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de livr
has Resenhas
ros de livros
Resenhas

os valores, comportamentos e práticas


associadas à masculinidade hegemô-
nica e, assim, reelabora outra prática
discursiva masculina mediante as re-
lações entre e intragêneros. Contudo,
faz uma ressalva: não pretende fazer
generalizações sobre a identidade mas-
culina e nem das relações de gênero no
Brasil, mas visa refletir sobre como os
homens com quem conversou estru-
turam as narrativas que dão sentido as
suas práticas.
Para tanto, a partir de uma análise qua-
litativa e do discurso, conversou com
15 homens e sete mulheres, pertencen-
tes à camada média urbana brasileira,
sem especificar, contudo, o lugar onde
realizou a pesquisa. No entanto, o gru-
HOMEM NÃO TECE A DOR: QUEI- po com quem dialogou possui carac-
terísticas que os diferenciam de outros
XAS E PERPLEXIDADES MASCULI-
e, mesmo, daqueles enquadrados na ca-
NAS. Editado por Berenice Bento. Na-
tegoria “camada média”. Desse modo,
tal: EDUFRN, 2012.
Bento chama atenção para a multipli-
Edyr Batista de Oliveira Júnior cidade de realidades que pode haver
Doutorando no Programa de Pós- nas classificações de classe social, o
-Graduação em Antropologia, PPGA/ que implica a apropriação de múltiplos
UFPA. Bolsista da CAPES. códigos culturais (p. 12). Além disso,
essas pessoas são intelectualizadas, psi-
cologizadas e possuem uma conduta
O livro Homem não tece a dor: queixas e individualista (não de egoísmo, mas de
perplexidades masculinas é a publicação indivíduo).
da dissertação de mestrado de Berenice O caráter psicologizado dos indivídu-
Bento – socióloga formada pela Uni- os torna-se importante para a pesquisa
versidade de Brasília. Segundo a autora, uma vez que, por meio de terapias que
sua dissertação – defendida no Progra- os sujeitos se submeteram, além de ou-
ma de Pós-Graduação em Sociologia tros fatores que a pesquisadora aponta
da UnB, sob orientação do professor nos capítulos a seguir do livro, contri-
Dr. Carlos Martins – foi a primeira a buiu para que os mesmos passassem
estudar a temática da masculinidade na a questionar e repensar suas condutas
sociologia brasileira (p. 8). até então pautadas pela ideologia hie-
O trabalho trata de uma representa- rárquica da masculinidade hegemônica:
ção de masculinidade que questiona “Os homens, principalmente, se-

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param suas vidas em dois mo- autora discute o contexto de surgimen-


mentos: antes e depois da terapia. to dos estudos de gênero e fala-nos da
Antes, quando eram dominados mudança de nomeação de “estudos de
pelas regras e normas sociais que mulheres” para “estudos de gênero”.
lhes eram impostas e depois,
Para Bento, “A mudança da termino-
quando eles começam a descobrir
logia não representou uma mudança
o seu verdadeiro “eu”, ocultado
pelas interdições sociais” (p. 25). no olhar para o tema” (p.49), pois “não
basta mudar o nome do campo de es-
Em vista disso, durante seu trabalho tudo, urge definir novas abordagens
tenta demonstrar que, em nível das es- metodológicas” (p. 50).
truturas mentais, as mudanças nas rela-
ções de gênero são lentas. Em sua análise, a socióloga contrapõe
uma perspectiva universalista das rela-
O livro está dividido em seis capítu- ções de gênero, a partir de “Estrutu-
los. No primeiro, a autora fala sobre a ra familiar e personalidade feminina”,
construção da pesquisa. Para montar de Nancy Chodorow, “Está a mulher
sua rede de interlocutores, Bento tra- para o homem assim como a natureza
balhou com a metodologia de network
para a cultura?”, de Sherry Ortner e “A
extenso, pois algumas pessoas dessa
mulher, a cultura e a sociedade: uma
rede se conheciam (p. 35). Além disso,
revisão teórica”, de Michelle Rosaldo,
a questão geracional foi um fator im-
com uma perspectiva mais múltipla e
portante, pois inseriu esses indivíduos
diferenciada, tendo como base o texto
na conjuntura da década de 1960/70,
“Gênero, uma categoria útil de análise
proporcionando nesses interlocutores
histórica”, de Joan Scott.
um questionamento a hierarquia de gê-
nero e uma prática discursiva voltada à Bento conclui essa parte refletindo so-
igualdade. Conversando com homens bre a necessidade de se pensar os es-
e mulheres, por meio de um questio- tudos de gênero, considerando-se as
nário semiestruturado, Bento procurou especificidades dos grupos analisados
discutir suas hipóteses, mas, igualmen- e não os vendo de uma perspectiva
te, verificar outras questões da vida de universalista. Também, mostra a ne-
seus, como os denominou, “colabora- cessidade de se pesquisar nesse campo
dores”. Antes da realização das entre- levando em consideração, o que atual-
vistas, ela fez um “teste”, tanto do ro- mente chamamos de “marcadores so-
teiro elaborado quanto de sua própria ciais da diferença”, mas que dentro de
conduta enquanto pesquisadora. Desse sua linguagem sociológica, denominou
modo, pôde considerar melhor ques- de “outras variáveis sociais” como ida-
tões voltadas ao local das entrevistas, de, classe, “raça”/etnia. Desse modo,
à utilização do gravador e às próprias ela pensa o gênero interseccionado por
perguntas (p. 32). algumas variáveis e como categoria re-
O capítulo dois é mais teórico e versa lacional entre e intragêneros.
sobre a discussão da categoria “gêne- A autora trabalha, ainda, a construção
ro”. É nessa parte do trabalho que a das identidades dos homens e mulheres

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no capítulo três, focando na constitui- tante para esses homens, pois foi por
ção do gênero masculino em contex- meio dela que eles puderam questionar
tos sociais determinados. Ela discorre, e procurar mudar comportamentos
brevemente, sobre o início dos estu- masculinos hegemônicos que lhes fo-
dos sobre masculinidade na década de ram ensinados na infância. Em virtude
1970 e sua sistematização na década de disso, foi-lhes possível liberar seu lado
1980, procurando demonstrar a exis- feminino que havia sido reprimido
tência de múltiplas representações de nesse processo inicial (p. 125).
masculinidades. Ela transcorre tam- Assim, nesse capítulo, ela trata de
bém sobre o modelo de masculinidade como as mudanças de caráter macro
hegemônica, relacionando-o ao poder interferem nas relações sociais dos su-
exercido na relação entre homens-mu- jeitos. No caso de seus colaboradores
lheres e homens-homens. que têm entre 40 e 50 anos, leva em
É diante dessas relações que a autora consideração as transformações ocor-
define seus colaboradores como exe- ridas no Brasil durante o governo de
cutores de uma “masculinidade críti- Juscelino Kubitschek.
ca”, no sentido de refletirem, discor- A autora além de reforçar que as mu-
darem do modelo de masculinidade danças nas subjetividades masculina e
tradicional e, assim, exercerem uma feminina acontecem de forma lenta,
prática discursiva que procura se dife- mostra ainda o embate entre os valo-
renciar daquele padrão convencionado res tradicionais – apreendidos durante
e imposto. a socialização primária – e os moder-
Destarte, as mudanças nas subjetivida- nos – mediante contatos com outros
des masculinas são discutidas por Ben- mundos sociais e valores e com os mo-
to no capítulo quatro. É por meio de mentos de terapia. Deste modo, Bento
uma nota de rodapé, no início desse ca- procurou entender como o “habitus
pítulo, que melhor compreendemos o masculino” (p. 112) é questionado por
que ela entende por “subjetividade” e, seus interlocutores e quais os conflitos
também, a importância dos sujeitos da e mediações envolvidos nessa relação.
pesquisa terem alguma experiência em No capítulo cinco de seu livro, Bento
“terapias”: “Quando se fala em subjeti- trata mais detidamente sobre as rela-
vidade refere-se ao nível imaginário, às ções de poder nas relações de gênero.
emoções, às fantasias, aos desejos, aos Devido à presença contraditória da
medos pertencentes a cada sujeito” (p. ideologia hierárquica e da ideologia
103, nota 55). igualitária, tanto na subjetividade mas-
Esse momento de reflexão do eu, via culina quanto na feminina, ela identi-
atividades “psi” contribui para que es- fica uma contradição na relação das
ses homens passem a questionar o mo- pessoas com quem conversou, pois há
delo de masculinidade tradicional apre- momentos em que se busca construir
endido durante a socialização primária. o relacionamento pautado na igualda-
A terapia, portanto, tornou-se impor- de entre os sujeitos; contudo, noutros

