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Hans-Thles l.ehmann

Teatro
pós-dramático

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Pedro Süss,ekind
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7 APRESENTAÇÃO Sérgio de Carvalho


17 PRÓLOGO
I I

1. DRAMA

45 Drama e teatro
61 Drama e dialética

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2. PRÉ-HIST6RIAS

75 Sobre a pré-história doteatr0e.ós-dramático


93 Uma b,0:'{~~:~r0s.pectlva sobre as vanguardas históricas
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/ {PANORAMA DO nATRO PÓS-DRAMÁTICO


r

113./ Além da ação: cerimônia, vozes no espaço, paisagem


137 Signos teatrais pós-dramáticos
175 Para além da ilusão -~ -; -'

183 . exemplos

4. PERFORMANCE
223' Teatro e performance
235 Apresença da performance

5.TEXTO
245 Texto, linguagem, fala
----
253 Texto, voz, sujeito

6. ESPAÇO
2 65 Espaço dramático e espaço pós-dramático
27 1 Estética espacial pós-dramática
- - -- - --- - __ _._._ _._ _- -._- .. __ . _ .- - - ---,-

/ ·7, TEMPÓ
2'87 Questõestemporais ~o teatro
3°3 Estética temporal pós-dramática
317 Teatro e memória
323 Digressão sobrea unidade de tempo

8, CORPO
331 O corpoteatra I Apresertt ação
339 Ima gens corporais pós-dramáticas Sérglo de carvalho

9. MíDIAS".

365 Teatro e mídias


377 Mídias /10 teatro pós-dramático
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Teatro pós-dramático parte da hipótese de que a partir dos anos 1970' ocorreu
397 Representação e representabilldade
uma pr ofunda ruptura no modo de pensare fazer teatr o.Algo que já estava
anunciado pelas vanguardas modernistas do começo do século xx - a valorl-
. I
EPíL OGO zação da auton omia da cera e a recusa a qualquer tlpó de "textocentrismo" -
4° 7 Teatro pós-dramático e política ..... se desenvolve' ·iTi.àlSiaaiêalhiênte; a-ponto de assumi~ ~m sentido modelar
/
. , como contraponto da arte ao proc esso de totalização da indústria cultural.
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Desse modo, ~ tendência "pós-dramática" seria um a novidade histórica nã o
429 ÍNDICE ONOMÁST ICO
apenas p or q íõ;fur.ill·ais, màstam.bém.pela..Qt?~ção e; tética dos padrões de
p ercep ção dominantes nasçcíedade rnidi áticas "' - - . - ' .
i .grãnde contribuiç ão ;eÓíi~a do liv;~"Ze'sid~ 'n~ tentativa d~' inte rpretar
historicame~te'Q. mai s avança do tt'abalho teat ral contempo râneo, reconh e-
cendo naquilo ql.:1~à'rtlUita gente poderia pare cer um fór~alisino vazi~ uma
'dimensão crítica das mais p otentes . Neste tr abalho de "sem ântica das form as"
do teat ro recente) Lehrnannpolemiza em p elomen os tr êsfrent es: corria crí-
ticajornalístíca convencional, despreparada pata-analisar um teatro que não
ma is se baseia numa cosmovísão ficcional n em nó conflito psicológico de per- .
sonigefis idei1tificáv~is; corn a crític a acadêmica p ós-modern ista, acostuma da
a de~criçõ~~p.~!.~agístieas-d9SIén6,meó.os cênicos (e refr átária a qualquer int er- .
pretação de obras embases hist ór ícas): e com a tr adição mai s "conteudístíca"
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do teatro épico ou político europeu, que ainda tem dificuldades em dar cré- presença compartilhada do ator) tenham encontrado um meio de se contra-
dito a experimentos que não veiculem uma temática social reconhecível, por ao domínio formal da cultura mídíática, rompendo com os velhos hábi-
No entanto, a dimensão hístoricizante da abordagem estética de Lehmann tos narrativos ligados ao mundo dramático. Em termos dialéticos, é como se
não está evidente: CabéãoIeítor o esforço de ultrapassar o jargão das teorias a pressão dessa expansão midlática tivesse gerado seu contrário, ou ao menos
pós-estruturalistas que o autor incorpora em seu. dispositivo teórico, como tivesse feito com que o teatro mais experimental pudesse chegar perto de
parte daquela vontade de dialogar com as produçõescrítlcas francesa e norte- "uma reconciliação com sua própria existência ao virar para o exterior seu
americana. Assim, encontram-se nas páginas deste lívro.dlversas categorias caráter de aparência, seu vazio interior': segundo os termos de Adorno. As
formuladas nas últimas décadas por autores que levaram -~âiante a recusa a dezenas de procedimentos teatrais aqui descritos de modo enciclopédico por
descrever "sistemas de significação estáveis~: Ta] é à caso de conceitos como Lehmann são tentativas de contramão, geradas por uma reflexão autocrítica
os de "teatralídade da energia" e "presença pura", elaborados já no início sobre a condição material e existencial do próprio teatro.
dos anos 1970, respe~tivanl~~te:pôiLyõlãrd,- no ensaíoêl.a p-~nt, la paume" Tendo em vista o horizonte de uma nova situação histórica, o conceito de
["O dente, a palma"], e por Derrida, em seus escritos sobre Artaud. "teatro pós-dramétfco't-é lançado ao debate na perspectiva de uma "oposição
Ao mesmo tempo que tangencia a condenação genérica do projeto mo- à categoria epocal 'pós-moderno", como afirma Lehmann [p. 24]. Para ele, o
derno de Razão, comum aos pós-estruturalistas, Lehmann faz questão de se que ?-li1elhor teatro surgido nesse momento pode fazer não é rejeitar a "mo-
vincular a uma tradição crítica tipicamente modernista que tem como alvo a dernidade': mas tentar subverter de modo radical as heranças formais domi-
"razão instrumental" no que ela tem de prestadora de serviços à manutenção nantes - sobretudo a dramática, que foi Incorporada de modo tão rebaixado
da sociedade admlü.Efiàda pelo capital. Sua vontade de rever o projeto de pelos meios de comunicação~_e massa. Por outro lado, a correção do aparato
uma "semântica das formas" de Peter Szondi (com quem estudou) o apro- teórico do pós-modernismo por meio de uma historicização das formas con-
xima da visão estética de Adorno, tanto no aspecto da crítica à indústria cul- duz Lehmann a um embate com Peter Szondi, o principal autor a orientar o
tural apresentada na Dialética do Esclarecimento quanto no da "poética do es- método da "semântica das formas". Em sua Teoria do drama 'moderno, Szondi
vaziamento'; enunciada na Teoria estética. Mesmo quando Lehmann alude-ao---- _" formula a hipótese de que o grande teatro do modernismo foi aquele que su-
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situacionismo de Guy Debord,éill sua tentativa de criar acontecimentos na perou a crise histórica do drama burguês mediante experimentações épicas.
contramão da "sociedade do espetáculo': ou às observações de tantos teóricos Na opinião de Lehmann, essa hipótese pode restringir o entendimento de
que denunciam a sujeição da experiência vivida ao campo das informações certos fenômenos artísticos posteriores, para os quais já não se pode aplicar
disseminadas eletronicamente, é de Adorno que ele extrai a terrível imagem sem mais nem menos o vocabulário do teatro épico (ainda que o recorte his-
de uma totalização do imaginário coletivo segundo uma estratégia de apassi- tórico do livro_de Szondi, 1880-1950, seja claro a esse respeito).
vamento pela imposição da relação de consumo, mesmo em setores, como o Ademais, Lehmann argumenta que a superação épica empreendida por
da produção cultural, que no passado tiveram alguma margem de recuo em um autor modelar como Brecht não implicaria uma plena mudança qualita-
relação à hegemonia da forma-mercadoria. tiva em relação à tradição hegemônica do teatro, baseada no texto composto
Diante desse avanço do controle mldiátíco, que se torna incontornável por diálogos entre figuras. Para dar sustentação a essa tese polêmica, o autor
com a expansão da televisão e da informática durante as décadas de 1970 e 80, faz uso de Um conceito expandido de "drama". Não se trata mais do.__drárr;~
Lehmann considera a possibilidade teórica de que algumas tradições teatrais burguês, baseado no diálogo intersubjetivo e na forma de um presente ab-
fundadas na radicalização dos signos específicos do teatro (em especlal a da soluto e contínuo, apresentado sem mediações externas por meio de figuras 9
que agem.de acordo com um a vontade autodeterminada. Dramático, para nexão entre texto e cena) ainda traduzia para Lehmann a constatação de uma
Lehrnann, é todo teatro baseado num texto com fábula, em que a cena teatral impossibilidade de ação política, bem como o desejo de que se continuass e a
serve de supor te a um mundo .ficclonal: "Totalidade, ilusão e representação produzir arte para além da "fúria do entendimen to". Assim, se existem mode-
do mund o estão na base do modelo 'dram a" [p, 26]. Com esse conceito de los para uma nova politicidade da cena européia do fim do século xx, são os
drama, que reúne Eurípedes, Molíêre, Ibsen e Brecht, o teatro épico não mais que reinventam o projeto não-rnim ético de Ar taud, contrário a todo "logo-
poderia ser considerado um salto, porque-nele os deslocamentos da dinâmica centrismo" e a qualquer "lógica da reduplícação" Nessa perspectiva, porém,
interpessoal - por meio de coros, apartes, narr ativas etc. - não chegariam a surge mais uma yez Adorno como baliza crítica do projeto de comb ater o
subverter a vivência ficcional. pseudo-realismo do imaginário industrialmente fabricado com uma poética
É com o abandono de qualquer intenç ão mimética, projeto que só pode da não-identificação. Desse modo, um possível acesso à dimensão política da
ser considerado à contraluz da "onipresença das mídias na vida cotidiana cena pós-dramática passa necessariamente por um a reflexão do teatro sobre
desde os anos 1970", que podemos falar num teatro pós-dramático: _(~c?ntra) si mesmo, à maneira do projeto frankÍurtiano de uma teoria que se
oponha à "mentira da totalidade e da objetividade".
Seo curso de umahistória, comsualógica interna,nãomais constituio elemento É curioso .que 110 movimento critico de Teatro pós-drqmático essa "frank-
central, se a composição não é mais sentida como uma qualidade organizadora, furtização" de Artaud aproxime Lehmann, com todas as negativas, da teoria
mas como "manufatura" enxertada artificialmente. como lógica de ação mera- de Brecht. Nos pontos em que as observaçõ:sdo Autor aludem ao projeto de
mente aparente. queserve apenas ao clichê. como Adorno abominava nos produ- desmontar o imaginário dominante, não'raro recorre-Se-afór mulas inventadas
tos da indústria cultural, então o teatro se encontra concretamente diante da pelo próprio Brecht (aquele mesmo.que certa vez afirmou .que "épreciso cunhar
questão das possibilidades para além do drama, não necessariamente para além
,
fórm~las': lição que está na base desta obra). Quando exriadR nos Estados Uni-
da modernidade [pp. 32.-33] . / dos durante a-Segundã-buêrra, Bréchtcornparou a produção da i-ndústria cul-
.,'

tural norte-americana a uma prostituta que, diante de um cliente impotente,


É bem possívelque a polêmica demarcação de campo feiia'pele'autor em rela- precisa lançarmãqjie efeitos cada vez mais agressivos e crus. Para Brecht, essa
ção às suas principais fontes tenha a ver com.o excepcional talento teórico de produção que-visa s~~~(Ür uma reê épçã o 'anestesiada.éurn efeito do próprio
Szondi - e de Brecht, cuja capacidade de "ofuscar tudo à sua volta" costuma comércio de entorpecentes dacultura, do próspero negócio d~~trà'nqüilizantes .
causar "bloqueios" em muitos analistas de teatro. Mas essa confrontação tam- de m-as;~s:'É por isso que uma nova arte do ator não pode ser consid~rada sem
bém diz respeito à vontade de fornecer bases de leitura para estratégias artís- uma nova artedo-espectador; na medida em que a beleza dev~ ser vista como
ticas bem diversas da épico-dialética, e que mesmo assim devem ser conside- algo capaz de "dar aossentldos a oportunidade de se mostrarem hábeis': É por
radas como referências para um teatro politizante atual. O que parece pouco isso que Brechtvalorizava o teatro em relação ao Cinema, visto que é uma arte
razoável, na medida em que implica um juízo anacrônico, é que Lehmann, em que o produto não está' acabado, em que a cena é modificada pela platéia.
ao relativizar a centralidade do experimentalismo épico, tenda a subestimar "Belo é resolver dificuldades'; diz a sentença famos·a·de'Brecht.
o classicismo de Brecht como índice de apego à tradição, criticando também O.teatro pós-dram átlco' - Lehmann é quem o constata - é pós-brechtiano
. _. I . • .,
sua ênfase racionalista e sobretudo seu gosto pela fábula e pela narratividade. na medida em que tent~ levar adiante uJU projeto -de desapassivamento do pú-
Em 1999. ano em que Teatro pós-dramático foi publicado na Alemanha. tal blico, de. ativação perceptíva.corn base
J
na "exposição do teatro em sua rcali-.
10 ruptura com grandes narrações, figurações e cosmovísões (expressa na desco- dade de teatro'; numa vitalizàção da capacidade dinâmica do olhar de criar
-,

".
experiênciada coísificação, que se torn ou estranha a eles" [p. 350]. Em termos "isso implica não só determinadas formas, mas também um modo de traba-
brechtíanos, para não pact~ar c,om a mentira do sujeito - e da efetividade de lhar específico" [p, 414). Contudo, a conseq üência mais avançada disso não
qualquer ação individual num capitalismo sem agentes evidentes - o homem é concordar com a idéia solipsista de que o máximo que se pode fazer hoje
se vê "reduzido à sua menor dimensão". E essa menor dimensão é seu corpo em dia é produzir acontecimentos, situações, exceções e instantes de desvio,
nu, agachado nó chão, como o de um morto. numa prática resistente de interrupção das norma s [p. 408).
Os muitos aspectos polêmicos de Teatro pós-dramático.: já surgidos Se observarmos algumas incorporações recentes do termo "pós-dramá-
desde que a fórmula ganhou circulação independente - não devem ser cre- tico" no vocabulário teatral brasileiro, poderemos constatar que os perigos
ditados somente ao gosto polêmico de Lehmann, mas também a uma lei- de superdimensionamento (já previstos por Lehmann) ocorrem sempre que
tura descontextualizada de seu trab alho'~J? e fato, é um livro cuja paixão pela a descrição do procedl!n_e.g~.:.f9E!!1:al se desvin,cula do seu projeto críticci. Não
dimensão sensível da arte por vezes resvala num certo culto nietzschiano é qualquer artista pós-dramático que se torn a capaz de encOl~t;:~r'p'ôr meio
à necessidade de "remít íza ção" da vid'i1 Lehmann produ z uma constelação " .ge \}ma "aparente negação da história [a] abertu ra de um outro olhar sobre
poética que perde nitidez quando pretende ser uma teoria estética geral so- a história, para além do demôni o da culpa" [p. 322 ]. Uma questão como essa
bre o desenvolvimento cênico recente. E faz muita falta no seu trabalho uma (ou mesmo a da ênfase estética do "corpo performático") tem sentido muito
maior referência a contextos produtivos, tendo em vista uma inscrição histó- diferente num país "sem a carga opressora da tradição de uma rica literatura
rica dessemovimento. O esmero de tantos encenadores famosos em produzir dramática" [p. 203).
uma Cena autônoma, que'independa da palavra, mantém tristes vínculos com A radicalidade da contrib uição teórica de Lehmaiinadvém do fato de
a intenção de uma circulação transnacional em festivais. Dessa perspectiva, o pensar os fatores estilísticos como uma constelação relativaa uma percepção
argumento de que a radicalidade abstracionista das artes plásticas demorou social reificada:&~.<?se tra!aapenas de um novo tipo d~ encenação delirante,
a encontrar lugar nos circuitos teatrais em razão de uma dependência pro- mas de um mod o de utilização dossignos teatrais que, ao pôr em relevo
dutiva das artes cênicas em relação a estruturas dispendiosas podé também a.J?resença s~bre a rep res enta~o, os processos sobre o resultado, gera um
. ... -._" . .....: .
levar à pergunta: por que, em determinado momento, o iiã"ó-figurativismo deslocamento dos.h ábitos perceptivos do espectado r educado pela indústria
pós-dramático passou a encontrar grande facilidade de circulação, tornando - culturagÉ pelo mo do de;~st~'biiiiàd6idcdfânSjtoe-ntrep'al~0, e platéia que
se mesmo um produto preferencial no circuito miindial das artes cênicas? essa_patê,ncia se efetiva.0ssim, não é qualquer abandono da fábula ou frag-
Essas observações, entretanto, não diminuem a grandeza do projeto teó- mentação na rr~ tiva que se revela desapassivador, assim como nem todo uso
rico de Lehmann. Mesmo o mais polêmico de seus textos neste livro, o "Epí- da fábula é necessariamente tranqüilizador, coma atestam diversos exemplos
logo" sobre a dimensão politica do experim entalismo pós-dramático, muda do livr~A sentime~t'alid'ade autocomiserativa e pr ívatísta do mundo dra-
de sentido se pensado no contexto alemão do fim dos anos 1990. Não é incor- mático pod e estar onde menos se espera, mesmo nos caleidoscópios imagé-
reto dizer que os caminhos vivos de um teatro pós-brechtíano devem apren- ticos mais convulsíonadós.Por outro lado, cabe ao artista a lucidez sobre sua
der com as experiências de Müller e de Wilson, ainda que não seja possível situação, e nesse sentido mesmo a alegorização barrcquízante pode - depen-
concordar com a idéia de que "A política do teatro é uma politica dapercep- dendo do caso - dar ,tes't~munho dos limit es da atuação da arte. De todo
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ção" [p~ 424). Todo artista que trabalha contra a despolitização com lucidez modo, é na contramãoI da mistificação,que
,'
uma estética da desconfiança não
sabe que o teatro não se torna político apenas por tematizar assuntos socíceco- escorrega para o-clnisrão. ~~ra Le~mann, não se define de antemão se uma
14 nómícos, mas sim "pelo teor implícito de seu modo de ref!resentação': e que obra pés -dramática expressa "uma despolíttzação, uma resignação eficaz
" .
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- - - - - - - - -- . ---- - - - - -- - - -- -- - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - -- -----

apenas a curto prazo ou uma c0P.2Q!.~~h~o diversa daquilo que possa ser a .
P.()@::~ n~teatro'~ [p, 171]~~é em favor d;~s~-~ip~~:~ltern~tiva qu~ este-
livro trabalha.T _.~ '. " , ;
~ . -. .
O .gosto pelas formas sensíveis, pelas imagens,CJ.~e e~capam a conceitos, a
atenção à dimensão material das coisas, a vontade de reconhecer experiên-
cias novas e vivas que aparecem onde menos se espera..(e que já não podem
ser lidas com as velhas categorias), bem como, sobretudo.o-desejo de um tea-
tro ativador animam este grande trabalho de Hans-ThíesLehmann.Toda s as
suas contr~diçº es, se relatívizarri diante da consciência de que o movimento Prólogo
aqui descrito talvez venhaa-serapenas um momento da história recente da
cena teatral. ou. quem sabe, o teatro p ós-dramático '.

,./

inaugure uma nova cena, na qual as figurações dramáticas serão reencontradas


depois de t~maiJ.ho d}stanciamento entre 'o 'dra~a e-~ te~tr~~-.Ã.s formas narrati- ...I
vas, a apropriação sóbria e mesmo trivial de histórias antigas, assim como a ne- Premissa
cessidade de um retorno das estilizações mais conscientes e artificiais, poderiam
constituir uma pontepara escapar ao visgo das. imagens naturalistas. Algo novo °
Com o fim da "galáxia de Q\Jtenberg'~ o texto escrito e livro estão nova-
surgirá (...] (pp. 240-41].
, /
mente em questão. Omodo de percepçãose desloca: a percepção simultânea
e multifocal substitui a linear-sucessiva; uma percepção ao mesmo tempo
mais superficial e mais abrangente tomou o lugar da percepção centrada,
mais profunda, cujo paradigma era a leitura do texto literário:A leitura lenta,
assim comá o teatro pormenorizado e vagaroso, perde seu status em face da
circulação mais lucrativa de imagens em movimento. Remetendo estetica-
mente um ao outro em um processo de repulsão e atração, a literatura e o
teatro assumem o status de práticas minoritárias.@? teatro não mais constitui
um meío.deçomunícaç âo de massa. Torna-se cada vez mais ridículo negar
obstinadamente esse fato e mais urgente refletir sobre el:J Diante da pressão
exercida pelo estímulo das duas forças conjuradas, a da velocidade e a da su-
perficialidade,;odiscurso teatral aproxima-se delas e se emancipa da literarie-
dade, Ao mesmo tempo, com relação à sua função'na cultura em geral, tanto
o teatro quanto a literatura lidam com texturas que dependem e!p .gtâ~eÍe
medida de uma liberação de energias e fantasias ativas, que na civilização do
" consumo passivo de imagens e informaçõesse tornam mais fracas. O teatro 17
.......... ..

No "te-xto teatral não mais dramático" do pr~;~ntj, diz Poschmann, desa-


-, ' . ,. .
. parecem os "princípios de narração e figuração"I e, o. ordenamento
'
de 'uma
-
Objetivos
" ,"_ ,
"fábula", alcançando -se uma "autonomia da linguagem'.I Werner Schwab, A intenção deste estudo não é fazer um inventário exaustivo, mas desenvol-
Elfriede Ielinek e mesm~ Rainald Goetz.smantendoa dimens ão dramá tica ver uma lógica estética do novo teatro. O fato de que até agora mal se tenha
com graus de intensidade diferent es, produzem textos nos quais a Iíngua- feito essa tentativa se deve, entre outros fatores, à raridade do encontro entre
gem não se manifesta como discurso figurativo - na,mecÚda em, que ainda o teatro radical e os teóricos cujo pensamento poderia corresponder às ten-
haja figuras definíveis -, mas como uma teatralidadeàutônoma. 'Comseu dências desse teatro. Entre os estudiosos do teatro, estão em minoria aqueles
"teatro como instituição oral", Ginka Steinwachs busca configurar a reali- que consideram a teoria do teatro como algo mais essencialmente voltado
dade cênicacorno uma intensa objetivação poét íco-significatívada língua- para o teatro de fato existente, como uma reflexão da experiência teatral. Já os
gemo Para o ~~~ ·õcotreaq~i.éesc;l!l.I.eE~~Or o conceito cunha.d~ por Ielínek filósofos, ao passo que meditam com certa freqüência sobre o "teatro"como
d~ "superfícies lingüísticas" contrapostas, ~;n' vez·de"âiálf!go. Como nota conceito e idéia, e até mesmo fazem da "cena" e do "teatro" conceitos estru-
. "-...- .
,, /

. .,. Poschrnann ," essa fórm ula se dirige contra a dimensão profunda das figu- turaís para.o discurso teórico, raramente escrevem de modo concreto sobre
. . /

ras falantes.. que teria O sentido de J,!!Ell. ilusãO. :nili1é~icar,!:Jesse sentido, a personalidades ou formas teatrais específicas. As interpretações de Iacques
metáfora das "superfícies lingüísticas" corresponde à mu dança que ocorreu Derfida
r:
sobre Artaud, as de Gilles Deleuze sobreCarmelo Bene ou o clássico
/.

.na pintura moderna quando, no lugar da ilusão do espaço tridi~lensional, ensaio de Louis Althusser sobre Bertolazzi e.Brechtsão importantes exceções
a superfidalidade-da.irnagem, sua realidade bidimensionale a realidade das que confirmam essa regra.' Contudo, o reconhecimento de uma perspectiva
cores passaram a ser "encen~das" como qualidades autônoma~ Contudo, estética do teatro talvez torne necessário notar que as investigações estéticas
não parece se impor' a interpretação de que a autonomia da linguagem tes- sempre envolvem, em sentido mais amplo, questões éticas, morais, po líticas e
temunha uma falta de Interesse pelo ser humano.' Não se trata antes de jurídicas - como diriam antigamente, questões ligadas à "etlcldade" A arte,
uma nova visão so~re~!~~ O_Cfl.~~_e._e!0~oEt~a aq~i é uma articulação menos e ainda mais o teatro, que se insere na sociedade de diversosmodos - desdeo
da intencionalidade - característica .do sujeito - do que de sua expos~W;-'"-" " " ": . ' -r .. caráter comunitário da produção, passando pelo financiamento público, até
menos da vontade consciente do que do desejo, menos do "eu" do que do o modo social da recepção - , encontra-se no campo das práticas reais sacias-
"s~jei~;-clo' inconsciente". Assim, em vez de sentir falta de uma imagem pre- simbólicas. Se a habitual redução do campo estético a posições e declarações
viamente definida do ser humano nos textos organizados de modo pós-dra- so~iais cai no vazio, é igualmente cego qualquer questionamento teatral que
mático, seria o caso de perguntar quais novas possibilidades de pensamento 'não reconheça na prática artística .do teatro a reflexão sobre as normas de
e representação são aqui projetadas para o sujeito humano individual. percepção.e.comportamento sociais.
Na descrição das formas de teatro aqui compreendidas como pós-dra-
máticas, busca-se deslocar O desenvolvimento teatral do século xx para uma
perspectiva inspirada pelo desenvolvimento, obviamente ainda mais difícil

Gerda Pos~hl11a1\n, Der nich! mehr âramattsche Theatertext, Aktuelle Biihnenstúck: und ihre
dramatische Ana/yse. Tüb íngen, 1997, PP,I77-78. 4 Ver a proveitosa coletânea de textos político-filosóficos sobre o teatro organizada por Tl-
Ibíd., pp. 2.04 mothy Murray:Mlmesls, Masochism & Mime. The Politics ofTheatricality in Contemporary
' 0
2. 55 .
.- - Prench Thought. Mlchlgan, 1997. 21
Ibld,
de categorizar, do teatro recente. por outro lado, pretende-se contribuir para gação com efeito se aplica ao "teatro do presente';" mas como uma tentativa
a compreens ão conceitual e a verbalização da experiência em face desse tea- de determinar teoricamente os requisitos para o reconhecimento de sua'es-
tro freqüentemente "dlffcil" promovendo assim sua apreensibilidade e dis- pecificidade. Apenas uma parte do teatro dos últimos trinta anos é levada
cussão. As novas formas teatrais marcaram abertamente a obra de alguns em consideração. Não se trata de uma trama de conceitos na qual cada coisa
dos mais importantes diretores da época e encontraram um público mais ou encontra seu lugar, seja quando sua estética demonstra cóntemporaneídade,
menos numeroso, normalmente de jovens; que se concentrava..e continua a seja quando tão-somente segue velhos modelos com grande perícia. A es-
se concentrar em torno de institutos como o Mickerytheater, o Kaaitheater, tética clássicaidealista dispunha do conceito de "idéia": esboço de um todo
o Kampnagel, o Mousonturm e O TAT [Theater am Turm] de Frankfurt, o conceitual que permite concretizar (aglutinar) os detalhes à medida qu~ eles
Hebbeltheater, a Szene Salzburg e outros, Ademais, entusiasmaram um certo se desdobram simultaneamente na "realidade" e em "conceito". Desse modo,
número de críticos e lograram "aninhar" alguns de seus princípios estéticos Hegel podia tomar cada fase histórica de uma arte por um desdobramento
no teatro estabelecido (ainda que na maioria das vezes de um modo triv!a- • -" _ _ o
_._ .... concreto
~ -'- ....-
e específico da idéia da arte e cada âbrá de arte como uma coricreti-
lizado). Já no que diz respeito à esmagadora maioria do público, o que ela zação especial do espírito objetivo de uma época ou de uma "forma artística".
espera do teatro, grosso modo, é a ilustração de textos clássicos, talvez acei- A idéia de uma época, ou de uma situação histórica universal, fornecia ao
tando ainda uma encenação "moderna': desde que dotada de fábula com- idealismo uma chave de encadeamento que permitia determinar histórica e
preensível, de um contexto que faça sentido, deuma auteriticidade cultural, sistematicamente o lugar da arte,\Quando desapareceu a confiança em tais
de sentimentos teatrais tocantes. Entre essas pessoas, as formas de teatro construções - como a "do" teatro, da qual o teatro de urü ãépoca constituiria
pós-dramáticas de Robert Wilson, Ian Fabre, Einar Schleef ou [an Lauwers - .. um desdobramento específico -, o pluralismo dos fen6p.enos imp ôs o reco-
para mencionar apenas algumas das personalidades teatrais mais "consagra- nhecimento do caráter imprevisível e "súbito" da descoberta, do indetermí-
....__ .-._---_.-. .. . ....,.. .
~ '

das" - normalmente encontram pouca compreensão. No entanto, mesmo nável momento da invenção..l
entre aqueles que estão convencidos. da autenticidade artística .ed~ impor- A variedade heterogênea corrói as certezas metodológicas que deveriam
tância de tal teatro muitas vezes falta a ínstrumentallza ção-conceítual para possibilitara afirm-ª.Ç_~o de causalidades amplas no desenvolvimento artístico.
formular sua percepção. Isso é evidenciado pelo predomínio de critérios Trata-se de aceitar a coexistênCiá deêõnêepçõ·es·-teatrais.di"el'gentes, em que
pur amente negativos. O novo teatro, de acordo com o que ouvimos e le- nenhum paradigma assume "p..xeponderância''...Poder-se-la a~;in1:~ seria uma
mos, não é isto, não é aquilo e nem é outra coisa: predomina a ausência de conseqÜ:ênd~ imaginável - considerar suficiente proceder a urna exposição
categorias e palavras para a determinação positiva e a descrição daquilo que aditiva, que fari'àJus~iça a todos os tipos de peças do novo teatro. Mas.res-
ele éXp!etende-se aqui levar tal teatro um passo alérne estimular métodos tringir-se a uma listagem pulverizante, de 'cunho historio gráfico-empírico,
de trabalho teatrais que escapem da concepção convencional sobre o que o de tudo o que se tem não poderia ser satisfatório. Significaria meramente
teatro é ou precisa s~f~7 transferir para o presente aíúod éstiahistoriogr áfica segundo a qual tudo já é
Este ensaio procura propiciar uma orientação no campo multifacetado eo ipso digno de consideração porque um dia exisÜ\i.IÃ teoria do teatro não
do novo teatro. Muita coisa está apenas esboçada e terá alcançado sua meta pode abordar seu pr óprio'p'resente"com a visão do arquivistà1Por isso se co-
I ' . .. ,

se motivar análises detalhadas. Uma "visão deconjunto" do novo teatro em loca a questão de busca~ uma saída para esse dilema ou mesmo uma atitude
todas as suas formas cênicas é impossível, e isso não sópelo motivo prag-
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22 mático de que dificilmente se poderia abarcar sua diversidade. Esta investi-. Ver Wilfried Floeck (org.), Tendenzen des Gegenwartstheaters. Tübíngen, 1978.
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a ser tomada diant e dele. A investigaç.ão acad êmica resolve apenas aparen te- Segredos de ofício do teatro dram ático
men te as dificuldades que resultam da atrofia dos modelos totalízantesdeor-
denamen to histórico e estético - na maioria das vez,es medianté uma divisão Ao longo de séculos predominou no teatro europeu um paradigma que
em especializações pedantes, que evidentemente não passam em si mesmas contras ta claram ente com tradições teatra is extra-européias. Enqua nto, por
de levantamentos de dados cumulativos empacotados de modo grosseiro. exemplo, o teatro kathakali indiano ou o teatro nõjaponês são estruturados
Ess~~ especializações não oferecem nenhum interesse ou apoio nem mesmo e
de maneira inteiramente diferente constituídos essencialmen te por dança,
para os esforços conceituais nos campos adjacentes . DlR~ outra resposta con- coro e música articuladas em evolu ções cerimoniais altamente estilizadas,
siste 'em encaixar a teoria do teatro na tão falada "ínterdis êiplinaridade" Por textos narrativos e líricos, o teatro europeu se pautou pela presentificação de
mais importan tes que sejam os impulsos derivados dessa orientação, é, pre- discursos e atos sobre o palco por meio da representação dramática imitativa,
ciso constatar quej ust am ente ~aesteira do procedimento lnterdlsc íplinar há (fara designar a tradi ção corri a qual seu "teatro épico da época científica" de-
uma tendência a escarnote ãrõ'verdadeiro.motivo ~ .~flsejo para o exercício da veria romper, Brecht escolheu a expressão "teatro dram áticoJEsse conceito
teoria - a saber, a própria experi~ncia estétic a em seu' ~~;áter desprotegido pode designarrfiosentidc mais abrangente (incluindo também a maior parte
e inseguro de um a tentativa - em favor de estratégias de categorização m ais da obra dopr óprío Brecht), o cern e da tra dição teatral européia dos tempos
organizadas (e, no senti do da lnterd íseipllnaridade, C:lºél..~?o .mais extensas). mod ernos . Há assim uma combinação 'de temas em parte conscien tes, em
'. Para quemn ão qüer se subm eter à transfor mação do pensamento sobre a parte pressupostos como óbvios, que ainda são vistos como indubitavelmente
; arte em uma atividade vazia de arquivar e categorizar, resta um duplo cami- constitutivos para "o" teatro{ü teatr o é pens ado tacitamente como teatro do
: nho. Por um lado, no -sentido defendido por Peter Szondi, as~~~~c::~çõ es dram; irncluem-se entre seus fatores teóricos conscientes as categorias "lmí -
,J '.-
i eP-Iáticas artí sticas que se torn aram reais devem ser lidas como respostas a tação"e "ação': assim como a concom itância quase que autom ática das duas
!~ues~ões art ísticas, como reações manifestas ~p-;:~bi~~;as de represe'ntação categorias. Pode -se destacar como tema inconsciente, associado à compreen-
, q~;s~'coi;c;m para o teatro. Nesse senti do, o conceito de "pós-dramático" - são teatral clássica, a tentativa de formar ou fortalecer por meio do teatro um
em oposição à categoria epocal "pós-moderno" - significa um a prob lematiz:a_-_ ." contexto social, uma comunidade que una emocional e men talmente o pú-
ção teatral concreta: Heiner Müller pode consta tar que é trabalhoso formular ~--, blico e o palco. "Catarse'' é a denominação teórica para esta função do teatro
o problema ainda na forma dramática. Por outro lado, recorre-se a uma certa que não é de modo algum primordial: instauração de reconhecimento afetivo
confiança (controlada) na reação p essoal - no dizer de Adorno , "idiossíncrá- e de comunhão mediante os afetos apresentados pelo drama em seus limites e
tica" Quando o teatro provocava "comoção" por meio do entusiasmo, da in- tran smit idos aos espectad ores. Esses traços não podem ser dissociados do
teligência, da fascinação, da simpatia ou da incompreensão interessada (não paradigma "teatro dram ático", cujo significado vai muito além da validade de
paralísante), isso era escrupu losam ente balizado pelo campo designado por um simplesord enamento como gênero poético.
tais experiências. Somente no decorrer da própria explicação vai-se prestar O teatro dramático está subordinado ao primado do texto. No teatro da
contas, parcialmente, dos critéi:ios que orientaram a escolha. época m oderna a montagem consistia em declamação e ilustração do drama
escrito. Mesmo quando a música ea dança eram inseri das ou predominavam,
o "texto" continuava a ser determinante, no sentido de uma totalidade ccg-
nitiva e narrativa mais apreens ível. Apesar da caracterização cada vez mais
intensa dos personagens dramáticos por mei o de um repertório não-ver bal 25
de gestos corporais, movimento e mímica que traduziam as expressões da revolucionárias. As novas formas teatrais surgidas serviam à representação,
alma, nos séculos XVIII e ~IX a figura humana continuava a ser definida es- agora modernizada, de universos textuais, procurando justamente salvar o
sencialmente por seu discurso. O texto, por sua vez, permanecia centrado texto e sua verdade da desfiguração gerada por' práticas teatrais que haviam
em sua função como texto para a interpretação de papéis. Coro, narrador, se tornado convencionais, de modo que puseram em questão o modelo tra-
intermédio, teatro no teatro, prólogo e epílogo, apartes e milhares de fendas dicional da representação e da comunicação teatrais de maneira limitada. É
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sutis no cosmos dramático, o repertório -brechtiano da representação épica certo que os recursos de encenação de Meyerhold conferiam extrema estra-
enfim, podiam ser acrescentados e integrados "ao" drama sem perturbar a nheza às peças, mas elas eram representadas-como um todo coeso.~certo
vivência específica do teatro dramático. Não é decisivo saber se e em que me- que os revolucionários do teatro romperam com quase tudo o que vieraantes,
dida as formas de discurso poéticas tinham efeito na textura dramática, em mas insistiram na mimes7 ~7 .E.m~.. ~_ç,~O)10 t~~t.!º, mesmo ao empregarem
que medida as dramaturgias épicas eram utilizadas: "o" drama era capaz de recursos de encenação abstratos e causadores de estranheza: (por outro lado,
incorporar tudo isso sem perder seu caráter dramático. ,p-0 ~urso da 'ampliação e em seguida da onipresença das mfd!às na vida coti-
Por mais que permaneça questionável em que medida e de que modo o diana desde os anos 1970, entrou em cena um modo de discurso teatral novo
público dos séculos anteriores se entregava às "ilusões" que os truques de e_~ultiforme, que é d~signad-;aqui c~~~t~-~~I:; pó;-dramático.O significad;
palco,os jogos de luzes artificiais, os acompanhamentos musicais, o ~!urino histÓ~i~o-d-a-~e~oí~ção"~~ústicaet~at~aloc~rrida na virada do século, a qual
e a cenografiaofereciam, o teatro dramático era construção de ilusão.jEle pre- orientou todo o caminho a seguir, não deve ser contestado - um capítulo
tendia erguer um cosmos fictício e fazer que o "palco que significa o mundo" específico será dedicado às formas prévias, aos rudimentos e às antecipa-
aparecesse como um palco que representa o mundo - abstraindo, mas pres- ções do teatro pós-dramático. Apesar de todas as semelhançasnas formas de
supondo, que a fantasia e a sensação dos espectadores participam da iz.l!Isa9:,~ expressão, é precisolevar <:m conta que os mesmos recursos podem ter seu
Para uma tal ilusã2..!lão se r~~~.3J.ntegE.~ad,~~!!:~ll1,I?esl1l?_~_~??!iJ1~i.dade significado radicalmente modificacio~m contextos diferentes. No teatro pós-
da ;ep;~;;;taçã~ mas opríncípío segundo o q':l~l_? 3,ueé peE~~bi~?, no teatro dramático, as linguagens formais desenvolvidas desde as vanguardas históri-
I.: pode ser referido a um "mundo': isto é,'a ~11l coniunto.Totãlídade, ilusão e cas se tornam um-arsenal ~e gestosexpressivos que lhe servem para dar uma
representação do mundo estãon~b;;'~~-do ;;delo "drama', ao passo que o resposta à comunicaçãosociai11lóCiificadã'so15as-condições da ampla difusão
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teatro dramático, por meio de sua forma, afirma a totalidade como modelo da tecnologiade Informação-.
do real. O teatro dramático termina quando esseselementosnão mais consti- Será considerado um efeito colateral sal~tar da presente investigação o
tuem o princípio regulador, mas apenas uma variante possível da arte teatral. fato de que na delimitação de um novo continente teatral aqui empreendida,
com outros critérios, ';àlor~s e procedimentos, surja a necessidade de revelar
A cesura da sociedade midiática criticamente uma série de implicações "não planejadas" que ainda hoje carac-
terizam a habitual compréénsão do teatro, Ao lado dessa crítica às evidências
É bastante conhecida a concepção de que as formas experimentais do teatro do discurso teórico sobre o drama, bastante qti~stionáveis quando exami-
atual, desde os anos 1960, têm seus modelos na época das vanguardas his- nadas de perto,'é necessária a oposição enérgica de um conceito de teatro
tóricas. O presente estudo tem como ponto de partida a convicção de que a pós-dramático que contradiga essasaparentes evidências. Des~nvolvido para
ruptura das vanguardas históricas em torno de 1900,sem dúvida profunda, definir o teatro.do-presenté, esse conFeito pode ter um efeito retroativo e evi-
26 conservou o essencial do "teatro dramático" apesar de todas as inovações denciar os aspectos "não dramáticos"também no teatro do passado. Asnovas
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estéticas surgidas permitem observar sob uma nova.luz as velhas formas de trais inspirados no happening: Hermann Nitsch, Otto Mühl, Wooster Group,
teatro e a concepçãoteórica com que eram apreendidas. Certamente é preciso Survival Research Laboratories, Squat Theatre, The Builders Association,
ter muito cuidado ao se identificar cesuras na história. de uma forma artística, Magazzini, Falso Movimento, Hollandia, Victoria, Maatschappij Discordia,
ainda mais quando se trata de contextos recentes e muito recentes. O perigo Angelus Novus, Hotel Pro Forma, Serapionstheater, Baktruppen, Remate
pode ser o de que a profundidade do corte aquípostulado seja superdimen- Contrai Production, Suver Nuver, La Fura deis Baus, Dv8 Physícal Theatre,
sionada: a destruição dos fundamentos do teatro dramático - válidos por sé- ForcedEntertainment,Station House Opera, Théâtre de la Complicité, Teatro
culos -, a transformação radical do âmbito cênico à'luzambígua da cultura Due, Societas Raffaell~ Sanzio, Théâtre du Radeau, AkkoTheater, Gob Squad.
midiátícai Mas o perigo oposto, de notar no novo apenas ~s'variantes daquilo Inúmeros grupos de teatro, projetos e montagens de diversos portes que es-·
que já era"conhecido antes, p~rece ameaçar com incompreensões e cegueiras tão ligados ~ uma ou mais das "linguagens teatrais" indicadas pelos nomes
muito maisdesastrosas
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- sobretudo na esfera acadêmica'}
.:; aqui mencionados. Jovens realizadores de teatro como Stefan Pucher, Helena
Waldmann, René Pollesch e Michael Simon. Autores cuja obra, pelo menos
Nomes em parte, é afim' áo paradigma pós-dramático - no âmbito da língua alemã,
Heiner Müller, RainaldGoetz, a Escola de Viena, BazonBrock, Peter Handke,
A lista a seguir oferece um panorama do campo de investigação visado sob a Elfríedé[elinek...
denominação "teatro-pós-dramático" Trata-sede manifestações extremamente
heterogêneas, engendradas tanto por realizadores teatrais mundialmente co- Paradigma
nhecidos como por grupos pouco conhecidos fora de um pequeno círculo.
Cada leitor contará um número maior ou menor dos que lhe são conhecidos. Na paisagem teatral das últimas décadas, a série de manifestações que proble-
Nem todas as "obras'; se é possível aplicar esseconceito a diretores, grupos de matizaram com coerência estética e riqueza de invenções as formas tradicio-
teatro, encenadores e espetáculos teatrais, devemser vistas como pós-dramáti- nais do drama e de "seu" teatro justificaque se fale de um novo paradigma do
cas.Nem todos os nomesserão discutidos em detalhes nestelivro. Assim, oque.;__.._ tea~ro pós-dramático. Desse modo, o termo "paradigma" indica aqui o con-
te " , . ' ' ------ ..• . ~_ .••
se faz aqui é um namedropping" - sob todos os aspectos incompleto - para o junto das fronteiras negativas entre as modalidades altamente diversificadas
teatro pós-dramático. do teatro pós-dramático e do teatro dramático. Esses trabalhos teatrais tam-
Robert Wilson, Ian Fabre, Ian Lauwers, Heiner Goebbels, Einar Schleef, bém se tornam paradigmáticos porque, ainda que não sejam sempre aclama-
Axel ,Manthey, Achim Freyer, Klaus Michael Grüber, Peter Brook, Anatoli dos, são amplamente reconhecidos como autênticos testemunhos da época
Vassiliev, Robert Lepage, Elizabeth Lecompte, Pina Bausch, Reinhild Hoff- e desenvolvem uma força própria no estabelecimento de critérios, Com o
mann, William Forsythe, Meredith Monk, Anne Teresa de Keersmaeker, Meg conceito cle-pâradigma não se deve fomentar a ilusão de que a arte, como
Stuart, En Knap, Iürgen Kruse, Christof Nel, Leander Haussmann, Frank a ciência, se deixa comprimir na lógica de desenvolvimento de paradigma e
Castorf, Uwe Mengel, Hans-Iürgen Syberberg, Tadeusz Kantor, Eimuntas mudança de paradigma. Ao discutir os fatores estilísticos pós-dramáticos, se-
Nekrosíus, Richard Foreman, Richard Schechner, Iohn Iesurun, Theodoros ria fácilindicar a todo instante essalógicaque o novo teatro compartilha com
Terzopoulos, Giorgio Barberio Corsetti, Emil Hrvatin, Silviu Purcarete, To- o teatro dramático convencional ainda existente. Durante a gestação de-uín
maz Pandur, Jerzy Grotowski, Eugenio Barba, Saburo Teshígawara, Tadashi novoparadigma,as estruturas e os traços estilísticos "futuros" aparecemquase
Suzuki. Diversos teatros de intervenção, artistas performátjços.e-estilos tea- que inevitavelmente misturados aos tradicionais. Se diante dessa mistura o 29
conhecimento se contentasse com o mero inventário da diversidade de estilos pretação. O teatro pós-moderno seria um teatro sem discurso, em que predo-
e mõdos .derepresentação, ~ã o compreenderia os processos subterrâneos mas minariam a meditação, a gestualidade, o ritmo, o tom. Formas niilistas e gro-
propriamente produtivos, Sem o destaque categorial dos traços estilfsticos que tescas, espaço vazio e silêncio são outros elementos.acrescentados. Por mais
são materializados de tempos em tempos, e apenas de modo impuro, esses que quase todos esses apontam entos correspondam a algo efetivo no novo
processos não chegariam a se revelar. Por exemplo, a fragmentação da narra- teatro, podem não ser pertin entes quanto aos detalhes (alguns - ambigüidade,.
tiva, a heterogeneidade de estilo e os elementos hipernaturalistas, grotescos recusa da interpretação, diversidade de códigos - se aplicam igualmente às
e neoexpressíonístas, que são típicos do teatro pós-dramático, encontram-se formas teatrais anteriores), oferecer meras palavras-chave, que necessaria-
também em montagens que não obstante pertencem. ao modelo do teatro dra- mente permanecem muito genéricas (deformação), ou designar impressões
mático. No fim das contas, é a constelação dos elementos que decide se um heterogêneas (perversão, subversão). Alguns incitam ainda à discordância:
fator estilístico deve ser lido no contexto de lima estética dramática ou pós- evidentemente há "discurso" no teatro pós-moderno. Assim como qualquer
dramática. É evidente que hoje em dia seria impensável um Lessing que pu- outra prática art ística, eJ~ não está excluído do desenvolvimento a partir do
desse desenvolver "a" dramaturgia de um teatro pós-dramático.(?eSapare~e qual foram introduzidas na modernidade, em uma medida antes inaudita, a
assim o teatro da projeção de sentido e da síntese, e Ç0111 isso a possibilidade análise,a "teoria': a reflexão e a auto-reflexão da arté:.\O teatro pós-dramático
de uma interpretação sintetizadora. Se o que persiste não é senão work inpro- não conhece apenas o espaço "vazio': mas também o espaço saturado; ele de
gress, são possíveis respostas perturbadoras e perspectivas parciais, mas não fato pode ser "niilista" e "grotesco': mas Rei Leal' também o é. Processo, hete-
uma orientação e muito menos preceitos. Cabe à teoria abordar aquilo que se rogeneidade e pluralismo valem igualmente para todo teª-t~~ - o dos clássicos,
constituiu com conceitos, não postulá-lo como norfng o dos modernos e o dos "p ós-modernos" Quando Peter Sellars encenou Ajax,
! '" ' em 1986, e Os persas, em 1993, além' de ter feito montagens originais de ópe-
Pós-moderno e pós-dramático ras de Mozart, passou-a ser-classificado com o "pós-moderno" simplesmente
porque transpôs o material clássico para o mundo cotidiano contemporâneo
Para o teatro do período que interessa aqui - grosso n1Oâo;-doS"~nos 1970 aos de Um modo radical e irreverente.
'- ~ . ' .
anos 199 0 - foi amplamente utilizada a denominação teatro pós-moderno. "

Isso se desdobra em diversas "classíficações'; tais como teatro da desconstru- Escolha do termo
ção, teatro plurirnidi ático, teatro restaurador tradicional/convencional, teatro
dos gestos e movimentos. A dificuldade de apreender um campo tão vasto o conceito e o tema-, de um teatro pós-dramático foram inseridos no debate
de modo "epocal" é comprovada por numerosas Investigações que procura- há vários anos pelo pr óprio autor e retomados por outros te óri cos, de mé;do
ram caracterizar o "teatro pós-moderno': desde 1970 , mediante uma longa e que, também por esse rnotlvo óbvio, é aconselhável conser var essa termi-
impressionante lista de traços marcantes: ambigüidade, celebração da arte nologia:p presente estudoleva.em conta questões que foram examinadas
'corno ficção, celebração do teatro como processo, descontinuidade, hetero- em nossa comparação do discurso_.~'Eré"dramát~.<:?:~:Aa.__tragédia ática com o
geneidade, não-textualídade, pluralismo, diversidade de códigos, subversão, teatro "p6s-dr~mático" do-presente.t.Ríchard Schechner, dand o uma ênfase
....
multilocalização, perversão, P ator como tema e figura principal, deformação,
o texto como umvalor autoritário e arcaico, ~ performance como terceiro 6
"
Han;-Thies'Lehmann,'Iheater undMy thos. Dle Konstltutlon des Subjekts Im Dlskurs der
30 elemento entre o drama e o teatro, o caráter ant ímím étíco, a rejeição da inter- antlken Trag õdie. Stuttgart, 1991. '. I
semelhante mas que se distancia- da tentativa feita aqui, aplicou de passa- então o teatro se encontra concretamente diante da questão das possibilida-
gem o termo "pós-dramático" ao happening (ele fala uma yez dé"teâtro de des para além do drama, não necessariamente para além damodernidade.
happenings pós-dramático? além de falar.de' modo um "tanto paradoxal e Em uma entrevista dada em meados dos anos 1970, Müller afirmou:
igualmente de passagem, com referência a Beckett, Genet e Ionesco, de um
"drama pós-dramático': no qual não é mais o "enreclo" que constitui a "matriz Brecht acreditava que o teatro épico [...] só seria possível quando acabasse a per-
geradora" mas sim aquilo que ele chama de "jogo"),' certamente conforme o versidade de sefazer de um luxo uma profissão - a constituição do teatro a partir
. """ '.,
nosso uso do conceito de estrutura "dramática" da fiêy·ão e da situação cênicas. da separação de palco e platéia. Só quando se elimina isso, ou quando é essa a
'-.
Com relação a textos teatrais mais recentes, falou-se, corno já mencionado, tendência, é possível fazer teatro comflm mínimo dedramaturgia, portanto quase
de "texto teâtral não mais dramático': mas ainda falta uma tehtàtiva de avaliar sem dramaturgia. E é disso que se trata agora: produzir um teatro sem esforço,
mais det'~lhãâamente,o novo teatro - na diversidade de seus recursos - à luz Quando vouao teatro, notoque paramim é cada vez mais entediante acompanhar
da estética pós-dramátic~~'----<-_- emumanoite o decurso deumaúnica ação. Isso realmente nãomeinteressa mais.
.. .. Quando comêçaüma ação na primeira cena e na segunda sesegue outracomple-
::..~

Seria possível acrescentar-uma série de outros motivos em favor do con-


ceito de "pós-dramático" - sem prejuízo do ceticismo conceitual quanto à tamentedíferente e depois começam uma terceira e uma quarta, isso é divertido,
construção de palavras com o prefixo "pós" (HeinerMüller afirmou certa vez a~rtdável, masnão é maisa peça perfeita."
que conhece aperias um único poeta pós-moderno: August Stramm - que
tinha um empr~~o no correio [POSt]).9 O ceticismo parece mais justificado no No mesmo contexto, Müller lamentou que o método da colagem ainda não
caso do conceito depós-moderno, que tern a pretensão de oferecer uma de- tivessesido suficientemente utilizado no teatro.rÉnquanto os grandes teatros,
finição de época em ~!.~~~ Muitos traços da prática teatral que são chamados sob a pressão das normas correntes da indústri;-do entretenimento, tendem
de pós-modernos - desde a gratuidade aparente ou real dos recursos e das a não.ousar afastar-se d~~~u.!E,?.f~~il de fábulas sem problemas, novas es-
formas citadas até o uso irrestrito e o acoplamento de traços estilísticos he- téticas teatrais praticam resolutamente a recusa da ação única e da perfeição
do drama, sem 'queisso signifique per se'~;a'~;~~sa do moderno.' .( . .'.
terogêneos, desde o "teatro das imagens" até a multimídia e a performance->....... _ ',._. .' - .~; ..: .. "'" .

p.ãQ. a.tes~ªm de modo al&l1.~Y!22_~f.a.~samel1to sig.l~i.ficativo da _m9derllida.~.L~


mas apenas de tradições da forma dramática. O mesmo vale para numerosos Tradição e o talento pós-dramático
textos rotulados-'cóm'ã etíêiüéta"põs.:mõâefrio'~ cuja gama de autores vai de
Heiner Müller a Elfriede Jelinek Se o curso de uma história, com sua lógica o adjetivo "pós-dramático" designa um teatro que se vê impelido a operar
interna, não mais constitui o elemento central, se a composição não é mais para além do drama, em um tempo "após" a configuração do paradigma do
sentida como uma qualidade organizadora, mas como "manufatura" enxer- drama noteatro, Ele não quer dizer negação ~bstrâúi, mero desvio do olhar
tada artificialmente, como lógica de ação meramente aparente, que serve ape- em relação à tradição do drama. 'Após" o drama significa que este continua
nas ao clichê, como Adorno abominava nos produtos da indústria cultural, a existir como ,estrutura - mesmo -qtle"~~f~~q~ecida, falida - d~ te~t~o' "nor-
mal": como expectativa de grande parte do seu público, como fundamentá
'd~ l1l~i~o_s ~e s.~us~o_~.~_~ de rep'resentar, como norma quase auto1l1,~ticã-d'e
7 Richard Schechner, Performance Theory. Nova York, 1988, p. 21.
8 Ibid., p. 22.
32 9 Ouseja: jogo de palavras entre oprefixo post, "pós", eapalavra Po~r, "correio': [N.T.) 10 Heiner .Müller, Gesammelte Irt'tiímmet'. Frankfurt am Main, 1986, p. 21. 33
sua dqtma-turgia [~i~L Müller. qualificou seu texto pós-dramático Descrição "suaprópria Identidade?" poderia estar baseada numa imbrícação da perspec-
.de imagem [Bildbeschreibung]1I como uma "paisagem para além da morte" e tiva externa com a lógica estética interna. De fato, o discurso crítico sobre o
como "explosão de urna lembrança numa estrutura dramática moribunda';" novo teatro freqüentemente recorre a tal procedimento. É realmente difícil
Pode-se então descrever assim o teatro pós-dramático: os membros ou ra- escapar às conceituações clássicas, que O poder da tradição transformou em
mos do organismo dramático, embora como um material morto, ainda estão normas estéticas. A nova prática teatral muitas vezes se estabelece aberta e
presentes e constituem o espaço de uma lembrança "em irrupção" Também conscientemente mediante uma divergência polêmicacom o que é tradicional,
o prefixo "pós" no termo "pós-moderno', no qual é mais do que uma mera dando assima impressão de que devesua identidade às normas clássicas. Mas
senha, indica que uma cultura ou prática artística saiu do horizonte do mo- a provocação ainda não constitui uma forma, de modo que a arte da negação
derno, antes obviamente válido, mas ainda tem algum tipo de relação com ele: provocadora também precisa fazer algo novo a partir de suas próprias forças,
de negação, contestação, libertação ou talvez apenas de divergência, com o e não é senão assim, sem ter como ponto de partida tão-somente a negação
reconhecimento lúdicode que algo é possível para alémdesse hOrizonter.Essim, das normas clássicas, que poderá conquistar sua própria identidade.
pode-se justamente falar de um teatro pós-brechtíano que, em vez de não ter
nada em comum-com Brecht, tem consciência de que é marcado pelas reivin- o novo, a vanguarda
dicações e questões sedimentadas na obra de Brecht mas não pode mais aceitar
<,
as respostas dadas por Brecht. _ Nesta investigação também se falará com freqüência de "novo teatro" para
Portanto, "teatro pós-dramático" supõe a presença, a readmissão e a con- designar as formas teatrais das últimas décadas, mesmo quando correspon-
tinuídade das velhas estéticas, incluindo aquelas que já tinham dispensado dam apenas parcialmente ao paradigma pós-dramático. O próprio conceito
".1
:-: a idéia dramática no plano do texto ou do teatro.~Ã. arte simplesmente não de novo teatro é corrente há muito tempo. Desde os anos 19.50 já se falava de
:: pode se desenvolver sem estabelecer relações com formas anteriorésO que modo quaseêr6iiIco"aê"theâlrl nouveau", de "new theatre". 1Y1ichel Corvin
" está em questão é apenas O nível, a consciência, o caráter explícito e'o tipo publicou seu livro Le Théãtre nouveau no início dos anos 1960; já em 1966
específico dessa relação. Da mesma maneira, é preclso-dlstínguír entre a re- Genevieve Serreau escreveu uma Histoire du nouveau théãtre, Menos interes-
,', tomada do anterior no novo e a (falsa) aparência de validade contínua ou sante do que a criti~;-~ vaguêüCdo conceito é a refle~;;ªCl. s,qbre sua obstinação:
necessidade das "normas" tradicionais. A afirmação de que o teatro pós-mo- ele testemunha o sentimento de despedidade.a.1g0que é "envelhecido" com
derno "precisade normas clássicas para estabelecer" - por oposição a elas - o recurso à formas que apontam para um futuro, de sorte que têm seu con-
teúdo sobretudonaquilo que projetaram previamente, procurando buscá-lo
mais no horizonte do pensável do que naquilo que levam a cabo como "obra".
11 Aolongo de todoo volume, os títulos de textos e montagens teatrais aparecem emportuguês
(sempre que a tradução é cabível ou possível), seguidos do titulooriginal entre colchetes (a O que sempre conta nas coisas da arte é mais o aberto do que à alcançado,
exceção de obrasclássicas e russas). Ressalte-se porém que em muitoscasosnão se encon- Com razão, Adorno observa que todas as obras de arte significativas per-
trou nenhumareferência em portuguêse o títulooriginal não se prestaa uma transposição manecem a bem dizer apenas "indicações" deobràsde arte bem-sucedidas.
inequívoca, de modo que as traduções desses títulossão meramente aproximativas ou lite- Grandes apresentações teátraís entusiasmam mais como uma promessa do
rais,visandoapenas oferecer ao leitor uma referência possível em nossa língua. Há casos
aindaem queo títuloaparece somente em sua forma original e é comentado em nota. [N.E.]
12 Ver Hans-Thies Lehmann, "Theater der BJicke. Zu Helner Müllers Bildbeschreibung", in 13 Patríce Pavís, "TheClassicàl Heritage of ModernDrama:the Case of PostmodernTheatre".
/ .
34 UlrichProfitlich (org.), Dramatik der DDR. Frankfurtam Maln,1987, pp. 186-202. Modem Drama (Toronto); v. 29, n, 1,1986, p. I.
que como recompensa. Naquiloqueacontece, a experiência estética registra reduz os diversos movimentos vanguardistas à id~ia de um "primitivismo':
a cintilação de "outra coisa'; uma possibilidade que ainda e,stá aberta.conser- subordinando-os a uma idealização do primitivo e do elementare ao retorno
vando utopicamente a condição de algo indeterminadoque se anuncia, de modelos arcaicos, sem refletira radicalmodificação de sentido quetais te-
Não associamos ao conceito do novo nem o pátho's' que elepossui desde mas experimentam na prática estética sob as condições da representação tea-
.o Novum organum de Bacon até a "nova àrte deatuar" de Brecht, nem o tom tral." Vanguarda é um conceito que escapa ao pensamento da modernidade
critico que ressoa no termo "novos filósofos" - que com essa denominação e necessita com urgência de uma revisão. Quer se enalteça a vanguarda, quer
são na verdade denunciados coma não verda'det'iàmente novos ou, no má- se ateste nelaum completo fracasso, a visão a partir do finaldo século xx tem
ximo,como novos por um modismo. E tampouco o ~~sbcjamos à ênfase de de captar o teatro de maneira diferente e independenteda autocompreensão
Adorno segundo qual o "novo" é uma invariante de todo o moderno. o que ou má autocompreensão das artes e das correntes artísticas.
na verdadese-índíca queno assim chamado teatro "experimental" (também
é

uma fórmula que não-~~~ame'nteaeve; tomando-a.forma de elogio, margi- Mainstream e experimento


nalizar mais uma vez o que é marginal) das últimas décadas de fato surgiu
. algo novo, ainda que suas raízes naturalmente retrocedam mais do que até iO teatro pós-dramático é essencialmente (mas não exclusivamente) ligado ao
as revoltas eirrupções dos anos 1960 e 70 (certamente-é preciso evitara falsa "campoteatral experimental e disposto a correr riscos artísticos. No entanto,
avaliação de que/os fenômenos teatrais dos anos 1990 foram provocados di- aind~ que a fronteira entre o t~~t~;' i;con;~ncio~~F;-~-~~na'de "vanguarda"
reta ou indiretamentepelareviravolta políticaem torno de 1989). Esse novum seja em grande medida real, aqui também se encontrarão fenômenos do pri-
é compreendido erii: uma de suas perspectivas de estética teatral mediante o meiro tipo, na medida em que tenham a propriedade de esclarecer o para-
conceitode "pós-dramático". digma pós-dramático. Na ênfase em formas teatrais experimentais não está
Em contextos semelhantes, fala-se também de teatro de vanguarda. Maso implicado um juízo de qualidade: trata-se da análise de uma idéia de teatro
termo "vanguarda" deveser visto com ceticismo, uma vez que, abstraindo-se diferenciado, não da apreciação de empreendimentos artísticos individuais.
de sua conotação bélica, parecedifícilaceitarsuasimplicações de uma Unha..de.__... NO,mainstream também nadam peixes fantásticos: no porão da vanguarda
progressobem definida, com retaguarda, dianteira e uma marcha que parece -'" - .'.--- também se empilha sucata. Ademais, há nas instituições do nova teatro um
avançarem direçãoa essadianteira.Já o ocasionalmente empregado conceito conformismo de vanguarda que pode se mostrar tão inanimado quanto o
de "teatroteatral': abstraindo-se da tautologiapouco agradável, suscitamenos mais morto dos "teatros mortos': no dizer de Peter Brook. De todo modo,
um campo de tensão do que o conceito de teatro pós-dramático, deixando de deveficar claro que na presenteabordagem o teatro do mainstream só vem a
lado o problema colocado por essa definição terminológica. A questão aqui ser comentado em um ou outro caso.
posta é a de que o teatro, cuja essência("teatral") não é garantida de antemão, O nov;~;;C-abulário de formas acabapor ser adotado, mas normalmente
desenvolve-se e modifica-se historicamente e deveser concebido de maneira com considerável atraso e à custado seu efetivo Impulso vital (a função de mu-
nova em uma situaçãoposterior ao drama, ao passoque o conceito de "teatro seudo teatro,legítima em determinadoslimites, não é objetode debate aqui).
teatral" impõe que essa prática artística venha a encontrar tão-somente sua A discussão acerca de teatros de pequeno porte, na maioria das vezes conhe-
essência pretensamente autêntica. O conceito permanece igualmente insa- cidos apenas por um público especializado; e de suas concepções teatrais
.....

tisfatório quando Christopher Innes, em sua abordagem da vanguarda, não


por acaso muito mais orientada para o âmbitoliterário do que para o teatral, 14 Christopher Innes, Avant Garde Theatre 1892-1992. Londres, 1993, P:3· 37
fundamentalmente diferenciadas não significa que nesse âmbito se faça, em Dinamarca, liderado por Kirsten Dehlholm, mencionando ainda uma série
".todós os casos, "arte" mais importante que aquela realizada pelas celebridades de outros teatros escandinavo s, a exemplo do sueco Remate Control Produc -
do mundo teatral.Íôígriíficá que para a descrição da muda nça das formas de tion, dirigido por Michael Laub."
percepção que se realiza no subsolo esses pequenos teatros são mais sintomá- É compreensíve l que a maioria das grandes salas teatrais não sejam ade-
ticos e no fim das contas, por sua influência sobre outros realizadores teatrais, quadas para receber esse tipo de teatro (ant es de ele ter um amplo reconhe-
têm mais repercussão do que a m aioria das produções do.teatro convencio- cimento). Apesar da boa vontade , muitas das pessoas que trabalham nelas
nal, que, dizendo com exagero, segueo lema de que o teatro de maior sucesso são por demai s dependentes de convenções , expectativas de público e exi-
.:· do século xx é o ..teatro do. .sécul~ ~DrlA ~istio e~tre sucesso e efeito deve ser
.. .- ., .. . ' -. : ) ...--'-" ._-" ' .. -'., .. -"- . . , . . . ._-----
gências adminis trativas - ou melhor, burocráticas. Além disso, o p.ensamento
: sempre constatada. Ao mesmo tempo, é preciso reagir à injustiça do esqueci- dos responsáveis nessas instituições costuma estar firmemente ancor ado nas
. : mento que ameaça aqueles teatros que, por motivos materiais, não dispõem tradições do teatro literário falado. Em tempo s de subvenções escassas, eles
· dos meios para uma pu blicidad e dispend iosa e estão sempre na iminêr:cia de .. .• -_ .--: . - '. " - podem conviver menos ainda com os riscos que um teatro há muito tempo
apresentar um tempo de vida curt o. '" -:'exp~imental ' (portanto movido por temas genuinamente artísticos) implica.
É sempre bom ressaltar: na arte, as~im na ciência, o caminho da experimen-
Risco tação passa po r tentativas fracassadas, err os, desvios, O teatr~_~E::.inl~n.tal..
rião é desafortunadamente e por vezes, mas legitimamente e com muita ~re­
Trata-se aqui de teatro especialmente arriscado; porque rom pe com muitas qüêncía um teatro despropositado.~uas n~~idâdes hão têm.de ser plausíveis
.conven ções. Os textos não corr espondem às expectativas com as quais as pes- de imedi ato, seus resultados podemficar aqué m das expectativas do ponto de

~oas;;;t~'~am encarar t~~toscir~~áticos. Muitas
• • ~ • • ~ ~ ~... ' • •• • _ 0 •• • _ .•
vezes
{difícil até mesmo
~ f
vista da realização prát ica, seu potencial inovador pode ~e :evidenciar pouco,
descobrir um sentido, um significado coerente da representação . AS'Ímagens pelo rÜenos~'p;i~~ipio: --
não são ilustr ações de um a fábula. Há ainda um obscurec imento das fron - ('Nesse sentido, sobretudo nos anos 1980 e 90, diversas instituições euro -
teiras entre os gêneros: dança e pantomima, teatromnsíeale falado se asso- péias tiveram-o mtd~~ de promove r uma arte teatral que, por meio da coo-
ciam, concerto e peça teatral são unificados par a produzir concertos cênicos peração e do engajamento c'õraJClso e õbstina do de cert o§.,a.rtistas, estabeleceu
e assim por diante, Resulta disso uma paisagem teatral múltipla e nova, ~ a base pa ra o progress~.C!~, ~s.t~tica teatral, mesm o' que seus trab alhos não te-
a qual as regras gerais ainda não foram encontradas. Esse teatro surge mui- nham' al~~rtçado u-;;~ucesso retllmbant~Organizadores' de festivais ligados
em
"ta~-~;~~; '~~ 'form~ de projetos 'que um dir~tor ou grupo convida artistas a ~ssas instituiçÕ~he dispuseram a corr;; riscos ao ofereceroportunidades a
de diversos tipos (danç arino s, artist as 'gráficos, m úsicos, atores, arquitetos) jovens grupos e artístaâao lado dos já consagrados. Pode-se mencionar como
para realizar juntos um determinado proj eto (às vezes também uma série casos representativos.a Kampnagelfabrik em Hamburgo, a Szene Salzburg. e
de projetos). Daí a denominação "teatro de projeto" Esse trabalho teatral é o Festival de Viena (que ~oladó do programa pr incipa l promove teatro 'de
essencialmente experimental, persistindo na busca de novas combinações vanguarda sob a designação "Bíg Motion") ou o festival Mundi al de Teatro
, I
ou junções de modos de trabalho, instituições, lugares, estru turas e pessoas.
\
Knut Ove Arntzen descreve como o teatro .de projeto também se estabeleceu 15 Knut Ove Arntzen, "A Visual Kind of'Dramaturgy: ProjectTheatre In Scandlnavla" in Clau-
fora deis centros conhecidos na Escandinávia, primeiro no Billedstofteater de Schumacher e DerekFogg (orgs.), SmaJl is Beautiful. Small COuntriesTheatreConference. .
de Copenhague, que durou de 1977 a 1986, e depois no Hotel PrO Forma da Glasgow, 1990, pp. 43~48. . '

" I
em Nancy. Museus e centros de arte também desempenharam e desempe- :,::. o Mickerytheater e seu fundador e diretor Ritsaert ten Cate: Inaugurado em
nham um pàpel importante em prol da prática artística que rompe frontei- rr 196 5 numa propriedade rural reaproveitada perto de Amsterdã e transferido
ras, a exemplo de uma fundação como a De Appel em Amsterdã, criadaem para essa cidade em 1972, o Míckerytheater apresentou praticamente toda a
1975 por Wles Smals, que inúmeras vezes viabilizou projetos de artistas na vanguardanorte-amerlcana e européia entre 1975 e 1991, criando assim um
-fronteiraentre artes plásticas, performance e-teatro, como Ulay [Frank Uwe potencialde percepçãosem o qual não se pode pensar a teoria e a práticado
LaysiepenJ, Rebecca Horn e outros. . t~~t~; ·~~p~ri~e~tal. Ao mesmo tempo, possibilitou algo como a formação
Diversas Instltuições na Dinamarca, Norúega:'PiRlândiae Suécia, mas ci~uma tradição do novo teatro. Apresentaram-se no Mickery, entre outros,
também noLeste Europeu, ousaram opor ao teatro do ;nài-nstream um perfil Spalding Gray, [an Fabre e os grupos Falso Movimento, Needcornpany, La
próprio - apesar ou justamente em razão .deatuarem à margem -- e se tor- Mama, People Show e Wooster Group, Após o final de seu trabalho para o
naram l~êais' em.que .s_epodia mostrar um teatro original, marginalizado Mickery, nos anos 1990, Ri~~~e!t tenCate, que em mais de 25 anos de ativi-
nas metrópoles,culturais.'Ma;-fois65refúdo na Aleman.ha, na Áustria, na dade incansável tornou-se uma referência para o teatro não-convencional e
Bélgica e na Holanda que teatros dispostos a se arriscar firmaram acordos uma figura norteadóra para pessoas de teatro em toda a Europa, deu vida à
de co-produções regulares, ás quais representam um importante fator finan- escola det~~tro experimentalDasartsem Amsterdã, um centro no qual artís-
/ .-
ceiro e propiciam levar o trabalho' teatral aO, conhecímento ·de um público tas de vários paísesse encontram e trocam idéiassobre projetos e sobreseus
r
europeu mais extenso. Trata-se, entre outros, do Kaait~~~~r em Bruxelas, pensamentos em uma atmosfera livre.
do Shaffy 'Iheater em Amsterdã, do Hebbel-Theate~Berliin, do T;-;-de
Frankfurt e, e~l-;~~slnais recentes, do Frankfurter Künstlerhaus Mouson-
'. ' .
turm e do Berliner Podewil.:.Essas instituições foram e são indispensáveis
para a nova arte teatral. Elasdivulgaram numerosos artistas e grupos que só
foram reconhecidos posteriormente, bem como criaram a oportunidade de
que se estabelecessem em torno dessetipo de teatro um público e um'campo.
de discussão que, em conexão com academias, universidades e revistas, cul-
tivaram o solo fértil de que a cultura teatral precisa. Incluem-se aí extraor-
di'nários diretores de teatros, a exemplo de Nele Hertling em Berlim, Hugo
de Greef em Bruxelas e Tom Stromberg em Frankfurt, aos quais a nova pai-
sagem teatral deve agradecer - não apenas por causa das produções de risco
diretamente possibilitadas por eles, mas também pelo encorajamento que
esse trabalho teatral significapara artistas jovens que, sem a perspectiva ou
mesmo a esperança de poder trabalhar em tais institutos, talvez não tives-
sem investido seus talentos no campo do teatro (cinemae mídias constituem
as alternativas lucrativas).
Nesse contexto, cabe fazer uma menção especial a uma pessoa e a um tea-
tro que podem ser considerados os precursores das instit'lJ-ições'mencionadas: 41
40
....
......

Drama e teatro

.'-"- .. - .. -.. _~-

Epicízação - Peter Szondí, Roland Barthes.


.... _-- ...

O teatro dos modernos já negava o modelo tradic~nal do drama em


.,/."
I aspectos essenciais. A pergunta que se colocava então.era.p que entra
em seu l~g~~?A clá;~i'~a;~~p'õ~ta-de-Peter Szondí c~nsiste em considerar
as no,:,as formas de texto que se seguiram à "crise do drama", descritas
pôr ele-como Vatitslades de uma "epícízação'; e com.isso fazer do tea-
tro épico uma espéci~-d'~- ch-ave mesÜã-·pã-ra··-os-dese.uyglvimentos ~itis
recentes. E$sa resposta nãa.é maís.suficíente. 'ÍJiaI~te da~-~"oVàq tendên-
cias-d~;ti1àtic~~ desde 1880, que o autor pensa comodialétíca deforma
e conteúdo, a drástlca Teoria. dó drama moderno contrapõeao modelo
'.- ",' "

do "drama puro".de tipo ideal uma tendência oposta muito determinada.


Quase sem argumentação, recorrendo apenasàs clássicas oposições en-
tre representação épicae -draií'J.átic~~m Goethe e Schiller, Szondi afirma
logo de início: ' ,'" '. ---.._-.
, I

.....-. '\ '\.

