sistemas filosóficos. Gostaríamos de
mostrá-lo em detalhe começando pelo último dos fatores nomeados.
37
2. A individualidade do filósofo. Uma conhecida frase de Fichte diz
que “a filosofia que se escolhe depende do homem que se é, pois um siste-
ma filosófico não é um conjunto de inutilidades, do qual podemos usar ou
desfazer-nos segundo nos agrade, mas que está animado pela alma do ho-
mem que o possui. Um caráter naturalmente débil ou debilitado e enfraque-
cido pelo servilismo, o luxo refinado e a frivolidade, não se elevará nunca
até o idealismo”. (72) Na atualidade Georg Simmel assinalou de um modo
particularmente enérgico o fato de que toda filosofia está condicionada pelo
indivíduo que filosofa. “A personalidade dos filósofos não é o conteúdo de
suas afirmações; pelo contrário, essas afirmações se vinculam a realidades
objetivas, porém sua personalidade se expressa nelas; diferentemente do
que ocorre nas outras ciências, o tipo de homem que a sustenta não desapa-
rece na própria afirmação, mas se conserva nela”. (73) Para Simmel isto é
possível na filosofia porque em contraposição às ciências especiais possui
um campo de extensão infinita. “Quanto mais amplo é o círculo das coisas
que promove uma reação unitária do intelecto, mais livremente poderá ex-
pressar sua individualidade nesta reação... Com a crescente amplitude do
circulo de diferentes objetos a necessidade de que todos os indivíduos rea-
jam de forma análoga se aproxima do limite zero; precisamente o que se
chama uma concepção do mundo depende sobretudo das diferentes perso-
nalidades; precisamente a imagem do conjunto que parece conter a máxima
e mais pura objetividade, reflete a peculiaridade de seu possuidor muito
mais acentuadamente do que se costuma fazê-lo a imagem objetiva de algo
particular. Se se diz que a arte é uma imagem do mundo vista através de
um temperamento, pode-se dizer também que a filosofia é um temperamen-
to visto através de uma imagem do mundo”. (74) Esta idéia de Simmel se
fundamenta nos fatos, como se depreende da circunstância de que também
a tenham expresso pensadores de orientação totalmente distinta. Assim no
ensaio de Clement Beaumker sobre Kant lemos as seguintes frases: “em
suas questões supremas a filosofia não se baseia em uma quantidade de ex-
periências isoladas, mas funda suas raízes no profundo do espírito huma-
no... Por isso a filosofia tem nos pensadores individuais de todos os tempos
uma marca pessoal. O meio espiritual e a posição do homem frente a ele, a
relação dos seus pensamentos científicos e sentimentos religiosos, a peculi-
aridade pessoal e o caráter da época, tudo isso concorre para fazer com que
cada filósofo original seja um tipo que em sua especificidade vivente não
se repetirá outra vez”. (75)
Certamente temos que nos precaver neste caso dos exageros da idéia
que em si mesma é justa. Sem dúvida tal coisa ocorre nas declarações de
Simmel, que considera o sistema filosófico exclusivamente a partir do pon-
to de vista do indivíduo filosofante, avaliando-o como expressão e resulta-
do de uma determinada atitude. De acordo com isso a filosofia não é outra
38
coisa que a expressão da personalidade, a auto-manifestação de uma deter-
minada postura espiritual. Considerar assim a filosofia significa em última
instância considerá-la de uma maneira puramente estética; porém ao fazê-lo
se desconhece sua essência mais intima. A filosofia não pretende ser arte,
mas conhecimento. Com razão observa Nicolai Hartmann frente a esta con-
cepção “que deste modo se chega a um conceito da filosofia que de ante-
mão exclui toda sua pretensão de conhecimento”. (76) Se se pensar até o
fim as conseqüências dessa concepção não parecerá demasiado rigorosa a
caracterização que oferece outro investigador: “este relativismo histórico,
que considera um sistema filosófico só como uma forma histórica (por ana-
logia com o estilo arquitetônico) que desaparece do mesmo modo como
surgiu, que além do mais reduz o conteúdo atemporal das filosofias ao psi-
cológico e estético, dissolvendo-o mediante o recurso sempre possível de
consultar as confissões subjetivas ou os produtos artísticos dos sujeitos fi-
losofantes, é o inimigo próprio e mais perigoso do qual se tem que defender
se se quiser manter toda a seriedade e dignidade do trabalho filosófico”.
(77)
39
4. A cultura. Como todos os produtos do espírito, um sistema filosó-
fico também é de certo modo expressão de uma determinada cultura. Nele
se reflete não só a alma do pensador, mas também a alma da cultura em que
nasceu. A luminosa clareza da alma da cultura apolínea fala a partir dos
sistemas dos pensadores gregos como a obscura profundidade da alma
germânica a partir das construções intelectuais da filosofia alemã. Em sua
conhecida obra A Decadência do Ocidente Oswald Spengler expressou pela
primeira vez estas idéias enfaticamente, apresentando-as com muito enge-
nho. Porém ao mesmo tempo as exagerou desmesuradamente. Se não se
pode conceber o sistema filosófico como mera expressão de uma persona-
lidade, tampouco se o pode compreender e avaliar exclusivamente como
expressão de uma cultura. Assim como a primeira concepção leva a um re-
lativismo psicologista, a segunda conduz a um relativismo morfológico-
culturalista. Porém ambos são igualmente errôneos. Todo relativismo ao
final se destrói a si mesmo, porque o relativista reclama para sua tese rela-
tivista uma validez mais que relativa, absoluta.
