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UMA VIAGEM PELOS

PAÍSES
QUE NÃO EXISTEM
© Guilherme Canever e Pulp Edições, 2016

Nesta edição respeitou-se o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Texto: Guilherme Canever


Edição: Vicente Frare e Fernanda Ávila
Coordenação Gráfica: Patricia Papp
Projeto Gráfico e Diagramação: July Schneider
Mapas: July Schneider
Fotografias: Guilherme Canever e thebesttravelled.com
Revisão Ortográfica: Tânia Growoski

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária responsável: Maria Inês Meinberg Perecin – CRB 8/5598

C221v Canever, Guilherme


Uma viagem pelos países que não
existem. Guilherme Canever: Curitiba :
Pulp Edições, 2016.
192p: il: color

ISBN: 978-85-63144-56-0

1. Europa Leste – política e


governo 2.Taiwan-descrições e
viagens 3. Chipre – política e
governo 4.Kosovo (Sérvia) 5.
Palestina – descrições e viagens
6. Armênia – descrições e viagens

CDD: 320.94

[2016]
Todos os direitos reservados
PULP EDIÇÕES LTDA.
Rua Mamoré, 993
80810-080 – Curitiba – Brasil
Tel.: +55 (41) 3308-4097
e-mail: livros@pulpedicoes.com.br
www.pulpedicoes.com.br
GUILHERME CANEVER

UMA VIAGEM PELOS

PAÍSES
QUE NÃO EXISTEM

1ª EDIÇÃO

PULP EDIÇÕES
CURITIBA - 2016
a todas as vítimas
destes conflitos

Curitiba, agosto de 2016.


PREFÁCIO
Não conheço o Guilherme pessoalmente. Mas, se conhecesse, tenho
certeza de que seríamos amigos. Afinal, nós dois compartilhamos do
interesse de viajar e descobrir o mundo para ver diferentes culturas.
Também temos as mesmas paixões: pelas curiosidades dos lugares,
pela comida, pela visita a um monastério ou a uma mesquita e por fazer
amizade com pessoas de diferentes partes do planeta.

Mas o Guilherme foi muito além de mim. Ele teve a ideia genial de
conhecer países que não são reconhecidos internacionalmente. Países
que “não existem”, como diz o título. Já pensou se não reconhecessem o
Brasil? O que seríamos nós brasileiros? Neste livro, o Guilherme conta
em um ritmo leve e didático como foi a sua experiência de viajar por
estes países e como vivem suas populações.

Algumas destas nações visitadas pelo Guilherme são conhecidas de


todos nós, como Palestina, Taiwan, Kosovo, Chipre do Norte, Caxemira,
Curdistão e Tibete. São países que constantemente aparecem nos
jornais devido a conflitos e questões internacionais. Quem segue as
notícias internacionais certamente tem informações sobre eles. Outros
aparecem um pouco menos, como o Saara Ocidental, Somalilândia e
Nagorno-Karabakh. Agora, sejamos honestos – quantas vezes ouvimos
os nomes de Transnístria (que o Word nem aceita como palavra) ou
Karakalpak?

Visitei a Palestina algumas vezes e o Chipre do Norte. Ao ler o livro,


porém, até fiquei com raiva por descobrir lugares nestes dois países
“que não existem” que eu deixei de visitar. O Guilherme preparou
magistralmente a viagem dele. Entrou literalmente na cultura de cada
uma destas nações. E, ao ler sobre os outros, fiquei com vontade de
conhecer cada um deles e de voltar para os dois que já fui. Como sei
que não conseguirei, viajei pelas páginas deste livro.
O Guilherme é um viajante, não um turista. Esta diferença é fundamental
para entender o livro. Nada contra os turistas. Com certeza, o
Guilherme já deve ter feito turismo tradicional. Mas o viajante quer
fazer descobertas, não apenas ver o que todos viram. Sim, todos temos
de ir a Paris, Roma e Nova York, onde moro. Mas um viajante não se
satisfaz apenas com os destinos tradicionais. Quer mais. No caso do
Guilherme, ele quer ver como é a Abecásia, o Turquistão Oriental e a
Ossétia do Sul. E, como um tradicional viajante do passado, gosta de
relatar estas experiências.

Sou um entusiasta de as pessoas mais jovens morarem no exterior


ou viajarem pelo mundo. Em algumas nações, como Uruguai, Israel,
Austrália e Nova Zelândia, é comum que a juventude, antes, durante
ou logo depois da faculdade tire um ano sabático e viaje para a Ásia,
África, Oriente Médio, Europa e América Latina. No Brasil, tem crescido
o número de pessoas que fazem isso, mas ainda é minúsculo. O livro do
Guilherme certamente incentivará mais jovens a viajarem pelo mundo.
Tenho certeza. Não apenas jovens. Afinal, não há idade limite para
viajar. Alguns, embora não todos, dos países visitados pelo Guilherme
são extremamente seguros mesmo para idosos. Vale a experiência. Eu
mesmo coloquei Nagorno-Karabakh na minha lista.

Aproveitem o livro. Para mim, foi uma honra escrever o prefácio. Agora,
ficarei devendo um jantar para o Guilherme quando ele vier a Nova
York ou, quem sabe, em algum dos países que não existem.

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais


pela Universidade de Columbia,
comentarista do Globo News em
Pauta em Nova York e blogueiro de
EUA e Oriente Médio do Estadão.
INTRODUÇÃO

Este livro é polêmico, começando pelo título. Na verdade, ele é


provocativo, já que é claro que estes países existem. Estão lá, com suas
populações, bandeiras, moedas, vistos e instituições, mas, por algumas
circunstâncias, têm seu reconhecimento internacional limitado.

Logo que iniciei o projeto de viajar pelos países independentes mas


não membros das Nações Unidas, vi que não agradaria a todos. As
perguntas que eu faria, as feridas abertas por guerras recentes, as
evidências de crimes e desrespeito das leis internacionais, incomodavam
todos os lados das disputas. A ideia do livro não é julgar o mérito,
apesar de visivelmente uns terem bem mais que outros. Seria muita
pretensão minha querer resolver conflitos que geraram tantas mortes
e refugiados. O meu objetivo é tentar entender.

Uma vez o escritor Paul Theroux disse: “O fato de que poucas pessoas
vão, é uma das razões mais fortes para viajar para um lugar”. Ele não
poderia estar mais certo.

As viagens foram realizadas entre 2009 e 2014.


ÍNDICE

16. O QUE É UM PAÍS?

17. COMO SURGEM OS NOVOS PAÍSES?

20. REPÚBLICA DA TRANSNÍSTRIA

34. REPÚBLICA DO KOSOVO

50. REPÚBLICA DA SOMALILÂNDIA

68. REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ÁRABE SARAUÍ (SAARA OCIDENTAL)

82. REPÚBLICA TURCA DE CHIPRE DO NORTE

98. ESTADO DA PALESTINA (AUTORIDADE PALESTINA)

112. REPÚBLICA DA ABECÁSIA

130. REPÚBLICA DE NAGORNO-KARABAKH

146. REPÚBLICA DA OSSÉTIA DO SUL

156. REPÚBLICA DA CHINA (TAIWAN)

168. REPÚBLICAS RUSSAS

170. TIBETE

172. REPÚBLICA DE KARAKALPAK

174. CAXEMIRA

176. TURQUISTÃO ORIENTAL

178. CURDISTÃO
O que é um país?

No dicionário encontraríamos que um país é a “área política, social


e geograficamente demarcada, sendo povoada por indivíduos com
costumes, características e histórias particulares”. Mas os critérios
variam:

A ONU possui 193 países-membros.

A FIFA tem 209 países afiliados.

O Comitê Olímpico Internacional reúne 206 países.

ISO tem códigos para mais de 245 países.

Existem mais de 250 opções de países no menu “país


de origem” no site de solicitação de visto para os Estados
Unidos.

Conforme o Direito Internacional, para ser considerado um


país, um território precisa ter os seguintes pré-requisitos:

população permanente

território definido/controle de fronteiras

capacidade de se governar

relações com outros países

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Como surgem os
novos países?
O número de países sempre variou com o passar dos anos. No passado,
guerras, anexações e separações não eram apenas comuns, faziam
parte da mentalidade e do agir da época, sendo aceitas moralmente.
Contudo, após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, os países se
organizaram e criaram a Carta das Nações Unidas (1945), uma maneira
de regulamentar as relações entre os países.

O Art. 1º, par. 2 da Carta das Nações Unidas reconhece o princípio da


autodeterminação dos povos:
... “os objetivos das Nações Unidas são: 2. Desenvolver relações
amistosas entre as nações, baseadas no princípio de igualdade de
direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas
apropriadas ao fortalecimento da paz universal”.

Reafirmada na resolução 1.514 sobre a descolonização: “Todos os


povos têm direito de livre determinação; em virtude deste direito, eles
determinam livremente seu estatuto político e buscam livremente seu
desenvolvimento econômico, social e cultural”.

Desta maneira o Sudão do Sul se separou do Sudão em 2011, tornando-


se o mais novo estado-membro da ONU. Já a Suíça, apesar da sua
história e soberania, por opção própria e para manter a neutralidade,
só passou a ser um estado-membro da ONU em 2002.

Apesar desta abertura na Carta das Nações Unidas, o processo de


autodeterminação não é fácil, já que, contraditoriamente, o mesmo
documento (artigo 2º, parágrafo 4) também aponta o princípio da
inviolabilidade do território.

“Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais


a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a
dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação
incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.”

19
PAÍSES DE FACTO INDEPENDENTES, MAS COM
RECONHECIMENTO INTERNACIONAL LIMITADO:

República da Transnístria

República do Kosovo

República da Somalilândia

República Democrática Árabe Sarauí (Saara Ocidental)

República Turca do Chipre do Norte

Estado da Palestina (Estado observador na ONU)

República de Nagorno-Karabakh

República da Abecásia

República da Ossétia do Sul

República da China (Taiwan)

20
21
REPÚBLICA
DA TRANSNÍSTRIA

22
23
CATEDRAL DA NATIVIDADE DO SENHOR, TIRASPOL.
RECONHECIMENTO: IDIOMAS:
3 estados não membros russo, moldavo,
da ONU: Abecásia, Ossétia ucraniano
do Sul e Nagorno-karabakh
DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:
FORMA DE GOVERNO: 2 de setembro de 1990
república Um referendo, feito em 1996,
semipresidencialista obteve 97,2% votos para que
a república se mantivesse de
facto independente.
POPULAÇÃO APROX:
500.000
DISPUTA TERRITORIAL:
Moldávia
MOEDA:
rublo da
Transnístria

ALIADO:
Rússia

24
25
2
km
63
4.1
O:
AD
XIM
RO
AP
HO
M AN
TA
Visto e fronteiras

Brasileiros não precisam de visto para entrar na Transnístria. Se você


ficar por mais de doze horas é preciso fazer um registro no escritório
da imigração em Tiraspol. Importante lembrar que caso a entrada na
Transnístria seja via Moldávia, brasileiros precisam providenciar o visto
da Moldávia, que não é fornecido nas fronteiras terrestres nem no
aeroporto.

Na hipótese de entrar na Transnístria vindo da Ucrânia, você pode ter


problemas para seguir para a Moldávia depois, pois não terá o carimbo
de entrada. Para os oficiais da Moldávia, se você estava na Transnístria,
já estaria em território moldávio, portanto precisaria ter o carimbo.
CARTÃO DE IMIGRAÇÃO DA TRANSNÍSTRIA

26
Onde a União Soviética
ainda vive...
Apesar de ficar na Europa, até mesmo um aficionado por mapas
está desculpado caso nunca tenha ouvido falar da Transnístria. Esta
república simplesmente não está nos noticiários. Com o separatismo
das províncias de Donetsk, Luhansk e Crimeia, a mídia até comentou um
pouco sobre a Transnístria, já que recentemente seus habitantes, além
de terem votado para que se mantivessem independentes da Moldávia
(com acompanhamento de observadores internacionais), expressaram
abertamente o desejo de serem anexados à Federação Russa.

Após o colapso da União Soviética, a Transnístria proclamou


independência da então República Socialista Soviética da Moldávia. A
própria Moldávia, apesar de ter autonomia sobre a região, só proclamou
sua própria independência mais tarde. Quando se configurou como país
independente e aderiu às Nações Unidas, tentou reanexar a Transnístria
e uma guerra sangrenta se estendeu por alguns anos. A Transnístria,
com a maior parte da população de etnia eslava e língua russa, não se
identificava com os romenos da Moldávia. Com o apoio da Rússia, venceu
a guerra e conseguiu manter-se de facto independente, apesar de não ter
o reconhecimento internacional de nenhum país membro da ONU.
TANQUE SOVIÉTICO NO MEMORIAL DE GUERRA

REPÚBLICA.... REPÚBLICA.... 27
A Rússia, embora não reconheça formalmente a nação, mantém um
regimento do seu exército por lá, além de subsidiar diversos produtos e
matéria-prima, como gás natural. A Transnístria conseguiria sobreviver
sozinha, mas a ajuda da Rússia torna a vida bem mais fácil. Em
contrapartida, a Rússia aumenta sua área de influência e mantém uma
posição geograficamente estratégica na Europa.

Normalmente, quem visita a Transnístria sonha em encontrar um pedacinho


vivo da União Soviética, ou pelo menos um museu a céu aberto. É assim
que se referem diversos artigos e histórias de viajantes independentes.
O ponto de partida mais lógico para explorar a Transnístria é Chisinau,
capital da Moldávia, de onde parte um trem e alguns micro-ônibus
(chamados marshrutkas) diários para Tiraspol, capital da Transnístria.

As informações disponíveis na internet não são muito precisas, portanto


não é o tipo de viagem possível de programar com detalhes. No hostel
em que fiquei hospedado em Chisinau, de tempos em tempos se
formavam grupos com guia para conhecer a autoproclamada república.
Existe uma ideia de que é difícil, ou até perigoso, viajar sozinho para
lá. No final das contas, o maior obstáculo é a língua, a não ser que
você fale russo - um grau de dificuldade superior ao de viajar para a
França sem falar francês. Claro que a falta de informações gera muita
incerteza e desconfiança, já que notícias ruins se propagam muito mais
rapidamente que as boas. Muitos viajantes alertam sobre a corrupção.
Apesar de nas minhas viagens pelo mundo eu nunca ter pago propina
para guardas corruptos, deixei um dinheiro separado no caso de esta
ser a última alternativa para minha liberdade.

Preparado psicologicamente para o pior, eu acordei bem cedo, com


muita determinação e boa vontade, além de um espírito de aventura,
é claro. O sol mal tinha nascido quando cheguei ao mercado central
de Chisinau, de onde parte o transporte para Tiraspol. Sabia que era
importante chegar cedo, pois as vans só saem quando lotam. Acabei
me antecipando demais e tive que ficar um bom tempo esperando.
Aproveitei para tomar um café da manhã reforçado e ver a vida passar.

A viagem é rápida e me surpreendi quando vi que o controle de


imigração fica antes do rio Dnester. Transnístria significa “depois do (rio)
Dnester”, mas parece que o exército deles teve sucesso em conquistar

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1792, DATA APONTADA COMO A DE FUNDAÇÃO DA TRANSNÍSTRIA

lugares estratégicos na guerra pela independência. Um grande brasão


com a foice e o martelo mostrava a entrada deste país que não existe. Na
imigração, o oficial tentava me explicar, em russo, que eu teria que me
registrar caso passasse mais de doze horas por lá. Peguei o documento
e respondi um “sem problemas!” em português mesmo, pois percebi que
ele não entenderia nada em inglês. Soldados à beira da estrada e tanques
camuflados protegiam a ponte que dava acesso a Tiraspol. Uma larga
avenida cercada por prédios alinhados, todos em blocos, no melhor estilo
soviético. Diversas propagandas em outdoors e bandeiras nas cores da
Transnístria e da Rússia mostram o forte nacionalismo da região. Alguns
monumentos e parques depois, começamos a nos afastar da cidade
novamente até chegar ao ponto final, em frente à velha estação de trem.

A primeira coisa a fazer foi parar no guichê de uma pequena casa de


câmbio, já que na região a moeda que circula é o rublo da Transnístria.
Dinheiro na mão, discretamente peguei um pequeno mapa, tentando
não mostrar para ninguém, e me localizei mais ou menos, antes de partir
para a caminhada. As ruas estavam desertas e uma vez ou outra passava
um ônibus caindo aos pedaços. Parecia um pouco fantasmagórico.
Entrei em um parque para fotografar uma igreja e ficava olhando para
os lados com medo de que alguém me visse. Mesmo sem querer, acabei
influenciado por pessoas que talvez nunca tenham ido para lá. Tentei
me controlar, mas me veio a lembrança de um artigo sensacionalista
que eu havia lido e que falava sobre a economia local ser basicamente
gerada por contrabando de armas e tráfico de mulheres.

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No filme “O Senhor das Armas” (Lord of War, 2005), estrelado por
Nicolas Cage, as armas vendidas na África vinham da Transnístria. Não
é mera ficção. O personagem foi inspirado em Viktor Bout. Nascido
no Tajiquistão (URSS na época), este traficante internacional de
armamentos fez fortuna vendendo armas para zonas de guerra, a
maior parte com origem na Transnístria, onde foram abandonadas mais
de 40 mil armas pelo antigo exército soviético.

Poucas quadras adiante, eu parei antes de atravessar a rua e vi um


Porsche vindo na outra direção. Aproximando-me do centro da cidade,
notei que a quantidade de Mercedes é maior que a de antigos Lada
soviéticos. A cidade fica mais movimentada, não chega a ser viva, mas
tem um dia a dia mais intenso. Talvez o abandono notado inicialmente
fosse pelo horário e pelo subúrbio onde eu estava. Dentre boatos e
fatos, até pode ser verdade que a máfia russa opere na região, mas
com certeza as histórias que circulam sobre a Transnístria são bastante
exageradas, algumas se tornando verdadeiras “lendas urbanas”. Passei
por ruas com nomes “Karl Marx”, “25 de Outubro” e “Lenina”. Estátuas
de Lênin também não são difíceis de ser encontradas. Existe um grande
culto ao passado, mas o presente não aponta nada para o comunismo.

Já estava me ambientando com a região quando me deparo com uma


agência dos correios. Não tive dúvidas e entrei para ver se tinha algum
cartão-postal ou coisa do tipo. Para saber se um país funciona nada
como testar suas instituições. Após uma pequena fila, uma senhora
me atendeu. Ficou um pouco impaciente, já que não falo russo. Outra
senhora, sentada a uma mesa um pouco adiante, veio em minha direção
e me atendeu em outro local. Ela conseguiu alguns cartões-postais
e me ajudou a preenchê-los. Enviei dois cartões-postais que alguns
meses depois chegariam a minha casa.

Não muito longe, encontrei um pequeno museu que conta a história


dos conflitos da Transnístria. Poderia ser um ótimo lugar para entender
sobre tudo que aconteceu por ali, mas todos os documentos estavam
em alfabeto cirílico, em russo. A simpática atendente já tinha idade
bastante avançada. Acompanhou-me por todos os cantos e narrava
acontecimentos em russo, apontando para um lado e para outro. Eu
retribuía sorrindo e repetindo a última palavra que ela dizia, mas a
comunicação era zero. No final rimos muito, ela me abraçou, me deu
um tapinha nas costas e mostrou o caminho da saída.

30
FÁBRICA DE DESTILADOS KVINT
Andando pelas ruas, eu me deparei com a primeira loja da Kvint,
depois outra, até encontrar a fábrica. É uma antiga produtora (1897)
de destilados, orgulho nacional, presente até numa nota de rublo da
Transnístria. Não deixa de ser curioso, ou até suspeito, uma fábrica
privada estar estampada numa nota da moeda nacional.

Os produtos Kvint também podem ser encontrados nos supermercados


Sheriff. A estrela com design moderno, símbolo do “Sheriff”, é facilmente
visualizada por toda a cidade. Só não se confunda: Sheriff também é
marca de posto de gasolina, de hotel de luxo e até de clube de futebol!
Independentemente da qualidade do futebol brasileiro no momento, o
Brasil ainda é um grande exportador de jogadores, e é claro que alguns
“craques” jogam no time local. O clube de futebol Sheriff tem uma
arena supermoderna, com um centro esportivo bem completo, ao lado.
Definitivamente “padrão FIFA”, e de dar inveja a muitos clubes brasileiros.

31
Por mais que criem muitas histórias sobre o lugar, dá para entender
de onde tiraram a “ideia” de que uma máfia controla tudo em Tiraspol.
Como é a organização não sei, mas que algumas famílias são muito
privilegiadas e possuem monopólio da economia local, é fácil perceber.

Caminhar pelas avenidas largas e arborizadas é muito prazeroso e


observar a vasta propaganda nacional, das simples pinturas nos muros
até painéis eletrônicos, não deixa de ser interessante. Belas igrejas
ortodoxas com seus domos dourados completam o cenário e com
certeza valem a visita.

SENHORA VENDENDO ROUPAS NA FRENTE DA ESTÁTUA DE ALEXANDER SUVOROVI

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Bem no centro da cidade fica a estátua do Alexander Suvorov, herói
nacional que venceu uma batalha contra os otomanos em 1792, data
que celebram como a fundação da Transnístria. Ao lado da estátua
há um mercado de rua improvisado, onde os habitantes vendem um
pouco de tudo, principalmente roupas e objetos usados, para ajudar a
complementar a renda familiar. Difícil de imaginar quem compra muitos
daqueles produtos, mas a atmosfera da feira é bem interessante. Os
utensílios vendidos e as expressões nos rostos de seus vendedores
retratam a história local.