C6,ino a evolução da'\dra~_at~.rgIa mcderrra se afasta do próprio drama, o seu


exaj11e não_pode-pass'ãrSêm, um c~nceito contrário, É corno ta! que aparece o
termo "épico": ele' designa umtraço estrutural comum daepopéia, do conto, do
i I
" ,
romance e de outros gêneros, ou.seja, a presença'do quese tem denominado o dutívldade serníol ógíca, uma peculiar cegueira. Justamente toda a linhagem
"sujeito da' forma épica" ou o "eu épico"! desse novo teatro, que conduzia de Artaud e Grotowski ao Living Theatre e a
" Robert Wilson, não era "vista"por Barthes, embora suas reflexões semi6ticas
Essacontraposição-l~esttinge a visão de muitas dimensões do desenvolvimento sobre a imagem,o "sentido gasto", a voz etc.sejam de grande valorjustamente
.do teatro consideráveis desde então. Pata a vâHc!<l:de quase sem impedimentos para a descrição desse nova teatro. Brecht tornou-se para ele um bloqueio.
da concepção do épico como uma seqüência do dramático contribui Como Seria possível dizer: a e ~tétic a brechtiana representava para Barthes, de modo
um fator essencial a autoridade de Brecht, capaz d'e'00
scar tudo à sua volta. demasiadamente abrangente e absoluto, o modelo de um teatro da distância
Há muito tempo essa autoridade tornou sua obra um êi'ucial pólo de orien- íntima. o fato de que podia haver estratégias Inteiramente diferentes para su-
a
tação para consideração ·da estética teatral mais recente - umacírcunst ân- perar a ingenuidade da ilusão da realidade, da introspecção psicológica e do
da que, juntocomtudo ,?e.pr:>dutivo que trouxe consig~, trouxe também pensamento alheio à sociedadese ofuscava sob essa luz tão refulgente, Após
autênticos bloqueios de percepção e-u.'m: c órísentimento apressado em torno Brecht surgiram o ,teatro do absurdo, o' teatro.da cenografia, a peça falada, a
daquilo que entendemos por teatro "moderno" )
dramaturgtavlsual.o-teatro de situação, o teatr ó concreto e outras formas
Também é elucidativo o caso de Roland Barthes, que entre 1953 e 1960 se que constituem o tema deste livro. A análise dessasformas f1~0 pode ser com-
dedicou Intensivamente ao teatro.Ele"mesmo -atuou"em um grupo teatral es- preendÍda com o vocabulário do "épico". .
/
tudantil (como Dárío em Ospersas) e fundou, junto com Bernard Dort, a im-
portante revist~?!:~âtre Populaire. Seus escritos teóricos são profundamente Alheamento de teatro e drama
marcados pelo modelo "teatro"; Barthes seguidamente recorre a topoi do tea-
tro, como cena, representação, mimese etc. Seus artigos sobre'Brecht - após Szondi - como uma tentativa já em Teoria. do drama moderno e de maneira
uma montagem do Berliner Ensembleque marcou 'época na França,em 1954- mais incisivaem estudos posteriores sobre o drama lírico - ampliou seu diag-
ainda hoje merecem ser lidos. Barthes foi tão afetado por essa experiência nóstico e complementou a interpretação unilateral da metamorfose do drama
que depois disso não queria mais escrever sobre nenhum outro tipo deteatro-.__ ._ como epícízação. Mas ainda assim todo um complexo de preconceitos obstrui
Após a "iluminação"por meio do teatro de Brecht,elenão via'nenhum prazer o conhecimento daquele processo de mudança do qual fenômenos como a
e~ qualquer outro teatro que não tivesse a mesma perfeição. Barthes havia tendência à epiciza ção e o próprio drama líricos são apenas momentos - .
crescido, nos anos 1920, com o teatro do assim chamado "Cartel" (louvet, Pio à saber,a mudança que alheou teatroedrama um dooutro e os afastou cada vez
tcêff Baty, Dullín), do qual ressaltou retrospectivamente a qualidade de uma mais. O processo de decomposição do drama no campo do texto, que é deli-
"clareza apaixonada" Para ele, já naquele per íodo isso era maisImportante do neado por Szondi, corresponde ao desenvolvimento em direção a um teatro .
que a emocionalidade do teatro. A concentração na racionalidade, a distân- que não maisse baseia de modo algum no "drama': seja ele (nas caracteriza-
cia brechtiana entre o mostrar e o mostrado, o representado e o processo de ções da teoria do drama) aberto ou fechado, de tipo piramidal ou como um
representação, o significante e o significado, acarretavam, junto com sua pro- carrossel, épico ou lírico, mais centrado no caráter ou fiaação. Há teatro sem
drama. A questão que se põe com o novo desenvolvimento do teatro é saber
Pet er Szondi, Theorle des modernen Dramas 1880-1950. l8' ed, Frankfurt arn Maln, 1987,
de quemodo e com queconseqüências a idéia' do teatro como represe~taçã6 -de
p. l3_ [Aqui. na tradução de Luiz Sérgio Repa em Teoria do drama moderno. São Paulo: um cosmos fictfcio foi efetivamente rompida ou mesmo ab andon~da - um
Cosac Nalfy, 20 01. p. 27.] , cosmos cujo encerramento foi assegurado pelo drama e pela estética teatral a 47
ele correspondente. É certo que para seus apreciadores o teatro da moderni- contém diálogo algum), a "ausência de nexo do diálogo" no teatro do absurdo
dade-era uma instituição em que o texto dramático representava apenas uma e as dimensões míticas e rituais da visão teatral de Artaud. A desagregação
parte, e com freqüência não a 'mais importante, da vivência que eles busca- do diálogo nos textos de Heiner Müller, a forma de um "discurso polífóníco"
vam. No entanto, em todos os efeitos da montagem voltados para o diverti- no Kaspar de Handke ou a fala dirigida diretamente ao público ("afronta ao
mento permaneciam como elementos estruturantes os que eram indicados público") valem para Wirth como "um novo modelo de teatro épico". Elecom-
no texto: a ação, os personagens oudramatis personae e a história, contada preende a linha Brecht-Artaud-teatro do absurdo-Foreman-Wilson como o
preponderantemente em diálogos ágeis.YEsses elementos foram associados à "surgimento de umidioma quase internacional no drama do presente'; como
palavra-chave "drama"e marcaram não sÓ a teoria mas também a expectativa "discurso dramático" no qual se chegaa uma redefinição do ator, que é usado
em relação ao teatr~' Daí as dificuldades que uma grande parte do público pelo diretor da encenação como uma "tecla na 'máquina de comunicação tea-
tradicional experimenta com o teatro pós-dramático, que se apresenta como tro": '~ a'p,~~e.e~,e., 'mo.delaridade' do teatro", afirma Wirth, "éradicalmenteépica.
um ponto de encontro das artes e assim desenvolve - e exige- um potencial N~ª-~,e.t~atro sem diálogo tão-somente tem-se a impressão de que as figuras cê-
de percepção que se distingue do paradigma dramático (e da literatura em nicas falam, Seria mais correto dizer que elas são faladas pelo autor do roteiro
geral). Não é de admirar que os apreciadores de outras artes (dança, música, cênico ou que o público empresta a elasSua voz interior".'
artes plásticas...) geralmente se interessem mais por esse teatro do que os fre- -"E';S;;imp~I~~s a~~nt la lettre são importantes para a compreensão do tea-
qüentadores comprometidos com um teatro literário e narrativo. tro dos anos 1980 e 1990, que preservaram muito de sua profundidade, Não
se pode porém permanecer nesse ponto, mesmo porqueWírth só esboçou
Discurso dramático,
d~ modo restrito sua concepção, na forma de uma tese. iY principio, o mo-
delo do discurso C:9l11-!l_ªl1alid.ade de P,o~to de ~ista e ponto de fuga,- aqui o
É sobretudo por motivos terminológicos que não se fala aqui, comf..n:a~zej
o
todo-poderoso diretor da encenação e ali observador solipsista - conserva
Wirth, de "discurso dramático'; embora haja uma concordância mâis ampla o modelo de ordenamento clássico das perspectivas que era característico do
com suas observações esclarecedoras.! Ele enfatiza qué'ó'teatfô' se transfor-
drama, Mas Opo1íl0gQ-G(risteva) do novo teatro freqüentemente se liberta
mou como que em um instrumel;to com o qual o "autor" (diretor) dirige "seu" de tal ordenamento centrado e~' ~m"12;gos;'C1iegã-'se 'a'uma, disposição de
discurso diretamente ao público.' O ponto culminante da abordagemde Wirth espaços desentido e ressonância que, sendo aberta a vários llSOS possíveis, não
.' é a concepção de que o modelo'da "alocução" se torna uma estrutura funda- pode mãisse~'àtril::uída sem mais a um só organizador ou órganon (índíví-
<::' mental do drama e toma o lugar do diálogo de conversaçã~ão é mais o palco dual ou coletivo). T;âtu,se muito mais da presença autêntica dos atores indí-
" '
que funciona como "espaço da fala" mas o teatro em geral.De fato, com issose viduaís, que não aparecem'tomo meros portadores de uma intenção exterior
indicam urna mudança fundamental e uma estrutura nà agudezaque é própria, a eles - seja ela proveniente do texto ou do diretor da encenação. Antes, os,'
por exemplo, ao teatro de Robert Wilson,RichardForeman ~ outros expoentes atores desenvolvem em umadelimitação previamente dada umalógica cor-
da vanguarda teatral norte-americana. Segundo Wirth, são decisivas para esse poral própria: impulsos latentes, dinâmica energétic~d-;;'éorpo e do sistema
desenvolvimento a epicização brechtiana (cujo modelo das "cenas de rua" não motor. Por isso é prOblem~ti~~ vê-los co!U~ agentes de Um discurso do dire-
tor teatral que permanece exterior a eles. (E diferente quando, nos textos de
2 Andrzej Wirth, "Vom Díalog zum Diskurs, Versuch einer Synthescder nach-brechtschen
Theaterkonzepte" Theater Heute, janeiro de 1980, pp. 16-19. Ibíd.
49
Heiner Müller, são concebidos falantes que, na ausência de designação indi- por meio da participação equivalente de elementos verbais e cinéticos (gesto) e
vidual específica, devem ser entendidos como "portadores de uindisc~rso".) não tem umanatureza meramente literária."
Para o diretor clássico, é válido que ele faça os ~tóres falare;n o "seu"discurso,
tanto mais o do autor que ele tem em mãos, e ~.esse.modo se comunique com Mas será que os impulsos aqui mencionados vêm realmente do teatro de
seu público. A crítica de Artaud ao teatro burguês tradicional se centrava Brecht? Não viriam em igual medida da contestação desse teatro? Não será o
justamente nesse ponto: o ator é apenas um agente do diretor, que por sua gesto, compreendido de.maneira tão geral, o cerne da atuação em todo teatro?
vez apenas "repete" aquilo que foi previamente ~scrità'Relo aut~r. Eo autor já E será possível descolar as invenções "operativas" de Brecht, sem uma pro-
está ele próprio comprometido com uma representa çãc.Íôgo uma repetição, funda releitura de seus textos, das convençõesainda pressupostas do teatro de
do mundo.Era com esse teatro da lógica da-reduplícação que Àrtaud queria fábula com o qual o novo teatro rompeu? Com essas perguntas,a teoria de um
acabar.De certo modo-o teatropós-dram ãtíco é conseqüência disso:elequer teatro pós-dramáticopode serligada às ~sclarecedoras considerações de Wirth
que o palco seja origem e ponto de p-~tidã;·.õ:ão olugar-de uma cópia. sobre a herança brechtiana no novo teatro.
Dessa forma, no novo teatro só se poderia falar de um discurso dos cria- O que Bredit ~êaliiou não pode mais ser entendido como contraponto
dores teatrais se se compreendesse "dis-currere" literalmente, como correr revolucionário à tradição, A partir da perspectiva do desenvolvimento mais
para várfos lados. Parece,antes, que justamente a perda da instância original recente,fica cada vez mais claro que na teoria do teatro épicohavia uma reno-
de um discurso, ém conjunção com a pluralização das instâncias de emissão vação e um aperjeiçoamento da dramatuigia clássica. Na teoria de Brecht se
sobre o palco, COllC\1:1Z a um novo modo de percepção. O modelo da "alocu- aloja uma tese extremamente tradicionalista: o enredo continuou sendo para
ção" careceportanto de uma especificação para corresponder às novas formas ele o alfa e ómega do teatro:.Ocorre que partir 'do enredo não se pode com-
teatrais. Do ponto de vista terminológico, ele também conduz ao equivoco de preender a parte decisiva do novo teatro dos anos 1960 até os anos 1990 , nem
se prender ao conceito de drama a tal ponto que se fala, como pólo oposto, mesmo a forma textual assumida pela literatura teatral (Beckett, Handke,
em diálogo do "discurso dram ático". Trata-se de um distanciamento muito Strauss, Müller.»). O teatro pós-dramático é um teatro p ôs-brechtíano. Eleestá
mais abrangente do teatro em relação a toda a configuração dramátíco-díalé- __. situado em um espaço aberto pelas questões brechtianas sobre a presença e a
gica em geral. Com isso, ademais, o teatro pós-dramático só é "radicalmente consciência dó processo de representação no que é representado e sobre uma
éRÍCo" em um âmbito muito restrito. nova "arte de assistir". Ao mesmo tempo, ele deixapara trás o estilopolítico, a
tendência à dogmatização e a ênfasedo racional no teatro brechtiano,posicio-
Teatro após Brecht nando-se em um período posterior à validade autoritária do projeto teatral de
Brecht, Um.~!::arca da complexidade dessas relações é o fato de Robert Wilson
Andrzej Wirth escreve: ter sido compreendido por ninguéin menos que Heiner Müllercomo legítimo
herdeiro de Brecht: "Nesse palco o teatro de marionetes de Kleisttem um es-
Brecht se denominou o Einstein da nova forma dramática. Essa auto-avaliação paço de atuação,a dramaturgia épica de Brechttem uma pista de dança"
nãoé exagerada quando seentende suateoria doteatro épico, quefez época, como
uma invenção extremamente operativa e eficaz. Essa teoria deu umimpulso para
4 Ibld., p. 19.
a decomposição do tradicional diálogo de palco na forma do discurso ou dosoli- 5 Heiner Müller, in Heiner Müller Material. Texte und Kommentarc, ed. Frnnk H õrnlgk. Gõt-
50 lóquio. A teoria deBrecht indica implicitamente quea declamação no teatro surge tingen, 1989, p. 50. 51
A tensão tensiona? A demanda de ação, entretenimento, distração esuspense constantemente se
vale das regras estéticas da concepção tradicional de drama, mesmo que de
o teatro e o drama são tão estreitamente relacionados, tornando-se quase modo subjacente, e avalia com essa mesma medida um teatro que recusa explí-
idênticos na consciência (inclusive de muitos teóricos do teatro), como um ,,citamente tais requisitos. Sobre as aldeias - poema dramático [Übel' dieDôtfer.
,

par que não se desgruda, por assim dizer, que toda transformação radical do Dramatisches Gedicht) , de Peter Handke, foi montado pela primeira vez em
teatro sofre a resistência obstinada da 'concepção de drama como latentenoção 1982, em Salzburgo. Aopasso que a crítica desaprovou que no texto de Handke
normativa do teatro. Quando o modo de falar cotidiano identifica drama e não aparecesse nenhum conflito trágico-dionisíaco - "uma peça mais para lei-
teatro (ao sair do teatro o espectador afirma que gostou da "peça" quando na tura tranqüilizante" - , elogiou que sua encenação por Niels-Peter Rudolph em
verdade se refere à montagem, e de todo modo não há uma distinção clara Hamburgo tivesse revelado naquele texto um "drama cativante". Ora, a qualí-
entre ambas), no fundo não está distante de grande parte da crítica e da li- dade da montagem feita em Hamburgo (só conheço essa) consistia muitomais
teratura especializada. Pois também nelas, pelo uso das palavras e por u~1a nos ritmos diferenciados que a grande forma pretendida por Handke deveria
equivalência implícita ou mesmo manifesta do teatro com o drama montado, c~~õr'tar. Em todo caso, a questão para o autor certamente não era escrever
a pressuposição de uma tendência de identificação das duas instâncias - afi- um "drama cativante". É significativo que numa abordagem teórica desse caso o
nal de contas falsa - é consagrada e inadvertidamente convertida em uma , critério em questão seja considerado como algo evidentemente válido e perma-
~.:
norma. Com isso excluem-se realidades declsívasdoteatro, e não só do'atual. neça sem contesta ção." No critério da "tensão" sobrevive a concepção clássica
A tragédia antiga, os dramas de Racine e a dramaturgia visual de Robert Wil- do drama, ou mais precisamente um determinado ingrediente- dela, Exposição,
son são formas do teatro. No entanto, é possível dizer que a primeira forma, intensificação,peripécia, catástrofe: por mais antiquado que issosoe, é o que se
tomando-se por base a compreensão moderna do drama, é pré-dramática, espera do entretenimento do enredo no cinema e no teatro. i
que as peças de Racine são sem dúvida teatro dramático e que as "óperas" de O fato de q~ê 'a"estética'dassicã - nãõs ó do teatro - reconhecia a idéia,
Wilson devem ser chamadas de pós-dramáticas. Se o que se tem; ~vidente­ da tensão não deve ser confundido com o ideal da tensão na época das artes
mente, já não é apenas ruptura da ilusão dramáticâ' oúdistanciamento epi- de entretenimento de massa, profundamente naturalistas apesar das tecnolo-
cizante, se para produzir "teatro" não há necessidade nem da ação, nem das gias simulatórias. Nes-;Óltlmo'cãs'õ nãos e tratade-nada além do "conteúdo";
dramatis personae configuradas 'plasticamente, nem de uma colisão de valo- no primeiro, trata-se de uma lógica de tensão .e desenlace. d~t~'jlsãà'em um
res dramático-dialética, nem mesmo de figuras identificáveis - e tudo isso é sentido JhusiCal, arquitet ônico, compositivo de urna maneira geral (CO~10 se
demonstrado de modo suficiente pelo novo teatro -, então resta tão pouca fala na pintur a de tensão da imagem). Já no caso do novo teatro ~ complexo.
substância em umtconceíto de drama de tal modo diluído, preso ainda a tan- conceitual "drama/ tensão" leva a julgamentos que são prejulgarnentos. Pois
tas diferenciações.queele perde seu ~lor para o conhecimento. Ele não,-_
,
mais.- .. os textos e os procedimentos de encenação são percebidos segundo o modelo .
resolvea tarefa da concepção teórica de aguçar a percepção; antes, obstrui o da ação dramátiça tensa, de medo q ue ficam quase que forçosamente em se:
co~i;~~i~';nto tanto do teatro quanto do texto teatral. gundo plano as condi ções de percepção teatral especlficas, ou s~ja, ás quall-
t ,
":Entre os motivos externos pelos quais ainda é preciso, apesar de tudo, con-
\
siderar o novo teatro em relação e em contraposição à categoria "drama" está
6 PaulStefaneck, "Lesedrama? Überlegungen zur szeníschenTransforrnatlou 'bühnenfremd~r'
a tendência da crítica jornalística de, ao julgar o teatro, operar com' um crité- Dramaturgie" in Érika Fische~r~Ü~ht~ (org.), DasDrama IlIId seine Inszenierung. Tüblngen,
• I
52 rio normativo dominado pela polaridade de valores "dramátíco't-t'entediante" 1985, pp. 133-45. . ' 53
" ,
..:...1
' \ •• •• o •• • •

dades estéticas do' teatro como.teatro: o presente domo um acontecimento, a cotidiano dapalavra praticamente inexiste referência àquele modelo funda- :
semiótica pr6p'ria dos corpos, gestos movimentos' do i~~érprete, as est~uturas
e mental do drama que Hegeldesignou com o conceitode "colisão dramática" e
compositivas e formais da linguagem COmo paisagem sonora, as qualidades que de certo modo se encontra no centro de quase todas as teorias do drama.
plásticas do visual para além da ilustração, o decurso musical e rítmico com Nesse sentido, drama é o conflito entre atitudes representadas por pessoas,
seu tempo própr io etc. Contudo, em muÚost~~baihos 'teatrais do presente e no qual o personagem dramático é tomado por um pâthos fundamentado ·
de modo algum apenas nos casos extremos,essesfatores (a forma) constituem objetivamente, isto é, tenta de modo arrebatado e arriscado validar e con-
justamente os recursos principais, e não, digamos, ~~ro~. meios~tiliiados para quistar posições éticas. Esse modelo do antagonismo dramático quase não
ilustrar uma ação carregada de tensão. . ...., < . tem validade no 1JSO cotidiano da linguagem. Também se chama'de "drama"
uma situação em que se procura um animal doméstico perdido por horas a
"Que drama! " '" . _,_o _ 0
0
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_ .

fio, sem que haja quaisquer oposições, reações hostis etc. Sem dúvida, a sen-
--.. .. sibilidade da linguagem associa às palavras "drama" e "dramático" sobretudo
Também a linguagem corrente cria expectativas pelas quais a recepção se uma atmosfera.uniãjntensídade da excitação, do temor e da incerteza, mais
pauta. As palavras "drama"e "dramático"são usadas em diversasformulações. do que uma determinada estrutura de acontecimentos. + ~
"Isso foi um drama!': diz-se a resp~i'tó de uma siliiâçao"óli Um contexto de ,/

acontecimentos da vida cotidiana que foi extraordinário e cheio de excitação. Teatro formalista e imitação .
Acontecimentoe.comoção são conotações da palavra: "O seqüestro dramático
teve um fim sem derramamento de sangue': diz o locutor de notícias.Ele quer Diante de quadros de Iackson Pollock, Barnett Newman ou Cy Twornbly,
dizer: por muito tempo o desfecho dos acontecimentos foi incerto, havendo . qualquer observador compreende que não se pode falar aqui de imitação de
uma tensão "dramática" em torno do decurso posterior e do final. É isso que uma realidade preexistente. Por certo,fizeram-se formulações arriscadas - no
significa o epfteto "dramático" acrescentado a um acontecimento, uma ação século XVIII, por exemplo - para resgatar o princípio da imitação mesmo na
ou um procedimento. Quando uma mãe, a respeito do grande sofrimento -c, ... . . música, compreendendo-a como mimese de afetos; teóricos marxistas, por
do filho que não .teve permissão para ir ao cinema; relata que "foi quase um sua vez, tentaram resgatar o princípio do reflexo [Widerspiegelul1g] em face
drama', à palavra se distancia do incidente e paira com ironia sobre o motivo da pintura não-objetiva. Mas afetos ou estados de espírito não são pictóricos
insignificante, mas ainda assim se encontra uma efetiva semelhança com o nem sonoros;a relação dos produtos estéticos com eles é mais complexa: uma
drama: sofrimento, ao menos decepção, assim como - provavelmente bas- espécie de "alusão". \E a pintura, que pelo menos desde o início da moderni-
tante expressiva - manifestação dos sentimentos como reação à recusa. dade mal.<L~:!. saber de figurativismo, certamente deve ser compreendida
Duas coisas distintas sobressaem no uso cotidiano da linguagem. Em como uma estruturação própria e nova: gestos e ínervações em movimento
primeiro lugar, ele se concentra no lado sério da encenação dramática, cujo que se evidenciam e se fixam; afirmação que reivindica realidade própria; ves- .
modelo fica em segundo plano. Diz-se que uma coisa é "dramática" com re- tlgio que não é,menos concreto e real do que uma mancha de sangue ou uma . ::;. .
ferência a uma situação séria. Não se fala em drama acerca de complicações parede rec érn-píntadàNesses casos, a experiência estética requer - e possi-
cômicas na vida real (o que possivelmente se baseia no emprego corrente o
bilita - prazer reflexivo-clã olh;r:-a-vfv êhci~";;~~;~i; ~t;'d'~' u;;;~'p'~r~~ição
da palavra "drame" ou "drama", desde o século XYIII,COm referência a um visual p~~;~~ p~~~nã!ite corno tal- independente do reconheci;nento de
54 espetáculo burguês sério). Por outro lado, é interessante-obsêrvar que no uso realidades reproduzidas; 55
Ao passo que essa mudança de foco nas artes plásticas pode ser toma da comportamento humano, realidade etc. Esta semp re é pressuposta como ori-
como algo estabelecido há . mu~to tem po, é eviden temente mais difícil que ginal em relação à duplicação do teatro , Fixada no esquema de pensamento
diante da "ação" e da presença de ator es humanos no palco a atenção recaia "açãc/lmltação" a visão se desloca da textura do drama escrito, assim corno
sobre a realidade e a legitimi dade do fator abstrato .No teatro, a relação com o daquilo que se mostra aos sentidos como ação cênica, para se assegura r tão-
comp ortamen to humano "real" parece ser direta demais. Dal que a "ação abs- some nte do que é repres entado : do "conteúdo" (recebido), da significação, do
trata" deva valer aqui apenas como um "extremo"?- por conseguinte, como sentido enfim.
um fator que no final das con tas é insignificante para a determinação do te- Ao passo que, por boas razões, nenhum a poé tica do dr am a aind a terá re-
atro. Mas o teatro dos anos 1980, no mais tardar, terá impos to a noção, para nunciado à concepção da ação como objeto da mírnese, a realidade do novo
dizê-lo com termos de Michael Kírby, de uma "ação abstrata", de um "teatro teatro tem início justamente com a extinção dessa trin dade de dram a, ação e
formalista" no qual ? pro cesso real daatuação toma o lugar do "esp'~.~~~ulo imitação, na qual norm almente o teatro é sacrificado ao drama, o dr ama ao
mirnétíco" ~ noçã~ d~que Ul~l teat;~ com textoslíricos, em que não se ilustra que.! ~,~amatizado e, por fim, o que é dramatizado - o real em sua progres-
quase nenhuma ou nenhuma ação, n ão mais constitui um "extremo", mas siva subtração - ao seu conceito. Enquanto não nos libertarm os desse modelo,
uma dimensão essencial da nova realidade teatraL Essa dimensão resulta de uma jama is poderemos conceber aquilo que recon hecem os e sentimos na vida
intenção muito diversa daquela de ser um simulacro, por mais refinado, poe - corno algo intensamen te moldado pela arte - po r um modo de ver, de sent ir e
tizado ou forma do ar tisticamente que seja, uma duplicação de outra reali- de pensar, por um "modo de querer dizer" que é gerado somente por ela. Para
dade. Tal deslocamen to das fronteiras que permeiam o campo remove o drama tant o, basta considerar que a form ulação estética em geral; atravessando as'
orientado para a ação do centro estético do teatro - ainda que com isso, evi- tramas conceituais, inventa imagens de percepção e diversas esferas de afetos
dentemente, não o remova do seu centro institucional. ou senti mentos, as quais, po rtanto, não existem fora de .s~a. representação
/

/
artística em textci; som~-quadro óu Cena. Aquilo que um ouvin te percebe em
Mimese da ação uma sinfonia de Beethoven como musicalmente inerente a gestos afetivos
(assim chamados) obstina dos, rebeldes ou triu~fais - nada disso existia fora
A Poética de Aristóteles encaixa imitação e ação na con hecida fórmula se- desse específico qi~;i~'r" 'icl1àaõ" estético de organlzações sonoras. A sen-
gundo a qual a trag édia seria' a imitação de ações hu manas ("mimesis pra- sibilidade. hum ana imita a arte.assimcomo
.;. .
a arte imita..-a vida, Victor.Turn
. - "-.. . .
er
xeos") . A palavra "drama" vem do term o grego "ôpav': que significa "fazer" chegou à importante disti nção entre o "drama social" que ocorre na reali-
. "agir". Quando se pensa o teatro como drama e como imitação, naturalmente a dade social; e aquÚõ'q1,le chamo u de "drama estético': sobre tudo para torna r.
ação se estabelece como autêntico objeto e cerne dessa imitação. De fato, até o compr eensível -que este c'espelha" estru turas ocultas do primeiro. Con tudo,
surgim ento do cinema nenhuma outra prática artíst ica podia monopolizar de enfatizou que a formulação estética dos conflitos sociais também engendra
modo tão plausível quanto o teatro esta dimensão: a imitação rnírnétíca (re- modelos de sua percepção .e em parte é responsável pela rituallzação da vida"
presentada por atores reais) de ações humanas. Justamente a fixação na ação social r~~ .g~e. o drama configurado esteticamente produ zmundos de imagens,
parece implicar, com cert a imper atividade, que a estrutura estética do teatro .f9.~E~~Y.9..I~Sª2·Ú?~~ãdJgfijas ideológicosque o!d~·;~a.r:r! a. , o rganh:âção- eã
. percepçãod trsocíal" '~ i" _- _;-_. . ..
seja pensada como uma variável depe nden te de uma outra realidade - vida,
. _ 0' .~ - .. . ., .. .
.. . I
7 Marti n Esslin, An Alla lomy ofDrama . 3' ed. Nova York, 1979. (l. 14... 8 Victor Turner, 011 lhe Bdge ofthe Bush, Arizo na. 1985. pp. 300 ss, 57
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. . ...
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Teatro energético tíva, no sentido do mimetismo de Reger Caillois - do que com a mimese no
sentido estrito de imitação.
Jean-François Lyotard recorre a um belo e~érriplode [Hans] Bellmer, no Tanto os "signos de fogo" de Artaud quanto a rnimese de Adorno incluem
qual o conceito de ilustração se torna um problema: "Tenho terríveis dores o terror e a dor como elementos constitutivos do teatro. Esse fator também
'de.dente. Cerro o punho, as unhas se cravam na palma da mão. puas con- não é estranho à idéia de Lyotard acerca do teatro energéticodas intensidades
centrações de energia. Isso quer dizer que o gesto,da mão representa, ilustra (dor de dente, punho cerrado). MasArtaud e Adorno insistemainda em que a
a dor de dente? O signo é de quê?,:9 Lyotard tala aqui.de uma idéia de teatro convulsão como que se organiza em signo ou, com Adorno, em que a mimese
diferenciada, da qual se deve partir caso se queira pensar um teatro para se realiza por meio de um processo de racionalidade e de construção estéti-
alémdoA~ama, o qual é chamado de "teatro energético". Nãõ seria um tea- cas. Desse modo, numa organização musical ela estabelece sua lógica como
tro do significado;' mas das "for ças, intensidades, afetos em sua presença':10 material sonoro. Uma lógica (previamente) dada: aos signos teatrais (a de uma
Diante dos coros falados de Eina~- s~hi;;(marên:ã-rrd0 em direção ao pú- ação, por exemplo) não seria ilustrada por ela. Uma formulação de Adorno a
blico, por exemplo, quem não vê o "energético" mas procura por signos, por respeito desse fê~a-parece ter peculiar afinidade com o exemplo de Lyotard:
"representação'; encerra o cênico no modelo da cópia, da ação e assim do
"drama'(Essescoros se comportam em relação à realidade mais como os pu- ~ -a{te é tão pouco Ilustração quanto conhecimento de uma objetividade; senão
nhos cerrados e~ relação à dor de dente em Bellmer, Como é evidente, Lyo- .ela seria reduzida àquela duplicação cuja crítica Husserllevou adiante de modo
tard poderia ter.encontrado já em Artaud imagens e conceitos segundo os tãorigoroso no campo do conhecimento dlscursivo. A arte tende a apreender ges-
quais no teatro são possíveis gestos, figurações e encadeamentos que se re- iualmente a realidade, afim de retroceder com ela até o momento do contato. Suas
ferem a um outro elemento de maneira diferente dos "signos" reprodutivos, letras são marcas desse movimento.'!
indicativos ou simbólicos, de modo que acenam ou indicam e ao mesmo
tempo oferecem a si mesmos como efeito de uma correnteza, de uma íner- A partir da análisea seguir se chegaráà conclusão de que o conceito de "teatro
vação, de um furor. o...teatro enérgico estaria para além da. representaçâtr-:o-..
. - ... -_.. - -.
~_ .
p ós-dramático" está próximo do conceito de "teatro energ ético', mas é prefe-
que por certo não significa simplesmente desprovido de representação,
. .. . . . .
mas
' .._-
rível para que não se perca de vista a divergência com a tradição do teatro e
não dominado por sua lógica. Para o teatro pós-dramático seria o caso de com o discurso sobre o teatro, assim como as diversas misturas dos "gestos"
postular uma espécie de doação de signos que Artaud mencionou no final teatrais com os procedimentos da representação.
de "O teatro e a cultura'; .quando ele conclama a "ser como os supliciados
que se queimam e que fazem signos em suas fogueiras': Não é preciso aco- ~ - --

lher a dominante trágica dessa noção, mas com ela se ganha a idéia, deter-
minante para o novo teatro, dos sinais arrebatadores compostos por gestos
corporais e vocais reativos, O que tem mais a ver com o conceito de mimese
de Adorno - que a compreende como uma equivalência pré-conceitual, afe-

9 jean-Françols Lyotard, Affirmative Asthetik. Berlim, 19 82, p. 12.·, 11 Theodor W. Adorno, Asthetische Theorie [1970], in GesammelteSchrlften, v. 7. Frankfurt am .
la Ibld., p. 21. Main, 19 84, p. 425. 59
,
Drama e dialética ,

...-.--..... - - -

Drama, históri a, senti do

Naesté tica clássica, á dialética formal do drama, com suas,lmplícaçõesfilosó-


, . ficas, foi um tema.ct;:nt.rl!1.p.~.a
.
12~J:tipên~ia de verificar aqúi óqüerealrnente
.-...
/
foi abando nadoquando o drama foi abandonado. O drama e a tragédia eram
/
considerados como aconfiguração mais elevada, .ou uma das mais elevadas,.
'-"-.. .-/
da jl1afiifest;ção'do~sPírit~_A~sência dialética do gêner o '(diálogo, conflito, '
solução, alto grau de-abstração d~ for~~-dramátkã;-exi?os1'Çã{)'do.s.1ljeito em
seu car áter conflituoso) permitia-que o drama tive·SS'cru~fpãpeJdesta~do.no
cânone das art;~: C0.(l10
, uma configuração art
. ística 'da processualldade,
. ele
é identificado pura e sinlpl~smente com o movimento dialético de alienação
e supressão [Aujhebung], e lSSLJ até muito recentemente, Assim, a dialética é
, vincula da por Szondi ao gênero do drama e ao trágico . Teóricos marxistas
consideravam o drama como çi'süpr~~sumo da dialéti~~_9,a_história. 'os his-
toriadores constantemente
. recorreram
. "
à metáfora do drama, da tragédia
.
e da
.

comédia para descrever o sefÜ do e aunidade interna dos processQs históri-


cos, Essa tendência é favorecida pelo {ator·objetivo da teatralidade na própria
. -~ ._... ".
história. Assim, sobretudo Revolução Fran cesa, com.suas grandes entradas
ã

em cena, discursos, gestose saídàs de cena consta ntemente foi compreendida 61


1
I
como um espetáculo com conflitos, discursos; papéis heróicos e espectado- à ideal da visão de conjunto (Aristóteles)
res. Contudo, contemplar a história como drama leva q~asequeiilevitave1­
mente à teleologia que confere a esse drama -urna perspectiva de finalidade A Poética de Aristóteles concebe a beleza e o ordenamento da tragédia se-
plena de sentido -reconciliação na estética idealista e progresso histórico na gundo a analogia com a lógica. Assim, são concebidos segundo o padrão do
abordagem histórica marxista. "O drama promete a dialética:'! Alguns dos lógico os termos de que a tragédia tem de ser um "todo" com começo, meio
intelectuais marcados pela plenitude de sentido estético da hístóriá chegaram e fim, ligados à exigência de que a "grandeza" (a extensão temporal) deve
a elaborar a formulação segundo a qual é mesmo.pertinente à história uma
. ' , abranger precisamente o bastante para uma peripécia e a partir daí para a
beleza dramática objetíva.êAutores comoSamue1 Beckett ou Heiner Müller, catástrofe conclusiva. O drama é pensado na Poética como uma estrutura
em contrapartida, evitaram a forma dramática especialmente. por causa de que traz para o caráter desconcertantemente caótico e profuso do ser um
suas implicações histórico-teológicas. ordenamento lógico (ou seja, dramático). Esse ordenamento interno, sus-
Foi diversa~ v~z~;-~bséivãda 'aestreita-ímplicação dedrama e dialética e tentado pelas célebres unidades, isola à estrutura de sentido que o artefato
mais geralmente de drama eabstração. A abstração é inerente ao drama. Goethe da tragédia representa.em relação à realidade exterior e ao mesmo tempo a
e Schiller tinham consciência disso, de modo que colocavam a questão da es- constituino interior como unidade e totalidade sem lacunas. O "todo" da
colha certa~o material (de acordo com a-forma do.drama) no primeiro plano ação.juina ficção teórica, fundamenta o 16gos de uma totalidade na qual
de suas reflexões sobre a distinção entre o drama e a epopéia. Qual matéria é a be(eza é pensada essencialmente como decurso temporal que se torna Con-
apropriada para fazer aparecer a coerência de pensamento do ser interpretado I trolável. Drama significa fluxo temporal controlado, que se pode abranger
sem que um 'dispendioso trabalho acessório de informações sobre assuntos I com a vista. Se a peripécia pode ser mostrada como uma categoria propria-
secundários possa obscurecer a visão das estruturas abstratas do destino, da . I mente lógica, também umadâs idéias mais importantes da Poética, acerca
"colisão trágica'; da dialética no conflito dramático e da reconciliação? Ao con-
iI ~o extraordinário efeito emocional do anagnorisis (reconhecimento), é um
trário dó gesto do poeta épico, que para despertar a sensação de plenitude e Ii tema ligado ao conhecimento. De um modo especial, por certo, já que na
credibilidade da realidade fictícia acentua justamente aquilo que é se_c.lJ.pdáQ?, ., tragédia o choque de anagnorisis ("És meu irmão, Orestes!"; "Eu mesmo
aquilo que aparece no drama como uma pormenorização quêfaz perder tempo-;-'-- - ·---r sou o filho e O assassino de Laiol") manifesta a unidade da intelecção e
.o drama se baseia no exercício de abstração capaz de esboçar um mundo mo- i da perda de sentido. A dolorosa luz do conhecimento ilumina o todo e ao
'delar, no qual a plenitude que se explicita não é a da realidade em geral, mas a mesmo tempo constitui um enigma insolúvel, cujas leis determinam a rea-
da conduta humana em situação. Muito antes da invenção brechtiana de um lização da constelação que cintila naquele instante. Assim, o momento do
"teatro da era científica'; a forma dramática tendia ao plano conceitual por meio conhecimento é igualmente a cesura, a interrupção do ato de conhecer. Mas
da abstração, à concentração que intensifica e sintetiza. É também nisso que se isso per~ãnece implícito na Poética, pois Aristóteles tntta do aspecto filo-
fundamenta a afinidade, muitas vezes apontada, entre novela e drama. sófico na tragédia. A mimese é por ele compreendida como uma espécie
de mathesis: como um aprendizado que se torna prazeroso pelo deleite do
reconhecimento do objeto da mimes e - um pra;;;er que satisfaz apenas a
Hans-Thíes Lehmann, "DramatlschesForm und Revolutionin Georg Büchners Dantons
multidão, mas que não é exigido pelo filósofo: "O aprendizado propiciá-O
Tod e Heiner lv1üllers DerAuftrag': in Peter von Becker(org.), "Dantons Tod". DieTrauerar-
beit im Schõnen. Frankfurt am Main, 1980, pp. 106-21, p. 107. maior prazer não só ao filósofo, mas igualmente aos demais horrí~ns (que
62 2 Ernst Schumacher, apud íbid.,p. 109. decerto têm pouca participação nisso). É por isso que eles se del~itam corn a
visão de imagens,pois ao contemplá-las aprendem algo e procuram deduzir "ilusão'; do engano e do embuste. Em contrapartida, desde Aristóteles se atri-
o que {cada uma'" bui ao /ógos dramático o avanço da lógica por trás da ilusão enganosa, Essa
A tragédia se mostra como ordenamento paralógico. Também o critério à
dramaturgia mostra as "leis" por tr~s das aparências. Não é toa que para
de "visão de conjunto" serve a uma elaboração intelectual não perturbada Aristóteles a tragédia é "mais filosófica" do qU~ ..~hl$.tÇl.rJºgrflfia: ela revela
por confusões. O belo,assim argumenta à Poética, não pode ser pensado sem uma lógica q~e 'de outro modo perm-;;;~~ri;"~'~ulta, em confo~l~1Ídade com
uma determinada grandeza (extensão): ' a "necessidade" conceitual e também com a "verossimilhança" analiticamente
compreensível. À medida que se perdeu a crença na possibilidade de uma
Portanto, não pode serbela nem umacriatura muito pequena (a contemplação se tal modeiarldade, rigorosamente separada e separávelda realidade cotidiana,
confunde quando seu objeto não está próximo deuma grandeza perceptível) nem evídencióu-se a devida realidade ou "rnundanídade" do próprio processo'
uma criatura muito grande (acontemplação não seefetiva deuma sóvez, demodo da representação teatral, desfez-se a certeza da fronteira constitutiva entre'
r' que escapam aocontemplador a unidade e a totalidade da contemplação, com~ se, ,_' ...._..:n undo e modelo. Mas com isso se desenvolveu uma base essencial para O
porexemplo, uma criatura tivesse o tamanho de dez mil estádios). Porconseguinte, . teãfro diámáüco, a qual se tornou axiomática para a estética ocidental:a teta-
assim como serequer umacerta grandeza dos objetos e criaturas, e essa grandeza' 1id~?!1.,ºJ9gqS, '
deve serabarcáve1 com avisão (eusynopton), também aação deve teruma determi- A cumplicidade entre drama e lógica, depois entre drama e dialética, do-
\', ~ nada extensão, e mesmo umaextensão que se gr~'ye facilmente na memória.' mina quase que ininterruptamente a tradição "aristotélica" européia - que se
mostra ainda muito viva na "dramática não ari;totélica" deBrecht. O belo é
O drama é um modelo. O sensível precisa se adequar à lei da compreensão pensado segundo O modelo do lógico, como uma variante dele, Um ponto
e da conservação. A significativa prioridade do desenho (do /6gos) sobre-as culminante dessa tradição é a Estética de Hegel. Sob a fórmuf'a geral do belo
cores (os sentidos), estabelecida posteriormente na teoria da pintura, já 'e evo- ideal como "aparência sensível da ideia':'elàdesdobra uma complexa'teoria
cada aqui por comparação, na medida em que a estrutura de ordenamento do da presentificação do espírito no âmbito sensível de cada respectivo material
enredol/6gos está acima de tudo: "Pois quando algiiémusa cores cegamente, artístico,até chegarà l..i~[uagem poética. Ao mesmo tempo, pode-se demons-.
por mais que elas sejam belas ele já não consegueagradar da mesma forma a
trar com essa teoriapor qGe idéla dó'drama se tomou tã,o extraordinaria-
que o faz quando produz um desenho de contornos claros"! A noção de que mente poderosa: ela jamais poderia ter.exercido .um.efeíto tão'~brangel1te se
a tragédia, em virtude de sua estrutura lógico-dramática, segundo Aristóteles, não tivesse-~idC}col1cebida mais profunda e contradÚoriamentedo que deixa
pode passar sem a encenação real, de que ela não precisa do teatro para de- parecer a redução a;)'esquema do gênero dramático. Desse modo; convém
senvolvertodo o seu efeito, é meramente o toque final da logicização. esboçar em alguns aspectos- a, complexa linha dessa teoria especulativa do
Já para Aristóteles, o próprio teatro, a representação visível (6psis), per- drama de Hegel, com auxílio de algumas considerações de Christoph Menké,
tence ao reino dos efeitos casuais, meramente sensórios - e nota bene: passa-
geiros e efêmeros -, sendo depois cada vez mais considerado como lugar da . -._--
Hegel 1: a exclusão do real
,,

3 Aristóteles, Poetik; ed, e trad. Manfred Fuhrmann.Stuttgart, 1982, capo 4,pp. 11-12. Como gênero essencialmente dialético, odrama é ao mesmo tempo o lu-
4 Ibíd., capo 7, p. 26. gar privilegiado da tragicidade,demodo que um teatro posterior ao drama
5 Ibld., capo 6, p. 23· sugere a suposição de que seja um teatro sem tragicidade. Essa suposição é

\ I
I

alimentada pelo posicionamento hegelíano da tragédia na pré-modernidade. que é efetivamente essa concepção que dá sentido àquele teorema, "Para He-
Assim como a arte, de acordo com Hegel, chega.a um fi~ quando a expres- gel, o drama está, e já em sua manifestação' grega, a caminho de uma arte
são sensível não é mais a necessidade primordial do espírito e este se encon- 'não mais bela' No drama começa o fim da arte na arte:" Resulta daí - como
tra inteiramente em 'casa no reino da abstração conceitual, portanto em seu que numa lógica "não oficial" da exposição histórico-teleológica de Hegel
" âmbito próprio, também há um "passado dãtraglcí dade';" que Hegel vincula (pelo menos desde a Fenomenologia do esp{l'ito ) - uma "preterição" estética
por sua vez à "poesia dramática" Na arte, o mais elevado e o mais belo não do drama, na.medida em que no campo da arte (do belo) ele torna o próprio
são a mesma coisa, A união ideal de sensível eesplritual teve sua culminân- belo questionável "emsua pretensão de reconciliação". Quando Hegelentende
, cia na escultura de deuses da Antigüidade ,da qual'H egel pode dizer, não o belo artístico como uma "reconciliação" dos opostos em várias camadas, es-
sein.páthos, mas com uma lógica dialética rigorosa: "Mais bela não pode ser pecialmente do belo e do ético, pode-se de fato afirmar que sob o conceito de
nem se·tornae~ .A afirmação
. ... ..
de Hegel de que apesar disso
'
a escultura grega "dramático" ele faz valer no âmbito estético aqueles traços que fazem a preten-
que
~.

permanece insuficiente, o impõeumposteríonprogresso da arte e do es- são de reconciliação fracassar. O drama-não é simplesmente a manifestação
pírito, fundamenta-se na falta de interíorlzaçâo e vívificação subjetivas (que (não-pro blemática) do . ético belo, mas sobretudo a patente crise deste.
mais tarde serão encontradas na "forma de arte romântica'; de maneira talvez Portanto, á filosofia do drama indica aqui, no ponto mais,alto de sua for-
exemplar !10J~trato da Virgem'Maria). Daí sua célebre .observação de que mulaç~p' clássica, uma notável "ambigüidade":" trata-se tanto de afirmação da

na escultura antiga haveria um sopro de tristeza. No entanto, a culminância bem-sucedida reconciliação de beleza e eticidade, "contentamento sensível
do Belo, a união integral do sensível e do espiritual, tem de ser superada pelo e serenidade da alma': quanto de manifestação conf1it~osa de sua cisão. Ob-
progresso doEsplrito após a Antigüidade em favor da progressiva abstração servemos com mais precisão essa rupt ura na tragédia. Em' contraposição à
"espiritual'; que levaa configurações cada vezmais elevadas, ainda que não mais epopéia, Hegel compreend e atrag édia como uma "linguagem mais elevada".
belas, até que no Espírito absoluto se chegue a Um modo de ser tendencial- Na forma da epopéia, a c1ivagem abstrata da Meira e de um aedo impessoal
mente pensado como destituído de forma. fazia o herói aparecer de tal maneira que ele, "emsua força eb eleza, sente sua
Ao passo que na escultura de deuses, portanto nas artes plásticas, o.absoluto vida dilacerada e lamenta a morte prematura que antevê para si".9 O caráter
da beleza é alcançado de modo bem classicista,Hegel considera a Antfgona de fortuito da plenitude épica da ação ainda não reconhece uma necessidade
. ' . _.. .-----"
.S ófocles "a obra de arte mais satisfatória" do mundo moderno e da Antigül- dialética. É preciso pois que surja no lugar da voz do narrador épico, que
'dade - mas apenas num determinado "sentido': ou seja, como representação permanece exterior ao herói, a estrutura propriamente dramática do destino,
,ideal da cisão e da reconciliação das formas objetiva e subjetiva do espírito e junto com ela o expressar-a-si-mesmo do hom em (na encarnação.cênica),
ético. Como configuração do conflito ético, a tragédia clássica ultrapassa já Menke nota então que na tragédia - sendo a argumentação hegeliana lida
no campo da "forma de arte clássica" o belo "tão-somente" perfeito! Ela é com atençãõ'>a estranheza do destino trágico "comopoder sem sujeitosem
maisdoque bela: já está a caminho do puro conceito e da subjetividade. Desse saber,indefinido em si'; "necessidadefria" (que já figurava assim na epopéia),
modo, Menke sugere que a concepção de Hegel da "dissolução" da "forma de
arte clássica" seja associada ao seu teorema do fim da arte na modernidade ,
7 Ibid., p. 45.
8 Paul de Man, Die Ideologie desJisthetischen. Frankfurt am Main, 1993.p. 54.
6 Christoph Menke, Trag õdíe im Sittlichen. Gerechtigkeit und Freiheit nacn Hegel. Frankfurt 9 Georg W. F. Hegel, Phõnomenoiogie des Geltes, in' Werke. Y. tu, Frankfurt am M;in, 1986,
66 am Main, 1996, p. 42. p.5 0 7.
não só indica um poder em que o belo se rompe, mas indica também que a preserva a multiplicidade e a diversidade'." Da época pós-clássica à contem-
própria reconciliação traz.consigo a semente venenosa de seu fracasso, pois porânea o teatro passou por uma série de transformações que, em facé dos
na compreensão de Hegel a experi ência do "destino" constitui a semente do postulados de unidade, totalidade, reconciliação e sentido, afirmaram o di-
drama. Mas essa é uma experiência "ética": algo é subtraído da disposição reito do disparate, da parcialidade, do absurdo, do feio. Ele incorporou cada
da vontade ética e lança uma "contingência" mortal para o conceito ético no vez mais, no conteúdo e na forma, justamente aquilo que não se queria antes,
campo do dramático e, com isso, no jogo do Espírito. Em face dessa con- com asco, "suprimir': Não obstante, a consciência da duplicidade interna da
tingência ou "pluralidade" que se dá tanto no âmbito divino quanto entre tradição clássica evidencia que o "outro" do teatro clássico já estava contido '
os homens, cessa qualquer possibilidade de uma reconciliação final. O que na mais coerente de suas concepções filosóficas: como possibilidade latente
caracteriza o dramático é uma ruptura que ele precisa tentar evitar proviso- do rompimento em meio ao esforço de reconciliação tensionado ao extremo. "
riamente por meio da fuga em estilização fora do mundo, caso queira afirmar Nesse sentido, fala-se aqui renovadamente de teatro pós-dramático e defi-
a "verdade" da reconcillação.Como arte do belo, o drama "deixa de lado tudo 'ni tívamente não d~ 'um teatro que se encontra além do drama, sem relação
o que não corresponde a esse mesmo conceito na manifestação fenomenal, e alguma. Ele pode ser concebido muito mais como desdobramento e floresci-
é somente por meio dessa purificação que ele produz o ideal".lD mento de um potencial de desagregação, de desmontagem, de desconstrução
É essa "catarse" da forma dramática que produz, junto com a aparência no próprio drama . Essa virtualidade estava presente na estética do teatro dra-
da reconciliação, o advento da destruição dessa aparência. Do ponto de vista mático, embora fosse difícil. de decifrar; ela foi pensada em .sua filosofia, mas
, " -- ~"-

estético..o que motiva a exclusão do real- internamente necessária, mas que apenas como uma corrente sob a superfície resplandecente do procedimento
põe em risco a pretensão de uma comunicação abrangente - não é nada além dialético "oficia!': ;
do próprio princípio do drama, aquela abstração dialética que ele possi?ilita
primordialmente como forma, mas que se distancia do campo da recóncllia- Hegel 2: a atuação
ção estética ocorrida com a penetração da matéria sensivel. Nas profundezas ,
do teatro dramático já repousa, na forma de uma '~xperlênda irreconcilia- Para Hegel; ti pertínente-aodrama ::.,~,ssencialmente e não (como em Aristó-
velmente contraditória do problema ético e de uma materialidade rejeitada, teles) como uma mer~ formalidade - q~'~-';p~r~~nagêns'" séjãm encarnados
aquela tensão que inaugura sua crise, dissolução-e, por fim, a possibilidade de por seres h?mal::l?s reais com suas i>rópriás vozésfsua corporeídade e seu
um paradigma não dramático. Se algo escapa ao ideal clássico, é justamente gestual. Com isso 'se d~ uma peculiar "auto-reflexão performativa do drama"
a possibilidade de acolher o que é estranho aos sentidos e o impuro. É tanto que, como mostr~ Menk~;-'q~ontll para a mesma direçã'o da ruptura latente
aguçada quanto esclarecedora a conclusão d~ Menke de que já com Hegel a nas belas-artes em virtude da "deficíêncía de seu esforço de reconcíhação';"
modernidade pode ser pensada como um mundo "para além da falta de etici- Uma vez que'não é mais a voz única do narrador ou rapsodo que cumpre a rea-
dade bela", que "tem de excluir todas as faltas". Para além da estética da media- lização, mas uma imprescindível piuralidade de vozes, o,s~i~ito "individual':
ção com seu paradigma estético central, o drama, tania-se também concebível particular, ganha uma. tal autoni;>r;nia que se torna impossível relativizar seu
para o teatro uma modernidade (ou pós-modernidade) que "não exclui, mas direito sempreIndividual
._0 .··
em.favor
.
de uma .síntese
.
dialética, Mais ainda: os

11 Menke, op. cit., pp. 54-55.


68 10 Idem, Asthetik, in Werke, op. clt., V. XIII, pp. 205-06. 12 Ibid., p. 51- .
atores, que para Hegel são corno, que "est étuas'ternmovímento e relacionadas como um todo apresenta no fundo uma imponderabilidade para a filosofia
entre si, efetuam além disso um deslocamento escandaloso para o idealismo do espírito: o eu subjetivo, em si mesmo sem importância, que atua e produz
objetivode Hegel. Na medida em que são eles; como seres meramente empíri- signos artisticamente, esse eu meramente individual se experimenta como
cos, que proporcionam no drama a realização do ideal, do belo artístico (dos fundador e instituidor do essencial, do teor ético, criador das dramatis per-
heróis dramáticos), chega-se com eles a um'ã"consciê;cia irônica da atuação". sonae como figuras que já reúnem beleza e eticidade em si mesmas: ''A pre-
Em outras palavras, surge um fenômeno impensável hegelíanamente, já que sunção da essencialidade geralé denunciada no eu [...l. Manifestadoaqui em
o particular e pré-conceitual- o mero ator indi;iâu~,l - situa-se acima do teor seu significado de algo real, o eu atua com a máscara que ora veste para ser
ético. Em vezde impor a norma ao particular, esse teor-depende tão-somente personagemdesta".16
do desempenho particular 40 ator: " Hegel precisa enxergar nessa realidade do teatro uma "dissolução geral
. " . . "- ._.•.. da essênciaconfigurada em.sua Indívídualldade';" de modo que deve resultar
Em vez deserem "meras f~rrani.enfas" 'qued esaparecem em seus papéis, os ato - da tendência à dissolução, lógica e espiritualmente, a abstração e a consciên-
resexperimentam uma inversão da dependência entre subjetividade e beleza, ou ciadialética do'''p~~sâihento racional': a filosofia grega. O "drama" necessaria-
rnelhozeticidade. [...] A experiência fundamental do ator é a produção do etica- mente está na margem da arte, na fronteira entre o ideal da arte, "a aparência
menteválido pelos Indívíduos .P sensível da idéia': e a abstração filosófica de certo modo informe. É esclare-
ceder que Menke ligue essa tensão interna, a insuficiência do drama, com a
o caráter de atuação ativa do drama (leia-se: do teatro) abre então uma ten- transcendentalização romântica da poes~a , entendendo a teoria do drama de
são entre o i~itõe o fazer; o que vem à tona na representação teatral simples- Hegel como metáfora de um conceito da arte que contém em si mesmo os
mente pelo fato de que os "home~s reais" (os atores) "vestem"as personae, as temas argumentativos a partir dos quais a concepção "oficial" do ideal como
máscaras dos heróis, e as representam "em um' discurso real, não narrativo, aparência sensível da idéia se torna um fantasma inatingível. Assim, o fim da
mas próprio".14 Por esse motivo,pode-se chegartambém ao "desmascaramento" arte aparecemenos como uma tesehistórica e baseada na filosofia da história
dessa relação, na visão de Hegel, "invertida" entre subjetividade eteor.étícç ...,._ _, ' . (da.ar te) do que como um fim desde sempre começado da idéia "clássica" da
objetivo - notadamente na par ábase cômica, quando os'atores saem de seus arte, um fim desde sempre começado da arte na arte. Sob a perspectiva dó
, papéis e brincam com as máscaras. Hegel vê com toda nitidez a peculiaridade desenvolvimento inovador das práticas artísticas e teatrais, que procura dar
':da experiência do teatro, que oferece a unidade de realidade espiritual e exe- adeus à "forma" como totalidade, mimese, modelo, a abordagem de Hegel so-
, cução material como uma "hipocrisia"; "o herói que entra em cena diante do bre o desenvolvimento da arte antiga dá a impressão de ser um modelo para
espectador decompõe-se em sua máscara e no ator, no personagem e no eu a dissolução d~ noção de teatro dramático.
real': 15Issoé perceptívelde modo especialmente incômodona parábasecômica,
quando num dado momento o "eu" atua com a máscaramas no momento se-
guinte aparece"emsua própria nudez e normalidade': A representação teatral

13 Ibld., p. 178.
14 Hegel, Phãnomenologie des Geites, op.cit., p. 511. 16 lbld.•pp. 517-18.
70 15 Ibid., p. 517. 17 Ibid. 71
_ _ __ • • 0 0' • 0• • • • • _ _ . ._ .

Sobre a pré-hlstórl a do te atro pós-dra :

. .. . . "'- .""'-_._ - - --

Teatróe texto

o teatro e o drarna se situavam e se situam em uma relação de cont


carregada 'de tensões. Enfatizar esse fato e examiná-lo en1.t~do o CI
. de suas implicaçÕes é a priti1éírâ-c6ridiç~õ1ra1'a uma cómpré~~~ii"~-~d
do teatro moderno e de suas formas mais recentes. O reconheclmr
te~tr6 :p6scdÇam-átiCote.@.!úício com a constatação de que a cóndíç ãc
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Por esse.motivo, ahistória do gênero d.rari1aeJll_sl.1e111 um w~éresse'
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nado pelo drama tantb--dQponto devista te órico quanto do pr ático, êí
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estabelecer, como mostrado';-u.ma referência dos novos desenvolvime


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é, uma referência não tanto às 'mudã'tiç~s cio texto teatral quanto à t
mação dos modos de expressão, Nas formas 'teatrais pós-âratnáticas,
quando (e se) é encenado, étoncebido sobretudo como um comporu
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do textoe o do teatro po.ciesJ'àlafgFaÚ~;;; dlscrepância explícita-e J


uma ausência de relação.' J
Sobre a pré-história do teatro pós-dramático;

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Teatro e texto

o teatro e o dramase situavam e se situam em uma relação de contradição


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de suas implicaç6~7ã: primeIrâ"condiçãõ'p'al'a uma compréensãoadequada
do teatro moderno e de suas formas mais recentes. O reconhecimento do
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existência é a emahdpaçãS'r~apí:õcàé'rdissoGiação_enl~ drama e teatro.
Por esse.motivo, a história do gênero drama em..lÜ.1enl Um hrteress"(~~apenas
limitado pãr~"'à teoria do teatro,Vistoporém que na Europa o teatrcfol d~lni·
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nado pelo drama tantôdo ponto de vista teórico quanto do prático, é possível
estabelecercomó mostradd;:-\.l)na ~eferência dos novos desenvolvi'ili.entos ao
passado do-teatro dramático por meio do conceito de "pós-dramático" - isto
é, uma referência não tantoàsmudáhças do texto teatral quanto à transfor-
mação dos modos de expressão. Nas formas teatl;ais pós:clratnáticas, o texto,
quando (e se) é encenado, étoneebido sobretudo como um componente en-
tre outros de Um contexto g~1tual, 'musical, 'visual etc.A cisãoentre discurso
õ

do texto e o do teatro P0,des~-alafg~raté~~á' discrepância explícita e mesmo


uma ausênciade relação.' / 75
o processo histórico de afastamento do texto e do teatro exige uma nova de- utopias teatrais da primeirametade doséculo xx porvezes se encontram modos
finição, sempreconceitos, desua relação. Elapodeser iniciada pela consideração de expressão correlatos, nos quais o teatro comoação cultuai é identificado com
de que o teatro veio em primeiro lugar: surgiu-do ritual. àpropriou a forma da o "drama" e essa ação simbólica e cultuai é contraposta ao mimos corno imitação
dançamimética, configurou-se comoum modo decomportamento e comouma da realidade.) Jáque uma identificação conceitual do drama com ~odos os cam-
práticaantesde qualquerescritura; É certoqiie-() "teatro original" e o "drama ori- pós do teatro ofusca todasas produtivas distinções históricas e tipológicas entre
ginal" são apenas objeto de tentativas de reconstituição, maspode-sedeterminar osdiversos modos comoo teatro e a literatura dramática seassociam e dissociam
na modernidade, cabe d~limitar melhor o conceito de drama. Comisso, pode-se
"-
antropologicamente que as antigas formas rituaisdo_ teatro representavam pro-
<,
cessos com forte cargaafetiva (caça, fecundidade) em que
se usavam máscaras, chegar ao consenso de quehipóteses como a de Fuchs misturam indistintamente
fantasias e apetrechos e secombinavam dança, música e representação de papéis.' as dimensões do agon e do teatrocomo drama- aspectos que comrazão perma-
Ainda que essa prática simbólica pré-escrita, motora e corporal representasse necem diferenciados na consciência doscriadores; leitores e teóricos do teatro. O
uma espécie de "texto'; fica evldentêãClifetehça em relação àformação do teatro mesmavale para aobservação de HeinerMüller de queo elemento fundamental
literário moderno. O texto escrito- a literatura- ganhou aqui a posição domi- do teatro e do dramà seria a metamorfose, a morte seriaa derradeira metamor-
nante, quase incontestável, na hierarquia cultural. Assim, no teatroliterário bur- fose e o teatro sempre teria à ver coma morte simbólica: "0 essencial no teatro
guêspodia-se atenuar a ligação, alnda presenteno teatro de espetáculo barroco, é a metamorfose. O ato de morrer. E o medo dessa última metamorfose é geral; .
do texto coma forma de declamação maismusical, com o gesto dançado e com nele se pode confiar, sobreelese pode construir'?
a decoração ~isual e arquitetônica suntuosa. Predominava o texto como oferta de Em seu ensaio sobre as Afinidades eletivas de Goethe, Wa1ter Benjamin
sentido: os outros-recursos teatrais tinham de estara seu serviço, sendocontrola- escreve:
dos com desconfiança dianteda instância da razão.
Houve tentativas de levarem conta a consciência maisprecisa da autonomia No dramático, ° mistério é aquele momento em que ele avança do âmbito de
dos elementos nã.o literários do teatro mediante definições de drama extrema- suaprópria linguagem paraumoutro mais elevado e que lheé Inacessível, Desse
mente abrangentes. Assim, Georg Fuchs afirma em A revolução do teatre-(Die _ .rnodo, nunca sepode expressá-lo em palavras, mas somente narepresentação; éo

Revolution des Theaters): "Em sua forma mais simples, o drama é movimento "dramático" emsuaacepção mais rigorosa.'
rítmico do corpono espaço': Aquise atribuiao termo "drama" o sentido de ação
cênica e desse modo, no fundo, de "teatro". Para Fuchs, todos os elementos que Nesse sentido, O "dramático" não tem ligaçãO alguma com tudo aquilo que
podem aparecer no teatrodevariedades - "dança, acrobacia, malabarismo, corda- se entende com a utilização desse termo na discussão teórica sobre o tea-
bamba, prestidigitação, luta e boxe, cenas com animais fantasiados, declamação _ tro. A fO!'illulação de Benjamin sobre aquilo que ele chama de "dramático"
musicada, jogo de máscaras;' - são igualmente formas simples do drama.' (Nas diz respeito-à luta corporal ancorada no culto, ao agon mudo. Trata-se de
seu sobrepujamento (cristão)por meio de uma graça, uma redençãoou uma
"linguagem" para além ou no limite da linguagemhumana. Evidencia-se aqui
Oskar Eberle, Cenalora. Leben, Glauben, Tanz undTheater der Urvôlker, Olten, 1954.
2 Apud Peter Ielavich, "Populãre Theatralik, Massenkultur und Avantgarde: Betrachtungen
zum Theater der Iahrhundertwende'; inHerta Schmid eJurij Striedter (orgs.), Dramatis- Heiner Müller, Ich bil1 ein La/1dvermesser. Gesprãche (entrevista a Alexander Kluge(Ham-
che undtheatralische Kommunikatíon. Beitrãge zur Geschichte und'Íheorie des Dràmas ul1d burgo, 1996, p. 95·
Walter Benjamin, in Gesammelte Schriften, v. 1. Frankfurt am Main, 1974, p. 200. 77
Theaters. Tüblngen, 1992, p. 257. , . 4
a relativa.legitimidade objetiva da identificação de teatro e drama, na medida Primeira etapa: drama puro e drama impuro
em-que a concepção do dramático enfatiza sua grande proximidade da panto-
mima e do emudecimento, de algo que é apenas emoldurado pela linguagem. o ponto de partida é o predomínio ainda intacto deum drama cujos fatores
Justamente por isso é proveitoso considerar a acepção do "dramá tico" em essenciais se manifestam no ideal e, em parte, na prática do "drama puro".
Benjamin como algo pertinente ao teatro: como rito e cerimônia, "poesia" do Assim, o drama não só é modelo estético como tem implicações sociais e
palco e semiose extralingüística ou·no limite do lingüístico. Esse conceito epistemológicas essenciais: o significado objetivo do herói, do indivíduo;
do dramático se refere a uma abissal experiência de metamorfose, na qual a possibilidade de representar lingüisticament e, e sobretudo na forma do .
não há nem a estilização da utópica e aterrorizante vertigem de transformação diálogo cênico, a realidad e huma na: a relevância .do comportamento do in-
manifestadapelo teatro, nem o ordenamento que deverefrear o desvario. Trata- divíduo na sociedade. Ao lado e antes do drama puro existiam (já na Idad·e
se sobretudo de uma realidadeda superação - sempre ambígua - da morte por Média, em Shakespeare, no barroco) consideráveis divergências em relação
meio de sua encenação. Como ressalta Prirnavesi, "o 'dram ático; ao se aferrar à . . a_o.m?~.~lo básico. Elas podem ser compreendidas grosseiram ente como
physis muda, só pode garantir a redenção do mito da culpa e da beleza quando elemento s "épicos" do drama, e para os nossos propósitos seri a possível
o corpo - como no teatro - permanece subtraído da compreensão"! considerar a totalidade dessas formas corno "drama impuro". A semântica
funda menta l da forma do drama também pode ser evidenciada nos seguin-
o desenvolvimento do teatro no século X:'C tes aspectos: perso nificação de personagens o~ figuras alegóricas por ato-
res: repr esentação de um conflito em "colisão dram áticarmaior abstração
Perto do final do século XIX, o teatro dramático se encontrava no fim de um na representação do mundo em comparação com o rom~9ce e a epopéia ;
longo período de florescimento como formação discursivaelaborada, o que-for- artic ulação de conteú_~~~ políticos, morais e religiosos dá vidasocial por
navapossível experimentar Shakespeare, Racine,Schiller, Lenz, Büchner) H~bbel, meio da dramatização de sua colisão; ·uiúà ação que progride mesmo sob
Ibsen e Strindberg, apesar de todas as diferenças, corno modalidades de uma uma ampla "desdramatízação", representação de um mundo ainda que me-
mesma forma de discurso. Nesse contexto, também ~s ~odelós e as manifes- diante uma ação real mínima,
-. - . -- o. • ~ 0 •

tações individuais extremamente divergentes se apresentam como variações de


- . ". ~.
uma formação discursiva na qual é essenciala fusãô de drama e teatro. O desen- SegundaetafJ.a~crise do drama e autonomização do.teatro
volvimento dessa formulação discursiva até a formulação pós-dramática deve ser <, . :
esboçado aqui de modo muito resumido. O "impulso" para a constituição do dis- Por volta de 1880, sob'·0 .~gno de um teatro ainda não modificado de modo ·
curso pós-dramático no teatro pode ser descritocomo uma seqüência de etapas revoluclonárlo.rchega-se àcrise do drama. O que se abala e se esvanece com
de auto-reflexão, decomposição e separação dos elementos do teatro dramático. O essa crise é urna série de componentes até então inquestionáveis do drama: a .
caminho leva do grande teatro do finaldo século XIX, passandopela diversidade forma textual do diálogo, carregadode tensões e decisões: o sujeito, cuja reali-
das formas teatrais modernas nas vanguardas históricas e pelas neovanguardas dade se exprime essencialme~te na fala ínterpessoal, aação,
que se desenrola
dos anos 1950 e 60, até o teatro pós-dramático no finaldo século xx, primordialmente em um presente absoluto. Szond i distingue as conhecidas
"tentativas de solução" e "ten\ativ~~ de.salva ção" que os autores empreenderam
sob a influência de umamblerite que se transformava rapidamente e de uma
Patrick Primavesi, Kommentar Übersetzung Theaier in Walter Benjaminsfrtduren Sciiríften. I
Frankfurt am Main, 1998, p. 291: . imagem do homem tamb émtransformada: dramaturgia do eu, drama estático, 79
I
peça de conversação, drama lír ico; existencialismo e confi namento etc. Mas seus textos são avaliados de acordo com as expectativas do teatro dramático"
de m odoparalelo e aná logo à crise do dr am a corno forma textu alaplicada ao Caso" se pergunte simplesmente que "êxito" seus textos tiveram no teatro,
tea tro já começa a haver ceticismo qua nto ,à ,compatibilidade entre drama só se pode atestar seu 'evidente fracasso como autora teatral. Contudo, nas
e teatro. Assim é que Pirandello estava convencido d~ irreconciliabilidade de sua-s for mas textuais já se anuncia aqu ela dinâmica que en cerra a tr adição
teatro e drama." No primeiro diálogo de A-arte do teatro [1heArt of the Thea - do teat ro dramático.
rre], Edwa rd Gordon Craígafirma que as grandes peças de Shakespeare não A autonomização do teatr o não é, como mui tos gostariam de banalizar,
mais deveriam ser montadas e que apresentá-las-seria mes mo perigoso, poi s o o resultado da auto-superestímação de diretores (pós-jmodernos ávidos p or
H aml et r.epresentado m atari a algo da infinita riquéza.do personagem imagi - no torieda de. O surgimento do tea tro de diretor se encontrava potencial-
nado (com efeito, Craig ten to u posteriormente encenar a p eça e declarou que mente inserido na dialé tica estética do próp rio teatro dramático, que em seu
essa tent ativa havia confir:ma do sua teserO teatr o é reconhecid~ aqui como desenvolv imento com o "forma de represen taçã o" descobriu cada vez mais
algo que tem raízes e premissas próprias, distintas e mesmo hostis em relação às recursos que lhe eram inerentes a despeit o do texto. Ao mesmo tempo, é
às raíze s e premissas da literatura dramática. D e ~~'""a~do com a conclusão de preciso reconhecei" o lado produtivo da desconsideração das possibilidades
Craíg, o texto deve ser supri mi do do teat ro - justame nt e em razão de suas do teat ro p ôr parte dos autores do século xx: em boa m edid a, eles escreviam
dim el:sões e qualida des poétícas. . , e continuam a escrever de tal maneir a que ainda está por ser inventado o tea-
D esenvolvem -se novas formas de teatro que só contêm na r ração e re - tI'O para seus textos. O desafio de descobrir novas potências da arte teatral se
ferê n cia à reaÚdade de um m od o distorcido, em ru dimentos: a "p eça-pai- tornou uma, dimensão essencial do exercício de escrever par a o teatro. A exi-
sag em" de Gertrude Stein, os textos de Antonin Ar taud para se u "tea tro gência de Brecht de que os autores não deveriam "sustentar" o aparato teatral,
da crueldade': o tea tro da "forma pura" de Witkiewicz. Essas mo dalidades mas transformá-lo, foi cumprida muito além do que Brech t pretendia. Heiner
textuais "desconstruí das" antecip am literariamente eleme nt os da estétic a Mü ller po de declarar simplesm ente que um texto teatra l só é bo m qu ando
pós-dramática do teatro. Foi só com Rob ert Wilson que os textos de Ger- não é de modo algum viável para o teatro existen te.
trude Stein encontraram uma estética teatral coe rente (ele declarouquea No curso da revo lução geral das ar tes na virada do século, a crise do
leitura de Stein lh e de ua convic ção de qu e p odia fazer teatro.) O teatro .. dr ama ocorre u paralelamente à crise da forma discurs iva do próprio teatro.
,de Ar taud permaneceu urna visão, assim como o de Wi tkiewlcz, que acena Com a rejeição das formas teatrais tradicionais, desenvo lveu-se um novo tipo
'p ara o tea tro do absurdo. O diretor francês Antoine Vitez, como encenador de autonomia do teatro como prática artís tica independente. Foi somen te a
de texto s clássicos com recursos teatr ais econômicos e funci onais, sabia o p artir dessa r uptura que o teatro aband onou a orientação Incontest ável na es-
que estava dize ndo quan do afirmo u qu e desde o final do século XIX todas as colha de seus recursos, de acord o CO~l as exigências do drama a ser mon tado.
grandes obras escritas para o teat ro eram marcadas pela "total in diferen ça" Essa orie~;:i-;;,çãõ havia imposto não só um estreitamento, mas também uma
qu anto aos problem as suscitados por su a textura para a realização cêni ca." certa inc ont estabilidad e dos critérios técnicos, um a lógica e uma norrnativí-
Criou-se uma cisão entre teatro e texto. Gertrude Stein foi e continua sendo dade no emp rego dos rec ursos teatrais a serviço do drama, Nesse senti do, a "
considerada impossível de representar, o que em gera l se verifica quando liberdade rec ém-conq uistada foi acompanhada por uma perda, que em seu
asp ecto produt ivo po de ser descri ta como a 'entrada do teatro na éppca"ífa

6 Cf Bernard Do rt, "Uneécriture de la, représentatlon" 'Ihéãtre ell Burope, n, io, 1986,pp. 18-21,
experimentação. Desd e que o teatro tom ou ~onsciência de que Os potenciais.
80 7 Antoine Vítez, in Théãtre ell Burope, n, 13, 1987,p. 9. \ de expr essão artística nele latentes eram pass íveis de ser realizados indepen- 81
denternente do texto, foi lançado no.difícil e arriscado campo da liberdade de e abstração), os elementos isolados que remetiam asi mesmos puderam ga-
expéiimentação contínua, assim como as outras formas de arte. nhar aceleração e engendrar novas formulações. Da decomposição do todo de
À medida que a "teatralíza ção" do teatro levava à sua libertação da sub- um gênero em seus elementos isolados surgem as novas linguagens formais.
missão ao drama, esse desenvolvimento foi acelerado por uma outra ruptura Quando se separam os aspectos antes "colados" da linguagem e do corpo no
na história das mídias: o surgimento do cinema. O domínio exclusivo do se
teatro, quando a interpretação do papel e o ato de dirigir ao público são
. teatro até então - a representação animada de pessoas em ação - foi con - tratados como realidades autônomas, quando o espaço sonoro e o espaço da
quistado e superado pela nova matriz de representação técnica do cinema. atuação são separados, abrem-se novas possibilidades de representação a par-o
Ao mesmo tempo que a teatralidade passa a ser concebida como dimensão til' da autonomização das camadas individuais.
artística independente do texto dramático, começa-se a reconhecer, mediante A concentração no teatral em contraposição à representação literária, foto-
o contraste com a "imagem movimento" (Deleuze)produzida tecnicamente,o gráfica ou cinematográfica do mundo pode ser de~ignada como "reteatraliza-
fator do processo vivo (à diferença dos fenômenos reproduzidos ou reprodu- . '. ,ção';º-.qll:e assinala os movimentos das vanguardas históricas. Os estudos de
tíveis) como diferencial específico do teatro. Essa "redescoberta" do potencial Erika Físcher-Lichte deram destaque central a esse conceito primeiramente
de representação próprio do teatro e apenas do teatro traz à tona a questão, aplicado por Fuchs, enfatizando, entre outras coisas, sua conexão com a re-
ora em diante constitutiva e incontorn ável, de saber o que o teatro contém cepção produtiva de tradições não-teatrais tanto européias quanto extra-euro-
de inconfundível e insubstituível em comparação.com outras mídias: D·efato, péias pelas vanguardas históricas." A Intençãonão era apenas um retorno
esse' questionamento acompanha o teatro desde então, e isso não só por causa às possibilidades puramente estéticas do teatral. Não se ti'àta-và só de uma
de sua rivalidade com outras artes. Evidencia-se aí uma das duas lógicas se- reteatralização imanente ao teatro, mas também de uma abertura I
do âmbito
gundo as quais se dá o surgimento de novas formas das artes performa:.iyas: teatral a outras práticas: a formas culturais, políticas, mágicas.filosóficas etc.:
a lógicasegundo a qual a aparição de um novo meio de configuraçã? das for- à reunião, à festa e ~~ ;it~~l. D~s~-ein~do,-&;;em ser evitada:; as reduções que
mas e de representação do mundo leva quase que automaticamente os meios tendem a uma estetização das vanguardas, o que poderia ser sugerido pelo
existentes - que de súbito passam a ser tachados de'tmUgos,- -á se perguntar conceito da "reteatralízação" incorporado à modernidade clássica. O desejo
o que têm de específico como arte e,'portanto, o que deve ser privilegiado das vanguardas de superar a; 'f;~~t~Ú'às 'entre avida -e-a-arte.Iuma tentativa
de modo consciente após o surgimento de técnicas mais modernas. Sob a cujo vaior evidentemente não é aquilatado pelo seu-fracasso) foi tamb'éin um
influência de novos meios, os antigos se tornam auto-reflexivos (foi o que motivo da reteatralizaç ão,
aconteceu com a pintura após o advento da fotografia, com o teatro após o Com a continuid~ae'4esse desenvolvimento, constituiu-se aquilo que
advento do cinema e com este após o advento da t écnica da televisão e do se designa - com intuito descritivo, laudatório ou depreciativo - como "tea-
vídeo). Mesmo quando essa mudança só ofusca todos os outros aspectos na tro de diretor ". A autonomização do teatro, e com ela a crescente importância
primeira fase da reação, a auto-reflexão permanece a partir de então como da direção, é certamente Irrevogável, Por mais que haja uma legítima lndispo-
um potencial duradouro e uma necessidade que é forçada pela coexistência e sição contra as cabeças medío~res do teatro, que confinam textos grandiosos
pela concorrência das artes. . . em seu horizonte artístico e experíencíal bastante limitado, deve-se enfatizar
\ . "
A outra regra do desenvolvimento artístico parece ser a de que a dinâmica
provém da desagregação. Quando, nas artes plásticas, a dimensão da repre- Ver, por exemplo, Erjh Fische ;~Lichte,• 'Ihe S/iDW
I
and lhe Gaze DfTheatre: An European
82 sentação foi dissociada da experiência da cor e da forma como tais (fotografia Perspective. Iowa,1997. pp. 71ss, il5 S5.

