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2=npEsp
s O PAULO
Catalogaçáo na Fonte do Depaltamento Nacional do Lirro
F866a
Freire, Cristila, 1961
Alóm clos maPas : os nìonùmentos no imaginário urbano
contemporâneo ,/ (ìristina Freire. - São Paulo : SESC : Anlabltrme,
1 997.
acidadeearevela çao
320P.
rsBN 85-85596-88-0
do imaginário
Publicado en co-cdição com: FAPESP
1. Cidades e vilas - Aspcctos psicológicos. 2 Muscus -
Filosofia 3. Objetos de arte - Aspectos psicológicos. I. SESC. II ^ virrcular-se
-fao à publicação de Além do Maþas:
FundaÇão de Anparo à Pcsquisa do Estado dc São Paulo. III. Título os Monumentos no Imaginário (Jrbano Con,temþorâ-
cDD-155.942
neo, deCristina Freire, o SESC de São Paulo age
num dos territórios de sua predileção e visa adi-
cionar elementos de primeira qualidade ao cam-
po de debates que tem por centro a interpreta-
ção do urbano.
Além dosmapas:
De fato, a cidade como imenso texto a ser
os monumentos rto imaginário urbano contemporâneo
problematizado, decomposto e reorganizado na
CristinaFreire
perspectiva da produção de idéias, de conheci-
mentos e de instrumentos facilitadores de um
entendimento rnais claro acerca de sua nature-
za, sempre ocupou lugar de destaque entre
Edição de Texto nossas preocupações. Preocupações, aliás, que
lç,[ara Ctuasco sempre assumiram feição material, traduzindo-
se sob a forma de intervenções no território
Ilustração da capa: me tropolitano.
Mo'numenlo aFrancisco Mi,randa, Av. Paulista, SP Assim, nosso inconformismo antc a vora-
L. Gonzales / Carmello Tabacco, 1978 cid¿rde autofágica da metrópole, que sob a pro-
Foto: Cristina Fre ire uressa do novo quase invariavelmente mantém-
sc jnsensível à destruição dos suportes da me-
mória, deu origem, na década de 80, ao proje-
@ Freire, Cristi,na to que culurinou na restauração de uma velha
lãbrica dos anos 30, hoje o SESC pompéia, im-
portante rcferência cultural da cidade.
Annablume editora . comunicaçáo A mcsma motivação, aliada ao desejo de
Rua Ferreira de Alaujo, 359 - São Paulo - SP - CEP 05428-000 t'cr,italizar, dando-lhe funções e vocação cultu_
Tel. e Fax (07I) 212.6764 rzrl, porções em nossos dias praticamente inani-
http: / / www.annablume.com.br tu¿rclas clo ter-ritório urbano, decidiu
a recente
ac¡rrisição do imóvcl que outrora abrigou
a Com_
lranìri:t S¿rntista de Tecidos, na Zoia Leste da
Capital. Nesse local, um moderno ccntro dc
cultura passar/r zr oxigenar rìm pouco mais a es-
quálida vida associativa do paulistano, sentenci-
aclo a indefìnidamente transitar sem escala en-
tre a vida de trabalho e o espaço doméstico.
A pr-rblicação de Além dos McQas inscre-se, prólogo e
portanto, ordenada e coerentemente, num seg--
mento de ação que tenciona dcstacar o peso do agrad, ecimentos
universo urbano na formação da sensibilidade e
da intcligência contemporâneas.
A decisáo de co-editar a obra de Cristina
Freire decorreu muito facilmente do exame O truro Alérn dos Mapcls: os Nlonttmentos no Ima-
prévio dos originais. A partir de uma primeira ginálio Urbano Contemþoríìneo foi realizado origi-
leitura exploratória.já nos deixamos seduzir pelo nalmcnte como tese de doutoramento, defen-
instigante desafio proposto a si mesma pela pes- dida no ano de 1995 r'ra Universidade de São
Pattlo.
quisadora: o dc articular os monumerì.tos públi-
cos de São Paulo ao imaginário da metrópole. Os monumerttos tratados refererrt-sc ao
Pensar a relação dos habitantes clc uma cidade imaginário da cidade de São Paulo mas podem
com os monumentos da mcsma, através da aná- colresponder, pelos seus aspectos simbólicos, a
lise de conteúdo de seu discurso manifesto, pa- olrtr:os e Cistintos lugares. A cidade, assim, não
receu-nos um empreendimento oportuno e corìta a sua história, mas a contém, num aceryo
bastante digno de admiração. Tanto mais se ele, de objetos nem seÍìpre tansíveis.
ao fìnal, der mostras de ter sido conduzido com O lugar dos monumentos no imaginário
uma competência càpàz de fundir, ao rigor urbano equaciona, dessa maneira, cotidiano e
cstética. Tal relaçáo cnr.olve a articulação dc dife-
metodológico, o uso quase poético da palavra
rentes saberes além de distintos pontos de vista e
escrita. Esse é precisamente o caso. Razão de so-
bra para sentirmo-nos satisfèitos com a presente
tem, na minha experiência como pesquisadora
clo Museu de Arte Contemporânca da LISP, pon-
publicação.
to de partida e chesada.
Se a definição da artc como campo absolu-
Danilo Santos de Nliranrla tamcnte autônomo se pro\¡ou obsoleta e a equa-
Diretor do Departamento Regional cão dc que a arte é vida c vice-yersa, como se
do SESC no Estado de Scio Pattlo cl<:f rnir.r nos anos 60, não pode durar muito tcm-
po, tahrez, ci rnais valioso seja lembrarmos que a
irltc é aquilo que laz a vida mais interessante
quc a ¿utc.
Penso que cste lit,ro fala disso.
próloco e agr¿ìdeciurcììtos 13
12 além clos rn'aPzls
prcse n resrl-''q.T:
tação
Finalmentc, registro aqui a gratidão à
clÙa
aos depoi mcn tos'
a
utn priblico tnats Therezinha Machado Freire, que me ensinou
a lei'tura cle
;;ì;'i;;iiii" a vcr beleza na simplicidade do cotidiano; à
Odila, dc quem ¿rs lembranças de infância rnis-
turam bonec¿-ts falantes e tendas de lençol; ao
Car-linhos, pelas belas cartas escritas a bico-de-
pen¿r e , especiahnente, ao Chico pelo carinho
- Polo resþonde:
- Srtn þedrus o urro nio cxi.çlc.
um (53)
Ì
introduçao (31)
dois (1ob)
três e57)
quatro e27)
4&
(...) ocupa, embora timidamente, esse lugar ("') ' dagens do MASP e do monumento a Ramos de
No entanto, é bom lembrar que o debate do des- Azevedo realizam descobertas interessantes: a
dno do Museu - como fórum ou como templo - possibilidade da þerceþção d,o monumento atra_
perdeu sua pertinência num mundo onde eles
se proliferam e,'muitas vezes, são comparados a
shoþping centers". E, mais adiante, lembra: "tal
condição de existência - preserr,ação/destruição -
implica certo ritmo que se estende do andar à bem intnior. Ora, revelações desta rràtureza
cer_
observação, dificulta os mecanismos da memó- tamente serão do interesse dos leitores especia_
ria e se reflete nas relações possíveis com seus listasl. Mais do que isso: como todas as quèstòes
suportes materiais e também entre as pessoas. A que o livro encadeia transcendem os limites dos
aceleração do passo sugere não apenas a impos- museus de arte na direção da cidad.e, o tema da
sibilidade de olhar, de contemplar, mas supõe
dificuldades de evocação, comprometendo as
dinâmicas da memória que necessitam, invaria-
velmente, de tempo para se desprender desse co-
tidiano apressado. A aceleração é sinônimo de
destruição, ou pelo menos de uma outra forma numentos e obras, possibilita ainda um encontro
de olhar, com a qual ainda não nos acostuma- desinteressado, um olhar evocativo, sonhador?...,,.
mos totalmente". Evidentemente, por sua temá- Ora, sabemos que a cidade não se dá àque_
tica, Cristina Freire é obrigada a se embrenhar les que a ocupam como uma entidade abstiata
num complexo labirinto teórico. Construído a ou como instrumento destinado apenas a certos
partir de um núcleo fecundado pela Psicologia usos técnicos (circular, trabalhar, morar etc.). Ela
Social, disciplina que orienta metodologica- possui uma realidade espessa de sentidos parti_
mente a pesquisa de campo realizadajunto aos culares relacionados às pulsões mais profundas
freqùentadores de diferentes museus da cidade do próprio sujeito. Nesse caso, a cidadl é cor ou
de São Paulo, Além dos Maþas contém trilhas
interdisciplinares atravessadas pela autora que se
mantém atenta aos marcos oferecidos pela His-
tória daArte e daArquitetura, pela Estética e pela
Sociologia da Arte. Na verdade, o interesse deste
livro, que nasceu na pesquisa iniciada pela auto- 2.
dagações estáo mais próximas das que formula Pollock quanto para Argan, o d.eterminante da
Argan'ì: se fosse possível registrar grafìcamente o configuração espacial é o caminhar, de outro
seÀtido da cidade resultante da experiência in- lado, se a pintura permite a visualização de um
consciente de cada habitante e depois sobrepu- possível "texto urbano", o mesmo nao ocorre se
séssemos por transparência todos os gráficos, o nos colocarmos ao rés do chão, junto àqueles
q.," .n.ontr-aríamos? A analogia sugericla é in- que se deslocam. Nesse caso, a visibilidade pa_
quietante: talvez encontrássemos uma imagem uorâmica cessa e acabamos por ter que nos
semelhante a uma pintura de Pollock dos anos resignar à posição de corpos que se movem cri_
40-50, uma espécie de mapa imenso, formado ando um mapa, um texto que escrevemos sem
por um emaranhado de linhas, pontos, sinais apa- podermos dele fazer a leitura imediata. Ora, no
ientemente arbitrários. Ora, se nos divertíssemos' campo da experiência estética, lembra_nos
continua Argan, traçando um mapa dos itinerá- Cristina Freire, a deambulação citadina foi pra_
rios percorridos pelos habitantes de uma cidade ticada por toda uma série de artistas, desdì o
em um só dia, uma só hora, obteríamos um qua- flâ,neur do século XIX, passando pelos cladaístas
dro abstrato e expressionista, só que mais com- e surrealistas, até grupos contemporâneos, tais
plicado, com milhares de sinais desprovidos de como a "Internacional Situacionista" (1958_
qualquer signifrcação. E qualquer um de nós que 1969), o grupo "Fluxus" (anos 60) e a ,,Arte Con_
experimente analisar o próprio comportamento ceitual" (anos 70). Nas intervenções mais con_
na cidade notará como nossas escolhas são mui- temporâneas. diferentemente da pintura,
tas vezes arbitrárias e imprevistas. E, ao mesmo realidade e representação confund.em-se. A
tempo, estar na cidade envolve um conjunto de arte realiza-se no tempo e no espaço reais d.a
pequenos ritos, mitos, tabus. Em nossos itinerá- própria cidade, ficando documentacla através de
rios urbanos, deixamos a memória e a imagina- esquemas, textos, fotografias, mapas.
euer di_
ção trabalhar e registramos mudanças: a nova zer, se foi possível acreditar que a essência da
pintura de uma fachada, aquele velho letreiro, Q cidade moderna poderia ser apreenclida graças
andamento daquela construção, a rua estreita a uma observação visual aguda e registrada na
que será alargada, o edifício em demolição, aque- f'orma de imagens miméticas (a arte ào .o-.ço
le lugar que freqüentou quando garoto, a lem- do século fez isso), as características d.a realidade
brança do incêndio ou do assalto ocorrido urbana contemporânea têm sido percebidas de
naquele outro lugar ou o perfume daquela pra- maneiras compatíveis com o próprio abalo da
ça ajardinada. E se dermos, agora, atençao ao modernidade no momento contemporâneo:
"quadro de Pollock", formado por esses percur- tais características foram conceptualmén te apre-
sos individuais e supondo conhecermos as suas endidas e transmitidas sob a forma de índices
motivações secretas, perceberemos que nada aí de uma situação efêmera ou d.e um conceito
é arbitrário ou puramente casual' O emaranha- rmateria-I. São peças de arquivo, d.otadas
cla pre_
do revelará certa ordem, um ritmo da pulsaçáo cariedade de um convite, de um cartaz, de um
das cores, uma medida das distâncias, Lrma or- ou de um diagrama.
denação do espaço. E assim como a pintura de o do urbano (que se
Pollock, a paisagem interior da cidade é muito ou do haþþening), na
diferenciada, mas tem um ritmo de fundo cons- lar defìnitivamente o
tante. Entretanto, se, de um lado, tanto para conceito de obra de arte, abalo
que se iniciou
- c)o
apresenta(¿ìo 1J
28 além dos maPirs
'S,,
Ir
introdução
E, só mais tarde, introduzindo o que foi cidade contemporânea. Nesta perspectivà, a ct-
dade se transmuta num museu onde as peças
de seu acervo são ora visíveis, ora invisíveis. Esse
terreno, por certo imaginário, possibilita a per-
cepção de algumas peças e a rememoração de
outras que hoje abriga ou um dia abrigou.
tro de um conlexto ampliado' nas cirlades' Ma- Esta investigaçáo - que não deixou de ter
pas, labirintos, vestígios, camadas arqueológicas' descobertas, quase "arqueológicas" - parte desses
.idud.t e museus ganharam outros perfis "' depoimentos, que revelam encontros e
Se, a princípio, o tema pode parecer um desencontros, em que as coisas podem ser perce-
tanto amplo, tem uma trajetória, constante- bidas pela ausência, nesse vaivém de nossa cidade.
mente alimentada por um trabalho direto e Apoiamo-nos, ainda, em algumas obras e
Agora, a cidade entra mais livremente em cas, retiro-as do purgøtório ern que se encontram Algrrnas dcssas obras
torlaclas, por vezes,
minhas reflexões. Basta dizer que os monumen- na reserva técnica (lugar intermediário entre as como àùgLrûìeÌr tos
tos, tema central de meu interesse, estão, inva- glórias e o esquecimento), testemunhando uma nestc Lexto,
participaram de
riavelmente, no espaço urbano. Os depoimentos certa "redenção" ao serem expostasl e ganharem cxposrçocs que
recolhidos fornecem a base para uma análise das cxistência efetiva, através do olhar do público. A ofganrzel como
cur¿rdora lo NIAC-
possibilidades e limites da relação estética na P¿lssasem da obra da reserva técnica para o es- USP
intlodução 39
3 8 além dos maPas
das entrevistas, confirma que trabalhamos com ocupadamente com seu século"a. ;llundo. Porto Alcgre:
ñtes e Oficios, 1995,
camadas de sentido "soterradas", Qrre tornam p.13.
depois de E Polo:
se momento, o imperador I(ublai Khan'
ouvir de seu dileto vi{ante Marco Polo narrativas
- O inferno dos vivos não é algo que será;
fantásticas de suas terras longínquas' pergunr¿:
se existe, é aquele que já está aqui, o in-
"- Você, que explora em profundidade ferno no qual vivemos todos os dias, que
eé capaz de interpretar os símbolos' sa- formamos estando juntos. Existem duas
beria me dizer em direção a qual desses maneiras de não sofrer. A primeira é fá-
futuros nos levam os ventos propícios? cil para a maioria das pessoas: acertar o
inferno e tornar-se parte deste até o pon-
portos eu não saberia traçar a to de deixar de percebê-lo. A segunda é
- Por esses
arriscada e exige atençào e aprendiza-
rota nos mapas nem fi-rar a data da atraca-
partícula que gem contínuas: tentar saber reconhecer
ção. À vezes, basta-me uma
se abre no meio de uma paisagem incon- quem e o que, no meio do inferno, não
é inferno, e presen'á-lo , e abrir espaÇo"'
g:ruente, um aflorar de hrzes na neblina, o
diálogo de dois passantes que se encon-
tram no vaivém, para pensar que partindo
dali constmirei, pedaço por pedaço, a ci-
dade perfeita, feita de fragmentos mrstu-
rados com o resto, de instantes separados
por intervalos, de sinais que alguém envia
e não sabe quem capta. Se digo que a ci-
dade para a qual tende a minha viagem é
descontínua no espaço e no tempo' ora
mais rala, ora mais densa, você não deve
crer que deve parar de procurá-la' Pode
ser que, enquanto falamos, ela esteja
aflorando dispersa, dentro dos confins do
seu império; é possível encontrá-la, mas da
maneira que eu disse.
O Grande Khan já estava folheando em
seu atlas os mapas das ameaçadoras ci-
dades que surgem nos pesadelos e nas
maldições: Enoch, Babilônia, Yahoo,
Butua, Brave New World.
Disse:
a cidade imaginaria
o mundo interior e o mu[do exterior, e para em- assim como aquelas relativas à comunicação a
preendermos tal busca, consideramos a cidade distância e à informatização vêm alterando pro-
sob seu aspecto imaginário. Tomamos como re- fundamente, especialmente a partir da década
ferência para proceder uma escavação alguns de de 60, o conceito de cidade e as formas do viver
seus suportes de memória coletiva, ou seja. os urbano.
monumentos na cidade. Preservação e Destruição são categorias
Alguns monumentos da cidade, como o exacerbadas devido ao ritmo de suas modifica-
MASP, têm sua evidência qrìase que naturaliza- ções. O termo "estátua", por exemplo, que suge-
da. Outros, como o monumento a Ramos de Aze- riria algo imór'el, estático, não se coaduna com
vedo, revelam pela sua temática, localizaçào e tra- os monumentos desta cidade. Envolvidas em seu
jetória de seus deslocamentos, um sentido que ritmo, aqui, as estátuas dançam.
escapa aos olhos e só pode ser reconstruído atra- Por outro lado, os vestígios de obras ou mo-
vés da composição de falas anônimas. Sua ausên- numentos, presentes ou ausentes, nào são de
cia se faz presente pela articulação das memóri- uma antiguidade remota, que se reconstitui ape-
as pessoais às memórias coletivas e demonstra nas num tempo longínquo, miticamente cons-
mais uma vez que estas duas categorias podem truído, e as suas ruínas se acumulam misturan-
se revelar, às vezes, em uníssono. do-se às lembranças dos muito jovens. O ritmo
São Paulo, sem sombra de dúvida, abriga das transformações se impõe. A beleza repousa,
transformações vertiginosas. Aqui, as ruínas do assim, nesta possibilidade vertiginosa de umades-
antigo parecem ser tão recentes que ainda re- truição iminente. A morte e o maravilhamento
pousam intactas na lembrança de todos. são categorias que se aproximam neste contexto.
Esta cidade se constitui, antes de mais O ritmo é observado nos espaços reserva-
nada, como um sistema de comunicação onde dos às obras: na cidade ou no museu. No museu,
as mensagens são transmitidas aceleradamente. o qualifìcativo é o da permanência. A duração
Estes ritmos se rebatem nos monumentos. Ao almeja a eternidade, ultrapassa o presente. A
mesmo tempo que a cidade expande os seus do- cidade mistura os ritmos, as referências da ins-
mínios, estes tornam-se cada vez mais irreais. tabilidade e da duração. Alguns objetos são
Dispersa, restam-lhe poucos lugares públicos incorporados ao repertório visual de seus habi-
que a identifiquem. A deslocalizaçâo e o des- tantes, ligando-se às suas experiências afetivas, a
locamento são falores inerentes da cidade momentos signifrcativos de sua vida. Em suma,
como urbs (território físico da cidade) ou corno são apropriados. Nesta perspectiva, ao destacar-
ciuitas (comunidade dos cidadãos que a habi- mos monumentos significativos, não temos uma
1 tam). Aliás, segundo Françoise Choayr, tal dis- preocupação descritiva, mas narrativa. Deli-
CI-IOAY, Fralçoise
tinção torna-se absolutamente ultrapassada, beradamente, as particularidades se fazem
El rcino de lo urbano y
la rnucrte de la ciudad. pois o conceito de cidade tradicional modi- plenas de sentido, e as rememorações indi-
ln. \'isi ones Url¡ an as :
fica-se em favor do conceito de "urbano". viduais encontram suporte e podem se abrir
Ltuoþa 1870 1993
Barcelona: Desfaz-se a antiga solidariedade entre urbs à imaginação criadora, às fantasias. Partindo
Cenrre dc Cultura
Contemporánea, 1994, e ciuitas.
P23 O lugar da permanência da cidade é alte-
rado por uma zona de passagem que caracteri-
za o urbano. As inovações ligadas ao transporte
58 além dos mapzrs
a cidade imaginária 59
terminado grupo de poéticas artísticas que vêm, mensional e invadem o espaço de sua casa, seu
desde meados do século passado, apropriando- espaço de trabalho e vida cotidiana. O procedi-
se da cidade para a criação de suas obras. Segun- mento pàra a construção de sua principal obra
do esta arttor:a, as investigações da cidade pelo Merzbau, que durou aproximadamente dez anos
flâ,neur, as excursões dadaístas e as errâncias para ser realizada e foi destruída por uma bom-
surrealistas são as primeiras tentativas de leitura ba na Segunda Guerra Mundial, foi a justaposi- 4.
da cidade atrar'és de sua configuração espacial. ção de detritos e objetos encontrados þela cida-
O'DOHERTY, Brian.
Ins¿de the uhile Cube
3. Além do que, aponta3: de criando um ambiente insólito. The ideolog of the galletl
FTOLLEVOET, sþace. San Francisco:
Christel Segundo O'Dohertya a construção do Mazjau Lapis Press, 1986, p 44.
Déanbula¡ions dans la "o campo da experiência da perambulação poderia ser considerada uma primeira ,,instala_
viììe Dc la flâncrie et
la dérive à
citadina foi praticada pelos artistas que tra- ção" onde a cidade tem papel preponderante.
l'appréhensior de b¿Llharam no domínio da þerformance ou dct Como mencionou o próprio Schwitters, se
l'espace urbain datts
fluxus et l'art haþþening. Em suas obras, realidade e re- o seu trabalho tem algum princípio oreanizativo,
conceptuel Parachule, presentação se confundem, a ¿ì.rte se re¿rli-
n 68, Oct.,/Nov./Dcc
esse seria o mito da cidade.
1992, pp 21-25. za num tempo-espaço real, e pode ser ape-
nas documentada através de ceftos vestígi-
os tzis 6e¡¡s ¿sxtos, fotogmfias ou mapas".
Mmbru (192T32)
Sobre os mapas, que esta autora aqui nos Kurt Schwit¡ers5
indica, iremos nos deter, a seguir.
Para os surrealistas, especialmente Breton,
Aragon e Vitrac, o fundamental era se perder na 5.
Consttuído com o
cidade; o trabalho se realizava na experiência da métotlo de rcsembløgena
errância. A cidade também foi o campo escolhi- cöa do artista em
Hanôlrr, a obra foi
do para a teàlizaç:ào do programa dadaísta. para destruída por uma
estes artistas, na cidade as coisas se oferecem à bornba durante a
Segrnda Gucrra
percepção em profusão e liberdade e, segundo MundiaÌ.In ÂRGAN,
G.C.AtleA.Iodmø
os princípios desta poética, seria possível reeditar
SãoPaulo: Compmhia
as leis do inconsciente, através do encontro for- dæ Letræ, f992, p. 359.
a cidade imaginária 63
62 além dos maPas
mático dessa nova sensibilidade que se desen- um autor de uma época anterior para revelar sua BOLLE, Willi.
Fi s i o gn o mi a d a lv{ etr oþ o le
volve a partir daí. Um possível caso de amor própria época. ùI o dern a Relnes entaç ao
entre transeuntes que se clrtzàÍrr apressados na No primeiro poema dos Tableaux Parisiens da História
em IYaLttrBnjamin.
rua de uma grande cidade é feito e desfeito - como obsewa Augé8, apoiando-se em comen- São Paulo: Edusp, 1994
e passagens seduzem o cidadão ao mesmo tem- situa a posição particular do poeta que
po que provocam nele novas atitudes, como a deseja, em suma, ver as coisas do alto e
iu-o.u metáfora do esgrimista' para poder so- de longe. e nào perLence nem ao uni-
breviver aos choques diários que sua nova condi- verso da relisião nem ao do trabalho".
ção "moderna" lhe imPoe.
Esse poeta, que teve na figura do flâ'neur Esta oposição corresponde, para Starobinski,
sua mais completa tradução, foi defrnido por ao.duplo aspecto da modernidade: "a perda do
Walter Benjamin como um fisionomista da ci- suJelto na multidão
- ou ao contrário, o poder
64 além clos mapas a cidadc irnaginária 65
absoluto reivindicado pela consciência indivi singular, e através da qual não apenas a
clual". Mas, sobretudo, é a posição do poeta' rua, mas o labirinto da cidade pode
olhando de cima, tornando a cidade que obser- irromper no espaço privado onde habi-
va um espetáculo que salientamos aqui' Ora ta o sujeito".
como cenãrio, ora como massa amorfa, é sobre
a cidade que reflete Baudelaire, ao refletir-se Esses artistas do século passado já encon-
na paisagem que obsen'a do alto: travam certas preocupaçoes que passaram a ser
muito significativas na contemporaneidade.
" Les deux mains Q'u menton, du ha'ut de ma
mansarde,
je unrai I'atelier qui cha,nte et qui bauarde E hora de queimør o Louare
Les tujaux, lcs cktchus, ces mâts de la cité
9.
