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Alcira B. Bonilla
Universidad de Buenos Aires/CONICET
Abstract: Moral philosophy or ethics holds nowadays the rank of “First Philosophy”. In this
article I try to reflect the state of art in this field. The text is divided in four sections: “Clearing
the language: moral and ethics”, “The phenomenon of the morality”, “The technical use of the
words by current thinkers”, and “’Applied Ethics’ and the contemporary ‘Ethical turn’”.
Key words: Ethics; moral; morality; applied ethics; ethical turn.
Resumo: A filosofia moral ou a ética filosófica deve ser considerada, hoje em dia, como “a
filosofia primeira”. Este artigo procura refletir o status questionis neste campo. O texto divide-
se em quatro parágrafos: aclarando a linguagem moral(is) e ética(s), o fenômeno da morali-
dade, o uso técnico dos termos no pensamento atual e a ‘ética aplicada’e o ‘giro ético’ con-
temporâneo.
Palavras-chave: Ética; moral; moralidade; ética aplicada; giro ético.
2E. Levinas buscou uma desarticulação da ontologia contemporânea, concebendo a ética como “filosofia
primeira”; sua postura poderia ser caracterizada como “transcedentalismo ético”, claramente exposta em
Totalité et infini (Levinas, 1961).
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(ethiké), em mudança, procede do costume (éthos), como indica o nome, o qual varia ligeiramente do de
costume”. Em relação a isso, pode-se consultar José L. Aranguren, que trata do “princípio etimológico”
(Aranguren, 1968: capítulo II). Assim, imaginar a “ética” como derivada de “ethos”, significa também
pensá-la como a que determina a “morada” do homem, o espaço de convivência que ele constrói.
4“Família, exército e estado se mantiveram, durante séculos, graças ao código normativo das ‘mores’”
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determinado ato ou norma moral. Derivado desse sentido, ele denota respei-
to por um código profissional de ética (Cortina; Martínez, 1997: 21). De tal
uso, muito freqüente, pode extrair-se a seguinte conclusão:
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O fenômeno da moralidade
Antes de passar ao estudo de alguns exemplos contemporâneos do uso
técnico-filosófico dos termos “ética” e “moral” e de sua possível distinção no
contexto de teorias particulares, parece útil uma referência ao fenômeno da
moralidade, antecedente à obviedade de toda reflexão sobre ele. A análise da
5 Basta recordar que Moralität e Sittlichkeit (“eticidade”) nos Princípios da Filosofia do Direito (Hegel,
1975) indicam dois momentos do “Espírito objetivo” posteriores ao do “direito abstrato”; o momento da
“moralidade”, isto é, da moralidade como vontade subjetiva, tal como ela se manifesta no indivíduo, deve
ser superado e, por conseguinte, não abandonado, mas subordinado ao da vida ética, na qual ou indiví-
duo já não existe como momento abstrato. Por isso, sua subjetividade se realiza na objetividade de um
mundo.
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6Muito pouco poderia ser entendido da ética kantiana, por exemplo, se esquecêssemos o âmbito pietista
e de livre exame da Bíblia, no qual o filósofo passou seus primeiros anos, assim como o contexto político
em que ele viveu.
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Na sua obra maior, Teoria da justiça, Rawls apresenta uma ética desti-
nada a remover o utilitarismo dominante na tradição americana, substituin-
do-o por um construtivismo deontológico, propondo uma teoria política em
defesa do Estado democrático liberal moderno. Segundo esses objetivos, ele
esboça a definição do que denomina “teoria moral” em termos da tentativa
de “descrever nossa capacidade moral”, a qual reduz a “teoria da justiça”,
igualmente pensada como “descritiva de nosso sentido de justiça”. Ele formu-
la tais teorias como uma estrutura de princípios, que, ao modo de uma
“gramática” do moral, devem presidir os juízos morais:
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se opõe, mas reforça o vínculo entre vida boa e moralidade (justiça).8 Enfim,
sendo formal, o modelo ético do desafio “não discrimina entre convicções
éticas substantivas” (Dworkin, 1993: 190).
Embora as questões da ética tenha sido a preocupação constante na
obra de P. Ricoeur, sua versão madura aparece sistematizada nos escritos dos
anos 90. Os “estudos” sete, oito e nove de Soi-même comme un autre, apre-
sentam a petite éthique, a qual o filósofo finalmente chegou. É possível reco-
nhecer que nem a etimologia, nem a história impõem uma distinção no
emprego dos termos e, por isso, a reflexão fenomenológico-hermenêutica do
autor acata o nome técnico geral de “ética” para tal disciplina. Por outra
parte, ele sustenta que, desde o princípio, é possível distinguir duas matizes: o
que estimamos como bom e o que se nos impõe como obrigatório. A partir
dessa distinção para o uso técnico demandado por seu teoria, Ricoeur outor-
ga acepções diversas a cada um dos termos:
8 “Necessitamos parâmetros normativos que definam o objetivo de viver, e a justiça entra na ética
quando perguntamos que recursos seriam adequados para que a gente compreendesse sua” (Dworkin,
1993: 151).