Como não tive sucesso em encontrar nenhum dos moradores com


os quais entrei em contato pela internet, aproveitei para fazer as
refeições na rua mesmo. Lugares informais são os melhores para
iniciar uma conversa. Com o tempo percebi que já tinha “desencanado”
bastante do lugar, estava bastante confiante. Passei por mais alguns
prédios soviéticos, pelo Parlamento, e cheguei ao cemitério dos heróis,
um memorial aos mortos na guerra, com as devidas homenagens e a
chama eterna. Já estava até fotografando tanque de guerra sem olhar
(muito) para os lados. Em certo momento cruzei com três jovens
skinheads. Sei que existe uma guarda jovem, uma espécie de milícia
nacionalista apoiada pelo governo, mas não sabia se aqueles jovens
faziam parte da milícia ou não, então eu simplesmente os ignorei, e
eles fizeram o mesmo.

Deu tempo de me perder, andar sem destino, explorando a cidade.


Aleatoriamente acabei passando na frente das embaixadas da Ossétia
do Sul e da Abecásia, países que reconhecem a soberania da República
da Transnístria. Funciona quase como um clube dos excluídos, onde
um apoia o outro.

Presenciei também um casamento movimentado, jovens tomando


sorvete, amigos bebendo, pessoas fazendo compras, crianças
brincando, um casal brigando dentre tantas cenas comuns do dia a dia.
Por mais que se fantasie um país que não existe como algo do outro
mundo, no final das contas as pessoas acabam tendo uma vida bem
normal. Cada um com seus problemas.

33
O que fazer por lá?

Em Tiraspol, caminhar pelas ruas Lênin, 25 de Outubro, Karl


Marx, onde a URSS continua viva

Fábrica Kvint (1897), para fazer uma degustação de bebidas


alcoólicas, principalmente o famoso conhaque; existem lojas
para comprar os produtos também

Memorial de guerra

Catedral e igrejas ortodoxas

Parlamento, com a estátua gigantesca de Lênin

Estádio do Sheriff, time de futebol local

Feira ao ar livre perto da estátua do Suvorov

Casa dos Sovietes e diversos outros monumentos com


arquitetura soviética

Vida noturna, discotecas

Beber: Kavas, um tipo de refrigerante local; para vodka peça


“Smirnovka”, além do conhaque Kvint, é claro

Comer: comida de rua barata e restaurantes com comida


moldova, russa e ucraniana

34
ESTÁTUA DE LÊNIN EM FRENTE AO PARLAMENTO
35
REPÚBLICA
DO KOSOVO

36
36
37
CENTRO ANTIGO DE PRIZREN COM O FORTE NO TOPO DA COLINA
RECONHECIMENTO: IDIOMAS:
109 estados-membros albanês e sérvio
da ONU

DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:
FORMA DE GOVERNO: 17 de fevereiro de 2008
república parlamentarista,
sob supervisão da ONU.

DISPUTA TERRITORIAL:
POPULAÇÃO APROX: Sérvia
1.804.838

MOEDA:
OLIMPÍADA
euro Rio 2016

ALIADOS:
Albânia e OTAN

38
39
2
m
7k
88
10.
O:
AD
XIM
RO
AP
HO
M AN
TA
Visto e fronteiras

Brasileiros não precisam de visto para entrar no Kosovo. Todas as


fronteiras com Macedônia, Albânia e Montenegro estão abertas. Caso
você entre por uma destas não é permitido seguir para a Sérvia, pois
são consideradas entradas ilegais. Se estiver na Sérvia é possível ir para
o Kosovo, pois consideram parte de seu território, mas terá que voltar
para a Sérvia para ter um carimbo de saída, caso contrário poderá ter
problemas para entrar na Sérvia no futuro.
CARIMBO DE IMIGRAÇÃO DO KOSOVO

40
“Presidente”
brasileiro?
Em junho de 1999 o Conselho de Segurança da ONU conseguiu definir
um “meio-termo” para as pretensões de Kosovo e Sérvia, aprovando a
resolução 1.244. Assim como no passado, ela dava autonomia, mas não
independência à região. Na teoria, o Kosovo ainda faria parte da Sérvia,
mas na prática todas as forças sérvias teriam que abandonar a região.
Uma paz temporária e uma decisão final prorrogada.

Sérgio Vieira de Mello, diplomata brasileiro, foi indicado pelo


Secretário geral da ONU, Kofi Annan, como o primeiro administrador
do Kosovo. Ele precisava praticamente criar um novo país, formar
novas instituições, estruturar a política doméstica, definir a legislação,
impostos, estratégias econômicas e por aí vai.

O livro “O Homem que queria salvar o mundo – Uma biografia de Sérgio


Vieira de Mello”, escrito por Samanta Power e lançado em 2008, conta
detalhes sobre o período em que Vieira de Mello comandou o país.
O cineasta Terry George pretende transformar a biografia em filme.
Além do Kosovo, Vieira de Mello também esteve em outros países de
facto independentes, mas com reconhecimento internacional limitado,
como a República Turca do Chipre do Norte, a República de Nagorno-
Karabakh e a Palestina. Ele morreu em 2003, em um atentado ao Hotel
Canal, em Bagdá, Iraque, que deixou outras 21 pessoas feridas. Dizem
que o atentado ao hotel, onde funcionava o QG da ONU no Iraque, foi
para atingir o diplomata brasileiro.

41
O mais novo país
europeu?
Dos países com reconhecimento parcial, o Kosovo tem uma posição
privilegiada. Digamos que está mais para um Quase País do que para
um Não País. Tem o reconhecimento de 108 estados-membros da
ONU, faz parte do FMI e do Banco Mundial entre outras associações
internacionais. Sua grande força é que a maioria dos membros da União
Europeia o reconhecem como país (somente cinco não reconhecem). Já
para o governo brasileiro, se você viajar para o Kosovo estará indo para
um território da Sérvia, mesmo que os sérvios não tenham nenhum
controle na região há quase duas décadas.

O Kosovo proclamou independência no início de 2008. Os albaneses,


maioria da população do Kosovo, vinham sendo massacrados pelos
sérvios, comandados pelo louco presidente Milosevic. O Exército de
Libertação do Kosovo já foi taxado de terrorista pelo Ocidente no
passado, mas em uma espécie de nova Guerra Fria (a Sérvia tinha a
Rússia como grande aliada), EUA e OTAN resolveram apoiá-lo. Além
das disputas geopolíticas com a Rússia, existia certo sentimento
de culpa do Ocidente por ter deixado os sérvios massacrarem os
bósnios anos antes na guerra que acabou com a Iugoslávia. O ataque
a Srebrenica, na Bósnia-Herzegovina, tem indícios de genocídio. Uma
matança selecionada que não poupou velhos, mulheres nem crianças,
isto na Europa em plena década de 1990.

Mesmo sem aprovação da ONU, a OTAN bombardeou a Sérvia, que não


teve outra alternativa a não ser retirar seus soldados do Kosovo. Desde
então, a região tem autonomia e busca reconhecimento como país.
Para conseguir o feito, existem algumas barreiras. A Rússia, membro
do Conselho de Segurança da ONU, é extremamente contra. Países
europeus querem a garantia de que as minorias sérvias na região serão
protegidas e têm medo de um possível sentimento de vingança por
parte dos kosovares-albaneses, já que milhares de albaneses foram
expulsos de suas terras (quase um milhão de refugiados) e tiveram
suas famílias massacradas.

42
Poucos anos se passaram desde a guerra, mas com muito investimento
externo e vontade política a estabilidade foi conquistada, e cada vez
mais turistas têm viajado para descobrir este novo país. Cheguei ao
Kosovo depois de um curto voo desde Istambul, Turquia. O avião
sobrevoou as belas montanhas dos Bálcãs. Depois do controle de
imigração, revistaram toda a minha mochila, fizeram algumas perguntas
e questionaram quanto dinheiro eu tinha. Acostumado com oficiais
corruptos, eu fiquei com medo de mostrar muito dinheiro, mas não era
esse o problema. Eles acharam pouco e ainda perguntaram, com um ar
desconfiado, se pelo menos eu tinha um cartão de crédito. Depois, me
liberaram e disseram: “somente rotina, bem-vindo ao Kosovo!”.

Pristina não é uma cidade barata. Dizem que sofre da “síndrome do


carro branco”, referência à cor das caminhonetes da ONU. Presenciei
este fato em diversos países da África e também no Haiti. Regiões em
conflito ou com problemas graves recebem expatriados com altíssimos
salários. Os governos e empresas reservam os melhores hotéis e
utilizam os melhores serviços disponíveis, que normalmente são
escassos. Com isto, a tendência é o aumento considerável de preços,
inflacionando também os serviços médios e até os de baixa qualidade.

ANTIGA PONTE DE PEDRA SOBRE O RIO LUMEBADDHI

43
BULEVAR MADRE TERESA

Como não existe transporte público do aeroporto para o centro, o ideal


é ter um carro do centro pré-agendado, já que cobram pelo menos
30% menos que os táxis do aeroporto. Eu não tinha feito isto, mas
sabia o preço, algo muito importante para não ser surpreendido. Com
um bom poder de negociação e sendo firme, é possível diminuir o
valor da corrida oferecida pelos taxistas do aeroporto. O aeroporto
não é muito perto do centro, então dá para conversar bastante no
caminho. A maioria dos kosovares não fala inglês muito bem, mas eles
são comunicativos o bastante para que haja uma conversa.

Apesar de ser a capital, Pristina não tem tantas atrações. É um lugar


movimentado, com muitos estrangeiros e ajuda internacional, que
acabou desenvolvendo uma série de opções para sair e comer. É um
contraste ver lugares sofisticados ao lado de apartamentos em forma
de blocos da era comunista. Novo e velho, passado e presente, lado a
lado. A capital talvez seja um lugar mais para ser vivenciado do que
para ser visto. Um enorme calçadão, chamado Madre Teresa, é uma das
regiões mais movimentadas da cidade. Cheio de cafés, lojas e chafarizes
iluminados, onde crianças brincam com o dançar das águas.

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Madre Teresa, conhecida pelos seus trabalhos em Calcutá (Índia), na
verdade nasceu em Skopje, hoje capital da Macedônia, mas que na
época fazia parte do Kosovo, uma subdivisão do Império Otomano.
Existe um grande santuário para ela no centro de Pristina, na esquina
das avenidas George Bush e Bill Clinton. Pode parecer estranho um
antigo país comunista, de maioria muçulmana, ter esta proximidade
com os EUA, mas ela é visível por todos os lados. Bandeiras americanas
ao lado das albanesas e do Kosovo são bastante comuns. As pessoas
se mostram muito agradecidas pela decisão dos EUA de liderar a OTAN
no ataque contra os sérvios “libertando” o Kosovo. Na região central
da cidade está a estátua que ergueram em homenagem a Bill Clinton.
Tamanha estranheza acabou virando atração turística. Clinton também
está estampado em outdoors e tem seu retrato pintado na fachada
de prédios. Também encontrei uma loja com o nome da sua esposa,
Hillary Clinton. No mínimo curioso. Nos arredores de Pristina está o
belo monastério ortodoxo de Gracanica. Remanescente da cultura
sérvia na região, é patrimônio da UNESCO e com certeza vale a visita.

ESTÁTUA DO EX-PRESIDENTE AMERICANO BILL CLINTON

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Para aproveitar o país de verdade é importante se afastar da capital.
O destino mais procurado é Prizren, cidade cerca de duas horas de
distância. Em quilômetros não fica muito longe, mas a estrada passa
por pequenas vilas e muitas curvas entre as montanhas, fazendo com
que o ônibus tenha que viajar devagar. Ótimo para ver o dia a dia pela
janela além de bater papo com os outros passageiros. Com um carro
alugado deve ser mais rápido, mas além de ser muito mais caro, perde-
se a interação com a população local. Os kosovares estão acostumados
com estrangeiros, já que muitos trabalham lá desde o final da guerra.
Talvez por este motivo não iniciem tanto as conversas, mas se você
puxa papo, não param de falar! Como eu já havia viajado para a Albânia
e pela região albanesa da Macedônia (Tetovo), eles me viam com
bastante curiosidade e tínhamos bastante assunto. Impressionados
mesmo eles ficavam quando eu mostrava, no meu celular, uma foto
com o Baba Mondi, líder espiritual da ordem Sufi Bektashi. Eu havia me
hospedado no monastério (Tekke) e viajado por algumas semanas junto
com ele anos antes. Isto me deu bastante conhecimento da cultura
albanesa, além do islamismo visto pelos Bektashi. Quando chegamos
a Prizren ainda ficamos um bom tempo na rodoviária batendo papo.

Prizren foi uma antiga capital do reino da Sérvia cuja maioria esmagadora
da população é kosovar-albanesa; os poucos sérvios que moravam lá
fugiram durante e após o conflito, deixando o bairro sérvio abandonado.
A cidade velha está muito bem preservada, somente o bairro sérvio e
as igrejas foram bastante destruídos. Mas os tempos de guerra ficaram
para trás, e quem quer reconhecimento internacional tem que buscar
outra postura. Aos poucos o lugar está sendo reconstruído. Algumas
igrejas ainda estão cercadas por arames farpados e por seguranças
para evitar que sejam (ainda mais) danificadas.

Era verão, e estava cheio de turistas. Muitos deles do próprio Kosovo,


mas também bastante estrangeiros que se espalham nos cafés ao
redor do Shadervan, antiga fonte de água no calçadão central. Dizem
que quem bebe da fonte vai voltar para a região. Se é verdade ninguém
sabe, mas ninguém recusa uma água refrescante em um dia de sol
forte. A fonte é só uma das amostras da época do domínio otomano
na região - os otomanos chegaram entre os séculos 14 e 15, e Prizren
se transformou na sua capital cultural e intelectual.

46
CATEDRAL MADRE TERESA
Caminhadas e visitas aos diversos prédios históricos, mesquitas e igrejas
podem ser intercaladas com repouso em cafés para degustar a deliciosa
culinária local e observar o movimento e a vida acontecer ao redor. A
arquitetura dos casarões é muito bonita, mas não se pode deixar de
entrar nos prédios, que abrigam museus além de pinturas belíssimas,
como os afrescos da Igreja Nossa Senhora de Ljevis (Patrimônio da
UNESCO). Nenhum final de tarde é completo sem subir até o antigo
forte, de onde se tem uma vista panorâmica da cidade.

Ao longo do ano existem diversos festivais, e um dos mais concorridos


é o Festival de Cinema. Minha estadia acabou sendo bem no período
do festival. Se por um lado a vida artística e cultural estava muito mais
ativa, por outro a cidadezinha estava um pouco cheia demais para o
meu gosto. Mas foi interessante ver a antiga ponte de pedra, símbolo
da cidade, cheia de jovens e turistas caminhando para cima e para baixo.

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Pouco menos de cem quilômetros ao norte de Prizren está Peje,
uma cidade pequena, no meio de um parque nacional, cercada por
montanhas, lagos, cavernas, cachoeiras e o belíssimo cânion Rugova. Já
foi o centro religioso da Igreja Ortodoxa Sérvia, o que explica as belas
igrejas e o monastério Decani, com suas incríveis pinturas.

Depois de séculos de domínio otomano, os sérvios reconquistaram


a região pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Com o governo
Sérvio, muitos albaneses se viram obrigados a fugir; por outro lado,
houve uma onda de imigração de sérvios para a região. Alguns anos
depois foi criado o Reino da Iugoslávia. Apesar da imigração de sérvios
para a região, a maioria da população continuava sendo albanesa. Após
a Segunda Guerra foi constituída a República Socialista Federativa da
Iugoslávia, onde cinco repúblicas formavam a federação: Sérvia, Croácia,
Bósnia-Herzegovina, Eslovênia e Macedônia. Novamente o Kosovo era
denominado apenas como província autônoma dentro Sérvia.
CENTRO ANTIGO DE PRIZREN

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A herança cultural não é só sérvia/cristã. O longo domínio otomano
e a maioria albanesa moldaram a cidade de outra forma. Existem
mesquitas, mercado central, ruas estreitas, arquitetura turca, além das
tradicionais casas de banho turco. Há alguns museus interessantes,
como o museu entomológico, localizado numa belíssima casa (antiga
casa do Tahir Beg), mas o foco do turismo acaba sendo a natureza
mesmo. Há diversas opções de trekking pelo parque nacional, esportes
aquáticos nos lagos e até paragliding. No inverno, as montanhas são
disputadas por esquiadores que juram ser um dos melhores lugares da
Europa para esquiar.

Apesar da reconstrução do país e do desenvolvimento que vem


acontecendo, os diversos memoriais de guerra ao longo das estradas
não deixam ninguém esquecer os problemas de um passado recente.
Se mexe com os sentimentos dos estrangeiros que visitam a região,
imagine de quem perdeu parentes próximos e vivenciou a guerra. Hoje
a região é estável e cada vez mais pronta para receber turistas, mas
ainda luta com as mágoas e problemas econômicos e administrativos
do presente.

CENTRO DE PRISTINA

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O que fazer por lá?

Cidade velha de Prizren e Igreja Nossa Senhora de Ljevis


(Patrimônio da UNESCO)

Vida noturna de Pristina (com expatriados do mundo todo)

Estátua de Bill Clinton em Pristina

Santuário Madre Teresa de Calcutá

Cafés ao ar livre

Monastério de Gracanica (UNESCO)

Cidade de Peja (Pec) e suas montanhas e cachoeiras

Rugova Cânion

Mitrovica – Divisão Albanesa (sul), Sérvia (Norte)

Monastério Decani (UNESCO)

Beber: boza (bebida de milho), ayran (iogurte) e raki (destilado)

Comer: borek (espinafre, queijo e carne), tave, kebab

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A MOVIMENTADA PRAÇA SHADRVAN 51
REPÚBLICA
DA SOMALILÂNDIA

52
52
53
PASTOR COM SEUS CAMELOS NO DESERTO DA SOMALILÂNDIA
RECONHECIMENTO: IDIOMAS:
não reconhecido somali, árabe, inglês
por nenhum país

DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:
FORMA DE GOVERNO: 18 de maio de 1991
república presidencialista

DISPUTA TERRITORIAL:
POPULAÇÃO APROX: Somália
4,5 milhões

MOEDA: ALIADO:
shilling da nenhum
Somalilândia

54
TAM
AN
HO
APR
OX
IM AD
O:
137.
600
km 2

55
Visto e fronteiras

Brasileiros precisam de visto para entrar na Somalilândia. Ele pode ser


providenciado no aeroporto de Hargeisa ou nas Liaison Offices, que
funcionam como “consulados informais”. O mais popular fica em Addis
Abeba, Etiópia. Também existem escritórios no Djibuti, Quênia, África
do Sul, EUA, França, Itália, Suécia e Reino Unido.

Vistos da Somália não são aceitos para entrar na Somalilândia. Você


também não pode (e provavelmente nem se arriscaria) seguir para a
Somália com o visto da Somalilândia. A fronteira da Somalilândia com
a Etiópia, em Wajalee, é a mais utilizada por estrangeiros, mas também
é possível atravessar pela fronteira com o Djibuti, em Loyada, apesar
de ser bem mais difícil conseguir transporte por lá.
VISTO DA SOMALILÂNDIA

56
Em busca de
reconhecimento
A região da Somália, no Chifre da África, sempre foi dividida em clãs e
tribos. Tem uma história muito antiga, e o Reino de Punt, que floresceu
na região, está presente em diversas pinturas egípcias. Também houve
uma forte influência dos árabes, que séculos mais tarde dominariam o
comércio de grande parte da costa do Oceano Índico. Diversos sultanatos
floresceram nesta região árida, porém estratégica. Outras potências,
como o Império Otomano e Portugal, se aventuraram por lá. Mas foi no
final do século 19 que os países europeus decidiram dividir e colonizar
a região formando a Somalilândia Francesa (hoje Djibuti), Somalilândia
Inglesa e Somália Italiana. Após a Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra
passou a dominar a Somália Italiana também, mas não por muito tempo.
Nos anos 1960, seguindo a onda de independências no continente
africano, as Somálias se uniram para proclamar independência.

A união não durou muito e teve início uma longa guerra civil. Os
rebeldes da região da antiga Somalilândia Inglesa, talvez por serem
de um só clã (Isaq), de certa forma conseguiram se organizar, e com
a ausência de um poder central forte, proclamaram independência em
1991. Mesmo após terem sua capital bombardeada, se mantiveram
fortes e conseguiram total controle da região. Superando todas as
adversidades e sem o reconhecimento ou ajuda de nenhuma outra
nação, conseguiram prosperar e formar um novo país.

Quase duas décadas depois da proclamação de independência, eu estava


dando uma volta ao mundo. Havia saído da África do Sul e percorrido
por terra toda a África Oriental, basicamente viajando de transporte
público. Encontrei viajantes que tinham passado pela Somalilândia e
coloquei na cabeça que teria que conhecer este “não país”.

