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INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLIACADA

Desertificação no Nordeste:
subsídios para a formulação
de políticas públicas

MISSÃO
Produzir, articular e
disseminar conhecimento
para aperfeiçoar as políticas
públicas e contribuir para o
planejamento do
desenvolvimento brasileiro
Eduardo A. C. Grcia

Governo Federal
Ministro de Estado Extraordinário de Assusntos
Estratégicos – Roberto Mangabeira Unger
Secretaria de Assuntos Estratégicos
Ipea Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Presidente
Márcio Pochmann
Diretor de Administra e Finanças
Fernand Fewrreira
Diretor de Assuntos Macroeconômicos
João Sicsú
Diretor de Estudos Sociais
Jorge Abrahão de Castro
Diretora de Estudos Regionais e Urbanos
Liana Maria da Frota Carleial
Diretor de Estudos Setoriais
Márcio Wohlers de Almeida
Diretor de Cooperação e Desenvolvimento
Márcio Lisboa Theodoro
Chefe de Gabinete
Persío Marco Antônio Davison
Secretário Exewcutivo do Conselho Editorial
Daniel Castro

GARCIA, EAC Desertificação no Nordeste: subsídios para a


formulação de políticas públicas. Brasília: Ipea, 2009.
356 p. gráf. tab. fig e quad.
ISBN
1. Economia recursos naturais. 2. Desertificação. 3. Erosão
1. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 1
2 DESENVOLVIMENTO 11
2.1 Conceitos e Contextualizações 14
2.1.1 Desertificação: o problema central 15
2.1.2 Combate à desertificação 29
2.1.3 Degradação de recursos da terra 37
2.1.4 Desenvolvimento sustentável 39
2.1.5 Convivência com a seca: ações integradas em planos 49
2.1.6 Erosão dos solos 57
2.1.7 Conservação e manejo integrado de ambientes e recursos naturais 61
2.1.8 Agricultura: destaque para a sustentabilidade agrícola 62
2.1.9 Participação e ação solidária da comunidade no controle da desertificação e
convívio com a seca 65
2.1.10 Educação ambiental e capacitação para o planejamento e gestão 67
2.1.11 Cenários e estudos prospectivos 68
2.1.12 Políticas públicas para o combate à desertificação e comv[ivio com a seca 74
2.2 O Problema da Desertificação 57
2.3 O Objetivos e Metas 86
2.4 Procedimentos, Técnicas e Métodos paea o Controle da Derertificaçõa e
Convívio com a Seca 94
2.4.1 Fontes de Dados e Informações 98
2.4.2 Aspectos Metodológicos Gerais 99
2.4.2.1 Técnicas e métodos de síntese e de análise de dados 100
2.4.2.2 Síntese e análise de agrupamento de dados 102
2.4.2.2.1 Séries temporais 104

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Eduardo A. C. Grcia

2.4.2.2.2 Relações entre variáveis que definem tanto o problema da desertificação como
aspectos do controle 105
2.5 Principais Resultados: Discussão 108

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Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

LISTA DE FIGURAS
Figura 1 “Trilha” da degradação que leva a desertificação 18
Figura 2 Elementos de um plano de combate à desertificação indicados pela
Convenção das Nações Unidas de Combate à desertificação 24
Figura 3 Relações entre desertificação (fenômeno local), mudança climática
(fenômeno regional e global) e perda - degradação da biodiversidade (processo
local, regional e global) 27
Figura 4 Ciclos da degradação da terra 38
Figura 5 Ilustração de cinco dimensões em dois cenários: presente e ffuturo 43
Figura 6 Cisternas do semiárido 51
Figura 7 Cistrenas de placas pré-moldadas 52
Figura 8 Tipos frequentes de erosões dos solos no semiárido e Planos Nacionais de
Combate à Desertificação 59
Figura 9 Ciclos simplificados de políticas públicas no combate à desertificação 76

Figura 4 Áreas susceptíveis à desertificação e áreas afetadas pela desertificação 62


Figura 5 Núcleos de desertificação na Região Nordeste 63
Figura 6 Percentual de dias com déficit hídrico estimado pelo CPTE / INPE
(complementado), para um período de dez anos 69
Figura 7 Níveis de potencialidades agrícolas dos solos do Nordeste 70
Figura 8 Mapa de cobertura vegetal do Nordeste 71
Figura 9 O bioma Caatinga e delimitação de oito ecorregiões 72
Figura 10 Divisão hidrográfica da Região Nordeste 73
Figura 11 Tipos de solos da Região Nordeste 74
Figura 12 Ilustração de integração de componentes físicos no zoneamento
ambiental 76
Figura 13 Diagramas de Ishikawa para indicar arranjos de causas do problema da
desertificação, de meios materiais e humanos de controle e de objetivos a
alcançar 80
Figura 14 Exemplos de relações de fatores causais, em cascata com indicações

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Eduardo A. C. Grcia

de taxas ( ) 81
Figura 15 Exemplos de relações de fatores, naturais e antrópicos, de degradação
ambiental, com indicações de taxas ( ) em diferentes períodos (t; t - i; t + j
etc.) 82
Figura 16 Indicações de causas e correspondentes efeitos no problema de
desertificação 83
Figura 17 Ilustração do controle de causas e de seus efeitos que evitam a
desertificação 91
Figura 18 Causas e sinais de degradação na atividade pecuária: sistema de pastejo 92
Figura 19 Processos naturais (gestão integral) e processos antrópicos (conservação)
no controle da desertificação e mitigação – convívio com a seca 93
Figura 20 Processo de desertificação e exemplos de indicadores desse processo 107
Figura 21 Política de informação: relações entre dado, variável, indicador e índice 108

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Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Sequência e inter-relacionamento de componentes em abordagem
sistêmica 22
Quadro 2 Pontos de reflexão que poderão auxiliar a definição de ações e estratégias
em um plano ou projeto de combate à desertificação 32
Quadro 3 Fatores, condições e possíveis contribuições que determinam a erosão dos
solos 60
Quadro 4 Elementos do conceito de conservação, isto é, utilização reacional 63
Quadro 5 Tipos de cenários que podem ser utilizados para auxiliar a elaboração de
um plano de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca no
Nordeste 72
Quadro 6 Possíveis cenários sobre um futuro esperado sem redução das emissões de
CO2 à atmosfera 73
Quadro 6 Classificação das terras susceptíveis a desertificação de acordo com o
índice de aridez e grau de susceptibilidade à erosão 59
Quadro 7 Níveis de degradação por tipos de solos no Nordeste. 1995 75
Quadro 8 Escala de inter-relacionamentos forte (f), moderado (m) e leve (l) entre
variáveis 102
Quadro 9 Exemplo de indicadores e de índice da desertificação e convivência com
a seca 110
Quadro 10 Indicadores descritivos e índice da desertificação e convivência com a
seca 113

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Eduardo A. C. Grcia

LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Clima, índice de aridez e terras afetadas (mil km2) pela desertificação nos
continentes 39
Tabela 2 Núcleos de desertificação na Região Nordeste. 1998 64
Tabela 3 Número de municípios compreendidos pelo semi—árido brasileiro
segundo áreas delimitadas pelo Polígono das Secas (traço verde) e Região
Semiárido do FNE (traço – pontilhado – azul) 65
Tabela 4 Estados do Nordeste com áreas susceptíveis à desertificação. 2004 67

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Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

1 INTRODUÇÃO
mbientes e recursos naturais no mundo se encontravam, no final do século XX,
A ameaçados, muitos com incertezas e outros em riscos de processos de degradações e
perdas de suas funções, atributos e capacidades como as de produção e sustentação à
vida. Por vezes e em certos locais, as situações eram de deteriorações de estruturas, inter-
relações e interdependências ecossistêmicas que afetavam a qualidade e quantidade dos
recursos da terra e, como resultados desses impactos negativos, comprometiam as
condições naturais para se recomporem de intervenções humanas e continuarem oferecendo
bens, serviços e informações para o desenvolvimento.
Eram situações que ocorriam (continuam ocorrendo no início do novo milênio) por
causa de manejos inadequados e excessivos usos e consumos, além da capacidade de
suporte de ecossistemas para fornecer esses bens e tolerar-assimilar poluições-rejeitos,
impostos pelos crescimentos da população e de suas necessidades sem reconhecimentos de,
p.ex., a capacidade e limites dos ecossistemas. Crescimentos atendidos sem critérios físicos
e socioeconômicos, os adequados, como os técnico-científicos de conservação e manejo e
com notáveis incompatibilidades com a preservação e proteção de fontes, reservas, ciclos e
processos naturais. Processos que respondem por fluxos produtivos, por excedentes
econômicos, que, ao não serem atendidas as condições de usos dessas fontes e respeitados
os limites de suporte determinam crescimentos insustentáveis.
Os equilíbrios instáveis e, ainda, os desequilíbrios persistentes (romperam-se
equilíbrios de dinâmicas de forças em tensão pelo esgotamento do leque de realizações)
entre necessidades (expressões “incontroláveis” de desejos e demandas humanas) de
consumos desses bens e serviços ambientais em aceleradas expansões e disponibilidades
(expressões naturais que condicionam, deveriam condicionar, excedentes) de fontes,
reservas – estoques e ciclos naturais para manterem os fluxos desses bens e serviços,
constantes ou decrescentes, geravam incertezas quanto ao futuro de ambientes e da biota,
inclusive quanto ao futuro do homem no planeta, com 1,02 bilhões de subnutridos, segundo
dados da FAO (2009).
Tais desequilíbrios formalizam novas “ordens” (desordens) de ambientes e sistemas
naturais cada vez mais empobrecidos; essa formalização vem ocorrendo pela trilha da
desertificação que acentua a escassez de recursos naturais pelo consumo irresponsável;
provoca desastres naturais como a erosão de solos e biológica; e gera como conflitos como
os de posse e uso desses recursos.
Os ambientes e recursos naturais, i no início do novo milênio, continuam sendo
submetidos a crescentes pressões e em processos elevados e acelerados de degradações,
comprometendo ou agravando a continuidade de atendimentos de necessidades que passam,
com maior frequência, extensão e intensidade, a serem insatisfeitas para uns e

ix
Eduardo A. C. Grcia

insustentáveis para todos. É a pavimentação da trilha da desertificação feita pelo


consumismo, ii economicismo” iii e “tecnologismo” / tecnologicismo. iv
Os processos de degradação ambiental, as pressões antrópicas sobre os recursos
naturais e os riscos de perdas dessas riquezas davam claros sinais, no início do novo
milênio, de continuarem ampliando condições e fortalecendo estados precários para a
sobrevivência da humanidade e, no mediano prazo, para a sobrevivência de comunidades
vulneráveis à desertificação; estados insustentáveis para o fornecimento de bens ambientais
valiosos e imprescindíveis para o desenvolvimento sustentável.
Eram evidências e sinais, reais ou aparentes, em 2009, de países industrializados não
estarem dispostos a, p.ex., realizarem contribuições substanciais para a redução de emissões
de gases causadores do efeito estufa – GEE: não conseguirem atender expectativas do
Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática – IPCC, no sentido
de reduzirem em 40,0%, até 2020, as emissões desse GEE; nem se dispuserem, tais países,
para agirem (até jul/2009), com ações, estratégias e decisões exequíveis e práticas para
combater o aquecimento global que aprofunda desigualdades econômicas e sociais
associadas às perdas ambientais (resultados de simulações indicam um elevado potencial de
perdas econômicas no Nordeste, em especial nos estados mais pobres; DOMINGUES,
MAGALHÃES E RUÍZ, 2009). Frustravam-se, com tais sinais, propósitos da 14ª. Reunião
de 2008, em Poznan, ao preparar a 15ª. Conferencia das Partes da Convenção (7 – 18, dez.,
2009, Copenhague).
São processos destrutivos, pressões com impactos negativos e comportamentos
“irracionais” a se constituírem sérios entraves para a harmonização e equilíbrio exigidos
por esse desenvolvimento.
Pelo desenvolvimento sustentável a tratar e integrar dimensões, tais como: a) a
ambiental, devidamente (re)conhecida pela sua natureza, pela sua capacidade de
sustentação dos ecossistemas e pela necessidade de ser valorizada em sistemas contáveis e
em políticas públicas; b) a social, a ser indicada, internalizada e respeitada em planos que
tenham como alvo o desenvolvimento integral do ser humano; c) a econômica, a ser
(re)pensada em novas bases e com novos paradigmas para preparar, gerar e gerir resultados
evidenciados no crescimento “limpo” e com benefícios e oportunidades socialmente
distribuídas e ambientalmente consistentes.
As ameaças, incertezas e excessivas pressões que geram respostas como as das
desertificações (ambiental e humana), secas e inundações catastróficas; e as ações humanas,
por vezes incidentais v e, com freqüência, omissas na proteção de fontes, reservas -
estoques e ciclos naturais de renovação de recursos como os hídricos, determinam que esse
meio seja inseguro, imprevisível e dessa forma permaneça, enquanto não sejam
devidamente:

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Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

a) Conhecidas, equacionadas em políticas públicas e tratadas devidamente as causas da


degradação e de perdas de bens e serviços ambientais, conforme sejam as condições
regionais, interpretadas em ações, diretrizes e instrumentos dessas políticas.
Com frequência, o que se conhece da degradação são manifestações que afetam
determinados setores, os menos influentes, e causas gerais do problema, porém sem
suficientes informações de interrelações, dinâmicas e importâncias relativas dessas
causas no agregado, no problema da desertificação.
b) Definidos os limites da capacidade de suporte ambiental e as condições de
conservação e manejo que considerem “reais” potencialidades e limitações
reconhecidas, internalizadas e viabilizadas em políticas públicas consistentes e com
legitimidade pela coerência técnico-científica, pela viabilidade operacional e pela
consistência social.
c) Formuladas propostas exequíveis (p.ex., em dimensões, tais como a técnico-científica,
a econômico-financeira, a sociocultural e a política, além da ambiental) e orientações
de políticas para recompor e/ou buscar o equilíbrio, com ações e estratégias dentro de
riscos calculados e aceitáveis por todos.
Propostas com a efetiva e oportuna participação da comunidade informada e
conscientizada da necessidade do combate à desertificação e convívio com as secas.
É oportuno indicar que a desertificação no mundo e no Brasil não é um processo
novo. O relativamente novo é a velocidade, a intensidade e a extensão de sua ocorrência
tanto em países e regiões desenvolvidas como em regiões e países em diversos estágios de
desenvolvimentos. Um processo dinâmico e complexo de eventos muitos deles em
estruturas cíclicas ou espirais de causas  efeitos; efeitos/causas  novos efeitos etc.
Em cidades – estados da Mesopotâmia, - parte (lendária) do Crescente Fértil da
Antiguidade e verso da primeira grande civilização mundial, - a antiga Suméria, com
registros de mais de 5.000 anos atrás, verificou-se a substituição de grandes bosques por
cidades e campos agrícolas irrigados (desenvolveu-se um sistema sofisticado de irrigação),
arados com bois e com canais para levar água. Campos que gradativamente foram
transformados em terras afetadas por fortes ventos que varrem as várzeas dos rios Tigres e
Eufrates (LARSEN, 2008).
Diamond (2006; complementado), em seu livro Collapse: how societies choose to
fail or to survive, apresenta uma análise das causas de ascensão e colapso de muitas
civilizações; nessa apresentação, enfatiza a fragilidade do meio ambiente (isto é, do
conjunto de fatores naturais, sociais e culturais que rodeiam o indivíduo e com os quais
deve interagir, influenciando-o e sendo influenciado) e os efeitos de escolhas individuais
para o futuro das sociedades e descreve como várias civilizações foram destruídas por
causa do uso insustentável dos recursos naturais e decorrentes processos de desertificação.

xi
Eduardo A. C. Grcia

Oportuno complementar que esses processos, no caso do Brasil, continuam sendo


provocados por diversas causas conhecidas, algumas com origem histórica como é a
concentração de recursos da terra que centraliza poder. Desde o início, a estrutura montada
para a acumulação do capital esteve (está) diretamente relacionada com a concentração de
recursos da terra. A concentração fundiária está associada à própria forma como o Estado
se organizou no País, mediante concessões Sesmarias aos “filhos do Rei”; uma forma que
determinou características da territorialidade, sem preocupações vi diretas com o ambiente,
com efeitos notáveis e douradores, quanto à proteção e preservação de fontes e reservas.
É importante destacar para reflexão, entre outros aspectos, a colocação de que os
problemas ambientais não estão exclusiva ou necessariamente ligados ao sistema capitalista
e ao objetivo da empresa de “maximizar” lucros, mas à questão de não ser feita a
“otimização” compatível com preocupações ambientais o ocorrer se não houver condição
para isso.
A ideia da sensibilização da sociedade para a importância das boas práticas
ambientais é um fator que permeia à empresa para adotar boas práticas com evidências de
que as que provocam (provocarem) danos são (serão) penalizadas pelos mercados.
No sistema capitalista e democrático é possível gerar incentivos e induzir mudanças
de comportamento, dos consumidores e de governos. São atitudes e comportamentos,
provocados por tais mudanças, compatíveis com a proteção ambiental. Caso não seja
alcançada essa compatibilização, será difícil [se não impossível] manter por muito tempo o
meio ambiente sadio. São ajustes que dependem de escolhas certas feitas no presente, em
relação à natureza (DIAMOND, op. cit.).
Relatos do senador romano Cícero (106 - 43 a.C), destacam, entre outros aspectos,
barreiras de recuperação de áreas ocupadas no norte da África (UNEP, 1992; SANTO e
LIMA, 2002).
Friedrich Engels, em sua obra Dialética da natureza, descreve “Os homens que na
Mesopotâmia, na Grécia e na Ásia Menor, entre outras regiões, destruíram os bosques para
obter terra arável, não podiam imaginar que, dessa forma, estavam dando origem à atual
[no início do novo milênio] desolação dessas terras ao despojá-las de seus bosques”.
A desertificação era, no início, um processo lento e silencioso que pela intensificação
de fatores responsáveis pela sua ocorrência passou a ser observado, com preocupação, a
partir dos anos 30, no meio oeste americano dos Estados Unidos da América.
Foi a observação do fenômeno conhecido como Dust Bowl por causa de três anos de
secas que foram agravados pela degradação da terra. Eram “poeiras de areias” que afetaram
aproximadamente 380 mil km2, em áreas de climas semiáridos de quatro estados
(Oklahoma, Kansas, Novo México e Colorado), com violentas tempestades de poeiras, após
secas, erosão dos solos e desmatamentos da vegetação natural (gramíneas). Foram impactos
que dizimaram a produção agrícola e provocaram a emigração coletiva para o oeste norte-
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Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

americano; migração e efeitos decorrentes da intensa e desordenada exploração dos


recursos naturais da terra.
No período 1967/68 a 1973, ocorreu uma grande seca na Região do Sahel, África
Subsahariana, zonas semiáridas que afetam vários países. Essa seca provocou a morte, por
fome, da mais de 200 mil pessoas e milhões de animais.
Foram fatos, entre outros e, possivelmente, por um deles ter afetado, na década de 30,
um dos países mais desenvolvidos, - os Estados Unidos da América, que despertaram
pesquisadores para orientar suas ações de investigação em ecossistemas frágeis marcados
pelas intempéries do clima e sob forte pressão antrópica de seus ambientes.
Na era moderna, dominada pela tecnologia e o conhecimento, a desertificação não se
limita às regiões em desenvolvimento, mas é observado e registrado em países como, por
exemplo, Austrália, Estados Unidos e a China, entre os mais de 110 países afetados por
esse fenômeno, 33,9% da superfície seca do planeta e mais de 2,5 bilhões de pessoas.
Segundo a ONU, é notável a degradação e a ameaça que afeta 66,0% das terras do
planeta. De acordo com o Centro Internacional para o Estuda das Terras Áridas e
Semiáridas da Universidade de Texas, 69,0% das terras estão degradas (solo e vegetação)
das zonas áridas do mundo.
No Brasil, na década de 50 do século XX, há registros da “saarização do Nordeste”.
Segundo Duque (2004), a desertificação “progressivamente vai rompendo cada vez mais o
equilíbrio entre as associações vegetais, o ciclo da água, a produção agrícola, a economia e
o aspecto social”; um processo que se intensificou, na década de 70 e começou a se
manifestar em núcleos de desertificação (JALFIM, 2002), afetando, no início do novo
milênio, a 1482 municípios, aproximadamente 13,0% do território e mais de 32 milhões de
pessoas.
O problema da desertificação, com grandes impactos, incertezas e perdas de riquezas
naturais, espera, com urgência, respostas com efetividade, de interlocutores: instituições e
fóruns de cientistas – pesquisadores, com soluções sustentáveis e legitimadas pela
sociedade; de políticos e legisladores, com ações públicas consistentes e aplicáveis às
diversas realidades afetadas; e de organizações públicas e privadas efetivamente engajadas
no controle de causas para amenizar efeitos.
Tem sido, com freqüência, interlocutores consultados, porém sem o suficiente
despertar e a necessária resposta para assumirem os desafios de frear, recompor, disciplinar
e tratar necessidades, expansões, manejos, incentivos, planos e políticas orientadas para o
controle da desertificação e a busca da convivência com a seca.
O despertar lento, retardado e desuniforme de atores com visões, por vezes,
deturpadas, ainda em países em desenvolvimento, tem sido destacado em fóruns
internacionais como os promovidos pelas Nações Unidas. Em um deles, o 5º. Fórum entre

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Eduardo A. C. Grcia

América Latina, Caribe e África para a Luta contra a Desertificação, em Santo Domingo,
jun. 2007, destacou-se a notável falta de conscientização de lideres mundiais no combate a
desertificação como parte do combate ao problema da pobreza. Na 1ª. Reunião do CRI /
CCD realizada em Roma, em 2002, concluiu-se que a Região Latino-americana
apresentava severos processos de desertificação não percebidos realmente por tomadores de
decisão nem a sociedade.
Pelas posições conflitantes e a pouca percepção do problema da desertificação pode-
se concluir que esses líderes não acordaram o necessário, para o fato de a desertificação ser
um problema global, com graves conseqüências para a segurança de ecossistemas, a
estabilidade socioeconômica e o desenvolvimento sustentável em níveis nacional e local.
No acordaram para o fato de efeitos de a desertificação, o aquecimento global e a perda da
diversidade biológica não se restringem às terras secas, mas afetam a todos.
Segundo a Conferência Internacional da INTECOL sobre zonas úmidas, realizada em
Cuiabá, em 2008, há evidências do impacto negativo do aquecimento global na
desertificação. Se essas terras úmidas continuarem a secar o efeito será catastrófico: grande
quantidade de carbono, em torno de 40 t/ha/ano, será liberada na atmosfera. Com isso se
terão consideráveis perdas da capacidade de reserva, de regulação e de filtração; são
contribuições significativas e em acelerados processos de fortalecimentos para a
desertificação.
A “saarização” do Nordeste e os seus expansivos núcleos de desertificação afetam o
semiárido; uma região que não pode ser resumida às variáveis como clima, água, solos e
vegetação, por certo especiais, mas, deverá compreender comunidades em interações com o
meio; as expressões artísticas e socioculturais, a religião e aspectos político-institucionais
com feições, por vezes particulares, de identidade que retratam e interagem com esse
ambiente.
É nesse contexto abrangente e de múltiplas, complexas e dinâmicas interações de
elementos e componentes e, quanto possível, devidamente caracterizados que se devem
discutir, acordar, definir e implementar políticas e planos para o combate a desertificação e
convívio com a seca, exigindo-se, nestes instrumentos, a consistência e legitimidade, pela
coerência de estratégias e ações com os elementos e componentes e a participação efetiva
da comunidade devidamente informada - conscientizada. A condição sine qua non é
conhecer esses elementos e componentes, integrá-los no nível regional e traduzi-los em
políticas viabilizadas em diversas dimensões e instâncias.
Nesse contexto, definem-se diagnósticos, estudos e o propósito do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, para auxiliar a “garimpagem” de dados e informações
que permitam ter o conhecimento da realidade do semiárido e sintetizá-lo em diretrizes,
critérios e instrumentos de políticas públicas. Este documento é parte inicial desse
propósito.

xiv
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

O semiárido nordestino é, nessa tipologia, o mais chuvoso do planeta, com um regime


de “normais” pluviométricas que varia entre 250 mm/ano e 800 mm/ano, irregularmente
distribuída no tempo e no espaço. Uma região que se caracteriza por acentuado déficit
hídrico: 750 mm/ano como média de precipitação, o que corresponde a aproximadamente
um terço da evaporação, em média de 3.000 mm/ano.
O semiárido é, também, a mais populosa região do mundo e com condições propícias
de vida se atendidas certas condições, entre outras, as de controle de causas da
desertificação e melhorias sociais para “garantir” a convivência com a seca.
Nessa região, por causa da excessiva pressão humana (em relação à capacidade de
suporte desses ecossistemas) sobre o meio ambiente, registram-se processos de degradação
dos recursos da terra que respondem pela desertificação e limita ou dificultam a
convivência no semiárido.
Aspectos “tecnológicos” inadequados para o semiárido contribuem, de forma
significativa, para a desertificação e limitam ou dificultam a convivência com a seca, entre
eles a irrigação agrícola não-apropriada às realidades físicas e socioeconômicas da
Caatinga. O estudo dessa causa da desertificação é omitido neste documento. Isso não
significa excluir um dos mais importantes recursos da agricultura, - a irrigação, mas buscar
a articulação com o órgão responsável para atender objetivos e metas comuns como são as
de promover a inclusão social com a geração de emprego e renda na agricultura irrigada e
de contribuir para superar degradantes e insustentáveis índices impostos por perdas
provocadas pelas deficiências na prática da irrigação no semiárido.
A desertificação é um processo difícil de reverter, porém, quase sempre (por
enquanto: início do milênio) com possibilidades de preveni-lo ao conhecê-lo (identificá-lo e
caracterizá-lo por indicadores, como instrumentos chaves de planejamento, vii de gestão
ambiental viii e de tomada de decisões) e, com base nesse conhecimento dar a necessária
fundamentação às políticas públicas e agir com oportunidades, eficiência e objetividade na
proteção de comunidades frágeis e potencialmente vulneráveis. Conhecimentos que
permitam:
a) aliviar pressões, em níveis e riscos toleráveis por essas comunidades, - pelo sertanejo,
mediante a recuperação de terras parcialmente degradadas, incorporando-as ao
processo produtivo;
b) utilizar os recursos de forma racional e com garantia de proteção de fontes, reservas e
ciclos, em contextos como os de conservação e manejo integrado e onde se possam
tratar e internalizar, no saber tradicional de comunidades (a potencializar com os
novos conhecimentos), as fragilidades e medidas de proteção com as atividades de
aproveitamentos possíveis e sustentáveis de suas potencialidades e limitações.