40
seu conteúdo, suas idéias e valores, que não são funções da raça, mas que
estão acima de toda consideração racial.
São, pois, diversos elementos que se unem para se cristalizarem em
um sistema filosófico. Isso explica também a multiplicidade de sistemas
filosóficos que mencionamos reiteradamente. É palmar que a construção
intelectual de um filósofo seja diferente, segundo a tradição em que está
situado, o tipo de pensamento que represente, a cultura e a raça a que per-
tença. A tradição filosófica determina de muitas maneiras o ponto de parti-
da de sua construção intelectual; a estrutura de sua personalidade – que por
sua vez está condicionada pela raça e pela cultura – determina a direção do
seu pensamento; a época, muito freqüentemente, o conteúdo do seu filoso-
far, os problemas a cuja solução se aplica. Assim a cristalização de suas
idéias em um sistema filosófico se separa essencialmente da estrutura que o
pensamento filosófico conquista em outros filósofos.
Porém suponhamos o caso de que fosse possível eliminar todos esses
fatores para criar o pensamento filosófico, por assim dizer, em um cultivo
puro, haveria então sistemas divergentes? Responder afirmativamente a
esta pergunta significa supor que a multiplicidade dos sistemas filosóficos
não constituem algo exterior e contingente, mas algo intimamente necessá-
rio. Com efeito: o pluralismo dos sistemas filosóficos se funda na própria
essência da filosofia.
A filosofia é a ciência do conjunto. Seu objeto é a totalidade do ser.
Porque esta totalidade é infinita, não é possível nunca esgotá-la intelectu-
almente. O intelecto humano é limitado: é o intelecto de um ser finito. Em
conseqüência não pode abarcar a infinita plenitude do ser. Como não pode
fazê-lo, embora quisesse, sempre volte a começar, empreende novos ensai-
os de dominação espiritual do universo. Assim o pluralismo dos sistemas
filosóficos têm seu fundamento mais profundo na essência da filosofia co-
mo conhecimento de um ens finitum.
A “anarquia dos sistemas filosóficos” não constitui portanto nenhu-
ma objeção contra a filosofia. Para quem compreendeu a essência da filoso-
fia, mostra melhor o direito da filosofia. Nela se revela a característica da
filosofia, sua essência mais íntima, em virtude da qual aparece como algo
autônomo diferente de todos os demais conhecimentos. Com razão subli-
nha Franz Kröner: “o fato de que nenhum sistema alcance o absoluto e de-
finitivo, que todos sejam históricos, se dissolvam e se desfaçam, não é ne-
nhuma desgraça, nenhum defeito, mas o necessário destino da filosofia, que
se arraiga profundamente na essência e na estrutura puramente objetiva de
cada sistema”. (79)
41
Capítulo VIII
A ausência de pressupostos
em filosofia
A idéia de “ciência sem pressupostos” foi submetida a uma aguda
crítica durante muitos anos. A geração que havia lutado por ela e que a uti-
lizou como arma nas lutas da política da cultura era coisa passada e acaba-
da. “Ciência sem pressupostos”, se dizia, era um lema do liberalismo sobre
o qual tudo já foi suficientemente discutido. Toda ciência adicionaria de-
terminados pressupostos e condições. Todo conhecimento científico em
última instância estaria condicionado pela raça, pela cultura e pelo caráter.
Não havia nenhuma ciência absoluta. E como, sem dúvida, a filosofia é
uma ciência, isto se aplicaria também a ela.
Nossa posição frente a essa crítica se encontra nas manifestações do
capítulo anterior. Vimos que o conhecimento filosófico não é certamente
um processo que ande pelo ar. A investigação filosófica não ocorre num
espaço vazio. A filosofia só existe em sujeitos humanos concretos; o pro-
cesso filosófico está unido a portadores reais. Porém estes pertencem a uma
determinada raça e cultura, são filhos de uma determinada época, se acham
em uma concreta tradição filosófica e possuem por último uma estrutura
mental de individualidade mais ou menos pronunciada. Todos esses fatores,
como vimos, formam a face da filosofia, que cresce a partir de raízes que se
fundam em um determinado solo, o qual condiciona e determina sua pecu-
liaridade. Na realidade não existe uma filosofia sem pressupostos como fi-
losofia independente de todas estas condições e, por assim dizer, incondi-
cionada ou absoluta.
Falta saber se o lema “ciência sem pressupostos” teria realmente esse
sentido. Acreditavam os defensores que aquela idéia em um conhecimento
científico ou filosófico que não estivesse ligado a seus portadores reais e
que, portanto, não estivesse condicionado, conformado e moldado por sua
peculiaridade? Temos que responder que os promotores daquela idéia de
nenhum modo sustentaram que a ciência seja algo absoluto nesse sentido.
