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DACASA EDITORA
2010
Conselho Editorial
Eloise Dellagnelo - Universidade Federal de Santa Catarina
Nildo Ouriques - Instituto de Estudos Latino-Americanos
Steffen Böhm - University of Essex
DACASA EDITORA
2010
CDU 304:65.01
7 APrESENtAçãO
3 Apesar da obviedade do pertencimento do Brasil à América Latina, em mais de uma oportunidade nos
deparamos com um questionamento a esse respeito. Aos que se interessarem pelo tema, remetemos
à leitura de Darcy ribeiro, que tratou deste tema com a propriedade e franqueza que lhe era carac-
terística em rIBEIrO, Darcy. O povo latino-americano. In: ______. O Brasil como problema. rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 121-146.
4 Esta terminologia será explorada no texto sobre Ernst Bloch.
ocorre com todas as práticas, nenhuma delas pode prescindir do auxílio das ciências
ou das teorias que lhes dão suporte, articulando-as em uma práxis. De acordo com
Paulo Freire, a teoria da ação antidialógica há muito possui seus teóricos e ideólogos
e se expressa nas burocracias. Já sua antítese, a teoria da ação dialógica, expressa o
devir de uma organização cujo objetivo é a libertação humana e pressupõe como in-
separáveis a prática organizacional da aprendizagem. Paulo Freire expõe as condições
concretas da teoria da ação dialógica no ato mesmo de sua práxis militante, e assinala
que precisamos de mais experiências que mostrem sua viabilidade, bem como de pro-
duções intelectuais que as tornem visíveis. Assim, com o objetivo de tornar visíveis
organizações que efetivam, na sua prática organizacional, a ação dialógica, as autoras
relatam e refletem sobre o processo de emersão dos sujeitos que se auto-organizavam
no Movimiento de Trabajadores Desocupados de La Matanza (Argentina).
O texto que segue, de autoria de Rafael Kruter Flores – Uruguai: a luta
pela água como um bem comum – aborda um processo recente de construção
de contra-hegemonia na luta pelo acesso à água. Trata-se de uma luta que, ao de-
fender a própria existência física dos sujeitos, nas palavras de Gramsci, afirma os
mais elevados valores da civilização e da humanidade. No Uruguai a população,
ao ter o acesso à água impedido ou dificultado, se organizou, reformou a Consti-
tuição, expulsou empresas transnacionais, impediu novas privatizações de servi-
ços dessa natureza e afirmou a definição da água como um bem comum.
Ainda no campo das relações entre a natureza como bem comum e a apro-
priação pelo sistema do capital, Steffen Böhm e Maria Ceci Misoczky abordam
Mercados de carbono: imagens do Norte e do Sul. Esse texto problematiza o
tema do mercado de carbono tendo como referência a ecologia política e a aborda-
gem dos conflitos distributivos, explorando imagens do Norte e do Sul. Aproximá-
-las e produzir sentidos é indispensável para disseminar argumentos que apóiem
as lutas sociais de todos aqueles que, sem importar se localizados no Sul ou no
Norte, compartilham a preocupação com os impactos deste mercado para popu-
lações e regiões localmente atingidas, bem como para a humanidade e o planeta.
A construção do texto se fez com base em pesquisas e vivências dos autores em
seus respectivos contextos; bem como a partir de documentos secundários com in-
formações de organismos envolvidos com os esquemas de compensação – sejam
implementadores, sejam os que lhes fazem oposição.
Em Desenvolvimento: conflitos sócio-ambientais e perspectivas em dis-
puta, Maria Ceci Misoczky inicia o capítulo com uma breve contextualização
da formação discursiva do desenvolvimento, seguida de uma apresentação dos
6 “O Coletivo de Ação e Propaganda Muralha rubro Negra foi criado em 2007 para a prática muralista. O
objetivo não é apenas fazer muralismo, e sim estar engajado e comprometido com a transformação social.
Portanto, nosso caráter é de intenção revolucionária, ou seja, pretendemos fazer do muralismo o nosso ve-
ículo de comunicação para potencializar os conflitos existentes. Adotamos uma estética libertária inspirada
nas experiências Latino-Americanas de muralismo como, por exemplo, o que fazem os companheiros da
UMLEM (Unidade Muralista Ernesto Miranda). No entanto, adicionamos o nosso estilo e as particularidades
da realidade vivida pelo nosso povo. Nossa produção artística é coletiva, isso significa dizer que produzimos
o mural juntamente com todos aqueles que se interessam em participar pintando, conhecendo a nossa esté-
tica e incorporando elementos novos a partir da troca oportunizada pelo contato com o outro. Com a prática
muralista registramos e denunciamos os problemas enfrentados pelo povo que resiste à opressão diária.
Nosso fazer muralista está aberto à participação daqueles sem direito à voz, mas que resistem e utilizam
o mural para informar através de uma ação artística combativa e solidária com aqueles que lutam!” Mais
informações podem ser encontradas no blog do Coletivo: <http://muralharubronegrabrasil.blogspot.com>.
7 A UFrGS se distribui entre o Campus Centro, o Campus da Saúde, o Campus Olímpico e o Campus do
Vale. Neste se encontra o maior número de unidades.
8 A este respeito ver http://resistenciapopular.blogspot.com/2009/09/grito-dos-excluidos-bloco-com-
bativo.html/; http://muralharubronegrabrasil.blogspot.com/2008/08/afinal-quem-so-os-vndalo.html;
9 O Levante Popular da Juventude e o Coletivo Muralha rubro Negra realizaram o seminário Pra que(m)
serve o teu conhecimento?, na sala Pantheon do Instituto de Filosofia e Ciências humanas (IFCh) da
UFrGS - Campus do Vale, em Porto Alegre. O evento teve a participação de José Carlos Gomes dos
10 Palavra latina, significando “lembra-te”. Entre seus sentidos se encontra “marca que serve para lembrar
coisas que devem ser lembradas”; “essa anotação, apontamento, memória”; também “livrinho onde se
acham resumidas as partes essenciais de uma questão”. Fonte: Novo Aurélio, edição de 1999.
11 Braveman (1974) tomou como objeto as mudanças que caracterizaram o capitalismo monopolista e
suas conseqüências para a natureza do trabalho e a composição da classe trabalhadora.
Europa, perdendo sua relevância gradativamente ao longo dos anos 90. Seus te-
mas principais têm sido a natureza de regimes específicos de produção capitalista,
força de trabalho, formação de habilidades e divisão do trabalho, estratégias e
práticas de controle gerencial, resistência e agência dos trabalhadores (THOMP-
SON, 2009). A LPT tem sofrido várias críticas: para os gerencialistas, teria per-
dido importância junto com o restante da ciência social marxista (TSOUKAS,
2007, p.1309); para alguns marxistas, não seria dialética nem histórica, com a
decorrente incapacidade de prover uma agenda política própria (TINKER, 2002);
para outros, a LPT precisaria enfrentar os problemas do valor, da política e da
economia política global para manter-se na tradição marxista (JAROS, 2005). Em
defesa da LPT, seus principais autores afirmam a importância de seus conceitos
centrais – indeterminação da força de trabalho (devido à mobilidade dos traba-
lhadores e ao consentimento negociado à crescente exploração) e dualidade do
trabalho (o trabalhador precisa alienar seu ser existencial da mercadoria/força de
trabalho que possui) – para a análise das novas tendências e reconfigurações da
força de trabalho como constituintes centrais do desenvolvimento do capitalismo
(THOMPSON e SMITH, 2009).
Parte da perda de relevância da LPT no contexto europeu se deveu à moda
do pós-modernismo e à presença de referenciais da segunda fase da Escola de
Frankfurt. Deste mix de influências se originou uma vertente que se apresenta
como Estudos Críticos em Administração, qualificada como produtora de uma
crítica domesticada, que se mantém dentro dos limites da gestão e se propõe a, no
máximo, produzir micro-emancipações que não coloquem em risco a ordem do
capital (MISOCZKY e AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005).
No Brasil, a crítica às teorias administrativas já havia realizado duas afirma-
ções marcantes, ainda que com origens e consequências diferentes: a teoria geral
da administração é ideológica (TRAGTENBERG, 1980); a teoria da organização
é ingênua (GUERREIRO RAMOS, 1989, p. 1):
objeto de estudo desta vertente induz a não valorização de estudos que comparti-
lham o reconhecimento do caráter ontológico do trabalho14, mas valorizam outros
espaços de organização da luta social além do produtivo.
No entanto, o caminho que nos propusemos percorrer, focado na construção
de aportes que contribuam para as lutas sociais e que articulem de modo coerente
projetos políticos e a organização como meio para sua efetivação, não é novo.
O próprio Marx tomou a luta como objeto de estudo, como, por exemplo, em seus
textos sobre a Comuna de Paris. Em Lênin a ideia da organização era cúmplice da
realidade da revolução.
É importante recordar, também, Rosa Luxemburgo (2005), para quem não
havia uma única forma de organização dos trabalhadores (o partido); para quem a
luta de classes, como processo incessante, leva a contínuas modificações das for-
mas organizacionais. Rosa Luxemburgo valorizava as experiências produzidas em
circunstâncias onde se colocam exigências que solicitam soluções imediatas. Dizia
ela que neste processo dialético as massas inconscientes se elevam à consciência.
É neste processo que se produzem respostas inesperadas; é nele que a criação se
impõe em oposição ao codificado, ao rígido e burocrático (LOUREIRO, 2005).
Para Rosa Luxemburgo, não pode haver separação entre o elemento es-
pontâneo e o consciente. A organização e as tarefas a realizar se formam no
decorrer da própria luta; não previamente. As organizações são, nesse sentido,
“muito mais resultado da ação das massas que condições prévias para a exis-
tência de qualquer política revolucionária” (LOUREIRO, 2005, p.32). O que
Rosa nega é o fetichismo da organização e o que enfatiza é a importância da
experiência. “Organização, esclarecimento e luta não são aqui separados, mecâ-
nica e temporalmente distintos […], são apenas diferentes aspectos do mesmo
processo” (LUXEMBURGO, 2005, p.49).
Compartilhando este ponto de vista, nossa proposta é contribuir para a re-
flexão sobre a organização das lutas sociais, ao mesmo tempo em que escolhemos
nos manter na área disciplinar dos EOs. Entendemos que travar a luta cultural no
âmbito de uma disciplina que nasce no mercado e para o mercado e que tem na
sua origem, e como razão de ser, a produção de conhecimento para aperfeiçoar a
gestão a serviço do capital, se constitui em uma práxis acadêmica relevante por-
que, entre outras razões, problematiza a concepção hegemônica de organização
definida como sinônimo de empresa (SOLÉ, 2003). Em uma conjuntura em que
14 A centralidade do em seu sentido ontológico – o trabalho como criador da existência humana, fonte
primária de realização e o modelo de práxis – remete, obviamente, a Lukács (1979).
que não a dominamos formalmente. Eis por que, do ponto de vista dos
afetos, a distinção fundamental entre dois tipos de paixão, paixões tristes
e paixões alegres, prepara outra distinção bem diversa entre as paixões e
as ações. (DELEUZE, 2002, p.57)
Nesta mesma direção, Prestes Motta (1981, p.18) considerava que “a dua-
lidade entre o que gere e o que é gerido; entre o que planeja, organiza, comanda
e controla, e o que executa; sendo, portanto, planejado, organizado, comandado
e controlado, é a essência da heterogestão”. Neste cenário, os traços básicos da
burocracia servem para proteger a heterogestão, base do seu funcionamento: “a
heterogestão é um aspecto da heteronomia capital-trabalho, da mesma forma que
a própria organização burocrática, enquanto estrutura de poder, é um aspecto de
todo um ordenamento social mais amplo, igualmente hierárquico” (PRESTES
MOTTA, 1981, p.23).
17 Os antecedentes do movimento piqueteiro encontram suas raízes tanto no que se refere à metodolo-
gia (o piquete) quanto ao espaço físico de atuação na história do movimento operário e popular da Ar-
gentina. Seus antecedentes remontam as primeiras organizações operárias urbanas e rurais, passando
por organizações de bairro e vilas dos conglomerados urbanos. O atual movimento piqueteiro ressig-
nificou a metododologia do piquete (originalmente usada para impedir que furas-greve entrassem
nas fábricas) instituindo suas demandas no espaço público através de cortes de vias e de levantes
populares. O berço desta nova forma de mobilização social foi as cidades petroleitras de Cutral-Có,
Plaza hiuncul, Neuquén, Mosconi, tartagal e Salta – cidades estruturadas em torno da YPF, a maior
empresa produtiva do Estado. Com a privatização desta empresa petroleira, desarticularam-se os
marcos sociais e de trabalho de modo brusco. A partir desta experiência de supressão dos laços co-
letivos e de desemprego, surge um novo tipo de mobilização, que consolida a ideia de que uma outra
identidade e um outro destino eram possíveis para quem havia perdido o trabalho. O nome pique-
teiro, por sua força expressiva, representava uma alternativa para aqueles definidos como desem-
pregados. A possibilidade de nomear-se piqueteiro teve o poder de romper com a estigmatização,
de instituir um novo motivo de dignidade. Associados à identidade piqueteira e à nova formulação
das demandas de trabalho, o corte de vias se consolidou como um formato de protesto e de deman-
das. Além disto, as ações coletivas auto-organizadas dos piqueteiros geram espaços para a produção
e reprodução da vida (KOhAN, 2002; SVAMPA e PErEIrA, 2003; zIBEChI, 2003; DELAMAttA, 2004).
18 VECChIO, rafael. teatro como instrumento de discussão social: a utopia em ação do ói Nóis Aqui
traveiz na Oficina humaitá. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação
em Administração da Universidade Federal do rio Grande do Sul, em março de 2006. A dissertação foi
posteriormente editada na forma de livro, a convite dos integrantes da terreira (VECChIO, 2007).
19 Paulo Flores e tânia Farias fazem parte do Coletivo do ói Nóis Aqui traveiz.
20 Artaud (1999, p. 29) defende a rejeição dos limites impostos e a geração de “um núcleo de homens
capazes de impor essa noção superior do teatro”, que ofereça uma vida com novos significados a partir
da recuperação dos poderes transformadores do ser humano, a fim de “tornar infinitas as fronteiras
do que chamamos realidade.”
sistema por breves períodos de tempo. Outro e mais importante motivo foi o
trabalho coletivo de um teatro com função social21.
Mais especificamente, o estudo focalizou uma das Oficinas do Projeto
Teatro Como Instrumento de Discussão Social, a do Bairro Humaitá. A Oficina se
realiza na sede do Grêmio Esportivo Ferrinho, que congrega trabalhadores da ex-
tinta e privatizada Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) envolvidos em uma luta
para preservar sua história e o próprio prédio. Rafael começou como observador
da Oficina que redundou na montagem de A mais-valia vai acabar, seu Edgar!, de
Oduvaldo Vianna Filho, e acabou como um observador ativamente participante22.
Parte importante do seu trabalho é a narrativa da condução coletiva da Oficina,
de sua prática autogestionária. A partir dela Rafael chega a uma constatação apa-
rentemente evidente, mas muito estranha a um campo disciplinar onde um tipo de
organização (a empresa) se afirma como sinônimo de organização.
21 Para Bertolt Brecht (1967, p. 62), todo ser humano é detentor de enorme capacidade de transforma-
ção, cabendo a uma atividade teatral com função social potencializar esse atributo, indo ao encontro
das “camadas cuja vez ainda não chegou” (BrECht, 1967, p. 98). Brecht (1967, p. 191-192) afirma a
necessidade de um fazer teatral comprometido: “[...] deslocar nosso teatro [...] para os subúrbios da
cidade, onde ficará inteiramente à disposição das vastas massas que produzem em larga escala e que
vivem em dificuldades; [...] o teatro tem de se comprometer com a realidade, pois só assim lhe será
possível realizar representações eficazes da realidade.” Além disto, para Brecht (1967), o teatro deve
ter a preocupação com historicizar os fatos sociais, tratando-os como resultado de escolhas e deci-
sões humanas, e disseminar a ideia de que “pode ser diferente”. Brecht (1967) usa duas palavras como
síntese: Não e Entretanto, simbolizando renúncia e anúncio, oposição e afirmação.
Walter Benjamin (1994, p.74 e 81), escrevendo sobre a obra de Brecht, reconhece a possibilidade de
libertação através do teatro brechtiano, na medida em que este oportuniza a ação humana, “no mo-
mento em que a massa se diferencia através de debates, de decisões responsáveis, de tomadas de
posição bem fundamentadas, no momento em que a falsa e mistificadora totalidade ‘público’ começa a
fragmentar-se, abrindo espaço para as clivagens partidárias que correspondem às condições reais”.
22 rafael terminou a pesquisa ensaiando junto com o grupo e com um pequeno papel na montagem.
23 O Centro Cultural e Esportivo Ferrinho, localizado na antiga Vila dos Ferroviários, hoje bairro humai-
tá/Navegantes, durante anos funcionou como um clube mantido pelos funcionários da extinta rede
Ferroviária Federal S/A (rFFSA). quando a rede foi privatizada o prédio foi ocupado e hoje é Centro
Cultural, tombado pela Prefeitura de Porto Alegre, reúne a comunidade e completa 47 anos de lutas.