Et lzs grands ciek quiJont râuer d'étemite'û . A década de 60 de nosso século é marcada
"O queixo aPoiado lras pelos ventos contestatórios que invadem todos
rnãos, no alto da
minha mansarda,/
Da mesma forma, ao traduzir Allan Poe os domínios. Alteram-se radicalmente as formas
verei a oficina quc especialmente no conto "O Flomem das Multi- convencionais de fazer arte e de mostrá-la. A or-
canta e tagarela,/
as chaminós. os dões" revela, talvez pudéssemos arriscar em di- dem é negar toda e qualquer instituição. "Quei-
camPanarros, esses zer, à proximidade de pensamentos' através da mar o Museu do Louvre" era uma das palavras
nastros da cidade,/
E os grandes céus que mesma preocupação com o poder encantador de ordem nesse momento. O ataque às institui-
das massas. Nesse conto, um sujeito observa de çóes trazia a reboque uma nova forma de ver e
lcvam a sorrhar com a
cternidadc".
suajanela o movimento das ruas' especialmente fazer arte. Os objetos artísticos deveriam se desin-
a estranha figura, que procura incessantemente vestir da aura de eternidade, da durabilidade e,
a companhia das multidões. Esse conto parece muitas vezes, de qualquer possibilidade de ven-
também revelador, uma vez que seu protagonis- da, de ser consumido. Criam-se antimonumen-
ta é a multidão e seu cenário é a cidade, observa- tos. A transitoriedade da arte contemporânea con-
da a partir da janela. Como observa o crítico trapõe-se à pretensa eternidade dos monumentos.
Damischìo: Essa modificaçáo aparece claramente nos materi-
10.
DAIÍISCH, Hubert. ais e suportes que os artistas escolhem para suas
Ventataalacalle In: "A questão da visibilidade da cidade , ou obras. O bronze e o mármore deixam de ser os
Iisiones Urbanrts
EuÌoþa 1870 -l 993 como se diz hoje em dia, a questão de materiais mais importantes. E como nota o crítico
Ciurlatl, del atlista, la
sua legibilidade, só começa a colocar-se Van Den Abeele: "os artistas contemporâneos es-
Ciudad del arquiLelo l1
Barcelona: Cent¡e de no momento em que sua rmagem come- tào mais preocupados com questões ligadas à ABEELE, Van Den
Culnrra Leeven.
ça a de teriorar-se; e não apenas pelo di- cspacialidade do que com as técnicas artesanais"rr.
Contemporánea, 1994, The monument in the
p 20. vórcio cada vez mais patente e entre a Basta lembrar das esculturas autodes- XX century sculpture
trIonumenta,
forma e as suas funções, mas também trutivas de Tinguelyl2 e as primeiras obras daPoþ- 19¡ Bicnal da Escultura
pela dissolução dos laços comunitários nrl, onde os materiais e formas utilizadas negam do Nfnseu de
Middelheim, 1987,
tradicionais na massa, o mais impenetrá- qualquer princípio eloqùente ou reverencial. Em pl9
vel de todos os labirintos..'. a janela não Poucas palavras, tais programas estéticos impli-
c¿rm não apenas uma nova forma de fazer, mas t2
é mais do que uma entrc as muitas mira- Referimo-nos aqui
das que a cidade volta sobre si mesma'
l¿rmbórn uma nova forma de mostrar e, corr- espccialmente à obra
Honenagem a Nouru Yorh
fi(lqlrentemente, de ver a arte. Os lugares insti-
Trata-se de uma mirada pelo que tem de de 1960
66 além clos nzrpzrs a cidade imagirária 67
tucionalizados para a exposição de obras, mll- emergir de uma lóg-ica própria, aliada que esrá à
seus e galerias assim como todo o sistema cle arte sociedade de consumo. Tudo é paraser visto rapi_
são considerados, a princípio, como instituições damente e a mensagem unívoca leva ao consumo.
de poder a serem qtrestionadas. Essa proliferação de signos que esgota e
É nesse momento que as petformances (ins- destrói qualquer sentido também foi e tem sido
tabilidadc no tempo) e as instalações (instabilida- tema de debates, desde o pós-guerra, porém se
de no espaço) tornam-se poéticas significativas. acirra nas décadas de 50 e 60.
Os espaços de exposição deveriam, tam-
bém, ser reinúentados, além dos limites do pre-
viamente cstabelecido. Toda a natureza poderia Os Situacionistas
ser investida esteticamente. Nessa perspe ctiva sur- e a þsicogeogrøfr,a da cidade
gem os pro.jetos em Enuironmentr.tl Art, por exem-
plo. O espectador de arte, por sua vez, passa a se Dentro da perspectiva que nos interessa
deparar com as mais inusitadas propostas artísti- aqui, um nome se destaca no meio desse debate:
cas, fora dos espaços convencionalizados de ex- Guy Debord (1932-1994), o arrisra-reórico do
posição. Inúmeros são os projetos nessa linha. O movimento Situacionista Internacional.
escultor norte-americano Robert Smithson, por De todas as poéticas e programas artísticos
exemplo, escolhe uma região desértica nos EUA que nosso século produziu talvez tenham siclo os
para a realizaçio de sua obra SþiralJetty, que co- Situacionistas Internacionais, depois d.os Surre-
mentaremos a seguir. O búlgaro Christo realiza alistas, aqueles que mais se aproximaram da idéia
projetos de "empacotamento", nos mais diferen- e experiência de uma cidade imaginária, carre-
tes pontos do mundo, interferindo em prédios, gada de conteúdo simbólico.
can)ons, vales, alterando a relação das pessoas Surgido na França em lgb7, tal movimen_
com os espaços, ressemantizando-os. No Brasil, to (se é que pode ser definido como tal) aparece
é clássica a Expøriência na3 de Flávio de Carvalho no bojo dos movimentos contestatórios do pós-
(na década de 50), andando de saias no centro guerra e sua existência alcança a década de 70,
da cidade "lançando um traje de verão". apesar de ser pouco conhecido e estudado entre
De maneiras diferentes, esses projetos tra- nós13. Em 7967, na esteira dos movimentos estu-
balham num esforço de resgate da sensibilidade dantis que se seguirão, Guy Debord publica Zø 13
e das percepÇões individuais amortecidas. Reali- Sociétó d,u Sþectacle que virá a ser uma síntese da Salvo Lradnçocs de
aìguns rnalifestos
zadas em espaços abertos, essas propostas invali- poética do grupo. realiz¿das por Oarlos
dam qualquer definiçâo a þriori de "público de A categoria do espetáculo, segundo Jona- Rol¡erto Andrade
arte". Dirigem-se para quem estiver ali, naquele
- \icr revista
than CraryÌa, apesar de ter sido intrãduzidá por n ,1, 1993 Oarlzo4
.
momento. A disposiçáo estética torna-se um atri- Henry Lefébwe em sua obra "Crítica da vida co-
I4
buto secundário, pois o encontro com a arte é tidiana", foi revigorada por dois de seus d.iscípu- CRARY,Jonathan
absolutamente casual. tos:Jean Baudrillard e Guy Debord. Spectaclc, r\rtention,
CoIn ter-tr{e mory
O espaço utbano, apesar de ser campo pri- Baudrillard ocupa-se da análise da prolife- OcLobr, D 50, 1a11 I 989
vilegiado para as experiências artísticas coletivas, ração dos signos na sociedade de consumo
e de
é também um lugar onde a lei da funcionalida- nglobando todo
de é cada vez mais naturalizada. A informação no limite, sujei-
que caracterizaa cidade contemporânea parece espetáculos.
68 alóm dos maPzrs
a cidade imaginár:ia 69
quais investe seu olhar e sua fantasia. Trata-se velmente ligado ao reconhecimento de
de uma atitude mais crítica do que a do flâ'neur, efeitos de natureza psicogeográfica e à
uma vez que tenta desmascarar a homoge- afirmação de um comportamento lúdico-
neidade dos espaços no período pós II Guerra, construtivo... ".
quando os veículos de comunicação de massa
ganham maior impulso. Essa þsicogeografia das cidades, que podc
Aquele que deriva não considera as coisas ser revelada pelas experiências individuais,
espontane amente visíveis, obj etos de contempla- chamou-nos a atenção desde o princípio. A
psrcogeografia ê um método de abordagem
ção como o flâneur, mas entende que os quartei-
da cidade e possibilita a construção de rnapas
r-ões por onde anda são construções sociais e, por-
imaginários. Tais mapas não têm valor descri-
tanto, ele é capaz de "reconstruí-los", rompen-
tivo como os mapas usuais da cidade, construí-
15. do-os, fragmentando-os com seu caminhar. E o
\{CDONOUGH, dos a partir d.e um lugar absoluto e inexisten-
Thomas espetáculo social, em suas fälsas montagens' que
tc, mas seu interesse é de outra ordem, mais
Thc Situationist Spàcc. deve ser arrebentado desde dentro.
Octolter, n. 67, vlvencial e narrativo, onde os trajetos estão
rvinLer 1994, p. 75 Como explica McDonoughl5:
a cidacle imaginária 7l
70 além dos maPas
quanto usina do imaginário social" ' nho que une diferentes setores, realçam ruas e
revelam monumentos da cidade investidos sim-
O que nos interessa é essa experiência da bolicamente, ao passo que apaga outros.
O mapa construído pelos Situacionistas In-
cidade ,iputde ser mapeada através da relação Nakul Cit¡,19rt7
de seus habitantes com alguns de seus monu- ternacionais denominado Nahed City, não por Grg Debord
par Gt 0t80RD
-
72 além dos maPas
a cidade imaginária 73
\ar
,JA '\
!fi
,í Dtl 4
Psicogeográfico de Paris"' São ao todo dezenove
setorès da cidade, entre os quais diversos monu-
/-*{-
mentos, ligados por flechas vermelhas' Tais fle-
chas indicam as possíveis trz{etórias' Porém, as
distâncias nesse mapa náo correspondem às dis- .1- J N¡"'
mapa da cidade se sobrePõem, não é mentos signifìcativos na medida em que podem entre llfário de
Ardr ade e Be njirrnin,
possível desenhar um sem o outro"' corresponder às partes de seu corpo. Ritualiza aí esses clois apaixonados
a memória topográfica, ressemantizando o cor- pelzrs cidadcs crn quc
\a\/crarn.
Nesta perspectiva ganha corpo o concei- po da cidade; envolvendo-o em signifrcados que
to de memória topográfica onde os lugares im- transcendem sua espacialidade. Trata-se de uma
poesia-testamento, pois fornece um mapa afetivo
portam à medid'a que podem ser recipientes de
de uma cidade a ser rememorada depois de sua
lembranças.
morte. Escreve o poeta23: 23
Vejamos o maPa de Benjamin: ANDRADE, ìVláriO
Pctcsias Comþletos
"Quando eu morrer quero ficar, lldição Crítica.
"Quando eu estiver velho, gostaria de ter no corredor Dilóa Manfìcr
Não contem aos meus inimigos, ßelo Horizo¡ ¡e:
da minha casa Itatiaia, São Paulo:
Scpultado em minha cidade,
Um mapa de Berlim Edusp, 1987, p. 381
Saudade.
com uma legenda
Pontos azuis designariam as ruas onde morei
Meus pés enterrem na rua Aurora,
Pontos amarelos, os lugares onde moravam minhas
No Paiçanclu deixem rneu sexc)
namoradas
a cidadc imaginária I/
76 além dos maPas
Tão parti-
ências individualizadas de cidade'
cular quanto a experiência do flâ'neur cle Bau- '4s
deriva'
delairË, ou de um Situacionista que
muitas
;;;. óebord, os maPas traduzem' (Certeau) e
;;;;t uma retórica do caminharsentidos' Os
reinvestem os espaços de novos
nao
diagramas dessa vivência dos espaços
.o.î"rpotdem, entretanto' ao dado imedia-
tamen?e percebido, mas à sua reconstruÇao
das fan-
25. ui.uu¿s då imaginaçã'o, da memória'
É siqn i{ìcativo obscn'âr tasias de cada um25'
Não é possível ver tudo' mas o reconhe-
como o tcmadosmaPæ
tcm papel cle clestaque
crn exposições coletivæ
de ute conterrrPorâtlca
cimento se dá attavés de partes qtre se fa-
ga-
recentes, como õ çam significativas, que se d-e-staquem'
exposições ÌIúPy'ing
nhandã outras dimensões, além da dimen-
re¿ùiadæ no MONIA-
N\'(outdez.1994) em são física.
que form retuidas
obræ de difèrentes
Para tomar apenas como exemplo entre
a-tistÆ dentro dessà muitos artistas conceituais dos anos 60-70' exa- À/Ionumenls of lhe
Passaic,1967.
temáticalou ai¡dao
minemos o trabalho do artista norte-amenca- Robert Smithson
sctor mals
quaisquer da cidade que o artista recorta e ele-
contemPorânco no Robert Smithson (1938-1973), t- especial Cortesia deJobn
(194G1993), ACidacle va a essa categoria "nobre," através de sua \4/eber Gallcry, N.Y
dos Arústas daexPosição sua produção da segunda metade da década Lcgado de Robert
operaçao.
de 6^0, o que chamou de " site and non-'site"' Pre-
Srnithson.
cole:dva Visiotæs Url¡anas -
Ewoþa1870 199),
realiada emBucelona, ocupa-se em reglstrar os diferentes ritmos de
1994 PæticiParm desta
exposiçáo: Gnilhenne
m..àção dos meios naturais e culturais' As Os labirintos da, cidade e da arte
Kui tca, Piene Courdier, mutações urbanas são muito aceleradas e es-
sas modifìcações são contrapostas à lenta
Dmi Kr¿ven' Alain sedi-
Bublex. Todos eses A essânci,a mesma do labirinto
arlistas tr¿balhm com a mentação das pedras. Justapõe o registro de
é circunscreaer no menor esþaço þossíuel
ambos em suas composições fotográficas' Esse
imagcm dos maPæ
o mais comþleto emaranhado de uered'as
artista, em 1967, -.i-o ano da publicação da uiajante
mapa retarular, assim, a chegada d'o
Société d,u Sþectctclede Debord, publica um
e
mo a Nova York. São fotografias de lugares Enuironmental Art, Land Art e demais pro-
e GHEERBRANT. A
Dicion tirio tLe Sinb o lo s
aparentemente banais que o artista monta lado postas congêneres são interessantes à medida que
Rio dcJaneiro:
Olyrnpio, 1991.
a lado como um mapa narrativo, destacando abrem novas alternativas para mostrar arte. Não
.José
p. 530
alguns pontos dos quais ele se apropria nessa deixam de ser, no entanto, propostas contraditó-
oi.tuçåo artística. São o que chama de "mo- tìas já que, muitas vezes, são realizadas em locais
nlmentos" e que fotografa para dispor numa muib distantes, onde o acesso é difícil e o tempo
seqùência à mãneira de um guia ilustrado' O de duração dos trabalhos é também relativaÍten-
tratalho chama-se Monuments of the Passaic' Aí'
tc curto, o que faz corll que sejam observados, na
os espaços têm uma perspectiva absolutamen- maioria das vezes, por meio de fotografias.
te subietiva. Os "monumentos" são set'ores
B0 a cidade imagilária Bl
alórn clos maPas
A permanência no museu parece assustar Nos cantos lia-se em letras miúdas "seu
ersa..iuãora de retratos fugazes' Suas obras de- corpo é um campo de batalha". A temática femi-
com nina (ou feminista) teve um alento, mesmo que
vem se misturar ao mundo, confundirem-se
o cotidiano, cumprindo no breve período de sua temporário, nesse trabalho.
existência o destino'dos objetos na contem- Como símbolos de nossa época, as suas
poraneidade: serem consumidos rapidamente' obras, assim como o suporte que utiliza para re-
No entanto os trabalhos de Kruger pro- alizâ-las: outdoors, camisetas ou mesmo as instala-
põem contramensagens, são ruídos na comuni- ções estão sob o signo da transitoriedade. Dizem
lação uníssona da propaganda que forja ideais um pouco de nossa fragilidade, de nossa fransito-
de conduta e aparência' Utilizando-se rlas ima- riedade.Já o artista polonês, Krzysztof Wodiczko'
gens da comunicação de massas' imprrta-lhes utiliza-se dzrs paredes de edifícios públicos e monu-
.,-u rtouu retórica, estende seu signifìcado origi- mentos para a projeção de imagens desafìadoras.
nário através de suas montagens. Valendo-se de uma estratégia situacionista,
Mais do que a fugacidade do tempo, a re- realiza intervenções, com projeções de slides etll
lação imagern/texto, aí adulterada pela interven- grandes dimensões, que são, para dizer o míni-
ção artística, subverte qualquer possibilirlade de mo, inusitados.
identihcação. Por alguns instantes os edifícios deixam de
Em 1992, Barbara Kruger esteve no Brasil ser o que são e servem como sustentaÇao para
realizando um trabalho em São Paulo. Nos seus imagens que subvertem qualquer sentido ritual
outd,oorsespalhados pela cidade via-se um homem ou comemorativo. Na Coluna da Vitória, por
examinando uma mulher através dos olhos' A exemplo, Wodiczko projetou a imagem de um
frase "Mulheres não devem ficar em silêncio" em
28
míssil (1983)28. DIMI-IRIJE\TC, Nena.
ùIulheres nao deven ficar
en silincio, 1992 fundo vermelho contrastava com a imagem em Nleanrvhilc in the real
Barbara l(mgcr' rvorld. 1la¡/¡ ¿¡1,
OuldooriT
preto e branco. n 134, N{ay, 1987,
Cidade Universitária pp.4449.
fr T
,
"ll
--{E_.tr!
I
Projecão da Coluna da
<*-..- Vitória, 19133
- Krzysztof Wodiczko.
Stuttgarl,
-
a cidade imaginária 87
86 além clos mzrPas
vez perca, a cada dia, espaço para a propagan- em seu interior. até o nornento:
'1\ cidade sem -j:rnclas"
Ao menos é essa a tese de Baudrillard32 em
da. Èasta observarmos, no centro da cidade de (março 1994) e "A
São Paulo, as fachadas dos edifícios antigos sua apreciação do La Vi'llete de Paris' Segundo cidade e sens fluxos"
(scr./out 1994)
recobertos por painéis publicitários' esse autor,
32
A informação e a comunicaÇáo, que ca- BAUDRILLARD, Jean
"a invenção de um espaço público é, com
r acteriza a cidade conte mporân e a, pare ce eme r- La Villelte'Ì'raduçàcr
cte I lìg=ira de Nfello,
efeito, uma grande coisa... Mas o que sig-
gir de uma lógica própria, aliada que está à so- mimeo s/d,p 10.
ãl"dud" de consumo. Tudo está para ser visto nifica querer recriá-lo em um recinto
designado e protegido quando todo o
rapidamente e a mensagem implícita é única:
consuma. problema é o do desaparecimento do
espaço público no resto da cidade? A não
Nessa medida, quando os artistas aproxi-
ser salvar o espaço público e inaugurar
mam a arte da cidade, muitas vezes suas obras
sáo interpretadas dentro do universo da propa-
um museu do espaço público?... E essa
devastação, desertihcação da cidade, que
ganda. São inúmeros os exemplos nesse senti-
áo. Em São Paulo, Nelson Leirner foi um dos o parque e o museu procuram ocultar,
exorcizar. Mas a cena verdadeira é a da
primeiros artistas autilizat o outdoor para veicu-
cidade devastada e é entre esta cidadc e
iur rtut obras, e o rosto de uma mulher impres-
a Cidade Ideal que tem lugar o verda-
so ali em diversas cores foi interpretado como
deiro drama".
30 uma propaganda de uma escola de arte3o'
FARTÄS, Ag;nirldo Ora os artistas se apropriam da cidade
Nelson J-eirner A conservaç âo paralizante de determinados
Cìatálogo cle Exposição como tema para seus trabalhos, ora a cidade, ela
setores "históricos" da cidade, para que estes fun-
Sccretariir NluniciPal mesma, é assunto para exposições em museus e
dc Crtltur¿r Pâço d¿s cionem como museu, é referida por Augé33, que
Artes, 1994, p 5tì. galerias de arte.
reclama de certa "musealização" das cidades fian-
cesas, e referindo-se mais especialmente a Paris,
CSCTCVC:
Acidadeeomuseu
-frazer a cidade parà o museu' em riltima "nossas cidades se transformaram em
museus (monumentos revalorizados,
análise, seria uma tentativa de manter sua pers-
expostos, iluminados, setores reservados
pectiva estética como centro de interesse. Se, na
I -
88 além clos mapas a cidade imaginária 89
e ruas para pedestres) erìquanto des- Londres, sua reflexão não deixa de ser signifi-
vios, rodovias, trens de alta velocidade e cativa dentro do contexto que nos interessa
vias expr-essas nos desviam dèles". aqui, ou seja, a relação do museu com a cida-
de contemporânea.
A cidade, por outro lado, tem sido tema Os chamadc¡s nouos mu,seu,s, escreve a
de muitas exposições em museus. Amusealização autora3a: 34
AR{NTES. Orília
da cidade ganha nessas exposições uma outra Os Novos Nfuseus
face. Talvez seja esse mais um indício de que a "são os principais responsáveis pela di- Notos Esludos Cebraþ,
n. 31, ouL. 1991, p Ì6ô
cidade deixa de ser um espaço aberto à contem- fusão dessa atmosfera de quermesse ele-
plação, às descobertas, ao aprendizado e delega trônica que e nvolve a vida pública repro-
ao museu essa tarefa. Vale assinalar algumas mais duzida ern modéle reduit. Seria descabido
recentes como T-he þower of the City (Withney suspirar pelo retorno de uma relação
Museum - N.Y., 1989); La uille, Art et Architecture hoje inviável com a obra de arte arrrraze-
enEuroþe 1870 - 1993 (Centre George Pompidou'
nada nos museus, intimamente perdida
Paris, 1994) entre outras.
e inviabilizada numa sociedade de mas-
Parece importante apontar que cresceu sig-
nificativamente o número de museus nos últi- sas;pelo contrário, trata-se de compre-
mos anos, além do que tem sido muito discutido ender no que deu a expectativa aborta-
os chamados eco-museus ou museus de "sítio". da quanto às virtualidades progressistas
Esse modelo seria, para alguns museólogos, o de uma atenção distraída da arte , como
modelo de museu do século XXI. No entanto, imaginava Walter Benj amin ".
se esse museu sem paredes se constitui como um
paradigma para o futuro, passemos a analisar Seguindo a trilha apontada por Arantes,
como a mistura dos museus com as demais insti- nã,o é possível deixar de observar as discussões
tuições da sociedade contemporâneavem se dan- da década de B0 concernentes à morte da arte
BURGER, Christa.
do de maneira bastante acelerada nos últimos e à dissolução da arte na vida cotidiana. Christa Thc Disappearance of
anos. Art: The
Burger3s alerta que não se fala mais de museus Postmodernisr¡r
A crescente necessidade de lazer e os luga- isoladamente, mas que essa discussão é supor- Debate in the U S
res restritos para os encontros sociais são apenas 2lo¡ n ô8,
tada por algo muito mais amplo que se liga à Summcr 1986, p 104.
algumas das razões que possibilitam ao museu lógica da sociedade capitalista, denominada
um espaço de destaque nas cidades contempo- pela autora como "Cultura de Museus". No li-
râneas. No entanto, esse museu referido aqui mite tal discussão remete à relação da arte com
parece manter poucas semelhanças com os lo- os objetos do universo cotidiano, que só ga-
cais reservados no passado à þura relação com a nham estatuto de obras dentro do museu. Ape-
arte. Esses novos museus, como aponta Otília sar de o objeto ser o mesmo, seu valor aí se
Arantes não se distinguiriam mais tão facilmen- altera. A ambigüidade da percepção ava:nça
te de shoþþing centers. sobre a realidade, e o museu passa a ser o
Vale lembrar que, apesar dos modelos to-
detonador dessa ambigüidade. Tudo é capaz
mados pela autorà parz- análise serem os mu-
de ser apreciado como uma obra de arte em
seus do assim chamado primeiro mundo, como
potencial.
o Beaubourg em Paris ou a Tate Gallery, em
l-
90 além dos mapas a cidade imaeinária 91
remete ainda a mausoléu, uma das analogias mentos de arquivos e das instituições
mo
possíveis, segundo Yaléry, a museu. Resgatando numentais. Ao poder pela memória
res_
a etimologia do termo mausoléu, encontramos ponde a destruição da memória,,.
algo interessante:
"mausoléu=mausolu=sepulcro suntuoso
(séc.XVI). Do latim mausoleum, derivado
do grego - Mausolos, rei de Cária, cuja
viúva, Artemísia, mandou erigir-lhe um
42.
túmulo em Alicarnasso, em 353 a.C., o Escultor da ex-URSS
atàca onda iconoclasta
qual, mais tarde , foi considerado uma das
Folha de S. paulo,
sete maravilhas do mundo"3e. 15/9/7ßr,p.2.7.
39. Escttlturøs ? monumentos ?
CUNHA,Antônio
Geraldo da.
O sentido de monumento liga-se, portan-
D i c io n ári o E timo ló gi c o Como documentos, os monumentos
Noua Fronteira d¿ to, desde sua origem, a uma relação entre mor- são
Língua Pffiluguesa. criações marcadas social e historicamente;
Rio deJaneiro:
te e maravilhamento, categorias inerentes tam- munham, porém, melhor a época de
teste_
Nova Fronteira, 1982. bém ao museus. sua execu_
p. 507. ção.do que o período qrr. prèt rrdem evocar. A
Desde a antiguidade romana, como ensi- utilização de materiais, os estilos de
40. na Le Goffao, o rTlonuTnentumtende a especializar- execução
LE GOFF,Jacques. do "espírito do tempo,'.
Memória It Históriøe se em dois sentidos: ios
Memória. Campinas:
ional e resgatam o sentido
Editora da Unicmp,
"a obra comemorativa de arquitetura ou
enr urar,
1994, p. 535 e segs.
de escultura: arco do triunfo, coluna, tro
féu, pórtico ou o monumento funerário i;"-
destinado a perpetuar a recordação de uma Aliás, a leitura mais imediata dos monu_
pessoa no domínio em que a memória é mentos tem sido através de sua
função como
particularmente valorizada: a morte". mensageiros ideológicos; vale
lembrar que os
p^eríodos pós-guerra
ioru- privile giaJã. puru
Partindo desse significado originário, ve- sas construÇões
e as figuras ho-.rräg"udas apare_"r_
mos os monumentos ligados, desde as origens, à cem ora como heróis,
ora como víãmas.