\ ,
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i\, -,

que o alarido
....
em torno da arbitrariedade d~s diretores
. \
corresponde, na maio- ':: " .
Terceira etapa: neovanguarda
ria dos casos, à compreensão tradicional do texto teatral, no sentido do sé-
I , . .

culo XIX, e/ou à.r~.<:~sa de se confrontar com.experiênciasteatrais incomuns. O estouro da neovanguarda tem grande importância para a genealogia do tea~ "
Em todo caso, a distinção do teatro de dir~~or' em relação a um teatro de ator tro pós-dramático. Na Alemanha Ocidental, a assim chamada "fase de recons-
ou de autor diz respeito ao nosso tema - a distinção entre teatro dramático tituição" havia favorecido uma questionável limitação da cultura e do teatro a '
e pós-dramá tico - apenas de um modo secundá rio: o teatro de diretor é um um "humanismo" apolítico. Por um lado, durante a prosperidade econômica
pressuposto para o dispositivo p ós-dram ático (mesmo
, ,- que acÚreção seja feita dos anos 1950 foramconstruídos nada menos quecem novos teatros; por outro
coletivamente), mas o teatro dramático também se aprêsenta em grande me- lado,a cena era dominada pelo conservadorismode [Gustav] Gründgens e pela
dida como teatro de diretor. " " "- -' o o
tentativa de esquecer o passado politico e refletir sobre a "cultura':A princípio,
Qu~;~t~à nova insistência P9_'y~lor próprio do teatro por volta da virada as tentativas experimentais ainda pareciam t ími das, enquanto nos Estados Uni-
do século,d eve-se ainda considera~'~~~ütrocõnl~xto: justamente o teatro dos caminhos inteiramente novoseram trilhados no BlackMountainCollege e
/ - '- ' "
'de entretenimento e O teatro de espetáculo do final do século XIX haviam Iohn Cage, Merce Cuníiinghame Allan Kaprow entravam em cena.
fortalecido a compreensão, por'p~rte das pessoas de teatro mais exigentes, Nojinaí' da década de 1950 começa o estouro internacional. É dada a lar- '
de ql{eexiste um conflito entre o texto e~-teatroOroÜneiro. A restituição da gadafião só para a vanguarda como também para a cultura pop, que envolverá
/" ,/ ,

complexidade e da verdade para o teatro foi uma motivação central deis es- todos os campos da vida privada e pública. Com o rock (Chuck Berry, Elvls-
forços tanto-de.Craíg quanto de Tchekhove Stan ísl ávskl, de Claudel e Cop eau, Presley), pela primeira vez na história é produzida uma música que se des-
Ainda que o teatro esti~esse se afastando a passos largos da representação tina expressa e exclusivament e aos jovens. Tem início a marcha vitoriosa da
tradicional do drama, e ainda que alguns defensores da autonomia e da "te- cultura jovem. Na Alemanha, que tanto nas artes plásticas quanto na cultura
teatralização" do teatro chegassem a exigir que o texto fosse banido, o teatro cotidiana seguia docilmente as influências norte-americanas, passou a haver
radical da época não visava simplesmente a indiscriminada desvalorização no campo do teatro uma recepção empolgada das peças de'Beckett, Ionesco,
do texto, mas sua sal~aç~o: no "teatro de diretor" que despontaváo qüeem ... _ Sartre e Camus como reação ao teatro cultural enrijecido. A confluência da
muitos casos se buscava era justamente arrancar os textos da convenção e filosofia e do teatro do absurdo com o existencialismo encontrou um eco tão
preservá-los dos ingredientes aleatórios, fúteis ou destrutivos da culinária de forte quanto o da descoberta tardia, na Alemanha, de desenvolvimentos artís -
efeitos teatrais." Hoje em dia, quem clama pela salvação do teatro textual dos ticos como o surrealismo e o expressionismo abstrato.Teve início a recepção
crimes cometidos pelos diretores deveria se recordar desse contexto. O maior de Kafka: a música serial e a arte informal ganharam atenção. Enquanto na
perigo que ameaça a tradição do texto escrito vem da convenção antiquada, e Alemanha.Oriental a estética de Brecht - especialmente depois das encenações
não das formas radicais de lidar COm ele. triunfais do Berliner Ensemble - parecia dar o tom (na realidade cotidiana,
porém, ela era posta sob suspeita e combatida em nome de um assim cha-
mado "realismo socialista"), desenvolveu-se no mundo todo e especialmente
na Alemanha Ocidental, por volta de 1965, um novel teatro de provocação eg,e
protesto. Foram embl em áticas para a revolta 'teatral as montagens 4e'Má;atl
Sade, de Peter Weiss, por Konrad Swinarski em Berlim e por Peter Brook em
9 Cf.[ean-Iaques Roublne, Thé ãtre et mise enscêne 188o-198ó. Pâris, ~9'80, pp. 54 ss. Londres [ambasem 1964]. .85
Surgiu'nos anos 1960, culminando no movimentode 68, um novo espírito lumiê re, au delàdes interpretations et d'une causalitéarbitraire" [em sua ver-
de êxperimentaçâo em todas as artes. Em 1963 foi fundado em Frankfurt o
dadeira luz, para além das interpretações e de uma causalidade arbitrária]. 10
Experimenta. O novo "estilo de Brernen" deu o que falar: sob a direção de
Mesmo o teatro da rigorosa crítica do sentido se compreendts como esboço
Kurt Hübner, surgiu um jovem teatro de revolta política e formal, marcado
de um mundo, tendo o autor como seu criador. Mesmo como representação
por Peter Zadek, Wilfried Minks e Peter Stein. Em 1969 esse teatro vai para
do absurdo, permanecia teatro à imagem do mundo. E o teatro do absurdo
Berlim e durante décadas faz ali um teatro com repercussão internacional.
assim cama o novo teatro político de provocação, permanecia comprometido'
Nos Estados Unidos encontrava-se em atividade uma vanguarda criativa
com aquela hierarquia dó teatro dramático que acaba por subordinar os re-
multiforme- nas artes plásticas, no teatro,na dança,no cinema, na fotografia
cursos teatrais ao texto. Permaneceintacto o característico encadeamento do
e na literatura - que se tornou uma comunidade artística na qual a atitude de
teatro dramático de predominância do texto, conflito de personagens, totali-,
ultrapassar as fronteiras entre as artes constituía uma regra, de modo que o dade de uma "ação" por mais grotesca que elaseja ~ figuraçã o do mundo.
teatro convencionaldava a impressão de estar coberto de poeira.A inovadora
"arte ambiental" (já antecipada pelas construções Merz de Kurt Schwitters) se
.i .--. ,.. - -,---,_q~~,~ se faz uma revisão do teatro do absurdo na descrição de Esslin,
; é possível sentir-se por um momento projetado no teatro pós-dramático dos
aproximava da obra da cena teatral ao conceber a integração da presença real
anos 1980: não há "nenhuma ação ou intriga digna de nota"; as peças "nor-
do observador (Rauschenberg). Os empacotamentos de Christo interagiam
malmente não apresentam quaisquer figuras que se pudessechamar de perso-
como "obra" com o grande fluxo de visit antes -A action painting fá é uma
"cerimônia de pintura" com ressonâncias em situaçõesteatrais, na medida em
que a obra, embora exista como objeto por si mesma após a ação artística
r:
nagens'; aparentando ser antes "algo como marionetes"; com freqüência não
"nem começo nem fim"; em vez de espelhos da reaIiciade~ niais parecem
Imagens especulares de sonhos e temores'; sendo muitas vezes constituídas
não de "réplicas fluentes e diálogos burilados'; mas de "balb~cios sem coe-
enfatizada no que tem de próprio,liga-se de modo ideal à sua "cena" de:\lrgi-
menta. Yves Klein apresentou como diretor suas "antropometrias" ~.oriÍ.o um
espetáculo com ~úsica diante dos espectadores. NO.,happening, sobretudo no
rência':Jl É o teatro de Rõbert wilson
ques eClescreve aqui? U~a vez que algo
seme~~nte à "falta de sentido"pode com efeito ser constatado no teatro pós-
dramatlco, há umaten~.!1_~i~~_~?~::p.ar.~_~~~com teatro do absurdo, que já
caso do acionismovienense, a ação ganha os traços de üiifTitúàl. Em 1969 Ri-
chard Schechnerencenou Dioniso 69 [Dionysius 69],em que os espectadores
no nome comporta a-recusa de sentido.A atmO"srerã da"qual"v'ive Q teatro do
eram convidados a entrar em'contato corporal com os atores.
absurdo é fund,ameptada em uma visão -de mundo em termos polí;i'~;s: filo -
" sóficos e litetários :'a e~p eriência da barbárie no século xx, o potenciál fim d~
Nos anos 1960 o "teatro do absurdo" também está sob o foco do inte-
his:ó.ria tornado real (B:iro~~ima), as burocracias sem sentido, a resignação
resse. Ele deixa para trás a compreensibilidade imediata do curso da ação,
mas em meio à dissolução do sentido se mantém assombrosamente aferrado política. O retorno existenciàlista'ao indivíduo e o teatro do absurdo se en-
às unidades clássicasdo drama. Mas o que definitivamente ainda liga Ionesco,
, c~nt~am intimamente ligados. Com Prísch, Dürrenmatt e outros, o desespero '
Adamov e outros autores desse teatro qualificado como "absurdo" ou "poético"
corn ico se converte em um estado de espírito fundamental. A fórmula "sónos
à tradição clássica é a predominância do discurso. Para Ione sco, as palavras
se tornam " écorces sonores d émunles de sens" (cascas sonoras desprovidas de t ,

sentido], mas é justamente' por isso que peças como A cantora careca [La 10 "Eugene Ionesco, Note~ et cantr~-notes. Paris, 1962, p. 159. Ver também GU)" -'Michaud,
. Cantratic~ chauve] devem por fimdeclarar uma verdade cio "mundo"em geral Ionesco: de la dérision à Ian tl-mon ds'; in [acques Iacquot (org) LeTh éãtremede
' '- "--
Paris, 1973. pp. 37-43, esp. p;39.- - , - - , '
., ' u ne, v. 11.

86 sob uma nova luz - anunciar a realidade, escreve Ionesco, "dans sa véritable 11 MartínEsslln,AbsurdesTheaf'er. Frànkfurt am M:in, 1967.p. 12.

\ .
I . .
resta a comédia" expressa a perda da interpretação trágica do mundo como linguagem, com o mesmo peso do texto e podendo ser sistematicamente peno.
totalidade. No cinema, Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick, ao lado dos filmes sados também sem ele. Por isso, não se pode falar de uma "continuidade" do
existencialistas franceses, constitui a tradução vísceral dessa experiência. No teatro absurdo e do teatro épico no novo teatro:" deve-se antes indicar uma
entanto, os diferentes contexto s de visão d~ mund o conferem significados ruptura, já que tanto o teatro do absurdo quanto o épico, por vias diferentes,
inteiramen te diferentes aos procedimentos compartilhados pelo teatro do se atêm ao primado da representação de um cosmos textual fictício, ao passo
. absurdo e pelo teatro pós-dramático: descontinuidade, colagem e montagem, que o teatro p ós-dr amático não mais o faz.
dissolução da narração, privação da fala -e suspensão do sentido. Se Esslín, Também o gênero do teatro documentário, desenvolvido nos anos 1960,
com toda razão, associa os elementos formais doabsurdo aos temas da visão se afasta um pouco da tradição do teatro dramático. Cenas de procedimen -.
de mundo e.destaca especialmente "o :entimento de angústia metafísica em. tos judiciais como audições e declarações de testemunhas tomam o lugar da
face do caráter absurdoda existência humana';" para o teatro pós-dramático representação dramática dos próprios acontecimentos. Seria possível obje-
dos anos 198~ 'e 9-õ ô queseapresenta.na.dissoluçâode certezas universais tar que cenas de tribunal e de interrogatório de testemunhas tambérncons-
não é mais nenhum problema metafísico de angústia, mas um dado cultural tituem um recursodo-teatro tradicional, usado para .criar tensão dramática.
previamente estabelecido. Isso é verdade para muitos dramas mas não se aplica a esse caso, pois o teatro
Qteatro do absurdo é correspondente.ao.dramalír íco, que fazparte da genea- doc~mentário depende muito pouco do desfecho dos interrogatórios ou do
logia (nã~d9' tipo) do teatro pós-dramático. O título da segunda coletânea de julgamento. O assunto de que se trata (culpa política ou moral na pesquisa
peças de Jean Tardíeu, Poemas para brincar [Poemes à jouerl, de 1960, indica a atômica, guerra do Vietnã, imperialismo, responsabilidade pelos horrores
direção. Uma-peça comOColóquio-sinfonieta [Conversation-Sinfonietta] constrói dos campos de concentração) já foi decidido há muito tempo, histórica e po-
uma composição musical a partir de fragmentos da linguagem cotidiana. Em liticamente, fora do teatro. Desse modo, a representação documentaria se en-
O ABC da nossa vida (fA BC de notre vie] - escrita em 1958 e montada pela pri- contra diante de uma dificuldadesimilar àquela de qualquer drama histórico,
meira vez em 1959 (com música de Anton Webern)- encontra-se a designação que precisa tentar o impossível: reapresentar um acontecimento já conhecido
de gênero "poema para o palco': com solista e coro. Há ainda umap-eça se~1 historicamente corno algo incerto, que só se decide no decorrer do procedi-
personagem - Voz sem-ningu ém [Voix sans personnei - na' qual apenas ressoam mento dramático. A tensão não está colocada no curso dos acontecimentos;
vozes num espaço vazio. Em comparação com o teatro pós-dramático, o "teatro antes, é freqüentemente pensada e objetivada de modo ético-moral - não se
poético':que Esslin queria distinguir do teatro do absurdo," está muito maispró- trata de mundo dramático narrado como mundo "comentado".15 Não obstante,
ximo deste.Trata-se de um teatro literário, nas tradições do teatro dramático, de autores menos coerentes como Rolf Hochhuth não escaparam da tentação
modo que um fosso o separa do teatro pós-dramático. de reconverter o material documentário em moeda dramática, o que à época
Façamos um resumo: o teatro do absurdo, assim como o de Brecht, per- provoco~~~;1tica mordaz de Adorrio.
tence à tradição teatral dramática; alguns de seus textos ultrapassam as fron- Ê questionávelsea tão evocada pretensão política do teatro documentário
teiras da lógica dramática e narrativa, mas o passo para o teatro pós-dra- poderia ter sid? exercida se ele assimilasse formalmente a norma dramática.
mático só é dado quando os recurs os teatrais se encontr am para além da

14 Gerda Poschmann, Der nicht mehr dramatiscne Theatertexi. Aktuelle Bilhnenstilck'únd ihre
12 Ibld., p. 14. dramatische Anaiyse, Tübingen, 1997, p. 183.
88 13 lbld., pp. 15-16. 15 Cf HaraldWelnrich, Tempus. Besprocheneunderzãhlte Welt. Stuttgart, 1971.
faladas" de Peter Handke. O teatro se reduplica. cita seu pr6prio discurso.
Peter Iden.afirrnou em 1980 que O vigário [Der Stellvertreter], de Hochhuth,
A referência ao real só ocorre como "enunciação" indireta: somente quando
permanecia "despreocupado" demais "com sua própr ia forma dramática" e
há um desvio de rota em relação aos meandros internos dos signos teatrais, à
por 'isso não era realmente uni teatro político, ao passo que a célebre mon-
sua qualidade radicalmente auto-referente. A problernatízação da "realidade"
tagem de Tasso por Peter Stein provavelmente era." Ficou evidente que ao
coma realidade de signos teatrais se torna uma metáfora para o esvaziamento
se lidar com os clássicosno teatro era cada vez mais "o caráter dramático da
das figuras de linguagem, que se dobram sobre si mesmas. Quando os signos '
matéria" que se traduzia "como drama do esfacelamentode todos os recursos
não mais podem ser lidos como referência a um determinado significado, o
tradicionais" (a metáfora do drama talvez não seja muito adequada para a
público fica perplexo diante da alternativa de pensar sobre o nada em face .
perda dós recursos de representação trad icionais). O autêntico conflito da
dessa ausência ou ler as próprias formas, os jogos de linguagem e os atores ,
.matéria dodrama havia sido transposto para "o modo de lidar com ele'."
em seu modo de ser aqui e agora. De certa forma, um texto pensado como ;
Essa constatação diz respeito à aguda oposição entr e o tradicionalismo dra-
"afronta ao público': na medida em que ex negativo faz de todos os critérios
mático e aos esboços de uma prática teatral distinta no Tasso de Stein. (Por
.. - • " 0 . "''(lo. teatro. dramátic o seu tema, ainda permanece preso a essa tradição "na
certo, o próprio Stein não conduziu essa fratura ou rompimento do teatro
qualidade de metadr ama ou rnetateatro" como diz Pfister (com característica
mediante uma decisão consciente. O que ele logo desenvolveu, consideravel-
índecisão)." Contudo, ao mesmo tempo ele aponta para o futuro do teatro
mente apoiado por Dieter Sturrn, foi a estética do Schaubühne, que deve ser
ap6s o drama.
chamada de neoclássica e que, com razão, foi P.9r vezes louvada como uma
As mencionadas modalidades do teatroneovanguardista sacrificam deter-
das realizações mais brilhantes do teatro dramático na época em que ele era
minadas partes do modo de representação dramát ico, n~~snõ -final mantêm
posto em questão.) O que aponta para o futuro no teatro documentário não é
intacta a conexão'decisiva que institui a-unldade entre o tex~p de uma ação,
tanto a vontade de interferir politicamente, nem muito menos sua drarnat ur-
. de um relato ou de um prçcedimento e a.r~presentação teatral orientada por
gia tradicional, mas sim um traço que foi alvo de crítica e rejeição. Ele,de'fato
ele. Essa conexão é rompi da no teatro pós-dramático das últimas décadas.
"dramatiza" documentos, mas ao encenar a audiência, o relato e ojulgamento
Intermedialidade, civilização das imagens, ceticismo quanto às grandes teo-
também aponta uma clara tendência para formas similares.a çrafó rios, para o
rias e rnetanarratívas acabamcom 8: hierarquia que havia assegurado não só a
ritual. Essa tendência aparece de modo contunden te em A instrução [Die Er-
subordinação dos .rêcursos teatrais aot~~to> como lamb érn..'· dessa maneira
". . . .. ...
mittlung); de Peter Weiss, que não por acaso resultou de sua lida com Dante e .' )

a sua coer ênciamútua. Já não se"tfata'apenas-da'afirmação e do recbilheci-


do plano de escrever uma espécie de "Inferno" O horror dos campos de con-
menta da contribulçã_~própria da enceriação como'projeto a~tlstiêo-teatral.
centração é representado em canções que elevam a matéria da enunciação à
Ocorre que as relações co~stitl.!tivas do teatro dramático se invertem. pri- ··
dimensão de uma efetivarecitação litúrgica:
meiro de modo velado e depols de modo evidente: não mais está em primeiro
Pode-se dizer que nos textos excepcionais daqueles anos o modelo de co-
plano a questão de saber se e como o teatro "corresponde" adequadamente ao
municação dramático é questionado de modo mais claro do que na prática
texto que tudo irradia; antes, cabeaos textos respond er se e como podem ser
da direção.Assim, pert encem à genealogia do teatro pós-dramático as "peças
um materi.alapropriado para, a, ~ealização de um projetoteatral, O teatro já
não aspira à.totalidade de uItla composição estética feita de palavra, sentido,
16 Peter Iden, "Am Ende der Neulgkeiten. Am Anfang des Neueni" Theater 1980 [anuário], I
p.126. 18 Manfred Pfister, DasDrám~: il'i~~lque; ,1980, P./330. 91
90 17 Ibld., p. 127.

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som, gesto etc., que se oferece à percepção como construção integral; antes,
assume seu caráter de fragmentoOé'de-parciali~ade. Ele ab~lica_,do_critério da
'. ,.' 0 •• - _. \ " . .0 ••

unidade e da síntese, há tanto tempo inc9ft~§tável;!7'se dispõe oportuní- à

dade (ouao perigo) de confiar em estímui?s isolados, pedaços e microes-


truturas de textos para se tornar UIíl}lQY.b. tipo de 'prática. Desse modo, ele
.descobre uma inovada presença do performer á partir de uma mutação do
actor e estabelece a paisagem tê~ttal multiforme, para além dás formas cen-
tralizadas do drama, ' "<,,
Uma breve retrospectiva sobre as vangua.rda~ históricas

/,.

(
uma:'contextualízação das formas de teatro mais recentes tem de fazer refe-
rência àsvanguardas hlstórícas, já que foi com elasque teve início desmoro-
ó

namento da dramaturgia clássica tradicional, pautada pelo priil.cípio das uni-


dades. Evidentemente, não se-trata de complementar a abundante literatura
sobre essaépoca,nem mesmo de estabelecer o ínventárlo das diversas lnfluên-
elas das vanguardas histórícas sobre o teatro pés-dramático, mas apenas de
destacar algumasposiçõese desenvolvimentos qUê são de especial interesse à
_.-._--_.~-""'--_._-~~
luz-do teatro pós-dramático.

Drama lírico, simbolismo

Em sua análise do teatro que ele chama de "formalista'; Míchael Kírby pro-
põe que se-faça uma distinção entre um modelo "antagonista" e um modelo
"hermético" da vanguarda. Ele nota, COIU razão, que é no mínimo unilateral
a noção bastante difundida de que o teatro de vanguarda teve início Com o
escândalo teatral em torno de Ubu Rei [Ubu Roi], de Alfred Iarry,na Paris de
1896, Apenas a linha "antagonista" (naquele tempo a palavra "merde" n9)rtÍ-
elo da peça ainda conseguia "épater le bourgeois"l) tem início aqui,.e'é{;nduz,
92 passando pelo futurismo, pelo dadaísmo e pelo surrealismo, à nova estética 93
da provocação. Paralelamente, mas um pouco antes, começou com O simbo- reclamam, a única coisa importante, ao passo que para o poeta - bem enten-
lismo o que Kirbychama de vanguarda "hermética": dido: também para o poeta do teatro - constituem superficiais concessões' ao
desejo do público, que aspira à representação daquilo que considera como a
Avant-garde theatre began - before thatfirst performance ofUbu Roi - at least with realidade reconhecível. O mesmo vale também, como Maeterlinckafirma ex-
the Symbolists. Symbolist aestheiics demonstrate a turning inwurd, away from the pressamente, para aquilo que é chamado de "estudos dos caracteres". Nessas
bourgeois world and its siandards, to a more personal, private, and extraordinary teses, renuncia-sea toda a estrutura de tensão, drama, ação e imitação. Como
world. Symbolist performance was done in small theaires. It was detached, distani, . atesta a expressão "drama estático': é abandonada a idéia clássica do tempo
and staiic, lnvolving little physical energy. lhe lightning was often dim, lhe actors linear e progressivo em favor de um "tempo-imagem" bidlmensional, de um
often worked behind scrims (...]. lhe art was self-contained, lsolated, complete in tempo-espaço.
itself. We mn call thisthe 'hermeiic' modelofavant-garde performance:'

.. - - ~ - -.
Forma estática, espíritos
~.-

o teatro dos simbolistas constitui um passo no caminho para o teatro pós-


dramático em razão do seu caráter estático e da sua tendência à forma do Sabe-se que naquela época o teatro asiático se tornou uma fonte de inspira-
monólogo. Mal1armé propõe uma concepção centrada em Hamlei, segundo ção para o teatro praticado na Europa. Paul Claudelformula com entusiasmo
a qual essa peça só conhece propriamente um único herói, relegando todos sua diferença em relação ao drama: "Le drarne, àst quelque chose qui arrive,
os outros personagens a "comparsas". Daí sai tiD;a linha q\le leva ao modo le nô, àst quelq'un qui arrive" [O drama é algo que-sobrevém,...? yô é alguém
como Klaus Michael Grüber encenou Fausto ou como Robert Wilson ence- que sobrevémj'l' Essa formulação sugere a oposição fundament~l entre tea-
nou Hamlet: um teatro neolírico que entende as cenas como lugar de uI?a tro dramático e pós-dramático: aparição em lugar de desdobramento de ação,
"escritura'; em que todos os componentes do teatro se tornam caracteres' de atuação em lugar de representação. Para Claudel o nó era uma espécie de
I

um "texto" poético. É significativa a observaçãode Maeterlinck: "A peça de tea- "drama monopessoal, apresentando a mesma estrutura do sonho'.' Na busca
tro deve ser antes de tudo um poema': Em seguida ele esclareceque O poeta, de um "novo cerimonial teatral" (Mallarmé), encontrou-se entre os japo-
só por causa das insistentes pressões daquelas "circunstâncias" que tomam neses um teatro total com·um horizonte.rnetaflsico. Assim como a ode no
nossas "convenções" pelarealidade,trapaceia um pouco e introduz "aquie ali" simbolismo de Mall~~mé, também a missa católica p~diã servir de.rnodelo
indícios da vida cotidiana. Mas esses temas que para o poeta de Maeterlinck .. para o teatro. É evidente que o caráter cerimonial do teatro asiático ofereceu
não passam de um meio-termo quase sempre são para as pessoas, conforme um incentivo para tais visões, Conquanto de não tenha quasenen.huma li-
gação com o "drama" realista europeu, há um modo de percepção ritual que
MichaelKirby, A Formalist Theatre. Pensllvânia, 1987, pp. 99-lOÓ. ["Oteatro de vanguarda permite traçar uma linha que vai do teatro asiático até Wilson através. de
começou - antes daquela primeira representação de Uhu Roi - no mínimo com os sim- Maeterlinck e Mal1armé.
bolistas. A estética simbolista demonstra uma virada para o interior, distanciando-se do
mundo burguês e dos seus padrões para um mundo mais pessoal, privado e extraordiná-
rio. A representação simbolista tinha lugar em pequenos teatros.Era indiferente,distante
. "
2 Peter.Szondl, Daslyrísche Dra11Ja. Frankfurt am Main, '975, p,360 .
e estática, envolvendo pouca energia física. A iluminação costumava ser fraca. Os atores Paul ClaudeJ; apud Moriaki Witanabe, "Quelqu'un arríve" Théãtre en Europe, n, 13, 1987,
I ..
costumavam atuarpor trásde reposteiros. A arte era reservada, isolada, completa em si pp.26-30 •
94 mesma.Podemoschamarisso de modelo 'hermético' da representação de vanguarda."] 4 Ibid., p.30 . 95

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I
Na concentração em torno do ritual manifesta-se uma experiência que Poesia cênica
dificilmente pode ser designada sem a antiquada palavrafdestíno" Em
Maeterlinck o tema se torna explícito e centr al. Con trapondo-se à causali- Resta porém uma diferença essencial entre o novo teatro e a concepção tea-
dade trivial da experiência cotidiana, o teatro deve exprimir a entrega dos tral simbolista: esta, por oposição ao teatro de espetáculo, predominante à
homens ao destino de acordo com uma lei que permanece obscura. Seria um época,visava a predominância do discurso poético no palco. No entanto, não
. erro refutar tais concepções, decerto problemáticas, de um pon to de vista era mais o texto para os papéis que se considerava como a essência do texto
crítico-ideológico. Ainda que mais tarde, conl'-WJlson, 6 chamado "teatro das teatral - como ocorria no teatro.dramático - , e sim O texto como poesia, que
imagens" tenha engendrado uma peculiar aura de destino, na medida em que por sua vez deveria corresponder à própria "poesia" do teatro. Também Mae-
as figuras parecem estar à mercê de uma magia misteriosa. iessa representa- terlinck (assimcomo Craig) afirmava que não era possível montar as grandes
çãoteatral não pode se~ id~ntificad~ co~'íima tese esclarecida, uma ideologia peças de Shakespeare, porque elas não eram de modo algum "cênicas" e sua
. do destino. Na"ci'ran1àtúigrà"estátid' deMaet~~ijnck\rata-se da comunica- encenaçãoseria perigosa.' Com isso, tornou-se concebível não só a dissolução
--
ção de uma experiência de estar entregue, que no teatro nó se dá por meio da tradicional fusão de texto e palco, como tamb ém a perspectivade uma nova
do recolhimento da vida humana no mundo dos espíritos que retornam. Não relação entre texto e palco. À medida que o texto teatral passou a ter o valor
é nenhum acaso que os bonecos, .asmarion etes,.osautômatos manipulados de uma grandeza poética independente e que a "poesia" do palco, liberada do
estejam situados no âmago da concepção teatral tanto de Wilson quanto de texto, passou a ser pensada como uma poesia atmosférica própria, do espaço
Maeterlinck.Em um de seus primeiros textos, "Um teatro de andróides" ["Un e da luz, inseriu-se no campo do possível um dispositivo teatral que instalou
th éâtre d'and fõides"], Maeterlinck escreve: "I! semble aussi quetout êire quia no lugar da unidade automática a dissociação e em seguidaa combinação livre
Iapparence dela viesans avoir Iavl e.fasse appel à des pouissances extraordinai- (libertada) não só de texto e'pálco, mas de todos os signos teatrais.
res. [...] ce sont des morts qui semblent nousparler; par conséouent, d'augustes Assim, do ponto de vista do teatro pós-dramático, desloca-se da periferia
voix" O teatro pós-dramático de um Tadeusz Kantor, com seus objetos e para o foco central do interessehistórico o drama lírico e simbolista do jin de
aparatos animados, enigmáticos, assim como os espíritos e fant:i\s.ffi-~_hJstó ­ . sie~/e, que recusa os axiomas dramáticos de ação a fim de chegar a uma nova
ricos no texto pós-dramático de um Heiner Müller se inserem nessa tradição-" - .. poesia teatral. Como afirma Bayerdõrfer,
da manifestação teatral do "destino" e dos espíritos, que são decisivos para a
compreensão de todo o novo teatro, como mostrou Monique Bor ie." a exigência de um "th éãire siaüque" por Maeterllnck constitui a primeira dra -
matu rgíaantlaristot élica da modernidade européia, mais radical do'que muitas
quevieram depois, pois abandona o fator central aristotélico da .definl ção, a ação
(pragnia) .- embora Maeterlinck tambémafirme queos traços mais importantes

Maurlce Maeterlinck, apud DídlerPlassard, I:Acteuren effigie: figures del'homme artificiel


dans le th éãtre des avantgardes htstortques - Allemagne, France, ltalie. Lausanne, 1992, p. 38. 7 "Que/que chose d'Hamlet est mortpour naus, le[our oã naus Ihvons vu maurir surlascene.
["Parece tambémque toda criatura que tem aparência devida sem ter vida remete apotên- Lespectre d'un acteur Ih détrôné, et nous nepouvons plus écarter l'usurpateur de nos rê.l!8s."
cias extraordinárias. [...]são osmortosque parecem falar conosco; porconseqüência,vozes [''Algo de Hamlet morreupara nós no dIa em que ovimos morrer emcena. O.espêctro de
augustas:'] um atorodestronou, enão mais podemos afastaro usurpador dos nossos sonhos:'}Mauri-
6 Monique Borle, LeFantôme ou le th éãire quidou te. Paris, 19n, ce Maeterllnck, apud Plassard, op. cít., p. 35. 97
de seu ·"teatro estático" já se encontrassem em essência realizados na tragédia tica cênica simbolista no exemplo do drama lírico A guardiã, de Régnier. O
·--grega antes de Aristóteles, especialmente em Esquilo." poema era lido por atores que se encontravam no fosso da orquestra, invisí-
veis para o público, enquanto a ação se desenrolava no palco em pantomima,
Certamente pode-se apontar outras formas históricas antigas que tomaram por trás de uma cortina de tule. Por um lado, tratava-se da idéia ousada e
distância das máximas dramáticas. O monodrama, o dubdrama e o melo- inaugural de "cindir movimento e fala" e mediante essa "dissociação de acon-
drama do século XVIII, por exemplo, consistem em uma espécie de tragédia tecimento cênico e palavra" tomar distância da tradicional "concepção das
curta que se restringe a uma cena, a uma situação, e que ocasionalmente era dramatispersonae como figuras definidas, fechadas em si mesmas". Por outro
chamada de "drama lírico" já naquela época. Na Teoria das belas-artes de lado, essa decomposição do modelo dramático só poderia se justificar com-
[Iohann Georg] Sulzer.de 1775, lê-se; "A denominação 'drama lírico' indica pletamente se houvesse uma conseqüente renúncia à ilusão de uma realidade'
que aqui Hão tinha lugar uma ação que se desenvolvesse progressivamente reproduzida, o que só ocorreria mais tarde, na forma teatral pós-dramática.:
com impactos, intrigas e empreendimentos entrecruzados, como no drama _ __~zondi toca no ponto crucial quando atribui o fra-casso desse estilo de ence-
elaborado para o espet áculo'," Como mostra Szondí, a situação da poética dos nãÇãõii" "contradição entre o antlllusionismo da dissociação de representação
gêneros é evidentemente outra no caso do drama Iíríco de Mal1armé, Mae- muda e voz e os recursos ilusionistas com os quais se pretendia conferir uma
terlinck, Yeats ou Hofrnannsthal, em que essa forma se torna o "emblema da aura de mistério à: representação e às vozes'." Ao olhar para o passado sob a
impossibilidade histórica da tragédia em cinco.atos"..1O Para o autor, Ontem perspectiva do atual "teatro high-tech", pode-se cogitar se a curta' existência
[Gestem] , a peça de juventude de Hofmannsthal, ainda é um "drama em mi- do drama lírico não estaria também associadaao fato de-que,ainda não es-
niatura'; uma vez que a lei fundamental do gênero dramática do "provérbio" tavam disponíveis as condições técnicas para conferir suficiente densidade
(a inversão da tese inicial do herói) se encaixana norma da peripécia drarná- à poesia cênica, de modo que a palavra poética e a realidadé cênica não se
tlca." Com A m~rte de Ticiano [Del- Tod des Tizian] teria início a s ériedeseus . tornasse tão irremediavelmente conflitantes entre si. . . --.. ...
autênticos dramas líricos, "cujo plano não é a ação, mas a situa çã o, a cena,
como ocorre em Herodiada [Hérodiade J, de Mallarrné, ern:Agúardiã [La Gar- Atos, ações
dienne], de Henri de Régnier, e nas duas peças de Maeterlinck publicadas em ..... - _o.
1890, A intrusa [L'Intruse ] e Os cegos [Les Aveugles]': Uma outra questão diz respeito àrelação do teat.r0 pós-dramát ico com.aque-
Segundo Szondi, o caráter "estático do drama lírico, voltado para uma les movímentós de vanguarda que, proclamando o desmantelamento do con-
única direção e sem intri ga': manifesta uma "reação ao drama ou a dificul- texto, o privilégio dafalta de sentido e da ação no aqui e agora (dadaísmo),
dade do drama de sua época': oque levará àsformas 40 drama moderno e a abandonaram o tea tro co!ho~:obra" e produção de sentido em nome de um
uma prática teatral diversa. É elucidativo o comentário do autor sobre a prá- impulso agressivo, de um acontecimento que incluía o público em ações (fu-
turismo) ou sacrificava o nexo causalnarrativo em favor de outros ritmos de
representação, em especial a lógica do ~~nhó (surr ealismo). Na.concepção
Hans-Peter Bayerdõrfer,"Maetedi ncksImpulse für die Entwícklung der 'Iheatertheorie" in
de Kirby, trata-se d~ ·linha "antagonista" da vanguarda. O dadaísmo, o futu-
Dleter Kafitz (org.),Drama und Theater der[ahrhundertwende.Tüblngen, 1991, p.125.
rismo e o surrealismo queriam atacar o espectador de tal modo a afetá-lo não
9 [ohann G. Sulzer, apud Szondi,op. clt., p. 19.
I
. ' . '-
\O Szondl, op. cít., p. 19.
11 Ibíd., p, 352. 12 Ibid., pp. 143-44,
99

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só mentalmente como também. corporalmente.Fcí determinantepara a esté- desenvolvimento d~ uma cultura cinematográfica, faz da atração, do episó-
tica teatral o deslocamento da obra para o acontecimento. É certo que O ato da dico e do caleidoscópio um principio. De início freqüentado apenas pelas
observação, as reações e as "respostas" latentes, ou rriais incisivas dos especta- camadas mais baixas, o espetáculo de variedades acabou se estabelecendo
dores desde sempre haviam constituído um fator essencial da realidade tea- como um divertimento também muito apreciado pelas classes superiores. O
tral, Irias nesse momento se tornam um componente ativo do acontecimento, entusiasmo da dança e o deleite com a perfeição das atrações tomam conta
de modo que a idéia da construção coerentede uma obra teatral acabapor se das vanguardas. Tais representações se -tornam tema de novas imagens do
tornar obsoleta: um teatro que inclui as ações-e--e)(:pressões'dos espectadores corpo. O cabarée O espetáculo de variedades vivem do princípioda parábase,
corno um elemento de sua própria constituição não-pode se fechar em um quando o ator sai de seu papel e se dirige diretamente ao público. O cabaré
todo nem do ponto de vista prático nem,do teórico. Assim,' o acontecimento se baseia na possibilidade de aludir a uma realidade de vida que é comumao
teatraltorna explícitas tanto a processualidàde que lhe é própria quanto a lm- intérprete e ao público, contendo por isso um fator de performance que está
prevísíbilidade ~elãimplídtà. De-modo-análogo A.9istinção de Derrida entre Inseparavelmente ligadoao modo devida urbano, à culturacomumda cidade,
a estrutura fechada ("c!ôturé") do livró e a processualidade aberta do texto, o na qual as i~f0tmações e os gracejos são compreendidos de imediato. Tudo
lugar de uma obra teatral fechada nela mesma, embora estendida no tempo, isso contribuiupara a reformada torre de marfim da arte e ao mesmotempo
passaaser ocupado pelo ato- e o processo expostos.de uma comunicação tea- lnspíróu o desejo de um teatro que fosse um acontecimento feito por todos os
tral agressivaenigmaticámente esotérica ou comunitária. participantes na atualidade compartilhada do aqui e agora. ComodiziaOskar
Pode-se ver nessa transição da mensagem bem delineada para o ato per- Panizza em 1896, o espetáculo devariedades logoseriapreferidoao teatro em
formativo umãrecolocação de especulações artísticas do primeiro rornan- razão de sua sensualidade, sua capacidade de entretenimento e seu descaso
tismo nas quais se procurava uma "simpoesia" de leitor e autor. Essa noção pelo "bom gosto';"
não pode ser conciliada com a idéia de uma totalidade estética da "obra" de O princípio do desmantelamento do contexto tem a ver com a transfor-
teatro. Caso se queira usar a antiga imagemdo símbolo- um objetoé partido mação da experiência cotidiana, que parece ser impossível de transpor no
ao meio e depois uma das lascas identifica como "autêntico" o met.l~ªgei~? tea.tro da placidez. Por volta de 1900 OUo Iulíus Bierbaum observava: "O ho-
quando ele a encaixa na-outra lasca -, o teatro só manifesta propriamente mem urbano atual tem (...] os nervos do espetáculo de variedades; ele rara-
uma metade, e é como se ele esperasse pela presença e pelo gesto do especta- mente é ainda capazde acompanhargrandes contextos dramáticos, de afinar
dor desconhecido que apresenta a outra lasca por meio de sua intuição, sua sua sensibilidade com O tom de três horas de teatro;ele quer variedade';" Pica
via de compreensão, sua fantasia. claro aqui que o princípio formal da sucessão de atrações está diretamente
ligado à estrutura temporal da montagem teatral. Uma percepção da cidade
Rapidez, atrações grande, cadavez mais impaciente, requer uma aceleração que será reencon-
trada no teatro, O ritmo do vaudeville, com suas técnicas de transição rápida,
o teatro moderno foi influenciado de maneira determinante pelas formas sua brevidade e seu humor, passa a ter influênciasobre as formas "elevadas"
de entretenimento populares, entre as quais se destaca o princípio da atra-
,.-
ção. Esta tem lugar no cabaré, no espetáculo de variedades, no teatro de re-
13 Oskar Panízza, "Der Klassizismus und das Eindrlngen des Varíeté" Die Gesellscháft, outu-"
vista, na circo, no filme grotesco ou nos teatros de sombra que surgem em bro de 1896, pp. 1252-74.
100 Paris por volta de 1880. Especialmente a nova técnica de filmagem, com o 14 Otto ], Bierbaum, apud [elavich, op.cít., p. 255. 101
de teatro,: Amúsica ganha m aior imp ort ância como eleme nto de int egração e Gertrude Stein fala de sua idéia de "peça-paisagem",isso apare ce como rea-
intermediação, as canções realizam a função que os Lieder tinham nas peças ção à sua experiência pess oal de que o teatro sempre a deixava terrivelmente
p opulares. Ganham terrenona dram aturgia as pe ças de um só ato. O desma n- "nervosa" porque sempre se referia a um outro temp o (passado ou futuro) e
telamento do tempo teatral em peças cada vez mais curtas é assim influen- exigia um esforço con tín uo dur ante sua observação. Trata-se de um mo do
ciado pelo novo ritm o de pausas breves. O teatro p ós-dramático transferirá de perceber. Em vez de observa r o que ocorre no palco com uma tensão ner-
esse desmoronamento da continuidade também pa ra os dramas clássicos. Ao vosa - tra duzamos calmamente: dramática - , deve-s e observar o pa lco como
pass o que o ritmo dramático é dissolvid o na dr amaturgia estática e depo is se contempla um parque ou uma paisagem. "A myth is not a siory readfrom
na "estética duratíva'; o teatro acelera de tal maneira o ritmo que o dr ama leftto right, from beginning to end, but a thingheld[ull-in-viewthe whole time.
acaba sen do desmantelado. Em muitas encenações dos anos 1980 e 90 - basta Perhaps this is what Gerirude Stein meant by saying that thepia)' hencefortlt
pensar em Leander Haussmann - o despedaçamento das ações e do tem po is a landscape", afirma Thornton Wllder,"
se manifesta em números in dividua is. A con exão dialét ica entre as duas de- --.,_'''"--- -Nos textos deSteln, os esclarecim entos- bast'anté sucintos - de sua con -
_ _ w. _

formações do temp o vem à tona tão logo se considera o desdo bramento da cepção teatral estão sempre ligados a imagens de paisagens verdadeiras . Em
estética temporal do teatro pós-dramático. ~5 face da estética teatral atual, cada vez mais pautada pelo aspecto urbano, pa-
rece ques tionável a tese de que uma versão da antiga forma da pastoral foi
Peça-paisagem consolidada no novo teatro. Se com freqüê ncia,.exíste a tent ação de descrever
o palco do novo teatro C0 1110 paisag em, a responsabilidadêémaís dos traç os,
Ao lado de Cra ig, Brecht, Artaud e Meyer ho ld, Gertrude Stein e Stanislaw antecipados por Stein, de uma desfocalizaç ão e de uma equijalência das par-
Witk iewicz são dois antep assados do teatro de hoje. Ao passo que os textos tes, da renúncia a uma época orientada teleologicamente eda.p reçlo~n~nância
de Ger trude Stein apresen tam uma relação com o cub ismo, Witkiew~~:z,;Veio de uma "atmosfera'tsobre ospr~~ed'imerifos' dra má ticos e narrativos. O que
da pintura para o' teatro, Esses fatos são elucidativos. Fazem p art e da pré- se torna característico aqui é menos o asp ecto pastoral e mais a compreensão
hist6ria do teatro pós -dramático proje tos que concebemo-teatro, o palco e do teatro corno poesia ..c;.~n~ca integral. Elinor Fuchs no ta com razão que "é
o texto como uma pa isagem (Stein) ou,como uma construção que deforma sobret udo o tom lírico, es~en~i~i~~;ite e'statiéó'e reflexívo.qne é a chave para
a realidade (Witkiewicz). Os 'dois projetos p erman ecer am a seu tempo ligar [Richard] Foreman retrospectivamente a Gertrude Stein e Maéterlínck
como teoria pur a, pelo menos para o teatro . Os textos de Stein pr aticame nte e horizontal m ente a (Robert] Wilson e a vár ios contemp or ân eos qu e c~iam
não foram montados e tiveram mais o efeito de provocações produtivas; encenações como pai~ageps". 17 Gertrude Stein não fez mais que tran spo r para '
Witkiewicz form ulou uma teoria à qua l suas próprias peças correspondiam o teatro a l óglc á artística dé -seús textos, o princípio do presente contínuo e
de mo do apenas parcial. Os dois projetos se encontr am em p é de guerra progressivo de enca deamentos sintáticos e verbais que, como ocorre depols
com o aspe cto temporal dinâmico da arte teatral. Seu p otencial inovador s6
se torn a clar o retrospectivamente, depois que o fator estátic o apareceu cad a
vez mais como um a oportunidade do teatro na sociedade midi ática. Quando 16 Jhornton Wilder, apudElinorFúc~S; The Death Df Character. Perspeciives onTheater afterMo-
derniSiii: Indiana, 1996, p. 93. ["Um mito não é umahistórialidadaesquerda paraa direita,do
começoao fim,masuma coisa que_set em.lnteiranieiite à vista o tempo todo. Talvez seja isso o
15 A respeito de toda esta seção, ver: Harold B. Segel, Turn oflheCentury Cabarel, Nova York, quequisdizer GertrudeSiefil 'q;;ndo a~rmou q~e daqui em diante a peçaé umapaisagem:']
102 1987: Claudlne Amlard-Chevrelíorg.), Du Cirque nu theatre. Lausanne, 1983. 17 Fuchs, op. cit.,p. 10 2. . ' 103
na música minimalista, pare~em marcar opassG de modo "estático", mas na ser assimiladas ao mesmo tempo que o significado.:De modo latente, anuncia"
verdade são sempre acentuados de maneira novaiem variações emodulações se já com esse desenvolvimento a teatralização das artes: ler
e ver se tornam
sutis. O texto de Steinjá é de certo modo a p~isageI11;JÜn u~ grau até então mais encenar do que de interpretar. Contudo, '0 próprio teatro só recupera
inaudito, emancipaa oração em relaçãoà frase;a palavra em relação à oração, posteriormente esses desenvolvimentos de outras artes, justamente com teo-
o potencial fonético em relação ao poteíiclàl semântico, o som em relação ao rias como as de Stein e Wítkíewícz.
sentido. Assim comoem seus textosa reprodução da realidade dá lugarao jogo Witkiewicz é o precursor do teatro do absurdo, mas também antecipa te-
das palavras, no "teatro Stein" não se encontradrama algum, nem mesmo ses de Artaud com uma similitude de formulação às vezes espantosa. Em seu
uma história,não se podem distinguir quaisquer protagonistas e faltam até texto "Novas formas da pintura', ele argumenta que o teatro da "forma pura"
papéis e personagen~ identificáveis. ..... é compreendido como uma construção absoluta de elementos formais, sem
Aestética-deSt~i~l~m grandeimportânciaparao teatro'pós-dramático- fora apresentarnenhuma reprodução da realidade." Dessa maneira, e somente as-
da América do Norte, ;~~i~c'~mo um
'elenrento subjacente. Bonnie Marranca sim, ele é capazde representar uma metafísica. O pensamento de Witkiewicz
enfatizá sua influência sobre a vanguarda e a performance." Depois que o é pessimista. Efe'estãconvencido de que a unidade metafísica irá perder todo
Living1heatre montou Vazes de senhoras [L adies Vaices], em 1951 (1), e que o sentido; mas até então ainda são possíveis manifes tações individuais desse
grupos cornoIudson Poets Theatre, La Mama e Performance Group passaram contexto, também no teatro. A tarefa do teatro consiste em comunicar um sen-
a representar pe ças de Gertrude Stein com mais freqüênciana década de 19 60 , timento da "unidade" da totalidade universal em meio 11 diversidade. Por isso,
nos anos 1970 foram Richard Foreman e Robert Wilson que trouxeram para o são paradigmáticos para eleas tragédias antigas, osmistérios da IdadeMédia e
.... -
- ' "

teatro um uso da linguagem inspirado em Stein. o teatro do Extremo Orient~ ~Yma vezqueo teatro apresentaa desvantagem de
ser constituídopor elementos heterogêneos, Witkiewicz o inclui entre as artes
Forma pura "complexas', nas quais a forma pura nunca pode ser alcançada por inteiro, mas
apenas - à diferença da pintura - em gradações. De todo modo, o que está em
As idéias de Gertrude Stein têm pontos de contato com a "teoria daforma pauta não pode ser um teatro que trata, por exemplo, dos conflitos de homens
pura" de Stanislaw Witkiewicz. Sua idéia fundamental é recusa da mimese a "normais", mas que obedece ao preceito de "afastar-se da vida". Em vez de rní-
.no teatro. A peça deve seguir unicamente a lei de sua composição interna. mese da realidade, trata-se de uma construção pura estritamente exterior, que
Desde Cézanne, na pintura, edesde a poesia. francesa, na literatura, verifica- pressupõe uma metódica "deformação da psicologia e da ação" - uma teseque
-se uma autonomização dos significantes, cujo jogo se torna o aspecto domi- Witkiewicz partilha com o surrealismo e com o posterior teatro do absurdo.
nante da prática estética. A pintura enfatiza a exigência perceptiva de que o Em um tal teatrose combinariam uma completa arbitrariedade dos elementos
caráter inexprimível da própria imagem seja materializado com tanta inten- em relaçã~àVida real e uma montagem extremamente precisa e perfeita.
sidade quanto aquilo que é ilustrado e expresso por ela. A poesia exige uma Esses pensamentos, muito distantes da realidade habitual do teatro são
leitura que acompanhe o jogo a princípio sem sentido dos próprios signos provenientes sobretudo da pintura, de onde Wltkiewicz tira seus exemplos.
lingüísticos. A tipografiae a sonoridade da linguagem, sua realidade material
como som, grafia, ritmo - a famosa "músicanas letras"de Mallarmé - devem 19 Cf.Alaín van Crugten, S, 1. Witkiewicz. Aux sources d'un titéã tre IJouveau. Lausanne, 1971,
PP·114- 15·
-..
. 104 18 Bonnie Marranca, EcologiesofTheaire. Baltimore, 1996, p. 18.. 20 . Cf lbld., p. 281. 105
Essa prop.epsão para a pintura confere um caráter estático tanto à sua teoria as formas do monólogo e do coro, bem como uma seqüência de cenas mais
quanto às suas pe ças." No entanto, suas idéias encontraram uma realização Iírica do que dramática, já na "dramaturgia do eu" e no "drama de estações"
posterior nas formas de teatro mais recentes, nas quais o seu distanciamento de Strindberg. Ele busca possibilidades de representar o inconsciente, cujos
dos padrões dinâmicos do teatro dramático se mostra como uma força. Em pesadelos e imagens de desejo não têm nenhuma obrigação de obedecer a
sua teoria da forma pura encontra-se apenas umúnico exemplo de realiza- uma lógica dramática. Enquanto os dramas de Lulu, de Wedekind, mostram
ção cênica imaginada. O que se descreve ali poderia ser uma encenação de o desejo em um processodramático, a peça Assassino, esperança das mulheres
Robert Wílson. Três pessoas inteiramente vestidas de vermelho entram no [Morder, Hoffnung des Frauen) , de Kokoschka, apresenta uma montagem de
palco, inclinam-se diante de não-se-sabe-quem e declamam um poema. Um imagens isoladassem uma narrativa lógicaclara. Asmontagens no moldes da .
velho respeitável aparece, trazendo um gato pela coleira. Tudo isso se passa à Kunstschau de Viena acentuam o tema do homem como criatura impulsiva '
frente de uma cortina preta, que então se abre e deixa aparecer uma paisagem por meio de contorções extremas, corpos pintados, máscaras e um modo de
italiana. Depois um copo cai de uma mesinha e todos se põem de joelhos ~ _ atuar marcado por trejeitos." Impõe-se uma seqüência de cenas e imagens à
choram, O velho respeitável se transforma num assassino furioso e mata uma maneirados sonhos, sem causalidade, caleidoscópica. Na dramaturgia de es-
garotinha que entrou no palco pela esquerda. Witkiewicz termina sua des- tações torna-se possível formular o arcaico e o primitivo como realidade so-
crição, reconstituída aqui apenas em parte, com a seguinte observação: "En cial. A redenção em [Ernst) Barlach, o páthos em [Georg] Kaiser e o idealismo
sortantdu théãtre, on doit avoir l'impresston de sfyeillerde queiques scmmeil em [Ernst] Tollersão formas da elevação e.da abstração, são menos mimeses
bizarre, dans lequelles choses plus ordinairesavaient le charme étrange, impé- de ações reaisdo que ações simbólicas ligadasà alma, ....- _,
netrable, caractéristique du rêve et qui nepeutse comparer à rien d'autre'~ 22 No entanto, uma vez reconhecido ao inconsciente e à fantasia um direito
pró prio como realidade, mostrar-se-ia obsoleta a estrutura dodrama que pre-
Expressionismo . tendesse pôr à disposiçaõ'ü'm inodó de representação adequado para oque se
passa entre os homens na realidade do consciente - de fato, a lógica superficial
Embora O expressionismo não possa ser contado entrél j"s-movimentos de do drama, com suas seqüências de ações exteriores, poderia ser um obstáculo
vanguarda radicais, também elaborou temas teatrais que vieram a ser explora- na articulação de estrut~~:a"dncoiJ.stientes do desej Q,JtiEs.o o que se observa
dos na ruptura do teatro pós-dramático. Sua ligação com o cabaré, suas repre- no contexto do surgimento da dança de expressão (Ausdru~ktài1i] ;llmdos as-
sentações oníricas e suas inovações de linguagem, como o estilo telegráfico pectos teat~ais' essenciais do expressionismo: os gestuaísde dança simbólicos
e a sintaxe fragmentada, subvertem a perspectiva unitária baseada na lógica de Mary Wigman fazem parte de uma linha que sai da dança/narração dra- .
da ação humana; o som deve transmitir mais afetos do que comunicações. O mática em direçãoà ênfasen os gestos corporaisllingüísticos. É interessante no
expressionismo pretende ir além do drama como dramaturgia dos conflitos expressionismo a coexistência de duas tendências divergentes: a aspíraçãoa
humanos interpessoais, e a partir de temas que lhe são imanentes privilegia uma forma rígida, que levaà construção (as obras podem ser compreendidas
como efeitos construídos altamente conscieritesj.ea tent-ativa de trazer para
a expressão o afeto subjetivaNormalmente separados, esses dois pólos se en-
21 Cf.Ibld., pp. 29 0, 357.
contram no desdobrarnento'da história da estética teatral mais recente. .
22 Stanlslaw I. Witkiewlcz, apud Ibíd., p. 116. ["Ao salr do.teatro, deve-se ter a impressão de
despertar de um sono bizarro, no qual as coisas maiscomuns tinham o encanto estranho,
106 impenetrável, característicodo sonho e que não pode ser comparado a maisnada:'] 23 Cf EdithAlmhofer, Performance Art. Die KUllit zu leben. Viena/Colônia/Cruz. 1986, p. 15. .10 7
f \

Surrealismo sublinhaum traço que também é importante para o novo "teatro de situação"
(inspiração entre palco e público) e para o "teatro de ambiente". A liberdade
o cinema e o expressionismo concordam com o surrealismo quanto à opção de sátira e humor faz pensar no "coai fun" de certos grupos teatrais do nosso
de privilegiar uma articulação que se baseia na técnica de corte e colagem/ tempo. Por fim, o surr~alismo contém os elementos da arte performática. A
montagem, o que requer e promove o ritmo.â "inteligência" e a capacidade as· peça Os mistérios do amor [Les lvIysteres de l'amour], de Roger Vitrac, devia
sóciativa do receptor. Amedida que O espectador do teatro moderno exercita mobilizar o público por meio de suas provocações. O autor (representado
uma crescentecapacidade de estabelecer relações-entre coisasheterogêneas, a por um ator) se apresentava no palco, havia atores situados na platéia, os
cômoda difusão de conexõesfaz cada vez menos sentiâo: o olho se torna mais in,térpretes apareciam como pessoas e como os personagens que interpreta-
impacientee se contenta,com explicaçõescadavezmais restritas. Enquanto os . vam, sem que as fronteiras entre ficção e realidade fossem claras. Chegou-se
movimentos futurista e dadaísta experimentaram um curto florescimento, a uma suspensão parcial dadístlnção entre o cosmos fictício de um "drama"
o movimento surrealista 'tevé longa 'duração--p.rQyay~lmente porque uma e a realidade da montagem. Tambémhavía representação e vozes no espaço
pura estéticada velocidade e uma pura negação não podiam constituir cânone da platélaagfessôes francas se intensificavam até um desfecho em meio ao
algum, ao passo que a renovada exploração do sonho, da fantasiae do íncons- público.A montagem, certamente o ponto alto do trabalho .teatral surrealista,
ciente.proporcionava uma riqueza de materiais novos. Embora o surrealismo é arté de intervenção, comunicação e agressão, teatro de sonho e manifesta-
tenha produzido mais manifestações literárias,poéticas e cinematográficas do çã~, características que reapareceram de outra forma no teatro a partir dos
que teatrais, era subjacente à lógica de sua tendência social e culturalmentere- anos 1960. No entanto, o que no surrealismo pretendia ser urna provocação
volucionária'("muda.ra vida") a busca de'um acontecimento teatral público e voltada a uma reviravoltacultural e social considerada iminente acabou por
quasepolítico. Uma passagempara o acontecimento teatral estáligadaà forma perder .muíto desse caráter.Se a montagem de Marat/Sade de Peter Brook
da exposição. A Exposição International do Surrealismo de 1938, em Paris,ba- e outras manifestações do teatro de intervenção dos anos 1960 talvez ainda
tizada por André Breton como "uma obra de arte acontecimento" [une oeuvre devamser lidas nessa perspectiva, isso não vale mais, por exemplo, para a trí-
dart événement], não só reunia (sob a direção de MareeIDuchampl.váriosob-
...... logia grega de Andrei Serban de 1972 (consideradapor Zinder como neo-sur-
jetos surrealistas conhecidos (o boneco de Bellmer,a xícara e o pires cobertos "-, realista)." O teatro renuncia à tentativa de antecipardiretamente ou acelerar a
, de pêlo de Meret Oppenheim, o ferro de passar com pregos de Man Ray), mas revolução das relações sociais - não por causade um cinismo apolítico, como
'também invenções como o táxi de Dalí, cujos ocupantes, bonecos grotescos, levianamente se considera, mas em razão de uma avaliação diferente de suas
.eram periodicamente molhados por jatos d'água, e uma rua surrealista na chancesde impacto.
forma de uma grande Instalação que envolvia o espectador como "teatro am- Assim como Lautréamont já havia esclarecido que a poesia é produzida
biental" ienvironmental theatre] (RichardSchechner), por tod~~~rião por indivíduos, a tese surrealista afirmava que o inconsciente
Os surrealistas não produziram um teatro multo digno de nota em sua de cada pessoa oferecea possibilidade da criação poética. Desse modo, a ta-
própria época, mas suas idéias e textos teatrais exerceramindiretamente uma refa da arte seria romper o processoracional e mental por uma "via negativa"
enorme influência sobre O teatro mais recente, Eles visavam a um teatro de (Grotowski) a fim de encontrar um acesso para as imagensdo inconsciente. A
imagens mágicase um gesto político de revolta contra os "moldes" da prática ilação de que aquilo que é comunicado dessa maneira tem de seralgeIdlos-
teatral. A idéia surrealista de que ocorre uma inspiração mútua quando as
108 fantasias alimentadas pelo inconsciente alcançam o iri~çpnsdente do receptor 24 David G. Zlnder, TheSurrealist Connectiol1. Ann Arbor, 1976.
sincrátícoe pessoal (cadainconsciente tem seu discursopróprio e único) le-
vou-também à tese de que averdadeíra comunicação não se baseia no enten-
dimento, mas se dá por meio de estímulos à própria criatividade do receptor,
estímulos cuja comunlcabilídade está fundada nas predisposições universais
do inconsciente. Essaatitude marca os artistasatuais em muitos casos, e Wil-
son é o exemplo mais impressionante. Suas cenas não pretendem- ser inter-
pretadas Ou entendidas de maneira racional; antes, despertam associações,
uma produtividade própria no "campo rnagnétícó" existente entre o palco
e os espectadores. Após assistir li Olhar de surdo [Deaf Man Glance], Louis
Aragon escreveu um texto que Se tornou famoso (uma "cartaao falecido com-
panheiro de viagem na causa do surrealismo, André Breton), afirmando que _-_. . _---------_...-
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esseespetáculo era Ó mais belo que elejá tinha visto e apontando-o como a
realização das esperanças que os surrealistas haviam depositado no teatro.

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abarcar O.' quadro, precisa apreender e rec onst ru ir sua din âmica e suapro-
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.' de paixões, toda seqüência de pensamentos diversos em que um suprime o
cessualidade. Da mesma manei ra, a teoria do texto ensin a a ler a partir do outro, tam bém é uma a ção",'
feno texto coagulado , tornado "in er te" o genotexto, o movimento dinâmic o Por opos ição à diegesis, a ar te épico -narrativ a de contar, a mimese p as-
de seu devir. O estad o é uma figur ação estétic a do teatro que mostra mais sou a significar desde a Antigüidade a representação que encarna e imita
um a composição do que um a história, embora h aja atores vivos represen - a rea lida de. A palavr a "mimeisthai" qu er dizer originalmente "rep resentar
tan do, Não é po r acaso que mui tos artis tas do teatro pós-dramático vier am - p ela dança", não "copiar", Mas Mukarovsky r essalta, baseando-se em Em il
das artes plásticas. O teatro pós-dramático é um teatro de estados e de com- Ut ítz, qu e na "fu nção estética" há uma ou tra qualidade de ar te, di feren te da
posições cênic as din âmicas. imitação: "a capacidade de isolar o objeto ao qual a função estética se re-
Em contrap artida, nã o é po ssível p ensar um teat ro dramá tico em que fere". A possibilidade mai s m arcante do estético é a de produzir uma "con-
não seja representada uma ação de uma man eira ou de outra. Qu ando Ar is- cen tração m áxima da aten ção sobre um dado objeto:'. No contexto dessa
tóteles considera o mythos, que n a Poética significa o m esmo que enredo, . -..atgll_i11e~t.~.rão, ele introduz um exemplo que se revela imediatamente con-
com o a "alma" da tragédia , fica claro que drama significa o mesm o que um dizente com a no ssa observação: a imp or tância da fun ção est ética em todo
desdobram en to de ação comp osto e construíd o arti sticame nte . Seu crítico tip o de cerimônia, o fator estético "isolante" qu e é in ere nte a toda festivi-
Brecht o acompanha assim no Pequeno ôrganon [Kleinel1 OrganQn]: "o en - dade," Ora , é evidente que a prática do teatro sempre p ossui uma dimensão
redo é para Ari stóteles - e p ensamos o mesmos- a alma do drama". Mesmo do ceri monial. Essa dimensão adere ao teatro como acon tecime n to soci al
na im obilidade dos acontecim en tos factuais nas peças de um Tchek hov o por suas raízes - geralmente evanesci das da cons ci ência - 'religiosas e cul-
esp ectador acompa nh a com cu rio sid ade uma ação "interna" que se des en - tuais. O teatro pós -dr am ático libera o fator formal-os tensivo da cerimônia
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volve sob o diálogo cotidiano aparentemente insignificante e que sen}pre de sua mera função de intensificar a atenção e o faz valer por.si mesmo
encaminha para um mí nimo de acontecimentos exteriores do enredo-- um como qualidade estética.J onge d~qualquei réferência religiosa ou cultuaI.
duelo, um a m ort e, uma desp edida p ara sempre etc. Essa categoria central O teatro pós- dramático é a sub stitui ção da ação dra mática pela cerimôn ia,
do dr ama é rep elida no teatro pós-dramático de môdas-divers~s, ainda que com a qu al a açãodrarnájico-cultual estava int rin secamente ligada em seus
se possa cons tatar uma espécie de hierarquia da radicalldade, que vai de p rimórdios.' Assim, o. que ~ ~ent~nde pórcerlmõnía -ecrnc.fajor do teatr o
um teatro "virtualmente ainda dr amátic o" até um teatro em qu e já não há p ós- dram ático .é toda a diversidad e, dos procedim entos -de represenfàç ão
sequer rudim en tos de pro cessos fictícios. Tudo dá a imp ressão de qu e fo- sem refere nci al, 'i;ontiuzi dos po rém co m cr escente precisão : as manife s-
ram suprimidos os motivos pel os quais a ação era central no teatro ant e- ta ções de uma comunidàde particularmente formali zada; construções de
rior: a descriç ão narrativa e fabul ad ora do mundo co~ o recurso da m imese; pr ocess os rítn1ico-':m\J.sic~is -bu-visual-arquitetônicos; formas para-ritua is
a formulação de uma colis ão de inten ções espiri tualm ente signi ficativa; o com o à celebr ação (n ã'o ra ro profu ndamente ne gra) do corpo, da presença: -
processo de uma ação como imagem da dialét ica da experiência humana; a ostentação enfáticai~u monumental, --
l., - _
a qualidade de entretenim ento de uma "ten são", na qual uma situação pre- -f.'
I,
para e desen cadeia uma outra, diversa. Como Lessing já destacava, é evi-
Gotthold E; Lessing, .~~d Wolfgang G. Müller, "Das Ich lm Dialog mit sich selbst'' Deut-
dente qu e n ão são apenas atos impetu osos e in tensos que constituem um a
sche Vieteljahresschrift (Sttutgart), 11. 56, 19B2, pp. 314-3"3.
ação. Ele observara propósito da teoria do en redo, que muitos juí zes da arte 2 [an Mukarovsky, KapitelauSdú Asíhetik. ~rankfur.t arn Maín,1970,pp. 32-33.
114 "atribuem à palavr a ação um conce ito m aterial" e que "t?do conflit o int erno 3 Cf. Richard Schechner, Perjormance 'Iheory. Nova York, 19BB. 115
Jean Genet considerava o teatro expressamente como cerimônia, e a missa Em Robert Wl1so'n o traço cerimonial é evidente. O crítico de primeira
como a.forrna mais elevada do drama moderno." Já os}e us temas - o duplo, hora, a fim de caracterizar seu primeiro contato com esse tipo de teatro, não
o espelho, o triunfo do sonho e da morte sobre a r êalidade - apontam nessa raro afirmava que havíase sentido ali como o estrangeiro que acompanha as
direção. É significativo que Genet tenha chegado à idéia de que o lugar próprio enigmáticasações cultuais de um povo desconhecidopara ele. Também Einar
do teatro era o cemit ério," de que o teatiõ- era em sua essência ritual fúnebre. Schleeftorna reconhecíveis as intenções artísticas de cerimônias quase rituais
Ele partilha com Heiner Müller - esseautor pJls-dramático para qual ele teve o não só quando explora em grande estilo a oportunidade de uma cerimônia
uma importância. especial - a idéia de que '0 t~à-tro é umrdí álogo com os mor-
, tematizada na peça, miiJUciosa e sem qualquer relação com o decorrer da
tos': Para Genet, como constata Monique Bor íe, é o diálogo com os mortos que ação (em Urgõtz [de Goethe] por exemplo, há um cortejo da corte que parece
cO~lfer~ à obra de arte sua dímensão. préprla. A obra de arte; diz.Genet, não se. interminável), mas também mediante procedimentos como alimentação sim-
díriglrla às geraçõ.eSf!lt1}~~~_como freqüentemente se ~.firma, mas "é oferecida bólica do público. Seria tentador investigar em vários trabalhos teatrais pós-
à inumerável multidão dos mõrtos". Assim é que-.Gl~cometti, escreve ele, cria dramáticos também as formas menos evidentes de procedimentos de caráter
"estátuas" cuja tarefa "é encantar os mortos'" Se Müller pode compreender o cerimonial. Em ·súàS'reflexÕes sobre as "peças didáticas': Brecht anotou certa
teatro da Antigüidade como conjuração dos mortos - portanto como uma ce- vez como pensava em acrobatas para a representação - em suá.terminologia -
rímônía.que em face do enredo representa'o fat0J' determinante -, se o teatro distancíada e epicizante:
nô gravita em torno do retorno dos mortos com um mínimo de mímese, bas-
tava entãQ.pensar nessapossibilidade de entender o teatro para pôr em questão seriampessoas vestidas comuniformes detrabalho brancos àsvezes duas àsvezes
a tradição do teatro dramático da modernidade'européia, que se diferencia do três todas muitosérias assim como acrobatassão muito sérios eles e nãoos clowns
teatro "pré-dramático" dos antigos. O tema da missa, do cerimonial, do ritual são os modelos entãoos processos podem ser feitos simplesmente como cerimô-
se tornou cada vez mais virulento já nos primeiros modernos. Em Mal1armé já nias a raiva e o arrependimento como modos de manejaro horrível não deve ser
se trata do tema de um teatro da cerimônia, e é célebre a confissão de T. S. Eliot: personagem algum e sim eu ou um outro."
"Ihe only dramatic satisfaction that I jind nowis in a High Mass YV.ellpSJlo_(~~~d"
[A única satisfação dram átíca que encontro agora é em uma missa solene bem: . .. __ o
Aqui s'é mostra o nexo entre a tendência ao cerimonial e a recusa da concep-
celebrada]." O teatro deve ser, mais uma vez segundo Genet, uma "festividade" ção clássica de um sujeito que reprimiu a corporeidade (o manejo) de suas
dirigida aos mor tos. Por isso, ele considera suficiente uma única representa- intenções aparentemente apenas mentais. .
ção de Os biombos [Les Paravents], portanto urna cerimônia festiva singular. Para uma caracterização exemplar do teatro pós-dramático como "ceri-
(Aliás, a idéia de festival de Wagner era originalmente a seguinte: instalava-se mônia': "vozesno espaço" e "paisagem': basta considerar Tadeusz Kantor, Ro-
um teatro no campo,deixava-se o público entrar - sem entradas -, faziam-se as bert Wilson e Klaus Michael Grüber,

apresentações, desmontava-se o teatro e queimavam-se partituras...)

Cf. Jean [acquot (org.), LeThél1tre moderne, v. n.Paris, 1973, p. 78.


4
Jean Genet, n~Étrange mot d'urbanisme", in CEuvres completes, v. 4· Paris, 1968, p. 9· Bertold Brecht, apud Reiner Stenweg (org.). Brechts Mo dell der Lehrstiicke. Zeugnisse, D~:'
5 kussion, Brfahrungen. Frankfurt am Main, 1976, p. 105. [Assimnó original: sem maiúsculas
6 Cf. MoniqueBorie, LeFantôme ou te tl1éâtre qui doute. Paris, 1997, p. 272,
7 T. S. Eliot, nADialogue onDramatic Poetry", ih Selected issays. Londres, 1932,p. 35·
esem pontuação. N.E.) 117
116
Kantor, ou a cerimônia morte como algo prévio, como base da experiência, abordando sempre a vida
que conduz a ela. A morte não é posta em cena dramaticamente porKantor,
A obra do artista polonês Tadeusz Kantor nos leva para muito longe do teatro mas repetida de modo cerimonial. Por isso, também não há aqui a questão
dramático: um cosmos rico de formas de arte entre teatro, happening, per- dramática acerca da morte como o momento em que se dá a decisão sobre
formance, pintura , escultura, arte do objeto e do espaço, além de contínuas o sentido da existência, como por exemplo em To do mundo Uedermann, de
reflexões em textos teóricos, escritos poétlcos e manifestos. Sua obra revolve "Hofmannstahl]. Aqui, toda cerimôn ia é na verdade cerimônia fúnebre, con-
lembranças da infância de um modo obsessivo, e desse modo sugere uma es- siste no aniquilamento tragicômico do sentido e na demonstração do aniqui-
trutura temporal da lembrança, da repetição e da confrontação com a perda e lamento do sentido, demonstração que essa cerimônia de algum modo volta
com a morte. É o caso de considerar sobretudo a última faseda criação teatral a anular - assim, o personagem que evidentemente representa a morte em
de Kantor, o "teatro da morte': que se tornou mundialmente conhecido nos Wielopole, Wielopole ou em A classe morta espana op ó dos livros antigos e
anos 1980, ainda que muitos aspectos dessa fase já se encontrassem presentes "" --çQ..111 isso cruelmente os "degrada" e destrói, mas aomesmo tempo comunica
ou sugeridos em suas primeiras criações. Kantor quer "alcançar uma perfeita em ;{i'acõmicidade um paradoxal desejo de viver.
autonomia do teatro, para que aquilo que se passa no palco se torne um acon- o
A forma cerimonial que aqui ocupa lugar do drama é a da dança da
tecimento': livre de toda "faláciaingênua" e de toda "ilusão írrespons ável'" Há morte. O próprio Kantor enfatiza: "O mistério da morte, uma dança macabra
a busca de um "estado de não-representaçãot" sem nenhum curso de ação medieval, tem lugar em uma sala de aula': As figuras que surgem nessa dança
continuo, em que as cenas, freqüentemente condensadas e expressionistas, da morte são "cifras óticas" extraídas do romance O quarto Gompartilhado
são conectadas em uma forma quase ritual de evocação do passado. [WspólnypokójJ, de Zbigniew Unilowski: "o falso religioso que desliza um
Reminiscências da história polonesa se combiriam com temas re1i9iósos genuflexório diante de si; o jogador que espalha cartas mecanicàmente sobre
diversificados (o rabino, a perseguição aos judeus, o padre católicoj" Cenas uma mesa de carteado por tátil; o Iiorn ém com-uma tina em que lava pés os'
grotescamente exaltadas do ritual de despedida - e;cecução, despedida, morte, continuamente" etc.P No final de Os artistas devem sucumbir [Die Künstler
enterro - constituem um modelo fundamenta l e recorréüterTodas as figuras sollen krepieren], peça estreada em Nuremberg em 1985, os soldados mar-
aparecem já como almas de outro mundo. Logo após a guerra Kantor enfo- cham para um eterno t~n~-de'güerrãfriesclaclocom a marcha militar "Nós, a
cou Odisseu como a figura emblemática que retoma do reino dos mortos primeira brigada...'~ Há uma carcaça de cavalo (de medo que ~e p6de.i'ia dizer,
e que, como diz Kantor, se torn ou o modelo de todos os seus personagens com Heiner MÜller, que "a história cavalga para seu objetivo em mon tarias
teatrais posteriores. Em geral, esse teatro é marcado por uma passagem pelo mortas") e em frente uma-criança vestindo um casaco militar grande demais
terror e pelo retorno fantástico. É um teatro cujo tema, como afirma Moni- para ela (Kantor quando gar'o"to1)."Uma menina bela e lasciva - um "anjo do
que Boríe, são os restos,11 um teatro ap6s a catástrofe (como os textos de Be- desespero': da morte ou da melancolia - agita sobre essa imagem final"uma "
ckett e Heiner Müller), que vem da morte e expõe "uma paisagem para além bandeira negra da anarquia, e"de certa: marielra, como notou [o crítico de
da morte" (Müller). Com isso diferencia-se do drama, que não considera a teatro alemão Georg] Hensel, corrige Delac~oix: "c<im o encanto de seu corpo:
o anjo da liberdade e da revoltadas barricadas se torna a figura da futilidade,
do Eros melancólico e do luto. '
9 Tadeusz Kantor, Theater desrodes. Zirndorf, 1983, 1'".-81. o" •• •.

