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DOUTRINA

ARTIGOS

O papel dos controles internos para garantia da probidade na gestão


pública: uma análise prática de convênios
Denis Moreira Monassa Martins
Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

Rodrigo Crelier Zambão da Silva


Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

Resumo: Este artigo examina a atuação dos controles internos atuação das Cortes de Contas na fiscalização dos
em matéria de convênios a partir da identificação e análise de
potenciais focos de problemas verificados em iniciativas desse
recursos públicos transferidos através dessas par-
jaez. Como conclusão propositiva, sugerem-se linhas de atuação cerias revela inúmeras situações de conflito entre
à Administração Pública com vistas a prevenir impropriedades e o que dispõem as regras e a realidade verificada
fortalecer a gestão pública sob o viés da probidade.
na praxe administrativa das diversas esferas federa­
Palavras-chave: Convênio. Controle. Fomento. Transferência vo­ tivas.
lun­tária. Seleção. Princípios informadores. Contrapartida. Despe­
sas de custeio. Sobreposição de parcerias. Atividades lucra­tivas. As causas são as mais diversas: vão da falta
Denúncia. de capacitação dos partícipes, tanto privados como
Sumário: 1 Introdução – 2 Conceituação. Disciplina normativa. públicos, até a deficiente estruturação dos entes
Semelhanças e distinções entre convênios e contratos. Objetos concedentes para selecionar parceiros e projetos e
possíveis e limitações – no que couber – 3 Convênios e licitação.
A escolha do parceiro privado. Aplicação de recursos públicos
monitorar e fiscalizar os valores repassados. Não
– 4 Formalização das iniciativas: plano de trabalho, projetos são raras as ocorrências que chegam aos órgãos
básico e executivo e elementos essenciais de instrução. de controle envolvendo a identificação de improprie-
Conteúdo mínimo do ajuste – 5 Pontos relevantes: contrapartida,
despesas de custeio, sobreposição de parceiros e atividades dades nas várias fases de um conveniamento, da
lucrativas. Antecipação do repasse de recursos. Consequências formulação de propostas à execução do objeto e
do desfazimento da parceria – 6 Conclusão – Referências prestação de contas.
Nessa ordem de ideias, ganha destacado rele-
vo o papel dos controles internos — e, mais espe-
1 Introdução cificamente, da advocacia pública como exercente
Os convênios estão na ordem do dia, para o do controle interno de juridicidade das iniciativas
bem ou o mal. De fato, representam um dos canais da Administração Pública. Com efeito, um escrutí-
de cooperação institucional entre as esferas pública nio atento é essencial para prevenir irregularidades
e privada que tem encontrado maior receptividade, e assegurar a observância do dever de probidade
viabilizando parcerias para execução de iniciativas inerente à gestão pública.
de interesse coletivo; na outra face da moeda, figu- Este artigo pretende examinar a atuação dos
ram em escândalos de desvio e mau emprego de controles internos em matéria de convênios a partir
dinheiro público. da identificação e análise de potenciais focos de
Apesar de existir, no cenário nacional, legisla- problemas verificados em iniciativas desse jaez.
ção que estabelece de forma razoavelmente clara Como conclusão propositiva, sugeriremos linhas de
as condições para a celebração de convênios e para atuação à Administração Pública com vistas a preve-
o repasse e emprego de recursos públicos através nir impropriedades e fortalecer a gestão pública sob
desses veículos, um breve lançar de olhos sobre a o viés da probidade.

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 155, p. 9-20, nov. 2014 ARTIGOS 9

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Denis Moreira Monassa Martins, Rodrigo Crelier Zambão da Silva

2 Conceituação. Disciplina normativa. tempo não receberam tratamento em diploma legal


Semelhanças e distinções entre específico: sua disciplina tomava por empréstimo o
convênios e contratos. Objetos regime dos contratos administrativos. Nada obstan-
te, há que se lhes reconhecer características e ob-
possíveis e limitações
jetivos próprios, extraídos não apenas do precitado
Antes de iniciar a análise do tema, uma breve dispositivo como das normativas infralegais
nota explicativa. Para fins didáticos, o termo “con- específicas que delineiam e diferenciam o instituto
vênio” é empregado, ao longo deste estudo, com de outras figuras jurídicas próximas.3
o mesmo sentido e alcance que sempre lhe atri- A consagrada lição de Hely Lopes Meirelles
buiu a doutrina especializada e que adotado nos resume a diferença fundamental entre contratos e
diplomas normativos editados até antes do adven- convênios:
to da Lei nº 13.019/14, também conhecida como
Marco Regulatório das Parcerias Voluntárias com No contrato, as partes têm interesses diversos e
Organizações da Sociedade Civil.1 Não se fará uso, opostos; no convênio, os partícipes têm interesses
aqui, da definição mais restritiva criada pelo art. 84 comuns e coincidentes. Por outras palavras: no
da nova lei, segundo a qual a figura do convênio contrato há sempre duas partes (podendo ter mais
se limita às parcerias firmadas entre os entes de dois signatários); uma, que pretende o objeto
federados. É dizer: quando adotada a expressão (a obra, o serviço etc.); outra, que pretende a con-
“convênio”, se estará fazendo referência a seu traprestação correspondente (o preço, ou qualquer
outra vantagem), diversamente do que ocorre no
significado mais tradicional (sentido amplo), que
convênio em que não há partes, mas unicamente
abrange, na nova classificação da Lei nº 13.019/14,
partícipes com as mesmas pretensões.4
tanto o gênero das parcerias voluntárias com orga-
nizações da sociedade civil (formalizadas mediante Os convênios são disciplinados, em nível fede-
termos de colaboração e termos de fomento) como ral, no Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007,
os convênios stricto sensu, com entes federativos. e na Portaria Interministerial nº 507/MP/MF/CGU,
O conceito consagrado na doutrina administra­
de 24 de novembro de 2011. Ambos foram alvo de
ti­vista, em breves linhas, é o de que convênios são
diversas modificações nos últimos anos, com o fito
acor­ dos firmados por entes públicos, entre si pró-
de acompanhar a evolução da matéria na prática ad-
prios ou com particulares, para atuação em regime de
ministrativa. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro,
coope­ração visando a um objetivo comum aos par­tí­
o Decreto nº 44.879, de 18 de julho de 2014, é o
cipes. Na abalizada definição de Marçal Justen Filho,
marco normativo, cuidando essencialmente da ce-
O convênio público consiste numa avença em que lebração e execução de convênios que impliquem
dois ou mais sujeitos, sendo ao menos um deles dispêndio financeiro por órgãos e entidades da
in­tegrante da Administração Pública, comprometem- Admi­nistração Pública estadual.
se a atuar de modo conjugado para a satisfação de Dois outros diplomas legais têm relevância
necessidades de interesse coletivo, sem intento de para o tema, por fixarem condições e exigências
cunho lucrativo. A característica do convênio re­si­
para transferências de recursos a entidades públi-
de na ausência de interesse especulativo de to­das
as partes, que atuam harmonicamente para o bem
cas e privadas: a Lei de Responsabilidade Fiscal5
comum. O convênio não produz benefícios ou van­ e a lei de diretrizes orçamentárias6 de cada ente
tagens econômicas para nenhuma das partes (...).2 federado.