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Eduardo A. C. Grcia

c) novas informações e serviços da educação para a sustentabilidade que permita


incorporar e promover o uso e consumo responsáveis e com práticas de redução,
reutilização e reciclagem.
O documento é uma proposta e provocação, em alguns aspectos simplista e sempre
bem intencionada; em outros, omissa em assuntos importantes, que precisa de discussão,
adequação e legitimação; uma proposta elaborada com viés para aspectos técnicos, porém
com flexibilidade para acolher e integrar outros aspectos em um plano de combate à
desertificação, mitigação de efeitos e convívio com a seca, com ações e estratégias
consistentes com a realidade.
Com base nessa flexibilidade, define-se um espaço para o Ipea dentro de sua missão
de produzir, articular e disseminar informações para aperfeiçoar políticas públicas, na
forma de um desafio para contribuir na formulação de planos e estratégias de
desenvolvimento regional, de fortalecer a integração institucional e de ampliar a
participação no debate a ser orientado para definir ações e estratégias exequíveis, tanto
técnico-científicas como prático-operacionais, de controle da desertificação em várias
abordagens, agrupadas em: a) um conjunto de processos difusos (isto é, nem sempre
evidentes em suas origens), por vezes complementares, desenvolvidos no longo prazo; b)
um conjunto de processos concentrados e localizados, que se apresentam na forma de
“núcleos” (hot spot), bem definidos e com evidências no curto e meio prazos, com sentidos
de crescimento e níveis, em geral, de perdas irreversíveis.
O documento está composto de três partes.
A primeira parte, a do desenvolvimento, apresenta conceitos e contextualizações do
problema no Mundo e no Brasil. A caracterização do problema de degradação dos recursos
da terra é uma das referências para se definir fontes de dados, objetivos e procedimentos
metodológicos de um plano para tratar as informações primárias e se ter bases consistidas
de auxílio às propostas de políticas, de programas, planos e projetos no monitoramento,
avaliação, prevenção e controle, segundo seja o caso.
A segunda parte apresenta o desdobramento de um dos aspectos críticos mais
importantes da desertificação, o da erosão dos solos, com ajustes quantitativos preliminares
para definir a contribuição de cada variável (atributo que se mede, monitora, controla,
prognostica e avalia) em perdas por erosão. Essa definição permite destacar esforços,
proporcionais às contribuições de fatores causais na quantificação do problema, com
indicações para o controle orientado pela importância das causas.
A terceira parte sintetiza inferências e as traduzem em conclusões e recomendações
como orientações explícitas para auxiliar políticas públicas de combate à desertificação e
definir ações de fortalecimento institucional considerando essas recomendações.
Deve-se adiantar que o documento é simples, ilustrativo e preparado para atender, em
primeiro lugar, um fim didático, para ser uma referência de ensino, com o propósito de
xvi
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

contribuir em cursos como os de capacitação e educação ambiental: habilidade, ampliada


pela capacitação, para descobrir e se inserir em processos, alguns de ajustes e mudanças, de
conexões – interrelações nem sempre explícitas (pensamento sistêmico com o
desenvolvimento da teoria da complexidade ou dinâmica não-linear, segundo conceito de
Capra) e ser ator (ativo, participante e responsável) na criação do futuro, em lugar de
simples e omisso expectador que observa como se perdem riquezas naturais essenciais.
É, também, um documento que incita à reflexão em termos de como se preparar e
agir, dentro do tema proposto de combate à desertificação e convívio com a seca.
Por essa incitação, espera o maior número de críticas e sugestões, cumprindo, dessa
forma, o propósito de auxiliar, ampliar e enriquecer o debate de um dos temas prioritários
de governos em várias instâncias da administração pública, o da desertificação ambiental e
humana: sua prevenção e controle com o engajamento consciente e responsável de
comunidades em políticas e planos, como processos (não são instrumentos fixos nem
modelos) preparados e orientados para esse combate.

xvii
Eduardo A. C. Grcia

2 DESENVOLVIMENTO
nível avançado e crítico de desertificação, na transição para o novo milênio, era um
O dos mais graves problemas do meio ambiente, tanto em escala mundial como regional.
Um problema preeminente, com seus correspondentes desafios, capaz de superar ou de
ameaçar superar ganhos do desenvolvimento e desestabilizar sociedades por afetar, de
forma grave, por vezes irreversível, zonas e áreas de mais de 110 países em todos os
continentes e mais de 1,2 bilhões de pessoas, classificadas como pobres, dentro de um
contingente de aproximadamente de 2,0 bilhões de pessoas que vivem em terras secas,
segundo informações do secretário das Nações Unidas, Ban Ki-Moon (informe na 1ª.
reunião de cientistas da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação,
UNCCD, em Buenos Aires, set. 23 de 2009).
Um processo de degradação em terras férteis que, conforme dados das Nações
Unidas/ UNESCO, provocou perdas estimadas em 24 bilhões de toneladas de solos férteis
por anos, durante as duas últimas décadas, afetando em torno de um terço do total das terras
do planeta.
A desertificação é um fenômeno que se refere a um processo de mudança ou, segundo
outro conceito, o resultado final de processos de mudanças que afeta tanto países e regiões
desenvolvidas como países e regiões em desenvolvimento, com variações (escalas e
intensidade) nas transformações de florestas nativas com biodiversidade por vezes não
conhecida e em geral não-valorizada, de matas e terras com potencial produtivo, de solos
férteis e recursos hídricos com qualidade em sistemas simplificados com reduzida ou sem
diversidade biológica, em terras inférteis e recursos hídricos poluídos e reduzidos que
perderam seu potencial econômico e se orientam para a desertificação. Transformações
com elevados passivos ambientais, em especial, os passivos decorrentes da artificialização
de ecossistemas em zonas secas, frágeis e facilmente desertificadas. Um fenômeno
destrutivo de riquezas potenciais e de ativos naturais dos recursos da terra.
A desertificação nesses níveis e escalas de extensões e perdas, por vezes
irrecuperáveis, deveria ensejar (uma atitude racional, diante o desafio) uma ação conjunta e
integrada de todos e em todos os níveis, com programas e planos propostos, discutidos e
legitimados por todos, comunidades, governos e setores públicos e privado. Planos e
políticas devidamente orientadas para gerar resultados com efetividade (proporcional ao
empenho na preparação e desenvolução) no combate à desertificação e amenização dos
efeitos das secas em comunidades vulneráveis de terras secas; aquelas que abrigam os mais
pobres, os mais vulneráveis e os de menores capacidades e recursos para o combate, porem,
os que carregam o “peso” de mudanças dessas transformações.

xviii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Um problema, - a desertificação, caracterizado pelo empobrecimento da capacidade


de renovação biológica da terra e por perdas de produtividades bioeconômicas que
ocorrem, com maior freqüência e intensidade, em zonas áridas, semiáridas e subúmidas
secas, as chamadas de terras secas, aproximadamente 37,0% de toda a superfície. Nessas
zonas, a razão precipitação anual / evapotranspiração potencial está compreendida entre
0,05 e 0,65; índice que define, sem o necessário atendimento em intervenções humanas,
essas zonas como muito vulneráveis e frágeis.
A degradação do solo, no processo de desertificação, tem sido definida como uma
crise silenciosa, que, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO, 2007 e 2008), compreende “o declínio em longo prazo na função e na
produtividade de um ecossistema” ix. Essa queda se intensificou, em gravidade e extensão,
nas últimas décadas do século passado, com incidência em mais de 20,0% das terras
agrícolas, 30,0% das florestas e 10,0% das áreas de pastagens no mundo, acusando-se na
elevação de problemas como os da pobreza e desnutrição.
Aproximadamente 1,5 bilhões de pessoas, segundo a FAO (2008), em torno de um
quarto da população mundial, “depende diretamente de solos que estão sendo degradados”
e que, como conseqüência dessa degradação, respondem por quedas de produtividades e
produções agrícolas e pecuárias significativas e por migrações de produtores de seu meio
rural. São fenômenos de degradações responsáveis, também, por inseguranças alimentares e
por significativas, incalculáveis, perdas da biodiversidade, entre outras.
Configuram-se, a partir desses fenômenos, situações graves, definidas por:
a) A degradação ambiental (efeito significativo e determinante da migração humana),
afetando comunidades que vivem às margens de domínios ecológicos, econômicos e
sociais e onde predomina a pobreza, como síndrome de diversas carências.
São prejuízos (perdas valiosas), em especial, na capacidade produtiva do solo e na
qualidade– disponibilidade de água nesses locais, que determinam, de forma
significativa, a migração da população, portanto uma causa na dimensão ambiental.
Para o caso do Brasil, segundo o Centro de Estudo Refugiados (2008), durante o
período 1970 a 2005, teria migrado do sertão nordestino, em torno de 60,0 milhões de
pessoas, por causa de estiagem que afetaram a produção agrícola.
b) O “ordenamento” territorial insustentável dos recursos da terra, apesar de ter sido
definido como importante instrumento da política do meio ambiente brasileira (pela
Lei no. 6938, de 31 ago. de 1981; recepcionado pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988; e adotado como objetivo da Política Nacional de
Controle da Desertificação).
c) As mudanças climáticas com impactos negativos dessas variações na população, na
economia e no meio ambiente. São fatores que em geral contribuem para que as terras

xix
Eduardo A. C. Grcia

áridas, semiáridas e subúmidas secas, sob pressão antrópica e formas de uso e manejo
inadequados, sejam, com relativa facilidade e notável rapidez, áreas desertificadas no
mundo, em aproximadamente 22,0% das terras sujeitas a esse processo.
Os países em processo de desenvolvimento e mais afetados pela pobreza e fome,
segundo o Informe do Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial para 2010,
afrontam 75,0 a 80,0% dos danos potenciais das mudanças climáticas.
No caso do Nordeste, tais mudanças, de acordo com Magalhães (2007), poderão
representar impactos como decréscimos na disponibilidade de água, substituição da
vegetação nativa por outras típicas de zonas áridas, terras agricultáveis sujeitas à
desertificação, salinização e aumentos de fatores que levam à redução na capacidade de
suporte para manter a população, mais incertezas para a agricultura de sequeiro e crises
sociais devidas às secas mais frequentes e severas, entre outros.
O estudo da FAO Avaliação da degradação do solo em zonas áridas, de 2008,
financiado por Global Environment Facility, revela que a principal causa da degradação do
solo é a má gestão da terra, a má gestão dos recursos da terra. Essa causa se destaca pelo
fato de as terras secas serem responsáveis por aproximadamente 22,0% da produção de
alimentos do mundo. São terras com riscos de desertificação em aproximadamente 33,0%
da superfície total (51,72 milhões de km2) e 70,00% de todas as terras das zonas áridas.
A evidência do impacto da desertificação, junto com a difusão da pobreza, é a
degradação de aproximadamente 3,3 milhões de km2 da área total de campo: 73,0% com
baixa capacidade de sobrevivência; 47,0% de queda na fertilidade dos solos de áreas secas;
e 30,0% de áreas secas com alto potencial de irrigação e alta densidade demográfica. Parte
da evidência dos efeitos negativos da desertificação está na perda de cerca de 6,0 mil km2
por causa do sobrepastoreio e da salinização de solos por irrigação com praticas e
tecnologias impróprias às condições locais e usos intensivos dos recursos da terra, além da
capacidade de suporte de ecossistemas e manejos, portanto, inadequados às realidades
locais.
No Brasil, são terras que correspondem a aproximadamente 15,7% da superfície total
do território, com várias categorias de susceptibilidade, tais como: muito alta (24,3% da
área total susceptível de 980,7 mil km2); alta (39,2% do total da área susceptível; áreas
áridas e semiáridas) e moderada (36,5% da área total susceptível) (PROGRAMA DE
COMBATE À DESERTIFICAÇÃO E MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DA SECA. IICA,
2008).
É oportuno esclarecer que as áreas susceptíveis à degradação dos solos, dos recursos
hídricos, da vegetação e biodiversidade e à redução da qualidade de vida de populações
afetadas pelo fenômeno, não se limitam às regiões semiáridas ou subúmidas secas do
Nordeste. Têm-se registros e, por vezes com melhores avaliações desses processos
negativos, em estados como os de Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, São Paulo e

xx
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Rondônia, entre outros. Em posteriores publicações do Ipea, com detalhes e sugestões


(parcerias) obtidas de organizações e instituições, públicas e privadas, serão apresentados
novos documentos com semelhante propósito de auxiliar planejadores, gestores e políticas
públicas no combate à desertificação.
Admitindo-se a má gestão dos recursos da terra como principal causa da degradação
do solo e esta como o principal fator da desertificação (omitem-se as controvérsias), coloca-
se em evidência desafios do Ipea como os de organizar uma rede de produção em novas
bases da sustentabilidade e de gestão pública de conhecimento.
Este documento, preâmbulo de outros, sintetiza o esforço de coleta, sistematização e
análise de dados em um campo, dentro da amplitude, complexidade e dinâmica ambiental,
que procura mostrar a necessidade de entendimento do problema, o da desertificação, a
acenar para ações de proteção e de conservação e manejo dos recursos da terra.
Para facilitar a comunicação e entendimento do texto se apresentam, a seguir,
diversos conceitos baços diretamente relacionados com o assunto (omitindo-se, também, as
controvérsias conceituais: é apenas uma referência situada em determinado contexto).

2.1 Conceitos e Contextualizações


Pelo cumprimento às exigências de um propósito didático proposto neste documento,
define-se o conceito como sendo uma entidade abstrata do pensamento, da comunicação e
do conhecimento. Uma entidade utilizada para designar uma categoria ou atributo de algo,
de um evento ou fenômeno a ser destacado por determinados atributos representados pelo
conceito ou uma relação entre variáveis de uma proposição.
O conceito, por vezes eventualmente provisório e, nesta publicação, com viés ou
certo enfoque para a questão técnico-científica, facilita o entendimento, pela concisão e
clareza do texto uniformizado sobre uma base, - a conceitual, portadora de significados,
independente da linguagem. Daí a sua importância e a necessidade de se explicitar, de
conceituar, em qualquer documento técnico.
A explicitação ou desdobramento de conceitos relacionados em estudos da
desertificação é orientado para questões técnicas - tecnológicas e se limita a um número
reduzido de assuntos, tais como: desertificação, combate à desertificação, degradação dos
recursos da terra, desenvolvimento sustentável, plano de convivência com a seca, erosão
dos solos, conservação e manejo dos recursos da terra, agricultura sustentável, participação
social em todos os níveis e cenários do semiárido para orientar boas práticas e sustentar
diretrizes e instrumentos de políticas públicas que, com frequência, escolhem e apresentam
conceitos.

xxi
Eduardo A. C. Grcia

A metodologia relaciona outros conceitos e desdobramentos como os de indicadores


e os pertinentes às técnicas e métodos utilizados na coleta, análise e síntese de dados, na
inferência e apresentação de resultados sistematizados em conceitos como os da ABNT e
ISO.

2.1.1 Desertificação: o problema central


A desertificação pode ser definida como um processo de destruição ou de perda do
potencial produtivo da terra, de degradação dos recursos da terra (sistema bioprodutivo
terrestre que compreende o solo, a vegetação, outros componentes da biota, além de
processos ecológicos e hidrológicos desenvolvido nesse sistema; conceito de terra segundo
a Convenção) e, em especial e como síntese e final de uma cadeia de destruição, a
degradação humana, destacada em regiões ou zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas,
as chamadas “terras secas”.
Um processo, o da desertificação, que resulta de ações (as que se definem como
sendo predatórias ou que excedem à capacidade de suporte e recomposição de
ecossistemas) de vários fatores, agindo isoladamente ou, com freqüência, simultaneamente,
incluindo, entre eles, as variações bioclimáticas (“induzidas” ou potencializadas por
atividades antrópicas) e as atividades humanas insustentáveis. São fatores como os físicos,
biológicos, socioculturais econômicos e político-institucionais, segundo a visão da
Convenção das Nações Unidas de combate à Desertificação x
Conforme outros enfoques, um processo que resulta, prioritariamente, de atividades
humanas inadequadas para o local ou região e que é influenciado por variações climáticas,
com seus maiores impactos na diversidade biológica e em perdas da capacidade produtiva
dos ecossistemas.
Os diversos enfoques e, em especial, o da Convenção, destacam, ainda que de forma
implícita, a abordagem sistêmica e integradora de um conjunto de elementos em um
componente e de diversos componentes em um sistema, diferenciando-se de enfoques
tradicionais não apenas pelo tratamento isolado de cada componente, mas por incorporar
processos como os econômico-sociais, demográficos e institucionais, associados, como
resultado, ao fenômeno da desertificação. Esse resultado, seja da ação conjunta de fatores
ou de atividades humanas influenciadas por variações climáticas, é um da degradação dos
recursos da terra que transforma florestas e solos férteis em áreas desertificadas (com o

xxii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

tempo, desertos) e onde os elevados níveis de hostilidade limitam, reduzem ou eliminam as


condições de vida nesses ambientes.
As adaptações de plantas e animais que sobrevivem em ambientes especiais como os
do semiárido e subsumido estão (são) determinadas por características, entre outras,
genéticas e ambientais: processos que se acompanham e refletem harmonias e equilíbrios
alcançados no transcurso de longos períodos de evoluções e adaptações. Mas, a acelerada
velocidade de simplificações ou artificializações excessivas e a intensidade do processo de
degradação dos recursos da terra, da desertificação, rompem tais equilíbrios porque
superam, em muito, à capacidade dos organismos se adaptarem ao novo meio. São
desequilíbrios com graves implicações (efeitos) que se manifestam pelo desaparecimento
(riscos, perigos ou ameaças de extinção de espécies), migrações e substituições: perdas da
biodiversidade e riquezas naturais.
No semiárido nordestino há evidências tanto de migrações (p.ex., humanas) como de
substituições (p.ex. da vegetação típica de caatinga por vegetação de zonas áridas)
associadas às simplificações de ecossistemas e às perdas de suporte ambiental para
atividades humanas.
As atividades humanas, realizadas sem cuidados de proteção e conservação,
orientam-se para provocar a desertificação, ainda que não intencionalmente, em um ou
outro enfoque e com impactos negativos sobre o meio ambiente, principalmente, em “terras
secas” de ecossistemas frágeis e com “limitadas” capacidades de recomposição de suas
fontes, reservas e ciclos.
Essas “orientações” provocam impactos ou alterações em processos e dinâmicas que
caracterizam os ecossistemas como susceptíveis à desertificação, com fluxos de bens e
serviços ambientais excedentes limitados ou, ainda, sem “suportáveis” excedentes, na visão
econômico-ecológica, dado o estado das artes e ciência tecnologia para evidenciá-los com
sustentabilidade.
São ecossistemas, os das terras secas, exigentes por técnicas – tecnologias e práticas
de proteção e manejo que, em ausências delas, limitam (deveriam limitar ou até impedir
com base em critérios, os de sustentabilidade) as artificializações e incorporações desses
ambientes aos sistemas produtivos.
Nas práticas frequentes de simplificações, de usos e manejos de ecossistemas do
semiárido, configuram-se causas que levam à desertificação. Isto, porque os usos e manejos
de seus recursos não atendem às características (como, p.ex., grandes variações e
irregulares distribuições de “normais” climáticas, solos pobres em matéria orgânica,
escassez de água e biota adaptada às condições do meio alterado) e, em particular, à
capacidade de suporte (poucos excedentes de recursos naturais, dado o instável equilíbrio
interno desses sistemas) desses ecossistemas.

xxiii
Eduardo A. C. Grcia

São diversas as atividades de simplificações ou artificializações a que são


submetidos, com frequência, os ecossistemas de térreas secas, tais como:
a) O desflorestamento e desmatamento desordenado e praticado sem critérios técnicos
consistentes (para as condições locais e regionais) que interfere no equilíbrio
ecológico, alteram ou eliminam importantes habitats, destroem nichos, rompem
cadeias alimentares, modificam condições indispensáveis para a manutenção e
expressão da biodiversidade (p.ex., com a extração intensiva de plantas medicinais e
de vegetais fontes de alimentos) e de riquezas culturais (p.ex., o desflorestamento que
desqualifica a identidade natureza – homem e parte de saberes tradicionais) com
prejuízos, em geral, não-compensados pelos ganhos tecnológicos na produtividade
agrícola e em outras intervenções humanas que realizam tais práticas com impactos
ambientais negativos.
No caso da desertificação no Nordeste, uma das causas mais importante, associada ao
desflorestamento, é o extrativismo vegetal e mineral, com danos muitas vezes
irreversíveis no meio ambiente.
b) A introdução de novas espécies de monocultura de plantas cultivadas e proliferação
“anormal” (apenas para a atividade, para o agente econômico que faz essa introdução)
de espécies de insetos nocivos: ciclo curto dos cultivos introduzidos e que substituem
a vegetação nativa, abundância de alimentos e ausência de predadores das “pragas”.
Em alguns casos, a introdução de novas espécies, relaciona-se com o
desenvolvimento de culturas de exportação que não estão devidamente adaptadas ao
clima, ao solo da região e que ao não considerar riquezas naturais, habitats,
endemismos e fatores indispensáveis (no conceito de “demanda derivada” de bens ou
serviços indevidamente considerados livres, sem preços nem mercado) no suporte a
um excedente econômico, destroem a base ou sustentação dessas mesmas culturas,
além da destruição, provocada pela simplificação, no ecossistema.
c) As queimadas indiscriminadas que alteram ciclos, processos e comprometem reservas
e fontes de recursos naturais como as de águas.
d) As sobre-explorações (p.ex., a intensidade na exploração agrícola e pecuária, -
sobrepastoreio, e da caça e pesca excessiva) de ecossistemas em níveis que excedem
à capacidade auto-regeneradora desses sistemas naturais.
A capacidade de suporte da Caatinga de 8,0 a 14,0 ha / unidade animal de bovino ou
1,0 a 1,5 ha / caprino, ainda que sem uma base técnica, porém mantida e tida no
limite de tolerância (?, suposto ou admitido), tem experimentado significativos e
evidentes aumentos da densidade populacional de 50,0% ou mais.
e) A mineração desenvolvida sem adequados critérios e com a utilização de recursos
prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana.

xxiv
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

f) As atividades ceramistas que utilizam lenha retirada da caatinga e emitem poluentes


na atmosfera (p.ex., dióxido de enxofre, óxido de nitrogênio etc.); atividades que
poluem fontes de água e com a extração de argila (em locais de várzeas, riachos,
açudes etc.) desmatam e degradam o solo, entre outras consequências da
simplificação da Caatinga. São simplificação e mudanças de cenários primários com
perdas de características geoecológicas que se traduzem em perdas econômicas e
sociais.
As atividades humanas, nas exageradas simplificações ou artificializações de
ecossistemas da Caatinga, favorecem a desertificação quando aceleram ou incentivam
processos como os de erosão geológica (desertização); quando alterarem, de forma
significativa, a paisagem e provocam mudanças de ambientes bióticos com determinadas
riquezas dominantes na Caatinga, para ambientes abióticos empobrecidos e sem água (sem
capacidade para manter a biota original que é substituída nem um excedente econômico de
água, de vegetação, de caça e pesca).
A “trilha” frequente da degradação que leva à desertificação ao transformar um
estado natural inicial, (p.ex., uma área não degradada de Jabariguara, CE; Figura 1) em
um “estado” culminante de degradação dos recursos da terra, da desertificação ou de um
estado muito próximo dela, poucas décadas depois, é determinada pela intensidade de uso e
as formas de manejo. Um estado irreversível que provoca ou favorece desequilíbrios de
sistemas naturais como os dos ciclos hidrológicos e climáticos, além de alterações da
dinâmica dos solos e da biodiversidade (TRIGUEIRO, OLIVEI-RA e BEZERRA, 2009).
Essa “trilha” representa uma nova dimensão temporal
O tempo pode ser medido pela capacidade de transformação da matéria: sem
transformação, ocorre a detenção no
tempo, se tudo se transforma e é Área não-degradada: Jaguaribara (CE)
auxiliado por atividades antrópicas,
acelera-se esse processo e se rompem
equilíbrios dinâmicos. O auxílio, neste
caso, ocorre com o uso (intensivo e
além da capacidade de suporte
ambiental) de práticas e técnicas-
tecnologias inadequadas de produção,
de hábitos de consumo e de formas de
manejo, com a liberação de
Trilha

subprodutos responsáveis pela Taxa de Natureza física do


poluição e com as mudanças local
Degradação
climáticas: esse é o sentido da “trilha” Função Intensidade de uso

que encurta o tempo para a Forma de manejo


desertificação; da trilha que representa

xxv

Área degradada; erosão laminar; Jaguaribara (CE)