10 Ibíd., p. 80.
118 n Borle, op, clt., p. 258. 12 Georg Hensel, in Fran~furter Allgemeine t.eitung, {5/0 6h995. 119

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As cenas de Kantor manifest~m a recusadarepresenta ção dramática dos, dura e pano de fundo para o drama humano e a figura humana. Com Kantor,
demais processos "dramáticos'? que seu teatro tem P?r objetoi-atortura, a em contrapartida, os atores humanos entram em um espaço de atuação das ,
prisão, a guerra e a morte - em favor de 'u,ma poesia de im agens do palco. coisas. Desaparece a hierarquia que constitui um a necessidade vital para o
As "seqüênci as de imagens comicamente antiqu ádas e ao meSl110 temp o in- drama, no qual tudo gira em torn o da ação huma na e as coisas existem ape-
finitame nte tristes?" com freqüência rem etem a cenas que poderiam figurar nas como acessórios, como o "necessário", É poss ível falar de uma temát ica
em um drama gro tesco, mas o dramáti co se perde em favor de imagens em específica da coisa, na qual os elemen tos da ação, uma vez que estejam à mão,
movimento por meio do ritmo repeti tivo, das .configura ções à m aneira de são dramatizados. No teatro lírico-cerimonial de Kantor as coisas surg em
quadros e de uma certa des-re alização dos personagens, qu e com seus movi- como reminiscência do espírito épico da lembrança e como afetividade pelos
menteis em solavancos se tornam parecidos com marion etes. Aliás, o tema da objetos . Se a característica do mo do poé tico épico, à diferenç a do modo dra-
produção daimagen~ ta~bém aparece explicitam ente quand o, em Wielopole, m ático, é representar uma "ação como inteiramente passada': Kantor enfatiza,
Wielopole, a' fo'tóg~af~ "g"üidã derep ente-transforma seu equipamento em uma por sua vez, que "as cenas daquela ação 'real do espetáculo" devem aparecer
metralhadora e, rindo corri escárn io, atir a no grupo de )o vens soldados que "como se estivessemancoradas no passado [...], como se o passa do se repe-
posava m para a foto - a um só tempo, emblem a tragic ômic o do assassinato tisse, mas sob formas estranhamente alteradas';" Por meio dessa dualidade
por mei o da fixação da imagem e denún cia surre alista da guerra. da lembranç a tematizada e do poder da realidade das coisas, chega-se a um
O artista plástico Kan tor, cujo trabalho teatr al teve início com perfo r- teatr6'que consiste em "duas vias paralelas", como Kantor anota a respeito da
man ces e happenings provocativos contra autori dades governa men tais, revela co mpanh ia teatral Cricot 2: aqui "o texto purificado de sua estrutura superfi-
uma intençãõ 'qu e é reencontrada em muitas formas de teatro pós-dramático: cial e fabuladora', ali a "via da ,~ Tão cênic a autônoma do teatro puro","
revalorizar as coisas e' os elem en tos materiais do que acon tece no palco em São célebres os bo necos qu ase em tamanho real que os atores carreg am.
geral. Madeira, ferro, pa no, livros, roupas e objetosInusitados ganh am uma Para Kantor, os bon ecos são algo como a essência primordial e esquecida do
notável qualidade tátil e uma intensidade cuja pro cedência não é fácil de ex- ser humano. seu Eu-lemb rança que ele continua a levar consigo, No entanto,
plicar. Um fator essen cial aqui é a sens ibilida de do arti sta Kantorpgra aquilo a significa ção deles vai mais longe. Em um a espécie de troca com os cor-
que ele designo u como "o objeto miserável" ou "a reali dade de mais b~ixo pos vivos e em conexão com os objetos de cena, eles transformam o palco
nível". As cadeiras são gastas, as paredes têm buracos, as mesas são cober tas em um a paisagem de morte em que a tr ansição das pessoas (comfreqüêncía
de po eira ou cal, os velhos utensílios se encontr am enferrujados, embaçados, agindo à m aneira dos bon ecos) para os bonecos (como qu e anima dos por
gastos , marcados e manchados. Nesse estado eles manifestam sua vulnera- crianças) se torna imperceptível. É quase o caso de dizer que o diálogo verbal
bilidade e com isso sua "vida" em um a nova inte nsidade. O ator, vulnerav el- do drama é substituíd o por um diálogo entre homem e objetos. Aparatos sur-
men te humano, se torn a par te de uma estru tura cênica geral na qual as coisas reais (um b~;'ç()mecânico que parece malsurn caixão de crian ça, a máquina
desgastadas são suas companheiras . Esse também é um efeito que o gesto que separa as pernas da m ulher como que para o parto, mecanism os para
pós -dramático tornou po ssível. Pois no teatro dramático, mesmo com uma execução etc.) se acoplam aos membros dos atores de um modo bizarro. As
intenção nat uralista - qu an do o mei o aparece em seu arbí trio sobre os se- repe tições de atividades triviais - mas com um efeito po ético - junto aos
res human os - , o "âmbito" teatral fun ciona a princípio somente como mo l-
14 Kantor,op. cit.• p. 115.
12 0 13 lbíd. 15 Ibld.• pp. 114-15. 121
objetos ou fazendo uso deles fazem com que as ações sejam experimentadas Grüber, ou as vozesno espaço
ç'ómo uma troca quase língüística entre homem e objeto. As figuras de Kantor
atuam sobretudo mediante pantomima ou gestos, e não por acaso parecem Quando se fala de um teatro "para além" do drama, convém notar que há
provenientes das comédias de pastelão do cinema mudo. O drama dá lugar diretores que encenam textos dramáticos tradicionais com uma tal mobili-
a mínimos desenvolvimentos cênicos sem fala. A hierarquia entre homem e zação de recursos teatrais que se produz uma desdramatização. Se nos textos
coisa é relativizada para a percepção. ,encenados a ação é posta totalmente em segundo plano, resulta da lógica esté-
Kantor distingue claramente seu amor pelos bonecos do de Craíg." Ele tico-teatral que a temporalidade e a espacialidadepróprias doprocesso cênico
não polemiza como este contra o ator (embora caiba observar que a "super- tenham maior destaque. Trata-se .mais da representação 'de uma atmosfera
marion ete" de Craig não deveria de modo algum expulsar o ator humano do e de um estado de coisas. Uma escritura cênica prend e a atenção, de modo
palco, mas mostrar um outro mod o de presença do intérpret e). Para Kan- que a ação dramática propriamente dita se torna secundária. Klaus Michael
tor, ao contrário, o imaginári o "primeiro ator" realiza um ato de significa- - .G.tü?~r. pode ser considerado um dos "autores de palco'; que desenvolveram
ção "revolucionária" e quase sagrada. Em um moment o qualquer ele teve um idiom'ã"teatral própr io. Quando Georg Hensel encerrou sua longa car-
a ousadia de se desvincular da comunidade de culto. Ele não era nenhum reira de crítico teatral no Frankfurter Allgemeine Zeitung, em agosto de 19 89,
fanfarrão, mas um herege que com esse enfrentamento criou uma perigosa apresentou numa retrospectiva pessoal sobre seus quinze anos de atividade"
fronteira entre ele.e o "p úblico" o que ao mesmo tempo lhe 'possibilitou as grandes tendências teatrais vigentes desde meados dos anos 1970 segundo as
comunic ar-se com os vivos a partir do mundo dos mortos." O teatro de seguintes categorias: exegese, reinterpretação, reconstrução-r- pás -moder-
Kantor corresponde de modo singular, por meio de seus temas e formas, nidade. Rudolf Ncelte foi considerado por ele como "o diretor exemplar da
a momentos arcaicos do teatro primitivo. Monique Borie também observa, exegese"; Claus Peymann, que junto com Achim Freyer desconstru íu sati-
com razão, qu~ o sentimento dominante da derrota e do fracasse.noteatro ricamente Os salteadores [Dlê Rãubá] ,'de Schíller, em 1975, foi qualificado
de Kantor lembra a tragédia antiga. Se Kantor fa!.a de uma "consciência de como o protagonista da reinterpr etaçãp. Klaus Michael Grüber aparece nesse
nossa derrota" que deve ser compreendida relígiosameiite-pâra ter a ver com panoraman ão só COIllO ~xr.?ente do "método de direção pós-moderno" com
o teatro, era justament e esse o temade que a tragédia grega se alimentava." Empédocles: ler Hõlderlin (E"injiédôk7i5:' HolderlinlesenJ,_nI.a$Jambém como
Essa correspondência, que por assim dizer estende um enorme arco do reino representante,da "reconstrução" histór íca, principalmente com s~a- vêi'são
pré-modern o do teatro antigo até o teatro pós-dramático no limiar do ter- quase integral de' FIaml~t em 1982. O último aspecto - apr ática de .encenaçã'~
ceiro milênio - de certo modo contornando a época do teatro dramático historicizante - encontni:'se...fora do campo aqui discutido, mas parece,sugerir
europeu -, também pode ser observada, embora com outras características, a observação de que, paralelamente à prática pós-dramática de Grüber, Peter
nos teatros de Grüber e de Wilson. Stein, atuando no Schaubühne, compreendia o teatro, de uma maneira quase
casta, em oposição ao "espírito do tempo'; COmo lugar d~ lembrança encenada
da história (teatral). Assim, nas encenações de Tchekhov foram citadas em
detalhe montagens doIegend ário 'Teatro de Arte de Moscou; em O macaco
i6 Ibíd., p. 253. peludo [7he Hairy Ape], de O'N~ill, foi copiado o arranjo cênico de umà ence-
17 Ibid.• pp. 253-54. . .
122 18 Ibld., p. 257. 19 Georg Hensel, in Prankfu rterA/lgerneine Ze'itung, 2~/o8h989 .
123

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nação feita por [AlexanderJ Tairov. Também a encenação de Pedra por Peter O drama, forma exemplar da discussão, justapõe andamento, dialética, de-
Stein,em 1987 se encontra nessa linha, urna atitude clássica e historiográfica batee solução. Masjá faz tempo que o drama mente. Seu espírito- ou melhor,
que com os anos levou o Schaubühne a um certo enrijecimento, a uma perfei- seu fantasma- transmigrou do teatro para o cinemae pouco a pouco para a te-
ção de efeitomuitas vezes"fria':na qual o trabalho de direção parece celebrar levisão, onde as possibilidades de simulação do realsão muito maiores e o que
a si mesmo. Por outro lado, a decisão..consciente que toma posição contra conta é o enredo. A indústria de entretenimento não permite que se perceba
todo ingrediente subjetivo suscita respeito e deveser louvada-como uma qua- nada de sua contradição, nada de sua clivagem e duplicidade, nada de sua es-
lidade especialde auto-reflexãoteatral. <, -. tranheza- passa-se do efeito de estranhamenta (v-Effekt) ao efeito de televisão
O fator estático e a clássica economia de recursos se associam no estilo (Tv-Effekt).2i No âmbito do teatro "estabelecido': há apenas uns poucos direto-
de d~sdramatização de Grüber. De um modo ~~ito, geral" pode-se dizer res que ousam praticar abertamente a diferença entre o drama e o teatro - na
queele retira das peças o fator de tensão ao extremo. Esse procedimento Alemanha, além de Grüber, podem ser mencionados Einar Schleefe alguns
de uma isbtài1icrpó's-dramática, .emque se evitam às exacerbações e os mo- trabalhos de Hans-Iürgen Syberberg, O trabalho deles é considerado por mui-
mentos culminantes, permite que o palco ~p-ãreçacomo um quadro, cujo tos ou como anarquista e agressivo, como no caso de Schleef, ou como um
efeito é intensificado pela "sobrecarga" da palavra falada, que desdobra sua classicismo ultrapassado, como no caso de Syberberg. Apesar do reconheci-
função de expressão Iíríco-espjritualIa dim~~~~o "emotiva" da linguagem, mento,de seu gênio excepcional, Grüber não foi (nem é) nenhum favorito dos
segundo Iakobson). O drama moderno era um mundo da discussão, mas críticos mais importantes da Alemanha. Quando seus trabalhosse mostraram
o diálogo da tragédia antiga - apesar da aparência de duelo verbal antagô- complexos e se distanciaram da norma, foram tachadosde esotéricos; quando
nico - não-consiste no fundo em nenhuma discussão: cada protagonista seguiram o texto ao pé da letra, como nas montagens de Hamlet e Ijigênia em
permanece inacessível em seu mundo; a fala de um adversário passa ao Táuris, foram equivocadamenfítcompreendidos como convencionais, já que a
largo do outro. O diálogo não é tanto conflito e confronto no espaço da despeito de sua fidelidade ao texto eram leituras extremamente audaciosas.
troca lingüística, mas aparece como um "discurso em disputa", portanto Ao passo que a "colisão dramática" define o sistema do drama, em Grü-
cama uma competição em palavras, imitação da luta mud~.119_~gon. Os bel' o teatro é determinado como cena e situação. O espectador está ali para
discursos dos antagonlstasnão chegam a se.tocar.êEm Grüber, comóre- testeJ;:iunhar a dor de que os atores falam. Assim, Grüber remete àquela rea-
latararn atores acerca de uma reunião de trabalho organizada por Georges lidade essencial do palco na qual O instante dafala é tudo. Não o desenrolar
Banu em Paris," tudo se passa em uma atmosfera que poderia ser intitulada temporal da ação, não o drama, mas o instante em que a vozhumana se eleva.
"Depois de todas as discussões?': Não há mais nada para debater, O que é Um corpo se expõe, sofre. O lamento que ele manifestaganha raízes e vai ao
realizado e falado tem o caráter de um rito inelutável, concertado, execu- encontro do espectador como uma onda sonora que o tangenciacom energia
tado repetidas vezes quase que cerimonialmente. lncorpórea.Medo e compaixão: não é preciso mais nada. Nas encenações de
Grüber o que conta é o instante precioso em que um corpo, ameaçado, chega
20 Ver Carrie Asrnan, "Theater und Agon/ Agon und Theater: WaterBenjamin und Florens
Christian Rang" Modem Language Notes, v. 107, n. 3, 1992, pp. 606-24; PatrickPrlmavesi,
Kommentar Übersetzung Theater in Walter Benjamins frühen Schriften. Frankfurtam Main, 22 O autor fazum jogo de palavras com os termos v-Effekt, abreviação de VerfremdungseffeJg.,.
1998, pp, 254 ss, "efeito de estranhamente" e TV-Effek, "efeito de televisão", O v-Bffekt, um dosprlnclpiós·ft;n-
21 Ver Georges Banu e Mark Blezínger (orgs.), Klaus Michael Grúber. Ilfaut que le ihéãtre damentais do teatro épico de Brecht, é um recurso que consiste em interromperumaação
12 4 passe a iravers les larmes. Paris, 1993. comcomentários ou canções de modo a quebrara ilusãodo espectador. (N.T.) 12 5
a falar em um espaço <la cena. Ali ás, é essa constelação,e não a narração (que torna um co-ator autônomo como local mínimo, opressivo e superlotado. Ele
cabia àepop éia), que o teatro antigo- também fazia surgir." No teatro de Grü- pode ser a onda minúscula ironicamente posicionada para separat:o palco de
ber torn a-se audível a interminável voz antigamente cantada e beckettiana- Ijigênia do público; ou, para A. última gravação de Krapp [Krapp's Last Tape]
mente murmurada, uma fala que tamb ém se encontra na luta do discurso para com Bernhard Minetti, uma estufa de plantas completamente apinhad a; ou
além do debate, que expressa a experiência de uma impotência irremediável, ainda o pequeno palco de ensaio da rua Cuvry de Berlim, mal iluminado por
sem dinâmica enganadora e andamento.falso. A melancolia pós-dramática .pequenas lâmpadas à ChagaI! e lotado de corpos dos viajantes, para ambien-
reconcilia Ésquilo e Beckett, Kleist e Labiche em um "Trauerspiet'" entregue tar o desespero em Na estrada real, de Tchekhov.
à contemplação do espectador. Na Ifig ênia em Tá uris de Grüher, montada no Nos trabalhos de Grüber não há quase nenhum espaço neutro. Mediante
Schaubühne em 1998, o relato do terror do mito se tornou uma suave con- a invenção de um espaço grande ou'pequeno demais, o eixo voz/espaço se
templação cênica do insuportável. O conflito dramático recua para trás dessa torn a determinante para o teatro. Mal existem intriga, enredo, drama, ao passo
meditação, para trás do ato da expressão precisa. O tema pós-dramático é a~ui qlf~a distância, o vazio, o hiato se tornam protagonistas autônomos. O verda-
._ - ------
um teatro da voz, e a voz é uma ressonância do acontecimento. deiro diálogo se dá entre o S01n e o espaço sonoro, não entre os interlocutores.
A condição para o teatro da voz é um espaço arquitetônico que por suas Cada um fala somente por si. No antigo hotel de luxo Esplanada, em Berlim,
dimensões estabeleça uma relação com o discurso humano como espaço pen- o espectador encontrava em 1979 um ambiente feito de vozes, projeções, ce-
sado para essavoz. Em Grüber o espaço se tornapercept ível primordialmente nas isoladas que eram ligadas por meio da leiturll~e uma versão resumida
pelo excesso - a exemplo do vazio colossal do EstádIo Olímpico de Berlim, da novela Rudl (1933), de Bernhard von Brentano, que enfocauma eríança do
constr uído segundo o modelo dos estádios da Antigüidade como arquitetura proletariado berlinense. Uma outra forma do trabalho cênico e espacial da me-
de dominação.A construção nazista foi o espaço para a montagem de Via~em ." v
mória foi apresentada por Grüber em 1995 no cemitério de Weimar,.onde ele
deinverno (Win terreise] , na qual o público ficava agrupado em uma pequena adaptou entre os túmulos7V1ã"e'pálída, ivmãtéma [Pálida madre, tier~~ ·her­
parte das arquibancadas e tinha de relacionar fragmentos de textos do Hipé- mana], de Jorge Semprún, um texto de várias camadas, que passa por Goethe,
rion de Hiiiderlin com cenas esportivas, imagens de cemitérios: barracas de Buchenwald, Léon Blurn.perseguíção políticasob Stalin, Brecht, [a atriz alemã]
acampamento e quiosques de comida, O local escolhido para Fausto foi a am- CarolaNeher e limpeza.itni~ ·;;a: ·B6snl ã."lvlãis1.nna vezrodlcetorabandon óu a
pla igreja Salp étríêre: e fria e -monástica abside de concreto do Schaubühne esfera do drama encenado em favor .da.críação de uma .situação teatr~f(pãra .a
serviu de espaço para Hamlet; a grande DeutschlandhaII~ de Berlim serviu qual o local lrrcomum foi preparado pelo cenógrafo Eduardo Arroyo),"
para o Prometeu de Ésquilo na tradução de Handke. Mas o espaço também se
Wilson, ou a paisagem
23 Ver Hans-Thies Lehmann, "Antlquité et mcder nlt épar delà le drame', in Banu e Blezinger
(orgs.), op. cít., pp. 201-0 6 . Segundo Richard Schechner, a ação-de um drama pod e ser facilmente resu-
24 O termo Trauerspiel é comumente traduzido por "drama barroco" com base em seu empre-
mida quando se faz uma lista das .transforrnações por que pàssarn as drama-
go por Walter Benjamin em A origem do drama barroco alemão para caracterizar um gê"
hera dramático específico do período barroco. Sua tradução dicionarlzada seria "tragédia';
tispersonae entre o lníclo e o fim' do processo dramático," Transformações
'i
mas na verdade se trata de um'gênero específico quenã o se Identifica nem com a tragédia
(em alemão, Tragiidie) clássica ou classicista nem com o drama moderno, e que por outro 25 Cf. Franz Wille, in Theater Heute, setembro de 1995', pp, 4-7.
126 lado não se restringiu ao período barroco. [N.T.] 26 Schechner, op.cít., p. 185. J
127
, .,

podem ser evocadas mediante procedimentos m ágicos ou com o uso de tra- tanto, isso.não abala a convicção de que em muitos aspectosWilson ofereceu a ,
jes e máscaras; elas se realízum por meio do\ recqJ;1hecimento(anagn
.. . ,
orisis) resposta mais enérgica para a demanda por um teatro na época da mídia, bem
ou de'processos corporais; podem ser metamorfoses recorrentes, segundo como ampliou radicalmente o espaço para concepções diversificadas sobre o
/1 ". '

a analogia com os processos naturais, e fazá parte de uma forma t emporal que o teatro pode ser. A influência subjacente ou patente de sua estética se
cíclico-simbóli~a. No cerne 'da atuação_J~~tral
, - talvez não se encontre tanto infiltrou aos poucos em toda parte, e pode-se dizer que o teatro do final do
à transmissão de significados, mas sobretudo a arcaica mlstutade medo e século talvez deva mais a ele do que a qualquer outro realizador teatral.
prazer na representação, na transformação-como tal.Crjanças gostam de se O teatro de Wilson'é um teatro das metamorfoses, Ele atrai o espectador
fantasiar. O prazer da auto-ocultação pelo mas'êà.q~~ento é acompanhado de para o mundo de sonho das transições, das ambigüidades, das correspondên-
uma outra satisfação, não menos inquietante: sob o olhar ~anç~do por trás da cias: uma coluna de fumaça também pode ser a imagem de um continente;
máscara o mundo dós outros se transforma, torna-se subitamente estranho uma árvore se torna uma coluna coríntia e depois as colunas se transformam
ao-~'~~ 'visto a partir de u maperspectiva completamente diferente. Quem olha em chaminés de fábricas. Triângulos sofrem uma mutação e viram velas, para
pelas abertu ras de uma máscara c~n~I~~t~-seü-õlhãt naquele de um animal, de depois se converterem.em tendas ou montanhas. Tudo pode ter sua escala de
uma câmera, de uma criatura desconhecida de si mesma e do mundo. Em to- grandeza modificada, como em Alice nopa{s das maravilhas, obra sempre lem-
dós os registros o teatro é tran sformação, metamorfose, e cabe levar em conta bradapel~ teatro de Wilson. Seu lema poderia ser: "Da açãoà transformação". A
a advert ência da antropologi~d~ te~tro de que sob o esquema tradicional da metá~orfose combina, assim como a máquina deleuziana, realidades heterogê-
ação se encontra o esquema mais geral da transformação. Assim também se neas,mil platôs e correntes de energia. Na estética de Wilson, o movimento em
compreendemelhor o fato de que o abandono do modelo "mimese da ação" câmera lenta dos atores produz uma experiência muito peculiar, que põe por
não leva de modo algum ao fim do teatro. A concentração nos processos de terra a idéiade ação. Tem-se a'lmpressão de que os atoresnão agempor vontade
metamorfose leva na verdade a um outro mod o de percepção, no qual o reco- e decisão própria. Se Büchner escreveu que os homens são bonecos conduzi-
nhecimento é continuamen te superado por um jogo de espanto que não se si- dos por fios invisíveis de poderes desconhecidos e se Artaud falou do "autô-
tua em nenhum ordenamento da percepção: "O andar de caranguejo da visão mato em pessoa': esse tema corresponde àquela impressão de que no teatro de
repetitiva é interrompido por um outro modo de ver, que rumoreja ilâ visão-de. . Wilson operam forças misteriosas que parecem mover as figuras magicamente,
reconhecimento e continuamente a impele para fora das vias habituais'." sem motivações, objetivos ou nexos apreensívels. Estas permanecem solitaria-
Entre os anos 1970 e 90 , poucos artistas teatrais terão modificado tanto o mente enredadas em um cosmos, em uma rede de linhas de força e de trajetos
campo de recursos do teatro e influenciado tanto as possibilidades de pensá- "pré-delineados" (de modo muito concreto, pela iluminação). As fig uras (ou
lo de um modo novo quanto Robert Wilson. Mesmo assim, ele não foi pou- marionetes) habitam uma fantasmagoria mágica que imita o enigmático des-
pado do destino comum: seus últimos trabalhos retomaram aqueles recursos tino dos hêfóís'tráglcos, cujo percurso é traçado pelo oráculo. Assimcomo no
teatrais que, quando eram novos, fizeram que se revisse o espaço teatral de silêncio de Grüber e nos círculos de Kant or, nas trilhas de luz mágicas de Wil-
uma época, mas depois perderam muito de seu encanto porque passaram a son o teatro dramático ligado à autonomia humana como questão e problema
ser previsíveis e por vezesforam usados com um maneirismo artificial. No en- é decomposto - :no que concerneao que é esteticame,nte sintomático- em uma
energética pós-dramática, no sentido em que Lyotard fala de um teatro "~pergé ­
27 Bernhard Waldenfels, Sinnesschwellen. Studienzur Phiinomenologie des Frellldell 3. Frank- tico" em vez de representacional. Essa energética prescreveenigmáticos padrões
128 furt am Main,1999, p. 138. de movimento, processos e históriasluminosas, mas quase nunca Uma ação. 12 9
. - .-.
Embora seja preciso diferenciar formas teatrais e pictóricas e respeitar contexto cênico coerente (como em Kantor), mas apenas figuras que agem
seus-estatutos, sempre diferenciados, essa peculiar metamorfose do espaço como emblemas incompreensíveis. A maneira ostensiva como aparecem faz
cênico em paisagem - Wils~n chama seus ambientes auditivos de "paisagem perguntar por seu significado, sem que se ache uma resposta para essa pere
sonora" [audio-landscape),.- faz lembrar um procedimento inverso do século gunta. Os atores que se encontram "reunidos" no palco com freqüência não
XIX, quando a pintura se aproximou de um acontecimento teatral. Trata-se
entram no contexto de uma interação qualquer. O espaço desse teatro tam-
do panorama e das enormes imagens transparentes de Daguerre.nas quais, bém é descontínuo: luz e cores,signos e objetos disparatados criam um palco
por meio de uma iluminação diferenciada, cenários,arquiteturas e paisagens que não designa nenhum espaço homogêneo. O espaço de Wilson costuma
eram aparentemente postos em movimento, como o interior de uma igreja, ser compartimentado como que "emlistras" paralelas à rampa, de modo que
que a princípio aparece vazio mas no qual em seguida se observam, com o as ações em diversas profundidades cênicaspossam ser lidas pelo espectador
auxílio de uma mudança na iluminação, freqüentadores; soa uma música e ou de um modo sintético ou, por assim dizer, como "paralelogramo". Assim,
finalmente tudo volta a ficar escuro" - tais procedimentos lembram as me- "'cabsuLfug.t..asia de ríiontagem do observador decidir se ele deve observar os
tamorfoses dos cenários de WilSOi1. Pode-se ver nisso uma antecipação do diversos personagens sobre o palco como pertencentes ao mesmo contexto ou
cinema, a satisfação do desejo do espectador de uma maneira que na época apenas como figuras que se apresentam sincronicamente. É evidente que com
era considerada sensacional. Para o nosso contexto, é importante a constata- isso a capacidade de interpretação da textura do conjunto tende a zero. Por
ção.de que, evidentemente, a necessidade teatraLnãoé de modo algum fixada meio da montagem de espaçosvirtuais imbricadosoujustapostos, que perma-
na ação; a paisagem artificialmente iluminada, a "ação" de) raiar do dia e da necem independentes uns dos outros - é esseo ponto crucíal-Çde modo que
mudança de iluminação, também é um elemento constitutivo. A propósito não se ofereça síntese alguma,surge uma esfera poética das con9 tações.
da pintura transparente e cheia de efeito de Karl Friedrich Schinkel, falou-se Falta uma orientação dramática através das linhas de uma 'história" que
de "teatro sem poesia"," E a observação de que nas fascinantes ilusõ~~ da na pintura corresponde ao ordenamento do~iSÍ'irel por meio da perspectiva.
realidade das Imagens panorâmicas circulares é justamente a imobilidade O engraçado na perspectiva é que ela torna possível a totalidade justamente
do tempo que desperta o desejo de movimento e narração;" qúe depois será por excluir do mundo vísíve] a posição do observador, o ponto de vista, de
atendido pelo cinema, também pode. ser lida no sentido de que aqui está modo que o ato constitutivo da r~p;~~~ntãÇãoesfáálisente'do-representado.
dado o impulso para uma vivência teatral em que predominam o efeito de A isso corresponde a forma da narraçãodramática=-'l11esmo quando ~jà in-
espetáculo e a linguagem conduzida paralelamente. tegra um nal:rad;r 'épic? Só que em WÚson entra em seu lugar uma história
Em Wilson se encontra uma contestação da hierarquia dos meios teatrais, universal que ~parece com'0,,~aleidoscópio multicultural, etnológico, arqueoló-
que está ligada à ausência de ação em seu teatro.Na maior parte dasvezes não gico. Sem entraves, seus quadros-teatrais misturam tempos, culturas e espaços.
há personagens psicologicamente elaborados nem individualizados em um Em A floresta [7he Forest) (1988) a história Industrial do século XIX se reflete
no mito babilônico; no final dê Ka"Mountain and Guardenia Terrace" (1972)
28 Cf. Brigit Verwiebe, "Wo dieKunst endigt und dieWahrheit beginnt. Lichtmagie undVerwand-
surge uma vista do horizonte de NovaYork em chamas e po~trás aparecem o
lung im 19. Iahrhundert" in Kunst- und Ausstellungshalle der Bundesrepublik Deutschland,
Sehsuchi. Ober die Veriinderung l,'isueller Wahrnehmung. Gõttlngen, 1995, p. 90. contorno de um pagode, um grande macacobranco como estátua cujo rosto
29 Ibíd., p. 85.
\ ."

31 Em traduçãoliteral, "Moritânh;K~ ~ terraçoGuar~ênia': com umafusão daspalavras guard


30 Stephan Oettermann, "DasPanorama - Ein Massenrnedlum" in Kunst-und Ausstellungs-
130 halle..., 0p. cit.,pp. so ss, e gardenia, (N.S.] ," 131
queima, os três sábios do Oriente, um fogo apocalíptico e um dinossauro: his- caráter artístico do teatro de Wilson com o mito, é justa esta objeção: aqui
tória e pré-história não nó sentido da compreensão hlstórico-dlálética, mas os imaginárlosmíticos Ocupam o lugar da ação como deleite "pós-moderno"
como profusão de imagens. t , em citar mundos de imagem cujo tempo já passou. Por outro lado, uma ob-
São numerosas as imagens deWílson que evocam direta ou indiretamente servação da história do teatro ensina que mesmo em épocas remotas mito e
mitos antigos em uma imponente abundânciade novos temas e figuras, sejam diversão não deviam se contradizer. Wilson se insere em uma longa tradição
, eles históricos, religiosos ou literários. Para Wilson, todos eles pertencem ao que vai do teatro de efeitosbarroco, das "máquinas" do século XVII, das ','más-
cosmos imaginativo e todos são, em um sentldomais amplo, míticos: Preud, caras"do período do rei Jaime, do teatro de espetáculo vitoriano até o show e
Einstein, Edison e Stalin; a rainha Vitória e Loh~ngrin; Salorné, Fausto e os a representação circense dos modernos, formas que já incorporavam a seus
irmãos da epopéia de, Gilgamesh; ParsifalIna versão de Tankred Dorst em repertórios, sem respeito e com muito efeito,a profundidade de significado e
Harnburgoj.São Sebastião (em Bobigny); Rei Leal' (em Frankfurt am Main). a atração dos clichês míticos.
Uma lista inco~pl~tâ'deerementb's,tníticos, quasemíticos e pseudomiticos de Uma vez:que em Wilson há priorízação do fenômeno sobre a narração, do
seu teatro dá uma idéia do prazer brincalhão que se obtém com citações pas- efeito de imagem: sobre o ator individual e da contemplaçãosobre a interpre-
sageiras da provisão de imagens da humanidade, um prazer que não se deixa tação, seu teatro cria um tempo do olhar. Esse teatro não possui sentimento
limitar por quaisquer fronteiras impostas por uma-lógica centrípeta: a Arca de trágico'ou compaixão, mas fala da experiência do tempo, testemunha o luto.
Noé, o Livro-de Jonas, o Leviatâ, textos indianos antigos e recentes, um navio Ademais, a pintura em luz de Wilson fortalece a unidade do processo natural
viking, objetos de culto africanos, a Atlântida, a baleia branca, Stonehenge, Ml- e das situações humanas. Desse modo, o que os atores fazem, dizem ou mani-
cenas, as pírâiriides, o homem com a máscara de crocodilo egípcia, criaturas festam em movimentos perde o caráter de ações intencionais. Seus empreen-
enigmáticas como a mãe-terra, a mulher-pássaro e o pássaro branco da morte, dimentos parecem' se desenrolar como em sonhos e "perdem o nome de
Santa Joana, Dom Quixote, Tarzã, Capitão Nerno, o rei dos Elfos de Goethe, ação': como diz Hamlet. Elesse transformam em um acontecimento. Os seres
os índios Bopi, Florence Nightingale, Mata Hari, Madame Curie... humanos se convertem em esculturas gestuais. A associação com a pintura
O teatro de Wilson é neomítico, mas com os mitos como imagens, que tridimensional faz que as coisas funcionem como natureza-morta e os ato-
comportam a ação apenas como fantasia virtual. Figurando em narrativas com res como retratos de corpo inteiro em movimento. Wilson deixa explícita a
profundo significadoalegórico, Prometeu e Hércules, Fedra e Medéia, a esfinge similaridade entre seu teatro e processos naturais. Assim, o termo "paisagem"
e o dragão sobreviveram ao longo dos séculos como provisões da imaginação ganha aqui o significado inerente à "paisagem que aguarda o desapareci-
artística. No entanto, eles existem ao mesmo tempo corno meras imagens mento gradual do ser humano" de que fala Heiner Müller: inserção das ações
conhecidas por aqueles que não possuem nenhuma "cultura". Qualquer um humanas em um contexto da história natural. Como no mito, a vida aparece
"conhece" na qualidade de figuras do discurso cultural, sabendo ou não disso, como mo~;~t6 do cosmos, O homem não está separado da paisagem, do bi-
Hércules e os monstros, Medéia e seus filhos, o revoltoso Prometeu, os ir- cho e da pedra. Um rochedo pode desabar em câmera lenta; bichos e plantas
mãos inimigos Pollnício e Etéoclo, O mesmo vale para figuras míticas da são agentes dos acontecimentos tanto quanto as figuras humanas. Quando
pós-Antigüidade como Don Iuan, Fausto ouParsifal. Em uma época na qual o conceito da ação se dissolve de tal maneira em favor de um acontecimento
a narração organizada de modo "normal" dificilmente alcança a densidade de metamorfoses contínuas, o espaço da ação aparece como uma pa.Lsag"ém
do mítico, o teatro de Wilson busca se aproximar da lógica pré-racional do continuamente modificada por variações de luz, por objetos e for~as que
132 mundo das imagens míticas. Se há porém resistência em associar "a sério" o surgem e desaparecem. 133
Ao declamarno funeral de Müller um trecho do romance de Gertrude Stein não a única - que o teatro pós-dramático pode assumir. Incluem-se aí o tea-
A feitura dos norte-omericanos (me Making of Americans, 1925], Wilson men- tro dos objetos,inteiramente sem atores humanos, o teatro com tecnologia e
cionouque apósa leitura desselivroteve a certezade que podia fazerteatro. De máquinas (como aquele do grupo SurvivalResearch Laboratoríes) e de modo
fato, é imediatamente evidentea afinidadeeletiva entre o teatro de Wilsone os geral o teatro que integra a figura humana como elemento em estruturas
textos e as "peças-paisagem" de Steln,Tanto num caso quanto no outro encon- espaciais semelhantes às paisagens. Trata-se de configurações estéticas que
tram-se a progressão minimalista, o "presente contínuo': o aparente "marcar , utopicamente indicam uma alternativa para o ideal antropocêntrico de sub-
passo': a falta de quaisquer identidades identificáveis; tanto num caso quanto jugação da natureza. Se os corpos humanos se submetem a uma realid;de na
no outro há um andamento peculiar que predomina sobre toda semântica, no qual estão em pé de igualdade com coisas, animais e linhas de energia (como
qual tudo o que pode ser fixado Se converte em variação e gradação. Ao argu- também parece ser o caso no circo - daí a profundidade do prazer que ele en-
mentar sobre "uma outra versão da pastoral': Elinor Fuchs observa: volve), o teatro torna concebível uma realidade diferente daquela do homem
dominador da natureza.
I experimentally suggest that a performance genre has emergeâ that [...] re/ies on
the [aculty oflandscape surveyal. Itsstructures are arranged not on lines ofconflict
and resoluiion but on muliivaient spatial relatlonsnips, "the trees to the hill to the
field [...] anypiece of it to anysky"as Stein said, '~my détail to any other detail".32

Mesmo que a sobreposição de nova pastoral e teatro seja devida a uma pers-
pectiva especificamente norte-americana (a experiência das grandiosas e/p'o-
derosas paisagensdos Estados Unidos), o ponto ficaclaro quando se constata
o seguinte acerca do teatro pós-dramático do texano Robert ~il;on: "He
creates within advanced cu/tureafragile memory ban-k ofimagetyfrom nature.
In this way, and in a variety of others, postmodern theater artists hint at the pos-
-. . ". ~".
sibility of a post-anthropocentrlc stage".33 "Teatro pós-antropocêntrico" seria '0/'

uma denominação pertinente para uma forma importante - evidentemente


-,.....

32 Ellnor Fuchs, The Death of Charaeter: Perspectives 011 Theater after Modernism. Indiana,
1996, pp. 106-07. [Sugiro, com base na experiência, que se constituiuum gênero de repre-
sentaçãoque [...] se baseia na faculdade de perscrutar paisagens. Suasestruturas não se
dispõem conforme linhas de conflito e solução, mas conforme relações espaciais polívalen-
tes,"dasárvores coma colinae como campo (...], qualquer pedaço dissocomqualquer céu': r I

comodisseStein, "qualquer detalhe com qualqueroutro detalhe"]


33 Ibld., p. 107. ["Ele cria dentro da culturaavançada um frágil bancode memóriade imagens
da natureza. Dessa maneira, e de váriasoutras,os artistasdo teatro-pós-moderno apontam
134 para a possibilidade de um palcopós-antropocêntrico:'] 135

\ I
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Signos teatrais' pós-dramáticos

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Eli~ináção dá síntese

COm a seguinte visão geral sobre os traços estilísticos do teatro pós-dramá-


tico, ouv numa formulação mais técnica, sobre seu modo de .Ildarcom os
signos teatrais, busca-se estabelecer critérios de descrição e categorias que
cóntríbuarn para tornar.o teatro pós-dramático mais recoríhec ível não no >

sentido de um mandado de busca e apreensão, mas de uma orientação do


olhar. Nesse cont~xtô, à concepção de signos teatr~i~ deve abranger todas
as dimensões da significaçã o: não apenas a dos signos que comportam uma
informação apreensível,portanto a de significantes que denotam ou um sig-
nificadoidentificávelou o conotam de modo lnequívocõ, fnas virtualmente a
de todos ~mentos do teatro. Uma corpóreldade específica, um estilo do
gestual, um:arranjo de palco também devem ser asslrnllados corno "signos"
já pela circunstância de que mesmo sem "significar" se apresentam com urna
certa ênfase, constituindo uma manifestação ougesticuláÇão que exige atençãó
e que "faz sentido" em função do .
quadro mais geral da encenação, sem que ;:..--
possa ser determinada conceitualmente, .",/
É certo que isso também foi tradicionalmente concebido como caracte-
rística do bel ó, Assim, Kant afirma que a "idéia estética" é uma tal "represen- 137
tação da faculdade do juízo que dá muito a pensar sem que qualquer pensa- a essa posição"naturalista" por assim dizer, está ligada atese de que um modo
mento determinado, ou sej~, qualquer conceito possa ser adequado a ela, que autêntico pelo qual o teatro poderia testemunhar a vida não surge pela instau-
por conseguinte nenhuma língua pode alcançar inteiramente e tornar com- ração de uma macroestrutura artística que cultiva coerência (como é o caso do
preensível" e que abre para o espírito "avisão de um campq a perder de vista drama). Pode-se demonstrar que nessa mudança se esconde uma inclinação
de representações afins".' Não se trata aqui de discutir até que ponto a teoria solipsista. A consolidação e a relativa resistência das "grandes" formas podem
do uso dos signos na modernidade se distanciou dessa maneira de pensar .ser explicadas pelo fato de que elas possibilitariam articular experiências cole-
na medida em que dissolveu a relação da "idéia estética" pensada por Kant tivas. A coletividade é a essência dos gêneros estéticos. No entanto, torna-se
com conceitos racionais. É suficiente que se deva conceder aos signos tea- motivo de descréditojustamente aquela COletividade que se reconheceem uma
trais a possibilidade de atuar justamente por meio da eliminação da significa- forma vivida em comum. Assim, se o novo teatro quer ir além de posições
ção. Conquanto a semiótica teatral ilumine o cerne da significação e mesmo descomprometidas e permanentemente particulares, precisa procurar outros
diante de uma grande ambigüidade garanta os restos do que é possível desig- .c~l11ii1hos para pontos de encontro supra-individuais. E os encontra na reali-

nar (sem o que, de fato, o livre jogo das potencialidades perde seu encanto), zaç5.o·teafral da liberdade: liberdade de submissão a hierarquias, liberdade de
é ainda preciso desenvolver formas de discurso e de descrição para aquilo obrigaçãode perfeição, liberdade de exigência de coerência.
que, por assim dizer, permanece como não-sentido no significante. Assim, a Marianne van Kerkhoven, dramaturga dedicada às questões do !lOVO tea-
presente tentativa de descrição está ligada a perspedi".as de semiótica teatral tro na Bélgica, associoua novalinguagem teatral à teoria do caos,' para a qual
e ao mesmo tempo procura ultrapassá-las, uma vez que se concentra nas fi- a realidade é constituída mais de sistemas instáveis do que de.círcuítos fecha-
gurações do auto-apagamento do significado. dos: as artes responderiam a isso com ambigüidade, plurivalência e símulta-
A síntese é explicitamente combatida, suprimida. Pelo modo da sua serniose, neidade; o teatro, com uma dramaturgia que produz estruturas ántes parciais
o teatro articula u?1a tese acerca da percepção. Podeser um tanto surpreendente que totais. Realiza-se osacrlfícíó dá síntese para alcançar a densidade dê' mo-
quando se atribui tal qualidade de defesa de tese ao discurso artístico, como se mentos intensos. Se a partir das estruturas parciais se desenvolve algo como
faria a um discurso teórico. Certamente, à parte casosexcepcíoríais como a da um conjunto, isso já n~o se organiza segundo modelos previamente dados
"peça de tese"bem-sucedida, a arte a princípio reconhece teses e teoremas ape- de coerência dramática o~de réferêncías símbóllcasabrangentes, não realiza
nas implicitamente, e assim de modo necessariamenteambíguo. No entanto, é síntese alguma. Essa tendência é válida para todas as artes. Q"'teatl'o,'aforma
por isso mesmo que uma das tarefas da hermenêutica consiste em ler as hipó- .artística mais radicalmente ligada ~~/~co~tecimento,t6rna-se um paradigma
teses que emergem indiretamente das formas e das preferências de configura- da estética. Ele deixa deser o setor institucionalizado que era e torna-se o
ção da prática estética, levando em conta portanto sua semântica das formas. nome para uma prática artístiça de desconstrução multimedial ou interme-
No teatro pós-dramático, é manifesta a exigência de substituir à percepção uni- dial do acontecimento instantâneo. No entanto, a tecnologia e a dissociação.
formizante e concludente uma percepção aberta e fragmentada. Desse modo, mediai do sentido têm sido as primeiras a se voltar para O potencial artístico
a abundância de signos simultâneos pode se apresentar como uma duplicação da decomposiçãoda percepção., nas termos de Gilles Deleuzepara as "linhas
da realidade,parecendo simular a confusão da experiência cotidiana real.Mas de fuga" das partículas "'molecuiates" em relação à estrutura geral "molar".

Immanuel Kant, Kritik der Urteilskraft, in Werkaufgabe, v. x, Frankfurt am Main, 1974, 2 Mariannevan Kerkhoven.i''Dle LdstderZelten" twt-Zeltung. (FrankfurtumMain), feverei-
pp. 149-50 (§ 49), ro de 1991. 139

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Imagens de sonho orgânico, inclinação para o extremo, a distorção, a Incerteza e o paradoxo..
i, Como características do uso maneirista de signos aponta-se também a es-
Segundo a perspectiva da recepção, trata-se 4a liberdade de uma reação arbi- tética da metamorfos e, realizada de modo ,exemplar em Wilson. Aparece o '
trária, ou melhor, idiossincrática. ,0 que surge'é uma "comunidade" não dos se- princípio maneirista da equivalência: em vez da contigüidade, como quer a
melhantes, ou seja, dos espectadores assem-elhados por motivações partilhadas narração dramática (A depende de B e B está ligado por sua vez a c, de modo
. (o humano em geral), mas dos diferentes, que não fundem suas perspectivas que se dá uma série ou seqüência), encontra -se uma heterogeneidade dispa-
específicas num todo, conquanto compartlíhem 'eertas afinidadesem grupos ou ratada. em que cada detalhe parece poder ocupar olugar de qualquer outro.
grupelhos, Nesse sentido, a perturbadora estratégi~àll 'e.!iminação da síntesesig- Assim como nos jogos de palavrasdos surrealistas, essa circunstâncialevade
nifica a proposição de urna comunidade das fantasias diversificadas, singulares. modo sempre renovado a uma percepção intensificada do particular e à des-
Alguns podem enxergaraqui apenas u~a 'tendência socialmente perigosa ou coberta de surpreendentes "correspond ências" Esse conceito não por acaso
artisticamente pr~bjéJ-naHc:a a uma-recepçãosem-<~r.H~:io· e,comofoi observado, provém da poesia lírica, e descreve dê modo apropriado a nova percepção
solipsista, mas nessasuspensão de normas da constituição desentido convertida °
do teatro paraal ém do drama como "poema cênico", aparato sensorial
em norma talvez se anuncie uma esfera livreda partilha e da comunicação queé humano dificilmente suporta a falta de referência. Privado de seus nexos, ele
herdeira das utopias da modernidade.Mallarmé observou que desejava jornais procura referências próprias, torna-se "ativo", fantasia "descontroladamente" e
em que os' habitantes de Paris relatassem seus sonhos (em vezdos acontecimen- o que lhe ocorre então são semelhanças, conexões,correspondências, mesmo
tos políticoscotidianos). De fato, os discursos cênicos se aproximam em vários as mais remotas. O rastreamento de conexões anda junto com a desampa-
. aspectos de uma estrutura onírica e parecem contar algo acerca do mundo oní- rada concentração da percepção nas coisas que se oferecem (talvez elas ainda
rico de seus criadores. É essencialpara o sonho a não-hierarquia entre imagens, sussurrem seu segredo).Assim como na episteme pré-clássica abordada por
movimentos e palavras. "Pensamentos onírícos" constroem uma textura que Foucault, a qual perscruta em toda parte um "mundo de similltudes', o espec-
se assemelha à colagem, à montagem e ao fragmento, não ao curso de aconte- tador do novo teatro procura, arrebatado, entediado ou desesperado, as "cor-
cimentos estruturado de modo lógico. O sonho é o modelo por ex~elên<:La da respondências" baudelaírianas no "templo" do teatro. A sinestesla Imanente
estética teatral não-hierárquica, uma herança do surrealismo. Artaud, que a' ~is::- " ao-acontecimento cênico, que desde Wagner - e desde o entusiasmo de Bau-
lumbrava, fala de hieróglifos para evocar o status dos signos teatrais entre letra e delaire por Wagner - se tornou um dos principais temas dos modernos, não
imagem, entre os modos de significação a cadavezdiversificados e a contamina- mais consiste em um elemento implícito do teatro como obra de encenação
ção. Para caracterizaro tipo dos signos pertinentes à interpretação dos sonhos, oferecida à contemplação, mas em uma oferta explícita da atividade no teatro
Freud igualmente recorreu à comparação com os hieróglifos, Assim como'o como processo de comunicação.
sonho demanda uma diversa compreensão dos signos, o novo teatro precisade Seria tentádor discutir aqui as possibilidades que a feJ?omenolog~a e a teo-
uma semiótica"desbloqueada" e de uma interpretação "turbulenta': ria da percepção oferecem à compreensão do processo da'percepção conjunta
(aisthes/s) que,se não se unifica, se comunica entre os sentidos. Se a percepção
Sinestesia sempre funciona de maneira dialógica, na medidaem que os sentidos respon-
dem a estímulos ou exigências do ambiente, 'revela-se ao mesmo tempo .uma
É quase impossível passar por alto que no novo teatro há traços estilfsticos disposição para reunir a diversidade em uma textura de percepção, para cons-
14 0 que são atribuídos à tradição maneirista: resistêneja contra o fechamento tituí-la portanto coma unidade, de modo que as formas da prática estética 141
criam a l;'0ssibilidade de intensificar.essa atividade sintetizadora e corpórea da tro pós-dramático não é apenas um novo tipo de texto da encenação (e ainda
experiência sensorial ao mesmo passo que se busca justamente sobrecarregá-la, menos um novo tipo de texto teatral), constituindo -se antes num modo de
tornando-a consciente corno busca, decepção, eliminação e redescoberta. tratamento dos signos teatrais que revolve desde a base essas duas camadas
do teatro por meio da qualidade estruturalmente diversificada do texto da
Texto da performan ce performance. Ele se torna mais presença do que representação, mais expe-
riência partilhada do que comunicada, mais processo do que resultado, mais
Está estabelecida a distinção entre os níveis da representação teatral em ter- manifestação do que significação, mais energia do que informação.
mos de texto lingüfstico, texto da encenação e texto da performance. O "mate-
rial" lingüístico e a textura da encenação encontram-se em relação de recipro- Traços estilísticos do teatro pós-dramático
cidade com a situação teatral entendida de modo abrangente na concepção de
"texto da performance". Ainda que o termo "texto" contenha aqui uma cer,ta . ../'::s características observadas, as categorias propostas e os modos de trata-
imprecisão, ele expressa que em cada caso se configuram uma correlação e m~i1tod·0s signos no teatro pós-dramático são a seguir ilustrados em casos
um entrelaçamento de elementos que (ao menos potencialmente) compor- específicos. O status dos exemplos é alegórico: ainda que eles correspondam
tam significados. Com o desenvolvimento dos estudos da performance, evi- aparentemente sem problemas a todos ou quase todos os traços de cada um
denciou-se que a situação da montagem como li.1J;1 todo é constitutiva para o dos tipos, categorias ou modos de tratamento discutidos, em princípio des-
teatro, para O significado e o status de cada elemento particular dele. O modo taca-se com mais clareza apenas um traço, quetamb ém deve.ser concebido
de relação da representação com o espectador, a ambientação temporal e es- como forma pós-dramática em outros trabalhos teatrais nos quais aparece
pacial, o lugar e a função do processoteatral no âmbito social que constitu;em de modo maisvelado.Ficarão à margemdessa fenomenologia" ~.o. tratamento
o texto da performanceirão "sobredeterrninar" os dois outros níveis. Quando pós-dramático dôs síg"riõS"os aspectos de linguagem, voz e texto, abordados
se decompõe metodicamente a densidade da montagem em n íveísde signos, especificamente no Capítulo 5.
não se deve esquecer que uma textura não se comp õecomo-um muro, de
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pedras, mas corno um tecido, de fios, e por isso a significância de todos os Para taxe
elementos individuais depende no fim das contas da "iluminação geral': em
vez de ser produzida como que por adição. ., Um princípiogeral do teatro pós-dramático é a des-hierarquiza ção dos recur-
Para o teatro pós-dramá tico, o que vale é que o texto teatral predeter- sos teatrais. Éssa estrutura
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não-hierárquica contraria nitidame~te a tradição,
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minado por escrito e/ou oralmente e o "texto" - no sentido mais amplo do que para evitar a confusão éproduzl r a harmonia e a compreensibilidade privi-
termo - da encenação (com atores, suas contribuições "paralingüísticas", re- legiavaum modo de concatenação por hipotaxe, normatizando a sobreposição
duções e deformações do material lingüístico; com figurino, luz, espaço, tem- e a subordinação dos elementos. Com a parataxe do teatro pós-dramático os
poralidade própria etc.) são postos sob urna nova perspectiva por uma com- elementos não mais se concatenam de modo lnequivcce.Heiner Goebbels
preensão diversa do texto daperformance. Ainda que a modificação estrutural declarou em uma entrevista: ' "
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da situação teatral, do papel do espectador nela e do tipo de seu processo
~omunicativo não se evidencie em todas as va~iedades d~ teatro pós-dramá- O que meinteressa é uI!!..tedtro que 'não mul tiplique ossignos regular~en te. [...)
tico, nem apareça em geral.com a mesma clareza, cabe .~onstatar que o tea- Oque meintere~sa (Ú~ventar um t~atro óddetodos os recursos.não sóseilustrem 143

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reciprocamente esedupliquem,."
mas
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conservemi suas próprias forças
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e noentanto do épico. No entanto, a epícízação - negação do drama em imagem - é ape-
ajam juntos, onde não se possa mais contar co~ a hierarquia conv~ncional dos nas um dos aspectos daquela estética que combina a imobilização e o conge-
recursos. Quer dizer, onde uma luz possa ser tãoforte qúe o espectador observe lamento das posturas com a conseqüente justaposição dos signos. O que se
apenas aluz e esqueçao texto, onde o figurínofale uma Ilngua própria, ondehaja passa aqui no âmbito da pintura pode ser encontrado de diversas maneiras na
umadistância entreo falante e o textoeuma tensão entre a música e o texto. Sem- prática teatral pós-dramática: gêneros de variados tipos são reurtidos em uma
pre experimento o teatro como algo excitante quando se fazem sentir no palco montagem (dança, teatro de narrativa,performance...); todos os recursos têm
distanciamentos que eu possa reconstituir c,omo,~~pectador.( ...) Assim, procuro o mesmo peso; representação, coisas e discurso apontam paralelamente para
inventar.uma espécie de realidade cênica que tambêmjenha algo a ver (...) com diversas direções de significação e suscitam uma contemplação ao mesmo
, a arquitetura ou a construção do palco e suas leis próprias e q\Je assim encontre tempo tranqüila e rápida.
também uma certarÚistência. [...) O qiÍtEihe interessa em ger~l é, por exemplo, A conseqüência de tudo'isso é uma mudança de atitude por parte do es-
queum ~;pãçô fórmúletambém.um.moyimento, tenha também um ternpo.' pectador. Na hermenêutica psicanalítica, fala-se de "atenção flutuante por
..'--_...'---- ...
igual". Freud,elegeu esseconceito para caracterizara maneira como o analista
De modo semelhante, pode-se constatar um tratamento não-hierárquico dos escuta o analisado. Tudo depende aqui de não compreender imediatamente.
sign ~s que visa uma percep ção.sinestét lcaerejeítauma hierarquia estab ele ~ Ao contrário, a percepção tem de permanecer aberta para esperar, em pontos
cida, que prívílegía a linguagem, o modo de falar e O gestual e em que as qua- ínteíramente inesperados, ligações, correspondências e explicações quefazem
lidades visuai~) como a experiência arquítetôníca do espaço,quando chegam O que se disse antes ser encarado sob uma luz muito diversa. ASSÍlll, o signifi-
a entrar em-jogo, figuram cama aspectos subordinados. cado permanece por principio suspenso. Justamente aquilo que é secundário
Uma comparação com a pintura pode esclarecer as conseqüências artís- e insignificante é registradocom exatidão, porque em seu não-significado
ticas da des-hierarquizaçãó, Diante dos quadros de Brueghel é comum sentir imediato pode se mostrar significativo para o discurso da pessoa analisada.
que as posições das figurasparecemestar peculiarmente congeladas e como que De modo similar, o espectador do teatro pós-dramático não é impelido a
suspensas (em razão de uma certa deselegância, falta-lhes a sugestão,do mo- uma imediata assimilação do instante, mas a um dilatório armazenamento
vimento captado caracteristicamente num quadro). Essa imobilização está- das' impressões sensíveis com "atenção flutuante por igual".
intimamente ligada ao caráter narrativo das imagens. Elas estão conspícua-
" mente desdramatizadas: cada detalhe parece apresentar o mesmo peso, de Simultaneidade
modo que nessas "imagens tumultuadas" não há lugarp ara a culminância e a
centralização típicas da representação dramática, com a separação de assunto Ao procedimento paratático se articula a simultaneidade dos signos, Em con-
principal e assunto secundário, centro e periferia. Com freqüência, a narra- ' traste conioõrdenamento empreendido no teatro dramático, que dá pri-
tiva aparentemente essencial é deslocada de modo acentuado para a margem mazia a determinados sinais entre os diversos emitidos a cada momento de
(A queda de Ícaro). Essa estética de crônica fascinava especialmente Brecht, uma montagem, o ordenamento segundo a parataxe leva à experiência do
que estabeleceu uma ligação entre a pintura de Brueghel e a sua concepção simultâneo, que com freqüência sobrecarrega - n~o raro com intenção siste-
mática - o aparato perceptivo. Heiner Müller 'deixa claro que quer abarrotar
Heiner Goebbels, entrevista a Hans-ThiesLehmann,in Wolfgang Storch(org.),Dasszenlsche o leitor e o espectador com tanta coisa ao mesmo tempo que seria Ífl1possível
144 Auge. Berlim, 1996. pp. 76-77- ' assimilar tudo. Muitas vezes há várias pessoas falando simultaneamente no 145
palco, de medo que só se entende eI:n parte o que dizem, ainda mais quando , dá em nome da tentativa de criar acontecimentos em que reste ao especta-
usam-línguas diferentes. Ninguém é capaz de apreender tudo o que se passa dor uma esfera de sua pr6pria escolha quanto a manter-se receptivo a um
simultaneamente em um espetáculo de dança de William Forsythe ou de Sa- Ou outro dos acontecimentos representados, o que sefaz acompanhar pela
buro Teshigawara. Em certas representações o acontecimento visívelno palco frustra ção de perceber o caráter excludente e limitado dessa liberdade. Esse
é cercado e complementado por uma segunda re alidade impossível de igno- procedimento se diferencia do mero caos na medida em que possibilita ao
rar, composta de ruídos, música, vozes e estruturas barulhentas_de todo tipo, receptor elaborar o simultâneo por meio da seleção e de sua própria estrutu-
de modo que é preciso falar da existência simultânea de um segundo "palco ração. Trata-se ao mesmo tempo de uma estética da retração do sentido, já
auditivo" (Helene Varopoulou), corno na caso das montagens da Orestéia e de que a estruturação somente é possível como conexão de subestruturas ou mí-
Júlio Césarpela Societas Raffaello Sanzio. croestrutu ras da encenação individualmente selecionadas, e nunca abrange o ' 'I
Quando se pergunt.asobre a intenção e o efeito da simultaneidade, cons- todo. Torna-se decisivo que o abandono da totalidade não seja pensado corno
tata-se que o parcelamento da percepção se torna uma experiência inevitável. déficit, mas como possibilidade libertadora - de expressão, fantasia e recorn-
Se o entendimento já não encontra quase nenhum apoio em contextos de binação-s .que se recusa à "fúria do entendimento" (Jochen Hôrisch),
ação abrangentes, até mesmo os acontecimentos percebidos no momento
perdem sua sintetização quando decorrem simultaneamente, e a concentra- Jogo com a densidade dos signos
ção em um deles torna impossível o registro c1~.~0 do outro. Ademais, é fre-
qüente que não se possa decidir se naquilo que se manifesta simultaneamente No teatro pós-dramático torna-se regra a infração da regra convencional e
há um nexo ou uma mera concomitância exterior. Sobrevém um sistemático da norma mais ou menos e~tabelecida da densidade dosignõ': Aáum exagero
.double-bind [duplo vínculo): deve-se ao mesmo tempo atentar para o p,ar- para mais ou para menos. Em relação ao tempo ou ao espaço.ou à impor-
ticular concreto e perceber o todo. A parataxe e a simultaneidade des(ai~m
I
tância da fala, o observador percebe um~ superabund ânclàouuma.not ável
o ideal estético clássico de uma concatenação "orgânica" dos eleI,)1entos no diluição dos signos. Aqui se reconhece a i~~t~n:ção estética de dar espaço a
artefato. A idéia de uma analogia entr e obra de arte e'um.cQrpg..orgânico vivo uma dialética deRletora e privação, de cheio e vazio. (Seria o caso de analisar
não foi a última que motivou uma vee!liente resistência conservadora contra dessa óptica apr é-hist ôrredo.espaçoyazío no teatro: os espaços luminosos de
a inclinação dos modernos para a desconstruçãoe a montagem. O contraste Appia, Coupeau e seu "tablado nu': a prefer ência 'cle Brecht pelo-palco vazio, o
estabelecido por Benjamin entre uma estética aleg órica e uma estética símb ó- .."espaço vaz~o"d~.~eter Brook.) Evidencia-se que podem ser de~tacad~~por si
lica pensada "organicamente" tamb ém pode ser lido como teoria do teatro.' mesmos não só todos.os campos de signos do teatro, mas também ri simples
Nesse sentido, a totalidade orgânica apreensível dá lugar ao inevitável e co- presença ou ausência, ~grªy Inesperado de densidade dos pr6prios signos.
mumente "esquecido" caráterfragment ário da percepção, um caráter q4e se Também nesse aspecto o teatro reage à cultura rnídlátíca. Por motivos econõ-
tornará expressamente consciente no teatro p ós-dramático. , -micos, estéticos e especificamente midi áticos, o mun do de MCLuhan teve de
À função compensat ória do drama, de complementar a confusão da rea- se tornar uma cultura da super~b~~dâilcia.Ele aumentou a intensidade e o
lidade com uma ordem, se encontra aqui invertida. de modo que se nega ao número dos estímulos de tal ri19~o que a pletora de imagens levou cada vez
espectador o desejo de orientação. Se falta o princípio da ação única, isso se mais a um desaparecimento ~o mund o corporalmente observado. .
Enquanto ganha espaço cada vezmaior aquilo que a teoria da mídia dis-
4 Cf Prlrnavesi, op, cit. tingue da percepção cdr~órál com,o "percepção instrumental". a demanda 147
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por "uma densidade "adequada': das informações também se desprende mais Discordia ouVon Heíduck, Há pouca ação, grandes pausas, redução mínima-
e mais do critério da percepção corpóreo~sensbriaL'Re~ta saber sê o. perma- lista, enfim, um teatro da mudez e do silêncio, ao qual se associam textospara '
nente bombardeio de imagens e signos, aliado a umacisão cada vez maior teatro literários, comoÀ hora em que não sablamos nada unsdos outros [.Die
entre a percepção ti o contato corporal sensível e real, treina os órgãos a regis- Stunde da wirnichts voneinander wussten], de Peter Handke, Palcos enormes
trar as coisas de modo cada vez mais süpéificíal. Supondo-se com Freud que são deixados vazios de modo provocador, ações e gestos são restritos a um
aslmpressões se inscrevem nos diversos sistemas do aparato ps íquico como mínimo. Nessa via daelipse recorre-se acentuadamente ao vazio e à ausên-
pistas e "vias': tem então fundamento o tem~·;·âe-9.ue o hábito da constante cia. de modo comparável à tendência na literatura moderna de privilegiar a
. repetição de impressões que no fim das contas não têm relação entre si leve subtração e o vazio(Mallarrné, Celan, Ponge, Beckett). O jogo com a redução
à abertura de vias cada vez mais planas..!l.o psiquismo, de modo que todo o da densidade dos signos visa a atividade do espectador, que deve se tornar
comportamento. emocional se torne mais "plano" e a proteção contra o es- produtivo com base em Uma matéria-prima exígua. A ausência, a redução e
tímulo cada vez m~is'ú;;p~rmeávêt Assim, o mundo 'saturado de imagens O vazio não se devem a uma ideologia rninimalista, mas a um tema funda-
poderia acarretar a morte das imagens, na medida em que todas as impres- mental do teatroativador, De modo especialmente coerente, [ohn Cage fez
sões propriamente visuais seriam registradas mais ou menos como meras da subtração uma condição para novas experiências. Muitos gostam de citar
informações e as qualidades d ó que é proprlamente.r'Icônlco" nas imagens Sua observação de que quando algo é entediante após dois minutos deve ser
seriam percebidas cada vez menos. É conhecida a conjetura de Lyotard sobre feitb em quatro minutos, depois tentado com oito minutos e assim por diante.
a possibilidade de que sob a "condição p6s-moderna" tenderia a desaparecer Atribui-se a Picasso a recomendação: "Se você pode pintar com três cores,
da circulaçã~ s'()ciil1 todo saber que não possa tomar a forma da informação. pinte com duas!':
Algo semelhante poderia se aplicar à percepção estético-sensorial. Sem que a
prova possa ser apresentada aqui, seria o caso de arriscar a afirmação de que Superabundância
as imagens de televisão,já por comparação com a visão do cinema, levam a
restringir a afetividade à via da informação mental mais ou menos.abstrata. A ~ransgressão da norma, assim como sua desvalorlzação, leva a um resul-
A profundidade e a díménsâo reduzidas da imagem televisivapouco pern;:;i~" , .. __., tado que deve ser identificado como uma figuração menos formadora que
tem uma percepção visual intensa. Isso poderia reduzir a capacidade de apli- deformadora. A forma possui dois limites: a desolação da extensão intangível
car libidinosamente a percepção visual, espacial, arquitetônica. e a acumulação ca6tica labiríntica. A forma é a posição média. A renúncia
Em face do bombardeio de signos no cotidiano, o teatro pós-dramático da percepção convencional da forma (unidade, auto-identidade, articulação
trabalha com uma estratégia de recusa. Ele pratica uma economia no uso. simétrica, nexo formal, apreensibilidade), ou seja, a recusa da construção
dós signos que pode ser reconhecida como ascese, enfatiza umformalismo normaliz;dàêla imagem, se realiza preferencialmente para além dos extremos.
que reduz a abundância de signos por meio de repetição e duração e revela O ordenamento das imagens, que está ligado em um duplo sentido ao "meio':
uma inclinação para o grafismo e para a escrita que parece se voltar contra a ao medium organizador e à posição média, é perturbado pelo crescimento
opulência e a redundância ópticas. Silêncio, lentidão, repetição e duração em descontrolado' dos signos. Gilles Deleuze e FelixGuattari propuseram o con-
que "nada acontece" se encontram não só nos primeiros trabalhos mais mini- ceito de "rízoma"para designar realidades nas quais ramificações intangívêls
malistas de 'Nilson corno também, por exemplo, em [an Pabre, Saburo Teshi- e conjunções heterogêneas impedem a síntese. A dissolução do tempo cênico
gawara, Michael Laub e em grupos como 'Ihéâtre du Radeau, Maatschappij em seqüências mínimas, como tornadas cinematográficas, já diversifica lndí- 149
retamente os dados da percepção,pois uma grande quantidade de elementos De fato, a ampla tendência à musicalização (e não apenas da linguagem) cons-
sem.ligaçã~ é considerada pela psicologia da percepção como maior do que a titui um importante capítulo do tratamento dos signos no teatro pós-dra -
mesma quantidade em um órdenamentocoerente. mático. Desenvolve-se uma semiàtica auditiva própria: diretores submetem
O fenômeno de uma superabundância cênica é bastante evidente no "tea- textos clássicos à sua sensibilidade rítmico-musical pautada pelo pop (Jürgen
tro de dança" de [ohann Kresnik, Wim Vandekeybus ou La La La Human Kruse); Wilson chama suas obras de "óperas". Sob o marco da dissolução da
Steps. Pode-se pensar também na profusão dos grotescos desfiles de espíri- coerência dramática, chega-se à sobredeterminação musical do discurso do
tos do espetáculo de Reza Abdoh (prematuramente morto pela Aids), assim ator por suas particularidades étnicas e culturais:
como nas representações "hípernaturalístas" (do grupo belga Victoria, por
exemplo) com palcos totalmente lotados de objetos e móveis. A partir do Desde os anos 1970, importantes diretores têm a prática deliberada e sistemática
modelo de Frank Castorf a abundância, a caotização e a adição de gags se de integrar às suas companhlas atores de procedências culturais e/ou étnicas intei-
tornam uma marca estilística. Uma variante interessante da estética pletó- ramente diversas, porque seu interessese voltajustamente para a variedade de me-
rica encontra-se nos trabalhos de [ürgen Kruse (Sete contra Tebas, Medéla, . l~diasdã fala, timbres, sotaques e de modo-geral para os diversoshábitos culturais
Ricardo II, Torquato Tasso etc.). Com ele chega-se a um teatro dos acessórios: no ato de falar. Assim, mediante as diversas peculiaridades auditivas, a locução do
o palco se transf~rma em um campo de jogo (ou um depósito de refugos) texto se torna fonte de uma musicalidadeautônoma. Os trabalhos de Peter Brook
repleto de objetos, escritos e signos com associaç_~~s caoticamente espalhadas, e Ariane Mnouchkine são exemplosmundialmente conhecidos.Aquiloque alguns
cuja inquietante abu~dância comunica um sentimento de caos, insuficiência, críticos franceses considerar ~m um problema - o fato de que atoresjaponeses ou
desorientação, luto e horror vacui [horror ao vazio]. africanospõem a perder a especialmusicalidade da língua francesa- interessava a
. .1
Brookjustamente como descoberta de uma outra música, mais rií:.q:ªd.~s~guras
Musicalização / sonoras de uma pôlÍfoniâlntercuitural das vozes e dos gestosdafala. 6

. Ao abordar o fenômeno da "musicalizaç ão dos signos teatra.is'~"':fÍelene Varo- Também se inclui aí aquela música que se insinua no teatro por meio do po-
poulou afirmou llglotísmo, onipresente n~-té~tro pós-drarüático. '" . ._ '.' . _

que a música se tornou, tanto para os atores quanto para os diretores, uma estru- Aquilo que aprlncípío aparece como provocação ou como uma ruptur a, o surgi-
. ~, . i
tura autônoma do teatro,Não se trata do papel evidente da música e do teatro mu- menta de entonações Incompreensíveis e estrangeiras, ganha uma qualidade pró-
~ \
sical,mas de uma idéia mais ampla do teatro corno músi~a. Talvez seja típico que prla, para além do nível Imediatoda semântica lingüística, como riqueza musical
uma mulher do teatro como Meredíth Monk, que é c~nhecida por seus poemas e como descoberta de combinaçõessonoras desconhecidas?
sonoros e lmagétlcos encenados espacialmente, tenha declarado: "Vim da dança
". ,. )'5
para o teatro, mas foi o teatro que me trouxe para a musica, Em uma entrevista por ocasiãoda edição de 1996 do festlválTheater der welt
[Teatro do Mundo], em Dresden, 'Paul Koek declarou: "O [grupo] Hollandia
\
I
.; , ..
6 Ibld,
15 0 Helene Varopoulou, Musikallsierung derTneaterzeichen. Frankfurt ~m Main,1998 (rnlmeo.), 7 Ibid. 151

'. ,
I
se insere em uma espécie de tradição .corno '~"de Kurt Schwitters. Também
Mesmo quando grandes diretores usam procedimentosdramáticos_ ressal-
analisamos a música moderna: comoa de Stoc~ausen': E sobre a encenação
tando porém os aspectos 'não dramáticos, puramente teatrais - ; a inusicalização
de Ospersas pelo Hollandia: r , ~ :. ,
é um dos elementos que manifestam de modo mais contundente a alteridade
em relação ao teatro dram ático. Ao abordar a montagemde Hamlet pelo diretor
Queríamos chegar o mais perto possível dos ritmosgregos. Também os coros fo-
lituano Eimuntas Nekrosius, Varopoulou afirma que "a musicalidade, que já se
ram desenvolvidos ritmicamente, portanto determinados pelasonoridade oupela
destacava em suas encenações anteriores, (...] alcança um ponto culminante":
melodia. (...] Chamei umatorparao meu estúêiio,~,pedi quefizesse seumonólogo,
.mas corno no teatro bunraku do Japão: com entonâções frenéticas, usando dos
Durante quase toda a representação há m úsica tocando,oatorprincipal é umastro do
, tonsmaisgraves aosmais agudos,"
. -.. rock lituano, e também nocampo dos sonse ruídos é empregado um rico repertório
deformas musícais: o regulai'golejamento de gelo' derretido, que éum leitmotiv em
A música elet,i-êirlkã tornou -possível.manipular à voii:tade o parâmetro da
toda a encenação; ritmos dos pés que batem e que pisam: estalos dededo rítmicos: o
sonoridade e com isso abrir campos lntelramentenovos para a rnusicaliza-
ruído musicaldasvaras sibilando como coro no duelo de Hamlet e Laerte, Mesmo a
ção das vozes e dos sons 'no teatro. Uma vez que diversas qualidades sono-
única pausa perceptível na música - que ocorre quando Ofélia enlouquece _ é inter-
ras (freqüên cia, tom, t írnbre-volumeetc.) p o d.~m ,ser manipuladas com o
pretáda COmo música de uma dança muda. EmNekroslus a musicallzação se mani-
recurso a sinte tizadores, as combinações eletrônicas de ruídos e tonalidades
,r{sta especialmente na relação entre homens e objetos no palco. Osobjetos estão su-
(samp/ing) passam a ser uma di~ensão sonora inteiramente nova no tea-
jeitos a uma perversão desua função, são usados quase como instrumentos musícais
.tro. A "coníposlção conceitual" de Heiner Goebbels, assim chamada por ele
einteragem com oscorpos humanos para produzir música. 10 .
mesmo, combina a lógica do texto com o material musical e vocálico em di-
versas variantes. Torna-se possível manipulare estruturar intencionalmente
Do ponto de vista metodológico, é importante que tais fenômenos não sejam
todo o espaço sonoro do teatro. O campo musical, assim como o curso das
considerados como expansões - talvezmuito originais - dó teatro dramático;
ações, não é mais construído de modo linear, mas, por exemplo'.JP..edi~l1:~e a . ' ,_,
antes, deve-se reconhecer também nessas encenações dramáticas a novidade
superposição simultânea de mundos sonoros, como em Roaratorio (1979J;-- --- ,._-"
de uma linguagem teatral em mutação, não mais dramática.
de Iohn Cage e Merce Cunninghatn, peça coreográfica em que Cage lê tre-
chos do Pinnegans Wake de [ames Ioyce," o que é significativo, já que esse Cenografia, dramaturgia visual
texto marca na literatura a abertura de urna nova época na maneira de lidar
com a língua: transposição das fron teiras entre as línguas nacionais, inten-
Em meio ao tratamento paratá tico e des-hierarquizante dos signos, surge
sificação e multiplicação dos significados possíveis, construção arquitetô- '
no teatro pós-aramático a possibilidade de atribuir o papel de domíoante
nico-rnusical etc. Os signos teatrais pós-dramáticos se situam na linhagem
a outros elementos que não o lagos dramático e a linguagem, como mostra
dessast exturas. o exemplo da musícalízação, Isso díz respeito à dimensão visual mais ainda
do que à auditiva. No lugar de uma dramaturgia pautada pelo texto, uma
8 Paul Koek, entrevista, In 'Iheater der Welt 1996. Dresden,'1996. dramaturgia visual parece ter alcançado predom ínio absoluto no teatro 'i;'
9 O título da peça, um neologismo extraído do romance, é composto a partir das palavras
roer, "bramido", e oratorio, "oratório" [N.E.] 10 Varopoulou, op. clt,
153
final dos anos 1970 e dos anos 80, até que na década de 199 0 se delineou um deveríamos "ver" na verdade é o invisível nos diferentes aspectos do corpo
cel'to 'r~t~rno ao texto (o qual na verdade não havia desaparecido por com- humano em geral - Ido mesmo modo que uma flor em um quadro não mais
pleto). "Dramaturgia visual;' não significa aqui uma dramaturgia organizada oferece ao olhar uma determinada flor, mas "à' flor. Assim, não se trata aqui
de modo exclusivamente visual, mas uma dramaturgia que não se subordina de "uma" mulher. Mas também não se trata de uma "mulher": o que se dá a ver
ao" texto e que pode desdobrar sua lógica própria. O que interessa aqui sobre é um corpo "invisível", que transcende não só o sexo, mas também o domínio
o "teatro das imagens" não é saber, do ponto de vista da crítica, se ele é uma , humano em geral, sob a forma de espada, taça, flor. Ao ser lida mais uma vez,
benção ou uma fatalidade para a arte teatral, se é ou não a derradeira sabe- a cena que se oferece aoo lhar é uma grafia, um poema que ganha forma sem
doria para um teatro na civilização das imagens; tampouco é saber, do ponto qualquer instrum ento de um escriba. A cenografia, nome de um teatro de vi-
de vista da história do teatro, se sua época já passou e se formas teatrais neo- sualidade complexa, se põe ante o olhar observador como um texto, como um
naturalistas e narrativas voltarão a ganhar força. Trata-se daquilo que é sinto- poema cênico no qual o corpo humano é uma metáfora, no qual se~ fluxo de
mático para a semiose do teatro.Seqüências e correspondências, nós e pont?s .movímento é, num sentido não apenas metafórico, escrita e não "dança".
.. ....- ..." I
de concentração da percepção e a constituição de sentido por ela comunicada, Resgata-se no campo do teatro um desenvolvimento estético pelo qual
ainda que fragmeritária, são definidas na dramaturgia visual a partir de dados outras artes'tinham passado antes. Não é por acaso que conceitos provenien-
ópticos.Surge um teatro dacenografia. Mallarmé já fizerade tal "grafia" cênica tes das artes plásticas, da música e da literatura são apropriados para carac-
objeto de reflexão, quando compreendeu a dançacorno "escritura corporal": terizar o teatro pós-dramático. Foi somente sob a influência das mídias de
reprodução, a fotografia e o -cinema, que o teatro tomouconsei ência de sua
[...l·la danseusen'est pas une femme qui danse,pour ces motifs juxtaposés qu ~lle n'est especificidade. Com uma freqüência notável, importantes artistas teatrais da
pas une femme, mais une métapnore résumant un des aspects élementaires de l;otre atualidade têm uma experiência pr évia nas artes plásticas. Nãóié de admirar
forme, gIaive, coupe, fleuretc., et quelle ne danse pas, suggérant, par le pro.díge de que apenas no teatrodasuHíITias décadas forarrr'alcan çadas" as eínp~~itadas que
raccourcis ou d~Ians, avec uneécriture corporelle ce qu'i!faudrait desparagraphes
, , '
en podem ser evocadas com palavras-chave como auto-referência, não-figura-
prose(...] pour exprimer, dans larédaction: poéme dégaié détautappdreil du scribe." ção, arte abstrata ou concreta, autonomização dosslgnlficantes, serialídade,
aleatoriedade etc. Na.. qu~lici à&: de umá 'pr ática.. art ística onerosa na socie-
Tentemos interpretar essa fórmula. O que vemosno palco - ou o que devemos dade burguesa, o teatro precisava iJ11wet~rivelmentep'~nsare~'~'~ manter por
, propriamente ler - é aquilo que nos dissimula o reiterado erro da expressão meio de receitassignificativas, isto é, por meio de um afluxo 'd e público o
"uma mulher que dança". Quem dança não tem ali o valor de uma figura hu- mais amplo possível, clê'm?do que novidades arriscadas, mudanças cruciais
mana individualizada! mas o de uma figuração diversificada dos membros de e modernização surgiram com....um característico atraso em relação ao estado
seu corpo, de sua figura em formas que se alteram a cada momento. O que de coisas em formas artísticas materialmente menos dispendiosas, como a',
poesia e a pintu ra. Não obstante- tamb ém no âmbito do teatro as tendên-
11 Stéphane Mallarmé, ["Crayonné au théâtre"], in CEuvres completes. Paris, 197 0, p. 30 4. cias mencionadas acabaram por provocar complicações consideráveis e que
["[...] a dançarina não ti uma mulher que dança, pelos motivos justapostos de que ela não é duram até hoje. No entanto, ainda seria difícil para um público teatral mais
umamulher, mas uma metáfora resumindo um dos aspectos elementares de nossa forma
amplo aceitar que as novidades do chamado "teatro moderno, às quais ele aca-
_ espada, taça, flor etc. - , e de que ela não dança , sugerindo pelo prodígio de contraçõesou
impulsos, com uma escritura corporal, o que seria preciso dos parágrafos ein prosa [...]
bou de se habituar, já.sãq_emp~l'te colsa dopassado , que a arte teatral sempre
paraexprimir na redação: poemadestituído de todo instrumento do escriba"] volta a exigir de seus espectadores urna atitude completamente renovada. 155
154
\ .
.,\.1
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Calor efrieza Corporeidade

