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EXPLICATION DE TEXTE

A Selva de Ferreira de Castro – Capítulo IX

Este texto pertence a obra-prima do autor português Ferreira de Castro, A Selva,


publicada em 1930. O autor é considerado como um precursor do realismo social na
literatura, e até mesmo, como instigador do movimento neo-realista. O romance pode
conceituar-se como autobiográfico na medida em que o autor descreve uma realidade por ele
próprio vivenciada. Com esse romance, inscrito no ciclo da literatura amazónica, o autor
português firma uma narração inovadora para a época, por ir além dos cânones até ali
estabelecidos.
Pois, a narrativa da obra desenrola-se no seringal O Paraíso , situado no meio da
floresta amazónica. Desta maneira, A Selva é incontestavelmente um romance de espaço
focado nos trópicos amazónicos, porque se inscreve na continuidade de representação da
natureza selvática, a qual desempenha um papel fulcral em todo o decorrer da obra.
Mas, o autor, além de explorar o espaço amazónico no seu aspeto natural, salienta,
com o enfoque do seu livro, o extremo da condição humana dos trabalhadores envolvidos na
extração do látex. Pois, o enredo principal passa-se no início do século XX, durante o
primeiro ciclo da borracha brasileira, tema pouco discorrido na época. Centra-se à volta da
personagem de Alberto, um jovem português em exílio que se torna seringueiro. Através
dela, o autor dá voz aos seringueiros que dividiram o mesmo sonho e a mesma dor pelas
quais ele próprio passou. Testemunha da violência duma realidade esclavagista, vitrina de
todos os vícios humanos, onde a decadência e a miséria regem o quotidiano dessa mão-de-
obra da selva. Por essa razão, o romance pode também entender-se como engajado, por ir
mais longe, questionando e, duma certa forma, denunciando o drama sofrido por milhares de
seres humanos, e causado, tanto pelo abuso e a corrupção do patronato responsável pela
economia predatória de exploração da borracha, quanto pelo sistema político, que
desconsiderou esse regime de escravidão por dívida.
Além disso, A Selva, na sua vertente europeia, apresenta-se como um drama da
emigração, onde o protagonista Alberto vê-se obrigado a empreender a viagem da sua vida e
a acomodar-se duma realidade desconhecida e hostil. Trata-se do encontro entre dois
mundos, duas culturas e até duas raças: dum lado o mundo selvagem, imenso e perigoso da
mata virgem amazónica, meia natural dos indígenas e local de trabalho para a povoação

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brasileira (e mais particularmente os cearenses); e do outro, o homem português, dito
“civilizado e culto”, que, no meio do cenário infernal da selva, luta, a princípio, para
preservar os seus antigos valores e ideias, e acaba por ter que enfrentar os fatos e manter a
sua integridade moral perante o espetáculo de desumanização que ali experimenta.
Deste modo, o capítulo IX, que pretendemos analisar, destaca o processo de
transformação d'Alberto. O texto encontra-se na metade da obra e inicia a segunda fase da
narração. Nesta altura, Alberto, depois de ter conhecido o horror da selva como aprendiz
seringueiro, acaba de ser transferido, porque não gerava rendimento suficiente na extração da
borracha. Começa então a trabalhar num escritório, mudando assim a sua condição de existir.

Problemática :
Como este texto salienta a mudança de mentalidade da personagem
de Alberto e a sua consciencialização que o leva, pouco a pouco, a
reconsiderar a sua forma de pensar o mundo, o outro e a sociedade ?

Podemos dividir este texto em duas partes :


– A primeira é constituída de duas frases: a primeira linha 1 até 3 ( “ A mesa, que
adivinhava lá dentro [...] provocava-lhe nova humilhação”), a segunda, da linha
24 até 25 (“De cara sem ruga de enfado […] para a sala”). Estas duas frases
descrevem a situação inicial que veio desencadear em Alberto observações e
pensamentos que remetem para o seu passado.
– A segunda parte vai da linha 3 até o final do texto, cortando-se e frase linha 24 até
25. Podemos ainda decompô-la em três movimentos:
• o primeiro linha 3-19 (“A sua mãe, para quem ele era tudo no mundo […]
grandes bandeiras desfraldadas”), onde Alberto recorda sucessivamente a mãe, o
pai e o meio onde costumava viver.
• o segundo linha 19-25 (“Se não fosse a sua generosidade […] diferente do que
era para ele”) onde reflete sobre as razões que o levaram a exilar-se no Brasil
• o terceiro da linha 27 (“Seguindo-lhe os movimentos de servo […]”) até o final
do texto, onde Alberto parece chegar a uma conclusão que não esperava.