Figura 1 “Trilha” da degradação que leva a desertificação


Eduardo A. C. Grcia

o aumento de perdas ambientais, da pressão sobre o meio ambiente, afetando-o, de forma


negativa, em sua estrutura, inter-relações (internas e externas) e dinâmica.
São impactos mais ou menos graves que podem levar à desertificação em maior ou
menor tempo: detê-la é um compromisso de todos, baseado na racionalidade e efetividade
de instrumentos definidos e integrados em políticas públicas, para agirem, com objetividade
e efetividade nos componentes causas que definem essa trilha. Surge, nessa proposta, um
espaço para empresas como as de pesquisas e institutos como os de auxílio à formulação de
políticas públicas contribuírem para o desvio, redução ou eliminação de fatores e condições
da degradação.
A desertificação é considerada como um dos problemas mais graves do meio
ambiente, um problema que passou a ser internalizado (?) no Brasil em 1988, xi decorrente
da degradação do solo (dos recursos da terra) que afetava, no início do novo milênio, mais
de um bilhão de pessoas de regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas do mundo. Um
problema complexo e dinâmico composto por diversos ciclos e/ou espirais e onde efeitos de
uma fase podem ser causas de outras, retroalimentadas em ciclos ou espirais perversas.
É preciso identificar nós e elos, caracterizá-los e, com propostas “consistentes,
romper esses ciclos e espirais, no combate às causas da desertificação, agindo com
efetividade em fatores controláveis (atividades humanas) que levam à degradação e
eliminar a potenciação de efeitos negativos como os de variações bioclimáticas: é, antes de
tudo, um processo de prevenção, monitoramento e controle, a iniciar ou acelerar com os
melhores endereçamentos para a educação socializada, conscientização e responsabilidade–
comprometimento de todos nesse combate.
A taxa de deterioração, no processo de degradação ambiental ilustrado na figura
acima, pode ser reduzida, em níveis (riscos) toleráveis (os mínimos; o ideal seria eliminá-
lo), agindo nos fatores e condições que definem a trilha de desertificação, mediante:
a) Substituição criteriosa e oportuna de formas, procedimentos e técnicas de usos-
utilizações indevidas e de práticas de manejos inadequadas de recursos como água,
solo e vegetação.
A condição para fazer essas substituições é conhecer as deficiências, ineficiências e
efeitos negativos ou consequências das práticas de uso e manejo atuais e, com base
nesse conhecimento, buscar alternativas para se realizarem tais substituições. Devem
ser alternativas que incorporem critérios técnicos “facilmente” adotáveis por terem
viabilidades técnica, econômica e operacional. Alternativas que possam utilizar
(incorporar, quando convenientes) experiências e saberes tradicional.
Técnicas e procedimentos de conservação e manejo integrado, testadas e adequadas
às condições físicas como, p.ex., as de disponibilidades de águas combinando
diversas fontes desses recursos, em termos de quantidade e qualidade e características

xxvi
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

físicas e químicas dos solos, além de se integrarem aos aspectos socioeconômicos


locais e regionais que possam se relacionar com as substituições de usos e manejos.
b) Eliminação de tecnologias impróprias como as de irrigação, dadas as condições locais
e regionais não atendidas com essas tecnologias.
A semelhança do caso anterior, é preciso definir as impropriedades ou os impactos
negativos das tecnologias, em termos de (relação preliminar): bases “técnicas” (p.ex.,
as dos sistemas de irrigação e drenagens com a salinização), consequências (p.ex., as
de inundações de áreas mal drenadas, alterações físicas do solo, - aeração, e, em
especial, salinização dos solos) e custos de perdas, considerando-se, nessas
estimativas, diversos critérios, além dos econômicos de prevenção, recuperação, etc.,
os sociais e ecológicos.
As consequência de técnicas, procedimentos e tecnologias impróprias se manifestam,
também, pelo abandono das terras por partes das populações mais pobres; pela
diminuição da qualidade de vida, aumento da mortalidade infantil e diminuição da
expectativa de vida dessas populações; pela desestruturação das famílias, no local,
como unidades produtivas; e, seja de maneira direta ou indireta, pelo crescimento da
pobreza urbana devido às migrações, a desorganização de cidades, ao aumento da
poluição e aos problemas ambientais urbanos provocados por essas migrações.
Parte dos estudos das consequências, dos impactos das tecnologias no meio ambiente
e de necessidades de suas substituições deve ser utilizada para orientar a busca de
alternativas dessas tecnologias. Trata-se de uma orientação de especial utilidade em
delineamentos de políticas de pesquisa e extensão.
c) Períodos de pousios insuficientes (muito curtos ou épocas na adequadas), dadas as
condições físicas, econômicas e socioculturais desses ambientes.
A insuficiência de um período de descanso e recomposição deve ser considerada à luz
de indicadores e condições locais e regionais para, p.ex., repor (pela atividade cíclica
em cada caso) e manter (conforme indicações dadas pela estrutura - organização,
composição e interação de sistemas) reservas como as de nutrientes dos solos e
biomassas de espécies nativas e disponibilidades sazonais de águas.
Na suficiência de atendimento, - a alternativa para reduzir ou eliminar esse fator de
deterioração, poderá combinar períodos de descansos com formas de manejo como as
de pastoreio, rotações de culturas e plantios diretos, entre outras.
A mudança (redução ou eliminação) da taxa de degradação ambiental pode ser
alcançada, segundo Trigueiro, Oliveira (op. cit.), por: a) o enriquecimento [reintrodução] de
espécies nativas e pela recuperação e manutenção da biodiversidade de componentes
florísticos em áreas degradadas; b) com a aplicação de técnicas de cultivo mínimo e de
raleamento quando necessário, observando a preservação do componente arbóreo nativo; c)

xxvii
Eduardo A. C. Grcia

pelo aprimoramento tecnológico da agricultura de sequeiro; e, em especial, d) pelo uso


racional e a conscientização de que é necessário preservar ambientes e condições para as
futuras gerações, evidenciando, com isso, o papel da educação ambiental: mudanças de
hábitos e orientação do produtor e de comunidades para adotarem princípios de convívio
ambientalmente sustentável.
Quais são esses princípios? Do ponto de vista tecnológico em sua real dimensão e
significado, os de vantagens do conhecimento e da tecnologia para a proteção, uso
sustentável (vale dizer, conservação), manejo integrado e valorização internalizada na
conservação.
A degradação da terra é um problema em escala mundial que requer (exigências,
entre outras não menos importantes, de habilidades, competências e oportunidades de todos
os envolvidos e interessados) detalhado e criterioso aprofundamento em seus aspectos
teórico-científicos e metodológicos necessariamente adaptados e aplicáveis às condições
ambientais, socioculturais e econômicas do local ou região.
São exigências como as de entender impactos, desdobramentos e complexas
interações de fatores físicos (locais, regionais e globais), biológicos (locais e territoriais),
socioculturais (locais e regionais), institucionais (regionais) e econômicos (desde locais até
globais em mercados conectados).
Exigências para romper abordagens de análises e interpretações temáticas, tais como:
climatológica, hidrológica, pedológicas, biológica e antrópica ou de apenas conteúdos
tecnológicos, entre outros, tratando-as em contextos sistêmicos interdisciplinares,
dinâmicos e de “naturais” ou lógicos desdobramentos e ciclos, tais como (Quadro 1):
saúde (saneamento básico) para a preparação na educação e educação para garantir a saúde
(esse serviço básico); o binômio saúde - educação para se ter justiça social (inclusão social
e oportunidades de trabalhos, de moradia, segurança alimentar etc.). O atendimento a tais
exigências impõem outras como as de bases de dados “consistidas” e novas abordagens
como as sistêmicas, dinâmicas e de riscos, no tratamento e formulação de planos.

Quadro 1 Sequência e inter-relacionamento de componentes em abordagem sistêmica


Interdisciplinaridad

saúde  educação
Dinâmica

saúde  educação  justiça social

saúde  educação  justiça social  médio ambiente


xxviii

saúdeeducaçãojustiça social médio ambiente  desenvolvimento


sustentável
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Os impactos e ameaças, as associações e interações de fatores, as causas e projeções


da desertificação possuem origens e desdobramentos diferenciados ou diferentes, por vezes
característicos de cada local ou região, em função de naturezas e situações específicas de
ecossistemas naturais, variando desde ocorrências de fenômenos que definem secas até
processos institucionais, de infraestrutura e organização e de uso, manejo e acesso aos
recursos naturais.
Na perspectiva de sequência e inter-relacionamento de componentes é preciso
combinar elementos da história – evolução ambiental no local ou região (como surgiu o
problema com os processos de ocupação e uso econômico, com os hábitos de consumo que
provocaram a degradação da capacidade de resiliência do ecossistema, que afetou o homem
nos níveis registrados no presente e que poderão se agravar no futuro, caso não sejam
tomadas as devidas medidas) com tendências e projeções (previsões de agravamento ou de
solução do problema da desertificação associadas às mudanças climáticas e às perdas da
diversidade biológica, aos comportamentos de agentes ou às ações de controle: são os
cenários) para compreender a desertificação.
O termo desertificação surgiu, no final da década de 40, século XX, para identificar
áreas que ficavam parecidas com desertos:

“para expressar a regressão da selva equatorial africana pelo corte abusivo, incêndios e roças para a
transformação em campos de cultivo e pastiçais, o resultado dessa prática não era outro senão a exposição
do solo, a erosão hídrica, eólica e conversão de terras biologicamente produtivas em desertos”
(AUBRAVILLE, citado por CAVALCANTI, COUTINHO E SELVA, 2006).

O problema da diminuição ou da destruição do potencial biológico dos recursos da


terra que pode levar ambientes a condições semelhantes a desertos está associado com
outros problemas não menos graves xii com inter-relacionamentos, por vezes de causa e
outras como efeito, complexos e dinâmicos.
A comunidade científica aceita, ainda que com diversidade de enfoques e
interpretações de fatos, inclusive com fontes variáveis de dados, os inter-relacionamentos
de pobreza, desertificação e degradação dos recursos da terra, da desertificação com a perda
da diversidade biológica e com as mudanças climáticas, conforme se indica, de forma
simplista, na Figura 2.
Projeções preliminares apontam tendências de maiores variações climáticas para
regiões áridas e semiáridas: épocas de inverno com muita chuva e épocas secas com

xxix
Eduardo A. C. Grcia

maiores secas. Essas variações, entre outros, são manifestações notáveis que aparecem na
África e na América Latina (NOBRES, 2008).
Entretanto, por “conveniências” e acomodações com viés, de determinados setores e
países e pelas implicações que se depreendem com a internalização de passivos ambientais
em contabilidades públicas e privadas desses atores, são “fatos, dados e projeções”
questionáveis e até “rejeitáveis”, em função dessas “conveniências” e acomodações, apesar
da polêmica ter sido “aparentemente” resolvida quando aprovada a Agenda 21 e acordada
a sua implementação na Convenção das Nações Unidas de Combate à
Desertificação.
As Nações Unidas, mediante suas convenções que pactuam, por acordos, ações e
estratégias de combate à desertificação, e os países ricos e desenvolvidos, através de suas
representações econômicas e políticas nesses fóruns, respondem com grande defasagem (à
despeito de fatos e evidências das consequências da desertificação no econômico, no social
e no ambiental) e se “recusam” em acatar compromissos e a se comprometerem a
alcançarem metas que possam reduzir causas como as de mudanças climáticas, de perdas da
biodiversidade e das desertificações ambiental e humana.
Acrescenta-se o fato de determinados acordos e mercados internacionais estimularem
a sobre-exploração de recursos da terra que levam ou favorecem à desertificação.

AÇÕES
Elaborar e implementar um programa de ação
nacional de combate à desertificação, com a
participação da população e de comunidades
OBJETIVOS (...), com parcerias, cooperações e
coordenações.
Combater a desertificação
e os efeitos da seca, em Um programa com flexibilidade para se
abordagens consistentes ajustar às mudanças, com ênfase em
com a Agenda 21 medidas preventivas e com possibilidades
de revisões periódicas.

PROBLEMA
Identificar fatores contri- COMBATE À
buintes * à desertificação e DESERTIFICAÇÃO E AOS
definir-especificar EFEITOS DE SECAS
obrigações ** dos
envolvidos (…).

RECOMENDA xxx
ABORDAGEM
Recomenda a criação de
sistemas de alerta precoce Integrada [sistêmica], considerando
e a preparação da aspectos físicos, biológicos e
sociedade com planos de socioeconômicos do problema para
contingências para lidar acenar nas ações de solução.
com a seca. Inclusão do
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

A definição da desertificação tem como base a proposta apresentada na Convenção


das Nações Unidas de Combate à Desertificação e “acatada”, em tese, pelos países
signatários, entre outros o Brasil, com desdobramentos e ênfases, em aspectos, tais como:
a) A definição da desertificação pelas suas causas, as relevantes, no local ou região e
as interações, as significativas, de fatores naturais e antrópicos que determinam a
complexidade e dinâmica desse fenômeno.
A caracterização e análise de causas não apenas pelos efeitos diretos, mas pelas
interações e sinergias desses elementos ou variáveis, com possibilidade para
acenarem, com objetividade, a busca de fontes de dados na complementação do
estado inicial de conhecimentos, de objetivos e meios necessários para serem
alcançados.
b) A incorporação de saberes tradicionais, evoluções (históricas) e perspectivas
socioculturais de comunidades vulneráveis ou susceptíveis à desertificação.
A incorporação de intangíveis como saberes e experiências de comunidades no
convívio com o semiárido e em políticas de combate à desertificação requer o
necessário conhecimento desses ativos (precedida do resgate e valorização de
sistemas tradicionais, entre outros, os de convivência–ajuste ao meio e de gestão e
ordenamento do território) e definir brechas para que tal incorporação, valorizada e
legitimada, possa ser socializada e acrescida de novos valores com os conhecimentos
adicionais.
Estabelece-se como hipótese, que tal incorporação, - as de saberes e experiências de
comunidades no combate à desertificação e convivência com a seca em planos, dá

xxxi
Eduardo A. C. Grcia

legitimidade à ação política e facilita a definição e implantação desses planos quando


neles se identifiquem poderes e desejos sociais; quando possam interpretar a vontade
popular e a ação comunitária integrada – potencializada nesses planos.
c) A natureza dinâmica e complexa da desertificação que em seu componente antrópico
responde aos arranjos que se fecham em ciclos ou se mantém em esperais e onde é
preciso encontrar pontos de tensão, elos críticos, oportunidades para rompê-los e
evitar retro-alimentações viciosas.
Por vezes, são estruturas institucionalizadas, como as de posse da terra e recursos
hídricos, que favorecem a exclusão social e a sobre-exploração de recursos com a
concentração de recursos e benefícios. Reconhece-se que são estruturas sedimentadas
e com lastros históricos e socioculturais e onde esforços de mudanças encontram
grandes resistências por parte de setores influentes e dominantes.
d) Os fatores de riscos no planejamento, na gestão integrada, na tomada de decisão e em
políticas públicas, em geral, omitidos em planos de combate a desertificação e
convivência com a seca. Em muitos casos são fatores de incertezas como as que
ocorrem em projeções de causas e efeitos em horizontes de curto, médio e longo
prazos, devido às dificuldades de representar a dinâmica e complexidade desses
processos. Contudo, não há razões nem desculpas para ignorá-los, dada a gravidade e
extensão do problema, e adotar a procedimentos simplistas ou relações estáticas e
bem definidas.
Grande parte das incertezas está associada à consideração, por parte da teoria
econômica que tem permeado políticas e comportamentos de agentes econômicos, do
uso comum de recursos naturais. Recursos valiosos, porém sem preços nem mercados
e com acessos, em tese, permitidos a todas as atividades econômicas, por vezes,
dominadas e concentradas por setores. Essa permissão favorece ou se orienta para a
sobre-utilização que responde por externalidades cruzadas negativas e implica, no
longo prazo, o comprometimento da sustentabilidade de fontes do meio ambiente
como sistema de suporte à vida.
No contexto de “bens livres”, os recursos naturais passaram, em alguns casos, de uso
comum e disponibilidade ilimitada para bens escassos e com valor econômico, como
é o caso da água, com a instituição da cobrança do uso de recursos hídricos. xiii Mas,
os processos de reconhecimento, - do valor de bens e serviços ambientais, e de
internalização desse valor em atividades produtivas, - ainda mais distante, são
dominados por incertezas que favorecem efeitos negativos como os de mudanças
climáticas originadas, em parte, pela acumulação de gases de efeito estufa.
É relativamente claro para, no contexto da pesquisa e a ciência, que o potencial de
mudança climática é muito grande e que a omissão ou o desinteresse para tratar o
assunto relacionado com a desertificação, seja como provável (riscos) ou como

xxxii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

possível (incertezas), provocará conseqüências negativas para todos. Por isso, mesmo
com incertezas, é preciso construir cenários e fazer projeções para planejar e agir no
combate à desertificação: durante os processos, ações e estratégias do combate,
poderão ser feitos ajustes e correções necessárias, baseadas em novos dados e
evidências.
e) Os relacionamentos, com fieis e consistentes indicadores, de fatores naturais (objeto
de gestão integrada) e antrópicos (objetos de conservação e manejo integrado) é,
também, parte da desertificação. Gerenciar esses fatores implica conhecê-los e nessa
tarefa é destacado o papel do Ipea para, p.ex., socializar evidencias empíricas que
foram fortalecidas nos últimos anos acerca de mudanças climáticas pela acumulação
de GEE provocada por atividades humanas e com prováveis efeitos na elevação de
temperatura, alteração do sistema climático com diversos impactos no Nordeste: na
agricultura, com queda na produtividade; em reservas de água, com redução; na
biodiversidade, com a extinção ou ameaça de extinção de espécies; e na saúde
humana, com danos e riscos pelo aumento da incidência de doenças efeitos e
relacionamentos importantes.
O relatório do IPCC (2007) projetou para a América Latina alguns impactos, tais
como: aumentos de temperatura e decréscimo associado de água no solo, com substituição
da vegetação do semiárido por vegetação típica de zonas áridas; perda de biodiversidade
com a extinção de diversas espécies; mudanças no padrão de chuvas; e tendência de quedas
na produtividade de alguns cultivos agrícolas com implicações graves na segurança
alimentar em determinados setores da população.
O problema da desertificação pode ser muito mais complexo do que a ação
combinada de fatores naturais e antrópicos em determinada região ou local em desacordos
com a capacidade de suporte e com acentuados desequilíbrios em processos naturais.
Poderá compreender, de forma significativa, graves problemas ambientais, conforme se
ilustra na Figura 3, com o destaque de uns poucos exemplos de ciclos e interações. A
mudança climática e a desertificação são dois aspectos, complexos e estreitamente inter-
relacionados de um mesmo problema e tais fenômenos requerem ações e estratégias
combinadas para o controle. A mudança climática está associada à maior evapotranspiração
potencial (feito da elevação da temperatura) o que se traduz em “normais” de chuvas
menores e mais “erráticas” sua distribuição, aumento da área semiárida e avanço da mata
seca em áreas de Ceará e Bahia.
A desertificação ilustrada na Figura 3 com o processo de erosão dos solos, a perda
ou redução da diversidade biológica e a mudança climática são (cada um deles) grandes e
complexos problemas de um único fenômeno que, em estágios avançados, provoca a
desertificação humana. Um resultado “inicial” é a menor produtividade agrícola e pecuária
que pressiona para incorporar novas áreas da caatinga a serem desmatadas, queimadas,
erodidas para manter a renda. Desse ciclo, um é considerado:

xxxiii
Eduardo A. C. Grcia

erosão do solo  redução da capacidade de produção dos recursos da terra


 fome  êxodo: mais pobreza, subemprego, insegurança etc.
A degradação pela a erosão do solo é, também, um assunto relacionado com outros
problemas ambientais não menos graves como, p.ex., ser essa deterioração responsável, em
mais de 30%, pela emissão de gases do “efeito estufa”: as perdas de biomassa e matéria
orgânica liberam carbono na atmosfera, com implicações na redução e adaptação às
mudanças climáticas e, como efeito direto, implicações nas perdas da biodiversidade.
O semiárido nordestino pode ser considerado uma das regiões mais vulneráveis à
desertificação do Brasil que, no aspecto social, o aquecimento global pode resultar em
acentuada redução da pluviosidade média, com efeitos na vegetação típica da caatinga,
substituída, provavelmente, por vegetação de regiões áridas, segundo projeções do IPCC
(op. cit.).
O aquecimento global pode, também, inviabilizar a agricultura familiar e de
subsistência; aumentar a emigração humana que na última década do século XX atingiu em
torno de um milhão de pessoas das áreas rurais do semiárido nordestino; e até reduzir o
volume de água do rio São Francisco, com possíveis implicações em projetos como o da
Transposição desse rio, no contexto do Projeto de Integração do Rio São Francisco com
Bacias Hidrográficas do Nordeste Septentrional.
O entendimento do problema da desertificação é condição necessária (a suficiente
depende da vontade, decisão e ação de resultados com efetividade) para acordar com os
interessados a definição de um plano com ações e estratégias a desenvolver, integradas em
políticas públicas, de “combate” à desertificação, reconhecendo-se que é preciso, antes de
tudo, vontade e decisão política para que esse combate possa ter efetividade em seu
resultado. Essas condições, as de suficiência, não são consideradas neste documento,
pressupondo-se que o fato e a evidência sejam argumentos para despertar, motivar e
orientar ações combinadas, públicas e privadas, destinadas ao controle.

Desertificação

Reduções da produção primária


Reduções de plantas
e de ciclos de nutrientes
e da diversidade de
Redução do sequestro organismos do solo
Erosão do solo
de carbono em (…) Redução (perda):
Não-conservação do solo
Aumentos de
xxxiv Reduções da diversidade
eventos extremos: Reduções de reservas de Perdas de nutrientes e na estrutura de coberturas
secas, enchentes etc. carbono e aumentos de da umidade do solo vegetais e nos micro-
emissões de CO2 organismos do solo

Mudança
Perda da
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Parte de condições necessárias como, p.ex., as consequências regionais do


aquecimento global por ações antropogênicas ainda não podem ser previstas com níveis de
confiança desejáveis. Contudo, são prováveis alguns impactos e possíveis outros, como os
de elevação de temperatura e aumento da evapotranspiração e mudanças em regimes de
outras “normais” climáticas.
Fica claro, pelo exposto anteriormente, que o conhecimento do problema se coloca
como condição indispensável não apenas para entendê-lo, mas para procurar os meios de
combate ao preparar e direcionar ações e estratégias. Uma síntese conceitual desse assunto
é apresentada na próxima seção.

2.1.2 Combate à desertificação


A desertificação é um inimigo não mais silencioso, nem visível apenas no longo prazo e
defasado de atividades causais, em seu aparecimento, que, paradoxalmente, tem sido “criado”,
fortalecido e evidenciado em grande parte, por ações e intervenções humanas imprevidentes e
irresponsáveis nos ecossistemas. Isto porque sucessivos desflorestamentos, queimadas, sobre-

xxxv
Eduardo A. C. Grcia

explorações e artificializações auxiliadas por tecnológicas impróprias rompem ciclos e exaurem


fontes: a trilha da desertificação é pavimentada por essa tecnologia.
O combate pressupõe definir (conhecer) o inimigo da forma mais completa e objetiva
possível: identificar e caracterizar os fatores ou condições que impedem ou limitam o
aproveitamento integrado do solo, dos recursos hídricos e dos recursos florestais em áreas
susceptíveis à desertificação; conhecer os fatores e condições que levam à degradação.
Dessa forma, combater à desertificação implica (condição necessária) conhecer as causas da
degradação pelos seus efeitos significativos, tanto diretos como indiretos – associados; conhecer as
interações de fatores em um conjunto (físico e antrópico) e de conjuntos ou sistemas em um local
ou região. Um combate que exige ações e estratégias acordadas, integradas e viabilizadas
(viabilizáveis por todos) em planos e políticas com atividades conjuntas público–privadas e com
recursos e estratégias nacionais – internacionais direcionadas. Esse direcionamento, com
objetividade, realismo e legitimidade é condição de sucesso. Um combate com visão e cenário
“definidos” e interpretados – viabilizados em políticas públicas.
Controlar a degradação de recursos da terra com efetividade esperada em resultados de
planos pressupõe, além de conhecer a origem, a evolução, o estado atual e os possíveis
desdobramentos de fatores, as tendências desse fenômeno dentro de condições estabelecidas em
cenários prospectivos de desenvolvimento para, com base nesses conhecimentos, definir estratégias
e ações integradas em planos de desenvolvimento sustentável.
O combate à desertificação com objetividade, significa evitar ou minimizar, em níveis
toleráveis pelos sistemas ambientais, sociais e econômicos, fatores, condições e atitudes que
estimulam ou favorecem, provocam ou aceleram a degradação dos recursos da terra e levam à
desertificação. Significa relacionar e compreender todas as atividades (no início do combate, as
mais importantes) e estratégias que podem melhorar as fontes - reservas e os fluxos de recursos
naturais em zonas semiáridas e subumidas (terra secas: caso do semiárido nordestino) tendo como
referência o desenvolvimento sustentável. Portanto, nesse combate há, também, um interesse e foco
no aproveitamento integrado dos recursos e ambientes da terra em zonas áridas, semiáridas e
subúmidas secas, orientado para o desenvolvimento sustentável e com objetivos de prevenção e/ou
redução da degradação e de recuperação de terras em vários níveis de degradação.
O controle de causas da desertificação e, em particular, o combate aos fatores e condições de
aceleração e intensificação desse fenômeno, tem sido para a agricultura sustentável, um tema
recorrente tanto na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação como em outras
convenções, agendas, planos e proposições em vários níveis e frentes, desde o monitoramento até a
avaliação e propostas de medidas sem, contudo, alcançar (até início do novo milênio) os objetivos
propostos nessas convenções e planos.
Um tema em destaque que, a partir de 2007/08, motivou novas preocupações, diante as
frustrações de controle e combate desse fenômeno, pelas relações diretas com a produção de
alimentos significativamente reduzida em zonas afetadas, em setores expressivos da população, e de

xxxvi
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

fontes afetadas biorenováveis de energia passando a se constituir um problema ambiental, social e


econômico nacional e global.
O combate à desertificação deve considerar, no tratamento proposto em políticas públicas, as
causas e os fatores condicionantes que as favorecem; considerar, em especial, evitar esses fatores ou
reduzi-los em níveis ou riscos toleráveis pelo ecossistema, bem como eliminar ou reduzir as
condições que aceleram ou agravam esse problema.
Há princípios, recomendados pela Convenção das Nações Unidas de Combate à
Desertificação que, quanto possível e sempre adequados às condições locais (processo e estratégia
que o País tem adotado), devem orientar e fundamentar programas de combate à desertificação, tais
como: a) as decisões relativas à concepção e implementação desses programas serão tomadas com a
participação das comunidades locais afetadas – interessadas; nas instâncias superiores de decisão,
será criado um ambiente propício para facilitar a realização das ações nos níveis nacional e local; b)
devem ser melhoradas a cooperação e coordenação, no contexto de solidariedade e parceria, e os
recursos humanos, organizacionais e técnicos alocados onde forem mais necessários; c) a natureza e
o valor dos recursos da terra devem ser mais bem compreendidas e promovidas conservações, -
usos com tecnologias e praticas sustentáveis; d) as necessidades e circunstâncias particulares
devem ser evidenciadas e plenamente consideradas nos programas.
São recomendações que destacam a necessidade de se ter “pleno” conhecimento de condições
que facilitam a participação e cooperação – coordenação; da internalização da natureza e valor dos
recursos em políticas e programas; e de circunstâncias particulares a serem atendidas em planos e
projetos, como as do ser humano em seu meio e estado de evolução.
O Quadro 2 sintetiza aspectos, relacionados com a pesquisa e desenvolvimento (P&D), para
reflexão ao se definirem ações e estratégias de um plano de combate à desertificação e convivência
com a seca, considerando, em parte, recomendações da Convenção.