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pontos, relacionados à intimidade, por Bento ainda chama a atenção para o


exemplo, essa igualdade toma ares de realocamento ao universo feminino de
projeto. características como garra, determina-
Diante isso, para os homens, a postu- ção, energia, racionalidade, dentre ou-
ra das (ex)companheiras é apontada tras, tipicamente convencionados per-
como uma das dificuldades à concre- tencentes ao universo masculino.
tização da relação de igualdade, prin- Na parte final do livro, a autora pro-
cipalmente no âmbito doméstico, mais cura responder o que tem provocado
especificamente na cozinha, visto por mudanças pelo que tem passado os ho-
muitas mulheres como território ex- mens em suas subjetividades. Segun-
clusivamente feminino. Esse embate do a autora, a liberação feminina e a
é utilizado pela autora como um dos ideologia igualitária contribuíram para
exemplos do exercício de poder nas a nova organização das subjetividades
relações de gênero. Assim, homens e e estruturação das relações de gênero.
mulheres têm dificuldades em colocar No entanto, a concomitante presença
em prática, de forma total, o relaciona- da ideologia igualitária com a ideologia
mento igualitário. hierárquica provoca algumas crises nas
relações dos sujeitos.
Esclarecendo um pouco mais a relação
igualitária, Bento nos diz que uma de A partir das mudanças macro e micros-
suas características é a negociação por sociais, como dito outrora, os homens
meio do diálogo. Mas, o diálogo tam- passam a refletir e reconstruir a sua ma-
bém tem outro lado – o silêncio. Este neira de ser homem. Contudo, ressalta
é manifestado, principalmente, na rela- a autora, essa não é uma mudança que
ção sexual quando esta não se realiza ocorra de forma rápida, tornando-se
lenta por estar ligada à mente, à subje-
por negação da companheira – um di-
tividade, ao habitus desses sujeitos.
reito que ela tem – provocando, assim,
por parte dos homens, “uma busca de Nesse ponto das mudanças macrosso-
reflexão e racionalização dos atos” (p. ciais, Bento discorda de Nolasco quan-
148). do para este as mudanças ocorridas
nas subjetividades masculinas não se
Em vista dessas questões, a autora de-
deram devido à inserção das mulheres
monstra-nos que há uma inversão nas
no mercado de trabalho, já que, para
representações de gênero, ocasionado
a socióloga, esse fato teve sim reflexo
por novas maneiras desses homens e
nas relações entre os gêneros, pois:
mulheres analisados se relacionarem.
Por isso, é interessante como, partin- “Como as diferenças que existem
na relação de gênero são cons-
do de suas realidades, os homens da
truídas histórica e culturalmente,
pesquisa desconstroem os valores ne- com a mudança em um dos lados,
gativos associados às mulheres. Desse o outro tende a se posicionar, seja
modo, sensibilidade e afetividade, por afirmado, negando ou ainda bus-
exemplo, são positivados e buscados cando se situar e encontrar sua
por esses sujeitos masculinos. identidade de gênero, no panora-

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ma mais geral das transformações lores e práticas associadas à masculi-


nas identidades sociais” (p. 168). nidade hegemônica, não somente na
Assim, as experiências que ambos tive- relação homem-mulher, mas, também,
ram no mercado de trabalho, na vida homem-homem.
pública, nos movimentos sociais, uni- Isto ocasionou uma redefinição das
versidade – que compõem suas bio- identidades de gênero, mas não sem
grafias – contribuíram para outra visão conflitos e crises internas e externas,
das relações entre os sujeitos; compor- principalmente, porque esses homens
tamentos, valores e práticas passaram a convivem com dois mapas, um tradi-
ser questionados e homens e mulheres cional, hierárquico, devido à socializa-
começaram a conviver, a negociar suas ção primária; e outro moderno, igua-
ações dentro de uma relação “tradicio- litário, ocasionado pelas mudanças
nal-moderna”. macrossociais, suas histórias de vida e
Em virtude disso, para se compreen- as terapias que fazem. Assim, a subje-
der a maneira que cada entrevistado tividade desses homens é organizada
lida com a ideologia hierárquica e igua- por meio de questionamentos e refle-
litária, é necessário, segundo a autora, xões – o que ela denominou de “endo-
considerar suas histórias de vida; por -referência” – contribuindo, portanto,
isso, a partir da biografia dos entre- para um “processo de descondiciona-
vistados, Bento formula três grupos mento” (p. 196).
de homens: 1) homens participantes A autora ressalta, mais uma vez, a não
de movimentos alternativos, os quais pretensão de fazer generalizações com
vêem homens e mulheres como iguais; seu trabalho e lança o desafio para o
2) homens que participaram de or- amadurecimento sociológico da pro-
ganizações e partidos de esquerdas e blemática. De modo geral, Bento é
pensam homens e mulheres como di- bem convincente ao nos mostrar as
ferentes, mas que isso não justifica a mudanças pelas quais têm passado al-
dominação masculina e a desigualdade guns sujeitos masculinos, sobretudo,
entre os gêneros; e, 3) aqueles homens em suas subjetividades. A temática da
que não participaram de nenhum tipo masculinidade merece outras aborda-
de movimento questionador e, por gens e aprofundamentos. Por isso, as
isso, a insatisfação e reflexão sobre os pessoas que lerem o texto de Berenice
comportamentos masculinos é recente Bento poderão ser seduzidas para a te-
e suas relações com as mulheres muito mática de forma a empreender pesqui-
guiadas pela ideologia hierárquica (p. sas, não somente na área sociológica,
188). mas antropológica, histórica, política,
Para concluir, Bento mostra que, para etc., pois as possibilidades são inúme-
alguns homens, as conquistas femini- ras.
nas proporcionaram ganho para eles,
pois a partir disso foi necessária uma
reflexão e posicionamento desses su-
jeitos sobre os comportamentos, va-

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livro encaminham-se para a perspec-


tiva teórica da cultura material, abor-
dada principalmente a partir de Arjun
Appadurai (2008), Alfred Gell (1998) e
Anette Weiner (1992).
À guisa de explicação, a resenha man-
tém a mesma ordem da linearidade dos
capítulos, por perceber que a escolha
articulada de sua disposição se faz para
pensar cada um em conexão ao outro,
criando concatenação temática sobre
as “coisas” que possuem “alma”.
Inicialmente, em “O sorriso irônico
dos budas: demolição e patrimônio no
vale sagrado de Bamiyan”, é elaborada
a discussão acerca da destruição daqui-
lo que é considerado patrimônio pela
Unesco, mas que assume contornos
A ALMA DAS COISAS: PATRIMÔ- políticos que extrapolam as fronteiras
NIO, MATERIALIDADE E RESSO- patrimoniais. A particularização traça-
NÂNCIA, organizado por José Regi- da pela presença de budas em território
naldo Santos, Nina Pinheiro Bitar e afegão vai se (re)dimensionando, com
Roberta Sampaio Guimarães. Rio de o passar dos séculos e governos ditato-
Janeiro: Mauad X/Faperj, 2013. riais e, ao serem destruídas como pro-
Jaqueline Pereira de Souza testo dos talibãs, “retomam” algo mais
amplo do que a ausência das estátuas.
Programa de Pós-Graduação em An- Afora, pinturas e cavernas que reme-
tropologia, PPGA/UFPA. Bolsista da tem à anterioridade da construção das
CAPES. estátuas, o pertencimento é reforçado
via marcadores identitários tanto dos
O livro A alma das coisas: patrimônio, ma- povos do entorno das esculturas, con-
terialidade e ressonância é constituído por siderando-as protagonistas de suas his-
um conjunto de dez capítulos que, em tórias, como daqueles que, de maneira
sua grande maioria, são trabalhos de substancial, consideram a destruição
egressos do Programa de Pós-Gradu- como (re)afirmação de suas presenças.
ação em Sociologia e Antropologia da A (re)afirmação das presenças – ante-
Universidade Federal do Rio de Janeiro riormente “esquecidas” – é constatada
(UFRJ), cujas temáticas estão relacio- como símbolo de resistência étnica no
nadas aos objetos enquanto mediado- capítulo seguinte: “O encontro mítico
res nos contextos culturais nos quais de Pereira Passos com a pequena Áfri-
se apresentam. Os direcionamentos do ca: narrativas de passado e as formas de