Como não é um país propriamente reconhecido não tem embaixadas


e sim uma Liaison Office, um escritório de relacionamento. Tirei o meu
visto em Addis Abeba, capital da Etiópia. O visto ficou pronto em cinco
minutos. O cônsul foi muito atencioso, nos passou contatos de amigos,

57
CASA DE CHÁ EM BERBERA

escritos à mão, atrás do seu cartão de visitas, algo que funcionaria


como um “passe livre”, afinal éramos “amigos” do cônsul. Não seria uma
mentira, já que tínhamos até a intimidade de ligar para ele para abrir
a embaixada em um feriado para fazer o visto para outro viajante que
conhecemos. Ele atendeu prontamente a um americano e um indiano
que me acompanharam nesta viagem.

O oeste da Etiópia é chamado de “Região Somali” e fez parte da antiga


Somália antes de ser anexada pela Etiópia. Viajamos por regiões onde
até hoje estão desarmando as minas terrestres, passamos pela capital
do estado, Jijiga, de onde conseguimos transporte para a fronteira com
a Somalilândia, em Wajalee.

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Um lugar abandonado, fronteira feia e muito suja. No calor intenso,
tudo parecia parado se não fosse o vento do deserto, que levantava
pequenos redemoinhos de areia e levava sacos plásticos e até arbustos
rasteiros. Cabras comiam o que restava desta vegetação e, na ausência
de folhas, comiam plástico mesmo.

No posto de imigração foram atenciosos conosco, e o passaporte brasileiro


novamente fez bastante sucesso. Impressionante o carinho com os
brasileiros no Continente Africano de uma forma geral. Tratam-nos como
irmãos distantes. Com o passaporte carimbado, só precisávamos encontrar
transporte para Hargeisa, capital da Somalilândia. Não existem ônibus,
somente táxis coletivos. São peruas que saem quando estão lotadas, ou
melhor, superlotadas. O preço do transporte era o dobro do que vínhamos
pagando na Etiópia, o que nos assustou um pouco. Uma forma de fazer
contato quando se está viajando é oferecer comida, sempre quebra
barreiras. Oferecemos bolachas e recebemos goiabas em troca. Logo nos
sentimos acolhidos.

Chegando à capital, me assustei um pouco. Depois de tanta propaganda


da história de sucesso da Somalilândia, com eleições presidenciais
multipartidárias, empresas de telefonia e tantas outras conquistas, o
lugar me pareceu bastante caótico. Havia muita gente na rua, barracas de
camelôs por todos os lados e muita areia cobria o fino asfalto da avenida
principal. Para fugir do choque inicial, pegamos um bom hotel, onde
teríamos informações valiosas sobre a região.

Devidamente hospedados, o
próximo passo foi trocar dinheiro.
Não é difícil, é só escolher uma
das caixas de arame espalhadas
pela rua ou as pilhas de xelins da
Somalilândia em cima de esteiras.
Um dólar vale 6.500 xelins, ou seja,
TROCA DE DINHEIRO NAS RUAS

treze notas de 500 xelins, que é a


maior em circulação. Trocávamos
dez dólares por dia, para evitar
carregar um volume muito grande
de dinheiro.

59
Nos mercados de rua se compra de tudo. São bazares espalhados pela
região central da cidade. Com cem dólares é possível até conseguir um
passaporte da Somalilândia, mas seria um suvenir muito caro, já que
ele não é válido em nenhum país.

Quando visitamos o Memorial de Guerra, uma praça onde exibem


com orgulho um avião MIG da forca aérea somali, muitos curiosos se
aglomeraram para ver os turistas tirando fotos. Soldados tiveram que
dispersar a pequena multidão. Sempre perguntavam nosso nome, de
onde vínhamos e se éramos jornalistas. Claro que se surpreendiam
quando falávamos que éramos turistas. Viramos nós a atração local.

Para comprar um chip para o celular, praticamente paramos o escritório


da telefônica. Aproveitei também para comprar um jornal local, já que
algumas publicações são em inglês. Conhecemos pessoas e tomamos
chá com locais. Muitos deles já moraram em países da Europa, de onde
mandavam dinheiro para a família. Sem ajuda internacional, muito do
dinheiro que circula na região vem de parentes que moram no exterior.

Na primeira noite não sentimos segurança para sair quando escureceu,


mas depois de nos ambientarmos melhor, quebramos esta barreira para
explorar os mercados noturnos. Mas nunca prorrogamos as saídas até
ESCOLTA ARAMADA PARA VIAGENS FORA DAS CIDADES

60
tarde da noite, tendo em vista que antes do amanhecer acordávamos
com a chamada das mesquitas. Como o hotel era central, eu adorava
ficar na sacada vendo o dia amanhecer e a cidade começar a se
movimentar. Todos seguem à risca a regra de rezar cinco vezes ao dia.
É um país 100% muçulmano, que segue a lei islâmica da Sharia. Apesar
de a região se submeter a uma jurisprudência tolerante, a Shafii, não há
bebidas alcoólicas e homens e mulheres se sentam em alas separadas
nos restaurantes, a não ser que façam parte da mesma família. Além da
Sharia, as assembleias dos clãs também ditam muitas regras na região.

Além do mercado central, bem perto de onde estávamos, existe um


movimentado mercado de ouro. Já nos arredores da cidade fica o
mercado de animais, onde é possível comprar seu próprio camelo. O
mais legal de viajar por lá com certeza é andar sem destino e bater papo
com a simpática população. Claro que existem grandes atrações, como
as incríveis pinturas rupestres de Laas Geel que, apesar de muito antigas,
estão em excelente estado de conservação.

O sítio arqueológico fica bem mais afastado, a caminho de Berbera,


fora da estrada principal, portanto é impossível chegar de transporte
público. Teríamos que arrumar um carro. Mas, como no hotel estavam
cobrando caro demais, decidimos arranjar um carro na rua mesmo. A
região nos arredores do Memorial de Guerra estava cheia de táxis, e
sabíamos que, com o alto índice de desemprego, não seria difícil achar
alguém disposto a nos levar. Logo, uma nova multidão se formava para
ver a nossa negociação com um motorista. Para termos um pouco de
privacidade e fazer os acertos finais entramos no carro, que o dono
brincava dizendo que era seu escritório.

Antes de seguir viagem ainda tivemos que passar na “Secretaria de Segurança”


para contratar uma escolta armada. Estrangeiros só podem circular fora da
capital caso tenham a companhia de um soldado armado. Neste mesmo
prédio governamental passamos no Ministério do Turismo, que fica numa
pequena sala dentro do Ministério da Pesca. Lá, nos explicaram sobre a
escolta. Como a Somalilândia não tem reconhecimento internacional,
qualquer problema que aconteça com um estrangeiro pode ser muito
prejudicial para a imagem do país. O discurso tem lógica, mas no fundo acho
que a obrigatoriedade da escolta é uma boa oportunidade de gerar trabalho
e dinheiro extra, mesmo custando somente dez dólares por dia.

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A estrada Hargeisa-Berbera é uma reta monótona, com paisagens
desérticas para os dois lados e alguns aglomerados de casas onde
paramos para almoçar. Tinham apenas macarrão frio para servir, então
colocaram o prato no meio da mesa e todos comemos com as mãos,
já que não usam talheres por ali. A certa altura pegamos uma saída
sem sinalização alguma e passamos a viajar literalmente no meio do
deserto, apenas seguindo uma pequena trilha com marcas de pneu
feitas por outros carros.

Avistamos pequenas formações rochosas e algumas cabanas, também


muitas cabras e camelos por toda a estrada. Chegamos num checkpoint
onde pediram a papelada que tínhamos acertado no Ministério
do Turismo. Uma pessoa seguiu com a gente para mostrar o lugar.
Paramos numa casa que possuía alguns cartazes com informações
sobre as pinturas, que só foram descobertas em 2003. Caminhamos
montanha acima e o lugar é fantástico. São muitas pinturas, tão vivas
que parecem que foram pintadas há pouco tempo. Na verdade, têm
mais de 5 mil anos, algumas talvez tenham sido pintadas há quase
dez mil anos. Se fosse em qualquer outro lugar do mundo, receberia
milhares de turistas, talvez até estivesse listada como patrimônio
da UNESCO, mas não ali. Éramos os únicos visitantes, explorando e
curtindo as pinturas e a bela vista. Inacreditável.
PINTURAS DE LAAS GEEL

62
Seguimos a estrada sentido Berbera, e o soldado já mascava qat há
horas e provavelmente não estaria apto a nos defender. De qualquer
forma, sua presença foi de grande importância, pois não pediram o
nosso passaporte nenhuma vez. Bem diferente de quando estávamos
sozinhos, quando pediam a toda hora. Qat é uma planta com um efeito
alucinógeno leve, muito consumida na região.

Já haviam nos alertado que Berbera era insuportavelmente quente, mas


é difícil imaginar que poderia chegar àquele nível. A paisagem mudou
pouco, mas no fundo do horizonte era possível notar a presença de
algumas montanhas. Pudemos até ver um ou outro animal selvagem. A
qualidade do asfalto foi piorando e os buracos ficaram mais frequentes.

Quando chegamos a Berbera, segunda maior cidade da Somalilândia,


logo vimos o contraste com Hargeisa. Uma cidade calma, quase parada,
com poucas pessoas na rua. Hospedamos-nos em um hotel simples,
mas impecavelmente limpo, pagando o equivalente a cinco reais por
dia. As pessoas nos cumprimentavam e eram muito simpáticas, o que
nos deixava à vontade para caminhar pelas ruas mesmo à noite. Eu
tomava cerca de cinco litros de água todo dia, o que não foi suficiente
para me livrar de uma leve desidratação. Pelo menos foi o que o médico
que dava plantão na farmácia me falou.

À procura de um restaurante, pedimos informação na rua. Não


recebemos informações, mas ganhamos um guia, que fez questão
de nos levar até lá e recusou qualquer tipo de pagamento. Mesmo
tendo caminhado mais de dez quadras, não aceitou nem mesmo um
refrigerante e ainda se ofereceu para nos levar até o hotel caso não
soubéssemos o caminho. O restaurante ficava próximo ao porto,
na beira do Golfo de Áden. A comida era boa, mas as porções eram
pequenas. Pelo menos a Coca-Cola e a água estavam bem geladas! De
lá, caminhamos pelas ruas pouco iluminadas da redondeza. Passamos
por pelo menos por umas quinze mesquitas. Ao chegar à rua principal,
vimos alguns camelos descansando tranquilamente debaixo de um
poste. Um ambiente completamente diferente de tudo que eu já tinha
visto, mas com um astral muito especial.

63
O calor é tão intenso em Berbera, que logo cedo é impossível dormir.
Já na metade da manhã não dá para caminhar, de tão forte que fica o
sol. Para descansar e matar o tempo, nada melhor que uma casa de
chá. Um pequeno barraco, coberto com lonas e com uma televisão a
cabo ligada em canais internacionais. O chá é servido com bastante
leite e especiarias. Havia muitas pessoas, parecia uma grande sala de
reuniões ou de entrevistas, já que fazíamos - e nos eram feitas - muitas
perguntas. Quem chegava ia deixando as sandálias de lado para serem
lavadas e se sentava.

O histórico porto emprega muita gente e movimenta a economia


local. A Etiópia tem utilizado esta saída para o mar como alternativa
ao porto de Djibuti. Do porto partem barcos irregulares para o Iêmen e
Djibuti, mas não tivemos sucesso com as datas. Não conseguimos nem
carona com os caminhões que atravessam o deserto para o Djibuti.
Enquanto não encontrávamos transporte para sair da Somalilândia,
nada melhor que gastar um tempo na praia. Nos arredores da cidade
estavam construindo um resort onde tomamos banho de mar e nos
refrescamos com a brisa, apesar de ambos estarem quentes.

Antes de irmos embora apareceram alguns jovens para jogar bola.


Um cara com seu traje típico muçulmano veio falar com a gente. Ao
contrário de toda hospitalidade que tínhamos experimentado, com cara
fechada, ele falou que a Somalilândia não gostava de turistas. O pior
é que até sabia onde estávamos hospedados. Sem muita saída fomos
conversando. Perguntamos se lia o Corão, e ele disse que sim, além
de orar cinco vezes ao dia. Perguntamos sobre as viagens de Maomé,
sobre a hospitalidade do Rei Cristão de Axum, sobre Maomé falar que
estrangeiros em terras islâmicas deveriam ser bem tratados. Ele sabia
sobre tudo e nos contava com mais detalhes. De certa maneira, ficou
impressionado por sabermos algumas histórias e foi amolecendo aos
poucos, talvez se lembrando das palavras de Maomé. No final, até
jogamos bola juntos, sob um sol de 42 ºC.

No novo resort em frente à praia conhecemos Steve, um inglês que divide


seu tempo entre a Inglaterra e a Somalilândia. Ele estava ensinando a
guarda costeira a mergulhar e montou sua base de mergulho no hotel
para algum turista que aparecesse. Ele mesmo confirmou que não

64
ganha dinheiro com o turismo, que é mais hobby. Cobra vinte dólares,
para o que deve ser um dos mergulhos mais baratos do mundo. Claro
que não pudemos deixar a oportunidade passar e mergulhamos nos
dias seguintes. Também conversamos bastante sobre a situação do país,
sobre o passado e as perspectivas. Ele escreve para diversos jornais e
revistas da Europa e dos EUA, principalmente sobre a situação política
da região. Conhece todo mundo do governo e já sabia que estávamos
em Berbera, pois a inteligência da polícia ligou para ele perguntando se
sabia quem éramos. Pelo jeito estávamos sendo observados de perto.
Sempre depois da praia, tentávamos organizar a nossa ida até Djibuti.
O problema foi que de dia todos estavam largados à sombra mascando
qat e à noite estavam nas ruas, mas já não se entendiam muito bem. A
maioria das pessoas nos aconselhava a voltar para Hargeisa e de lá ir
para uma das fronteiras. Acabamos conhecendo um jornalista local e

SIMPÁTICO HÓSPEDE NO HOTEL ONDE FICAMOS

65
um senhor que trabalha no governo, ambos com bons contatos. Desta
forma não demorou tanto para conseguirmos autorização da polícia de
circulação para seguirmos pelo deserto com o carro que conseguiram
para nós.

Encontramos novamente o pessoal do futebol da praia, e o militante


muçulmano agora era o nosso melhor amigo. Levou-nos a um cybercafé
com internet rápida para mandarmos notícias para casa e depois aos
mercados noturnos, onde experimentamos leite de camela, muito
apreciado na região.

Quando chegou o dia de partir levamos um susto ainda nos arredores


de Berbera. O motorista errou o caminho e um soldado apontou
um lança-foguete para nós, para desespero da nossa escolta que
abanava sua boina desesperadamente. Provavelmente estávamos
em área militar. A estrada era um verdadeiro areião, com deserto
dos dois lados e, de vez em quando, aquela vista incrível para o Mar
Vermelho. Passávamos por pastores com cabras e camelos. Algumas
vezes lembrava uma cena de filme, com a diferença que nós éramos
personagens da história. Estávamos em uma Land Cruise boa para
os padrões locais, o que não impediu de encalharmos pela primeira
vez 60 quilômetros depois da saída. Descobri da pior maneira que
não tínhamos nenhum equipamento, nem os mais básicos como pá
e correntes. Cavamos a areia com as mãos, sob um sol de 40ºC.
Tentávamos de tudo, mas com pouco progresso. Depois de umas três
horas de árduo trabalho, nós finalmente conseguimos seguir viagem.
Tinha ficado claro que não faríamos o trajeto em um só dia, muito
menos nas quinze horas que tínhamos estimado.

O carro encalhou mais algumas vezes, mas fomos sempre nos virando.
Em certo momento o carro atolou de uma maneira que nem se
mexia. Até tentamos desencalhar, mas em pouco tempo nos largamos
exaustos debaixo de alguns arbustos. Como não circulam muitos
veículos por ali, não nos restava nada além de esperar. Algumas horas
depois, passou um caminhão vindo do sentido contrário. Ajudou-nos
sem cobrar nada, pois segundo o motorista, estava apenas “fazendo
o bem”. Para completar o dia, furou um pneu e não tínhamos estepe.

66
Paramos para comer alguma coisa em um pequeno vilarejo e nem preciso
comentar o espanto do pessoal ao nos ver por ali. Na Somalilândia o
açúcar brasileiro talvez seja mais famoso que o futebol. Usavam um
saco de açúcar brasileiro para fechar uma janela. Em Berbera eu já tinha
visto que, para eles, açúcar é sinônimo de Brasil.

Rodamos mais quilômetros, passamos por lugares intocados,


encalhamos mais vezes, sempre nos virando. Ao final da tarde
apareceu uma lua cheia enorme. Foi mais um “daqueles momentos”.
Na última encalhada, nem tentamos mais seguir viagem. Simplesmente
esticamos algumas esteiras de palha e nos largamos exaustos ao lado
do carro. Como não tinha o que fazer, resolvemos descansar. Pouco
depois apareceu uma pessoa vinda de uma vila não muito distante.
Ele carregava uma pá e trouxe chá para nós. Trabalhou duro, tentando
liberar o carro, mas foi em vão. Eu queria dormir, mas quando via aquele
guarda dormindo, abraçado com a metralhadora, iluminado pelo luar,
só conseguia rir.

Horas mais tarde passou outro caminhão para nos colocar em


movimento novamente. Conseguimos ir até a vila (meia-dúzia de casas)
e tivemos que insistir muito para pagar o jantar para o senhor que
cavou a areia por horas. Ele dizia que era um prazer. Eu torcia para que
fosse churrasco de camelo, mas era carne de bode. Andamos mais um
pouco depois do jantar e dormimos no meio do deserto. O vento que
soprava timidamente era o único som que contrastava com o silêncio
do deserto. Parecia uma música que estava para iniciar e parava.

O dia seguinte foi de muita viagem, porém um pouco mais tranquilo,


mesmo com mais pneus furados. Curtimos a paisagem e os lugares,
passamos pela histórica Zeila, antiga capital do reino Adal, até
finalmente chegarmos à fronteira.

Foi uma viagem que me marcou muito. Pessoas hospitaleiras em um


lugar que existe como que em um limbo. Apesar dos esforços para
construir um país e instituições que funcionem, permanece uma nação
sem perspectiva de reconhecimento internacional. A Somalilândia
parece uma planta que floresce no meio do deserto lutando contra
todas as adversidades. Depois das pessoas, talvez esta luta seja uma
das maiores belezas do lugar.

67
O que fazer por lá?

Pinturas rupestres de Laas Gael

Memorial de guerra em Hargeisa

Mercado de ouro de Hargeisa

Mercado de animais em Hargeisa

Mergulhar no Golfo de Áden em Berbera

Atravessar o deserto

Cidade histórica de Zeila e o minarete do século 7

Parque nacional marinho nas ilhas Sa’ad ad-Din

Mascar Qat

Ler o jornal Somaliland Sun

Beber: leite de camela; álcool é ilegal

Comer: churrasco de bode

68
CAÇA MIG NO MEMORIAL DE GUERRA 69
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA
ÁRABE SARAUÍ
(SAARA OCIDENTAL)

70
70
71
BASE MILITAR MARROQUINA EM SMARA
RECONHECIMENTO: IDIOMAS:
84 estados-membros da ONU árabe, berber, espanhol

DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:
FORMA DE GOVERNO: 27 de fevereiro de 1976
semipresidencialista

DISPUTA TERRITORIAL:
POPULAÇÃO APROX: Marrocos
586.000

MOEDA: ALIADO:
dirham, uguia, Argélia
USD

72
72
TA
M AN
HO
AP
RO
XIM
AD
O:
26
6.0
00
km 2

73
Visto e fronteiras

Na porção do Saara Ocidental ocupada pelo Marrocos, a política de


vistos é a mesma que a do Marrocos, ou seja, brasileiros não precisam
de visto. Ao atravessar do Marrocos para o Saara Ocidental ocupado
não existe nenhuma imigração, somente um grande número de postos
de controle. Para quem vem da Mauritânia acontece o mesmo, a
imigração é feita por oficiais marroquinos.

Não é possível chegar até a “Zona Livre”, controlada pela Frente


POLISARIO, vindo do Marrocos, pois o exército marroquino construiu
um grande “Berm”, muro de 2.700 km de extensão que divide a
região, além das incontáveis minas terrestres. A fronteira via Argélia
teoricamente está fechada no momento, mas é por onde muitos
ativistas e observadores internacionais conseguem entrar.
PASSAPORTE SARAUI

74
A última colônia
africana
O Saara Ocidental, na época chamado de Rio D’oro, foi uma colônia
espanhola localizada ao sul do Marrocos, que era colônia francesa.
Desde os anos 1960, as Nações Unidas já vinham indicando para a
Espanha que descolonizasse o território, mas foi através de ações de
guerrilha de um grupo chamado Frente POLISARIO (em espanhol,
Frente Popular de Liberación de Saguía el Hamra y Río de Oro) que a
Espanha acabou abandonando a região.

A tão sonhada independência parecia estar perto, mas a República


Democrática Árabe Sarauí não seria formada tão facilmente. O Marrocos
invadiu o norte, e a Mauritânia invadiu o sul do Saara Ocidental, ambos
tentando anexar o território rico em minerais, onde se encontram as
maiores reservas de fosfato do mundo.

O Marrocos aplicou uma tática proibida pela ONU, utilizando civis para
tomar posse de um território, criando assentamentos. A “Marcha Verde”
foi orquestrada em 1975 e 350 mil marroquinos rumaram ao sul para
tomar conta do território. O exército do Marrocos tentava conquistar
todo o território, mas a Frente POLISARIO (com apoio da Argélia)
se manteve firme. Com a desistência da Mauritânia pelos territórios
conquistados ao sul (1979) e a construção de um muro, tudo mudou.