Quadro 2 Pontos de reflexão que podem auxiliar a definição de ações e estratégias em um plano projeto
de combate à desertificação e convívio com a seca
PONTOS DESDOBRAMENTOS
Em seu meio sociocultural, econômico e ambiental; com a sua
Foco: o ser humano
história, perspectivas e possibilidades, dentro de contextos realistas.
- A implementação de programas de ação local e regional:
motivação para a participação.
O progresso, com - Necessidade de cooperação internacional e parceria: troca de
objetividade no foco, experiências e aporte de recursos financeiros.
depende de: - Participação plena: da mulher, do homem, de associações em
planos.
- Imprescindível engajamento da comunidade em políticas públicas.
Condições - Conhecer o problema por suas causas, efeitos e importâncias.

xxxvii
Eduardo A. C. Grcia

necessárias objetos de - Ordenar / priorizar as causas com base em indicadores, critérios,


atendimentos diretrizes, objetivos e recursos disponíveis.
- Relacionar e avaliar as causas em lógicas estruturas.
- Alocar recursos suficientes e com objetividade.
- Encorajar a participação: motivar, educar, conscientizar (...)
- Melhorar o conhecimento do problema e os meios (...).
- Atender objetivos e metas conforme diretrizes (…).
- Projetar/integrar/valorizar o conhec. novo e tradicional
Papel da P&D no - Fortalecer a P&D para gerar / adaptar e levar / difundir
combate à informações e tecnologias para esse combate e convívio.
desertificação - Definir relações: pobreza– migração–desertificação como
elementos de subsídios para formular políticas públicas.
- Agir, com objetividade e oportunidades, em redes, parcerias (…),
tanto públicas como privadas: organizações.
INFORMAR PARA EDUCAR. EDUCAR PARA CONHECER E VALORIZAR. CONHECER
PARA PREVENIR. E PROTEGER. CAPACITAR PARA AGIR NA CONSERVAÇÃO E
MANEJO INTEGRADO DE RIQUEZAS E NO COMBATE À DESERTIFICAÇÃO E
CONVÍVIO COM A SECA

Quais são as causas que devem ser colocadas em destaque em uma proposta de combate à
desertificação? As manifestações dessas causas, em níveis variáveis de região para região, podem ser
sintetizadas como segue:
a) Intensivos e indiscriminados desmatamentos feitos sem critérios técnicos nem opções
econômicas em áreas frágeis; práticas de queimadas constantes; e ocupação desordenada do solo, com
redução e/ou extinção de espécies da vegetação nativa, uma das formas do empobrecimento do solo e do
favorecimento da erosão.
b) Utilização de tecnologias agropecuárias, entre outras e para outros setores, inadequadas para as
condições do semiárido e uso abusivo na aplicação de agrotóxicos e praticas de irrigação que poluem
fontes de água e provocam salinizações nos solos.
c) Práticas tradicionais de uso e manejo inadequados dos recursos solo, água e vegetação; são,
com frequência, práticas associadas a um sistema de propriedade da terra concentrador de
benefícios e de arranjos produtivos com externalidades negativas, agravados pela existência
de secas periódicas.
d) Exploração intensiva (sobrepastoreio e cultivo excessivo ou sobre-exploração), além da
capacidade de suporte ambiental em áreas frágeis e de equilíbrios “considerados” instáveis;
na abordagem de sistema não se tem essas considerações, pois são equilíbrios que respondem
às estruturas e “idades” de seus processos de desenvolvimento determinantes de níveis de
resiliência.
Ecossistemas, no semiárido, apresentam baixa capacidade de suportar as perturbações
antrópicas e ambientais e de manter sua estrutura e padrão de comportamento e resposta
diante de mudanças das condições de equilíbrio. Não reconhecida essa capacidade é fator
contrário às ações e estratégias de combate da desertificação.

xxxviii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

e) Mineração sem cuidados adequados com o meio ambiente; o pouco ou o desconhecimento


desse meio na intervenção mineraria é condição favorável à desertificação.
Relaciona-se, também, o escasso conhecimento do valor “real” dos recursos naturais e da
necessidade, não reconhecida, de proteger as fontes como condição necessária para se ter um fluxo
produtivo objeto de manejo e conservação; essa valoração deve considerar a capacidade do sistema
e o custo de oportunidade da reserva a proteger.
A negligência ou a total omissão na preparação e desenvolvimento de atividades para se ter a
preservação e proteção de fontes é comum em modelos de crescimentos regionais imediatistas e
com padrões economicistas. No texto se alerta sobre essa padronização e se valoriza o esforço de
adaptação e aplicação de um padrão à condição local, com a definição de um critério.
O combate à desertificação precisa, com suficiente antecedência da implementação de
programas, do entendimento profundo, além de simples ”leituras” de manifestações ou sintomas de
fenômenos naturais. Requer informações e conhecimentos para fundamentar atividades do
aproveitamento racional, sustentável e integrado de ambientes e recursos das zonas áridas,
semiáridas e subúmidas secas. São ecossistemas tidos como frágeis (indicações dessa fragilidade) e
de limitada capacidade (indicações de tolerância) de sustentação e regeneração – recuperação às
intervenções antrópicas.
Precisa, - esse combate, do entendimento de relações, tais como dos solos rasos e de rochas
aflorantes; da existência de aquíferos e de suas características físicas e químicas; de tipos de
recargas de lençóis freáticos; de “normais” como as de temperatura, evaporação e precipitação
pluviométrica; de aspectos socioculturais e econômicos, históricos de políticas públicas, de
planejamentos e de gestões, entre outros fatores que devem ser considerados, em abordagens
sistêmicas e com base em critérios representados por dados consistidos e sintetizados por
indicadores.
O conceito de indicador que permeia todos os demais conceitos é destacado e indicado tanto
na metodologia como na apresentação e discussão de resultados.
É com base no entendimento e na informação e conhecimento necessário do valor
econômico, social e estratégico dessas zonas e de seus serviços e recursos naturais que se definem,
em grande parte, estratégias e atividades orientadas para o desenvolvimento sustentável em
formulações de políticas públicas: é o instrumento que se destaca nesta publicação.
Valorizar esses ambientes significa conhecê-los para apreciá-los e com base nessa avaliação
ambiental xiv valorativa, conservá-los, tendo como objetivos: a prevenção e/ou redução da
degradação de suas fontes; a reabilitação de terras parcialmente degradadas; e a recuperação de
terras degradadas, entre outros.
Aliado ou concomitante com o combate a desertificação se tem a mitigação dos efeitos da
seca (entendida, conforme a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, como as
“atividades relacionadas com a previsão da seca e dirigidas à redução da vulnerabilidade da

xxxix
Eduardo A. C. Grcia

sociedade e dos sistemas naturais aquele fenômeno no que se refere ao combate à desertificação”)
para auxiliar às comunidades no convívio com a seca, não por pretendidos e frustrados controles
diretos desse fenômeno natural, mas mediante ações que impeçam seu agravamento ao preservarem
equilíbrios ecológicos, matas ciliares preservadas e fontes de água conservadas, entre outras. Ações
que permitam “melhor” reconhecer e gerenciar esse fenômeno, inclusive com potencial de
oportunidades de fontes alternativas de energia. Ações que possibilitem amenizar seus efeitos,
tornando-os toleráveis, como é o caso da previsão da seca, dirigida, em parte, à redução da
vulnerabilidade, isto é, à diminuição do grau de susceptibilidade de sistemas físicos, biológicos e
socioeconômicos de comunidades não mais surpreendidas pela seca.
Pela avaliação de previsões de secas com a máxima confiabilidade possível e decorrente
implantação de ações (p.ex., emergenciais, transitórias e permanentes, segundo seja o caso) e seus
monitoramentos oportunos é possível, em tese, minimizar-se-ão danos de “secas anunciáveis”.
Gerar e divulgar informações de previsões sobre as características de secas, formas de proteção em
cada período do ano, mudanças de comportamento das comunidades, alternativas de produção e
consumo, entre outras, que possam estar contribuindo para efetivar o convívio com a seca.
O combate à desertificação, para que seja eficiente deve ter objetividade em seu foco,
consistência em suas ações propostas e desenvolvidas e efetividade nas estratégias, parcerias e
resultados como síntese e fruto da objetividade e efetividade. Isso significa:
a) Definir as vulnerabilidades, isto é, os níveis de susceptibilidades abióticas, bióticas e
socioeconômicas das zonas relacionadas com as práticas agrícolas de uso e manejo dos
recursos naturais; conhecer a capacidade de reorganizar, de regeneração dos ecossistemas
(resiliência) e de estrutura produtiva nesses ambientes.
Trata-se de um conhecimento básico para desenvolver ações de conservação com relações
simbióticas com as previsões / prognósticos do clima, com a recomposição de sistemas
hídricos e com a proteção da diversidade biológica.
É oportuno destacar o sentido de vulnerabilidade que, segundo Kasperson e Turner (2001),
quando associado aos riscos, perigos e danos, evidenciam fatores naturais e sociais e facilitam
a compreensão de interações entre o homem e o- ambiente.
Na especificação de indicadores para a sustentabilidade de unidades geoambientais, feita com
base no potencial e limitações de uso dos recursos naturais, em condições ecodinâmicas,
vulnerabilidades ambientais e compatibilidades de uso do solo, relacionam-se vários níveis de
sustentabilidade e vulnerabilidades a serem considerados, se necessário, em políticas e planos.
b) Entender, por diagnósticos e análises de causas, a lógica e racionalidade de ações, de
resultados e de padrões de pressões da agricultura e pecuária extensiva, da exploração
madeireira e com fins energéticos, da erosão dos solos, da concentração de recursos como
terra e hídricos por distorções estruturais e institucionais como as de posse desses recursos e
de arranjos capital–trabalho, entre outros aspectos, que agem sobre o meio ambiente e seus
recursos.

xl
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

É um entendimento básico para auxiliar e fundamentar a formulação de políticas públicas e


de um plano de combate à desertificação e convívio com a seca, que poderá esclarecer fatores
e racionalidades que levam ao desmatamento da vegetação nativa, à desertificação. Em tese,
são, em parte, incentivos econômicos que resultam da omissão de valores de bens e serviços
ambientais dessa vegetação, da diversidade biológica do bioma Caatinga.
A explicação da falta de opções econômicas para substituir os “benefícios” de derrubar-
queimar poderá acenar para a pesquisa buscar alternativas em contextos como os da proteção
dessas fontes em cenários com novos fundamentos de políticas e legislações.
A vegetação desempenha importante papel no equilíbrio da água no solo ao permitir que
parte da chuva se infiltre através das raízes para a recarga do lençol freático, além de se
constituir proteção natural do solo contra a erosão. Parte dessa função está compreendida pelo
manejo florestal na conservação do solo. Evidenciar a importância das funções da vegetação e
atribuir valor às mesmas, faz parte de um plano de educação e de manejo e conservação.
A queimada que segue ao desmatamento é uma prática rudimentar e tradicional que o
agricultor utiliza para controlar pragas, limpar áreas para o plantio e renovar pastagens, entre
outras. Uma prática sustentada no “economicismo” e em modelos regionais imediatistas.
Com as sucessivas queimadas se tem a degradação física, química e biológica do solo, as
perdas de biodiversidade e da dinâmica do ecossistema, o favorecimento à erosão, além de
outros efeitos negativos como incêndios. Evidenciar esses efeitos faz parte da educação,
manejo e conservação.
c) Compreender efeitos negativos de sobre-utilizações de ambientes e recursos naturais; da
salinização que decorre da irrigação de terras para fins de exploração agrícola; de perdas da
diversidade biológica pelos usos e manejos impróprios desses recursos. Essa compreensão
deve, quanto possível, estar baseada em indicadores.
d) Avaliar os fatores causais e suas inter-relações, naturais e antrópicas, que provocam a erosão
de solos; as perdas acentuadas de produtividade agrícola e pecuária; e, como impactos, os
problemas de desnutrição, fome e doenças nas comunidades afetadas.
Análises de inter-relações de variáveis, de ordenamentos e da importância dessas variáveis
podem oferecer elementos para a gestão e tomada de decisão e para orientar estratégias e
ações em condições de limitações de recursos financeiros.
O entendimento, com base em resultados dessas análises, poderá apontar e/ou destacar fatores
aparentemente sem importância, mas que complementam ou potencializam efeitos de outros
fatores; são, portanto, fatores que precisam tratamentos conjuntos.
e) Reconhecer as deficiências de dados e informações com qualidade, valor e utilidade para o
planejamento, a gestão e a tomada de decisões. Reconhecer, também, as fragilidades de
órgãos e instituições encarregadas do controle da desertificação e indicar meios para
fortalecê-las no cumprimento de suas missões.

xli
Eduardo A. C. Grcia

Definir, entender, compreender, avaliar e reconhecer fases de um processo de controle,


incluindo, em especial, a prevenção, com origem no conceito de desertificação capaz de acenar e se
constituir ponto de partida para:
a) Estabelecer objetivos e metas desse combate ou controle: a prevenção e/ou redução da
degradação de recursos da terra; a reabilitação de terras parcialmente degradadas; e a
recuperação de terras degradadas, entre outros que fazem parte de objetivos de políticas
públicas e de aprimoramento de capacidades institucionais.
b) Testar / validar e escolher os procedimentos metodológicos necessários na obtenção,
tratamento e difusão de dados, informações e tecnologias necessárias para esse combate e
convívio com a seca.
c) Estimar os indicadores de síntese de dados e informações, úteis e valiosas, para a gestão
ambiental e para a educação da conservação e manejo integrado solo – água - vegetação na
região.
d) Orientar o atendimento às demandas por soluções conforme indicações do problema, dos
objetivos propostas, dos recursos alocados para alcançar os propósitos, da gestão e dos
resultados propostos e esperados.
e) Definir procedimentos como os de acompanhamento (monitoramento), avaliação e
(re)orientações, se for o caso, nesse combate e convívio.
O conceito de desertificação destaca outros conceitos, um deles o da degradação dos recursos
da terra, um passo intermediário no caminho para a desertificação.

2.1.3 Degradação de recursos da terra


São perdas ou reduções significativas de produtividades econômicas e biológicas dos
recursos da terra em zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas e da complexidade
(simplificações de ecossistemas dessas zonas) das terras agrícolas de sequeiro e irrigadas,
das pastagens naturais e semeadas, das florestas e das matas nativas, provocadas pelas
frequentes e crescentes alterações, por intervenções sem critérios adequados, no uso e
manejo de recursos como solos pela erosão e deterioração de propriedades físicas, químicas
e biológicas ou econômicas; hídricos pela poluição e esgotamento de fontes; e vegetação
pelo desmatamento e queimada. Efeitos negativos e perdas incalculáveis dessa degradação
que se traduz em perdas da qualidade de vida de comunidades vulneráveis e dependentes
desses ecossistemas.
O conhecimento da degradação de ambientes e recursos da terra é fundamental não
apenas para dar sentido a princípios estabelecidos em instrumentos como os de políticas de
conservação ambiental, de combate à desertificação, de gestão dos recursos hídricos (...);
em documentos como o da Carta da Terra ao acordar acatar respeitar, favorecer, proteger e

xlii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

restaurar ecossistemas para assegurar a diversidade biológica e sociocultural; e os de


garantir que os processos de decisão e seus critérios de sustentação sejam definidos de
formas transparentes, explícitos e equitativos, mas, para acenar e indicar que medidas
devem ser aplicadas; medidas que tem alicerce em princípios.
Como conceito teórico, ponto de partida de raciocínio e fundamento de políticas públicas e à
despeito do princípio ser indemonstrável, ele procura orientar uma conduta e maneira de fazer e dar
garantia - sustentação ao uso e manejo conforme a aceitação e conveniência em determinada região.
Essa conformidade ou parecer de aceitação e conveniência ou adequação que traz o princípio
determina a legitimidade de uma ação ou plano. Mas, o princípio deve ser complementado com
outros conceitos e fatores para se definirem políticas como as de desenvolvimento e, neste caso
particular, políticas de combate às causas da desertificação e convívio com a seca.
Pressões como as de altas dos preços dos alimentos e dos combustíveis, apesar de possíveis
mitigações temporárias por novas tecnológicas e de fontes biorenováveis de energia, poderão ser
insuficientes para deter a degradação. Isso poderá acontecer, se tais aumentos não forem
devidamente planejados, geridos e gerados em bases tecnológicas e procedimentos operacionais
sustentáveis no local.
A sustentabilidade de aumentos, portanto, o aumento da produtividade biológica ou
econômica das terras agrícolas de sequeiros, das terras agrícolas irrigadas (...) deverá considerar,
para o caso do semiárido do Nordeste, a
Migração…
Fome,

grande diversidade de climas,


geomorfologias, solos, vegetações, sistemas Queda Prod. Agrícola (...)
de uso e manejo dos recursos da terra,
densidade populacional e sistemas
socioculturais, econômicos e político- Desequilíbrio ciclo água

institucionais, entre outros fatores e


condições que compõem um mosaico Perda fertilidade solo
fragmentado de mais de uma centena de
unidades do semiárido. Isso significa Degradação da terra:
considerar ações e estratégias integradas em - ambientes bióticos: flora e fauna
planos de conservação e manejo capazes de - recursos naturais: água, solo,
romper elos de componentes e ciclos vegetação (...); perda de bem-estar
Sobre-utilizações de fontes(...)

de comunidades
perversos de estruturas como as indicadas
Usos-manejos inadequados
Tecnologias inapropriadas

na Figura 4. Degradação

São estruturas e pontos que levam à Simplificação. Degradação. Perda


insegurança alimentar, à alta de preços de da biodiversidade em termos (...)
bens agrícolas, à fome, à instabilidade e à
migração rural-urbana.
Degradação

Mudança climática
xliii
Figura 4 Ciclos da degradação da terra
Eduardo A. C. Grcia

Nos lugares de destino do migrante da desertificação, têm-se novos e graves problemas


urbanos, provocados por uma população migrante e sem recursos nem habilidades – competências
para se desenvolver nesse meio; problemas em setores básicos como de emprego, habitação–
moradia, serviços de saneamento, saúde e alimentação.
A degradação dos recursos da terra se relaciona com diversos ciclos, conforme ilustrado na
Figura 4, que precisam de estudos para entender suas lógicas e, em seguida, procurar rompê-los ao
controlar as causas quando se possa agir contra as forças ou fatores de manutenção ou propulsão,
com instrumentos de políticas locais e regionais consistentes e integráveis. Essa consistência é parte
do alicerce de processos como os de desenvolvimento sustentável em terras secas.
As terras secas podem ser consideradas ecossistemas frágeis e vulneráveis, delimitadas
conforme descritores e indicadores, um deles é o índice de aridez (Chuva/Evaporação +
transpiração ou evapotranspiração potencial) na classificação climática de Thorthwaite, com
valores, variações de intervalos e terras afetadas por continentes apresentadas na Tabela 1.
O aquecimento global pode, também, inviabilizar a agricultura familiar e de
subsistência; aumentar a emigração humana que na última década do século XX atingiu em
torno de um milhão de pessoas das áreas rurais do semiárido nordestino; e até reduzir o
volume de água do rio São Francisco, com possíveis implicações em projetos como o da
Transposição desse rio, no contexto do Projeto de Integração do Rio São Francisco com
Bacias Hidrográficas do Nordeste Septentrional.
O entendimento do problema da desertificação é condição necessária (a suficiente
depende da vontade, decisão e ação de resultados com efetividade) para acordar com os
interessados a definição de um plano com ações e estratégias a desenvolver, integradas em
políticas públicas, de “combate” à desertificação, reconhecendo-se que é preciso, antes de
tudo, vontade e decisão política para que esse combate possa ter efetividade em seu
resultado. Essas condições, as de suficiência, não são consideradas neste documento,
pressupondo-se que o fato e a evidência sejam argumentos para despertar, motivar e
orientar ações combinadas, públicas e privadas, destinadas ao controle.

Tabela 1 Clima, índice de aridez e terras afetadas (mil km2) pela desertificação nos continentes a
CLIMA ÍNDICE ÁFRICA ÁSIA AUSTRÁLIA EUROPA A.NORTE A. SUL

Hiperárido < 0,05 6.720 2.770 0 0 30 260


Árido 0,05  0,20 5.040 6.260 3.030 110 820 450
Semiárido 0,21  0,50 5.140 6.930 3.090 1.050 4.190 2.650
Subúmido Seco 0,21  0,65 2.690 3.530 510 1.840 2.320 2.070
Subúmido e úmido >0,65 - - - - - -
TOTAL - 19.590 19.490 6.630 3.000 7.360 5.430

xliv
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

a
Fonte. Atlas Mundial Times (1995).

2.1.4 Desenvolvimento sustentável


Conceito fundamental, composto por dois termos (subconceitos), que passa a se constituir
necessária referência xv em todas as fases de um plano de combate à desertificação, mitigação de
efeitos d clima e convívio com a seca. Referência para, no início, definir o problema da
desertificação (bem como as oportunidades não-aproveitadas da região para se desenvolver), e, ao
final, para buscar e aplicar soluções (aproveitar oportunidades na desenvolução), prévias as
especificações de objetivos e metas, de meios e recursos definidos para alcançar os propósitos desse
combate e de ações, estratégias e atividades que permitam alcançar os objetivos conforme seja à
alocação criteriosa de recursos, portanto, conforme às decisões de planejadores, gestores e políticos.
O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu em 1987, no Relatório Brundtland na
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU em 1983, e é
considerado, nesta publicação, de forma simples e “operacional”, com extensão e/ou explicitação de
pressupostos básicos ao se reconhecer a finitude de estoques e fontes de recursos naturais, ainda que
algumas sejam ciclicamente renováveis, aqueles cujos estoques são passíveis de recomposição
(diferente dos não-renováveis que tendem a se exaurir, independente da forma em que são
explorados: a ideia é substituição e a tecnologia é um dos meios) e a imprescindibilidade de
harmonizar necessidades e crescimentos com obrigações e disponibilidades. Sem tais explicitações
e diante de acomodações, o conceito não é operacional, nem útil por ser vago e abstrato.
É claro, - e assim deve ser entendido, que a sustentação do conceito desenvolvimento
sustentável em princípios não permite a sua aplicação direta, linear e para qualquer situação.
Contudo, esses princípios devem acenar para buscar a adequação e passar da ideia de compatibilizar
desenvolvimento e sustentabilidade, uma formulação ampla ou vaga de uma meta necessária, para
entender, pela análise de causas, interações, desdobramentos etc., o que determina, para um local ou
região, necessidades, condições de atendimento, níveis de exigências, possibilidades de atendimento
(...) e equilibrar essa conta.
No balanço e equilíbrio de contas surgem fatores como os de ameaças, incertezas e riscos,
entre outros, os de esgotamento de fontes e reservas, de perturbações de ciclos etc., e, como efeitos
diretos, comprometimentos de fluxos produtivos, não mais sustentados em suas fontes.
Observe-se que na busca e manutenção de equilíbrios entre “desenvolver” e “sustentar” há
implícitos fatores causais, de origem antrópica (é o destaque neste documento), que contribuem para
aumentar, em ritmo acelerado, as pressões, pelo lado da demanda, do crescimento, sobre os recursos
e, no outro sentido, - o da oferta, há fatores, também de origem antrópica, que enfraquecem, poluem
ou destroem reservas e fontes com a aceleração da extração e exploração dos recursos naturais;
atividades muitas vezes favorecidas por avanços tecnológicos.