Que insights podemos ter, que lições podemos aprender, que desenvol-
vimentos teóricos e conceituais podemos produzir... Estou totalmente
convencida que o momento que estamos vivendo na América Latina é
cheio de novidades, que estamos experimentando um momento de virada
em uma longa e admirável tradição de lutas. As ações e organização da
resistência envolvidas em uma fantástica variedade de tipos de entidades,
sendo guiadas por perspectivas políticas complexas e diferenciadas, ex-
pressam a riqueza de múltiplas influências culturais. Devemos viver este
momento com intensidade e prazer. Entretanto, para termos um final fe-
liz, desta vez, precisamos recordar nossas vitórias e derrotas, precisamos
identificar claramente de onde vem o perigo, precisamos reconhecer as
dificuldades a enfrentar, e precisamos não esquecer que somos um elo
frágil no sistema internacional de forças. (MISOCZKY, 2005, p.14)
Ali havia já um olhar para a América Latina e uma primeira adoção explícita
da referência da colonialidade do poder e do saber. Um dos primeiros registros
sobre o problema da colonialidade se encontra em um artigo de Quijano (1993),
publicado no contexto dos debates sobre os 500 anos da conquista européia da
América. Diz ele que colonialidade é um neologismo que tem, com relação ao
termo colonialismo, a mesma ligação que modernidade em relação ao termo mo-
dernismo. A colonialidade do poder se refere ao prolongamento contemporâneo
das bases coloniais que sustentaram a formação da ordem capitalista. Ainda que
o colonialismo político tenha sido eliminado, a relação entre a cultura européia
(ou ocidental) e as outras continua sendo uma relação de dominação colonial
(QUIJANO, 1992).
Portanto, a colonialidade não pode ser pensada fora de uma reflexão sobre a
modernidade e sobre o contexto da hegemonia de padrões eurocêntricos de conhe-
cimento, com sua pretensão de universalidade e de produção da verdade. A noção
de colonialidade do saber indica, portanto, a necessidade de buscar formas distin-
tas de conhecer, produzidas em espaços de liberdade resgatados da dominação das
heranças do eurocentrismo. Implica, neste sentido, uma profunda descolonização
epistêmica de nossos modos de elaborar sentidos e de nos reconhecer no mundo
(TEVES, 2002).
Estes trabalhos, bem como um conjunto de exercícios teóricos e artigos
sobre temas relacionados24, já indicavam a necessidade de abandonar a negação e
assumir uma afirmação. Foi assim que, no início de 2006, ao preparar uma apre-
sentação de nossa linha de pesquisa para o Encontro de Estudos Organizacionais
(ENEO), passamos a identificar nosso trabalho com referência ao tema da Orga-
nização como meio e aprendizagem para a práxis emancipadora.
24 MISOCzKY, Maria Ceci. Pelo primado das relações nos estudos organizacionais: algumas indicações a
partir de leituras enamoradas de Marx, Bourdieu e Deleuze. ENANPAD 2003. Posteriormente publica-
do como capítulo em Pesquisa qualitativa em Administração, Organizado por Marcelo Milano Falcão
Vieira e Deborah zouain, editado no rio de Janeiro pela FGV Editora, 2004, p. 71-96.
MISOCzKY, Maria Ceci; VECChIO, rafael. Experimentando pensar: da fábula de Barnard à aventura de
outras possibilidades de organizar ENANPAD 2004. Posteriormente publicado nos Cadernos Ebape, v.
IV, p.1 - 14, 2006.
MISOCzKY, Maria Ceci; AMANtINO-DE-ANDrADE, Jackeline. Uma crítica à crítica domesticada nos
estudos organizacionais. revista de Administração Contemporânea, v.9, p.193-212, 2005.
MISOCzKY, Maria Ceci; AMANtINO-DE-ANDrADE, Jackeline. quem tem medo do fazer acadêmico
enquanto práxis. revista de Administração Contemporânea, v.9, p.239-246, 2005.
25 texto escrito em abril de 2006, fruto das reflexões e do trabalho conjunto com Joysi Moraes e rafael
Kruter Flores.
Acreditamos que uma das tarefas políticas mais urgentes dos estudiosos
críticos das organizações é explorar os processos de organização da resistên-
cia e das lutas sociais que tendem a ser ignorados pelo discurso organizacional
contemporâneo. Ao fazê-lo, contribuiremos para contestar a hegemonia da or-
ganização sinônimo de empresa - parte importante da hegemonia das relações
capitalistas globais que se articula em todos os lugares em que estamos cotidia-
26 Este texto havia sido usado alguns meses antes, como parte de uma chamada de trabalhos, proposta
por mim e por Steffen Böhm (University of Essex), no contexto do Colóquio Internacional sobre Poder
Local que viria a se realizar em dezembro de 2006, em Salvador.
com a localização geométrica dos problemas, dos atores, das propostas ou esferas
a que se referem (RAUBER, 2004).
De acordo com esta concepção, não pode haver incoerência entre propósi-
tos, meios, fins e propostas. A unidade ética-prática, que é o substrato e também
a resultante desta articulação radical, é a base para a construção da unidade polí-
tica entre os distintos atores sócio-políticos (e não o inverso). É impossível, por
exemplo, construir (e educar em) protagonismo e participação democrática plena
sobre a base de relações autoritárias e hierárquico-subordinantes de capacidades,
funções e papéis individuais, coletivos e sociais. “Uma parte do futuro está con-
tida, como avanço, no projeto alternativo, daí a transcendência de que sejam os
próprios atores-sujeitos protagonistas os que participem de sua concepção e defi-
nições” (RAUBER, 2004, p.5).
27 Organizar não é sinônimo de organizar de modo burocrático – para nós esse modo de organizar é
tomado como sinônimo de prática gerencial. Organizar é produzir socialmente modos de cooperação,
sempre instáveis e em movimento.
28 Dussel (2009) distingue entre potência (poder-em-sim indeterminado) e potestas (poder institucionali-
zado, delegado). Potestas pode ser negativa - expressão do exercício fetichizado do poder; ou positiva
- expressão do exercício obedencial.
Ocorreu um avanço com relação à definição que usávamos dois anos an-
tes: nossa definição de organização deixa de ser genérica e passa a ter um foco
que orienta nosso olhar para um tipo de organização – a organização meio para
a emancipação, práxis potencializadora, espaço de aprendizagem. Esta definição
nos encaminha mais decididamente para uma atividade teórica comprometida com
a transformação da realidade, uma atividade crítica que toma como referência a
possibilidade do desenvolvimento da vida humana em geral e, como sua condição,
a possibilidade da produção e reprodução da vida dos mais afetados pelo sistema.
Componente estratégico fundamental da práxis emancipadora, a educação
como prática de liberdade, concebida a partir de metodologia dialógica-problema-
tizadora e conscientizadora, entende que o ser humano não pode ser compreen-
dido fora de suas relações com o mundo, que ele é um ser da práxis, da ação e da
reflexão. Entendemos, portanto, que nas suas relações com o mundo e através de
sua ação sobre ele, os seres humanos são marcados pelos resultados de sua própria
ação: atuando transformam, transformando criam uma realidade (FREIRE, 1979).
Falta esclarecer o entendimento de práxis que adotamos. Para iniciar, é
preciso compreender o significado de práxis em sua distinção de atividade. Ati-
vidade, ou ação, se refere ao ato ou conjunto de atos através do qual um sujeito
ativo modifica uma matéria prima dada. Esta é, evidentemente, uma qualificação
por demais inespecífica, ao ponto de abarcar atividades instintivas ou biológicas
e, mesmo, atos que não sejam especificamente humanos. Para Sánchez Vázquez
(2007, p. 219), “a atividade propriamente humana apenas se verifica quando os
atos dirigidos a um objeto para transformá-lo se iniciam com um resultado ideal,
ou fim, e terminam com um resultado ou produto efetivo, real.” Há, portanto, a
interferência da consciência. Ou seja, o real almejado existe anteriormente como
produto ideal da consciência, como antecipação do que se deseja. Mais do que
isso: como no processo de realização o ideal antecipado na consciência sofre mo-
dificações, para que se possa falar de atividade humana “é preciso que se formule
nela um resultado ideal, um fim a cumprir, como ponto de partida, e uma intenção
de adequação, independentemente de como se plasme, definitivamente, o modelo
ideal originário” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 221).
29 trata-se da tese de Doutorado de Joysi Moraes, intitulada Práticas organizacionais em escolas de mo-
vimentos sociais: verticalidades e horizontalidades; apresentada em março de 2008 no PPGA/UFrGS.
Sua edição em livro deve se efetivar ainda em 2010.
30 Este estudo resultou na Dissertação de Mestrado de rafael Kruter Flores – Contra-hegemonia e a re-
estatização dos serviços de água e saneamento no Uruguai e na Província de Santa Fé (Ar) – defendida
em março de 2007 no PPGA/UFrGS. O caso do Uruguai constitui um dos capítulos deste livro.
31 Atividades de florestação por árvores exóticas já vinham se desenvolvendo no Brasil e no Uruguai pelo
menos desde a década de 1960.
A este respeito ver Green deserts expansion in the South of Latin America: the role of International
Agencies and National States, de autoria de Maria Ceci Misoczky; capítulo do livro organizado por Ana
Guedes e Alexandre Faria, International Management and International relations: a critical perspecti-
ve from Latin America; editado em 2009 pela routledge.
32 Desta viagem participaram, também, Steffen Böhm da Universidade de Essex, estudantes de gra-
duação e de pós-graduação da Escola de Administração da UFrGS, bem como dois estudantes de
mestrado do PrOPAD-UFPE. A ideia orientadora da viagem, por estrada de Porto Alegre até Buenos
Aires, entrando na Argentina pela Província de Entre rios, foi que todos nós nos familiarizássemos e
pudéssemos nos engajar em lutas contemporâneas concretas.
33 Steffen Böhm é professor da Universidade de Essex e parceiro de pesquisa especialmente em temas
relacionados a conflitos sócio-ambientais.
seminário que trouxe, pela primeira vez, os ativistas de Las Termas para a capital
provincial, propiciando espaço para a vocalização de suas demandas.
Um registro importante34 deste período foi a organização de um número es-
pecial da Revista ephemera35, realizado com o propósito de informar aos leitores
de todos os lugares sobre a organização das lutas e resistências em curso na nossa
região, e sobre as tensões vividas e experimentadas por tantos latinoamericanos.
A ideia foi propiciar um espaço de mútuo reconhecimento, contribuindo no senti-
do de que outros indivíduos e grupos decidissem pesquisar e escrever sobre estas
organizações (MISOCZKY, 2006). Este número especial colocou, em uma mesma
edição, reflexões acadêmicas e conhecimento dos ativistas; bem como contextos
37 “Libertação é a ação ou processo prático pelo qual o não-livre passa a ser um sujeito fático da liberda-
de, o oprimido como parte funcional se afirma como pessoa-sujeito (DUSSEL, 2004a, p. 271)
Como afirma Mazzeo (2007), não devemos separar a reflexão sobre o ca-
ráter social da atividade humana - a forma social do produto e a participação
do indivíduo na produção, que se apresentam como separados e reificados do
caráter social do poder, com suas regras e modos de exteriorizar-se. Nesta se-
paração se impõe a ideia da subordinação em relações que aparecem como se
fossem independentes dos sujeitos. Ao reproduzi-la, contribuímos para conser-
var o caráter alienado, reificado e naturalizado do poder.
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tendências, indica as possibilidades de transformação inerentes ao ser eco-
nômico, político e social”. Para Dussel (2002, p.457), Bloch desenvolve,
durante toda sua vida, “o momento crítico positivo do projeto de liberta-
ção”, o “momento positivo do projetar (como afeto e razão), as alterna-
tivas possíveis ainda-não-realizadas”. Em Bloch (2005), a utopia passa a
ser um topos da atividade humana orientada para o futuro, um topos da
consciência e a força ativa que impulsiona para o que ainda-não-é.
que vai se tornando e do qual elas próprias fazem parte”; um esperar que “não per-
mite conformar-se com o precário que aí está, não permite a resignação”. Para
que esse esperar ativo e positivo se realize é preciso transpor: “pensar significa
transpor”. Pensar “de tal maneira que aquilo que está aí não seja ocultado nem
omitido”; que a transposição não se dê “na direção de um mero vazio de al-
gum diante-de-nós, no mero entusiasmo, apenas imaginado abstratamente”, mas
“capte o novo como algo mediado pelo existente em movimento, ainda que, para
ser trazido à luz, exija ao extremo a vontade que se dirige para ela. A transposi-
ção efetiva conhece e ativa a tendência do curso dialético instalado na história”.
Isto é, a esperança, ainda que seja um princípio subjetivo, é fundada na práxis
histórica, pois são as condições sociais que indicam o futuro, a partir da análise
do presente e do passado.
Esse marxismo fundado na esperança materialista e dialética precisa ser
entendido como crítica ao marxismo mecanicista e esquemático que degradava
a imaginação revolucionária, ao marxismo degenerado em dogma cientificista
(RAULET, 1982). É a partir desse marxismo que Bloch foi acusado de metafóri-
co, ambíguo, idealista. Dussel (2002) ressalta, no entanto, que a posição utópica
proposta por Bloch seria incompreensível se não partisse do conteúdo radical e
material da vida.
A esperança concreta tem suas raízes antropológicas precisamente na de-
manda mais urgente – a fome – e na pulsão básica mais confiável – a autopreser-
vação. A fome é a incitação somática mais rápida. É o fator ôntico-existencial
de um impulso elementar que tem origem e fundamento em um estágio de insa-
tisfação que leva à apropriação de um ainda-não que se manifesta, nesse nível,
como um não-ter. O ímpeto – o appetitus e seu desejo – irrompe frontalmente
nos afetos expectantes – como angústia, medo, esperança e fé – que possuem
uma intenção passional de longo alcance. No entanto, é somente a esperança,
o afeto expectante contrário à angústia e ao medo, que tem como referência o
horizonte mais amplo e mais claro, o impulso para a frente.
É exatamente nesse ponto que se forma aquilo que aviva o aspecto de-
sejante42 nos afetos expectantes que sempre se originam da fome, dese-
jante esse que ocasionalmente distrai e amolece, mas ocasionalmente
também ativa e se estende até o alvo de uma vida melhor: formam-se
sonhos diurnos. (BLOCH, 2005, p.79)
O olhar para frente que Bloch (2005, p.143) tem em mente exige uma intui-
ção predisposta a se tornar consciente.
Por isso e para isso, o saber precisa deixar a forma contemplativa, precisa
deixar de meramente se referir ao que já está concluído e já passou, precisa de
meios para tratar com as coisas presentes e deixar de ser cego para o futuro. Esse
outro modo do saber tem a capacidade de acompanhar o processo, de ser ativo e
partidário do “bem que vem abrindo caminho”, do que “é digno do ser humano
no processo”. Para Bloch (2005, p.196), essa forma de saber é a única objetiva,
a única que produz o real na história: “os acontecimentos produzidos por seres
humanos que trabalham dentro do rico tecido processual entre passado, presente e
futuro”. Além disto, esse tipo de saber conclama os sujeitos da própria produção
consciente. Ele não cultiva “o otimismo banal e automático do progresso em si,
que é apenas uma reprise do quietismo contemplativo”, que “traveste o futuro de
passado” porque olha para o futuro como algo há muito concluído.
Assim, o novo fica fora da compreensão; o presente constitui um embaraço.
Bloch (2005, p.279) relaciona esse modo de saber com o pensamento na forma
mercadoria e com a decorrente intensificação do sentimento de impotência: “o
fato de todos os homens e todas as coisas se tornaram mercadoria não lhes propor-
ciona apenas alienação, mas deixa claro que a forma de pensamento ‘mercadoria’ é
ela própria, a forma de pensamento”. Em consequência, esquece, em vista do produ-
to reificado, o producente, o que está aberto diante de nós. Já o marxismo, ciência do
acontecimento e da transformação contínuos, ciência tendencial histórico-dialética,
permite, sempre tendo como propósito a ação, apreender a possibilidade real-obje-
tiva de futuro que está contida na realidade do presente, mediada pelo passado. É
desse modo que, tendo o futuro como horizonte e o passado como átrio, o marxismo
confere à realidade a sua dimensão real. É a partir de Marx que se explicitam a “in-
serção da mais audaz intenção no mundo que acontece, a unidade da esperança e da
noção de processo, enfim, o realismo” (BLOCH, 2006, p.177).
Não se trata, portanto, do pessimismo absolutizado do saber do “antiquário
contemplativo”. Não se trata, também, de qualquer otimismo automático. Em lu-
gar desses, coloca-se, como associada ao saber da decisão e à decisão do saber ob-
tido, a utopia concreta, a ação concretamente mediada, o otimismo militante. Por
meio dele, e Bloch (2005, p.197) recorre novamente a Marx, “não são realizados
ideais abstratos, mas certamente são liberados os elementos reprimidos da socie-
dade nova, humanizada, ou seja, do ideal concreto”. O “otimismo bem fundado”
está em paz com o processo, corrige o imobilismo fatalista.