No ordenamento infraconstitucional, perdurava


como principal referência legal, antes da edição da 3
“(...) é inescusável que estes instrumentos [convênios] pos-
suem configuração jurídica particular, o que justificou que a Lei
Lei nº 13.019/14, o artigo 116 da Lei nº 8.666/93 nº 8.666/1993 indicasse tratamento diferenciado aos convênios,
(Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos), acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres. Quando uti-
segundo o qual “[a]plicam-se as disposições desta liza a expressão “no que couber”, a Lei reconhece a diferencia-
ção dos institutos, permitindo que estes se submetam a critérios
lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes diversos, como os estabelecidos neste artigo 116 do estatuto”.
e outros instrumentos congêneres celebrados por (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas co­
mentadas. Salvador: JusPodium, 2009. p. 346/348.)
órgãos e entidades da Administração”. É interes- 4
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed.
sante notar, portanto, que os convênios por longo São Paulo: Malheiros, 1997.
5
Vide arts. 4º, I, “f” (estatui que as leis de diretrizes orçamentá-
rias disporão sobre “demais condições e exigências para trans-
1
A Lei nº 13.019/14 encontra-se em vacatio legis até agos- ferências de recursos a entidades públicas e privadas”); art. 11,
to/2014. Segundo o art. 88 da Lei (publicada no Diário Oficial parágrafo único, e art. 25 (fixam exigências e limitações para
da União de 1º/set/2014), com a redação dada pela Medida transferências voluntárias).
Provisória nº 658/2014, o diploma legal entrará em vigor após de- 6
Tomando por referência a Lei nº 12.919/13 (LDO 2014), vejam-
corridos 360 (trezentos e sessenta) dias de sua publicação oficial. se principalmente as Seções I (Das Transferências para o Setor
2
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7. ed. rev. Privado – arts. 54 e ss.) e II (Das Transferências Voluntárias –
e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 431. arts. 60 e ss.) do Capítulo IV.

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O papel dos controles internos para garantia da probidade na gestão pública: uma análise prática de convênios

Vale indagar, neste momento, a real serven- estes últimos realizem suas próprias finalidades.
tia dos convênios. Para tanto, lancemos um rápido Justifica-se o estímulo à iniciativa privada, eviden-
olhar sobre as diferentes situações nas quais o ins- temente, na medida em que importa em algum be-
trumento é empregado. nefício à coletividade. Prestigia-se, dessa forma, o
Uma primeira finalidade dos convênios é princípio da subsidiariedade, que apregoa que os
servir como instrumentos de cooperação entre atores locais, mais próximos aos indivíduos e à
entes federativos, efetivando transferências vo- região em que atuam, em regra estão em posição
luntárias de recursos na forma do art. 25 da Lei privilegiada, em relação aos entes maiores, para
de Responsabilidade Fiscal.7 8 Nesse contexto, os desempenhar atividades pontuais. Noutro prisma,
convênios apresentam-se como eficientes mecanis- referido princípio impõe que o Estado não interfira
mos de descentralização da execução de políticas diretamente onde o particular possa atuar com seus
públicas, viabilizando a implantação abrangente de próprios recursos, ou que apenas incentive uma ati-
programas de governo. Esse, aliás, é um papel que vidade de interesse público quando a iniciativa pri-
tem tradicionalmente cabido aos convênios na atu- vada não queira ou tenha meios de autonomamente
ação administrativa ao longo dos tempos, notada- desempenhá-la.10
mente a partir da edição do Decreto-Lei nº 200/67, Talvez, porém, tão importante quanto elencar
que estabeleceu ampla reforma administrativa, pre- as possíveis finalidades do instrumento seja escla-
vendo, entre outras medidas, a descentralização recer o que não pode ser objeto de um convênio. O
das atividades da administração federal para a das rol de objetos vedados da novel Lei nº 13.019/14
unidades federadas.9 bem exemplifica11 os principais casos de malversa-
Ademais, convênios servem ao fomento de ção da figura do convênio verificados na praxe admi-
atividades de interesse público, pois formalizam co- nistrativa, a maioria deles ligado a tentativas de se
laborações entre o Estado e particulares para que esquivar às rigorosas exigências que antecedem a
formação de um verdadeiro contrato — notadamen-
te a licitação.12
7
É interessante lembrar que o veto presidencial ao inciso II do §1º
do art. 25 (que buscava condicionar a realização de transferências
voluntárias à sua formalização por meio de convênio) teve o efeito 10
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pú­
prático de tornar o convênio uma de diversas opções. Assim se blica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 232: “(...) no Estado
justificou o veto: “O estabelecimento desta exigência em lei com- Subsidiário, o Estado só presta as atividades que o particular não
plementar compromete importantes programas de responsabilida- pode desenvolver ou ajuda o particular quando a iniciativa privada
de deste Ministério [da Educação], onde a eliminação da figura do seja insuficiente. (...) Assim é que o Estado, em vez de desempe-
convênio proporcionou notável avanço quantitativo e qualitativo. nhar, ele mesmo ou por meio de suas empresas, determinadas
(...) a exigência de convênio em lei complementar inviabiliza futu- atividades comerciais, industriais ou financeiras, apenas incentiva
ras experiências de simplificação de procedimentos no âmbito da ou auxilia o particular que queira fazê-lo; também no âmbito das
Administração Pública, em programas onde aquele instrumento atividades sociais, com ou sem fins lucrativos, como a cultura, a
mostra-se progressivamente dispensável ou substituível por ou- pesquisa, a educação, a assistência social, o Estado tem a opção
tros mais modernos e eficazes. Considerando a possibilidade de de prestá-las como serviços públicos próprios ou de incentivar
restabelecimento da exigência de convênio para as transferências o particular a prestá-las como serviços públicos impróprios” [os
voluntárias anualmente e com as devidas exceções, na lei de dire- grifos são do orginal].
trizes orçamentárias, é de todo recomendável a supressão do dis-
11
De acordo com o art. 40 da Lei nº 13.019/14, são objetos veda-
positivo em tela, por tratar-se de norma que contraria o interesse dos: (i) delegação das funções de regulação, de fiscalização, do
público.” exercício do poder de polícia ou de outras atividades exclusivas do
8
“Embora os entes federativos brasileiros possuam autonomia Estado; (ii) prestação de serviços ou de atividades cujo destina-
tário seja o aparelho administrativo do Estado; (iii) a contratação
política (o que engloba a autonomia financeira), no dia a dia da
de serviços de consultoria, com ou sem produto determinado; (iv)
Administração Pública fica claro que se não fosse a liberação
o apoio administrativo, com ou sem disponibilização de pessoal,
de verbas específicas pelo Governo Federal muitos entes (princi-
fornecimento de materiais consumíveis ou outros bens.
palmente municípios pequenos de regiões mais pobres do país) 12
Ilustrando a desvirtuação do objeto de um convênio, cite-se a juris-
ficariam sem condições de prover as necessidades básicas da
prudência do STJ:
população. Dessa forma, são repassadas mensalmente quantias
RESP nº 887600/SP – Segunda Turma – Min. Eliana Calmon
significativas a entes públicos e privados, no intuito de permitir
“ADMINISTRATIVO – PROCESSO CIVIL – CONVÊNIO – COLETA DE
que as necessidades, principalmente as sociais, sejam atendi- RESÍDUOS SÓLIDOS – ACÓRDÃO RECORRIDO – OMISSÃO – INE­
das da maneira mais eficiente possível. É nesse contexto que o XISTÊNCIA EXPRESSA ABORDAGEM DOS TEMAS AVIADOS EM
intuito do convênio ganha enorme destaque no âmbito do Direito EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ART. 10, XI, DA LEI 8.429/92 –
Administrativo, embora a figura não se restrinja a acordos com PREQUESTIONAMENTO – NÃO-OCORRÊNCIA – SÚMULA 282/STF
repasse de verbas”. (ARAÚJO, Florivaldo Dutra de; MAGALHÃES, – ART. 422 DO CC E ART. 116, §1º, DA LEI 8.666/93 – MATÉRIA
Gustavo Alexandre. Convênios e consórcios públicos. In: PIRES, DE FATO – SÚMULA 7/STJ.
Maria Coeli Simões; BARBOS, Maria Elisa Braz. Consórcios pú­ (...)
blicos. Instrumentos de federalismo cooperativo. Belo Horizonte: 3. A Corte local entendeu inexistir interesse comum na promoção
Fórum, 2008, p. 136). do convênio, bem como a comprovação dos requisitos previstos
9
Há interessante análise histórica sobre o tema em AGUIAR, no art. 116, §1º, da Lei 8.666/93, juízos de valor sobre matéria
Ubiratan et al. Convênios e tomadas de contas especiais: manual fático-comprobatória insuscetível de exame na via estreita do re-
prático. 3. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2008. Recorde- curso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
se que o Decreto-Lei nº200/67 arrola a celebração de convênios 4. A presença de boa fé não implica na validade da adoção de
como uma das principais formas de descentralização administra- convênio como modalidade de contratação, pois a violação ao
tiva, e no parágrafo 5º do artigo 10 destaca que a execução de patrimônio público também ocorre por culpa na adoção do ins­
programas federais de caráter nitidamente local, ressalvados os trumento administrativo adequado à contratação, na espécie a
casos de manifesta impraticabilidade ou inconveniência, deverá licitação com ampla possibilidade de competição [grifos nossos].
ser delegada, no todo ou em parte, mediante convênio, aos orgãos 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não
estaduais ou municipais incumbidos de serviços correspondentes. ­provido.”