Estavam longe de pretender que o ato real de conhecimento carecia de
pressupostos. O que postulavam era a ausência de pressupostos nos conteú-
dos do conhecimento. Não ser referiam à falta de pressupostos reais ou psi-
cológicos, mas de pressupostos ideais ou lógicos, coisa que também per-
tence à essência do conhecimento científico. Com eles existe ou desaparece
o caráter científico de um conhecimento.
Toda ciência se propõe investigar determinados objetos. Seu fim é
descrever conceitualmente seus objetos do modo mais adequado que for
possível. Portanto, em todas as suas investigações têm que se deixar deter-
42
minar pelos objetos. Tão rapidamente como deixa de escutar escrupulosa-
mente o que as coisas têm a dizer, tão rapidamente quanto lhes corta a pa-
lavra, malogra seu propósito. Porém lhes cortaria a palavra se chegasse e
eles com determinados pressupostos. O caráter científico de uma ciência
não tolera tais preconceitos; exige uma rigorosa falta de pressupostos no
sentido que mencionamos.
Se observarmos qual é o caráter dos pressupostos que se revelam in-
compatíveis com a estrutura essencial da ciência, os quatro seguintes se nos
apresentam como os mais importantes com referência à filosofia:
43
que deseja investigar. Em conseqüência vê os objetos, se assim se pode di-
zer, através dos cristais de idéias pré-concebidas. Sua investigação se pro-
põe no fundo a solucionar os problemas que os objetos lhe colocam, aco-
modando-os harmonicamente a seu sistema conceitual. Um exemplo típico
deste modo de filosofar a priori o oferece a obra de Hermann Cohen: Der
Begriff der Religion im System der Philosophie (O Conceito de Religião no
Sistema da Filosofia). Já o titulo permite reconhecer claramente a finalida-
de do autor: se propõe ajustar a religião a seu sistema. Deve determinar seu
conceito de tal modo que o encaixe na estrutura conceitual pressuposta co-
mo válida. É evidente que esta classe de filosofar conduz necessariamente a
ter que retocar e até que violentar os fatos objetivos. Com razão o movi-
mento fenomenológico declarou guerra a esta classe de filosofia, conver-
tendo em suprema condição de toda autêntica filosofia objetiva o respeito
pelos fenômenos, a consagração total e libertadora dos fenômenos objeti-
vamente dados.
Há todavia outra forma em que uma determinada filosofia pode fun-
cionar às vezes de premissa maior no pensamento de um filósofo. Um filó-
sofo pode colocar na cúspide de sua filosofia e qualificar de “verdade su-
prema” um axioma que na realidade é o resultado de toda uma filosofia.
Desconhece e transtorna, pois, a ordem objetiva: põe no princípio o que
corresponde ao final. Daquilo que é uma conclusão faz uma premissa. Um
exemplo característico deste procedimento se acha no livro de Peter Wust:
Ungewissheit Und Wagnis (Dúvida e Incerteza), onde se converte o princi-
pium intelligibilitatis universalis em princípio primeiro e original da filoso-
fia, que deve conter implicitamente todos os primeiros princípios da filoso-
fia, inclusive o princípio de contradição. Diz Wust: “o ser enquanto ser de-
ve se qualificar de inteligível no mais amplo e profundo sentido da deter-
minação racional. Em conseqüência é válido afirmar que sempre que nos
encontramos com um ente, nos encontramos também com a forma, a or-
dem; e a ordenação é tão completa que chega até o núcleo mais íntimo do
ente. Porém sempre que, com um ser, encontramos uma ordem, neste ser
ordenado achamos também algo valioso. Porém se as determinações primi-
tivas da ordenação e da validez se unem em um ente, encontramos também
uma certa unidade, uma certa forma, uma certa interioridade. Portanto, de-
ve se considerar o ‘inteligível’ do ‘ente’ como o mais íntimo pensamento
pensável das determinações transcendentais primitivas do verum, bonum e
unum”. (80)
Dizer que todo ser é inteligível é afirmar uma tese de alcance extra-
ordinariamente amplo. Contém in nuce toda uma filosofia. Sobre sua legi-
timidade só se pode decidir com base em uma minuciosa e profunda inves-
tigação científica. Como o mostra quase cada página da História da Filoso-
fia, esta afirmação carece por completo da intrínseca evidência que deve
possuir se se quiser colocar no ponto alto da filosofia. Portanto, quem tra-
44
balha com semelhantes pressupostos elimina o caráter científico de sua fi-
losofia, que não pode reclamar validez universal senão que vale somente
para quem professa aquele pressuposto.