A caminhada para o novo requer proceder passo a passo, já que nem tudo é
possível e executável a qualquer momento; sendo o possível definido como tudo
aquilo que encontra as condições dadas em proporção suficiente à sua realização.
Nesses termos, tudo aquilo que ainda não encontra as condições necessárias é fa-
ticamente impossível; e a imagem-alvo se mostra objetiva e subjetivamente uma
ilusão. A saída dessa armadilha reside na teoria-práxis concreta, em sua estreita
ligação com a construção da possibilidade real-objetiva. Tanto a preocupação crí-
tica que determina a velocidade da caminhada, quanto a bem fundada expectativa
que garante um otimismo militante em direção ao alvo, são definidas pela noção
obtida do correlato da possibilidade (BLOCH, 2005).
ções culturais e ao que chama, em suas notas sobre Maquiavel, de “vontade coletiva”.
Ambas estão unidas entre si e distantes dos extremos que Gramsci rejeita: o cosmo-
politismo e o particularismo nacionalista. O tema do nacional e do popular se encon-
tra, como se verá adiante, estreitamente vinculado ao das relações dos intelectuais
com o povo e ao de hegemonia como processo de constituição dos sujeitos sociais.
A categoria do nacional-popular é constituinte da história política da América
Latina. No entanto, as formulações da tradição marxista latino-americana (como
as de Juan Busto, recabarren e Mariátegui) foram vencidas pelas articulações po-
pulistas do tipo peronista ou aprista. No momento atual, em que se experimentam
projetos que se pretendem de corte nacional e popular em vários países da região é
indispensável retomar a discussão do tema pela vertente marxista. Nesse sentido,
o retorno a Gramsci pode ser muito profícuo.
Outro motivo para tomar Gramsci como referência se deve à atualidade do
tema da definição dos conteúdos concretos da direção intelectual e moral, da trans-
formação do senso comum, dos costumes, concepções e normas de ação. Especial-
mente neste momento, em que se coloca, em diferentes países e contextos, o perigo
do retorno ao culto do Estado e da conseqüente passividade das massas populares.
Finalmente, os ensinamentos metodológicos de Gramsci são da maior re-
levância para orientar nossa aproximação dos autores da tradição do pensamento
social latino-americano, como se verá na parte final deste item.
Gramsci mostra que as lutas sociais não são apenas físicas, são também
intelectuais. Se é verdade que os grupos produzem suas concepções de mundo
imediatamente a partir de suas situações materiais e de suas relações sociais,
também é fato que as relações sociais carregam contradições que se manifestam
nos indivíduos como uma desagregação. Essa desagregação é mais presente nos
grupos subalternos, pela ausência de autonomia e consciência histórica. É isto
que os torna subalternos em relação aos dirigentes: não foram capazes de cons-
truir uma concepção de mundo própria de sua existência.
Um grupo social, que tem sua própria concepção de mundo, ainda que
embrionária, que se manifesta na ação e, portanto, de modo descontínuo
e ocasional [...], toma emprestado a outro grupo social, por razões de
submissão e subordinação intelectual, uma concepção que não é sua e a
afirma verbalmente, e também acredita segui-la, já que a segue em ‘épo-
cas normais’, ou seja, quando a conduta não é independente e autônoma,
mas sim submissa e subordinada. (GRAMSCI, 2006, p.97)
O modelo burguês, porém, não fora proposto por Gramsci como “mode-
lo de estratégia política válido também para a classe operária”; quando
“muda o referente de classe da hegemonia, também deve mudar instru-
mentos e instituições; numa palavra, o aparelho da própria hegemonia”.
Se uma classe exploradora precisa de “formas de hegemonia que sus-
citem um consenso traduzível em delegação, um consenso próprio de
aliados subalternos”, uma classe que luta para pôr fim a toda exploração
tende a “uma hegemonia sem aliados subalternos, uma hegemonia que
seja educação permanente para o autogoverno”. (GERRATANA, 1977,
apud LIGUORI, 2007, p.214)
43 Com relação aos conceitos de “dirigente” e “dominante”, Gramsci utiliza as duas expressões em di-
versos momentos, muitas vezes, sem uma distinção conceitual precisa entre elas. Em uma passagem,
entretanto, afirma que “se a classe dominante perde o consenso, ou seja, não é mais ‘dirigente’, mas
unicamente ‘dominante’, detentora da pura força coercitiva, isso significa exatamente que as grandes
massas se destacaram das ideologias tradicionais [...] (GrAMSCI, 2002a, p. 184). A partir dessa citação,
será adotada a expressão “dirigente” para os grupos que têm hegemonia e “dominante” para grupos
que dominam apenas pela coerção.
Por que Paulo Freire para estudar lutas sociais na América Latina?
Porque há uma conexão óbvia contida na originalidade que é própria de Paulo
Freire: não ser simplesmente um pedagogo no sentido específico do termo, mas “um
educador da ‘consciência ético-crítica” (DUSSEL, 2002, p.427).
também porque nele encontramos apoio para pensar a prática da organização
das lutas sociais. Paulo Freire refletiu diversas vezes sobre o tema da auto-organi-
zação, cujo oposto, para ele, é a manipulação. Em torno desta reflexão, desenvolveu
duas teorias, que considerava como sendo diametralmente opostas: a teoria da ação
antidialógica e a teoria da ação dialógica. A cada uma delas corresponde uma prá-
tica que contradiz a outra e nenhuma dessas práticas (como, aliás, toda e qualquer
prática) pode prescindir do auxílio das ciências ou das teorias que lhes dão suporte,
articulando-a em uma práxis. De acordo com Paulo Freire, a teoria da ação antidia-
lógica, baseada na conquista, na divisão para manter a opressão, na manipulação e
na invasão cultural, há muito possui seus teóricos e ideólogos e está expressa nas
Para Freire, a luta dos seres humanos pela libertação é ao mesmo tempo
interna e coletiva: interna porque dentro do oprimido também vive o opressor; co-
letiva porque a libertação não é individual, é social e política. A libertação também
não é unilateral, deve simultaneamente libertar oprimido e opressor.
Para Freire (2005a, p.38), o oprimido precisa descobrir-se como tal e, en-
tão, elaborar sua liberdade, sua consciência crítica, passo a passo com sua organi-
zação. Os projetos e os atos da possibilidade humana são expressos no sintagma
inédito-viável, elaborado por Freire em A pedagogia do oprimido (2005a): o iné-
dito-viável se nutre da inconclusão humana, mostra as possibilidades históricas,
informa que não há reino do definitivo, do pronto e do acabado. O inédito-viável
é a utopia alcançada que faz brotar outros inéditos-viáveis. É, portanto, uma ca-
tegoria que encerra nela mesma a crença no “sonho e na possibilidade de utopia,
na transformação das pessoas e do mundo. É, portanto, tarefa de todos e todas”
(ARAÚJO FREIRE, 2008, p.234).
A conscientização como atitude crítica dos homens na história não finda
jamais; é um processo permanente de busca e aprendizado através da ação e da
reflexão, na tentativa de superar obstáculos; é a permanente busca da utopia. Esta,
para Freire (1980, p.27),
solitário, feito em separado das massas populares. Esse tipo de denúncia as coloca
como vítimas a serem salvas, anunciando um futuro que se instalaria automatica-
mente, independentemente das suas ações conscientes. Esse tipo de denúncia e
anúncio atenta contra o projeto, demonstra ingenuidade política e desconhecimen-
to da necessidade temporal da história. Nesse sentido, o ato de denúncia-anúncio
não é vazio, mas compromisso histórico (FREIRE, 1984).
mas que ganha existência quando é posto em ação, a partir da construção da-
quilo que para Gramsci é a construção da contra-hegemonia. É a realidade “se
dando”, nunca encerrada em si mesma: um processo se construindo infinita e
historicamente.
A inspiração que encontramos nesses autores e a afinidade que identifica-
mos em suas construções têm sido marcantes em nosso trabalho. Ainda que não
façamos reiteradas e expressas referências, com eles compartilhamos a lingua-
gem, as categorias e a postura militante. Esses autores autorizam posições que
vinculam a crítica ao sistema com a utopia presente e concreta, em nossa aprendi-
zagem na interação com os movimentos e lutadores sociais.
Assumir essa postura inclui a difícil prática de revisar nossas suposições de
“saber fazer”, de “saber a resposta”, que não correspondem nem à experiência que
se desenvolve em nosso tempo, nem às necessidades dos atores-sujeitos envolvi-
dos nas lutas sociais. Supõe, em vez disso, articular as dimensões do pensamento
reflexivo crítico: o saber que é elaborado na dimensão estritamente teórica com
um saber que vem de baixo e que fica, na sua maior parte, contido nas práticas.
Daí a importância de resgatar, sistematizar e conceituar essas práticas. A articu-
lação dessas dimensões possibilita a construção dialética do diálogo de saberes,
indispensável à produção de um novo pensamento estratégico. Este estudo, ba-
seado no diálogo e na construção articulada de conhecimento, resulta nas novas
dimensões do desempenho daqueles que nos acostumamos a identificar como o
“intelectual orgânico”: não o que sabe e orienta, mas o que constrói junto com
os atores-sujeitos existentes em uma sociedade concreta, desde suas realidades
(RAUBER, 2004, p.23).
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d’une autre rationalité. Paris: Klincksieck, 1982.
Joysi Moraes
Maria Ceci Misoczky
cias aos quais não se poderia ter acesso de uma posição externa não participante”
(MONTERO, 2006, p. 205).
Para sistematização desta reflexão apresentamos, a seguir, as teorias da ação
antidialógica e da ação dialógica que possibilitaram compreender as práticas do
MTD La Matanza como ações que constituem práticas de organização dialógica.
Na seqüência, apresentamos, de modo articulado, a teoria freireana, o contexto no
qual emergiu este Movimento e suas práticas organizacionais.
Cabe ainda dizer que o exercício que aqui fazemos é uma apropriação do
aporte teórico de Paulo Freire para os EOs. De fato, Paulo Freire jamais usou as ex-
pressões organização anti-dialógica e organização dialógica. Ele sempre se referiu
à ação. No entanto, como o tema da organização é central nas suas reflexões sobre
a conscientização e a aprendizagem, consideramos que ao fazer esta apropriação
estamos respeitando suas formulações e sendo coerentes com seus propósitos.
48 A palavra ‘revolução’ pode soar como a incitação a um golpe de Estado, alertava Paulo Freire, e ao
recurso à violência, mas em nenhum momento o autor incita tais processos. Primeir, porque “dos
golpes, seria ingenuidade esperar que estabelecessem algum tipo de diálogo. Deles, o que se pode
esperar é o engodo para legitimar-se ou a força que reprime”, não a ação dialógica. É uma revolução
exatamente por isso: porque é um processo dialógico, ainda não tentado pelos seres humanos no afã
mesmo da transformação da realidade. O diálogo é “a exigência radical” (FrEIrE, 2005, p. 145).
De acordo com Freire (2005, p. 141), os seres humanos são “seres do que-
fazer exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. Na razão mesma em
que o quefazer é práxis, todo fazer do quefazer tem de ter uma teoria que necessa-
riamente o ilumine”49, bem como uma prática que o inspire.
49 Nas palavras de Paulo Freire (2005, p. 212): “assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma teoria
da ação opressora, os oprimidos, para se libertarem, igualmente necessitam de uma teoria de sua ação”.
50 O Partido (equivale ao município na organização político-administrativa do Brasil) de La Matanza
é constituído por 15 localidades, entre elas, Gregorio de La Ferrere, região que sedia o bairro La
Juanita, micro-região do MtD La Matanza. Este Partido já foi um dos mais importantes da Província
de Buenos Aires. Em uma primeira etapa porque era rodeado de numerosos cursos de água que
propiciavam a atividade agropecuária e, em seguida, no período de industrialização, principalmente
a partir de 1946, porque lá se instalaram algumas das maiores indústrias. A partir dos anos de 1970,
com a adoção de políticas neoliberais, em La Matanza se aprofundou a situação de pobreza de sua
população. Muitas fábricas foram fechadas, se aglomeraram centenas de sub-habitações de pesso-
as vindas da Cidade de Buenos Aires. La Matanza tem aproximadamente 2.000.000 de habitantes em
323.4 km2. É a região do país com a taxa mais elevada de desocupação do conurbano bonaerense,
13,6% (INDEC, 2006).
51 Descodificar, para Freire (2005), se refere a analisar uma situação vivida a partir de sua reconstituição,
mediada pela objetivação, pela experiência concreta, produzindo significados para estas experiências
na medida em que elas são conscientemente internalizadas como resultado da ação dos homens.
52 No interior do país, onde havia um tecido social relativamente homogêneo, os piquetes aconteciam,
praticamente, em todo o município; em Buenos Aires, os piquetes aconteceram naqueles bairros que
já tinham experiências de lutas, como a luta em defesa de uma fábrica importante para o bairro, por
exemplo. “Os piqueteiros nasceram, portanto, onde já havia um processo de construção de consciência
[...] que se realizou a partir de uma politização geral e de ações coletivas de solidariedade e esforços
de auto-organização resultantes de décadas que deram base à singularidade do movimento dos traba-
lhadores na Argentina” (ALMEYrA, 2004, p. 135).
53 Sobre a emergência do movimento piqueteiro e suas metodologias de luta ver a Nota 16 da página 14.
54 Os textos em itálico se referem a declarações durante entrevistas.
que marcaram o início de sua inserção como sujeitos na história. Nas manifes-
tações, nos piquetes, começaram a construir uma nova história para si e para a
Argentina. Além de se organizarem, estes sujeitos precisavam definir como se
relacionar com os organismos governamentais e suas estratégias de manipulação,
incluindo a principal delas: a distribuição de planos sociais55 que vinha sendo re-
alizada desde meados de 1997.
Até então, os movimentos piqueteiros eram absolutamente autônomos, não
respondiam a partidos políticos, nem a sindicatos; eram parte de um processo
genuíno de auto-organização da gente que havia ficado sem trabalho e suas rei-
vindicações tinham a ver com trabalho. Tudo o que estava relacionado com o
trabalho como forma de vida. Sozinhos, organizados por bairros, os movimentos
tinham peso local, mas nos organizamos mais e tínhamos peso de município e
estava bem, mas quando começaram a se organizar a partir dos sindicatos, das
correntes políticas, por exemplo, pela Corriente Combativa y Clasista, pela Fede-
ración de Tierra y Vivienda, chegaram a um caráter nacional e isso foi positivo,
mas ao mesmo tempo perderam tudo que tinham de autonomia porque as corren-
tes nacionais começaram a ditar a política e começou a se formar um novo Mo-
vimento, diferente, que não se organizava, era organizado pelos de cima. Depois
começaram a ser organizados pelos planos sociais. (Toty Flores)
Os planos começaram a marcar o caminho para a domesticação dos movi-
mentos sociais e muitos não puderam romper com a lógica do assistencialismo.
A prática do clientelismo ressurgiu com força e planos sociais começaram a ser
trocados56 por votos. A organização agora era para pedir planos assistenciais,
havia planos de vários tipos, com distintos nomes, mas todos focalizados em com-
bater o tema da mobilização e da auto-organização (Toty Flores). Alguns MTDs
55 Os planos sociais são um benefício social que visa fornecer assistência alimentar mínima. Cada tra-
balhador desocupado recebia cerca 200 pesos mensais em troca de trabalhos que poderiam ser re-
alizados para melhorar seus bairros de origem (r$ 1,00 = $ 2,21 – câmbio em abril de 2010). Em
seu desenho originário, a implementação dos planos era responsabilidade do âmbito [governo] local,
alinhada com a estratégia descentralizadora que, no marco da modernização do Estado, impulsionava
a participação desse âmbito como peça chave de um novo estilo de gestão. Na prática da descentrali-
zação, os municípios começaram monopolizando tanto as decisões de seleção dos beneficiários como
as modalidades de execução dos planos. Os municípios e suas redes se impuseram como mediadores
e habilitadores entre as demandas da população e o governo provincial (DELAMAtA, 2004, p. 23).
56 “Por certo, o termo ‘troca’ tenta ocultar as condições de assimetria e controle hierárquico e vertical
nas quais se inscreve a relação. Os ‘clientes’, de fato, têm poucas opções” (MAzzEO, 2007, p. 169), pois
é uma relação “que se assenta na vulnerabilidade social, na supressão dos laços sociais, na carência,
na desinformação e na precariedade e os reproduz como forma de perpetuar a posição dos chefes
políticos em todos os níveis. Para garantir a não interferência dos subalternos no processo decisório”
(MAzzEO, 2007, p, 172).
57 Inicialmente, as pessoas recebiam os planos sociais independentemente de sua vinculação aos MtDs,
mas logo a seguir os planos eram recebidos por representantes oficiais dos municípios - prefeituras
- ou por ‘líderes’ dos Movimentos, que os distribuíam.
58 Flores (2006) afirma que ao anúncio do governo de que os trabalhadores receberiam planos sociais, a
comemoração foi grande e muitos foram procurar as Mães da Praça de Maio para contar sua vitória.