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habitar na zona portuária carioca”, em fora dos terreiros de candomblé.


que as formas de organização e orde- E, por falar em diversidade de valores,
namento do que seja “patrimonizável” temos em “Bandeiras e máscaras: so-
pelos órgãos públicos são claramente bre a relação entre pessoas e objetos
destoantes daquilo que é tido como materiais nas folias de reis” dois obje-
sentido pela comunidade, que não faz tos (bandeira e máscara) que integram
questão de ter a história “cristalizada” tanto o mundo do sagrado como o do
em um passado ibérico que anula a impuro, que, ao se circularem, mantêm
persistente constância dos povos afri- os seus papéis sociais definidos, bem
canos submetidos à diáspora. E, por como as fronteiras ritualísticas que as
falar em resistência étnica, temos a vinculam aos processos de mediação
culinária como intercessora da cultura entre sujeito-objetos-divindades refor-
dos povos africanos por intermédio do çando com festa e donativos às graças
ofício da “baiana de acarajé”, no qual pelas demandas atendidas.
é possível compreender o savoir-faire
da tradicionalidade e as representações Algo que não pode faltar nas festas
cosmológicas do Candomblé, pelo ca- em agradecimento às divindades pelos
ráter distintivo e potencializador da indultos recebidos, seja como maneira
experiência ritual entre comida-religio- de manter a presença dos participantes,
sidade, que atravessam as esferas do seja como sinal de grandeza do even-
público e privado, em um contexto de to é a comida. Em “À mesa com os
sacralidade descrito no capítulo “Patri- santos: a noção de ‘fartura’ nas folias
mônio e dádiva: as baianas de acarajé de Urucaia (Minas Gerais)”, a prática
no Rio de Janeiro”. dos banquetes como atrativo festivo
se relaciona ao dar-receber-retribuir
Roger Sansi, ao abordar a sacralidade de Mauss (2003) e ao keeping-while-giving
das pedras otã no capítulo “A vida ocul- (Weiner 1992), fazendo o approach en-
ta das pedras: historicidade e materiali- tre os santos e os homens, mediados
dade dos objetos no candomblé”, cria pela oferta da comida em fartura, logo,
uma perspectiva tríade – materialidade, o seu ponto oposto, a escassez, traz in-
historicidade e territorialidade –, que sucesso e maldizeres aos organizadores
institui e formaliza os poderes das otã da festa: a liminaridade (Turner 1974),
e, por estarem ocultas nos terreiros, que os transforma de bons anfitriões
marcam presença totalizadora em rela- em fracassados, marca a ambiguidade
ção à pessoa a qual a pedra se conecta, dos eventos sociais que incluem distri-
fazendo parte dela mesma em um elo buições de alimentos.
indivisível criando, assim, um poder de
agência que supera os limites da reifica- Os três capítulos, que antecedem o
ção. O capítulo nos mostra como um último, contemplam a relação entre o
objeto pode absorver valores diversifi- objeto e seu papel em museus.
cados ao longo do tempo, variando de Em “Uma biografia do kàjre, a ma-
armamento à obra de arte, as otã ilus- chadinha krahô”, narra-se o trajeto do
tram o contexto social baiano, dentro e kàjre desde a retirada do Museu Paulis-

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ta até o retorno à comunidade indígena balho “Entre a roda de boi e o museu:


krahô. A partir da narrativa, é possível um estudo da careta de cazumbá” apre-
ver a renovação cultural, pois a ma- senta a relação familiar da autora Flora
chadinha é elemento central nos mitos Moana Van de Beuque com o Museu
krahô e, ao sair de seu contexto, leva Casa do Pontal (RJ), chamando a aten-
consigo sua essência enquanto objeto ção para os sentidos entrelaçados das
vivo que precisa circular, movimentar- máscaras de cazumbá com sua função
-se. Em um espaço diferente, no caso estética (museu) e função performática
o Museu, o kàjre é “impossibilitado” (festividade).
de praticar suas funções, tendo negada O último capítulo do livro “A morada
sua agência (Gell 1998) como objeto e a casa: materialidade e memória no
mediador das práticas que se referem processo de construção do patrimônio
à cultura krahô. Porém, a mesma ma- familiar” ultrapassa a discussão dos ob-
chadinha ganha novos valores, agora é jetos ao produzir uma discussão sobre
obra de arte no museu e, ao retornar os espaços que guardam lembranças e
às origens, traz o novo status consigo. memórias materializadas em duas casas
Outro objeto que transitou na tríade que ao serem destruídas, trouxeram à
hermenêutica, símbolo cultural-obra tona histórias que narram um passado
de arte-resistência cultural, foi a bone- de dores e dissabores familiares, mas
ca Dona Joventina que, de participante que de alguma forma são amenizados
do carnaval recifense tal como símbolo nas escolhas de objetos que sairão des-
do Maracatu Estrela Brilhante, foi levada ses espaços para outra casa e para uma
aos Estados Unidos (pela antropóloga nova (porém contínua) vida.
Katarina Real) como modo de fugir da O valor da obra reside em ultrapas-
devastação sofrida pelas nações de ma- sar as fronteiras das pesquisas sobre
racatus (durante o regime militar). Com o Patrimônio, de suma importância à
isso, ganhou a autonomia de escolher Antropologia, pois o conjunto dos ca-
retornar ao Brasil e fixou moradia no pítulos indica claramente as diferenças
Museu do Homem do Nordeste. entre a materialidade/imaterialidade,
Os conflitos apresentados em “As mo- sendo possível pensá-las em comple-
radas da calunga Dona Joventina: obje- mentariedade, articulando a ênfase
tos, pessoas e deuses nos maracatus de aos objetos para atingir a alma das coisas.
Recife” expõem as visões dos partici-
pantes dos dois maracatus Estrela Bri-
REFERÊNCIAS
lhante na perspectiva de singularização
da boneca em sua aprovação coletiva Appadurai, A. 2008. Introdução: mer-
(Kopytoff 2008), além de mostrar per- cadorias e a política de valor, in A vida
cepções construídas acerca do itinerá- social das coisas: as mercadorias sob uma
rio dessas bonecas. perspectiva cultural. Organizado por A.
No caso dos cazumbás da festa do Appadurai, pp. 15- 87. Niterói: EdUFF.
bumba-meu-boi no Maranhão, o tra- Gell, A. 1998. Art and agency: an anthro-

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Resenhas

pological theory. Londres/Nova York: 2012.


Oxford/Clarendon Press. Rodrigo Magalhães de Oliveira
Kopytoff, I. 2008. A biografia cultu- Membro do Centro de Informação
ral das coisas: a mercantilização como da Consulta Prévia. Programa de
processo, in A vida social das coisas: as Pós-Graduação em Direito, PPGD/
mercadorias sob uma perspectiva cultural. UFPA. Bolsista da CAPES.
Organizado por A. Appadurai, pp. 89-
121. Niterói: EdUFF.
Mauss, M. 2003. Sociologia e Antropologia. Adiós río: la disputa por la tierra, el agua
y los derechos indígenas resgata uma his-
São Paulo: Cosac & Naify.
tória que se tentou silenciar, submer-
Turner, V. 2013. O processo ritual: estrutu- sa no fundo do reservatório da Usi-
ra e antiestrutura. Petrópolis: Vozes. na Hidrelétrica de Urrá. O livro trata
Weiner, A. B. 1992. Inalienable possessions: dos acontecimentos que permearam a
the paradox of keeping-while-giving. Berke- construção da hidrelétrica de Urrá, no
ley: University of California Press. rio Sinú, Colômbia, além de discorrer
em relação aos seus reflexos sobre o
povo indígena Embera-katio, que teve
parte do seu território inundado para a
formação da represa.
A partir do estudo de documentos do
licenciamento ambiental, de notícias
em jornais e de entrevista com lide-
ranças indígenas, defensores de direi-
tos humanos, funcionários públicos,
pesquisadores independentes e aca-
dêmicos, os autores investigaram os
meandros políticos e jurídicos da cons-
trução, na tentativa de compreender o
processo de conversão de territórios
indígenas em fronteiras econômicas
que vem ocorrendo na Colômbia.
Duas circunstâncias “atravessam” a
narrativa: de um lado, a arbitrariedade
do governo federal colombiano, que
violou a legislação nacional e inter-
nacional, não dialogou com os atores
ADIÓS RÍO: LA DISPUTA POR LA locais e despeitou acordos com os Em-
TIERRA, EL AGUA Y LOS DERECHOS bera-katio para a minimização dos im-
INDÍGENAS, organizado por César pactos; de outro, a resistência do povo
Rodríguez Garavito e Natalia Orduz Embera-katio à construção. O embate é
Salinas. Bogotá: Colección Dejusticia, envolvido na trama do conflito armado