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11 A expressão “giro ético” empregada por mim, neste artigo, e em trabalhos citados não carece de
antecedentes. O primeiro termo é um eco do emprego generalizado do termo “giro” (turn), sobretudo a
partir dos anos 60 do século passado, para designar as mudanças mais importantes na marcha do
pensamento contemporâneo (exemplos: giro lingüístico, giro pós-moderno, giro aplicado). Em segundo
lugar, não se deve esquecer que o aparecimento desta expressão, em um contexto filosófico, é devido a
Edmund Husserl, embora seja empregada despojada da perspectiva transcedentalista e fenomenológica
na que foi, originariamente, formulada (Bonilla, 1998).
12 Cf. “Ética después” (Berbeglia, 1997).
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epistemológico mais grave que ela resguarda. Trata-se de uma confusão, pro-
veniente do campo da física, que distingue entre um “âmbito de princípios” e
um “âmbito da aplicação”. Se, no campo da física, há a distinção entre a
física pura ou a teórica e a física aplicada ou a técnica, trasladando tais dis-
tinções ao domínio da ética, pareceria possível distinguir, da mesma maneira,
entre o âmbito dos princípios constituído pelos princípios morais ou as
teorias éticas gerais. Dessa forma, o aspecto de aplicação consistiria na apro-
ximação destes princípios às situações e casos cuja conflitividade fosse evi-
dente mediante o recurso a normas e regras de aplicação.13 Assim concebida,
a aplicação da ética não estaria sempre necessitada da intervenção do âmbito
filósofo. Por isso, ela poderia ser estandardizada. Além disso, tal ética aplica-
da serviria, de algum modo, de estímulo ao trabalho do pensador. Na verda-
de, uma vez fixados os princípios na forma considerada mais conveniente e
extraídas as normas mais importantes, a aplicação propriamente dita poderia
permanecer confiada a um “eticista”, concebido como um técnico com a
tarefa de propor regras de aplicação imediata e na resolução dos casos parti-
culares.
Ao retomar as críticas de A. Leist, percebe-se que, desta forma, perma-
nece liberado o passo a versões um tanto questionáveis da ética aplicada,
como a refletida pelo “mantra” de Georgestown ou a tentativa eclética de T.
L. Beauchamp e J. F. Childress, tal como eles o expõem no seu exitoso Prin-
ciples of Biomedical Ethics (Beauchamp e Childress, 1979). Ironicamente,
Leist lhes confere o nome genérico de “ética do livro de receitas”, porque, ao
deixar de lado as disputas fundamentais, eles apenas mostram os princípios
em que tais teorias coincidem. Assim, eles justificam sua aplicação a casos
particulares, sem tomar em conta a gramática própria de cada sistema, que
transforma a concordância de princípios a algo meramente aparente. Em tais
práticas, a pretendida interdisciplinaridade permaneceria reduzida a uma
dificultosa síntese pluridisciplinar, estabelecida pela conjunção dos princípios
– ético-filosóficos – e a apresentação do caso com o esclarecimento disciplinar
do domínio correspondente – clínico, ambiental, farmacológico, ou outro,
sem chegar à concreção interdisciplinar alguma.
Apesar destas críticas, é possível encontrar alguns traços positivos das
pesquisas atuais mais frutíferas neste campo que, embora de modo parcial, de
13 Nos últimos anos, surgiram modelos de ciência pós-normal, nos quais fica sensivelmente diminuída a
diferença entre ciência pura e ciência aplicada. Estes modelos, ao incluírem também valores, não
deixam de ser atrativos para o filósofo prático em seu estudo (Funtowicz, S.; Ravetz, 1994).