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Denis Moreira Monassa Martins, Rodrigo Crelier Zambão da Silva

Com efeito, o Poder Público não pode se servir dever do ente recebedor dotar-se de adequada ca-
dos convênios como sucedâneo contratual. Por to- pacidade administrativa para utilizar os recursos
dos, citemos Ronny Charles: públicos, o que inclui a capacidade de gestão do
próprio titular.15
O que tem se verificado na prática é a situação co- Sobre a escolha do partícipe, José dos Santos
mum em que determinados administradores tentam Carvalho Filho16 manifesta opinião no sentido da
utilizar a denominação “convênio” para a formata-
desobrigação de licitar. Outros autores, adotando a
ção de verdadeiros contratos, em que há evidentes
interesses pecuniários e paralelos, claras presta-
mesma linha de raciocínio, propugnam pela adoção
ções de serviços, como, por exemplo, contratações de procedimentos que assegurem a impessoalida-
de certas pesquisas ou até mão-de-obra. Tal atitude de e isonomia na escolha. Por fim, mestres como
é equivocada, incorrendo em ilegalidade sua utiliza- Celso Antônio Bandeira de Mello17 entendem haver
ção para fins de burla às exigências licitatórias.13 o dever de licitar em regra, convergindo, todavia,
para a mencionada proposta de procedimentos for-
Um primeiro ponto, portanto, que deve ser alvo mais simplificados que legitimem uma escolha ob-
de escrutínio pelo advogado público, no exercício do jetiva e impessoal.
controle interno de legalidade, é a própria adequa- No sentido da corrente intermediária, são es-
ção do convênio como formatação jurídica para a clarecedoras as palavras de Lucas Rocha Furtado:
proposição partida do gestor público. Será útil per-
quirir elementos como, v. g., o grau de terceirização A distinção entre convênio e contrato é importante
das atividades a cargo do convenente, para que se porque, não obstante os convênios sejam discipli-
avalie se o objeto do pacto consubstancia uma ne- nados, subsidiariamente, pela regras previstas na
Lei nº 8.666/93, efetivamente, a celebração de
cessidade de interesse público comum a ambos, ou,
convênio não exige a prévia realização de licitação.
ao invés, mascara uma relação contraprestacional.
(...) Tratando-se de interesses comuns e atendi-
mento das expectativas individuais, não há que se
3 Convênios e licitação. A escolha do falar em “melhor proposta”, mas apenas em rateio
parceiro privado. Aplicação de recursos de custos e benefícios entre todos os partícipes.
Daí porque não se faz licitação para a celebração
públicos
de convênios.
A seleção de parceiros privados para celebra- (...) Não obstante não seja possível realizar licitação
ção de convênios é uma preocupação premente da para a escolha da entidade com a qual será firmado
doutrina. Frise-se que o exercício adequado da fun- o convênio, chamam a atenção os vultosos recursos
ção de controle interno de um ente público come- públicos repassados por meio destes instrumentos
ça já pela seleção criteriosa dos parceiros. Tanto a entidades privadas e a absoluta falta de mecanis-
mos para a escolha da entidade privada (...) Urge
o Decreto-Lei nº 200/67 (art. 10, §1º, “b”) como
a criação em nosso sistema legislativo de meca-
a Portaria Interministerial nº 507/11 (art. 1º, §3º)
nismos objetivos e impessoais que permitam ao
e a Lei nº 13.019/14 (art. 24, §1º, VII, “c”) afir- Poder Público escolher objetivamente as entidades
mam textualmente que convênios somente podem privadas com as quais serão celebrados convênios,
ser celebrados com entidades públicas ou privadas termos de parceria ou outros acordos congêneres.
que disponham de condições técnicas para execu- A inexistência desses mecanismos legais constitui
tá-los, e para execução de objetos ligados a suas um dos maiores ralos de dinheiro público e cons-
atividades. tante fonte de corrupção, fraudes e desvios. (...)
A recíproca, aqui, é verdadeira: a Corte de Entendemos que a redução da discricionariedade
do administrador público, discricionariedade que
Contas federal usa advertir aos administradores pú-
no presente caso beira a arbitrariedade, e a exi-
blicos que formalizem convênios apenas na medi-
gência de escolhas motivadas reduziriam significa-
da em que seus órgãos e entidades disponham de tivamente as fraudes existentes em nosso País no
condições operacionais de avaliar adequadamente
os planos de trabalho, acompanhar a concretização 15
Acórdão TCU nº 429/05 – Plenário.
dos objetivos previstos nas avenças, bem como de 16
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Admi­nis­
analisar, em prazo oportuno, todas as respectivas trativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 215: “A
celebração de convênios, por sua natureza, independe de licitação
prestações de contas.14 É seu entendimento tam- prévia como regra. (...) Como é lógico, raramente será possível a
bém que dificuldades administrativas e a ausência competitividade que marca o processo licitatório, porque os pac-
tuantes já estão previamente ajustados para o fim comum a que
de adequada estrutura de gerenciamento não ser- se propõem. (...)”
vem para elidir irregularidades em convênios, ­sendo 17
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Admi­nis­
trativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 635/636: “Para
travar convênios com entidades privadas — salvo quando o con-
vênio possa ser travado com todas as interessadas — o sujeito
Idem. p. 346/348.
13
público terá que licitar ou, quando impossível, realizar algum pro-
Acórdão TCU nº 1687/09 – Plenário.
14
cedimento que assegure o princípio da igualdade”.

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O papel dos controles internos para garantia da probidade na gestão pública: uma análise prática de convênios