45
vidade de nosso pensamento nos põe na posse da verdade. Nem toda ativi-
dade, como mostra o fato de que há erros, senão aquela que nosso próprio
pensamento prova que é a correta. Porém não é possível oferecer uma pro-
va de que o pensamento é digno de confiança – como poderíamos evocar o
primeiro de todos os pressupostos – pois todo ensaio de prova só poderia se
empreender aceitando a hipótese de que o pensamento é digno de confian-
ça”. (82)
As idéias de Von Hertling são dignas de aplauso. Toda investigação
científica, e até todo ato de conhecimento, pressupõe tacitamente que o co-
nhecimento ou a ciência são possíveis. Todo homem de ciência se aproxi-
ma de seus objetos com estes pressupostos gerais. Sua ação não teria senti-
do se não estivesse convencido da possibilidade do conhecimento. Se são
objetos reais os que investiga, surge então outro pressuposto: o de que a
realidade é cognoscível, que de algum modo faz parte de nosso pensamen-
to. Por exemplo, se um investigador das ciências naturais investiga os fe-
nômenos da natureza, pressupõe tacitamente que a natureza de algum modo
se deixa captar e conceber intelectualmente. Porém um processo natural é
concebível só se se admite uma certa explicação causal. Assim, pois, o in-
vestigador da natureza trabalha com a lei da causalidade ou princípio cau-
sal, como pressuposto último de seu conhecimento e investigação científi-
ca.
A tese de Von Hertling, de que não há nenhuma ciência sem pressu-
postos, é válida se se refere aos pressupostos mais gerais, que se diferenci-
am claramente dos pressupostos cuja insuficiência mostramos a pouco. Os
primeiros se acham contidos na idéia de ciência, ao contrário os outros são
introduzidos na ciência a partir de fora. Aqueles são pressupostos imanen-
tes; estes são transcendentes. Sem os primeiros a ciência não é possível;
sem os últimos é muito bem possível, e na realidade só sem eles é possível.
Aqueles possuem necessidade lógica, porém não estes. Quem afirme a ci-
ência deve afirmar os primeiros, porque todo conhecimento científico os
implica; ao contrário deve negar os últimos, porque só assim é possível o
conhecimento científico.
Em conseqüência temos que distinguir as seguintes classes de pres-
supostos:
46
Agora podemos dar uma resposta definitiva à pergunta sobre se há
uma ciência sem pressupostos. Não há nenhuma ciência sem pressupostos
se se pensa em pressupostos reais, psicológicos. Tampouco há nenhuma
ciência sem pressupostos se se refere aos pressupostos ideais e lógicos que
possuem necessidade intrínseca. Ao contrário existe uma ciência sem pres-
supostos e deve havê-la se se considera os pressupostos intrínsecos não ne-
cessários. Certamente também neste caso deve se fazer uma restrição. Nos-
sa divisão entre pressupostos psicológicos e pressupostos lógicos é de cará-
ter mais metódico que objetivo. Como se depreende das explicações do ca-
pítulo anterior, os pressupostos psicológicos também repercutem logica-
mente: a estrutura mental do filósofo determina também de certa maneira o
conteúdo de seu pensar. Portanto a ausência de pressupostos que reclama-
mos, em que se baseia a essência da ciência, é em última instância um ide-
al, uma idéia diretora. Devemos tender à ausência de pressupostos no senti-
do que anotamos, se quisermos livrar o nosso conhecimento de todos os
fatores não objetivos que empanam sua objetividade. Quanto mais o conse-
guirmos, maior validez geral podemos pretender para os resultados da nos-
sa investigação. A plena realização deste ideal não nos é permitida, porque
somos seres humanos: teríamos que ser seres absolutamente incondiciona-
dos para podermos realizar um conhecimento totalmente incondicionado e
absoluto. A nós, seres humanos, nos é concedido apenas aproximarmo-nos
do ideal, não alcançá-lo.
47
Capítulo IX
A filosofia e as ciências especiais
1. A relação da filosofia com as ciências especiais sofreu uma longa
evolução histórica. Como já explicamos, os grandes filósofos da antiguida-
de equiparavam a filosofia à ciência positiva. Porém pouco depois da morte
de Aristóteles começou o processo de diferenciação. As ciências especiais
se separaram da filosofia, tornando-se independentes. Esta evolução, que
prosseguiu na Idade Moderna, tem sua necessidade intrínseca. Nela se ma-
nifesta a relação objetiva da filosofia com a ciência especial. A filosofia é,
como mostrou nossa definição, uma ciência sui generis, que se distingue
muito claramente de todas as demais ciências. Todos os ensaios de voltar
atrás o processo que tornou independente as ciências deve necessariamente
naufragar diante deste fato. Como é sabido, o positivismo tratava de identi-
ficar a filosofia com as ciências positivas. Porém não dissolvia a ciência na
filosofia, mas a filosofia na ciência positiva. Na realidade conservava o
nome de filosofia, porém lhe retirava todo conteúdo. Só lhe deixava a fun-
ção formal de ordenar e unificar os conhecimentos das ciências especiais.
Assim a filosofia, que antes possuía o título honorífico de ancilla theologi-
ae, é degradada a ancilla scientiarum.
Quem tiver apreendido a essência da filosofia, tem que considerar es-
ta concepção como completamente errônea. Porém basta um exame muito
simples para estabelecer sua impossibilidade intrínseca. Suponhamos que
as ciências positivas tenham resolvido todos seus problemas. Teria satisfei-
to nosso desejo de saber? Não haveria mais problemas para o intelecto hu-
mano? Formular a pergunta significa respondê-la negativamente.