,{ t
Í
96 além dos mapas
a cidade imaginária 97
43 Os monumentos públicos propiciam assim
JEUDY, HenrT-Picrre
utna teatrakzaçãn social de aalores, uma vez que, Museu e monumento estão
Memórios do '\ocial identificados
Rio deJaneiro: na concepção de Jeudy, "consagram as imagens mais uma vez, inexoravelmente.
ì,'orensc UnivetsiLária,
Ambos são re_
da memória coletiva para além da tempo_ ceptáculos de memórias
1990, p.10. e soliclia;;_u relação
ralidade da vida cotidiana"a3. contemplativa. A relação
com a _or* sugere a
No entanto, para que os monumentos de_ su1 syp.eração pelo caminho
44. da eternização; o
sempenhem seu papel :nessà teatralização social da preseruação e durafao'p.fo
Ncssc scu tido
orgalllzaraìn-se
Iril.ry.r9
do às elaboraçoes da memória. ¡ chama_
de ualores deve haver, por parte do público, um
exposiçoes de arte que
pretendiam denegrir movimento de apropriação. por m;ito tempo, Difere_se, r entanto' dos princípios da
as cxperimcntações da
essa apropriação foi sinônimo de reconhecimèn_ escultura ao evo:-o
arte moderr¡a. A mais
céìeb¡e de todas foi a to. A história oficial, portanto, deveria ser narra_ jeção d. .o't..iiål'"ï:il:î"ticamente' a pro-
exposição organizada
ern tr4unique em 1937.
da por figuras reconhecíveis. Era preciso, por E da escul contemporânea
exemplo, que as pessoas se reconhècessem nas .af.astamais que se
Com o norne de "Arte nitid¿tura
lmente' vejamos algumas
Degenerada" foram
figuras representadas, para que os monumen_ sas diferenças. des-
cxpostas ô50 obras de
artistas de \anguarda tos pudessem ser assimilados dentro dessa repe_ Os monumcnlôs ¡^,-^ ,,:*^-
como vimos'
execrados pelos são cons-
tição do sempre igual. Os regimes totalitários ser_ truídos como para preservar algo' tendo'
Mu
nazistas, entre eles:
Beckman, Marc viram-se de monumentos para incutir à massa
-.T-'-ot'
portanto, u-a fur,to-
Chagall, Kandinsky,
Paul Klee e
Oskar Kokoschka,
seus valores. A mensagem era inequívoca.
É notório como ÈIitl., apropriou-se da arre
J:ii::ïäi::ii
Grosso _"
contemporânea não é evocatrva,
;:::1,,.,Tå
cujos trabalhos i-oram
monumental e da arquitetura para lazer valer e
ne; Þmpouco
apresentados de forma pretende representar quaisquer
provocativa, visando difundir seus princípios autoritários. por outro sua própria presença,
denegri-los assim corlo
lado, qualquer obra que se afastasse d.esses ideais, .,."lio.r"r_à
ofender seus criadores, lidade. Especialmente a partir
da
Ycr Degenøate ArL The seja do chamado realismo socialista, seja da ar_ como vimos, a perenidadè é substi
fate ûaant-gerde in Nazi
Guman¡ quitetura de inspiração neoclássica, era abolu_ consciência da transitoriedade.
Stephanie Barron: tamente banidaaa. A
temporâneâ, por conseguinte,
Los Angeles County
Herbert Read, ao tentar definir monu_ também não tem
Museum ofArt,/ A¡t como lema fundante a eternidade.
Institute ofChicago, mento, opta pela exclusão de termos. Ou seja, Os materi_
ais mais nobres como o bronze
1 991.
monumento seria tudo aquilo que se difere de ou o mármore
,{iuda a propósiro da foram substituídos por outros,
utilizaçáo da arte e da arquitetura e de escultura. partindo dessa defi_ menos nobres,
mais industrializados, não
arqurtelura como
nição encontramos, mais umavez, uma certa am_ raro, menos pe.en.s.
instrumentos da Aliás o rermo,,esculrura,, pu..;;;^;år.o_iru,
persuasão ideológica bigüidade nos primórdios da arquitetura. Como uma gama imensa de coiias,
nazista é digao de nota
o fi1me-documentário observa H. Readas "em algum mornento da histó_ mas voltando à
nossa questão inicial,
de Peter Cohen, ria da arquitetura o conceito de tumba c o con_ nessa relação entre escur_
Architectwe of Doom tura e monumento um
(Suécia, 1989). ceito de templo estavam fundidos e a tumba in_ elemento é crucial: a
corporou algumas características do templo...,,. ao lmpuar a catego_
Mais uma vez, nota-se a relação entre eto que exceda deter_
morte e maravilhamento entrelaçadas. Com o e bastasse ser gïande
45 tempo esses dois conceitos se fundiram. Os mo_
READ, Herbert
The monument and numentos são, portanto, construções ambíguas,
nos deparamos com
,-" -ä:ä*#ï'_i.î.î'
Como
dre amule¡.
In: fheAnofscuþture
cujo perfil ora arquitetônico, ora escultó;ico, ^: não são nos
clas
mapas situacionistas as distân_
físicas, a monumentalid.ade,
London: Faberand misturam cidade e museu, entrelaçam morte e tam_
Faber, 1956, p.9
maravilhamento. se apóia, necessariamenre.
l]r:T.",
rlstcas. em medidas
a cidade imaginária 99
98 além dos maPas
Além da não-vocaçâo para o ritual e da
Podemos verificar o monumental em aceitação da transitoriedade pelo uso de mate-
jóia'
obras de pequenos formatos como numa riais perecíveis, um outro aspecto distingue a
de uso doméstico' Ao passo que
ou num escultura moderna dos monumentos: a mobili-
"q"i"
u, grurta"."di-ert.õ.t não garantem' por
si só'
dade.
tal qualificativo. Como observa Rosalind Krauss,aT foi no final
47.
rei Fran- do século XIX que a lógica da escultura se tornou Sculpture in the
esculpido em ouro por encomenda do incompatível com os princípios do monumento.
Expanded field.
In: oriþnaktl ofthe
I
simboli-
.ir-'f da França é exemplar' Netuno'Gea
The
Tanto o Balzac (1897) quanto as Portas do Atant-gønle anrl olhu
I
I
102 além dos mapas
r a cidade imaginária 103
traçando os mapas
dos
imaginários urbanos
t"
108 além dos mapas
traçando os mapas dos imaginários urbanos 109
cidade pode ser investigada por diferentes pers- metodológicos. Procuramos saber: como se cons-
pectivas, resumidas, grosso modo, da seguinte tituem no interior dos indivíduos as cenas vistas e
maneira: como artefato, como campo de forças vividas no exterior? A que mapas internos se
ou como imagem. Como artefato a investigação referenciam, ao caminhar e traçar seus roteiros
se detém sobre seu aspecto físico' envolvendo cotidianos? Como se articulam os monumentos
elementos de sua topografia e geografra; como com as histórias individuais? Como o patrimônio
campo de forças, a cidade torna-se palco e prota- individual se destaca do coletivo? Essas são algu-
mas reflexões presentes aqui pois, o lugar preci-
gonista das forças de interação social, e como ima-
so, quantificado, objetivo da geografia, dá"htgar a
gem remete ao conjunto de idéias' expectativas e
um extraterritório, não tão facilmente localizáwel
valores que constituern o imaginá'rio urbano.
ou revelado, que exige outro tipo de atenção do
Para essa investigação valemo-nos, inicial-
leitor: uma atenção às paisagens interiores, rela-
mente, das operações dos artistas, tal como cons-
truíram e vêm construindo certo imaginário de
cio portanto
cidade. Emprestamos deles duas figuras alegóri- Pograrìa
cas: os labirintos e os maþas. Esta última figura, o
å: ca.
i
110 traçando os mapas dos imaginários urbanos 111
além dos mapas
P ar a ef etivâ-Ia, r ealizan:i.Los
uma pe squisa de mentos e os objetos arquitetônicos podem ser
Como já conservados ou destruídos.
campo em cinco museus da cidade'
per- um Assim, o ataque e destruição dirigidos aos
aleràmos, não pretendemos apresentar
dos depoimen- bens culturais perenes, por exemplo, são expres-
fil desses visitantes, mas' através
escauaçã'o' Escavar são de uma conduta que por sua vez se revela
tos recolhidos, proceder uma
memó- como conseqùência de uma determinada rede
. i".r,u. descobiir nas profundidades- daslatentes
fantasias de valorações e representações.
rias sociais soterradas e das
hoje' como Nessa concepção de cidade imagÌnária se
àrrit". universos de sentido' que têm ou alinham suas estruturas mais perenes. E interes-
ior.t"""ttos, apenas algumas construções'
sante observar a descrição que Argan faz do fun-
ainda, alguns vestígios'
Ná; aspiramos inventariar' mas itinerar' cionamento dessa sensibilidade:
pelos en-
percorrer ináiretos roteiros sugeridos
trevistados, sem esgotar as formas
mútiplas de "Cada um de nós, em seus itinerários ur-
banos diários, deixa trabalhar a memó-
experiência urbana.
A nossa PróPria ria e a imaginação: anota as mínimas
mudanças, a nova pintura de uma facha-
vezes, tomada como o
da, o novo letreiro de uma loja; curioso
monumentos da cidad
com as mudanças em andamento, olha-
savam desPercebidos a
rá pelas frestas de um tapume para ver o
dos... A nossa PróPria
assim como nosso cotidiano de trabalho
no mu- que estão fazendo do outro lado; imagi-
na e de certa forma projeta que aquele
seu dão substrato para alguns instantes auto-
reflexivos. No entanto' essas observações pessoars
velho casebre será substituído por um
ganham sentido e representatividade' na edifício decente, que aquela rua dema-
medi-
junto depoimentos siado estreita será alargada, que o trân-
äu .- que se colocam aos
sito será mais disciplinado ou até mes-
analisados.
mo proibido naquele determinado pon-
to da cidade; lembra-se de como era
Cidade e þøtrimônio aquela rua quando, menino, a percorria
para ir à escola ou quando mais tarde,
Entendemos que a cidade desempenha por ela passava com a namorada..." a 4
ARGAN, Giulio Carlo.
papel fundamental na constituição do imaginá- História da Atle cono
liJ.ont -porâneo' Basta lembrar que nove dé- Dentro dessa perspectiva, as cidades não História d.a Cidad¿. Sâo
Paulo: Martins Fontes,
in- podem ser diferenciadas por suas pontes, viadu-
cimos das imagens sedimentadas em nosso 1.992,p.232.
de arte' tos, praças ou museus, mas sim, pela maneira com
consciente originam-se daí' O historiador
que essas construções se reapresentam no ima-
o italiano Giulio Carlo Argan, ao apontar esse
ginário de seus habiøntes. Essas "cidades invisí-
dado, sugere a função estruturante dessa cidade
con- veis" ocupam um lugar intermediário entre o
vivida, dessa cid'ad'e imagi'nó'riadentro de uma
mars sonho e avigília, onde a memória tem parte com
cepÇão mais alargada do urbanismo' Seria
a ficção. Tal fusão entre a memória e a fantasia
ou menos o que o psicanalista Félix Grratari de-
-cid'ad'i
subjetiua' Essa idéia indica a
alimenh a literatura. No livro de Italo Calvino,
nominou de
Cid,ades Inuisíaeis, o Imperador Kublai Khan,
rede de valorações partindo da qual os monu-
t
traçando os mapas dos imaginários urbanos 113
II2 além dos mapas
Campinas: Editora da
exemplo, as realidades materiais, econômicas, su-
volvem temas referentes à Arte, Arquitetura e Unicamp, 1994, p. 12.
história e indicam que seu estudo deve ser con- 1984, p. 34.
matriz de tempo coletivo no plano simbólico,
duzido, sobretudo, dentro de uma perspecdva lntervindo diretamente na memória coletiva
I histórica, interdisciplinar. Apesar das difrculda-
ll4 além dos mapas traçando os mapas dos imaginários urbanos 115
onde os acontecimentos contam menos do que como sabemos, a assimilação do novo sempre
suas representações imaginárias' Assim, não raro, opera dentro de um repertório anterior. Ou seja,
os rnottrt-entos são construídos em espaços sig- cada nova imagem é assimilada por um conjun-
nificativos em relação aos fatos históricos que to anterior que lhe dá um sentido, configuran-
representam. do-se uma nova representação. Descrevemos,
- aqui, o mecanismo de ancorageme q.u.e possibilita
É relevante atentar para as projeções do
imaginário no espaço' especialmente através da a incorporação do novo dentro de uma rede de 9.
Idenibidzn p.371.
urq.rit.t rtu e dos monumentos públicos, "Toda sentidos particular. Como o próprio nome suge-
u.idud. é uma projeção do imaginário social so- re, a flxação em algo, esse mecanismo deve ser
7. bre o espaço"?, conclui o autor. entendido como possibilidade de assimilação
Idem, ibidm,p.36. Essas observações iniciais pontuam a dentro de um contexto anterior de experiências
complexa rede teórica e conceitual na qual individuais, como também dentro de um con-
nos movemos e, para não sucumbir ao abstrato texto mais amplo, social. Como vemos, a rede de
das teorias, privilegiamos enfocar os agentes so- sentido das imagens é tecida na dupla via das
ciais e suas práticas. Assim, os discursos dão os experiências individuais e sociais, eüe, por sua
parâmetros e os vetores de direção para a anâli- vez,n^o são categorias tão facilmente dissociáveis.
se. Para proceder essa análise dos depoimentos, Nesta perspectiva, é possível entender que
operamos com o conceito de reþresentação social, as representações sociais articulam três funções
tal como a Psicologia Social o define. básicas tanto do ponto de vista do desenvolvimen-
to psíquico quanto da possibilidade da vida em
sociedade; são elas: a função cognitiva, de
Os mecqni$nos dø reþresentøçã'o integração da novidade, a interpretação dessa
realidade e os comportamentos e condutas rela-
A representação social é o dispositivo para cionados a essa rede simbólica.
remodelar, segundo certas elaborações que the Partimos, inicialmente, de uma análise
são próprias, a realidade e não apenas repeti-la. temíútca que nos indicou a direção, o sentido da
Ao reconstruir a realidade, possibilita diferentes investigação, pela relevância de determinados
formas de ver o mundo, orientando, por conse- temas no conjunto dos discursos, assim como
guinte, as condutas. investigamos, mais profundamente, conexões do
Os imaginários sociais articulam, no limi- imaginário individual aos imaginários sociais.
te, o sonho à vigília e, embora mais abrangentes, Essas articulaçöes funcionam como os pontos
entendemos que, para fins operacionais, podem nodais dessa rede. A afirmativa implícita nessa
ser analisados através das operações psicossociais, forma de analisar as entrevistas é que os imagi-
próprias às representações sociais. Podem, por- nários sociais formulam-se, também, através das
tanto, ser estudados através da análise dos me- elaborações individuais que são, não raro, colo-
8. canismos que operam na construção dessas ridas pela intensidade dos afetos.
JODELET, Denise. Dentro dessa configuração, é bastante sig-
Représentation representações: a objetiuaçã'o e a ancoragenP.
Sociale: Phénomènes, Aobjetiuaçao,por exemplo, torna certas no- nificativa a concepção de imaginário de Pierre
10.
conceptettheórie. In. Francastello. Sua noção de d,ocumento d,e ciuiliza-
MOSCO\4CI, Serge. ções abstratas mais concretas, que podem ser, FRANCÁ,STEL,
Piene.Imagm,
çã'o é abransente, podendo designar objetos da
(dir .) . Pslchologie Socialz. Visã,0 e
então, integradas a uma rede mais extensa e com- Ima@naçao. São Paulo:
Paris: PUF, 1984,
pp.357-379. plexa que constitui o imaginário. No entanto' cultura os mais variados, além de envolver as Martins Fontes, 1987.
T
116 além dos mapas traçando os mapas dos imasinários urbanos lL7
categorias da þercepeão, do real e do imaginá'rio' objetos estéticos, sejam eles objetos artísticos, co-
Cadá uma destas categorias solicita uma atenção mo as obras de arte, sejam eles monumentos que
isolada. A.þerceþçaoê entendida, aqui, como elabo enredam, além do componente estético, outros
raçâo,como um trabalho' O atributo histórico da conteúdos (históricos, políticos, urbanísticos
percepção é tomado como elemento firndamen- etc.).
ial plra a sua compreensão, pois envolve aspec- Para Francastel, os signos figurativos ou
tos tanto subjetivos como sociais' Ao solicitar re- d,ocumentos de ciuilização não são passíveis de
ferências aos arqulvos da memória, articula o desvendamento, mas de reconstrução, de in-
imaginário à dinâmica do espaço-tempo' terpretação, uma vez que condensam elemen-
A categoriado realtemete às condições que tos oriundos de diferentes sentidos de tempo
possibilitam sua apreensão' O realnacidade con- e de espaço. O imaginário constitui-se, portan-
i.-porâ^.a, por exemplo, implica, sobretudo' to, em parte, por essa reconstrução singular
o tempo acelerado e a profusão das imagens que do mundo, realizada através dos processos de
povoam essa realidade. representaçao.
Como o imaginó'rio, as representações são Desenvolvendo um pouco mais a noção de
construídas a partir das memórias, fantasias' con- imaginário, acompanhamos a elaboração do con-
cepÇões tanto individuais como grupas. ceito que Francastel denominou de Forma e suas 11
FRÄNCASTEL,
Nessa linha de reflexão, entendemos os correspondentes formasl 1. Picrre ARealirLade
monumentos como documentos d,e ciuili'zaçã'o, pois, A Forma é uma estrutura, é daí que par- Iiguratiua:
E lemen s Estruturais dû
para Pierre Francastel, todo documento de civi-
Lo
lizaçâo é uma imøgem' O termo imagem vem sen- nio do autor, resumido aqui, refere-se à criação São Paulo;
Pcrspectiva, 1982
do utilizado à exaustão há algum tempo. Mesmo artística, mas consideramos ser possível ampliá-
remontando à filosofra clássica - Platão, na R-e- 1o. Trata-se de compreender os feitos do espírito 12
do universo das fantasias pessoais, rememo- sível compreender essas duas categorais - tem- maneira holística
reunir os divcrsos
rações, assim como conceitos socialmente po e espaço - de maneira isolada, mas um re- elementos qrìe
constituem a
formulados. mete ao outro inexoravelmente. Essa mistura se socicdadc, rnoslrar
Em suma, é no intervalo entre o objeto e revela nas nossas crenças mais primitivas. É ofio condutor qnc
osune" (MAFFESOt,l.
I sua representaçao que as "efabulações do espíri- Walter Benjamin quem nos lembra que ao acre- ìvlicìrel,4 Contemþktçcto
I to" engendram suas imagens. Instala-se aí a pos- ditarmos nas estrelas cadentes, como prenún- do ì\Iu¡ttlo Porfo
Alcgrc: Ar[es e Oficios,
ú sibilidade de uma abordagem psicológica dos cio da realização de desejos, estamos substituin- 1995, p. 28)
118 além dos mapas traçando os mapas dos imaginários urbanos 119
do o espaço pelo tempo. A tr{etória da estrela anunciam através de certas obras. Impondo no_
no espaço celeste é comp¡eendida como uma vas condutas e comportamentos, soliãita que as
condensação dos tempos que sèparam o desejo pessoas olhem para cima ao examinar essa
de sua realização. construção, que se projeta sobre o fundo do céu.
Nessa medida, a cúpula alarga as fronteiras d.a
Forma. Sugere, através de sua técnica de cons_
trução, o espaço e sentido
espaço e tempo3 de lugar, puiu o horizonte
i
do visível sim, uma referên-
o lugar na cidade cia no espaço e no tempo, um documento de
Cúpuìa da Catedral
Nossa Sra das Flores.
Ilorença (7420 -I+36)
civilização, podemos dizer: um monumento. Filippo Brunelleschi
I
15,
para observar seus monumentos' para se perder ção do lugar abstrato em esþaç0, que acolhe dis-
em suas ruas e para visiti r seus museus' Andar' positivos simbólicos como as lendas, os mitos, as
locomover-se, Kineo, colocar-se em movimento' lembranças, os sonhos; em outras palavras, o es-
e Aisthesis, que remete à sensação' são vocábulos paço seria um lugar praticado. No limite, a cami-
gregos que c nhada, como as viagens, são o substituto das len-
das que não conseguimos mais narrar. Abrem o
idéia supõe o
do movimento, isto é, o espaço para o Outro, o desconhecido. Segundo
novas assimilacões' Certeau, é possível categorizá-las como invento-
' " Opossibilita
espaço
ftt¿tofo Michel de Certeaul6 compara o ras de espaços. O deslocamento sugere a deslo-
16
CERTtrAU, Michel de ato de andar- na cidade com a formulação de um calizaçáo, a ativação de outros lugares carregados
L'ina en tion tlu quo lidien e'
1 atls defaire Paris: discurso. Esse ato, aparentemente corriqueiro de sentido simbólico.
Éd.itions Gallimard,
à primeiravista, desprovido de signifrcados'
além A diferenciação que Michel de Certeau es-
1990.
dos seus objetivos mais aparentes, como passear tabelece entre os termos esþaço e lugar é para-
ou ir a deteiminado local, está imbuído de peque- digmática, referência obrigatória.
nos ritos, fantasias, insere-se numa rede simbólica' No entanto, vale precisar essa terminolo-
Portanto, a experiência do movimento do corpo gia, que já vimos utilizando e será retomada mais
no espaço artiãuh ouffos tempos' resgata memó adiante. Consideramos esþaço um termo muito
rias qùe acompanham os ritmos dos passos' O ima- abstrato, utilizado demais na contemporanei-
gináåo ," ut tulir. nos percursos urbãnos' É aí que dade, elástico a ponto de não definir com limi-
ó p^to dá o ritmo de lzituradesse texto simbólico tes do que se fala. E cor-rente ver associado o termo
de conteúdo individual e também coletivo' esþaço a coisas distintas, como: espaço cultural,
Os monumentos estão no espaço público, espaço verde, espaço de lazer etc.; é também
náo é possível pensá-los em suspensao, num es- utilizado, principalmente, nos discursos urbanís-
paço abstrato, descara cterizado - ticos, mais gerais. Lugar, por outro lado, teriauma
A reflexão de Certeau considera o espaço característica mais ligada a um certo conceito
urbano como o lugar privilegiado paîlz- a formu- antropológico e experiencial; como explica
lação desse discurso caminhante. Augél?: "incluímos na noção de lugar antropoló- 17
AUGE, Marc. Nøø
O que o passante atwalizaé uma enunciaçãn gico a possibilidade dos percursos que nele se lugares: Inlrodução a
e os percursos estao para essa trajetória como as efetuam, dos discursos que nele se pronunciam uma Antroþologia rla
Suþnmodmidad.e.
frases estão para a língua. Espaço e Tempo es- e da linguagem que o caracteriza". Nesse senti- Canpinæ: Papirus,
tão interligados na leitura desse texto' A figura do, o lugar é "relacional, identitário e histórico". 1994, p ?6.
alegórica dos mapas é significativapara compre- A simbologia do lugar (do locus), como ve-
endermos a experiência do espaço como expe- remos mais adiante, e as múltiplas possibilida-
riência que se desdobra além do espaço físico e des de sua experiência pelos habitantes da cida-
comporta direções afetivas; mapas' aí, designam de orientam essa investigação. Os monumentos,
cartografìas subj etivas. como lugares de diferenciação, podem, talvez,
Não se trata, como vimos, de tr{etórias ela- possibilitar o resgate de conteúdos simbólicos;
boradas de maneira impessoal, desencantada, através deles é, às vezes, possível encontrar o im-
palpável, o invisível no cotidiano e resgatar lendas
através de uma apreensão distanciada'
ao preservar histórias, redimindo-as do banal dos
Pelo contrário, como andar é um "espaço
cenários urbanos. No entanto, a retirada dos
de enunciação", o que se tealiza é a transforma-
lZ4 além dos mapas
I tracando os mapas dos
imaginários ur_banos 125
monumentos provoca fraturas, acentuando a mento, nâo podemos
presença desses, tão atuais, não-lugares (Augé). estar_ sentimen_
fato de que os monumentos públicos' possibilitam que as pessoas permaneçam unidas 1990, p. 38
i-"n.u -¡oria, são financiados pelo Estado' sen- enquanto grupo, e mais do que isso, é a perma-
ofr-
ãã ..tporr.s materiais de uma certa memória nência das coisas que dão o suporte necessário
chamou paraa memória coletiva e alimentam a tradição.
cial, celebrativa; são o que Pierre Nora
dr'lugorr, ìe memória é têm a capacidade de O passado, que se faz presente através dos obje-
.ondä.a, diferentes níveis de sentidos' entre tos, possibilita que nos reconheçamos neles, faz
eles, o sentido material, o simbólico e
o funcio- com que encontremos uma proximidade com as
enfocarmos esses lugares de gerações anteriores nessa linha de transmissão
nal. No entanto, ao
memória, interessa-nos saber até qué ponto' e dos conteúdos coletivos. A permanência das coi-
ã" qt. maneira, eles são elementos signifrcati- sas é fator de saúde mental, como aponta
no. putu os que habitam a cidade' Halbwachs, apoiando-se em Comte, umavez que
I Nu peispectiva da Psicologia Social' consi- o equilíbrio mental decorre do fato de que o meio
deramos'a memória, a exemplo de Maurice material muda pouco e nos oferece uma imagem
Halbwachs (1877-1945)' como w trabalhoem
que de permanência e estabilidade. A permanência
são elaborados conteúdos de natureza
coletiva' das coisas, de nosso entorno material, possibilita
No seu liwo póstumo Memória Coletiua' que nos reconheçamos nele. Se a identidade é o
'{
publicado em 1950, H que permanece idêntico em nós, apesar de to-
ria como resultado da das as modificações pelas quais passamos ao longo
tegoria que se elabora da vida, as alterações nos meios em que vivemos
deìerminado gruPo social' dificulta esse processo de reconhecimento que é
Ao contiári'o de seu mestre' Bergson' ami- externo e interno a um só tempo. A identidade
pa-
go de Proust, que tanta importância deu ao se forja nesse processo de interação entre aque-
e inconsciente' em le que recorda e o seu meio.