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Situação inicial
Dado a sua mudança de estatuto no seio do seringal, Alberto encontra-se num novo
ambiente. Cheio de esperanças retornadas, entrevê nessa oportunidade um passo avante na
via da civilização. Mas, muito rápido, desperta para essa nova realidade que se impunha na
sua trajetória: de trabalhador alienado, quase desumanizado pela penosa extração da
borracha, passa a ser um criado subordinado à boa vontade daqueles que, com tanta
facilidade, espoliam e gozam a vida doutros seres. Apercebe-se então que acaba de desfazer-
se duma farda para revestir outra que ainda mais o confronta com o declínio social e humano
que vai sofrendo desde a sua partida de Portugal.

Ação perturbadora
Humilhado por um capataz que lhe fez lavar garrafas (“ ainda de mãos engelhadas
pela água onde lavara as garrafas”, l.2), uma tarefa longe das suas ambições primeiras e
imposta para obter a sua submissão, Alberto estava comendo na cozinha, lugar onde comem
os criados. Espetador do mundo privilegiado (“ com toalha branca, cristais e vinhos”, l.1) em
que vive o seringalista Juca Tristão, Alberto sente-se humilhado e vexado no seu amor-
próprio (“nova humilhação”, l.2-3 ; “sentiu-se mais vexado ainda”, l.4).
• Recorda-se da mãe e do pai, e imagina a reação deles ao vê-lo na sua atual posição de
criado (“A sua mãe […] choraria, decerto, se o visse ali ”, l.3 ; “O que diria o pai
[…] que diria ele se o visse ali, àquela mesa, como outrora a criada lá de casa ”, l.9-
10).

Lembrando-se do passado
Esse constato lamentoso puxa-lhe então lembranças do seu passado. Pois, outrora, era
ele quem vivia num meio semelhante em Portugal, e desfrutava uma vida de riquezas e de
privilégios, devida ao fato do seu berço estar ligado à nobreza monarquista.
1. Alusões que remetem para o seu antigo estatuto na elite portuguesa:
– estância de verão : “quinta do Minho onde a família ia passar o Verão”, l.10-11
– casa decorada com “oleografias de batalhas antigas que ornavam as paredes, com
homens traspassados por lanças, cavalos empinados e grandes bandeiras
desfraldadas”, l.18-19
– estudos prestigiosos em direito : “Ela, coitadita, que até se envaidecia se algum dos
vizinhos, […] o tratava prematuramente por «senhor doutor»! ”, l.4-5.

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– os privilégios de ter pessoas sob a sua ordem : “habituado a ser obedecido e servido,
sem pensar nos que lhe obedeciam e serviam”, l.8-9
2. Reconsiderações das circunstâncias que o levaram a “sofrer a vida dos miseráveis e
dos escravos”, (l.2):
– Evocação do pai: velho general monárquico orgulhoso (“seu orgulho de velho
general”, l.6), rígido (“Com uma severa ideia de classes”, l.8), vaidoso
(“muito erecto na sua farda, apurava o bigode”, l.15-16), antiquado (“um bigode
como .já então poucos usavam”, l.16-17)
– Evocação das acções do pai a favor duma restauração da monarquia : “ o lugar-
tenente do rei exilado [..] ouvindo-lhe respeitosamente as sugestões para a
restauração da monarquia”, l.6 até 8; “os seus frequentes auxílios às conspirações
monárquicas”, l.12-13; “sempre que se tratava de ressuscitar a monarquia”, l.20)
Em Portugal, Alberto vivia num mundo à parte que foi deposto com a instauração da
República. Enaltecia velhos pensamentos que partilhava com o pai, tais como a visão arcaica
do sistema de castas ou as convicções monarquistas. As suas implicações nas insurreições de
Monsanto causaram o seu exílio além-Atlântico e a sua decadência social. Mas, para Alberto,
não foi somente o fato de ter defendido ideias políticas monarquistas que precipitou a queda
da sua situação e obrigou-o a fugir para o Brasil. Foram, ambos, (1), o aporte monetário à
causa monarquista que definhou a fortuna familiar e que empobreceu-os e, (2), a recusa de
cair no regaço da República triunfante: “Se não fosse a sua generosidade, […] ou se
houvesse aceitado gordas situações […] o pai não teria deixado, ao morrer, apenas o seu
montepio de austero militar e ele não se encontraria agora ali” l.19-22.
Toma também consciência que esses dois últimos fatos poderiam ter tido um impacto
considerável sobre a destinação do seu exílio: “Mesmo para os outros que haviam lutado em
Monsanto e eram ricos, o exílio numa cidade como Paris ou como Madrid, […] seria
muito diferente do que era para ele”, l.25-27.