Em seguida veremos quais são os problemas que restam todavia de-
pois de se haver resolvido todas as questões das ciências especiais. Porém
agora nos limitaremos a expressar que se todo desejo de conhecimento se
reduzisse aos esforços de conhecimento nas ciências especiais, e se supri-
misse todas as questões que apontam para mais além dos limites das ciên-
cias positivas, considerando que toda investigação e pesquisa de relações
mais profundas e de fundamentos últimos e decisivos para explicação care-
ce de sentido e de utilidade, isso significaria redizir o espírito humano a
uma espantosa trivialidade.
48
amplo da totalidade do ente. A filosofia é, como vimos também, ciência
dos princípios; investiga os fundamentos, condições e pressupostos últi-
mos. A ciência especial se limita ao plano do dado, do fenômeno. Seus ob-
jetos estão na superfície, não pertencem ao estrato profundo que constitui o
domínio próprio da filosofia. Ainda quando vá além do dado na experiên-
cia, forjando hipóteses para sua solução, se restringe sempre ao plano do
empírico. Em princípio é incapaz de penetrar na dimensão de profundidade,
que lhe é sempre inacessível.
A filosofia e as ciências especiais não se diferenciam só por seu obje-
to, mas também pelo seu modo de conhecer. A filosofia é essencialmente
auto-reflexão do espírito. Significa uma reflexio do espírito sobre si mes-
mo. O espírito se aponta a si mesmo. Os atos do espírito têm como objeto o
próprio espírito. Esta atitude cognoscitiva é estranha às ciências positivas.
Nelas o espírito não se volta para si mesmo, mas para os objetos. O investi-
gador das ciências especiais penetra no campo da filosofia no momento em
que, detendo-se em seu processo de investigação, dirige suas vistas para o
seu investigar, refletindo, por exemplo, sobre o método de sua investigação
ou sobre o valor gnoseológico de seus resultados. Portanto o ato de conhe-
cimento filosófico é diferente do ato de conhecimento do investigador das
ciências especiais. E isto se aplica notavelmente à filosofia como autocon-
templação do espírito. Porém também se aplica à filosofia na medida em
que cumpre outra tarefa, que designamos com a frase “concepção do mun-
do”. Certamente, o filósofo se dirige neste caso para a realidade; porém de
um modo diferente de como o faz o investigador das ciências especiais.
Quando fixa suas vistas nos fenômenos, o filósofo penetra com elas nas
profundidades do ser. Não aponta para o plano superficial, mas para o pla-
no profundo da realidade. “O mundo é profundo, e mais profundo ainda do
que parece”. Essas palavras de Nietzsche poderiam ser colocadas como le-
ma sobre as investigações do autêntico filósofo.
A diferença entre a filosofia e as ciências especiais se mostra tam-
bém com clareza na história de ambas as disciplinas. Já o assinalamos com
insistência em outra ocasião. Porém não faz falta observar a história: basta
olhar o estado atual de ambas para se dar conta de suas diferenças. Cada
ciência especial representa um sistema de conhecimentos que pretende ser
a exposição correspondente ao estado atual da investigação no respectivo
campo de conhecimento. Quem quiser penetrar em tal ciência e dominá-la,
só necessita se apropriar desse sistema de conhecimentos. Se torna então
um expert, um especialista do respectivo campo. Coisa diferente do que
ocorre na filosofia. Não é possível se apropriar dela como alguém se apro-
pria de uma ciência. Isso não é possível porque não há nela um sistema de
conhecimentos já feito, “a filosofia – diz Kant –, é uma mera idéia de uma
ciência possível que nunca se dá in concreto, porém à qual alguém trata de
se aproximar de muitas maneiras”. Dai Kant conclui que não se pode a-
49
prender nenhuma filosofia; só se pode aprender a filosofar. Pode se aprende
matemática, “porém nunca filosofia (a menos que seja historicamente), em
suma, no que diz respeito à razão, a filosofar”. (83)
Levando em conta a profunda diferença entre a filosofia e as ciências
especiais, é compreensível o ponto de vista que se opõe a colocar ambas
sobre o mesmo conceito genérico de “ciência”. Max Scheler representa este
ponto de vista. “Não se compreende – diz Max Scheler –, porque temos que
aplicar duas vezes o mesmo nome, sem nenhuma necessidade. Seria total-
mente absurdo temer que a filosofia não fosse subsumida pela ‘ciência’, ou
que venha a ser subsumida em algum outro conceito análogo superior, seja
o de ‘arte’ ou outro, porque nem todas as coisas devem ser ‘subsumidas’,
mas há certas coisas que, como territórios autônomos quanto aos seus obje-
tos e atividades, têm o direito de rechaçar semelhante subsunção. Entre es-
tas coisas se encontra na primeira linha a filosofia que na realidade nunca é
outra coisa que filosofia”. (84) Sobre o nome de “ciência”, Scheler quer
que se entenda só a ciência positiva. Contudo, teria que justificar de algum
modo esta limitação do conceito de ciência. “A ciência como tal não é uma
ciência que exista concretamente, mas a idéia geral da cientificidade. A
contraposição de ciência e filosofia pode surgir só quando se equipara, in-
justificadamente, este conceito abstrato com a ciência positiva”. (85) Como
mostramos ao nos referirmos à essência da filosofia, também a filosofia
pretende ser ciência. (A chamamos de “ciência universal” e “ciência dos
fundamentos”). E, com efeito, possui a estrutura da ciência, pois trata de
determinar seus objetos de modo que tenham validez geral, e de estabelecer
uma relação de fundamentação entre seus conhecimentos. Participa, pois,
da idéia da ciência e aparece portanto ao lado da ciência especial como uma
espécie dentro do gênero superior “ciência”.