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na Colômbia, em que a guerrilha e gru- pela Universidade Nacional da Co-


pos paramilitares disputam o controle lômbia. Gravito é diretor do Programa
do território e das rotas estratégicas de Justiça Global e Direitos Huma-
para o narcotráfico. nos da Universidad de Los Andes e
Embora estejam presentes especifici- membro fundador do Centro de Es-
dades do contexto colombiano, o livro tudios de Derecho, Justicia y Sociedad.
vai além das fronteiras geográficas do Natália Orduz Salinas é advogada e
país e torna-se referencial importante pesquisadora em direitos humanos e
para todos que desejam estudar a ten- biodiversidade.
tativa de transformação da Amazônia Para permitir a compreensão contex-
em fronteira energética. Por essa razão, tualizada dos acontecimentos, os au-
os autores observam que a história de tores situam as iniciativas estatais para
Urrá é, a um só tempo, “única” e “tí- a construção de Urrá no contexto do
pica”. Única por reunir elementos pró- conflito armado na Colômbia e no his-
prios da realidade colombiana na vira- tórico de ocupação territorial da região
da do século XXI: o conflito armado, do Alto Sinú, marcado pela violência
a judicialização da política, a luta pela e pelo deslocamento das populações
terra, o narcotráfico, a Constituição locais. A viabilização de Urrá está nos
de 1991. Típica porque é crescente a planos do governo colombiano des-
quantidade de represas nos rios lati- de 1942, quando os representantes
noamericanos, nas quais as violações Miguel de la Espriella e José Miguel
de direitos humanos seguem passos Amín apresentaram ao Congresso pro-
similares: (1) desrespeito à legislação posta de projeto hidrelétrico no Alto
ambiental, (2) falta de transparência no Sinú. Além da geração de energia, a
projeto; (3) deslocamento compulsó- barragem materializava a promessa de
rio das populações locais; (4) impactos desenvolvimento local para a Costa
graves sobre povos indígenas; e (5) au- Atlântica colombiana – região histo-
sência de consulta prévia, livre e infor- ricamente à margem das políticas na-
mada a estes povos. cionais – e de controle das constantes
A consulta prévia aos Embera assume inundações que assolavam a população
papel relevante no livro. Foi via inter- do município de Córdoba.
venção no processo judicial perante a Os primeiros estudos de impactos pro-
Corte Constitucional Colombiana, exi- duzidos, ainda na década de 80, apon-
gindo a consulta prévia, que os auto- tavam que a represa inundaria parte do
res se aproximaram dos interlocutores território ocupado pelo povo indígena
Embera. Ambos os autores possuem Embera-katio. Desde então, sob a ótica
experiência no tema. César Rodríguez do governo e da classe dirigente local,
Garavito é advogado e sociólogo, os indígenas se tornaram o principal
possui mestrado em Direito e Socie- obstáculo à construção. Em 1999, Kimy
dade pela Universidade de Nova Ior- Pernía Domicó, liderança embera, denun-
que, em Sociologia pela Universidade ciou a falta de diálogo do governo fe-
de Wisconsin-Madison e em Filosofia deral com o seu povo:

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“[d]esde hace casi 40 años se vie- A expectativa era de que os novos


ne hablando de Urrá. Pero en el marcos jurídicos conseguissem fre-
sector eléctrico no se hablaba de ar ou modificar o projeto, reduzindo
los emberas. Era como si no exis- seus impactos e garantindo a consulta
tiéramos. Los ingenieros pasa- aos Embera. Todavia, o apagão elétrico
ban por nuestros tambos, por el
de 1992 deu o impulso final para que
territorio de nuestra propiedad,
pero nunca escribieron que fué- o governo construísse a Usina e, em
ramos personas con derechos. 1993, a empresa privada de capital pú-
Servíamos para la foto” (p. 47). blico Urrá S.A. deu início às obras.
Contrariando o parecer do órgão am- O descumprimento das condicionan-
biental Instituto Nacional de los Recursos tes socioambientais exigidas pelo In-
Naturales Renovables y del Ambiente (In- derena e dos acordos firmados com
derena), que declarou a inviabilidade os Embera intensificou a mobilização
ambiental do empreendimento, foi edi- dos indígenas. No entanto, a designa-
tado o Plan de Expansión del Sector Eléc- ção, em 1995, de Simón Dominicó como
trico, documento que definiu as priori- representante dos indígenas perante o
dades do governo nacional para o setor Estado e a empresa Urrá S.A. marcou o
elétrico entre os anos de 1986-1990 e início da ruptura dos Embera, que teve
que elegeu o Propósito Múltiplo de Urrá sua organização cada vez mais ramifi-
I como prioridade nacional. Sob nova cada. A empresa valeu-se das divergên-
gestão, o Inderena alterou seu parecer cias internas do povo para negociar e
e expediu termo de referência para li- aprovar acordos de seus interesses com
citação pública do projeto, incluindo setores específicos. A comunidade se
disposições preventivas dos impactos dividiu em dois posicionamentos ma-
socioambientais. joritários: a Aliança dos Cabildos Meno-
res, disposta a dialogar com a empresa
Observam os autores que dois novos
fatos influenciaram o projeto de Urrá para decidir compensações; os Cabildos
no início da década de 90 do século Maiores do rio Verde e rio Sinú, radical-
XX: o primeiro foi a Constituição co- mente contrários ao projeto.
lombiana de 1991, que trouxe avanços As obras foram finalizadas. Para o
importantes na defesa do meio am- enchimento do reservatório, a Urrá
biente e teve como marco o multicul- S.A. teria que solicitar a ampliação da
turalismo; ao lado da Constituição, está licença em vigor. A Procuradoria, o
a Convenção No. 169 da Organização In- Ministério do Interior e Ministério do
ternacional do Trabalho (OIT), que entrou Ambiente destacaram que a concessão
em vigor no país em agosto de 1992, de nova licença dependeria de consulta
prevendo, dentre outros direitos im- prévia, livre e informada ao povo Em-
portantes, o direito à participação e à bera. As primeiras reuniões de consulta
consulta prévia, livre e informada sem- ocorreram no início de 1998 e foram
pre que medidas legislativas ou admi- marcadas pela oposição dos indígenas
nistrativas afetem diretamente povos à hidrelétrica. Grupos paramilitares
indígenas. interessados no projeto ameaçavam e

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agiam contra as lideranças opositoras. o Ministério do Ambiente expede a