xlv
Eduardo A. C. Grcia

A operacionalização do conceito deve explicitar os fatores causais que perturbam o equilíbrio


entre desenvolver e sustentar em um determinado território, período de tempo e condições,
apresentando-os, entre outros meios de síntese, mediante indicadores de ordenamento e
imprescindibilidade de atendimento, se o desejado for buscar soluções consistentes e exequíveis;
aplicar essas soluções visando a efetividade de resultados nessa delimitação espaço-temporal; e
assegurar com “certa” garantia (proporcional à consistência técnico-científica da solução, ao
empenho e vontade política em buscá-la e aplicá-la, ao comprometimento social e participação etc.)
a sustentabilidade do crescer com responsabilidade e consciência de limites das fontes.
Entenda-se crescer com responsabilidade social compartilhar meios como são os técnico-
científicos (p.ex., informações para novos conhecimentos, atividade de capacitação e educação)
para a construção de uma sociedade sustentável e evidenciar a necessidade de buscar e manter o
equilíbrio entre desenvolver e sustentar.
O conceito desenvolvimento como uma referência em determinado território e, portanto,
definido (repetindo, como um processo de acordo e sucessivas fases) para um conjunto de fatores
físicos, socioculturais, econômicos e institucionais e de condições e atitudes como vontade-
disposição à discussão e ao entendimento entre interessados, capazes de definirem uma agenda com
as ações e estratégia a implementar na construção de uma sociedade sustentável.
Na formulação inicial do conceito, - a de desenvolvimento capaz de prover as necessidades da
geração atual, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações, tem-
se pressupostos e implicações nem sempre facilmente aceitos, verificáveis e atingíveis; para alguns,
trata-se de uma definição falha, vaga e abstrata. São pressupostos e implicações como os de abertura
e disposição de todos os atores e interessados para o diálogo de partes diferentes em seus objetivos
e meios; a decisão e disposição por todos para acordos numa agenda aceitável, em cada fase e para
os contínuos progressos e melhorias de resultados no horizonte de longo prazo.
A definição desse processo não é um modelo nem algo que possa ser definido, generalizado e
aplicado de qualquer forma e para qualquer situação, mas, repetindo, procedimentos de um processo
de negociação, de acordos com expressão, identidade e representatividade da região, a ser
construído pelos atores de cada território com base em planos, políticas e legislações propiciadoras
da desenvolução.
Acordos, entre outros, sobre conceitos claros de “necessidades” e formas de atendê-las:
ordenadas, priorizáveis e viabilizadas; de disponibilidades de recursos e formas de geri-los
conforme indicadores como os de capacidade de manter fluxos, renovar fontes e tolerar
intervenções: riscos conhecidos e suportáveis. Nesses acordos, coloca-se em evidência outro fator: a
informação para um novo conhecimento, conscientização e mudanças – ajustes.
O contexto abrangente em que se define o desenvolvimento sustentável compreende
atividades, planos e políticas orientadas em diversas frentes, uma delas é a do combate à
desertificação e convívio com a seca. Um plano a ser definido, seguindo semelhante esquema
indicado para o desenvolvimento sustentável, e que compreende vários eixos (ver parte desses

xlvi
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

planos e programas no final da Figura 9). Portanto, um plano que depende, também, de outros
planos e, por sua vez, os condicionam.
O conceito original de desenvolvimento sustentável tem sido utilizado, com frequência, de
forma exagerada, com viés e, por vezes, com interpretações erradas, discriminadas e banalizadas
que o reduzem ou tornam “vazio” e objeto de críticas, tais como: incorreto, insustentável, utópico,
inútil, artificioso e capcioso. Um conceito, segundo tais enfoques, contraditório em seus termos
“desenvolvimento”  fazer crescer no sentido econômico, de competição (concorrência) e
“sustentável”  manter ou suportar, no sentido biológico como equilíbrio dinâmico de cooperação,
negando-se mutuamente. Um conceito, segundo outros críticos, com lógicas diferentes ao aduzir
como causa aquilo que é efeito; impreciso, incompossível e ambíguo, possibilitando seu uso no
discurso com objetivos e meios diferentes de países “desenvolvidos” e países “em
desenvolvimento”, propício, portanto, “para defender” interesses contrários à essência original
desse conceito.
São críticas nem sempre “sustentáveis” e/ou com parciais fundamentos e notáveis exageros,
propositadamente não-consideradas neste documento, admitindo-se a viabilidade de intenções da
ECO-92 ao aceitá-lo como um processo que “atenda [ao poder garantir: uma questão de
operacionalização] às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de que as gerações
futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”; como a desenvolução ecologicamente
sustentável com um benefício para as futuras gerações, complementando-se, ao definí-lo para
atender às necessidades das presentes gerações: condição sine qua non para se chegar à futuras
gerações. Um conceito que não coloque a equidade intergeração por cima da equidade intra-
geração; sem sobrevalorizar a capacidade moralista para decidir nem subestimar a dinâmica que
tornariam assimétricas as situações intertemporais comparadas. Implícito nessa aceitação, parte da
operacionalização e contextualização do conceito, combinar-se-ão o crescimento de “fluxos”
possíveis com a preservação - proteção “melhorada” de “estoques”, reservas e ciclos naturais: é o
espaço da tecnologia “conveniente” (conservação) e internalizada no setor produtivo contribuinte
desse desenvolvimento.
Observe-se que tal resultado é uma condição necessária para, por um lado, interromper causas
de problemas como os da degradação dos recursos da terra e desertificaçãoes ambientais e humanas
e, pelo outro, não deixar nem eliminar oportunidades de riquezas naturais portadores de um futuro
imediato para o caso do Brasil. Um conceito formado por dois, - desenvolver e sustentar, ambos
complexos e em construções sistêmicas com relações interdependentes, básicas para criar e manter
comunidades sustentáveis.
Assim admitido e viabilizado, o conceito de desenvolvimento sustentável estará propiciando
melhorias na capacidade de ciclos e reservas que permitam continuar fornecendo bens e serviços
para o crescimento “responsável” e inclusivo; propiciando, também, equilíbrios dinâmicos para
atenderem às necessidades de atuais e futuras gerações; fluxos de bens e serviços devidamente
reconhecidos pelos mercados em seus valores reais como parte desse desenvolvimento. Esse

xlvii
Eduardo A. C. Grcia

reconhecimento e, portanto, a rejeição de um bem livre, é um fator que inibe a sobreexploração de


recursos, o esgotamento de fontes.

Situação inicial
0% 100%
Ecológica Prejuízos sociais e
SA2 ambientais
SP1
SA1
P o l í t i c aSP2 0%
100%
100%
Social
0%
SS2
ST1
Situação Melhorada

SS1 Negociação-acordo
E s p a c i aST
l2


Imposição-
100% 0% regulamentação
SE2 SE1 100% Gestão-manejo
0%
Econômica Educação
Figura 5 Ilustração de cinco dimensões em dois cenários: presente e futuro

O próprio reconhecimento do valor de bens e serviços ambientais pelo mercado como parte
da desenvolução deverá contribuir para eliminar (ou reduzir) usos e consumos indevidos, excessivos
ou superfluos (desperdícios), em benefícios de gerações presentes e futuras. Parte desse
reconhecimento tem efeitos no monitoramento de equilíbrios que possam assegurar o atendimento
às necessidades disciplinadas na “otimização condicionada” às capacidades de suporte de uma
“função objetiva” com limitações impostas pelas dimensões que ali se integram, conjugam e
definem: a ecológica (pela capacidade de suporte), a social (pela inclusão), a econômica (pela
otimização) e a político-institucional (viável), entre outras.
O desenvolvimento sustentável pode ser visto (essa é a visão inicial neste documento:
críticas para adequá-la) e considerado como um conjunto harmônico e integrado–
complementar de processos que passam por sucessivas aproximações de atores definidos e
identificados em um espaço e período de tempo determinados; de negociações e
“confluências” (ou tolerâncias) de interesses desses atores, capaz de compreender, de

xlviii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

forma integrada (porque resulta de transações e acordos entre os interessados que se


aproximam), articulada (porque a todos convém a participação nesse processo) e
transparente xvi (pela legitimidade do acordo na participação social e discussão de o que
fazer? Para responder por que e como fazer, para se adequar à realidade) em várias
dimensões que buscam soluções e equilíbrios. Essas realidades e os direcionamentos para
buscar soluções compatíveis e equilíbrios são ilustrados, em termos gerais (apenas
conceituais), na Figura 5, com o destaque de cinco dimensões.
A busca desse atendimento coletivo que é facilitado pela educação ambiental, transita
e se sustenta (pelo que se informa e comunica, pelo que orienta e fundamenta, pela
transparência e sentido ético etc.) em INDICADORES confiáveis, consistentes e úteis –
aplicáveis, para: representar a complexidade do problema e comunicar e informar; e para
alertar e prognosticar realidades em diversas dimensões.
Aceite-se (uma hipótese) que pela disposição à negociação, ao acordo e à observância
legal de instrumentos como os de políticas públicas é possível (assim se espera), ao
disciplinar o crescimento econômico e internalizar passivos ambientais em suas fontes,
transferir parte dos benefícios econômicos para as dimensões social e meio ambiente–
ecológica, com melhorias, - as indicadas pelas correspondentes setas nessas dimensões na
Figura 5, e retração “imposta” na dimensão econômica. É a transferência de lucros e
benefícios que poderá ocorrer com políticas e seus instrumentos de distribuição e
compensação, entre outros.
As dimensões ilustradas na Figura 5 apresentam estados iniciais (presentes: baixa
sustentabilidade ambiental, limitado desenvolvimento social e ineficiências espaciais e de
instrumentos de políticas públicas de desenvolvimento) e esperados (futuros) em
dimensões:
a) A econômica, como, p.ex., em atividades de produção e hábitos de consumo
melhorados e sustentáveis na região, em um local: sem desperdício, sem poluição
etc., baseadas em critérios como os de proteção de fontes e riquezas naturais e
conservação e manejo dessas reservas.
É possível alcançar (hipótese) a sustentabilidade econômica mediante o
planejamento, a alocação eficiente de recursos, a gestão criteriosa de processos e
resultados, em níveis macroeconômico e micro-econômico, e com políticas,
programas, planos e recursos consistentes para se definirem atividades sustentadas
em bases (integráveis) ambientais, sociais e institucionais.
Em que ponto da Figura 5 se encontra a sustentabilidade da dimensão econômica?
No indicado por SE1 que representa: produtividade (rentabilidade, custo etc.) da
cultura (...) no tipo de solo (...) no período (...): y1 com a importância relativa p1;
crédito agrícola para agricultura familiar: y2, p2; consumo local de (...): y3, p3;
produção agricola – pecuária da agricultura familiar para o mercado local: y4, p4;

xlix
Eduardo A. C. Grcia

índices de ganhos de empresas locais com substituição de mão-de-obra: y5, p5; etc. O
resultado dessas atividades econômica é dado por: SE1 =  yi pi (i = 1, 2, 3, ... n),
considerada “alta” (de maximização de lucros), porém insustentável, devendo se
ajustar, ao recuar (flexa branca), para uma posição de otimização definida por SE2 =
 y’i pi. Esse é o ponto esperado de equilíbrio que dependerá da efetividade de ações
e estratégias propostas e implementadas.
Mecanismos de mercado com a valorização – internalização de preços de bens e
serviços ambientais e com projeto como os de mecanismos de desenvolvimento limpo
(MDL) e de créditos de carbono poderão facilitar essa mudança. A efetividade na
aplicação de leis de proteção ambiental e de conservação e manejo poderão, também,
auxiliar esse ajuste conveniente para todos, inclusive para a própria dimensão
econômica: o empresário.
Que ponto poderia ser alcançado no período (x anos)? O indicado por SA2 e proposto
por estudos prospectivos e cenários traduzidos em planos.
Parte da sustentabilidade econômica com a otimização condicionada às limitações
“impostas” tem implicações em outras dimensões (ou se relaciona) como a
institucional e legal, agindo em estruturas, para o caso cnsiderado neste documento,
como as de posse da terra e acessibilidade social aos recursos hídricos.
É necessário considerar na sustentabilidade da dimensão econômica, entre outros
aspectos, a sensibilidade de limites do potencial de crescimento, de produção (de
produtividade), e a necessidade de disciplinamento do consumo - uso com base em
indicadores da capacidade de suporte ambiental, sem viés para a “quantidade” e o
“ter” quando se privilegia a maximização, a concentração e a exclusão social de
riquezas.
É preciso agilizar processos que possam potencializar o crescimento econômico ao
incorporar potencialidades de ambientes e recursos naturais. Um desses processos é o do
licenciamento ambiental mais ágil e consistente, portanto, necessariamente sustentado em
critérios. Deixar de incorporar um potencial ambiental em um projeto de crescimentos é
omitir um custo de oportunidade, com efeitos negativos ao retardar o desenvolvimento que
seria viabilizado ou agilizado por esse potencial.
O extremo, ao exagerar o disciplinar a atividade econômica com instrumentos
punitivos e impositivos poderá se traduzir em preservacionismo, sem considerar
potencialidades e possibilidades da extração de excedentes econômicos do
ecossistema, excludente, portanto, do crescimento e de melhorias sociais: uma forma
de desertificação antrópica. Mas o combate à desertificação com foco no ser humano
elimina, como hipótese, essa possibilidade e destaca a conservação e manejo de
recursos naturais em perspectivas como as da agricultura sustentável, agricultura
familiar e gestão integradas dos recursos da terra.

l
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

b) A sociocultural, como, p.ex., na distribuição de bens e benefícios com equidade e,


por isso, socialmente inclusivos.
A sustentabilidade social pressupõe compreensão, envolvimento, participação e
consideração de valores humanos, da diversidade biológica, de saberes tradicionais e de
perspectivas sociais no desenvolvimento sustentável: foco na “qualidade” de vida e no “ser”,
na solidariedade.
Em que ponto da Figura 5 se encontra essa dimensão? O indicado por SS1 que
representa deficiências no atendimento de políticas públicas como as de saneamento
básico, educação, assistência técnica (...). Indica-se a proposta de melhorias em SS2,
com objetivos, tais como: construir um ambiente social no local ou regional com a
maior eqüidade – justica possível no acesso a oportunidades, criação de fontes de
emprego e renda, de modo a reduzir as diferenças criadas – insustentáveis entre
padrões de vida de ricos ou desenvolvidos que concentram riquezas, socializam
externalidades e pobres que concentram misérias e pagam parte da contam de
externalidades da degradação dos recursos da terra.
c) A ambiental, como, p.ex., quando o econômico e social possam efetivamente
consultar e respeitar a capacidade de suporte dos ecossistemas na região.
A sustentabilidade ecológica, obtida pela combinação de diversos meios, entre
outros, a conservação e o manejo integrado de ambientes e recursos naturais,
portanto, com a observância do equilíbrio de ecossistemas submetidos à intervenções
antrópicas e com a preservando – protegendo de fontes, reservas e ciclos como os dos
recusrsos hídricos e da biodiversidade.
A nova perspectiva ambiental que o conceito traz é a de conscientização social, fruto
da educação e capacitação, com relação às limitações e fragilidades de sistemas
naturais como os do semiárido e dos efeitos de atividades não-planejadas nem
desenvolvidas conforme critérios técnicos adequados à região, sobre esses sistemas,
sem a polarização de visões estreitas do economicismo maximizador e concentrador
de benefícios materializados nem a intransigência de percepções não menos estreitas
do preservacionismo que nega melhorias econômicas e oportunidades de
crescimento.
Em que ponto da Figura 5 se encontra a sustentabilidade da dimensão ecológica?
Esse ponto é indicado por SA1 e representa determinado “estado” e condição do
ambiente no local ou região dado por indicadores, tais como: desmatamento da
floresta caatinga / área total inicial: x1, com a importância relativa, desse índice,
expressa por p1; taxa de crescimento de áreas degradadas: x2, p2; taxa de crescimento
de áreas recuperadas: x3, p3; vida útil de ecossistemas simplificados: x4, p4; práticas
de conservação utilizadas: x5, p5; emissão de substâncias poluentes em sistemas
hídricos: x6, p6; da taxa de eroção dos solos: x7, p7; taxa de salinização dos solos por

li
Eduardo A. C. Grcia

efeito de irrigação, “molhamento”: x8, p8; emissão de gases efeito estufa: x9, p9, etc.
O resultado define o estado de sustentabilidade inicial: SA1 =  xi pi (i=1, 2, 3,... n).
Que ponto poderia ser atingido no período de (... anos: fase 2) agindo nos fatores
críticos? Esse ponto é indicado por SA2 =  x’i pi e espera-se seja determinado pela
eficácia do controle dos fatores – causais que definem o “estado” inicial. São fatores
com importâncias relativas variáveis e com efeitos isolados ou combinados que o
planejador, gestão, formulador de políticas e planos deve conhecer e gerenciar.
É imprescindível considerar a conscientização social, fruto da educação e
capacitação, da fragilidade de sistemas naturais e dos efeitos antrópicos de atividades
sobre esses ecisistemas, sem a polarização de visões estreitas nem a intransigência do
preservacionismo, para que a efetividade os resultados obtidos sejam muito próximos
(ou ainda maiores) dos esperados quando se cenariza, para o futuro, em SA2 =  xi pi.
É importante especificar possíveis formas de distribuição dos benefícios com as
melhorias provenientes da conservação e manejo, potencializadas pelas
sustentabilidades em outras dimensões, tais como: valorização (econômica) para
proteger; educação (social) para conservar; legislação (institucional – política) para
gerir; fortalecimento e integração rural – urbana (espacial) para desenvolver etc.
Deve-se acrescentar que na sustentabilidade, nesta dimensão, não há resíduos nem
desperdícios e a diversidade assegura a resiliência do sistema.
d) A político-institucional, de notável importância no tecido do processo de
desenvolvimento e de inexplicável omissão em ações e estratégias de planos
passados.
A sustentabilidade institucional - política, representa a efetividade de instrumentos de
planejamento e gestão e da participação – comprometimento das comunidades em
definições e execuções de planos como os de combate à desertificação.
Em que ponto do gráfico se encontra essa dimensão? Esse ponto é indicado por SP1 e
representa deficiências e ineficiências de instrumentos. Melhorias em estruturas como
as de posse de recursos e de instrumentos como os das políticas públicas permitirão
alcançar o estado SP2.
e) A sustentabilidade espacial determinada pela configuração rural – urbana mais
equilibrada e com função social de fatores como terra e água. Em que ponto da
Figura 5 se encontra essa dimensão? Em ST1 e representa desorganização da
ocupação territorial. Vários instrumentos são propostos para alcançar o nível ST2,
com destaque para o zoneamento econômico – ecológico para ordenar e priorizar a
ocupação.
Na ilustração da Figura 5 se destaca propositadamente o suporte técnico-científico e
operacional (baseado na racionalidade e pertinência de critérios ou padrões adequados à
realidade para proteger, produzir, consumir, prever – prognosticar, reciclar etc.). Mas,

lii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

outros fatores e condições de suporte são tão importantes ou mais notáveis para o
desenvolvimento, como são vontade e decisão política, os éticos e os princípios da
transparência (ver nota 11).
O conceito de desenvolvimento sustentável conforme sintetizado não permite, em
tese, posições intransigentes, egoístas e o predomínio de interesses de grupos sobre o bem-
estar coletivo. Por outro lado exige legislações e planos no concerto de dimensões para
espaços e condições que o determinam.
O exposto acima expressa certo otimismo, à despeito de fatores, condições e
estruturas negativas para a transformação e a construção do desenvolvimento, sem
necessariamente ser compelido pela conversão de problemas solucionáveis em calamidades
irreparáveis; de terras degradas transformadas em desertos; do disciplinar do crescimento
da polpulação e de suas atividades transformadas em desertificação humana.
Implícitos nos desdobramentos anteriores se têm outros conceitos como os de solidariedade e
ético com problemas, segundo Capra (2003), pois a economia global [que interfere na economia
regional] foi desenhada sem nehuma dimensão ética. Destaca-se o desafio de como adaptar-se de
um sistema baseado na ideia de crescimento ilimitado para uma outra que seja simultaneamente
sustentável no social e justa-equilibrada no econômico; um crescimento não-linear nem ilimitado,
mas qualitativo, como o aumento da complexidade e maturidade para se aperfeiçoar a qualidade de
vida, desmaterializando a economia.
Há lugar, no contexto da economia capitalista, para essa desmaterilaização? Provavelmente
sim, porque não são inerentes ao capitalismo moderno a expansão permanente de capital em
sistemas concentrados, a ampliação de mercados socialmente excludentes e a produção contínua e
crescente de bens e serviços sem comprometimento com as fontes.
A economia moderna, a economia que se integra, harmoniza e potencializa no
desenvolvimento sustentável não se sustenta em falsas necessidades, em desperdícios, em exclusão
social de benefícios (...).
O conceito de desenvolvimento sustentável e seu processo de criação endógeno e legítima,
para ser sustentado em uma região, não compreendem apenas problemas técnico-científicos físicos,
mas, também problemas político-institucionais com desdobramentos legais, sociais, culturais e
institucionais que colocam múltiplos e, com frequência, conflitantes interesses, objetivos, recursos
e possibilidades, ainda para situações específicas ou limitadas de um local ou região: um processo
de acordos cimentados em cada fase, de construção evolutiva. É o caso do semiárido, com espaços
geográficos diversos, dentro de arranjos que refletem desigualdades e situações complexas de
acomodações como as de estrutura de posse de recursos da terra (um processo histórico-cultural),
para poucos e de exclusão e miséria social para muitos.
No conceito, apesar dos desgastes e deturpações, há condições para criar novas
oportunidades e para que “todos” sejam capazes de optar (para uns, “ceder”; responsabilidade
social e para outros “aceitar”, ambos como preços da sustentabilidade: Figura 5) e escolher os

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Eduardo A. C. Grcia

melhores caminhos por meio do diálogo, da solidariedade. Nessa escolha se evidenciam fatores do
combate à desertificação e mitigação de efeitos das secas; vontade e decisão política para perceber
como agir com ecoeficiência; recursos necessários a oferecer para desenvolver com eficiência;
orientações, diretrizes e instrumentos, entre outras de políticas públicas, para solucionar conflitos
com eficácia, tanto os que resultam de violência explicita da marginalização, quanto de violência
implícita que discrimina e exclui. Por corolário, há espaços para acordar planos de sustentação
consistentes para o suporte ao desenvolvimento em uma região.
O desenvolvimento poderá compreender, em qualquer nível de abrangência, a combinação
de dotações de recursos naturais com a criação de aptidões modernas de conhecimento e tecnologia,
de capital humano e de instituições econômicas e públicas de qualidade-efetividade, sem que haja
superposição à ideia estática de dotação de recursos, de vantagens comparativas, mas
complementações e sinergias ao se definirem novas vantagens da competitividade. São
possibilidades a considerar no semiárido dotado de especiais recursos de seu bioma, a caatinga,
condições climáticas, reservas subterrâneas de água e, principalmente, de seus habitantes especiais
por sua cultura, vontade e perseverança.
Outro conceito importante a considerar nesta síntese é o da convivência com a seca em
planos que considerem esse fenômeno natural da região e que permitam minimizar, em níveis
toleráveis, seus efeitos, evidenciando-se, nessa minimização, o potencial da tecnologia.

2.1.5 Convivência com a seca: ações integradas em planos


Na linguagem comum se encontram associações e equívocos em significados de termos como
desertificação e seca que podem confundir e até desorientar planejadores, tomadores de decisão e
órgãos de financiamento e desenvolvimento, ao trata o assunto da convivência. A desertificação
entendida conforme anteriormente apresentada, - interação de processos complexos; a seca, de
acordo com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, como sendo um
fenômeno natural que ocorre quando a precipitação diminui significativamente em relação às
normais de um local ou região, provocando sérios desequilíbrios hidrológicos e afetando, de forma
negativa, sistemas produtivos.
Conceitos errados, também, na definição de convivência com o semiárido, com a imagem e
clima da região, distorcidas e associadas ao de uma região árida, de solos estorricados, de açudes
secos, de retirantes nas estradas, de animais mortos nos campos, de crianças raquíticas, entre outras
figuras e expressões presentes na música de Luís Gonzaga, na pintura de Portinari, na literatura de
Graciliano Ramos (...), como visões ideológicas e parcialmente realistas, porém incompletas ou
com viés; o sertanejo tem sua cultura de convivência e adaptação ao maio.
É preciso entender os princípios e a lógica do desenvolvimento da cultura de convivência
adequada ao meio ambiente, à semelhança de culturas desenvolvidas pelos povos como os do ártico
e deserto naquelas condições ambientais.

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Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Compreender como o clima, os recursos hídricos e a vegetação funcionam e se relacionam -


estruturam e adequar-se a eles, sem pretender acabar com a seca ou importar vegetações e
tecnologias forâneas; sem interferir, de forma destrutiva, em ciclos e processos como os
hidrológicos e de recomposição de fontes, mas com intervenções inteligentes que, respeitando leis
naturais e permitam explorar riquezas contidas nesses frágeis ecossistemas.
Conhecer a capacidade de tolerância de ecossistemas às intervenções humanas e ampliar os
estreitos limites, dessa capacidade, com “garantias” como as que possam se derivar da tecnologia
adequada às condições da região, fazem parte dos elementos para definir um plano de convivência
com a seca no semiárido.
No entendimento da realidade física e antrópica se destaca o combate à desertificação, com
foco no ser humano em seu meio; entender como prevenir, descontinuar e reverter processos como
os de degradação e qual é o papel (imprescindível) do engajamento da comunidade nessa prevenção
e na reversão.
A imprescindível da participação da comunidade em planos e propostas de convivência é
fortalecida com a educação e capacitação para, pela instrução e conscientização, comprometê-la
nessa participação.
O plano de convivência com a seca deve compreender ou prever, entre outras ações
importantes, o re-ordenamento de espaços agro-econômicos diversos e, em geral, complexos do
semiárido, portanto, com especificações baseadas em critérios e evidências de fragilidades,
limitações e potencialidades a serem internalizadas, com sustentação, nas atividades econômicas
locais e regionais. Parte dos fundamentos de um plano de
convivência com a seca compreende (relação preliminar)
ou implica:
a) Oferecer opções tecnológicas para amenizar a
escassez de água e as limitações da capacidade
produtiva do solo, entre outras.
É oportuno destacar que esse plano, o da
convivência, compreende um forte e imprescindível
componente político agindo na geração e
disponibilização dessas opções.
Uma tecnologia, ainda que adequada às condições,
porém sem meios de implantação (p.ex., crédito,
assistência técnica, monitoramento etc.) poderá não
alcançar os rendimentos que dela se esperam e,
Figura 6 Cisternas do semiárido
ainda, gerar perdas e provocar frustrações e
descrédito de um dos instrumentos mais importantes do desenvolvimento.