[el do aspecto involuntáriomemória'
suas investigações sobre a Halbwachs Quando o meio se altera de maneira tão
envereda pãr outros caminhos' Não se propóe a vertiginosa e constante, esses processos de reco-
investigar a memória como fenômeno psíquico nhecimento são prejudicados, pois, como obser-
isolado, mas sua pertinência a contextos mais va Halbwachs:
a
amplos que .nnoLi.rn afatnília,.a comunidade'
cidãde e todos os grupos sociais a que pertence "Se entre as casas, as ruas e os grupos de
,Ll
130 além dos mapas traçando os mapas dos imaeinários urbanos 131
,..r, ond. as coisas têm significados que aquelas outras que foram atravessadas
extrapolam sua presença imediata, evocam valo- anteriormente "2a. 24.
BENJAMIN, Walter.
res e realidades ausentes, estando, portanto, no Rua d¿ Mao Unicø.
imaginário. Valemo-nos, portanto, das reflexões de Obræ escolhidæ, vol II.
Sào Paulo: Bræiliense,
Benjamin, em especial nas obras em que os obje- 1987, p.239.
tos ganham papel de protagonistas2s.
25.
Escapqr e recordúr: Colocando alguns objetos em foco, passa Como apontaWilli
a memóriq. þarq, Wa,lter Benjømin a interrogá-los por entender serem eles os mais Bolle em Infânciam
BfflimprVolta de 1900
visíveis resultados dos sonhos coletivos. Vale lem- e CmtrcMm,osobjetos
Walter Benjamin é, nessa perspectiva de es- brar as múltiplas modalidades de imagens (gê- gahmoprimeiro
plmo partir deles é
ea
tudo da memória social, referência obrigatória. neros literários) que Benjamin utilizou em sua malisada a sensibiÌidade
daépoca. "Registmros
Consideia a tarefa do historiador análoga à do obra: tableauxurbamo, alegoria, imagem de pen- conteúdc históricc
psicanalista, uma vez que a exemplo desse tam- samento e imagem dialética. coleúvos significa pm o
Utiliza-se de vários gêneros para apresen- aùtor de InÍância m
bém interpreta sonhos, porém sonhos coletivos. Bdi,n,ntesdemus
Sua obra se insere numa perspectiva múl- tar uma historiografia que privilegia o micro, o nada, presetw a
comwrcaçao entle æ
tipla, interdisciplinar. Entre a filosofra e a litera- fragmento, que se recompõe em um todo uni- sucesrru geËçoes - o
tura, escreve através de imagens. Sãojustamente versal. Nesse sentido, trata-se de uma estética que ele realia
nmtendo fidelidade
as imagens que mais lhe interessam. Não por constelacional e fragmer,tária26. Esses gêneros li- aos objetos." BOLLE,
acaso, sua clássica obra sobre a fotografia é ain- terários, pelos quais Benjamin itinerou, inspiram- W|lli. Fisiognomia
da Menoþole Modøruø:
da hoje instigante e aponta a propriedade de suas nos neste trabalho. RQrcntaçm døHistñø
reflexões, de como a nova técnica trouxe em seu Sua aproximação com o mundo é antes m Walter Bmjamin. São
Paulo: Edusp, 1994,
bojo uma nova forma sensível. de mais nada poética, além do que a cidade foi p. 330.
As suas recordações misturam-se aos obje- contexto e matéria-prima para suas errâncias. 26
tos, e a rnetâfora da arqueologia aparece em Reside aí seu fascínio e sua atualidade. Em Ben- BOLLE, WiIIi.
Benjamin na imagem de pensamento "Escavar jamin náo parece haverfronteiras entre o homem Alegoria, Imagens,
Tableau.
e recordar" onde escreve: e o mundo, mas uma identidade perdida . ArTeþensawnlo. S^o
Paulo: Compmhiadæ
As cidades para Benjamin são protagonis- Letæ,1994,p.4L1432
"a memória não é um instrumento para tas de histórias, tecem o enredo das recordações.
a exploração do passado, é, antes, o Afinal são os homens que habitam as cidades ou
meio. É o meio onde se deu a vivência, é ela que habita os homens? A propósito escre- 27.
Citado por Willi Bolle,
assim como o solo é o meio no qual as ve Benjaminz?: oþ cit,p.336.
antigas cidades estão soterradas. Quem
pretende se aproximar do próprio pas- "...a cidade- onde os homens se exigem
sado soterrado deve agir como o ho- uns aos outros sem a menor considera-
mem que escava(...) uma verdadeira ção, onde os compromissos e telefone-
132 além dos mapas traçando os mapas dos imaginários urbanos 133
mas, as reuniões e visitas, os flertes e a sagens, os Grandes Magazines, e volta seu olhar
luta pela vida não concedem ao indiví- para o passado, espera que o flâneur lhe revele
duo nenhum rrlomento contemplativo os antecedentes quase arquetípicos da sensibi-
- na hora da recordação, se vinga e o lidade que lhe foi legada como um patrimônio.
véu que ela tece ocultamente da nossa Avesso ao historicismo, procura desvendar o
vida mostra menos as imagens das pes- passado a partir do presente. Não apenas do
soas que a dos lugares onde nós nos en- presente se faz a compreensão do passado
contramos com os outros ou conosco benjaminiano, mas através de uma profunda
mesmos", articulação entre os espaços da experiência in-
dividual e os espaços sociais. Assim, torna-se sig-
Como ensina Bolle, é no liwo Rua de Mã'o nificativa, mais uma vez, a idéia dos mapas. Os
Única qwe essa afirmação se esclarece' Em seus mapas, para Benjamin, deveriam poder re-
p.r..trro, urbanos desenvolve as relações possí- presentar não apenas os pontos abstratamen-
veis entre recordação biográfrca e social' te reconhecíveis, mas também aqueles que
Como um memorialista, é capaz de res- comportam uma carga sensível, sendo instau-
gatar as formas de sensibilidade de sua infân- radores de sentido. Os mapas afetivos (tal como
ãia através das suas primeiras impressões do os Situacionistas vieram a desenhar posterior-
mundo e seus habitantes; descreve, por exem- mente) fazern parte do projeto frlosófico-lite-
plo, com detalhes os seus sentimentos ao visitar rário de Benjamin. Aqui se torna signif,rcativo
Moscou, dedica muitas páginas às suas pere- compreender mais um dos seus conceitos: a
grinações pelas lojas de brinquedos, cafés e memória toþogrã,fica.
feiras daquela cidade. Seja em Moscbu, Paris, O que é a memória topográfica paraWalter
Berlim ou qualquer outra cidade que tenha Benjamin?
visitado ou vivido, a todo momento, deixa en-
trever que é, muitas vezes, através das coisas
consideradas desprezíveis, rejeitáveis, que po- Memória toþográ.fica
demos recompor um sentido perdido, articu-
lando a Filosofia à Poesia. O entendimento de A memória topográfica articula as recor-
sua obra passa por um tipo de encantamento, dações (aquelas que vêm do coração) a espaços
uma forma de compreensão (afetiva e inte- vividos, carregando-os de sentido simbólico. Tor-
lectual) que caminha por dentro da sensit¡ilidade na os lugares testemunhas de histórias. Em uma
de seus leitores e que os encanta ao reen- bela passagem do liwo Rua d,e Mao Única, por
caîtar o mundo. exemplo, Benjamin recorda o seu quarto de in-
Essa sintonia entre as representações in- fância. A posição dos móveis mistura-se à ma-
dividuais e sociais possibilitou a esse autor um neira como seu pai entrou, certa noite, naquele
estudo da experiência histórica coletiva através lugar, para lhe dar a notícia do falecimento de
da micro-história da sensibilidade individual. As- um primo. O enigma da notícia se misturou ao
sim, pode falar de sua época a partir cle seus cenário, e pata resgatar aquela cena e as emo-
produtos mais aparentemente insignificantes' ções vividas na ocasião, era preciso voltar, ima-
Dirige sua reflexão para construções. testemu- ginariamente, àquele quarto de infância. Sobre
nhas de uma certa forma sensível, como as Pas- esta forma de recordação, explica Willi Bolle:
i
734 traçando os mapas dos imaginários urbanos 735
além dos mapas
parede dos fundos, em Parte Porque Outro elemento que se faz signifrcativo na focaliza a Coluna da
Vitória como peça
"Coluna da Vitória"3l de Benjamin é a articula-
eram mais baixos que seus suseranos e central em seus filmes
mais cômodos de examinar, em Pãrte ção do monumento a um tempo especial, Asas do Desejo (1991)
e Tãn Longe, Tao
celebrativo, "um eterno domingo estava à sua
porque me enchia a certeza de saber Pørúo (1993) que têm
mônio individual, como' por exemplo, as memo- des. As peças de sua extensa coleção podem in-
dicar o caminho de suas reflexões.
Atentos ao sentido desses objetos, muitas
associações são possíveis entre seu interesse pela
o que, a paftir daí, pode ser apropriado, foram Arqueologia, sua coleção de antig-uidades e a teo-
analisados os depoimentos recolhidos. ria do funcionamento psíquico que formulou.
Partimos, assim, das falas dos entrevistados Freqüentador de lojas de antiguidades, na
para localizar os possíveis monumentos signifi- Viena do início do século, dispunha os objetos
cativos. Procurarnos encontrar esses receptácu- comprados por sua casa e consultório. Cuidadosa-
los, que surgiram como fragmentos a serem mente, arranjava os mais estimados, enfileirando-os
reconstituídos. Muitas vezes invisíveis, solicitam sobre sua mesa de trabalho como testemunhos de
uma atenção especial às narrativas, às recorda- sua reflexão, estavam ali perfilados esfìnges egíp
ções; afinal, onde se situa a nossa memória en- cias, deuses gregos e romanos, lado a lado.
cantada nesse universo sem encanto? Mais de uma vez, Frêud relacionou seu tra-
Nesse roteiro pelo imaginário da cidade balho com o do arqueólogo que escava, à procu-
não ignoramos, desde o princípio, algumas cons- ra do desconhecido. Para Donald Kuspit, enten-
truções que fazem o papel de inconsciente cole- der a meráfora arqueológica é entender o cerne
tivo, entre eles os pavilhoes de exposições. Por do pensamento psicanalítico.
outro lado, o espaço do museu, escolhido como Em suas formulações iniciais, considerava Escriminha do
consultório de
ponto de partida paraa pesquisa de campo, atu- o aparelho psíquico como :urn toþosformado por Sigmund Freud.
aliza questões ligadas à preservação e destruição camadas que, tanto mais profundas, mais distan- Cortesia Museu
Freud, Londres.
que surgem de maneira rnais desorganizad,a, rne- tes do acesso à razão. Nessa perspectiva, o psi-
nos þrogramá,tica no espaço da cidade.
Alguns monumentos lembrados surgiram
pela ausência, e, como determina a prática
museológica, trabalhamos com a investigação de
seus vestígios. São camadas de sentido que se
constituíram ao longo do temPo.
Em certa medida, adotamos aqui uma ins-
piração nos procedimentos da arqueologia, que
supõe camadas sedimentadas, encobertas pelo
tempo.
O procedimento da escavação não é, por-
tanto, tão fantasioso assim e aguarda estreitas
analogias com a investigação dos processos da
psique humana. Pelo menos é o que observamos
ao tomarmos Sigmund Freud coûìo exeqlplo.
Consideramos Freud além da perspectiva ofe-
recida por seu retrato oficial como médico, criador
da Psicanálise. Interessa-nos observá-lo, antes,
como colecionador apaixonado por antiguida-
138 além dos maPas
traçando os mapas dos imaginários urbanos 139
nário cultural. Procuramos criar condições para que as deste liwo são
apresenúdos trechos
A proliferação dos museus nas últimas dé- respostas às nossas questões fossem bastante dessö entrevistas,
cadas deve nos levar a refletir ømbém sobre a elaboradas. Assim, o entrevistado d.everia ter destacados em itálico.
alteração de sua função na sociedade contem- tempo disponível para conversar. A idéia ini-
porânea. Museu e monumento guardam, aqui, cial, de realizar as entrevistas em espaços pú-
profundas analogias. blicos, foi descartada de saída. As enquetes de
Como vimos, certos edifícios arquitetônicos rua, modelo da pesquisa sociológica clássica,
podem ser considerados monumentos' Refe- de largo alcance, foram descartadas, uma vez
rem-se a um tempo e espaço articulados à que nossa abordagem seria qualitativa, visan-
celebração, à preservação de memórias, mes- do a uma análise em profundidade. É fácil en-
mo que recentes. Outras vezes, recortam o es-' tender como qualquer questionário aplicado
paço, estruturam limites na paisagem' funcio- às pessoas nas ruas causa imediatamente a as-
nam como marcos, como pontos referenciais de sociação com as pesquisas de mercado e de
um espaço tornado, a cada dia, mais homogê- opinião. A rapidez do passo deve ser associada
neo e indiferenciado' à agilidade de perguntas que exigem respos-
Muitos são os monumentos, mas iremos ,tas rápidas, objetivas. Pouco tempo é permiti-
centrar nossa atenção em apenas alguns' Nossas do para a divagação e para a expressão de con-
reflexões caminham no sentido de tomar os dis- teúdos subjetivos.
cursos singulares como ponto de partida par^ à Nesse sentido, o museu é um lugar prote-
sondagem do imaginário. gido do ritmo incessante das ruas e também de
sua violência. Criou-se, muitas vezes, um vínculo
durante a conversa, o que facilitou o aprofun-
damento na abordagem de temas mais pessoais
e subjetivos. Com a variabilidade dos museus d.e
A própria freqùentação a um museuJá re- nível superior, ao passo que a pinacoteca do Es-
tado e o Museu de Arte Sacra têm uma visitação
vela, à primeira vista, uma atitude positiva em
que reúne pessoas de diferentes níveis d.e esco-
relação a eles e essa disposição é igualmente
laridade e classes sociais. Os mais idosos foram
apreciada.
Para a definição dcis museus escolhidos entrevistados no Museu de Arte Sacra e, não por
de tipologias distintas' Ou acaso, foi nesse museu que encontramos mais
e museus históricos, locali- freqùentemente respostas misturadas às evoca-
pontos da cidade- Consi- ções da memória.
derando a ampla gama de museus de arte, ou
mesmo de centros culturais ou galerias' sem co-
leção permanente, optamos por aqueles mais
claramente inseridos na defrnição de Museus do o museu/tnontrmento
ICOM - International Council of Museums - que
at. regulamenta as normas mundiais de funciona-
"O Museu é uma
mentos dos museus37. Tomando os museus como ponto de par_
instituição
permmente , sem fins Assim, ainda seguindo critérios qualitati- tida, eles foram reafirmados pelos entrevista_
lucrativos, a sewiço da
vos, escolhemos os seguintes museus para reali- dos como monumentos na cidade. Como refe_
sociedade e de seu
desenvolvimento, zarmos a pesquisa de campo: o Museu de Arte rência na cidade, são marcos no espaço e no
aberta ao público, que tempo. Ambos são guardiões (ou pelo menos
adquire, consena, Contemporânea da USP - MAC (Cidade Univer-
pesqursa, comunrca e sitária); o Museu de Arte de São Paulo - MASP essa seria uma de suas funções iniciais) d.a me- 38
AUGE, Marc N¿ia
expõe os testemunhos
materiais do homem e (Av. Paulista); o Museu Paulista (Ipiranga); o mória coletiva. Estranhamente, como observa lugarø Introduçd,o a
de seu meio, para fins
Museu de Arte Sacra (Av. Tiradentes); e a Pina- Augé38, é através das rupturas e descontinui- uma AnLroþologia da
de estudo, educação e Suþmodmid,ad,e.
lazer." In: Intmationa| coteca do Estado (Av. Tiradentes). dades no espaço que a continuidade no tempo Campinæ: Papirus,
CouncíIof Mrcrurc
Aos poucos foi possível perceber a atmosf* é representada. 1994, p. 58.
SÍørul¿s Paris: Unesco,
1990, p. 3. rcr où o ambiente de cada um desses museus. Sua Para o arquiteto italiano Aldo Rossi, os
39.
localizaçâo, sua história, sua coleção se refletia, monumentos são estruturas primárias no espa_ Paa AIdo Rossì o
muitas vezes, na forma de caminhar, de olhar e ço urbano, isto é, são anteriores a qualquer tra- conceito de lo¿zs é
fundmentalpæa
de se expressar de seus visitantes. Muito fre- çado urbanístico. Constituem tm locufs, um lu- entendermos os
qüentemente, o medo e a aversão pela violência gar que condensa diferentes tempos no mesmo monumentos
na estrutura urbana, c
I urbana estavam refletidos nas respostas, ou mes- espaço, têm, ao contrário da rede urbanística escreve: "a escolha do
mo em suas lacunas. mutante, a vocação para a permanência. lugar ptra uma certa
construção, como para
As diferentes regiões em que esses museus O conceito de lugar é central na teoria de rmacidade, tinhaum
estão, por si só, já possibilitariam uma extensa Aldo Rossi sobre a arquitetura da cidade. Em seu valor proeminente no
mundo clássico, a
descrição de caráter etnográfico mais apto- livro Arquitetura d,a Cid,ade (1966), d.esenvolveu situação, o sítio era
esse conceito definindo-o para além dos seus governado pelo gøiru
fundada, além de levantamentos estéticos e his- lori, pela divindade
vetores topográficos e funcionais. O lugar para local, precisamente
tóricos dos edifícios e seus entornos. uma divindade de tipo
Dentro dos museus escolhidos é possível, Aldo Rossi não ,. confunde com o espaço físico. intermediário que
Embora dependa desse suporte, gania sentido presidia tudo quaûto
pois, traçar uma distinção entre as característi- acontecia no local"
através das simbologias (históricas, psicológicas,
cas dos visitantes. Nesse sentido, o Museu de Arte ROSSI, Aldo.
antropológicas etc.) que contfm, isto é, o lugar Arquitetura d,a Cid,ad,e
Contemporânea, por exemplo, é preponderan- Lisboa: Edições
existe como espessura simbóliäa. Operamós tam-
temente visitado por pessoas de escolaridade de Cosmos, 1977, p. 139.
146 além dos mapas traçando os mapas dos imaginários urbanos 147
bém com o conceito de lugar ao entendermos do que as imagens dos fìlmes de ficção científica,
que a localizaçáo do museu/r[onumento con- pois a nossa representação (e imagem) do futu-
g..gu sentidos simbólicos que extrapolam um ro é constituída a partir do presente.
espaço físico. O lugar retoma, como vimos, seu Esta aceleração de nossa experiência da
sentido antropológico e cbmo tm locus de con- história tem outras conseqúências, entre as quais,
teúdos simbólicos tem sido resgatado pelos teó- como veremos, os suportes materiais da memó-
ricos da arquitetura contemporânea. Depois do ria coletiva tornam-se estranhos, faltam-nos có-
funcionalismo, que homogeneizou os espaços, digos e referências para assimilá-los e interpretá-
neutralizando-os, foi necessário devolver à cida- los. Perdeu-se o enredo que abre sua decifração
de seus signif,rcados originários, seus vínculos na história. Resta-nos, assim, sua estetização, sua
singulares, seus lugares simbólicos carregados, percepção como mero arranjo formal.
portanto, de seus múltiplos sentidos. Os arqui- Essa estetização absoluta dos monumentos
tetos contemporâneos, ou pelo menos um cer- reflete-se, como veremos, na arquitetura dos no-
to grupo deles, ligados à vertente de inspiraçäo vos museus.
contextualista, estão preocupados em semantizar
a cidade e, portanto, atentos às distinções entre
construir e habitar, espaço e lugar. Nesse senti- O musan/monumento na
40. do, aponta Otília Arantesao: ørquitehtrø contemþ orâ,nc a.
ARANTES, Otília.
Aideologia do lugr
público.In: OLugmda "o gosto pelo monumento parece ter aos O Museu Contemporâneo pelo seu edi-
Ar quitehua d,eþ o is d,o s
Modømos.SioPaúo:
poucos voltado e associado, via de re- fício, sua arquitetura monumental chama a
EDUSP,/ Studio Nobel, gra, à discussão da arquitetura ou da ci- atenção dos passantes. Essa tendência tem sido
1993, p. 138.
dade como lugar de conteúdo simbóli- bastante recorrente nos projetos dos novos mu-
co forte". seus a partir dos anos 80. Concebido como uma
obra de arte total, todo arquiteto almeja assinar
Como documentos esses museus/monu- um projeto de museu. E como se fosse esculþir
mentos revelam valores estéticos e históricos, que uma obra a ser vista por todos, visitantes ou não.
se não são tão facilmente discerníveis, são sempre Poderíamos citar vários exemplos nesse
absolutamente relativos. Segundo Argan, rráo ê sentido na Europa e nos Estados Unidos, en-
possível distinguir tão facilmente os valores estéti- tre eles, os projetos do austríaco Hans Holein
cos dos valores históricos. Tomando como exem- na Alemanha, a ampliação da Tate Gallery em
plo o Coliseu, em Roma, argumenta que se esse Londres porJames Stirling, o projeto do Novo
monumento tem diversas dimensões do ponto de Louvre pelo chinês I Ming Pei, entre outros.
vista histórico, da perspectiva estética seu valor é A idéia de assinar o projeto de um museu,
bem restrito. No entanto, tais valores não se dis- como uma obra de arte que se desenha na pai-
tinguem, tão facilmente, naquele que é o mais sagem, vem de encontro a uma estetização
importante símbolo da cidade. Além disso, os generalizada, operação requerida para o
valores estéticos e históricos são tão mutáveis e funcionamento da sociedade d.e consumo a
cambiantes quanto o pztssar dos anos. Ó que nos partir dos anos 80. Nesse momento o discurso
pareceria indispensável há anos hoje está abso- referente aos programas educacionais assim
lutamente esquecido. Nada envelheceu mais râpido como as críticas às ideologias subjacentes às
148 além dos mapas traçando os mapas dos imaginários urbanos 149
41.
Dráticas museológicas, que foram dominantes
ARANTES, Ottia.
Os Novos Mrseus na década de 70, dão lugar a uma exarcebação
N ou os,Esludos Celr aþ,
n.3Ì, out. 1991, p. 163
do estético, exatamente onde esse fator é mais
visível: na própria arquitetura dos museus'
Como explica Otília Arantesal,
Museu Paulista,
42. Éfator digno de nota no Brasil a prolifera- Museu e Monumento se identificam aí Vìsta prciaì da fachada
O Museu Brasileiro da
Escultura, projeto de
ção de novos museus, no entanto, a arqultetrrra desde as origens. Basta observar a estampa deste
Puque da
Independência,
Paulo Mendcs da Rocha, desses novos museus nem sempre se inscreve bilhete de loteria do século passado. Sào Paulo, 1994
inaugumdo
em 1994, pode ser um
nessa ordem internacional, com algumas pou-
exemplo. cas exceções42.
43
Se a arquitetura dos museus faz com que
GAIHOURI, Medhi esses sejam temas de muitos debates, o lugar
The Museum Building
and its A¡chitectural dos museu na sociedade, seu papel e função
Expression: Arl social também provocam polêmicas. O Museu
MLrseum as a
Monument. Parachule, é um monumento43, afirmam o arquitetos con-
n.46, 198?, p 94-101 temporâneos. Essa idéia não é tâo at:ual como
I
se pode supor. Como referência signifìcativa, no
I
espaço e no tempo, podemos arrolar vários 0 :000 00
exemplos no mundo, mas tentaremos aqui nos :'y'ha,i' ,/,'
)
concentrar nos museus pesquisados, cada qual ,/lr,',.o.L/.o
a seu modo.
Vejamos: o edifício do Museu Paulista, já
no século passado, foi construído para ser um Bilhete de Loteria.
Monumento à Independência e só mais tarde Nesse bilhete de loteria, os significados de
Monumento do
Ypirmga (c.1884).
passou a abrigar a coleção que iria dar drigem museu e monumento se condensam na perspec- Acervo do Museu
ao nosso Museu Paulista (ou Museu do Ipiranga, tiva dojogo.Voltamos aWalter Benjamin, em sua Paulista daUSP.
I
traçando os mapas dos imaginários urbanos 151
150 além dos mapas
Monumento a
Ramos de Azevedo Onde funcionava o tradicional Liceu de
defuonte àPinacoteca Artes e Ofícios, hoje está a Pinacoteca. O monu-
(década de 30). Mosteiro da Luz,
Aceryo- SIB,/ FAU USP mento e a figura do arquiteto inspiram a arqui- Museu de
Monumento à cidade colonial, aos jesuí-
tetura monumental desse edifício, cuja coleção, Arte Sacra.
tas e a tudo aquilo que sabemos que fomos e Vista parcial da fachada
preponderantemente dos artistas acadêmicos do Av. Tiradentes, São
que foi soterrado, quase como um sítio arqueo-
ini.io de nosso século, guardam a memória de lógico, que não precisa ser escavado, mas que
Paulo,1997.
ò
152 além dos mapas traçando os mapas dos imasinários urbanos 153
ressaltado.