Porém, segundo o autor, as Mães, um pouco exaltadas, começaram a dizer que não havia êxito em
obter planos sociais, que não era verdade que eles tinham ‘arrancado’ do governo esses planos sociais
com suas manifestações. O que estes planos impunham era a cultura da sobrevivência, a dependência
do Estado mais uma vez. A luta, de fato, se os planos sociais fossem aceitos, teria sido em vão. De
acordo com toty Flores, “no primeiro momento, todos se entreolharam. Alguns tentaram argumentar,
outros apenas ouviram e muitos foram embora. Alguns, muito contrariados, nunca mais voltaram à
casa das Mães; mas nós seguimos indo e participando durante os anos seguintes das atividades para
organizar as atividades das Mães [...] Seguimos aprendendo”.
La Matanza, foi uma escolha de longo prazo. Começamos a nos reconstruir. Foi
o ano mais duro da nossa construção. Os companheiros se dispersaram e houve
muita discussão interna. Então, começamos por organizar o nosso próprio núcleo.
Ao problematizar a realidade, em diálogo com as Mães da Praça de Maio,
o grupo se reorganizou, se fortaleceu internamente ao começar a desmitificar a
realidade e se descobriu com possibilidades de interferir no futuro através de uma
ação que pressupunha, a priori, união e auto-organização. Não há como precisar
o momento que veio antes e o que veio depois, somente se sabe da necessidade
do encontro dialógico como ponto de partida. A mudança na percepção da rea-
lidade pode dar-se antes da transformação desta, mas não se empresta ao termo
‘antes’ a significação de uma dimensão estagnada do tempo. O antes, como no
caso desses trabalhadores, não significa um momento anterior separado de outro
por uma fronteira rígida, pelo contrário, faz parte do processo de transformação.
Mas é possível afirmar que foi a mudança na percepção da realidade que levou
ao rechaço dos planos sociais e à apropriação e inserção no contexto de modo
consciente, não manipulado, organizado. A importância de perceber a realidade
de modo diferente está em que a compreensão de algo corresponde, cedo ou tarde,
a uma ação. Isto é, o não aos planos sociais é parte constituinte fundamental do
processo da organização dialógica MTD La Matanza.
No início do MTD La Matanza, como afirma Jorge Lasarte, um dos seus
membros, nos juntamos por causa de problemas no bairro. Não podíamos pagar
a conta de luz, de água. Cerca de 80% do bairro tinha esses problemas. Estáva-
mos desocupados. Por esse motivo começaram os encontros na casa de Toty Flo-
res, aos domingos, com os moradores do bairro e amigos da época do trabalho. De
acordo com Flores, alguns já haviam perdido o trabalho, outros não. As primeiras
reuniões eram de muita angústia. Cada um contava o que lhe passava e, ao não
ter soluções, era terrível. Ficávamos muito mal. Na crise, o Governo eximiu os
empresários de pagar impostos para que dessem trabalho e também os bancos,
mas os trabalhadores não foram eximidos de nada. Tinham que seguir pagando
tudo [...]. Assim, no início, compartilhávamos pequenos trabalhos; trabalháva-
mos a terra porque nos parecia que se podia solucionar o problema da fome
no bairro com algumas hortas comunitárias e fazendo alguns empreendimentos.
Seguíamos com as reuniões e o primeiro grande resultado foi a descoberta que o
problema não era a luz ou o gás, mas a falta de trabalho. A partir daí as reuniões
giraram em torno desse tema e decidimos constituir-nos como uma organização
de desocupados, o MTD La Matanza. Jorge Lasarte ainda lembra que quando nos
demos conta que a desocupação era um fenômeno mundial, nós deixamos de nos
sentir culpados por perder o trabalho e a sensação de fracasso diminuiu, então
começamos a pensar em outro tipo de trabalho, para o bairro, porque em La Ma-
tanza há muito trabalho a ser feito, muito problema para solucionar. Mas é outro
tipo de trabalho, aquele que é pilar da liberdade, junto com a educação.
Além do diálogo que desperta a consciência crítica, e do testemunho que é
uma das características principais do caráter cultural e pedagógico da ação dialó-
gica, ainda se observa em cada pessoa, ao contar a história do MTD e relembrar
suas descobertas, a necessidade de se reafirmar como sujeito da história. Cada
fala realiza uma análise crítica da própria realidade, o ontem e o hoje, mostrando
as possibilidades de sujeitos que problematizando a realidade descobriram que
poderiam mudá-la. Pessoas que, atuando em co-laboração, mostram que não há
reino do definitivo, do pronto e do acabado. Na perspectiva freireana, esse é o
momento em que o sujeito deixa de mirar a realidade e começa a ad-mirá-la,
percebendo sua real construção para, então, imaginar seu viável histórico59. Essa
atitude implica um adentramento crítico e um posicionamento ativo na realidade;
implica em optar por uma mudança que tem a organização dialógica como meio
para alterar o que ad-mira.
Os encontros eram, e ainda são, marcados por diálogos fluidos. De acordo
com Jorge Lasarte, era uma coisa absolutamente diferente, uma novidade. Todo
mundo participava na discussão, mas o que tinha de interessante era que os com-
panheiros estavam dispostos a modificar o que pensavam e a reunião terminava
com um acordo. Nem maioria, nem minoria, era um acordo em consenso e, às
vezes, não. Depois seguia a discussão na próxima reunião ou no transcurso da
semana se resolvia [...]. Não era algo que alguém dizia: bom, agora vamos fazer
tal coisa e os demais faziam. Não, tudo se discutia. [...] às vezes as vozes se le-
vantavam, mas depois da reunião ficava tudo bem porque havíamos concordado
de alguma maneira, mesmo que fosse que não concordávamos.
Esses foram os primeiros passos para começar a ‘pronunciar’ o mundo, agir
e refletir sobre a ação. Os membros do MTD La Matanza começaram a deixar a
acomodação no mundo, o ajustamento que os submetia às prescrições alheias e
minimizavam suas decisões; iniciaram sua integração ao mundo como sujeitos
com capacidade de transformá-lo na medida em que iam descobrindo que podiam
60 “Uma das grandes, se não a maior tragédia do homem moderno, [...] está em que vem sendo expulso
da órbita das decisões. As tarefas do seu tempo não são captadas pelo homem simples, mas a ele
apresentadas por uma ‘elite’ que as interpreta e lhas entrega em forma de receita, de prescrição a ser
seguida. E, quando julga que se salva seguindo as prescrições, [...] é domesticado e acomodado: já não
é sujeito. rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-se.” (FrEIrE, 2005, p. 51)
demais não. [...] Tínhamos medo de levar lá nossas discussões, que eram
muito emotivas e porque também sabíamos que dizíamos muita coisa
errada. Porém, fomos às faculdades, participamos de alguns seminários,
conversas, debates etc., e isso nos animou bastante porque vimos que
também nos claustros acadêmicos se diz muita bobagem, com a diferen-
ça que as dizem com nível. (FLORES, 2005, p. 16 e 21)
decisão dos homens pode mudá-la, que toda economia é uma convenção, não
é uma coisa natural, que o tempo e o dinheiro são todas coisas convencio-
nadas estabelecidas pelo ser humano, é difícil. Os limites, na realidade, são
poucos, a vida e a morte, a natureza e seus elementos, esses são os limites
que não se pode transcender. Todos os demais são convenções e temos que
dizer às pessoas que podemos modificar o sistema porque ele não é natural,
não é natural que se acumule quantidades impressionantes de riqueza, e que
existam pobres. Não é natural pensar que não pode existir um mundo de outra
maneira. [...] a nós, serve a capacitação dos técnicos, mas são discutidas,
não são tomadas de joelhos, não se lêem os livros de joelhos, aqui dentro se
confronta. O papel pode dizer isso, mas não é verdade. Aqui, de verdade, de
verdade, não podemos amortizar uma máquina que nos foi presenteada. (So-
ledad Bordegaray)
Até 2001, os membros do MTD La Matanza dedicaram-se à formação de
alianças com o objetivo principal de aprender a se organizar para manter um
empreendimento61 que viabilizasse a sustentabilidade do grupo. O primeiro
grande resultado das alianças e discussões entre os membros do próprio MTD,
a que todos se referem, foi a elaboração de um plano, cujo foco estava na edu-
cação e na tomada de consciência que as mudanças que almejavam deveriam
ter início no local onde moravam. O objetivo não era somente aprender a gerir
o Movimento e os empreendimentos, mas entender a gestão e compreender
a organização como um meio para atingir os objetivos do MTD La Matanza.
O plano fazia parte do processo de criação de uma cooperativa de traba-
lho cujo principal objetivo era criar uma escola do próprio MTD, que atendes-
se toda a comunidade do bairro. A escola seria mantida por essa cooperativa. A
partir de então, “voltaram o olhar” para La Matanza e começaram a construir
e transformar a partir do bairro.
Paulo Freire já havia assinalado que toda revolução, se for autêntica, é tam-
bém uma revolução cultural, pois pretende superar as contradições antagôni-
cas para a libertação humana, mas não se pode anunciar a nova realidade sem
61 A lógica fundamental desses empreendimentos é baseada nos seguintes critérios: manter a fonte de
renda, a auto-sustentação e, por conseguinte, das respectivas famílias, bem como a solidariedade
para com a comunidade do bairro La Juanita, a priori. Por exemplo: em um determinado período, o
saco de farinha de trigo aumentou tanto em menos de um ano que o quilo de pão passou de 1,20 pesos
para 3,00 pesos nas padarias do bairro La Juanita. Como na Panaderia La Masa Crítica – nome da
padaria do MtDs’S La Matanza - trabalhavam somente duas pessoas, elas decidiram que poderiam
manter os preços anteriores, embora isso acarretasse diminuição na sua renda. A decisão daquele
empreendimento foi levada para reunião, apoiada por todos, e o preço foi mantido.
ter um projeto que possa ser viabilizado na práxis daqueles que o sonharam.
A escola do MTD La Matanza era um projeto no sentido político-pedagógico,
que se tornou a esperança concretizada e viabilizada dia a dia na práxis.
A seguir, os membros do MTD providenciaram cursos e seminários,
com o objetivo de oferecer aos vizinhos e a si mesmos a capacitação que per-
mitisse o surgimento de projetos de autogestão comunitária e a formação de
uma cultura organizacional baseada na cooperação. Tais ações eram parte de
uma estratégia que levaria à produção de mudanças qualitativas na concepção
do político e social, pelo menos na comunidade. Tratou-se, na perspectiva frei-
reana, de uma ação cultural dialógica, incluindo não apenas os membros da or-
ganização, mas da sociedade, a começar pela comunidade da qual fazem parte.
Segundo Toty Flores, muitas pessoas queriam conhecer, inclusive cola-
borar, com a concretização dos planos do MTD La Matanza. A partir de então,
o grupo, que começou a se concretizar após a renúncia aos planos sociais,
passou a revitalizar seus projetos. Todavia, ainda faltava o espaço físico e a
formalização jurídica. Decidiram, primeiro, procurar um espaço maior que pu-
desse comportar os empreendimentos que já vinham desenvolvendo no Centro
Comunitário. Na época, uma serigrafia, uma pequena confecção e uma editora
que já havia publicado dois livros relacionados à história do Movimento, seus
encontros e desencontros: 1º Foro Social Mundial: desde los desocupados e
De la culpa a la autogestión: un recorrido del Movimiento de Trabajadores
Desocupados de La Matanza, organizados por Toty Flores.
Procuraram um local no próprio bairro e decidiram pela ocupação do
prédio de uma antiga escola privada fechada devido à crise econômica. Assim,
no dia 16 de setembro, ocuparam o prédio situado na Rua Juan B. Justo, 4650,
no bairro La Juanita. Nós tínhamos um centro comunitário pequeno, perto
daqui, e sempre víamos esta escola e dizíamos: não pode ser, nós temos um
projeto [...]e este espaço vazio aí. Tomamos a escola e apresentamos o projeto
que tínhamos em vários lugares e o único que nos deu bola foi o Instituto Mo-
vilizador de Fondos Cooperativos62 (Sílvia Flores, membro do MTD).
62 É uma federação de cooperativas fundada em 1958 na cidade de rosário, república Argentina, cujos
objetivos são: difundir teórica e empiricamente a prática da cooperação, promover a criação de novas
cooperativas, colaborar com sua organização e fomentar o desenvolvimento de uma cultura contra he-
gemônica através da criação do Centro Cultural de la Cooperación que, através da aliança com outras
organizações, pode oferecer crédito. http://www.imfc.coop/modules/home/ e http://www.unaargen-
tinasolidaria.org/article91.html .
64 Um empresário que mantém relações com a confecção da cooperativa no dia de uma das reuniões
levou uma quantidade de camisas para dar de presente aos cooperados, algumas com o nome de
quem receberia e outras não, embora todos os coordenadores desse empreendimento tivessem suas
camisas especificadas. A quantidade não era suficiente para que todos os membros da confecção re-
cebessem uma camisa. Após a reunião, primeiro tiveram que decidir quem ficaria com as camisas que
não tinham um destinatário certo; porque um receberia e outro não. A discussão durou o dia inteiro
porque uma das cooperadas levantou a questão de que a cooperativa fala de “não exclusão”, mas que
mesmo em assuntos menores como aquele, alguns eram excluídos. Chamaram uma reunião para o
dia seguinte para tratar do assunto. Foram algumas horas até que chegassem a um acordo.
65 Por exemplo: reuniões somente do coletivo da confecção; do coletivo da escola; só de coordenadores;
do coletivo que atua mais fortemente nos problemas do bairro, como limpeza, saúde entre outros; e de
outro coletivo, cuja função é reivindicar junto aos órgãos públicos competentes a instalação de infra-
-estrutura no bairro La Juanita, com apoio da comunidade.
gados, também informam a todos do que vão tratar. Se alguém mais quiser acres-
centar um tema para discutir com o coletivo, também o faz a qualquer momento.
Geralmente, a pessoa que inicia a reunião é a responsável por sua condução
até o fechamento. Distribui as falas, interrompe a palavra dos que tentam mono-
polizar ou que começam a tratar de assunto sem relevância para aquela sessão
ou as conversas paralelas, bem como solicita que uma pessoa discorra sobre de-
terminado tema. Embora a pessoa exerça a atividade de coordenação da reunião,
o faz com ajuda dos presentes, pois esses também solicitam silêncio aos outros,
informam que um colega está falando demais ou lembram assuntos a ser tratados.
As reuniões duram horas e, se não chegam a um acordo, marcam nova
reunião para o dia seguinte. Essa é uma das práticas mais marcantes do MTD La
Matanza: a utilização do consenso para a tomada de decisão. Assim, todos são
sabedores das decisões e estão implicados na concretização do que foi decidido;
seja manter limpa uma sala ou trabalhar mais para ampliar a escola, uma vez que
é parte dos ganhos da Cooperativa que a mantém. Normalmente, muitas pessoas
fazem anotações durante as sessões, mas uma delas, geralmente um dos coordena-
dores, e nunca quem conduz a reunião, é chamado a fazer a leitura das anotações.
A partir dali, começam a debater novamente e, então, elaboram uma proposta para
resolver os problemas discutidos. Às vezes, são retomadas as anotações e acres-
centadas outras. Algumas vezes param e retomam no dia seguinte. Depende da
demanda de trabalho da Cooperativa. Do início ao encerramento de determinado
assunto podem se passar dias. Um exemplo de como os assuntos são tratados é
apresentado a seguir.
O preço das camisas que exportam estava alto em comparação com outras
do mesmo padrão que são vendidas na Europa. Na primeira reunião os mem-
bros do MTD discutiram os parâmetros desse preço. Mesmo aqueles sujeitos que
não trabalham na confecção. A princípio, foram consideradas várias explicações:
preço dos fornecedores, preço da hora trabalhada, falta de máquinas, ritmo de
trabalho, retrabalho, entre outros. A cada sugestão e, dependendo dos membros do
MTD que estivessem presentes, passavam horas discutindo, pois alguns são mais
insistentes do que outros no que diz respeito ao detalhamento de cada possível
motivo que explicasse o preço das camisas. Foram alguns dias de discussão, até
que convidaram a pessoa que trata diretamente com o comprador na Itália para ex-
plicar a composição do preço. Em meio a apresentações da composição do preço
das camisas, muitos gráficos que explicavam que cada atraso significava aumento
no preço do produto para o comprador final, uma vez que ao invés de enviar as
encomendas via marítima (5% do preço da camisa), teriam que enviar via aérea
(17% do preço da camisa), muitas anotações, mais perguntas e comentários, entre
todos, que parar muitas vezes significava preço mais alto e conversas descontra-
ídas e agendamento de outra reunião para discutir o que tinha sido apresentado.
Foram alguns dias! Várias reuniões depois, decidiram que cada um iria anotar em
uma ficha a sua produção diária e cada pessoa ficaria responsável por verificar,
ela mesma, junto com a coordenadora, como estava seu ritmo de trabalho. Algu-
mas ficavam até mais tarde ou chegavam mais cedo para ajudar as companheiras
quando constatavam que a produção de uma ou de outra estava mais baixa que a
da maioria, outras cumpriam somente seu horário de trabalho. Decidiram, assim,
o que seria bom para todos.