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Eduardo A. C. Grcia

b) Desenvolver, aprimorar e disponibilizar procedimentos e técnicas de dimensionamento,


construção e uso–manejo de sistemas de abastecimento de água como, p.ex., cisternas rurais
(para beber, para produzir etc.; Figura 6), barragens subterrâneas e poços com
dessalinizadores, como alternativas “simples” e economicamente viáveis para a captação e
armazenamento da água de chuva.
c) Disponibilizar critérios técnicos e operacionais para a conservação e manejo integrado do de
água, solo e vegetação com a introdução de adequadas práticas de uso desses recursos.
d) Motivar – mobilizar as comunidades para participar e usufruir dos benefícios de projetos
como os de educação ambiental, capacitação e valorização de ambientes e recurso a serem
protegidos.
A convivência com a seca, com o semiárido, é, em parte, o resultado de um processo de
educação para tratar, em outros contextos, fatores limitantes como água, solo e vegetação.
No semiárido se tem um regime de chuva, mesmo irregular no tempo e no espaço, que é
preciso aproveitar com o armazenamento e gestão criteriosos da água para superar notáveis déficits
hídricos.
Formas tradicionais de armazenamento como as de grandes reservatórios não atendem às
exigências do meio ambiente: quanto mais extensa a superfície de um reservatório, tanto maior será
a evaporação pelo efeito da insolação e ventos e da transpiração de plantas ao redor dessas
construções; assim, a água armazenada a céu aberto em reservatórios rasos se “perde” com
facilidade e rapidez. Por isso, não é suficiente armazenar água de qualquer forma, mas é preciso
limitar a sua perda por evapotranspiração e assegurar a sua qualidade.
A própria natureza de solos do semiárido sob cristalinos limitam a infiltração e recargas de
lençóis freáticos. O desmatamento facilita o escoamento e as “perdas” tanto de água como da capa
agricultável do solo.
Do saber tradicional xvii se
destaca e exemplifica a tecnologia
“inventada” por um pedreiro
(conhecido por Nel, que depois de
vários anos construindo piscinas em
São Paulo, aprendeu a utilizar
placas de cimento pré-moldadas, levando o
saber e a experiência para o Nordeste;
município Simão Dias, Sergipe, há mais de 35
anos).
São as chamadas cisternas de placas Figura 7 Cisterna de placas pré-moldadas
(pré-moldadas curvadas; Figura 7) para
captação de água de chuva para o consumo humano, pequenos reservatórios de forma oval

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Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

ou cilíndrica, coberto e com metade de suas dimensões encravadas no chão, construídos em


proximidades das casas que usam calhas para colher a água de chuva dos telhados,
direcionando-a para essas cisternas, individuais ou coletivas. São construções fechadas e
variáveis conforme o número de pessoas a serem atendidas e o tamanho do telhado das
casas. A água depositada ali durante os períodos chuvosos fica armazenada para atender
necessidades nos períodos em que normalmente não chove. São atividades e experiências,
entre outras, que precisam de divulgação, incentivos e mobilização social, possíveis de
serem melhoradas.
O atendimento às exigências como as de estruturação e (re)composição do meio
natural, de conhecimento e divulgação de saberes tradicionais e de medidas sociais para a
melhoria do bem-estar, é imprescindível na formulação de um plano de convivência com a
seca. Um plano capaz de compreender aspectos, tais como:
a) Os econômicos: apoio à agricultura familiar e ao desenvolvimento com base em novos
critérios, práticas e tecnologias que possam “garantir” a segurança alimentar e gerar
excedentes para o mercado com valores agregados no local. A convivência, como
comportamentos induzidos, precisa de estímulos e atrativos de melhorias sustentáveis na
dimensão econômica. Tais melhorias no semiárido não podem ignorar a seca, com
possibilidades de “previsão” e alerta contra ocorrências “anormais” desse fenômeno.
b) Os sociais: infraestruturas para melhorar o atendimento à saúde, à educação e ao saneamento
básico no contexto da qualidade e segurança social que esse meio permita desenvolver. Um
plano de convivência, ao lidar com a seca, exige infraestruturas para se fundamentar, em
parte, no acesso aos recursos e serviços de bem-estar social que possam compensar efeitos
“negativos” da seca. A exigência não é apenas de infraestrutura, mas compreende a dotação
de recursos para gerar e manter os serviços. Compreende planos de educação, monitoramento
e avaliação social.
c) Os culturais e históricos como saberes tradicionais e experiências, uma delas acima citada, no
convívio com a seca. A valorização de tais saberes e o resgate da identidade cultural de
comunidades é um propósito a ser colocado em um plano de convivência com a seca, ao
possibilitar difundir (aprimorar) experiências e saberes bem-sucedido. Deve-se observar que
a legitimidade de um plano é proporcional à representatividade sociocultural e histórica que
ele traduza da comunidade e seu meio.
d) Os físicos, tais como, os conhecimentos básicos sobre a localização, caracterização e
disponibilidade de fontes de águas superficiais e subterrâneas, dos solos e da vegetação, com
suas naturais limitações e possibilidades ou potencialidades. São conhecimentos que tem
como argumentos informações, serviços e tecnologias adequadas à região, às condições de
comunidades e, portanto, integráveis com seus saberes; tecnologias do manejo e conservação
no contexto de unidade de planejamento como o de uma bacia (sub-bacia) hidrográfica e o
município.

lvii
Eduardo A. C. Grcia

e) Os organizacionais incluindo, entre outros, estruturas cooperativas e associações de classes e


civis para agregar valor no local aos bens e serviços com novas formas de organização e
integração de esforços e recursos, de interesses e objetivos das comunidades, de economias e
mercados.
f) Os de planejamento estratégico e gestão integrada que permita combinar estratégias e
atividades públicas e privadas para a harmonização da eficiência econômica e a
sustentabilidade social e ambiental na região dentro de contextualizações e arranjos ou
cadeias produtivas típicas da região.
g) Os institucionais: de descentralização de investimentos, de infraestruturas básicas como as de
energia, transporte e comunicação; e de mudanças em estruturas socioculturais e históricas
relativas à pose da terra, da água e dos meios de produção. Podem ser ajustes gradativos e
mudanças que obedecem a processos como os de conscientização coletiva, educação e
autonomia com responsabilidade.
h) Os planos de contingências e de alertas de fenômenos com antecedências suficientes, entre
outros requisitos, dentro do plano de convivência com a seca, para mitigar efeitos e preparar -
auxiliar à população diante de previsões.
i) Os sistemas de informações com dados de todas as dimensões integráveis e sintetizáveis em
INDICADORES; sistemas que permitam gerenciar e disponibilizar, com garantias de
integridade e oportunidade, a informação para todos.
j) O gênero e o semiárido, destacando-se a estreita relação entre a mulher e a sua função mulher
de abastecer o lar com água (como uma extensão do trabalho doméstico), além de seu papel,
em muitos casos, como fator produtivo e chefe da família desestruturada com a emigração do
homem do semiárido.
k) E, principalmente, os aspectos de educação - capacitação para a proteção de fontes e para o
manejo - conservação de seus fluxos com melhorias de bem-estar: conscientização e
educação.
É possível definir, em quase todos os aspectos anteriormente relacionados, um espaço a ser
legitimado em planos de convivência e desafios em campos de estrita e direta competência do Ipea,
dada a sua missão institucional, seja para contribuir diretamente na formulação de políticas públicas
orientadas para o apoio a esses planos, seja para o atendimento às demandas por capacitação,
formulação de cenários e estudos, entre outros os prospectivos, solicitados por órgãos e entidades
públicas e privadas engajadas no desenvolvimento do semiárido.
Os aspectos acima indicados, entre outros a compor um plano de convívio com a seca,
poderão ter definições e enfoque diferentes, conforme seja o entendimento e aceitação do conceito
seca por parte de formuladores desse plano. Alguns poderão identificar a seca (S) e a desertificação
(D), como um único e mesmo fenômeno (S = D) e, portanto, admitem que a eliminação dos efeitos
da seca pelo controle de suas causas, significa acabar com a desertificação (S  D). Outros,

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Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

pressupõem que a desertificação é um processo que pode aumentar o rigor das secas (D  S) e,
dessa forma, concluem que combater a desertificação é evitar a mudança climática. Há aqueles que
associam as secas como causas da desertificação (S  D) e, assim, gerenciá-las significaria impedir
a desertificação; entre outras posições.
Pelo exposto e para se ter uma orientação objetiva na formulação de um plano de
coexistência com a seca, é preciso diferenciar conceitos. O da desertificação, conforme
anteriormente apresentado e o da seca, de acordo com o que segue, sem admitir que sejam
definições necessariamente corretas e/ou de aceitações unânimes entre os cientistas, apenas
referências conceituais necessárias, claras e objetivas, para facilitar a comunicação e entendimento
da mensagem que se propõe neste documento.
O conceito de seca, como um fenômeno climático mais antigo e visível do que a
desertificação caracteriza-se por normais pluviométricas (ou outras fontes naturais de água)
insuficientes (em relação a um padrão) em uma determinada região e período de tempo. O conceito
compreende:
a) Seca meteorológica: precipitação abaixo das normais de precipitações pluviométricas
esperadas em uma região e para determinado período; como normais, refletem
comportamentos de longos períodos.
b) Seca hidrológica: níveis de rios e reservatórios abaixo de normais esperadas em pontos –
chaves de locais significativos em uma bacia hidrográfica e região para determinado período.
c) Seca agrícola: níveis de umidade do solo, supridos por diversas fontes naturais de água como
as superficiais, subterrâneas e meteóricas, insuficientes para atender demandas consuntivas,
conforme sejam as tipologias de cultivos e sistemas de produção.
d) Seca econômica: quando o déficit de água provoca a falta de bens e serviços em uma
determinada região e período, como os de dessedentação, alimentos e energia hidrelétrica
devido ao volume insuficiente, a “má” distribuição das chuvas, ao aumento no consumo de
água e ao mau gerenciamento dos recursos hídricos, entre outras causas desse déficit.
Os termos ou conceitos implícitos em abaixo, insuficiente e déficit qualificadores do
fenômeno das secas, ainda que não façam parte de abordagens sistêmicas, precisam, além de
referências para suas definições, (p.ex., as normais de longo prazo da região por período), de
indicadores para expressar esse fenômeno, sua severidade, xviii e relacioná-lo com diversos efeitos.
Essas expressões e relações são fundamentais em um plano de convivência com a seca; básicos para
a formulação, aplicação e monitoramento de políticas públicas. Por outro lado ou de forma
concomitante, é preciso entender os fatores que determinam (poderão determinar) essa convivência
em um contexto político-institucional, histórico, sociocultural, econômico e físico (ambiental ou
ecossistêmico) amplo e realista de um local e região.
São fatores, tais como: as medidas que devem ser consideradas e para quem devem ser
propostas; as condições de adoção dessas medidas o que significa auscultar aspectos socioculturais

lix
Eduardo A. C. Grcia

e históricos das comunidades vulneráveis e afetadas pelo fenômeno da seca; a procura da harmonia
entre as atividades econômicas e a proteção – preservação de fontes, de reservas, de ciclos em
ambientes do semiárido (INDICADORES e referências); as condições necessárias para se ter a
conservação – manejo de fluxos de bens e serviços ambientais e o que é preciso fazer para garanti-
las no local; as exigências de ações e estratégias cooperativas, multidisciplinares e multi-
institucionais, implícitas nessa convivência; e a especificação do que se busca em cada fase e é
possível alcançar em um plano estruturado e com visão de longo prazo. Nesse contexto há
importantes lições a serem devidamente estudadas e atualizadas para aplicá-las na formulação de
novos planos; uma dessas lições é a do Projeto Áridas.
O plano de convivência com a seca deve compreender ou prever o re-ordenamento de
espaços agro-econômicos do semiárido, com especificações baseadas em critérios e evidências de
fragilidades, limitações e potencialidades a serem internalizadas, com sustentabilidade, nas
atividades econômicas e na convivência.
Relacionado com os aspectos básicos de um plano de convivência com a seca, tem-se os
fundamentos, instrumentos e recursos, entre outros, os de políticas públicas e do próprio plano da
convivência a compreender (relação para reflexão):
a) Opções tecnológicas para amenizar a escassez de água e as limitações da capacidade
produtiva do solo por insuficiente umidade para os cultivos.
b) Desenvolver e disponibilizar técnicas de dimensionamento, construção e uso – manejo de
sistemas de abastecimento de água como, p.ex., cisternas rurais (para beber, para produzir
etc.; figura ao lado), barragens e poços com dessalinizadores etc. Algumas dessas ações e se
oportunas e/ou convenientes, devem ser integradas com as da transposição do rio São
Francisco.
c) Disponibilizar critérios técnicos e operacionais para a conservação e manejo integrado do solo
– vegetação.
d) Motivar e mobilizar as comunidades para participar e usufruir de projetos como os de
educação ambiental, capacitação e valorização de ambientes e recurso a serem protegidos.
O plano de convivência da seca no semiárido começa e se desenvolve com base no potencial
dessas zonas, incluindo, entre outros aspectos:
a) O regime pluvial médio de 750 mm com grande potencial (perspectiva) de armazenamento de
parte desses 750 bilhões de m3/ano de água para uso e manejo criteriosos.
Essa perspectiva parece ser interpretada no projeto de construção de um milhão de cisternas,
incluindo, entre outras atividades: a implantação de projetos demonstrativos e capacitações
em gerenciamento de recursos hídricos, gestão administrativo-financeira de cisternas em
nível de comunidades e capacitação de pedreiros.

lx
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

b) A diversidade de plantas e animais do bioma da caatinga que deve ser conhecida e


valorizada: proteção de habitats e possíveis melhorias para gerar excedentes econômicos
sustentáveis.
c) O ser humano, o sertanejo: suas experiências, saberes tradicionais e organizações –
movimentos sociais a serem resgatados, valorizados e internalizados em ações de planos de
convivência com a seca, além de projetos de capacitações e de educação ambiental.
Um dos fatores mais importantes no processo de degradação dos recursos da terra e, por fim,
da desertificação é o da erosão dos solos dentro de uma ampla diversidade de clima, geomorfologia
e tipologias pedológicas. É um fator que faz parte de um ciclo perverso da desertificação:

“desmatamento – queimada”  “simplificação ecossistêmica” 


“degradação ambiental/erosão”  “redução da produção agrícola” 
incorporação de novas áreas de “proteção”

“piora de condições econômicas e sociais”  fome “emigração” ....

Romper esses ciclos pressupõe conhecer as fases que os definem e gerar – oferecer
alternativas para evitar a emigração ao melhorar condições socioeconômicas, aumentar a produção,
recompor áreas, proteger encostas, diversificar ecossistemas e reflorestar – regenerar coberturas
nativas de vales e áreas úmidas desmatadas e preservar as reservas de proteção ambiental. Esses
propósitos, entre outros, fazem parte do conceito de convivência em seus desdobramentos. O plano
deverá transcender a conceituação com a especificação de meios, procedimentos e recursos para
operacionalizá-la.
Um dos conceitos básicos do processo de desertificação no semiárido nordestino é a erosão
de solos, da biota e humana.

2.1.6 Erosão dos solos


Na degradação dos recursos da terra, caminho para a desertificação, destaca-se a
erosão, um processo natural de desagregação da massa do solo provocada pelo impacto
das gotas de chuva numa superfície livre ou pela ação do vento, entre outros fatores; de
transporte do material desagregado pelo escoamento superficial de partículas da capa
agricultável em processos laminares e voçorocas; e de deposição, à jusante da área afetada,
de materiais da rocha e solos. Um processo acelerado por inadequadas práticas de manejo e
técnicas - tecnologias de uso do solo, da água e da vegetação. Um processo favorecido pela
perda da cobertura vegetal que serve de proteção à superfície do solo contra a ação da água
(erosão hídrica) e do vento (erosão eólica).
Várias formas de uso e manejo tradicionais dos solos podem resultar em degradação
ambiental, tais como: o extrativismo vegetal e mineral; o sobre-pastoreio e excessivo uso

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Eduardo A. C. Grcia

agrícola, formas de manejo e técnicas de produção que expõem os solos aos agentes
erosivos.
A erosão depende de um conjunto de fatores que agem tanto de forma isolada como
conjunta (mais freqüente), potencializando o efeito negativo de cada fator. A análise da
ação ou impacto de cada um e do conjunto, sob determinadas condições do semiárido é
fundamental para definir práticas e tecnologias de manejo integrado e de conservação
desses ecossistemas.
Na caracterização da erosão no semiárido se podem identificar várias formas como,
p.ex., a laminar predominante em Irauçuba (CE), lenta e quase imperceptível em solos
rasos e pedregosos, submetidos a intensos desmatamentos, práticas de queimadas e
ocupação desordenada do solo; e a erosão em voçorocas (crateras) e grandes dunas (erosão
hídrica: inverno e eólica: época das secas, com solos esturricados), com sinais mais
notáveis registrados em solos arenosos de Gilbués (PI), ilustradas nas Figuras 8 e 9 e na
Tabela 2.
As perdas de solo, de água e de nutrientes são responsáveis pelo decréscimo na
produtividade agrícola e pecuária, pela eutrofização de corpos de água e pela degradação do
solo com impactos nos recursos hídricos, na flora, na fauna e, no final dessa cadeia, no
homem.
Quanto às perdas de solo, observam-se variações (em função de diferenciações
ambientais e de usos e manejo dor recursos da terra), com destaque para a erosão
entressulcos, a mais prejudicial, com a combinação de dois processos (desagregação e
transporte de materiais).
As perdas ocorrem pela remoção da camada superficial que contém a matéria
orgânica, os nutrientes inorgânicos, materiais orgânicos e, por vezes, insumos agrícolas
como fertilizantes, com alterações de processos microbianos refletidos na fertilidade dos
solos e na produtividade que se perdem com a erosão.
Que fatores determinam a erosão? O Quadro 3 relaciona alguns desses fatores e
exemplos de contribuições, para certas condições tanto físicas como de uso e manejo dos
recursos da terra, determinantes das perdas do solo por erosão.
Em termos econômicos são perdas quase que incalculáveis pela “impossibilidade” de
reparar totalmente os ambientes danificados, mas, com possibilidades de se ter estimativas
ou aproximações como as apresentadas pelo PNUMA, na África e as calculadas, em parte,
neste documento.
No processo de erosão há causas físicas e causas mecânicas, agentes passivos e
agentes dinâmicos, fatores controláveis e fatores naturais, com interações a serem
conhecidas e tratadas em planos de conservação e manejo do solo conforme as

lxii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

características e condições da região: práticas a melhorar; tecnologias a introduzir conforme


saberes.
Perdas pela erosão do solo representam redução da fertilidade natural do solo e
seguida queda da produtividade agrícola e pecuária; aumento no consumo de fertilizantes e
nos custos de produção; eutroficação e assoreamentos de rios, açudes e barragens, entre
outros impactos.

Se destruída essa borda e Se destruída essa borda e


proteção natural de proteção natural de
matas ciliares, facilita-se matas ciliares, facilita-se
a degradação do solo a degradação do solo

Bordas protegidas/ vegetação: mata ciliar

Borda de rio desprotegida: erosão Irrigação / inundação de campo aberto Sulcos rasos: Picui (PB)

Aspecto erosivo: núcleo de Cabrobó Aspecto erosivo: núcleo de Gulbués Erosão laminar
(PE) (PI)

Área rural de Cabrobó (PE) Caprino pastando na caatinga

lxiii
Eduardo A. C. Grcia

Aspecto erosivo: frequente


PLANOS E ESTRATÉGIAS NACIONAIS, EM 2008, NO COMBATE À DESERTIFICAÇÃO
1) Programa Alimentação saudável: famílias carentes com renda inferior a 0,5 salário mínimo per capita.
2) Programa Educação de jovens e adultos: reduzir os índices de analfabetismo
3) Programa toda criança na escola: ação de “bolsa escola”; mais de 2,6 milhões de crianças do semiárido.
4) Programa desenvolvimento da Região Nordeste: provimento de infraestrutura como eletrificação, água e mecanização
5) Programa jovem empreendedor: organização e capacitação do jovem do meio rural / Projeto Amanhã.
6) Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura – Pronaf; aça\o: Seguro Renda; famílias de produtores rurais
7) Programa Bolsa-renda: concessão financeira sazonal para auxiliar famílias carentes atingidas pela seca
8) Programa desenvolvimento da fruticultura: geração de inovações tecnológicas para aumentar produtividades
9) Programa proágua infraestrutura: ampliar a oferta mediante com obras: adutoras, canais, barragens e extração subterrânea.
10) Programa proágua gestão: combate à desertificação mediante estudos para disponibilizar água no semiárido
11) Programa de expansão e consolidação do conhecimento científico e tecnológico
12) Programa de desenvolvimento sustentável de mesorregiões diferenciadas
13 Projeto desenvolvimento sustentável para assentamento de reforma agrária no semiárido
14) PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÃO

Figura 8 Tipos frequentes de erosões dos solos no semiárido e Planos Nacionais no combate à desertificação

Quadro 3 Fatores, condições e possíveis contribuições que determinam a erosão dos solos, a
CONDIÇÃO OU
FATOR EFEITOS e EXEMPLOS DE INDICADORES
SITUAÇÃO

A quantidade erodida de solo é diretamente proporcional a


Quantidade
quantidade de chuva: intensidade e concentração
Chuva
erosividade Intensidade Quanto maior  maior o potencial de desagregação
Distribuição Maior potencial de erodibilidade no verão
Pouco desenvolvido; relevo suave ondulado; pouca água
Luvissolos (18,4%)
Tipo de solo disponível; erodibilidade elevada
erodibilidade Neossolos Lit. (10,0%) Acentua degradação
Argisolos Relevos suaves – forte ondulação; boa drenagem
Declividade Perdas do solo proporcionais à inclinação da rampa
Topografia
Cumprimento Perdas do solo diretamente proporcionais

lxiv
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Tipo de Pastagem Menos de 0,1 ( 0 < P < 1,0)


vegetação
Cultivos, com/práticas O fator de conservação poderá variar entre 0,2 a 0,7
P = fator de
conservação Cultivos sem/ práticas P .> 0,7
Plantio morro abaixo P > 0,9
Tipo de
Plantio / nivelamento 0,5 – 0,7 < P < 0,9
manejo
Plantio / barreira 0,2 – 0,3 < P < 0,5
Solo desnudo C > 0,9
Tipo de uso Pastagem não-degradada 0,2 < C < 0,3; com crescimento médio a alto
C=fator de
proteção Queimada e
Fator de crescimento baixo: C , < 0,1
superpastoreio

aOs fatores são analisados conjuntamente, na parte de apresentação de resultados, com o auxílio da estatística e
matemática, para determinar a contribuição de cada uma dessas variáveis nas perdas totais de solo por erosão.

2.1.7 Conservação e manejo integrado de ambientes e recursos


naturais
A conservação é entendida como a utilização racional de um ambiente ou de um recurso
natural qualquer, de modo a obter um rendimento considerado satisfatório porque, nessa
consideração, é “conhecida” e “garantida”, quanto possível, a renovação do ecossistema em função
dessa utilização não exceder a capacidade nem alterar, com danos irreversíveis, as características do
sistema, mantida, dessa forma, a proteção da fonte e do ciclo responsáveis (adequada substituição
ou reposição) pelo fluxo nessa utilização. Dessa forma, a conservação do solo, p.ex., é
compreendida como sendo a exploração agrícola que adota técnicas, entre outras, as de proteção
contra erosão e faz a devida reposição de fertilidade do solo conforme seja a extração de nutrientes
pelas culturas.
Analogamente, a conservação ambiental quer dizer o uso apropriado, mediante a conciliação
da proteção do ecossistema com atividades humanas orientadas para o atendimento de necessidades
econômicas, sociais e culturais ao tempo em que admitem fluxos de matéria e energia renovados:
fluxos econômicos excedentes. São usos dentro de limites “seguros”, garantindo-se a manutenção
(por vezes melhorias) de “estados” de qualidade e quantidade, equilíbrio, integridade e capacidade
de atendimento às necessidades econômicas, sociais e culturais humanas, em níveis e riscos
aceitáveis.

lxv
Eduardo A. C. Grcia

xix
Nos conceitos de conservação e de manejo integrados de ambientes e recursos há
definições básicas, tais como:
a) A utilização racional com práticas “adequadas” de manejo e com as tecnologias convenientes
de conservação; adequação e conveniência devem ter como referência as características
conhecidas do local ou região. Dessa forma entendido, a conservação e manejo integrado
devem refletir tais características não apenas físicas, mas socioculturais e econômicas, com
perspectivas de mudanças pela gestão e por inovações tecnológicas apropriadas e
convenientes.
b) O rendimento satisfatório, considerando determinadas referências, entre outras as ambientais
e socioeconômicas próprias do local, da região.
O Nordeste é uma região pobre, porém com potencialidades para “superar” níveis críticos;
com limitações de seus recursos naturais, mas com oportunidades a desvendar. Dessa forma,
modelos de países e regiões desenvolvidas e industrializadas não poderão servir de
referências, sem prévias avaliações, testes e possíveis ajustes ou adequações, para explicar
problemas e delinear políticas públicas. Mas, experiências e lições de regiões com
semelhantes condições e precedidas de avaliações poderão ser úteis.
c) A capacidade de sustentação do sistema à intervenção, à exploração, dependendo da forma,
manejo e intensidade conformada às características do local, da região.
d) Os limites de tolerância, de elasticidade ou de resiliência, expressos por indicadores capazes
de manterem estados como os de qualidade, quantidade e equilíbrio do ecossistema e de
outros sistemas do local ou região.
e) Os níveis e “riscos” aceitáveis, sob determinadas condições, as locais.
São definições básicas implícitas nos conceitos de conservação e manejo integrado que,
apesar de serem importantes, não serão consideradas neste documento simples.
O Quadro 4 sintetiza o conceito de conservação no sentido em que se utiliza neste
documento, com indicações de processos e decisões baseadas em dados confiáveis e indicadores
consistidos.
O manejo pode ser conceitualizado como um conjunto de práticas culturais como, p.ex., no
caso da agricultura, capinas, altura de corte, adubação em cobertura, pulverização, manejo integrado
de pragas, irrigação considerando características das fontes de água, dos solos e das plantas,
rotações ou cultivos alternados etc., no cultivo de uma espécie. Diretamente relacionado com os
conceitos de conservação e manejo se tem o conceito de agricultura.

2.1.8 Agricultura: destaque para a sustentabilidade agrícola


Atividade econômica que se define com bases em procedimentos, técnicas e métodos de
conservação e manejo integrado dos recursos naturais; e pela proteção de fontes, reservas e ciclos

lxvi
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

com práticas e sistemas de inovações que permitam o “melhor” aproveitamento de potencialidades


no longo prazo, constituindo-se atividade contra a degradação.
Uma atividade planejada e desenvolvida dentro da tipicidade de fatores do semiárido,
adequada aos tipos de solos de fácil ressecamento nos períodos de estiagem; aos lençóis de águas
com frequências salinizáveis; ao clima tropical quente definido pelas suas “normais”, com grandes
variações pluviométricas; aos elevados índices de evaporação e evapotranspiração durante todo o
ano; e à vegetação da caatinga com a sua diversidade e potencialidade.
Afeiçoada, também, às formas de uso e manejo desses recursos e a organização e estruturação
em unidades de agricultura familiar (destacado papel da mulher), em arranjos e destinos de
produtos como feijão, milho e mandioca para consumo e mercadorias como valor de troca em
mercados locais; atividade de sobrevivência e em pequena escala, ainda com áreas improdutivas.
Em diagnósticos e análises detalhadas determinar-se-ão as brechas para melhorias de
sistemas produtivos, entre outros os da agricultura sustentável, não apenas em áreas de vazantes,
mas em áreas secas com possibilidades de incorporar procedimentos de irrigação adequada: técnicas
e condições como as de financiamento (crédito), assistência técnica, etc.