764 além dos mapas traçando os mapas dos imaginários urbanos 155
(lm pøsseio inicia,l þelos museus Naquele momento, ainda não poderíamos
imaginar que retornaríamos àquele local condu-
O Museu de Arte Contemporânea está lo- zidos pela análise dos depoimentos recolhidos.
calizadono interior da Cidade Universilária, mais Erajustamente ali, defronte da Pinacoteca e pró-
precisamente, no centro de'convivência' onde se ximo ao Mosteiro daL;uz, que o Monumento a
Tocal\zao restaurante central, ponto principal de Ramos de Azevedo estava e se fez presença pela
encontro de alunos de todas as faculdades' ausência sentida, nas evocações das memórias dos
Situa-se ømbémjunto ao núcleo irradiador habiøntes dessa cidade invisível.
de poder da Universidade: a reitoria' Sua entra- Na região da Avenida Paulista, usando a
da,þorém, é franqueada ao público' Asede nova metáfora dafloresta de símbolos de Baudelaire, flo-
do ivIAC, onde realizamos as entrevistas, desta- ra e fauna se transformam radicalmente. Homens
ca-se da paisagem por suas linhas arquitetônicas e mulheres correm apressados para o próximo
. .rru.oi azul vibrante. Sua ambientação, enfim, negócio, bem vestidos, compõem com a silhuet¿
está de certa forma refletida no perfil dos visi- dos prédios um cartão-postal cosmopolita para
tantes. Nesse sentido o MAC é, preponderante- São Paulo. Por que a Avenida Paulista seria a
mente, visitado por pessoas de nível superior de guardiã de uma suposta identidade þaulistana?
escolaridade. Através de um olhar mais atento, o vão li-
A arte contemporânea exposta num mu- we do MASP revela sua vocação. Como se a con-
seu (e não num evento de massas como a Bienal templação se expandisse para fora das quatro
de São Paulo) encanta a poucos. Ou se não en- paredes do museu e se impusesse também ao seu
ca:nta, pelo menos possibilita a poucos uma redor, ali vemos pessoas descansando e obser-
aproximação... vando apaisagem dovale. No belvedere do MASP
No outro extremo da cidade, entrevista- a cidade se transmuta em þaisagem.
mos visitantes de dois museus absolutamente
distintos do Museu de Arte Contemporânea da
l
a.
capítulo três
dos fragmentos
e das constelações:
analisando
depoimentos, falas e gestos
A atiaid,ad¿ ilo etnóIogo d,e camþo é d,esd.e
o i,níci,o uma atiaid,ade de agrimensor do
soci,al, de manþulad,m de escalas, de
comþaratßta, ern resum,o : ele conJecciona
A
l\ análise que realizamos dos depoimentos
privilegiou, desde o princípio, o levantamento
r
de temas, são partes que se destacam de um con- I
I
junto muito mais amplo e complexo. O levanta-
mento de fragmentos significativos, dentro de
um todo mais amplo, remete, mais uma vez, a
Walter Benjamin que se propunha, como his-
toriador das sensibilidades, a mapear o univer-
so sensível através do recolhimento de indícios,
sinais, vestígios. Benjamin trabalhava por cons-
telações, buscando a rede de sentido além das
categorias estabelecidas.
. Aimagem das constelações, tão caraaBen-
¡amin, auxiliou-nos a enfrentar o volumoso mate-
160 além dos mapas dos fragmentos e das constelações 161
rial de cem entrevistas transcritas em quase tre- histórica d,o þaís.,. cada lugar, cada museu
tem um clima ... " (visitante do Museu de Arte
Sacra).
i
I
dos fragmentos e das constelações 165
164 além dos maPas
" Eu. acho que ela inchou, que ela deueria enco-
na muito ra,ro encontrar algum.""
ther de noao e uirar a Sã'o Paulo que eu conheci
em 1 95 0 ou,tra, aez, þorque ercr urn& cidade muito
A violência no contexto de mudanças e
bem organizad,a, era limþa... todas as noites
expansão é queixa freqüente. O medo faz corn
quand,o a, gente uoltaua d,o teatro ou d,o c'ine-
que a cidade se encolha e impossibilita descober-
ma, a gente encontraua ('..) tinha às uezes que tas de novos espaços, propõe a paralizaçã'o, a
mud,ar d,e rua þorque estaaa, þassando o cami-
impossibilidade de ir além do já conhecido. A
nhão que lauaua a's ru&s. Agente tinha que cidade é grande, mas é perigoso explorá-la.
A cidade que se torna uma desconhecida e abri
mud,ar d,e tua þara nãn l,euar alguns resþingos
ga uma multidão anônima foi tema recorrente
.')
"a modernidade se caracteriza pelo fato "...Va,nl,os dar um exemþIo aqui, eu estaua uen-
de não mais deixar o envelhecimento e d,o esse automóuel &gora,, crrto? (refnindo-se à
a morte aos cuidados dos processos na- þeça exþosta no Museu Paulista) þraticamente
turais, mas de colaborar no seu planeja- þoucas coisas foram mudadas, certo? 8...o þni-
mento e encenação". go continua ainda, infelizmente... Entã,o, se uocâ
reþortar-se ao þassado, às estrad,as que tinham
Essa cidade setorizada, que assusta e onde antigarnente, nós tínhamos csrteza que nã,o ti-
algo de nefasto pode se passar (ameaça que no nha tanto desastre como tem a,gora. Hoje a má,-
caso de São Paulo é bastante realista), aparece quina está, mais euoluída e o þerigo continua,
nas entrevistas: muito mais ainda, csrto? Entã,o é o med,o que a
gente tem de aer essas grand,es má4uinas que o
já' há' muitos o,nos, e... eu a,cho
"...e1t uil)o aqui, homem þrojeta e taluez nã,o þensa enx segura,n-
que a gente uiue muito inseguro aqu| nós nãn ça þara o seu þroþrio corþo, þara o seu þróþrio...
temos conforto nenhuTn em Sã,o Paulo, nã,o te' comþanheiro que está, ao lado e þrinciþalmente
mos(...)A gente que uern þara cá, þara traba- para os þed,estres..."
I
170 além dos mapas dos fragmentos e das constelações l7I
Mas, de que vale ser testemunha? na constituição das cidades e no psiquismo dos
cidadãos.
"A gente estít' acostunxado a conuiaer con'L esso' Richard SennettT observa como o culto às
nossos co-
agrissã'o. Entã,o estamos tomando os personalidades individuais, ao isolamento, mo- SENNETT,Richrd.
rãções d'uros. Por quê? Porque uocê não sabe
to' O Declínio d.o Hom
uer unL
difìca o perfìl das cidades contemporâneas. Público. As Tiranias
mar þartido, Se aocê amanhã, þassar e Cidade e Ciuilidade, explica esse autor, têm d.a Inlimid.ad¿. Sào
atro[ela'd"0, uocê þassa longe. Por que aoc.ê Pas- Paulo: Companhia das
uma raiz e timológica comum : Letræ,1988, p.323.
sa ionge? Porque se chegar a þolícia ali, uocê
nao quer ser testenlunha. Porque amanhã' ou Ciailidade
" tratar os outros como se fos-
ê.
no seu trabalho, a qualquer
d,eþols, úlocê está'
sem estranhos que forjam um laço soci_
hira, quatquer momento uocê é chamn'do þara
al sobre essa distância social. A cidad,e é
Entã,o uocô tem que deixar os
fazn d,eclaraçílo.
"seus esse estabelecimento humano no qual os
hausres nao é? Para þod,n ir à d'el'egacia
estranhos devem provavelmente se en-
declara-
ficar horas, até ser chamado, þrestar
-çã,o... contrar. A geografia pública de uma ci-
E tud,o isso nã,o é só u,rna' uez' þode ser
dade é a instituição da civilidade. Nâo
uó,rias aezes... Nao digo que é por causa do
creio que agora as pessoas precisem es-
comod,ismo que a gente tem þor causa dessas
perar por uma transformação maciça das
situações nossa; de nã,o resolusr logo, fi'car em-
condições sociais, ou então por umavol-
þatand'o o temþo da gente, entã'o a gente já' ni-
^ta, ta ao passado, para se comportarem de
corta isso þela raiz. Se a gente uê um aciden-
modo civilizado. Num mundo sem rituais
te a genteþassa l,onge' fala : 'Não m¿ interessa'"'"
religiosos nem crenças transcendentais,
as máscaras não são pré-fabricadas. As
A impossibilidade de alguma relação, que máscaras precisam ser criadas por ensaio
extrapole os interesses individuais,faz com que e erro, por aqueles que as usarão, por in-
qualqu.r possibilidade de se lembrar' de ser termédio de um desejo de viver com os
iestemunha, seja descartada. A reclusão num outros, mais do que pela compulsão de
espaço privado, no limite, desconsidera a cidade estar perto dos outros. Quanto mais esse
.o-o tãrreno de interações positivas, amisto- comportamento tomar corpo, mais vivos
sas. Todos somos atroþelad'os por esse esquema' se tornarão a mentalidade da cidade e o
em que parece difícil encontrar algum consolo' amor pela cidade".
Ao mesmo tempo que esconde., a cidade
revela seus contrastes, em cenas que rfnpregnam Enquanto essa civilidade pernanece quase
o espaço público do sentido do perigo' A cida- uma abstração, a degradação dos espaços públi-
de nao é mais capaz de acolher um andar des- cos arrasta seus monumentos. A cidade homo-
i
preocupado. As visöes que inspira são agressi- geneizada ignora marcos referenciais, esquece
I
"...uocê olha assim os þrédios, está' tudo coberto fação. Não há técnicas que permitam uma
Martins Fontes, 1992,
p.248.
þor cartazes. Isso aí na minha opiniao 'sr¡ia um rápida restauração e que garantam de-
'monumento.
E está, tud'o lá' assim, þroþaganda' pois a imunidade das obras. Em poucos
d,e tod,o tiþo cobrind'o tá"" þõe néon de
todo
anos, muitas cidades terão de escolher
lad'o... " decididamente entre os automóveis e os
monumentos",
"...e na, þraça ele uai ser destruíd'o þela þo-
luiçã,o, como estít' acontecendo conx o Duque Os monumentos cobertos por outdoors,
Monumento a Duque de Caxias... tod,os esses monumentos llue re- néons e sinais de trânsito podem ser tudo me-
d.e Caxiu (1949-59),
Victor Brecheret. cebem essa þotui,ção d'e carros aã'o se desgas- nos marcos, referências nesta cidade que pas-
Vista Geral da área, tand'o.'. conLo está, acontecend'o com os rno- teuriza seus ícones.
Sáo Paulo, 1997.
. Escondidos pela publicidade ou degrada-
dos pela poluição, perdem a possibilidade de
ser referências espaciais.
Essa relação tensa entre destruição e pro-
gresso é recorrente nas reflexões de Walter Ben-
jamin, em especial nas Teses sobre o Conceito de
História (1940).
Aí, numa das teses, toma uma grar..ura de
Paul Klee, Angeluq Nouus; descrevendo a figura
de maneira alegórica. É possível, ainda hoje,
constatar a atualidade de suas palawas.
a:.2É
"Há um quadro de Klee que se chama
Angelus Noatu. Representa um anjo que
parece querer afastar-se de algo que ele
encarafixamente. Seus olhos estão escan-
l
t7 4 além dos mapas
dos fragmentos e das constelações 175
1!
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l.
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em suas asas coûl tanta força que ele não Av. Paulista,198l
"Antes qualquer pra,cinha ti'nha urna coisa bo- recente, que sobrevive nas lembranças. Os core-
nita ass'im. As þessoas nã,o erarn assim tã,o aio- tos, embora, na maioria das vezes, em precário
lentas, elas resþeitauam, respeitauam um jar- estado de conservação, ainda permanecem nas
dim, urna gra,rna^ O Jardim da Luz, quando praças das cidades brasileiras, especialmente no
eu era, menina, tinha 7, I anos,,. Foi em 1924, interior, testemunhos desse passado. Sem fun-
era fechado... Era absrto só aos domingos, sá,- çáo definida, poucos jovens entendem hoje o
bado e rlomingo... E a banda da Força Pública significado de retreta.
ia fazer retreta lá,... Entao tinha aquela þassea-
ta das senhoras e m'inha mã,egostaua mu'ito
d,essas músicas d,a Força Púbticã, que era ma,r- \
cha, chote... nafim de semana, sá,bado domi,n-
go (...) tinha bichos, n'ta,ca,cos, e a banda da
Força Pú,blica ia fazer retreta 1d,... eu þasseaua,
a banda toca,uû, eles dançauam no coreto... a
gente de uestidinho de marinheirinho(...) era
uma co'isa deliciosa, as crianças nam obedien-
tes... gostauam, þarticiþananr' n'tas numa obe-
diância, achando bonito aquilo, resþeitando e
se diuerti,ndo... Sã,o Paulo hoje estã, assim, um
camþo fechado, um camþo de guerra, nãn se
þode mais uiun em þa2... Para þassear... tinha
a,s casas de chá, no, ruã, Quinze... Ai, que delí-
cia! Santana, Voluntá,rios da Pátria... Quando
i.naugurou o sontete de massa foi em 1932(...)
nós fomos, nós þusemos luuas, estaua lá um aai-
so, todos que estiuerem, que freqùentar aquele
d,ia de inauguraçã,o tem de air de chaþéu e de
lLtua. .. "
{
180 além dos mapas dos fragmentos e das constelações 181
Essa seria ùrrra fa,nta"smo'gori(I', algo que não aqui caminho duplo - pessoal e espacial. Benja-
tem mais sentido, mas que perrnanece, oscilante, rnin refere-se a essa deslocalizaçã,o na imagem de
como testemunho de um tempo passado, antes de pensamento Tiergartenll: ]t
Literalmente 'Jardim
ser totalmente abandonada pelo esquecimento' Zoológico", em
"saber orientar-se numa cidade não signi- Berlim trata-se do
parque da cidade, que,
fica muito. No entanto, perder-se numa entre outros, abriga o
cidade, como alguém se perde numaflo- Jardim Zooìógico.
BENJAMIN, \^¡alter.
Visø panorâmica da
resta, requer instrução. Nesse caso, o Rua de ùIão Unica.
Obras Escolhidas. São
entrada do Parque da nome das ruas deve soar para aquele que Paulo: Brasiliense,
Lw.
Avenida Tiradentes,
se perde como estalar do graveto seco a 1987, v. II, p. 73.
no passado no imaginário
recolhendo os fragmentos A relação entre perto e longe articula es-
Esse caminho foi percorrido por Walter paço e tempo. Estamos perto ou longe através
Benjamin e nós acompanhamos suas indi.cações' do trabalho da memória que nos desloca. Esse
As c"idades por onde iu.rou misturam-sl à, ..,u, deslocamento possibilita um antídoto ao de-
memórias, especialmente em Rua de Mao Uni- senraizamento que, muitas vezes, nos faz estran-
ca, livro em que desfila fragmentos de suas re- geiros em nossa terra natzl.
cordações de infância rnaterializada nos espaços'
nos objetos. Aliás, como explica Bolle, são os "Eu, nre lembro... Rua Direita, o Centro da Ci-
objetos que protagonizam essa obra na qual lan- dade... antigamente quando a gente tinha di-
ça um olhar museológico sobre o presente e tenta
nheiro... qualquer coisa que nãn existia mais
resgatar os mapas que ainda possam indicar o de encontrar nos bairros...Eu moraua anti.ga-
I
caminho de suas experiências de infância. mente na Vila Mariana, e naquela época era
As memórias individuais se misturam às muito bonito corn chá,carcls e tudo. Foi bonito,
experiências sociais. Nessa intersecção de espa- tambérn þndeu totalmente a caractsrística.. . Hoje
çoi e lembranças não é possível distinguir, tão se extinguiu, seTnana þassada eu fui þassear
facilmente, o acewo pessoal do coletivo. þara algumas recordações na Vila Mariana...
Não encontrando mais os mesmos lugares' eu rnorcna ern urna casa há, 25 anos e queria
fica impossibilitado o reconhecimento, que tern passear, e aer de nouo, nla,s nãn me d'iz nada,
182 além dos mapas dos fragmentos e das constelações 183
não tinha nern' não foi þarecid'o conx na'da"" O Brasil se regozija de não ter tido a expe-
fui só þara l,embrar e f'quei deceþcionada, þré' riência devastadora da guerra, como os países da
d,ios sujeira... nãn era mais o que era...", tecla- Europa ou mesmo como o Japão que, como sa-
ma uma entrevistada. bemos, tiveram de ser totalmente reconstruídos
depois da Segunda Guerra Mundial.
A memória, ao se constituir a partir do pre- No entanto, a velocidade das transforma-
sente, faz com que as solicitações imediatas ções de uma cidade como São Paulo faz com que
reestruturem as lembranças. sejamos testemunhas de constantes destruições.
A antiga região daLuz é tema das entrevis- Mesmo nossas referências þrimã,riaq pon-
tas realizadas.no Museu de Arte Sacra, assim tos significativos da estrutura urbana, desapare-
como u. r.-ôd.lações da Avenida Paulista fo- cem de nossa vista, de um dia para o outro. A
ram recorrentemente citadas no MASP, museus permanência torna-se uma categoria problemá-
que se situam nessas áreas da cidade. Observe- tica em nosszrs cidades e em nosso repertório de
mos, como exemplo, essa entrevista realizada no imagens, fundamento das dinâmicas da memória.
Museu de Arte Sacra: As alterações bruscas e violentas, e a ques-
táo aqui é de ritmo (!), segundo o arquiteto
"Eu moraua aqui þerto...Tinha duas casas, nã,o italiano Aldo Rossil2, ficam como a imagem do l2
tinha duas c&sas nesse terreno?...não é do seu destino interrompido do indivíduo, da sua par- ROSSI,Aldo.
Arquitenrø da Cülade.
temþo... Foi em 1933 que ti'nha duas casas (lue ticipação, muitas vezes dolorosa e difícil, no Lisboa: Cosmos, 1977,
eram do conaento... minha madrinha nxor&aa destino da coletividade, a qual, porém, pare- p.25.
enl, um,cl delas.. . eu fui criad'a aqui mesmo (estd ce exprimir-se com caracteres de permanên-
muito bonito, nã,o é?) A auenida na feia, tinha cia nos monumentos urbanos. Os monumentos,
feira, ti,nha uma feira enorrne, aqui' faziam os expressos mediante os princípios da arquitetu-
desfiles d,e Camaual... acho que a auenid'afoi .. ra, colocam-se como elementos primários, quais
inaugurada em 1900 e þarece que ern 36, 37, pontos fixos da dinâmica urbana.
foi þor esse ano assinl,..." Lévi-Strauss, em sua passagem pela cida-
de na década de 30, descreve suas impressões
Nessa dinâmica em que os lugares são des- de São Paulo de maneira contundente:
truídos, mas reconstruídos através dos percursos
da memória, entendemos porque a memória eslá 'A passagem dos séculos representa uma
para o tempo assim como o labirinto esfá para o promoção para as cidades européias;
espaço. Ambos têm uma origem remota e, para paraas americanas asimples passagem dos
persegui-la, afastamonos do que buscamos, e, por anos é uma degradação. Porque elas não
mais que tentemos alcançâ-la, escapa-nos. Os su- estão apenas construídas de fresca data:
portes materiais- desaparecidos - dificultam esse são construídas para poderem renovar-se
exercício de retorno imaginário ao passado. So- com amesmavelocidade com que foram
mos cercados de antimuseus, de referências que erguidas, isto é mal (...) não são cidades
um dia estiveram ali, como suportes de uma me- novas contrastando com cidades antigas, 13.
LE\'I-STRAUSS,
mória, e que hoje não podemos mais enconffar' mas sim cidades com ciclo evolutivo mui- Claude
Tristes Tróþicos.
São casarões derrrrbados, monumentos desloca- to rápido comparadas com cidades de ci- Lisboa: Edições 70,
dos, cenários modificados do dia para a noite. clo lento"13. r979, p 89.
184 além dos mapas dos fragmentos e das consrelações 185
qui norn, dn anos"" Ah' nós m a' fatos aerd,adeiros. Acho i,mportantíssimo, acho
þrofessora com a classeaqui na nha que Sã,o Paulo d,nsria ter mais monumentos."
'nrroç...¡
Aht'quniam entrar, se não
Deus! d'á' um negócio ui't';""' "...e11 so'u muito ligado ao ualor histórico da
þod,ia. Ah,'meu
coisa, eu uiajo atraués das imagens que eu uejo.
No Largo da Misericórdia tem aquelcs azulejos
A visita inicial ao museu se cumpriu como
um ritual de iniciação aos objetos da História þortugueses azuis e brancos. Aqui.lo Iã, tem tod,a
uma história. Dificilmente alguérn em Sã,o Paulo
oficial e celebrativa. As lembranças parecem
es-
sabe que ali já foi um þonto de encontro, um
tar envoltas na celebração do m{estoso"'
Walter Benjamin dedica várias de suas ponto onde as pessoas sentauam, conasrs(rucmt
cidade d,urante a noite..."
imagens de pensamento a certo mapa da
oue misturá paisagens exteriores às paisagens
iirt rior.., u.å*o d1 suas experiências de infân- Oficiølmente þøssado...
reen-
cia. Resgata a perspectiva da criança para
contrar certos monumentos de Berlim' entre eles
Aritualização do passado tem nos museus
a Coluna da Vitória e o Obelisco'
como um de seus mais privilegiados espaços. Aí, o pas-
Se as coisas permanecem - mesmo
na memória' a permanên- sado institucionalizado reclama, não raro, uma
vestígios - frágeis trãços
desuso na memória oficial, celebrativa. Nos museus histó-
cia päece seiqualifrcativo que caiu em
ricos, a noção de d,ocumentos histórico.ç torna a
I
Esse
moãernidade em que nada deve permanecer'
memória oficial uma categoria óbvia. No entan-
I
mais
I
imperativo da mudança' que nos faz cadavez
to, podemos considerar, numa perspectiva am-
sedentos de novas experiências, impossibililao
I tilra-
I
Não é o passado que se valoriza, desde a A visita em família foi, portanto, uma ca_
passagem do conceito (e da experiência) de Na- racterística marcante no Museu paulista, veja-
çao para o de Sociedade (século XVII
- XIX)' mos alguns depoimentos:
Nestã mudança, a legitimação pelo passado foi
15. substituída pela legitimação pelo futurol5, como "Bom, na aerd,ad,e foi coincid,ência eu tsr uolta-
Na contempora- d,oa esse aqu| nós temos uma americana uisi-
neidade, segundo
notam alguns tando lá, enx ca;a e a, gente ae.io... aþroaeitamos
estudiosos da a oþortunidade de uir þara Sã,o paulo e trazê-
atualidade, como, por
exemplo, Michel la þara conhecer o rnuseu. Aí aþroueitamos e
Maffesoli, da
valorização do futuro espontânea; ela não tem mais um meio (milieux) esta,rnos þasseando tamb,ím.,'
(ideal moderno), volta- adequado para existir, proliferar.
se para o Presente. A
Para Pierre Nora os lugares de memória "...eLt me lembro, eu uim con1, meus
realização do desejo þais, fui eu
não se coloca no nascem e vivem do sentimento de que não há meu þai, meu irmã,o e minha mãn. passamos o
devir, mæ deve ser
consumada agora, mais memória espontânea, e esses lugares são d,ia inteiro aqui, foi. ótimo..."
sem demora.
pontos extremos onde sutrsiste uma consciência
comemorativa numa história que a evoca justa- "... e1t estou rnora,ndo aqui, tnlas eu quo;e não
mente porque a ignora: saio... agora que o nxeu sobrinho chegou d,oJa-
þã,o, entã,o a gente aeio trazê-Io þara conhecer e
"Fruto da desritualizaçáo de nosso mun- andar um þouco com ele,,."
do quevalorizamais o novo do que o anti-
go, osjovens do que os velhos, o futuro do Nessa operação de ensino, o que se faz,
que o passado, musells, arquivos, cemité- segundo o historiadorJacques Le Gofl deve ser
rios e coleções, festas, aniversários, mo- observado com um olhar crítico. Todo o d.ocu_
numentos, santuários (...) são provas mento, no limite, é mentira, revela uma seleção
J materiais de uma outra época da ilusão arbitrâria daqueles que desejam dar uma dire_
I
de eternidade. Daí o aspecto nosrálgico -ç^o a þriori à rrarcativa da história. Escreve Le
16. t7.
I 1ô dessas construções patéticas e glaciais..." Goff 17: LE GOFF, Jacques.
NORA, Pierre. História
I e
LaRépublique. In:les Memóríø. Campinas:
lieux Ménoire.
d.e No caso do Museu Paulista, a memória "...o documento não é inócuo. É antes de Editora da Unicmp,
Paris: Gallimæd, v. I,
1984, p.24.
celebra o Nacional, a história oficial do país. Aí, mais nada o resultado de uma montagem, 7994,p.547 t:
as gerações. São também brasileiros que tentam Nessa referência aos valores socialmente
apresentar os vestígios originários de nossa iden- atribuídos aos objetos expostos nos museus,
tidade, como uma sociedade de um passado de entendemos que toda espécie de
valor é uma
I
lDo lat originalel ' natu ê questionado em uma entrevista rea'liza- R- Daqui, é. Nao tem muita þeça assim real-
relativo à origem, que
provém da origem' da com ìm visitante do Museu Paulista' Neste
mente original ...a maioria reþroduções, qua-
inicial, Primordial' caso, vale esclarecer a atividade do entrevista-
primitivo, originiírio In: dros þrinciþalmente, e isso é muito claro que de-
Nouo Ditíonárío do que lança mais luz sobre suas considera- ueria ser assim mesmo. Mas em tsrmos de peças
de sam-
AuréIio d'a Língua
Portuguesa. R:io de
ções: trata-se de um diretor de escola realmente, as originais que eu acho sã,o aquelas
Janeiro: Nova ba. Passamos agora a reproduzir aqui um tre-
Fronteira' 1986' realmente que eu te disse anteriormente, canros
cho dessa entrevista: que sã,o de éþoca, bigas e aquelas coisas que têm
na þarte térrea,' lá, realmente þassa uma idéia,
' ...Ah, o que vne chama nxa'is a'tençã'o' que eu
aff, assim (...) Aquilo é d,aquele temþo mesmo...,,
gosto realmente d,e þarte de ueícu-
é aquela'
los antigos lá,, aqueles carrinhos do tem'þo do
Os desfrles de escola de samba no Brasil
Brasil Colônia ainda' Aquilo Iá' me þarece a
são constantemente comparados às óperas de
coisa mais'.. I'trna d'as coisas mais autônticas
rua. Através de seus sambas-enredo, recriam pas-
que tôm aqui . E uma grande þaúe. das co'isas
sagens de nossa história, temas de nossa cultura
àqui realmente nã,o chamam muita atenção
popular que ilustram com toda a sorte de ape-
nisse asþecto d,e história nã'o' sã'o þoucas' " aþa-
trechos, fantasias, carros alegóricos. Fazern da
rentemente con'tuns né' As þeças realmente que
história uma alegoria. Tudo é deliberadamente
rne chamarn mais atençã'o sã'o aquelas lá' pela
originatid,ad'e' a gente þsrcebe mesmo nã'o é' iden- fako e nem pretende a veracidade. Evocam ce-
nas históricas como pretexto paîa a folia. Da
tiflca com a éþoca que é coisa realmente d'e mu-
seu
-mesma forma, no museu, para esse entrevista-
do, não é a autenticidade que justifrcariaapre-
sença das peças, mas seus laços com um enredo
P- Coisa d'e museu, o que søria isso þara o se'
de nossa história.
nhor?