O Presidente Ernesto Samper, temen- Resolução No. 0838, autorizando o en-
do que a consulta adiasse o enchimen- chimento e funcionamento da represa.
to de Urrá para após o encerramento Com o alagamento de parte do seu ter-
de seu mandato, expediu o Decreto ritório e a intensificação dos impactos,
No. 1320, de 13 de julho de 1998, para os Embera organizaram uma grande
regulamentar a consulta prévia e fixar mobilização. Ao final de novembro de
prazos rígidos para a conclusão dos 1999, marcharam de seu território até
processos de consulta. A comunidade Bogotá, onde acamparam em frente ao
reagiu e ajuizou uma Ação de Tutela Ministério do Ambiente.
pedindo que o Decreto fosse desconsi- A mobilização já durava mais de qua-
derado para o seu processo de consul- tro meses quando o governo cedeu e
ta. Também, foi solicitada a realização negociou. No acordo, o governo se
de estudos que revelassem os verdadei- comprometeu a implementar medi-
ros impactos do enchimento do reser- das compensatórias e a não executar
vatório. o Projeto Hidrelétrico de Urrá II, que
Em decisão sem paralelo no direito ganhou força em 11 de julho de 2007,
internacional, a Corte Constitucional quando as chuvas na montante da bar-
suspendeu o enchimento do reservató- ragem evidenciaram a incapacidade de
rio e, em seguida, condicionou a nova regulação da vazão do rio e todas as
licença à consulta prévia, livre e infor- turbinas tiveram que ser desligadas.
mada aos Embera. Julgando o Decreto Os manifestantes retornaram ao ter-
No. 1320 contrário à Constituição e ritório. Kimy Pernía Dominicó, liderança
à Convenção No. 169, entendeu-se que Embera, foi sequestrado e assassinado.
a consulta deveria preceder tanto a Outras lideranças foram ameaçadas e
construção da barragem quanto o seu vitimadas pelos grupos paramilitares.
enchimento. No primeiro caso, como O acordo com o governo não foi res-
o fato se consumou sem consulta, a peitado. As medidas compensatórias
Corte exigiu o pagamento de indeniza- não foram cumpridas e o Projeto Hi-
ção. No segundo, determinou a realiza- drelétrico Urrá II foi retomado, sob
ção de consulta e conferiu ao Estado outra designação, no governo de Álva-
o poder de tomar a decisão, caso não ro Uribe.
houvesse acordo. Também foi deter- Urrá causou impactos irreversíveis aos
minado o pagamento de indenizações Embera. Os autores analisam o legado
individuais durante 20 anos aos Embe- dos vinte anos do início da construção
ra. da usina à inundação do território. A
Em nenhum momento a consulta indenização individual tornou muitos
ameaçou o projeto, pois, limitou-se a Embera dependentes do subsídio ali-
discutir mitigações e compensações, mentar e do transporte fornecido pela
como observam os autores. Ao final empresa. Inviabilização da navegação
da consulta, em 5 de outubro de 1999, tradicional, morte de lideranças, escas-

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sez de peixes e de caças, proliferação


de doenças foram o legado de Urrá aos
Embera-katio. Antes de ser assassinado,
Kimy Pernía Dominicó resumiu o que o
“desenvolvimento” significou para o
seu povo:
“[y]o conocí el desarrollo hace
como 20 años, un día que un cura
de apellido Betancur, nos dijo que
si no aceptábamos la represa nos
íbamos para el infierno. Para no-
sotros el desarrollo ha significado
el desconocimiento de nuestros
derechos, la muerte del pescado,
la división de nuestra comunidad,
la muerte de Lucindo Domicó. El
desarrollo para nosotros es que
nos cambiaron de sitio los restos
de nuestros muertos como si fue-
ran huesos de animales. El desar- CONOCIMIENTO DESDE ADEN-
rollo para nosotros es que inun- TRO. LOS AFROSUDAERICANOS
den 28 lugares sagrados” (p.123). HABLAN DE SUS PUEBLOS Y SUS
Ao ler o livro, tem-se a sensação de HISTORIAS, compilado por Sheila S.
que as obras em curso na Amazônia Walker Popayán Colombia: Editorial
brasileira reeditam o trajeto de Urrá. A Universidad del Cauca, 2012.
noção de “desenvolvimento nacional”, Diego Andrés León Blanco
a despeito de sua carga ideológica e
vagueza, sendo manejada pelo Estado Mestrando do Programa de Pós-Gra-
e empresas privadas como álibi autori- duação em Antropologia, PPGA/
zador de toda sorte de violação de di- UFPA. Bolsista do CNPq.
reitos indígenas. Adiós río: la disputa por
la tierra, el agua y los derechos indígenas é Los descendiente de africanos en Amé-
essencial para a compreensão da reali- rica tiene en común, entre otras cosas,
dade que se quer impor à Amazônia e
no haber escogido salir de África en las
para a reflexão sobre as possibilidades
condiciones en las que salieron y bajo
de resistência.
los intereses esclavistas y colonizado-
res europeos, es así como Sheila Walker
introduce la noción de la diáspora, el
rompecabezas que por derecho y de-
ber histórico y político hay que armar,
porque el conocimiento y las tradicio-
nes están ahí, desperdigadas por todo

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el continente, que no perecieron, ni como Osiris. Fue desplazada y los pe-


tampoco que no se pueda reconstruir dazos fueron dispersos a través de la
como muchos lo han hecho creer, por tierra”1. La reconstrucción de Osiris es
ejemplo, gobiernos y escuelas ampa- parte esencial de la diáspora, de hecho
rados en una historia, en la historia este libro son pedazos del rompecabe-
oficial, la versión de los opresores con zas, el cual, de cierta forma, interpreta
sus ideales hegemónicos. La palabra e imagina el pasado para actuar políti-
diáspora “sembrar a través” alude a la camente en el presente: “nos toca dis-
idea de sembrar nuevos frutos, recons- cernir e interpretar para conocernos a
truir la historia, identidades y culturas. nosotros mismos y actuar para nuestro
Transformaciones que, por las circuns- bienestar en el siglo XXI” (p. 16). Por
tancias históricas, constituyen proce- eso el libro es una propuesta política,
sos sociales específicos. Ha sido una reivindicativa del pasado, se interpreta
preocupación de la diáspora identificar y reformula la historia y se desmitifican
las cosas comunes, a veces reducidas a imaginarios, especialmente suramerica-
la victimización del tipo, todos somos nos, sobre la presencia afrodescendien-
descendientes de esclavos, sin embar- te en estos territorios, especialmente
go, lo que renueva el libro Conocimiento en países donde se supone no hay di-
desde Adentro (2012), es justamente que áspora, países como Bolivia, Ecuador
los elementos comunes hacen parte de o Argentina, los dos primeros cono-
cidos por mayor presencia indígena y
otro referente axiológico, en palabras
el ultimo donde dice, por ejemplo, la
Walker: “Lejos de referirme a un sen-
Enciclopedia Británica de 2010, que
tido de sufrimiento u opresión común,
en Argentina no hay afrodescendien-
lo que se destaca para mí son las ma-
tes. Representantes de cada uno de es-
neras dinámicas y creativas de apreciar
tos países además de Chile, Colombia,
y vivir la vida” (p. 14), por ejemplo,
Paraguay, Perú, Uruguay y Venezuela,
la música, nombres, comidas, fiestas,
configuran discursos “desde adentro”
bailes, instrumentos con los cuales se
como resistencia y re-identificación
identifican en varias partes del mundo para contrarrestar discursos hegemó-
en función de la diáspora; es el caso nicos, de ahí que este libro sea prin-
de la autora y organizadora del libro cipalmente político, y claro, educativo
Walker en sus experiencias viajando porque tiene la intención de ser di-
por diferentes partes de África: “Así, dáctico para ser usado en las escuelas,
mi identidad se fue diasporando, ampli- lugar donde la historia oficial niega la
ándose de una identidad limitada por existencia de la grande africanidad en
fronteras nacionales creadas por otros, América:
cuyas dimensiones no definían más mi
“[a]sí, los sistemas educativos que
realidad, a una identidad afrodiaspórica quieren enseñar una historia más
mundial” (p.14). De ahí que la diáspo- inclusiva y verdadera de las améri-
ra utilice como metáfora la historia de cas tendría materiales para hacerlo.
Osiris, como lo afirma el historiador Nuestra idea es hablar de las expe-
africano Joseph Ki-Zerbo “África es riencias de estas comunidades des-