Quadro 4 Elementos do conceito de conservação, de utilização racional

REALIDADE Desenvolver

Usos e manejos... Sustentável


Avaliação
Crítica Consistência
Preservação Avaliação
 Decisão
Esperada
Unidade de Conservação

Realidade: análise
CONSERVAÇÃO
Potencialidade: indicador
Restrição/ limitação: indicador Nova realidade...
Capacidade de suporte: indicador
Utilização racional
Avaliação
 Sistemas de produção adequados ao local
Risco
Tecnologias para inovações
Práticas para manejo integrado
Avaliação
Saberes tradicionais: resgate e valorização
Econômica
 Alternativas de utilização

Educação Campos pilotos e demonstrativos


 Cursos teórico-práticos
Taxa

Capacitação
Seminários e fóruns de trabalhos
Programas de rádios e TV
Extensão-assistência técnica
Motivação/ participar $

Recursos / agir $ lxvii


$ $ $ $ $ $ $ $ $ $$
Infraestrutura
Legislação
 Avaliação geralDecisão
e decisão: Se existem potenciais /capacidade de suportes suficientes?  Usos com
base em princípios e critérios racionais e de suporte. Caso não  preservação

 Avaliação de riscos e decisão: Se mínivos e aceitáveis?  Utilização racional. Caso não 


Eduardo A. C. Grcia

É preciso considerar, na agricultura com sustentabilidade, a capacidade de manter pelo menos


estáveis as fontes de recursos da terra do semiárido, se não melhoradas. Considerar, também, que
possibilidades de inovações tecnológicas se encontram atreladas ao sistema tradicional de trabalho:
“meu avô, meu pai, meu tio .... faziam assim e dava certo, por que é que preciso mudar?
Configuram-se estruturas tradicionais e resistentes ao progresso, quando definido e
implantado, sem consulta, entendimento e acordo solidário com esses atores. Parte da resistência à
tecnologia decorre de experiências passadas que não tiveram sucessos e geraram problemas ao
produtor, ao meio ambiente. Por fim, considerar, no conceito de agricultura sustentável, formas de
arranjos entre trabalhadores e proprietários dos recursos da terra; são arranjos tradicionais que
contribuem para o estado crítico da agricultura com efeitos sobre o meio ambiente.
O conhecimento de condições em que se desenvolve, sem sustentabilidade, a agricultura no
semiárido poderá determinar onde, como e a intensidade de formas alternativas de uso com proteção
ambiental e de manejo com integração dos recursos. Isso, como garantia para manter a produção por
longo prazo ao proteger reservas como as de nutrientes do solo, fontes de recursos hídricos e
estados da diversidade biológica, bem como condições de vida na região, a melhorar, do sertanejo,
evitando-se a sua expulsão do campo.
Um dos propósitos das ações e estratégias de um plano de combate à desertificação e
convívio com a seca é capacitar lideranças de associações rurais para sair da pobreza, fazendo da
degradação dos recursos da terra uma parte central desse plano e evidenciando que a degradação
leva a uma competição maior por esses recursos cada vez mais escassos e determinantes da
sobrevivência das comunidades rurais nesse ambiente.

lxviii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Dessa forma entendido o conceito amplo de agricultura sustentável, tende-se ou se espera


fechar um ciclo produtivo “virtuoso” dentro da propriedade, com certo equilíbrio energético;
equilíbrio entre extração, produção e consumo caracterizado por critérios a serem internalizados nas
práticas de uso e manejo dos recursos da terra. Não significa dispensar modernas tecnologias e
insumos que degradam o meio ambiente, quando não bem escolhidos e aplicados, mas fazer
escolhas “certas”, utilizá-los de forma criteriosa e observar, ao não ser possível evitar esses
impactos, que eles sejam mínimos e, principalmente, toleráveis por esse meio: esse é o sentido de
sustentação e de riscos aceitos na atividade produtiva no semiárido.
Para que a atividade agrícola – pecuária seja sustentável é preciso que considere, além de
aspectos físicos técnicos, outros aspectos básicos como os socioculturais, econômicos, históricos e
institucionais que representem as comunidades e ambientes nessas atividades. Que incorporem
possibilidades de mercados com acréscimos de valor, pela agregação de utilidades dos produtos
primários, dentro da unidade produtiva e em arranjos ou cadeias próximas ao produtor. Essas
considerações colocam o sentido da sustentabilidade agrícola várias dimensões a serem
compatibilizadas e integradas. Não é suficiente proteger e melhorar os recursos da terra se tais
melhorias não são traduzidas em melhorias sociais, em bem-estar; se o controle da desertificação,
dentro da agricultura sustentável, não se traduz em benefícios sociais, - é o ideia da convivência
induzida, para as comunidades vulneráveis que se engajam e apóiam um plano de combate à
desertificação e convivência com a seca.
Pelo exposto, conclui-se que a agricultura sustentável é mais do que novas práticas e
tecnologias de manejo e conservação de recursos, entre outros os naturais, acessíveis e operacionais
para o sertanejo. São transformações sociais, culturais, econômicos e de novos relacionamentos com
o meio ambiente, propiciados por projetos como os de educação e conscientização para valorizar
esse meio, protegê-lo e utilizá-lo de forma racional. Tais transformações colocam em destaque a
participação da comunidade na discussão e elaboração de políticas e planos como os de controle da
desertificação e convívio com a seca.

2.1.9 Participação e ação solidária da comunidade no controle da


desertificação e convívio com a seca
Com base em considerandos e disposições da Convenção Internacional de Combate à
Desertificação nos Países Afetados por Secas Graves e/ou a Desertificação aceitos pelo Brasil,
como, entre outros:
a) a desertificação é causada por uma interação complexa de fatores físicos, biológicos, políticos,
sociais e econômicos;
b) o crescimento econômico sustentado, o desenvolvimento social e a erradicação da pobreza são
prioridades dos países em desenvolvimento afetados;
c) dispõem adotar uma abordagem integrada que considere os aspectos físicos, biológicos,
políticos, sociais e econômicos dos processos de desertificação e seca;

lxix
Eduardo A. C. Grcia

d) integrar as estratégias de erradicação da pobreza nos esforços de combate à desertificação e de


mitigação dos efeitos da seca;
e) promover a cooperação de proteção ambiental e de conservação em terra e hídricos;
f) reforçar a cooperação subregional e regional;
g) cooperar com as organizações intergovernamentais.
Nessas considerações e disposições se destacam o papel da participação e de estratégias e
ações solidárias das comunidades, nesse controle e convívio, em especial, aquelas afetadas.
Ao combater as causas profundas da desertificação e dar especial ênfase aos fatores
socioeconômicos que contribuem para esse fenômeno, aliados aos considerando anteriores, colocam
em evidência a imprescindível participação das comunidades nesse combate.
O conceito de solidariedade entendido como o ato de amparar, de modo responsável, o
pensamento, a ação ou a vida de outrem, de labor conjunta, implica a ideia de cooperação e
compromisso, de diálogo, sem controle ou viés como, p.ex., pela produtividade nem
assistencialismo e paternalismo associado a outro conceito, o da ajuda (este pressupõe menoridade
ou precariedade daquele a ser ajudado). Como princípio e ao lado de a justiça, a democracia, a
liberdade e o entendimento da diversidade sociocultural, a solidariedade é básica no diálogo para
construir um plano de combate à desertificação e convívio com a seca.
As propostas de ações e estratégias, adequações das propostas da Convenção e de
compromissos do País com o desenvolvimento sustentável, orientam-se em quatro eixos básicos
(Figura 10): a redução da pobreza e desigualdades sociais; a ampliação sustentável da capacidade
produtiva mediante a conservação e manejo integrado de recursos da terra; a preservação e a
conservação – manejo dos recursos da terra; e a gestão democrática e fortalecimento institucional
que, de certa forma, compreendem e integram princípios, entre outro o da solidariedade.
É fácil entender a necessidade da participação da comunidade e de ações solidárias quando se
considera que o foco, a realidade problematizada, do combate à desertificação é uma situação
(provocada pelo homem) do ambiente que afeta negativamente o ser humano e que esse ambiente
compreende fontes de bens e serviços ambientais ameaçados, em riscos e/ou em processos de
degradação / perdas, com implicações negativas para todos.
A degradação dos recursos da terra que leva à desertificação ocorre, em parte, pela ausência
de um direito de propriedade, por distorções institucionais como as de posse e concentração desses
recursos e pela característica de fungibilidade, isto é, de serem bens e serviços que não podem ser
substituídos por outros da mesma espécie, qualidade, quantidade valor.
São bens essenciais submetidos a utilizações desordenadas e competitivas desses recursos
que, ao mesmo tempo em que pertencem a todos (p.ex., florestas públicas e recursos hídricos), não
pertencem a ninguém em particular: é a tragédia dos bens comuns, agravadas por distorções ou

lxx
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

favorecimentos legais – institucionais como os de posse da terra e por formas insustentáveis de usos
e manejos de seus recursos.
Processos notáveis de degradação que destroem, com as suas formas artesanais como os de
garimpagens áreas vegetadas e corpos de água, mediante desmatamentos, erosão-assoreamento e
uso de substâncias tóxicas como o mercúrio. Reverter esse processo coloca em destaque a educação
ambiental e a instrução - capacitação para proteger e conservar.

2.1.10 Educação ambiental e capacitação para o planejamento e a


gestão
Todos os conceitos acima apresentados e contextualizados são, em maior ou menor
intensidade, permeados, influenciados e determinados pela educação ambiental para que as ações
sejam concretas, eficazes e permanentes e os planos produzam seus efeitos positivos. Tais ações
serão concretas na medida em que consultem e se adaptem à realidade física e humana local e
regional, tenham legitimidade quando internalizadas e sustentação social com a participação das
comunidades e sejam devidamente consideradas e implementadas com os recursos necessários, sem
esperar acontecer os fatos para depois decidir o que fazer.
A educação e capacitação são as ações que mais se destacam, inclusive com orientações
explícitas do documento para atendê-las, em primeira instância, por considerá-las essenciais para a
conscientização cidadão e para buscar- assegurar o comprometimento, responsabilidade e
participação da comunidade educada, conscientizada, em planos de combate à desertificação e
convívio com a seca: são eles os principais atores.
Como pode ser definida a educação ambiental que possa auxiliar planos de combate à
desertificação e convívio com a seca? É, antes de tudo, instrução, com novas informações, que se
internaliza (processo pedagógico centralizado na compreensão da vida, segundo Fritjof Capra) e
leva à reflexão e formação de uma consciência crítica pelo conhecimento de causas e interrelações
de questões, tanto globais como locais, numa perspectiva sistêmica, ao considerar aspectos
primordiais do desenvolvimento, tais como: saúde, direitos humanos, democracia, segurança, fome
e degradação dos recursos da terra; ao considerar a construção de uma consciência crítica – realista
do processo das relações sociedade – natureza e, como reflexão que a educação produz, promover a
transformação de hábitos, atitudes e valores.
Pelo Decreto 4.281 de 2002, trata-se de um processo que deve proporcionar as condições para
o desenvolvimento de capacidades necessárias que grupos sociais, em diferentes contextos
socioambientais, o sertanejo do semiárido é um desses grupos, intervenham de modo qualificado e
com motivações, tanto no planejamento e gestão do uso dos recursos ambientais xx quanto na
concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do ambiente, seja ele físico-natural ou
construído.
Pela multiciplicidade de disciplinas que convergem e se integram, o enfoque ou abordagem
da educação ambiental deve ser interdisciplinaridade possibilitando que os processos interativos

lxxi
Eduardo A. C. Grcia

entre as diferentes áreas do conhecimento permitam uma melhor compreensão da totalidade. Dessa
forma sistêmica, procura-se uma abordagem metodológica capaz de integrar os conhecimentos entre
as ciências naturais e sociais, respeitando-se a pluralidade, diversidade e singularidades culturais e
resgatando saberes e experiências locais em educação ambiental. Em outro sentido complementar, a
educação ambiental deve desenvolver o espírito crítico e a criatividade do cidadão quanto às
alternativas locais de desenvolvimento sustentável, na busca de um ambiente saudável e
ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
É notável o empenho do Ipea para auxiliar tanto planos de educação ambiental como
programas de capacitação orientados para o planejamento, gestão e elaboração de políticas públicas
de desenvolvimento regional. Este documento é um primeiro esboço na definição de uma estrutura e
base de dados e de estudos para fins educativos, compreendendo atividades de pesquisa. Essa base
informacional compila, integra e procura gerir dados de várias fontes para o atendimento às
necessidades de planejadores, gestores e tomadores de decisão em diversos níveis e, em especial,
para auxiliar projetos de educação ambiental.
No conceito de educação para o desenvolvimento há elementos e condições que o tornam
sustentável; um deles é a adequabilidade de conteúdos, de procedimentos metodológicos, de
oportunidade, de atendimento às demandas, de formas de monitoramento e avaliação, etc., de
planos e projetos de educação e capacitação em sintonia com outros planos, expectativas, tendências
e cenários prospectivos. Um deles é o de previsão de mudanças.

2.1.11 Cenários e estudos prospectivos


A prospecção e a construção de cenários facilitam a reflexão e tomada de consciência sobre o
desenvolvimento que se quer e pode construir ao transformar a visão de futuro em possíveis (em
alguns casos prováveis) realidades; ao fazê-lo quando se pensa e planeja essa criação, buscando os
fatores e condicionantes que levam ao progresso, sem, contudo, dispensar, nessa criação, o passado
com suas lições e experiências.
Parte dos cenários deve se orientar para definir planos de redução de vulnerabilidades de
ecossistemas e fundamentar o que se pode fazer para amenizar ou evitar efeitos negativos como os
de secas. É importante, nesse contexto, propor planejamentos estratégicos de tratamentos de
problemas como os de mudanças climáticas e desertificações.
É preciso “pensar”, com criatividade, em quanto e como preparar administrações regionais do
semiárido na previsão de desastres naturais como secas e enchentes, da produção agrícola e da
perda da biodiversidade, entre outras previsões.
A prática de exploração do futuro é tão antiga quanto à própria humanidade sem, contudo, tal
prática, à despeito de avanços científicos, conseguir gerar respostas satisfatórias em previsões de
eventos. Apenas tem sido possível antecipá-los, conforme trajetórias, evoluções e prospecções de
fatores portadores de futuros, de tratamento de fatores críticos.

lxxii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Um exemplo de antecipação, de um cenário futuro provável, é o da desertificação por causa


de desmatamentos e queimadas sem controles, de práticas de uso e manejo não-sustentáveis
(degradação de recursos da terra causada pela perda da capacidade produtiva de ecossistemas) e de
atitudes imediatistas que levam ao empobrecimento do solo e potencializam variações climáticas,
entre outros fatores portadores desse futuro. Uma morte anunciada e agravada pelo aquecimento
global / mudanças climáticas no semiárido com seus possíveis (por vezes, prováveis) impactos
negativos em sistemas, tais como:
a) recursos hídricos; p.ex., estresse (mudanças inesperadas e rupturas em sistemas vitais) e
redução na disponibilidade de água por causa, entre outras, supressão da matas ciliares,
desmatamentos e exposição do solo, tornando-o vulnerável às perdas (um exemplo na Paraíba
é apresentado por SOUZA et alii, 2007);
b) climáticos, p.ex., tornar mais árido o Nordeste por causa de mudanças em frequências e
severidades de eventos extremos;
c) vegetação; redução e/ou substituição de espécies da Caatinga, do semiárido, por espécies do
árido;
d) agricultura, p.ex., intensidade de uso, além de sua capacidade de suporte e inadequado manejo
para as condições locais;
e) degradação humana, por causa de degradações nos recursos hídricos, na vegetação e no solo
com aumentos de marginalização, de insegurança alimentar e de problemas na saúde e
saneamento básico, entre outros.
O conceito de cenário pode ser o de “uma a seqüência de eventos hipotéticos de situações
complexas, construídas com a finalidade de focalizar as atenções em processos causais e pontos de
decisão”, segundo Kahn e Weiner (1969), a fim de demonstrar como uma meta determinada pode
ser atingida se atendidas certas condições. No caso considerado neste documento, essa meta é
controlar os fatores causais dessa construção antes que os mesmos ocorram e produzam seus efeitos
e buscar o convívio com a seca antes que ocorram as emigrações.
É impossível antecipar as causas - efeitos e a emigração se nada efetivo for feito, com
antecipação, no combate e para o convívio. As condições são as de caracterizar a realidade, definir
propósitos (desejos e expectativas) e controlar (poder de agir) as causas da desertificação.
A abordagem de cenários compreende:
1 Uma visão global, sistêmica, da realidade que se impõe na medida em que se observam efeitos
e interdependências entre fatores causais ou correlacionais, tais como os físicos (ambientais),
econômicos, sociais e político-institucionais.
A complexidade de entrelaçamentos de fatores determina que o tratamento de apenas um
deles apresente um valor explicativo reduzido ou inexpressivo. Assim, p.ex., uma “boa”
prática de manejo e uso do solo sem uma alternativa exequível de substituição de

lxxiii
Eduardo A. C. Grcia

desmatamentos e queimadas na agricultura do sertanejo não será benéfica o suficientes no


controle da desertificação; ou a prestação de serviços como os de crédito rural sem um
acompanhamento de sua aplicação poderá ser até prejudicial por comprometer o patrimônio
do sertanejo.
Uma das características básicas de cenários é a capacidade de reunir, comportar e articular–
integrar opções, prognósticos, hipóteses e contribuições de múltiplos fatores. Para tal
propósito considera estruturas flexíveis pela sua capacidade de se ajustar e acompanhar
evoluções e tendências.
2 Ênfase em aspectos qualitativos da realidade e onde cada cenário possa caracterizar um futuro
qualitativamente diferente.
3 As relações entre variáveis e atores são vistas como estruturas dinâmicas, que comportam
mudanças qualitativas ao longo do horizonte de “projeção” de um fator do plano de combate
à desertificação.
4 O futuro é concebido como a motivação básica de ações e decisões do presente, e não
como um prolongamento inevitável da dinâmica do passado. Essa visão de futuro
deve-se ao fato (ou ao pressuposto: uma hipótese de trabalho) de as pessoas, grupos,
organizações ou classes sociais são capazes de influenciar o seu próprio destino
dentro de um quadro de oportunidades e restrições concretas, porém manejável por
elas. Conhecer essa capacidade dentro de um quadro de oportunidades e limitações é
um dos aspectos básicos na formulação de um plano de combate à desertificação.
5. Uma visão plural do futuro. Em cada momento, o futuro “previsível” é múltiplo e
incerto, porque resulta da confrontação ou cooperação de diferentes atores sociais em
torno de determinados interesses. Dessa forma, a construção do futuro se explica mais
pela ação humana do que pelo jogo ou imposição do determinismo.
6. Adoção de modelos conceituais, métodos qualitativos e quantitativos e de uma visão
probabilística (quando possível: associada ao risco) dos fenômenos. Esta
característica é consequência das anteriores que incluem a incerteza (a ser reduzida) e
a pluralidade (opções de escolha) como algo inerente à exploração do futuro, à
criação de cenários.
7. A consideração explícita dos atores envolvidos. Cada cenário representa, em geral,
uma particular hegemonia ou o predomínio de uma aliança de determinados atores
em torno de um conjunto de interesses, objetivos e recursos. Isso significa, na prática,
considerar a dimensão política como um forte condicionante do futuro. Por fim, as
mudanças políticas, econômicas, tecnológicas, sociais, culturais ou mesmo ecológicas
não ocorrem ao acaso, mas resultam, em parte, do jogo de coalizões e de conflitos dos
grupos ou instituições intervenientes em cada situação. Neste caso, procura-se que a
dimensão política tenha como foco o interesse e as ações do coletivo e que
determinados grupos influentes sejam engajados no combate à desertificação.
lxxiv
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

8. Pertinência, coerência, plausibilidade e credibilidade. Um cenário não é a realidade


futura e sim um meio de orientar a ação presente à luz de futuros possíveis e
desejáveis. A preocupação com o realismo e com a eficácia, entre outros, devem
guiar a reflexão prospectiva visando um melhor domínio da história na construção do
futuro.
Os cenários devem focar assuntos relevantes da realidade, de desejos, de poderes, da
governabilidade (...); formular hipóteses-chave sobre o futuro; e assegurar a coerência e
plausibilidade das combinações possíveis em torno de um plano de combate à
desertificação.
Há vários tipos de cenários, tais como: os imagináveis ou hipotéticos; os possíveis
dentro de um determinado contexto; os normativos ou de situações esperadas e desejadas;
os mais prováveis ou cenários de referências para determinadas regiões, fatores e
condições; e os cenários extrapolativos.
O Quadro 5 sintetiza conceitos de alguns cenários, com ênfase em os normativos e
exploratórios, que podem para auxiliar a formulação um plano de combate à desertificação.
As fontes de dados e informações para essas construções compreendem, entre outras,
os objetivos de planos estratégicos governamentais dos entes federativos, relacionados
como o tema; a Declaração do Semi-árido – DAS, documento da sociedade civil que
compreende mais de 1.200 organizações (BRASIL, 2004); e, principalmente dados a serem
obtidos diretamente de comunidades, grupos e organizações para completar uma base de
informação das regiões vulneráveis e afetadas, em termos da realidade, possibilidade,
desejos e poder, conforme se indica, sem especificações, neste boletim.
O Quadro 6 indica possíveis cenários de futuros construídos sem os necessários
cuidados que demanda a redução de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa e por
mudanças climáticas. Em alguns casos não são apenas possibilidades, mas evidências
probabilísticas sobre tais futuros, inclusive para as condições do Nordeste (colchetes).

lxxv
Eduardo A. C. Grcia

Quadro 5 Tipos de cenários que podem ser utilizados para auxiliar a elaboração de um
plano de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca no Nordeste

CENÁRIO, ESTUDOS
PROSPECTIVOS
Histórico e evolução de fatores. Diagnósticos temáticos integrados.
Situações atuais e desejáveis- possíveis. Recursos. Metodologia etc.

Normativo Exploratório
Futuro desejado como vontade Caracteriza futuros possíveis ou
ou compromisso de coalizões e prováveis, mediante simulações e
objetivos específicos. A lógica é desdobramentos de condições
estabelecer o que se deseja e iniciais diferenciadas, sem assumir
logo agir para alcançá-lo, a partir opção ou preferência
do presente: diagnósticos

E xt r a p o l a t i vo Mú l t i p l o
O futuro como Pressupõem-se rupturas
prolongamento do nas trajetórias de futuro:
passado e presente
Plausíveis ou prováveis

Livre de Variações Referência Alternativos


surpresa
canônicas Evolução futura suposta Cenários com menor
como mais provável em probabilidade, porém
função de mudanças e ampliando o leque de
tendências latentes futuros

lxxvi
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

Quadro 6. Possíveis cenários de um futuro sem redução de emissões de CO2 à atmosfera a

IMPACTO DO
AQUECIMENTO EXEMPLOS DE PROVÁVEIS IMPLICAÇÕES
GLOBAL

Redução do número de espécies: menor biodiversidade, em especial (….).


Vegetação Emissões de CO2 por morte da biomassa do solo: possível ciclo
retroalimentado entre emissões desse gás e aquecimento global.
Mudança de características climáticas, com possíveis implicações em fluxos
dos rios, provocando seca em algumas regiões (por exemplo, na América do
Recursos hídricos Sul) e enchentes em outras (por exemplo, na China)
Maior número de países utilizando mais de 20% dos seus recursos de água
doce por ano, considerado um limite perigoso, segundo estimativas da FAO.
Apenas considerando o aumento da temperatura (sem apreciar a falta de água)
a produtividade de grãos poderá aumentar em alguns países (por exemplo,
Agricultura América do Norte, China e Argentina) e ser reduzida em outros (por
(alimentos) exemplo, África e Oriente Médio).
A fome poderá ser agravada em várias regiões da África.
População em risco de inundações passará de 13 milhões para 94 milhões,
com um aumento dos níveis dos oceanos de 40 cm. Mais de 70% ocorrerão
na Ásia.
Nível dos oceanos Em todos os cenários estudados, com ou sem redução das emissões de CO2, o
nível dos oceanos deverá subir. A diferença poderá ser na velocidade, o que
possibilitaria, de acordo a essa velocidade, algumas adaptações.
Com as atuais previsões para o ano de 2080, um adicional de 290 milhões de
pessoas poderá estar sob o risco da malária, especialmente na China e Ásia
Saúde humana central.
A mortalidade poderá ser reduzida em regiões de clima temperado, devido à
redução de mortes induzidas por invernos rigorosos.
a
Fonte: adaptado do Hadley.