O papel pedagógico do museu, tão sig-
nificativo, como vimos, no Museu Paulista, é
R- E qu ô þossa iden-
relativamente recente. Esta memória nacional
tif,cai o Que .uocê
está'
encenada no samba ou exposta no museu ga-
iend'o t maioria d'as
nha versões sempre distantes do originário, àe
uma origem compartilhada, mas afrnal, have-
rla um consenso?
. Nesse sentido, outra observação signifìca-
tiva entre os visitantes do Museu Paulista, para
quem essas questões do documento/monumen-
to foram colocadas constantemente, diz respei-
[o ao nome do museu. Nenhum visitante se
co, nã,o é? O resto não, o resto uocê salua algu'
^
192 além dos mapas dos fragmentos e das constelações 193
referiu a ele attavês de seu nome "oficial": Mu- A identificação do museu como um lugar
seu Paulista. Sempre citado como "Museu do em que se aprende (especialmente sobre histó-
Ipiranga", ritualiza-se uma afirmação da identi- ria, ou arte nos casos do museu de arte) é inte-
dade ñacional. Local do Grito da Independên- ressante ser observada:
cia ê cantado logo na primeira estrofe de outro
"Tltdo, eu aolr mostrando a história, þara que
lugar de memória oficial: o Hino Nacional' "Ou-
viåm do Ipiranga as margens plácidas/De um deþois ela ueja isso na escola, com mais þrofun-
I
I94 além dos mapas dos fragmentos e das constelações 195
Ver a cidade esteticamente parece ser um hoje desativada, ganha nova função sendo pro-
exercício cada dia mais difícil, mas não totalmen- regida também da demolição. Readaptar espa-
te impossível. Vejamos essa comparaçao, espon- ços é, sem dúvida, uma forma de preservá-los.
tànea, de um entrevistado: Em São Paulo temos como exemplo bastante
conhecido o Sesc Pompéia, projeto de Lina Bo
"A estaçã'o de trem sempre me chamou a aten- que readaptou para um Centro Cultural o espa- Gare D'Orsay,
si só já' é uma ço de uma antiga fátbrica, entre outros.
çã,o... e aquela é bonita"'ela þor
Paris, c. 1900.
Estação daLuz,
São Paulo, 1997.
grandn escultura, assint' de ferro"'"
Museu D'Oreay,
Paris,1996
um tiabalh o arqueológi¿o tal como fez Michel g(rr... e hoje eu estou senl, dinheiro, infelizmen-
Foucault em relãção ãos hospitais' asilos e pri- te.,, é þorque eu u'im pela þrimeira uez e fui lít'
com em cirna, era gratuita a, entrad,a, não pagaua
sões, uma vez que o museu também opera
Tais nada, entã,o eles mudararn (!, norrna. entao fi-
os princípios dè exclusão e confinamento'
princípios são justificáveis como fatores para a cou ruim þor isso... porque nãn é tudo que a
,.g.rtátçu das obras, pois solicitam dos visitantes gente þode uer... nã,o é aerdade?"
uräa determinada atitude. Nunca é demais re-
lembrar que não discutimos aqui a pertinência O museu como espaço de exclusão foi ain-
desses dispositivos num contexto de conserva- da apontado por um estudante negro que recla-
ção das obru., partimos da constatação
de ser o mou da falta de atenção aos aspectos da cultura
museu uma instituição tão disciplinar como a afro-brasileira:
escola, por exemPlo.
Co*o confirmação a essa idéia, observa- "Vou ressaltar a aþicani'dade que é muito t'm'
mos que os visitantes entrevistados nos cinco þortante que nã,o acontece num þaís ond'e qua-
e
museus apresentaram queixas de várias nature- renta ou quarenta e dois þor cento da þopula-
zas, desdË a impossibilidade de tocar nas obras' çã,o é negra. E nãn se tem nada..' O museu nã'o
passando pela ãobrança do ingresso, no caso do é reþresentatiuo dessa etnia negra no Brasil-..
tVtASp, ou ainda referindo-se à arquitetura como Esse é um þonto imþortl,nta.."
fator de intirnidação.
Vejamos algumas proibiçoes observadas Seja pela imposição de sua arquitetura que
pelos visitantes: não raro intimida aqueles que passam defronte e
náo sabem se naquele espaço é possível entrar:
i'
É proibid.o tocar
"Pensaua - 'Ah! Isso daí a gente nãn pode en-
"(Jma coisa que nã,o dá, þara fazer aqtñ é tocar trar'. Via muitas uezes fechado, entã,o nem liga- l
I
198 dos fragmentos e das constelações 199
além dos mapas
Nesse ponto, vale uma observação sobre a "existem muitos talentos þerd'idos, nã,o aproaet'-
cidade como local de exposição de obras de tados, que nã,o têrn chance de mostrar o seu tra-
artistas contemporâneos. Se os monumentos his- balho... eles exþõem o trabalho na Praça da R¿-
tóricos mantêm o espectador alheio e desinte- þública e aendem as obras de arte por na-
ressado, uma vez que não se reconhecem na d,a...quando o aalor é muito maior do que eles
história ali representada, as obras contemporâ- estã,o uendendo...entã'o eu acho que a,s þessoas
neas, quando expostas na cidade, também colo- dsueriam ter essa oþortunidade de mostrar o seu
cam os passantes à margem. Os códigos sob os trabalho... "
quais estão elaboradas estas obras são, não raro,
de acesso restrito e, como vimos, não basta esta- Essa relação difícil com o sistema de arte
rem ocupando o espaço público para que se tor- se acentua com relação à produção contemporâ-
nem largamente assimiladas em suas poéticas' nea. Os códigos da arte tornam-se inacessíveis e
A questão nã a obra se legitima pelo espaço que ocupa den-
simples, de ordem tro de um sistema. Em outras palavras, se está
museu, comojáadv no museu é porque deve ser arte, mesmo que
na década de 70: guarde semelhanças com outras obras que não
estão exposÍas aí.
"aarte está isolada. O acesso à sua lingua-
gem tem sido controlado pelas instituições "Vejo muitos outdoors, uocê olha muitos dese-
(museu, críticae mercado) e seu discurso nhos em þaredes de prédios, uocê olha muito.
se restringe a um percurso dentro do pró Parecem com muitas obras que uocê uê aqui den-
prio circuito de arte. Um conflonto dire- tro do museu e se þarecem com obras que aocê aô
to público,/obra no espaço urbano carece ló' fora.. . uocô aê muito desenho abstrato, princi-
de significado pois o repertório necessário þølmente gef,te aí fora, þarecido com muitos
200 além dos mapas dos fragmentos e das consrelações 207
que aocê uô aqui dentro"' rabisco"' aocê aê que estipulado para guardar os pertences, a proibi-
o ,*o þega, rabi,sca lá' fora como muitos dese- ção de fumar, tocar, fotografar e outras não pro-
nhos que tôm aqui dentro'" nunciadas, levam o visitante a uma situação pe-
culiar. O espaço é ritual assim como se deve, a
A comparação da cidade com o museu ou cada momento, ritualizar arelação com os obje-
do museu com a cidade aparece espontanea- tos. O tempo da contemplação, desacelerado,
mente em diferentes momentos' Nesse sentido' fundamental para o trabalho da memória seria
um tema relevante é a possibilidade de tocar privilegiado aí22. No entanto, as restrições fun- 72
nas obras - possível na cidade e impossível no ãionu- como intimidadores e avigilância aguar- 3.Ë;ffii:ff.",."
museu. da alerta qualquer atitude suspeita do visitante. opoltodelaidéia.rodo
Envolvendo essaquestão, adiscussão enrre os üiä:#äi ..
"Na aaenida Paulista tem muitas esculturas na COnSerVadOreS e edUCadOreS dO mUSeU é antiSa. atividarles
frented,os bancos. Escultura de ftrro, escultura como seria possível não tocar numa escultu"ra l[iïT?.î;åltt't"'
de bronze. E tegal uocê þassar lá e un. E muito cinétca,feita exatamente para esse fim?- pergunta- *::l:::' :--
legal. Inclus'iae uma coisa que nã,o d'á' þara fa- riam os educadores. Se a obra esrá no -.r..r]d.u.- :ff::ffir:;":"äX
zer aqui que é tocar nas esculturas aqui do mu-
selt, se nã,o aquela mulher (referindo-se à uigia)
uem aqui e me enche o saco.'. Entã'o uocê sente
falta... de tocar os aolumes, de sentir o uolume'
NaAuenidaPaulista d'ó,, nã,o temnenhum guar- disciplinar, de conservação e exposição de objetos.
d,a olhand,o þara mim e dizendo que eu não þos- Por outro lado, a questão do tocar nas obras
so tocar... E também se tocar aai dar um d,esgarte do museu remete ainda ao olhar como uma ca-
na escultura.Vá'rias þessoas aão tocar' O temþo tegoria que se mistura à manipulação tittil.
aqui estã, þrotegido do sol, d,a chuua' Lá' nã,o, Essa é a pedagogia urbana. percepção tá-
está, no temþo.Tem sol batend'o, tem chuua' tern til, corporal, manipulatória.
O não tocar, além dos aspectos restritivos
I
Tocar ou não tocar nns obras .., uma real perspectiva para ver. Esse fato, ou a di-
I
ficuldade de manter essa relação distanciada, ilus-
Essa constantequerela entre os conserva- tra mais um aspecto da liquidaçáo da aura das
I %.
dores e os educadores do museu, neste contex- obras como explica Baudrillard23:
ffi¡It5il:!.*"
I
Em resumo, a proximidade física não ga- "...ó uma questõ,o de educação. Eu nã,o acho
rante a familiaridade, a apropriação e o res- que seriø simþlesmente uma camþanha. Como
peito que levariam à preservação' Isso pode- eu trabalho em comunicaçã,o, acho que
þôr uma
iiu ,"t ìesgatado através do reinvestimento da campanha no ar nã,o aai resolun o þroblema.
cidade como lugar de experiências significa- Quer dizer, eu acho que þrimeiro a þoþulaçã,o
tivas e não como lugar de deslocamentos, de þrecisa estar s,limentad,a, d,eþois ela þrecisa srr
trânsito. alfabetizada, þara depois ter þerceþçã,o as
þara
Preservar significa, como vimos, reconhe- co'isas. A
soluçã,o tem que conleç(u a curto
þra-
cer um valor positivo e desenhat, a partir dele, zo, rno,s eu nã,o acho que se chegue a ela a curto
um projeto de ação para o futuro que possibilite þrazo... acho que é uma coisa a ser trabalha-
um ,eferettcial para a conduta no presente' A da... mas é þreciso conlnçcff de algum þonto..."
crise da cidade, em poucas palavras, não se resu-
a
me a um problema urbanístico, mas é reflexo de O que seria essa þerceþçã,o þara as coisas, o
uma ampla crise de valores. começo de algo novo?
Seria suficiente informar, trazer mais Se a liberdade e a proximidade física com
dados, racionalmente assimiláveis, sobre o asobras na cidade não ga.rantem o reconhecimento
de um valor positivo, o que seria necessáno fazer
acervo de obras e monumentos pert.encen-
para que a preservação se efetivasse? Como
tes à cidade?
reaprender a ver as coisas? Seria apenas uma ca-
Pelo menos para os entrevistados, a edu-
rência de informação que a escola poderia suprir?
A.
dos fragmentos e das constelações 207
206 além dos maPas
O lugar da vida cotidiana é incompatível corda, o deslocamento é temporal e o recurso coleções reais que
abrigavam todo o tipo
a possibili- paraviageméamemória.
com a desaîeleração do ritmo' com - Aliás, o tema da viagem aparece de dife- de maravilhæ.
Remonta ao século
quem sabe' de
dade de olhar com vagar e atê' X\¡\, período dæ
rentes maneiras nas entrevistas, especialmente grandes navegações e
rememorar...
nesta entrevista realizada no MASP: remete ao olhar de
estranhame nto e
.À
210 além dos mapas
dos fragmentos e das constelações 211
À
212 além dos mapas dos fragmentos e das constelações 273
O þroblema é, eu acho, (I' gente estã, muito a,cos- no metrô e no trem as imagens do cinema, se-
tumad,o com teleaisã,o, futebol, esse t'iþo d,e coi- gundo Benjamin, são percebidas a partir do
sas,.. E acho que qua,ndo a gente tem a oþortu- princípio do choque. Essas imagens se sucedem
nid,ad,e d,e entrar em contato corn isso, aocê a'ca- velozmente e, para que o espectador possa captâ-
ba abrindo nxais a ca'beça, aocâ þode þa,ra,r na las, é necessário que tenha a consciência alerta,
frente d,e unx qua,dro e f,car þensando sobre a uma intensa concentração para que, no caso do
uida, uocê þode f'car olhando unxa escultura e filme, seja compreendido. Não há tempo para
f.car imagina,nd'o o que o,conteceu há' um século outros pensamentos, é preciso perceber o filme
atrás, no cúso do Brasil ou em, outros lugaræ, em sua torrente de imagens; "aocê nãn þensa em
cinco séculos, ainte séculos atrá,s. Vocô ao inaés rnais nada" observa a entrevistada.
de estar só buscando estímulos extsrnos, futebol, O ritmo da cidade também impõe uma
teleuisã,o, essas coisas, aocê acab(r criando estí- experiência do choque para os que caminham
mulos intsrnos enx aocê rnesrno. Eu acho que isso em suas ruas, onde a impossibilidade do ver liga-
faz melhorar a cond'ição de aida d,as þessoas, se ao hábito, dispositivo que protege o cidadão
nãn só quando elas estã,o só sentadas no cine- dos golpes das ruas, mas torna o olhar opaco e a
ma olhando e na hora que o fi,lme acaba uocê vista quase cega:
nãn pensa m(ris nada^.. Eu acho que isso aju-
da a þrouocar diuersã,o enx aocê nlesmn e crescer, "...5e uocê þassar nafrente uai reþarar que þou-
eu acho...Vocô nãn þrecisct, tsr de tud,o, uocê nãn cas þessoas þa,ra,m þara ad,mirá,\a".
þrecisa conhecsr a Venus de Milo no Museu de
Paris, uocê nãn þrecisa fazer nadq aocô só sen- "A gente anda tanto... eu nãn uejo nada."
tindo essas emoções d,entro de uocê, nã'o imþorta
se aocê é rico, þobre etc., já, é um crescimento þara O movimento, o fluxo das multidões, a
a cidade eu, acho..." impessoalidade das relações, o rosto anônimo das
massas têm dado o contorno do que se apren-
E interessante observar que o cinema apa- deu a chamar modemoltá pelo menos um século.
rece como um contraponto, neste depoimen- Como já observamos anteriormente32, a Na dissertação de
to, às obras expostas no museu, tal como a dis- rua dá o ritmo da rapidez do olhar. A impossibi- mestrado Oll¿ø¡
Passageiro -
persão se opõe ao recolhimento. A mesma com- lidade de se deter faz corn que a cidade se tor- Perceþção e Arle
Contemþorânea na
paração entre o cinema e as artes plásticas foi ne um esquema rígido e plano, uma rede capaz Bienal d,e Sao Paulo
31 realizada por Benjaminsl que concluiu que "o de acolher apenas os deslocamentos previstos (1990), analisamos a
BENJÀ\4IN, Walter. A dificuldade do público
Obra de Arte na Era de cinema é a forma de arte correspondente aos pelo trabalho ou por um lazer programado. A em obsenar as ohras
sua Reprodutibilidade perigos existenciais mais intensos com os quais cidade deixa de ser um campo de surpresas no contcxto da Bienal
Técnica (1935/3ô). e as relações quasc
It: Møgia e Técnica, se confronta o homem contemporâneo". como queriam os Surrealistas e como ainda, pos- "arquetípicas" enlre o
Arte e PoLítica. Obras Mas não é possível categorizar,Ião rigida- teriormente, tentaram resgatar os Situacionistas: v¡sitante da Bienal, o
escolhidas, v. lI passante e o tlâneur,
São Paulo: mente, essas duas esferas, contemplação e dis- sendo que os dois
últimos
þara trabalhar, sai assim tão preocu-
Brasiliense,1985, "Você sai são
p.192.
traçã.o, especialmente considerando os novos personagens da
museus, especialmente as grandes exposições e þado que olhar assim é difícil". modcrnidade em
Baudelaire e foram
a arte þós-aurá,tica. Basta observar o público em magistralmenle
grandés exposições de arte: a impossibilidade "é muita correria, muita,þressa, todo rnundo não interpretados por
Walter Benjamin.
de recolhimento arrasta-o à dispersâo.Tal como tem resþeito þelos outros. No i,nterior é totalmente
I
216 além dos mapas dos fragmentos e das constelações 277
novas propostas para que a sobrevivência dessas gens de alta definição (cinematográficas) em
instituições se cumpra dignamente. movimento. Pois bem, se o edifício do MASp
I
I
I
Por outro lado, o MASP situa-se num local faz parte do cotidiano daqueles que circulam
privilegiado, referência obrigatória para o olhar na ârea, sua imagem é presa do hábito, sentido
naquela região. O painel funcionaria como mais que não precisa dos olhos para ver. A imagem
i um elemento na paisagem, interferindo na em movimento no telão opera, basicamente, den-
1
experiêncás - a memória (mesmo que ideali- po em lugar adaptado a seus hábitos, não
A Memória Coletita.
São Paulo: Vértice,/
taãa ð.o que foi) e a vivência (do que está sen- somente os seus movimentos mas os seus Editora Revista dos
dois monumentos:
umafisionomia
para a cidade
Seguindo os vestígios
de um desaparecimento:
o Monumento
a Ramos de Azevedo
tal desaparecimento pela morte dos que guardam se galgar as alturas, r1esse ",u,rn dia eu þosso alcan-
esse traço da memória coletiva, apagandm. çar lá,", busca ir além das misérias cotidianas, al-
Mais do que simplesmente se lembrarem meja subir, alcançar as alturas.
de maneira indiferente do monumento, algumas Na imagem de pensamento, a Coluna da
lembranças vieram carregadas de um conteúdo Vitória, como vimos anteriormente, Benjamin2
afetivo, como podemos observar no depoimen- relata suas memórias desses monumentos 2.
to que se segue: que tão bem ilustram o conceito de me- BE{Ar\ÍIN, \Atalter.
mória topográfica: Ruø de ùIäo Unica.
Obræ Escoìhidas, v. lI,
"...Ah! tem uma que leuaram þara a Cid'ade Sáo Paulo:
Brasiliense, 1987,
(Jniuersitá,ria, tiraram ali d'a Auenida "... Aluno do terceiro ano do Liceu, galga- pp.77-78.
Tiradentes, þerto da Estaçã,o d'ø Luz, que é do va os largos degraus que levavam aos sobe-
Ramos de Azeuedo. Eu gosto daquele... Bem ranos de mármore, não sem antes sentir,
grande... Eu moraaa lá, no Tucuntui, eu þas- obscuramen te, qu&ntas as cens ões þriailzgia-
saaa de bonde, aquilo reþresentou muito þctra das m¿ seriam abatas nofuturo, d,o nusmo mod,o
mim... Eu þassaua de bonde, às aezes de ôni- que essas escadas " (grifos meus) .
Ramos de Azevedo:
"Monunlento eu lemhro de um que tinha aqui,
emfrente à Pinacoteca... Era o Ramos... Monu- o monumento de bronze
rnento a Ramos de Azeuedo... Era um nxonu-
Tlento que eles tiraram, que eu nã,o sei onde está, numa cidade de tijolos
a,goro'þara alargar a auenid,a.. . Ele f,cou aqui
do larJo... Lembro da mi.nha infâ,ncia... Na rni-
nha infâ,ncia que eu þassaua muito aqui... Elz comoção foi geral quando a imprensa
era muito bonito...Você sabe quemfoi Ramos d,e divulgou a morte do aiquiteio Ramos de Azeve-
Azeaedo?" do em 1928. Eram suas e de seu escritório as
(65 anos, entrevistado na Pinacoteca) obras que, naquela êpoca, mais se
destacavam
na paisagem paulistana: o Teatro
Municipal
(1911), a Escola Normal (1894),
o Liceu de Ar-
234 além dos mapas dois monumentos: uma fisionomia para a cidade 235
tes e Ofícios (1900) do qual foi um dos funda- funerzl, foram registradas mais de 1.400 assinaturas,
d.ores e primeiro diretor, o antigo edifício da além de ter recebido honras de chefe de estado.
Escola Politécnica, o Hospital doJuqueri, a San- Esse arquiteto, que estudou na Bélgica, era
¡a Casa Paulistana, Palácio das Indústrias (atual um declarado anticaipira. A palavra de ordem
sede da prefeitura), inaugurado em 1924, e o em seus projetos era cosmopolitismo. A escala
Grupo Escolar Rodrigues Alves (1919), entre as dos edifícios era monumental e ele se preocu-
muitas obras públicas. pava mais com a sua inserção destacada na pai-
Projetou ainda muitos casarões (hoje já sagem do que com sua adequação às funções
demolidos) na Avenida Paulista e Avenida An- para as quais foi construído. Nesse sentido ex_ 3.
gélica, entre os quais, a casa para sua filha onde plica Lemos3: LENIOS, Carlos
Ilamos tle
hoje está instalada uma Galeria de Arte do Esta- Azeued,o
seu Escritório. São
e
do, conhecida por seus lindosjardins. A Casa das "o escritório de Ramos sempre priori_ Paulo: Pini Editorial,
1993, p. 96.
Rosas é também projeto de Ramos de Azevedo. zavaavolumetria. a forma, ou o parti_
O restaurante Belvedere Trianon (1892), de- do monumentalista pensando mais em
molido na década de 50, local onde viria a ser guarnecer a cidade de grandiosidades
construído o MASP, também foi projeto de Ra- arquitetônicas do que em satisfazer as ex_
mos de Azevedo. Seria apenas coincidência? Vol- pectativas do cliente...".
taremos a ele.
Ramos de Azevedo era estimado por cole- Não por acaso, muitos de seus edifícios
Grupo Escolar
gas, empregados, além de ser figura pública foram lembrados pelos entrevistados como
Rodrigues Aìvcs. admirada. Basta notar que, nos registros de com- monumentos na cidade, entre eles: o Teatro Mu_
Projero do Escritório
Ramos de Azevedo, parecimento ao cemitério por ocasião de seu nicipal e a Pinacoteca, conforme podemos ob-
1919.
servar neste depoimento:
Av. Paulista, 1997.
Colunatas gregas associadas a torres em estilo rio. Era necessário ainda importar, além das
mourisco, protótipos de construções inglesas e técnicas construtivas e estilos, aqueles mestres
francesas fomavam o que Mário de Andrade che- de obras capazes de executá-las. Também, em
gou a chamar de bolo de noiua. função da necessidade de se criar mão_de_obra
Repudiando os traços, técnicas construti- especializada na cidade e no país, foi fundado o
vas e arquitetura da São Paulo colonial, esses ar- Liceu de Artes e Ofícios (1SBZ). Ramos assume
quitetos que se encaixam no perfil psicológico o Liceu em 1895 e inaugura a nova sede em
do homem eclético, 1900 que fornecia às obras os acabamentos em
modelagem, em serralheria e marcenaria.
"o qual num gesto ersatz,buscasermais his- A Segunda Guerra Mundial abalou, no
tórico do que a história, sem se importar entanto, as atividades do Liceu que até aquele
com ¿ìs 'mentiras' estilísticas e estruturais, momento era uma presença absoluta, sem con_
pronto a mascarar a aplicação da tecnologia corrente na cidade. No entanto, explica Lemos:
mais avançada com as invençoes mais ex-
travagantes, desde que portadoras da mar- "os anos 50 chegaram com o Liceu traba_
ca do tempo. Um tempo no qual procura lhando em igualdade de condições com
deitar raízes, pois não possui raízes que o outros estabelecimentos, muitos delcs
4 designem socialmente"a. dirigidos por ex-alunos. Isso foi explicá_
FABRIS, Annateresa
(org) Ecletismo na vel porque a cidade, que nunca parara de
Ar quil etur a Bras ile irø Como nota Carlos Lemoss crescer, assumia naqueles dias o seu
São Paulo: Edusp,
1987, p. 284. inexorável processo de verticalização onde
"Ramos veio para inovar... através desse tudo o que se possuía era consumido. E
5.
LEMOS, Carlos. ecletismo renovatório não só o Brasil, mas aos poucos, também a indústria abafaria o
Oþ. cit,p 9. a América Latina toda despersonalizou- artesanato. Na verdade, podemos afirmar
se... o país conseguira independência que o auge do prestígio do Liceu deu_se
política em 1822, mas acabou ficando de- mesmo na década de 20 com Ramos ain-
pendente de regras alienígenas estranhas davivo, quando a escolafoi afornecedora
ao seu patrimônio cultural a duras penas de todas as obras do arquiteto, desde cons-
aqui defrnido...". truções oficiais até casas de aluguel desti_
238 além dos mapas
dois rnorrumentos:
llad unìa fisiouolria
rica' es- par.a a cidade
tofa 239
e de Peciais
LENIOS, Cartos
o/r lìasa cl¡s
cit , p. b3 lìos¡.
r.¡sr-r
pr¡ciai dos
é Possível encontrar JJI-d¡Jrs.