relacionamento entre as entidades do terceiro setor De todo modo, ensaiando posição menos
e o poder público.18 rigorosa, o Acórdão TCU nº 353/2005 determinou
“recomendar à Presidência da República, tendo
Este é ponto em que houve significativa evo- em vista a competência prevista no art. 84, IV, da
lução normativa. A redação inicial do Decreto CF/88, que proceda à regulamentação do art. 116
nº 6.170/07 atendia apenas em parte às críticas da Lei 8666/93, estabelecendo, em especial, as
que vimos de expor, se limitando a facultar, a ex- disposições da Lei de Licitações que devem ser
clusivo critério do concedente, a realização de pro- seguidas pelo particular partícipe de convênio,
cesso seletivo (chamamento público) para seleção acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres,
de projetos e entidades, pautado pela publicidade e nas restritas hipóteses em que tenha sob sua
objetividade. Houve, todavia, benfazeja alteração da guarda recursos públicos”.
normativa em 2011, para tornar o chamamento pú- Como resultado, o Decreto nº 6.170/07 hoje
blico obrigatório, tal como o faz o Decreto fluminen- prevê no art. 11 que “a aquisição de produtos e
se nº 44.879/14. Tal obrigatoriedade foi elevada ao a contratação de serviços com recursos da União
status de lei no art. 24 do novo Marco Regulatório transferidos a entidades privadas sem fins lucrati-
das Parcerias Voluntárias. vos deverão observar os princípios da impessoalida-
A atenção dos órgãos de controle interno de, moralidade e economicidade, sendo necessária,
deve recair, cremos, na aplicação das exceções à no mínimo, a realização de cotação prévia de preços
regra estatuída. O mecanismo concebido pela Lei no mercado antes da celebração do contrato”, com
nº 13.019/14 e pelo decreto fluminense para ex- o que há de se presumir tacitamente revogado o
cepcionar a regra consiste em exigir a justificativa Decreto nº 5.504/05 no que se refere aos parcei-
detalhada da escolha do convenente, nos moldes ros privados.
do art. 26, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, de A fórmula adotada no art. 9º, §1º, do Decreto
parte da autoridade máxima do órgão concedente, fluminense nº 44.879/14, além da necessária ob-
como forma de controle da discricionariedade admi­ servância a tais princípios e realização de cotação
nistrativa. Dessa forma, quando o gestor público prévia de preços, envolve a apresentação, pelo con-
não puder se desincumbir do ônus argumentativo venente privado, de regulamento a ser utilizado para
de demonstrar a adequação da escolha de um par- a contratação de serviços, realização de obras ou
ceiro em específico, impõe-se-lhe o dever de subme- aquisição de bens vinculados à execução do objeto
ter a proposta a procedimento seletivo. do convênio. A Lei nº 13.019/14, em seu art. 43,
Do tratamento positivado dado à matéria, se também exige a aprovação de um regulamento de
destacam algumas tendências salutares: a legiti- compras e contratações para a consecução do ob-
mação da escolha mediante procedimento formal; jeto da parceria.
a inafastável incidência dos princípios informadores A solução se afigura adequada, na medida em
da licitação; e, por fim, a necessidade de fundamen- que submeter entidades privadas ao rigorismo de
tação de eventual inviabilidade de competição. mover procedimentos formais de licitação — quando
Quanto à aplicação de recursos públicos re- a maioria sequer possuiria estrutura para tanto —
cebidos por intermédio de convênios, induvidosa teria o condão de anular o incremento de eficiência
a obrigação de licitar quando os beneficiários dos e desburocratização pretendido quando da decisão
repasses sejam entes públicos, eis que diretamen- por descentralizar a execução mediante convênio a
te obrigados à Lei nº 8.666/93, ex vi do parágrafo um partícipe não estatal. O estabelecimento de pro-
único de seu art. 1º. cedimentos mínimos, auditáveis, parece a concilia-
No que toca ao dispêndio por particulares de ção possível entre os vetores resultado e controle.
recursos transferidos, é de muita valia analisar a
evolução da jurisprudência do Tribunal de Contas
4 Formalização das iniciativas: plano de
da União. Até 2003, a legislação federal obrigava
entidades privadas apenas à adoção de “proce-
trabalho, projetos básico e executivo
dimentos análogos” aos estabelecidos pela Lei e elementos essenciais de instrução.
nº 8.666/93. Todavia, no Acórdão TCU nº 1.070/ Conteúdo mínimo do ajuste
2003 fixou-se orientação — depois positivada no O plano de trabalho é elemento crucial para o
Decreto nº 5.504/05 — de que “as entidades pri- bom desenvolvimento do convênio. Tanto é assim
vadas são obrigadas a licitar quando estiverem ge- que a Lei nº 8.666/93,19 condiciona a celebração
rindo recursos públicos”.
A Lei nº 13.019/14, de igual maneira, estabelece um conteúdo mí-
19

nimo para o plano de trabalho (art. 22) e condiciona a celebração


FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e contratos adminis­
18
da parceria à aprovação do plano de trabalho pela Administração
trativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 413/414. Pública (art. 35, IV).

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 155, p. 9-20, nov. 2014 ARTIGOS 13

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do acordo à prévia aprovação do plano proposto Ademais, outro elemento essencial — espe-
pela organização interessada, com o detalhamen- cialmente para os casos em que o ajuste envolver
to mínimo consistente em: (i) identificação do ob- obras ou serviços (art. 7º, I, da Lei nº 8.666/93)
jeto a ser executado; (ii) metas a serem atingidas; — vem a ser o projeto básico, definido, no art. 6º,
(iii) etapas ou fases de execução; (iv) plano de apli- IX, da Lei de Licitações e Contratos como o “con-
cação dos recursos financeiros; (v) cronograma de junto de elementos necessários e suficientes, com
desembolso; (vi) previsão de início e fim da execu- nível de precisão adequado, para caracterizar a obra
ção do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou serviço, ou complexo de obras ou serviços (...),
ou fases programadas; (vii) se o ajuste compreen- elaborado com base nas indicações dos estudos
der obra ou serviço de engenharia, comprovação de técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade
que os recursos próprios para complementar a exe- técnica e o adequado tratamento do impacto am-
cução do objeto estão devidamente assegurados, biental do empreendimento, e que possibilite a ava-
salvo se o custo total do empreendimento recair liação do custo da obra e a definição dos métodos
sobre a entidade ou órgão descentralizador. e do prazo de execução”, devendo conter no mínimo
Como se percebe, é a leitura atenta do plano os elementos especificados em suas alíneas.20
de trabalho, e não a descrição sucinta do objeto Como reiteradamente assinalado pelos Tri­
no termo de convênio, que permitirá compreender bunais de Contas, o projeto básico, nas obras,
o ajuste em suas minúcias. Os elementos ali dis-
deve definir quantidades e custos com precisão
postos são essenciais para possibilitar a fiscaliza-
compatível com o tipo e dimensão da obra, permi-
ção do emprego dos recursos, pois precisam o que,
tindo a determinação do custo global com precisão
quando, como, onde e quanto será gasto e feito.
em torno de 15%, de acordo com o art. 3º, “f”, da
Um plano de trabalho com nível inadequado
Resolução CONFEA nº 361/91.21 Ademais, deve-se
de detalhamento representa uma brecha por onde
exigir a anotação de responsabilidade técnica (ART)
há risco de escoarem prazos, qualidade e recursos.
individualizada para cada etapa do projeto, o que
No limite, haverá convenentes descompromissados
viabiliza a atribuição de responsabilidades em caso
ou mal-intencionados a quem interessará que tal
de eventual erro ou falha.22
documento mantenha-se em padrão genérico que
lhes permitiria executar o acordo a seu bel-prazer, O momento em que o projeto básico deve ser
o que não se pode admitir. A prática administrativa apresentado difere em cada esfera federativa. Nos
demonstra que grande parte dos problemas verifica- convênios fluminenses, será invariavelmente prévio
dos em convênios se deve a deficiências no detalha- à celebração.23 No plano federal, todavia, admite-
mento técnico das condições do acordo. Um plano se a apresentação após a celebração, desde que
bem elaborado, em verdade, é a principal garantia anterior à liberação da primeira parcela de recur­sos
da Administração de que o objeto será executado (art. 37, PI nº 507/11). Nesse caso, se não apre­
de acordo com o esperado e, não o sendo, haverá sentado ou aprovado o plano, será extinto o pacto.
parâmetros a partir dos quais a fiscalização poderá Faculta-se, outrossim, a transferência de re­cursos
apurar e corrigir os desvios de curso. do próprio ajuste para a elaboração do pro­ jeto
É papel dos setores técnicos, portanto, dedi- básico.
car especial atenção ao plano de trabalho na fase Cremos, em verdade, que ideal seria exigir
antecedente à celebração, ajustando-o às diretrizes do beneficiário desde logo a apresentação de pro-
legais, bem como cuidando de impedir a inserção jeto executivo, isto é, o “conjunto dos elementos
de elementos proibidos, como a previsão de reali- necessários e suficientes à execução completa
zação de despesas não autorizadas pela legislação da obra, de acordo com as normas pertinentes da
de regência, ou em período estranho ao da vigência
do pacto. 20
A doutrina especializada procura ressaltar a importância do proje-
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, tais to básico para o sucesso de obras e serviços de engenharia: “é
atribuições cabem essencialmente ao coordena- a peça mais importante para a condução da licitação, tanto que
a legislação estabelece como requisito para licitar a existência
dor geral e aos gerentes executivos dos convênios, desse documento. Falhas graves na definição desse projeto
nos órgãos de origem, e, em nível superior, ao Es­ trarão enormes dificuldades ao gerenciamento das obras sob os
aspectos prazo, custo e qualidade” (ALTOUNIAN, Cláudio Sarian.
critório de Gerenciamento de Projetos (EGP-Rio), ór- Obras públicas. Belo Horizonte: Forum, 2009. p. 59).
gão gerenciador de todos os convênios estaduais. 21
Acórdão TCU nº 1.131/05 – Plenário.
Destaque-se que a criação de estrutura especiali-
22
Além de sedimentada na jurisprudência do TCU, no plano norma-
tivo a exigência de anotação de responsabilidade técnica (ART)
zada nos entes públicos para lidar com o tema é está prevista nos arts. 1º e 2º da Lei nº 6.496/77 e na Resolução
iniciativa louvável, que facilita a difusão de informa- CONFEA nº 1025/09.
23
A regulamentação estadual segue clássica orientação do TCU:
ções e padronização de procedimentos e otimização “9.4. nos casos de celebração de convênios, exija que conste do
das ações de instrução, acompanhamento e fisca- Plano de Trabalho o respecitivo projeto básico, contendo todos os
requisitos do art. 6º, inciso IX da Lei nº 8.666/93 (...)” – Acórdão
lização.
TCU nº 508/2007 – Plenário.