2.1.12 Políticas públicas para o combate à desertificação e


convívio com a seca
O conceito de políticas públicas pode ser entendido como um conjunto de diretrizes
gerais definidas e voltadas para a concretização de certos objetivos em determinada

lxxvii
Eduardo A. C. Grcia

sociedade, espaço geográfico e condições socioculturais econômicas e ambientais. É o


ordenamento de práticas, ações e estratégias para se alcançar fins estabelecidos de um bem
comum.
As políticas públicas, para o caso do combate à desertificação, mitigação de efeitos
climáticos adversos e convívio com a seca, podem ser sintetizadas como um ciclo,
conforme se ilustra na Figura 9, a iniciar com a identificação de problemas. Um ciclo que
não segue uma lógica linear e que se retroalimenta em cada fase, conforme sejam as
avaliações de resultados intermediários. Tais resultados poderão determinar ajustes e/ou
novas demandas (novas, como as de controle de fatores de mudanças climáticas;
recorrentes, pois os problemas da desertificação continuam sem solução e, ainda,
agravando-se; reprimidas, pela não-decisão ou pela incapacidade de políticas e programas.
Daí a importância de monitorar e de avaliar – ajustar (quando necessário) os instrumentos
componentes das relações de poder entre os membros de uma sociedade, orientadas para a
resolução pacífica de conflitos como os que se geram em torno de bens públicos mais
escassos e disputados.
É preciso entender a dimensão, a complexidade e a gravidade do problema da
desertificação, aspecto enfatizado neste documento, para orientar mudanças de paradigmas
que se exigem, entre outros, na elaboração e implementação de políticas públicas de
combate à desertificação. É nesse sentido que se preparam os participantes para agirem na
definição de propostas na agenda da terra, xxi em Copenhague, envidando capacidades e
recursos na gestão integrada da terra em temas como os de seqüestro do carbono para
aliviar o efeito estufa, proteção e prevenção de fontes, reservas e ciclos de renovação
natural, recuperação de terras e combate às perdas de solo e vegetação. Estas, entre outras
medidas, poderão não apenas reforçar a resiliência, mas contribuir para aumentar a
produção agrícola, a segurança alimentar e, no final, o desenvolvimento. As políticas
devem interpretar tais orientações.
Um conceito a destacar na formulação de políticas públicas é o da análise, de
avaliação, dessas políticas, no sentido de o que o governo faz, por que faz (ou porque não
faz) e de como são interpretadas causas e efeitos ao se processarem demandas e apoios do
ambiente externo, colocando-as no sistema ao definir ações e estratégias em instrumentos
como leis, programas, planos e projetos.
São instrumentos das políticas públicas para gerar resultados: é a síntese da
formulação de políticas públicas (revestidas de autoridade soberana do poder público) e não
de resultados privados ou apenas resultados coletivos.
Na análise (avaliação) de políticas públicas, conforme entendimento de Dunn (2008)
adotado neste documento, como um processo de inquérito (testar e buscar soluções)
multidisciplinar definido para gerar soluções de problemas práticos, criticamente avaliar e

lxxviii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

informar – comunicar para o entendimento e melhoria de políticas, são considerados


(devem ser consideradas) diversos aspectos, entre outros:
a) os atores de maior relevância: aqueles significativos e com problemas importantes
que demandam soluções e, por isso, ingressam na agenda pública: a avaliação
compreende a caracterização desses atores, seus problemas (por que acontecem) e
oportunidades;
b) as relações que se estabelecem entre atores-chaves e entre atores e fatores
importantes; são relações dispostas ou ordenadas de acordo com determinados
critérios e referências como são os indicadores; a avaliação poderá tratar, entre outras,
relações de causalidade entre um programa e os resultados alcançados;
c) os propósitos (objetivos) e meios (recursos) dos atores em contextos como os de
interesses, de ideias e de instituições (nem sempre conciliáveis) que se refletem em
agendas governamentais; a avaliação poderá tratar a coerência, lógica e equilíbrios
entre esses contextos;
d) os grupos de pressão e as relações de poder que se expressam ou sintetizam na
vontade e decisão política traduzida em planos, programas e projetos; a avaliação
trata da relação entre esses grupos e os objetivos das políticas;
e) as relações ente o Estado e a sociedade, os mercados e organismos internacionais,
entre outros; destaca-se, para o caso em estudo, o compromisso assumido pelo País
em convenções como as de combate à desertificação, mudanças climáticas e
biodiversidade;
f) a formulação de políticas públicas como expressão da vontade popular, captada pelos
representantes, da motivação e engajamento da sociedade; o resultado, seja ele direto
ou indireto, é função da educação e conscientização para escolher esses
representantes; da solidariedade e comprometimento em planos e projetos;
g) decisão e vontade política que se mede, em parte, pela aplicação de recursos e outros
meios de viabilização (operacionalização) das políticas públicas;

lxxix
Eduardo A. C. Grcia

Ciclos-espirais de
políticas públicas

t2 Fase III
t1 Fase II
t0
Fase I

Interesses
Surgem (problemas) como: tensões existentes
entre a sociedade civil e o Estado, causadas por Vontades,
precárias condições de vida; necessidade de preferências
assegurar níveis de produção e consumo para o Ideias, visão, Instituições,
desenvolvimento; desigualdades sociais, econô- Contexto
paradigmas normas, valores
micas e de oportunidades; e reivindicações por
melhores condições ambientais e de qualidade
de vida, perdas ambientais que afetam o homem

Vontade
Decisão Pol.
Efetividade
Eficiência
Eficácia

Objetivos de Políticas Públicas:


Apoiar o desenvolvimento sustentável Agendas governamentais:
nas áreas suscetíveis a desertificação; Nacional, Estaduais, Municipais
AVALIAÇÃO DE instituir mecanismos de proteção, de
POLÍTICAS conservação e de recuperação de
PÚBLICAS mananciais, vegetações e solos
Leis, planos,
degradados; e integrar a gestão de
programas e projetos
recursos hídricos com as ações de
prevenção e combate à desertificação,
entre outros.
Compatível?
Compatível?
IMPLEMENTAÇÃO Compatível?
Monitorar, avaliar-intervir
Educação
Conscientização
Recursos, Gestão Participação
Solidariedade
Viabilização (...)
Comprometimento
Responsabilidade

Figura 9 Ciclos-espirais (parte superior) simplificados de políticas públicas no combate à desertificação

lxxx
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

h) empenho e participação da sociedade na formulação de políticas pública que se


mede, em parte, no monitoramento e avaliação de resultados das políticas públicas;
i) o final de um ciclo de políticas públicas, ilustrado na Figura 9, compreende aspectos
do ajuizamento dessas políticas. É a parte relativa à avaliação de resultados da ação
política orientada para alcançar o objetivo: é a estratégia de um plano; o
detalhamento do plano ao expor as linhas e regras a serem seguidas nos projetos: é a
tática adotada; e a atividade (conjunto de atividades correlatas) que se desenvolve
conforme a estratégia e tática: é a parte operacional que se indica em um projeto.
Na criação de um conjunto de ações e serviços adotados pelo Estado, isto é, de
políticas públicas, definidas para assegurar direitos como os de solidariedade que englobam
o direito a um meio ambiente equilibrado (competência do Estado: “proteger o meio
ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, as
fauna e a flora”), a uma saudável qualidade de vida, ao progresso e a existência digna, entre
outros, além de garantir direitos difusos como os de grupos menos determinados de pessoas
de acordo com os ditames da justiça social, deve abordar diretrizes gerais para a
implementação dessas políticas, contendo, também, conceitos (princípios), objetivos e
instrumentos.

São princípios ou preceitos que se fixam para servirem de normas e traçado de


orientações norteadoras de conduta da sociedade diante uma situação. No caso considerado,
esses princípios podem ser: democratização do acesso à terra e à água; participação das
comunidades no processo de elaboração e de implantação de ações e estratégias de combate
à desertificação; e incorporação do conhecimento tradicional sobre uso sustentável de
recursos, potencializado por novos conhecimentos como os tecnológicos, nas políticas
públicas.
Os objetivos gerais que se esperam da política pública e que dada a sua abrangência
só podem ser alcançados com a efetivação de objetivos específicos colocados na prática da
política mediante planos (conjunto de ações a ser adotado para se atingir determinado
objetivo), programas (detalhamento de planos com a exposição de linhas e regras a serem
seguidas: exemplo o PAN-Brasil) e projetos (atividade ou conjunto de atividades correlatas,
como expressão ou desdobramento operacional de um programa).
Os instrumentos são as ferramentas econômicas - financeiras, políticas e
institucionais que viabilizarão a concretização dos objetivos da política (...)

lxxxi
Eduardo A. C. Grcia

NOTAS

i
Os recursos naturais podem ser conceituados como os elementos naturais bióticos e abióticos de que dispõe
o homem para satisfazer suas necessidades econômicas, sociais e culturais.

ii
Consumismo é o ato de consumir bens e serviços, muitas vezes de forma irracional e sem consciência, sem
responsabilidade social, induzido por meios como os da propaganda e publicidade, orientando-o para um
consumo desnecessário (esse ato, quando racional no consumo indispensável, é para aquilo que seja
necessário para a sobrevivência) e supérfluo.

iii
Economicismo no sentido de reducionismo de fatos como os sociais à dimensão econômica ou como uma
ideologia que coloca a oferta e demanda como únicos fatores na tomada de decisões. Em ambos os casos,
pressupõe ou implica a sobrevalorização dos aspectos econômicos, relegando a planos inferiores outros
aspectos ou dimensões como a social e ambiental. Tal viés, em certo sentido, nega a essência da própria
economia como ciência de escolhas, sem excluir análises (p.ex., de custos e benefícios de diferentes
opções que possam melhorar políticas públicas e o bem-estar social) e impactos de quem ganha e perde;
de explicar (economia positiva) e justificar (economia normativa) mudanças: a economia ensina: mudança
por mudar é irrelevante ou nada representa.

iv
Tecnicismo, entendido como a supervalorização e crença da autossuficiência da tecnologia em sua
capacidade de mudanças, negligenciado, em parte, o ator que passa a ser um simples aplicador de
procedimentos, técnicas e tecnologias. A criatividade, experiência e saber do agente (cliente que não é
alvo), no processo tecnicista, ficar restrito aos limites, - condições e exigências, do que se pretende impor,
invertendo-se a lógica do processo: atendimento ao alvo, com a tecnologia que possa interpretar e se
adaptar às condições e exigências desse cliente, com opções a serem complementas por outras. No
tecnicismo, é uma e necessária. Afastar-se do outro extremo, a tecnofobia.

v
Em outras oportunidades, tais respostas, inseguranças e instabilidades em relação ao meio ambiente e seus
recursos naturais não foram (até o início do novo milênio) tão imprevisíveis nem desprovidas de
intencionalidades danosas, como se verifica com a concentração de riquezas naturais por poucos, com
exclusão de benefícios de muitos e a socialização de custos de externalidades do crescimento econômico,
com a inclusão do passivo ambiental, no social. Um passivo de desmatamentos – queimadas
indiscriminadas, de erosões induzidas, tanto dos solos como as biológicas, de poluições, de perdas de
atributos dos recursos hídricos (...). São custos não-internalizados em sistemas contáveis das fontes que o
geraram e continuam gerando-o. A própria relação (real ou pretendida, causal ou não) entre pobreza e
degradação ambiental é intensificada pelo contínuo domínio de riqueza, de poder, de privilégios de
setores, de legislações omissas e tendenciosas carregadas dessas intencionalidades, explícitas ou não. Até

lxxxii
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

relações aceitas e círculos viciosos como os de pobreza-degradação são, em parte, intencionais. Se o pobre
agride-degrada o meio ambiente porque não tem acesso a outras terras limitadas por instrumentos legais,
entre outros, os de posse; à água em condições de uso ou excluído pela localização da fonte em terra
particular; à tecnologia viável e operacional ou da tecnologia que o marginaliza da competitividade por
questões de escalas como as de produção e consumo; à informação que valorize – potencialize seus
saberes tradicionais; ao crédito oportuno e acessível, entre outras, o faz pressionado por circunstâncias,
para “assegurar” a sua sobrevivência. As forças externas dessa pressão são, em parte, intencionadas. No
texto se enfatiza a necessidade de buscar e entender as causas do problema para não pretender, supor ou
esperar, por exemplo, formar uma consciência social de proteção, valorização e conservação em
comunidades que lutam pela sobrevivência, sem considerá-las em suas reais e efetivas necessidades,
possibilidades e perspectivas. Nesse ambiente, tal formação é utópica ou muito limitada porque não se
pode supor e esperar a conscientização em alicerces de escombros de pobreza e miséria, de desertificações
socioculturais e econômicas que precisam de soluções antes de reflexões filosóficas: conscientização.
Parte dessa conscientização está na informação para a educação e na responsabilidade social do
empresário, do tomador de decisão, do legislador, do político.

vi
Contudo, é oportuno citar algumas ações, tal vez inadvertidas ou omissas em descrições históricas, que, a
pesar de terem motivações diferentes como as de proteção do comércio, resultaram benéficas para a mata
nativa. Assim, a proteção do meio ambiente, que para a maioria dos países é relativamente recente, no
Brasil é de longa data, com origem no período colonial. As Ordenações Manuelinas, durante no reinado de
D. Manuel I, o Venturoso (1495 – 1521), estabeleceram o escambo do “pau-brasil” (Caesalpinia achinata,
Lma.; Leguminosae), com penas de degredos aos contraventores, em cerca de 200 delitos, entre eles cortar
árvores de fruto. Essas Ordenações, junto com as Ordenações Filipinas estabeleceram regras e limites para
exploração e usos de terras, águas e vegetação com listas de árvores reais, protegidas por lei, o que deu
origem à expressão “madeira de lei”. As Ordenações Filipinas são precursoras de princípios como o de
proteção das águas ao fornecer o conceito de poluição (GARCIA, 2009; em elaboração).

vii
Planejamento como a aplicação sistemática de informações e conhecimentos para conceber, com a
necessária antecipação, o que deve ser feito, e para avaliar, ex –antes, cursos de ações alternativas de um
processo racional pelo qual se decide antecipadamente, o que deve ser feito, pela conveniência e
necessidade; quando fazer, pela oportunidade; como será feito, pela exequibilidade e efetividade esperada
de resultados; e qem o fará, pela habilidade e competrência, constituindo-se um elemento crucial da teoria
e da prática da administração. Em termos formais, compreende: a) uma reflexão sobre eventos prováveis
ou possíveis e cenários alternativos, de natureza econômica, social, ambiental, institucional e política; b)
uma base informacional “robusta” para sustentar essa reflexão e a definição de objetivos e meios; c) a
tomada de decisãoes que possam viabilizar a obtenção desses objetivos de forma mais eficiente e rápida.
Em sua forma reduzida, o planejamento é um instrumeno de gestão e abordagem racional para a solução
de problemas (dimensão ciêntifica, metodológica: analítico-racional). Problemas complexos como o da
luta contra a desertificação, mitigação de efeitos e convívio com a seca não podem ser resolvidos com

lxxxiii
Eduardo A. C. Grcia

decisões simplistas, improvisadas ou aleatórias, a partir de comportamentos reativos e intuitivos –


empíricos, mas exigem detalhados desdobramentos do problema em suas causas, interações e efeitos
ordenados e hierarquizados; identificação de relações funcionais, igualmente ordenadas; e remontagens de
partes com o auxílio de técnicas de simulação, dinâmica e riscos. Ainda com todos esses cuidados no
desdobramento e remontagens, o planejamento, com seus planos que refletem estágios de um processo,
não garante o sucesso em alcançar os objetivos com as ações preestabelecidas para criar um futuro
desejado.

viii
A gestão ambiental pode ser definida como intervenções que incorporam medidas necessárias à otimização
de benefícios econômicos e sociais e garantem a manutenção da qualidade e da sustentabilidade de um
ecossistema. Com frequência, as intervenções tem-se dados em ausência de um plano integrado de gestão
e a implementação de instrumentos como os de licenciamento e avaliação de impactos (reativa), ocorrem
sem essa necessária integração.

ix
O declínio em longo prazo, na função e na produtividade de um ecossistema, ocorre quando se modificam
as características físicas, químicas e biológicas do solo por causa do esgotamento; quando se dá a
degradação da terra: do solo (por erosão, compactação e salinização); dos recursos hídricos (perda da água
de chuva, pouca ou nenhuma água na estiagem e perdas de quantidade e qualidade da água); da vegetação
(rala, menor porte e mais demorado crescimento); da biodiversidades (perdas de atributos e menor
capacidade de regeneração) por múltiplas e complexas causas, naturais e antrópicas como a sobre-
exploração e sobrepastoreio.

x
Essa Convenção é um instrumento de acordo internacional ratificado por países que estabelece diretrizes
para o combate à desertificação em escala global, constituindo-se uma referência importante para o Brasil,
conforme se constata no PAN-Brasil.

xi
A Constituição Federal do Brasil de 1988 tratou o termo meio ambiente, no caput do artigo 225,
considerando que é dever do Poder Público e da coletividade preservar e conservar o meio ambiente, pois
ele é de uso e bem comum de todos os povos, essencial para qualidade de vida. Define-o como um bem de
uso comum do povo e determina ao Poder Público, bem como a toda a população, o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Na Lei no. 9.795, de 27 de abr. de 1999, ao estabelecer a
Política Nacional de Educação Ambiental, define o meio ambiente como o conjunto de processos
abióticos e bióticos existentes na terra passíveis da influência das ações humanas. Na Conferência
Intergovernamental sobre Educação Ambiental, organizada pelas Nações Unidas e UNESCO, em Tbilisi,
Geórgia, em 1977, assinala que o conceito de meio ambiente compreende elementos naturais e sociais
criados pelo homem como os valores culturais, morais e individuais, além de relações interpessoais no
trabalho e em atividades de tempo livre.

lxxxiv
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

xii
Tais como os de ordem física-natural: mudanças climáticas e perdas da diversidade biológica; e de ordem
humana: insensibilidade para considerá-lo, interesses econômicos imediatistas; pouca ou falta de decisão e
vontade política etc.

xiii
A Lei no. 9.433, de 8 de jan. de 1997, ao instituir a Política Nacional de Recursos Hídricos e criar o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, considera, entre outros instrumentos, a
cobrança do uso de recursos hídricos (art. 19), com os objetivos de “reconhecer a água como bem
econômico e dar ao usuário uma indicação de seu valor” e “incentivar a racionalização do uso da água”.
Define, na fixação do valor a ser cobrado, o volume retirado em derivações, captações e extrações e o
regime de variação da disponibilidade de água na fonte. Considera, também, o lançamento de esgoto e
demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado, seu regime de variação, as características físicas,
químicas e biológicas e a toxicidade do efluente.

xiv
Há proposições, critérios e conceitos, quanto à avaliação ambiental, que é preciso considerar, tanto na
perspectiva técnica e tecnológica – científica, quanto prática – operacional. A relação que segue sintetiza
alguns deles: a) considerar todos os possíveis impactos de intervenções: além da impossibilidade de
previsão, colocam-se questões como as de incertezas e racionalidade na tomada de decisão; os impactos
podem ser diferentes em suas causas e efeitos e devem ser ordenados, classificados e hierarquizados
conforme determinadas referência; b) cada avaliação é distinta em função de especificidades de fatores e
condições; há, contudo, fatores comuns de pressão e lições de um local que podem testadas e adequadas
para outros, evitando-se redundâncias, possibilitando fazer previsões com níveis de confiabilidade
razoável; c) a necessidade de elaboração de diagnósticos em cada caso, com poucas contribuições quando
entendidos e elaborados como inventários; a questão é de qualidade e capacidade desses estudos
fornecerem dados consistidos de estados e evoluções possíveis de serem sintetizados em indicadores
abióticos, bióticos e socioeconômicos, de acompanharem dinâmicas e tendências; d) estudos descritivos a
serem integrados mediante abordagens sistêmicas para o entendimento de processos; a questão se coloca
na qualidade do fator que se analisa e no ajuste do sistema que está operando para se ter uma indicação
consistente de como ele operaria sob outras circunstâncias: fatores de risco e simulação de estudos
prospectivos que possam ampliar ou flexibilizar a capacidade de “modelos” complexos de sistemas para
situações nem sempre bem definidas e comportadas; e) qualquer “bom” estudo técnico-científico é
suficiente para o suporte à tomada de decisões; no texto se coloca a contribuição da pesquisa e ciência –
tecnologia como instrumento importante, porém não suficiente; é preciso que esse instrumento considere a
diversidade de interesses e objetivos de diferentes segmentos sociais, a vontade e decisão política, as
escalas e níveis de abordagens transdisciplinares; f) a divisão e estruturação geopolítica e institucional não
são norteadores suficientes, apesar de seus domínios na conformação de planos e recursos; a natureza e
seus domínios obedece a outros critérios, com frequência não-compatíveis com divisões geoplíticas; g) as
avaliações eliminam incertezas; é preciso entender que a incerteza é um fator dominante e que as
avaliações poderão reduzi-las a fatores de riscos com possibilidades de se ter um melhor controle e suporte

lxxxv
Eduardo A. C. Grcia

à tomada de decisões; h) a análise com abordagens sistêmicas assegura a seleção de melhores alternativas
de ações em planos; no campo tecnológico – científico e nas abordagens sistêmicas, de simulação,
dinâmica e risco apenas se tem aproximações tanto mais confiáveis quanto sejam as representações de
atributos e componentes; daí a necessidade e destaque do dado e do indicador na gestão integrada.

xv
A falta de um plano de desenvolvimento sustentável para a região não significa desconsiderar outras
referências por vezes limitadas a programas, setores ou atividades, porém importantes. É possível
encontrar em áreas como as de saúde pública, segurança alimentar, agricultura familiar e educação,
diretrizes e instrumentos que podem auxiliar as diretrizes e instrumentos de planos de combate à
desertificação e convívio com a seca. Troca de informações e, em especial, lições e experiências de
comunidades podem ser importantes referências para melhorias.

xvi
Entenda-se por transparência a adoção de preceitos básicos do direito administrativo, adotados na
administração pública, direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, relativos aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, proporcionalidade e eficiência. São princípios relevantes [e com efetividade quando
sustentados em critérios de exequibilidade técnico-científica e operacional] para alcançar uma clara
definição de interesse público e, em especial (para o caso considerado nesta publicação), para buscar e
assegurar a participação da comunidade [condição: informação e educação] na tomada de decisões em
aspectos como são os de convivência com a seca, possibilitando um maior grau de correspondência entre
as demandas sociais [ordenadas e hierarquizadas] e as estratégias e ações que se definem em instrumentos
como os de políticas públicas, leis e planos: uma questão de legitimidade do uso do poder. A utilização
dos princípios da publicidade, motivação e participação popular apontam para a transparência a orientar
todas as atividades.

xvii
A relação homem – natureza, com pontos críticos, conflitosa em alguns casos e complexa em geral,
compreende sucessivos aportes de culturas, organizações sociais e saberes, influenciado e sendo
influenciados pela natureza. A lógica e entendimento contextualizado dessas interações são importantes na
formulação de planos para a convivência som a seca em zonas semiáridas. Os san do Kalahari e aborigens
autralianos, os tuaregs e beduínos do norte da África, os semíticos e camíticos do Oriente Médio, os
mongóis da estepa, os watussi da savana, os chihuahuas e apaches do México, os chimus paracas e
moches do Peru, etc., são, entre outras civilizações que nasceram, adaptaram-se e se desenvolveram em
meios caracterizados pela escassez de água, exemplos de povos que adaptaram seus estilos de vida às
condições do ambiente, demonstrando grande capacidade inventiva de resolverem seus problemas.
Recentemente, comunidades como as israelitas em condições próximas as do deserto, mediante mudanças
tecnológicas adequadas às condições, adaptam-se e utilizam os recursos da terra. O processo de
desertificação é o resultado do empobrecimento de uma cultura material, do afastamento de leis naturais e
da alienação de comunidades que perdem a capacidade de conhecimento e controle do meio ambiente.
Como corolário dessa definição se tem: a solução ao problema da degradação dos recursos da terra que

lxxxvi
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas

leva à desertificação passa necessariamente pelo enriquecimento da cultura material, pelo conhecimento e
observância de leis naturais e pela reorientação para fundamentar as atividades na capacidade de suporte
ambiental e na proteção e recuperação de ambientes. Essa passagem destaca a recuperação, avaliação e
potencialização de saberes tradicionais, incorporando-os em planos e políticas de prevenção e controle da
degradação. Ao longo dessa passagem se rompem círculos viciosos como o de pobreza – degradação e seu
efeito de exclusão social, pressupondo-se que a solução seja a de melhorar, para esses pobres e excluídos,
as condições de integração no sistema socioeconômico dominante; os pobres, sem recursos nem
capacidades, sem conhecimentos nem habilidades (...) precisariam ser integrados. Trata-se de uma visão
parcial que precisa compreender outros elementos, outras referências quando se valorizam experiências,
saberes e convivências.

xviii
Um dos índices mais utilizados e reconhecidos para a qualificação da seca é o Índice de Severidade de
Seca de Palmer (PALMER, 1965), que tem como argumentos, em sua definição, o total de precipitação
requerida para manter uma área em um determinado período sob condições estável da economia. Esse
total depende da média de ocorrência de fatores meteorológicos e das condições meteorologias dos meses
precedentes. Tem como base as estimativas de médias históricas de evapotranspiração, recarga de água no
solo, escoamento superficial e umidade do solo.

xix
No contexto da Política Nacional da Biodiversidade, o conceito de conservação se define em consonância
com a Convenção sobre Diversidade Biológica, com um sentido próximo ao do conceito de preservação,
de proteção. Assim, na forma in situ significa conservação de ecossistemas e habitats, bem como a
manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios; no caso de espécies
domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características: o
sentido de racionalidade de uso. Em outro contexto como os de unidades de conservação, o conceito tem o
sentido de manejo de recursos naturais.

xx
Segundo a Lei 6.938, de 31 de ago. de 1981, os recursos ambientais compreendem a atmosfera, as águas
interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da
biosfera, a fauna e a floras.

xxi
Essa nova agenda da terra a ser acordada na 15ª. Conferência das Partes da Convenção das Nações
Unidas de Combate à Desertificação, em Copenhague, em dez. 2009, deverá enfatizar, conforme se indica
neste documento, a compreensão do problema e o tratamento e procura de soluções com ações e
estratégias para melhorar a subsistência de mais de dois bilhões de pessoas que vivem em zonas áridas,
semiáridas e subúmidas secas do mundo; considerar o problema da degradação dos recursos da terra e
seus nexos com outros problemas que levam à desertificação. Parte do desafio para o entendimento da
crise ambiental, nessa melhoria, está na mensurabilidade de causas (e efeitos) e interações da
desertificação e na síntese do processo, mediante indicadores. Outra parte está na abordagem da mudança
climática e seus efeitos, especialmente notáveis em zonas vulneráveis como são as de terras secas; para

lxxxvii
Eduardo A. C. Grcia

alguns, as mudanças climáticas e a degradação do solo, são dois lados de uma mesma moeda e, portanto,
aspectos que devem ser considerados conjuntamente em políticas públicas. Há outra parte, nessa nova
agenda da terra, que se refere às parcerias e empenhos institucionais de combate à desertificação pelo
tratamento de fatores causais da degradação de ambientes e recursos da terra e pela procura de ações que
possam mitigar efeitos de impactos das secas e .

lxxxviii

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