Para um público educado na tradição do teatro de-texto, é ainda mais difí-


I Apesar de todos os esforços para encerrar opotencial de expressão do corpo
cil aceitar a "destituição" dos 'signo sl~l1g~fstíco s e a despsicologização que a em uma lógica, uma gramática, uma retórica, a aura da presença corporal
.acompanha. Seja pela participação dOe pessoas vivas, seja pela .fixação secu- continua a ser o ponto do teatro no qual se dá o desvanecimentode todo sig-
lar em destinos humanos comoventes, o teatro possui um certo "calor". As nificado em favor de uma fascinação distante do sentido, de uma "presença"
. '. - ' - . '"

vanguardas
,
clássicas, o teatro épico e o teatro documentário
' , certamente já espetacular, do carisma ou da "irradiação". Veicula-se no teatro um signifi-
haviam.acabado com isso em grande medida. No enfanto, o formalismo do cado que não encontra palavra alguma, ou que de todo modo,para dizer com
teatro, p ós-dramático-d á Um passo qualitativamente novo é provoca ainda Lyotard, está sempre "à espera de" denominação. Desse modo, opera-se um
mais perplexidade-Para.quem espera a representação de mundos de expe- deslocamento no modo de ver afatura dos signos em geral quando no teatro
' riência "mais humanos'; no s~~ti'd~ -dê""iiiais'psicológicos': ele pode mani- pós-dramático se 'chega a uma extremá manifestação de corporeidade, que
festar uma frieza difícil de suportar. Essa frieza tem um efeito especialmente se impõe de unimodolmedlato e freqüentemente assustador. O corpo passa
desconcertante porque no teatro não se trata de meros processosvisuais, mas a ocupar o 'p onto central não como portador de sentido, mas em sua subs-
de corpos humanos com seu calor, com osquaísa'lmaginaç ão perceptivanão tânc~,a,t'isica e gesticulação. O signo central do teatro, o corpo do ator, recusa
pode associarnada diferente de experiências humanas. Assim, há algode pro- o papel de significante. De modo geral, o teatro pós-dramático se apresenta
, vocativoquando essas manifestaçõeshumanas são conjuradas em uma trama como O teatro de uma corporeidade auto-suficiente, que é exposta em suas
visual- por exemplo, quando uma cena de combate em As guerras civis [lhe intensidades, em seus p oten~i_ais gestuais, em sua "presença" aurática e em
Civil Wars], de Wilson, representa uma mortandade coletiva corecgrafada suas tensões internas ou transmitidas para fora. Acrescenta-se a presença do
com uma frieza (e uma beleza) angustiante. corpo desviante, que por doença, deficiência ou deformação diverge da norma
Por outro lado, a crescente autonomia da dimensão visual pode levar a um e provoca fascinação "imoral': mal-estar ou medo. Possibilidades de exístên-
superaquecimento e a urr:a enxurrada de imagens. Em sua adaptaçâode-Dante; _ _,. _ cia reprimidas ou excluídas se efetivam em formas altamentefísicas do teatro
Thomaz Pandur buscou alcançar uma intensidade "infernal" e se aproximou do pás-dramático, desmentindo aquela percepção que se instalou no mundo à
circo mediante uma extrapolação visual. Nos anos 1980 atuou em Viena o Sera- custa de ignorar o-quanto é pequeno o campo no qual a vida pode se desen-
pionstheater, que se apropriou dos impulsos de Wilson, Mnouchkine e outros rolar em uma certa "normalidade"
para criar uma dramaturgia visual que exerceu extraordinária atração, em espe- O teatro p ós-dramático freqüentemente ultrapassa os limites da dor para
cial no "poema visual" Duplo & Paraíso [Double & ParadiseJ, apresentado em, revogar a---dissociação
--
do corpo e da linguagem e reintroduzir no reino do
Viena por 120 vezes atémarço de 1983 e depois em numerosascidades da Europa- espírito - voz e linguagem- a corporeldade dolorosa e prazerosa, o que Iulía
uma pletorade efeitos visuais, atrocidades e "submersão de estírnulos" 12 Kristeva chamou de semiótico no processo de significação. Na medida em
que a presença,e a irradiação do corpo se tornam determinantes, ele se torna
plurívoco em significabilidade até se tornar irremediavelmente enigmático.
A intensidade e a turbulência do teatro podem desembocar tanto eJl1'úm~
12 RolfKloepfer,"DasTheater der Sinn-Erfüllung: Double 0& Paradise vom Serapíonstheater
(Wien ) ais Beisplel einer total en Inszenlerung', In Eriku Plscher-Lichte (org.), Das Drama forma trágica quanto em uma forma alegre e extática. Não é à toa que a per-
und seinelnszenierung. Frankfurt am Maln, 1983. pp. 199"2i8: ,. -- sistente conjuntura de um teatro dançado, baseado no ritmo, na música e na 157
corporeidade erótica, mas marcado pela semântica do teatro falado, é uma 'Ah!" e "Oh!" por parte dos espectadores, e não à eco da reflexão que se dá em
modalidade significativa ~o teatro pós-dramático. Na dança moderna foi presença elo teatro que recusa qualquer significado.
abandonada a estrutura narrativa da dança e na dança pós-moderna também Enquanto em outros estilos teatrais organizados de modo visual a deli-
se abandonou a estru~ura psicológica, e esse desenvolvimento também chega mitação e a distância das imagens predomínarn sobre a presença física dos
ao teatro pós-dramático - com atraso em relação ao desenvolvimento do tea- atores, em Einar Schleef as imagens sensuais e corporai s do teatro se preci-
tro dançado, Contudo, o teatro da fala sempre foi. muito mais do.quea dança, pitam rampa abaixo. A forma em cruz do palco e as passarelas em direção
o lugar da produção de sentido dramático. O teatro dançado libera vestígios ao público contribuem para que a dinâmica espacial seja orientada do fundo
da corporeidade até então encoberto s. Ele intensifica, desloca, inventa im- do palco para o público (enquanto a forma teatral de Wilson. por exem-
pulsos de movimento e gestos corporais, restituind o assim possibilidades plo. favorece o movimento paralelo à rampa), Por meio dessa disposição que
latentes, esquecidas e retidas da linguagem corporal. Os diretores do teatro confronta o público de modo frontal e direto, a especial "frontalidade" do
falado talvez criem também um teatro com uma pronunciada ou contínua . . ..~:~tro de Schleef exerce um efeito físico sobre o espectador, que tem de ex-
coreografia dos movimentos, ainda que não haja propriamente uma dança. períri1eritã'r. com freqüênci a de modo incomodamente direto, o suor, o es-
No entanto, o conceito de dança se ampliou de tal modo que distinções cate- forço. a dor, a grande exigência da voz do ator. Ele vê o coro perigosamente
góricas se tornam cada vez mais sem sentido. Em certos trabalhos do grego agressivo vindo em sua direção com passos ritmad os e também vivencla
Theodoros Terzopoulos, o teatro de movimento.e Ocoro de movimento se "alimentações" ironicamente reconcílladoras (chá, batata cozida, pedaços de
aproximam da dança a tal ponto que o olhar fica indeciso, sem saber a partir chocolats...), A corporeídade do procedimento 'teatral se mQ~t!~ em ações
de qual parâmetro deve ajustar sua percepção. rud es e até corporalmente perigosas dos atores; ressonâncias da disciplina
À medida que o teatro pós-dramático se afasta de uma estrutura mental esportiva e de exercícios paramilitares carregam o curso dos/mo vimentos
inteligível em direção a uma exposição de corporeidade intensiva, o corpo se com reminiscências dahlstóría alemã, evocando a rígida disciplina corporal
absolutiz a. O resultado paradoxal é que ele engloba todos os outrosdiscurs os. militar, a força, o domínio e o autodomínio, os exercícios coletivos e o aban-
Dá-se assim uma virada interessante: uma vez queo corpo nãó expõe nada dono de si a uma coletividade.
além de si mesmo, a renúncia à significação pelo corpo e a orientação para Schleef nunca foi ,u~ã-uhanünidade e- Algunscríticos apressados não fo-
um corpo de gestos destituídos de sentido (dança; ritmo, graça. força, riqueza ram capazes de descobrir-lhe nem a qualidade artísti~~·~~~ãpôlíticar .e che-
cinética) se revelam como o mais extremo fardo do corpo, com uma signi- . gararn a associá-loa tendências neofascístas. Isso 'éert:~mente diz maís sobre
ficação que diz respeito a toda a existência social. Ele se torna tema único. o nível da crítica do q~e.,~obre esse trabalho teatral. Vale a pena porém nos
A partir de então, ao que parece, todos os temas do âmbito social precisam deter por um momento nesseterna, pois aqui se evidencia a questão funda-
passar primeiro por esse buraco de agulha, precisam tomar a forma de um mental da dimensão política e ética do uso estético dos signos. Esse uso es-.
tema corporal. O amor se expõe como presença sexual, a morte como Aids, capa ao padrão do politicamentecorreto. Se se quisesse impor esse padrão, a
a beleza como perfeição corpor al. A relação com o corpo se torna uma preo- conseqüência necess*rl~ seria reduzir a representação estética em geral àsua
cupação fascinada com a ginástica, com a saúde ou com as possibilidades - "mensagem': o que e~tdentement~ seria um empreendimento disparatado. O
fascinantes ou inqu ietantes', conform e o ponto de vista - do "tecnocorpo" que os corpos fazefil no teatro de Schleef quando, por exemplo, exercitam
O corpo se torna o 'alfa e ômega - evidentemente, com o risco de que Os sua força e resistência nus.~ c'h.eiosde suor : isso não demonstra, não mos-
trabalhos teatrais mais fracos nele centrados suscitem apenas exclamações de tra, não comunicaaatualídads de uma ca~amidade política do passado ou 159

" ,
o possível futuro de um corpo esportivo-vi ril <;lu militar sem pensamento Sefor descoberta a possibilidade de que o teatro seja "simplesmente"a ela- .
nem reflexão. Isso tudo se manifesta justamente p'0rgue Schleef sabe que a boração concreta de espaço, tempo, corporeídade, cor, som e movimento, se-
recordação hi stórica não se dá slrnplesmérite pelacohsciência, mas pela iner- rão retomadas possibilidades que foram antecipadas na poesia concreta, mas
vação corporal. Suas imagens se recusam a uma simples interpretação moral também já rio âmbito do texto para teatro, por autores da Escola de Viena
ou política. Elas perturbam mais profundamente e exigem reflexão: como como [Konrad] Bayer, [Gerhard] Rühm e [Hans Carl] Artmann. Já se foi
memóri a do corpo que se alia a uma investida contr a o aparelho sensorial a época da poesia conc,reta em sentido estrito, mas por toda parte ainda se
'- .
do espectador. No teatro pós-dramático; o cõrpo físico '- cujo vocabulário distinguem elementos da escritura concreta na poesia contemporânea. O que
. "-
gestual ainda podia ser formalment e lido e interpr etado como um texto no em outros tempos era uma experiência marginal no teatro tomou-se uma
século XVIII - é uma realidade autônoma: não "narra" mediante gestos esta possibilidade central da estética teatral por meio das novas·possibilidades
ou aquela emo çâo.jnas se. manifesta com sua presepça como um lugar em de combinação de tecn ologlá midiática, "teatro dançado'; arte do espaço e
que se inscreve a histó~'i~'~~l~tiVa: ' espetáculo. No teatro como um lugar 'do olhar, alcança-se assim um ponto
culminante do-prlnc ípío.da "dramaturgia visual'; que se torna a realização
Teatro concreto "concretade estruturas formais visíveis d~ cena. Com isso,transfere-se para
o tea~;:ó um modo de tratamento dos signos que questiona as concepções tra-
Naquilo que costuma ser caracterizado como "teatro abstrato", no sentido dicionais quase como nenhum outro. Se os signos, como foi mostrado, não
de teatrosemaç ão ou como teatro "teatral'; a preponderância das estruturas mais oferecem síntese alguma, mas as referências materiais que ainda podem
formais vai tão longe que quase não se pode encontrar qualquer referên- ser assimiladas em uma atividade associativa labiríntica, isso é uma coisa.
cia. Caberia falar aqui de teatro concreto. Assim como Theo van Doesburg e Mas se essas referências cessam quase que totaimente, a recepção está diante
Kandinski preferiam o .termo "arte concreta" à expressão corrente "arte abs- de uma recusa ainda mais radical: a confrontação com a p rese~ça "muda" e
trata" - já que em vez da referência (negativa) à objetividade ele enfatiza de densa do corpo, dos materiais e das formas. O signo remete tão-somente a si
mod o positivo a concretude imediatamente perceptível das cores.Jínhas e me~mo - mais precisamente, à sua presença. A percepção se encontra rele-
superfícies pictóricas -, convém interpretar asformasou os aspetos teatr~is' .. gada a uma percepção estrutural.
não-figurativos do teatro p ós-dram ático, estruturados formalment e, como Assim é que em Fabre os elementos cênicos são inseridos de modo seme-
"teatro concreto". Trata-se aqui de expor oteatro porsi mesmo, como uma arte lhante ao da "arte não-relaciona!" de um Frank Stella, segundo os princípios
no espaço e no tempo, com corpos humanos e todos os recursos que ele inclui da simplicidade e.da série não-hierárquica, com simetria e paralelismo. Ato-
como obra de arte total, assim como, na pintura, a cor, a superfície, a estru- res, elementos de iluminação, dançarinos etc. se oferecem a uma observação
tura tátil e a materialidade puderam se tornar objetos autônom os de uma ex- p ur am enteformal: o olhar não encontra nenhuma ocasião para deduzir uma
periência estética. Nesse sentido, em sua an álise de O poderdas tolices teatrais profundidade de significação simbólica para além do que é dado, aferrando-
[De MachtderTheaterlijke Dwaashedens, de [an Fabre, Renate Lorenz utilizou se à atividade de ver as próprias "superfícies" com prazer ou com tédio, con-
o termo "teatro concreto" com base em Van Doesburg. " forme o caso. Uma formalização estética descomprometida torna-se aqui o
espelho no qual o formalismo vazio da percepçã o cotidiana se reconhecê -
13 Renate Lorenz, [an Fabres "Dlc Macht der theatrallschen Torhelten"und das Problem der
ou pelo menos poderia se reco~hecer. Nã~ é o conteúdo, mas a própria for-
160 Au.ffiihrugsanalyse. Glessen, 1988 (mímeo.). ' malização que constitui a provocação: a repeti ção fatigante, o vazio, a pura 161
matemática dos procedimentos cênicos nos obrig am a experimentar aquela Irrupção do real
sime triá'd ian te da qual nos angustiamos porq ue ela traz consigo nada menos
do que a amea ça do na da. Privada das habituais mule tas da com preensão de A idéia tradicional do teatro parte de um cosmo s fictício fechado , de um "uni-
sentidos, a p ercep ção desse teatro se frus tra e é obrigada a se submeter a um versodiegéiico", que pode ser assim chama do ainda que resulte dos recursos
modo de ver difícil - ao mesmo tempo formal e sensorialmente exato -, que da mimese (imitação), a qual normalmente é con traposta à dlegesis (narra-
certamente poderia permitir uma atitude mais fácil, mais "solta': não fosse , ção). Emb ora o teatro conheça uma série de rupturas convencionalizadas
pela frieza provocativa da geometria e pela ânsia de sentido insatisfe ita. Esses (aparte, apóstrofe ao púb lico), a represe ntação cênica é compreendida como
dois elementos são conscientemente acentuados em Fabre e experimentados dlegesis de uma realidade distint a e "emoldurada': na qual imperam leis pró-
pelo espectador como uma dialética de forma e a~ressão. prias e um nexo interno dos elementos que se destaca como realidade "en-
O que é exemplarmente levado ao extremo no teatro de [an Fabre cenada" em relação ao ambiente em torno. Tradicionalmente, lidava-se com
aponta p ara aquilo que no teatro pós-dramático ocupa O lugar do núcl ~o , -a~)l1t.e.~E~p çõ es do enquad ramento teatral com o se fossem um aspecto "real':
dramático. Em um quadro de significação qu e se torn a cada vez mais per- mas a ser desprezado do ponto de vista artístico e conceitual. Os pe rsonage ns
meável, desponta a perceptibilidade concreta, sensorialmente intensificada. de Shakespeare freqüentemente se comunicam com o público de modo vee-
Esse termo ressalta o caráter virtual e intangível da percepção teatral aqui mente; os prantos das vítimas trágicas de todas as épocas sempre se dirigiram
produzida ou pelo m enos visada. A mimese, P-Jl sentido aristotélico; gera ao público presente e não apenas aos deuses. As máximas, importantes não
o prazer do reconhecimento e desse modo sempre chega a um resultado, só para o teatro da época de Lesslng, foram assi~Üadas pelos-espectadores
por assim dizer; já aqui os dados sensíveis permanecem continuamente como prece itos pedagógicos que lhes eram especialmente destinados, Apesar
referidos a respostas pendentes: o que se vê e ouve permanece com sua disso, a tarefa artística consistia em inserir tudo isso no cosmos ~ctiçio de um
assimilação adiada, corno potência. Nesse sentido, trata-se de Ul
l1 ,rúltro ~lodo tão discreto 'que"ã'ap6str ofé aO públlcõ real, o discurso-para-fora -da-
daperceptibilidade . O teatro p ós-d ramático enfatiza o ínacaba doe o intan- peça, nã o fosse notada como um elemento perturbador. Desse modo, pode-se
gível a tal ponto que realiza sua própria "fenomenología d a-percepção" a qual estabelecer um paralelodo drama teatral com a "mo ldura" de um quadro, que
se caracteriza pela superação dos princípios da rnimese e da ficção. Como a
unifica a imagem no interiore delfiiifta 'érrrreleçêo-ac exterior, A diferença
acontecimento concreto produzido no instante, a representação modifica categorial - e com isso a virtualidade sistemática da .abertura do quãdro -
fundamentalmente a lógica da percepção e o status do sujeito dessa per- , consiste no f~to'de que o teatro não s; realiza do mesmo modo que a Imagem
cepção, que já não pode se apoiar num ordenamento representativo. Num enquadrada (o filme p'rojetado, a narração impressa), mas como processo in
comentário sobre a concepção da "visão vedara" [se~ en de Sehen] de Max actu. Uma pausa especlalrnente.longa na fala pode ser um "branco" (plan o do
Imdahl.Waldenfals observa: "Em sentido estrito, aqui nada se transmite ou real) ou pode ser intencional (plano da encenação). Apenas no último caso'
se reproduz, pois [...] não há nada que possa ser transmitido ou reproduzido. ela pertence sistematicamente ao dado 'estético do teatro (da encenação); no
A visão vedara acompanha o surgimento do visto e do vedar que está em primeiro trata -se apen as de um erro ocorrido naqu ela apresêrrtação específica,
jogo no acon tecimento da visão, do tornar-se visível e do fazer visível"!' tão insignificante quanto uma falh'a de impressão no texto de um romance.
Essa é a descrição válida p~ra o teatro dramático, noqualo "objeto inten-
cional" da encenação.. deve serdíférenciado da apresentação ernplrlcarnente
162 14 Waldenfeis, op. cit., pp. 112- 13 . ocasional, Somente o teatro pós -dramático 'explicitou O campo do real coma

\ ,
I
permanentemente "co -atuan~e", ·t oman·d o-o pemodo factual, e não apenas Deve ser considerada mais séria a crítica segundo a qual toda estratégia
conceitual, como objeto não só da reflexão - corno 'no romantismo -, mas da de irrupção do real na representação do real nãosó a priva de sua qualidade
própria configuração teatral. Isso ocorreu de várias maneiras, mas de modo artística "ma.is elevada': mas também seria condenável do ponto de vistamo-
especialmente elucidativo por meio de uma estratégia e de uma estética da ral e mentirosa do ponto de vista da lógica da percepção. Schechner põe o
indécidibilidade em relação aos recursos-básicos do teatro. Em O poder das caso-limite da autoflagelação dos artistas perforrn átlcos no mesmo nível dos
. tolices teatrais, de Fabre, após uma ação extenuante (um exercício de resis- mal-afamados "snufffilms" (filmes com imagens de assassinatos reais] e das
tência à Grotowski) as luzes se acendem nomeio da representação e os ato- lutas de gladiadores, já que em todos esses casos "os seres vivos se tornam
res, extenuadose ofegantes, fazem uma pausa pará-fumarenquanto encaram agentessimbólicos coisificados. Essacoisificaçãoé abominável. Eu a condeno
o público. Fica-se sem saber se essa atividade pouco saud ávelé "realmente" sem exceção';" Mais adiante se voltará à questão da coisificação do corpo
n~cessári.a ou se é enc~nada, Algo sem~lhãnte vale para a retir~da de cacos e como material significativo"fia arte performátita. Aqui se chega à conclusão
outras Intervenções rio-palco quesã o.pragmatlcamenle sensatas ou necessá- de que no teatro pós-dramático do real o essencial não é a afirmação do real
rias, mas que em.razão da falta de referência à';~~Üdade dos signos cênicos em si (como.nOS 'produtos sensacionalistas da indústria pornográfica), mas
são sentidas como se tivessem o mesmo estatuto daquilo que é claramente sim a incerteza,por meio da indecidibilidade, quanto a saberse o que está em
encenado no palco. jogo é-realidade ou ficção. É dessa ambigüidade que emergem o efeitoteatral
A experiência do real e a falta de ilusões fictícias com freqüência sus- e o éfeitosobre a consciência.
citam uma decepção quanto à redução, à manifesta "pobreza". As objeções Apesar de sua indiscutível ligação com o teatro, o real sempre foi dele
. a esse teatro se referem, por um lado, ao tédio de uma percepção puramente excluído por razões estéticas.ou conceituais. Normalmente são apenas as
estrutur al. Essas reclamações são tão velhas quanto a própria modernid ade, panes que o manifestam: Para além dessa imagem aternorizante e ideal do
e seu motivo é sobretudo a má-vontade em admitir novos modos de percep- teatro, a irrupção do real na cena geralmente é tratada sob a forma dos erros
a
ção, Por outro lado, criticam-se trivialidade e a banalidade de meros jogos embaraçosos que alimentam as anedotas sobre o teatro (e cuja análise seria
formais. Contudo, desde que os impressionistas ofereceram re.ly~ banais ten~ado ra desse ponto de vista). O teatro é uma prática artística que parti-
em vez de grandes temas, desde que Van Gogh pintou cadeiras humildes',' é' . cularmente obriga a considerar que "não há qualquer limite seguro entre o
evidente que a trivialidade, a redução ao mais simples, pode ser uma condi- campo estético e o não-est ético'." Em prop orções variadas, a arte sempre
ção incontornável para a intensificação de novos modos de percepção. Aqui teve intromissões extra-artísticas do real - assim como, em sentido inverso,
também a estética teatral segue a literária a passos lentos, É reconhecido há fatores estéticosno campo extra-artístico (artesanato). Aqui sobressai de
que em Beckett os procedimentos triviais são tudo menos triviais, como se maneira nova uma qualidade estética peculiar: a constatação devidamente
fossem pela primei ra.vez trazidos à luz por uma radical redução ao maís "surpreendente" de que a obra de arte - toda obra de arte, mas de modo
simples: na literatura mais recente, reconhece-se que as meras colagens de especialmente drástico o teatro -, quando olhada de mais perto, apresenta-
palavras e cenas prosaicas apresentam uma qualidade estética própria. Em se como uma construção constituída sobretudo de materiais não-estéticos.
contr apartida, ainda é difícil o discernimento de que é por demais estreita a Para Mukarovsky, a obra de arte
expectativa de que o teatro ofereça uma representação edificantedo homem,
de que o teatro é uma arte do corpo, do espaço e do tempo tanto quanto a 15 Schechner, op, cit., p. 17Ó.
escultura e a arquitetura. 16 Mukarovskj; op, clt., p. 12. 165
se oferece nofim das contas como uma acumulação de valores extra-estéticos ecomo abstrato, à proem inência dos signos, o teatro Implica a prioridade estética e
algo que nada mais é senã~ essa pr6pria acumulação. Os elementos materiais dó ao mesmo tempo remete, de maneira mais complexa, ao pro cesso de consti-
produto artístico e o modo com que foram usados corno meios de configuração se tuição de significado. Nos termos de Erika Pischer-Líchte,
manifestam como meros condutores das energiasencarnadaspelos valores estéticos.
Caso nosperguntemos onde ficouo valor estético, mostrar-se-á entãoque elese dis- ao usar osprodutos materiais da cultura como seuspróprios signos, como signos
solveu nos valores extra-estéticos particulares e naverdade nada malsé do que uma estéticos, o teatro tornaconsciente o caráter de signo desses produtos e com isso
designação sumá ria para a totalidade dinâmica desuas relações recíprocas." mostra a cultura ambiente comopráticageradora de significado em todososseus
sistemas heterogêneos."
Se O "real" está então tão implicado no estético que este só pode ser percebido
"como tal" por meio de um contínuo processo de abstração, não é nada trivial Assim, ô teatro convida implicitamente a atos performativos que não apenas
a constatação de que o processo estético do teatro não pode ser destacado de est8.p. ~.kç~ttn novos significados, mas que os coloquem em cena - ou melhor,
sua materialidade extra-estética e real da mesma maneira que se pode separar em jogo - sob novas maneiras.
o ideatum estético de um texto literário da materialidade do papel e da tinta A esse potencializado caráter de signo do teatro corresponde sua não menos
de impressão. (Não que se tenha esquecido a noção da materialidade da escri- perturbadora concretude "para além da interpretação'; que torna possível a es-
tura - nem o "lance de dados" de Mallarrné nem o necessário "espaçamento" tética da irrupção do real. Está fundamentado na constituição do teatro o fato
de todos os signos - , mas a diferenciação entre a materialidade dos signos de que o real reproduzido literalmente pode a todo mome~tci rêssurgir na apa-
teatrais e a dos signos da escritura não é o tema aquí.) Uma cadeira descrita rência teatral. Sem o real não há o encenado. Representação e pJ:!sença, reflexo
certamente também é um signo material, mas não é uma cadeira materiâl, mim étíco e atua ção, (l. r~.E!·~.~~_Iltad.oe ~ processo de representação: essa.dupli-
Em contrapartida :- essa constatação drástica deve ser suficiente aqui 7 i 6tea- cação, tematizada radicalmente no teatro dopresente, tornou-se um elemento
tro é simultaneamente processo material de andar,levantar, sentar,falar, tossir, essencial do paradigma pós-dramático, no qual o real passa a ter o mesmo valor
tropeçar, cantar e "signo para" andar, levantar etc. O teat~o'se áácomo uma do fictício. Contudo; o que.caracteriza a estética do teatro pós-dramático não é
prática ao mesmo tempo totalmente significante e totalmente real. Todos os a aparição do "real" como tal, e sim sua ~tÚi~ãção aiitõ-rejlexh'a;.Esse_caráter de
signos teatrais são ao mesmo tempo coisas fisicamente reais - uma árvore auto-referênciapermite pensar o.valor, o'lugar e o-significado doeleine;;t6·ex-
de papelão, uma árvore de verdade sobre o palco; uma cadeira na casa dos no
. tra-est étlco est ético,,e com Isso odeslocamento de seu conceito; O elemento.
Alving [da peça Espectros] de Ibsen, uma cadeira de verdade sobre o palco -, estético não pode ser compreendldo por nenhuma determinação de conteúdo
coisas que o espectador localiza não só no cosmos fictício do drama mas tam- (beleza, verdade, sentimento,'espeihamento antropomorfizador etc.), mas ape-
bém em sua situação real no tempo e no espaço ("ali na frente no palco"). nas - conforme mostra O teatro do real - como via de fronteira, como conversão'
A abstração potencializada do signo teatral- sua particularidade de sem- contínua não de forma e conteúdo, -ma~ d ~ contigüidade "real" (conexãocom
pre ser "signo de um signo';" como freqüentemente se esquece - tem duas a realidade) e construção "encenada" É nesse sentido qu~';;'aiz que o teatro
conseqüências igualmente interessantes. Em razão dessa sua tendência ao pós-dramático é teatro do real.Ele busca cultivar uma percepção que efetuepor
a
própria conta ovaívé rn entre ?ercep'ç~o estr~tural e o real sensorial.'" .
17 Ibid., p. 103.
166 18 Erika Flscher-Lichte, Semiotik desTheaters, v. 1. Tübingen, 1988, p. 197. 19 Ibid.

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Nesse ponto evidencia-se que tal estética teatral suscita um deslocamento inac eitável. Formulando de outra maneira: se o real se impõe em relação a
. . I · · · ·
de todas as quest ões da m or al e das n orm as comportarnentaís, n a medida uma situação encenada no palco, isso se espelhá na platéia . Se o espectador
em qu e é deliberadamente suspenso o limit e claro ent re ~ealidade (on de, por se pergunta (forçado pela prática da encenação) se deve reagir àquílo que se
exemplo, a observação de um àto de violência acarreta a resp onsabilidade passa n o palco com o ficção (esteticam ente) ou com o realidad e (moralmente,
e o deve r de int ervir) e "acontecimento aser assistido". Pois se é certo que po r exempl o), essa via do teatro no limit e do real justamente desestabiliza a
som ente o tipo de situação de termina a importância d as açõ es, e se o fato de segurança irrefletid a e a certeza com que o espectador vivencia seu estado
que o espectador deve definir por si prôprto
.
su~'sit..u"-ação se torna um fator como um modo de comportamento social n ão-problem ático, No teatro pós-
essencial da experiência teatral, então também cabe a ele a resp ons abilida de dramático, a qu estão de saber quando o limite variável ent re "teatro" e coti -
de definir o modo de sua participação estrutural no teatro. Em 'contrapartida, diano é ultra passado no deco rrer de uma representação, longe de ser um fator
a definiç ão préviada.situaçã..9..como "teatro" (o u não) não pode definir a ca- assegurado pela defini ção de teatro, pode freq üentemente aparecer como pro-
racterística das ações. Nesse sen'tid~,' c~rt"a pesquisa-elentífica tentou definir blema e, assim, como objeto de con figuração do teatro. A distância estética
o teat ro de antemão e de um a vez por todas com o um acontecimento "a ser do esp ectadorIainda' que pertur bada) é um fenôm eno do teatro dramático; .
assistido'; par a o qual valeria .apenas O critéri o de se dar diante do público e ela é abalada estruturalmente (de modo mais ou menos evidente e provoca-
/
pa ra ele; Com razão, objetou -se contra essatentatívãque classificar o teatro ' tívo): nas novas form as teatrais próximas da perfo rman ce. Toda vez que se dá
de modo tão nórmativo só é válido na medida em qu e seconsídere o ato de '"
esse apaga mento dos limites, infiltra-se no teatro p ós-d ram ático a qualidade
assisti r corno algo "não problemático do ponto de vista social e moral'." Para de uma situação no sentido enfático do termo, mesmo nos casos em que ela
6 teatro pós -dramático, porém, torna-se decisivo abandonar essa segurança pare ça per tencer de modo geral ao teatro clássico, com sua nítida distinç ão
e com isso também a segu rança de sua definição, Quando uma borb oleta foi de palco e platéia.
queimada em US,2 1 a peça de protesto contra a campa nha norte-americana
no Vietnã en cenada por Peter Brook (em 1966), isso ainda despertava furor. Acontecimento/situação
Nesse m eio-te mp o, o jo go com o real se tornou uma prática dlfundldado. ._.. .
novo teatro - na maiorla das vezes não ma is como provocação poli tica direta, Com a análise de um teatro que contradiz seu caráter de sign o e tende ao gesto
'. mas com o tematização teatral do tea tro e, assim, do papel da ética n ele. mudo, à exposição dos procedimentos, como se quisesse tornar conheci dos
Q uando peixes morrem sobre o palco, qu ando sapos são (aparentemente) eventos enigmáticos em função de um objetivo desconhecido, alcan çou-se
.p ísoteados em cen a, quando não se sabe se um ator está sendo realmente tra- uma nova dimensão da questão dos signos no teatro p ós-dram ático, Não se
tado com choques elétricos dia nte do público (o que de fato ocorre em Quem trata mai.!L~..9.uestão de sua combinação, não mais apen as da in decidibilidade
exprime meuspensamentos... (Wie spreekt mijngedachte...], de Fabre), é pro - de significante (real) e significad o, mas da questão de saber a qual metamor-
vável que o público reaja corno diante de um procedimento real, moralmente fose está sujeito o usodos signos quando ele não mais pode ser dissoci ado de
sua inserção "prag mática" no acontecimento e na situação do teatro em geral,
quando sua lei já não deriva da representaçã o /10 quadro desse acon tecimento
20 Siemke Bôhnisch, "Gewalt auf der Bühne - Kritik eines Paradigmas", in [an Berg, Hans-
ou de seu caráter como realidade que se oferece, mas da intenção de produzirou
Otto Hügel e Haja Kurzenberger (orgs.), Authentizitiit als Darstellung. Híldesheím, 1997,
possibilitar um acontecimento. Nesse teatro pós-dramático do acontecimento
pp. 122-31, p. 127· .
168 21 Sigla em inglês para UnltedStates, Estados Unidos, mas també~~o pronome us, "nós': [N.E.j há um a efetivação de ato s que se realizam no aqui e agor a e que têm sua 169
recompensa no momento em que acontecem; sem precisar deixar quaisquer dica, uma interrupção do cotidiano experimentado como rotina, no sentido
vestígiosduradouros do sentido, dó monum ento cultural etc. de que "algo acontece". Trata-se de teatralização como interrupção e/ou des-
Não há necessidade de fundamentar porrnenorizadamente que com isso o constru ção - "o procurado: a falha no desenvolvimento...",22 Nos anos 1960 e
teatro pode ficar a um passo de se tornar uma espécie de "evento" insignificante. 70, diversos grupos de teatro norte-americanos - tais como o LivingTheatre,
De todo modo, essa questão não deve nos ocupar tanto quanto a afinidadeque o T P G [ThePerformance Group), o Wooster Group e o Squat Theatre - apon-
aí surge com o happening e a arte perform ática. Ambas essas práticas artísticas taram nessa direção, ainda que em muitos casos certamente ainda estivessem
se caracterizam pela perda de significado do texto, com sua devida coerência em jogo apelospolíticos e intenções de revolução cultural. Nessase em muitas
literária. Ambas elaboram a relação corporal, afetiva e espacial entre atores e es- outras formas teatrais próximas do happening, a presença e as oportunidades '
pectadores, sondando as possibilidades da participação e da interação; ambas de comunicação tinham preponderância sobre o que era representado. Re~
acentuam a presença (o fazer no real) em detrimento da representação (a mi- cordern-se as montagens do Squat Theatre em que o público era instalado em '
mese do fictício), o ato em detrimento da totalidade. Assim, o teatro se afirma -"' -~.J!.l_~ loja com grandes vitrines, os atores combinavam a enunciação do texto
comoprocesso e não como resultado pronto, como atividade de produção e ação com todõ-tipo de atividade manual e da rua um outro público observava com
e não como produto, como força atuante (energeia) e não como obra (ergon) . curiosidade, pelas vitrines, os atores e o público, É certo que nessas formas
Subsiste aqui um tema explorado na modernidade. A p.assagem do teatro sempre houve um fator de guerra contra o público,contra sua percepção "auto-
para a celebração, o debate, a ação pública e a-manifestação política - em matizada", como diziam os formalistas russos ,~ toda arte que suscita uma
suma, para o acontecimento - já havia sido realizada de diversas maneiras nova percepção trava essa guerra. Mas com isso também-se -manifestava
pelas vanguardas clássicas. Contudo, com a mudança do contexto histórico uma possibilidade que distingue o novo teatro daquelas formas políticas que
modificam-se a função e o significado de procedimentos à primeira vista dominaram a cena experimental desde as vanguardas histórfca,s, até os anos
equivalentes. QUando o teatro revolucionário russo passou a incluir discus- 1960: comunicação t"eâtrãrn'ão maIs em 'primeíra instância 'como c~~jronta­
sões políticas antes da representação e números de ~ança ao final.tais trans- ção com o público, mas como produção de situações de auto-reflexão e auto-
gressões dos limites da "vivência teatral" eram uma conseqüência lógica da experiência dos particip_~tes . Permanece em abert o aqui se o que se expressa
politização de todos os campos da vida naquela época. Na concepção da arte com isso é uma desp9litiz~ção;'umà--iesiifhlrção eficaz.apenas a curto prazo ou '
de ação, o futurismo, o dadá e o surrealismo foram motivados pelo desejo uma compreensão diversadaquilo ,gu e possa ser 11 políticano t~~tro:' """ ,
de uma inversão radical dos valores da civilização e de uma subversão de Com freqÜência se fala de um "evento" que não se pode perder. contra-Em
todas as condições de vida. No teatro pós-dramático, o significado do mesmo partida, o termo "ac~ntecJmento" [Ereignis), em seu sentido filosófico, não de-
traço estilístico para a arte de acontecimento d eve ser entendido no contexto signa apropriação e auto-afirmação, mas o fator do incomensurável."O último
de uma outra "lógica de seu ser-prod uzido" (Adorno), diferenciada daquela Heídegger compreende o conceito de Ereignis com um jogo de palavras: ele é
dos procedimentos aparentemente semelhantes da estética da vanguarda do por sua essência uma des-apropriação ["Ent-eignis")j ele destitui a certeza e per-
início do século xx. No presente, a arte de ação não tem mais seu centro de mite que se experimente uma indisponibilidade. Ao exercêrseu caráter real de
forças na exigência de mudar o mundo que se expressa na provocação social, acontecimento em relação ao público, o teatro descobre sua possibilidadede ser
\
mas na produção de acontecimentos, exceções, instantes de desvio.
Tampouco o happening foi a princípio um ato de protesto político (sobre- 22 Cita-se aqui um fragmento==,,,JéSticiii; dieLüelje im Ab/auj.." - da peça Descrição de,ima-
170 tudo em sua variante norte-americana), mas s implesme.nt~, como o nome in- gem (Bi/dbeschreibung, 1984), deHelner'Müller, (N.E.] 171

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não apenas um acontecimento de exceção, 'mas dma situação provocadora para Assim, um teatro que não mais é simplesmente algo "a ser assistido'; mas .
todos os envolvidos, Usaro conceitode "situação"ao lado do conceito'mais usual situação social. escapa.a uma descrição objetiva porque representa para cada
de "acontecimento" tem o sentido de pôr em jogo a tematízaçãoda situação pela um dos partlcipantes uma experiência que não conflui com a experiência dos
filosofia da existência (Iaspers, Sartre, Merleau-Ponty) como uma esfera instável outros. Ocorre uma virada do ato artístico em direção ao observador, o qual
tanto da escolha, que é ao mesmo tempo possível e imposta, quanto da virtual se depara com sua própria presença e ao mesmo tempo se vê forçado à. travar
transformabilidade da situação. O teatro cria<, uma circunstância lúdica na uma contenda virtual c.om o criador do processo teatral: o que se espera dele?
qual não podemos simplesmente nos colocar "diante" daquilo que é percebido, Desse modo, chega ao teatro aquela corrente da arte moderna que con-
mas da qual somos de tal modo participantes que, ~o enfatiza Gadamer a verte a obra em um processo, tal como inaugurada por Mareei Duchamp com
respeito da "situação': "não podemoster dela nenhum saber objetivo';" o "real" do.urinol. O objeto quase não mais possui substância própria, fun-
O ~oiiCeito .de s16.l_ªç~0:voca ainda a lembrança d!(s situacionistas e de cionando .antes como um elemento que desencadeia, catalisa e çontextualiza
sua noção de "construção de sliuàçoes':-Cõhfarme-aJornlUlação de Guy De- um processo no observador. O título de uma pintura de Barnett Newman, .
bord no manifesto de funda ção da internacional Situacionista, no lugar de Não lá: aquiJNôfth ere - .bere), que tematiza a presença do observador diante
mundos de aparência falsos deveria surgir uma situação produzida a partir do quadro.Ingressa no teatro. É somente no sentido da "Ilusão dramática" do
do material concreto da vida cotidiana, ürnambientedesafiador e rnomentâ- teatro-tradicional que Susanne Langer tem razão em considerar que a ruptura
neo em cujo Contexto os próprios freqüentadores deveriam se tornar ativos, da "quarta parede" é a princípio "artisticamente desastrosa': já que cada espec-
descobrindo ou desenvolvendo sua atividade criativa e desse modo alcan- tador "passa a atentar não só para a sua própria presença, como também para
çando um ~ív~i':mâis elevado da vida emocional." Assim como as formas as outras pessoas, para a sala, para o palco, para as distrações em torno';" Para
teatrais do acontecimento, os procedimentos dos situacionistas - ao lado das o teatro pós-dramático, é justamente aí que se encontra a op~rtunidade de
situações construídas, a exemplo do "urbanismo unitário" - tinham por meta, uma percepção diferente.
seguindo a linha dos surrealistas, promover a atividade própria dos especta- O teatro se torna uma "situação social" na qual o expectador vem a perce-
dores em uma perspectiva política da revolução da vida social. -c, ber o quanto sua experiência depende não só dele próprio, mas também dos
Irving Goffman nos oferece a seguinte definição de "situação social": "[...] the outros. Na medida em que seu próprio papel entra em jogo, o modelo funda-
, full spatial environment anywhere within whicli an enteringperson becomes a mental do teatro pode se inverter formalmente. O diretor UweMengel ensaia
: member of thegatnerlng that is (OI' does then become) present. Situations begin com seus atores uma determinada história cujo enredo é inventado a partir
. when mutualmonitoring occurs and Iapse when thesecondlast person hasleft".25 de um intenso envolvimento com os problemas soclaís de um bairro. Em se-
guida, o que se representa daquele enredo não são os eventos em si, mas seu
23 Hans-Georg Gadamer, Wah rheit und Methode. Tüblngen, 1965. p. 285.
"desfecho;~que é exposto através da vitrine de uma loja vazia que funciona
24 GuyDebord, in Gérard Berreby (org.), Dowmel1ts relatifs à la[ondatlon del'Intemationate como teatro. Na ficção, alguém foi assassinado e os atores se imbuem inten ~
Situationniste. Paris, 1985, p. 616. samente de seus papéis: além do próprio mor to, amigos abalados, parentes
25 irving Goftinan, In IoachlrnRitter e Karlfried Gründer (orgs.). HistorischesWõrterbuch der de luto, o assassino e outros participantes da história estão presentes na loja
Philosophie, v. 9. Basiléia, 1995, coluna 936. ["[...] o ambiente espacial por inteiro em qual-
como testemunhas. A porta da loja fica aberta, e o processo teatral ~Jl.repre -
quer lugar dentro do qual uma pessoa que entra se torna membro de uma assembléiaque ....
está (ou passa a estar) em curso.As sltua ções começam quan.?O ocorre um monitoramento
17 2 mútuo e caducam quando a penúltimapessoa foi embo ra,"] -~ 26 Susanne K. Langer, Peeling and Form. NovaYork, 1953, p. 318. 173
senta ção çonsiste nó fato de que O.S. espectadores podem entrar no recinto e
interroi~r Os atores à respeito da história. de suas opiniões e sentimentos. Lo-
gicamente, cada espectador só 'r ecebe O teatro que "merece" por sua própria
atividade, por sua disposiçãopara a comunicação. Na esteira das artes plásticas,
o teatro se volta para o .observador. Se não mais pudermos identificar corno
teatro uma tal prática situada entre·ó."teatro", a performance, as.artesplásticas,
a dança e a música, não precisaremos hesitar em seguir o irônico conselho que
Brechtdavaàqueles que não mais queriam c~amár de teatro suas novasformas,
dizendo que poderiam símplesmente chamá-lasde "taetro" [Th aeter]. Para além da ilusão

. ' .. _ ------_-
.... . .... .. ...

Uma vez comentadas as especificidades do ·tratall1~?tô dos signos 110 teatro


pós-dramático, chegamos a' uma ampla decomposição decêrtezas estéticas
tradi~ionaisl mediante a qual a própria barreira conceitual entr.J significante e
,- significado é desmontada. Nesse ponto é aconselhável dlscutíra-sonceitgaçã o
'de ilusão e quebra d~ii~sãol q~~ tem .um papel'especial no debate sobre o tea-
/
/
tro dá moderni dade em geral. Revela-se que ela é inútil para a compreensão
... -.-.. .-/ do teatro p ós-dram ático. .
---
A transposição dos.llmítesentre arte é'fêãlídade,..teiltr0-e-out.t~s_artes, ação"
ao vivo e reproduçãotecnológica tornçu-se o elixirda:v.idado.teatrõ, EI~"pÕê em
. questão um f~ma quedomínou por muito tempoa discu~sãO sobreo teatrocorno
, ........ I

uma formá de ficcionalídadeia ilusão, O autoquestionamento e a dúvida do tea-


tro acerca da utilidade e do ; entido da ilusão já assumiam formas agudas nos
clássicos da modernidade. .O teatro tinha. a pretensão
.... .
de ser uma forma de ver-
dade entendida como verdade "rtísficii;'no sentído de que esta, como realidade
"mental':não era de modo algum afetada pelocaráterilusório dó teatro. O fatode
que a cena criasse ilusões - pertencendo portanto ao reino dó engano - era con-
sideradosimplesmente
,
como s~u modo ..d~. "údq,der o ludus' dá ilusão podia ser,
; .~ '

.~~-
, J
Apalavra latina ludus, étlrno de "Jlúsãó'~ significa "divertimento, recreíó, passatempo". [N.T.] 175
174 -. i
i .
I ' .
sem problema algum,símbolo, metáfora, parábola da verdade. Diante do pano o romance tradlcíonal [...] podeser comparado ao palco italiano do teatro bur-
de fundo-.desse caráternão-probleni.átic~
,
da ilusão
I,
do ponto de vísta.conceltual
_.
guês. Essa técnica era uma técnica da ilusão. O narrador levanta uma 'cortina: o
e estético, alcançou-se no final do século x~2S uma autonomízação dos efeitos leitor deveparticipar darealização do que acontececomoseestivesse presente em
ilusionistas no campo da prática teatral - por uin lado, no teatrode espetáculo; pessoa. A subjetividadedonarradorse afirma na força de produzir essa ilusão.
por outro, na ilusãonaturalista, como Th éâtre-Líbre de [André] Antoine como
ponto culm inante.' Como certa vei observou ]acques Roblchez, as invenções do O novo tipo de reflexão no romance moderno é "tomada de partido contra
teatro no século XI X foram conquistas no terreno .dast écnícas.íluslonistas. a mentira da representação, na verdade contra o próprio narrador, ambicio-
É no decurso da revolução artística das vanguardas históricas que a ilusão nando corrigir sua inevitável perspectiva como um clarividente comentador
. , , .

cênica passa aser vista em si mesma como problemática. Um;1..d,as possíveis res- . dos acontecimentos. A violação da forma se dá em seu próprio sentido". As-
postasa os perigos de uma produção' de"aparências vulgarizada descornpro- e sim, em 'Ihomas Mann há uma representação irônica, que "por conta do há-
metida era, par ádoxalmente;o efetivo,aperfeiçoamento da- ilusão: uma imitação bito'do discurso trai o caráter de palco italiano da narr ação, a irrealldade da
"melhor'; "mais autêntica" deve conjurar o perigo das -merãsaparências,da arte de ilusão". Em Pro ust- o.com en t ário está ','de tal maneira entrelaçado com a ação
fachada enganadora, sem relação com as contradlçõessocíaís insistentes. Histo- qu~ a distinção entre ambos desaparece'; com o que
ricamente, a outra resposta foi mais rica em conseqüências: a realidade do teatro /
e sobretudo a do ator - seu corpo, sua irradiação - d~~~ se impor sobre a matéria / Ó narrador lança mão deumcomponentefundamental nasua relaçãocomoleitor:
ilusionista, a i1Gsão deveser destruída, o teatro deveser reconhecido comoteatro. a distância estética. Esta era imutável noromance tradicional. Agoravaria como os
Supera-se fi 'concepção de 9ue a verdade poderia estar escondida como um ca- posicionamentos decâmera no cinema: orao leitoré deixado de fora,oraé levado
roço em um envolt6rio aparente. Se o teatro deve oferecer uma verdade, precisa pelo comentário para o palê6~ para osbastidores, paraa casada; máquinas.
então se dar a reconhecere se expor coma ficção e em seu processo de produção
de ficções, em vezde enganara esse respeito. Somenteassim elepode ter alguma Kafka radicaliza essa perda de distância: "Por melo de choques, ele rompe a
pretensão de seriedade. "Si on admet que tous les acteurs d'unepiece [...] sont, en segurança contemplativa do leitor ante o que é lido';'
somme, des d éguisés, il estcertain que, même dans le drama leplussomb;:e, inte'r- ..·· 'Seria difícil designar com mais precisão aquilo que no novo teatro tomou
vient un élement de com/que", escreveu PaulClaudeJ.3 o lugar de um contexto fictíciodelimitado. Se é possíveldizer, com razão,que
a dissolução dos limites estéticos arranca o leitor de sua' "segurança'; o tea-
Distância estética, memória involuntária tro então, q~e se converte numa situação parcialmente aberta, deve destruir
ainda mais asegurança do espectador. Na prática, o espectador est á entregue
A mudança que ocorre no teatro pode ser compreendida nos termos da trans- ao acontêêlitrento teatral de modo muito m enos protegido do que o leitor
formação da forma narrativa do romance tal como apontada por Adorno. em relação às impressões da leitura. A reflexão no ato da leitura só pode se
tornar formalmente constitutiva no romance de modo limitado, pois se o ato
desse leitor atual ou um "colóquio" do autor coI11 .o leitor podem ser objeto
2 Cf Iacquot,op.clt., p. 27.
3 Paul Claudel, apud Ibid., p. 21. ["Se admitimos que todos os atores de uma peça [...] estão,
em suma, fantasiados, écertoque, mesmonodramamais sombrio, intervém um elemento 4 'Iheodor W. Adorno, "Standort des Erzâhlers im zeltgenõsslschen Roman', in Noten zur
de com lcídade"] Literatur I . Frankfurt am Main, 1969, pp. 67-6 9. 177
do texto, 9 compor tamento empírico durante a leitura evidentemente está diante avivêncía daqueles dois tempos da memória .invoiunt ária, pode-se
fora-do alcance do autor. Isso não muda nem mesmo quando em textos de clarificar um pouco mais a especificidade da experiência teatral em geral: o
Italo Calvino ou de Thomas Pynchon a leitura é inserida no texto mediante sentimento de ali experimentar um pedaço da vida é suscitado por meio da
um jogo de idéias. Ao passo que o leitor dispõede muitas possibilidades materialidade do processo teatral, que propicia a cena da recepção mediante
de escolha quanto ao seu modo de se relacionar com o texto, a recepção a associação de "lembrança" e presente.
do teatro é influenciada em altíssimo grau por fatores como o.momento, o O novo teatro extrai algumas conseqüências da situação do espectador
lugar, a duração, o ritmo, Ó comportamento dos demais espectadores. Se privado da "segurança': de seu envolvimento no procedimento real do tea-
ao leitor sempre resta a confiável autonomia da apropriação men tal de um tro e no momento teatral: ele investiga quais possibilidades se abrem com '
escrito, a disponibilidade do aqui e agora de sua leitura - mesmo no caso o abalo ou a anulação da distância estética remanescente - não só na con-
do rom ance mod erno, com todo o seu "desamparo transcendental" - , o cepção estética como também no processo real do teatro. O envolvimento
teatro arranca o espectador de sua trajetória. , .....c,?rporal, que no teatro dramático permanece apenas latente (não é à toa que
A percepção do teatro também se diferencia fundamentalmente da lei- Sz~ndide:Screve o espectador como alguém de mãos atadas), torna-se patente
tura pelo seguinte motivo: o texto pode provocar choque, excitação, confu- quando a atenção do espectador, em vez de ser induzida para o produto da
são, mas do ponto de vista da recepção estética essascoisas se convertem em ilusão, é dirigida à sua posição na sala naquela hora.
formas de reflexão; já a corporeidade espaço-temporal do processei teatral
encerra o esquema inteligível do que é percebido em um momento vital afe- Camadas de ilusão . -. . .. .- .......

tivo, Esse é um fato determinante para a lógica de significação do teatro. O


sentido da cena está ligado aos dados materiais do palco de um modo tão Mas como é possível que o teatro renuncie às oportunidades do
Ilusíonísmo,
tênue quanto o das arrebatadoras impressões sensoriais que em Proustdesen- das quais ele parece viver;'e aindaassim 'exerça fascinação? Justame~te por-
cadeiam a memória involuntária. Proust apresenta a magia da mem ória invo- que é um lugar-comum o fato de que na modernidade impôs-se a ruptura da
luntária de tal modo que uma certa impressão é vivida'símultaneamente em ilusão, é preciso 'd,esta~~ quão pouco se expressa' com esse termo. A ilusão
duas dimensões: no passado imaginado, representado, portanto na forma de sempre foi um subprodut-;'doteãtrõ"e dafantasia.do .espectador, coeficiente
puros "devaneios da imaginação': sem o fardo da realidade atual, e também de sua atividade conjunta. Uma análise
0 .0 .... . __ . . . _ _ das c~;~das 'de"ilusão
, da . variedade ~ _ .

no presente real e corpóreo, longe das imagens meramente fantasiadas. Ao torna possível explicar por que o teatro pode passar 'sem o ilusionismo sem
se experienciar o mesmo gosto e O mesmo rumor na realidade tão-somente com isso deixar de s~r'teatro.
lembrada do momento anterior e ao mesmo 'tempo no agora da experiência Quando se fala de ilusão, (la 'maior parte das vezes é para enfatizar que
sensorial, adiciona-se à lembrança imaterial a "idéia da existência" por meio não se deve perturbá-la. No entanto ela sempre foi perturbada, e o palco não
do sentimento da materialidade. precisava remediar isso. Os incontáveis espectadores no teatro da Atenas da
Analogamente, pode-se dizer que no momento de sua recepção O teatro Antigüidade mergulhavam ern uma realidade espiritual constr uída sem con-
atua como a memória involuntária proustiana, na medida em que o espec- tar com qualquer auxílio t écnico cênico. O palco de Shakespeare também era
tador teatral contínuamentev'd ivíde" e unifica,sua participa ção imaginativa despojado, 'Apesar dos retoques musicais, 'as barulhentas maquinàrias bar-
(compar ável à leitura) e sua participação real-corpotal, seu testemunho sen- rocas - assim como a conhecida de:satenç~~ contra a qual os grandes atores
178 ' sorial da existência das coisas. Em face da' experiência de vida suscitada me- tinham de empreender uma dura batalhà - podiam impedir qualquer ilu- 179
I
sionismo. Justamente naépoca da:' grande arteilusicnística dos bastidores, o há aquela sensação que sempre se evocou ao se falar de ilusão. A oposição
teatro era um acontecimento' so~lal em que a montagem propriamente dita entre ilusão e quebra da ilusão não é nenhum instrumento analítico: ela se
recebia uma cota modesta do potencial de atenção, Qleatro moderno não insinua na realidademais complexa dos procedimentos teatrais.
destruiu uma ilusão que atéaquele momento era realizada e funcionava,
mas deslocou para um outro terrenoessa.ilusão que já vinha querendo dizer Mostrar e comunicar
algo diferente de engodo - mesmo no século XIX, tão afeiçoado à ilusão.
Jamais houve ilusionismo cabal. Exarninando mais de perto aquilo que Para melhor compreender também a "quebra da ilusão", tomemos como
pode serchamado de ilusão, pode-se distinguirpel-2, menos três aspectos. ponto de partida as idéias de Brecht para tornar o "mostrar" consciente no
A chamada ilusão consiste no espanto diante dos possíveis efeitos de realidade teatro. Assim, podemos reconhecer a seguinte escala:
(aspecto.~~. magia);na identificação estética e sensorial com a intensidade sen- l
Q
nível: o mostrar não sobressai, não se mostra como mostrar (exemplo:
sorial dos atÚese'Clas'cenasteatrais,.tl"sformas de movimento dançantes naturalismo),
e das sugestões verbais (aspecto do Eros, claro' ~ud5scuro); na projeção de 2
2
nível: o mostrar.sobressa], exige atenção ao lado do mostrado (exemplo:
conteúdo de uma experiência de mundo própria sobre os modelos teatrais estilosde representação altamente artificiais).
representados, associada aosatQSmentais de "pree.~~her e esvaziar" e à empa- Nesses dois casos o ato da comunicação teatral não precisa ser tematízado,
tia com os per~onagens, uma empatia que se encontra mutaiis muiandis tanto o que se modificaa seguir:
no ato de assistir quanto no ~e lei (aspecto da "concretização"). O achado 3Q nível: o mostrar aparece com o mesmo valor ao lado do mostrado, ele é .
mais marcante desse exame é que apenas O terceiro aspecto diz respeito pro- mostrado como mostrar e permeia o mostrado (exemplo: o teatro épico de
priamente ao campo da ficcionalídade. Isso explica por que a ficção pode Brecht). -
recuar ou até desaparecer sem que necessariamente se perca a vivência da 42 nível: apenas aqui o mostrar aparece em primeiro plano em relação ao
"passagem", do "rapto" para o reino tia aparência, o qual com freqüência é mostrado. Este perde interesse diante da intensidade e da presença do mos-
apressadamente designado como ilusão. As outras camadas, "magi.a:' e"Eros', trar, ou seja, o significante se adianta ao significado (exemplo: as performan-
continuam a ser possíveismesmo slerri a concretização deum mundoflctfCio.·' . ces'autobiográficas de Spalding Gray). Aqui o ato da comunicação teatral se
Não obstante,muitos vêm a fonte"de poder do teatro unicamenteno mundo torna dominante.
, fictício da ilusão, de modo que temem pelo berri do teatro caso se chegue a 52 nível: o mostrar aparece "sem objetividade'; mostra apenas a si mesmo
, uma deterioração do cosmos fictício do drama. Assim, por ocasião de um corno ato e "gesto', sem um objeto díscernível (exemplo: Ian Fabre). Aqui o
debate sobre a encenação de O balcão [Le Balcon, de Jean Genet] por Richard atá da comunicação teatral se torna auto-referente. O mostrar passa à apre-
Schechner, um conhecedor de Wilson manifesta sua preocupação exatamente sentação,àffiãhifestação, à exposição como gesto que se basta a si mesmo.
com "a proporção em que a ilusão pode ser excluída da representação teatral" Nos dois últimos níveis aparecem em primeiro plano a percepção cons-
e afirma - com o "risco de parecer fora de moda': como ele mesmo diz - "que ciente do próprio procedimento artístico, a fascinação com o processo mate-
no teatro a realidade nos é comunicada de modo mais comoventejustamente rial da representação, da encenação, com a organização espacial e temporal
por meio da ilusão", e que "eliminar a ilusão do palco" acabaria por levar "à não de um universo fictício, mas da montagem. Uma vez que nessa op~eraçâó
ruína do teatro". Mas mesmo o teatro mais estranho é capaz de provocar es- a perc.epção não pára de perquirir um sentido associado a realidad;~, torna-
180 panto e identificação sensorial. Mesmo sem criação d:!parê.ncia de realidade se acessível à percepção sensorial a experiência de que ela atribui aos estí- 181
----- -_.-. _--_..-_ -.._--_ ------

mulos significações' que são determinadas subjetívamente, em atos de urna


arbirrã~iedade em última instância injustificável. O problema teórico de um
perspectivismo radical d~ pensamento e da percepção se torna urna cer-
teza sensorial, no sentido de uma experiência imediata da eliminação da
certeza. A percepção assim exigida e possibilitada tem a ver desde então
com uma peculiar duplicação. ou separa-ção: preseniação e re."p.li~entação.
O corpo- o "sentido obtuso", para usar a distinção de Roland Barthes" -,
significantesem significado, quer ser "recebido" por si mesmo, assim como
o "sentido óbvio'; a lógica do contexto que ele ao mesmo tempo perturba. Exemplos
Isso faz o teatro deslizar em uma esfera de oscilação entre o real e o ilusó-
rio, que a estética clássica do drama havia justamente deixado em paz. • • o· • •_ _ __.... _

Uma noite entre [an e seus amigos

. Assimcomomuitasoutras pessoas de teatro da atualidade, o belga [an Lauwers


-!1ãO se considera sirppl~men!~!::tm._\ ~d.i~~to(~mas um "artista"·CjUê"entre·outras
coisas também faz teatro. Em 1980 foi fund;;d"b ern Bruxelas o grupo Epigo-
, . nentheater zlv (zonder leiding van [sob nenhuma díreçãoj), [an Lauwers, um .
" '- - , . /.
dos lnícíadéresrera ·origin~m~.n.~.p intor; um outro co-fundador, André Pi-
chai, era m úsico: darú;arino;tatnbe~- sOe ·i~tegrarãiini·ôgYClp·o .- -Viêr"\1.n então '
D oença noturna ~Night~IllnessJ em-i:981, Jáfere e 'aindlnlaÔ"tgú~rrá rA[;~ady
Hurt and not yet WarL.em 1982, Simone, á puritana [Simóne lapuritaíneJ ern
1982, a inanifestação Ave~truzJVog~1 Strauss] em 1983, Boulevard ZLV em 1984 e
Incidente [InCident} em 1985. Ap'ós a fundação da Needcornpany; sob a direção
de Lauwers, o primeiro trabalho, de 1988, foi Necessário saber [Neliâ to Know],'
que incluíafragmentos de Airt6i-iiii'e cTeójmtrae!ll uma colagem de cenassobre
o amor e a morte. Seguiram-se rUdo bem [Ça va]'e etl.tã~,·p;rã espanto geral
da cr ítica, em 1990, Júfid César, p~ç~ em que q texto tem um papel dominante,
...'-'-' \ -. . '

inteiramente ao contrário do que ócorrera .nos.trabelhos anteriores. Em 1991


' -_.... .
RolandBarthes, "Dasentgegenkommende und der stumpfeSinn', in Kritische Essays tn.
LauwersapresentouJnvict.oS;-â partir de textgsde Herníngway- sobretudo ''As
Frankfurtarn Main, 1990, PP:47- 6P' , nevesdo Kilírnanjaro" -: e da biografia Papá Hemlngway, de A. E. Hotchner, 183
i ) ,
",', \

Com o confirma Lauwers, antes de Júlio César seu trabalho teatral se ba- do centro para o canto do palco). Apesar da encenação calCulada e ensaiada,
seava principalmente em imagens. Depois dessa montagemele voltou a pro- a (aparente) descon tração dos atores, a ausência de um direcionamento rí-
curar um texto não -dramático que ele mesmo pudes se' "construir" no palco - gido das ações, a interrupção do diálogo pela inserção de pequenas danças
em vez de encenar uma outra obra já pronta no papel de diretor, descrit o por levam de modo recorrente a um isolamento do procedimento cênico.
ele numa entrevista a Gerhard Fischer como desagradável, uma realização de Quando o teatro se mostra como esboço e não como pintura acabada,
'apenas "50 % do tr abalho artístico". O entrevistador manifestou sua perplexi- propicia ao espectador. a oportunidade de sentir sua presença, de refletir, de
dade com a representação "linear" e "convencional" de Invictos, com aquilo contribuir ele mesm o para algo in completo. O pre ço disso é o conseqü ente
que lhe pareceu um método de narrativa antiquado> 'Contudo, no contexto rebaixamento da tensão, já que o espectador tanto mais se concentra nas
da estética pós-dram ática um nar radornão pode ser compreendido simples - ações físicas e na presença dos atores. Como quase sempre ocorre nos traba-
mente emsua tradicional função épico -literária: sua natração manifesta aqui lhos de Lauwers, a representação acima descrita fala da morte, de seu terror, .
o contato direto com o públic~:'Nesse-featrode-uma narração pós-épica,2 a da perda - mas fala com suavidade, como que além da morte. O modelo:
ação -' que de tod o medojá é fragmentada e pontuada por outros materiais - observamo~ um"e~êõiitro' social, mas a porta não está de todo aberta; é como
fre qüentemente é expos ta em esta do de relatório: contada, relatada, tra ns- se olhá~semos um a festa em que há pessoas vagamen te conhecidas, mas sem
mítid à como que de passagem.A rarefa ção do dramático fica especialmente realryrénte fazermo s parte dela. Poder-se-ia dizer: o espectador passa uma
evidente quaiÍdo Lauwers repr esenta a morte. Entre os momentos mais fortes noite entre (não com) Ian e seus amigos.
desse te átro estão aqueles em que atores que acabaram de morrer na ficção
são carregados .em silênciopara fora do palco pelos outros atores: uma vida Narrações
encenada se acabou e o ator permanece ligado aos outros por amizade - um
dos tem as recorren tes em Lauwers. Um tra ço essencial do teatro pós -dramático é o princípio da narração: o tea-
No conto "As neves do Kilimanjaro" (19.36), um homem doente espera sua tro se torn a o lugar de um ato de contar (ocasionalmente isso também ocorre
morte na vastidão africana sem oferec er resistê ncia. Sua perna -sofreu ull.l~ __ .. _._ . no cinema : em Meu jantarcom André [My Dlnner with André, dir. de Louis
gangrena e o avião que'vem socorrê-lo está demorando, mas o homem já não Malle, 1981] não acontece quase nada além de um relato de André Gregor y
quer ser salvo. Com a mulher que quer mantê- lo vivo ele mantém um diálogo sobre seu trabalho ComJerzy Grotowski durante um jantar). Freqüentemente
per passado pelo rancor, pelo cansaço, pelo desespero e pelo tédio . O conto é tem-se a impressão de assistir não a uma repr esenta ção cênica, mas a um
carregado desse páthos existencialis ta da frieza, de uma atmosfera densa - a relato sobre a peça em qu estão. Nesse caso, o teatro oscila entre narraçõ es
representação da Needcompany é descon traída. serena e chei a de humor, delongadas.eepís ódíos de diálogo espalhados. aqui e ali; a descrição do ato
como se tão-somente citasse a crueza . Foram deixados de lado todos os ele- peculiar da lembrança/narra tiva pessoal dos atores e o inte resse nela se tor-
mentos da ação que em Hemingway evocam o cará ter dramático espanhol nain o ponto principal. Trata-se de uma forma de teatro que se diferencia ca-
(ironicamente, logo no início da peça um imponeilte touro espanhol é levado tegoricamente da epicização de processos ficcionais e do teatro épico, embora
apresente semelhanças com essas formas. Desde osanos 1970, artistas perfçr-
máticos e teatrais encontraram o sentido de seu trabalho cênico ao privilêg~r
[an Lauwers, entrevisia concedida em 05/ 06/1991 em Viena.
a presença em relação à representação, já que se tratava da comunicação de
2
Kirsten Herkenrath, [an Lallll'~rs' Antonius und Cleopatra\EllJe nachepische Theilterkozep-
tiO IJ. Gíessen, 1993 (mimeo.).
uma experiência pessoal. Em um projeto teatral de estudantes de Frankfurt
sob a direção de RenateLorenz e [ochen Becker, com o título WYSIWYG (What Um teatro de bonecos pol~tico como o Bread and Puppet contava as grandes
yoirsee iswha;youget [O que vocêvê é o que você tem], 1989), a realidade coti- histórias, parábolas da Bíblia e alegorias. tipificadas como comédia. O grupo
diana dos participantes - compras, trajeto até a universidade,ida ao dentista, um conhecia a figura do narrador do teatro épico, e por isso' se atinha à narração
encontro com amigos etc. - era oferecida sob todas as formas de presentífica ção do mund o. Enquanto o teatro épico transform a a representação dos proce-
possíveis (imagem, diário, fotografia, filme, cena/diálogo representado). Visava- dimentos fictícios e procura distanciar de si o espectador para fazer dele um
se assimum efeito antlmídias por meio de urna representação mídíátíca e de um . especíalísta, um jurado político, nas formas de narra ção pós-épicas trata-se
uso altamente consciente das mídias: o presente dos atores mantém o teatro na da valorização da presença pessoal do narrador, e não de sua presença de-
proximidade do encontro pessoal, em contraposição às exibições de "realidades" monstrativa, trata-se da intensidade auto-referencial desse contato, da proxi-
biográficas nos programas de tevê. Desse modo, era pertinente ao conceito do midade na distância, e não do distanciamento do próximo,
projeto que a sessão das narrações terminasse com uma festa no mesmo espaço
em que acabara de Ocorrer a representação.
A narração, que se perde no mundo das mídias, encontra um novo lugar
no teatro. Não por acaso há uma redescoberta da representação de fábulas. Em Lauwers, a realidade fictícia da peça ou da narração é restabelecida na re-
Bernhard Minetti protagonizou uma noite memorável ao ocupar sozinho o alidade do palco. Os atores com freqüência se comportam de modo aparente-
palco do Teatro Schiller como narrador de fábulas dos Irmãos Grímm (com mente privado. sem afetação - eles habitam o palco: Mesmo quando agem
direção de Alfred Kirchner). Em uma montagem do grupo perforrná tíco dina- em seus papéis, não dão a ilusão dos personagens. Volta ernela interrom-
marquês Von Heiduck - que em vários de seus trabalhos explora o potencial pem arepresentação e se voltam com um olhar front al para o'p úblico, que
. perturbador do Eros com recursos coreográficos. gestuais e cênicos -, a dan ça desse mod o se encontra incluído no mom ento teatral. Isso engloba todo o
é subitamente interrompida e um homem narra por cerca de meia hora.com processo cênico. As~i~'cõmõ em Jãi-i Fâbre,uinimpulso perforrn ãtíco é -con-
uma vozsempre tranqüila e nada dramática, a fábula O porco de '?l:ta(de Hans- jurado em uma forma teatral que escapa à categorização narrativo/não -narra-
Christian Andersen. Um golpe surpreendente em melo a urna apresentação tea- tivo. Lauwers trazparao__teatro uma sensibilidade especialmente aguçada
tral que fala da sedução e da solidão dos corpos carnais com recursos "mudos'; para o efêmero e para.a ruín a da'inõ·rte.·Pãi'ã ele; oteatro.é.um momento
valendo-se de uma mistura de citações de músicas de filmes hollywoodlanos de comunicação irrepro duzível. A- essa ênfase no momentâneo a~soda-s e
ede gestos eróticos provocantes.' O momento da narração volta ao palco e se 'uma estética cê~ica' singular que ele traz para o teatrocorno artista plástico:
afirma contra o potencial de fascinação dos corpos e das mídias. os detalhes visuais, osgestos, as cores e luzes, a materialidade das coisas, o
Os trabalhos da Societas Raffaello Sanzío não só fazem da tragédia um figurino e as relações espaciais.constituem, com os corpos expostos, uma
conto de fadas assustador (Orestéia), no qual também há espaço para temas complexatrama de alusões e ecos, construindo em meio a toda a aparência
de Alice nopai: das maravilhas. como instalam os espectadores de Opequeno de acaso e imperfeição uma composição;
polegar em caminhas de criança, ond e eles escutam a voz amplificada pelo No curso do desenvolvimento artístico de L~~,vers pode-seobservar uma
microfone de uma narradora posicionada no meio do espaço da montagem: evolução, ou ao menos.uma bipolaridade, entre os trabalhos mais centrados na
produção de uma situação de contato e aqueles em que a realidade autônoma
Sobrea montagem no Künstlerhaus Mousonturm de FrankfurtamMainem junho de 1997. do palco se impõe com mais vigor. A; configuração dos elementos textuais e
I .
186 vera resenha de Gerald Siegmund no PrankfurterAlIgemeine Zeltungde 08/06/ 1997. corporais, rica em tensões, estabelece diversos jogos de espelhamento com os 187
"
\ '
~, . ~_I
, I ' .
objetos:luz e objeto; gelo, água e sangue;estill~aços, feridas e língua "rachada", Entre as artes
Nesse e~paço cênico pós-dramático, corpos,g~stos; movimentos, posturas e
vozes são arrancados de seu continuum espaço-temporal comum e conecta- Nos concertos cênicos de Heiner Goebbels, assim como nos diversos traba-
dos de um modo inusitado. Opalco se torna um complexo de espaçosque se lhos teatrais que ele cria como compositor, diretor, arranjador e "colagista de
associam entre si, composto como uma poesia absoluta. Seriapossível ler o tea- textos':trata-se da interação de complexas configurações espaciais, luz, vídeo
.tro de Lauwers, na chave de Rimbaud e'Mallarrné, como uma nova forma de e outros materiais visuais com práticas verbais e musicais como canto, decla-
alquimia estética na qual Os recursos cênicos se.comblnam.para perfazer uma mação, uso de Instrumentos e dança. Essainteração se dá ora em dimensões
"linguagem" poética. Os textos são ligados aos gestos.e corporeidade dos ato-
à
monumentais, COmo em Cidades sub-rogadas [Surrogate'CítiesJ, ora em for-
res; ao mesmo tempo, a fragmentação e a colagem de momentos de ação os mas reduzidas, como a da combinação de um locutor, um músico (o próprio
mais diversos fazem que a atenção.iernvez de se dirigir à tensão (épica) em
Goebbels) e um artista vocal em A libertação de Prometeu [Die Befreiung des
torno do decurso das'açõesIcontadasoufeítas), recaia inteiramente sobre a
Prometheus], com texto de Heiner Müller. Nessas formas de representação
presença dos atores e os recíprocos espelhamentos é' analogias. Surge assim é essencial a reflexão..sobre as possibilidades da interação de diversos ar-
uma dimensão liríca, no sentido em que Mallarmé empregaa palavra: no dis- tistas no âmbito de uma apresentação. Aqui se poderia falar de um teatro
positivo poético, há que se intensificar as palavra~_:as ressonânciasmediante "inte.rgisc1plinar': mas o tema propriamente dito é a estreita inter-relação
espelhamentos e analogias recíprocos assim como ocorre em um diamante, de diversas linguagens teatrais (atuação, música, instalação, poesia da luz,
que cintila porque os raios de luz são continuamente refratados. canto, dança...).
Eis umexemplo no contexto de textos e cenas de Lauwers que remetem ao O teatro de Goebbelsabriga o sonho com uma teatralidade que se afirma
fin de slécle. Na terceira parte da Trilogia canto daserpente [Snakesong Trilogy] mais próxima das formas da arte de entretenimento do que do pesado teatro
ocorre uma ação muito significativa do ponto de vista estético e temático: de formação. Esseteatro é pós-dramático não só pela ausênciade drama, mas
na frente do palco, uma moça constrói com cacos de vidro finos, vagarosa e sobretudo pela afirmação da autonomia das configurações rriusícais, espaciais
sistematicamente, uma pirâmide de aparência frágil e perigosa em seu equi- e de atuação, cujo desdobramento no palco se dá de maneira a ressaltar pri-
líbrio vacilante. O perigo de se machucar, o erotismo aparentemente iideca"- - - meiramente seu valor próprio, e somente depois sua função na relação com
dente" e a auto-referência do procedimento "concordam" temática e formal- Os outros elementos.Goebbels relata que em Newions Casino, uma das várias
mente com os textos "esteticístas" de Mallarmé, Huysmans e Wilde utilizados montagens em colaboração com Michae1 Símon, grande parte do trabalho
na peça. O espectador imagina estar diante de um "texto"obscuro, composto teatral partiu da concepção de espaço de Sirnon, assim como a diagonal pro-
com hieróglifos enigmáticos. Seres humanos, gestos corporais, carne e vidro, jetada por Magdalena Jetelová se tornou um princípio de composição cons-
matéria e espaço constituem uma figuração puramente cênica;aos poucos, o ' titutivo parããêfJ.cenação de Ou o desembarque desastroso [Oder die glücklose
espectador assume o papel de um leitor, que interpreta os significantes huma- Landungt, em que as perspectivas, as linhas de fuga e os ângulos do espaço
nos, espaciaise sonoros espalhados no palco. Esses processos e configurações ecoavamno trabalho cênico. Em trabalhos como Preto e branco [Schwarz und
situados entre a poesia, o teatro e a instalação podem ser mais bem caracte- Weiss] e A repetição [Die Wiederholung] quase não .se pode mais distinguir
rizados como poema cênico. Como um poeta, o diretor compõe campos de se
qual foi a principal motivação do encenador: os impulsos tellláticos{beíií-'
associação entre palavras,ruídos, corpos, movimentos, luzes e objetos. como filosóficos), as instalações cênicas (de Erich Wonder), os movi~entos
188 de cena ou a personalidade de determinado ator, cantor ou músico. 189
Várlos outros tr abalhos de Goebbels têm motivações semelhantes, a em um debate sobre o objeto de sua abordagem do que na repres entação em si.
exemplo das inst alações cê?icas com texto e música de Michael Símon, como Nos trabalhos do grupo [holandês] Maatschappij Disco rdia, por exemplo, as-
Paisagem narrativa [Narrative Landscape], um título que alude de duas ma- sistimos mais a uma auto -reflexão pública dos atores do que a um a encen ação.
neiras ao caráter não-dramático do trab alho, na medida em que enfatiza a As manifestações dessa forma teatral que se poderia chamar de ensaio cênico
abe rtu ra óptica de um campo e a narração em vez da representação. D á-se po dem causar estranhamento em razão do uso do palco para objetivos que à
aqui a interação de um cantor e de um cavalo com aparatos cênicos de vidro , primeira vista são alheios a ele, mas isso é atenu ado em face da idéia de que
em um espaço cuja dimensão e cuja estrutura se tornaram quase indefiní- empreendimentos desse tip o podem ampliar as possibilidades do teatro.
veis em virtude de um refinad o uso da luz. Na instalação de Goebbels para a No gênero do ensaio cênico pode-se pensar nas obras teatrais de Bazon
dé cima edição da Documenta de Kassel, em 199 7 - uma "cena" urb anístico - Brock, na montagem Mem6ria de Shakespeare [Shakespeare's Memory], do
arquitetônica criada a partir de uma ponte inacabada da cidade -, imag ens, Schaubühne, ou na peç a Elvlre louvet, de Giorgio Strehler, Doi s trabalhos
ações, gestos, textos e música perfazem uma combinação que o público (po- , A~, Peter Brook são 'interessantes como intermediários 'entre teat ro e ensaio'
sicionado sob a ponte) experimenta com uma certa incerteza acerc a de onde O h~-;;';;;n- que [771e Man Who] e Quem vem lá? [Qui est la?]. O pr imeiro, ba~
com eça e onde termina o que é encen ado: ambiente, ins talação, concerto ao seado n o livro O homem que confundiu sua mulher com um chapéu [7he Man
ar livre e teat ro em um a coisa só. Um título como AtOl; cantor, dançarina Who MistookHis Wife fora Hat, de Oliver Sacks], apresenta casos patológicos
[Schauspielel; Sêinger, Têinzerin] (de Gisela von.Wyscckí), para o qual Axel de distú rbios de percepção; o segundo, m áxima s, narrações, pequenas expo-
Manthey criou uma ence nação, já expre ssa de modo exemplar a pesquisa do sições e comentários de professores de teatro famosos. Em 'ambã s às peças os
"entre" no teatro pós-dramático : trata-se da interação dos p articipantes, e não atores desemp enham em um a atmosfera desprendida e jcvial.çhegam a um
de princíp ios artísticos abstratos; do "entre" com o uma reação mútua d?s'âi- . acordo sobre determinadas cenas diante do público, exprlmem:se.e,disc;utem
versos modos de,representação, e não de sua adiç ão; não se trata de sensa ções como em um curso' unive-r~it-ário,'dirigém-se'aitetamente aos esp ectado;es e
multimidiáticas, mas de uma experiência que se dá.ao longo desses efeitos e intercalam a teoria com cenas de demonstração ou falas exemplares de per-
em meio a eles. sonagens dramá ticos. ED1_~9bre a elaboração progressiva dos pensamentos no
discurso [Oberdie allmiihliche Feijútfgúng-dà Geclanken-beimReden], Chrís-
Ensaio cênico tofNeI faz do teatro um esp aço de Inyestigaçãn cênica-e te órica das idéi;s de
Kleist. A filosofia roi trabalhada cenicamente em montagens do S chaubühne
São sintomáticos para a paisagem do teatro pós-dramático os trab alhos nos como O banquete e Fedrà:Es~as encenações de textos de Platão, a composi ção
quais se oferece, em vez de ações ou cenas, urna reflexão pública sobre deter- ensaístlca de Han s"Jürgen Syberberg e Edith Clever a partir de um a colagem
m inados temas. Textos "teóricos': filosóficos ou de estética teatral são tirados de citações emA noite [DieNacht], a realização de projetos teatrais com textos de .
de seu ambiente na sala de estudos ou na escola de teatro e representados no Freud ou Nietzsche - tudo i~so evidencíao estabelecimento de um gênero de en-
palco - com a absoluta consciência de que o público pode muito bem achar que saio cênico ao final do século em cujo inicio Edward Gordàn"Cràigjá planejava
os atores deveriam se dedicar a tal ocupação antes da representação. Grupos (sem ter executado) a encenação dé todos os diálogos de Platão. .
e diretores fazem uso dos rec urso s do teatro p?:ra fazer suas reflexões em voz Pode-se situaresss "gênero" n a linhagem de O improviso de Ve'rsalhes
alta ou lev~r a prosa' teórica a ser ouvida. Também em alguns trabalhos cênicos [EImpromptu deVersflille.s], deMolí êre, ~A compra delatão [Der Messíngkauj],
com textos teatrais se verifica que Os atores parecem est~: mais mergulhados de Brecht, na medida em que esses texto /gravitam em torno do próprio
191
; ,
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teatro. Se ressaltarmos nessas. obras se~ladb:dêleveza e esboço em vez do o teatro concreto de Ian Fabre, com sua frieza e a importância de estruturas
aspecto ·obstinadamente assertiv o, deveremos \~ntã9 mencionar as trabalhos puramente geométricas impensáveis mesmo em Robert Wilson. Um outro
de Jean Jourdheuil (freqüentemente conceb idos e:~coíaboração com o dire- exemplo é o teatro de Jàhn Iesurun, porto-rlquenho radicado em Nova York,
tor Jean- François Peyret e o cenógrafo Gilles Aíllaud), [ourdheuil se destacou que a crítica chamou de "teatro cinematográfico':
por suas transposições literárias e cênicasdaobra de Heiner Müller para o Na estética teatral de [esurun o espaço cênico aparece na maioria das ve-
. francês (mas tam bém é importante lembrar as sessões que ele organizou com zes sem bastidores, um a vez que é estruturado de maneira refinada com su-
o dramatu .
rgo no teatro Od éon de Paris, nas quais, Müller lia trecho s de seus perfícies luminosas, entre as quais as seqüências individuais saltam para lá
textos). Entre as encenações, tais como Humiet-mãquina [Hamletmaschil1e], e para cá com grande velocidade. Pod e-se falar em seqüências porque esse
Mauset, Descrição de imagem [Bildbeschreibung] e Estrada de Wolokolamsk . teatro explora as relações entre teatro e cinema: diálogos de filmes são trans-
[W0l6kolamske; Chau~~~e], algumas se~ituam entre uma montagem de Mül- postos com ligeiras modificações; o principio do corte é radícalízado, Mal
ler e um ensaio-t~~trãisobieMüller, haja vísta.seqcaráter ironicamente refle- se pode seguir o fio de uma ação, ainda que constantemente despontem ru-
xivo. Assim como nas outras montagens de Iourdheuil (Robespierre e Shakes- dimentos e fragmen tos de um enredo. Um modo de falar quase mecânico,
peare, ossonetos [Shakespeare; les sonnets], por exemplo), aqui nã o há páthos muito acelerado, não permite que ve nham à ton a os conc eitos dr amá ticos
nem identific ação inabaláv~l. O caráter decitação .e.demonstração caracteriza de lndívídualíd ad e, caráter, fábula. Constitui-se um caleidoscópio de aspec-
o teatro d'~' Iourdheuil com o pós-brechtiano. Embora a elegância de sua ma- tos.verbais e visuais de uma história aprendida de modo muito parcial. O
neira de representar contraste com a dureza e o lacon ismo apodítí co de Mül- efeito de colagem e mon tagem - em termos videog ráficos, cinematográficos
. ler, a estética teatral de.Iourdheuíl combina espantosamente bem com aquela e narrativos - se afasta de toda percepção da l ógica dramática. Os textos, que
escritura porque acen tua seu potencial de reflexão cênico, não-d ramático - Iesurum redige como autor.correspondem a esse estilo: rápidos e morda-
imag ens de pen samento emblemáticas na forma teatral do ensaio cênico." zes, freqüentemente aludem a mo delos de diálogos de cinem a, Em Cavaleiro
sem cavalo (Rider without a horse], que gira em torn o da situação absurda de
Teatro cinematográfico um ?lembto de uma família que desafortunadam ente se metamorfoseou em um
lobo, há uma longa controvérsia acerca da agressividade dos lobos - mas na ver-
o fato de que um pronunciado formalismo constitui um dos traços estilísti- dade se trata de um diálogo de Os pássaros, o suspense de Hitchcock, no qual
cos do teatro pós-dramático não precisa de nenhuma exposição detalhada. uma ornitóloga contesta com veemência o fato de que pássaros pudessem atacar
Há os trabalhos teatrais de Wilson e Foreman, as formas de teatro dançado seres humanos (justamente enquanto isso acontece). No texto de lesurun apenas
orientadas pelo modelo do estruturalismo geométrico-maquinal da dança se substituem os pássaros pelo lobo.
pós-moderna (Cunningham) ou a tendência de jovens diretores à represen- JerusunesUIdou artes plásticas e acabo u chegando ao teatro graças ao de-
tação com estruturas formais reduzi das. A linguagem é apresentada de modo . sejo de fazer cinema. Para ele, fazer teatro significa fazer film es sem realmente
quase mecânico; os gestos e a cinese são organizados segundo padrões for- rodá-los. Com o recurso a ágeis tran sições entre os "lugares de represe ntação"
mais para além da signi ficação; os atores parecem expor técnicas distanciadas dellmltados pela iluminação e pelos apara tos cênic os em um espaço mínimo,
(mas não alheadas) de olhar, de movim ento e de imobilidade, que guiam o o ritmo dos cortes cinematográficos é transposto para o teat ro. Jerusy,n tfá-
olhar mas frus tram o apetite de significado. Uma acentuação do "teatro for- balhou por vários anos na televisão, e essa experiência é ainda mais marcante
malista" - como Michael Kirby batizou esse ampl? i3mpodo novo teatro - é para o seu teatro do que o .triodelo do cinema, Assim, seu modo de encenação 193
também se configura conforme as séries de TV: em 1982 ele começou a erice- Hipernaturalismo
nar-epi;Ódios semanais de uma inusitada série intitulada Chang em uma lua
erma [Cnang in a Void Moon], um empreendimento que perdurou por anos a O poder econômico e ideológico da indústria de imagens cinematográfica e
fio, com mais de cinqüenta seqüências que às vezes ocupavam noites inteiras eletrônica possibilitou que predominasse a mais insípida concepção sobre o
e envolviam mais de trinta atores. que a arte pode e deve ser: aquela de ilustração ou "simulação" perfeita. Com
A tendência ao caráter cinematográfi co e mid íático tamb ém é enfatizada isso, o apego ao atrativo trivial que provém das realidades simuladas pôde
pela multiplicação técnica dos atores por meio de imagens de vféféõ, com as adquirir uma dignidade teórica. Como apontou Adorno, a arte buscou se de-
quais eles parecem se comunicar. Como se trata de uma imagem deles mes- fender dessa atrofia mediante manobras de demarcação como o esoterismo, .
mos, por vezes ampliada, o que forçosamente se tematiza nesses atos de se di- a provocação, a recusa e a "negatívídade" Desde que se disseminaram ma- '.
rigir às imagens é o "eu" dos atores.Ao falar com suas imagens, falam consigo ciçamente, as mídias fotográficas impuseram a ideologia naturalista como a
mesmos como uma instância superdimensionada, controladora. Já que têm ._... mais óbvia, ao..passo .que declinou o interesse por estilização, estranhamente,
_ ~

de coordenar a própria fala com o texto previamente gravado em vídeo,'há distancláttrento ou intensificação - em suma, o interesse pelo peso específico
uma peculiar mecanização do corpo e uma vivificaçãoda imagem tecnológica. das formas artísticas como configuração de pensamento. As formas artísticas
A clássica ideologia teatral da presença vivente é desmontada pela contínua e os gêneros quase não são mais percebidos como uma realidadeprópria. mas
interpenetração de presença mediada e pesso_a_~: Em Aguas brancas [White apenas como variedades de modos de consumo ("o livro do filme"), corno va-
Water], de 1986, essa estrutura serve para delinear teatralmente as dimensões gões de carga para a única coisa interessante: o enredo. Em uma.carta a Schil-
fantasmagóricas da virtualidade. Trata-se de um jovem que afirma ter tido ler de (23 de dezembro de] 1797, Goethe observou que as pessoas ansiavam
uma manifestação mística e cai em numerosas contradições ao descre~~"la, por ver os romances que haviam lido o quanto antes representádos no teatro
mas insiste em sua "versão" da experiência por que passou sem se dei~ar per- (hoje em dia seria na televisão ou'nodnema), as descriçõ es Jit~~árias-pron­
turbar pelas incompatibilidades racionais de seu relato. . tamente convertidas em imagens de gravuras. Ele lamentava que se fizessem
No teatro de [esurun não deixam de surgir situaçõesJ:ir~~áticas" nos diá- tais concessões "porque o artista, que na verdade 'deveria produzir as obras
logos, mas elas não passam de fragmentos que o próprio espectador precisa de arte dentro de ~u~s-ccindições -puras,.cede ao_d.~~~Jo.. .~~s espectadores e
articular, Os personagens mais parecem máquinas falantes despsicologizadas, ouvintes de achar tudocompletamente verídico", Assim, concl~ía·ele; "nãoresta
e negam assim tanto os usos do teatro quanto os do cinema, cuja estrutura nenhuma atividade à sua imaginação, tu·do deve s~~';'~~si;elmente verdadeiro,
formal é citada. Curi~samente, o recurso ao procedimento cinematográfi co ,
perfeitamente'atual e'tlt:amático, e o próprio dramático deve correSponder
. .
·
faz desse teatro sem drama tanto mais teatro. O "rizorna" constituído por incondicionalmente ao realmente-verdadeiro"!
imagens midiáticas, aparelhos, configurações de luz eatores não se desagrega Há uma diferença fundam;~tal entre o cinema e o teatro (bem como a li~
mesmo com o cruzamento de tantos campos. Sua coesão é mantida pelo rigor teratura) no que concerne à Ilustra ção.naturalista. O teatro compartilha com
formal e pelo texto fala do. Assim, cabe à linguagem falada, que é desvalo- a literatura a característica den ão ilustrar, mas designar...-Ern comparaçã o
rizada como caracterização psicológica individual, o papel de elemento de com a imagem cinen;atográfica,'a imagem teatral tem uma "densidade" me-
ligaçãoconstitutivo. nor: enquantoesta deixa transparecer lacunas evidentes, aquela é desprovida
I