O mais importante na produtividade do trabalho não é a forma ou o méto-
do, mas o objetivo. A produtividade do trabalho tem a ver com uma questão cultu-
ral e nós entendemos que não precisamos trabalhar 12 horas por dia. Temos que
trabalhar no máximo 8 horas para que tenhamos liberdade de estar com a família
para que possamos nos desenvolver de maneira certa (Toty Flores). Sabemos que
estamos dentro de um sistema capitalista e convivemos com esse sistema perma-
nentemente, mas temos que ter autonomia na cabeça, autonomia e autogestão
política. Nós fazemos nossa política e decidimos produzir para vender e exportar
e estamos aprendendo a conviver com isso dia a dia nesse coletivo. Nós mesmos
autogestionamos nossa capacidade, mas estamos em permanente contato com
a heterogestão. Há por aqui muitos técnicos ajudando e aportando suas ideias
e conhecimento, mas sempre em tensão com nossa ideia de produtividade. Não
queremos três turnos, mas eles não entendem porque escolhemos esse caminho,
mas vamos seguindo (Soledad Bordegaray).
Às vezes, se necessário, quando o assunto é urgente e diz respeito a um
dos empreendimentos da Cooperativa, é o coordenador do empreendimento, com
apoio da Comissão Diretiva que toma a decisão. Um desses casos: o fornecedor
dos “cortes” com os quais a confecção do MTD La Matanza faz as camisas que a
Cooperativa exporta perdeu o principal cortador para outra organização. O forne-
cedor é uma empresa recuperada66 que, junto com o MTD La Matanza, financiou
o treinamento de duas pessoas para esse tipo de corte. Uma pessoa da empresa
66 Com a crise dos anos 1990, caracterizada por processos de desindustrialização, reestruturação produ-
tiva e financeirização da América Latina, muitas empresas foram fechadas, tiveram a falência decreta-
da por seus proprietários. Em inúmeros casos ocorreu foram ocupadas, tomadas ou arrendadas pelos
trabalhadores, ou seja, se tornaram empresas recuperadas pelos trabalhadores.
ou não. Em outros casos, quando não há urgência, podem treinar uma pessoa.
O mesmo acontece nos outros empreendimentos.
Uma prática importante do MTD La Matanza, como já foi destacado, é con-
tar a própria história. A cada reunião são reforçados os princípios e valores com os
quais começaram, como a solidariedade e o trabalho coletivo. São lembrados os
primeiros passos dados e os objetivos que ainda pretendem realizar. Esta Mística67
independe da existência ou não de pessoas que estão lá pela primeira vez. Nas
conversas informais a temática também é recorrente, principalmente lembrando a
história das primeiras reuniões e das pessoas que decidiram romper com a lógica
do assistencialismo e da dependência. Os conflitos, de forma predominante, tam-
bém são resolvidos recorrendo à história da organização. Isto é, à sua história de
luta e superação de obstáculos que foram enfrentados com base na solidariedade
existente entre os membros do Movimento. Todos os conflitos são discutidos nas
reuniões, em meio a todos. Se não são resolvidos, outra reunião é chamada, exclu-
sivamente com esse fim.
Desse modo, como salienta Freire (2005, p. 79), todos se educam no diálogo
e “se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos
de autoridade já não valem”. O autor ainda ressalta que recorrer ao próprio pro-
cesso de auto-construção, de auto-conscientização, reforça nos sujeitos a certeza
de que a realidade não está dada, que é possível ser transformada através da ação
e reflexão, pela práxis e aprendizagem na organização. Assim, continuam como
sujeitos do próprio coletivo, não se tornam objetos nem se verticalizam, pois re-
fletem criticamente acerca da sua prática organizacional. Esse processo de auto-
crítica e reconhecimento do quefazer só é possível em uma organização dialógica.
Outra prática da Cooperativa diz respeito ao acompanhamento dos traba-
lhos realizados rotineiramente: as tarefas realizadas são acompanhadas pelo co-
ordenador do empreendimento e pelos próprios colegas, que podem devolver um
trabalho considerado mal feito. Inclusive um trabalho feito pelo coordenador. To-
dos analisam as tarefas de todos em cada empreendimento. Essa prática também
é motivo de conflito que leva as pessoas a saírem da Cooperativa, mas os que lá
estão acreditam que essa é a melhor maneira de fazer.
Nenhuma pessoa que trabalha em um empreendimento pode interferir na
tarefa de um cooperado de outro empreendimento. Tanto que durante o expediente
67 Sobre a Místiva ver MISOCzKY, Maria Ceci; VECChIO, rafael; MOrAES, Joysi A Mística como produtora
de sentidos na organização da luta pela terra. In: CArrIErI, Alexandre de Pádua; SArAIVA, Luiz Alex
Silva (Orgs.) Simbolismo organizacional no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 143-160.
não se observa, no local de trabalho, pessoas que ali não tenham tarefas a cumprir.
A não ser que seja convidada para tanto e com alguma tarefa específica. Outra
possibilidade ocorre durante as reuniões gerais, onde cada coordenador presta
contas do empreendimento pelo qual é responsável. Nesse momento, todos podem
interferir, pedir explicações e dar sugestões. As pessoas demoram a se acostumar
a ver seus trabalhos sendo avaliados pelos próprios colegas e não por um chefe.
Muitos não gostam disso, mas são avisados quando vêm trabalhar aqui. Quem
fica é porque gosta e depois tem que decidir se vai ser cooperado ou não. Tem
gente que também não gosta e alguns vão embora por causa disso. Também é um
processo de aprendizagem (Sílvia Flores).
É importante, portanto, reafirmar que a aprendizagem se encontra no centro
da teoria da ação dialógica formulada por Paulo Freire. Na ação dialógica, os su-
jeitos se encontram e “co-laboram com um objetivo”, ou seja, se auto-organizam
e aprendem no processo de auto-organização e se conscientizam na própria prática
organizacional. Assim, aqueles que utilizam a organização como meio e aprendi-
zagem para a práxis libertadora, rejeitam, “a prescrição e a manipulação, rejeitam
igualmente o espontaneísmo” e buscam a organização como meio para alterar o
que ad-miram (FREIRE, 1984, p. 41). Nesse sentido, nesse tipo de prática organi-
zacional há continuação do processo de conscientização crítica, de ação e reflexão
sobre a ação.
Post scriptu68
Após o término da pesquisa, continuamos em contato com os militantes
com os quais havíamos interagido durante a pesquisa no MTD, através da internet
e de visitas. Pudemos acompanhar as várias mudanças que ocorreram nos dois
últimos anos, a começar pela eleição de Toty Flores como Deputado Nacional pela
Coalición Cívica, cujos membros se declaram de centro-esquerda.
No início do processo eleitoral, os participantes do MTD La Matanza apoia-
ram a candidatura de Toty e participaram ativamente das campanhas e atividades
que, provavelmente, o levaram ao Congresso Nacional. Todavia, já em 2008, as
conversas com o membros do MTD apontavam para uma possível fragmentação.
A falta de definição ideológica, que poderia induzir a mudanças nas práticas orga-
nizacionais do Movimento, começou a ser questionada por alguns dos seus mem-
bros mais aguerridos, especialmente aqueles vinculados à confecção, à padaria, à
educação de jovens e adultos e uns poucos que organizavam a feira que acontece
todos os dias na sede do MTD La Matanza.
De modo mais claro, a vinculação à Coalición Cívica subordinou o Movi-
mento a algumas de suas práticas, comprometendo a característica do MTD La
Matanza como um Movimento autônomo. Essa vinculação trouxe tanto o poder
público e suas políticas assistencialistas para o bairro La Juanita, como outras or-
ganizações com as quais o Movimento não mantinha relações cordiais.
Em setembro de 2009 aconteceram importantes mudanças. O Jardín Cre-
cer Imaginado en Libertad continua funcionando, mas as práticas organizacio-
nais da padaria e da confecção foram alteradas. Alguns de seus membros foram
“despedidos”, embora fossem cooperativados e estivessem ali desde os primeiros
tempos do MTD. A padaria passou por reformas e abriu pouco tempo depois sob
os cuidados de uma filha e um neto de Toty. A confecção teve suas atividades pra-
ticamente encerradas e também está sob os cuidados de um dos filhos de Toty. A
maioria das costureiras foi afastada ou saiu voluntariamente do MTD. As pessoas
responsáveis pela educação de jovens e adultos também tomaram a decisão de
desvincular-se do MTD La Matanza, mas não encerraram suas atividades. Na casa
de um dos facilitadores da educação de adultos, muito próxima à sede do MTD
La Matanza, continuaram as aulas e foram convocados membros desligados do
Movimento, que retomaram as aulas e reuniões com pessoas da comunidade. Atu-
almente, estão reativando uma rádio comunitária, bem como procurando parcerias
para realizar cursos de confecção a serem ministrados pelas costureiras. Enfim,
existem esforços de retomada da trajetória que deixou de existir no MTD, man-
tendo a autonomia e a convicção de que podem agir sem vínculos com partidos
políticos ou dependência do poder público.
Este registro é muito importante porque permite evidenciar duas dimen-
sões inerentes ao aspecto contraditório das relações sociais. A primeira delas é o
permanente risco de cooptação pelo sistema; a outra é a aprendizagem e a cons-
cientização presentes no processo que relatamos. Ou seja, ainda que a organização
tenha perdido as características que a definiam; o fato de que seus membros, mes-
mo que efemeramente, tenham experenciado a ação dialógica e com ela ganhado
consciência de si e do mundo não se perdeu junto. Os relatos das pessoas que se
afastaram, e que constituem a maioria do coletivo com o qual havíamos convivido
durante a realização da pesquisa, evidenciam que levam consigo, e para a cons-
trução de novas organizações e novas lutas, a aprendizagem que se produziu na
co-laboração, no diálogo e na auto-organização.
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69 texto escrito em agosto de 2008, teve sua origem na Dissertação de Mestrado de rafael Kruter Flores
– Contra-hegemonia e a re-estatização dos serviços de água e saneamento no Uruguai e na Província
de Santa Fé (Ar) – defendida em março de 2007 no PPGA/UFrGS.
70 O golpe de 1964, no Brasil, inaugurou um ciclo autoritário que incluiu a Argentina (se iniciou com a
tentativa de Ongania, em 1966, e se efetivou com o golpe de Videla, em 1976); a Bolívia (1971), o Chile e
o Uruguai (em 1973), entre outros. Na metade da década de 70, somente México, Venezuela e Colômbia
tinham regimes formalmente democráticos na América Latina (DOS SANtOS, 2008).
71 Foi o caso da revolução Peruana de 1968, do golpe liderado por Garcia Meza no Equador, por torres
na Bolívia e por torrijos no Panamá.
72 A expressão foi cunhada pelo economista John Williamson, e reúne as políticas defendidas pelas Or-
ganizações Financeiras Internacionais para os países da América Latina. Nas palavras de Fiori (1997,
p. 145), o Consenso de Washington é “um programa de convergência ou homogeneização das políticas
econômicas dos países latino-americanos, desenhado pelas burocracias internacionais e nacionais
de Washington, combinando austeridade fiscal e monetária, com desregulamentação dos mercados e
liberalização financeira, abertura comercial, privatizações e eliminação de todo o tipo de barreiras ou
discriminações contra os capitais forâneos”.
73 “Condicionalidade é a forma do FMI monitorar se seu empréstimo está sendo usado efetivamente para
resolver as dificuldades econômicas do mutuário, para que o país possa pagar prontamente, disponi-
bilizando aqueles fundos para os outros membros que necessitarem.” (INtErNAtIONAL MONEtArY
FUND, 2006, p. 1)
74 As duas maiores corporações do setor, Suez e Vivendi, possuem cerca de 40% do mercado mundial,
o que representa mais de 110 milhões de clientes para cada uma, espalhados em 100 e 130 países,
respectivamente.
Uma explicação para o alto índice de cobertura realizado pela OSE é o me-
canismo de subsídio cruzado, pelo qual os ganhos das tarifas recolhidas pelo for-
necimento de água em regiões densamente povoadas compensam as perdas com o
fornecimento a regiões pouco povoadas. No entanto, na década de 1990, começou
a ser produzido o consenso sobre a necessidade de iniciar, a partir de determinada
região, a privatização dos serviços de fornecimento de água.
75 A OSE foi criada através da Lei 11.907, com atuação definida em todo o território uruguaio (UrUGUAY, 1952).
76 O número de conexões não reflete o número de pessoas afetadas, pois uma mesma conexão pode
equivaler a uma família inteira, ou um grupo de pessoas que mora no mesmo local.
77 O grupo francês Suez Lyonnaise des Eaux tem atuação internacional em serviços industriais e de uti-
lidade pública nos ramos de eletricidade, gás, energia e água. Do total do capital acionário do grupo,
72,6 % pertencem a instituições (não relacionadas no site da empresa) (SUEz, 2006, p.1). A partir deste
momento, não somente para fins práticos e didáticos, mas porque efetivamente as decisões da Aguas de
la Costa se dão no nível estratégico da corporação francesa, a referência deste ator será o grupo Suez.
78 A diferença entre a tarifa cobrada pela OSE e pela Suez pelo custo de conexão à rede de saneamento
chegou a 80 vezes, em 2004 (SANtOS, 2006a).
80 O Consórcio de Aguas Bilbao Bizkaya é uma entidade pública que presta serviços de água e saneamen-
to para 54 municípios, atingindo 90% da população da província de Bizkaia, no País Basco, Espanha.
Em 2000, constituiu quatro sociedades anônimas. Uma delas, a Aguas de Bilbao S.A., tinha o objetivo
de estudar, financiar e participar em licitações e concessões do exterior em que participe o Consórcio
como operador integral de serviços no setor de água (BILBAO BIzKAIA, 2006, p.1). Outra sociedade, a
Uragua S.A., foi constituída para prestar serviços em cinco cidades de Maldonado. A última (Uragua)
era financiada pela primeira (Aguas de Bilbao). Para fins analíticos, a empresa Uragua, que recebeu a
concessão para prestar os serviços em Maldonado, será referida aqui como Aguas de Bilbao.
81 O fenômeno dos vecinos autoconvocados é comum nos países platinos e ocorre pela ação de cida-
dãos mobilizados por iniciativa individual, ou seja, cidadãos que não pertencem a organizações pré-
-definidas. Esses grupos se convertem em interlocutores e atores inesperados no espaço público, a
partir da “afirmação de um desacordo público sobre decisões políticas tomadas previamente, que são
percebidas como uma ameaça à segurança coletiva” (ENrEDANDO, 2007, p. 1).
somente ocorre a partir da crítica das formas de pensar hegemônicas impostas por
outros grupos. Esta autocrítica aparece no depoimento de Carlos Santos, ativista
do grupo Redes, que explica a mobilização em Canelones: O que mobiliza o pri-
meiro caso, da LFM, é claramente o aumento das tarifas [...]. Mas neste segundo
caso, de Canelones, é claramente a resistência ao neoliberalismo que estava se
intensificando. Algumas pessoas estavam percebendo o desmantelamento do Es-
tado benfeitor, que havia custado tantos anos para instalar e defender.
A partir da experiência em Manantiales e de uma consciência crítica sobre
a definição da água como mercadoria, se formou um novo grupo, unindo pes-
soas que simultaneamente viviam uma realidade subalterna e projetavam uma
contra-hegemonia.
Os grupos subalternos, a partir da consciência de sua própria situação e
das especificidades econômicas e ambientais de seu País, elaboraram um projeto
alternativo para prover os serviços de saneamento à população do Departamento
de Canelones, mais barato e ambientalmente mais sustentável do que os projetos
da OSE. Segundo relato de Carlos Santos, o projeto consistia em três tanques
que fariam um processo de decantação, pelo qual a água poderia ser reutilizada
para irrigação e os lodos poderiam ser reutilizados como adubo. A ideia foi apre-
sentada ao governo uruguaio em dezembro de 2001, mas o governo arquivou o
projeto. Posteriormente, a OSE contratou uma consultoria que fez outro projeto,
três vezes mais caro, e que jogava o esgoto in natura no mar.