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de adentro, porque la gran mayoría tanto las características que tenían en


de materiales escritos sobre ellas común así como los elementos únicos
habían sido elaboradas por otros, de cada comunidad. Una de las prime-
‘desde afuera’. En general, hay po- ras inquietudes que generaron los en-
cos materiales y esta ausencia de
cuentros fue la idea de cómo pensarse
producción intelectual contribuye
a la idea de que estas comunida-
“desde adentro” ya que históricamente
des, aunque a veces grandes, son los han definido “desde afuera”, des-
menores de lo que son y de que de el eurocentrismo. Sobre esa inquie-
tienen poca importancia” (p. 19). tud el Grupo creó un “Documento
Este libro nace bajo la iniciativa de de orientación” para pensarse “desde
Sheila S. Walker quien, bajo el auspi- adentro”, que sería como una guía para
cio del United Negro College Fund (Fon- orientar las investigaciones. Así fueron
do Unido para Universidades Negras), temas prioritarios:
organiza un primer evento de líderes “orígenes africanos, esclavitud y
afrodescendientes de todos los países abolición, resistencia, relaciones
de Sudamérica, en 2003 en Barloven- con otros –sobre todo indígenas–,
to, Venezuela. Encuentro que fue el transferencias de tecnología de
preámbulo para convocar a los líderes África a las Américas, demogra-
en la producción de este libro, de ahí fía, estructuras socio-económicas
de las comunidades afrodescen-
que el grupo fue denominado Grupo
dientes, espiritualidad, sabiduría,
Barlovento, quienes tuvieron, en este
arte y artesanía, gastronomía, fies-
trabajo, de “hablar de la historia, la cul- tas/música/instrumentos/bai-
tura, y los aportes a la nación, así como les, y aportes a la nación” (p. 21).
sobre la situación actual de cada comu-
nidad, y preparar un libro que serviría Es importante para este Grupo la ne-
de base para la creación de materiales cesidad de trascender la identificación
educativos sobre las comunidades” (p. de víctima y adoptar una perspectiva
19). Una serie de encuentros fueron protagónica, ya que la primera va en
articulando la iniciativa donde se dio función de la alienación. “hablar ‘desde
prioridad a líderes locales2, más que adentro’, de lo que hicieron los africa-
a académicos o investigadores de los nos y afrodescendientes, no de los que
afrodescendientes “definiendo clara- se les/nos hizo” (p. 22). El gran reto
mente a los actores comunitarios como de esta iniciativa es romper con los
las autoridades de su propia realidad y mitos y mentiras de la historia oficial,
caracterizando las tradiciones orales desaprender lo que les han dicho que
como fuentes de sabiduría” (p. 19). son, “falsas percepciones de sí mismos
Toda esa diversidad de pueblos y de basadas en una educación eurocéntri-
gentes que se identifican por su as- ca” (p. 23).
cendencia africana, y reunidos con la Uno de los elementos comunes más
intención de entender y redefinir el importantes para este Grupo, es la ex-
pasado truncado y violentado por el ra- clusión de la historia de una diversidad
cismo institucionalizado, descubrieron de pueblos que fueron centrales en la

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constitución de las naciones modernas sistemas político-económicos y socio-


tanto de Europa como de América. -culturales?” (p. 12). Es aquí que entra
De ahí lo central de los estudios demo- el juego de la verdad como autoridad
gráficos propuestos dentro de la guía política hegemónica, porque dicha pre-
que articula las investigaciones. gunta cuestiona una narrativa histórica
La mercantilización de una diversidad reproducida en los centros educativos
de pueblos africanos ha sido la “mayor y las políticas de Estado, pregunta que
migración forzosa de la historia huma- no se atreven a responder y se conti-
na” (p. 11), pueblos que fueron masa- núa reproduciendo un discurso mani-
crados y desperdigados en todos los lu- pulado que mantiene las desigualdades
gares que hoy constituyen el continente y frena las reivindicaciones. ¿ Acaso
americano, de ahí que “no hay país de no hay quien responda hoy por todo
las américas sin población y cultura de el dinero recaudado por la explotación
origen africano” (p. 23). Esclavización de millones de seres humanos? Porque
que aunque no fue la primera, si tiene muchos bancos y compañías de segu-
la nefasta característica de haber cosi- ros actuales que existen desde la época,
ficado y deshumanizado a millones de gracias a la esclavización de africanos,
seres humanos con rasgos biológicos se enriquecieron y constituyeron su
particulares, durante cientos de años. capital con la cosificación de pueblos
que, desde un eurocentrismo perverso
A partir el estudio The Trans-Atlantic
y racista, consideraban inferiores, mu-
Slave Trade Date Base (Base de da-
chos países, empresas, familias se bene-
tos de la trata negrega transatlántica)
ficiaron del etnocidio africano que has-
registra alrededor de “35.000 viajes
ta hoy intentan contrarrestar, acallar.
de barcos negreros ‘legítimos’ (los de
Sin la esclavización, sin una mano de
contrabando no dejaron huellas docu-
obra sin remuneración, el desarrollo
mentadas)” (p. 12), se puede deducir el
industrial de Europa y América no hu-
número aproximado de cuántas perso-
biera sido posible, como lo afirma el
nas llegaron, de qué punto de áfrica, si
libro How Europe Underdeveloped Africa
eran niños, mujeres o hombres, con lo
que se concluye que “durante los pri- (Como Europa Subdesarrolló a África)
meros 300 años de los 500 años de la de Walter Rodney (1974).
historia de las américas modernas (…) Por otra parte, para S. Walker fue siem-
la mayor parte de la población de las pre un conflicto para ella en el espacio
américas era africana y afrodescendien- académico tener que leer los conside-
te” (p. 12). Afirmación contundente, rados eruditos y sus profesores, decir y
especialmente por la pregunta coloca- reproducir falsedades del tipo: “retra-
da por Walker: “¿Cómo se puede pre- taron a los africano-americanos como
tender contar una historia verdadera el único grupo que había perdido toda
de las américas sin hablar de la mayor su cultura original” (p. 24). Lo proble-
parte de la población durante la mayor mático para ella fue que mientras en
parte de la historia, período en que se unas clases se definía a los africano-
estaba formando la base de los nuevos -americanos como grupos sin cultura,

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Resenhas

en otras se afirmaba que la diferencia de pueblos que lucharon y resistieron.


entre los seres humanos y los anima- “[t]iene un impacto distinto en
les era la cultura. Ella dice: “Yo debí nosotros el saber con pruebas
aprender estos insultos para conseguir documentales que estos antepa-
el doctorado” (p. 24). sados no se dejaron cosificar; que
aportaron tecnología sofisticada
En sus viajes y experiencias Walker
traída desde África, necesaria para
conoció que en los contenidos acadé-
desarrollar las nuevas sociedades
micos de los diferentes programas que de las américas; que crearon nue-
señalan el tema Afrodescendiente, así vas culturas; que mantuvieron sus
como las políticas de los diferentes maneras de transmitir la sabiduría
países, distorsionaban las realidades ancestral; que resistieron de múl-
culturales de estos pueblos de la di- tiples maneras desde el principio
áspora Africana. Un nuevo elemento al final, en todos los lugares, a un
común que, como diría la autora “sin sistema basado en diversas for-
conocernos, nos reconoceremos”. Por mas de violencia externa” (p. 28).
ejemplo, en los centros educativos es Los intereses esclavistas y coloniales,
común ver que la historia oficial nom- además de cosificar y mercantilizar se-
bra a estos seres humanos esclavizados, res humanos, eran invisibilizar rasgos
como cuerpos, como mercancía, como culturales con la intención de facilitar
cosa, pero no como mentes, como la desaparición física, de ahí que la pér-
productores de historia, sociedad, re- dida de sus lenguas, vestidos, expropia-
sistencia. “No aprendimos nada sobre ción de tierras, control de la memoria
nuestra historia o nuestro presente. y el pasado. Todo esto, elementos para
Aunque físicamente presentes, está- desaparecerlos de la historia para desle-
bamos intelectualmente ausentes” (p. gitimar cualquier tipo de emancipación
26). Los elementos comunes encontra- y resistencia. Sin embargo, lo que bus-
dos permiten configurar los fragmen- ca este estudio es justamente desmen-
tos de la diáspora en una entidad, por tir esa desaparición física y cultural que
eso identificar los elementos comunes pregona la historia oficial, la historia
hace parte del trabajo de recoger los de los esclavistas. Uno de los “viejos
pedazos de Osiris. Así que en función mitos” como los llama la autora, es
de elementos compartidos y la desmi- la mentirosa afirmación: “se les dio
tificación de la historia oficial se unen la libertad”. Sentencia que presupone
los pedazos. Procesos que se conjugan la pasividad de africanos y afrodes-
y articulan en la investigación históri- cendientes frente al sistema esclavista
ca desarrollada por los líderes locales, y oculta las diversos formas de resis-
por las organizaciones sociales con las tencia que desarrollaron estos grupos
cuales se representan. Uno de los focos para escapar de la opresión, por ejem-
importantes de una investigación que plo, el cimarronismo, muy característi-
sea crítica de una historia oficial es des- co del Perú, al que en un principio se
mentir la idea de esclavización pasiva a interpretó como la fuga del sistema
la que se ha reducido a una diversidad esclavista, es sobre todo “una forma