4 Goethe-Sch íller, Brtefwechsel. Hamburg~, ~961, p. 271. 195


194

', ,
de lacunas. Valeaqui a mesmadístínção.que J\dói:no constata entre cinema e 90 oferece situaçõesque ostentam uma decadênciae um absurdo grotescos.
e texto: ''A menor densidadé da ilustrabilidade na literatura naturalista ainda É certo que se dá uma intensificação da realidade, mas agora se trata de uma
deixa espaço para intenções: na estrutura semlacurias.da duplicação da rea- intensificaçãO para boixo: onde quer que esteja tudo aquilo que é interditado
lidade por meio do aparato. técnico do cinema, cada intenção, mesmo que pelo bom gosto, é ali, em meio à escória, que se encontra a figura latente.do
se trate da verdade, se torna uma mentira'; Em outras palavras: "O natura- bode expiatório, o pharmakos. O mais baixojá não é, como no naturalismo, a
lismo radical implícito na técnica do cinema dissolveria qualquer conexão verdade, o real que deve ser exposto porque foi excluído e oprimido. O mais
de sentido na superfície e levaria à oposição mais extrema ao realismo que baixo é o novo "sagrado" a verdade autêntica, O que explode a norma e a
"-
nos é famíliar'" "'. regra: a dissipação em meio às drogas, à decadência e à ridicularização. As
No teatro pós-dramático há um retorno dos traços estilísticos naturalistas, contravenções que fazem parte da banalidade cotidiana pequeno-burguesa
aos qiraísnãose teria dado nenhuma chance de futuro após o teatro épico, o assumem o valor do "outro'[da exceção, do monstruoso e inaudito, do êxtase.
teatro do absurdo, o teatropoético e o.formalista (Sequiséssemos seguir o Tendo em vista essa"carga" da realidade banal e trivial,seria um erro ver aqui
radicàllsmo de Baudrillard, teríamos de dar por totalmente liquidada a velha. somente umnovo naturalismo. É antes o caso de adotar o termo hipetnatura-
questão acerca da imagem original e da imagem reproduzida: se há tão-so- lismo à n;atieira do conceito de "híper-reallsmo" de Baudríllard, que designa
mente o "simulacro", que pode ser entendido como.uma geração artificial de uma .semelhança das coisas com elas mesmas sem referencial, gerada pela
imagens originais, então o real não pode ser de modo algum diferenciado mídia, e não a ad~quação da imagem ao real. .
de um simulacro que funciona perfeitamente e o naturalismo não está mais Na encenação hipernaturalista pode irromper uma visão fantástica sem
em questão.) Encontra-seo naturalismo em formas teatrais que à primeira comentário nem interpretação, trazendo imagens de desejo triviais e utópicas
vista não oferecem nada mais que uma reprodução mais ou menos divertida de grande intensidade. Em Mae efilho [Moeder en Kind], uma montagem do
do cotidiano. No entanto, é preciso distinguir as novasformas do naturalismo grupo Victoria, a habitação apertada do subproletariado se transforma em
reavaliado e refletido do "pseudo-realismo da indústria cultural" (Adorno). um mundo de sonhos fabuloso e louco onde os lndívíduos expressam seus
Aquilo que parecia naturalista no teatro a partir dos anos 197oJep_re~enta anseios mais profundos em músicaspop, Em 81 minutos [81 Minuten] Lothar
também uma forma de des-realização, e não de perfeiçãona ilustração. Wú~' Trolie encenou o cotidiano de vendedoras em uma loja de departamentos
ner Schwab escreveu peças nas quais em meio à decrepitude e à mediocri- de tal maneira que a partir de seus relatos e pequenos conflitos de repente
dade de um cotidiano descrito em minúcias caricaturais emerge uma violên- desponta o desejo utópico. A conversão da cotidianidade em absurdo com
cia sem sentido sob a forma de horrores que funcionam como rituais. freqüência se insere nessas formas de teatro hipernaturalistas: as experiências
No passado, o grande realismo "descobriu" o drama no cotidiano das ou acontecimentosrelatados se tornam cada vezmais inverossímeis e de uma
camadas sociais mais baixas, aparentemente desprovido de acontecimentos.' comicidadegfotesca, como nos textos de RenéPollesch inspirados no for-
O teatro, inclusiveo realista e o naturalista, era definido pelo fato de que não mato televisivo. A partir de cenas cotidianas desenvolvem-se ocorrências bi-
só ilustrava o que se desviava da melhor sociedade, mas também suplantava zarras (Werner Schwab). Tendênciassemelhantes podem ser constatadas em
a vida real pela forma do drama. O novo naturalismo do teatro dos anos 1980 peças de Wolfgang Bauer, Kroetz, Fassbinder, Turriní e Vinaver, entre outros.
Nesse hipernaturalismo teatral sem dramaticidade naturalista, o qu.ese-âá
Theodor W. Adorno, Minima Moralia, in Gesommelte Schriften, v. 4. Frankfurt am Main,
sob a superfície não é evidenciado e socialmente explicado por uma drama-
1980, P: 159·
turgia de descobrimento, mas se manifesta em êxtases líricos e imagísticos. 197
Em outros contextos, Iean-Píerre Sarra zac tamb ém usou o termo "híper- vê nen h um a outra saída sen ão "enxe rtar" seu trabalho' no s modelos exis-
naturalismo" Com intuito crítico, ele afirma qu e muitas peças de teatr o culti- tentes, em vez de fazer atentativa aparentemente ingl ória de ch egar a um a
vam um hip ern atu ralismo no sen tido de um natur alismo "de segundo grau'; for mulação diferent e e divergente .
mediante o qual O público das cam adas ma is baixas seria atraído pelo exótico Na medida em que os clich ês midiatizados se insinuam em cada' repre-
. oferecido ao consumo."D e fato, com o critícaBrecht com muita veemência, o sentaçã o, mesmo com a ma ior seriedade não se pode ir muito longe. Coai é
naturalism o foi um drama da compaixão, Por m ais qu e se tenha_q~ estionado o nome da emocionalidade cuja expressão "própria" foi de tal m odo perdida
o cult o da compa ixão como impulso de r eparação (porque seriam necessá- que todos os impulsos sentimentais só p odem ser representados entr e aspas e
rias mudanças sociais, não lágrima s sem cons eqüências), tod a repr esentação ne nhum impulso que o dram a an tes p odi a mo strar pod e ser transmitido sem
dr am ática sempre comportou a exigência implícita do "corn-": comiseração , o filtro de ironia da estética do cin ema e da mí dia.
compaixão, convivência. comoção com o destino simulado do pers onagem
simulado que o ator encarn a. Agora , porém , no lu gar de uma dramaturgia Coai fun
tr ágica ou grotes co- tr agicômica (tal como Dürrenmatt e Frisch a praticavam
qu ando em su a concep ção a com édia ainda dava conta do mund o) há um Nos anos 1980 e 90, a jovem geração do teatro procura, quase com violên cia,
espantoso déficit de páthos e comiseração na exposição da "vídaínferior'" um "real" que provoque pela recusa da for ma e seja li expressão adequada do
Ássim, imp õe-se a palavra "cool" para a c~~ªcterização de tod o um gê- sentim ento de vida perturbado, desesperado, ator mentado. De sse modo, o
nero de formas teatrais que tendem a um jogo com af rieza, o qual se torna teatro imita e reflete as mídia s onipresentes com -sua sugestão de ins tantanei-
um tr aço significativo do teatro p ós-dramátic o. Ali onde se esp erav a indig- dade , ma s ao mesmo tempo busca tornar perceptíveis port~ás-aa oste nsiva
nação m ora l há desenvo ltu ra e uma distâ n cia Ir ônic o-sarcástica, em bora-a an imação a mel ancolia, a solidão e o desespero. Essa síngulap variedade do
realidade seja ilustrada com traços evidentemente difíc eis de suportar-não teatro pó s-dramático freqüentemente, enc ontra su a inspira ção n os modelos
há comoção dramática. Seria muito fácil mora lizar essa obser vação e con - de entretenimento da televisão e do cinema; 'refere-se indiscriminadamente
cluir que há uma insensibilidade so cial p or parte do s -realizadores teatrais, aos filmes de terror, aos seriados de T V, à propaganda, à música po p e ao pa-
assim como é por demais superficial derivar a ausência de uma sátira so- trimônio cultural clásslcoidelínelao ~s~~_d~ de espírito dos esp ectadores, so-
cial com alvo m ais pr ecis o de um a cegueira qu e o mundo ideológic o de bretudo os ma is jovens, ent re a resignação ea ~~befiãó;õ-]5esal' e odesejo de
sentimentos e pensamentos da pequena burguesia traz con sigo para o tea- intensidade vital e felicidade. ,. ..
tro." Compreende-se melhor o n ovo teatr o por referência à gen eralizad a Essas form as teatrai_~ - que com freqüência qu ase não são m ais teatro -
virtualização da realidade e à p enetração do esquema midiático em todas provavelmente respondeinao sentim ento básico de falta de futuro, que nem
as form as de percepção. Diant e da for ça expressiva e'da abrangên cia quas e mesmo a afirma ção forç ada 'êle uma "diversão" no agora pode en cobrir. As
inc on tornável da realida de mi diatiza da, a gra nde m aior ia d os ar tista s não artes parecem praticame nte ~ão _e_st ar em condiçõ es de se op or de fre nte ao
estado de imobilismo social - a despeito' das agitaç ões p olíticas m undiais de
19 89 -, pre ferind o a a~,i tude de'seesquivar e desviar. Issoc~-~;titUi a base para
6 [ean-Píe rr e Sarr azac, I:Avenir du drame. Écritures dramatlques contemporaines. Lausan ne,
o cool fun com o uma atitude esteticame nte viru lenta. Aqui quase,nunca se
1981, p. 178.
7 Ib íd., p. 179. encontram ações dram áticas, ma sapenas a imitação lúdica de cenas e cons-
8 Ibid. p. 175-76. telações de rom ances policiais, seriados de TV ou filme s. Se ocorre urna ação, 199