3. A diferença entre a filosofia e as ciências especiais não significa
uma divisão senão uma relação positiva entre ambas. Para caracterizar este
ponto mais detalhadamente voltemos à nossa tripartição da filosofia. A co-
nexão da filosofia com as ciências especiais é diferente segundo se a consi-
dere como teoria da ciência, como teoria dos valores ou como teoria da
realidade.
50
não demonstra, deixando sua investigação crítica para a filosofia. Assim
todo investigador parte da hipótese fundamental de que o conhecimento é
possível, de que existe a verdade e a certeza para o espírito cognoscente.
Por outra parte, e sem que em geral seja consciente disso, forja determina-
das hipóteses acerca das fontes, espécies, critérios e limites do conhecimen-
to. A teoria do conhecimento elucida todos esses problemas. Além do mais,
estuda os conceitos mais gerais da investigação científica, as chamadas ca-
tegorias, como também a estrutura das diversas ciências, pondo assim ma-
nifestamente o globus intellectualis em sua totalidade. Expondo na lógica e
na teoria do conhecimento os princípios do pensamento e do conhecimento
científico, a teoria da ciência fixa as bases, por assim dizer, de todo sistema
das ciências.
51
mundo. Assim, sob certo sentido a filosofia continua, na teoria da realida-
de, os caminhos e tendências da investigação das ciências reais, e consuma
a obra que estas empreenderam.
Em resumo podemos caracterizar a relação da filosofia com as ciên-
cias especiais da seguinte maneira: a filosofia se encontra por uma parte no
princípio do conhecimento científico. Investigando os pressupostos formais
e materiais das ciências especiais estabelece também as bases do sistema do
saber. Em seguida coroa este edifício convertendo o material que a ciência
lhe oferece em uma imagem metafísica do universo, para construir sobre
estas bases uma concepção do mundo racionalmente fundada.
52
Capítulo X
O lugar da filosofia no conjunto
da cultura
Dando remate à nossa “filosofia da filosofia” situando o conheci-
mento filosófico no contexto das funções do espírito e da cultura, para assi-
nalar assim o posto da filosofia no sistema da cultura. Os campos que cons-
tituem a cultura superior ou espiritual, são quatro: a ciência, a moralidade, a
arte e a religião.
Como sabemos, a filosofia pertence ao campo da ciência. Como ci-
ência universal compõe, junto com as ciências particulares, o campo total
das ciências. Expresso de uma maneira estritamente lógica, isso significa
que filosofia e ciência particular representam duas espécies do gênero ciên-
cia. Se se deseja expressar terminologicamente essa relação lógica, se pode
caracterizar a filosofia como ciência especulativa, para distingui-la das ci-
ências positivas. As nota “positiva e especulativa” são então as diferenças
específicas que dividem o gênero ciência em suas duas espécies.
Se relacionarmos a filosofia com os outros campos do espírito, ve-
remos que por seu conteúdo se afasta do campo da moralidade mais que de
nenhum outro. A filosofia pertence ao hemisfério espiritual da teoria; a mo-
ralidade, ao da prática. No primeiro o homem se comporta como ente pen-
sante, no segundo como ente de vontade e de ação. Esta necessidade intrín-
seca de ambas as esferas do espírito não exclui naturalmente que estejam
em relação. Como já vimos, é assim. Como auto-reflexão do espírito a filo-
sofia converte também o campo espiritual da ética em objeto de investiga-
ção. Na ética a filosofia trata de apreender racionalmente o que é moral e
compenetrar-se logicamente dele. A ética esclarece conceitualmente e ex-
põe sistematicamente a moral. Porém a moralidade não se comporta frente
à filosofia só de um modo passivo, mas também ativamente, proporcionan-
do os materiais essenciais para a construção de uma concepção do mundo.
Na teoria da concepção do mundo a filosofia se nutre de fontes éticas. Li-
mitemo-nos a lembrar de Kant e sua concepção do mundo – totalmente
construída a partir da ética – para esclarecer o que queremos dizer.
Por seu conteúdo a filosofia está mais próxima da arte e da religião
do que da moralidade. “O mesmo enigma do mundo e da vida se encontram
diante da poesia, da religião e da filosofia”. (86) As três apontam, em certo
sentido, para a totalidade do ser, pois as três tratam de dar uma interpreta-
ção do sentido do universo. Esta tendência comum a toda concepção do
mundo é o laço de união que as envolve e que apesar de tudo as diferenças
intrínsecas lhes confere uma característica de íntimo parentesco.
