O PROCESSO GRUPAL
Sérgio Anténio Carlos
Todos nés temos alguma experiéncia de participacao grupal. Para uns mais
intensa que para outros, mas de qualquer forma muito importante para a
estruturagdo de nossas convicgdes e para o desenvolvimento de nossas
capacidades. Estas vivéncias grupais, no nosso cotidiano, nos deixam marcas
mais ou menos profundas dependendo da forma como se da a nossa inser¢do e
as relacdes que ai se desenvolvem.
Parte-se do principio de que estamos constantemente nos relacionando com
outras pessoas, com os mais diversos objetivos. Relagées mais intensas e
duradouras, ou menos intensas e passageiras. Todas nos marcam, de uma
forma gratificante e/ou traumatica. E com toda esta carga das experiéncias
anteriormente vividas que nos jogamos em novas experiéncias de
relacionamentos grupais.
A nossa inser¢ao grupal pode ser realizada de uma forma consciente ou nao.
Temos consciéncia de que participamos de alguns grupos, comumente aqueles
que aderimos por uma opcao pessoal. A participagéo nos demais é feita,
geralmente, de maneira rotineira e sem nos darmos conta. Muitas vezes somos
carregados pelo grupo.
Até aqui estavamos nos referindo aos chamados grupos “espontaneos” ou
“naturais”. Claro que precisamos também considerar os grupos organizados
com finalidades especificas. Organizados e coordenados pelos prdprios
participantes, ou por profissionais das mais variadas formacées. Podemos
pensar em todo o leque dos grupos de anénimos (AAs, NAs, DQAs, AL-ANONs,
ALATEENs, CCAs), em grupos ligados as Igrejas, em grupos que atuam nas
comunidades, nos partidos politicos, nos sindicatos, nas escolas, nas fabricas,
nas pracgas. Sdo formas de organizagao da sociedade que refletem e participam
dos embates que acontecem no seu seio. Grupos que tanto podem estar a
servico da transformacao social quanto da sua manutengdo.
Estamos, portanto, rodeados de grupos e participando ou negando participar
deles em todos os momentos de nossa vida.
A preocupagao com o grupo
Historicamente, sabe-se que 0 vocdbulo groppo ou “grupo” surgiu no séculoXVII. Referia-se ao ato de retratar, artisticamente, um conjunto de pessoas.
Regina Duarte Benevides de Barros (1994) diz que foi somente no século XVIII
que o termo passou a significar “reunido de pessoas”. A mesma autora afirma
que o termo pode estar ligado tanto a ideia de “laco, coesdo” quanto a de
“circulo” (p. 83). Tanto a sociologia quanto a psicologia tém demonstrado
interesse no estudo dos pequenos grupos sociais, pensando o “grupo” como.
uma intermediagao entre o “individuo” e a “massa”.
Os estudos dos pequenos grupos sociais, embora sejam realizados por varias
areas de conhecimentos humano-sociais, sio em geral associados com a
sociologia e a psicologia. Na psicologia, 0 estudo sistematico dos pequenos
grupos sociais, buscando compreender a dinamica dos mesmos, tem inicio na
década de 1930 e 1940, com Moreno e com Kurt Lewin. Moreno inicia com o
teatro da espontaneidade que vai levar ao psicodrama. Na area de pesquisa cria
a sociometria para o estudo de relagdes de aproximacao e afastamento entre as
redes de preferéncia e rejeigdo, tanto nos grupos quanto na comunidade como.
um todo. Lewin cria o termo “dinamica de grupo", que foi utilizado pela primeira
vez em 1944, Ndo podemos esquecer que a preocupacado com grupos, tanto de
Moreno quanto de Lewin, aparece em seguida as inovagées tayloristas e
fordistas que levam a elevacao dos lucros, mas também a deterioracaéo das
relagdes tanto dos operarios entre si quanto em relagdo a chefias e patrées
(apud BARROS, 1994).