O Marrocos construiu o Berm, um muro de quase 3 mil quilômetros de


comprimento, com defesas, milhões de minas terrestres e equipamentos
de segurança. Depois disto, a Frente POLISARIO teve dificuldade de
guerrear e a grande parte da população original do Saara Ocidental
passou a viver em campos de refugiados no meio do deserto. Cerca
de dois terços do Saara Ocidental ficou ocupado pelo Marrocos e um
terço pela Frente POLISARIO.

O Reino do Marrocos passou então a controlar com linha-dura a região


e a criar incentivos para que marroquinos se mudassem para lá. Violou
os direitos humanos de diversas formas, jogando até bombas de Napalm

75
nos campos de refugiados sarauís. Todas estas ações causaram a
revolta da comunidade internacional, mas a França, aliada histórica do
Marrocos, exercia o seu poder de veto no Conselho de Segurança das
Nações Unidas. Depois de uma década e meia de guerra, o Marrocos e
a Frente POLISARIO chegaram a um acordo de cessar-fogo, em 1991.
Foi marcado um plebiscito para o ano seguinte, em que a população
local votaria sobre seu futuro. Até hoje o plebiscito não foi realizado,
pois inicialmente o Marrocos gostaria que os 350 mil marroquinos que
participaram da Marcha Verde também pudessem votar.

A ONU apoia a opinião da Frente POLISARIO. Diz que só os habitantes


originais poderiam votar, apontando o censo espanhol de 1974, um
ano antes da Marcha Verde, como a fonte mais precisa. O Marrocos
contra-argumenta que tribos sarauís fugiram do Saara Ocidental para
o Marrocos durante a invasão espanhola do século 19, então estes
também deveriam poder votar. Como o amor não reconhece fronteiras
nem barreiras etnoculturais, sarauís se casaram com marroquinos. Os
filhos destes casamentos têm direito a voto? Ou só a linhagem paterna?
A confusão está criada e, com o passar do tempo, a situação fica cada
vez mais difícil de ser resolvida. O poder econômico do Marrocos e
parcerias comerciais com o Ocidente influenciam diretamente no
assunto também.

Depois de viajar pelas regiões mais turísticas do Marrocos, eu e


minha esposa, Bianca, conhecemos os cantinhos do Anti-Atlas, porção
sul da maior cadeia de montanhas do Marrocos. Não estávamos
necessariamente próximos do Saara Ocidental ocupado, mas era
relativamente fácil chegar até lá.

Passamos pelo litoral sul do Marrocos, onde já aparecia uma influência


da arquitetura espanhola. O deserto ficava mais presente, o calor
aumentava, e a vida se mostrava mais difícil à medida que avançávamos
para o sul. A população, menos acostumada com o turismo, ficava
ainda mais simpática e prestativa. Se as cidades eram coloridas, a
paisagem da estrada era monótona, pastel, só contrastando com o
céu azul. A estrada principal corta o Saara Ocidental até a fronteira
com a Mauritânia, mas em certo momento, pegamos uma saída em
direção ao interior do país. A estrada virou uma pista simples, e parecia

76
que ninguém se interessaria pela região, se não fossem as dezenas
de postos de controle. Pediam nossos passaportes e perguntavam
nossa profissão, talvez esperando que fossemos jornalistas ou algo
do tipo. Nós nos fazíamos de bobos e falávamos que éramos turistas,
e estávamos viajando por todo o Marrocos, sem nunca mencionar a
expressão “Saara Ocidental”.

CRIANÇAS SARAUÍS PERTO DO FORTE ANTIGO

Engana-se quem pensa que viajar pelo deserto do Saara é atravessar


dunas vermelhas a toda hora. Grande parte do deserto do Saara não
é de areia como muitos imaginam, é um deserto plano, feito de pedra,
chamado de Hamada. Longas viagens acabam se tornando monótonas
se você ficar só observando as paisagens, que mudam apenas quando
aparecem grupos de dromedários ou pequenos povoados. Conversar
com os outros passageiros acaba se tornando uma diversão, além de
ótima fonte de informação da história e cultura locais. A simpatia e
inocência das crianças sempre são uma forma muito fácil de quebrar
barreiras, inclusive linguísticas.

77
Depois de muitas horas de viagem com deserto até a linha do horizonte
para todos os lados, começa a aparecer uma leve vegetação e
pequenos oásis. Estávamos chegando a Es-Smara, antigo oásis e parada
obrigatória de diversas rotas comerciais e caravanas que cruzavam o
deserto do Saara. Atravessamos grandes bases militares marroquinas
até chegarmos num pátio onde funcionava a rodoviária. Tínhamos a
indicação de um hotel decente, já que outros viajantes nos falaram que
a maioria das pensões era de péssima qualidade. Definitivamente não é
um lugar preparado para o turismo.
DROMEDÁRIOS NO DESERTO DE PEDRA DO SAARA

Os sarauís são berberes, primos dos tuaregues, e também usam toda


uma vestimenta azul, com turbante negro. Em Tan Tan, e até em outras
regiões mais para o norte, no sul do Marrocos, eu já tinha observado
que aumentava consideravelmente a quantidade de homens de azul.
Fiquei um pouco decepcionado por não ser todo mundo que se vestia
assim por ali. Na verdade já existe muita mistura e influências. Acho

78
que tinha criado uma expectativa acima disto. Com o tempo fomos
entendendo melhor as coisas. Teve jogo de futebol do Marrocos, e
vimos que parte da população torcia para eles. Eram os “marroquinos
verdes”, nos contava um amigo sarauí. Sem muito que fazer no horário
de sol no meio do deserto, os cafés ficavam lotados para que as pessoas
pudessem assistir aos jogos da Eurocopa. Só homens, então a Bianca
preferia a leitura na sombra do hotel. Ela também não gostou quando
fomos perseguidos por crianças de uns dez anos de idade, com varas
nas mãos. Eu dei corda e corria atrás delas, mas quando virávamos de
costas elas davam o troco.

Fui ver o que sobrou da pequena cidade velha e da antiga mesquita


e encontrei algumas mulheres fazendo um piquenique com seus
filhos. Interagi com a molecada, fui convidado para um chá, mas se
recusaram a tirar uma foto. Interessante que as mulheres sarauís
têm um destaque na sociedade. De acordo com as crenças berberes,
quando elas se tornam avós ficam ainda mais importantes. Na “Zona
Livre” do Saara Ocidental, 35% dos cargos políticos são ocupados por
mulheres, e muitas delas lutam na linha de frente, seja na guerrilha ou
nos protestos em áreas ocupadas pelo Marrocos.

A MARCHA VERDE É COMEMORADA PELOS MARROQUINOS

79
De 1999 até 2004 aconteceu a “Primeira Intifada Sarauí”, onde se
podia ver muitas mulheres lutando contra as tropas marroquinas. Em
2005, na “Intifada pela Independência”, não foi diferente. Centenas
de mulheres saíram feridas dos conflitos. Mas nem sempre a luta
é violenta. A ativista política sarauí, Aminatou Haidar, chegou a ser
indicada para o Prêmio Nobel da Paz em 2008, depois de greves de
fome e protestos não violentos que lhe renderam o apelido de “Gandhi
Sarauí”, em referência às práticas do indiano Mahatma Gandhi.
RUÍNAS DO FORTE ANTIGO

Existe outra parte de Smara que já está bem reformada. Tem uma bela
mesquita antiga que está recebendo reparos e tudo parece novo. Mas
do ponto de vista turístico, o mais interessante de ir para lá não é para
ver as coisas, mas aproveitar o dia a dia e entender o lugar.

80
Foram algumas horas de caminhadas, mas muito mais tempo sentado
num café olhando o que acontecia ao redor. A presença militar,
carros blindados com grades nas janelas, e principalmente barulho de
helicóptero à noite incomodavam Bianca e geravam certa insegurança.
Por este motivo acabamos desistindo de conhecer alguns outros
lugares que tínhamos previsto. Alguns contatos que eu tinha feito
pela internet ficaram decepcionadíssimos de não nos conhecerem, mas
acabamos nos tornando amigos virtuais.

Quando chegou a hora de ir embora, não imaginávamos que os ônibus


podiam estar lotados. O jeito foi esperar chegar mais pessoas até lotar
o táxi comunitário. Enquanto isto não acontecia, aprendi a jogar Sig, um
jogo de palitinhos coloridos, onde quem tira “vaca” ou “cabra” ganha, e
quem tira “burro” perde. Entre risadas e brincadeiras, apesar do calor, o
tempo passou muito rápido e logo estávamos num carro superlotado
atravessando o deserto rumo ao litoral, onde teríamos um descanso
merecido.

81
O que fazer por lá?

Smara: antiga cidade/oásis da rota comercial; possui ruínas


de um forte e Mesquita e foi um importante centro espiritual

El Aaiun (Laayoune): praias desertas

Dakhla (Vila Cisneros): kitesurfing

Cabo Bojador - poema de Fernando pessoa

Bir Lehlou: antiga capital temporária, onde foi proclamada a


independência

Tifariti: nova capital temporária, Parque Arqueológico


Erqueyez

La Gouira (La Guera): cidade fantasma - Administração da


Mauritânia

Beber: chá

Comer: frutos do mar na costa e camelo no deserto

82
MINARETE DA ANTIGA MESQUITA DE SMARA 83
REPÚBLICA TURCA
DE CHIPRE DO NORTE

84
84
85
CIDADE DE FAMAGUSTA COM A MESQUITA LALA MUSTAFA PASHA
RECONHECIMENTO: IDIOMA:
Turquia turco

FORMA DE GOVERNO: DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:


semipresidencialista 15 de novembro de 1983

POPULAÇÃO APROX: DISPUTA TERRITORIAL:


313.626 Chipre

MOEDAS: ALIADO:
lira turca, euro e Turquia
libra esterlina

86
86
TAMAN
HO AP
ROXIM
ADO: 3
.355 km 2

87
Visto e fronteiras

Brasileiros não precisam de visto para o Chipre do Norte. Até poucos


anos atrás, quem chegava pelo aeroporto de Ercan era impossibilitado
de viajar para a porção sul da ilha, considerada uma entrada ilegal. Esta
regra deixou de existir para os europeus quando o Chipre passou a
fazer parte da União Europeia que considera toda a ilha como sendo a
República do Chipre. Hoje em dia, até mesmo brasileiros podem passar
livremente para a porção sul sem problemas.
CARIMBO DE IMIGRAÇÃO DO CHIPRE DO NORTE

88
Entre gregos e turcos

A história do Chipre se confunde com a história da humanidade. Existem


vestígios de que a ilha já era habitada há dez mil anos. Fez parte da
Grécia antiga, dos Impérios Romano e Bizantino, foi conquistado pelas
Cruzadas, pelos venezianos e passou um longo período sob domínio
otomano; caiu nas mãos dos britânicos, até finalmente conseguir a
independência, já nos anos 1960.

A população consistia de uma maioria cipriota grega e uma minoria


cipriota turca. O novo governo teve dificuldade em reger o país. Muitos
conflitos e crises aconteceram até que, em 1974, uma junta militar de
extrema direita deu um golpe de estado para anexar a ilha à Grécia. A
Turquia, resguardada pelo Tratado de Garantia, reagiu imediatamente
invadindo o norte da ilha para proteger os cipriotas turcos. Com o final
do conflito, criou-se uma zona desmilitarizada chamada de Linha Verde
que divide o Chipre em dois (inclusive sua capital, Nicósia). A parte sul é
conhecida como República do Chipre (membro da União Europeia) e a
norte, República Turca de Chipre do Norte, país de facto independente,
mas somente reconhecido pela Turquia.

89
Tratado de
Garantia (1960)
A independência do Chipre só foi aceita pelo Reino Unido depois do
Tratado de Garantia. O tratado, assinado pelo Reino Unido, Grécia e
Turquia, afirmava que nenhuma destas nações teria pretensões sobre
o novo Estado e que poderiam intervir, inclusive militarmente, para
garantir a constituição do novo país. Segundo o Tratado, o Chipre não
poderia fazer união política ou econômica com outro Estado. Apoiada
neste artigo, a Turquia invadiu o Chipre para proteger os direitos dos
cipriotas turcos e impedir uma possível anexação à Grécia. Resguardado
pelo mesmo Tratado, o Reino Unido mantém bases militares na ilha até
hoje.

Se não viajar de barco, o único ponto de entrada na República Turca


de Chipre do Norte é o aeroporto de Ercan. Afastado cerca de 30
quilômetros de Nicósia, é onde se inicia a dificuldade de locomoção
para quem viaja de forma independente. Os táxis encarecem muito a
viagem e o transporte público até existe, mas é demorado e irregular.
Apesar de a ilha ser pequena, explorar as dezenas de lugares de
interesse demoraria semanas caso você não tenha transporte próprio.

Meses antes eu já vinha mantendo contato pela internet com


moradores locais para entender melhor o conflito. Através do site
couchsurfing.com eu tinha acertado para me hospedar na casa de
uma família. Meu anfitrião trabalhava em turnos noturnos na torre
de controle do aeroporto, portanto conseguiu programar a folga para
quando eu estivesse por lá. Quando cheguei, parecia que estava sendo
recepcionado por um velho amigo. Muito mais do que hospedagem
gratuita, foi uma forma de conhecer a cultura, os dramas e conflitos
de dentro da sociedade. A hospitalidade do meu amigo Rif fez toda a
diferença. Além de abrir as portas de sua casa, ele me mostrou todos
os cantos do Chipre do Norte, além de me apresentar para vários
amigos. Como é de praxe no Oriente Médio, não me deixou encostar
na carteira. Pagou tudo, desde entradas, gasolina e refeições. Tive que
me esforçar muito para poder pagar uma refeição em agradecimento.

90
CARAVANÇARAI BUYUK HAN
Com tantas civilizações tendo habitado a ilha, a região é um museu
a céu aberto, sendo possível parar a toda hora para visitar sítios
arqueológicos. Infelizmente, as ruínas não são apenas de um passado
longínquo. Andando de carro pelos vilarejos, não demora muito para
que se veja as primeiras igrejas abandonadas e destruídas. Algumas
vilas, também semiabandonadas, onde algumas casas têm buracos
de bala chamaram minha atenção. São imagens que falam por si. Por
menos que se saiba do conflito, e de quem viveu ali, é impossível ver
estas cenas e não sentir dor. Era como se houvesse uma poesia triste
no ar, e as imagens mostrassem um filme sem final feliz.

Após a invasão turca, os cipriotas gregos fugiram para o sul (os cipriotas
turcos fizeram o caminho inverso) deixando suas casas abandonadas.
A Turquia incentivou a ida de turcos para o norte do Chipre, para
repovoar a região e assegurar o seu domínio. Rif, meu anfitrião, é filho
de turcos que vieram para a ilha após a divisão do Chipre.

91
Viajando de carro, contornamos a Linha Verde, passando por diversas
bases militares e postos de controle. Mais tarde eu descobriria que
grande parte da economia do norte da ilha depende dos salários
destes militares. Passamos por incontáveis vilas percorrendo o
caminho até Famagusta, no extremo leste da ilha. Algumas das paradas
mais importantes no caminho foram nas ruínas da cidade grega de
Salamis, nas Tumbas Reais e no monastério Santo Barnabé (onde
ele supostamente está sepultado), um dos lugares mais sagrados do
Chipre. Santo Barnabé é um dos apóstolos. Ele vendeu todas as suas
posses e foi para Jerusalém. Tornou-se um importante missionário que
pregou o cristianismo pela Ásia Menor. Hoje é o padroeiro do Chipre.

Chegando a Famagusta, caminhamos pela cidade velha, toda murada


(construída pelos venezianos), conhecemos a Torre de Othelo, a
catedral de São Nicolau (hoje Mesquita Lala Pasha Mustafa) e outros
diversos lugares históricos. Atravessamos o porto até uma bonita praia,
que fica ao lado de Varosha, cidade que no passado foi turística (pré-
divisão) pela sua localização de frente para o mar, mas que hoje está
parcialmente destruída e isolada pelo exército, sendo uma verdadeira
cidade fantasma. As pessoas vão à praia com prédios bombardeados
ao fundo.
TURISTAS NA PRAIA COM A CIDADE FANTASMA DE VAROSHA AO FUNDO

92
Encontramos com um amigo do Rif e fomos participar de uma das
atividades preferidas da Ilha, comer. Comer está diretamente ligado
com a cultura dos cipriotas turcos, e posso dizer que se come muito
bem! Iniciamos com saladas e mezzes (deliciosos aperitivos), charutos
de folha de parreira e torta de frango, antes de chegar aos mais diversos
kebabs. Foi bom para fugir do calor intenso que fazia e colocar minha
lista de perguntas em dia.

APRENDENDO SOBRE A CULINÁRIA LOCAL

Descanso merecido e discussões interessantíssimas, pegamos a


estrada para o extremo norte da ilha, na Península Karpaz. Região
mais isolada de todo o Chipre, somente algumas vilas, muitas delas
bem tradicionais e conservadoras. Surpreendeu-me encontrar cipriotas
gregos vivendo em Dipkarpaz, uma raridade no Chipre do Norte, já que
quase todos fugiram para o sul. Belas paisagens ao longo da estrada
e bonitas praias, com destaque para a semideserta Praia Dourada. Há
um parque nacional com jegues selvagens, o monastério do Apóstolo
André pitorescamente posicionado de frente para o mar e finalmente
chegamos ao Cabo Apostolo Andreas, no extremo norte da ilha.

93
Na volta foram mais algumas horas de viagem até chegarmos na vila
onde os pais do Rif moram. Apesar de o Rif ter uma vida relativamente
moderna, os pais dele são bastante conservadores. Eu brincava dizendo
que o pai dele sentava à mesa como um leão – um rei da selva – que
queria ser servido. Ele não falava uma palavra em inglês. No início me
olhava com desconfiança, mas acabamos nos entendendo muito bem.
A mãe se empenhava na cozinha e amigos apareceram junto com os
irmãos para um longo e divertido jantar. Apesar de um clima bem seco,
semiárido, algumas árvores frutíferas davam um clima para a mesa
montada do lado de fora da casa. Aliás, a casa onde eles moram estava
abandonada desde os conflitos nos anos 1970. Eles simplesmente
tomaram posse do lugar, coisa muito comum em toda a região.
CAFÉ DA MANHÃ COM O PAI DO RIF

Os dias foram muito proveitosos, acordávamos cedo e percorríamos


longas distâncias, sempre em companhia de mais algum amigo. O
que atrapalhava um pouco era o clima. Em pleno verão não se podia
esperar nada diferente de um calor intenso e sol fortíssimo. Em Girne
(também chamada de Kyrenia) pude conhecer a parte mais turística do
Chipre do Norte. Dezenas de hotéis, restaurantes, boates e cassinos.

94
Wi-Fi gratuito nas praças, um porto bem charmosinho com um castelo
bizantino ao lado. No topo da montanha há um bonito monastério,
Bellapais, de onde se tem uma ótima vista de toda a região.

Região muito bonita, mas os cassinos e boates mostram um lado B


do Chipre do Norte. Assim como criaram Las Vegas no meio do
deserto nos EUA, por aqui também tentaram escondê-los dos olhos
da sociedade turca. Práticas proibidas na Turquia são incentivadas no
Chipre do Norte, fazendo com que muitos turcos sigam da Turquia
para o Chipre para um final de semana de jogos de azar e prostituição.
Talvez tenha sido a maneira que encontraram para incentivar o turismo
e movimentar a economia.

O oeste do Chipre do Norte tem uma paisagem um pouco diferente,


ligeiramente menos árida e com grandes plantações de cítricos. Há
muitas igrejas, como a de São Mamas, mas a grande atração da região
de Morphou (fundada pelos espartanos) é Soli, com um teatro romano,
e mosaicos de uma antiga basílica onde dizem que São Marcos foi
batizado. Isto sem contar a bela costa e pequenos restaurantes na beira
do mar.

PORTO DE GIRNE

95
A família do Rif fazia com que eu me sentisse em casa. Extremamente
hospitaleiros, já estava amigo até do vizinho, que produzia pães frescos
para toda a vila no seu forno artesanal. Depois de viajar por boa
parte do norte da ilha chegou a hora de conhecer a capital, Nicósia,
e atravessar para o sul, na República do Chipre. Nicósia tem muros
em forma de estrela, construídos pelos venezianos, além de grandes
portões de acesso.

Em todo norte da ilha, observei muitas bandeiras da RT de Chipre do


Norte ao lado de bandeiras turcas, e o mesmo acontece em Nicósia.
Na capital, os mastros são mais altos e as bandeiras, maiores, quem
sabe para que os cipriotas gregos possam observar da porção sul da
ilha. A cidade é dividida por um grande muro, com um ponto por onde
é possível atravessar depois dos devidos controles de passaporte.
Antigamente este trâmite era bem mais complicado, mas desde a entrada
da República do Chipre (sul) na União Europeia, estão facilitando tudo.
Mesmo os cipriotas turcos ganharam o direito de entrar na porção sul
da ilha e até de trabalhar lá. Quem consegue provar a origem cipriota
pode tirar até o tão sonhado passaporte da União Europeia. O grande
problema agora está com os turcos, que foram relocados para o Chipre
do Norte.