,r*r", #lXa na cidade ves, ,\v panlista,1997
de ouro do I'
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mas dessas .:o"tu
de Ramos o"
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f parcial da f.rchacla.
ar', paulista.
1997.
vi.r,
'ai#lî#åJ'ffil ìi ¡
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com programas
de ensino.
de-obra locaÌ e também
melr_
e evorução de seu,"'#Jäîi1"?.î,:::î::å:
240 além dos mapas dois morumentos: uma fisionomia para a cidacle 241
lançou-se na empresa de reestrrrturar o ensino no Para seu aniversário, foi organizada uma
Liceu de Artes e Oficios, dandolhe um per{ìl mais grande festa em dezembro de 1921 com banque-
profissionalizan:rte, sendo ainda um dos fundadores te e discursos dos diretores e alunos do Liceu
da Escola Politécnica (1894), hoje integrada à Uni- "como se ele e o Liceu fossem uma coisa só".
versidade de São Paulo, onde foi o introdutor da Segundo Lemoss: 8
LElv{OS, Carlos.
cadeira de arquitetr-rra e seu primeiro catedrático, Oþ cit.,p 53
além do Liceu Pasteur, originalmente União Esco "as homenagens foram antes de tudo
lar FrancoPaulista. Essa escola foi o resultado do comoventes, porque atestam a espontanei-
interesse de franceses no intercâmbio cultural com dade das mais variadas manifestações
aAmérica Latina. Ramos de Azevedo participou d:rs surgidas, tanto na sociedade alta quanto
gestões iniciais para sua implantação, assim como aquelas no meio operário que. em massa.
foi seu primeiro vice-presidente (1912), doando, comemorou a data numa rara demonstra-
inclusive, as ter-ras para a construçáo e projetando o ção de amor...".
atu¿rl edifício da escola (inaugurado em 1926), o
Liceu Pasteur, localizado na Vila Mariana. As comemorações do aniversário de Ramos
As relações de Ramos de Azevedo com o pG de Azevedo aconteciam geralmente no Liceu
der público e as classe dominantes da política local de Artes e Ofícios, ocasião em que era organiza-
parecem óbvias - nem poderia ter sido de outra da uma exposição dos trabalhos dos alunos. Em
forma; c¿rso contrário, sem a encomenda do Esta- 1930, dois anos portanto após a morte de Ramos
do, não poderia ter tido a possibilidade de realizar de Azevedo, Ricardo Severo, antigo sócio e en-
tantas obras públicas. O seu trânsito nas altas esferas tão diretor do Liceu, faz urn discurso bastante
do poder assim como suas habilidades de concilia- signifìcativo:
dor político também são dignos de notas. Ocupou
diversos cargos políticos. entre os quais a presidên- "Constitui uma velha praxe desse ins-
cia da Calra Econômica do Esødo de São Paulo tituto a festa inaugural do dia de hoje.
(1925-1928), Senador do Estado (1904, renunci- E foi estabelecida porque fixa o aniver-
ando ao cargo em 1905), tendo sido, inclusive, co sário natalício de seu principal patro-
grtado par:a a Prefeitura de São Paulo (1919). no, o ilustre paulista Ramos de Azeve-
do. Foi durante tempo, a bem nosso)
uma data festiva; não mais o é, agora,
Prestígio e culto à þersonalidade porque se transformou em comemora-
Ramol de Azeaedo (1851-1928) ção histórica, como uma data cívica, é
todavia para nós um dia solene de con-
Como sabemos, nos momentos de festa é saeração... "e. 9.
que as personalidades podem medir o grau de SE\ERO, Ricardo O
Liceu de ArLes e
seu prestígio. A descrição do aniversário dos 70 As falas e as dedicatórias assim como as Ofícios tle Srio Paulo:
anos de Ramos de Azevedo assim como os deta- inscrições no monumento registram a persona- Históricos, Lslatul0t,
Regulamentos,
thes de seu serviço fi-inebre e as comemoraçoes gem em seu período de glórias. São as marcas Programa;, l)iþlomat
que se seguiram, incluindo o concurso par'à o da consagração. O que nos salta aos olhos aí é a 187) - 1931,s/d,,s/ecl
p.203
,
monumento, revelam a importância dessa figu- espontaneidade dos operários, distante da pom-
ra no cenário político e social da cidade. Posidade oficial dos discursos.
242 além dos mapas dois monumentos: uma fisionomia para a cidade 243
. De fato, é necessário
da monumenÞlidade to
com
a.Pa :
o mais monumental
rdo Severo em texto t3
^*, , escrito em l934rB: SE\TRO, Rica¡<to
Oþ cit, p 208
"O Monumento a
Ramos de Azevedo ern
granito e bronze... é considerad"
I
notável da cidadet pot
.-_"r.
'-
nr,r suas ^-^^^.-- .
sr,1c proporções
e
( valor artístico,,.
F , Independentemente
das
Lto autor com o homenageado, relações antigas
pois Ricardo Se_
dois monumentos: uma fisionomia para a cid.ade 247
246 além dos mapas
=J
,,aRamos
deA¿
a. p.o.p.,"ìåä_ .ff î,::J:
rendário esta crara
: îij::ïl]
_".; ;;;;;;""ir",
Deràlhe do
r\Ionumento a
oe Àzer.edo.
Ramos
: :' tempo
monumento escre\ ";ilï:,T.'öi Xi:::il;':î
"Erguia-se na praça
SEVERO, Ricardo.
Oþ. cir..p.20t.
DeraÌhe do
lmpla tul q;uì;;;J",lo"'
rmpressa em vermelho
rnonumento. FigIra
de
Ralnos de -{zevcdo folhinha;;iffiffi .ru
cm destaque. Atrás O pégaso e a vitória que te, o espaço
;ïJä-ä'.T:#:::t:ï3ffi:- 1ô
edificio da alto do monum( se projetam no BENAJ\{rN, \4hlrer
pinacoteca, seriam o símbolo do E o discurso dè Sever",t;;i;îä: Oþ cit.,p 77.
culruado
Acervo SIB -
;;ä;r::to
FAUUSP. Ricardo Seve ,,Dentro 1?.
no ano t8
1929, lança chaves para meus senhores j\Jonumer¡tos
minuto de silên- parccc
ierre Nora chamou de cro e devene.";J"ii- 9ue toram constanres
preselrres à cicl¡de
no carendário e o Ìl_:_^_ .aí reunidos os feriados
de
Sao ParrJo.
Na ocasião, em cerimônia no Liceu de Ar- projetado por Ramos de Azevedo para abrigar o
tes e Ofícios, discursou mais uma vez seu dire- Liceu de Artes e Ofícios que, por sua vez, origi-
tor, Ricardo Severo. Vejamos alguns trechos: nou-se da Sociedade Propagadora de Instrução
Popular (1873) que pretendia alfabetizar a
"O Monumento de blonze e granito que porção carente da população. Em 1BB2 essa pro-
vai surgir hoje, na praça fronteira, destina- posta é reconsiderada, sendo ampliada para cri-
se aperpetuar o nome do eminente arqui- ar o Liceu de Artes e Ofícios. Com a chegada da
teto, em iorno do qual se movimentou o República, como escreve Lemos2o: 20.
progresso arquitetônico da capital paulista, LEMOS, Carlos.
Ranos de Azevedo e
realizando milagrosamente em menos de "o apoio ofìcial minguou ao lado do de- a Pinacoteca do
Estado- In:,4
meio século ... Colocado em perfeita união sinteresse dos poucos capitalistas que 4ju- Pinacoteca d,o
com esse edifício (refere-se aqui ao edifí- davam a manter a instituição, e, com isso, ¿irado Sáo Paulo:
Banco Safra, I994, p. 9.
cio do Liceu,/Pinacoteca), forma um con- a crise tomou vulto tal que todos aceita-
junto urbano de admirável harmonia vam a idéia do encerramento da escola
estética e simbolística, porque exprime, benemérita. Foi nesses dias que Francis-
eloqüentemente, o ideal paulista e sua co de PaulaRamos deAzevedo, o arquite-
obrapelo progresso do trabalho inteligen- to de muito poder, assume aresponsabili-
te, perseverartte e construtivo. São, portan- dade de salvar sobretudo o Liceu, isso no
to, face aface, dois monumentos que se ano de 1895".
irmanam e completam. Aquele, com sua
estmtura monumental, fixa em materiais Com sua influência consegue doações para
imorredouros glória deste vitorioso pro- a construção do edifício, inclusive o terreno que
gresso e consagra{ dentro da própria Pá- foi desmembrado do Jardim da L:uz. A majes-
le.
19.
tria, no passado e no presente..." (sic) tosidade do prédio contrasta com o programa
SEVERO, Ricardo. de suas atividades, pois abrigava as ofìcinas de
Oþ. cit.,pp 207-208
A transitividade dos monumentos, ora a trabalho do Liceu, assim como os cursos de ins-
Pinacoteca, ora o Monumento a Ramos de Aze- trução primária e artística, além do ginásio e,
vedo, reforça a unidade do locus corno uma es- posteriormente, a Pinacoteca do Estado (insta-
trutura primária, cuja vocação seria preservar a lada no prédio em 1905). As o{icinas do Liceu
memória de Ramos de Azevedo e a memória da ficavam nos porões do edifício. O desenvolvimen-
cidade que ele {udou aidealizar e construir' O to de suas atividades fez com que suas instala-
monumento tem, portanto, sentido defronte ções logo ficassem inadequadas, fazendo com
desse edifício com o qual dialogava desde o prin- que fossem transferidas.
cípio, sua transferência impossibilita qualquer Como observa Lemos2l, Ramos de Azevedo 27.
reconhecimento de um sentido originário. empenhou-se em levantar um edifício: "sabida- Idem, ibidm, p. 52.
monumentos em trânsito
ros, o
Muitas
feitura
até serem reim¡
na cidade.
eram
lugar; hoje, 'juntas num único
a essa famÍlia simbolista,
clestinos ind para cadaparte do
traça
to dividido. morìumen_
São, como ve)mos
nesses breves exemplos,
rias e diferenciadas vá_
causas para o remanejamento
de uma escultura r¿ìs
Èifìîïiä,,.,
"a.belezado passado
deve consola¡ os in_ iåä: å:
,;Ì;iI"
válidos, ,
prision Futurismi,
\ritan:
;:ff#l,iåiil,,_
umavezo".
eles _ mas nós nã ".,:lli;: ä.ï:ïff:
r e nisso,
futuristasl"
u, 0"."r:;J.î;ï::ïllå:
Portanto, deixem
os aregres
rncendiário, .or.olt ",t1hu-
...Aí esrão
quemfogo nas",.,,
.,,1J1,ff
estantes das
i:ilå :::ï:
u*r^*ror, o*li)í-
tem os ra,nais 'oí,
e afundem
,urrrrì..-,' ,,,i
alegria de upr os ",
aelhas tclas boiando
,";;;
chentes,descorando,dupectaçattis;"þ:;;'r:;
Y
256 além dos mapas dois monumentos: Lrma fìsionomia para a cidacle 257
des e mesmo das velhas coleções, sua assim como o roubo de peças de bronze para
redução a simples mercadoria por par- derretê-las reflere uma situação na qual i mi_
te das organizações comerciais, a acào séria é fator significativo pàra a dissolução da
puramente defensiva e não programa- memória histórica. A destruição muitas vezes
da dos organismos de defesa, a pre- não se dá através da remoção, a mais radical
tensào de subordinar a conservação a de todas as formas, mas também pela degra_ 25
E o caos urbano
uma falsa adaptação à exigência ou ao dação do seu entorno. parecc ser tão grande
gosto moderno. Um estágio ulterior da O Anhangüna (1924) de Luigi Búzzolara, que a faca do
Anhangüera foi
crueldade - teria dito Hogarth - é a por exemplo, integrava-se harmoniosamente ao urancada de sua mão,
e com eÌa Lrm homem
desambientação do ambiente, ou seja, Parque Trianon. Atualmente separado por gra_ feriu o rival nurna
sua degradação voluntária, ainda que, des, perde-se na calÇada, sem sentido. disputa pe la mesma
namo¡ada. Ver:
por vezes, ela venha a ser engano- As pichaçoes cobrem-lhe o corpo, mistu_ LOURENÇO,João
samente apresentada como valorização ra-se ao caos da paisagem. Bandeirante perdido Carlos. A Cidadc err
que as Estátnas
ou adaptação às exigências da vida mo- no caos urbano25. .Arrdam. O Lstado l.¿
derna. A presença de obras de arte é S Poulo,13nar.1978,
o monumento a Ramos de 27
PEIXOTO, Nelson
Brrssac, América
Michel de Certeau
t
Y
260 além dos mapas dois monumentos: uma fisionomia para a cidade 261
Um monumento na, þqssagenx poderes públicos decidem, numa aparente ex-
clusividade de competência e interesses. A com-
Que teria acontecido para virar manchete paração do monumento e sua transferência para
no jornal O Estado de S. Paulo sob o título "Cárie outro lugar à Torre Eiffel revela o absurdo da
28. Monumental na Avenida Tiradentes"2s, ou ain- situação. Seria possível realizar a tal transferên-
O Eslad.o
S Paulo,
rL¿
da "Duas estátuas incomodam muito mais"Ze cia se a cidade fosse Paris e não São paulo? Não
23mar 1965. onde se lê: seria possível considerar aqui, nos projetos ur-
29 banísticos, as sedimentações de apropriação dos
O Estado de "No começo foi ornamento. Mas, ao cabo grupos sociais que conviveram e fizeram dessa
S Paulo,
13 nov. 1966.
de um decênio começou a tornar-se en- referência um marco significativo em uma pai-
trave. Agora constitui tampão-tráfego... ". sagem que tende a se homogeneizar? São paulo
tem como característica a instabilidade, a fuga_
O monumento foi notícia para vários jor- cidade, a velocidade de suas modi{icações. Essa
nais e revistas.Vejamos um exemplo: característica não passou despercebida pela im-
prensa que há anos vem sinalizando a rota des_
"Este monumento, que foi apontado como
sas alterações que, não raro, são arbitrárias e
um dos mais belos de São Paulo, encon- desorientam a população3l.
trou na década de 60 alguns inimigos aos Ainstabilidade dos marcos referenciais ten- Ver entre outros:
quais não pôde oferecer muita resistên- LOURENÇO,João
de a confundir as antigas testemunhas: Carlos A Cidade cm
cia: o tráfego crescente da avenida Tira- que as Estátuas
Andam (E a cidade,
dentes e a linha Norte-sul do metrô. A "...Está, na Cid,ad,e Uniuersitária... E agora está claro, é São Paulo).
primeiravez que se falou em desmontá-lo me dando um þâ,nico (tenta se lembrar o nome
O Estad.o d.e S Paulo,
13mæ. 1978; Cirarda
para reconstruí-lo outra vez em outro lo-
do artista e d,a obra)... E u- qut estaua aqui de Pedra
cal que não fosse importuno foi em 1961. Os Monurnentos de
na Estaçã,o d"a, Luz, eles estaaam bem em frente São Paulo Continuam
Essa primeirabatzlha, porém, foi vencida, à Pinacoteca \{udando de
ou melhor, teve seu desfecho adiado para
foram lá þara a Cidade (Jniuer-
e
Endereço -Reuisla
sitá,ria... Ramos d,e Azeuedo, ex,atamente, Era Vejø SP. II maio 1988.
seis anos depois. Falava-se com insistência
ele mesmo que estaua ali... Acho que tiraram
no alto custo dessa remoção e de seu su- daqui, nã,o sei de onde e colocarcr,m na þraça
cesso duvidoso (algumas figuras de bron-
Panamericana, se eu não me engano. Tem um
ze teriam que ser semadas). Comþarou-se até
outro lá, também, uma outra... É umo obrct, rJe
o trabalho à mud,ança rlct, torre EffiI þara a ou- arte, nã,o? Eu assim no rnomento nã,o tenho
30. tra margem do Sena...3o (grifo meu). muita noção..."
Monumento a Ramos
de Azevedo.
Folha d,e S. PauLo. Esse trecho da notícia parece interessan-
10. dcz, 1971 O deslocamento da escultura faz com que
te sob vários aspectos. o vazio seja visto. A percepeão trabalha através
A batalha, que já havia sido empreendida da ausência. Essa constataçáo nos leva novamen-
para.erigir o monumento através dos donativos te a crer que estamos de tal maneira acostuma-
da população, invertia-se; a ordem agora eta dos com os edifícios e monumentos na cidade
desmontá-lo. que deixamos de olhar para vê-los. A relação se
A populaçâo, atê. onde podemos enten- fundamenta no hábito da presença. É uma re-
der, não tem como se manifestar nesse caso. Os cepção tátil. Somos sensíveis à ausência, acostu-
Y
262 além dos mapas dois monumentos: uma fisionomia para a cidade 263
mados que estamos com o excesso, abundância va,foi instalado na praÇa. Não pretendendo re-
de objetos, edifícios, placas, elementos que obs- presentar nada, bem à maneira dos escultores
curecem nossa visão. minimalistas, a escultura de Richard Serra ¿rfìr-
À transferência do monumento scgue o ma-se apenas por sua presença. Qualquer
princípio da destruição. As forças que lhe deram elucubração que vá além de sua materialidade,
origem, assim como sua simbologia e destinação de suas formas e de sua presença sensível soaria
inicial do ponto de vista do conjunto arqui- falsa.
tetônico, como realçou Ricardo Severo em seu
discurso, são fundamentais para considerarmos
que a sua retirada equivale à sua aniquilação. Isso
sem falar nos danos físicos, às vezes irreparáveis,
que ¿ìs obras sofrem durante a remoção.
Claro está que a preocupação não é pre-
servar mas manter a ilusão da revitalização atra-
vés da modifìcação incessante de sua localização.
A escultura, mesmo passível de desloca-
mento apesar das dificuldades, cria raízes com o
local para onde foi concebida e implantada e
qualquer modificação altera, às vezes irremedia-
velmente, o seu sentido original. A concepçào
da peça inclui, em esculturas monumentais, uma +l*'
absoluta sintonia com o espaço de sua exposição.
Não raro os artistas trabalham em conjunto com
os engenheiros e arquitetos, tendo em vista sua
implantação como objeto "fixo" na cidade.
Também para certas esculturas modernas,
e não apenas aquelas compostas de elementos
narrativos como esse monumento, a relação com
o espaço circundante é fator fundamental na sua 'l'ílted Arc,I98L
Richard Serra
criação. Vejamos um exemplo bastante contun- Fedcral Plaza, N Y
dente: a retirada da imensa escultura Ti,lted Arc,
do artista norte-americano Richard Serra, é mais
um episódio que ilustra o que discutimos aqui. No entanto, a relação com essa presença
Sua obra foi concebida para ocupar a Federal sensível é uma possibilidade aberta pela arte de
Plaza, movimentada praça rodeada de edifícios rever as coisas. A ordem é voltar os olhos para o
públicos em Nova York, sendo o escultor esco- próprio corpo, que, em seus trajetos habituais, é
lhido dentro do programa "Art in Architecture" capaz apenas de repetir gestos amortecidos e ten-
para realizar uma escultura a ser implantada tar reconhecer a mesma pràçà, porém, sempre
naquele local. Terminado o projeto, stra peça, de novos ângulos. O peso da peça inverte o sen-
um imenso semicírculo de algumas toneladas tido da gravidade que faz com que os cidadãos
de ferro, formando uma espécie de parede cur- olhem apenas para o chão. Retira-o da inércia
4
264 além d.s mapas
dois monurnentos:
uma fìsionomia para
a cidade Z6b
cidade. Não era poss
derada sem senddo. eça consi-
Jardim cla Luz, nesse Par-ar no
intelalar entre as glóri na região
eDto.
A mudança
þara a Cidade Uniuersittiria
À cldad. Universir
gou sem maiores sole
monumento chega
apesar de suas tone_
seoprópriohome_
32
Como observa a
Retista VejaSao
Paulo,lI ¡rdo lggg:
"O Brrba Garo cla por sua
ayclida Snnto,\maro, naquele
colhcciclo cotno
na escol que estudaram
'boner::ìo,_ quc
ccrtalnclìle figLrrâ Ia otidianarnente:
lista das coisas tnais
Icias cle Sâo p¿rulo, '"? o'
ï;;' lu! ^' uras þ or mþ o ui
ìtìas para cada nole uu e xe t aq
ern cada clez
å::;,"
Ramos: fora do tempo
:::: : !: ",:;, ;;;itr, :,:#rííï; ï# ïíi,#i,
paulìstanos. se
it[¡aldonasse setr (utdad,a,
Irrgar. o Borga Gato e que o
þessoal naå cuirtø co_o ,trrr_
cle ixaria Duit¿t
tnao _ gcnte
g.eD te Da
qt re se
e do espaço o s clomingos,
Ìrovlrìer tâ pelassuas
vizìlhanças us¿rndo a
lo tuas cle mu_
cstá¿[a col]to poilLo
O sentido de tempo e espaÇo grand,e e muito lonrto...
cle refe¡ência,,,
escuttura monumentri._
impresso na
estátuas ... A
¿u o¿-¿Ío? _ir:ti
hå;;;;ãm a r{a_ e.çcultura que *iu"'o¿:_oo ¿o
mos faz.com que ele se que semþre eu ueio
,".". .r_-ãã.umcnto nafrente qun é nrro io USp...
anacrônico. A febre da mudançu E uma coisa para
f"i *"ìia a pela *i* _oíoriñ;;;.:':
266 além dos mapas
dois tronumelrtos: urna
iìsionomia pzrr_a i,r cidade 267
"...Tem aqui nrcsmo na USP o do Ramos de
Azetnrl,o... ltla,o á isso que uoce
.çci, .se
þensou, e me
þerguntou... E porque fica bem peíto d,a escola
onde eu estudei... Então a gente uia diariamen-
te. .. Gosto. . . Acho que tem umo,
força incríuel. . .',
"...Vamos dizer que nesses lugares tod,os que eu Na década cle 50, e mesmo
antes, muitas
das. construções, especialmente
fui eu nãn ui, nada semelhante... É enorme, ela proje tadas pelo escritório
as casas
me chama a atençã,o þelo tamcr,nho e de nu_o, ã" L.u"do,
ltelø fine- foram demolidas. A
za d,a,s figuras, a flneza como foram feitas e es_
culþid,as as tiguras. Você uâ que está
þerfeito,
u,ma coisa, um trabalho pafeito... A imþonôncia
"!??";;ö;;
cidade incompatível
.1.r. o.r_
',,åï';
pavam lmensos terrg¡65, quase
que ela aþresenta à þessoa que a admira, aþesar chácaras, em zo_
nas cada vez mais valorizaåas
de ela ssr mu,ito grande þoucas
þessoas param Em 1950 veio abaixo um outro
þara admirá-\a...
Se aocô þassar nø frente d,o
fício projetado por Ramos:
célebre edi_
monumento tncâ aai reparar que poucas o Restaurante Trianon.
þessoas
þrtram þøra ad,mirá,Ja. Todo mundo þassa sem
olhar. DiJicilmente aocê encontra uma ou outra
Um þouco de sua história
þessoa que þá,ra þara admirar o trabalho...,,
"Flouve tentativas de ali localizar- uma lu- Era esse seu projeto para o novo MASP
xuosa sede dojóquei clube . Também um que já antevia, no local do antiso belvedere, um
projeto do arquiteto Affonso Eduardo lugar ideal para a construção do museu, especi_
Reidy, para um Museu de Arte Moderna, almerìte pela apropriação que a população da
fora apresentado alguns anos antes, mas cidade já havia feito do local cle seu belveclere,
o plano não vingou. Outra tentativa fra- pois esse, see'undo Lina3e:
cassada foi a instalação de uma torre de 39
ßARDI, I-ìua Bo, O
altura maior que a Torre Eiffel. Agora, "seria o írnico lugar onde o Museu de Ar-te Novo Trianon
parece que o projeto de Lina Bardi para o de São Paulo poderia ser construído, o t\Iironle das,{r1ar., n 5,
sct /our Ì9ô7, São
Museu de Arte selará, definitivamente, os úr'rico digno pela projeção popular cle ser Paukr, p 26
das nas dédadas de sua existência, a Avenida Três elementos se destacam, dentro da re- 7891.Jules Martin.
Aquarela s/papel.
Paulista se presta a contar a história da moder- flexão que pretendemos empreender, nessa des- Coleção Nfuseu
Paulista - USP
nizaçâo da cidade em suas diversas fases. Não crição da inauguração da Avenida Paulista. São
por acaso, é nessa avenida e, mais precisamen- eles: ¿ linha d,e bondes, a, mesa de doces e o ?nu;eu.
te, defronte do MASP, que ocorrem as mais im- Quase com uma perspectiva de analisar na ima-
portantes manifestações populares e políticas na gem criada seus elementos subjacentes, torna-
cidade. mos figura central esses aparentes detalhes da
descrição histórica. O bonde como as transfor-
mações da sociedade, as modificações advindas
A inøuguração dø øuenida daí em todos os níveis; a mesa de doces como a
possibilidade de convívio social no espaço públi-
"a avenida Paulista foi inaugurada,junta- co; e o museu como o local de preservação de
mente com a linha de bondes, também uma memória coletiva. O antigo sentido de casa
mandada construir pelos proprierários da das musas é reafirmado pelo museu.
gleba, no dia 8 de dezembro de 1891, oca-
sião em que foi servido ao público pre- "O bonde abre aviagem
sente uma mesa de doces, colocada na No banco ninguém
esquina da avenida da atual av. Brigadei- Estou só, stou sem.
ro LuizAntônio. Esta cenafoi reproduzida
pelo pintorJules Martin, num quadro pos Depois sobe um homern,
L9 No banco sentou,
teriormente doado pelaviúra de Eugênio de
REALE, Ebe.