., ,
é para que se mostre indiferença. O teatroreflete a desagregação da experiên- As formas de expressão da cultura c/ub incluem "a cultura trivial da maioria ,
cia em seqüencíamentos mínimos e impulsividades,i ssiI)1 como à preponde- sem bom gosto, produtos de massa, grafismo socialista e mobiliário antigo, o
rância da experiência veiculada peja mídia. i ' I " Super-Homem e a luz de vejas': 10 Juntam-se aqulo kitsch ostentativo, a solida-
Há no coai [un uma constante inclinação para a paródia. Esta sempre se riedade com o gosto das 'massas, a rebelião e a sede de diversão. No plano da
oferece como um meio de abertur a quando se trata de'liberar o teatro do seu realização cênica quasenão há ação. Trata-se muito mais de enfatizar situações
status de objeto para a experiência de um processo social que já não permite passageirase acidentais: escolhem-se a festa, o programa de televisão, o encon-
"' .
nenhuma distância interpretativa. A paródia'é uma variante das formas de in-
"
tro na discotecae a partir dessas situaçõesse apresentam fantasias, experiências,
tertextualidade distinguidas por Genette.? Na medída'em que há uma exorta- anedotas, ,piadas. Com projetores, fotos, cenas representadas, diálogos repro-
çãoao conhecimento de.outros textosümagens, sonoridadesj -e.a apropriação duzidos, vídeos e gravações sonoras, elementos de shows e narração, oferece-se
paródiCa 'é confirm ada pelo riso, o pú'blic;iteatralizàdo - 'assim corno o coai tudo o que é possível entre 'atrivialidade agressiva e a inteligência marginal.

~~~.....
fun, o cabaré e a com édia ~ivenl aêss'a: forma-de-interação, Adernais, a paródia O grup o teatral inglês' Gob Squad apresenta-se não só em teatros, mas
deixa em aberto o grau da -dist ância em relação àquilo qU'~ écitado. Natural- também em escr ítórlos , galerias e estacionamentos. A estética jovem e ur-
::J ..

mente, a referência ao mundo da vida já está inscrita no mais simples ato da bana refleteaqui a proximidade e a distância entre as pessoas de um modo
:[ recepção - Só .reconheço aquilo que encontro corno-esquema análogo em meu muit,as/vezes assombroso. Em Perto o bastantepara beijar (Close Bnough to
o
...J
horizonte de experiências. Em todo caso, o que conta do ponto de vista daesté- Kissr, os atores são "enclausurados" em um espaço oblongo delimitado por
LL tica teatral é se esse fato é "atualizado'; se na intenção estética e na percepção um vidro tran sparente só de um lado, no qual se expõem.c6mica e deses- '
LL
-.... do espectad~rã'réferênciaao próprio horizont e é'explícita ou apenas latente. peradamente para o público lá fora. Trata-se, por assim dizer, de um teatro
O espectador acompanha um percurso de alusões, citaçõese contracitaçõ es, ~e "radicalmente épico': Só que nãõ há nenhum autor: apenas "pessoas medianas"
diversões internas, de temas do cinema e da música pop, uma colcha de ret~­ e quase indistintas que por meio de um "papel" num espaço cênico fictício
lhos de episódios rápidos, muitas vezes mínimos, com um tom ironicamente propagam temas, gestos e percepções veiculados e alimentados pelas mídias.
distanciado, sarcástico, "cínico'; sem ilusões, "coot'. É preferível o trocadilho, A i1pplacável diversão tende a uma sarcástica exibiçã o de obscenidades, vio-
mais infame à insuportável e mentirosa "seriedade" da retórica públicae oficial. lência cotidiana, solidão e desejos sexuais, ao lado de citações e usos Ir ônicos
Encontra-se nessa vertente teatral um reflorescimento da "cultura club" na da cultura banal.
: forma do "teatro de sala de estar" e de outros arranjos teatrais que estabele- Os diretores René Pollesch e Stefan Pucher e o grupo Showcase Beat le
. cem um contato direto com o público: Mot são exemplos alemães da tentativa obstinada de pesquisar as conexões
entre tecnologia midiática e atores, articulando sonhos mediante associações
Em conjuntos habitacionais, pátios internos e parques industriais abandonados à maneira-dã-"Hrica" pop, sem contexto dramático. O teatro é valorizado ou
se encontram lugares quesão zonas de transição- na verdade salas de estar, mas desvalorizado em projetos teatrais que estabelecem formas de contato entre o
ao mesmo tempo galerias, bares e locais de happening. Esses clubs e pontos de público e os atores, como nas apresentações do grupo Sh éShe Pop em que se
encontro são instalações efêmeras que esc~pam ao rnainstream, idlliosmarginais. negocia entre eles .o que deverá ser representado, ou como em Bem deperto
Elas duram tanto quantodurar o divertimentonelas. (HautnahJ, de FelixRuckert, em que a situação teatral se dá na forma de,umá
. . , ...--'"

. .,
2 00 9 Gérard Genette, Palimpsestes. Paris, 1982. 10 Stefan Strehler,"Poprnlrnen In der Bühnenburg" Spex, n. 11, 1998, pp. 80-82. 20 1
ação interativa de pares de dança: cada espectador "escolhe" um ator-dança- citem identificação). O texto dramático, fragmentário e representado de uma
rina-é vivencia"bem de perto" a representação dançada. maneira familiar ao mundo de experiências da juventude, é rigorosamente
As apresentações do grupo norueguês Baktruppen criam uma atmosfera usado COmo material para apresentar as próprias preocupações - numa mon-
de participação tão intensiva e cordial que o teatro se torna quase "invisí- tagem de Henrique IV de Shakespeare, por exemplo, o conflito entre ó rei e
vel". A atuação descontraída gera uma ambientação pessoal que situa a co- o príncipe como conflito de gerações entre pais e filhos. O objetivo não é a
municação teatral entre o público eo privado. Momentos de diletantismo qualidade da apropriação de um texto clássico, mas um teatro não ameaçador
aparentemente improvisados (mais saltos do que dança), contato olho a olho como acontecimento de convivência,
com o espectador, interrupções da representação. proximidade com o espec- Pode-se reconhecer aqui laboratórios dos quais provém uma extraordi- .
tador mediante falta de profissionalismo simulada, ausência quase completa nária vitalidade na forma de teatro sem drama (mesmo quando ele é usado) '.
de uma estrutura que englobe as ações - todos esses fatores suscitam um e sem a carga opressora da tradição de uma rica literatura dramática (como
sentimento de comunidade. A literatura funciona como uma fonte de palavras- .. _. _~a Alemanha). Pode-se talvez perguntar por que se'deveria discutir esses fe-
chave: Germânia - morte em Berlim (Germania. Tod in Berlin], de Heiner nô~'enosquando não resta dúvida de que muitos deles Mo podem satisfazer
Müller, em 1989; Quando despertamos entre os mortos [Nár vi dede vaagnerJ, elevadasexigências artísticas de profundidade e de forma. A resposta é: deve-
de Ibsen, em 1990; Peer; você mente, sim (Peel; du lügst. Ja], peça baseada em se discuti-losporque em sua busca de modos de expressão e comportamento .
;:."
Peer Gynt, em 1991. Freqüentemente incorpora-se -um risco ou uma transfor- não-convencionaiselessão superiores à maior parte das produções rotineiras
mação.corporal: os atores usam lentes de contato azuladas (na montagem so- a despeito da sua deficiência de recursos artísti~os: 'Alétn de-um manifesto
. bre o mentiroso Peer Gynt), ou inalam hélio,o que altera asvozesde maneira prazer no exercícioda representação teatral, essas montagens exprimem vivi-
grotesca,ou fazem explodir sobre o próprio corpo pequenas bombas corno-ás darnente a tristeza, ti solidariedade ou a r~iva em face do estado de coisas e o
que são usadas no cinema para simular o impacto de balas. / desejo de um outro Üp-ó-de-côrrnúiicação:Com tudo o que tê~ -d~ ~rtê-ruim,
Na Holanda e na Bélgica constituiu-se uma cultura teatral emtorno de com freqüência são um teatro melhor do que o tea'tro "bom" do ponto de
grupos que se apresentam tanto em grandes casas de ~'spetaêulo como em vista artístico e técnicQ.~dessa via teatral situada' entre o pop e a seriedade,
centros culturais e são tão valorizados' quanto o teatro tradicional. trata-se mais do que da rotina,abalii~'da' da {epresentaçãodos clássiccs, que se podem
sobretudo de jovens atores e espectadores que se juntam a grupos como Dito' esperar novas maneiras de lidar cOIl) o teatro - e com a literatura. '-
Dito, 't Barre Land, Dood Pard ou Theater Antigone. As montagens são carac- Se observarmos o teatro tradicional que pode ser comparado com a "cena"
terizadas por uma peculiar mistura de atmosfera de teatro escolar, ambiente em questão, o Volksbühne de Berlim, constataremos que o teatro plenamente
de festa e teatro popular. Os atores vagueiam placidamente pelo palco, diver- dotado de competência artÍstica também tem a potencialldade, que não deve
tem-se, lançam olhares para O público,sussurram entre si, parecem combinar ser subestimada, de impor-se energicamente aos padrões teatrais. Mediante
algo. Em seguida pode ficar claro que estão ali distribuindo os papéis pouco uma provocação aberta, o teatro -passa a seraqui afirmado não em seu alto
a pouco. Brincadeiras internas e externas à peÇa e um modo de representar . nível cultural ou "dramático" mas como momento vivo de-um debate público.
que não pretende esconder a falta de profissionalismo convergempara cenas O trabalho do Volksbühne é cercado por uma atmosfera de debate político e
que podem ser interrompidas várias vezes. O uso de acessórios, a postura, O constituição de grupos em torno de idéiascompartilhadas. Noprograrna da sua
modo de falar, tudo é igualmente descontraído, distanciado e épico (os atores encenação de O aço flui dourJdo [Goldenjli';st der Stahl, de Karl Grünberg]
202 "expõem" seus personagens;Só raramente fazem cenas estilizadas ou que sus- no Volksbühne, Prank Castorfafirmou que/umadas particularidades dos artís- 20 3

': ,
tas da ex-Alemanha Oriental em relação aos artistas pós-modernos da Europa como um ato ou mesmo como uma decisão tio espectador; a luz que incide e
ocidental era o fato de se verem, "ainda que ironicamente fracionados" como muda com o passar das horas é apreendida conscientemente, preenchendo o
"políticos mal-sucedidos" que oferecem uma.contrlbulção à ideologia. (Nesse espaço com um concreto tempo-luz. Teatro aberto: um teatro ao qual faltam
contexto deve-se mencionara fenômeno Christof Schlingensief, que com suas papéis, recursos cênicos e ações e do qual quase não se pode dizer onde efeti-
ações situadas em algum ponto entre o show pop, odisparate dada-surrealista, vamente tem lugar - e que não obstante revela uma estranha intensidade.
a política e o teatro midiático logrou dar uma considerável visibilidade para Esse arranjo teatral pautado pela improvisação e desprovido de elementos
questões.polítlcas.) Por via de uma tri\rialidad~ refinada, as encenações de Cas- dramáticos impõe um desafio para os atores. Privados da proteção do palco,
torf remetem o teatro à boataria e à banalidade, articulando assim uma rebe- eles se vêem expostos por todos os lados - inclusive pelas costas - aos olha-
lião espirituosa (e por Vezes ri dícula), qu~ no entanto Se esvazia cada vez mais res, à desconcentração, talvez mesmo à perturbação e à agressâo por parte
à medida que,se distancia das "origens" naantiga Alemanha Oriental. A farsa de freqüentadores impacientes ou irritados. Contudo, foi impressionante a
Pensão Schõll~r [Pe;isiôn'Séfiõller;-de Wilhelm JaçoQY ~ -Carl Laufs] é ligada à paciência com que o público japonês procurou compreender aquele acon-
peça A batalha (Die Schlascht], de Heiner Müller; em O aço flui dourado foram tecimento quesó pedia-lhes parecer extremament e estranho: pessoas vesti-
inserid~s passagens de Estrada de Wolokola msk, também de Müller. das de preto que não "representavam': não faziam uso de b astidores e não
tin~am "papel" algum, mas enunciavam o texto de Hamlet-máquina com a
Teatro do esp.aço partilhado disciplinada liberdade da improvisação. Entremeado por passagens em ale-
mão, portan to incompreensíveis para aquele público, o texto era enunciado
No âmbito dó teatro pós-dramático, observa-se uina especial radicalização do individualmente ou em coroyor pessoas voltadas para si mesmas e que no
princípio não-rnimético nos trabalhos do grupo Angelus Novus e - após sua entanto o exprimiam como um chamado geral Ou dirigido a um espectador
dissolução - do diretor Josef Szeiler. Caracterizados por improvisação de falas em particular - enfim, texto partilhado no espaço.
e intensa presença corporal dos atores, esses trabalhos desenvolvem uma am- Esse teatro da fala pós-dramático se pauta por uma antiquada concentra-
pla interação com o público, criando situações em que não há diferença ~Ilt~~ ção no texto que é própria à atemporalidade do teatro, e também por uma re-
palco e platéia. No decorrer das representações, compreendidas como uma dução desconcertante. Os temas minimalistas da voz,dos corpos, do espaço e
continuação pública do trabalho de ensaio (em princípio os ensaios tamb ém da duração temporal remetem à magia da ilusão e a partir desse ponto morto
. são abertos), o público pode ir e vir como achar conveniente. O impor tante é propiciam o surgimento de uma teatralidade inusltadaO amor secreto do
o espaço partilhado: ele é experimentado e utilizado da mesma maneira pelos teatro se aplicaaqui à arquitetura. O teatro de JosefSzeiler parece ter a minu-
atores e pelos freqüentadores. Por meio da perceptível concentração se deli- ciosa preocupação de resgatar os espaços de sua mudez e de sua desvaloriza-
neia um espaço ritual sem rito. Ele permanece aberto, e ninguém é excluído: ção por meiodas vozes, dos corpos, dos gestos e da coreografia, de fazê-los .
passantes podem observar; freqüentadores, jorna listas e interessados vão e ressoar e conferir-lhes uma visibilidade empática, mediante um olhar diri-
vêm. Na realização da montagem Ham letlHam let-máquina em Tóquio, em gido com o corpo todo, com a própria inovimentação e o posicionamento no
199 2 , os ensaios e as representações se deram num estúdio de cinema cujo ~spaço, e não apenas com o aparelho visual dos olhos. A ação só aparece aCJ,u
.i
grande portão de entrada permanecia inteiramente aberto para a rua, permi- COmo conteúdo dos textos enunciados - textos épicos como a I/fada,peçásde
tindo constante fluxo de entrada e saída. Com isso, intensificam-se as sensa- Beckett e Müller, de Brecht e Ésquilo. O que se realiza corporalmen te é um
204 ções de estar dentro e fora da sala: os movimentos de entrar e sair são sentidos repertório de incidentes gestuaís. Nenhum mundo cênico procura comentar 2°5 '
o que o texto diz, muito menos ilustrá-lo. Para suprimir a separação entre configurar mas que pode igualmente atrapalhar e mesmo destruir por meio
espaço de atuação e espaço.do público, deixam-se de lado os brinquedos an-
tes vistos como necessários e mesmo constitutivos do teatro, a começar pela
I! de seu comportamento. A vulnerabilidade do processose torna sua razão de
ser e põe em questão as normas do comportamento cotidiano. A responsa-
I
ação - representação de papéise drama -, em favorde atos improvisados que bilidade constitutiva dos espectadores continua a ser uma dimensão virtual
visam uma experiência específica da presença, o ideal de co-presen ça equiva-
! do teatro de Pabre, Como espectadores, precisamos prestar contas da nossa
I
lente de atores e espectadores. participação no processo que se desenrola. Em contrapartida, esse teatro dá
Nessa forma de teatro, o caráter de "situação'; no sentido anteriormente , praticamente a todo espectador a possibilidade de perturbá-lo sensivelmente
descrito, se efetiva mediante os seguintesfatores. Em primeiro lugar, o espec- ou mesmo torná-lo impossível mediante atos insensíveis ou agressivos.
tador deve necessariamen'te se tornar uma parte co-atuante do teatro para A distância estética alcançou um inusitado grau mínimo nas primeiras
os demais presentes no espaço teatral. Cada indivíduo se torna o espectador montagensdo grupo catalão La Fura dels Baus. Enquanto em Madri prevale-
único para o qual os atores e o resto do público constituem "seu" teatro. E1TI
segundolugar, intensifica-se a consciência da própria presença, com os ruídos
I GenLºJ~at.r.o subvencionado e o teatro privado, assiste-se na Catalunha, mesmo
sob a ditadura [franquistaJ, a uma intensa atividade de trupes independentes
que uma pessoa deixa escapar, a constelação em que ela se encontra em rela- que se tornaram internacionalmente conhecidas, como EIsIoglars, EIs Come-
ção aos demais presentes etc. Em terceiro lugar, a proximidade corporal dos I diants e o próprio Fura. Este último certamente constitui um caso extremo,
atores faz que cada pessoa entre em contato imediato '(olhares, trocas de olha- mas é nos extremos que se pode ler a dialética veladaaté das formas de teatro
res, talveztoques furtivos) e nesse contato experimente uma esfera peculiar-
mente "subdefinida" - nem inteiramente pública, nem inteiramente privada.
A imediata sensação de uma comunicação "problemática'; provocada pela
I moderadas; Não é s6 voluntariamente que os espectadores sãoínduídos nesse
teatro: como um rebanho, as pessoas correm de um lado para 0'plltro quando
grandes carroças são eJ.!1py rradas rapidamente através de uma-multidão reu-
relação corpórea ~ espacial, suscita uma reflexão sobre as formas de.com'por- nida numa tenda. Ora o p~bÜ~o 'é~m~nt~adà em um espaço estreito, ora é
tamento e a comunicação interpessoal. Por fim, nessa,sações está pr évísto um
I deixado sem orientação. Cria-se no teatro uma atmosfera claustrofóbica, que
espaço para a participação pessoal, não só "aut om átíca'tritas tárnbém inten- pode lembrar situações ocorridas em uma violenta manifestação de rua. Às
cional: os espectadores podem se decidir a seguir um ator em sua marcha em vezes uma pessoa é empurrada ~:~d~~eritepara- âanspa ço ,a. Ullla ação, ou
câmera lenta; certos textos propiciam leitura em voz alta e fala em conjunto pressionada por vários lados pelos.atores e pela-massa dos outros esp'eçta-
etc. O texto, os corpos e o espaço produzem uma constelação musical, arqui- dores. O públicoé assolado por músicas e tambores ensurdec~dores, luzes e
tetônica e dramatúrgica que resulta da combinação de fatores predefinidos e ruídos intensos, efeito;'pirqtécnicos; chega-se a temer pela integridade física
imprevistos. Cada indivíduo sente sua presença, ruídos, posição no espaço, o dos atores, expostos a circu~s1:ânéias aparentemente brutais. É certo que com
som dos passos e das palavras, sendo incitado a observar atentamente o todo o tempo a sensação de ameaça desaparece: percebemos que mesmo as ações'
da situação: o silêncio, o ritmo, o movimento. que mais pareciam oferecerrisco saci controladas com precisão.
Uma vez compreendido dessa maneira, como "situação'; o teatro dá Com essa situação teatral abandona-se por ~~mpleto-araéia tradicional
um passo ao mesmo tempo para a dissolução e a intensificação do teatral. de espaço teatral. OCórpo do.espectadcr se torna parte integrante da 'ence-
Esse passo, associado às tentátivas de entremear os papéis dos espectadores nação. Não há dúvida de quese trata d~ teatro..« não de uma manifestação
e atores já nos anos 1960 e 70, radicaliza de um modo sereno e tesponsa- ou do início de uma arruaça. E-ate possível reconhecer alguma temática nos
206 biltdade do espectador pelo processo teatral, que ele pod e contribuir para enigmáticos procedimentos de uma encen~ção do Fura: poder, dominação e 207
I
subordinação, autoridade, terror e víolêncía. Uma apresentação como MTM é Por fim, é inegável que certos inovadores do teatro constantemente re-
estruturada com precisão: pr ólogo; quatro e~ceVaç6'eisobreº. poder, epílogo. correm à estrutura do monólogo para encenar "solos" com determinados in-
Ao final de cada cena há um clímax que se p/á ~óm os assim chamados "cata- térpretes. Bastapensar em A agulha e o ópio [I:A.iguille et l'opium], de Robert
clísrnas-nexos": catástrofes qu~ criam um espaço vazio para a cena seguinte. Lepage, ou em Quatro horas em Chatila [Quatre heures à Chatila], de Jean
O tema é trabalhado de uma maneira ,I).1íticaoupoética, quase nunca de ma- Genet, em que a forma se torna meio para um discurso diretamente político.
neira explicitamente política. Isso era muito diferente no Living Theatre, em Em 1992 Ian Lauwers encenou a auto-apresentação de seu ator Tom [ansen
que interação com o pú blico era direta e e'{ident~mente política. Ali as pes- sob o título DANc:/da~O [scHADE/schade). Com uma sobriedade não-teatral,
soas se envolviam em discussões que - assim comonostumultos encenados Jansen conta ao público episódios de sua infância, fala sobre suas descobertas
pelos futuristas - até podiam levar às vias de fato. Se Esslin.jávia nisso uma sexuais, sobre a família, sobre a morte de seu irmão, tudo isso em pé sobre
problemática "manipulação da realidade" eum "caso-limite"!' - tratando -se um púlpito (o texto foi escrito pelo próprio Iansen) . Um exemplo extremo é
ou não d~' teatro ':'', desde então o teatro ~WJ9~o,U cada vez mais o limite entre a performance radical de Ron Vawter em Roy Cohn/lack Smlth, uma apresenta-
representação e situação. . --- - - ção designa~acomà ,ccsolõ.. teatral" em que o brilhante ator do Wooster Group -
já marcado pela Aids, que o mataria pouco tempo depoís « representa em
Solos .~e teatro, monólogos seqü ência o mal-afamado reacionário norte-americano R01' Cohn e um ho-
mossexual conhecido no meio em São Francisco. Também se destaca a pre-
..-
Vários diretores converteram dramas clássicos ou textos narrativos em mo- dileção do Wooster Group pelos textos de Eugene O'Neill (O imperador fones
nólogos, taiscomo KlausMichael Grüber (Fausto , com Bernhard Minetti, [The Emperor fones] e O macaco peludo), que tendem por si mesmos à forma
em 1982; O relato da criada Zerline [Die Brzãhlung der Magd Zerline], de mono dramática. Seria aindao caso de mencionar as versões de Müller dirigi-
Hermann Broch, com Ieanne Moreau e Hanns Zischler como ouvinte mudo das por Heiner Goebbels, como A libertação de Prometeu e Ou o desembarque
na penumbra [em 1983]) e Robert Wilson (Hamlet, um monólogo [Hamlet - desastroso [Oder die glücklose Landungs, e numerosos trabalhos de gente de
A Monologue], em 1994; Orlando, de Virginia Woolf, com Iutta ~.ll:mp~,em tea~ro mais jovem por toda a Europa. Contudo, para arrematar a noção basta
Berlim [em 19 89] e Isabelle Huppert em Paris [em 1993]). Diversas teatrali~-- ' ", apontar que mesmo o diálogo, ali onde ele ainda vigora,é privado justamente
zações de Senhorita Else [Fréiulein Else, de Arthur Schnítzler] e do monólogo daquilo que com seu auxílio era produzido e considerado como a arte do
.de Molly Bloom [em Ulisses, de Iarnes [oyce], por exemplo, atestam o desejo autor de teatro: a tensão elétrica voltada para a réplica e para a progressão.
de transpor textos da tradição literária para uma forma teatral monologada. A linguagem teatral que converte o campo textual do drama numa estru-
.Pode ser também que atores entrem em cena sozinhos para representar ou tura de monólogo com caráter de performance se manifesta de modo revela-
declamar todos os papéis de uma peça ou um texto - o que não é monólogo dor em Hâmfet; um monólogo, montagem de Robert Wilson que consiste em
em sentido estrito, mas um teatro concebido segundo o tipo do monólogo. uma longa interpretação mono dramática do drama de Hamlet. A preponde-
São exemplos disso Edith elever em Pentesiléia ou A marquesa de O... [de rância do monólogo 'em Hamlet foi diversas vezes constatada e geralmente as-
Kleíst], com direção de Syberberg, e MarisaFabbri em As bacantes, de Eurípi- saciada ao caráter reflexivo do personagem-título. Mallarmévia Haml éi como
des, sob a direção de Luca Ronconi. possibilidade exemplar de um teatro poético monologado, Hamlet-máouina,
de Müller, disseca o drama em mon ólogo. Wilson interpreta Hamle(~ alguns
208 11 Martln Esslln, An Anatomy ofDrama. 3' ed, NovaYork, 1979~ P.',,93. " dos principais personagens da peça com um texto reestruturado por Wolfgang 209
Wiens, começando com uma das últimas falas·do protagonista (que bem pode nifi ca observar as coisas à distância, corno um 'p ássaro que olha para o uni.
ter-sido escolhida como in ício vor caracterizar o teatro de Wilson): "HadI but verso do galho de sua árvore - diante dele se estende o infinito, cuja estrutura
time (as this fel! sergeant, death, is strict in his arrest). 0, I could tellyou - But temporal e espacial ele pode no entanto reconh ecer'l!'
let it be...". 12 Organizado à maneira de um jl ashback, o monólogo se constitui D e um modo esclarecedor e ao mesmo tempo enganoso, [an Kott com-
como reflexão e lembrança de Hamlet à beira da morte. Um esquadrinha - para o grande monólogo nos dramas de Shakespeare com o close-up cine-
menta.lírico-épicode sua pr ópria história torna o lugar do decurso dramático. matográfico." No entanto, a função à primeira vista análoga - o isolamento
A reestruturação do texto deixa claro que na verdade não se trata da história do protagonista - pode assumir um significado quase que totalmente oposto. '
dramática dos feitos e não-feitos de Hamlet. Trata-se muito maisde um pro- O monólogo teatral de fato oferece uma visão do íntimo dos protagonistas"
cesso de questionamento e reflexão disfarçado em uma narração monologada assim como o close-up o faz à sua maneira. Mas o que acontece na percep- '
(não é o caso de discutir aqui se é possível ler o drama de Hamlet exatamente ção cinematográfica do rosto em destaque ésobretudo a desmontagem da
dessa perspectiva e se, por conseqüência, a adaptação pós-dramática corres- v~vêr:~!~ ~? espaço. Como aponta Deleuze, o olhar do espectador de cinema
ponde exatamente à seu objeto.) No processo textual, frases ditas por Hamlet apreende um "espaço qualquer': O dose rompe a suposição de realidade do
(bem como por outros personagens) em diferentes etapas do drama são com- contínuo espacial. Enquanto o espaço qualquer do dose nos conduz para fora
binadas e se elucidam mutuamente sob uma nova luz. Tudo isso é conectado da realidade e nos afunda no fantasma, o monólogo de personagens sobre
pela voz de WilsonlHamlet e pela música de HansPet er Kuhn, o palco reforça a certeza de nossa percepção do acontecimento dramático
Aatuação de Wilson é tão abertamente distanc íadae desprendida, a ento- COmo uma realidade no espaço do agora, atestada pela i~pÚCaçao direta do
, nação das diversas vozes (às vezes femininas) tão "demonstrada': que a mon- público. É essa transgressão dafronteira do universo dramáticoj maginário na
tagem poderia muito bem se chamar "Robert Wilson - uma interpret~ção situação real do teatrogt1.~_!~ya a um interesse específico pela forma textual do
de Hamlet diante do espelho". Ele se exprime em registros vocais que.vão do monólogo e pela teatralidade específica Ügadá'ao monólogo. Assim, não foi
esganiçado ao aveludado, do falsete ao murmurad0i,uma impostação decla- por acaso que se constituiu um amplo campo teatral pós-dramático em torno
matória que beira a paródia, citando o estilo dos atores cÍê'ge'ra-ç6es anteriores, dessa essência do monólo.g9, _
se alterna com ritmos de fala naturais -A cada instante a citação do texto de Pode-se d ístin guír no teatr~ ~~-~b:~"d; comüriicàção intracênj~o e um '
Hamlet perm anece consciente' como inaterial para a pessoa do intérprete - . eixo ortogona19~e diz respeito à comunicação entre-o p'a1co e olocal ~ià pla-
que ademais declarou que essa representação era p~ra ele uma questão bas- téia, díferenciado (real,ou estruturalmente) do palco. Levando em conta que
tante pessoal, e que por isso mesmo encarou de frente O risco de ser "velho a palavra grega "théatro'n"'d~signa originalmente o espaço dos espectadores e
demais" para o papel. Aliás, nos anos 1990 o "formalismo" do teatro de Wil- não o teatro todo, 'chamemo~' ·b'-se'g uh.do eixo de "eixo-théa tron': Os diversos
son realmente abrandou-se em favor de uma expressão de sentimentos mais tipos de monólogo, a apóstrofe ao público e a perform ance solo têm em co-
pessoal, ganhando mais psicologia e poesia e assim deixando espaço para que mum o recuo do eixo intracênicoein prol do eixo-th éatron. A locução do ator
a pessoa de Robert Wilson pudesse se revelar e se expor. Mas o que significa passa a ser acentuada como alocução ao público e seu discurso como dís-
-. I J
formalismo quando se fala dele como Wilson? Ele afirma: "Formalismo sigo

13 Robert Wilsqn, apud Holm Keller, Roberi Wilson. Regie im Theater, Frankfurt um Maln,
1997. pp. 105-06. ' ,---
210
12. "Se me restasse tempo (esse beleguírn, a morte, é rigoroso ao fazer uma prisão). Oh, eu
poderia lhe contar - mas não importa..:' (Ham/et. ato v, cena n). (N:T.1 I, ,

14 Ian Kott, Shakespeare Heute. Berlim, 1989. p. 2.92..


j
I

211

I
I
curso da pessoa real, de modo que a expressívídade de seu discurso se revela sintoma e indício do deslocamento pós-dramático do conceito de teatro. Ali
mais como dimensão "emotiva" da locução do ator d9 qt.:e como expressão da onde se evid.l':ncia, de ill.:0do conceitual e não apenasacidental, a presença dos
emoção do personagem representado por ele, Com Isso atualiza-se uma cisão atuantes, seu contato com os espectadores do acontecimento cênico, é o caso
latente do teatro: o discurso teatral desde sempre foi intracênico, dirigido de de se falar de monologla como modelo fundamental de teatro. Esse modelo
ator para ator, e extracênico, dirigido ao ihéatron. Dessa conhecida duplici- se encontra fora do terreno do drama, definidopor Northrop Fryecomo "mí-
dade de todo teatro, o teatro pós-dramático extraiu a conseqüência de que em mese do diálogo".
princípio deve ser possível levar a primeira dlniensão à beira do desapareci- A maior parte dos estudos sobre o monólogo se apóia na polaridade'diá-
mento e ativar a segunda para lograr utna nova qu~ltâade de teatro. logo/monólogo, subjacente à análise do drama, e se concentra no texto, de
.Com isso, torna-se problemática a ncWão da semiótica do teatro de que o modo que deixa de perceber a sutileza teatral das monologias. Distinções
drama; naqualidade de texto teatral, sempre se baseia na conjunção de dois como "monólogo acionaiversus não-acíonal" 17 ou a tese de que a convenção
sistemas de comunlcação. Evldéncía-seantes a concepção de que pode haver do mono' ogoI "estílíza
'1'" como "fi··
orma normal"o"caso patológico especial"
teatro como "sistema de comunicação exterior", sem nenhuma ou quase ne- quando se fala-Ernvoz alta,provêm do esquemada representação maisou me-
.nhuma "configuração de um sistema de comunicação fictício interno'." Com fIOS realistade uma ação dramática e induzem a análise do teatro ao erro,por
freqüência, tal teatro é apressadamente considerado-como algo "aindasubor- mai~/que possam ser proveitosas na análise do drama. Ademais, o monólogo
dínado tipologicamente ao drama, no máximo como metadrama ou metatea- pareceter a peculiaridade de atrair interpretações improdutivas para a teoria
tro';16 o que só é possível supor mediante o equívoco de compreendero drama do teatro. Talo caso, por exemplo, da tese corrente de queo monólogo exprí-
encenado c~mo"drama". Noteatropós-dramático a situação teatralnão é me- mir~a solidão, distanciamento interpessoal, incapacidade de comunicação ou
ramente acrescida à realidade autônoma da ficção dramática,masse torna ela mesmo "comunicação perturbada"," Do ponto de vista da estética teatral, o
mesma uma matriz em cujaslinhas de energia se inscrevem Os elementos das que se pode afirmar, ao contrário, é que somente no sistema dialógico é pos-
ficções cênicas. O teatro é enfatizado como situação, não como ficção. sível fazer transparecer a precariedade da fala na qualidade de comunicação
Uma das possibilidades de fazerrecuar o aspecto denotativoda.linguagem en!re os homens, ao passo que um monólogo, como discurso que tem o pú-
em proveito de sua realidade teatral consisteem reforçar o procedimento de blico como destinatário, intensifica o fato da comunicação - nomeadamente;'
apóstrofe em relação ao eixo-théatron. Isso pode assumir a forma do lamento, daquela que se desdobra hic et nunc no teatro. Em contrapartida, no caso de
" da oração, da confissão - ou melhor, "auto-acusação" - ou do "insulto ao um teatro que se retrai "absolutamente" por trás da quarta parede (Szondl)
. público". Mas não só o discurso e a voz, como também os corpos, os ges- e ali dá lugar à mais desenvolta comunicação dialógica, poder-se-ia dizerque
tos, a individualidade idiossincrática de um ator ou performer são "isolados" eletolhea comunicação no teatro. Sob a perspectiva do teatro, destaca-se uma
(Mukarovsky), ou seja, expostos no quadro cênico uma vez mais mediante valoração-eIõ-monólogo diferente daquela conferidapelo texto dramático. Evi-
um enquadramento especial. Já que nessa tendência do teatro pós-dramático dentemente, não se deve inferirdessa análise que os monólogos não poderiam
não se trata simplesmente da aplicação do monólogo como forma textual, de modo algum representar a ausência de comunicabilidade. Basta pensar no
é preferível usar um neologismo: trata-se de "monologías'; que podem ser sinistromonólogo do velho à beira do leito de morte de sua mulher em Gust,
./

15 Manfred Pfister, DasDrama. Munique, 1988, p. 33ó. 17 Ibíd., p. 190.


212 16 Ibld, 18 Ibíd., p. 182. 213
de Herbert Achternbusch: na linha de seu monólogo EUa, Achternbusch coro'." Umalinha coral atravessa a dramaturgiaclássica desde O acampamento
mostrá aqui, por meio da solidão do monologuista, como as pessoas comuns de Wallenstein [Wallensteins Lager, de Schiller] até A morte de Danton [Dan-
podem se tornar "bíblícamenteassustadoras" (Benjamin Henrichs), tons Tod, de Büchner]. Num contraste com o "diálogo vinculado", que con-
serva um caráter "antitético" mesmo com a presença de vários falantes, Bauer
Teatro de coro mostra que em uma cena como o quarto ato da Morte de Danton o que se dá
é mais uma polifonia do que um diálogo: os oradores individuais como que
A par da "comunicação perturbada", a teoria do monólogo concebeu uma contribuemcom estrofes para um coro de lamentaçãocoletivo."Todavezque o
outra fundamentação para a monologização do diálogo no drama: a forma drama mobilizaum certo número de personagenspara descreverum universo, .
dialógica é frustrada não só por um Intransponível abismo do conflito, mas há uma tendência ao coro na medida em que as vozes individuais se somam
também por um amplo consenso dos falantes. Dessemodo, o que ocorre não é para constituir um coro geral, mesmo que formalmente não haja nenhuma
tanto que os personagens falem sem escutar uns aos outros, mas que todos fa- .locução coral. Há uma afinidade entre a monologízação e o coro. Na época
lem na mesma direção, por assim dizer. Em face de uma tal linguagem - não das m1alas, o centro do teatro é ocupado justamente por essasduas formas de
conflituosa, mas aditiva -, tem-se a impressão de um coro. Szondi observou locução que rompem com o fechamento dialóglco do universo dramático.
isso em Maeterlínck,por exemplo. É um traço sintomático do teatro pós-dra- Assim como a monología, o coro (já em sua qualidade de massa) pode
mático o fato de que a estrutura díalóglca sejadissolvida em favor de uma funcionar cenicamente coma espelho e parceiro do público. Um coro encara
estrutura de monólogo e coro. A primeira vista pode" parecer inusitado sus- um coro: o eixo-théatron é espelhado. Um coro oferece ainda.a possibilidade
tentar uma dimensão de coro no teatro moderno, que parece ter abandonado de manifestar um corpo coletivo que estabelece relações com fantasmas so-
o coro há tanto tempo e de modo tão ostensivo. Contudo, o desaparecim~pto cíaise anseios de unificação. Evidentemente, não se requer multo esforço
do coro talvezseja uma realidade apenas superficial, que mascara uma-tema- para fazer o público ass6Ciãr o coro com massas humanas reais, com o'povo,
tica mais profunda" a coro contraria a concepção do individuo inteiramente desligado da coleti-
Em todo caso, é inegável que no teatro pós-dramátíce-dá-sé um retorno vidade e ao mesmotempo modifica o status da linguagem: quando os textos
do coro. Em 1995, GerardjanRijnderse Anatoli Vassíliev tomaram as Lamen- são pronunciados eJl:l~o--;:õ'óu pOY dramatis·perso.nqe.gu~_ erguem suas vozes
tações de Jeremias como tema em trabalhos simultâneos. Coros falados e em não como indivíduos, mas como componentes de umco~;Ccoretivo, a rea-
movimento e evocações cantadas, plangentes, freqüentemente substltuíram o lidade própria da palavra, seu tom ~ seu ritmo são percebidos de um modo
drama e o diálogo. De Serban a Grüber, diversas montagens de tragédiasanti- novo. A voz coral sigí1ia~a manifestação do som não-apenas-individual de
gasenfatizarama dimensão do coro. É incisivo o paralelo de coro e monólogo uma pluralidade de vozes eao.mesmo tempo reunião dos corpos individuais
no grupo Hollandia,que por um lado encenou tragédiasantigasno espíritodo em uma massa, como "força" Talvez seja menos evidente que a combinação
coro (Os persas, As troianas) e por outro reuniu dois solos baseados em textos das vozes no coro também leve -aum distanciamento e a um literal extra-
de Duras e Pasolini sob o título Duas vozes (Twee Stemmerú. Encontram-se
aqui manifestamentereunidos dois temas paralelosdo teatro: a redução aO la- ,,
19 Hans C. .Angerrneyer, Zuschauer im Drama. Brecht, Dilrrenmatt, Handke, Frankfurt arn
mento em forma de coro e monólogo e a retomada de textos da Antigüidade. , . ....! "
Main, 1971, p.119. ' .. '
O interesse paralelo pelo coro e pelo monólogo tem um bom motivo. Já foi 20 Gerhard Bauer, ZurPoetik desDiálogs. Leistung undFormen derGeschpriichsfiihrung in der
214 há muito observada a "tendência dó monólogo de passar a uma locução em neuel'en deutschen Literatur.. Darrnstadt, '1977, p~, 71-72. 215
via da voz. O coro ergue urna-voz em-cujas ondassonoras a voz individual como coros: Os soldados (Die Soldaten, de Lenz], Os tecelões (Die Weber, de
• .. ' . .. . \ ··· c, _ .
não some completamente, mas tamb ém hão mais participa em sua qualidade Hauptmann], Os bandoleiros [Die Rãuben, de Schíller] etc.22 "As peças ale-
própria; ela ressoa como elemento sonoro d~ uma voz-coro estranhamente mãs'; afirma Schleef, "variam o tema da ceia, a necessidade da droga, [.,,]
aut ônoma, que nem é individual nem é apenas abstratamente coletiva. Se a sua apropriação por um coro e a individualização de um membro deste pela
voz individual, embora ainda possa ser"~~~id~, -~ão pode mais ser destacada traíção,"" Nessa perspectiva, ele lê na produção dramática a concomitância
do espaço de ressonância de toda a voz-coro, o coro fala ..em cada falante
. -...... .... de uma evidente supressão e de uma secreta persistência da dimensão coral;
particular. O som que emana do corpo individuarf1~~ua como uma entidade Fausto e Parsifal seriam as obras sintomáticas nas quais a "droga" atua como
aut ônoma sobre o coro: voz espectral que perten ce a uina espécie de corpo catalisador (o sangue na ceia em Parsifali po ções mágicas, drogas mortais e
intàm ediário. Ó resultadoéum interessante paralelo do coro' com' a máscara. drogas estimulantes em Fausto).
Quem ~b'~érva umfaiante. ex.p~~!menta Intensamente a concatenaç ão do som Na encenaçãoem coro de Puntila deBrecht por Schleef apenas o "Senhor",
com aquele rosto individual. Por outr« 'Iãdo, 'quand e .cuvlmos alguém falar permanece como figura individual. Assim coma Kant ór entrou em cena
por trás de uma máscara (ou quando falamos por trás de uma mascara) a voz como diretor, S;h'l~eJfica'no palco como diretor e comoPuntila. Em contra-
parece ser estranhamente separada do eu, pertencente apenas ao personagem partida, o "herói positivo" de Brecht, Matti, torna-se massa de coro. O eixo
./

(à máscara) e não mais à pessoa'que fala. -, de representação dramático entre o pai Puntila e a fi lha Eva (Iutta Hoffmann)
Einar Schlé~f vinculou a hist6ria do drama moderno em geral ao destino é preservado tão-somente como reminiscência de um dos temas prediletos
do coro. O drama clássico teria desalojado o coro antigo, particularmente o de todos os dramas burgueses: a relação delicada e ambígua entre pai e filha.
coro feminino. Para Schleef a exclusão da mulher e do coro feminino está As encenações de Schleef emforma de coro suscitaram muitas discussões e
estreitamente relacionada à "rejeição da consci ência tr ágica'; e esta só pode grandes controvérsias. No espectro pós-dramático,seu teatro é o que recorre
ser reconquistada mediante a "reíntrodução da ~ulher no conflito central', já de modo mais explícito ao coro. A relação entre coro falado, coro em movi- ,
que o teatro burguês só conhece a associação e o.coro masculinos." De fato, menta e espaço, a engenhosidade dos ritmos, inquietante; configuram um
dá o que pensar o fato de que nos textos de Heiner Müller haja uma-efetiva. ,. . , " Idioma teatral singular, que requer uma abordagem detalhada, a começar por
proeminência da mulherassim como do coro feminino (Electra/Ofélia/coro; seu aspecto auditivo. Contudo, ela ultrapassaria os limites desta visão geral,
• o anjo do desespero e da traição como mulher; Dascha, Medéia etc.): elas que aponta os aspectos mais importantes da estética coral, sem se deter em
; equilibram O eu cênico masculino, que mal seria constituído sem sua relação sua~ configurações particulares.
. ambivalente com a mulher. Segundo Schleef o drama moderno rompeu Co111 . Em outra perspectiva, também podem ser mencionadas como sintomáti-
o coro antigo porque queria obnubilar a relação entre o coletivo e o indi- , cas de um.a.p~s en ça não-dr amática dos atores em coro as "sessões" de Chrís-
víduo: o nascimento do ln div íduo burguês corta O cordão umbilical com a toph Marthaler,como Murx, o Buropeul [Murx den Europãer!] ou Hora zero, '
realidade coletiva para poder erigir o sujeito burguêsem toda a sua grandeza. oua artedeservir [StundeNulloder die Kunstdes Serviel'ens]. Além da ausên-
Uma nova forma de teatro s6 pode se ligar aos restos e às figuras descartadas cia do drama, destaca-se aqui o princípio da "atração" que funciona corno
em que ainda está preservado o modelo fundamental do eixo coro/ind iví- no teatro de variedades ou no circo. O interesse é mantido por meio de con-
, F
/-

duo. Assim, muitos dramas alemães clássicos poderiam ser lidos basicamente ../ ..»::

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2.2. Ibld., pp. 10-11.
216 21 ElnarSchleef Droge, Faust, Parzivai. Frankfu rt am Maln, 199;r,'P. ió, 23 Ibld., p. 7. 21 7
I
I

tínuas surpresas e mudanças no ordenamento. Marthaler encena estruturas debate, decoração e filosofia se juntam na prática'teatral. Assim, pode surgir
pO'ético-musicais. Poemas,e canções escandem as cenas. O que predomina uma idéiacênicaa partir da combinação de uma posição teórica, de um dado
aqui não é uma dinâmica de seqüência e conseqüência, mas um retorno sem- técnico, da expressão corporal de um ator e de uma Imagempoética, a partir
pre renovado do tema, à maneira de um mosaico. Já é emsi contradramático de uma discussão entre íluminador, diretor, ator e autor. Isso é a sua "rizo-
o enfoque no cotidiano das relações amorosas entre pequeno-burgueses: mátlca" estruturada de maneira heterogênea. Em cada um de seus elementos,
ciúmes mesquinhos, desejos sexuais insatisfeitos, as habituais.hostilidades, ela aponta para além do teatro, para a "vida real". Uma vez que o teatro é ao
reconciliações lamuriosas. Trata-se de um cosmos da mediocridade, de um mesmo tempo ato artístico e parte da vida cotidiana de uma comunidade, um
estado que deve se tornar reconhecívelpor meio de fatos menores, sem coli- de seus temas básicospode ser sua relação com o cotidiano,
sões dramáticas. Para tanto, recorre-se à forma do coro social, que certamente Desde os'anos 1970 o teatro procura espaços onde possa, como arte, se
se compõe de vozes individuais e nem sempre se unifica em canto coral, mas aproximar das atividades da vida e do trabalho e s~ deixar inspirar por elas.
mesmo na alternância das vozes conserva seu caráter geral de coro, - . "N:().~ .,~nq_s,,~9S0 ecoobserva-se uma tendência não tanto a integrar o coti-
São raros aqui os textos dramáticos; há sobretudo cantos, récitas e discur- diano à arte teatral, mas a ocupar espaços públicos com teatro até o limite
sos. As numerosas canções corais sinalizam o anseio coletivo pela harmonia. da possibilidade de reconhecimento como ocupação estética, e mesmo além
As cenas, em contrapartida, consistem em meras perversidades, pequenos e desselimite. Assim, "peças didáticas" de Brecht são lidas em postos de assis-
grándes des~ntendimentos, apreensõese fanfarroníces. Nos cantos populares tência social para provocar debates. Assim, ern.Münster é encenada como
as tensões são harmonizadas, e o canto coral torna audívelsua belezaapesar ação teatral uma ação'que normalmente permanece no âffibTt6Cla assistên-
das rupturas, Assim, por meio do coro a cena se torna um esclarecimento cia social: a distribuição gratuita de alimentos para centenas d$necessitados.
musical e uma crítica ideológica convincente. A presença quase contínua-de Assim, o teatro é en".~l,::ido em todos os processos possíveisdesocíalizaçâo,
~odos os atores no palco contribui muito para esse efeito. Em contrastecom pedagogiae pedagogia terap-ê~tici,éfêitocorri'incapacitados ou cegos. Tudo
o característico sistema de entrada em cena e saída de cena do teatro dramá- isso se dá sem que fique sempre claro se a arte se inspira no' que lhe é alheio
tico, quando se opta por uma presença "c~ral" de tcd ósos participantes, na ou se ela se inscreve na .p.Lá!~~~ heterogênea de outros campos sociais. De
qual os atores que não estão atuando no momento permanecem no palco, fato, no decorrer dessas ações ~~:-de-~ções'seirieTliatites podem .surgir sérias ' ·
todos aparecem como coro social. Seria possível acompanhar o desenvol- discussões entre os 'participantes sobre a'sua "pertinência' vteatral. "
vimento dessa estratégia de encenação no novo teatro desde as encenações .Porsua própria'tend ência, o teatro p ós-dramático é "teatro a~ontode des~­
de Tchekhov por Otomar Krejca até Marthaler, passando pela montagem de parecer';" Ele atualiza'~ 'c'a ~áter de celebração que lhe é imanente como gê-
nero, o caráter de uma reuniã(j'e de um acontecimentoeminentemente social
Os veranistas por Peter Stein.
e mesmo político, mas também atualiza sua condição como ação inteiramente '
real e elaboraessecaráter com recúrs ósteatrais. Encenada em uma dinâmica
Teatro do heterogêneo
temporal, a estrutura "teatro" se apresenta sobretudo como"·iliCidente".
. "
Em cada época, o teatro também é definido pela maneira como é percebidoe
tematizado o fator do heterógêneo, sistematicamenteimanente a ele. O teatro
abrange in nuce toda a escalados trabalhos, atívidades e possibilidades de ex- , J

21S
pressãohumanos, um mundo em miniatura. Técnicade.som e fest~, dança e 24 HerbertBlau, Take up theBodles:'Iheater at the\Tanishing Point. Chicago, 1982. IN.E.) 219
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.Teatro e performance

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Ulfl ~~mpo Intermediário


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o trat ame nto diferenciado dos sign os teatrais acaba por tornar fluidas
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as fronteiras que separ.am~0 teatro das práticas artísticas que aspiram a
uma experi ência real, CÓll10 a "arte perform átíca" Recorre ndo à noçã o de
"arte conceitual" (tal como .floresceu no início dós anos-,1970, sobretudo),
é possível entender o teatro pós-dramático como um a tentativa de con-
.--.- . . . ceitualizar á arte nó sentido de própor não uma representação, más urna
experiência do real (tempo, espaço, corpo) que visa ser imediata: teatro
conceitual. A imediatidade de toda urna experiência comp artilhada por
artistas e público se encontra no centro da "arte perfórmátíca" Assim, é
evidente que deve surgir um campo de fronteira entre performance e
teatrõ à.medida que o teatro se aproxima cada vez cie um acontecimento
e dos gestos de auto-representação do artista perforrnátíco - ain da mais
quando nos anos 1~80 se verifica uma tendência inversa, de t éatralízação
da arte perforrnátlca. Roselee Goldberg atribui esse desenvolvimento a
artistas como Jesurun, Pabre, LeC6mpte, .Wl1so11 é Lee Breuer, C~l§.ga­
se a uma. nova associação de ópera, performance e teatro. Al:(m des-
ses artistas, Goldberg menciona os grupos italianos Falso Movimento e 223
La Gaia :Scienza , o grupo catalão La Fura deIs Baus e Ariane Mnouchkine, (symbolized matrixJ, Kirby se refere a um ato r quemanca co mo Édipo . Mas
entre outros.' ele não repre senta o ato de man car: é obrigado a isso por uma' tala em sua
A performance se aproxima do teatro ao explor ar estr uturas audi ovisuais calça. Portanto, ele não imita o ato de mancar, mas apenas realiza um a ação.
elaboradas, ao expandir o uso das tecnologias mi diáticas e ao alargar seus Se o contex to é acrescido de signos que vêm defora, sem que o ator os pro -
proce ssos no espaço e no tempo. Já o teatro experimental se "encur ta" sob a duza, pode-se falar de "atuação admitida" [received acting] (numa cena de bar,
influência de ritmos de percepção mais acelerados: não mais se .orientando . alguns homens jogam cartas em um cantai não fazem nada além disso, mas
pelo desdobramento psicológico das ações e dos personagens, ele pode se são percebidos como atores, parecem atuar) . Quando se acrescenta uma par-
conten tar com apresentações de uma hor a ou me nos . Do ponto de vista das ticipação emocional clara, uma vontade de comu nicar, alcança -se a etapa da
artes plásticas, a arte perforrná tíca se afirma como expan são da representação "atuação simp les" (simple acting]. Os performers do Living Theatre passam no
da realidade em imagem ou objeto por meio da dime nsão temporal. Duração, meio do público e declaram, engajados: "Não posso viajar sem passaporte";
instantaneidade, sim ultaneidade e irrepetibilidade se tornam exp eriênc.ias . _"Não posso tirar a roupa" etc. As declarações proc ed em, não são ficções, mas
temporais em um a arte qu e não m ais se limita a apres entar o result ado final h~'llve"üniã-atuação simp les. Apenas quando se acrescenta a ficçã o pode-se
de sua cr iação secreta, mas passa a valorizar o processo -tempo da consti- falar de "atuação com plexa" [complex actingJ, de atuação n o sentido pleno
tu ição de imagens como um procedimento "teatra l': A tarefa do espectador do uso habit ual do termo. Este se aplica ao ator, ao passo que o performer se
deixa de ser a reconstrução me nta l, a recríaç ãce a p aciente rep rodução da move pri ncipa lm ente entre a "atuação simp les" e a "n ão-atuação".
imagem fixada; ele deve agora mobilizar sua própria capacidade de reação e Para a performance, assim corno para o teatro ' pós -dramátíco;» que está
vivên cia a fim de realizar a participação no processo que lhe é oferecida. em primeiro plano não é a encarnação de um personagem, mas a vividez, a
Muitas vezes, o ator do teatro pós -dramático não é mais alguém que r~pre­ pr esença provocante do homem. Aliás, valeria a pena examinar mais espe-
senta um papel, mas um performer que oferece à contemplação sua ~tes'ença cificarnente como as nóvãs forrnas teatrais alteraram o perfilr~q~erid6- dos
no palco. Nesse 's entido, Michael Kirb y faz uma distinç ão entre "atuação" e atores em relação ao teatro dramático, No decorrer desta investigação men -
"nã o-atuação" [a cting, not-acting] ao abordar a passagem de-urna "atuação cion am-se alguns aspectos dessa ques tão - como a técnica da presença e a
com ma triz integral" a uÍ11a "atuaçãosem matriz" (full matrixed actlng, non- dualidade Incorporação/comuríicãçãrr -'-,mas eles.nãq pq~em ser aqui abor-
matrixed actingJ,2 Para além das diferenciações técnicas, sua análise é pre- dados de modo abrangente. -.
~.

ciosa po rque deixa ver com clareza o terreno situado "por baixo" da repre sen -
tação clássica. A "n ão-atuação" se refere a uma presença na qual o ator não Posicionamento per fcrmatívo
-,

faz nada para refor çar a informação transmitida por s,:a atividade (por exem- . -.......
plo, os auxiliares de cena no teatro japonês). Não estando vinculado à ma- ·A performance foi corretamente qualificada como "estética integrativa do vi- ·
triz de um contexto de rep resentação, ele se encontr a aqui numa situação vente';' No centro do procedimento.performático
. (que não compreende .ape-
de "atuação sem matriz': Na etapa seguinte, denominada "matriz simb olizada" nas formas artísticas) encontra-seu ma "pro dução de presença" (Cumbrecht),
a intensidade de uma ~ o m un icaçãó "face a face" que não pode ser substituída

Roselee Goldberg, Performance Arl: from Fulurism to the Present. Nova York, 1988, , I ,. . ' .

PP· 194-95. Karlhelnz Barck, "MaterlalítãtMatert allsmus, Performance': in Hans U. Gurnbrecht e Karl
224 2 Michael Kirby, A Formal/si Theaire. Pensilvânia,1987, pp. 3-4. L. Pfeiffer (orgs.), Mal~rial/tiit. derKomm~iklltiorf. Frankfurt arn Main, 1988, pp. 121-38. 225
, \

por processosde comunicação trahsmitídos p()r interface, por mais avançados do pensamento da performance. Com isso certamente foi dado um passo
que eles sejam-E assim cO,mo'naarte ·p erfor~ática. se chega à renúncia dos bem maior para a perda dos critérios artísticos que se impunham à obra tom
\ ... ..
critérios' de valor, também no novo teatro a própria prática da montagem rei- facilidade e permaneciam aplicáveis. Se o que apresenta valor não é a obra
vindica uma "validade" estéticada performance que antesnão existia: o direito "objetivamente" apreciável, mas um procedimento com o público,tal valor de-
de posicionamento performatívo sem fundamentação em algo a ser repre- pende da experiência dos próprios participantes, portanto de um dado alta-
sentado. A validade do teatro não derivad~' ~ll1 "modelo" literárlo, ainda que mente efêmero e subjetivo em comparação com a Obra fixada de modo dura-
'possa de fato corresponder a ele. Isso tem levado a uma considerável confusão douro. Torna-se impossível até mesmo definir a performance - por exemplo,
no campo da teoria literária.WolfgangMatzat, pôqxemplo, refere-se ao caso O limite a partir do qual haveriameramente um comportamento exibicionista
em que o procedimento da própria representação te~tràl toma a f~ente do pro- e extravagante. O último recurso não pode ser outro senão a compreensão do
cesso dramá tico representado 'e diz-se preocupado com o "teatro teatral" por- . próprio artista: a performance é aquilo anunciado por aqueles que a apresen-
que nele' predomlnaaj'perspectlva teatral". Ele menciona como exemplo tão- tam. O posicionamento performatívo não se pauta por critirios prévios, mas
somente o teatro do abs~;d~,a~lâdo cfi'fiifsà e:da"commedia dell'arte - isso por seu êxito nq.cQl]1unicação.
em 19'82 -, e já aí assevera o perigo de que uma "extrema ênfase da representa- É entãoinq~esti~nável que o público, na condição de parc~iro participante
ção teatral" faça o teatro parecer "particularmente vazio": "Os procedimentos no tea~}o e não mais de mera testemunha exterior, decide sobre o êxito na co-
apresentados se tornam significantes sem signíficãdõs, símbolos sem sentido; munica ção. Com isso surge uma inevitável proximidade com os critérios da
já que não podem ser preenchidos com um teor emocional';" Restasaber por comunicação demassa. É o reverso dalibertação do teatropara o posicionamento
que uma montagem não poderia conter nenhum teor emocional em sua pró-
o• • • _ _ '" o
performativo que lhe abre ao mesmo tempo um amplo espaço para novos esti-
pria realidade. De todo modo, tais julgamentos equivocados chamam ainda los de encenação. A montagem, sistematicamente inserida entre ~m pré-texto
111ais à atenção para a necessidadede se analisar com precisão o deslocamento e uma recepção, desloca o peso de sua balançapara esse último pólo. O teatro
do lugar e das estruturas da comunicação teatral'no teatro pós-dramático. precisa deixar de ser obra oferecida como produto coísificado.Irnesmo que essa
A introdução de uma fratura entre o representado e o processo de repre- obra reificada seja composta de modo processual) para assumir-se como ato e
sentação nas formas teatrais antíílusionístas e épicas certamente tia:n lovas·. momento de uma comunicação que não só reconheça o caráter momentâneo da
propostas de percepção; mas a posição do observador permanece essencial- "situação" teatro - portanto sua efemerídade tradicionalmenteconsideradacomo
mente inalterada: ainda que o público seja provocado,sacudido, mobilizado deficiência em comparação com a obra durável - , mas também o afirme como
.socialmente, politizado, encon tra-se "diante" do palco. Aos olhos dos mo- fatorindispensável da práticade uma intensidadecomunicativa.
. dem os, a medida do "real" não havia sido suficiente no antigo teatro da ilu-
são, e com isso chegou-se às estratégias de quebra da ilusão. Contudo, esse Autotransformação
argumento da falta de realidade podia retorna-r estruturalmente e ser também
dirigido contra o teatro moderno. De fato, este é percebido de modo mais A discussão do entrecruzamento de teatro e arte performática.no âmbito do
consciente, mas nem por isso se privilegia a realidade da própria situação do teatro pós-dramático deve levar em conta o seguin~e deslocamento de pers-
teatro, o processo entre palco e público. Justamente isso veio a ser o cerne pectiva: se no teatro os artistas apresentam uma realidade que eles trqnsfót:"
mam artisticamente por meio de materiais ou gestos, na arte performática a
226 4 Wolfgang Matzat, Dtamenstruktur ul1d Zuscnauerroíle. Muniq~e, 19 82, p. 54.. ação do artista está menos voltada ao propósito de transformar uma realidade 227
que se encontra fora dele e transmiti-la com base em uma elaboração estética, aqui em questão. Ela não só traz à tona momentos ao vivo inauditos, como
aspirand o antes a uma "autotransformação'" O artista performático (com também modificou perenemente o modo de pensar a arte. O que se pretende
muita freqüência uma artista) organiza e realiza ações que afetam o próprio apontar aqui é a opção de ponto de partid a quanto à relação da vida real com
corpo. Na medida em que seu corpo não é usado somente como sujeito do a arte: o distanciamento estético, mesmo radicalmente reduzido, ainda é ou
manuseio, mas também como objeto, corno material significante, anula-se não O princípio da ação estética?
o distanciamento estético tanto para0o próprio artista quanto para o público. De fato, a questão da autotransformação virtualmente radical na perfor-
Artistas como Chris Burden, que se deixou atingir por um tiro, Gina Pane, mance e no teatro tem como pano de fundo a questão da opção ética. Roselee
que Jacerou sua língua com uma lâmina de barbear, e lole de Freitas põem Goldberg cita uma frase de Lenin (I), "A ética é a estética do futuro'? que ins-
em questão O status da diferenciação estética e sobretudo a posição em que pirou o título de uma performance de Laurie Anderson de 1976: Ethics ar the
o espectador é situado. Também no teatro é possível chegar ao momento da Aesthetics af the Few(ture).8Também no teatro o corpo pode se expor a riscos,
autotransformação, mas ele cessa no limiar da sua absolutízação. O ator c~r­ " _O".Ji.so::~_~.:te teatral;"onde sempre são fluidos os límítes. entre o mostrado e o
tarnente quer realizar momentos únicos, mas quer também repeti-los. Pode mostrar, o corpo é sempre usado como material.Talé igualmente o caso no balé
ser que ele rejeite a idéia de ser o outro de um personagem e represente a si clássico, que requer uma disciplina torturante - o que pode ser discutido como
mesmo; talvez atue como um ator épico, que "mostra'; Ou ainda como um per- prática radical (e também questionável) nos trabalhos de Schleef, Fabre e outros.
joime: que usa sua presença como material estético primordial. Mas ele quer A diferenciação entre performance e teatro (sabemos: não há uma fronteira in-
repetir o processo na dia seguinte. A manipulação irrevogável do próprio teiramente nítida) se encontraria ali onde não só há uma situãção na qual o
corpo pode chegar a acontecer, mas não é a meta. corpo é "aproveitado" como materialno processode significação, mas onde essa
, . 0 /

O próprio performer pode se oferecer como vítima de um sacrtfícloro situação é expressamente provocada com o objetivo da autotransformaçã ç, Em
público pode ser culpabilizado pai: sua experiência participativa e passar a princípio, o perfor~~; ';:fot~'~"tro nãoOquOer trOan sformar a si mesmo, mas trans-
ter ele mesmo opap el de v ítima." a performance pode se transformar em formar uma situação e talvezo público. Em outras palavras: mesmo no trabalho
automanipulação que chega ao extremo do sup ortável'<-de todo modo, há teatral o mais oríentadopara a presença, a transformação e o efeito da catarse
sempre uma analogia com rituais arcaicos, que uma vez realizados fora do permanecem virtuais, .v.õlun7drio~eJutüros; JáCf ideal da-arte-perform ática é um o
seu contexto mítico-mágico não podem deixar de ser problemáticos. Com processo real, que impõe emoções e acontece aqui eagora. 0" _0 .
efeito, a concepção da autotransformação convida a considerar como o ponto Seria ir lõng~ -dem~"is discutir as linhas que separam a transformação e a
de vista radical da performance o suicídio em público: um ato que não seria autotransformação nas ri!ú1tiplas utilizações do ritual. A performanc~ como
mais perturbado por nenhum compromisso com qualquer "teatralldade" ou ritual - a exemplo daquela pratícade pelos acionistas de Viena ([Hermann]
representação e que constituiria uma experiência radicalmente real - atual e Nitsch, (Otto] Mühl) - pretende modificar o espectador. A ética da catarse (a o
irrepetível. Essa consideração não pret ende ser nem satírica nem polêmica. agressividade reprimida pela civilização é r~i~trodu~ida no espaço da 'cons-
A autenticidade pessoal e artística da concepção de performance não é posta ciência e do experimentável) exigeparti cipação, contrariãllâo"o "esplêndido
isolamento" do espectador ao despert ar reações emocionais incontroláveis
\ .
5 Edith Almhofer, PerformanceArt. Viena/Co16nia/Graz, 19 86, p. 44·
6 Cf. Rachei Rosenthal, apud Erlka Fischer-Lichte, 'lhe Show and the Gaze of Theatre: an 7 Goldberg, op. cít., p. 172. J

22 8 Buropean Perspective. Iowa, 1997, pp. 256-57. 8 o título faz umJogo de palavras intraduzíveJ com thefew, "aminoria': efuture, "futuro': [N.E.] 229
i
I
(medo, asco, terror). Não obstante,
," '
a
Identidadet
dosatores
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é preservada e o Seria um equívoco restringir o alcance do impulso ritualístico ao teatro dos .
procedimento continua a sei' teatro tanto quanto . as-Imagens pictóricas
.' . .
de anos 1960 e 70, pois o·que foi desenvolvido naquele período se estabeleceu
Arnulf Ralner continuam a ser artes pl ástioas. Visto que não se trata aqui de diversas formas no teatro dos anos 1980 e 90 . Tanto no "teatro do real"
de uma abordagem antropológica, contentamo-nos com destacar de modo quanto nos estilos de encenação orientados de modo agressivo em relação '
" geral o aspecto ritual ou quase rit~al nas formas teatrais e na performance. ao público, tanto na performance quanto em inúmeras práticas parateatrais
Mesmo admitindo-se que é questionável transplantar modos de' comporta- encontra-se atividade no campo intermediário entre o teatro e O ritual. A an-
mento provenientes de representações m áglcase.mítícas para .uma situação tropologia teatral de S~hechhersustenta que a autêntica polaridade de base
, extremamente moderna, é evidente que o recurso ~6's~lementos arcaicos, a não se dá entre ritual e teatro (arte performática), mas entre os parâmetros da .
reflexão sobre os limites,dos comportamentos codificados pelacívlllzaç ão e "eficácia" (no ritual) e do "divertimento" (na "arte")." Resta saber até que ponto
. a adaptação de formas decomportamentocer ímoníaís se tornaram objetiva- essa diferenciação, que é central do ponto de vista da antropologia cultural,
mente prcdut ívosdopcnto de vista-artístícoe, aome smotempo, sustentaram contribui para a análise do novo teatro, A dificuldade reside no fatode que a
a resistência contra a tentativa de comprimir a art-~radical nos moldes das atitude estética-emgeral..efetivamente consiste em um "entrelaçamento" dos
regras estéticas tradicionais. Com razão, [ohannes Schrôder se insurge contra dois temas, tal como sugere a imagem dos gêmeos de Schechner, Assim, o
"arecusa generalizante que se esquiva.do desafio posto pelas açõesem razão de teatro-pode aspirar a uma variação da "eficácia" que pouco tem a ver com os
uma aversão ao-religioso pretensamente esclarecida"?A dimensão ritual das pro-cedimentos rituais - de sociedades africanas, digamos - e que no entanto
práticas teatrais e perform átícas do presente indagasobre as possibilidades do .oferece bem mais do que divertimento.
homem à marge-mde suadomestícação civilizatória. É evidenteque o artista -
e ainda mais O artista performático, especialmentemarginalizado - não pode Agressividade e responsabilidade
efetivamente agir como um xamã, portanto como um outsider socialmente
reconhecido e admirado que transgride limites em favor dos outros. Na socie- É notável como a performance centrada no corpo e na pessoa costuma ser
dade contemporânea, cada artista realiza o ritual por sua própria CO!l!~-=-. __ "assunto de mulher': Na medida em que a crítica feminista havia posto em
Schechner escreve: . ~- evidência a imagemd a mulher e mesmo a identidade de "gênero" como uma
construção que projeta 6 olhar masculino, era de se esperar que nas perfor-
Para onde quer que voltemos nossoolhar, e a qualquerdistância que o recuemos mances o corpo feminino fosse em grande medida abordado como superfície
no tempo, o teatro sempre seapresenta como um entrelaçamento deritual ediver- socialmente codificada em que se projetam ideais, desejos e humilhações.
são. Por um momento nosparece que a Origem é o ritual, e no instante seguintea São um exemplo disso os "kitchen shows" da pintora Bobby Baker, que regu-
diversão- acrobatas gêmeossaltando umsobre o outro, sem que nenhum perma- larmentecóiívídava duas dúzias de espectadoresp ara á sua grande cozinha e
neça mais tempo por cima.10 ali, na maior proximidade, apresentava um exagerado monólogo surrealista
sobre a esctavidão da mulher na cozinha.
Os artistasp erforrnáticos dos anos 1960 e 70 buscavam a transgressão das
9 [ohannes L. Schrôder, ldentuiit. Überschreitung, Vcnvandlung. Hapenings, Aktlonen und .
Performances yon blldenden Kunstter. Münster, 1990, pp. 210-11. normas sociais opressoras pela via dá experiência da dor e do perigo corporal.
. .~
10 Rlchard Schechner, 'Iheater-Anthropologte. Spiel und Ritual Im Kulturvergieich, Relnbeck,
23 0 199 0 , p. 102. 11 Ibid.• pp. 68-69.
Quando Marina Abramovíc propunha a seus espectadores um jogo cuja re- josa, Ela é de cabo a cabo condicionada por normas culturais, ideais de beleza
grg.consistla em que eles podiam fazer de tudo com ela, a percepção tinha e modelos, de representação. Em Orlan, a autodeterminação na estilização
de se converter numa experiência de responsabilidade. De fato, no decorrer corporal orientada para a arte, na mutilação em nome da "beleza': torna-se
da performance vinha à tona uma flagrante agressividade por parte de fre- uma abissal e assustadora materialização da nulidade do Eu, da transforma-
qüentadores que se deixavam provocar pela ausência de limites, de modo ção não só de "si" como da imagem humana. O lugar da responsabilidade se
que a sessão era interrompida quando alguém punha um reYQlver carre-
torna incerto em uma medida quase insuportável - sem contar que Orlan
gado na mão da artista apontado para sua cabeça. Aqui, o perigo e a dor evitou tornar suas performances aproveitáveis por teses de crítica ideológica
são o resultado de unia passividade intencional; tudo é imprevisível porque (crítica feminista da cirurgia plástica etc.).
tudo depende do comportamento dos freqüentadores. No caso de Chris
Burden, que se expôs a um tiro em seu braço esquerdo, também estava em
jogo uma imprevisibilidade, uma limitação do controle pessoal sobre a sit~a­
ção criada. O papel de vítima é evidente nos dois casos, mas é o resultado
de uma vontade subjetiva individual, que por sua vez já não aparece como
vítima de estruturas sociais.
Um novo grau de inquietude é encontrado em_Orlan, cujas cirurgias plás-
ticas encenadas em público corrigem, embelezam, deformam e modificam
seu corpo, sobretudo o rosto, segundo os padrões de beleza da cultura oci-
dental (a fronte da Mona Lisa, o nariz de Nefertiti etc.). O rosto é tradi~io­
,;
nalmente considerado como a inconfundível expressão da lndívldualídade,
ao passo que aqui ele é constantemente alterado ao longo dos anos-de modo
que não é exposto como identidade original, mas como-resultado de uma
escolha, de uma decisão individual voluntária. Assim, a vontade subjetiva pa- ' .. ',- .. _- ..... _-- ..
rece até intensificada em relação aos "sacrifícios" dos artistas performáticos
">'
antes mencionados. Contudo, evidencia-se aqui um outro problema. Na me-
dida em que o sujeito abusa voluntariamente de seu corpo, revela-se a apo-
teose do indivíduo self-willed [autodeterrninado], quenão se contenta com
nenhuma realidade predestinada, como a da sua aparência. Orlan demonstra
sua liberdade tendencialmente absoluta de escolher a "si': o que seria uma
premonição da "sociedade multlopcional'; na qual nada mais será dado pela
natureza, de modo que o indivíduo terá de arcar com o peso de sua própria t I

escolha e de sua responsabllidade. Ao mesmo tempo, porém, as performan-


ces de Orlan evidenciam com uma clareza estarrecedora (Jue no fundo já se
232 abdicou da "vontade" justamente ali onde ela parec~ mais poderosa e cora-
233
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A presença da performance
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Hans Ulrich Gumbrecht mostrou em que medida o fascínio exercido pelo
.... _-- .- esporte se deveao "gesto elementar" de uma "produção de presença" que pa-
rece ter muito das "formas.igêneros e rituais" do teatro';' Trata-se de "trazer
às coisas ao alcance, de modo que possam ser tocadas". Essa formulação se
assemelha à tesede Benjamin de :que o desejoirresistivel das massas de trazet
ás coisaspara perto estaria na base dá "desauratízação'' d~; artes. Em prol da
hermenêutica da produção de presença Gumbrecht evoca nada menos que
a eucaristia, na q~al O pão e o vinho não são significantes pará o corpo e o .
sangue de Cristo, mas presença real nó ato da comunhão: sangue e corpo de
Cristo não como algo designado, mas como substância, modelo de uma "pre-
sença" que remete a si mesma e une.a comunidade congregada na cerimônia
ritual. Ne.s.~entido, ele compara o acontecimento esportivo com ó teatro
medieval: tanto. num quanto no outro não se demanda uma atitude he~rt1e­
nêutica; o ato! não age como no teatro "moderno" (segundo Gumbrecht),
como se não notasse O público, J11aSinterage com. ele.

/ " .'

Hans U. Gumbrecht.Ycmerlcan Football - im Stadlon und im Fernsehen'; in Gianni Vatti-


mo e Wolfgang Welsch (orgs.), Medíen- Welten Wirklichkeiten. Munique, 1998, p. 208. 235
Faz todo o sentido a tese de que no esporte nos encontramos diante de ao
não seja essa a intenção. Por isso, já não se sabe certo se essa presença nos
um~fé~ ômeno sintomático. da t endência de evolução cultural de uma per- é dada ou se somos nós, os espectadores, que primeiramente a produzimos.
formance que não funciona segundo os registros da representação e da in- A presença do ator não é contraparte passível de objetivação, um "ob-jeto',
terpretação hermen êutica, De fato, parece "que a crescente importância das um presente, mas "COm-presença': no sentido de uma implicação lnevltável."
atividades esportivas [...] faz parte de uma mudança maior dentro da cultura A experiência estética do teatro - e a presença do ator é o caso paradigmá-
contempor ânea';' na qual ganha significado o fenômeno cultur-al da "produ- tico, já que abrange todas as confusões e ambigüidades associadas ao limite
ção de presença", que não deve ser compreendida como mimese ou represen- do estético - é reflexão apenas num sentido secundário. Esse sentido só tem
tação. Restasaber se no esporte a dimensão "realista" de vitória e derrota, de lugar ex post, de modo que não seria motivado sem a prévia introspecção '
ganho .(financeiro) e perda, não rechaçaria a epifania da presença, de modo de um dado que não se presta à reflexão, comportando assim um caráter '.
que no final das contas o esporte se diferenciaria inteiramente dos rituais tea- de choque. Toda experiência estética p.ossui esta bipolaridade: confrontação
trais, mas essa é uma questão que não cabe discutir aqui. Seja como for,e~sa .com ~?la presença, "súbita" e segundo o princípio aquém (ou além) da refle-
combinação de execução ingênua ou blasfematória de uma cerimônia mágica, xão que se rompe e se duplica; elaboração reflexiva dessa experiência a partir
de performance interativa e de produção de presença é esclarecedora para o da lembrança posterior.
teatro pós-dramático. Ela explica sua insistência na presença, suas tendências A "estética do terror" de Bohrer ajuda a circunscrever com mais precisão
.;-
cerimoniais e rituais e sua propensão a pôr-se em.péde igualdade com rituais a presença que se dá na perf?rmance e nas formas t eatrais e que deixa para
disseminados interculturalmente. Gumbrecht não ignora que tal presençaJa- trás o paradigma do teatro'dramático. "O tempo ~stéticO'~afiTma ele, "não é
mais pode se dar plenamente "ali': que ela sempre conserva o caráter de algo o tempo histórico traduzido por uma metáfora. O 'acontecimento' inerente
ansiado, alusivo, e que de todo modo desaparece quando se torna uma ;xpe- . ao tempo estético não se refere aos acontecimen tos do teU:p oreal". 5 Para
riência reflexiva, Ele retoma a idéia de Schiller de uma referência l).ã6 ingê- Bohrer, aquilo que ~'~'tendemos 'por teinp ôralidade específica da per for-
nua, mas apenas "sentimental'; para pensá-la como "nascimentoda presença" mance - à d!ferença do tempo representado - é um aspecto dó choque e do
(Iean -Luc Nancy), como advento, uma presença simpl~smentê'imaginál'el.3 terror. Inversamente, .a2.2!daremos a questão do terror como um fator da
No entanto, para o teatro é essencialnão apenas a consideração do modo estética teatral. Para.tanto, ~at'~ ~- penacóiislderarbrevemente a concepção
de ser virtual da presença, mas também sua sobredeterminada qualidade de de Bohrer sobre ° terror. . .. '. . ..
co-presença, de desafio mútuo. Se há um paradoxo do 'ator, há antes de tudo Apolando-sena ~edusa de Caravaggio, Bohrer 'afirma que o terrores-
um paradoxo de sua presença. Recebemos os gestos e sons que ele nos dá tético se diferencia doter ror verídico por uhla estilização que co'nfere ao
não simplesmente como algo que vem dele próprio, da plenitude de sua rea- aterrorizante urna forma ornarnental, suscitando assim uma identificação
lidade, mas como elemento de uma situação complexa, que por sua vez não apenas "imaginária': A segunda qualidade por ele apontada é ainda mais im-
pod e ser resumida como totalidade. O que deparamos certamente é uma
presença, mas ela é diferente da presença de uma imagem, de um som, de
4 Aqui o autor faz um Jogo de palavras com termos formados com os antepositivos gegen-
uma arquitetura. Ela é uma co-presença objetiva referidaa nós - mesmo que
(contra-je mjt~.(co~-). Ele opõe as palavras "Gegen-stanâ" (objeto), "Ob-jekl'" e "Gegen-
lVI/ri" (presente) - grafadas COI!1; hffenpara.enfatízar sua formação- a "Mil-Priisenz': um
neologismo traduzido aqul-põi"~õn~~presença': '[N.T.]
2 Ibld., p. 211.
Kar1 H. Bohrer, Das absolui éPrãsens. pr;;nkfurt arnMain, 1994> p. 7. 237
Ibld., p. 214.
I

I I
portante: "O rosto dessa med!1sanão é algo qu'~ ~~~se terror por si mesmo; do "espanto que é necess ériopara O reconhecimento" (Brecht), da noção de
antes, ela próp ria parece ver algo"de aterrorizante (d~gan::os, s eU- pi6prio des- terror como "primeira manifestação do novo" fMüller), da "ameaça de que
nada aconteça" (Lyotard),

I
tino mítlco)'" A manifestação estética se síúlapará"além da representação
" " "

do terror empírico, real. Não apresenta nada de propriamente aterrorizante. Tanto nas formas teatrais desdrarnatízadas, que veiculam uma espécie de
Como realidade estética. a "manífest àçãóf presente não convida ao esclare- contemplação vazia, quanto nas formas radicais da performance-dor, erno-
cimento, li sondagem Ou li interpre tação ("trágica", por exemplo) do ater- cionalmen~e aterrorizantes e desagradáveis, mostra-se que não basta uma
rorizante, mas li experiência "mimética" do" a~rrorizante. O 'observador do interpretação psicológica da experiência da presença no terror - o que tam-
" ,~
"quadro vivencia o terror que está "posto" ali. Bohr ér-deríva desse modelo pouco interessa a Bohrer, com toda razão -, a qual sempre encontraria um
as qualidades da intensidade e do enigma, as quais apropriadamente consi- espant o engendrado por um objeto ou uma circunstância representável. A
dera cornoos fatores constitutivos da "experiência estética': circunscrita por dimensão da estética teatral é a estrutura de um choque cuja excitação não
- "

sua vezpelas formulaçõesequívalenfes de uma vrnanlfesteção súbita" e de uma se prende a um objeto - de um espanto não com a história, não acerca de
"epifania auto-referente"? Segundo ele, a epifania do terror é uma "estrutura um fato, mas acerca-do próprio espanto. Não se estaria longe aqui da expe-
estética (...] que se repete em diversas fases da literatura e da história da arte riência psicológica do sobressalto, quando se experienciaalgo que não se
na Êuropa'[êsendo que a Atenas dó século-v a.Gj "o -Renascimento tardio e _ sabe p"'que seja ou que não se tem e esse não-saber ou não-ter aparece"subi-
o período em forno de 19 00 constituiriam um solo especialmente favorável tamente" como um vazio na vivência, quando há um sinal que alguém não
para o fenômeno pode explicare que lhe diz respeito. a presente como tal não é uma experiên-
. . . _._.....do terror, em si mesmo não histórico, mas fundado em ele-
mentos inerentemente estéticos. cia interrompida e interrompível: é experiência daperda . Na perda se dá a'
Aplicando a reflexão de Bohrer ao teatro, poder-se-ia variá-la da seguinte experiência na borda do tempo.
forma. A cabeça da medusa talvez não veja tanto seu próprio destinai o es- Contrari amente à desconfiança do esteticismo, uma estética do sobres-
panto não se deve a nenhuma realidade terrível que se pudesse denotar. Em salto no teatro seria um outro nome para-uma estética da 'responsabilidade.
conformidade com a lógica do quadro, o objeto do terror precisa-perman e- _ ·0 .• •.
A ~epresentação diz respeito essencialmente ao meu envolvimento, que
cer fora do mundo representado (representável). Ele é desprovido de forma. compreende a responsabilidade pela síntese mental dos eventos em curso,
O olhar pintado da cabeça decepada não olha nada; antes, "exprime" na ló- o permanente estado de atenção para com aquilo que não é objeto do en-
gica da imagem pintada justamente o olhar da medusa morta - portanto, tendimento, a sensação de uma participação naquilo que ocorre em torno
- um "não-ver". Isso significa que o espanto é a morte-do olhar, seu vazio,sua de mim e a percepção da situação problemática do próprio ato de observar.
cessação, Desse modo, introduz-se em nosso contexto um tema fundamental a teatro p ós-dram ático é teatro dapresença. Tendo em mente o conceito de
do pensamento recente sobre a arte e o teatro, que oscila entre uma categoria "presença"abs-õluta" de Bohrer, reformular a presença como presença do tea-
psicológica e uma categoria estético-estrutural: a idéia do "choque" (Ben- tro significa sobretudo pensá-ia como processo, como verbo. Ela não pode
jamin), da "subitaneidade" (Bohrer), do "ser tomado de assalto" (Adorno), ser objeto nem substância; não pode ser objeto do conhecimento no sentido
de uma sínteserealizada pela imaginação e pelo entendimento. Contentamo-
1105 com entender essa presença como algo que acontece, apropriando-rios
6 Ibid.• pp. 40-41.
assim de uma categoria teórico-cognitiva ., e mesmo ética - paracaracterí-
7 Ibid.
8 Ibld., p. 62. zar o campo estético. 239
'\

A fórmula do "presente absoluto" de Bohrer é incomensurável para as torno das estilizações mais conscientese artificiais, poderiam constituir uma
coíicepçôes que vêem na experiência estética um mediador, um mediurn, ponte para escapar ao vísgo das imagens naturalistas . Algo novo surgirá, e
uma metáfora, uni substituto de uma outra realidade. A arte não é media- . para falar com Brecht:
dora do real, do humano, do divino ou do absoluto. A arte não é "presença
real" no sentido empregado por Georg Steiner, antes, ela se torna o "outro" Essacorjasuperficial em buscade novidades
-'
estritamente vazio de conteúdo na presença da obra de arte, ,cct'ia:éia nesse Que não gastaaté O fim a sola do sapato
instante não corno um Pentecostes estético, mas COmO uma epifania suige- Não termina de ler seus livros
neris",9 cujas variedades não se desdobram sistematicamente, tornando-se Tornaa esquecerseuspensamentos
visíveis apenas mediante decomposição e análise em suas respectivas confí- Eisa natural
gurações concretas. Esse presente não é um ponto do agora coisificado em f . Esperança do mundo
uma linha do tempo; ele ultrapassa esse ponto num incessante desvanecer-e ..,) ,.-..,. -.---·H-caso.não seTa
ao mesmo tempo é cesura entre o passado e o porvir. O presente é necessa- . Tudo o que é novo
riamente erosão e escapada da presença, Ele designa um acontecimento que É melhor do que o velho."
esvazia o agora e nesse mesmo vazio faz brilhar a recordação e a antecipação.
O p'~esente não é nada que se possa apreender'conceítualmente, fias um
interminável processo de autofracíonarnento do agora em estilhaçossempre "'~-- ...
novos de "ainda agora" e "agoramesmo". Ele tem mais a ver com á morte do )
que COm a tão evocada "vida" do teatro, como diz H~iner Müller: ",.. a ~p~­
cificidade do teatro não é exatamente a presença do espectador mas "iv6,'
a presença do moribundó em potencial';" Nesse sentido de umá presença
oscilante e evanescente, experimentada ao mesmo temp~-'c'oí:;:lO ausência e --.. -
coma algo que já passou, o presente traça um risco sobre a representação '---'-'

dramática no teatro pós-dramático. o•• ;;:

Talvez o teatro pós-dramático venha a ser tão-somente um momento em


que o reconhecimentó daquilo que está para além da representação pode ......,~ .....
..........
ocorrer em todos os níveis. Talvez ele inaugure uma nova cena, na qual as
figurações dramáticas serão reencontradas depois de tamanho distancia-
mento entre o drama e o teatro. As formas narrativas, a apropriação sóbria
e mesmo trivial de histórias antigas, assim como a 'necessidade de um re- ,,

.9 Ibíd., p. 181.
10 Heiner Müller, Ich bin ein Landvermesser. Gesprãche [entrevistaa Alcxander Kluge], Ham- I
240 burgo, 1996, p. 95. \ 11 BertoldBrecht, in Werke, v,14.Berlim/Welmar/Frankfurtam Maln,'1993, p. 47.
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(: Linguageme palco

É certoque à primeira vista,~teatro pós-dramáticoparecedar menosvalorao


..., papel. do texto do que o teatro de fábula clássico. Masnão é Stanislávskl - que
não será classificado corno alguémhostil "à llteratura - quem constata expli-
citamente que O texto como tal não tem valor para Oteat"fq? Que as palavras
-~---~- só. ganham sentido pelo "subtexto" da dramaturgia e dos papéis? É também
evidente e válida para o teatro antigo a diferença (e a concorrência) fundá-
mental entre perspectiva do texto, que no caso de qualquer grande drama
à

já é perfeito como óbra de llngüagetri, e a perspectiva inteiramentediferente


do teatro, para a qual O texto apr~senta um material, O novo teatro apro-

. ----
funda atenas o reconhecimento, nem tão flOVO assim, de que entre o texto e
.
a cena nunca predomina uma relação harmônica, mas um permanente con-
.

flito. Bernard Dort afirma que a união de texto e cena nunca. se realiza ple-
namente, havendo sempreuma relação de subordinação e de compromisso.'
Essa obrigatoriedade pôde se tornar um princípló de encenação Intencional
" ...<:
e consciente, já que constituí um conflito" estrutural latente em to..sia-práticá

\
....... Bernard Dort, La Représentation émancipée, Arles,19$8, p, 173,
teatral. Assim, não é determinante a oposição verbal/a-verbal, tal como fre- o que caracteriza o novo teatro, assim como as tentativas radicais da "lin-
qüentemente ressoada ria contraposição muito em vogamas irrefletida entre guagem poética" dos modernos,pode ser entendido como tentativa de restitui-
"teatro vanguardista" e "teatro de texto" A dança muda pode ser aborrecida e ção da chora: de um espaço e de um discurso sem télos, hierarquia, causalidade,
didática; a palavra significante pode ser uma dança de gestos lingüísticos. sentido fixável e unidade.Assim como na dança,no ritmo dos gestos ou na dis-
No teatro pós-dramático, a respiração, o ritmo e o agora.da presença carnal posição das cores, também na voz, no t imbre e na vocalização se articula uma
a
do corpo tomam a frente do lógos. Chega-se uma abertura e a uma-dispersão negatividade no sentido de uma rejeição do imperativo lógico-lingüístico de
do lógos de tal maneira que não maisnecessariamente se comunica um signifi- identidade,a qual {constitutiva do discurso poético dos moderno s.' No ~eatro
cado de A (palco) para li (espectador), mas dá-se por meio ~a linguagem uma radicalnão se afirma nem se rejeita esta ou aquelaposição; antes, o próprio po- .
transmissão e uma ligação "mágicas'; especificamente teatrais. Artaud foi quem sicionar-se permaneceem aberto.Dessemodo, a palavrase constituiem toda a
primeiro concebeu essa noção. No entanto,já para elenão se tratava da simples sua amplitude e volume como sonoridade e como um "dirigir-se a'~ como sig-
alternativa "a favor ou contra o teatro", mas de uma mudança da hierarquia: . -..nifiç;J,do.e.<\pelo ("Zit ~Sp ra ch e'; nos termos de Heidegger). Em um tal processo
abertura do texto, de sua lógica e de sua arquitetura opressiva, a fim de recon- de significação, passando por todas as modulações do 16gos, o que se dá não
quistar para o teatrosua "dimensão de acontecimento" (Derrida). No "Segundo é sua destruição, mas sua desconstrução poética - aqui, teatral. Nesse sentido,
manifesto do teatro da crueldade" está escrito: "". les mots seron pris dans un pode-se dizer que o teatro se torna "chora-grafia": desconstrução do discurso
sensincantatoire, vraiment magique - pourleurforme, leurs émanaiionssenslbles, centrado no sentido e invenção de um espaço que se subtrai à lei do t élos e da
et non plus seulement pour leur sens':2 Kristeva observou a esse respeito que no unidade. Por isso, o status do texto no novo teatro deve ser 'desci'ito com os
Timeu Platão desenvolveu a noção de um "espaço" que deveria tornar possível conceitos de desconstrução e polilogia. Assim como todos os elementos do tea-
I

pensar "intuitivamente" um paradoxo insolúveldo ponto devista lógico: t;rde tro, a linguagem passaporumadessemantlzaçãn. O que se visa não é diálogo,
pensar o enteao mesmotempo como devir. Dessemodo,haveriaorlginalfnente mas multiplicidade de vozes, "polílcgo'" P;~tànto, a desagregação do sentido
um "espaço" receptivo, acolhedor (com conotação maternal), inapreensível do não é por sua vez destituída de sentido. Ela parodia, por exemplo, a violência
ponto de vista lógico, em cujo seio se diferenciaria o lógo~-côm -s~as oposições da colagem de linguagensda,11lídia, que se mostra como a versão moderna da
de significante e significado, ouvir e ver,' espaço e tempo etc, Esse "espaço" se linguagem "encrátíca'ã da linguagem 'd~' poderedã ídeologia-.'_.
chama "chora". A chora é algo como a antecâmarae ao mesmo tempo a infra-
estrutura oculta do lógos da linguagem. Ela permanece em contraposição ao Poética da perturhaç&~
lógos. Cornoritmo e prazer com o som, ela estápresente em todas as línguas na
qualidade de sua "poesia". Kristeva qualifica essadimensão da chora em todos Uma história do novo teat~~'e mesmo do teatro moderno deveria. ser es-
os processos de significação como semiótica (por distinção com a simbólica). crita corno a.história da perturbação recíproca de texto e cena. Por meio da
presença da linguagem, a passageiii do visual é interrompida. Como diretor,
Heiner Müller trabalha deliberadamente com a presença ~:lõ"têxto (só aparen-
, t
2 Antonin Artaud, "Zweites !Ylanifest des 1heaters der Grausamkeit'; in Le Théãtre et SOM dou-
b/e. Paris, 1964 [1933], p. 189. ["..~ as palavras serão consideradas num sentido encantatório,
verdadeiramente mágico - por suas formas, suas emanaçõessensíveis, e não somente por 3 Ver[ulia Kristeva, DleRevolutton J:i~ r poetischenSprache. Frankfurt arn Main, 1978.
seus sentidos" (na tradução de Teixeira Coelho em O teatro e seu'duplo, São Paulo: Max 4 Cf.idem, Polylogue. Paris, 1977:' .. I

Limonad, 1984, p. 157).J , 5 RolandBarthes, Die Lust.am Text. 'Frankfurt am Maln, 1974, p. ~2. 247

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- v , • • \1
I

temente incorpóreo) como um contraponto acenateatral, Nos ensaios para a às vezes monstros com várias cabeçase braços, [...) às vezes apenas um [...)
sua enc~nação d e Hamlet-máquina [Hamletmasr;hiri~]; ~ob ert Wilson decla- 'componente' de uma complicadamaquinaria corporal; às vezes a 'sombra' pro-
rou que o texto de Müilerdeve "perturbar" sú~s;imagens. Pina Bauschabala a jetada de um personagem adquire uma surreal vida pr ópria"! O espaço irreal
percepção da dança por meio de auto-apresentações verbais dos dançarinos evocado no texto de Kifka encontra correspondências em caixas reversíveis,
ou da denominação dos procedimentos que têm lugar no palco naquele mo- paredes giratórias e escadas íngremes, na alternância dejogo de sombras e pre-
mento, A admissão de modos de falar aparentemente "inapropriados'; não- sença corporal; espaços internos e externosse interpenetramCOmo no texto de
<,
'. profissionais e mesmo anômalos tornou-se regra-em grupos independentes Kafka.Aindaque apenas fragmentos do textoapareçam na encenação, essa esté -
ou mesmo no caso de diretores como Zadek e Schke.L,A coerência estética tica recria precisamente, segundo a concepção de vários críticos, uma atmos-
da impressão de quadro.é secr íficada emJ ayor de um choque de'percepção fera "kafkíana" Aqui o teatro não interpreta figuras e tramas de um texto; antes,
lingüístico.·As tentativas de deixar a escrita e a leitura à vontade no teatro articula sua linguagem comorealidads estranha e perturbadora em um palco
--
" -~. . . ......
certamente são resultado dabuscã 'deexposíçã o. a!!!Ô.n0ma das vozes, mas que se deixa inspirar por sua singularidade,
também operam no sentido dessa poética teatral da perturbação. EI Lissitzky
experimentou exatamente a equiparação de espaço da escrita e espaço teatral. Linguagem~omo objeto de exposição
Nessa -p er~pe.ctiv~, tambéma pàrecelÍl sob,uma nova.luz as teses de Brecht . ,/
sobre a "Iiteralização" do teatro, desenvolvidas já nos anos 1920: embora com 6 pfincípio da exposição apreende o material lingüístico em conjunto com os
outras intenções, elas igualmente visam a presença do texto escrito como in- corpos, o gestual e as vozes, contrapondo-se à função representativa da lin-
terrupção da~' irrúigens cênicas auto-suficientes. guagem no teatro. Em vez de representação de conteúdos lingüísticos orien-
Um exemplo Interessante da adaptação teatral de textos literários é dado tada pelo texto, prevalece umá "disposição" de sons, palavras, frases e resso-
pelasencenaçõesde Gíorgío Barberio Corsetti - um dos destaques do teatro de nâncias conduzidapela composiçãocênicae por uma dramaturgia visual que
°
vanguarda italiano - a partir de Kafka. Também sua tese é de que teatro precisa pouco se pautam pelo "sentido". A ruptura entre o ser e o significado tem um
do texto como corpo estranho, como "mundo exterior ao palco': Justam~.I1 te.,.- . efei.to de choque: com toda a insistênciade uma significação sugerida, algo é
porque o teatro ampliacadav ez mais seus limites com o reciirso a truques ópt í- exposto, mas emseguida não se permite reconhecer o significado esperado.
'.cos e à combinação de vídeo,projeções e presençaao vivo, não pode se perder A idéia de uma exposição de linguagem parece paradoxal. Contudo, pelo
'na contínua autotematização da ópsis [visão], de forma que precisase referirao menos des~e os textos teatrais de Gertrude Stein tem-se o exemplo de como
.texto como qualidade de resistência. Corsetti não busca de modo algum sim- a linguagemperde o direcionamento teleológico e a temporalidade imanen-
plesmente ilustrar o texto de uma maneira "moderna"; antes, desenvolve uma tes e pode ser equiparada a um objeto em exposição por melo de técnicas de
linguagem gestual paralela ao texto. A partir de improvisações desdobram-se variação repetItiva, de desagregação de conexões semânticas imediatamente
gestos pessoais que procuram um eco; os atores respondem a determinadas evidentes, de arranjos formais segundo princípios sintáticos ou musicais (si-
partes do texto conforme seus padrões de reação Individuais. Nessa prática, militude sonora, aliteração, analogias rítmicas).
Corsettí remete expressamente às tradições de Meyerhold e Grotowski e do A autonomização da linguagem e da fala pode assumir diversas configu-
Living 'Iheatre. Os atores não corporificam personagensdefinidos. Um crítico rações. Muitas vezes chega a uma dissolução de toda coerência estW.st.ic{;~
assim descreve a versão de Corsetti para "Descrição de uma luta" ["Beschrei-
bunge ines Karnpfes"]: "Àsvezes os três atores são umsó,e mesmo personagem, 6 Dietmar Polaczek, in Prankfurter A/lgemeíneZeitling, 03/ 0211992.
249
lógica. Com freqüência, o desgaste e a depreciação da linguagem em seu uso Música multilIngüe
cotídíano são contrapostos. a uma
'. . estética "abstrata" da materialidade da pa-
lavra. De modo similar aos objetos do dia-a-dia em Duchamp, isso pode ser Ao lado da colagem e da montagem, o princípio do poliglotismo se mostra
considerado como "objeto encontrado" Nas montagens de Wilson, colagens onipresente na teatro pós-dramático. Textos teatrais multilíngües desman-
de diálogos fragmentados e clichês descontextualizados se juntam a fluxos telam a unidade das línguas nacionais, como nos trabalhos de Heiner Goeb-
verbais puramente formalistas ("I wassiitingon my patlo this.guy_-ªppeared b els. Em Cães romanos [R omische Hunc/e] há uma colagem de spirituals, de
I thought I was hallucinating/ I was walking in an alley/ you are beginning to textos de Heiner Müller em alemão, de WiIliam Faulkner em inglês e de uma
look a little strange to mel Tm going to meethim outsidei have )'oubeen living passagem do Horácio de Corneille em alexandrinos declamados em francês
here long/ nojust afew days/would you like tocome in/ sure...'V OU então os (pela atriz Cathérine Iaumlnaux), Embora os versos sejam mais cantados do
elementos da linguagem são isolados e a construção lingüística é desmontada, que recitados, a fala constantemente passa de uma maravilhosa perfeição a
como nas "peças faladas" de Peter Handke. um balbucio e um r uído fragmentários. Em Ou o desembarque desastroso, o
Em textos acústicos - peças radiofônicas de Beckett, Cage, Henry Chopin texto,-falãd·õ·em francês ou alemão, nas versões com os atores André Wilms e
e Mayrõcker, entre outros _,oo que está em jogo é a variedade das formas sob Ernst Stõtzner [Ou le débarquement désastreux e Oder die glücklose Landung],
as quais as vozes, a sonoridade e O ritmo aparecem na mídia do rádio.A t éc- respectivamente, é combinado, entre outras coisas, com música africana. O
níca radiofônica isola o som dos corpos visíveis e lhe confere uma qualidade teatro afirma um políglotísmo em diversos níveis, que deixam ludicamente
autônoma, bem corno urna surpr eendent e presença sensorial: "Justamente os
manifestas não s óas lacunas, as descontinuidadess contrastes .n ão resolvi-
q distanciamento das vozes em relação aos corpos [...) pod e aproximar os dos, COrno também a falta de jeito e a perda de controle.
ouvintes dos corpos, o corpo dos ouvintes"! Uma outra variante da exposição . É certo que. o uso de várias línguas em urna mesma montagemfreqüenre.
de estruturas lingüísticas é o estranhamento que Ernst Iandl alcanço}! efu sua mente tem a ver comas collOIÇões da produç ão-muitos dos trabalhos t~~trais
"ópera falada" A partir do estranho [Aus der Frem d:] ao transpor-as declara- renomados só podem ser financiados por meio de co-produções intern acio-
ções das dramatis personae para o discurso indireto, próduzíndo assim uma nais, de modo que qtl~S!~ inteiramente pragmáticas levam à adoção das
peculiar forma mista de narrativa, discurso dramático e autodistanciamento. línguas dos países parti!=ipant-es. Todavía, o-políglotismQ.taLnbém tem causas
Se a partir da frase "Peço-lhe 'que me passe o jornal" o que se diz no palco é eminentemente artísticas. Nessesentid o, [o S(JciólogÇl_ºelgªÚ~::~-di Lae-i-rhans
"Ele pede a ela que lhe passe o jorn al", isso a princípio tem apenas um efeito observou que no
caso do trabalho teatral de [an Lau~ers nãoé suficiente
engraçado. No entanto, como nos habituamos rapidamente, o que fica corno constatar seu m~ltilingÜrst~? Essa circunstância não explicaria por que seus
percepção duradoura é a realidade da linguagem separaâa dofalante? intérpretes ora precisam usa~·'a. própria língua, ora também uma língua es-
trangeira, de modo que o tema "dificuldade da comunicação Ilngüística" não
7 Robert Wilson, in Performing Artslournal, n. 11112, 1979, p. 210. ["eu estava sentado no n;eu se põe apenas para o espectador. Lauwers estabelece um espaço comum dos
quintal esse cara apareceu eu pensei que estava delirandol eu estavaandando num becol problemas de linguagem, no qual ta nto os atores quantó"bsespectador es
vocêestácomeçando a me parecer um pouco estranhol vou encontrá-lo lá foral você está
experimen tam as barreiras da compreensão lingüística. Se é procedente a
morandoaqui há muitojempo/ nãosó há alguns diaslvocê gostaria de entrarl claro..:']
.8 PetraM, Meyer, Gedãchnlskultur des Hõrens. Medientransfornuüion von Beckett über Cage máxima de que:õs·poetas são p~lssoas que .tê~1· d~ficuldades com a linguagem,
bisMayrõcker. Düsseldorf/Bonn, 1997, pp. 120- 21. então no teatro pós-dramático trata-s éde uma experiência poé tica dos blo-
25 0 9 Cf. Helga Finter, in Theater Heute, janeiro de 1982, p. 49. queios lingüísticos. . I
251

t ,
/
Ato de fala como acontecimento '

No teatro, O próprio ato físico da locução ou leitura dotexto pode se tornar


consciente como um procedimento nada óbvio. Nesse princípio d~ compreen-
der o ato defala como ação destaca-seum rompimento importante para o
teatro pós-dramático: ele se subtrai à percepção usual de que a· palavra per-
tenceao falante. Longe de ser organicamente Inerentea seu corpo, elaperma-
nece como um corpo estranho. Nas lacunas da lingu'!.~elÍl insinuam-se seus
antagonistas e duplos: gagueiras, omissões, sotaques, pronúncias.defeituosas Texto, voz, sujeito
escandem à conflito entiecorpo e palavra.Aopassoquegrupos devanguarda
renunciam à perfeição 'dodiseurso,..trabalhosteatrais feitos intencionalmente
com leigos não só permitem como propõem di'c-çÕ~s não-profissionais, valo- ...... "-
rizando a realidade concreta das sonoridades e dos dialetos - a heterogenei-
dade_das competências lingüísticas dos atores é admítída. Com isso se dá vi- /
talidadea um Impulso antiprofissional dasvanguardas quejá motivaraBrecht Na rriedída em que se transmite uma experiência de cisão por meio daestra- .
a buscar caminhos para incluir leigos e diletantes na atividade teatral. A opo- nheza de um textolido ou falado em relação ao corpo, vem à tona a qualidade
sição à perfeição artesanal deriva também da intenção implícita ou explicita- medialda pessoaquelê ou fala. Henry Sayre notou nasleituras-performances
mentepolítica,e não apenas estético-teatral, de resistir à constanteameaçade de Kathy Acker como ela se convertia como que num médium dos ideologe-
enrijecimento do teatro mediante um perfeccionismo profissional estéril. mas e mitos sociais que ressoavam através de seu corpo.' Poder-se-ia levar
adiante essa idéia com a sugestão de que nesse caso, assim como em certas
performances feministas, os performers fazem de si mesmos "vítimas sacrifi-
ciais": eles articulame literalmentepadecemtextos quelhessão hostis, e com
isso manifestam para o espectador a discrepância cultural que separa seus
desejos subjetivos das redes repressivas de pensamento e linguagem da sua
sociedade. Um outro exemplo de percepção diferenciada em face da separa-
ção de physis e significado se encontrano teatro da Societas Raffaello Sanzio:
no caso déúrtrator que foi operado na laringe e dispõe apenas de uma voz
mecânica, que soa maquinal e metálica, o que é dito e a voz se distanciam
de maneira inquietante. O ato de fala se converte no que há de menos óbvio,
conotando ao mesma tempo a terrível ameaça_de falhar. Naleitura performá-
".........-
.//'

HenrySayre, apudNils Talbert, Szenlsches Schreiben, Theatra/itiit in den Texten valI Kathy
252 Acker. Giessen, 1992, pp.46-47 (mímeo.). 253
tica da lliad« realizada pelo grupo~ngelus Novus, a mera duração do everito de referência da "p eça-paisagem". Texto, voz e ruído se misturam na idéia de
(2~horas) implicava que após um certo tempo o universo sonoro da locução uma paisagem sonora - evidentemente em um sentido diferente daquele do
parecia desligar-se das pessoasque estavamlendo: as palavrascomo que flutu a- realismo cênico clássico. É célebre a versão naturalista de paisagens acústicas
vam por si mesmas no espaço, assim como o som de certas taças usadas por I~as encenações de Tchekhov por Staníslávskí, que intensificou com elabora-

mongestibetanos quando se roçam suas bordas. das sonoridades de fundo (ruídos de grilos, sapos, pássaros etc.) a realidade
Lacansustentou que a voz está entre os objetosfetichísticos do desejo, de- .do espaço ficcional delimitado por um palco "auditivo" - e com isso obteve
nominados por ele como "objetos para". O teatro apresenta a voz como ob- uma crítica sarcástica do autor,'
Em contrapartida, a "paisagem sonora"pós-dramática de Wilson não cons-
.\
jeto de uma percepção erótica - o que se torna ainda mais tenso quando essa