Ha uma tradic¢do, no estudo e na intervencdo com pequenos grupos, que esta
ligada ao trabalho junto a escolas e a fabricas, que privilegia o treinamento em
busca da produtividade. Os especialistas em grupos se atém 4 aplicagéo de
técnicas grupais que desenvolvem a cooperacdo entre os participantes e najo
levam o grupo a se autocriticar e buscar 0 seu caminho para o funcionamento,
pois uma das possibilidades é nao se constituir enquanto grupo. Neste caso, a
constituigdo do grupo esta a servico da instituigdo e é utilizada como um dos
instrumentos de controle que a mesma exerce sobre o individuo.
Grupo ou processo grupal
Em geral, os autores, ao se referirem ao conceito de grupo, partem da
descri¢ao do mesmo fenémeno social: a reunido de duas ou mais pessoas com
um objetivo comum de acao. O que difere é a leitura que os mesmos fazem do
processo de constituicdo do grupo e do entendimento da finalidade do mesmo.
Lewin (1973, p. 54) afirma que “a esséncia de um grupo nao reside na similitude
ou dissimilitude de seus membros, sendo em sua interdependéncia. Um grupo pode
ser caracterizado como um ‘todo dindmico’ isto significa que uma mudanga no
estado de uma das partes modifica o estado de qualquer outra parte. O grau de
interdependéncia das partes ou membros do grupo varia, em todos os casos, entreuma massa sem coesdo alguma e uma unidade composta”. Lewin centra a sua
definicdo na interdependéncia dos membros do grupo, onde qualquer alteracgado
individual afeta o coletivo. Demonstra uma preocupagado em buscar a esséncia
do grupo, o que traz junto uma imagem de o “grupo como um ser” que
transcende as pessoas que o compéem. Ha uma visdo de um grupo “ideal”:
aquele marcado por uma grande coesdo.
Olmsted é um outro autor que trata o tema, define um grupo como “uma
pluralidade de individuos que estG@o em contato uns com os outros, que se
consideram mutuamente e que estGo conscientes de que tém algo significativamente
importante em comum” (1979, p. 12). Esta definicéo traz consigo a ideia da
consideracéo mutua, sem a preocupacéo da homogeneidade. Aponta para a
diversidade dos participantes e para o sentimento de compartilhar algo
significante para cada um deles.
Nas afirmagées acima encontramos pontos que ainda hoje sao importantes
para o estudo dos pequenos grupos sociais. Um deles é 0 contato entre as
pessoas e a busca de um objetivo comum, a interdependéncia entre seus
membros, a coesdo ou espirito de grupo que varia em um continuo que vai da
dispersdo até unidade.
Podemos dizer que, de acordo com o referencial de homem e de mundo que
os cientistas sociais assumem, vai variar 0 entendimento e a explicacgao que os
mesmos vao dar em relacdo ao grupo e aos processos grupais.
Os estudos sobre os pequenos grupos dentro da perspectiva lewiniana trazem
implicitos, conforme Lane (1986), valores que visam reproduzir os de
individualismo, de harmonia e de manutengdo. A mesma autora enfatiza que a
fungdo do grupo é definir papéis, o que leva a definigado da identidade social dos
individuos e a garantir a sua reprodutividade social.
Existe um modelo ideal de grupo? Na tradi¢gao lewiniana temos um ideal de
grupo coeso, estruturado, acabado. Passa a ideia de um processo linear. Neste
modelo nao ha lugar para o conflito. Estes conflitos sao vistos como algo
ameacador e que deve ser resolvido tentando-se chegar a um consenso. A
questao do grupo é vista como um modelo de relagées horizontais, equilibradas,
equitativas, ou seja, um lugar onde as pessoas se amam, se respeitam e
cooperam umas com as outras. Algo que pode e deve ser buscado e atingido,
como um modelo ideal de funcionamento social. Algo semelhante ao que Lowy
(1979) denomina de anticapitalismo romAntico.
O grupo também pode ser visto como um lugar onde as pessoas mostram
suas diferengas. Onde as relagées de poder esto presentes e perpassam as
decis6es cotidianas, onde o conflito é inerente ao processo de relacdes que se
estabelece. Onde ha uma convivéncia do diferente, do plural. Nao como um
movimento de defesa das minorias, mas num movimento de cada um e de