53
As diferenças são sem dúvida inconfundíveis. A filosofia se distin-
gue claramente da arte por seu caráter racional. O filósofo pensa o mundo;
o artista o vive. Em um caso o órgão é a razão; no outro, a intuição. Preci-
samente por isso a interpretação estética do mundo se diferencia da filosó-
fica: esta possui uma origem racional; aquela, uma origem irracional. Po-
rém também é diferente a sua forma de representação. O filósofo se vale de
conceitos; o artista, de imagens. Num caso a forma de representação é abs-
trata; no outro é intuitiva. Aquela se dirige para a razão; esta, para a fanta-
sia. Deste modo a interpretação do universo aparece em um e outro caso
com características muito diferentes.
Apesar de todas estas diferenças, a arte e a filosofia estão em contato.
Tal coisa ocorre na estética. Assim como na ética se encontram a filosofia e
a moralidade, a filosofia e a arte se encontram na estética. Como naquele
caso a moral era objeto de esclarecimento conceitual e exposição sistemáti-
ca, o mesmo acontece agora com o estético. Porém tampouco a arte é só
passiva com respeito à filosofia; também se comporta ativamente frente a
ela. Já vimos que na construção do sistemas filosóficos atua um fator esté-
tico. Isto é perceptível muito rapidamente quando se recorda alguns dos
sistemas clássicos, por exemplo, o grandioso sistema intelectual de Hegel
com sua genial arquitetura. Observando bem, o artista que existe em cada
filósofo é o que estrutura a multiplicidade de seus conhecimentos e idéias
em um todo harmonicamente ordenado e distribuído, convertendo em cos-
mo o caos. Quando faltam essas forcas artísticas, não é possível se conquis-
tar uma grande e brilhante construção sistemática.
A filosofia se distingue igualmente da religião por sua interpretação
do universo, porque a religião se baseia na experiência religiosa ou revela-
ção. É essencialmente irracional ou, melhor dizendo, supra-racional. O mis-
tério é a esfera da religião, que se ocupa “do que está acima da razão”. A
isso corresponde a diferença nas formas da representação. A religião se
serve também da linguagem conceitual quando narra seus mistérios; porém
neste caso os conceitos não pretende oferecer uma representação adequada
da realidade a que se refere. Só pretende aludir a esta realidade. Têm um
sentido simbólico: se refere a uma realidade sem pretender defini-la de um
modo logicamente adequado. O divino só pode ser aludido: Deus “habita
em luz inacessível, a quem nenhum dos homens viu e nem pode ver”. (I
Tim. VI, 16).
Da mesma forma que no caso das esferas da ética e da estética, a fi-
losofia também converte a esfera religiosa em campo de investigação. Na
filosofia da religião se esforça por fundamentar filosoficamente e formular
o exato conteúdo desta esfera. Porém tampouco aqui a relação é unilate-
ralmente ativa ou passiva. Pelos serviços que a filosofia presta à religião na
teoria dos valores, a religião de certo modo presta à filosofia um serviço
recíproco na teoria da concepção do mundo. Na concepção do mundo o
54
pensamento se inspira sobretudo na religião. A filosofia como tal é incapaz
de dar resposta às últimas e supremas questões do espírito humano. Pode
formular essas questões com exatidão e precisão, e eventualmente pode
também indicar a direção por onde se deve buscar sua solução; porém, se
não quiser renunciar a ela, deve aceitar essa solução das mãos da religião.
Só a luz da revelação permite vislumbrar as trevas que rodeiam aquelas
questões últimas. Neste sentido a fé religiosa significa a coroação e consu-
mação do saber filosófico.
O posto da filosofia no sistema da cultura é portanto o seguinte: com
uma de suas faces a filosofia se volta para a ciência positiva; com a outra
para a religião e a arte. Com aquela compartilha a estrutura racional, o cará-
ter científico; com isto se orienta para a totalidade do ser. A filosofia tem,
então, seu posto entre a ciência positiva por uma parte e a arte e a religião
por outra. Destas últimas a religião é a que está mais próxima da filosofia,
já que lhe presta um serviço especialmente valioso ao contribuir para a
construção da concepção do mundo.
55
Notas
(1) W. Illemann: Wesen Und Begriff Der Philosophie (Essência e Conceito da Filosofia), Berlin,
1938, pág. 79. A obra, que quer fundamentar uma “Ciência da Filosofia”, infelizmente não o
consegue porque se baseia com muita unilateralidade em uma concepção idealista da filosofia.
(2) Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, aos cuidados de G. Lasson, 2ª ed., Leip-
zig, 1920, pág. 35.
(3) Ver Fr. Ueberweg: Grundriss Der Geschichte Der Philosophie Des Altertums (Compendio
de história da filosofia da antiguidade)11ª ed., sob o cuidado de K. Praechter, Berlin, 1920, pág.
2.
(12) Kritik der Reinen Vernunft (Crítica da Razão Pura) pág. 688 da edição Valentiner.