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O papel dos controles internos para garantia da probidade na gestão pública: uma análise prática de convênios

Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT”, recursos públicos. Sobre o conteúdo mínimo do
na definição legal.24 Tal medida traria maior segu- termo de convênio, recomendável que o advogado
rança ao concedente, que teria clara noção quanto público zele pela previsão de cláusulas que: (i) de-
ao objeto e ao destino de seus recursos.25 limitem precisamente objeto e obrigações de cada
Por fim, mais dois elementos de instrução de- partícipe e interveniente; (ii) fixem prazo determina-
vem ser destacados. Tratam-se da licença ambiental do de vigência, podendo facultar a prorrogação por
prévia — que é exigência implícita para a confecção termo aditivo; (iii) obriguem a prestar informações
do próprio projeto básico, na medida em que os ele- e contas, sendo recomendável, inclusive, alguma
mentos deste devem assegurar “o adequado trata- forma de divulgação pública periódica; (iv) definam
mento do impacto ambiental do empreendimento”26 o direito de propriedade dos bens remanescentes
—, quando o convênio envolver obras, instalações quando da conclusão do objeto; (v) facultem a de-
ou serviços que exijam estudos ambientais, na for- núncia a qualquer tempo, sem exclusão das res-
ma disciplinada pelo Conselho Nacional do Meio ponsabilidades pelas obrigações já assumidas, e
Ambiente (CONAMA), e da comprovação do exercí- regulem antecipadamente eventuais direitos inde-
cio pleno dos poderes inerentes à propriedade do nizatórios; (vi) obriguem o beneficiário a concluir o
imóvel objeto de obras ou benfeitorias, mediante objeto do ajuste mediante a utilização de recursos
certidão do cartório de registro de imóveis — ou próprios, se insuficientes os repassados; (vii) obri-
nas formas alternativas disciplinadas na legislação guem a restituição ao concedente do saldo de re-
de cada ente. cursos, inclusive com os rendimentos auferidos de
A adequação jurídico-formal do ajuste é igual- aplicação financeira, nas hipóteses legais e regula-
mente importante para prevenir litígios e responsa- mentares previstas; (viii) facultem o acesso físico e
bilidades e assegurar uma tranquila alocação dos o exercício do controle e fiscalização da execução
do objeto do ajuste por servidores do ente repassa-
dor; (ix) prevejam a forma de divulgação do convênio
24
Diante do laconismo do legislador nacional, a doutrina busca
estabelecer um conceito mais abrangente de projeto executivo: à comunidade beneficiada e aos órgãos de controle;
“constitui-se na solução definitiva do projeto, com todas as inter- (x) indiquem o foro adequado para solução de even-
ferências dos projetos complementares, definidas, incorporadas
e compatibilizadas com o projeto arquitetônico, além do detalha- tuais conflitos; (xi) isentem a concedente de respon-
mento específico de todos os elementos construtivos e áreas de sabilidades por obrigações assumidas por agentes
maior complexidade, de forma a constituir-se em um material com-
pleto com todas as informações necessárias à perfeita execução
dos demais partícipes.
das obras” (ROCHA DE OLIVEIRA, Pedro Jorge. Obras públicas: Nessa seara, boa prática de gestão consiste
tirando suas dúvidas. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 158.) na edição de minutas padronizadas, de observância
25
Vale salientar, no entanto, que o legislador nacional permite,
em casos excepcionais e mediante robusta motivação técnica, a obrigatória para toda a Administração Pública, apro-
elaboração de projeto executivo em concomitância ao desenvol- vadas pelos serviços jurídicos dos entes conceden-
vimento da obra ou do serviço de engenharia (artigos 7º, §1º, e
9º, §2º, da Lei nº 8.666/93). Trata-se de faculdade que deve ser tes e disponíveis em local de fácil acesso — como o
utilizada com grande parcimônia, sobretudo quando a sua elabo- sítio oficial do ente público na rede mundial de com-
ração é incluída como encargo do contratado. Vejamos comentá-
rio da doutrina a respeito do ponto: “Para determinados tipos de
putadores — aos gestores públicos e interessados.
obra, principalmente as de maior complexidade, a sua elaboração
só é possível no decorrer dos serviços, em face da necessidade
de ajustes a serem feitos na medida em que houver a evolução 5 Pontos relevantes: contrapartida,
de outras contratações, como equipamentos especiais. Por esse despesas de custeio, sobreposição
motivo, a lei de licitações autoriza o seu desenvolvimento conco-
mitante com a execução das obras, desde que também autorizado de parceiros e atividades lucrativas.
pela Administração, e a possibilidade de inclusão de sua elabora-
ção como encargo do contratado ou por preço previamente fixado
Antecipação do repasse de recursos.
pela Administração. Situação diversa ocorre em obras de menor Consequências do desfazimento da
complexidade, na qual é perfeitamente exeqüível, e muito mais se-
guro para a Administração, a realização da licitação com base em parceria
projeto executivo” (ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras públicas.
Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 177). Determinadas questões se mostram espe-
26
Neste sentido, o Parecer nº 173-2007/AGU/NAJ-PE: “[p]or apro- cialmente sensíveis na experiência prática com
var a localização e a concepção do empreendimento, a licença
[ambiental] prévia tem de ser obtida (...) antes da elaboração do
convênios. Algumas delas receberam tratamento
Projeto Básico, já que aqueles aspectos exercem considerável in- normativo — caso da previsão de contrapartida e,
fluência no desenvolvimento da solução escolhida. Só o Projeto
mais recentemente, das despesas de custeio do
Básico elaborado após a licença prévia é capaz de promover o
adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento” convenente; para outras, a solução precisa ser ex-
(apud TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públi­ traída da ratio imanente ao sistema normativo dos
cas comentadas. Salvador: JusPodium, 2009. p. 45). Cite-se, ain-
da, trecho do Acórdão TCU nº 516/03 – Plenário: “9.2 determinar convênios — como o risco de sobreposição de par-
à Segecex que: 9.2.3. inclua no Fiscobras, como indício de irregu- cerias e as atividades lucrativas. Há, ainda, situa-
laridade grave, as seguintes ocorrências: 9.2.3.1. a contratação
de obras com base em projeto básico elaborado sem a existência ções que precisam encontrar prévia regulamentação
de licença prévia, conforme art. 2º, §2º, inciso I e art. 12, ambos no próprio instrumento, caso das consequências do
da Lei nº 8.666/93 c/c o art. 8º, inciso I, da Resolução CONAMA
nº 237/97; (...)”.
desfazimento de parceria. Vejamo-las.