A articulação que havia iniciado no Departamento de Maldonado com a
LFM e se estendido para Canelones, com a CDASCOP, ganhou projeção nacional
a partir da incorporação definitiva do sindicato da estatal, a FFOSE. O sindicato
possui seções em todos os departamentos do Uruguai e, diante dos projetos ne-
oliberais de privatização, passou por um processo de autocrítica da própria fun-
ção. Esse processo fica evidente no depoimento da então Presidente do Sindicato,
Adriana Marquisio, registrada por Santos e Iglesias (2006, p. 129):
82 A crise argentina é mais um capítulo trágico da ordem de reprodução capitalista, efeito das ‘reformas’
neoliberais que, naquele país, ao contrário do Uruguai, foram realizadas de forma abrupta e descon-
trolada. A economia uruguaia sofreu as conseqüências da desvalorização cambial e da fuga de capitais
ocorridas em detrimento da crise no país vizinho.
petróleo, gás natural, ferrovias e serviços postais. A agenda para o setor de água e
saneamento era a seguinte:
A privatização era uma coerção econômica que estava sendo imposta por
um agente externo, o FMI. Percebendo que entre a sociedade civil o consenso em
torno do projeto era frágil, o então Presidente do Uruguai, Jorge Battle, determi-
nou que os serviços de água e saneamento no resto do País fossem privatizados
na forma de concessões. A estratégia foi a escolhida para evitar a privatização
através de Leis, pois essas poderiam ser revogadas por plebiscitos. Uma das
particularidades do Uruguai é a existência, na sua legislação, de mecanismos de
democracia direta: plebiscitos e referendos. Os primeiros se referem a decisões
sobre a Constituição; os segundos, especificamente sobre leis ou artigos nelas
contidos. Se as novas privatizações fossem executadas por leis, estariam sujeitas
a referendos propostos por setores da sociedade contrários a essa política.
Como já discutido, para Gramsci (2006), a superação da condição de su-
balternidade se dá através da consciência crítica sobre as formas hegemônicas de
pensar, abrindo a possibilidade de uma atividade intelectual criadora, organizadora
e dirigente. A articulação contra-hegemônica não tardou a reorientar sua estratégia
diante da decisão do Presidente, como lembra Carlos Santos: bom, então passemos
também por cima da Lei e façamos uma reforma da Constituição, porque assim
vamos inviabilizar todos os mecanismos legais que estão debaixo deste processo.
Se o Presidente estava evitando a proposição de leis por temer a reprovação
da sociedade, a saída encontrada pelas organizações que resistiam ao processo
de privatizações foi reformar a Constituição, inserindo na mesma o argumento
de que serviços de água potável e saneamento são de responsabilidade exclu-
siva do Estado.
83 A guerra da água em Cochabamba ocorreu em 2001, quando o governo concedeu os serviços de for-
necimento de água a uma empresa formada por capital privado boliviano e estrangeiro. Diante de
um aumento de tarifas que superaram os 300% e até mesmo a proibição de coletar água da chuva, a
população organizada na Coordinadora Departamental en Defensa del Agua y de la Vida protagonizou
uma luta dramática, levando a cidade à guerra civil, com mortos e feridos. Com a cidade tomada e a
sede do governo cercada pela população, a concessão foi revogada.
84 A coligação Frente Amplio foi fundada em 1971 reunindo partidos políticos tais como o Socialista, o
Comunista e o Democrata Cristiano; setores progressistas provenientes dos partidos rivais Colorado e
Blanco e cidadãos não identificados com tais partidos (EPFA, 2006).
que a afirmação da água como bem comum não pode ser considerada um fato iso-
lado, ela é parte de uma luta política que defende a propriedade do Estado Nação
e de seu povo sobre os recursos naturais.
Referências
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Mercados de carbono:
imagens do Norte e do Sul85
Steffen Böhm
Maria Ceci Misoczky
85 A redação deste artigo foi finalizada em setembro de 2008. Para uma atualização com relação ao tema
dos mercados de carbono ver o livro eletrônico editado por Steffen Böhm and Siddhartha Dabhi em
dezembro de 2009 - Upsetting the Offset: the Political Economy of Carbon Markets, disponível em:
http://mayflybooks.org/wp-content/uploads/2009/12/9781906948078UpsettingtheOffset.pdf.
tidores. Analistas estimam que US$ 11,8 bilhões foram investidos em 58 fundos
de carbono até março de 2007 (CAPPOR e AMBROSI, 2007).
O foco deste artigo se dirige para as transações baseadas em projetos. Este
mercado foi dominado, em 2006, por projetos apoiados pelo CDM (91%); e por com-
pradores europeus (86%) seguidos por japoneses (7%). Em 2005 e em 2006, a China
foi o maior vendedor, correspondendo a 73% e 61%, respectivamente. A Ásia, como
um todo, teve uma participação de 80%; a África de 3%. A América Latina contribuiu
com 10%, e apenas o Brasil com 4% (CAPOOR e AMBROSI, 2007).
O conceito por trás desse sistema de troca e compensação é que uma to-
nelada de carbono no lugar X é exatamente a mesma coisa que uma tonelada de
carbono no lugar Y. Se é mais barato reduzir as emissões na Índia que na Alema-
nha, por exemplo, seria possível atingir o mesmo benefício de redução com uma
melhor relação custo-efetividade realizando-a na Índia. Entretanto, a aparente
lógica e simplicidade deste conceito se baseia na desconsideração ou oculta-
mento de aspectos essenciais, tais como: desigualdades entre Norte e Sul, lutas
de grupos populacionais locais, direitos sobre uso e posse da terra, poder corpo-
rativo, história colonial, entre outros. Esses aspectos colapsam e se transformam
em uma mera questão de custo-efetividade. Nesse sentido, os mecanismos de
troca e compensação de carbono representam uma abordagem reducionista da
mudança climática, ao deixar de lado o tema da extrema disparidade nos níveis
de consumo per capita de carbono e ao assumir que as reduções de emissões
no Sul podem ser tratadas como uma nova mercadoria colonial a ser extraída e
comercializada (SMITH, 2008). Estas considerações têm levado alguns autores
a falar sobre uma relação neocolonialista (ESCOBAR, 1995); outros a explorar
a ideia de CO2lonialismo (FORSYTH e YOUNG, 2007).
O projeto pioneiro de compensação de carbono foi organizado, antes do Pro-
tocolo de Kyoto, nos Estados Unidos, em 1989, quando a Applied Energy Services
conseguiu a aprovação parcial de seu projeto de construir uma usina elétrica com
base no consumo de carvão devido à conexão com a plantação de 50 milhões de ár-
vores na Guatemala. O projeto inicial foi comprometido por problemas semelhantes
aos que têm envolvido estes esquemas desde então: foram plantadas árvores não na-
tivas que degradaram a terra e as populações locais tiveram suas atividades habituais
de subsistência destruídas. Dez anos depois do seu início, avaliadores concluíram
que a meta de compensação estava longe de ser alcançada (SMITH, 2008).
É relevante considerar a lógica de mercado que orienta todo o esquema
e que, em vez de encorajar indivíduos a realizar mudanças profundas em seus
86 Este texto foi escrito antes da fusão entre a Aracruz Celulose e Papel S. A e Votorantim Celulose, que
resultou na criação da Fibria e antes da venda da unidade produtiva de papel e celulose do grupo, lo-
calizada no rio Grande do Sul, para a Companhia Manufatureira de Papéis e Papelões (CMPC) do Chile.
Outro processo de concentração de capital envolveu a Botnia, que em dezembro de 2009 teve 91% da
propriedade da planta e 100% da propriedade das plantações de eucalipto transferidos para a também
finlandesa UPM. É claro que trocas na propriedade das ações não afetam o argumento aqui apresentado.
Imagem 1
Eurostar – a empresa do trem anglo-francês de alta velocidade – recen-
temente anunciou seu plano estratégico Tread Lightly, cujo objetivo é reduzir o
impacto das suas atividades na produção de carbono. “Como parte desta iniciati-
va, assumimos o compromisso de reduzir as emissões de dióxido de carbono em
25% por viajante até 2012. Conseqüentemente, vamos fazer mudanças em todas
as áreas de nossos negócios, desde as maiores, tais como eficiência energética,
tickets sem usar papel e administração de resíduos através da seleção da cadeia
de suprimentos, até mudanças culturais menores como reciclagem em nossos es-
critórios. […] Qualquer emissão restante será trocada, sem custos adicionais para
os viajantes, começando em 14 de novembro de 2007, dia de inauguração de St.
Pancras International” – a estação de trem que desde então é o ponto de partida
e chegada em Londres. A iniciativa Tread Lightly é apoiada por Amigos da Terra
UK, cuja campanha Big Ask Climate Change é, por sua vez, apoiada pela Eurostar.
Seu Diretor Executivo, Tony Juniper, afirma: “Eurostar está liderando o modo de
fazer uma redução real nas emissões de carbono” (EUROSTAR, 2007). A partir
destas informações se é compelido a pensar que os grandes negócios podem, afi-
nal, ser verdes e sustentáveis.
Fonte: http://eurostar.com
Figura 1 – Trem Eurostar na plataforma de St Pancras International e marca da campanha
Tread Lightly
Imagem 2
Milhas e milhas distantes de Londres, no Pampa da América do Sul – região
que inclui as terras planas onde se localizam o Uruguai; o sul do Rio Grande do
Sul no Brasil; as Províncias Argentinas de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fé e
Córdoba – milhões de árvores estão sendo plantadas por fazendeiros locais e por
um pequeno grupo de empresas transnacionais do ramo do papel. Essas empre-
sas consideram que esta área tem condições climáticas vantajosas para o rápido
crescimento de vastas plantações de eucalipto, do qual é extraída a matéria prima
para a produção de polpa de celulose. Já existe um número importante de fábricas
de polpa de celulose e/ou papel na região. O projeto que recebe apoio de agências
internacionais de cooperação e dos governos nacionais do Brasil e do Uruguai
envolve a ampliação das áreas de plantação desta árvores exóticas e a construção/
ampliação de fábricas. Essa ação conjugada tornará essa região o centro global de
produção de celulose.
Fonte: http://www.noalapapelera.com.ar
Figura 2 – Fábrica da empresa sueco-finlandesa Botnia inaugurada em outubro de 2007 em
Fray Bentos (UY) e protestos de uruguaios e argentinos na ponte que liga Fray Bentos a Gua-
leguaychú (AR) sobre o Rio Uruguai em abril de 2010
a certificação pelo FSC seja apresentado como “um processo movido por orga-
nizações não-governamentais e amplamente reconhecido como a forma mais
abrangente para assegurar a qualidade ambiental e a equidade social em ope-
rações florestais” (WORLD BANK, 2003, APUD LASCHEFSKI, 2003, p.32),
tem havido uma mudança progressiva de sua orientação nas últimas décadas.
Esta mudança se deveu, segundo Laschefski (2003), à combinação de seu en-
foque de mercado com a orientação pragmática adotada por ONGs nórdicas
que passaram de uma posição de contestação crítica a uma posição de busca de
soluções técnicas em associação com governos e empresas. Nos itens abaixo se
encontra uma lista não exaustiva dos impactos negativos das plantações dessas
árvores exóticas no Sul.
• O eucalipto não é nativo do Pampa. Sua origem é na Austrália, onde
cresce naturalmente em um clima seco, e desenvolve raízes profundas
para ter acesso à água. No decorrer dos séculos XIX e XX esta ár-
vore foi introduzida em muitas regiões do mundo, incluindo o Pampa
e outras partes da América do Sul, como uma árvore eficiente para a
produção de celulose. A árvore cresce mais rápido na região do Pampa
– amadurece em 5 ou 6 anos - se comparado com o Norte da Europa.
No Brasil estas plantações são conhecidas como desertos verdes, pela
sua reputação de destruidora da diversidade ecológica; na África do
Sul como câncer verde pela sua tendência de invadir rapidamente
outras áreas; no Chile como soldados verdes porque são destrutivas
da natureza, ficam lado a lado em linha reta e sempre avançam (PET-
TERMANN e LANGELLE, 2006).
• Um dos principais problemas parece ser que o eucalipto suga nutrien-
tes do solo e é intensivo em consumo de água – uma árvore consome
entre 30 e 100 litros por dia, dependendo da estação do ano. Como no
Pampa, graças ao Aqüífero Guarani, a água está disponível em reser-
vas próximas à superfície, a árvore pode ter raízes mais superficiais e
crescer com mais rapidez. O problema reside em que essas árvores, ao
longo do tempo, extraem toda a água dessas camadas superficiais. Isto
ocorreu, por exemplo, na região de Arroyo Negro, no Departamento
de Soriano - Uruguai, onde há plantações de eucalipto de propriedade
da FOSA há mais de 10 anos: os poços secaram, as vertentes naturais
desapareceram, os açudes não existem mais. As moradias hoje rece-
bem água através de caminhão pipa da empresa pública de água, a
87 Para uma atualização da luta da Assembleia Cidadã Ambiental Gualeguaichú visite seu sítio: http://
noalaspapeleras.com.ar/.
Não se trata de negar as ações que algumas empresas, como pode ser o
caso de Eurostar, realizam para reduzir suas emissões de carbono. Trata-se, isto
sim, de chamar a atenção para a lógica e os problemas estruturais que não po-
dem ser evitados por atos voluntaristas de indivíduos e empresas. O fato é que
a lógica do capitalismo exige a expansão constante dos lucros, o que condena
Eurostar a constantemente aumentar a produção e consumo de seus bens e ser-
viços no processo de aumentar os lucros dos seus acionistas. Esta lógica básica
foi a que gerou a mudança climática que agora precisa ser enfrentada. A história
tem demonstrado que tal lógica tem tido um efeito devastador. Será que para
enfrentar a mudança climática devemos depositar nossa fé na mesma lógica que
nos colocou nesta crise ambiental?
Considerações finais
Começamos este artigo com duas imagens: uma em Londres, outra no
Pampa na fronteira entre Uruguai e Argentina. O que conecta essas imagens e
locais do Norte e do Sul é o Clean Development Mechanism (CDM), um sistema
que se originou no Protocolo de Kyoto, sendo gerido e controlado pelas Nações
Unidas, com o objetivo de enfrentar o problema da mudança climática e a neces-
sidade de redução das emissões de gases de efeito estufa. Argumentamos que,
apesar de não haver ligações diretas entre as operações de trens por Eurostar e
a fábrica de celulose de Botnia e suas plantações de eucalipto, existem ligações
indiretas que são permitidas pelo mercado global de carbono. Mostramos que
é este mercado que efetivamente autoriza Eurostar a afirmar que suas viagens
de trem são carbono neutras; enquanto Botnia, uma multinacional com sede
na Finlândia, pode aumentar seus lucros tirando vantagens de um sistema de
créditos de carbono que falha em reduzir as emissões. Delineamos os problemas
principais desse tipo de desenvolvimento que se afirma verde e sustentável –
tanto no Norte como no Sul.
As imagens escolhidas, apesar de não terem relação direta, não estão,
de modo algum, isoladas. O mercado de carbono e de compensações cresce
em taxas alarmantes sem mecanismos de verificação, sem qualquer meio para
monitorar o efetivo progresso na redução de emissões de carbono no planeta.
Em setembro de 2006, por exemplo, Celulose Irani foi a primeira empresa bra-
sileira de celulose e papel a vender créditos de carbono sob o CDM. Ela vendeu
US$1,2 milhões de créditos de carbono para a Shell, que os usa para continuar
poluindo (LANG, 2006). Enquanto isso, empresas como Shell e outros grandes
poluidores do Norte podem se apresentar como muito mais verdes. Isto também
vale para as empresas aéreas, que recentemente se jogaram nas compensações
de carbono. Quando tomar um vôo com EasyJet ou Virgin Blue, por exemplo,
para uma viagem de Londres a Paris ou Berlim, certifique-se que pagou um pou-
co mais para compensar suas emissões de carbono. Ou seja, podemos continuar
consumindo, nossas economias podem continuar a crescer; tudo isso é possível
se for paga uma taxa extra para compensar. Se o dinheiro está sendo usado para
contribuir para a poluição de rios ou para a sedimentação de direitos desiguais
de acesso à terra na América do Sul, isso não será dito. Se o dinheiro está sendo
usado para aumentar os lucros de uma empresa de celulose e papel que exporta
sua produção poluente para que o Norte possa continuar imprimindo seus mi-
lhões de e-mails em papel branco – isto não fará parte do quadro que apresenta
o maravilhoso mundo do mercado de carbono.
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88 A noção de formaçao discursiva é utilizada seguindo as formulações de Foucault (1997, p. 43). Para
este autor, a formação discursiva é um conjunto de enunciados que ocorre com certa regularidade,
sendo convencionado por regras históricas: “No caso em que se puder descrever, entre certo nú-
mero de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos
de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem,
correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de
uma formação discursiva.”
89 O termo Ocidentalismo foi proposto por Fernando Coronil (1996), em um diálogo crítico com Said (1986,
1994) e sua noção de Orientalismo. Coronil (1996) utilizou o termo e o conceito para enfatizar os temas
e imagens do Ocidente que calam as representações do Outro. Ocidentalismo não é o reverso de Orien-
talismo, é a condição de sua possibilidade. É um sistema de classificação que expressa diferenças cul-
turais econômicas que separam os componentes do mundo em unidades limitadas, desagregam sua
história relacional, transforma a diferença em hierarquia, naturaliza estas representações e, assim,
intervém na reprodução de relações assimétricas de poder.