Eles não podem passar para o sul e são acusados de ser o motivo de
o Chipre estar dividido. A questão é um pouco mais complicada. No
último referendo, os próprios cipriotas gregos não aceitaram que a
ilha se reunificasse, enquanto os cipriotas turcos foram favoráveis. Os
cipriotas gregos querem a expulsão dos turcos, que não têm ligação
histórica com a ilha. A questão é que os primeiros imigrantes turcos,
que chegaram há mais de quarenta anos, já têm netos na ilha (ou até
bisnetos). Esta primeira e a segunda geração de turcos nascidos na ilha
têm uma identidade com o local, e não têm nenhuma relação direta
com a Turquia. Sem falar que turcos casaram com cipriotas turcas,
ficando cada vez mais difícil de rastrear as origens. Meu amigo Rif,
nascido no Chipre há mais de trinta anos, faz parte deste que talvez
seja o maior problema de uma possível reunificação.

Ao sul de Nicósia, é possível observar as bandeiras da República do


Chipre ao lado das da Grécia. Interessante, mas até assustador, “etnias”
serem representadas por nações. Esta região me pareceu bem mais

96
moderna e menos interessante. Claro que valeu a pena conhecer e
me perder pelas pequenas ruas, ver todas as ativas igrejas e cafés,
tudo pareceu muito animado, cara de festa, principalmente próximo à
Avenida Macarius, área descolada da cidade. Cada uma tem seu estilo,
mas não adianta, gostei mesmo da parte norte de Nicósia, com um
belo caravançarai (Buyuk Han – O grande inn), os banhos turcos, a
imponente mesquita Selimiye, além das casas Samanbace do período
otomano. Até a região da moda, Dereboyu, me pareceu mais autêntica
que Macarius.

Apesar de a situação ser aparentemente mais simples que em muitos


outros “países que não existem”, a divisão do Chipre não parece que se
resolverá logo, principalmente por causa dos turcos que nasceram e
vivem lá há tanto tempo. Os cipriotas gregos poderiam facilitar e ceder
um pouco, mas há muito ressentimento e desconfiança dos dois lados.
Questões jurídicas sobre quem são os donos das terras e propriedades
abandonadas na época da invasão também influenciam bastante.
Muitos esperavam que, no futuro, quando a Turquia realmente pusesse
todas suas fichas para entrar na União Europeia, esta questão fosse
resolvida. Hoje, mesmo sendo parte da OTAN, o atual governo tem
adotado medidas que afastam a possibilidade. Quem sabe um dia eles
entrem em um acordo e o Chipre volte a ser um só país.

NICÓSIA, A ÚLTIMA CAPITAL DIVIDIDA DO MUNDO

97
O que fazer por lá?

Girne: porto e castelo de Girne, cafés ao ar livre, vista da


Igreja St. Andrew, Castelo St. Hilarion

Cidade murada de Famagusta, mesquita Lala Mustafa Pasha,


pegar praia com cidade fantasma de Varosha ao fundo, ruínas
da cidade grega de Salamis

Península Karpaz: praias desertas, Monastério Apostolo


Andreas, Castelo Kantara, Basílica Ayios, Igreja Panagia
Kanakaria

Parque nacional Karpaz e seus burricos selvagens; cabo Zafer;


Monastério Bellapais

Morphou: ruínas da cidade grega de Soli, com anfiteatro e


mosaicos impressionantes; Igreja St. Mamas

Nicósia - cidade murada de Nicósia e seus portões,


caravançarai Great In, arquitetura do bairro Samambahce,
mesquita Selimiye, Buyuk Hamam (banho turco com mais de
500 anos), coluna Veneziana, Bandabulya Bazar

Nicósia é uma cidade dividida, e é necessário passar pela


imigração.

98
PRAIA DOURADA, NA PENÍNSULA DE KARPAZ 99
ESTADO DA PALESTINA
(AUTORIDADE PALESTINA)

100
100
101
JERUSALÉM ORIENTAL (AL-QUDS)
RECONHECIMENTO: IDIOMA:
138 estados-membros da ONU árabe

FORMA DE GOVERNO: DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:


república parlamentarista, 15 de novembro de 1988
de facto semipresidencialista
DISPUTA TERRITORIAL:
POPULAÇÃO APROX: Israel
4.550.368 além de
5.000.000 de refugiados ALIADO:
países árabes
MOEDAS:
shekel, dinar
Estado observador na ONU
e membro UNESCO

OLIMPÍADA
Rio 2016

102
102
TAMANHO APROXIMADO:
6.239 km2

103
Visto e fronteiras

Brasileiros não precisam de visto para entrar na Palestina, no entanto


as fronteiras da Cisjordânia são controladas por Israel. As fronteiras de
Gaza normalmente estão fechadas, tanto do lado de Israel como do
Egito. Também existe um bloqueio naval que impede que se chegue
por mar.
PASSAPORTE PALESTINO

104
Uma história sem fim?

Foi na Mesopotâmia, atual Iraque, que a civilização floresceu. Nossos


antepassados, coletores e caçadores, acharam terras férteis e passaram
a plantar e criar animais, deixando de ser nômades. Com a facilidade
de alimentação, as populações foram aumentando e se espalharam por
todo o Oriente Médio. Algumas das cidades mais antigas continuamente
habitadas estão lá: Damasco (atual Síria) e Jericó (atual Palestina).
Arqueólogos encontraram evidências de que a região era habitada há
pelo menos 10 mil anos. É muito tempo. Muitas civilizações passaram
por ali, religiões e culturas. Em disputas atuais, cada um tenta montar
a sua história. Poderia citar fatos históricos, dados e números, mas a
disputa Israel x Palestina já é bastante polarizada. Quem se interessar
pode buscar dados, fatos e números em diversos livros disponíveis sobre
a história mais antiga, sendo que sempre haverá certa parcialidade para
um lado ou outro.

Falando um pouco sobre a história mais recente, desde o final da


Primeira Guerra a Inglaterra dominava a região, depois de vencer
os otomanos. A região foi prometida tanto para árabes quanto para
judeus, em diferentes acordos. Após a Segunda Guerra Mundial, na
tentativa de achar uma solução para esta disputa, as Nações Unidas
votaram uma proposta de partilha. Apesar de insatisfeitos, o plano foi
aceito pelos judeus, porém foi negado pelos árabes, que se sentiram
muito prejudicados. Tendo respaldo histórico ou não, o fato é que
Israel proclamou a sua independência em 1948, teve suas fronteiras
definidas e foi aceito pela comunidade internacional. A independência
da Palestina não foi proclamada, pois buscavam a soberania sobre
toda a região. Milhares de palestinos fugiram do território onde hoje
é Israel para os países vizinhos, sem direito de retorno. Os que ficaram
acabaram sendo aceitos como cidadãos israelenses, apesar de não
serem judeus.

105
Houve outra guerra em meados de 1967, e os israelenses foram
vitoriosos novamente. Ocuparam mais áreas palestinas, mas desta
vez foram condenados pela comunidade internacional, porque as
fronteiras já estavam definidas. O Conselho de Segurança da ONU
aprovou, por unanimidade, a Resolução 242, que reconhece o direito
de Israel à existência e à segurança e determina a retirada israelense
dos territórios ocupados na “Guerra dos Seis Dias”.

Pode ser surpresa para muitos, mas ao visitar a cidade velha de


Jerusalém, segundo a lei internacional, você estará em território
palestino, já que Jerusalém Oriental é a capital do Estado Palestino e
só foi ocupada em 1967.

Eu e minha esposa, Bianca, chegamos à Palestina vindos da Jordânia.


Atravessamos a ponte Rei Hussein/Alenby e, após o controle de
imigração, já estávamos na Cisjordânia, que representa a maior parte
do Estado Palestino, também constituído pela Faixa de Gaza, que fica
do outro lado de Israel. O controle de passaportes não é feito por
palestinos, e sim por israelenses. Apesar do amplo reconhecimento do
Estado Palestino, suas fronteiras ainda são controladas por israelenses.
Foi um momento tenso, eu havia viajado por diversos países que não
reconhecem Israel como Estado, e temia que pudessem negar a minha
entrada. Fomos sinceros, inclusive pedindo para não carimbarem o
nosso passaporte (pretendíamos ir para a Síria e o Líbano depois) e
a jovem oficial nos atendeu com um sorriso, apenas fazendo algumas
perguntas.

Infelizmente a simpatia terminou por ali. Pegamos uma van que foi
parada algumas vezes pelo exército israelense. Na primeira delas,
Bianca demorou a encontrar o seu passaporte e apontaram uma
metralhadora para a cara dela. As principais estradas que cortam a
Cisjordânia têm acesso restrito ou até proibido para os palestinos, que
precisam usar as estradas secundárias.

Para estrangeiros não é tão difícil chegar até Jericó, uma cidade que
basicamente vive do turismo. Sendo uma das cidades mais antigas do
mundo, não faltam sítios arqueológicos para visitar. Mas nenhuma
passagem por Jericó está completa sem subir ao Monte das Tentações
para refletir e apreciar a vista do Monastério Ortodoxo que há no local.

106
Jerusalém Oriental está somente a 30 quilômetros dali, mas é um
universo à parte. Para Israel, Jerusalém é indivisível, apesar de esta
afirmação ir contra um acordo firmado no fim da guerra de independência.
A verdade é que ao viajar por Jerusalém Oriental, você estará em Israel,
pelo menos na prática. Passamos vários dias por ali, aproveitando com
calma. A cidade é sagrada para o Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, e
possui centenas de lugares para se conhecer. Fizemos muitos amigos
e, como estávamos com tempo, nos dávamos ao luxo de tomar café da
manhã por horas, conversando sobre os mais diversos assuntos com
outros viajantes. A cidade velha é dividida entre os bairros judeu, árabe,
cristão e armênio. Lugar incrível, mas apesar da forte presença árabe
não é uma experiência muito palestina.

REPÚBLICA.... REPÚBLICA....

POSTO DE IMIGRAÇÃO ENTRE ISRAEL E PALESTINA

107
Provavelmente o lugar mais visitado na Palestina é Belém, local de
nascimento de Jesus. Milhares de pessoas vão para lá todo ano, a
maioria fazendo parte de grupos de turismo religioso. Depois de viajar
por Israel, fomos para a Palestina em companhia dos meus pais e da
minha sogra, que foram nos visitar. Estávamos no meio de uma viagem
de volta ao mundo, então foi muito bom poder reencontrá-los para
matar a saudade.

Quando viajamos em grupos maiores, a questão do transporte fica


mais fácil, pois não é preciso esperar os táxis coletivos lotarem. Desta
forma seguimos sentido Belém, mas depois de poucos quilômetros
encontramos uma barreira. E não é qualquer barreira. Um muro que chega
a oito metros de altura em alguns pontos e tem quase 800 quilômetros
de comprimento. Segundo o governo de Israel, o muro foi criado para
MONASTÉRIO DE SANTA CATARINA

108
proteger o país de ataques terroristas, no entanto ele não respeita as
fronteiras internacionais e isola quase meio milhão de pessoas. O muro
foi considerado ilegal pelo Tribunal Internacional de Haia.

O muro visa proteger não somente os moradores de Israel, mas também os


colonos judeus que moram em assentamentos judaicos na Cisjordânia. Muito
triste pensar que não pode haver coexistência, um estado multicultural.
Judeus e muçulmanos tiveram uma convivência pacífica durante séculos,
seja na Andaluzia, sul da Espanha, ou nos países árabes. Os judeus sempre
tiveram posições privilegiadas nas sociedades muçulmanas. Talvez por este
motivo tenham decidido fugir junto com os mouros quando estes foram
expulsos da Europa. Preferiam estar sob a jurisdição islâmica que da cristã.
No Oriente Médio não foi diferente, e os judeus só passaram a voltar para
Jerusalém depois da conquista islâmica feita pelo califa Omar.

Hoje se associa muito as disputas da região a guerras religiosas, mas na


verdade são políticas. O próprio califa Omar, quando conquistou Jerusalém,
foi conhecer a Igreja do Santo Sepulcro. Ele se negou a rezar lá com medo
de que fiéis transformassem a igreja em mesquita. Rezou do lado de fora,
onde ergueram uma mesquita em seu nome. Quem se aprofundar sobre
as Cruzadas, as ditas guerras santas, vai se surpreender ao descobrir que
muitos cristãos da região preferiam o domínio árabe ao europeu.

O controle de passaporte para atravessar o muro não é nada agradável.


Visivelmente não gostam de turistas por ali. Claro que é uma região
tensa, onde existem atentados e qualquer descuido pode ser fatal, mas
seguir pelos corredores cheios de grades e arame farpado, e ser tratado
como se fosse culpado de alguma coisa, não é a melhor das experiências.
Se não é fácil para um estrangeiro, imagine para os poucos palestinos
que conseguem autorização para atravessar a barreira.

Para quem quer se aprofundar um pouco na situação, uma boa opção é


o “Breaking the Silence” (http://www.breakingthesilence.org.il/), uma visita
guiada por ex-soldados israelenses que contam a sua experiência por lá.

O turismo movimenta muito a economia de Belém. Viajantes de todos


os estilos e nacionalidades, muitos de idade avançada, conhecem
diversos locais históricos e sagrados. Nos arredores de Belém também
há lugares interessantes, como o calmo campo dos pastores e o
cênico monastério de Santa Catarina, no meio de um cânion. A calma
destes lugares contrasta com o movimento do centro, tendo seu

109
ápice na Igreja da Natividade, onde centenas de peregrinos russos se
misturam a multidões de outras nacionalidades. Belém é o centro do
cristianismo na Palestina. Cristãos árabes já chegaram a ser 10% da
população palestina, mas assim como ocorre em Israel, têm diminuído
consideravelmente nos últimos anos. Hoje a luta pelo Estado Palestino
muitas vezes é associada ao Islamismo, mas cristãos palestinos sempre
estiveram na vanguarda da luta pela independência. Outro fato que
pode surpreender a muitos é que as prefeitas de Belém e Ramallah,
além de mulheres, são cristãs.

É impressionante a diferença da economia e da infraestrutura dos dois


lados do muro. Os palestinos têm uma vida muito difícil e sem muitas
perspectivas. Se a situação não é das melhores na Cisjordânia, eu ficava
imaginando como seria em Gaza. Aliás, aí está um grande problema
para o Estado Palestino. Não existe um governo central. Enquanto a
Autoridade Palestina governa a Cisjordânia, o Hamas tomou o poder em
Gaza. Apesar de ser o mesmo povo, são duas situações completamente
diferentes. Os palestinos da Cisjordânia sempre moraram por ali, estão
nas terras dos seus ancestrais. Já grande parte dos que vivem em Gaza
moravam em território onde hoje é Israel. Acabaram se refugiando
numa faixa de terra de 10 km de largura por 50 km de comprimento.
REFUGIADOS PALESTINOS EM CHATILA, LÍBANO

110
Estão confinados, não podem sair nem por fronteiras terrestres nem
por mar, no que Banksy chamou de “a maior prisão a céu aberto de
todo o mundo”.
Por falar em Banksy, o grafiteiro ativista inglês tem algumas de suas
famosas pinturas no muro que separa Israel da Palestina. Não são
difíceis de encontrar, mas caso você não consiga sempre tem um garoto
disposto a mostrar o caminho por uns trocados.

Para uma experiência sem tantos turistas, uma viagem a Hebron pode
valer a pena. É uma cidade dividida entre palestinos e um assentamento
israelense, mas como estrangeiro você provavelmente poderá circular
entre as duas áreas, coisa que os locais não podem fazer.

Conversando com as pessoas é difícil não se comover. Há controles


na criação de indústrias, no direito de ir e vir e até na distribuição
de água. Pessoas simples, muito simpáticas, mas infelizmente sem
perspectivas de futuro. Difícil imaginar como seria um Estado Palestino
recebendo seus milhões de refugiados que moram em países vizinhos.
Os problemas só se agravariam. O interessante é que, apesar de eles
terem vínculos culturais com o povo dali, não têm vínculo com a terra,
pois seus antepassados viviam do outro lado do muro, onde hoje é

Israel. As mágoas das guerras,


dominação e atentados são muito

PINTURA “PALESTINA LIVRE” NO MURO QUE DIVIDE OS DOIS PAÍSES


grandes dos dois lados, o que
praticamente inviabiliza um Estado
único, uma pena. Mas se o ótimo
é inimigo do bom, que o Estado
Palestino possa prosperar para
uma independência completa e, por
que não, ser um grande parceiro de
Israel no futuro? Não custa sonhar,
mas para dar o primeiro passo nada
mais simples que cumprir as leis
internacionais.

111
O que fazer por lá?

Jerusalém Oriental: Monte das Oliveiras, cidade velha

Belém: Igreja da Natividade, Mesquita Omar, Beit Sahour


(Campo dos pastores), Monastério de Santa Catarina,
Túmulo de Raquel, piscinas de Salomão

Betânia - Igreja Franciscana da Custódia

Muro da vergonha - grafite Banksy

Jericó: uma das cidades mais antigas do mundo; monte das


tentações, mosteiro da Quarentena

Hebron - Túmulo dos Patriarcas

Mar Morto

Beber: chá e café

Comer: falafel, musakhan, mansaf

112
CÂNION WADI QELT, JERICÓ 113
REPÚBLICA DA
ABECÁSIA

114
114
115
TEATRO DE DRAMA, SUKHUMI
RECONHECIMENTO: IDIOMAS:
4 estados-membros da ONU abecaso e russo
(Rússia, Nicarágua, Venezuela
e Nauru) e 3 não membros
(Transnístria, Ossétia do Sul,
Nagorno-Karabakh)
DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:
FORMA DE GOVERNO: 12 de outubro de 1999
república
semipresidencialista

POPULAÇÃO APROX: TURISMO


242.862 além de Quase 1 milhão de turistas
diáspora de abecasos e anuais
refugiados georgianos

MOEDAS:
DISPUTA TERRITORIAL:
rublo russo e aspar da
Geórgia
Abecásia (não muito
utilizado)

ALIADO:
Rússia

116
116
TA
M
AN
HO
AP
RO
XI
M
AD
O:
8.6
60
km 2

117
Visto e fronteiras

Para viajar para a Abecásia, brasileiros precisam de uma autorização de


entrada, fornecida através dos e-mails midraconsul@mail.ru e visa@
mfaapsny.org. Normalmente demora cinco dias para ficar pronto. Com
cópias em mãos, pode-se atravessar a fronteira com a Geórgia, em
Inguri, próximo a Zugdidi ou vindo de Soshi, Rússia.

Importante salientar que atravessar a fronteira com a Rússia é


considerado ilegal para a Geórgia. Se você entrar pela Rússia tem que
voltar e sair pela Rússia. Não se pode continuar e seguir viagem para
a Geórgia. Você poderá ser barrado, ou pior, ser preso e processado.
Qualquer evidência no passaporte de visita à Abecásia pela Rússia
implica no mesmo problema.

Entrar na Abecásia vindo da Geórgia e saindo para a Rússia é possível,


desde que nunca mais se tenha pretensões de visitar a Geórgia.

Ao chegar a Sukhumi, capital da Abecásia, é preciso levar a cópia da


autorização de entrada para o Ministério das Relações Exteriores, onde
fornecem o visto. O novo endereço do Ministério fica na Sakharova
Str. 33, em frente ao restaurante “Maestro”. O visto funciona como
autorização de saída. É possível levar de recordação, só esconda bem
para que as autoridades da Geórgia não o encontrem.
VISTO DA ABECÁSIA

118
Resort russo

Sob o ponto de vista etnolinguístico, a Abecásia é mais relacionada com os


povos do norte do Cáucaso (sul da Rússia), mas historicamente é ligada à
Geórgia e a toda a região transcaucasiana. A Abecásia fazia parte do Reino
Colchian no primeiro milênio A.C, após o Império Romano do Oriente, até
o século 8. Depois de se libertar dos bizantinos, constituiu o reino da
Abecásia, ao oeste da Geórgia. Muitos georgianos étnicos foram integrados
ao novo reinado. Havia inclusive uma forte vontade de unir forças com o
reino da Geórgia, sendo que a própria igreja da Abecásia deixou de ser
ligada ao patriarcado de Constantinopla para se filiar à Igreja Georgiana.

A Geórgia representava o poder político e cultural na região, mas com


a desintegração da Geórgia feudal, a Abecásia se manteve como um
principado independente até ser conquistada pelo Império Otomano
no século 16. Conseguiu manter certa independência e teve incontáveis
revoltas contra o controle otomano. Muitos abecasos acabaram se
convertendo ao islamismo nesta época.

Os líderes da Abecásia chegaram a pedir ajuda ao então poderoso Império


Russo, que atendeu prontamente, mas não demorou muito para acabar
com o status de protetorado e anexar o território. Uma grande revolta
em 1866 foi esmagada pelos russos, causando a morte e êxodo de cerca
de 40% da população local. O governo russo criou incentivos e supriu o
déficit populacional com russos, ucranianos, armênios e gregos, além de
um grande número de georgianos.

Muito tempo depois, após a Revolução Russa, a Abecásia passou a ser uma
república autônoma, mas devido a sua postura muito nacionalista, acabou
sendo incorporada à República Socialista Soviética da Geórgia. Novo
incentivo de migração para georgianos, a fim de diminuir o nacionalismo
local. Não demorou muito para as línguas abecaso e russo serem
substituídas pelo georgiano. Conflitos étnicos se tornaram mais comuns e
a segregação só aumentava.