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A exigência de contrapartida dos convenentes acréscimo de custeio advindo do aumento de ser-


é usualmente imposta por cada lei anual de dire- viço gerado pelo convênio, a título de contrapartida
trizes orçamentárias.27 Os atos regulamentares fe- em serviços.30
derais e fluminense, no que dispõem a respeito, Questão interessante é saber se o valor da
fazem-se acompanhar de expressões como “quan- contrapartida não aplicado na execução do objeto
do couber” e “se prevista”, denotando não se tratar constitui saldo de convênio, passível de restituição
de regra absoluta (a depender, como dito, do tra- ao convenente transferidor de recursos.
tamento legal conferido para cada hipótese e cada Visualizam-se duas situações possíveis. No
exercício financeiro). simples inadimplemento do convenente, parece in-
A contrapartida pode ser atendida por meio de duvidosa a necessidade de haver indenização — e
recursos, bens e/ou serviços, desde que economi- aqui não se fala de devolução — ao concedente.31
camente mensuráveis.28 Os bens e/ou serviços de- Entretanto, quando o não emprego parcial ou total
verão guardar relação com o objeto do pacto29: de da contrapartida se der por motivo externo, alheio
outra maneira, ou a contrapartida resultaria inócua ao convenente (p. ex., mudanças no cenário eco-
— e, por inútil à execução do ajustado, sequer se nômico minorem os preços dos bens/serviços/
configuraria como contrapartida —, ou a sua entre- insumos, tornando menos onerosa a execução do
ga ao parceiro ganharia feição contraprestacional, objeto), crê-se razoável, com base no princípio da
vedada aos convênios. boa-fé, que o saldo de contrapartida não aplicado
A nosso sentir, nada impede que os entes fe- seja distribuído entre os parceiros de forma propor-
derados, mesmo à míngua de previsão normativa, cional à participação de cada um nas despesas em
entendam por bem exigir contrapartida (e/ou outros relação ao total.32 Demais disso, salvo previsão es-
requisitos adicionais) em determinados casos, den- pecífica em contrário na legislação do ente ou no
tro do âmbito negocial comum aos acordos, assen- instrumento, nada obsta que possa o valor sobejan-
tado que o conveniamento em regra se traduz em te ser utilizado para aumentar a meta inicialmente
opção política discricionária do administrador — avençada.33
que pode, portanto, decidir não celebrar convênios A previsão de pagamento de despesas ad-
com entidades que não se disponham a investir re- ministrativas do parceiro privado com recursos do
cursos próprios no projeto. Adotar tal medida como convênio é outro ponto que merece atenção. Não
padrão, e não exceção, inclusive parece mais con- bastasse a ausência de contrapartida, mostra-se
sentâneo com o espírito de cooperação e soma de algo comum que a entidade pactuante queira pagar
esforços comuns que inspira o conveniamento — e, suas despesas de custeio próprias com recursos
arriscamo-nos a dizer, em certos casos pode até repassados, postura que, em princípio, tem o po-
servir como estímulo a atrair apenas interessados tencial de configurar meio indireto de pagamento de
verdadeiramente comprometidos. taxa de administração ou equivalente, na medida
Em consonância com essa linha de pensamen- em que a convenente, por via oblíqua, estaria se
to, Ubiratan Aguiar alude à “(...) interpretação da ressarcindo — ou, em outro dito, sendo remunera-
finalidade da norma reguladora da matéria, que, ao da34 — à conta de sua atuação na consecução do
exigir a contrapartida, busca a cooperação também objeto.
do convenente, de acordo com sua capacidade para
investir no objeto pactuado de forma direta. Caso 30
Idem. p. 42/43.
contrário, o ato consistiria em um simples repas- 31
Parece-nos este o sentido do correlato dispositivo da minuta-
padrão editada pela PGE/RJ: “CLÁUSULA DÉCIMA-QUARTA – DA
se de recursos federais ao partícipe (...)”. Por esse RESTITUIÇÃO DE RECURSOS – Quando da conclusão do objeto
motivo, defende o ilustrado mestre que despesas pactuado, da denúncia, da rescisão ou da extinção deste Ins­
trumento, a BENEFICIÁRIA, no prazo improrrogável de 30 (trinta)
ordinárias de custeio do convenente, em regra, não dias, contados da ocorrência do evento, sob pena da imediata
podem ser aceitas como contrapartida, senão ex- instauração de Tomada de Contas Especial do responsável,
cepcionalmente, caso seja possível quantificar o é obrigada a recolher à conta da CONCEDENTE: (...) V- o valor
atualizado da contrapartida pactuada, quando não comprovar a
sua aplicação na execução do objeto do convênio”.
32
Aqui, há diferença entre a regulamentação federal e a fluminense.
27
Como exemplo, destaque-se o art. 60 e ss. da Lei federal O parágrafo único do art. 73 da PI nº 507/11 prevê que “A devo-
nº 12.919/13 (LDO 2014). lução prevista [de saldo financeiro remanescente] será realizada
28
A Lei nº 13.019/14, aparentemente destoando das previsões observando-se a proporcionalidade dos recursos transferidos e os
normativas antes existentes, descarta a contrapartida financeira da contrapartida previstos na celebração independentemente da
no parágrafo primeiro do art. 35: “Não será exigida contrapartida época em que foram aportados pelas partes”; a norma estadual
financeira como requisito para celebração de parceria, facultada (Art. 59. parágrafo único, Resolução Casa Civil nº 350/14) fixa
a exigência de contrapartida em bens e serviços economicamente que “O convenente somente fará jus à devolução (...) na hipótese
mensuráveis”. em que o concedente já tenha sido restituído integralmente”.
29
Nesse sentido, a parte final do inciso V do art. 42 da Lei 33
A Lei nº 13.019/14 trouxe permissivo expresso (art. 57), condicio-
nº 13.019/14: “a contrapartida, quando for o caso, e a forma de nando a ampliação à prévia aprovação do ente público.
sua aferição em bens e/ou serviços necessários à consecução 34
O dinheiro recebido através de convênio não configura remunera-
do objeto”. ção tampouco integra o patrimônio do convenente. Sobre o ponto,

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O papel dos controles internos para garantia da probidade na gestão pública: uma análise prática de convênios

Entretanto, a generalização dessa forma de apenas com o idealizador da iniciativa. Este, se mal-
proceder, aliada às dificuldades de fiscalização, intencionado, poderia captar mais recursos do que
pode ter sido a motivação da Administração Federal o estritamente necessário, em convênios paralelos
para a institucionalização pioneira da prática, a e/ou patrocínios da iniciativa privada, prestando
pretexto de que melhor algum balizamento do que contas a todos pela execução de um único objeto
nenhum. Inicialmente se cogitou disto na revogada quando, em verdade, “lucrou” toda a verba arrecadada
Portaria Interministerial nº 127/2008. Mais recen- a maior. Embora uma fiscalização eficiente tenha
temente, a matéria ganhou tratamento no próprio meios para elidir embuste semelhante, o risco deve
Decreto nº 6.170/07, que estipulou limite de gas- ser considerado, exigindo cautelas prévias quanto à
tos de 15% do total do objeto e condicionou tal ex- verificação da não ocorrência de situação afim e, se
pediente à expressa autorização e explicitação no possível, a pactuação de todos os interessados em
respectivo instrumento e plano de trabalho — uma um mesmo instrumento formal.35
forma de evitar o escamoteamento das despesas Ademais, tendo em vista que convênios pres-
de custeio, a bem da transparência. De igual modo, supõem ausência de intuito lucrativo, quando a ati-
as normativas federal e fluminense passaram a ad- vidade da iniciativa privada a ser fomentada puder
mitir o pagamento de despesas de pessoal, seja gerar dividendos (v.g., realização de feira local, para
contratado ou dos quadros próprios da convenente, estímulo da atividade turística, na qual sejam co-
fixando uma série de restrições correlatas. O novo brados ingressos), parece conveniente estabelecer
Marco Regulatório das Parcerias Voluntárias igual- mecanismos que permitam ter adequado controle
mente admite a possibilidade dessas despesas. dessa fonte de receita e revertam o produto da ati-
A previsão de despesas administrativas, em- vidade para as próprias finalidades do pacto. Afinal,
bora seja matéria essencialmente técnica, merece pode não se mostrar consentâneo com a ideia de
a atenção dos controles internos do ente público. subsidiariedade — e, no limite, com o próprio dever
Com efeito, uma análise prévia acurada da propos- de probidade — destinar verba pública a evento ge-
ta de plano de trabalho, nesse particular, pode for- rador de divisas, tanto mais se a atividade se reve-
necer indícios quanto à capacitação do convenente lar autossustentável ou até mesmo lucrativa.
— ou à falta dela — para desempenhar as ativida- Há que se abordar, também, a possibilidade
des que lhe são cometidas. Não é incomum que da liberação antecipada de recursos. Não é raro que
proponentes que afirmam deter vasta experiência alguns gestores, a pretexto de abreviar trâmites bu-
em determinada atividade pretendam, em franca rocráticos, queiram adiantar o repasse de recursos
contradição, contratar com recursos do convênio os ao convenente, transferindo logo no início do pacto,
profissionais que exercerão justamente as ativida- de uma só vez, valores que suportarão despesas
des-núcleo do pacto. programadas para ocorrer apenas em momento fu-
Algumas preocupações em especial devem turo do ajuste.
guiar os órgãos técnicos nas fases preliminares. A regra, entretanto, é o repasse de recursos
Primeira delas diz quanto à necessidade de verifi­ na exata medida em que as necessidades de gas-
cação de sobreposição de parceiros. Mesmo antes tos surjam, isto é, pari passu com o cronograma
da criação do procedimento de manifestação de de execução. Não à toa, a Lei nº 13.019/14 exige,
interesse social pela Lei nº 13.019/14, os próprios como elemento do plano de trabalho, a previsão dos
particulares já submetiam espontaneamente valores a serem repassados “mediante cronograma
projetos de sua autoria, que julgavam de interesse de desembolso compatível com os gastos das eta­
também público, à apreciação estatal. Pode ocorrer, pas vinculadas às metas do cronograma físico”. A
assim, que diversos entes se disponham a aportar razão para tal está ligada à dinâmica da obrigação
recursos em determinado projeto, sendo que não de prestar contas.
têm conhecimento uns dos outros, porque tratam Todo aquele que utilize, arrecade, guarde, ge-
rencie ou administre bens e valores públicos fica
sujeito a prestar contas, diz o art. 70 da Carta da