90 Brennan (2005, p. 101-102) considera que a ideia de uma periferia global é um instrumento econômi-
co, uma imagem-função. Para ele, a ideia de uma periferia global é preservada através de conjuntos
de regras que definem o que pode e o que não pode ser dito a este respeito, pelo menos se for para
manter a credibilidade dos Estados Unidos e da Europa. Ao mesmo tempo, críticos do Eurocentrismo
não necessariamente escapam da adequação a esta necessidade de preservar a ideia de periferia. Este
parece ter sido o caso das formulações que emergem no contexto da CEPAL a partir dos trabalhos de
Prebish (1949) e que se estendem até as formulações sobre o sistema mundo (WALLErStEIN, 2001).
econômico e populacional, mais recursos naturais são usados e mais resíduos são pro-
duzidos, impactando não apenas o ambiente físico, mas gerações atuais e futuras. En-
tretanto, os grupos humanos não são igualmente afetados: alguns se beneficiam mais
que outros; alguns sofrem custos mais altos que outros. Esta é a origem dos conflitos
sócio-ambientais e das lutas populares por justiça ambiental. Este tipo de ambien-
talismo tende a emergir especialmente quando projetos de grande escala, tais como
construção de hidrelétricas, extração mineira extensiva ou plantações de monocultura,
geram riscos e danos para os grupos mais vulneráveis da sociedade (ZHOURI, 2008).
Os conflitos são, portanto, tanto um indicador quanto uma conseqüência dos danos
ambientais e das injustiças sociais decorrentes de projetos econômicos.
Uma das maiores dificuldades destas lutas sociais reside no enfrentamento des-
te discurso tão penetrante, ao ponto de ser quase um dogma. Quem se atreve a ques-
tioná-lo pode ser desqualificado sem maiores esforços, basta usar a palavra atraso,
ou basta perguntar: quem não quer ser moderno? Pergunta que contém uma resposta
implícita desqualificadora tão óbvia, face à hegemonia do discurso do progresso e do
moderno, que basta deixá-la no ar. No entanto, diversas organizações vêm enfrentan-
do este árduo embate: em muitas partes da América Latina, assim como ao redor do
globo, outras vozes e outras organizações têm confrontado o mito do desenvolvimen-
to, resistido e proposto alternativas. Em quase todos os lugares estes movimentos têm
sido deflagrados em contextos de conflitos sócio-ambientais.
A greve por tempo indefinido decretada em 9 de Abril pelos povos indígenas da Ama-
zônia se tornou um evento crítico no Peru. […] De acordo com Alberto Pizango, presi-
dente da Associação Inter-étnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESEP),
o governo deve suspender o estado de emergência estabelecido em 9 de maio em 5
áreas da Amazônia, o Congresso precisa rejeitar os decretos controversos, e deve
se iniciar uma ronda de discussões sobre um caminho diferente para o desenvolvi-
mento da Amazônia (relato de Irene Arce Claux, 3 jun. 2009).
A região da Amazônia Peruana foi isolada depois da morte de talvez 40 indígenas e
20 policiais durante uma tentativa de romper o bloqueio na última sexta-feira. […]
No dia 6 de Junho, um bloqueio pacífico foi atacado por helicópteros do exército na-
cional. Muitos dos mortos eram indígenas, parte de um contingente do bloqueio em
Bagua – estado onde milhares resistem à expansão da exploração de energia e as
perfurações na região Amazônica. No momento do ataque muitos deles não apenas
pareciam pacíficos, mas estavam dormindo. […] O ritmo da mobilização e da resis-
tência tem se acelarado nos últimos três anos, desde a posse de Alan Garcia como
Presidente do Peru pela segunda vez. Garcia aderiu a uma estratégia econômica
que aliena grandes parcelas da sociedade peruana, mas nenhuma mais do que os
14 milhões da população indígena. Por uma lado, Garcia avançou em uma tratado
de Livre Comércio com os Estados Unidos, passando numerosos decretos de modo a
remodelar a economia ajustando-a aos termos do Acordo. Por outro, vem agressiva-
mente pressionando para abrir a Amazônia à exploração de fontes de energia, uma
estratégia que implica em riscos imediatos ao modo indígena de vida e ao ambiente
nativo. […] O Presidente Garcia fez uma rara aparição na televisão na qual chamou
as comunidades indígenas de egoístas por bloquear o acesso a recursos sob suas
terras que, por direito, devem ser usufruídos por todos os peruanos. “Precisamos
entender”, disse ele, “que aonde existem recursos como petróleo, gás e madeira,
eles não pertencem somente ao povo que teve a sorte de lá ter nascido, porque
isto significaria que mais da metade do território do Peru pertence a alguns poucos
milhares de pessoas”. […] Ao decidir militarizar o conflito com os protestos indíge-
nas, Garcia não está apenas atacando os corpos físicos dos indígenas peruanos. Seu
governo decidiu desafiar, e potencialmente eliminar, uma constelação de culturas
diversas – ainda que relacionadas – que vêem o “desenvolvimento” e o “ambiente de
modos estritamente divergentes à visão dos estrategistas corporativos e políticos
neoliberais” (relato de Sam Urquhart, 11 jun. 2009).
91 AIDESEP é uma organização nacional. É dirigida por um Conselho Nacional que articula seis organis-
mos descentralizados localizados no Norte, Centro e Sul do Peru. Congrega 56 organizações e federa-
ções territoriais, representando 1.250 comunidades onde vivem 350.000 indigenas de 16 famílias lin-
güísticas. É parte da Confederação Permanente de Povos Indígenas Peruanos (COPPIP), que também
inclui organizações camponesas. Mais informações podem ser encontradas em seu sítio: http://www.
aidesep.org.pe/index.php?id=2.
92 “Os Estados devem consultar e cooperar de boa fé com os povos indígenas envolvidos através de suas
instituições representativas de modo a obter seu consentimento livre, prévio e informado antes de
adotar e implementar medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los.” (http://www.
un.org/esa/socdev/unpfii/en/drip.html)
93 Os termos utilizados para descrever o Suma qamaña (Aymara) ou Sumak Kawsay (quéchua) são viver
bem, utilizado na Bolívia, e bom viver, utilizado no Equador. Para Mamani (2010, p. 7), é preciso refletir
sobre a tradução mais fidedigna destes termos. “Para a cosmovisão dos povos indígenas originários,
primeiro está a vida em relações de harmonia e equilíbrio, por isto qamaña se aplica a quem sabe
viver. Já o termo de suma qamaña se traduz como viver bem, mas não explica a magnitude do con-
ceito. É melhor recorrer à tradução dos termos originais em ambas línguas. Na cosmovisão Aymara
suma qamaña se traduz da seguinte forma: suma – plenitude, sublime, excelente, magnífico, bonito;
qamaña – viver, conviver, estar sendo, ser estando. Então, a tradução que mais se aproxima de suma
qamaña é vida em plenitude.” Por outro lado, a tradução do quéchua é a seguinte: “sumak - plenitude,
sublime, excelente, magnífico, bonito(a), superior; kausay – vida, ser estando, estar sendo. Vemos que
a tradução é a mesma que em Aymara: vida em plenitude”
Mútsui é outro conceito relevante. Ele é usado pelos Quechas para se referir
à pobreza circunstancial. Ele não se refere estritamente a necessidades materiais
de bens ou serviços; ele se refere à necessidade de produtos primordiais inseridos
na biodiversidade. Quando estes produtos faltam, uma família ou uma comunida-
de pode entrar em situação de Mútsui. A melhor ação para superar Mútsui é aquela
que vem da solidariedade e da reciprocidade, que caracterizam a economia e a
cultura nas sociedades indígenas. Esta é a razão porque Mútsui é circunstancial,
nem permanente nem crônico, como a pobreza gerada pelo desenvolvimento usu-
almente é (GUALINGA, 2006).
Longe de ser um conceito relegado aos espaços das comunidades indígenas
ou de reflexão teórica, o Sumac Kausai ou Suma Qamaña foi incluído nas Cons-
tituições do Equador e da Bolívia, agregando uma dimensão política institucional
ao conceito (SANTACREU, 2009).
Cabe ainda considerar, como indica Tortosa (2009), que o relativo êxito
destes vocábulos no contexto da América Latina pode ser explicado pelo fracas-
so dos projetos desenvolvimentistas. Ainda assim, tais conceitos não devem ser
tratados de modo não reflexivo e, menos ainda, se deve confundir a expressão
de direitos e princípios em documentos legais com sua prática, como se verá no
próximo item.
94 Pachakutik é uma palavra quéchua que significa mudança, renascimento, transformação e a chegada
de uma nova era.
95 Marca da gestão da Alianza País, criada para a primeira eleição de rafael Correa e que se mantém
em vigência.
“DiREito HuMaNo ÀS ÁGuaS: 9 aSPECtoS QuE a NoVa lEi DaS ÁGuaS DEVE
CoNtEMPlaR (Nós Críticos)
Postado em 20 de abril de 2010 por ECUArUNArI
Primeiro: Serviços Ambientais – A lei deve proibir toda forma de serviço ambiental
sobre a água e sobre os ecossistemas associados ao ciclo hidrológico, pois a utilização
da figura de serviços ambientais permite a privatização da água […].
Segundo: Ordem de prioridade dos destinos e funções da água – A lei deve respeitar
o estabelecido no Art. 318 da Carta Magna. Para o caso dos usos produtivos da água
(hidrelétricas, mineração, indústrias) a lei deve respeitar o estabelecido no Art. 15 da
Constituição, que estabelece que a soberania energética não será alcançada em detri-
mento da soberania alimentar, nem afetará o direito humano à água.
terceiro: Direitos da Natureza - A lei deve garantir os direitos da Natureza, isto é, ne-
nhuma atividade produtiva deve colocar em risco a existência, manutenção e regene-
ração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos produtivos. Portanto, deve
ser garantida a não contaminação da água e suas fontes.
quarto: Direito humano à água, alcance e exigibilidade – A lei deve garantir o direito
humano à água em todas as suas formas, isto é:
1. Estabelecer um mínimo vital gratuito que garanta a água de consumo humano e
o uso doméstico, cumprindo o disposto no Art. 3, numeral 1, que diz: ‘Garantir sem
discriminação alguma o efetivo gozo dos direitos estabelecidos na Constituição e nos
instrumentos internacionais, em particular a educação, a saúde, a alimentação, a se-
guridade social e a água para seus habitantes’.
gênero, por políticas públicas que atendam aos interesses das camponesas e campo-
neses e pelo fim de todas as formas de violência e opressão.
a luta pela libertação das mulheres é tarefa de todos. Mas acreditamos que nós mu-
lheres, somos as principais responsáveis por esta conquista.”
(http://www.mmcbrasil.com.br/menu/quem_somos.html
O neo-desenvolvimento extrativista
Como é sabido, a América Latina tem se contituído no principal espaço
de resistência contra o imperialismo e o neoliberalismo. Entretanto, ao mes-
mo tempo, políticas neo-desenvolvimentistas estão sendo implantadas. No seu
centro se encontram a preservação das restrições monetárias, ajustes fiscais,
prioridade à exportação e o novo modelo extrativista.
Ao que parece, o reconhecimento do fracasso do velho desenvolvimen-
tismo, centrado na industrialização, levou a um retorno à estratégia exporta-
dora e à continuidade da região como provedora de commodities dirigidas aos
centros manufatureiros mais dinâmicos, localizados em sua maioria fora do
nosso sub-continente, e como importadora de tecnologias que modernizam
os processos de extração e de beneficiamento primário de recursos naturais
(VERDUM, 2009).
Chama atenção que este modelo está sendo fortalecido exatamente pelos
governos progressistas eleitos com plataformas políticas contrárias a ele – os
auto-intitulados governos pós-neoliberais.
Tabela 1 – Exportações de bens primários, hidrocarbonetos e minerais nas principais economias extrati-
vistas da América do Sul e porcentagens sobre as exportações totais – 2009 (dados CEPAL)
Considerações finais
A revisão destas posições ajuda a compreender a importância das aborda-
gens emergentes que estão sendo construídas no processo de lutas e conflitos sócio-
-ambientais. Estas abordagens ao mesmo tempo confrontam o desenvolvimento,
forjando conceitos necessários para a expressão de discurso coerente de oposição, e
oferecem alternativas significativas para as crises que a civilização está enfrentando.
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Esse texto, originalmente escrito em 1947 faz sentido ainda hoje. Basta
qualificar as variantes que caracterizam, no tempo presente, o novo padrão de
reprodução do capital: exportador de especialização produtiva. Para compreendê-
-lo é preciso retomar as categorias desenvolvidas por Karl Marx, que aqui serão
brevemente apresentadas, uma vez que foram referência para as formulações dos
autores brasileiros citados neste artigo.
Marx (1990) demonstra que a reprodução do capital depende da proporcio-
nalidade entre os valores de uso e de troca que são intercambiados pelos setores
dedicados à produção dos meios de consumo e de meios de produção. A repro-
dução ampliada do capital exige que a soma de valores, representada pelo capital
variável e as mais-valias, acumulada e improdutiva do setor que se dedica a ge-
financeiro, seja sob a forma de capital produtivo, lucrando das múltiplas facilidades
outorgadas aos investimentos estrangeiros por Estados nacionais e erigindo-se em
um dos baluartes do modelo exportador (OSORIO, 2007).
A produção de álcool combustível, desde 2007 uma das principais bandei-
ras do governo brasileiro, apresentada como elemento central para um crescimento
econômico que seria sustentável, limpo e capaz de consolidar a presença brasilei-
ra no mercado energético mundial, pode ser melhor compreendida se tomarmos as
considerações acima como referência. A partir desta contextualização norteadora, o
objetivo deste artigo é compartilhar informações (dados secundários recuperados em
reportagens, produções acadêmicas, sites, blogs etc.) e propor, na área dos estudos
organizacionais, reflexões críticas sobre este grande tema nacional.
Consideramos que as contribuições de nossa área de estudos podem se conec-
tar com as possibilidades de transformação social quando buscam, a partir de seus
objetos, os nexos com a totalidade, como ensinava Prado Júnior. Nesse sentido, é
preciso ver, para além das funcionalidades, os liames que ajudamos a tecer na con-
formação de concepções de mundo.
Mediante textos ilustrativos, mostraremos como vem se organizando a pro-
dução brasileira de álcool combustível no âmbito da divisão internacional do traba-
lho e também como se caracterizam as relações de trabalho no setor. Seguiremos,
então, com uma apresentação de textos e reportagens que registram e descrevem
fatos. Essas apresentações serão intercaladas com comentários e citações de modo a
conectá-las a temáticas contemporâneas tanto quanto a fatos e interpretações histó-
ricas, considerando que pensamos os problemas atuais como processos construídos
ao longo do tempo.
Dessa forma, procuramos mostrar que o apelo à inovação, à autodeterminação
e ao compromisso com a sustentabilidade econômica, social e ambiental, de fato, não
estabelece rupturas com modelos arcaicos de organização da produção. Em outras
palavras, exploraremos o quanto a produção de agro-combustíveis, particularmente a
de álcool combustível, tratada como elemento propulsor de um novo modelo de de-
senvolvimento, reproduz padrões perversos de há muito presentes em nossa história.
A reorganização do capital
A retomada do álcool combustível como tema importante da pauta econô-
mica brasileira ocorreu a partir do ano 2000, com a criação do Conselho Inter-
ministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA). O CIMA tem o objetivo de deliberar
sobre as políticas relacionadas com as atividades do setor sucroalcooleiro e, es-
gás absorvida pela planta durante seu crescimento. E é uma das energias renová-
veis que menos demanda a utilização de energia fóssil para sua produção. [...] Cedo
ou tarde os biocombustíveis ocuparão o lugar dos hidrocarbonetos como locomoti-
vas da economia mundial. quando este dia chegar, estaremos prontos para ocupar
o lugar que nos cabe.
Odebrecht, 2009.
A expressão dependência, usada algumas vezes neste texto precisa ser, ago-
ra, melhor qualificada, de modo que possamos entender o significado do trabalho
na sua efetivação. Nas palavras de Ruy Mauro Marini (2005a, p. 141), a depen-
dência é uma “relação de subordinação entre nações formalmente independentes,
em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas
ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência”. Sua supera-
ção só pode, portanto, se dar quando da “supressão das relações de produção nela
envolvidas”.
No núcleo central de como se reproduz o capitalismo dependente se encon-
tra a superexploração do trabalho: uma forma de exploração na qual são negadas
ao trabalhador as condições necessárias para repor o desgaste de sua força de tra-
balho. O sacrifício do consumo individual dos trabalhadores em favor da expor-
tação para o mercado mundial deprime os níveis de demanda interna e provoca a
ção. [...] A Usina renascença foi arrendada em janeiro passado pelos coreanos Yung
Soon Bae e hei Suk Yang, que também são donos do Grupo Star BKS. hei Suk Yang
disse ontem à Folha que tinha tomado conhecimento das autuações, mas que des-
conhecia a situação dos trabalhadores rurais.
Simionato, 2007
O submundo da cana
Estado que detém 60% da produção nacional de cana-de-açúcar, São Paulo
não divide a riqueza derivada do boom de etanol com seus 135 mil cortadores, que
vivem muitas vezes em situações precárias. [...] A riqueza do setor sucroalcoolei-
ro, que movimentará neste ano R$ 40 bilhões, não atingiu os lavradores. Em 1985,
um cortador em São Paulo ganhava em média R$ 32,70 por dia (valor atualizado).