Tom da narração
Contudo, o tom d'Alberto não deixa transparecer nenhuma forma de condenação
categórica, nenhuma amargura ou raiva para com as ações passadas. Pelo contrário, as
convicções culturais tão agudas no início da narração estão perdendo fulgor na sua mente e
as suas preocupações individualistas, eurocêntristas e preconcebidas já não governam o seu
quotidiano. Pouco a pouco, repensa o seu passado sob um novo ângulo.

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Fratura identitária e consciencialização humanista
O esforço de atuar fortemente com uma nova visão do mundo e dos seres humanos é
nítido neste capítulo. Portanto, na primeira parte do texto, há uma frase, curta e simples, que
soa como uma sentença imperiosa : “A criada era um ser à parte”, (l.10). Essa constatação
vem ganhando teor de contradição para Alberto, que pouco à pouco, vai-se despojando dos
seus preconceitos e do seu reacionarismo.
Pois, no final do texto, Alberto desperta do fio dos seus pensamentos. Observando o
empregado de casa João, cai a comparar seus movimentos com os que fazia uma velha criada
paterna (“Seguindo-lhe os movimentos de servo, Alberto associou-os aos da velha criada
da casa paterna”, l.27). Já não é a primeira vez que imagens de comparação entre a terra
materna e o novo âmbito, no qual caminha, vêm completamente contrastar a sua maneira de
ver o mundo.
– Primeiro constato: a impassibilidade que lê na cara do João (“De cara sem ruga
de enfado” l.). De fato, os atores, que evoluem ao redor dele, estão todos:
➢ condicionados pelo contexto injusto das desigualdades entre classes
➢ tratados como uma massa humana alienada
➢ confundidos em promessas e ilusões
➢ submetidos a implacável severidade do meio amazónico
➢ prisioneiros da mata que os retêm e os impede até de fugir
➢ obrigados a sobreviver em vez de viver
➢ forçados a aceitar situações que Alberto considera agora como aviltantes
Os companheiros de infortúnio d'Alberto suportam as provas desse meio
selvático com resignação, mais de que com indignação ou revolta, porque nem
sequer têm a esperança de se escapar, de se livrar desse inferno verde.
– Segundo constato: dá-se conta da maneira como ele costumava tratar os que considerava
como seus inferiores e “seres à parte”. A auto-conclusão a que chega no final do texto
(“Eu próprio tratava a Maria como um ser à parte”, l.30) rebenta-lha mal-estar
e desgosto para a pessoa que era antes (“Essa recordação incomodava-o agora”,
l.29), até mesmo porque, da parte da criada, não recebia desprezo ou maus
tratos mas, pelo contrário, era tratado com tolerância, paciência e até mesmo
amor (“tolerara pacientemente os seus caprichos de filho único e sempre, até ao
fim, o tratara por «meu menino»”, l.28-29). Ele que defendia a superioridade das
elites que queriam preservar seus privilégios em detrimento das classes

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trabalhadoras, injustiçadas e humilhadas, que procuravam e apontavam para
mudanças societais profundas, entende que agora, ele próprio está em posição de
inferioridade.
Neste ponto, estabelece-se uma rutura entre os princípios e valores oriundos das suas
inclinações ideológicas e os ensinos que tira da sua nova vida. Assim, o conceito de
superioridade e de diferenciação vão sendo substituídos pelos de solidariedade e de
fraternidade, o que tem um efeito humanizador na mentalidade de Alberto.