recorde-se o ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro de que República. A prestação de contas consiste na com-
“se o conveniado recebe determinado valor, esse fica vinculado
ao objeto do convênio durante toda sua execução (...) [c]omo não provação, por meio de documentos, da boa e regular
há comutatividade de valores, não basta demonstrar o resultado
final obtido; é necessário demonstrar que todo o valor repassado
foi utilizado na consecução daquele resultado. Vale dizer que o
dinheiro assim repassado não muda sua natureza por força do 35
A Lei nº 13.019/14, ao que tudo indica, cogita deste risco, exigin-
convênio (...) mantida sua natureza de dinheiro público (no sentido do memória de cálculo do rateio de despesas pagas também por
de que está destinado a fim público). Tanto assim é que o §6º outras fontes que não os recursos públicos (art. 47, §8º), bem
do art. 116 da Lei nº 8.666/93 prevê a devolução dos saldos assim estatuindo como diretriz fundamental “a ação integrada,
financeiros remanescentes (...)”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. complementar e descentralizada, de recursos e ações, entre os
Parcerias na administração pública. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. entes da Federação, evitando sobreposição de iniciativas e frag-
p. 234.) mentação de recursos” (art. 6º, VI).

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aplicação dos recursos transferidos na consecução Embora a livre adesão e a livre denúncia sejam
do objeto avençado. características do convênio, poderá ser imposta
A prestação de contas pode ser final ou par- obrigação ao partícipe denunciante de recompor os
prejuízos decorrentes do inadimplemento de sua
cial. A legislação usa obrigar à prestação parcial
parcela de cooperação. Afinal, há situações em que
quando a transferência de valores se dá em vá- o rompimento do elo de cooperação pode inviabili-
rias parcelas, medida que favorece a fiscalização zar projetos, não podendo a decisão de denúncia
do cumprimento do ajuste, pois viabiliza, caso haja ficar sujeita a caprichos políticos ou desvinculada
atraso injustificado ou detectadas irregularidades, a de objetivos de relevante interesse público.37
suspensão do repasse de parcelas restantes. Vale
lembrar, demais disso, que o cumprimento do obje- Oportuno, portanto, que o serviço jurídico reco-
to, por si, não assegura o adimplemento, sendo ne- mende a prévia regulação, em cláusula do convênio,
cessário demonstrar sua execução com os recursos sobre possíveis direitos indenizatórios em caso de
específicos do acordo. denúncia ou rescisão — entendimento já avalizado
Logo se vê que a antecipação de recursos em ao menos uma oportunidade pelo STJ.38
pode vulnerar o mecanismo de prestação gradual
de contas acima citado, cujo objetivo é possibilitar à 6 Conclusão
Administração Pública o acompanhamento contínuo É incontestável a relevância dos convênios
da execução do objeto. para a moderna Administração Pública e, especifi-
A liberação antecipada de recursos, portanto, camente, para a viabilização de parcerias federa-
deve ser em regra vedada, e sua excepcional previ- tivas que envolvam projetos de grande porte. Não
são no cronograma de desembolso carecerá de jus- se pode, todavia, prescindir do correto emprego do
tificativa técnica pormenorizada, na qual explicitada instituto, o que, diante dos inúmeros casos de mal-
sua imprescindibilidade para a execução exitosa do versação de recursos públicos repassados, exige a
objeto. atenta participação dos órgãos de controle desde
Por fim, vale abordar a possibilidade e conse- antes da celebração de uma parceria.
quências do desfazimento da parceria. Em análise Em vista do que exposto, possível sumariar as
comparativa, o vínculo contratual mostra-se muito seguintes conclusões:
mais rígido do que do conveniamento. Para aquele,
as hipóteses de rompimento unilateral são restritas 37
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das conces­
e legalmente previstas. Já neste vale a liberdade de sões. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 441.
retirada, isto é, a possibilidade de denúncia a qual- 38
“RMS 30634/SP RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SE­
GURANÇA 2009/0194709-0 ADMINISTRATIVO. CONVÊNIO.
quer tempo, sendo vedada a cláusula de permanên- DISTINÇÃO. CONTRATOS. DENÚNCIA UNILATERAL. POSSIBILIDADE.
cia obrigatória, dada a inexistência de antagonismo AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. PRESCINDIBILIDADE. PRE­
JUÍZOS MATERIAIS. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE SANÇÕES
de vontades. ESTABELECIDAS NO INSTRUMENTO DE COLABORAÇÃO. RECURSO
Sem embargo, é pertinente registrar que a de- NÃO PROVIDO.
núncia imotivada e/ou irrazoável ostenta potencial 1. A ação mandamental foi impetrada contra ato do Prefeito do
Município de São Paulo e do Secretário Municipal do Trabalho que
de afrontar a boa-fé objetiva,36 entendida como de- rescindiram unilateralmente a participação do Município de São
ver de lealdade entre os pactuantes. Com efeito, a Paulo na qualidade de interveniente, em convênio firmado com
o impetrante para a capacitação de jovens em situação de risco
discricionariedade ínsita à avaliação da conveniên- social e a inserção desses no mercado de trabalho.
cia e oportunidade para a prática do ato de denún- 2. Os convênios administrativos são ajustes firmados entre pes-
cia não pode se transmudar em arbitrariedade. soas administrativas, ou entre essas e particulares, cujo objetivo
é a obtenção de determinados interesses em comum. Diferem
A questão das consequências do desfazimen- dos contratos administrativos, basicamente, pela ausência de in-
to do ajuste é abordada com maestria na lição de teresses contrapostos, já que o elemento principal da união entre
os convenentes é a cooperação e não o lucro geralmente visado
Marcos Juruena Villela Souto, cuja opinião perfi­ nos contratos.
lhamos: 3. O vínculo jurídico existente nos convênios não possui a mesma
rigidez inerente às relações contratuais, daí porque o art. 116, ca-
put, da Lei 8.666/93 estabelece que suas normas se aplicam aos
convênios apenas “no que couber”. Diante disso, tem-se como
Sobre a aplicação de princípios gerais dos contratos aos convê-
36 regra a possibilidade de cada pactuante denunciar livremente o
nios, cite-se: “A instituição do contrato é típica do Direito Privado, convênio, retirando-se do pacto. Entretanto, se essa atitude cau­
baseada na autonomia da vontade e na igualdade jurídica dos con- sar prejuízos materiais aos outros convenentes, é cabível a aplica­
tratantes, mas é utilizada pela Administração Pública, na sua pure- ção de sanções, a serem estabelecidas, via de regra, no próprio
za originária (contratos privados realizados pela Administração) ou instrumento de colaboração.
com as adaptações necessárias aos negócios públicos (contratos 4. No caso, a despeito da possibilidade de denúncia unilateral,
administrativos propriamente ditos). Daí porque os princípios ge- deu-se efetiva oportunidade para a impetrante manifestar-se no
rais dos contratos tanto se aplicam aos contratos privados (civis processo administrativo e comprovar o cumprimento das presta-
e comerciais) quanto aos contratos públicos, dos quais são es- ções contempladas no pacto firmado. No entanto, da análise dos
pécies os contratos administrativos, os convênios e consórcios documentos anexados aos autos, não se demonstrou a imperti-
executivos e os acordos internacionais” (MEIRELLES, Hely Lopes. nência das constatações realizadas pelo ente público.
Licitação e contrato administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido” [gri-
2006, p. 193, grifos nossos). fos nossos].