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de organización de africanos y afro- NOTAS


descendientes en contra del sistema 1
“Osiris era un rey benéfico del antiguo
esclavista, la que exigía tremendos co-
Egipto. Su rival, Seth, que quería el trono
nocimientos y estrategias” (p. 36). Así para sí, le tendió una trampa. Mató al rey y
vienen apareciendo nuevos elementos despedazó su cuerpo, dispersando los pe-
negados por los europeos a los africa- dazos a lo largo y ancho de la tierra. La
nos, por ejemplo, sus grandes conoci- reina Isis, consorte el rey muerto, utilizó
mientos tecnológicos, especialmente sus poderes divinos para descubrir cada
de agricultura, sus potenciales en arte- pedazo. Osiris se convirtió en el dios de la
sanía y música. Muchos esclavistas que resurrección: una excelente metáfora para
tenían a africanos y afrodescendientes la diáspora africana” (p. 15).
en sus casas como objetos de lujo, los 2
“La mayoría de los miembros del grupo
tuvieron también por sus conocimien- no tiene una formación académica de in-
tos domésticos, muy importantes para vestigador. Son más bien profesionales en
mantener grandes haciendas, además, otras áreas, líderes de organizaciones co-
comenta el afrodescendiente Angola munitarias, más activistas que estudiosos, y
Maconde que los afrobolivianos libres hasta poetas” (p. 20).
en periodo colonial “ganaron una vida
independiente por tener oficios es-
pecializados ordinarios, como los de
zapatero y barbero, y extraordinarios,
como el de dorador de retablos… afro-
bolivianos que tenían también escuela
de baile clásico” (p. 44).
Así, Conocimiento desde Adentro. Los afro-
sudamericanos hablan de sus pueblos y sus
historias, es una investigación local, de
tradiciones orales, con intereses po-
líticos de resistencia y emancipación
que quiere calar no sólo dentro de
los círculos sociales de los africanos
y afrodescendientes, busca ir más allá
de una proyección al pasado, más allá
de reconfigurar imaginarios históricos
constituidos desde el poder esclavista
y colonizador. Este estudio pretende,
principalmente, actuar en el presente,
introducirse en la institucionalidad ac- INDÍGENAS NO BRASIL: DEMAN-
tual que continua reproduciendo una DAS DOS POVOS E PERCEPÇÃO DA
memoria manipulada para fines de OPINIÃO PÚBLICA, organizado por
control de pueblos que históricamente Gustavo Venturi e Vilma Bokany. São
han resistido a una política racista. Paulo: Editora Fundação Perseu Abra-

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mo, 2013. porque situa o contexto da realização


Rosani de Fatima Fernandes da pesquisa que orienta a elaboração
do livro, os entrevistados possibilitam a
Programa de Pós-Graduação em An- percepção de três perspectivas diferen-
tropologia, PPGA/UFPA. Bolsista da
tes: (1) da população brasileira adulta
CAPES.
(acima de 16 anos), cujos dados foram
obtidos por amostra, em diferentes ci-
Tendo como objetivo trazer a públi- dades brasileiras; (2) de indígenas não
co o debate sobre uma questão con- aldeados ou urbanos que residem na
temporânea, o livro Indígenas no Brasil: periferia de grandes cidades; (3) de li-
Demandas dos povos e percepções da opi- deranças indígenas, de diferentes etnias
nião pública, organizado por Gustavo e regiões do Brasil.
Venturi e Vilma Bokany conta com a Dentre os indígenas que participaram
participação de especialistas indíge- da pesquisa, 52 lideranças foram se-
nas e não-indígenas, profissionais de lecionadas aleatoriamente, entre lide-
diversas áreas relacionadas à temática ranças masculinas e femininas de 46
que discutem aspectos centrais para a etnias, de diferentes regiões do Brasil
compreensão dos desafios históricos e
que atuam em áreas específicas e estra-
atuais dos mais de 300 povos indígenas
tégicas para os povos e movimentos in-
no Brasil hoje.
dígenas como terra, saúde e educação.
Os artigos foram elaborados a partir
Ao manusear o livro, chama atenção
dos resultados da pesquisa realizada
em especial a última parte, destacada
entre 2010 e 2011 pela Fundação Per-
com papel diferenciado, que apresenta
seu Abramo (FPA), em parceria com
o Instituto Rosa Luxemburg (RLS), os resultados como anexo denomina-
pesquisa esta que procurou identificar do Síntese da Pesquisa e cujos gráficos e
as demandas dos povos indígenas e a tabelas contém informações discutidas
percepção da opinião pública, o que dá pelos autores nos textos que integram
título à obra. Com o propósito de sub- a obra, além disso, junto à apresenta-
sidiar as discussões e de contribuir para ção dos dados tabulados, estão diver-
a formulação de políticas públicas para sas imagens de indígenas em cores
povos indígenas. Os textos são convites retratando aspectos do cotidiano dos
a um conhecimento mais aprofundado povos, o que denota a qualidade da ela-
dos principais problemas enfrentados boração do material.
quotidianamente pelos povos indíge- Dentre as temáticas abordadas nos ar-
nas, aldeados ou não. Além disso, o tigos estão: justiça, direitos, violação
livro constitui importante aporte para de direitos humanos, movimento in-
o fomento de debates com o intuito de dígena, luta pela terra, indígenas nas
promover a diminuição das inúmeras cidades, projetos desenvolvimentistas
formas de violência e discriminação e saúde indígena. Nos oito artigos,
contra os indígenas no Brasil hoje. antropólogos, lideranças indígenas, in-
A leitura introdutória é importante, digenistas, assessores e consultores de

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Resenhas

Organizações Não Governamentais mada por 15 estudantes indígenas,


(ONG) problematizam os resultados entre 1977 e 1981, em pleno regime
da pesquisa e as percepções da opi- ditatorial no Brasil. Terena, como in-
nião pública acerca de diferentes eixos tegrante do grupo, rememora os desa-
norteadores. Além de contextualizar os fios e as dificuldades enfrentadas para
números apresentados pela pesquisa, consolidação do movimento indígena
os autores trazem as narrativas indí- no Brasil, fazendo referência as alian-
genas à cena, tornando a leitura ainda ças estabelecidas com organizações da
mais instigadora e interessante. sociedade civil que colaboraram para o
Em “A justiça e os direitos dos povos reconhecimento de direitos indígenas
indígenas”, Ricardo Verdum mostra na Carta Magna de 1988. Retomando
como diferentes sociedades indígenas o histórico da política indigenista no
acionam os sistemas de direito e jus- país, Terena destaca a importância da
tiça, internos e externos às comuni- participação indígena na elaboração
dades, destacando a relação dialética das políticas de Estado como forma
que os mesmos estabelecem com os de superação do estereótipo de inca-
agentes externos e a importância do pacidade indígena para novas posturas
exercício da autonomia nos assuntos institucionais compromissadas com os
que dizem respeito às questões inter- povos indígenas.
nas das aldeias. Verdum destaca que os “Povos Indígenas, preconceito e ativis-
sistemas de direito e justiça indígenas mo político: a luta contra a percepção
foram historicamente invisibilisados colonial dos indígenas no Brasil con-
pelo etnocentrismo e pelo colonia- temporâneo” é o título do artigo ela-
lismo interno e conclui mostrando a borado por Antonio Carlos de Souza
importância da presença do Estado, Lima e Sergio Ricardo Rodrigues Cas-
principalmente na mediação de con- tilho. A partir da leitura dos dados da
flitos territoriais que são recorrentes e pesquisa, os autores mostram como
marcados pela violência e pela violação a sociedade brasileira ainda reproduz
do direito à autonomia territorial. Aler- preconceitos de origem colonial, o que
ta para inexistência de mecanismos de gera violência contra os povos indíge-
consulta indígenas quando se trata de nas nas diferentes regiões do país, so-
empreendimentos econômicos, cha- bretudo pelo não reconhecimento das
mando atenção especial aos processos coletividades indígenas como sujeitos
de licenciamento ambiental que não de direito. A reprodução no imaginário
consideram a participação indígena nacional de estereótipos e preconcei-
como direito assegurado. tos contra indígenas continua tentando
No artigo “O movimento indígena mantê-los na “redoma do exótico”, que
como voz de resistência”, Marcos Te- considera o “índio verdadeiro” e puro,
rena, liderança nacionalmente conheci- intocado, por isso, carecendo sempre
da pela atuação em defesa dos direitos de mediadores para o contato com o
indígenas, retoma a trajetória da União mundo externo, o que demonstra, na
das Nações Indígenas (UNIND), for- realidade, uma enorme lacuna nos sis-