119
A Geórgia proclamou independência da URSS, mas a Abecásia não seguiu
junto. Proclamou sua própria independência com a ajuda da Rússia e
soldados do norte do Cáucaso, tomando conta de quase todo o território
até 1994. Novos conflitos e tentativas de limpeza étnica aconteceram ao
longo da década mas, em 2008, impulsionado pela guerra da Ossétia do
Sul com a Geórgia, o movimento separatista se reacendeu e expulsou
os poucos soldados georgianos que ainda permaneciam no território da
Abecásia, basicamente no vale do Kodori.

Em 2010, em uma viagem para a Turquia, um pequeno protesto me chamou


atenção. Algumas dezenas de pessoas carregavam bandeiras com listras
vermelhas e verdes com o desenho de uma palma da mão aberta. Perguntei
sobre o que era, e alguém comentou que se tratava de um protesto de
uma minoria étnica. Fiquei sabendo pela primeira vez sobre o Muhayir, o
êxodo dos abecasos de seu país. Despertou-me muita curiosidade, e anos
mais tarde eu estava bastante ansioso quando cheguei a Zugdidi, leste
da Geórgia. Eu vinha de duas noites (mal) dormidas nos trens precários
e lentos da região. A primeira de Baku (capital do Azerbaijão) para Tbilisi
(capital da Geórgia) e a segunda de Tbilisi para Zugdidi, único ponto de
partida legal (para o governo georgiano) para entrar na Abecásia.

Desta vez eu não estava viajando sozinho,


mas com um amigo, Marcelo, companheiro
de uma viagem para o Haiti anos antes,
que topou o desafio. Chegamos quando
o dia ainda não havia amanhecido e
buscamos transporte até a “fronteira”.
Fronteira na prática, pois na teoria a Geórgia
COM O SIMPÁTICO E NACIONALISTA DONO DO HOTEL

considera a Abecásia como parte do seu


território. Próximo ao rio Ingur, havia um
pequeno posto de controle da Geórgia e
quase passamos despercebidos, mas nos
chamaram e somente anotaram o número
dos nossos passaportes. Carroças faziam
o transporte até o outro lado, mas fomos
caminhando pela pequena estrada e depois
por uma longa ponte, onde lá no fundo já era
possível avistar uma bandeira da República
da Abecásia, além de barreiras do exército.

120
Meia-dúzia de pessoas formavam uma fila, alguns encostados na pequena
guarita enferrujada ao lado de uma cancela fechada com cadeado. O
escritório de imigração ainda não tinha aberto e tivemos que esperar um
bom tempo por ali, só fantasiando como seria do outro lado. Quando
liberados, andamos pelos corredores de grade e arame farpado até o
controle de passaporte em si. Na nossa vez, entregamos a autorização
de entrada e o oficial perguntou em um inglês sofrível sobre detalhes
da nossa viagem. Ele falava alto, quase gritando, como se desta forma
fôssemos entender melhor. Eu tinha anotado uns nomes de hotéis, mas
o que mencionei não ficava bem no centro da cidade, então ele fez mais
perguntas, pois a resposta não havia sido muito precisa, mas deve ter
percebido que éramos simples viajantes e nos liberou. Imigração feita,
fomos negociar um transporte.

Na fronteira existem duas possibilidades de transporte: um táxi direto para


Sukhumi, capital da Abecásia, ou lotação até Gali, não muito longe dali,
onde é possível pegar outra até Sukhumi. Negociamos um bom valor com
um taxista e conseguimos outros passageiros para dividir o carro, desta
forma o preço não ficou muito mais alto do que se fizéssemos a viagem
em etapas. Já tínhamos um pouco de rublos russos, moeda utilizada lá, o
que facilitou bastante, pois se não existe nenhum comércio na fronteira,
imagine uma casa de câmbio. A Abecásia tem sua própria moeda, o apsar,
mas é basicamente figurativo, o rublo é a moeda corrente.

Fomos percorrendo a estrada. Parecia que entrávamos em um filme


pós-guerra. Tudo abandonado, casas destruídas, já sendo tomadas pela
vegetação. Marcas fortes de destruição, como se o cheiro de morte e do
ódio ainda estivessem no ar. Fora as ruínas ao longo da estrada, pouca coisa
lembrava que alguém já vivera ali. Por outro lado, o cinza dos destroços
quase que desaparecia com tanto verde ao redor, isso para não falar das
belas montanhas no horizonte. Muito poucas pessoas, uma região rural
quase esquecida no tempo. Vacas, muitas delas, pastando nos campos, mas
também passeando no meio da estrada, que quase não tem movimento.
Esta é a região onde a maioria dos georgianos morava, mas foram expulsos
em diversas guerras até serem massacrados numa tentativa de limpeza
étnica. Os que sobreviveram fugiram para o outro lado do rio Ingur ou
atravessaram as montanhas.

121
Entramos em Sukhumi, e depois de deixar um passageiro pedimos
ao taxista para nos levar direto ao controle de imigração. Tínhamos
autorização de entrada, com datas específicas inclusive, mas precisávamos
ir até o Ministério de Relações Exteriores para fazer o registro e tirar o
visto propriamente dito. Quando o motorista entendeu aonde queríamos
ir, hesitou um pouco. Fez uns telefonemas, perguntou na rua e nos levou
para um prédio do governo. Gesticulava e dizia “Niet, Niet” (não, em russo).
Depois ficamos sabendo que era feriado regional, portanto todos os
órgãos públicos estavam fechados. Estávamos numa região bem central
e decidimos ir caminhando mesmo. Passamos por parques e praças muito
arborizados, mas sem uma viva alma. Logo chegamos ao Teatro de Drama,
na parte principal do calçadão, à beira do Mar Negro.

Cafés descolados, hotéis, lojas com camisetas, bonés e até imãs de


geladeira com a bandeira da Abecásia, além de outras quinquilharias que
turistas gostam. Era como se existisse um universo paralelo. Claro que
tínhamos passado por um ou outro prédio com buracos de bala, mas a
realidade ali é outra. Um lugar preparado e acostumado a receber turistas.
Não são turistas de diferentes nacionalidades, mas são muitos. Todos eles
russos. A fronteira com a Rússia não é muito longe dali, são somente 140
km seguindo por uma bonita estrada litorânea. A primeira cidade do lado
russo é Sochi, famosa por ter sido sede dos Jogos Olímpicos de Inverno,
em 2014.
ANTIGA ESTAÇÃO DE TREM

122
MONASTÉRIO DE NOVI AFON
Tinham me indicado algumas “goztinitza”, pequenas pousadas ou casas
que alugam quartos. Para nossa surpresa, estavam todas lotadas. Uma
que estava disponível só queria alugar para longos períodos. Muito
solícitos, tentavam ligar para conhecidos tentando achar uma vaga para
nós. Foi quando um turco-abecaso, que falava um pouco de inglês, se
aproximou para ajudar. Recomendou-nos um antigo hotel soviético. Disse
que estavam reformando, ainda estava em péssimo estado, mas o preço
era bom. Fomos caminhando e batendo papo na direção deste hotel. Nós
nos despedimos quando ele chegou perto da sua casa, e meio que por
acaso, achamos uma pousada muito boa, ainda em construção também. O
preço não era dos melhores, mas negociamos um pouco e nos deixamos
convencer pelo proprietário, gente finíssima. Ele falava inglês, seria uma
ótima fonte de informações, o lugar era incrível, com um supercafé da
manhã. Nosso cansaço e as poucas noites que ficaríamos lá com certeza
também ajudaram na decisão.

No extremo norte da cidade fica a antiga estação de trem. Quase em


frente há um pátio que funciona como uma “rodoviária” informal. É de lá
que partem ônibus e marshrutkas (lotações) de longa distância. Não existe
transporte regular, com hora marcada, então sempre é preciso esperar
um pouco até chegarem passageiros suficientes. A estrada seguiu subindo
algumas colinas e depois beirando a praia, com vistas muito bonitas.

123
Avisávamos constantemente aos passageiros onde queríamos descer, para
ter certeza que o motorista não se esqueceria de parar no local combinado.
Uma distração e poderíamos parar na Rússia. Descemos em Novy Afon,
um lugar muito movimentado, principalmente perto da calmaria que havia
em Sukhumi em um feriado ensolarado. Estava cheio de turistas russos,
viajando de forma independente ou em grandes grupos. Estavam por
todos os lados, indo para as praias com boias infantis, nos restaurantes
ou buscando os passeios da região. São muitas opções, como cavernas,
lagos, cachoeira, cânion, o antigo forte Anacopia em uma montanha e o
imponente Monastério Novi Afon, que pode ser avistado de longe, como
se ocupasse seu espaço entre as árvores no meio da montanha. Região
muito bonita, onde os moradores tentam aproveitar o fluxo de turistas
e peregrinos para ganhar a vida. Muitas barraquinhas, com uma grande
variedade de produtos, no caminho que leva até o belo monastério. Os
vendedores não são nem um pouco insistentes, mas sempre apresentam
os suas mercadorias tentando fazer negócio.
VISTA DA COSTA DA ABECÁSIA

124
PRAIAS COM WI-FI PARA TURISTAS RUSSOS
As montanhas verdes atrás e os jardins floridos na frente deixavam os
arredores do monastério ainda mais bonito. Já havíamos ouvido falar
bem, mas mesmo assim nos surpreendeu bastante pela beleza (interior
e exterior) e grandiosidade do lugar. Muito conservadores, na entrada
distribuíam lenços para as mulheres cobrirem a cabeça e aventais, caso
alguém estivesse de bermuda.

A praia mais famosa, Gagra, não fica muito longe. Mas com o grande fluxo
de turistas, depois de passar por um parque e um memorial, resolvemos
pegar praia ali na frente mesmo. Tanto os locais quanto as centenas de
turistas pareciam pouco se importar se a República da Abecásia tem ou não
reconhecimento expressivo. A vida segue normalmente.

Perguntando sobre transporte, e cansados de esperar um ônibus de volta,


ficamos muito contentes quando um micro-ônibus de excursão russa nos
deu carona. Tentando entreter os turistas, o motorista falava sem parar no
microfone, provavelmente contando histórias do lugar e fazendo piadas,
pois o pessoal não parava de dar risada. Foi uma experiência no mínimo
interessante, e os viajantes do Brasil viraram os mascotes da turma.

125
Pudemos aproveitar Sukhumi após o feriado, quando o dia a dia voltou
ao normal. Caminhamos pelo longo calçadão à beira-mar, conhecemos
o jardim botânico, exploramos praças, monumentos, mercadinhos e até
fizemos degustação de vinhos. Num lugar acostumado a só receber turistas
russos, não foi novidade termos problemas para pedir comida. Cansados
de tentar que nos entendessem, depois de falar inglês, português e até
a clássica mímica de imitar galinha, a solução foi olhar para as mesas ao
lado, escolher o prato mais bonito e apontar dizendo, quero este! Até que
dava certo.

Conversei longamente com o dono do hotel em que ficamos. Perguntava


sobre o não reconhecimento internacional da Abecásia, e ele dava de
ombros. Na verdade nós só precisamos da Rússia, discursava. “O Ocidente
acha que precisamos do reconhecimento deles, mas não precisamos, não
estamos nem aí. Nossa vida não mudaria nada (…) os impérios americano
e europeu estão em declínio, esta crise mundial só confirma isto (…)
enquanto a Rússia só se fortalece…” A exaltação russa era grande, assim
como é a dependência da Abecásia do vizinho do norte. Sendo bastante
provocativo, questionei por que a Rússia não anexava a Abecásia de uma
vez. Ele disse que a soberania era respeitada.

Mais tarde eu soube que todos os abecasos puderam tirar passaportes


russos, bastava mostrar os antigos passaportes soviéticos. Aliás, muito
interessante que puderam usar os passaportes da URSS até 2011!
Praticamente todos têm dois passaportes, e alguns têm dupla cidadania.
Mesmo os que não têm o passaporte russo podem viajar tranquilamente
para a Rússia apenas com o passaporte abecaso. Só não podem ir para
países que não reconheçam a Abecásia.
MAIS MERCEDES DO QUE LADAS

126
Tínhamos notado alguns carros modernos e caros nas ruas, muitos deles
em alta velocidade e cantando pneus. Nosso amigo turco-abecaso disse
que algumas famílias controlavam tudo por ali. Talvez por causa disto
aconteceram tantos protestos nas ruas meses antes, em abril de 2014.

Quando fomos tentar tirar o visto no prédio que tinham nos indicado,
ficamos sabendo que o escritório havia mudado de lugar. Fomos
caminhando, tentando achar as direções, mas em certo momento ficamos
meio indecisos. A saída seria perguntar na rua para saber se estávamos
no caminho certo, e na nossa primeira tentativa, um senhor nos colocou
no carro e foi até a porta do Ministério de Relações Exteriores. Entramos.
Sem fila alguma, logo fomos atendidos. Um senhor falou brincando “não,
não é permitido voltar para a Geórgia”, mas riu antes de nos assustarmos.
Pagamos pelo nosso visto e fomos embora. Simples assim.

PROMENADE EM SUKHUMI

127
No caminho de volta para a Geórgia, resolvemos fazer o trajeto em etapas,
utilizando as lotações, já que não encontramos ninguém para dividir um
táxi conosco. Uma longa fila na fronteira, onde eu só mostrei o visto de
saída, mas o Marcelo foi chamado para entrevista. Queriam saber aonde
tínhamos ido, o que fomos fazer lá, se tínhamos conhecidos na região, mas
no final das contas nada de mais. Tenso mesmo foi quando já tínhamos
saído da última barreira e resolvemos tirar uma foto. Um banco velho de
carro, posicionado estrategicamente para as pessoas esperarem a cancela
abrir, com a placa de “República da Abecásia” ao fundo, parecia fotogênico.
O guarda não gostou! Chamou outro soldado que falava um pouco de
inglês e recolheram nossos passaportes. Até achei que teríamos que
pagar alguma coisa para sermos liberados, mas não. Quiseram ver as fotos
da máquina que estávamos usando e pediram para apagarmos algumas.
Falavam “you journalist?!” e nós no “niet, sorry, tourist”. Imploramos
perdão por uns minutos e eles nos liberaram provavelmente pensando
“turistas estúpidos, por que tirar foto na fronteira?!”.

Seguimos pela ponte, passamos um posto de controle até a “imigração”


da Geórgia. O oficial só verificou o nosso passaporte (provavelmente para
ver se não vínhamos da Rússia, o que é proibido) e nos liberou. Pegamos
outra lotação e logo me despedi do Marcelo. Ele iria para a capital, Tbilisi,
encontrar amigos, e eu seguiria para a região de Svaneti, nas montanhas,
com a certeza de que a Abecásia existe!
JARDIM BOTÂNICO

128
RUAS DE SUKHUMI

129
O que fazer por lá?

Sukhumi - passear no calçadão à beira do mar negro e tomar


um café ao ar livre; jardim botânico, degustação de vinho,
teatro, Parlamento

Praia em Gagra

Igreja de Novi Afon

Ruínas da antiga capital Anakopia, século 8

Caverna do St. Simão Zelote

Montanhas

Igrejas históricas das vilas de Lykhny e Kaman

Ecoturismo

Pskhu - vila tradicional nas montanhas

Lago Msui

Lago Ritsa

Beber: vinho local

Comer: abista (mingau com queijo) ou qualquer prato no


cardápio, já que você não vai entender mesmo; na dúvida,
sempre servem shashilik (espetinho)

130
BANDEIRA DA ABECÁSIA COM O MONASTÉRIO NOVI AFON AO FUNDO 131
REPÚBLICA DE
NAGORNO-KARABAKH

132
132
133
MONASTÉRIO GANDZASAR
RECONHECIMENTO: IDIOMA:
3 estados não membros da ONU. armênio
Abecásia, Ossétia do Sul
e Transnístria.
DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:
FORMA DE GOVERNO: 6 de janeiro de 1992
república parlamentarista

DISPUTA TERRITORIAL:
POPULAÇÃO APROX: Azerbaijão
150.000 além de 50
mil refugiados.

MOEDA: ALIADOS:
dram armênio Armênia, Rússia.

134
134
135
2
0 0 km
: 4.4
ADO
XIM
PRO
OA
ANH
TAM
Visto e fronteiras

Brasileiros não precisam de visto ou autorização para entrar em


Nagorno-Karabakh, mas quando chegam à capital, Stepanakert,
precisam providenciar o visto no Ministério das Relações Exteriores.
Sem este visto não é autorizada a saída de Nagorno-Karabakh. Não
é possível entrar em Nagorno-Karabakh vindo do Azerbaijão, já que,
em teoria, ainda estão em guerra. O Azerbaijão considera a entrada
em Nagorno-Karabakh pela Armênia ilegal. Qualquer vestígio de ter
visitado esta república implica na negação do visto e impossibilidade de
visitar o Azerbaijão no futuro. O simples fato de postar fotos de uma
viagem por Nagorno-Karabakh nas redes sociais pode colocar o viajante
na lista negra do Azerbaijão.
VISTO NAGORNO-KARABAKH

136
Conflito congelado

Um conflito congelado. Esta talvez seja a melhor definição de Nagorno-


Karabakh. Muitos dizem que o início dos problemas foi quando Stalin
anexou a Transcáucaso à União Soviética e incorporou a região de
Nagorno-Karabakh, cuja maioria da população é armênia, à República
Socialista Soviética do Azerbaijão e não à República Socialista Soviética
da Armênia, no melhor estilo “dividir para conquistar”. Claro que isto pode
ter acendido um barril de pólvora, mas a afirmação é um pouco simplista.
Toda a região é uma espécie de encruzilhada, onde diversos impérios
disputaram o domínio e exerceram influência. Persas, russos e otomanos
influenciaram diretamente nas migrações que aconteceram ali. No início
do século 19, quando o Império Russo passou a dominar a região, muitos
azeris muçulmanos que moravam em Karabakh acabaram indo para a Pérsia
(atual Irã), e muitos cristãos armênios que moravam na Pérsia fizeram o
caminho inverso, aumentando a proporção de armênios em Karabakh.

De qualquer modo, com o colapso da URSS, a população local votou


pela separação do Azerbaijão. Inicialmente tentaram fazer parte da
Armênia, mas seria mais fácil serem reconhecidos como uma república
independente. A tentativa de limpeza étnica aconteceu dos dois lados.
Uma guerra seguiu por alguns anos, e as forças de Nagorno-Karabakh
tiveram apoio da Armênia e, indiretamente, da Rússia. O Azerbaijão
tinha apoio indireto da Turquia. No início de 1994, foi assinado o
Protocolo de Bishkek, um acordo de paz mediado pela Rússia.
MESQUITA EM AGDAM

137
Poucos dias antes da minha viagem para Nagorno-Karabakh, os ânimos
esquentaram por lá. Um helicóptero foi derrubado, atiradores faziam
mais vítimas que o normal na “linha de frente” e campos de refugiados
completavam 20 anos. Um pouco de estudo e vimos que a maior
parte da república era segura, só não poderíamos nos aproximar da
“fronteira” com o Azerbaijão, onde os conflitos estavam acontecendo.

Praticamente todos os 10 mil turistas estrangeiros que visitam Nagorno-


Karabakh todos os anos utilizam a “popular” rota Goris-Stepanakert,
através do “Corredor Lachin”, um passe pelas montanhas conquistado
pela Armênia para ter acesso à nova República. Eu estava viajando
com outros três amigos, Marcelo, Leo e Paulo, portanto foi bem fácil
suprir a dificuldade de transporte na região, arranjando um carro
para nos levar. Táxis comunitários são um transporte muito comum,
e em quatro pessoas teríamos um só para nós. Para evitar percorrer o
mesmo caminho duas vezes, utilizamos uma pequena estrada vinda do
norte e atravessamos o passe Sostk, no meio das montanhas. Nagorno
significa “montanha” em russo, Kara significa “negro” em turco e Bakh
significa “jardim” em persa, então com certeza valeria a pena o visual
da “montanha do jardim negro”.
NOVA ESTRADA PELO PASSE SOSTK

138
Devido às minhas pesquisas, já sabíamos da influência que a Armênia MONASTÉRIO DADIVANK
exercia na região, mas mesmo assim nos surpreendeu. Existe pouca
identidade karabakh, é mais como se fosse uma província armênia:
idioma, placas, povo. Talvez tenha faltado um pouco de contato com
karabakhs separatistas para ter uma ideia mais geral (com azeris já
tínhamos conversado). Nem mesmo controle de imigração havia
para entrar no país por esta estrada, se bem que não vimos nenhum
outro carro percorrendo este caminho, só máquinas trabalhando
para melhorar a estrada. Contornamos belas montanhas, seguimos
pequenos riachos e uma hora ou outra aparecia um amontoado de
casas, onde a população aparentava ter uma vida bem calma. Tanques
abandonados na beira da estrada e pequenos memoriais lembravam
um pouco da guerra não tão distante.

139
Fizemos uma parada mais longa em Dadivank, onde há um monastério
incrível, perdido no meio das montanhas, que foi construído entre os
séculos 9 e 13. Foi fundado pelo Santo Dadi, que está sepultado na
igreja principal. Existe um lento trabalho de restauração, mas parece
meio abandonado. De qualquer maneira foi uma grata surpresa.
MONASTÉRIO DADIVANK

Seguimos por mais algumas horas pela estrada de terra, viajando


por regiões remotas do norte de Nagorno-Karabakh (província de
Shahumian). Já estávamos exaustos quando chegamos a Vank, uma
das grandes atrações de Nagorno-Karabakh. Lá está o belo monastério
Gandzasar (significa tesouro da montanha), um dos mais sagrados do
país. Imponente, cheio de detalhes e belas figuras talhadas na pedra.
A igreja principal é em homenagem a São João Batista, e dizem existir
relíquias dele lá. Encontramos inclusive outros turistas estrangeiros.