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O papel dos controles internos para garantia da probidade na gestão pública: uma análise prática de convênios

1. Deve o advogado público, no exercício do padronizadas, de observância obrigatória


controle interno de legalidade, avaliar se para toda a Administração Pública,
o convênio representa a formatação jurí- aprovadas pelos serviços jurídicos dos
dica adequada para a proposição partida entes concedentes e disponíveis em lo­
do admi­nistrador. Nesse passo, há que cal de fácil acesso — como o sítio oficial
se perquirir se o objeto do pacto consubs- do ente público na rede mundial de
tancia uma necessidade de interesse pú- computadores — aos gestores e interes­
blico comum a todos os partícipes, ou, ao sados.
invés, mascara uma relação contrapres- 6. Quanto à contrapartida, (a) os bens e/ou
tacional — caso em que necessária a ce- serviços deverão guardar relação com o
lebração de um contrato. objeto do pacto, sob pena de, por inúteis
2. Nada obstante não haja dever de licitar à execução do ajustado, não se confi-
para seleção de projetos e parceiros priva- gurarem como contrapartida, ou, ainda,
dos, impõe-se a adoção de procedimentos caracterizarem espécie disfarçada de
objetivos que assegurem a impessoalida- contraprestação, infensa aos convênios;
de e isonomia na escolha. Na aplicação (b) os entes federados podem, mesmo à
das exceções a essa regra geral, a exi- míngua de previsão normativa, exigir con-
gência de motivação robusta é medida de trapartida de possíveis parceiros, uma vez
redução da discricionariedade do adminis- que o conveniamento em regra se traduz
trador público e, quando este não puder em opção política discricionária do admi­
se desincumbir de tal ônus argumentati- nistrador; (c) despesas ordinárias de cus-
vo, impõe-se-lhe o dever de submeter a teio do convenente podem ser aceitas
proposta a procedimento seletivo. como contrapartida em serviços apenas
3. Figura inadequado submeter entidades excepcionalmente, quando possível quan-
privadas ao rigorismo de mover procedi- tificar o acréscimo de despesas advindo
mentos formais de licitação para emprego do aumento de serviço gerado pelo con-
dos recursos públicos repassados, sob
vênio.
pena de anular o incremento de eficiência
7. Salvo autorização normativa do ente re-
e desburocratização pretendido quando
passador, é vedado o pagamento de des-
da decisão por se conveniar a um parcei-
pesas administrativas do parceiro privado
ro não estatal. O estabelecimento de pro-
com recursos do convênio, eis que a prá-
cedimentos mínimos, auditáveis, como
tica tem o potencial de configurar meio
a prévia cotação de preços no mercado,
indireto de pagamento de taxa de admi-
parece a conciliação possível entre os ve-
nistração, na medida em que o convenen-
tores resultado e controle.
te, por via oblíqua, estaria se ressarcindo
4. Os entes públicos devem atentar para a
à conta de sua atuação na consecução do
necessidade de compor e qualificar seus
quadros de pessoal, de modo a serem objeto.
ca­pazes de identificar e avaliar bons pro­ 8. Os órgãos de controle devem exigir do
jetos e parceiros, bem como estruturar, admi­nistrador público a cautela de verifi-
executar e fiscalizar adequadamente as cação de eventual sobreposição de parce-
parcerias que venham a firmar. Nesse rias para execução do mesmo objeto.
sentido, essencial a manutenção de um 9. O termo de convênio deve estabelecer
corpo técnico próprio, permanente e ca­ mecanismos que permitam ter adequado
pacitado, preferivelmente reunido em controle de eventuais receitas advindas
órgãos especializados que gozem de da atividade privada fomentada e rever-
auto­nomia para a execução de seus mis­ tam o produto da atividade para as pró-
teres e possam, orientados por cri­térios prias finalidades do pacto, em coerência
exclusivamente técnicos, coorde­nar a rea­ com as ideias de subsidiariedade, probi-
lização de políticas públicas descen­ tra­ dade e ausência de intuito lucrativo dos
lizadas. convênios.
5. Visando a cumprir o dever da advocacia 10. A liberação de recursos antecipada ao
pú­blica de assegurar a adequação jurídico- cronograma de execução é em regra
formal do ajuste, assim prevenindo lití­ vedada, porquanto pode vulnerar o me­
gios e responsabilidades, boa prática de canismo de prestação gradual de contas;
gestão con­ siste na edição de minutas sua excepcional previsão no cronograma

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Denis Moreira Monassa Martins, Rodrigo Crelier Zambão da Silva

de desembolso carecerá de justificativa ARAÚJO, Florivaldo Dutra de; MAGALHÃES, Gustavo Alexandre.
Convênios e consórcios públicos. In: PIRES, Maria Coeli Simões;
técnica pormenorizada, na qual explicitada BARBOS, Maria Elisa Braz. Consórcios públicos. Instrumentos de
sua imprescindibilidade para a execução federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
exitosa do objeto. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito
11. Pode ser imposta obrigação ao partícipe Administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
denunciante de recompor os prejuízos de- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração
correntes do inadimplemento de sua par- pública. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
cela de cooperação, devendo o advogado FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito
público recomendar a prévia regulação, Administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

em cláusula do convênio, sobre possíveis FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos
administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
direitos indenizatórios em caso de denún-
cia ou rescisão. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7. ed.
rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed.
São Paulo: Malheiros, 1997.
The Role of Internal Controls on Ensuring Compliance with
Legislation in Public Management: a Practical View of Public MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo.
Cooperation Agreements 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

Abstract: This essay examines the role of internal controls, ROCHA DE OLIVEIRA, Pedro Jorge. Obras públicas: tirando suas
in public cooperation agreements, focusing on identification dúvidas. Belo Horizonte: Forum, 2010.
and analysis of risk-likely situations. It proposes guidelines to SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das
public management as an effort to prevent non-compliance with concessões. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
legislation.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas
Key words: Public cooperation agreement. Internal Control. comentadas. Salvador: JusPodium, 2009.
Compliance.

Referências Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002


da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
AGUIAR, Ubiratan et al. Convênios e tomadas de contas espe­
ciais: manual prático. 3. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, MARTINS, Denis Moreira Monassa; SILVA, Rodrigo Crelier
2008. Zambão da. O papel dos controles internos para garantia da
probidade na gestão pública: uma análise prática de convênios.
ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras públicas. Belo Horizonte: Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte,
Fórum, 2009. ano 13, n. 155, p. 9-20, nov. 2014.

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