Aþ cit., p.109. Lima ao Museu Paulista"a2. Companheirovou.
Y
27 6 além dos mapas dois monumentos: uma fisionomia para a cidade 277
O bonde está cheio,
De novo porém
Não sou mais ninguém."
que seus nomes sejam plenamente visíveis atra- "Aquelas que mais me a,gra¡lam säo aquelas
vés de slras oblas. O local de exposição deve ser, dcr Paulista em que eu
þosso þôr a mã,0...',
portanto, privilegiado. Dessa forma, a distribui-
ção cle obras na cidade é desigual. A periferia A proximidade física com as obras é total;
ou mesmo as regiões mais afastadas do centro no entanto, como sabemos, proximidade não
ou da Paulista recebem menos atenção, como garante sua integridade. É possível vê-las sem
observa este entrevistado: todo o aparato de segur-ança que as cerca, o que
leva à sua degradação.
"Eu acho i;mþortante de se retratar que tem essa As pichaçoes nas obras da A,enida paulista
obrø, é imþortante, é utna referência no mell aparecem como uma referência a esse fato:
bai,ryo. Ela é uma escultura muito bonita. Estít
mal consevuada ruas é muito bonita. Poderia "...8 u,me þena clue as obras que estã,o muito
dar uma aida, muito ma,ior ao bairro se ela þerto d,o þúblico acabam estra,gand,o..."
fosse bem conservada, e se LiaesseÌn mais aten-
ção com a r¡bra... Como é um bairvo mais þeri- Vale aqui uma ressalva distintiva entre
férico d,a Zona Leste, nãn que seja totalmente pichadores e grafiteiros. Acreditamos que há
þeriferico, mas Zona Leste da cidade, tøluez a uma diferença grande entre uns e outros. Gros-
atençao näo seja tão grønde. Eu acho que está. so modo, os pichadores são aqueles que rabis-
uinculado à questòio dcts classes sociais. Aque- cam, riscam, degradam a cidade com suas marcas
les que fazem cultura não freqüentam aquele atingindo muros, monumentos e até cemitérios.
bai,rco, nao mora,m muito nac1uele barrro. Aque- Muitas vezes com uma grafia quase universal (o
le bairyo é um bairro de tramþolim. Ele é þobre tipo de letra "gótica-hieroglífica" dos muros de São
na Mooca, fica rico uai þara Higtenóþolis... Paulo pode ser visto no Rio deJaneiro, Novayork
Ou a,gorn, os nolJos ricos freqùenta,m o Tatuaþé, ou Chicago) pretendem apenas atestar sua pre-
Pichação, I uir da
n,ã,o moram lít no Mooca..." sença com marc¿ìs instantâneas. Con solação
Såo Paulo, l9!)7
Sern ncls clctelmos cm consicleraçocs psl- rnilados pelo circuito ofìcial da Arte, sendo or-
cológicas rnais zrprofìrrdadas sobre cssa neccs- ganizadzrs, especialmente no iníco da décad¿r de
sidacL dc reañnlar a plópria identidade rnarcando 80, r,árias exposições dc grafiteiros errr nuseus
a paisagem, olls<:lveÛìos sua dif'erença em rela- c galerias cla cidaclere. +9
Fur S¿ro ParLlo o
ção aos e-rafìtciros. Essa relzrção e ntre arte c grtffiti parece
¡riorcirrr clos
O grtr.ffiLi,já charrado de gírict em relaÇão sig-nificativa para pensar:mos sobr-e o lusar da sralìtei¡ os q[e tclc
irnaq-ens feitas a pàrtir cle estudos ou molcles cui- unìa entrevistada: '\rtcrs PI¿isticas foi
-.Ue,rValzrLtri quc tc:re
claclosarnente elaborados. As cores são também ruua s¿ìl¿ì espccial na
I 8a ßicnal dc
chamativzrs c, a partir: de modelos ou à mão li- "...tem ta,ntcr,
þichrr,ção nn cidode que eu nã,0 sei S¿o Paulo, 985, con 1
\/re, os grafiteiros realizam cluadros nos muros da também se isso þode ser consicJerado at-te... al_ ¿ iDsta¡açiìo "Fcst:r Ìir
casa <l¿r Railltir clo
cidade. A prcocupação estética é inegável e' por- g'uns até þodem... eu þasso ali...
þara entrar Irango Assaclo"
t¿rnto, os locais escolhidos são estratégicos. Não þara cr, Rebouças ali tem algu,ns, ,uns quadros,
liragmen Ios clessit
obra pertercerl hojc
se grafita em obras, esculturas, mas paredcs, mu- nrTo sei se é qrtnd,ro, 'uma;
þi,nturøs,
,nao sei se ao accLt,o clo \LAC -
USP I(cnl¡ Scharf, o
rcrs. É possível reconhe cer o estilo dos grafiteiros aquilo þctrle ser consirlerudo arte... eu
þa,sso setn_ couhecido ¿r¡tist¿r
através dos grc(fiti,.i espalhados pela cidade. No þre e uejo umas coisas no muro þintaclas..,,' rtorte-arlcr-icano c¡rc
rcpxrcluzìnclo corn
Arnaldo temos, ou tínhamos48, na cidade de São Se a Avenida Paulista é uma galeria privi_ laLas clc sprav suas
lìguras r:aracterísticurs
Paulo um painel bastante representativo. legiada de obras de arte é porque se oferece pclar cìclade dc Nola
Essa região não parece ter sido escolhida como urn terreno propício para o olhar. York, particìpou
tanrbéÙl conlo iìì l¡st¿ì
por acaso, uma vez quc dá maior visu¿rlidade a Da mcsma forma, espetáculos de clestrui_ colyidaclo d¿r Bienal
Grff ti,')'ítt:l esscs grafiteiros, e não demoralia, seriam assi- ção tambérn realizam-se aí. A destruição d.os ca_ cle S¿ro P¿rulo c ¿r obr¿r
clue prochtziu, na
r\r' Paulistn / sarões, iniciada na década de b0, foi proøressiva ocasìào, loi
Consoìaçzro
S:ìo Paulo. l9!17 até restarem muito puucos exemplares hoje, os ì n corporacla Larlbclrl
patrimônio Histórico
totnl¡and,o rlma casa e o
dinheiro suþlantando, os caras clerrubauam dois rnonurnentos:
da um¿ fisionomra
noite þara o dia a casa. Entã,o
para a cidadc ZB5
þara mim isso
foi o ,maior cnme que foi felto aqii em São pau_ þatnmôn
lo, inclusiue coisas belíssitnas e antiquíssimas...,,
rl,as cois as, *p
Mais tarde, a avenida foi palco ";"i;;:#r,
seu. porque eu u
também de
incêndios de grandes proporiõ"s-
Não inren_ ao museuþi tam-
ctonamos aqui apenas arrolar
essas catástrofes
bérn umafctse;i,r,i::;:rrir
como espetaculares em si, mas também. Entuà
da imprensa e de populares
a movimentação
museu Na
deþois ;;;";,
puru urrirtlr à quei_ ciclad,e, ,o Søn ,t)
ma dos edifícios é digna ¿.
..n."áã.'O edifício ,.. tu... (Jm
da CESp que se incendiou mundo,
em lg8i atraiu para *:u"
o local centenas de pessoas. foãtri.r.te
truído, a esrrurura desse edifi.i, des_ i,liol#i
protagonista de outro espetáculo ;;;;_uclo foi Iremos n
da avenida: sua implora".
da destruição
c"_ àáolioru
cada, a implosão do edificio -evento_ur_
d
" MA¡Ë';;; :î 3; :î.;ï:.i iï,î; J." JiÍllì i
f.oi um que io que ocupa atu_
pôde ser tesremunhado por
_ìffrã", O. pesso_ , inaugurado em
as. O espetáculo durouapenas
alguns segundos; aia, contando, in_
absoluramente planejada com
.áïJ;; cuidado_ ,
presença da rainha
sos, foi televisionacla e da lnelarerra. nÞu¡"ir, ¡
a ela urrirtl.u_ especta_
dores maravilhados.
Aliás, várias emissoras de rádio
taram a Avenida parilista como
e TV ado_
ponto p.irrit"guao
;,ff"" !":!::þ:nq'" attASP '. porque
todo mund'o
cto
todo
p-ara a instaração de suas que é suþertnece' c¡ta"' o tw'lsP
torres e, transmitindo tmrnonumen-
dali suas onclas, reafirmam,
u,..-u¿. äî suas es_
to... Aessa
truturas cadavez mais altas,
u uo.uçaoãa aveni_
monumenfu o eu acho um
stá totalmentu
colo ponro privilegiado d" .;il; atrelarl,a à
la e .sinais.
gens
d.e ima,_ Sã,o pauti. , ò, imagem de
Comparado ao Cidadão l(ane, de Orson História da Arte que só muito mais tarde
Welles, Chateaubriand também queria dar uma foi disciplina introduzida na Universidade
nova personalidade à cidade, introduzindo-a no de São Paulo, e foram rcalizados cursos
circuito internacional da cultura e das artes. ministrados por: professores sul-americanos
Seus métodos, muito pouco convencionais, e europeus especialmente convidados. São
muitas vezes obrigavam os ricos proprietários a Paulo, I'iva e laboriosa, pr.ocuravavencer e
doar suas obras para o museu. O sentido do bem inovar, infèlizmente ainda esqueccndo a
público ia sendo imputado à força. explosão da Semana de Arte Moderna de
Era necessário que Assis Chatearibriand, o 22, devia-se inaugurar no campo da ,arte
empreendedor, se articulasse com um conhece- pela arte', uma novidade"ã0.
dor. Foi convidado, então, recém-chegado da Itá- 50.
BARDI, Pietro r\faria
lia, conhecedor de Artes Plásticas, Pietro Maria Essa perspectiva, que de fato era inovado- A Pin.ocot¿r:a do
Bardi para auxiliá-lo na empreitada, e sua mu- ràparà a época, atraía Chateaubriand, o homem MASP: de Ra.fnel u
Pi¿asso. São P¿tulo:
lher, a arquiteta Lina Bo Bardi, para projetar os afeito à novidade, a tudo que desse notícia, como Barco Safra, 1982, p 9
espaço expositivos. Inicia-se, assim, o Museu de escreve Bardisr:
Arte de São Paulo.
A sede da rua Sete de Abril já havia sido
51
"O que lhe importava era a nodcia, era noti- BARDI, Pierro lfaria
idealizada antes mesmo da construção dos Diá,- fìcar, surpreender, obter cotrsetrso... É po, Sodalício com Assis
Chat.eaul¡riond Sac¡
rios Associados. Mas foi Lina Bo quem concebeu isso que o MASP se distingue, direi Paulo : Nllrsen cle ÂrLe
esse espaço que se inauguraria no prédio dos jornalisticamente, a"firmando novidades de São Paulo, 1982,
¡r 65
Diá,rios Associados ern 1947. nãomuseu. E amais singularfoi do Funda-
A intençào de renovaçào se apresentaria dor, batizando obras, lamentando não ser
desde o princípio, pois, Bardi, que ocupou a di- possível quebrar a garrzda de champanha
reção do museu por mais de 40 anos, concebia o na moldura. Nunca houve barrrlho para
museu nos moldes de um pólo que pudesse nào nomes de mestres menores. A honra devia-
apenas preser-var à àrte mas também difundir e se a assinaturas consagradas... ".
atrair mais pessoas, aumentando um público para
as exposições e demais eventos que se pudessem
organizar no museu.
Sobre isso escreve:
ção museu/monumento surge para os visitantes ao prédio que ali se inaugurava, e não apenas o Bardi, P M
Oþ cit,p 76
de maneira um tant-o confusa. indiferenciada: nome desse magnata das comunicações estava
impresso ali, mas também um outro sentido para
"Aquele rtonumento no NIASP, (lue tem em- a apreciação da arte na cidade e para a aprecia-
baixo rlo MASP, ctr1uela þedra, eu nã,o sei se é ção da cidade através da arte, tnaterializada no
mesmo... " vão livre desse museu/monumento, inaugura-
do na Avenida Paulista.
A pedra traz un't:à inscrição que, de fato, Essa identifìcação de Chateaubriand com
poucos lêem, como já observara Bardi: o museu/monumento se revela também atra-
vés das entrevistas. Uma senhora, entrevistada
292 além dos mapas
dois monumentos: uma fisionomia
para a cidade Zgz
no MASP, falou com b¿stante emoção sobre a É b"- verdade que Lina precisou de
importância do museu em sua vida e, ao esbo- mui_
ta habilidade para fazèr valer is características
çar uma possível identificação do MASP com originais de seu projeto no caso do edifício
outros espaços, referiu-se à semelhanÇa com uma do
MASP. Tal projero foi elaborado em 1957
igreja, relembrando a homenagem prestada, e con_
t1"
por ocasião da morte de Chateaubriand: :"T a_parricipação do escrirório de enge_
nharia de José Carlos de Figueiredo l.erraz.
As
obras se iniciaram em 1960 . fo.u- concluídas
"...Quando o jornalista Assis Chateaubriand
em 1968. O prefeito da época havia encomen_
morveLt, antes do set uiço, eu comþrei umú ros&
dado um salão de baile que d.everia ocupar
branca e cleixei aqui, ninguém me aiu. Por cau- a
,i.:1 g"" a arquirera projeiou como um grande
sa do museu ... llão acomþanhei tudo, mas eu hall cívico. Ao invés de aristocráticos bailes, o
sei como a luta foi. difzcil... Foi ele quem criou o
espaço devia sediar grandes reuniões políticas
Museu,, ele conseguiu as obras d,e arte nu,rn(l e
públicas. Apesar de todas as ingerências,
éþoca em que foi þossíuel, agora não seria ergueu_
se acima do belvedere o edifício do museu
mais... Foi uma oþortunidade única que ele
com
dois andares. Um para asala de exposiçòes
soube aþroueitar...". per_
manentes e outro para os escritórios e ouffas
mos_
tras temporárias. O embasamento, além d,o
hatt
cívico, ainda conta
tauranre e bibliorec;:i.ti::tifl,tffiä
Lina Bo Bardi: contram-se dois auditórios. O elevador tem
:î
sua
estmtura de aço aparente, assrm como todo
aarquitetaeomuseu edifício é de concreto à vista. O traçado do edifí_
o
lugar, que se naturalizou brasileira depois de cin- É ir.terersante observarmos como Lina era
co anos de vida aqui. Criava a partir do que en- uma estrangeira que queria ser brasileira. Ra_
contrava, por isso, a vocação do antigo Belvedere mos de Azevedo, ao contrário, era um brasileiro
Trianon não lhe passou despercebida. que talvez quisesse ser francês, ou belga... esses
Dentro dessa perspectiva, entendia que o sentimentos se refletem em tudo que fìzeram.
museu deveria privilegiar uma atitude de investi- Toda uma estética e uma ética se depreendem
gação e curiosidade e não uma reverência passiva daí.
diante de "obras-prim¿ìs". Nessa orientaçâo inova- Se Lina, ao desenhar jóias, privilegiava as
dora, introduz um novo conceito museográfìco no pedras brasileiras como a água -marinha, Ramos
projeto dos espaços expositivos do MASP.
No projeto original de Lina Bo, as obras
estão colocadas dentro de painéis de vidro que
se sustentam por bases de concreto. As informa-
ções técnicas sobre as obras estão atrás do pai-
nel, o que obriga o espectador a se mover, caso prso, optou por pedras, seguindo nossa tradição
deseje encontrar mais informações. Segundo ibero-brasileira e para os espelhos d,água late-
Lina, esse dispositivo deveria facilitar uma rais. plantas aquát.icas tropicais.
fruição calcada na leitura de imagens e não na A concepÇão de monumentalidadc de
leitura de textos informativos, uma vez que es- Lina Bo era inovadora. De fato, o prédio quc
tes estáo atrás dos painéis. Saindo da passivida- inaugurava em 1968 deu .r- ,.óuo uìarco
de, o visitante poderia entender o museu como referencial para a cidade, consolid.ando uma
um organismo vivo, um espaço de pesquisa e de modificação que transcendia os seu muros, indo
descobcrtas. além das lajes suspensas que se lançavam na pai-
Y
296 além dos mapas dois monumentos: uma fisionomia para a cidade Zg7
sagem, dando um novo perfil à cidade. Para parte da estrutura, como projeto e cons_
Lina, a monumentalidade tinha menos a ver trução, quanto no tratamento arquite_
com as dimensões do que com um sentido sim- tônico, material e equipamentos empre-
bólico e implícito à construção que lhe dava a gados. Tenho acettezaque esse edifício,
sua justa grandeza. Nesse sentido escreve: aqui no espigão da avenida paulista, do_
minando os panoramas da metrópole, é
"O monumental não depende das dimen- um marco expressivo da engenharia na_
sões: o Partheuon é monumental embora cional. Fixa uma éþoca"56 (grifo meu). 56.
a sua escala seja a mais reduzida. A cons- Esse Edifício é um
trução nazi-fascista de Hitler, Itália de Marco da Engelharia
Nacional Diárío de
Mussolini, elefantíaca e não monumen- As
é
þrmøs do MASP na esþdço da cidade Sao Paulo 7 nov.
1968
tal na sua impáfia inchada, na sua não
lógica. O que eu quero chamar de monu- O vão liwe delimita um vazio. O vazio, desta
mental não é questão de tamanho, ou de forma, não é visto pela sua face negativa, como
'espalhafatoso', é apenas um fato de co- ausência, mas, pelo contrário, como presença
letividade, de consciência coletiva. O que absoluta. Expressão de liberdad", .orrro se re_
lai além do particular, o que alczurça o coleti- corda Lina:
55 vo, pode (e ralvez deve) ser monumental" 55.
BARDI, Lina Bo O
toto Trtanon O.p cil ,
"quando o músico e poeta americanoJohn
p 26. Monumental para Lina era a possibilidade Cage veio a São Paulo, de passagem pela
de se diferenciar na paisagem, favorecendo a apro- avenida Paulista, mandou parar o carro
priação coletiva, em uma palawa: tornar-se lugar. nafrente do MASP, desceu e andando de
O material utilizado para a construção do um lado para o outro do belvedere de bra_
edifício também é revelador nessa perspectiva. ços levantados gritou 'É a arquitetura da
Não apenas o material, mas as técnicas constru- liberdade'. Acostumada aos elogios pelo
tivas que possibilitaran a realização do imenso 'maiorvão liwe do mundo, com carga per-
bloco magicamente suspenso com tantos metros manente, coberto em plano', achei que o
de comprimento. Essa obra reúne as novas pos- julgamento do grande artista estivesse
sibilidades construtivas, até então inexploradas. conseguindo comunicar aquilo que (eu)
Aponta para o futuro da arquitetura e da enge- queria dizer quando projetei o MASp: o
nharia, que, juntas, possibilitaram a execuçåo museu era um 'nada', uma procura da li_
desse projeto. Era o máximo da técnica do mo- berdade, a eliminação de obstáculos, a
mento, no país, que poderia ser conferida na capacidade de ser livre frente às coisas,,5?. 57
realização do edifício, conforme podemos ob- ÌIASP: A Cor d,a
Pøixao þelø Arte São
servar neste depoimento de Roberto Rochlitz, Essa perspectiva de ser
um marco referen- Paulo: BASF,/Glasurit,
da equipe de engenheiros que acompanhou a cial no espaço e no tempo é atributo d.as obras 1990.
Depoimento de Lina
obra na semana de sua inauguração: de arte, e, como vimos, certas construções Bo Bardi na FAUUSp,
abril de 1989
arquitetônicas têm um conteúdo referencial que
"as soluções de engenharia e de arquite- extrapola sua presença imediata.
tura que aqui se apresentam são arrojadas O edifício arrojado do MASp, na Aveni-
sobre todos os pontos de vista, tanto na da Paulista, aponta para o que essa ârea d.a ci-
Y
298 além dos mapas dois monumentos: uma fisionomia para a cidade 2gg
e dentro ao mesmo tempo. Estar fora da rua,
protegida de seus fluxos no vão livre, não signi_
fica ainda estar dentro do museu. Nlesse espaÇo
intervalar é que se realizam manifestações
populares e, aos domingos, uma feira de anti_
guidades e inúmeras outras barraquinhas de ven_
dedores ambulantes ocupam o vão e as calçadas
ÈI
I
defronte. Essa revitalizaçã,o do espaço público
¡ por intermédio do rìuseu é fator dìgno de nota:
6
I "E assim, quando tem
E
þessoal cle fora a gente
trnz aqui, eles querem uer. Tem semþre ltma ex_
#" þosição interessante þora aer... Entao usualmen_
:lãi¡1. I I te eu freqüento,
þara almoÇar, þara conaersar.
?tfr ! ç4| O encontro com. os amigos a gente m(ffca aqui...
-lt+- E muito rti"fícit uocô uiier ou"trabalhar, oito, d,ez
horctsþor din se uocâ nã,0 tiuer um þonto de
N{ASP, 1994.
dade se tornaria em poucos anos: o mais im- -frgo. Ou ter sei lá, um contato com à nature_
2a,... Você uâ a paulista, a paulista é um sím_
portante centro financeiro da cidade e, quiçá, bolo máximo d,a ciuilizaçao...
do país, onde sedes de bancos, importantes þréd,ios, r.ue,s, alt_
tomóueis, ônibus,
empresas, as federações da indústria e do co- þoluição, barulho... Entã,o aocê
þrecisa ter locais onde esse momento þrofano...
mércio têm suas sedes, não raro edifícios sun-
fuja um þouco þøra uma outra dimenião... pode
tuosos de arquitetura arrojada que se destacam ser até uma igreja, rnas como as igrejas aqui
no perfil da avenida. não sã,o muitas... A gente nã,o tem igrejas aqui
Abaixo da avenida, sua presença se insi- na Paulista... A nã,o ser ali na Sã,o Luß, lem
nua na estação do metrô que leva seu nome. outra lá,... No fim... tem uma øqui na Caiçara
Uma vitrine, para expor obras do museu, foi também... Mas as þessoas taluez necessitem mais
instalada na Estação Trianon-MASP. Como ve- d,eum contato ct¡m a natureza... Fazer uma di_
mos, naquele local, seja em que profundidadc uersã,o saErada, sei lá,...,'
for,odestinoéolhar.
Se o Monumento a Ramos foi recorrente- Entre a rua e o museu, o profano e o sa_
mente referido como ausência e suas descrições grado, há o reconhecimento de um terìpo que
operam com a memória, o MASP, para os se destaca do cotidian o; um
entrevistados, é presença incontestável. A per- þonto de fuga capàz
de dar uma perspectiva para o próximo, através
cepção trabalha no imediato da consciência. Os da distância. Os dois monumentos estudados re-
carros e ônibus andam na linha reta da avenida, presentam, à primeira vista, dois momentos da
paralela à horizontalidade do edifício. Ele é modernização da cidade. O que permanece dos
possível ser visto por quem está a distância, ou monumentos, que não estão mais lá, denunci_
por aqueles que passam por ali, nos automóveis am o sentido das trajetórias das histórias na
acelerados. Para os passantes é possível estar fora cidade, assim como denunciam os traços de me-
Y
Indo além das instituições como o museu Num claro instante, percebemos que a bela
ou a escola, é possível encontrar nos espaços vividos mulher, protauonista da história, envolta num
na cidade esta fresta por onde penetra a subjetivi- mantô verrnelho e com os cabelos molhados pc-
dade, muito além da perspectiva oficial' Dessa for- las águas do rnar, vítirna dentre tantos outros
ma, criam-se lugares, heterogeneidades num ter- viajantes que naufragàram com o barco, conse-
guiu sobreviver à morte. Imcdiatarnente, per-
reno tornado abstrato, indiferenciável'
Esses lugares tornam-se, assim, fontes de cebernos que a cena já aparecelr antes, e a
inter-relação, suporte de comunicação e organi- composição revela-se absolutamente idêntica.
zaçâo de sentido. Também vestida de vermelho e com os cabelos
Se hoje a tão falada profusão de imagens nrollraclos, posava como modelo, nos o,ukloors da
pode fazer da cegueira uma condiçáo contem- cidade , cenário onde o fìlrne se d.esenrola.
porânea, vale retomar o momento do despertar. Já anunciado nas ruas, pela via tortuosa de
Seria nesse instante intermediário, entre o sonho um painel publicitário, o que vemos sanha uma
e a vigília, que as coisas aparecem em sua inteire- nova significação.
za. E o que Benjamin chamou de "agora da co- E a salvação de quem sobreviveu à tormenta.
nhecibilidade". Aí o passado prenuncia o futuro
para revelarem-se indissociáveis no presente.
Nessa medida, a memória deve ser uma
conquista, comporta contradições e rupturas,
está em constante gestação e se reestrutura a cada
nova experiência vivida.
A tarefa de preservar é, portanto, ampla.
Preserr¿ar significa, antes de tudo, reapropriar-
se, resgatar um sentido, às vezes ininteligível, que
nos amarra ao mundo, um fio de Ariadne no la-
birinto. Por outro lado, a aceleração do tempo
tràz a reboque a perda das possibilidades de
reconhecimento, como uma forma de estra-
nhamento às permanências.
No entanto, foi possível reconstruir atra-
vés dos depoimentos fragmentos dessa cidade
invisível que permanece, mistura-se àquela visí-
vel e está carregada de sentido simbólico. Muitas
vezes, onde julgamos não haver sentido, direção,
ele se insinua; pois, a possibilidade de reconstru-
ção lateja, sutilmente, e se anuncia das maneiras
mais diversas.
Na cena final do filme ,4 Fra'ternidade é
Vermelha, de Krzystof IGeslowsky (1993) , aima-
gem dos sobreviventes da catástrofe no mar é
contundente.
Y
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