No passado, um morador local tentou a sorte na Rússia e acabou


prosperando. Quer dizer, mais ou menos. Enriqueceu muito, mandou
dinheiro para a região, construiu um hotel de gosto duvidoso,
mas acabou sendo preso por se envolver com a máfia russa.
Independentemente de suas atividades ilegais, o fato de ter investido
na região e não ter esquecido o seu passado tornou-o um herói. Além

140
do hotel, restaurante e quase um “parque temático”, ele ajudou muito
na infraestrutura local. No meio de tantas coisas “boas” novamente é
possível observar marcas da guerra. Um longo muro coberto com as
placas dos carros azeris é exposto com orgulho. São exibidos como
troféus de inimigos que foram mortos ou fugiram.

PLACAS DE CARROS DE AZERIS QUE MORRERAM OU FUGIRAM

Já bem mais perto de Stepanakert, capital de Nagorno-Karabakh, cabos


aéreos ligam uma montanha à outra para impedir que aviões voem
abaixo do radar. Mas o clima não é tenso, pelo menos não na capital.
Uma cidade pequena, ruas arborizadas, praças floridas com chafarizes e
Wi-Fi gratuito, cheia de pessoas pelas ruas.

Depois de passar no Ministério de Relações Exteriores para nos


registrarmos e pegarmos o visto, pudemos caminhar tranquilamente
e até tomar uma cerveja curtindo o entardecer da pequena capital.
Nosso motorista, Arman, era um franco-armênio, mas não conseguimos
achar muito de francês nele. Tinha ideias bem radicais, quase fascistas
eu diria. Tenho certeza que ele não gostou muito de algumas perguntas
provocativas que fiz, mas bem ou mal acabava respondendo.

141
Não tínhamos hotel reservado, então acabamos indo dormir na casa
dele em Shushi, a poucos quilômetros dali. Shushi já foi uma grande
cidade, mas ficou destruída pela guerra. Era o centro da cultura
azeri em Nagorno-Karabakh, portanto a sua população reduziu-se
drasticamente, dando à cidade um aspecto de abandono. Há tentativas
de revitalização para incentivar o turismo, e algumas atrações como o
antigo forte, igrejas e até uma mesquita valem a visita.

O apartamento de Arman fica em um antigo bloco soviético e está num


estado de conservação bem precário, mas ele o vê como uma grande
oportunidade. Tinha comprado outros apartamentos e pretendia
reformá-los para turistas. Provavelmente depois do abandono dos
azeris, muitas propriedades ficaram vazias, sendo fácil adquirir uma.
Morava com sua mulher e a pequena filha, que era um terror. Maltratou
um gato da hora que chegamos até irmos embora, uma verdadeira
peste! Os pais nem olhavam, dava pena. Ao contrário do gato, fomos
muito bem tratados e alimentados. Um bom jantar regado a vinho era
o que precisávamos para fechar o longo dia.
JANTAR NA CASA DO ARMAN

142
Tínhamos a pretensão de conhecer Agdam, uma cidade fantasma
totalmente devastada e saqueada. Tentamos convencer Arman a nos
levar até lá nos dias seguintes, mas não foi uma discussão longa. Ele
foi categórico ao dizer Não, Não e Não. Impossível! Fica bem próxima
da fronteira, na linha de combate, portanto proibida para estrangeiros.
Ele alegava que, se nos pegassem, ele poderia se complicar. Tentamos
montar um plano B e falamos com um taxista. Ele aceitou nos levar,
mas no início do caminho já começou com as regras: não pararia, não
poderíamos baixar a janelas e não poderíamos tirar fotos. Regras
demais para nosso gosto, então pedimos para nos deixar no pátio dos
transportes em Stepanakert mesmo. Lá fui negociar com o motorista
do Lada mais velho que encontrei. Com certeza ele gostaria de fazer
uma corrida mais longa. E eu estava certo! A comunicação não foi muito
fácil, mas logo ofereci um preço justo e fechamos negócio.

Saindo de Stepanakert passamos por mais tanques abandonados, uma


ou outra base militar e não demorou muito até nosso motorista nos
avisar que estávamos nos arredores de Agdam. Sério? Não tinha nada,
só uns montes de pedra. Ele entrou no meio da “cidade” e vimos que
restavam poucos vestígios das construções. Uma cidade com mais de
100 mil habitantes foi colocada abaixo. Saquearam as ruínas e retiraram
tudo que poderia ser aproveitado ou vendido como sucata. Sobrou
pouco até mesmo do parque de diversões. Passamos por um ou outro
posto de controle entre as casas abandonadas, mas não nos pararam. A
hora de maior adrenalina foi quando, a nosso pedido, ele nos levou até
a antiga mesquita. Está semidestruída, mas os dois minaretes (torres
da mesquita) se mantêm em pé e podem ser vistos de longe. Uma base
militar fica logo atrás, portanto ele me vetou quando, na empolgação,
pedi para descer. Eu queria escalar o minarete, mas realmente talvez
não fosse uma boa ideia. Interessante como a cidade inteira foi destruída
e a principal construção foi justamente a que se manteve em pé. Algo
que tem um grande simbolismo para os azeris que vivem há tantos
anos em campos de refugiados do outro lado da fronteira.

A larga avenida que dá acesso à Stepanakert tem todos os postes


enfeitados com bandeiras de Nagorno-Karabakh. Paramos novamente
no monumento Papik Talik, uma estátua construída nos tempos
soviéticos em homenagem aos antepassados da região.

143
BANDEIRA DE NAGORNO-KARABAKH NA AVENIDA PRINCIPAL DE STEPANAKERT

Uma rápida passagem por Stapanakert e por Shushi antes de pegamos


a estrada para a Armênia. Um zigue-zague pelas belas montanhas,
novas discussões com nosso motorista radical, e chegamos ao controle
de imigração, onde entregamos nosso registro e fomos liberados.

Depois de voltar para o Brasil, publiquei algumas fotos de Nagorno-


Karabakh na internet. Não demorou muito para me incluírem em uma
“lista negra” de pessoas que viajaram para lá. Oficialmente o Azerbaijão
proíbe visitar a região que não controla. A fronteira que utilizamos é
considerada ilegal, então provavelmente eu nunca poderei visitar o
Azerbaijão novamente. Uma pena, uma das melhores maneiras que
existe para se resolver um problema é falando sobre ele.

144
HOMENAGEM AOS MORTOS

145
O que fazer por lá?

Vank: Monastério Gandzasar

Cidade fantasma de Agdam

Monumentos de Shushi

Stepanakert: Monumento Tatik u Papik

Monastérios de Hadrut (Amaras, Gtchavank)

Caverna Azokh

Montanhas e o Passe Sostk

Monastério Dadivank

Caminhada Janapair – 15 dias de caminhada (190 km) pelas


montanhas de Hadrut até Kalbajar, dormindo em casas de
família

Beber: Tutti Oghi (vodka feita de frutas vermelhas)

Comer: Zhingalov Khats (pão com ervas)

146
MONUMENTO TATIK U PAPIK
CRÉDITO - TOMUKAS 147
VIA - WIKIMEDIA
REPÚBLICA DA
OSSÉTIA DO SUL

148
148
149
FORTE EM LENINGOR
RECONHECIMENTO: IDIOMAS:
4 estados-membros da ONU osseta e russo
(Rússia, Nicarágua, Venezuela
e Nauru) e 4 não membros
(Abecásia, Nagorno-Karabakh,
Transnístria e Saara Ocidental)
DECLARAÇÃO INDEPENDÊNCIA:
FORMA DE GOVERNO: Primeira proclamação de
república Independência - 20 de
semipresidencialista setembro de 1990

DISPUTA TERRITORIAL:
POPULAÇÃO APROX: Geórgia
80.000

ALIADO:
Rússia
MOEDA:
rublo russo

150
150
TAM
ANH
OA
PRO
XIM
AD
O: 3
.90
0 km 2

151
Visto e fronteiras

Brasileiros precisam de uma autorização para entrar na Ossétia do Sul.


Deve ser solicitada no e-mail consul.mfa-rso@yandex.com com pelo
menos um mês de antecedência. Em Tskhinvali é preciso fazer registro
no Ministério de Relações Exteriores.

As fronteiras da Geórgia com a Ossétia do Sul estão fechadas e a única


opção de entrada é o Túnel Roki, vindo da Rússia. Qualquer evidência
de entrada na Ossétia do Sul via Rússia pode causar sérios problemas
na Geórgia, pois é considerada uma fronteira ilegal.

To the Minister of Foreign Affairs


Of Republic of South Ossetia
Sanakoev David Georgievich

From _____________________________
(full name)

__________________________________
FORMULÁRIO DE SOLICITAÇÃO DE ENTRADA NA OSSÉTIA DO SUL

(Your phone number)

Application

I am (full name). I want to visit Republic of South Ossetia as a tourist in a period


from (point the date and exact places You want to visit, in preference to write full
plan of route).

_____________________________

Date (Your Signature)

152
Quebra-cabeça do
Cáucaso
O conflito da Ossétia do Sul foi mais uma guerra causada pelo final
da União Soviética. Todo o Cáucaso é formado por mais de cinquenta
grupos etnolinguísticos, um verdadeiro mosaico cultural, talvez um dos
mais variados do mundo em uma pequena área. No passado, barreiras
naturais como montanhas os dividiam, mas no conceito de Estado
moderno, sempre fica a disputa de quem vai governar. Os ossetas são
descendentes da tribo persa Alan, inclusive a República Osseta, que
faz parte da Rússia, se chama Ossétia do Norte-Alânia. Quando estas
tribos persas chegaram à região, os “georgianos” já tinham controle do
sul do Cáucaso, mas acabavam ficando nas planícies férteis, por isto os
alanos se fixaram nas montanhas. No início do século 19 o Império Russo
anexou toda a área onde estavam os ossetas. Houve algumas aspirações
de independência mas, pouco mais de um século depois, a União
Soviética tomou controle de toda a região. Stalin, líder soviético nascido
em Goris, atual Geórgia, sabia dos sentimentos nacionalistas da região,
portanto dividiu a Ossétia, sendo que a porção sul foi administrada pelos
georgianos.

Se movimentos pela independência já aconteciam naquela época,


imagine quando a URSS perdeu força. A República da Ossétia do Sul
declarou independência e, logo em seguida, votou pela anexação à
Ossétia do Norte. A nova República da Geórgia não aceitou facilmente,
e diversas guerras foram travadas na década de 1990. Depois de
acordos, conflitos e cessar-fogo, em 2008 finalmente a Ossétia do Sul
conseguiu sua independência de facto, mas não sem ajuda da Rússia.
Sob o pretexto de defender os ossetas, a Rússia chegou a bombardear
a capital da Geórgia e ameaçou invadi-la, como fez em diversas bases
militares do país. Diversos georgianos que moravam na Ossétia do Sul
tiveram que fugir, tornando-se refugiados. Antigos refugiados ossetas
puderam circular entre a Ossétia do Norte e Ossétia do Sul através da
única estrada existente, que atravessa as montanhas pelo túnel Roki,
com quase quatro quilômetros de extensão.

153
A Rússia manteve o exército na Ossétia do Sul e reconheceu sua
independência, ato que foi seguido por alguns de seus aliados. É uma
região estratégica e eles mantêm uma base militar a pouco mais de 50
quilômetros de Tbilisi, a capital da vizinha Geórgia. Todos os cidadãos da
Ossétia do Sul circulam livremente pela Rússia com seus passaportes,
mas para viajarem para países que não reconhecem o documento,
utilizam o passaporte russo, mais uma regalia concedida a eles.

Devido ao recente conflito, é uma região que ainda tem certa tensão no
ar. Infinitamente menos turística que a Abecásia, além de curiosidade,
estrangeiros despertam desconfiança. Não são raros os casos em que
turistas são obrigados a pagar propinas ou são levados para longos
interrogatórios. Apesar de todo o investimento russo, a capital Tskhinvali
ainda está bastante destruída. Algumas indústrias, como a fábrica de
água mineral Bagiata, tentam movimentar a economia, que ainda é
bastante dependente da Rússia.

A pequena capital é fácil de ser visitada a pé. A praça central, com


diversos prédios soviéticos, ou a estação de trem podem ser um bom
ponto de partida. Um dos pontos altos é a Igreja Kaviti de São Jorge,
construída no século 9. Não muito longe fica o memorial de guerra e a
sede do governo, em um prédio neoclássico. Sempre é muito importante
ter o cuidado de não deixar a máquina fotográfica muito à vista. Além
de soldados, alguns bêbados perambulam pelas ruas, e na falta do que
fazer, podem querer se divertir incomodando um turista. Em uma terra
sem leis muito definidas, é melhor prevenir do que resolver um mal-
entendido depois, ainda mais se não falar russo.

Com certeza a visita ao país é bem mais proveitosa, e a comunicação fica


muito mais fácil, quando se vai para o interior. Há diversas opções de
lagos, montanhas e vales, já que a Ossétia está bem no meio do Cáucaso.
De táxi coletivo é possível chegar até Leningor, já mais perto da fronteira
com a Geórgia. Lá há o belo castelo de Eristavi, antiga residência do
duque de Ksani, que foi reformado recentemente e possui um pequeno
museu. Pela cidade há diversas igrejas fortificadas e as famosas sacadas
georgianas, todas em madeira trabalhada. Fácil de observar a diferença
de cultura: a georgiana predomina, mesmo existindo ossetas vivendo por
ali. Se no passado os ossetas foram minoria dentro da Geórgia, agora os

154
georgianos são a minoria dentro da Ossétia. Mesmo assim ainda existem
ossetas vivendo como minorias dentro da comunidade georgiana na
Ossétia, provando que não se pode acabar com um problema delimitando
fronteiras, na verdade os problemas só aumentam.

No caminho para a Ossétia do Sul, na beira do rio Gizeldon, ainda na


Ossétia do Norte, uma parada imperdível é Dargavs. Diversas tumbas
e criptas, de arquitetura típica e telhados de pedra, são chamadas de
“A cidade dos Mortos”. Diz a lenda que quem visita o local não volta
vivo, mas sou a prova de que é só um boato. O visual de montanha é
incrível, mas as construções são horripilantes. Os túmulos mais antigos
são do século 12, e os mais novos ainda contêm esqueletos que estão em
caixões em formato de barco. Uma grande torre protege toda a região.
A subida em velhas escadas de madeira assusta um pouco, mas a vista
panorâmica com certeza vale a pena.

DARGAVS, A CIDADE DOS MORTOS

155
O que fazer por lá?

Túnel Roki

Tskhinval - antiga catedral, praça central e prédios soviéticos,


mercado central, arquitetura

Leningor - castelos, igrejas e casas com sacadas de madeira


trabalhada

Montanhas e lagos, você está no meio do Cáucaso!

Beber: vodka

Comer: torta Osseta, pão/pizza com carne e cogumelos

156
PLACA EM TSKHINVALI 157
REPÚBLICA DA CHINA
(TAIWAN)

158
158
159
VISTA PANORÂMICA DE TAIPÉ
RECONHECIMENTO: IDIOMAS:
21 estados-membros da ONU Mandarim (Chinês)

FORMA DE GOVERNO:
república
DISPUTA TERRITORIAL:
semipresidencialista
República Popular da China

POPULAÇÃO APROX:
23.476.640 HISTÓRICO
Um dos países fundadores
da ONU, membro permanente
do comitê de segurança
MOEDA: até 1971.
novo dólar taiwanês

OLIMPÍADA
Rio 2016

160
160
TAM
ANH
OA
PRO
XIM
AD
O: 3
6.19
3 km 2

161
Visto e fronteiras

Brasileiros precisam de visto para visitar Taiwan, e deve ser providenciado


com antecedência já que não é possível obtê-lo no aeroporto nem nos
portos da ilha. A exigência de visto de Taiwan não implica em nenhum
problema para visitar a República Popular da China. Interessante que,
apesar do baixo reconhecimento internacional de Taiwan como país,
o passaporte taiwanês é considerado muito forte e aceito em 161
países e territórios. Mais “forte” que o brasileiro, apesar de o Brasil ser
reconhecido como país por todas as nações.
CARIMBO DE ENTRADA EM TAIWAN

162
A outra China

A China possui uma história milenar, com diversas dinastias e fronteiras,


mas foi no início do século 20, com o fim da dinastia Qing, que foi
fundada a República da China, liderada pelo partido nacionalista
Kuomintang. Nem duas décadas se passaram e iniciou-se uma guerra
civil, onde nacionalistas e comunistas disputavam o poder. Uma trégua
foi declarada para lutar contra a invasão japonesa em território chinês,
durante a Segunda Guerra Mundial.

A República da China foi uma das fundadoras da ONU, mas poucos


anos depois os nacionalistas perderam a guerra civil para os comunistas
e foi constituída a República Popular da China, em 1949. O partido
nacionalista se refugiou na ilha de Formosa, recém-conquistada do
Japão. Permaneceram no Conselho de Segurança das Nações Unidas
até 1971, quando a República Popular da China assumiu a função. De
início, a República da China, hoje mais conhecida como Taiwan, pretendia
exercer influência sobre todo o território chinês. Depois de ter perdido
militarmente, foram diversas baixas no âmbito diplomático. A República
Popular da China exercia uma forte influência política, que limitava
até mesmo o reconhecimento da soberania de Taiwan sobre a ilha de
Formosa.

Governada com mão de ferro, a economia de Taiwan começou a decolar


depois de um vasto programa de reforma agrária e industrialização. O
Ocidente investiu muito dinheiro na ilha, que passou a ser um porto
seguro na região durante a guerra fria. Apontada como um milagre
econômico e um dos “tigres asiáticos” Taiwan passou a ter uma invejável
reserva de moeda estrangeira e se firmou como uma das 30 maiores
economias do mundo. Não foi à toa que na década de 1980 quase tudo
era Made in Taiwan.

163
No final dos anos 1990 foram aprovados os partidos de oposição e
realizadas as primeiras eleições democráticas. Mais recentemente,
Taiwan praticamente abdicou da intenção de ter soberania sobre toda a
China Continental. A tentativa agora tem sido de ser reconhecida como
a representante somente da ilha de Formosa. Já foram apresentadas
cerca de 15 petições, todas barradas na ONU, devido à forte influência
da República Popular da China no Conselho de Segurança.

Apesar de um status de independência de facto, assim como as outras


nações com reconhecimento limitado, Taiwan tem uma posição
privilegiada. apesar de poucas nações a reconhecerem formalmente
como um Estado soberano, faz parte de diversas associações e
organizações. Até mesmo as relações com a China têm melhorado, e
a troca comercial tem aumentado nos últimos anos. Ao contrário de
cenários pós-guerra, falta de infraestrutura e dependência de ajuda
externa, Taiwan possui uma das maiores rendas per capita do mundo.

Para quem gosta de metrópoles, a capital Taipé é um prato cheio. Uma


cidade movimentada, com prédios altos, com destaque para o Taipé
101, um dos maiores edifícios do mundo. A estrutura da cidade lembra
mais Tóquio do que Pequim, mostrando a forte influência que o domínio
japonês teve na ilha. Mas se engana quem acha que toda cidade grande
é igual. Para se surpreender, é só passar numa das feiras noturnas e
experimentar a cozinha local. As filas para o espetinho de sangue de
porco com arroz sempre estão entre as maiores.

Para quem prefere história e cultura, o destino certo é a antiga capital


imperial, Tainan, a cidade mais antiga do país. Não é uma cidade pequena,
mas tem um estilo completamente diferente, pois é espalhada, sem
construções muito altas. No bairro Anping, é possível visitar diversas
fortificações como o Castelo Dourado, o Forte Anping e as Torres Chikan.
Além dos portugueses, que deram o nome à ilha de Formosa, holandeses
também estiveram na região e deixaram sua herança arquitetônica em
Tainan. Na Anping Velha também existem alguns templos, mas o melhor
é se perder pelas pequenas ruelas e apreciar o dia a dia da região. As
casinhas de tijolo à vista com lamparinas penduradas dão todo um estilo
ao lugar. As barraquinhas disputam o seu espaço na rua com os turistas
nos finais de semana.

164
Com um transporte de primeiro mundo, é fácil se locomover pela ilha,
que apresenta diversas opções de belos parques nacionais. A estrada do
desfiladeiro Taroko é considerada uma das mais bonitas de toda a ilha.
O Lago Sun Moon é muito procurado não só pela sua beleza, mas por
causa da Vila Dehua nos seus arredores, onde vive o povo Thao. Em um
país desenvolvido como Taiwan, não se pode esperar nada tão autêntico,
mas não deixa de ser um lugar para mostrar como eram as tradições.
Ao viajar pela ilha, dificilmente o visitante vai encontrar alguma situação
que indique que o país não seja membro da ONU. O fato de a República
da China ser considerada ou não um país não muda praticamente nada
para seus habitantes ou economia, situação completamente diferente
dos outros países que buscam reconhecimento.