CONCLUSÃO
O capítulo IX sublinha nitidamente a evolução da personagem d'Alberto. A viagem
física e metafísica, que experimenta durante o seu percurso no espaço amazónico, vai fazer
com que ele questione intimamente a sua maneira de ser, pensar e viver. Essas interrogações
vão provocar conflitos internos que vão levá-lo, gradualmente, a repensar aspetos que irão
primeiro, assustá-lo e, logo, modificá-lo. Assim, por efeito da sua experiência no seringal
amazónico, Alberto atinge a sua emancipação crítica e, em particular, no que diz respeito à
injustiça e crueldade da sociedade de classes. Pois, a medida que a trama avança, a dicotomia
entre os “rudes” (sejam os seringueiros ou os criados, em suma, a classe pobre) e os
“civilizados” (que jà não são os que ele pensava ser), que batalhava em Alberto enfraquece.
A vontade de separar o “eu/nós” e o “tú/eles” perde efeito por causa do impacto da vida na
Amazónia. É essa proximidade com o estranhamento e o outro “estranho”, que o faz mudar
de comportamento e de atitude e que começa a redesenhar o olhar dele sobre os outros e até
ele próprio. O contacto com a Amazónia vai gerando no protagonista uma fratura identitária
da qual surgirá um novo homem mais humanista, que valoriza a justiça, a igualdade e a
liberdade entre todos os homens.
Desse modo A Selva, pode então considerar-se como um romance de formação:
assistimos, pouco à pouco, ao desenvolvimento humano e social duma personagem que
aprofunda, no contexto das suas relações consigo próprio, com o meio e com o outro, uma
nova ideologia e filosofia de vida, na qual a dignidade de qualquer ser humano ocupa um
lugar primordial.

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A Selva de Ferreira de Castro – Capítulo IX
p. 174-175- Edição Cavalo de ferro

A mesa, que adivinhava lá dentro, com toalha branca, cristais e vinhos, enquanto ele comia
na cozinha, ainda de mãos engelhadas pela água onde lavara as garrafas, provocava-lhe nova
humilhação. «A sua mãe, para quem ele era tudo no mundo, choraria, decerto, se o visse ali» —
pensou e sentiu-se mais vexado ainda. — «Ela, coitadita, que até se envaidecia se algum dos vizinhos,
5 para lhe ser agradável ou disfarçando a ironia, o tratava prematuramente por «senhor doutor»! E
que diria o pai, se ainda vivesse, com aquele seu orgulho de velho general, que o lugar-tenente do rei
exilado recebia de quando em quando, ouvindo-lhe respeitosamente as sugestões para a restauração
da monarquia? Com uma severa ideia de classes, habituado a ser obedecido e servido, sem
pensar nos que lhe obedeciam e serviam, que diria ele se o visse ali, àquela mesa, como outrora a
10 criada lá de casa? A criada era um ser à parte. Ela e mesmo os homens que trabalhavam na quinta
do Minho onde a família ia passar o Verão, aquela quinta, pequena mas tão simpática, que o pai
herdara e depois vendera, quando os seus frequentes auxílios às conspirações monárquicas lhe
criaram dificuldades de dinheiro, porque dava mais do que podia, mais até do que davam muitos que
eram ricos».
15 Alberto visionava-o à hora matinal em que ele, antes de sair de casa, muito erecto na sua
farda, apurava o bigode, retorcendo-lhe as guias e frente do espelho, um bigode como .já então
poucos usavam. Era na sala familiar, a dois passos da porta, que realizava todos os dias essa operação,
cercado pelas oleografias de batalhas antigas que ornavam as paredes, com homens traspassados por
lanças, cavalos empinados e grandes bandeiras desfraldadas. «Se não fosse a sua generosidade,
20 sempre que se tratava de ressuscitar a monarquia, ou se houvesse aceitado gordas situações em
bancos e poderosas companhias, à sombra da república, como alguns fizeram, o pai não teria
deixado, ao morrer, apenas o seu montepio de austero militar e ele não se encontraria agora ali, a
sofrer a vida dos miseráveis e dos escravos. Mesmo para os outros que haviam lutado em Monsanto
e eram ricos, o exílio numa cidade como Paris ou como Madrid, onde viviam, decerto com boas
25 amantes, seria muito diferente do que era para ele».
De cara sem ruga de enfado, João levava agora a cafeteira e as chávenas para a sala.
Seguindo-lhe os movimentos de servo, Alberto associou-os aos da velha criada da casa paterna,
que sempre tolerara pacientemente os seus caprichos de filho único e sempre, até ao fim, o tratara
por «meu menino». Essa recordação incomodava-o agora, pela primeira vez e dum modo que até
30 aí desconhecia: «Eu próprio tratava a Maria como um ser à parte».

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