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acordo com as atividades nas que a ética aplicada se insere, também podem
ser atribuídos às práticas de docência, comitês, consultoria, etc., relacionadas
com a ética aplicada. Entre eles, pode-se destacar: a) o estabelecimento de um
continuum teórico-prático; em outras palavras, a iluminação mútua do âmbi-
to da teoria pelo da prática e vice-versa; b) o caráter “interdisciplinar” e não
apenas multidisciplinar (mera conjunção de disciplinas), ao que procuram
inclinar-se as pesquisas;14 c) a orientação “social”, ou seja, a ética aplicada se
encaminha para o esclarecimento e a solução de problemas que se apresentam
no seio da sociedade contemporânea;15 e d) o caráter “dialógico”, por isso,
muito mais que a adesão particular dos pesquisadores a alguma das variantes
da ética, na maior parte das investigações se observa a preponderância meto-
dológica das atuais intituladas “éticas do diálogo”, denominação apta para
designar a ampla gama de teorias de raiz intercultural, hermenêutica, liberal,
discursiva, comunitarista, etc.
O destaque dos traços positivos da ética aplicada não significa uma
minimização ou encobrimento das dificuldades e riscos que sua prática reú-
ne: a) o problema dos critérios; b) os problemas de universalidade; c) o pro-
blema da especificidade das éticas setoriais; d) o problema das relações com a
ética filosófica e com a filosofia prática.
A. Leist vislumbrou, com argúcia, o problema dos critérios, mostran-
do como, de fato, a onipresença da ética aplicada nas sociedades mais desen-
volvidas (evidente, por exemplo, na profusão de éticas setoriais e profissio-
nais) aceita o risco de sua trivialização teórica e prática. Ele propõe, então, os
critérios de “relevância social” (que o problema afete ou possa afetar, de
modo importante, à sociedade no seu conjunto ou a setores específicos) e de
“claridade moral” (que os termos do problema envolvam conflitos de tipo tal
em que se veja a pertinência de seu tratamento por parte da ética). A conside-
ração de tais critérios resulta benéfica. Em primeiro lugar, porque indica um
limite para as pesquisas e, em segundo, porque sua aplicação ao campo ínte-
gro dos conflitos contemporâneos ajuda a determinar áreas temáticas de
ética aplicada, se interpela à distinção efetuada pelo antropólogo Héctor Vázquez, segundo o qual,
enquanto a primeira se refere a “justaposição de enfoques teóricos diferentes sobre os mesmos pro-
blemas, a partir de disciplinas distintas”, a segunda implica “diferentes níveis de integração teórico-
metodológicos entre cada disciplina, mediante a construção de um denominador comum teórico nos
dilemas delineados nas zonas fronteiriças intermediárias” (Vázquez, 1994, cap. 5).
15 As três características, até agora mencionados, foram sistematizados por McDonald (McDonald, 1988:
10).
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tativo que, de forma duvidosa, pode ser compartilhado por todos os concer-
nidos.
O problema está em saber se a “especificidade” das éticas setoriais, em
sua variabilidade de horizonte temático, metodologias e práticas, não anula o
próprio conceito de uma ética aplicada e impossibilita uma teoria geral da
mesma. Além do mais, a questão é saber como a inter-relação entre as várias
éticas setoriais pode ser resolvida se a teoria geral da ética aplicada pode ser
vista como o espaço privilegiado para dilucidar as questões teóricas da pró-
pria aplicação e de sua metodologia geral e específica. Em terceiro lugar, o
desafio é estabelecer uma relação necessária entre setores da ética aplicada,
tais como a ética ambiental, a ética da economia, a ética das relações interna-
cionais, etc., frente aos problemas complexos.
A discussão das “relações” da ética aplicada com a ética e a filosofia
prática pode ser problematizada a partir de dois pontos de vista. No primeiro
aspecto, os filósofos práticos se perguntam acerca da utilidade destas novas
questões para o avanço real de seu labor. Contra os que sustentam a falta de
interesse filosófico da ética aplicada, Leist, por exemplo, defende a opinião de
que a ética aplicada, além de se ocupar com as questões que lhe são específi-
cas, converteu-se em um campo de provas das teorias éticas. Do ângulo da
interdisciplinaridade, pode-se pensar o problema com maior profundidade
ainda. Por isso, a função da filosofia prática aparece como mais ampla que a
do mero controle metodológico. Além das necessidades fácticas, no trabalho
do filósofo prático, a interdisciplinaridade aparece como uma relação neces-
sária e estrutural, imposta pela constituição do campo problemático e pelo
caráter dos atores envolvidos, então, para o caso particular da ética aplicada,
tal interdisciplinaridade pode ser pensada a partir da própria ética. Além do
mais, pode-se ampliar, de modo insuspeitado, o campo prático, dando lugar
a atores até agora silenciados, de forma a contribuir na construção do saber
prático a partir de seus próprios saberes e suas próprias experiências, demo-
cratizando, de modo definitivo, o campo da ética, antes reservado a especia-
listas (Bonilla, 2006b).
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Recebido: 06/2008
Aprovado: 11/08
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