SUN MOON LAKE

165
O que fazer por lá?

Tainan - antiga capital imperial

Castelo Eterno Dourado, Forte Anping, Torres Chikan


Iguarias dos mercados noturnos

Taipé - a moderna capital

Taipé101 - um dos maiores edifícios do mundo

Parque Nacional Kenting

Ferrovia pela floresta Alishan

Sun Moon Lake e tribo Thao

Taroko Gorge - uma estrada à beira de um desfiladeiro

Comer: salsicha taiwanesa, língua de pato

Beber: o fortíssimo Kaoliang, ou vinho de arroz; não


alcoólico: chás e suco de aspargo

166
MONASTÉRIO BUDISTA 167
168
168
REGIÕES AUTÔNOMAS
QUE JÁ FORAM
INDEPENDENTES
OU GOSTARIAM DE
TORNAR-SE

169
REPÚBLICAS RUSSAS

Com a anexação da Crimeia, a Federação Russa passou a ter 22 repúblicas


autônomas. Muitas delas já foram independentes, outras lutaram
longas guerras para se separarem. Existe uma gigantesca diversidade
étnica, cultural e linguística entre elas. Se não fosse o governo central
de Moscou, poucas ligações existiriam entre a República da Kalmukia,
de maioria budista, e a República de Tuva, na Sibéria, e também com as
repúblicas do norte do Cáucaso.

Não que outras regiões não tenham movimentos separatistas, mas na


história recente foi no norte do Cáucaso que ocorreram as maiores
guerras por independência. Com a maioria da população formada por
muçulmanos, a região onde hoje estão as repúblicas do Daguestão,
Chechênia e Inguchétia pouco se identificava com a Rússia. Estas
repúblicas lutaram pela independência desde que foram invadidas pelo
Império Russo no século 18.

O centro da insurgência da guerra separatista dos anos 1990 foi Grozny,


capital da Chechênia. A cidade foi completamente destruída e estima-
se que mais de 150 mil civis tenham morrido. Devido a estes conflitos
recentes, e às guerras da Abecásia e Ossétia do Sul (com apoio russo)
contra a Geórgia, não é uma região que recebe muitos turistas. Até
poucos anos atrás, a fronteira entre Rússia e Geórgia estava fechada
para estrangeiros. Com a ajuda do passaporte brasileiro, passe livre
para a Rússia, está bem mais fácil de viajar pela região. “Bem mais fácil”
para o parâmetro local. Não significa que eu não tenha ido parar na
delegacia por tirar inocentes fotos no centro da cidade, ou ter sido
interrogado na espera de transporte para Grozny. Apenas rotina.

Na Inguchétia existe um grande memorial em homenagem aos inguches


deportados pela URSS acusados de colaboração com os nazistas. É
uma das repúblicas mais pobres de toda a federação, basicamente rural.
Assim como em todos os outros locais ocupados pela etnia vainaque,
existem belas torres de observação espalhadas por toda a região.

170
Na Chechênia, a situação econômica é diferente. Talvez como forma de
abafar o movimento separatista, Moscou despejou milhões de rublos
e reconstruiu Grozny. Um pouco de boa vontade e dinheiro resolvem
qualquer conflito. Boas estradas, shoppings centers modernos e até um
centro comercial com prédios espelhados. Difícil imaginar que a cidade
havia sido completamente destruída há tão pouco tempo. O atual
presidente, Ramzan Kadyrov, ex-líder rebelde, é hoje amigo pessoal
do presidente russo Vladimir Putin. Ele coleciona carros, pratica
esportes e investe pesado no time de futebol local. Ramzan é filho de
Akhmad Kadyrov, líder checheno que lutou pela independência, mas
acabou mudando de lado, o que lhe custou a vida. Foi assassinado por
extremistas, acusado de ser um traidor. Sua imagem está estampada
em outdoors e prédios por toda a cidade.

TORRES DE DEFESA, TÍPICAS DA INGUCHÉTIA

171
TIBETE

O Tibete teve uma longa história como Estado independente, mas


também já fez parte de dinastias chinesas. A verdade é que em 1950
era independente quando o exército chinês invadiu e anexou o território
à China. Milhares de tibetanos fugiram pelas montanhas, do Himalaia
até a Índia, e lá criaram a capital do Tibete no exílio, Daransala, lar do
líder tibetano Dalai Lama.

É possível atravessar o Himalaia de Katmandu, Nepal, até Lhasa, capital


tibetana, numa jornada épica, passando por lagos formados por degelo,
vilas e monastérios no meio da maior cadeia de montanhas do mundo,
com o monte Everest ao fundo. Quase uma semana de viagem, com
paisagens de tirar o fôlego. Além das pequenas vilas, importantes
cidades tibetanas estão no caminho, como Shigatse e Giantse. Alguns
passes pelas montanhas ultrapassam os 5.000 metros, como o
Lalung La. Bandeirinhas de oração tremulam ao vento e cada viajante
acrescenta uma pedra nas stupas (amontoados de pedras em forma
de cone).

O visto chinês não é válido no Tibete. É preciso providenciar um visto


especial para a região. Antes de viajar para Lhasa, é preciso lembrar que
a China tem investido bastante para desenvolver o Tibete, oprimindo
a cultura tibetana e incentivando chineses da etnia han a se mudarem
para lá. A capital tibetana está cada vez mais “chinesa”, as práticas
religiosas são controladas e existem câmeras de segurança filmando
tudo que acontece ao redor de Jokhang, centro espiritual da cidade.

O cheiro de manteiga de yak, boi peludo do Himalaia, marca qualquer


viagem. A manteiga é utilizada como vela, chá e também cobre o
Tsampa, um dos pratos típicos da região.

O Tibete histórico atravessa as fronteiras dos países. É possível


encontrar muito da cultura tibetana no norte da Índia, Nepal e Butão
por exemplo. Regiões onde a cultura não é oprimida, portanto acaba
até sendo mais autêntica. Quem viaja pelo interior de Ladakh ou Sikkim,
poucas vezes vai lembrar que está na Índia.

172
A questão tibetana é apoiada por diversas pessoas ao redor do mundo,
mas não diretamente por algum governo. Novamente ninguém quer se
opor ao governo central chinês e à potência comercial que representa.

PALÁCIO POTALA

173
REPÚBLICA DE KARAKALPAK

A região de Karakalpak pertenceu a diversos impérios que dominavam


a Ásia Central. Seu povo era basicamente formado por nômades
e pescadores, mas possuíam língua e cultura próprias. No século 19
passaram a fazer parte do Império Russo e depois do Cazaquistão e
Uzbequistão, ainda durante os tempos soviéticos. Hoje é uma república
vinculada ao Uzbequistão. A região dependia muito do Mar Aral para
a pesca e irrigação de plantações de algodão. A sua capital, Nukus,
foi bastante industrializada na época soviética, mas hoje está bem
abandonada. O Mar Aral secou num dos maiores desastres ambientais
causados pelo homem. Paradoxalmente, acabou criando uma das
atrações turísticas da região. Viajantes se deslocam por horas e horas
pelo deserto para chegar até o desolado “cemitério de navios”. A tristeza
do desastre acabou se tornando fotogênica, com navios encalhados no
meio da areia, onde antes estava o Mar Aral. Recentemente, os navios
foram agrupados e alinhados, o que tirou um pouco da originalidade e
foi bastante criticado pelos visitantes.

Uma atração que continua arrancando elogios é o Museu de Arte de


Karakalpak, também chamado de Savitsky, homenagem ao seu fundador
Igor Savitsky. Este museu possui mais de 90 mil itens e o segundo maior
acervo de arte avant-garde russa, ficando atrás somente do museu
Hermitage, de São Petersburgo. Um dos quadros mais procurados é
o Touro, de Vladmir Lysenko, proibido durante os tempos soviéticos.
Paradoxalmente, junto com a avant-garde há uma grande coleção de
Realismo Socialista. Um andar do museu se dedica à parte etnológica
da região, mostrando um pouco da cultura do povo Karakalpak, além
da história e objetos de Khorezm.

Se você conseguir um transporte próprio, é possível explorar os antigos


castelos do deserto (patrimônio da UNESCO), chamados de “Qala”, da
época do Império Corasmio. Não estão em bom estado de conservação,
mas não deixa de ser uma oportunidade de explorar o interior desta
longínqua república.

174
Conseguir um bilhete de trem para seguir viagem é uma aventura. Talvez
a única língua estrangeira falada na região seja o russo. Confesso que
tinha um pouco de medo de corrupção por parte dos oficiais, mas quando
deixei meu passaporte para conseguir os bilhetes para Tashkent, recebi
horas depois o troco exato. Sem muitos sorrisos, mas extremamente
eficientes.

CRIANÇAS POSANDO NA FRENTE DE UM ANTIGO FORTE NO DESERTO

175
CAXEMIRA

Quando os ingleses aceitaram a independência do subcontinente


indiano, a região foi dividida em duas, Paquistão para os “muçulmanos”
e Índia para os “hindus”. Se não bastasse dividir uma região por religiões,
causando o deslocamento de milhões de pessoas, diversos outros povos
e religiões não foram atendidos. Os Shikhs de Punjab, também queriam
a independência, e os muçulmanos da Caxemira também pretendiam
ter um estado próprio. Mesmo com maioria muçulmana a Caxemira
acabou fazendo parte da Índia durante a partilha. Tentando anexá-
la ao recém-formado país, o Paquistão invadiu parte do território da
Caxemira (30%) e a Índia controla outra porção. Acordos internacionais
preveem um plebiscito para decidir com qual dos países a população
da Caxemira quer ficar, mas na verdade eles sempre sonharam com um
estado independente. Praticamente ninguém quer continuar fazendo
parte da Índia, mesmo assim o país continua investindo muito na região.
Chegar a Srinagar, capital de verão da Caxemira, é uma verdadeira
aventura. Independentemente do sentido em que se esteja viajando,
o trajeto leva praticamente um dia. As estradas são ruins e perigosas,
mas a paisagem é de tirar o fôlego.

Caminhar pelas ruelas do centro histórico de Srinagar, com suas pontes


fotogênicas e mesquitas de arquitetura peculiar é muito legal. Mas
nenhuma viagem para lá será completa se você não se hospedar em
um barco-casa no belo lago Dal e passear de shikara (canoa) pelos
mercados flutuantes e canais que cortam a região. Nos arredores
da cidade, diversos jardins persas e vales completam uma viagem
memorável.

176
Nas proximidades da “Linha de Controle”, que divide a parte indiana
da Caxemira da paquistanesa, há uma forte presença militar. Alguns
incidentes e pequenos conflitos acontecem esporadicamente, mas o
turismo na região tem crescido muito, principalmente entre os indianos,
e é fácil entender por quê. Lembro-me que para chegar à Caxemira,
depois de um longo dia de viagem por estradas esburacadas e um jipe
sacolejante, atravessamos um túnel e nos deparamos com uma placa
que dizia: “Bem-vindos à Caxemira, o paraíso na terra”. Não poderia existir
uma definição melhor para o lugar!

BARCO CASA NO LAGO DAL

177
TURQUISTÃO ORIENTAL

O nome da região autônoma de Xinjiang, no oeste da China, significa


“Nova Fronteira”. Fez parte do país há algumas dinastias chinesas, mas
a população local é turca e tem laços culturais e históricos com seus
vizinhos da Ásia Central. O então Turquistão Oriental foi invadido
pelo exército chinês em 1949. De lá para cá a China incentiva a ida de
chineses de outras etnias, como forma de tomar conta da região. A
população local, uigures, só representa 50% da população hoje em dia.
Com a desculpa de estar combatendo o terrorismo, a China proíbe a
prática do islamismo entre os uigures. Chega ao absurdo de proibir
a prática do jejum no mês do Ramadã. A população local se rebela,
mas qualquer ato é duramente esmagado pelo exército chinês, que
considera a região parte inseparável da China.

O centro histórico de Urumqi foi praticamente todo destruído. A


parte antiga da histórica Kashgar ainda resiste, mas ao lado já existem
modernas construções. De qualquer forma, ainda é possível encontrar
bastante da cultura uigur. As mercadorias podem ter mudado, mas o
Grande Bazar continua vivo desde os tempos da Rota da Seda. Vende-
se de tudo, e a arte de negociar é praticada até para os objetos de
menor valor. Nos arredores da cidade, durante os finais de semana, o
Mercado de Animais continua movimentado, e pouco mudou ao longo
dos séculos.

O lugar mais sagrado da região é o Mausoléu do Afaq Khoja, o mais


venerado “santo” sufi da região. Pilares de madeira decorados e uma
bela arquitetura, numa região bem calma nos arredores da cidade. Já
o centro de Kashgar é movimentado, cheio de barraquinhas de comida
de rua no final da tarde. É possível experimentar diversas iguarias, mas
cuidado, é uma das culinárias mais apimentadas do mundo!

178
Para fugir um pouco das cidades, o ideal é ter uma experiência no deserto
andando em camelos-bactrianos ou relaxar à beira de belos lagos, como
Tian Chi, Kanas e Salimu, que são alguns dos mais procurados. Já perto
da fronteira com o Paquistão fica o Karakul, onde é possível dormir em
tendas (yurts) de nômades em frente ao lago e com incríveis montanhas
ao fundo.

YURT NO LAGO KARAKUL

179
CURDISTÃO

No fim da Primeira Guerra Mundial, os ingleses prometeram aos curdos


um estado independente em um território que fazia parte do Império
Otomano. Na partilha do Oriente Médio, acabaram não criando tal
Estado e o povo acabou dividido entre Turquia, Síria, Iraque e Irã. Existe
hoje cerca de 40 milhões de curdos, que se consideram o maior povo
sem pátria do mundo. O povo curdo tem uma relação diferente com
cada governo do país onde vive. Na Turquia já foram até proibidos de
falar a sua língua, mas a situação vinha melhorando até algum tempo
atrás. O partido curdo PKK é proibido pela Turquia, que o considera
terrorista. Recentemente, com o fortalecimento dos curdos, que estão
na vanguarda da luta contra o Estado Islâmico (Daesh), a situação na
Turquia piorou bastante. A capital curda na Turquia, a cidade murada de
Diarbaquir, já não é mais tão segura como há alguns anos. O mesmo se
passa com a histórica Mardin, cidade da antiga Rota da Seda.

O Curdistão Iraquiano tem status de região autônoma, gozando de um


poder de decisão muito grande, ainda mais depois da desestabilização
do governo iraquiano. Os mercados de Dohuk, a incrível cidadela de
Erbil e os museus de guerra da Sulaymaniya são paradas obrigatórias.
As paisagens na porção do Curdistão, que fica no norte do Iraque, já
são maravilhosas, mas ao chegar às montanhas do Curdistão Iraquiano
ficam inesquecíveis. A estrada entre as cidades de Howraman e Pavet
com certeza é uma das mais bonitas do mundo. Além da beleza natural,
sempre há uma vila com casas de pedra penduradas nas montanhas. A
cultura curda é muito viva, colorida, musical e hospitaleira. Uma viagem
pela região é a certeza de receber incontáveis convites, participar de
piqueniques com direito a muita comida, música e dança típica.

180
A região que os curdos ocupam nestes respectivos países não é pequena, e
os governos não estão dispostos a perdê-la. Os curdos do Iraque tiveram
bastante apoio da comunidade internacional depois que Sadan Hussein
tentou exterminá-los com armas químicas, mas a semi-independência
da região é vista como muito suspeita pelos países vizinhos, que têm
uma população curda muito grande também. A guerra contra o Estado
Islâmico pode mudar a geopolítica na região, mas dificilmente os curdos
terão seu “território histórico”. Mesmo que isto um dia acontecesse,
outras minorias viveriam neste território, e seriam outros povos sem
terra.

CASAS DE PEDRA PENDURADAS NAS MONTANHAS DO CURDISTÃO

181
CASOS DE SUCESSO
DE INDEPENDÊNCIA
2011 – O Sudão do Sul se separou do Sudão. Depois de uma longa
guerra civil, um plebiscito foi aprovado, e 98% da população votou pela
criação do novo país.

2006 – Sérvia e Montenegro se separaram formando dois países.


Interessante que neste caso o governo sérvio aceitou o referendo, ao
contrário da independência do Kosovo.

2002 – O Timor Leste foi uma colônia portuguesa que se tornou


independente em 1975, mas logo foi invadida e anexada pela Indonésia.
Algo parecido com o que aconteceu com o Saara Ocidental. Um
referendo teve 80% dos votos favoráveis à independência.

1994 – Palau, um protetorado das Nações Unidas, administrado pelos


EUA, teve sua independência reconhecida.

1993 – Eritreia, antiga região autônoma da Etiópia, lutou uma guerra


civil durante 30 anos até conseguir sua independência.

182
EDIFÍCIOS BOMBARDEADOS EM BELGRADO, SÉRVIA

183
TENTATIVAS DE
INDEPENDÊNCIA
Um movimento separatista escocês conseguiu aprovar um referendo
oficial para questionar a independência da Escócia em relação ao Reino
Unido. Em 2014, depois de uma longa campanha, 55,3% dos votos
apontaram que não deveriam se separar, portanto a Escócia se manteve
como parte do Reino Unido.

Parte dos habitantes do Quebec, província canadense onde se fala


francês, e de maioria católica, não se identifica muito com o restante
do Canadá, onde a maioria é protestante e fala inglês. Uma guerra do
século 18 em que o Reino Unido conquistou a região da França é o
ponto inicial da discórdia. Interessante que ninguém menciona o fato de
indígenas viverem na região antes da chegada dos ingleses e franceses.
De qualquer forma, um referendo foi realizado em 1995 e a votação foi
muito apertada. A não separação venceu com 50,6% dos votos.

A Catalunha tinha a intenção de fazer um referendo para a separação


da Espanha em 2014. Com a proibição do Tribunal Constitucional da
Espanha, somente pôde ser feita uma consulta popular, sem validade
legal. Mais de 80% dos catalães que votaram expressaram o seu desejo
de ser um Estado independente.

Movimentos separatistas da Irlanda do Norte, IRA (Exército Republicano


Irlandês) e do País Basco, ETA (Pátria Basca e Liberdade) optaram pela
luta armada. Fizeram diversos atentados e vítimas. Como sempre, para
os defensores da causa, eram heróis, para os contrários, terroristas.
Ambos encerraram suas atividades sem ter conseguido êxito em seus
propósitos.

Em 2012 houve o quarto referendo sobre se Porto Rico deveria se


manter como território dos EUA ou não. A maioria votou em não se
manter como território (54%), mas se engana quem acha que a opção
foi a independência. Somente 5,49% optaram por esta solução. A
grande maioria, 61,16%, expressou a vontade de se tornar um estado
americano.

184
FUTUROS REFERENDOS

Nos próximos anos devem ser feitos alguns outros referendos que
poderão resultar na formação de novos países. A Nova Caledônia, ilha
francesa no Oceano Pacífico, deve votar sobre seu status em 2018. No
mesmo período, a Ilha de Bouganville, localizada no arquipélago das
Ilhas Salomão, votará se deve ou não se tornar independente de Papua
Nova Guiné, país de que faz parte como região autônoma.

CRÉDITO - KEITH BACONGCO - VIAVISUALHUNT

185
186
EPÍLOGO

Linhas imaginárias, talvez este seja um dos grandes problemas de


tantos conflitos. Também as chamamos de “fronteiras”. Decide-se que
a partir de certo ponto termina uma cultura, um governo, um povo
ou qualquer coisa, e se inicia outro. Como se num passe de mágica
houvesse uma mudança, omitindo que mudanças possam ser graduais.
Definindo preto e branco, esquecendo-se das diversas outras cores e
tonalidades.

As fronteiras modernas, muitas delas traçadas por colonizadores,


dividem povos, culturas e até famílias. Às vezes é difícil se manter
neutro numa situação, já que “ser imparcial em um conflito desigual é o
mesmo que tomar partido”. Mas todo o cuidado é pouco. Uma minoria
pode massacrar e exterminar uma família ou indivíduos de uma maioria.
Quem seria a minoria neste caso?! Populações de civis acabam sendo
alvos dos dois lados dos conflitos, estando ou não ligadas à política.
Dizem que a democracia, apesar de falha, ainda é o melhor sistema que
existe. Em um regime democrático não é a vontade da maioria que deve
prevalecer, e sim os direitos fundamentais das minorias.

Se os direitos das minorias fossem respeitados, talvez não houvesse


tantos movimentos separatistas. A não ser os sentimentos
segregacionistas durante as crises financeiras, já que normalmente é
mais fácil culpar o outro pelos problemas.

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s de s ” e “De mbém “paíse
Depoi pela África da Seda”, ta iajar pelos o.
ura ta ev ant
Avent ura pela Ro ou a hora d s por enqu
Aven t che g en o
l p E d ições, tem”, pelo m
Pu o exis
que nã

“Guilherme é um viajante, não um turista. Esta diferença é fundamental para entender


o livro. Nada contra os turistas. Com certeza, o Guilherme já deve ter feito turismo
tradicional. Mas o viajante quer fazer descobertas, não apenas ver o que todos viram.
Sim, todos temos de ir a Paris, Roma e Nova York, onde moro. Mas um viajante não
se satisfaz apenas com os destinos tradicionais. Quer mais. No caso do Guilherme,
ele quer ver como é a Abecásia, o Turquistão Oriental e a Ossétia do Sul. E, como um
tradicional viajante do passado, gosta de relatar estas experiências.”

Guga Chacra
Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Columbia,
comentarista do Globo News em Pauta em Nova York
e blogueiro de EUA e Oriente Médio do Estadão.

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