Em 2007, recebeu R$ 28,90. A remuneração caiu, mas as exigências no trabalho
aumentaram. Em 1985, o trabalhador cortava 5 toneladas diárias de cana. Na safra
atual, 9,3. [...] Exige alto esforço físico uma atividade em que é preciso dar 3.792
golpes com o facão e fazer 3.994 flexões de coluna para colher 11,5 toneladas no
dia. Nos últimos anos, mortes de canavieiros foram associadas ao excesso de tra-
balho. Conta-se a seguir o caso de um bóia-fria que morreu semanas após colher
16,5 toneladas. Não há paralelo em qualquer região com tamanho rendimento. Na
estrada, flagraram-se ônibus deteriorados, ausência de equipamentos de segurança
no campo, moradias sem higiene e pagamento de salário inferior ao mínimo.
A superexploração é exatamente isto:
Marini (2005b) destacou que estes três mecanismos têm em comum uma
característica essencial: negar ao trabalhador as condições necessárias à reposição
da força de trabalho, seja pelo dispêndio de energia superior ao que deveria, pro-
vocando seu esgotamento prematuro, seja pela impossibilidade de consumir o que
seria necessário para conservar sua força em estado normal. Quando a superexplo-
ração se exacerba ainda mais, as semelhanças com o trabalho escravo se mostram.
Escravidão
No auge e na decadência do ciclo da cana-de-açúcar, os escravos cuidaram da lavoura
e puseram os engenhos para funcionar. A arrancada do etanol brasileiro foi dada por
lavradores na maioria negros. Assim como os escravos sumiram de certa historio-
grafia, os cortadores são uma espécie invisível nas publicações do setor. Exibem-se
usinas high-tech, mas oculta-se a mão-de-obra da roça. Impressiona na viagem ao
mundo e ao submundo da cana a semelhança de símbolos da lavoura atual com a era
pré-Abolição. O fiscal das usinas é chamado de feitor. Acumulam-se denúncias de
trabalho escravo. É um erro supor que as acusações de degradação passem longe do
estado mais rico do país e se limitem ao “Brasil profundo”.
a morte cansada
Em acidentes registrados - a subnotificação é considerável -, o facão rasgou-lhe per-
na e joelho. Dores no ombro direito o afastaram da roça. Penava com dor de cabeça.
O empenho no trabalho desencadeava cãibras na barriga, nas pernas e nos braços.
Sofria da doença de Chagas, mas não o licenciaram. Era funcionário da usina More-
no. Sucumbiu no campo e o levaram para o hospital. Causa da morte: “cardiopatia
chagásica descompensada”. Lopes integra a relação de duas dezenas de canavieiros
mortos no interior paulista de 2004 a 2007, o caçula com 20 anos. [...] relatório de
2006 da Secretaria de Inspeção do Ministério do trabalho enumera dezenas de irre-
gularidades em empresas nas quais trabalhavam os lavradores que morreram. Uma
Penoso e desumano
José Mário Gomes morreu em 2005 aos 44 anos. Era empregado da usina Santa
helena, do grupo Cosan, líder da produção de cana no planeta. “O óbito ocorreu
nos períodos de maior produtividade, com picos alternados”, informa o Ministério
do trabalho. Valdecy de Lima trabalhava na usina Moreno, como Antonio ribeiro
Lopes. Em 7 de julho de 2005, desabou na roça. Morreu aos 38 anos, de acidente
vascular cerebral. Em 17 de junho, decepara 16,5 toneladas. [...]. O Ministério Pú-
blico do trabalho relaciona as mortes à rotina “penosa” e “desumana” e prepara
ação contra o pagamento por produção, quando o grosso da remuneração depende
do desempenho. É preciso acumular em oito meses, a duração da safra, o suficiente
para 12 - a maioria é dispensada na entressafra. Usineiros e segmento expressi-
vo dos trabalhadores desejam manter o sistema. O afinco para cortar mais e mais
provoca situações como uma acontecida em 2007. Sob o sol, em dia de temperatura
máxima de 37ºC à sombra, nove trabalhadores foram hospitalizados após se senti-
rem mal em uma fazenda de Ibirarema. reclamavam de cãibras e vomitavam. Algu-
mas usinas fornecem no campo bebidas reidratantes para a mão-de-obra suportar
o desgaste. Em áreas de corte manual, os canaviais costumam ser queimados antes
da colheita. O fogo queima a palha da cana, e restam apenas as varas, o que facilita
o trabalho. quando o facão golpeia as varas com fuligem, o pó se espalha, entra
pelo nariz e gruda na pele. A plantação recebe agrotóxicos. O lavrador não costuma
receber máscara.
Salário no olhômetro
Cálculos complexos e fraudes no peso lesam trabalhadores analfabetos ou semi-alfa-
betizados. O trabalho na colheita da cana-de-açúcar vale quanto pesa a cana cortada.
Pelo menos deveria valer. Documentos obtidos em duas regiões de São Paulo indicam
que uma desconfiança atávica dos trabalhadores não se trata de paranóia: fraudes -ou
erros- provocam o pagamento abaixo do previsto nos acordos com as empresas. A
remuneração dos cortadores é uma equação complicada mesmo para quem tem for-
mação superior. Para a esmagadora maioria dos lavradores, é ainda pior: na média,
eles não completaram nem a quarta série do ensino fundamental. [...]
Ao contrário do vendedor consciente dos sapatos que vendeu, o lavrador ignora as
toneladas que colheu. Com a balança nas usinas, longe da roça, ele só sabe depois. Na
lavoura, o terreno cortado é medido por um instrumento primitivo: um compasso de
madeira, com pontas de ferro e raio de 2 metros. O fiscal caminha girando o compasso
gigante. “Enquanto as usinas utilizam modernos sistemas de monitoramento por GPS
para projetar a colheita, os trabalhadores são remunerados no “olhômetro”, acusa o
Ministério Público do trabalho. [...]
Resgates e libertações
Desde 1995, quando entrou em ação, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Mi-
nistério do trabalho “resgatou” - é o verbo oficialmente empregado- 30.036 trabalha-
dores no Brasil. As indenizações somam r$ 42 milhões. São raras as condenações
judiciais. O recorde foi batido no ano passado, com 5.999 “libertações”, outra expres-
são adotada pelo governo. Neste ano, até junho, 2.269 pessoas foram encontradas em
condições análogas à de escravo.
Fiscais e procuradores se transformaram em uma espécie de caçadores de escravos
ao contrário -não para confiná-los, mas para livrá-los da desgraça. Em São Paulo, é
comum eles exigirem que empresas paguem a viagem de volta de migrantes contra-
tados em seus Estados para o corte de cana.
A maioria - 3.117 - dos libertados em 2007 no país trabalhava no setor sucroalcooleiro,
como a Folha informou em fevereiro passado.
Em Brasilândia (MS), na usina e na fazenda da Companhia Brasileira de Açúcar e ál-
cool, 831 empregados indígenas foram descobertos em situação qualificada como
degradante. Neste ano, 55 funcionários de outra usina da CBAA foram descritos pelo
Ministério do trabalho como vítimas de servidão por dívida, o que configura trabalho
escravo. Ao contrário da maioria das autuações, concentradas nas regiões de expan-
são da fronteira agrícola no Norte e no Centro-Oeste do Brasil, esta aconteceu no
Estado de São Paulo, em Icém.
Vestígios arcaicos
O cenário verdejante que pigmenta as fotografias e colore o horizonte não passa de
ilusão - o tom do canavial é outro. A fuligem das queimadas ensombrece as varas de
cana-de-açúcar e torna rubro-negra a terra roxa em que outrora se fincavam cafezais.
Fragmentos da palha incinerada se amalgamam com o suor dos rostos e desenham
máscaras escuras. A cor predominante dos canavieiros, de banho tomado, não muda.
São negros - a soma de “pretos” e “pardos”- 63,7% dos trabalhadores no cultivo da
cana no país. A proporção supera os 43,4% de negros na PEA (população economica-
mente ativa) e os 55% na PEA rural. A característica se repete em São Paulo, onde a
presença negra na labuta da cana beira os 49%, o equivalente a 76% mais que na PEA
geral do Estado e 54% mais que na sua fração do campo - conforme o Censo de 2000,
em dados colecionados pelo economista Marcelo Paixão (UFrJ).
Os números frios ganham vida nas plantações. De perto, o canavial é mesmo negro.
Como eram os escravos que no Brasil moviam as moendas de cana, como documen-
tou aquarela de Jean-Baptiste Debret em 1822. Ou, em gravura de William Clark de
meses depois, os cativos que decepavam com facão a cana em Antígua. traços raciais
e instrumentos de ofício se mantêm, mas o anacronismo vai além da semelhança
de personagens dos retratos atuais com os das pinceladas do século retrasado. [...]
“Já conversei com o meu feitor”, diz um canavieiro, sobre a autorização para que ele
fosse fotografado para a reportagem (pedido negado). “O meu feitor é bom comigo”,
concede outro.
Inexiste conteúdo pejorativo, na boca dos cortadores, ao pronunciar a palavra. [...]
Em meio ao canavial, o cortador cuida do seu “eito”. “Não paro até acabar o meu
eito”, conta um. O dicionário define eito como “plantação em que os escravos tra-
balhavam”.
lida subjetiva
Para entidade que representa produtores, a mídia tende a generalizar maus exem-
plos pontuais. [...] Do que morrem os canavieiros? O corte de cana “não mata”,
afirma Padua. “Pode-se morrer em qualquer situação, local e hora.” Na sua opi-
nião, “o serviço não leva à exaustão. Ninguém é obrigado a cortar cana ininterrup-
tamente”. Movimentos como as flexões não causam problemas? Complicações com
Heróis de lula
Na visão dos usineiros, pesquisas sobre o impacto nocivo do trabalho padecem de li-
mitação severa: o universo pequeno dos indivíduos analisados. É o caso, exemplificam,
de tese sobre o nível elevado de substâncias cancerígenas na urina de 41 cortadores
durante a safra. Outra crítica se dirige contra organizações civis e o jornalismo. Do ponto
de vista da Unica, tomam-se como padrão alguns maus exemplos pontuais de gestão do
trabalho. A agremiação e seus 117 associados (eram menos de 90 um ano atrás) man-
têm 154 iniciativas de qualificação de mão-de-obra. O segmento de cana, açúcar e álcool
deve movimentar r$ 40 bilhões neste ano no Brasil, diz a Unica. [...]
O Estado deve fechar o ano com 181 usinas, sete a mais que as já em funcionamen-
to. No centro-sul, incluindo o Sudeste, de 80 a 90 devem começar a operar em três
anos. No país, há em torno de 370. [...] Neste ano, Lula minimizou o trabalho degra-
dante na roça: “Vira e mexe, estamos vendo eles [europeus] falarem do trabalho
escravo no Brasil, sem lembrar que no desenvolvimento deles, à base do carvão, o
trabalho era muito mais penoso que o trabalho na cana-de-açúcar”.
so” dos bionegócios. Mas, também é evidente que tais condições tem sido enfren-
tadas por trabalhadores e, em algumas ocasiões, pelo Ministério Público. A greve
ocorrida em Guariba (SP), em 1984 mostrou a resistência e o enfrentamento dos
trabalhadores, registrada pela imprensa e em vários sítios, entre eles o do Centro
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Sueli Goulart
Cristina Amélia Carvalho
101 Para Coase (1974), por exemplo, as atividades que estão centradas na expressão de opiniões por meio
da fala ou da escrita constituem um mercado de ideias, já que não considerava válida a distinção deste
com um mercado de bens.
102 De um total de aproximadamente 8.200 títulos analisados em 2007, 30 são brasileiros; nenhum deles
da área de Administração (ISI WEB OF KNOWLEDGE, 2008).
Aqui, [...] é o Estado que financia a educação dos novos cientistas, desde
seu início até a obtenção dos graus mais altos, seja em instituição nacional
ou estrangeira. Uma vez formado e já pesquisando, normalmente em uma
universidade também mantida pelo Estado, sua pesquisa é frequentemente
financiada pelas agências de fomento federais ou estaduais, vale dizer, de
novo dinheiro público. Terminada a pesquisa, sua divulgação em reuniões
e congressos será de novo financiada pelo Estado. Finalmente, a publica-
ção em revista indexada poderá também receber auxílios dos cofres pú-
blicos, pois em algumas áreas as editoras cobram dos autores por página
publicada. Ao publicar em uma revista, é hábito o autor ceder às editoras
o direito autoral sobre o artigo. Uma vez publicada, entra em cena de novo
o Estado, financiando as bibliotecas para sua compra.
104 Nada que a teoria institucional não seja capaz de explicar por meio, por exemplo, da noção dos mitos
racionalizados (MEYEr e rOWAN, 1991). Mas também nada que não possa ser subvertido, como nos
indica a teoria dos campos sociais de Bourdieu (1983), particularmente quando aborda as lutas trava-
das no campo científico.
105 http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=352237
Considerações finais
Para Bihr e Chesnais (2003) “a sacralização da propriedade começou quando
colocou-se no mesmo plano os bens de uso pessoal, dos quais os indivíduos desfru-
tam sozinhos ou com sua família, e os meios necessários à produção, que resultam
em geral, da apropriação privada de todo ou de parte de um trabalho social”.
Além da natureza eminentemente coletiva de produção do conhecimento
acadêmico-científico, é certo que se constitui em substância imprescindível à pro-
moção do bem-estar coletivo. Sem contar que, no caso brasileiro, como mostrado
neste texto, o instituto do direito autoral tem se mostrado muito mais um mecanis-
mo de transferência do direito patrimonial individual para um outro ente privado
que, passa a comercializá-lo, tendo como clientes, em última análise, os próprios
titulares do direito.
O Ministério da Cultura (MInc) vem, desde 2007, incentivando o debate so-
bre esta temática através da criação do Fórum Nacional de Direito Autoral,
com vistas a subsidiar a formulação da política autoral do próprio Ministério e
a definir a necessidade (ou não) da revisão da legislação existente sobre a matéria
e a redefinição do papel do Estado nessa área (BRASIL, 2008). Em 2006, o MInc
lançou a publicação Caderno de Políticas Públicas cujo primeiro volume contem-
plou esse tema sobre o qual considera necessário ampliar “o exame crítico” acerca
do “fortalecimento da proteção dos direitos de propriedade intelectual pode ter
para os países em desenvolvimento, afastando interpretações vestidas de verdades
absolutas, unicamente do ponto de vista unidimensional dos titulares de direitos e
ignorando o interesse público geral” (BRASIL, 2006, p. 12).
Como pretendemos mostrar, também esta discussão nos interessa como pes-
quisadores da área de Estudos Organizacionais. Como já afirmou Fernando Prestes
Motta, “o estudioso das organizações deve, antes de mais nada, estar atento às ra-
zões e às consequências do tipo de pesquisa em que se envolve, ao tipo de conheci-
mento que produz e a quem esse conhecimento serve” (MOTTA, 1990, p. 17).
Assim, recorremos a Bourdieu, para lembrar que o campo científico é es-
truturado em torno da luta pelo monopólio da autoridade científica, definida, de
maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social. A forma que reveste
essa luta política pela legitimidade científica depende “da estrutura de distribuição
do capital específico de reconhecimento científico entre os participantes na luta”
(BOURDIEU, 1983, p. 136). E “o que comanda os pontos de vistas, o que coman-
da as intervenções científicas, os lugares de publicação, os temas que escolhemos,
os objetos pelos quais nos interessamos etc. é a estrutura das relações objetivas
entre os diferentes agentes que são [...] os princípios do campo” (BOURDIEU,
2004, p. 23).
Não podemos ignorar, portanto, as relações de poder que permeiam e in-
fluenciam a estrutura do campo da comunicação científica, onde
das e assumiram objetivos de elevação dos lucros, sem consideração aos aspectos
de relevância cultural dos trabalhos. “O lucro líquido da Universidade da Califór-
nia saltou de US$ 20 milhões no começo dos anos 60 para US$ 360 milhões, em
três décadas. Em compensação, se antes se vendiam, em média, 1250 exemplares
por título, hoje se vendem apenas 275” (DÓRIA, 2007, p. 52). Em contraposição
à Coase (1974), Waters (2006, p. 15) afirma: “o tão falado mercado livre – que é
qualquer coisa, menos livre – não é um conceito que deveríamos considerar estru-
tura fundamental para o livre curso das ideias”.
Se compreendermos e assumirmos a dimensão política de que se revestem
as mudanças provocadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação,
teremos força para romper o intrigante paradoxo sobre o qual está assentado o
modelo tradicional da comunicação científica e que nunca é demais relembrar:
o bem sobre o qual ocorrem as transações – a produção acadêmico-científica –
advém, em sua grande maioria, de investimentos públicos que asseguram des-
de a formação de pesquisadores até o financiamento de coleções de publicações
científicas para bibliotecas, passando pelo financiamento a pesquisas, apoio para
a divulgação em eventos e publicação em revistas indexadas. No entanto, via de
regra, os direitos de autoria são transferidos para os negócios privados e adqui-
ridos, na forma de publicações, novamente com financiamento público. A luta e
o movimento são, em síntese, o esforço coletivo para romper com a legitimidade
vigente, subverter as regras do jogo e redefinir o valor do conhecimento científico
como bem público.
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