(14) Ib.
(16) Op. cit. Pág. 691. Por “Fines Esenciales” Kant entende os fins morais.
(18) Lewrbuch Zur Einleitung In Die Philosophie (Tratado de Introdução à Filosofia), aos cui-
dados de Häntsch, 4ª ed., Leipzig, 1912, pág 46.
(20) System Der Philosophie (Sistema da Filosofia), 4ª ed., Leipzig, 1918, I, pág. 9.
(21) Studien Zur Philosophie Der Exakten Wissenschaften (Estudos de Filosofia das Ciências
Exatas), Heidelberg, 1911, pág. 5.
56
(23) Vom Ewigen In Menschen (Do Eterno no Homem), Leipzeig, 1921, pág. 121.
(27) W. Dilthey: Das Wesen Der Philosophie (A Essência da Filosofia) em Systematische Phi-
losophie (Filosofia Sistemática), Kultur Der Gegenwart (Coleção “A Cultura Contemporânea”)
Dirigida por P. Hinneberg, Primeira Parte, Secção V, 3ª ed., Belin e Leipzig, 1921, pág. 2.
(31) Edmund Husserl: Philosophie als Strneg Wissenschaft (A Filosofia como Ciência Rigoro-
sa), na Revista Logos, I (1910-1911), pág. 340.
(32) Veja a este respeito meu livro: Diephilosophischen Strömungen Der Gegen Wart. (As Cor-
rentes Filosóficas Contemporâneas), 2ª ed., Rottenburg, 1940.
(33) Grundlegung Zur Metathysik Der Sitten (Fundamentos da Metafísica dos Costumes), 5ª
ed., aos cuidados de K. Vorländer, Leipzig, 1920. pág. 3.
(34) Einleitung In Die Philosophie, Leipzig, 1895, pág. 72. Nas edições posteriores, aos cuida-
dos de A. Messer, esta passagem está um pouco modificada.
(35) Einleitung In Die Philosophie (Introdução à Filosofia) 2ª ed., Berlin Ebonn, 1931, pág. 22.
(36) Ibid.
(37) Einleitung In Die Philosophie (Introdução à filosofia), Ed. Reclam, pág. 25 e 27.
(38) Einleitung In Die Philosophie (Introdução à filosofia), 11ª ed., aos cuidados de A. Messer,
Leipzig, 1923, pág. 13.
(41) Von Ewigem Im Menschen (Sobre o eterno no homem), Leipzig, 1921, pág. 105 ss.
57
(45) Esta passagem se encontra em uma carta de Fichte a seu irmão Gottlieb, de 5 de março de
1791. Veja-se M. Weinhold: 48 Briefe Von Ficht Und Seine Verwandten (48 Cartas de Ficht e
de seus parentes), pág. 20.
(48) Veja-se Enzyklopädie der Philosophischen Wissenschaften (Enciclopédia das ciências filo-
sóficas), edição aos cuidados de G. Lasson, 2ª ed. Leipzig, 1920, pág. 76.
(55) W. Windelband: Geschichte der philosophie (História da filosofia) em: Die Philosophie im
beginn des 20 Jahrhunderts. (A Filosofia no Começo do Século XX), volume em homenagem a
K. Fischer, 2ª ed., Heidelberg, 1907, pág. 540.
(56) Der philosophische Gedeanke und scine Geschichte (O pensamento filosófico e a sua histó-
ria), Berlin, 1936, pág. 12.
(63) Leibniz para Remond, na edição de suas Philos. Schriften (Escritos filosóficos) aos cuida-
dos de Gerhardt, III, pág. 624 ss.
58
(65) Das Wahre ist schon längst gefunden,
Hat edle Geisterschaft verbunden.
Das alte Ware, fass es an!
(67) Allegemeine Grundlegung der Philosophie (Os fundamentos gerais da filosofia), Tübingen,
1921, pág.10.
(68) Ibid.
(73) Hauptprobelme der Philosophie (Conjunto de Problemas Filosóficos), Leipzig, 1911, pág.
27 e ss.
(77) Fr. Kröner: Die Anarchie der Philosophischen Systeme (A Anarquia dos Sistemas Filosófi-
cos), Leipzig, 1929, pág.54. Em seu livro Fichte, München, s.d., pág.84, H. Heinsoeth, mostra
que o sentido da citada frase de Fichte não possui nada de relativista.
(78) Geschichte der Philosophie (História da Filosofia) em Die Philosophie im Beginn des 20
Jahrhunderts (A Filosofia no Começo do século XX), pág. 540.
(80) Ungewissheit Und Wagnis (Dúvida e Incerteza), Salzburg, 1937, pág. 150 e ss.
(81) Das Prinzip des Katholizismus und dei Wissenschaft (O Princípio do Catolicismo e a Ciên-
cia), freiburg, 1899, pág. 16 e ss.
(85) W. Illemann: Wesen und Begriff der Philosophie (A Essência e o Conceito de Filosofia),
Berlin, 1938, pág. 72.
(86) W. Dilthey das Wesen der Philosophiee (A Essência da Filosofia), pág. 33.
59