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temas de ensino quando o assunto é avanços e contradições”. Os dados


povos indígenas e suas demandas. discutidos por Meira informam que a
A “Violação dos direitos humanos e a maioria da população brasileira desco-
luta pela terra Guarani-Kaiowá: tragé- nhece a legislação específica que trata
dia demais para um grupo indígena” dos direitos indígenas. De forma sucin-
é o tema da discussão realizada por ta, Meira retoma os principais referen-
Spensy Pimentel, que destaca a falta ciais legais sobre os direitos indígenas
de divulgação de informações adequa- no Brasil hoje, no âmbito nacional e in-
das com relação às questões territo- ternacional. Contextualiza a atuação do
riais e povos indígenas, indicando que Serviço de Proteção aos Índios (SPI)
a maioria dos dados veiculados pelos criado em 1910 e a Fundação Nacio-
meios de comunicação destinados ao nal do Índio (FUNAI), que substitui o
grande público reforça o estereótipo SPI em 1967 e acumulou uma série de
de que “há muita terra para pouco ín- irregularidades e desmandos contra os
dio”, buscando, sobretudo, difundir povos indígenas, o que configura vio-
os interesses de setores anti-indígenas lação de direitos humanos. Meira tam-
da sociedade como ruralistas, mine- bém mostra como a reestruturação do
radoras, entre outros interessados na órgão vem sendo pensada e executada,
redução e exploração dos territórios principalmente, no que se refere ao pa-
indígenas. Ao mesmo tempo em que pel de articulação que a FUNAI exerce
apresenta números do desconheci- atualmente junto aos povos indígenas,
mento e do descaso com relação aos incorporando a temática indígena nas
territórios indígenas, Pimentel denun- ações de governo.
cia o confinamento e a falta de políticas A “Presença Indígena nas cidades”
públicas que garantam a sobrevivência é discutida por Lucia Helena Rangel,
dos povos indígenas, sobretudo pela Luciane Galante e Cynthia Franceska
situação vivenciada no estado do Mato Cardoso. As autoras mostram que a
Grosso do Sul, onde cerca de 45 mil migração de indígenas para os grandes
Guarani-Kaiowá ocupam cerca de 42 mil centros urbanos é, em muitos casos,
hectares, vivendo de forma insustentá- a forma encontrada por muitas famí-
vel, o que passou a ser oficialmente de- lias indígenas para acessar direitos,
nominado de “crise humanitária”. Para sobretudo, em se tratando de saúde e
finalizar, o autor destaca a importância educação, na busca de melhores con-
da implementação da Lei No. 11.645 dições de vida. Conforme mostram
nas escolas como forma de superar os resultados da pesquisa, a busca por
preconceitos e aproximar as futuras escolarização e serviços de saúde são
gerações das reais problemáticas e de- fatores preponderantes na saída das
mandas dos povos indígenas. famílias indígenas das aldeias para, na
Os direitos indígenas e a política in- maioria dos casos, residir nas periferias
digenista do Brasil são discutidos por das cidades. Os conflitos internos das
Márcio Meira no artigo intitulado “Di- próprias comunidades também levam
reitos Indígenas no Brasil: reveses, muitos indígenas a enfrentarem a dura

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realidade das cidades, onde estão mais da por István van Deursen Varga, Luís
sujeitos ao preconceito e à discrimi- Eduardo Batista e Rosana Lima Viana
nação relacionados ao pertencimento em “Saúde da população Indígena: do
étnico que, em geral, associam os in- paradigma da tutela ao horizonte das
dígenas ao alcoolismo, à incapacidade, políticas de promoção da igualdade ra-
à preguiça, à selvageria entre outras cial”, em que mostram o controle so-
formas de racismo e intolerância. A cial ainda como o maior desafio da po-
presença, quase sempre indesejada pe- lítica nacional de saúde para os povos
los não indígenas, é também manifesta indígenas. Além disso, apontam que os
nas escolas, nos postos de saúde onde modelos de gestão não condizem com
procuram atendimento e onde são ho- as expectativas, elaborações discutidas
mogeneizados. A não demarcação e a e aprovadas nas Conferências de Saúde
diminuição dos territórios também são Indígena (em um total de cinco, sen-
apontadas na pesquisa e discutidas pe- do a última realizada em 2013) e que a
las autoras como a causa da migração criação da Secretaria Especial de Saú-
de indígenas para as cidades, onde são, de Indígena (SESAI) não representou
muitas vezes, hostilizados, tendo nega- autonomia e descentralização de re-
do o direito às políticas públicas espe- cursos conforme reivindicado pelos
cíficas para os povos indígenas, o que movimentos indígenas, pelo contrá-
constitui problema a ser enfrentado rio, a SESAI continua reproduzindo o
para que todos tenham acesso às con- mesmo sistema de gestão da Fundação
dições dignas de vida. Nacional de Saúde (FUNASA), man-
O artigo de Verena Glass, intitulado tendo práticas autoritárias, clientelistas
“PAC 2: acelerando a tristeza na Ama- e centralizadoras.
zônia”, é mais uma das muitas denún- Como é possível perceber, um dos
cias acerca da violência e desrespeito pontos interessantes da obra é que os
com que os povos indígenas vêm sen- textos dialogam e se complementam
do tratados nas questões relacionadas e apresentam discussões importantes
à implantação dos chamados “projetos sobre diversas dimensões da vida in-
de desenvolvimento” na Amazônia. dígena. Por apresentar informações
Os relatos de indígenas, ribeirinhos e quantitativas, a leitura é indispensável,
pescadores endossam os argumentos tanto para acadêmicos que discutem o
da autora que mostra como o Estado tema, quanto para técnicos que atuam
brasileiro vem promovendo verdadeira em instituições públicas ou não junto
“antropofagia governamental e jurí- aos povos indígenas e, ainda, consti-
dica”, descumprindo a legislação que tui material interessante para o traba-
determina o direito de consulta livre, lho pedagógico em escolas indígenas e
prévia e informada antes do início de não indígenas, como forma de proble-
qualquer obra que impacte territórios matização das lutas e enfrentamentos
que abrigam povos indígenas e popula- vivenciados pelos povos indígenas no
ções tradicionais. Brasil.
A temática de saúde indígena é discuti- Também considero a obra importante

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contribuição às discussões realizadas


no âmbito dos movimentos indígenas,
pois possibilita o olhar ampliado sobre
a percepção das principais demandas
indígenas, o que inclui prioritariamente
terra, saúde e educação. Outra particu-
laridade que torna a leitura ainda mais
interessante é a percepção das próprias
lideranças indígenas, que confirmam
os números apresentados e denunciam
a continuidade do racismo e do pre-
conceito institucional, que configura a
atualidade grandes obstáculos para efe-
tividade de direitos que seguem sendo
violados e violentados, como é o caso
da negação à participação nas decisões
que dizem respeito ao futuro dos po-
vos indígenas enquanto coletividades
diversas. Por tratar de temas polêmi-
cos e ao mesmo tempo cruciais para
os movimentos indígenas, o presente
livro é, sem dúvida, leitura obrigatória
para aqueles que se indignam com as
injustiças e almejam dias melhores para
a diversidade cultural em nosso país.

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