percepção contrasta de modo tão patente com o terror do conteúdo de uma titui realidadealguma, mas produz um espaço de assoclações na consciência
descrição de combate, como no caso da leitura da Idada. A relação entre es- do espectador. A "cena auditiva" em torno da imagem teatral abre referências.
critura e texto lido em cena no novo teatro seria um tema de estudo à parte. . _':intertextuais" em todas as direções ou complementao material cênico com te-
Mallarmé queria fazer do texto um objeto que desdobrasse seu próprio "espa- m~s
sonõ-rós musicais ou ruídos "concretos': Nessecontexto, é esclarecedora a
çamento'; e com issouma corporeidade. "Um lance de dados"deixaas páginas declaração feita por Wilson de que seu ideal de teatro é uma junção de cinema
aparecerem como um palco das palavras. No início da década de 1980 verifi- mudo e peça radiofônica. Trata-se aqui da abertura do quadro: para cada sen-
cou-se uma ampla tendência a separar radical~~nte o texto e a situação do tido - a visão imaginada na peça radiofônica e a audição imaginada no ci-
ator, fazendo de cada·qual uma experiência teatral autônoma. Na Bélgica, por nema mudo - abre-se um espaço sem limites. Quando ú vê (cinema mudo), o
exemplo, [an Decorte encenou textos de Heiner Müller, mas também o Tasso espaço auditivo não tem limites; quando se ouve (peça radiofônica), o espaço
a
de Goethe, corno leituras cênicas. Desde então, recorrência de textos nylis visual não tem limites. No cinema mudo fantasiam-se vozes dá~ .qll~is se vê
completos só fez aumentar. Luk Perceval, um dos revolucionários doJe'atro apenas a realização física: bócas.rostosexpressões dos ouvintes etc. Na·peça
desse período, realizouno final dos anos 1990 uma encenação de várias horas radiofônica imaginam-se rostos, formas e corpos para vozes incorpóreas. O
das histórias de Shakespeare. Contudo, também nesse-caso §.eévitava uma que está em questão é o fato de que o espaço cênico ~ o espaço sonoro circun-
relação "naturalista" entre texto e encenação por meio de traduções que cau- dante, ligado a ele, crialP·u-;:n-iêráirô êspaçor queenglobe.a cena e o théatron.
savamestranhamento. O texto aparecemais recitado, sendo apresentado mais O espaço da imaginação, que toma O Iugar doespaçoda ifnage~:·de\;e ·supri­
como materiallingüístico alheio e estranho do que como texto para papéis. mil' a contraposição de platéia e cena em favor de um espaço deassociaçõe~
que abranja ambas a partlr.da dramaturgia visual e da paisagem sonora,
Paisagem textual, paisagem sonora
.Teatro das vozes
Se procuramos um conceito que apreenda as novas formas de representação
do texto, eleprecisa englobar a noção de "espaçamento" no sentido em que a De maneira engenhosa, Friedrich' Kittler associouas categóría s-da teoria laca-
concebe Derrida: a materialidade, o decurso temporal, a extensão espacial, niana com os "sistemas de registro"'técnicos da modernidade: a categoria do
a perda da teleologia e da identidade própria. Optamos pelo conceito de pai- simbólico (em função do encadeamento descontínuo de sígníficantes'indiví-
sagem textual, porque ele designa a conexão dalinguagem teatral pós-dramá-
254 tica com as novas dramaturgias do visual e ao mesmo tempo mantém o ponto 1 Ver [ean-Iacques Roubi~e, 1héâlreet l1lise ~h scêne ; 880-1980. Paris, 1980, pp. 166 e 168. 255

\ #
I
duais) com á escritaimpressa; a. do imaginário\emfunção do reconhecimento o teatro pós-dramáticoopera uma peculíarização mas sobretudo uma dis-
da forma) com o cinema, a do real (em função de seu statuspré-semântico) seminação das vozes, o. que de modo algum se llmlta aos efeitos sonoros ele-
com a fonografia.' O real - portanto a corporeídade-na medida em que ela trônicos ou outros recursostécnicos. Encontram-sea modulação e a gradação
não é codificadapelo deseja (estruturado pelo imaginário) ou pelo significado da voz solo, como nos monólogos de lutta Larnpe, Edith Clever ou [eanne
(organizado simbolicamente) -é posto em-jogo pela presença do corpo, uma Moreau; a concentração coral e a dessactalização da palavra; a exposição da
vez que a presença física sempre mina todo ordenamento (verbal ou não-ver- physis das vozes no grito, na gemido, nas vociferações animalescas, na sua es-
bal) e toda significação. A realidade corporal gera um déficit de sentido: o que pacíalização arquitetõnica, Simultaneidade, poliglotísmo, coro e "árias-gritos"
quer que apareça no palcoem termos de significad~'é'$.e:npre redimensionado (Wilson) contribuem para que o texto se torne um libreto semanticamente
em sua consistência pela corporeidade; o sentido é arrancado no turbilhão pré- . irrelevante e um espaço sonoro semlimitesprecisos- basta pensar em Schleef,
conceitualda "certeza sensível" quea p~rHr de cada disposição estável (tese) Fabre e Lauwers em grupos teatrais como Maatschappij Discórdia, Hollan-
de um texto destaca' ó'lado"performativo, seu. caráter dê posicionamento des- dia, La Fura deIs Baus e Théâtre du Radeau, Desfazem-se as fronteiras entre
cuidado de toda verdade,sua profunda inconsistê'~ii. a llnguagemcemo-expressão da presença viva e a linguagem cama material
Nesse deslocamento do sentido para O sensório, inerente ao processo tea- lingüístico preestabelecido. A realidade dasvozesse torna elamesma um tema.
tral, é o fenômeno das vozes vivas que manífestamaís diretamente a pre- A vozé arranjada e ritmada segundo padrões formal-musicais ou arquítetô-
sença e o possível predomínio do sensório no próprio sentido, bem como nícos, manipulada por meio de repetição, distorção eletrônica e sobreposição
o cerne da situação teatral: a co-presença de atores vivos. Em razão de uma até o ponto da incompreenslbllidade, exposta como ruído, grito etc.,exaurida
ilusão constitutiva da cultura européia, a voz é sentida como uma irradia- pela mistura, separada dos personagensaté tornar-se incorpórea.
ção direta da alma e do espírito da "pessoa': e o falante teatral é a pessoa
presente por excelência, metáfora do "outro" (no sentido de Emmanuel Levi- Sujeito/disseminação
nas). Ele faz apelo a uma "resposta/responsabilidade" do espectador, e não a
uma hermenêutica. O espectador se encontra exposto à presença"d~:tituída A presença de um corpo humano no palco estrutura o espaço visual da cena
de sentido" daquele falante como uma questão dirigida a ele, àquele olhar' teatral, Analogamente, a voz humana ocupa o ponto mais alto de uma hierar-
que se volta para ele como entidade corpórea. Ele não pode mais reduzir quia do universo dos ruídos no teatro (também no cinemaos outros ruídos
aquela voz a uma materialização de um lógos passado, ausente, à mera voz são diminuídos ou eliminados artificialmentepara destacar a voz portadora
dos personagens incorporados, como no caso das incorporações de papéis de significado como objeto de fetiche). O lugar privilegiado da voz humana
dramáticos. Ao passo que a estética teatral dramática oferecea duração ideal sempre foi assegurado no teatro. Contribuía para isso o cordão sanitário de
da aparência - o drama conserva, faz perdurar o sentido do discurso -, o . silêncio eguietude em torno do altar sagrado do palco: anteparos acústicos,
novo teatro assume o esmorecimento ao conceber o processo teatral não luzes vermelhas com a advertência "Silêncio durante a peça'; o comporta-
mais como "obra': mas como "acontecimento" - multidimensional, espaço- mento comedido do públlco (que s6 se estabeleceu regularmente a partir do
temporal, audiovisual. século XVIII). Tradicionalmente, a sonoridade vocal como aura em torno de
um corpo, cuja verdade é sua palavra, prometia nada menos q)1e a deterrní-
A .,'

Friedrich Kíttler, Gramophon, Film, Typewriter. Berlim, 1986, pp. 27-28. VerIacques Lacan, nação da identidade subjetiva do homem. Por isso, O jogo tecnol6gico que
Die vier Grul1dbegriffe der Psychoal1alyse. Weinheim/Berlim,:1287, p..2D4. desagrega a unidade corporal e vocal do ator não é nenhum jogo infantil: 257
a voz detur pa da eletronicamente acaba com, o privilégio da identidade. Se e ou tras vozes, alcançar uma plura lidade sem um centro fix ável, um des tro-
rradícíonalmente a voz era definida como o instrumento mais imp ortante da namento do eu - o sujeito como objeto, como vítima sacrifi cial do impulso
atu ação, agora se trata converter o corpo inteiro em voz. que o atravessa, nã o em su a identidade mais pesso al.' Quando a voz deixa
O escândalo do corpo falante é a dissolução dos limites do corpo. O vo- audível suas articulações son oras transversalm ente à expressão de sentido in-
lume do cor po exalante se expande para além dos limites de sua circunscri- dividualizada, revela-se aquela artimanha em que ela, par a falar com Ba'rthes,
ção sonora. O que tem início com o inspirar e expirar - o fato deque O corpo "investiga como a linguagem tr abalha e se identifica com esse trabalho [...]: a
se torna vibração e instrumento sonoro - prossegue com a voz. O som cria dicção da lin guagem"!
em torno do corpo urn a esfera liminar, uma paisagem foné tica: ainda corpo,
já espaço do campo cênico,recoberto e novamente ab andonado pelas on- Loc us agendi, locus parlandi, serniótica auditiva
das de som e energia. A experiência explícita do elemen to auditivo tem lugar
qu ando se desagr ega o conjunto coeso do procedimento teatro, quando s ~in A. relação entre corp o e voz tamb ém se torno u um campo de atuação da esté-
e voz são organizados em separado e d e maneira reconhecível em um a lógica tica teatrãf eretrôn ica, compreendendo, entr e outros, os seguintes element os:
própria, quando o espaço -co rpo, o espaço cêni co e o espaço do espectador dublagem, que une uma voz oculta à imagem do corpo; playback, no qual o
são cind idos, red ístrib uídos e reunidos de uma nova maneira pelo som e pela corpo se encaixa m imeticament e numa voz ocu lta, da qual logo "se apropria";
voz, pela palavra e pelo ru ído . Entre o corpo e ~$eometria da cena . o espaço produção de um espaço sonoro, no qual o locus agendi e o locus parlandi são
sonoro da voz é o inconsciente do teat ro falado. separados; paisagem sOJ:/OfJl , em que vozes sem corpo, muitas.vezes em off,
O teatro do dr ama e da mise-en-scéne do significado do texto não pe rmite imiscuem- se e int erferem
,
em outras vozes (ao vivo), que hab itam .
, os corpos,
que a semiótica auditiva se afirme como elemento autô nomo: reduzida-ao e em vozes pré -gravadas dos pr ópri os atores . Em Robert W!lson, especial-
transporte do sentido, a palavra é despojada de sua possi bilidade de círcuns - mente, há um cisão d ó' lóc'üs àgendl~do iocus porlandí, com o que i~bâIa'aa a
crever um horizonte son oro que só pode ser construído no teatro. 'O teatro percepção de uma persona unitária. A tecnologia de repr odução vocal torna
p ós-dr amático redescobre a voz por me io dos dispositivos eletrônícos e cor- po ssível que a voz do, at~r visto no palco pareça vir de qualquer pa rt e do tea-
porais. Ao fazer da presença da voz a,base de uma semiótica auditiva, ele a tro. Assim , a voz é sit~,adãcõmo elemento-no.espaçodeurna determinação
separa do significado, compreende acrlação de .signos como gesticulação da que não é mais determinad a por um sujeito autônomo, 'se~hor desua.voz,
voz, escuta o eco nas abóbadas dos sun tuosos templos literários. Trata-se aqui mas ond e o espaço sonoro ê um a e~t~~t~r~ auditiv~-cÜ~~m ~ntes de tudo 'o se-
de uma audioan álise do inconsciente teatral: por trás das palavras , o grito do guinte: não soueu qu~·falo-!. mas algo, e por meio/na qualidade de um "agen-
corpo; por trás dos sujeitos, os sign ificantes vocais em que eles se apó iam . A ' ciame nto" maq uinal compldb.(Deleuze). .
desumanização ai implicada libera n ovas linhas de fuga e correntes de ener- O teatro "cin em atográfico" de Ioh n Jesu run apresenta uma variante da '
gia. Resgata-se assim aquilo que Artaud pode ter pretendido em 1947 na le- nova maneira de lidar com a voz e o som . A poss ibilidade de que a sono-
gendária transmissão radi ofônica de "Para acabar com o julgamento de Deus" rid ade defin a imagem, espa ço e c ena p or linhas de força-é.lnscríta no es-
["Pour en finir avec le jugement de Díeu"], como uma espécie de mo delo p aço cênico organizado opticamente. A pr opagação e o direciona ment o das
em min iatura do "teatro da-crueldade" : mediante a distorção com timbres e
I ", '
freq üências mais altos, depois novamente em alturas "humanas': mediante a 4 Ver Helga Finter, Ders!lbj~ktlve,Raum ; Tübingen, ~990, pp. 127-28.
diversificação das vozes corporais individuais e sua c0m.b inação com ru ídos 5 Roland Barthes, DasRauheder Stimme. Berlim, 1979,pp. 19-20. 259
sonoridades constroem um agenciamento com as estruturas visuais como erotismo, '0 interesse, experimentando-se portanto como olhar-video. Assim,
componentes de uma máquina que articula corpos, imagensesons. A obra a audição constr ói e insere um outro espaço no espaço óptico: campos de
de Jesurun pode ser descrita no contexto dÓ'.paradigm:à sobre o qual Belga referência, li~has que ultrapassam as barreiras. Enquanto as imagensdividem
Finter afirma: a presença, na medida que permeiam o agora do que acontece no palco com
tempos/imagens inteiramente diferentes da tela de vídeo, a linguagemvolta a
A luta frontal contra a linguagem cede a um jogo astuto com as linguagens. cujos "
encaixar momentaneamente no jogo de perguntas e respostas os fragmentos .
elementos são reorganizados como segmentos'. Na'épocada eletrônicae das mídias. da imagem despedaçada na presença de uma imaginação.
soltam-se dos murmúrios sombrios das glossolallas de Artaud vozes grotescas e
. " -,
A voz que emana dos amplificadores carece do timbre corpóreo que ca-
tragicômicas quee mana.m da experiência da pluralidade das falas e darelativídade racteriza a voz humana natural. Ao mesmo tempo, porém, a voz do espaço
do~ ·(nsi:iJrsos,.tais corno veiculados na cidade de Nova York, por exemplo." eletrônico se torna lugar do impensado trans -subjetívo, põe a imaginação
- '- - , , " •• o, . _ • • • . • • • . _ . _ . . • . ..

. . ... . ._
--. no rastro. A imagem é retocada/reescrita pelas palavras. A partir dos frag-
No teatro desse porto-riquenho radicado em Nova York 6 palco se torna mentos do se.6Üdo;á'recepção fantasia constructos imaginários. Para além
um ambiente de estruturas luminosas e texturas auditivas. Desde o primeiro do sentimento perdido, justamente no maquinismo formula-se de súbito, no
momento põe-sé em funcionamento uma máquina textual de vozes, palavras pontode ruptura, a nostalgia da comunicação, 6 sofrimento pela impossibili-
e associações que opera em andamento acelerado, com réplicas e transições dade (dificuldade, esperança) de derrubar o muro, a muralha das linguagens
bruscas, praticamente sem pausa. Fragmentos de um enredo se tornam per- intraduzíveis. Um momento mais "human o" desponta: o sujeito integral é
ceptíveis emumcampo indeterminado no qual se descortinam diálogos sin- momentaneamente encont~~90 quando O olhar localizou a voz e a devolveu
gulares, discussões, declarações de amor. Pol ítica e vida privada se misturam. . ao corpo, fator do homem, Em seguida volta a prevalecer o mecanismo de
O tema de [esurun, a comunicação - as estranhezas da linguagem - , exprime- sonoridades, reações, partículas elétricas, trilhas de imagens e de sons.
se mais pela forma do que pelo conteúdo. Desde que se tornou possível separar a voz do falante via gramofone ou
Também no teatro de Jesurun as vozes freqüentem ente são-captadas " " telefone, e mais ainda com a tecnologia eletrônica, emergiu uma realidade
por microfones ocultóseressoam alhures. As frases voam para lá e para cá, de vozes "semlugar" - que também podem ser chamadas de vozes "em sus-
abrindo vias e criam campos que interferem. nos dados visuais,A rapidez ma- penso", conforme a expressão que Derrida empregou em Cartão postal [La
: quinal das falas e das transições faz as palavras funcionarem como setas ou Carte postale] para a carta que não alcançou o destinatário. Elas já não po-
. bolas arremessadas entre pessoas e imagens num ritmo tão frenético quanto o dem ser subordinadas sem mais às figuras, e por meio da arquitetura musical
das comédias de pastelão. Geram-se então linhas de força através dá cena ob- . distanci'!.Il1:.s!. ainda mais dos personagens falantes. Benjamin falou de ver
servada pelo espectador. Quem fala? Quem replica? O biliar procura. Quem é sem ouvir, e no ensaio sobre "A obra de arte na época de suá reprodutibi-
que está falando agora? Divisam-se os lábios que se movimentam, associa-se Iídade técnica" analisou a decomposição e a separação das percepções sen-
a voz com à imagem, junta-se o que está partido, perde-se de novo a conexão. soriais. Reciprocamente, o ouvir sem ver se torna uma experiência normal.'
Uma vez que o olhar vagueia de um lado para o outro entre corpos e imagens O que ocorre quando a sonoridade corporal da ·voz aparece cada vez mais ·
. -~
de vídeo, ref1ete-s~ a si mesmo para experimentar onde residem 6 fascínio, o desprendida de qualquer corporeidadei Entre outras coisas, isto,~J0dâ voz

260 6 Pinter (in Theater Heute), op. cit., p. 49. 7 Ver jacques Derrída, Spectres deMarx. Paris, 1993. 261
1
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destacadaprov ém dó Hades, remete ao ocaso da morte. Diz respeito a isso a
pass~gem de Proust em que Marcelfala sobre a perspectiva de ouvir a voz de
t
sua avó ao telefone:
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I
É ele [o serquerido], é a sua voz que nos fali, que ali está: Mascomo essa vozse
acha lo~ge! Quantas vezes não pude escutar senão com angústla.c õmo se ante
í
t

essa impossibilidade de ver, antes de longas horas de viagem, aquela cujavoz es- iI
tava tão perto de meu ouvido, eu melhorsentisse o que há de decepcionante na 1
aparência da maisdoceaproximação, e a que distância podemos estardaspessoas
f
amadas no momento em que parece que bastaria estendermos amão para retê- 1
las! Presença real a dessa voztão próxima na separação efetiva!Mas antecipação r
também de uma separação eterna! Muitavez, escutando assim, sem ver, aquela
t-
I
que me falava de tão longe, me pareceu que aquela voz clamava das profundezas rt
de onde não se sobe, e conheci a ansiedade que me'havia de angustiar, um dia,
quando uma voz voltasse assim (sozinha e não-mais presa a uín corpo que eu
..
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nuncamaisveria)a murmurar em meu ouvido palavras que eudesejaria beijarde
passagemsobrelábios para sempre em p ó." j
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Marcel Proust, Auf der Suclie nach derver/orenenZeit, Die Vl:'e/t der,?uermantes; Frankfurt
am Maín, 1967, p. 175. [Aqui, na traduçãode MarioQulntana: Em buscado tempo perdido.
262 O caminho deGuermantes. la' ed. São Paulo: Globo, 1994, p. 120.J · ' "
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Es~aço dramático, centr ípeto e centrifugo

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De modo geral, pode-se dizer que o teatro dramático precisa privilegiar um
. '
espaço "mediano" O espaçoimenso e o espaço muito íntimo tendem a se tor-
fiar perigosos para o drama. Tanto num caso. quanto no outro á estrutura do
espelhamentó deixa de existir oufica em perigo,fia medida em que o quadro
cênico
....
funciona como um espelho que permite ao .
mundo homogêneo do
observador reconhecer-se nó mundo fechado dó drama, Para que haja essa
equivalência e esseespelhamento - ainda que elessejarn Ilus órios ou ideo16gi-
cós - , são necessários o isolamento, á Independência e a identidade pr ópria de
ambos os mundos.O processo de identificação dependedesseisolamento para-
que haja certeza das linhas divisórias entre a emissão e a recepção dos signos,
Um t~ em que a percepção' é dominada Mo pela transmissão desíg-
nos e sinais, mas por aquilo que [erzy Grotowski chamou de "proximidade
dos organismos vívõs",' contraria a distânciae 11 abstração que são essenciais
para o drama: Quando o afastamento entre atores e espectadores é reduzidó .
de tal maneira que a proximidade física e fisiolôgíca (resplraçãó,.~,-tóss e,

" ~
Cf. [ean-jacq ues Roubíne. 'Ihéãtte et mise enscêne 1880-198b. Paris, 1980, P·1Ô7·
. movimento muscular, espasmos, olhar) se sobrepõe à significação mental, Espaço metoním ico
. surgêum espaço de intensa dinâmica centrípeta em que oteatro se torna um
momento das energias co-vivenciadas, e não mais dos signos transmitidos. Em todas as formas espaciais para além do palco de ficç ão dramático, o es-
Nesse sentido, nas encenações de Grotowski O teatro se converte num pro- pectador se torna em alguma medida ativo, converte-se voluntariamente em
cesso quase ritual, uma vez que a participação emocional de quem assiste se co-ator. Na peça K.I. , de Crime e castigo, encenada por Kama Ginkas, a atriz
torna constitutiva para o que acontece. O 'observador acompanha os atores Oksana Mysina interpreta Katerina Ivanovna, personagem do romance de
com uma tal proximidade que acaba por entrar no círculo encantado da con- Dostoiévski, num espaço dotado apenas de uns poucos acessórios: ela aborda
vivência orgânica - o que permanece claramente distinto da participação real, diretamente os espectadores, que são levados pela mão. recebem pedidos de
que não existe em Grotowski. ajuda e vêem-se assim inseridos na histeria que a atriz forja ludicamente. Tal'
Já o espaço de grandes proporções representa uma ameaça para o teatro apagamento das fronteiras entre a vivência real e a fictícia tem amplas con-
dramático por seu efeito centrifugo. Pode ser simplesmente o caso de um es- .--" ······-seqüêP.:cias para a compreensão do espaço teatral, já que ele deixa de ser um
, paço cujas amplas dimensões suplantam e subordinam a percepção de todos espaço metafórico-simbólico e se torna um espaço metonímico. Ao passo que
os outros elementos, como O Estado Olímpico de Berlimem Viage m deinverno a figura de retórica da metáfora destaca uma semelhança (entre navegação e
[Winterreise ], de Klaus Michael Grüber, ou ainda o de um espaço que se.sub- vida em "viagem da vida" com partida/nascimento, caminho, talvez tempes-
trai ao domínio da contemplação mediante encenações simultâneas em locais tades/erros e chegada/mor te), a da metonímia estabelece uma relação e uma
diferentes, como na célebre montagem de OrlandoFurioso por Luca Ronconi, equivalência entre duas grandezas ao tomar uma partep éló' todo (uma "ca-
que foi apresentada pela primeira vez em 1969 e se tornou um dos primeiros beça esperta) ou ao usar um contexto externo ("Washington desmente que.."),
grandes eventos mundialmente conhe~idos daquilo que logo se passou a cha- No sentido dessa relação metonímica ou de contígüídade.ipcdemos chamar
mar de "teatro total". Aqui, os espectadores tinham de decidir como qué'rÍam de metonímico o 'e~p~ç~-~ê~i~o ciija determinação principal não é servir de
montar a "sua" representação em face das várias opções em curso;/além de suporte simbólico para um outro mundo fictício! mas ser ocupado e enfati-
servirem como elemento de "decoração", quando de rep'~ ~te pa;,savam a ser zado como parte econtínua ção do espaço real do teatro. .
as árvores de uma floresta que os atores àtravessavam. Assim como em outras as
. O teatro dramático, n;' qual tábüâs dopalco significam o mundo, '
manifestações do teatro total, pode-se considerar que a despeito da recusa de a
poderia ser cpmparadó com perspectiva: tanto nosentldo t écnicoquanto
uma configuração cênica ilusionística é celebrado um verdadeiro triunfo da no mental;' o espaço é aqui janela e símbolo, análogo à realidade "por trás".
"ilusão" teatral.' Talo caso do excepcional espetáculo 1789, do Théâtre du Soleíl, Por meio da abstraçã~ ê'd? ênfase, ele oferece um equivalente met~fórico do
em que a impressão de uma animada feira anual. com grandes massas huma- mundo que é, por assim dizer. padronizado, à mane ira das pinturas renas-
nas, estandes multicoloridos, alaridos e surpresas, combina-se com as cenas centistas concebidas como "janela aberta", Na qualidade de janela persp éc-
representadas. Os estrados cênicos interligados por pranchas e as massas de tlca, o teatro dramático é símbolo: suas tábuas sempre significam o mundo.
espectadores aglomerando-se e dispersando-se por entre eles conferem ao tea- Quer o drama seja representado em diversos ccmpartíniéntos de um palco
tro uma atmosfera semelhante' à do circo, mas ao mesmo tempo o tornam o simultâneo, como na'decoraçã~ Ínúltipla (décor multiple) renascentista ou no
equivalente espacial-cênico das ruas e praças da Paris revolucionária. a
típico espaço unitário (palai) volonté) cla;sicista, quer ele tenha lugar diante
do pano de fundo da cena 'ba~r6câ,: a 'bem do'acontecimento universal, ou no
266 2 lbid., p. 114. campo de força de Uh1 meio 'naturàlista que parece determinar de antemão 267
as ações dos homens, isso tem uma importância secundária diante do fato de Por que os quadros são emoldurados? (...] A moldura [...] os desprende da natu-
que o espaço dramático é sempre símbolo ísoladó de um mundo como totali- reza; ela é uma janela que dá para um espaço inteiramente diferente, uma janela
dade, por mais que ele seja mostrado de maneira fragmentária, para o espírito, onde a flor pintada não é mais uma flor que murcha, mas uma
Jáno teatro pós-dramático o espaçose torna uma parte do mundo, decerto interpretação de todas as flores. A moldura a coloca fora do tempo. [...] O que
enfatizada,mas pensada como algo que permanece no continuum do real: um uma moldura nos diz? Eladiz: "Olhe para cá; aqui você encontra algo digno de
recorte delimitado no tempo e no espaço, mas ao <,
mesmo tempo continuação ser visto, algc que está fora do acaso e da transitoriedade; aqui você encontra o
e por
. . isso fragmento da realidade da vida. N6 teatro ,clássico, o trajeto percor- sentido que dura- nãoasflores que murcham, masa imagem das flores, oucomo
rido por uma atriz no palco significa,como metáfora ôu.símbolo, um trajeto jáfoi dito: o sentido-imagem".3
fictício - talvez o da área do Cãucaso atravessada por Grucha [em O circulo
degiz cauêllSiano,"QeI3r~.cht].No espaço que funciona metonimícamente, um Essas frases também caracterizam o que a moldura rende em prol do teatro
caminho percorrido pelo ator represêntã sobretudo-uma referência ao espaço dramático. Em contrapartida, é evidente que o teatro pós-dramático difi-.
da situação teatral; como parte pelo todo, refere-se ao espaço real do palco e, cílmente pod{t~r- uso para molduras, que acabam por levar a um' "sentido-
afortiori, do teatro e do espaço circundante como um todo. imagem'lÊm veZ disso, ele irá privilegiarestratégiaspróprias de moiduragem
div~rsificada, mediante as quais o particular é arrancado do campo unitário
Drama e outrasmolduras quea moldura constitui ao circunscrevê-lo. Em vez de ser intensificado como
sentido pela tota.lidade emoldurada, o particular é justamente cortado de sua
o drama foi "d"esde sempre menos emoldurado do que ele mesmo uma mol- ligação com o todo e assimressaltado em sua constituição sensorial: as mol-
dura. Assim como na pintura o fundo é indispensávelpara a figura, de modo duragensdiversificadas operam de tal modo que o particular é reconduzido a
que ela possa ser destacada, a trama dramática constitui a moldura e o fundo si como ser-assim e ser-aqui, COmo perceptibilidade intensificada,
imprescindíveis a partir dos quais os gestos da linguagem e do corpo ganham
seu sentido. Dessemodo, coexistemno teatro a moldura espacial do proscênio,"
a moldura espiritual da encenação e a moldura do processei dramático. Acres-
centa-se a isso a disposição formal, que igualmente funciona como moldura:
tom o primeiro verso, a primeira frase, a primeira entrada em cena, o público
se "afina" com uma determinada expectativa lingüística, com Uma forma esti-
lística fundamental, com uma estética.Assim, Os acontecimentossão também
emoldurados pela forma. Tudo o que é emoldurado se constitui como contexto
interno e é isolado da realidade externa como algo especial, significativo, ele-
vado, espiritualizado. Essaé a faculdade da moldura, que é usada por toda esté-
tica teatral, quando ela traz à tona elementossimples e sem significado. A mol-
dura intensificae concentra a propensão perceptivade tal maneira que também
o que é cotidiano se torna interessante. Em seu diário Max Prisch anotou:
268 3 Max Frisch, Tagebücher 1946-49. Frankfurt am Main, 1970 , p. 65·
.......... .

Estética espacial pós-dramática

A "virada" em torno de 1980 ' . " '.


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A emancipação da semíótica visual do teatro - em conexão e em . /
concorrência
com a retóricapolítica - permaneceu Ilmítada na neovanguarda-doaanos 1960.
A interpretação te'~t;;liodias~r "ieltttr·a"rãarcãI,·mas continu;va a val~;o pri-
,../
.' ,.," mado do texto e da transmissão de sentido. No teatro dramático tradlcional, o
aspecto visual desâesem1ire serviu a essatransmissão - independentemente de
seusatrativos ópticos arqcit~t6rtÚ~õs~Pàrà'ol1Vtê-d~sdobr:ainentº:~e UI:(1 "teatro
e
de imagens" :-Eomó bemsão chamados'os teatros.deRobert Wils~J;~ae's~us
seguidores :., era-i1ece~ário Um maior impulso de distatlcianiento do;"testemü-
nho.polítícoem sentido réstríto e daliteraturadramática emsentidomaisamplo.
No início dos anos 1980, div~rsas encenações importantes - de Klaus Michael
Grüber,.Ariane Mnouchkíne, Peter Steln - realizaram de maneiras diferentes'
grandes tableaux. Irrompe·u umá· tfÕv·ânfas.~~a configu;~ção 'cênica, um inte-
resse pelo espaço teatral formalmente estilizado.que logo'ser efletiu no renome
de artistas radicais como Ian ~~b~é. Com os projetos orientadospara o contato
com O público na época "ati~isit dos ~~~Ú9.§9;.e.70, isso havi~ acabad'o. Assim,
buscava-se agorasobretudo-a-sírbffiersâo do.espectador em uma contemplação
. I
nos detalhes, nas estruturas formaís enos significantes, As conseqüências disso 271
-,
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podiam ser uma precisão classicistae espaços cênicos que geravam um longo níal não visa o reconhecimento de um quadro famoso, mas a presença teatral
efeito retardador, Muitasvezes, o forteefeito da imagem e do-espaço se asso- viva dos gestos humanos e das formas em movimento.
ciava a uma maior duração da montagem. Issólevouà típicavivência do espaço Ao quadro cabe a moldura, e no teatro de Wilson, de fato, tudo começa e
no teatro pós-dramático, na quai a impressão visualcomo que se sobrecarrega acaba com molduragens, um pouco como na arte barroca. Wilson cria mol-
. com as palavras e os gestos no decorrer daencenação. O espaço pós-dramático duras de luz, espaço e som - como na montagem a céu aberto de Perséfone
já não "serve" ao drama e tampouco a uma atualização politizante, masantes de no antigo estádio de Delfos e na encenação de T.S.E. 2 em Weimar, nas quais a
. tudo a uma experiência essencialmente lmagétíco-éspacial, "
área da representação se dividia em campos ou faixas de luz. Em Wilson, os
O panorama apresentado a seguir compreende palcos com uma separa- diversificados recursos teatrais de molduragem fazem que cada detalhe seja
ção clara em relação ao espaço da platéia,espaços interativos ou integrados objeto da função estética do isolamento e ganheum valor de exposição próprio.
e ainda espaços"het~tqgêl1e?s" com passagem para situações cotidianas. Es- Além dasiluminações especiais quedelimitam os corposno palco comcampos
ses espaços ora estão inteiramente"a'úrviçoclasemântica textual, ora se tor- de luz geométricos, tem efeito de molduragema precisão escultural dos gestos,
nam uma "composição paralela" (Achim Freyer) à música ou ao texto. Não executados pelos ~tores com intensa concentração e de modo como que ceri-
se trata aqui de apreciar a obra de determinados cenógrafos Importantesdo monial~ Um andar, o erguer de umamão, um giro de corposão elevados a uma
teatro contemporâneo: de ErichViTonder aAnna Viebrock, de Axel Manthey nova. visibilidade em meio à justaposição não-hierárquica dos fenômenos.
a Achim Preyer, é preciso examinar os espaços cênicos atuais e suas respec-
tivas dialéticas artísticas em sua imensa diversidade à luz do paradigmapós-
...... - ..
Jogo com espaço e superfície
dramático- e do dramático; já que no âmbito do teatro dramático tambémse
encontram importantes achados espaciais. No teatro dramático trata-se sempre de criar uma moldura adequada para a
experiência do dramático, um espaço ao mesmo tempo real e espiritual, um
Molduragem pano de fundo, uma imagem de pensamento alegórica, enfim, a própria cons-
telação cênica como imagem. Com a autonomízação da experiência pictórica
A primeira vista, o espaço cênico que se organiza como quadro (tableau) na modernidade, estava dado o pressuposto de que a certa se aproximasse
se isola programaticamente do théatron. O isolamento de sua organização conceitualmente da lógica pictórica e, em conseqüência, se apropriasse até
interna está em primeiro plano. O teatro de Robert Wilson é exemplar do certo ponto do modo de recepção peculiar ao quadro. Foi generalizado o
"efeito quadro". Não é sem razão que freqüentemente se tem comparado esse lamento de que com essa virada para o aspectovisuala percepção orientada
teatro com a tradição do tableau vivant. Sabe-se que no século XVIII as damas de módo dram~tico-literário seria expulsa do camarote real, ignorando-se os
e os senhores da sociedade tinham o hábito de se divertir imitando pinturas, ganhos assim propiciados. Nesse processo, o foco na imagem como imagem,
imobilizando-se com as poses e as vestimentas correspondentes (normal- a percepção dinâmica da "6psis" [visão] (Aristóteles) e à "visão vedara" (Max
mente com acompanhamento musical).' O que é correto na comparação é Imdhal)são "contrabandeados" para o âmbito teatral.
que no teatro da lentidão a percepção inevitavelmente se orienta para o foco Axel Manthey pensa o palco como uma ideal "superfície pictórica" para
, .-.~-

com que se percebe um quadro. O que é falso é que o retardamento cerimo- exercer o teatro como pintura cênica. Seustraços e emblemas críamjmagens

VerKirstenG. Holmstrôrn,Monodrama, Attitudes, TableauxVi~ants, Uppsala, 1967. :2 Titulocompostoa partir das iniciais de T.S. Elíot. [N.E.) 273
autôno mas, quase formando caracteres, nas quais se destaca a relação das são claras e o espaço é "mais literário". Apesar da fragmentação, trata-se de
figúras cênicas com a superfície. Quando surgem elementos funda mentais espaços tematicamente definidos. É certo que nas várias peças de Shakespeare
como esfera e cubo ou símbolos como mão e seta, as garatujas e a deliberada encenadas por Lauwers a continuidad e do enredo édesconstruída, mas seus
infantilidade da caligrafia sempre lembram algo pintado. A linguagem ima- temas, como a morte, a amizade, o poder e a solidão, organizam a lógica da
gética de Manthey - que se insere na tradição intelectual do construtivismo e montagem cênica e são assim conservados. Apesar da fragmentação, da abre-
da Bauhaus - é visualmente impressionante, opulenta, como se viu nas suas -viação, dos cortes, os enredos são contados em seus traços fundamentais.
criações cênicas para montagens de [ürgen Gosch realizadas na primeira me- Diferentemente do que ocorre no teatro aferrado ao épico, os acontecimentos
tade dos anos 1980 - por exemplo, a gigantesca escadaria preenchendo todo nos diversos locaisdo palco não são conectados por uma moldura de continui-
o palco em O misantropo e o curioso palácio com forma de tenda em Édipo. dade narrativa. Os núcleos da representação (uma mesa, um palanque, alguns
O tratamento pictórico do palco em Manthey foi acentuado em montagens lugares para sentar, um fundo abstrato, talvez a sugestão de um arranjo cênicoa
como O anel dos. nibelungos, de Ruth Berghaus (1985-87). 'partir deapetrechos), visíveis desde o início, entram em jogo por meio de mudan-
Em montagens do Wooster Group, de [an Lauwers e de [ürgen Kruse ças defoco drarnatúrgicas, assumindo assim o aspecto de um registro cinemato-
é freqüente O procedimento de posicionar os atores bem à frente do palco, gráfico. Emface de um campode representação seccionado por "cortes" em partes
perto da "quarta parede", obtendo-se assim uma composição espacial que tem heterogêneas! o espectador tem a sensação de ser levadode um lado para o outro
o efeito de uma superfície pictórica. Por fim, o espaço também se torna tema como se acompanhasse as seqüências paralelasde um filme. O procedimentoda
teatral em virtude do fato de que muitos diretores provêm dos campos da montagemcênica induz a uma percepção que evoca o corte cin~n:'atõgl:afico.
pintura, da escultura e do design (uma conjunção que já havia sido altamente Cabe destacar aqui um princípio de organização que tamb ém é caracterís-
produtiva para o teatro no início do século xx), tlco da pintura: na medidaem que o_satores constantemente se comportam no
palco como espectadores em relação ao desempenho dos outros atores, surge
Montagem cênica urna peculiar focalização da ação assim observada. Esse procedimento fun-
ciona de modo análogo àquele ~~ p'i~!1.l:ra clássica que indica o percurso da
Uma outra forma do espaço pós-dramático se encontra nos trabalhos de [an visão do observador medi ante o udirecion~~~'llto-doõnfar'l..dasfigur~§ .repre­
Lauwers, Aqui, corpos, gestos,'atitudes, vozes e movimentos são arrancados sentadas, sugerip:~o assim uma determinada "leitura'" seqü enc ial e urna 'hie-
de seu contínuo espaço-temporal e recompostos como elementos de uma rarquia da cena apresentada. Algo semelhante ocorre no teatro de Lam~ers:
montagem. Suprimem-se as habituais hierarquias do espaço dramático (rosto, . " , .
gestos significativos, confronto dos antagonistas etc.j..de modo que não há A observação dascenas - o assístír - é elementoconstitutivo da representação: os
mais um espaço disposto pelo eu-sujeito. O palco não é organizado como olhares dosintérpretes estruturam as narrações cênicas. Um fragmento do que
campo homogêneo, consistindo antes em "campos" alternantes e síncrônicos se passa no palco (um ator, uma cor;steÍação de figuras, um~,~ea, Un1 campo de
demarcados pela luz e pelos objetos. O espaço da representação é redefinido. visão) é "recortado": torna-se uma unidade de montagem. Um d~~locamento do
no decorrer da encenação. O caleidoscópio de estruturas espaciais, objetos olharressalta o foco.':. ,,
de cena e espaços lum ínososcorresp onde a umtrabalho textual de montar e
desmontar. Em contraste com as ações paralelas em Wilson, freqüentemente Kirsten Herkenrath, IaM Lâúl~~;~'A~toniÚ~ und Cleopatra. Eine nach-epische Theatrekon-
274 experimentadas corno elementos desconectados, aqui,as .~onexões objetivas zeption. Giessen, 1993, pp. 65-6 6 (rnlmeo.), 275
" 0

-.\ 1
Se os atores parecem momentan eamente "sair" da representação e agir Espaços temporais
... . ' '. i · -
como espectador es junto aos outros espectadores. ra.moldura desse teatro
permane ce sistematicamente incerta, com~'quadro di·~ amizado. Com isso, Fazem parte do teatro pós~dramático a produção ea utilização de ambientes se-
dá-se ao espectador a opção de' se·deix.ar.~~l1duzir pelo "direcio~amento do gundo o padrão das artes plásticas. Em 1979, Klaus Michael Grüber realizou nas
olhar" ou de se desviar e observar um'detalhe externo ao foco: no final das dependências do antigo hotelde luxo Esplanade, em Berlim, uma ação teatral (ou
contas, é o espectador que (co-)realiza os cortes e decide se e como vai foca- uma instalação) na qual os espectadores, entre as paredes do edifício caindo aos
lizar o olhar.
. Contudo, a liberdade
.
do espectador.deve
. ,
ser entendida aqui e
pedaços, entre projeções pequenas cenas, ouviam uma versão resumida da no-
.mais como um passo do teatro em direção à liberdadeda leitura do que em vela Rudi, de Bernhard von Brentano, de 1933: um espaço rememoratívo.' Em um
termos de uma similaridade com a construção cinematográfica. No cinema, trabalho teatral em Berlim,Heiner Goebbels posicionou o público de talmaneira
se
como j"á- dísse- éo.olhar d.() espectador que no fundojunta os fragmentos, que à noite, ao pé do Muro deBerlim iluminado'fantasmagorícamente, ele via
sintetizando-os com sua con;~i~aà 'e" experiiíren tando a sensação de "fa- umabarcaça virlentamente emsua direção comuma figura a princípio quaseirre-
zer" o próprio filme. Mas o "olhar da câmera'; com o qual o expectador do conhecível (eurr(éàdi.õrro)i·enquanto David Bennet declamavao texto Maelstrom
cinema se identifica, é não só. fantasia de poder coma também olhar cativado pólo Sul [Maelstrom Südpol] , de Heiner Müller (a partir de Poe), Na instalação
se
e impotente, pois a atividade imaginada 'éncollfrà diante da circunstância' feita p,o[Michael Simon em 1996 para Descrição de imagem [BÚdbeschreibung], de
de que a densidade dos signos cinematográficos (imagem fotográfica, movi- Müller, numa pedreiraem Weimar, o público era conduzido por uma seqüência
mento, m úslcaIínguagem, som, reprodução do mundo real) praticamente de cenas, imagens, cartazes comtextos e situações distribuídaspelo terreno..
não confere liberdade para a reflexão, para a "mudança de sentido'; para a Em muitos desses trabalhos revela-se a Intenção de propiciar uma deter-
experimentação e a crítica. A montagem cênica no teatro pós-dramático, em minada experiência temporal por meio de concepções espaciais específicas, da
contrapartida, oferece essa liberdade e justamente por isso não implica que o escolha de localidades historicamente significativas ou da construção de ins-
olho do espectador se torne o olho da câmera cinematográfica. talações. Issovale, por exemplo, para um dos mais Impressionantes trabalhos
Diversas outras formas de espaço teatral múltiplo são possibilitadas-pelas....., , ..._ ._: . . ' de Elke Lang, que em 1989 montou no TAT [Theater arn Turm] de Frankfurt
mídias: os eventos podem ser transmitidos de outros espaços que estão em A outra hora [Die andere Uh r], um ambiente sonoro e musical com textos de
. relação com o palco. No caso extremo, os espectadores não vêem nenhum RolfBrinkmann, WolfWondratschek, Djuna Barnes e outros. O espaço teatral
ator diretamente, mas apenas recebem imagens de vídeo a partir de outros consistia numa série labiríntica de ângulos, passagens, locais entrevistos e es-
espaços.Nesse sentido caberia analisaros espaçosde [ohn Iesurun, bem como pacialidades em que os espectadoresse deparavam com diversos materiais de
montagens experimentais com barreiras de visão e transmissões de imagem recordaçã? .Q"?:os, ruídos, crianças brincando, música e objetos de todo tipo).
ou som. Ê importan te notar que em todas essas formas teatrais não se trata Essa dramaturgia espacial faz que o temad a reflexão opere teatralmente no
de uma conformação aos hábitos da percepção midlática, ao fantasma da ili- processo temporal como tempo próprio dos espectadoresem seu movimento.
mitada disponibilidade de transmissões eletrônicas de espaços temporais e No caso de Pina Bausch,o espaço é o parceiro autônomo dos dançarinos e pa-
tempos espaciais. Ao contrário, o espaço teatral pós-dramático estimula cone- recemarcar o tempo da dança ao comentar asações corporais, Em Café Müller, o
xões perceptivas imprevisíveis. Ele pretende ser mais lido e fantasiado do que ambiente formado pelas cadeiras reviradas atesta os movimentos intenso§..e-ápaÍ- .
• • 0' -

registrado e arquivado cama informação; elevisa constituir uma nova "arte de


assistir'; a visão como construção livre e ativa, como ~rticulãção rizomática. 4 Cf.Georg Herisel, 'Iheater dersibziger falire. Munique, 1983, pp. 328-29. 277
xonados que acabaram de ocorrer."Dança e espaço estabelecem uma dinâmica Espaços de conflito
cC'llffe~tualizante. Em Cravos [NelkenJ, o campo "de milhares de cravos é repisado
no decorrer do espetáculo, ~ind"a que no início os dançarinos evitem cuidadosa- No teatro de Einar Schleef, o espaço da representação se propaga de ma-
mente amassar as flores. Desse modo, o espaço funciona cronometricamente e ao nelraagresslva para o espaço da platéia, avança corporalmente pelas rampas.
mesmo tempo se torna um lugar dos vest(gios: os acontecimentos permanecem Quando se menciona seu nome, muitos podem pensar primeiramente no ele-
presentes em seus vestígios depois dedecorrldos, o tempose adensa. Uma outra mento auditivo: a linguagem entrecortada, a violência rítmica das vozes em
possibilidade de dar vida ao espaço em Bausch é o procedimento de espacializar coro. Ou então nos corpos dos atores: a pressão e a sobrecarga física da ação
às ações corporaismediante o recurso a microfones e amplificadores, de modo cênica, o trabalho corporal impetuoso, às vezes arriscado. No entanto, seu tea-
que a batida do coração ou a respiração dos dançarinos ressoam peloespaço, que tro também é aqueleda dramaturgiavisual, um teatro impensável sem a aguda
parece ele mesmo tornar-se corpo. Esse tempo-corpo espacializado, carregado,de sensibilidade do pintor Schleefpara estruturas imagé.ticas. Formas do palco
physis, busca a transmissão nervosa imediata para o espectador, não sua informa- em cruze passarelas"em meio ao público contribuem para que a dinâmica
ção. Ele não observa, masse experimenta no interior de um espaço-tempo. espacial opere do fundo do palco em direção ao público. Muitas de suas ence-
Os trabalhos de Christoph Marthaler e Anna Viebrock dos anos 1990 se nações são marcadas por espaçosde imagem e açãoque incorporam o local e a
destacam por sua obstinação estilística com espaços de recordação. Um dos perspectiva do espectador, tornandoimpossível uma distância contemplativa.
aspectos disso é a recorrência de espaços assustadores que evocam traumas Por vezes o arranjo cênicoimpede que se possaouvir, yér e entender o "todo" -
de infância: a sensação de confinamento, o medo e a disciplina do quarto de como no caso das longas e estreitas passarelas em Urg õtz [de"G"oet l1êJ, em que
dormir e da sala de aula. A lembrança da infância se torna meio de expressão o público só podia acompanhar claramente o que era representado sobre e
histórico-político. Um outro aspecto é a freqüente inserção da realidad;."dos sob as passarelas nasp!o"~i!1!_!d.a~es de cada lugar. Em Antes da alvorada [Yal"
autores ou compositores nó palco. Na montagem da ópera de Verdi!-u(sa lvIi/- Sonnenaufgang, de Hauptmann] ha~i~ u~a ~~~pa" que saía do palco, passava
ler, em Frankfurt, a cena era dominada pelo mobiliá:.io do pr óprlocompositor pelo meio da platéia e ia até o fundo do teatro, onde atores posicionados atrás
e pelavista lateral-de um bar italiano- a taberna dos pais-de Vúdi tal como ela dos espectadores se faziam-ouvircom coros rítmicos agressivos e batidas de
pareceria hoje em dia. Assim, o espaço teatral não se fecha em sua realidade caneca de cerveja em mesas d~ madei;;. "E ~~~s traúsiç"õéf cênicas"do palco ao
como uma entidade surgida de nadai ao contrário;abre-se para a sua pré-histó- público ocorremc onstantemente no teatro de SchleefrNa sua encenaçãode
ria - portanto para a vida de Verdl,para a realidade histórica do surgimentoda SenhoritaJuZÚ, eql-1974,.1!."partida" da protagonista assim se dava,"conforme a
obra - , para a época da produção do próprio trabalho de-encenação (o teatro descrição de Wolfgang Storch:" . "
. "< ,
concreto, real, permanece visível, não desaparece em uma figuração ilusória), <,

para o diálogo dos produtores com a obra e para suas próprias circunstâncias Decidida ao suicldio, Iulíe deixa o palco, ap6ia o pé sobre o encosto de uma ca-
de vida. Os espaços temporais do teatro pós-dramático abrem um tempo de
várias camadas, que não é apenas o tempo do que é representado ou da repre-
Ii deira daprimeira'fileira da pletéia.pede aos espectadoresquepor favor a ajudem
. ...• ...-•..
~-

e então caminha aparadapor eles sobre asfileiras, por entre ascabeças eombros,
0 ' 0 'J
sentação, mas o tempo dos artistasque fazem o teatro, a suab iografia. Assim, o para fora davida.. - para"fora da! vida nessa sociedade...
. ."
S

"espaço temporal homogêneó do teatro dramático se estilhaça em aspectos he-


L
terogêneos. A questão que se põe ao olhar do espectador é a de alternar entre I WolfgangStorch, in Volker priÍli~~ e Hans-Icachim Ruckhãberle (orgs.), DasBildderBühne.
eles para ver, lembrar e refletir- não a de sintetizá-los co~ violência. '" Berlim, 1988. P.99. " " 279

,\ 1
Espaço-exceção nãopenetrenenhum .~ arulho das carruagens e das gritarias de rua [...]. Edifícios
~ instalações que expressem como um todo a sublimidade do compenetrar-se e
No processo de questionamento reflexivo'da 'situação' teatral, o espaço p ós- deixar de lado'"
dramático pode ser algo como um lugar-.:.xce~ão. O dado espacial se torna
.uma tematização da comunicação efetuada (não s6) no procedimento . teatral. Teatro específico ao local
O teatro toma distância do cotidiano e se afirma co/n o situação de exceção. No
trabalho do grupo teatral vienense Angelus No~'us;,~,sse modo de tratamento FOra do espaço teatral usual há possibilidades que são chamadas de "teatro
do espaço converteu-se em ato político sem que fos s e" ne~essária uma decla- específico ao local'; mais uma vez com uma expressão proveniente das artes
raçãopol ítica, pois exigia simplesmenteurn outro tempo, utópico, uma outra plásticas (site specijic). O teatro procura uma arquitetura ou então uma lo-
forma de comun ídade.Bsse trabalho já foi abordado [no Capítulo 3). Aqui calidade não tanto porque o·c'local" corresponda particularmente bem a um
cabe apenas ressaltar a dem~nda"d~ 'coiifigüração'de teatro como um espaço determinado texto, mas sobretudo porque se visa que o próprio local seja
da comunidade, tal como repetidamente formulada desde a Antigüidade - na trazido à fala.por meio do teatro. Distinguem-se pelo menos duas variantes
pólis ateniense, na Idade Média, na idéia de festival concebidapor Wagner. A dessa pr ática teatral. Por um lado, o local específico pode ser utilizado em sua
I .

a
condição para retomada dessa aspiração foi oferecida: pelo próprio desenvol- próPJiá configuração: os atores simplesmente atuam em meio às máquinas
vimento do teatro: a ênfase na integração e Í1a comunicação, a redescoberta da e equipamentos do galpão de uma fábr ica ou da oficina de manutenção de
relação entre r!tual e teatro e as modalidades teatrais públicas sugeriram que uma estrada de ferro e o público simplesmente é posicionado ali - pode-se
se despertasseo ritual comunitário no teatro para uma nova vida. dispor cadeiras ou arquibanca_das, sem que esse caráter básico da espac íali-
Assim, é possível que não se deva somente a razões pragmáticas O fato dade projetada como cena seja alterado. A segunda variante é a montagem
de que grupos teatrais privilegiam igrejas ou edifícios semelhantes a igrejas - de uma cena com a disposição de decorações e objetos 110 local. Nesse caso,
bem COmo galpões de fábricas,·que podem lembrar a espacialidade impo- introduz-se uma cena dentro da cena e cria-se uma relação-entre ambas que
nente das catedrais e que desvinculados de sua função "mundanat-na-prc-,.. . .__". pode sugerir, de modo mais ou menos claro, contradições, espelhamentos e
dução material ganham: urna nova aura com o teatro que teles tem lugar. No correspondências. Quando a peça Stallerhof, de Franz Kroetz, era represen-
livro de Theodor Lessing sobre Nietzsche está escrito: tada pelo grupo Hollandía em uma igreja do campo com o público instalado
numa arquibancada feita de tábuas e feno, realçavam-se os temas campesinos
NãOé mais possível aos filósofos modernos percorrer os espaços contemplativos e religiosos da peça. Quando a peça foi posteriormente apresentada em uma
do passado: as igrejas e os mosteiros. A moderna vita contemplativa incontesta-. fábrica abandonada, ficou em primeiro plano o tema da desigualdade nas
._ - - ~ --

velmente se dissociou da vita religiosa. Asigrejase os mosteiros são apetrificação relações capitalistas.
de um outro espírito, que se impõe poderosamente àqueles que neles caminham. "Teatro específico ao local" significa que o próprio "local" se mostra sob
Assim, o queestá faltando é o espaço contemplativo do futuro, cujas caracterís ti- uma novaluz: quando um galpão de fábrica, uma central elétrica ou um ferro-
cas Nietzsche define: "Será necessário umdia, eprovavelmenteembreve, o discer- velho se torna espaço de encenação, passa a ser visto por um novo olhar, "es-
nimento daquilo quesobretudo está faltando emnossasgrandes cidades:lugares ~---
.... /
espaçosos para a reflexão; tranqüilos e amplos, lugares com longos e altivos sa- 6 Theod or Lesslng, Nietzsche [s/l, 19251. [Cita-se aq ui um excerto do aforismo 280 de A gata
280 guões tanto para o mau tempo quanto para O' tempo-por dernâís ensolarado,onde ciência (1882). N.E.] 281

I
I
tético" o espaço se torna co-participante, sem que lhe seja atribuída uma "acontecimentos" musicais, como um cantor que de repente se tornava visível
significação definitiva. Mas em tal situação também os espectadores se tor- em uma campina. Os viajantes percorriam ou atravessavam diversas instala-
nam co-participantes. Assim,'o que é posto em cena pelo teatro específico ções industriais e outros locais de trabalho que normalmente não eram aber-
ao local é um segmento da comunidade de atores e espectadores. Todos eles tos aopúblico, no fim da tarde havia uma refeição em que todos se reuniam
são "convidados" do lugar; todos são estrangeiros no universo de uma fábrica, em torno de uma mesa incrivelmente longa à margem de um canal. Talvez
de uma central elétrica, de uma oficina dê montagem. Atores e espectadores se possa questionar se é ainda possível falar de teatro em face desse empreen-
vivenciam a mesma experiência não-cotidiana de um espaço descomunal, de dimento que seus realizadores denominaram simplesmente como "Uma
uma umidade desconfortável, talvez de uma decadência na qual se identifi- viagem em três dias". No entanto, cabe sustentar que um teatro cujo centro
cam os vestígios da produtividade e da história. Nessa situação espacialvolta há muito tempo deixou de ser a encenação de um mundo dramático fictício
a se manifestar a concepção do teatro COI110 tempo compartilhado, como ex- também inclui o espaço heterogêneo, a esfera do cotidiano, o vasto campo
periência comum. , - -que..s~_ªbre_.~!ltre o teatro emoldurado e a realidade cotidiana "sem moldura"
quando segmentos desta são cenicamente ressaltados ou redefinidos.
Espaços heterogêneos

Assim como nas artes plásticas e sobretudo na-arte performátíca, surgiram e


constantemente surgem projetos teatrais motivados por uma ativação de es-
paços públicos. Essas iniciativaspodem assumir formas bastante distintas. As
/
açõesdo grupo Station House Opera, liderado por [ulian Maynard Srnithzsão
voltadas para a tomada de consciência de processos arquitetônicos}~rtí./cone­
xão com o cotidiano. Com seus grandes módulosb!..ancos de tíjoló e vidro, o
grupo apresenta processos de construção, reforma e dernõlição associados a ._--....,
um edifício realmente existente.Assim, ergue-se um espaço teatral arquitetô-
nico no qual a história da construção urbana é representada em andamento
acelerado. No âmbito do festival Teatro do Mundo em Dresden (1996), por
exemplo, cenas, música e o processo do "trabalho" como performance fize-
ram as ruínas da igreja Frauenldrche aparecer sob uma nova luz. ~ .....

Um outro exemplo de intervenção teatral no espaço público é dado pelo


projeto realizado por Christof Nel, Wolfgang Storch e Eberhard Kloke em
1992 na cidade [alemã] de Bochum e arredores. Tratava-se de uma série de
,,
extravagantes"viagens" de ônibus, trem e barco através da heterogênea paisa-
gem industrial da região, cujo estilo de vida se transmutava em cena. As fron-
teiras entre encenação e cotidiano nem sempre eram precisas nessaviagem de
282 atenção. Ocorriam ações artísticas em vários locais do itinerário, sobretudo

\J
~-, .
\

,,

<,

..... Questões temporais nó t eatro

·- - --. . -~-

,/
Cam'~das de tempo
(

' - - Para o teatro, a questão é sempre o tempo vivido, a vivência temporal que ato-
:, res' e espectadorespartilhamê-'que evidentemente não é mensurável comexati-
dão, mas apenas experlmentável, A análise e a reflexãoacerca do tempo teatral
dizem-respeito a essa experiência, queBergson distinguiu do.tempo objetívável
e j nensurável corno «duração" (durée). Quando ríão se' pode realmente ínen-
--~ - .-- - - surarconvém ao menos elaborar distinções conceituais. O objetivo da análise
dó tempono teatropós-dramático não pode ser de estabelecer õs pontos ob-
ó

jetiváveis da descrição, maso de diferenciar os níveis da experiência temporal


.nesse teatro de modo a contribuir para a compreensão da temporalidade das
artes.' A incapacidade de reconhecer a diferença entre teatro e drama afeta
tantoa compreensão como a percepção da dramaturgía do tempo que fai
parte do «texto da performance" e do "texto da ence na ção" Também sé reflete
nessadificuldade a fronteira institucional entre teoriateatrale teorialiterária.
Caso se queiralentender a dramaturgia temporal do teatro, não Se pode de
/./
Ver, por exemplo, Theresia Birkenhauer e Annette Storr (orgs.), Zeitlichkeiten. 'ZlIr Realiat
derKiinste. Berlim, 1998. ' 287
modo algum partir das consideraçõ es sobre o tempo no drama. Um espe- sorry l1owJ,2 por exemplo, o autor Fassbinder indica que as partes individuais
cifico amálgama de tempos é constituti:,o para todo teatro em que o tempo podem ser representadas em diversas seqüências. Em cada caso está.implicada
simulado e representado segundo padrões textuais é apenas um fator entre a escolha de uma dramaturgia,por mais que seja uma dramaturgia aleatória.
outros. Pode-se delinear a seguinte distinção de camadas temporais.
. Tempo da ação fi cticit;
Tempo textual
Essa dimensão temporal (incluindo suas possíveis rupturas temporais inter-
Essa é uma camada temporal conspícua em todo texto literário ou teatral es- nas: cruzamento e duplicação de tramas, períodos intermitentes etc.) deve
crito, e por isso é muitas vezes negligenciada. Contud o, a brevidade de uma ser pensatia indep endentemente do temp o de sua representação no texto
novela ou de um drama, assim como a extensão de um romance ou de uma dramático e também independentemente do tempo efetivoda montagem tea-
epopéia, molda pragmaticamente a percepção do espectador ou do le~tor. ... -tra1_ Ih:'p'~s._~e tempo que se estendem longamente no mundo Imaginário da
A par do critério exterior da extensão do texto, o modo de estruturação das ficção podem durar pouco na representação cênica. A relação entre o tempo
frases - seu ritmo, sua extensão ou brevidade, sua complexidade sintática, as da ação dramática um caráter análogo à dís-
fictícia e o tempo do drama tem ..........
. . ...- .- .
pausas por meio de sinais de pontuação - cria um andamento textual parti- tinção corrente de tempo narrado e tempo l1arrati1!E ~ A duração, o ritmo, a
cular, um ritmo de retardamento ou aceleração, Diversos ritmos podem se seqüência temporal e as camadas. temporais da narração e do narrado têm de
sobrepor num texto. Do ponto de vista.do conteúdo, épocas e tempos podem ser analiticamente diferenciadas, sendo que os dois níveis poderrrse'combinar
ser fragmentados.ÍUma possibilidade adicional, sobretudo na modernidade, de várias maneiras. O mesmo se verifica no caso do teatro. Já o teatro tradi-
/
é a auto-referencial ídade, que põe em jogo o próprio ato de escrever (oude cional dispõe de numerosos recursos para fazer transcorrer grandes laps9~_ de
ler).~-p·~d-~-~~t~~ iig~da a uma deliberada desorientação lúdica relac;ió~ada tempo, como figurino- (p~rucãs -brancas "ern"A' longa ceia de Natal [7he Long
.-' -i
à abordagem do-tempo da escrita ou do tempo da ap resentação .t ~atraL .: Christmas Dinner, de Thornton Wilder]), mudanças de iluminação, sobrepo-
-. - - .....' .
~
sição com música ou- passag ens épico-líricas. O que é determin ante para o
Tempo do dram a tempo esteticamente realizad~' é;; conngül'açã-õ complexa-da.representação, e
não o tempo "real"da ficção. O início.de Hamlei (Ato I,.Cena 1) dura da riieia-
Trata-seaqui daquilo que Aristóteles chamou de "mythos": a configuração das noite até o amanhecer .-. um período de várias....-horas que é representado
, . em
ações e dos procedimentosapresentadosno contextode umadramaturgia. Adu- vinte minutos sem probl~lnM. de credibilidade! O que aparece no teati'Q~J11 ter-
ração e a seqüência das cenas não são Idên.ticas às dos ac:onteclmentos na ficção, mos ele ilusão de uma outra dlrlâmli:a tempor~fé bem mais independente do
masconcebidas em seu próprio lapso temporal, crucialrnente importante no tea- realismo e da lógica da sucessão do que se pode pens~Uma rica literatura de
tro centrado no texto. A organização temporal do texto dramático consiste na análise do drama trata da questão de corno a temporalidaele da ação fictícia
seqüênciade cenaseprocedimentosneleescolhida, freqüentemente complicada é transmitida no texto teatral; o tempo da ação foi ígualmenteum dos tópi-
por antecipações, reminiscências, seqüências paralelas e saltos temporais que cos dos debates poetol ógícos em torno da regra das três unidades no teatro.
", . . ,
via deregraservem à compressão do tempo.Essaorganizaçãopodeser designada
I .

288 sentação narrativas ou "colagens". Em preparaiso sinto r:


como "tempo do drama': mesmo quando nela-'predomlnam formas de repre-
agora [preparadise
2 o títul o da peça (1969) faz 'referên Cia' à m ont. agem. paratso
Llvlng Theater, [N.E.] . '
/
agora! (paradise nowl, 1968), do
28 9
o que nos diz respeito,porém , é apenas a qu~;tã-; dos recursos que podem ser Também é recorrente na dramática o tema afim do "cedo demais" ou "tarde
usados para criar a ilusão de lapsos temporais. I, demais'; do instante que é precipitado ou perdido: kair6s, o momento propí-
Não obstante, uina recorrente estrutura 't~mp oral do drama merece menção cio, sem igual e sem retorno; tyche, a imprevisível, fortuita e fatídica conjun-
especial: o tempofugaz. Basta pensar na temática filosófica e social da "persegui- ção de circunstâncias mim certo pon to do tempo. Todos es~es aspectos de
ção" no Woyz~ck de Büchner; na pressão féiTipoi'al da "Intriga" em várias peças; uma experiência temporal na qual tudo depende de não se deixar passar o
na exploração do tema do tempo que expira ou do ultimato no cincrna'(suspense momento podem ser expressos de maneira ideal na intriga dramática clássica.
~. '

segundo O mote "em cinco minutos abomb à v~fexplodir"); no esquema do "res- •Ao abandonar o modelo da intriga, o teatro também perdeu interesse pelo
gate no ~ltimo minuto"no western. Não há nada mais. óbvio do que a geração de ·· t~mp o fugaz, que foi então incorporado por mídias como o cinema. ;
• . ,0 • • • • • J
tensãopor meio de umadramaturgíado encurtamento do tempo, Sempre há falta
de te~po; ·Mesmo_ 5@~!1do um drama tem como tema a inércia do tédio (como Tempo da encenação
o Lorenzaccio de Musset ~ó75aiúõii d e Büchner), é-pr9;~io ao teatro dramático
fazer do encurtamento do tempo ou da expiração de um prazo estabelecido um Aqui não se tratá primordialmente de dissociar a encenação, que se pretende
princípio de organização. O tempo fugaz é a expressão mais profunda da estética como realidade estética ideal, da apresentação, sempre concreta e sempre dife-
temporal dramática,que tende "à concentraç ãoeàdesmaterízalizaçã o do tempo" rente;,f claro que esta última, como "atmosfera" especial de uma noite, oferece
Por trás dó tempo fugaz sempre estão os limites da vida. Um belo exemplo um{realidade particular em função dos erros ou dos desempenhos especial-
da traduçã~ teatral desse tema se encontra na peça de Brecht As medidas toma- mente bem-sucedidos dos atores, e com isso também um ritmo temporal único.
das [Die Ma~s~ahme], quando "os quatro agitadores" relatam ao "coro do con- Em virtudede diferenças no andamentodas falas, pausase retomadas, a "mesma"
!
trole" que, ameaçados e perseguidos, decidiram exterminar o jovem camarada encenação pode ter durações-surpreendentemente difere;1tes em duas noites.
e jogá-lo numa jazida de calcário: Mesmo na suposição idealizada de uma identidade entre o que se pretende (en-
I cenação) e o que ocorre na prática (apresentação), o "acidental" permanece um
o CORO DO CONTRO LE !
L .
elemento constitutivo da materialidade artística do teatro - à diferença do que
I
Não achastes nenhuma saída para manter I ocorre com o substrato ideal de um texto, Aopasso que o texto permite ao leitor
o jovem lutador na luta? a opção de ler devagar ou depressa, de reler passagens e fazer pausas, o tempo
os QU AT RO AGITA DORES específico da apresentação teatral, com sua cadência e sua dramaturgia próprias
Pela brevidadedo tempo não achamos nenhuma salda (andamento do discurso e da ação, duração, pausas etc.), é determinado pela
Cincominutos à frentedosperseguidores "obra" (nesse sentido, um fenômeno interessante é oferecido pela leitura em voz
Cogitamos sobre uma alta, que nãperspectivaaqui adotada deveser vista como um teatro minimalista),
Possibilidade melhor. Os espectadores estão submetidos a esse tempo tanto quanto os atores - que se-
Agora cogitaivós também sobre guemo ritmo dos outros atores. Não se trata do tempo de um sujeito que lê, mas
Uma possibilidade melhor," . do tempo vívencíado em comumpor vários sujeltos..no qual se entrelaçamlnse- .
paravelmente uma realidade corporal e sensorial e uma realidade mental; ....//
3 Patrlce Pavis, Dictionnaire du th éãire, Paris, 1987, p. 388. Em A idade de ouro [Dige dor, 1975], um marco na história f~;tral do .
4 Bertold Brecht, ih Werke, v. 3. Berlim/Weimar/Frankfurt am Main , 1993, pp, 96-97. pós-guerra, o 'Ih éãtre du Soleil contava a vidade um trabalhador imigrante 291
argelirio. em estações (cenas de família, conflitos no trabalho etc.), no estilo
ôs-commeáta dellarte. A vasta sala teatral da Cartoucherie de Vincennes foi
.'f uma configuração que vive no presente. Entre o lapso histórico (mítico, fan-
tasiado) da ficção e o agora da montagem teatral intervêm como terceira ca-
dividida em quatro grandes depressões recobertas com um tapete cor de ocre mada a época e o tempo de vida do autor (exemplo: um .rcmântico escreve
cálido, sobre cujas "encostas" o público se sentava para contemplar o "vale" uma peça sobre a Idade Média que é montada em 1999). Essa decomposição,
onde se dava a respectiva representação; de uma cena para outra os espec- no entanto, permanece teórica para a recepção teatral, pois o que nela se dá é
tadores eram conduzidos a uma nova depressãó, a cada vez ªg~~.Eancl0.-se um amálgama que funde as camadas de tempo heterogêneas da experiência
em um novo ordenamento. A intensidade da representação, que a despeito teatral em um e apenas um tempo. Mesmo estruturas refinadas como o "tea-
e em virtude das técnicas eplcízantes envolvia o público na densidade do tro no teatro", o anacronismo e a colagem de tempos têm uma importância
tempo ficcíonal, também se devia a inumeráveis achados impressionantes, muito menor para o teatro do que para o' texto. O processo da representação
como na cena em que o trabalhador encontra a morte ao cair de um an- viva põe em jogo seu tempo real de tal maneira que todas as camadas tempo-
daime em meio a uma forte tempestade. O modo como o ator, simplesmente ..._... . I.?,-is teoricamente distintas são objeto de uma sobredetermina ção.
......... .~------ ~- .
plantado no chão, tornava "visível" a posição do corpo a uma grande altura
sobre o abismo, com um esticar de pernas e um olhar amedrontado para as Tempo do texto daperformance
profundezas, o modo como demonstrava a tempestade, contorcendo-se com
um. ritmo
' que parecia ser ditado pela violenta yentania, o modo enfim' como
- . " .,
Com Schechner, designamos como "texto da performance" a totalidade da si-
representava a queda, com uma longa corrida pela sala com os braços esten- tuação real da apresentação teatral, enfatizando nela o impulso.de Pr.e3ença que
didos, tudo isso fez dessa cena um dos momentos mais mágicos do teatro. motiva a arte performática. O texto da performance comporta uma estrutura
E no final da peça Ocorria um outro momento notável: quando as cortinas temporal própria ao teatro e ao público: pausas, interrupções, representações
eram puxadas de lado, uma luminosidade que simulava à perfeição a-luz do intermediárias, refeições érnconjuntoartículam O teatro a um procéssosocí al,
dia adentrava o recinto, e a perda da noção do tempo fazia que muitos espec- Nesse sentido, o tempo de inatividade do ator entre suas entradas em cena se
tadores instintivamente olhassem seus relógios, cornose-de.fato pudesse ter diferencia da própria encenação - portanto, sua participação notexto da perfor- i
amanhecido sem que eles tivessem notado o passar de tantas horas. Por um mance se diferencia de ~u~ p ârfitipação :iJ.o texto.da encenaç ão, À medida que a . \"rI':
ruptura com a percep ção automatizada setornou um crjté~io estético essencial
,,:.
precioso momento de perturbação, podia-se considerar possível que o tempo
da encenação houvessese imposto sobre O realismo do relógio interno.' .~~ ~l~~~~!:.~~.~d~ib-d·~ sl~~·a~~·;:;t~ d~ tempocotidiano c~iivert'eu-se em umapos-
Ação fictícia e encenação comportam ainda uma dimensão transversal às síbílídade de configuraçãoessencial no teatro. Fazemparte disso"exterioridades"
camadas temporais aqui mencionadas: a do tempo histáríco. Trata-se de uma que na verdade não são exteriores, Gomo longos percursos até o teatro, sessões
temporalidade significativa para todo teatro dramático que trabalha com após a meia-noite e representações que se estendem de um dia para o outro
textos antigos e vive da atualização de personagens e histórias. O programa (como a encenação do Mahabharata .pof.Peter Brook numa pedreira perto de
teatral no jornal é um desfile de fantasmas: Antígona, Lear, Hamlet, Pentesi- Avignon, que começava à tarde e ia até a manhã do dia seguinte). Convémpor-
léia, Tio Vânia, Galileu... Mundos de idéias e de palavras há muito extintos tanto apreender o "teI13po real" do-processo teatral em sua totalidade, conside-
são como que invocados numa sessão espírita; o material do passado suporta rando Os eventos pré- e pós-representação e as circunstâncias adjacel1tes,- o fato
de que sua recepção, em umse àtidomul to prático, "consome" tempo, "tempo
Sobre essa montagem, verSimone Seym, DasThé ãire du Solei). Stuttgart, 1992, pp. 91-10 0. teatral" que é tempo de vid~e não coincide com o tempo da encenação. 2.93

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o outro tempo uns três minutos!). Aqui, a pausa e a imobilidade prolongada eram fatores de
uma estéticateatral que colidia veementemente cbm a expectativa do públi~:_
o tempo é essencial para a compreensão da'prática e da recepção do teatro, e O motivopara a indisposição contra a costumeirapausa teatral não é uma
ainda mais no caso daquelas não mais subordinadas à representação de um preocupação com a preservação da ilusão - como se poderia pensar -, mas
transcurso temporal dramático. Evidentemente, tampouco no teatro é pos- com a persistência de um tempo de experiência autônomo, delimitado. Na
sível estancar o implacável fluxo do tempo ou-inverter a topologia do tempo maior parte das vezes, ele é introduzido no teatro já por meio de um espaço e
real.rNo entanto, há uma série de procediment~~'q~e levam à tematização um tempo da transição: da rua para o foyer, entrada, tempo do enfoque no con-
explící ta, à intensificação e à conscientização da noção do tempo, assim como junto dos espectadores,suas conversas, ainda com seus pensamentos em parte
à sua distorção e à s~a desorientação] Entre esses procedimentos, os que se
,:: .
voltados para os assuntos do cotidiano, apagar das luzes, silêncio. ?egundo
situam no nível do que.érepresentado são os mais simples: quando há cenas Pavis, "trata-se de uma espécie de tempo íníclático que precede o tempo do tea-
que se passam no presente e outr'~s'-':' apareritemêrrte €om os mesmos perso- tro [...), um limiar e uma preparação - a preparação psicológica para o outro
- ... ~:
nagens - há mais de cem anos (Arcádia, de Tom Stoppard), quando se passam tempo, o límlardo ';~p·~ táêulo".6 A ruptura com o tempo do cotidiano por meio
longos períodos de tempo (Conto _do inverno, de Shakespeare) ou quando da entrada no interior do edifício teatral cria uma "diferença" a atenção para
remissões invertem a habitual experiência temporalIínearf'Ihorton Wilder). um..ó·~tro tempo, para a realidade rítmica do texto da performance, da expe-
Cenas sem uni índice temporal concreto podem gerar uma temporalidade riência teatral como um todo, e não apenas o tempo do espetáculo cênico, do
flutuante, umaIncerteza quanto à sucessão narrativa. No nível da manifesta- mundo da ficção. Essa diferenciação é essencialpara o teatro pós-dramático
ção teatral chega-se a fenômenos de temporalidade mais difíceis de apreender. porque ele articula para a recepção uma relação concreta e complexaentre o
Repetições obsessivas, aparente inação, inversão de causa e efeito, extretnos tempo teatral e o tempo da ficção, e não sua fusão.
de prolongamento ou de aceleração, saltos temporais e surpresas chocantes
podem distorcer a percepção normal do curso do tempo. Tais recursos se Tempo do drama, duelo
tornam constitutivos no teatro pós-dramático, já que ele..desloca atemática "-. . .. - --
. temporal do nível dos' significados (os processos denotados pelos recursos O cerne do drama era o sujeito humano ern um conflito, uma "colisão dra-
.cênicos) para o nível dos significantes (os próprios processoscênicos). mática" (Hegel) que constitui o Eu essencialmente a partir de uma relação
Evidencia-se no novo teatro uma indisposição de vários diretores contra o intersubjetivacom o antagonista. O sujeito do teatro dramático, pode-se dizer,
.usual recurso da pausa. Ela deixa de ser utilizada como algo óbvio, e quando existe apenas no espaço desse conflito. Assim, ele é pura intersubjetividade e
ocorre é freqüentemente estetizada, inserida como um tema teatral particu- se constitui-por meio do conflito como sujeito da rivalidade. O tempo da in-
larizado. Quando Einar Schleef encenou Saiamé de Oscar Wilde, em 1997, a tersubjetividadeprecisaser então homogêneo,um único e mesmo tempo que
cortina metálica subia e os dezoito atores ficavamimóveisno palco por dez mio unifica os inimigos em conflito: é necessário um tempo no qual o agonista e
nutos, dispostos em um quadro espacial sob uma luz azul-acinzentada. Nada o antagonista possam se deparar. Aqui não são suficientes nem a perspectiva
mais acontecia, e então a cortina metálica voltava a descer: pausa. As luzes da temporal do sujeito isolado (lirismo, monólogo) nem o tempo de u~59n­
sala eram acesas, e o público debatia acaloradamente no foye r. Quase não é texto universal na qual se dá sua colisão (épica, estética da crônica). Uma
preciso mencionar que essaabertura levava a uma notável auto-encenação dos
294 espectadores: alvoroço, risos, gritos e contragrltos, protestos (e já a partir de 6 Pavls, op. cit., p. 387. 295

I ·
I
i
I
' .

vez supr imida a intersubjetividade descrita - podemos chamá-la de duelo -, dessa irredutível "alterídade" do tempo da dialética social e do tempo da ex-
perde-se a forma temporal do vínculo intersubjetívo, E vice-versa: se o tempo
homogêneo e comum se decomp õe e se desfaz, os duelistas não mais se reen-
.- ---_
periência subjetiva, Louis Althusser elaborou o modelo básico de todo teatro '
..-- , ..
"materialista" e crítico, cuja tarefa seria abalar a "ideologia"no sentido de uma
contram, perdem -se em partícu las, atuam sobre plataformas desconectadas percepção e um reconhecimento subjetivos da realidade. Com isso, porém,
entre si. Para que um conflito entre sujeitos com uma consciência que luta propiciou-se ao espectador não tanto uma série de noções sobre a realidade
pelo "reconhecimento" da outra consciência seja represent ável, é necessária . .social, mas sobretudo a experiência de uma cisão específica e radical entre a
uma plataforma comum sobre a qual o envolvimento possa ocorrer e se des- perspectiva temporal da vivência subjetiva e o tempo social. Tal teatro não
, _ .. o .. .

fazer. Um sujeito só pode constituir-se num lapso temporal vivido em comum gera um "s~~~(;..m~s~ma analítica do não-saber e do erro, uma tomada de ,"
com seu antagonista; somente assim ele pode interagir com um outro em pé consciência das cegueiras da percepção centrada no sujeito.
de igualdade, rivalizando sobre um assunto em comum, guerreando em um '. Em Kant, afunção do "sentido interno" era garantir a unidade da consciên-
campo de batalha, amando em um espaço encantado pelo mesmo desejo. Em ....!=.i.a de si por meio da forma de um "ordenamento tempor al", A "forma do
contrapartida, quando nem todas as figuras têm o mesmo grau de realidade, sentfdõ-Intérno" oferece à.alternância das noções - que de outra maneira pul-
mas algumas se manifestam como projeções de outras, habitando portanto verizaria a consciência - o persistente continuum do tempo, que Kant concebe
um outro espaço temporal (como é o caso na dramática do Eu, por exemplo), em analogia com a linha. Ao conferir às experiências descontínuas lima dire-
o tempo dramático começa a desmoronar. ção, lima orientação, esse contlnuum linear acaba por sustentar a unidade do
sujeito. Pelo menos desde Nietzsche e desde que odiscurso.do Incon sciente
Crise do tempo se tornou descritível, a identidade como "lmernorial" e permanente fámiliari-
dade do sujeito consigo mesmo se encontra sob a suspeita de seruma quimera.
A "crise do drama" em torno da virada do século foi fundamentalmente'urna Na modernidade, o süJeíto-- cõrn ele oespelhamento interst;bj~tivô-pelo
' é

. .
crise do tempo. Contribuí ram para isso tanto a experiência do caótico entre- qual ele podia constantemente se aprofundar - perde a capacidade de integrar
laçamen to de diversas velocidades e ritm os nas gra'~des 'cida'â'~s quanto as a representação a uma .!.Jllidade: Ou então, inversamente, a desagregação do
transforma ções na visão do universo operadas pelas ciências naturais (relati- tempo como continuum ~~-re\;ela corrroíndíeio da.dissolução, ou ao menos da
vidade, teoria quântica, espaço-tempo) e o novo conhecimento da complexa subversão, do sujeito seguro de seutempo, Justamente a ·t~t·~lidàde doseven-
estrutura t~~poral do inconsciente. Bergson-distingue otempo vi~enciado . tos, ainda que êm .m últlpla conflitu~sid~de:havi~ garantido o sujeito como
cáffiõ'"iéí~açãd'dõt~~P~-bbj~-tivb. A clivagem cada vez mais nítida entre o dramatis persona de uma.fábula, Sem um sujeito organizador do teatro e do
tempo dos processos sociais (sociedade de massa, econorn íaje o tempo da drama, subtrai-se uma condlçâo essencíal da representação em geral.a certeza
experiência subjetiva acentua a "dissociação de tempo do mundo e tempo .. .,acerca de "quem" representa. A distância interna da representação dá lugar
da vida" que Blumenberg constata na modern idade e que, segundo ele, terá ao questionador apontar -para-si de sujeito, que nesse modo de ser somente
sido produto da experiência individual de um incom ensurável alargamento fixável COmO gesto manifesta uma constítuiçãci 'nteramente-momentânea, ins-
da perspectiva do passado e do futuro: "de uma visão da história com uma tável. Assim, o fator dêitico se torna central: em vez da representação de um
tal vastidão que a vida individual parecia não significar mais nada'? A partir processo temporal, o processo da apresentação em sua própria ternporalídade.
~duÇãO da im'p'c;rtã'~,~i.'ª.dapmpéctiv~ temporal subjetiva, descontinui -
7 Hans Blumenberg, Lebenszeit und Weltzeit. Frankfurt am Main,.198?, p. 223.
dade, relatividade, desagregação do tempd e uma temporalidade própria do 297
~\'-'
-,

inconsciente e do sonhei, entremeando Ílogicament é-passado, presente e fu- daquilo que está associado à unidade de tempo no teatro dramático se aplica
, '" " \ ' " ,
turo, implicaram - e propíclaram "- novos padrões de representação, que de aqui. O que há não é exatamente uma unidade, mas uma desagregação da vi-
início produziram novas formas do texto cÍrámátic~ No século xx, porém, vência do tempo. O fio da continuidade interna é rompido. A "vozA" recorda
· a lógica do desenvolvimento dramático-te~!r~lleva a uma nova estética tea- a frustrada tentativade retornar a um lugar freqüentado na infância: o carní- '
. _~'...
trai, a princípio ainda nos moldes do 'teatro textual. A crise ôo conttnuum nho não existemais, o ônibus que levava até la deixou de circular. A "voz B"
temporal é uma das condições essenciais para os novos,procediineiltos tea- relata uma cena de amor malsucedida, ou melhor, não ocorrida. O narrador
- ' trais, que romperão até mesmo com o ordenamerito.temporal da articulação
"
senta-se paralelamente ao lado de uma garota em uma pedra, sem que eles
lingüística. Inicialmente represente-se uma descontin'Uidade da experiência se toquem ou mesmo se vejam: "never turned to each other just blurs on the
que'ab~la toda instituição de sentido, e-num segundo passo'esse processo fringes of the field no touchlng ar anything of thai naiure always space between
também àpreende,opróprio., modo de representação. N9 curso desse desen- if onlyan incn...". 8 A "voz c'; 'recorda o hábito dê correr para um museu antes
volvimento O teatro se distancia cada vez
rriáís da-representação de uma tem- da chuva, àsvezes para uma biblioteca 'ou um correio. Há uma narraçãofrag-
poralidade homogênea. Assim, os tempos são objeto de duplicação, desfigu- mentaria, ma{~ãàM espaço/tempo para ação dramáticano agorado palco.
ração, montagem; o tempo real das cenas cotidianas e o tempo hete!..l2.gêneo O tempo não avança: entrincheirá-se em si mesmo, curva-se e dobra-se como
das imagens oníric~s-;~;~t~~-n;~d;~Uetc.'~ 'siht-6inático que uma cenógrafa ' tempo lembrado, A busca de um tempo perdido é o tema comum das três
importante c'cibl'o A'~~a Vi~b;o~kci~i~~transparecer uma predileção por reló- cenas recordadas em Aoueietempo. A "voz AI) buscao tempo de um passado
gios que perdem números ou ponteiros, que dispositivos de anúncio da hora individual, pessoal, um tempo da infância - "when was that" ["quando foi
certa contrariem'o ritmo das imagens em Robert Wilson, que se coloquem .aquílo"] é-a pergunta recorr~.l)te. A "voz c" refere-se à busca da continuidade
metrônomos no palco a bel-prazer (não apenas no teatro de dança),de modo de um suprapessoal tempo da cultura, do contextosocial, da tradição- daí Os
que se tenha sempre em mente O compasso do transcorrer do tempo real. velhos retratos no museu, a biblioteca, o sistema social da escrita. o correio.
A "voz B" perde o tempo da natureza, do encontro sexuàl. Em toda parte a
Beckett, Müller e o tempo busca fracassa.
A estética daredução do teatro classicista, especialmente o de Racine -
· Pode-severificar a magnitude da desagregação do tempo na literatura teatral períodos de tempomínimos, lugar único, concentraçãoem um conflito quase
· mediante um brevecomentáriosobre dois textosdatados da segundametade que puramente espiritual, com a tendência de supressão de qualquer ele-
, dos anos 1970: Aquele tempo [171at time], de Samuel Beckett, e A missão [Der mento realque preenchao espaço e,o tempo -, retoma modificada na radical
AuftragJ, de Heiner Müller, respectivamente de 1976 e 1979. Esses textos são dramaturgiado ponto zero de Beckett. (Alias, em 1931, enquanto lecionava
aqui comentados porque expressam com rara clareza uma problemática ar- literatura francesa no Trinity College de Dublin, Beckett leu as tragédias de
tística que diz respeitonão só à dimensãoliterária,mas também ao teatro em Racine e também escreveu sua primeira peça: uma paródia do Cid de Cor-
geral. Eles lançam luz sobre a recém-abordada crise do tempo e ao mesmo nellle com-o título lhe Kid. Com exceção de uns poucos estudos, ainda não
tempo servem como uma espécie de prólogopara a descrição da estética tem-
poral do teatro pós-dramático apresentadamais adiante.
8 Samuel Beckett, That time, In Stúcke und Bruchstiicke. Frankfurt am Ma ln, 1978','PP' 50-52.
Assimcomo ocorre em outras peçasde Beckett, em Aquele tempo há uma ("jamais se voltaramum para o outro apenas manchas nas orlas do campo nenhum toque
unidade de lugar e de tempo, mas ela é - evidenten'J.~nte""':'parodiada. Nada ou qualquercoisadessaordem sempreespaçoentre nem que apenas uma polegada:'] 299
foi apreciada a importância da tragédia: clássica para Beckett.) Seus perso- consciência, que Debuisson recordara logo antes: "Ele esqueceu a tempestade
nagens levarn uma existência espiritual quase que incorpórea - paródia da sobre a Bastilha, a marcha faminta dos oitenta mil, o fim dos girondinos etc,"! '
abstração e da espiritualização Clássicas, Tanto no te~to de Müller quanto no de Beckett opera-se uma desagregação
Em Aquele tempo há apenas uma cabeça (um dos últimos papéis de [ulían da unidade temporal e da continuidade. Já em razão da combinação de for-
Beck). Essa cabeça isolada [o "ouvinte") espreita. A estrutura básicada lingua- mas textuais heterogêneas - carta, cena, relato em prosa, representação de
gem e da identidade subjetiva -falar/ouvír, ouvir-se falar - é desagregada no .um papel - o fluxo do tempo é constantemente interrompido. A consciência
espaço e na disposição do palco: a voz do "ouvinte" vem de três alto-falantes se encontra diante de uma. multiplicidade temporal que lhe torna imposs ível
que se interrompem e se alternam no relato das diferentes cenas de sua me- fixar-se num ponto que permit iria uma perspectiva para a recapitulação de
mória, Uma imagem aparentemente apocalíptica na bibliotecasela o desastre. sua realidade de vida. Visão, sonho, lembrança, esperança e o agora "real"não
O final do texto diz: "not asound on/y the o/d breath and the /eaves turn ing and podem ser separados.

(-_ .. ,
then suddenly this dust whole place fullofdust when you opened your eyes from
j100r to ceiling nothing only [...] come and gane in no time gane in no time"?
.. ...._
-_... __ ._--
lO.·
~D. Tempo algum, apenas partículas. A decomposição e a pulverização da dimen-
I. .._J...... são temporal manifestam a desagregação e a morte do indivíduo, O pó do
tempo cultural que estavaacumulado em milhões de páginas de livros'e agora
I
O tolhe a vista - apenas isso resta do tempo como forma da experiência. -...._.- ....
.,.J
LL. , De modo peculiar, essa decomposição do tempo lembra as últimas frases

-
LL -)
de A missão, de Heiner Müller. O personagem Debuisson, que abandona-a
revolução social, experimenta sua falta de lugar e de tempo em uma iJllágem
,o
muito semelhante: ./ '
I~. - . ...
Debuissonse ateveà últimalembrança queainda nãoo abandonara: uma tempes-
/

- '-. ,
. -.- . .•.. -- .
" ' .. . .
tadedeareia diante deLas Palmas; grilos vieram com a areia parao navio e acom-
panharam a viagem pelo Atlântico. Debuisson securvou contra a tempestadede
areia, tirou a areia dosolhos, tapou osouvidos contra o canto dosgrilos.10

Em Beckett, o pó do chão até o teto; em Müller, a disforme tempestade de


areia que soterra aquelas outras tempestades de realidades irreconciliáveis na

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9 Ibíd., p. 70, ["nenhumsom s6 a velba respiração eas folhasvIrando eentão de repente esse
pó olugar todocheio de pó quando vocêabriu os olhos,do chão ao teto nada além de pó e
nenhum som apenas (...]veio esefoi em tempoalgum foi -se em tempo algum." ]
300 10 Heiner Müller, DerAuftrag. Quartett. Frankfurt am Main, 1988, p.12. 11 Ibid. 301
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Estét ica tempo ral pós-dramát ica

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No'final dos anos 1950 começou-se a observar quedesenvolvimentos análogos
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nos campos da pintura não-figurativa, da música serial e da literatura dramá-
.... - _... . tica levavam a uma recusa das totalidades construídas tradicionalmente, cons-
.:: tatando-se assíin a perda M-/riOldurá temporal. Nos anes 1960, Stockhausen
previu a respeito dos concertos que se poderia chegar Jnais tarde e sair mais
cedo, enquanto Wilson fezfuror C0111 o padrão "pausas à vontade": dois exem-
plos de uma tendência essencial das novas dramaturglas do tempo. Elas abó-
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l~tll °a unidade de tempo cominícioe fimcomo moldurafechada da ficção tea-
tral a fim de conquistar a dimensão do tempo partilhado por atores e público
cófno processualld ãde'aberta, queestruturalmente não possui nem início, nem'
meio, nemfim (erajustamenteisso o queAristóteles haviaexigido comoregra
fundamental do drama para que se produzisse um hólón, um todo). A nova
concepçãôâõ'tempo partilhado considera o tempoestruturado esteticamente
e O tempo realmente vivido como ilm mesmoboloque osfreqüentadores e os
atores compartilham, por assimdizer.A noção do tempo como uma experiên-
ciacompartilhada por todos se encontra no centrodas novas dramaturgias do
tempo: da diversidade das distorções temporais à assimilação do ritmoJPp,-cla '
resistência do teatro lento à aproximação à arte perforrná tlca em s'Jía radical
afirmação dó temporeal como situação vívenclada em comum. 303
No início de Uma carta para a .rainha Vitória (A Letter for Queen Vic- nas a experiência do tempo - a cadavez absolutamente único, irreproduzível-
tofiar, de Wilson, vêem-se duas figuras cujos gestos rotatórios funcionam dessa determinada reunião de concerto, com seus ruídos intencionados e
como os ponteiros de relógio, Esses marcadores de tempo humanos - figu- não-intencionados.
ras-horas (FigUh ren] - trazem para diante dos olhos o real transcorrer do
tempo no teatro. Ao passo que Jean Genet ainda protestava categoricamente O tempo como tempo
contra o recurso a uma chama no palco, com o argumento de que ela trans-
grediria os limites (seria a mesma chama que uma chama na platéia e por Em seu livro sobre cinema, Deleuze distinguiu "imagem-movimento" e "ima-
isso uma falácia: escamotearia o fosso entre espectadores e palco), «fumaça gem-tempo': Esta última, com a qual ele se refereao novo cinema, caracteriza-
no palco está entre os signos obsessivamente usados pelo novo teatro para se pelo fato de que nela o tempo não se dá como "imagem-movimento" repre-
indicar o tempo real vivenciado em comum no teatro. Na comunidade tem- sentada, mas como temporalidade exposta da própria imagem-filme, que em
poral pós-dramática de palco e théatron, o fosso que separa a ficção de sl!a diversas variantes constitui cristais de tempo. É possível (mutatis mutandísi
recepção é soterrado. O teatro freqüentemente estabelece seu tempo me- traçarum paralelo entre a polaridade de teatro dramático e pós-dramático
diante a renúncia aqualquer coisa maior que uma ficção a mais rudimentar, e a polaridade de imagem-movimento e imagem-tempo no cinema. Assim
de modo formalmente idêntico ao da reunião dos espectadores. Pode acon- como no cinema clássico, no teatro dramático o tempo é uma "condição" da
tecer que nem seja posta em jogo uma duraçãot'próprla" permanecendo representação que não é interessante em si mesma. Ele só vem à tona indi-
todos os procedimentos orientados para o contato com o público ou para o retamente, como objeto e tema da representação d~amátka, 'como conteúdo
fato de sua presença. transmitido por ela, da mesma maneira como se comporta o tempo no ci-
A exigência de que o espectador se desloque de seu tempo cotidiano para nema clássico, no qual, segundo Deleuze, ,..
um terreno delimitado do "tempo de sonho" estava na base do teatr~,df;má­
tico. No teatro épico, o "soterramento do fosso da or.~uestra" (Benjamin) sig- a imagem-movimento está fundamentalmente ligada a uma representação in-
nificava uma comunidade no nível da reflexão. Brecht des'êjavá'o espectador direta do tempo e não ,~,~~ dá uma apresentação direta dele, ou seja, uma ima-
pensante e se possível- como é sabido ~ fumante. Mas o ato de fumar deveria gem-tempo, No cinema moderno, ~m-càtitriip-artida, a-imagem-tempo não é nem
ser signo de sua serenidade distanciada, não exatamente a manifestação de empírica ?em metafísica, mas "transcendental" no sentido kantiano: o tempo se
um lapso de tempo (como o fogo que Genet critica). O espectador brechtiano liberta deseuencadeamento e seapresenta em estado puro.'
-;
não mergulha em seu estar-aqui emocionalmente fundido com os processos
cênicos (isso seria tomar parte no acontecimento dr am ático ), mas fuma re- Em um sentido semelhante ào' da imagem-tempo do cinema moderno, o tea-
laxado, distanciado, em "seu" tempo. É certo que a estética pós-dramática do tro pós-dramático também pode ser entendido como cristal de tempo, pro-
tempo real igualmente não busca a ilusão, mas agora isso implica que o pro- porcionando à sua maneira uma' imag ém direta do tempo "em estado puto':
\ i( cesso cênico não pode ser dissociado do tempo do público (uma vez mais se I Nesse sentido, urna experiência 'do tempo que se desvia cio-habitual provoca

I}
". l "
evidencia o contraste entre as atitudes épica e pós-dramática). Pode-se con- sua percepção expressá; de modo que o tempo é alçado da inexpressiva con-
"
siderar como seu primeiro emblema a composii[ão para piano de Iohn Cage dição de coadjuvante ao status de temática. Configura-se assim urn novo
intitulada "4'33'; para cuja execução ele prescreveu que exatamente por essa
duração não aconteceria nada como "obra" no sentido da tradição, mas ape-
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... '\' . f GiJles Deleuze, Das Zeit-Bild.lfino'2. Frankfurt arn Main, 1997, p. 347- 305
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fenômeno est ético- teatral: ao se utilizar a especificidade do teatro como modo desenvolvido por RobertWilsonpode-sefalarpelaprimeiravez deurna autên-
de representaçãopara se fazer do tempo como tal- o fempo comotempo - ob- tica estética da duração. Surpreendido, abalado;sensorialmente seduzido ou
jeto da experiência teatral, o tempo do pr6pri.~ procedimento teatral se torna "mesmo hipnotizado, oespectador experiencia a lenta passagem do tempo.
r;
objeto da elaboração e da reflexão artísticas. Esse tempo é utilizado de modo Toda percepção é reconhecidamente percepção diferenciada, de.modo que
consciente; sua percepção, intensificada e'organizada esteticamente. A pre- se sente nitidamente a diferença do ritmo perceptivo em relação ao anda. :
sénça e a atuação dos atores, a presença e o papel do público, a duração e a mente habitual da vida edo teatro. O tempo cristaliza e transforma o que é
ambientação reais do tempo da montagem, o
,
puro ,
Jato da reunião como um
. percebido:'o objetovisualsobre o palco parece acumular tempo nele mesmo.
espaço-tempo comum - todos esses pressupostos do têatroque permaneciam A partir do curso do tempo surge um "presente contínuo", para usar os termos
il'riplícitos' como tais vê m tona como algóytilizado aqui eagora-por todos
à de Gertrude Steín, modelode Wilson, O teatro se assemelha a uma escultura
os presentes, e .não c.o?:? ,~1i1 tempo representad o no cor:~exto de um cosmos cinética, torna-se escultura do tempo. Isso vale" a princípio para os corpos'hu-
narrativo fictício. ", _ _ manos, que em razão de seu movimento em câmara lenta se convertem em
--.., Na m edida em que O tempo se converte assim em objeto de uma experi ên- escuituras cin·éficãs~ 'mas· tamb ém para o quadro teatrai em gerai, que em vir-
cia "direta'; assumem especialproeminência as técnicas teatrais de distorção tude de,seu ritmo "não natural" dá a impressão de uma cadência peculiar- a
do tempo, algumas das quais são examinadasa seguir. " meioéaminho entre a de uma máquina e a do teatro de marionetes,
(. ..rChega-se então à constatação de que aqui a duração não ilustra a duração.
Duração Não se pode dizer que a vagareza no palco se refere à lentidão de um universo
fictício que estaria ligado a~posso mundo de experiências, nem que ela re-
A fragmentação da experiência d~ tempo em função da cot ídian ldade, das
mídias e da organização da vida, com suas conseqüências desastrosas para
a faculdade da experiência, foi descrita por Kluge e Negt.' Para que o teatro
tro se refere sobretudo ao seu próprio p.~.!:~E.~. Seuma montagemde Wilson
díírãSéis horas, a experiência teatral determinante hão duração objetiva
éã
-
mete por ironia ou antífrase à brutalidade ou à violênciada vida It real".3O tea- 'I·r
, "

possase afirmar como um âmbito essencial da resistência contra o d~sp-~4aç~: qu.e a princípio se encontra em primeiro plano, "a hora': mas a experiência
mente e o parcelamento sociais do tempo, a primeira condição é que haja um -' . , imanente da extensão do tempo. Por outro lado, é evidente que a experiência
. teatro "que tome tempo'[Nesse sentido, o tratamento conscienteda duração do tempo não é totalmente independente da duração real da encenação. Por
;é um dos mais importantes fatores da distor ção do tempo na experiência do isso, seria um problema interessante para a análise das montagens o modo
.teatro pós-dramático, no qual a dilatação temporal é um traço predominante. como devemser descritas essas formas de teatro em que o tempo teatral aut ô-
Verificam-se elementos de uma estética da duração em numerosos traba- nomo se articula com a duração e a lentidão da representação (procuradas
lhos teatrais da atualidade, destacando-se especialmente nos casos de Ian Fa- conscientemente) de maneira tão estreita que para a percepção mal se distin-
bre, Einar Schleef, Klaus Michael Grüber e ChristofMa rthaler, mas também guem a "duração teatral" e a "duração narrativa" O que significa o "desenqua-
em muitas montagens nas quais a imobilid~de, pausas extensas e a duração dramento" do teatro em relação ao cotidiano mediante uma dilataçãotempo-
absoluta da encenação são valorizadas como tais. Com o "teatro da lentidão" ral que não se ajusta a nenhum ritmo diário "normal" nos épicos teatrais de
váriashoras de PeterBrook, ArianeMnouchkine ou Robert Lepage!~Quê"ti;o
2 Alexander Kluge e Oskar Negt, Offentlichkeit und Erf ahrung. .l I/rOrgllnisationslllla/yse VOII
bürgerlicher und pro letarischer 6ffentlichkeit. SIl, 1972. \ Cf. Pavls, op. clt., p. 388.
30 6
de rela ção.há aí entre representação -Itempo do drama, tempo da encenação) tude escrita com luz, apresenta uma subjacente afinidade com a fotografia _
e presença
.
do tempo (duração . da encenação, texto da performance)? Como associada à melancolia igualmente por Benjamin e Barthes. O que Barthes
se comporta a vivência física e psicológica da duração em relação ao ritmo destaca como "punctum" na fotografia não é senão sua referência à transi-
.j\da encenação? toriedade. Na medida em que a fotografia mostra um homem do passado e
assim declara que ele "irá morrer'; "ela situa para mim a morte no futuro"?
Tempo e fotografia . É o tempo armazenado que confere à fotografia a sua melancolia. O teatro de
Wilson também gera a impressão do tempo armazenado nos corpos que se
Em seu ensaio sobre a fotografia (A câmara clara], Barthes fala de um nexo movem em câmera lenta: A lentidão deixa ver o curso temporal dos gestos,
entre teatro e fotografia que diz respeito imediatamente à dimensão temporal. intensificando assim a sensação de cada momento vivido.
Ele vê esse nexo por intermédio da "re.lação original entre o teatro e o culto
dos mortos'; na qual

os primeiros atores se destacavam da comunidade ao interpretar os papéis dos Ao lado da estética da duração, desenvolveu-se uma autêntica estética da repe-
mortos: caracterizar-se era designar-se como um corpoao mesmo tempo vivo tição. Nenhum outro procedimento será tão "típico" do teatro pós-dramático
emorto - busto embranquecido no teatro totêmico,hon:emcom o rosto pintado quanto o da repetição. Empregado de forma extrema em trabalhos teatrais
no teatro chinês, maquiagem à base de pasta de arroz no kathakali indiano, más- de Tadeusz Kantor e de Heiner Goebbels e em balés de WílllãmPorsythe, o
cara do nó japonês. Ora, é essa mesma relação que encontro na fotografia: por recurso da repetição interminável encontra uma variante bern-humorada em
mais quesefaça um esforço paraconcebê-la com vida(eesse furor de"fazerv!yer" Christoph Marthaler, que o introduz musicalmente e no estilo da.mecânica
só podeser a d~negação mítica de um mal-estar de morte), a fotografiaé-como sem sentido do cinema~~d~ :':co~lO na inesquecível cena dodcrmitóri~ em
um teatro primitivo, como um quadro vivo, a figuraçã? da face imóvel e dissimu- A hora zero, ou a arte deservir [Die Siunde Null oder die Kunst des Servierens].
lada sob à qual vemos os mortos.' No caso de Ian Pabre.ou.deEmar Schleef, sua função principal é a perturba-
ção e a agress ívídade .e- queInclu! ã·ã:·greSsãõ corrtra-o-públícnNa repetição
A imobilidade cerimonial e ritual do teatro de Wilson revela um nexo entre agressiva é recusada a demanda do divertimento superficial media~teÕ ·con-
teatro e fotografia. É sabido que Wilson por vezes usa fotos como matéria- . sumo passivo de -estí~ulos: em vez de variedade que mata o tempo.resforço
prima para seus trabalhos, e ocorre ainda queao recorrer a imagens filmadas da visão para tornar o tempo perceptível. Por trás da ira se reconhecea busca
ele aproxima o cinema da fotografia mediante SUa repetição, como em As de contato real, ainda que segundo o mote "O soco é contato': Em 1976 Pina
guerras civis [7he Civil Wars ), em que fotos da Guerra CivilNorte-Americana Bausch protagonizou um escândalo em Wuppertal com a estréia de Barba .
eram o ponto de partida e os filmes projetados repetiam obsessivamente as Azul [Blaubart) - sensacional inauguração de seu estilo de teatro-dança, no
mesmas seqüências. O caráter melancólico do teatro de Wilson, que a partir qual o movimento, o espaço e a .íntensídade d~ exp ressãoestátíca predomi-
do pouco de ação e movimento continuamente quer se reconverter em qu íe- nam sobre o desenvolvimento d'rálÚático, a narração e a beleza- , e a repetição
estava entre osprocedimentos que despertaram os mais exasperados protes-
.- ~ .. ...
"

4 Roland Barthes, Dfei-Ielle Kammer. Bemerkungen zl/r Photographie. Frankfurt am Maio,


308 1989, pp. 40-41. Ibíd., p. 106. 309
tos. Aqui, a provocante multiplicação deis mesmos gestos de resignação, medo faz do palco o lugar ode uma reflexão sobre O ato de ver dos espectadores. O
e abando~o pode ser pensada, afetivae co~ceit~alm~nte, COÚ10 síinbolo da que se salienta no processo da repetição é sua impaciência ou equanimidade,
busca sempre em vão de estabelecer contato é da situaç ão de um tempo não- seu estado de atenção ou sua relutância em aprofundar o tempo, sua disposi-
histórico, dclico . Heiner Müller escreveu certa vez sobre a qualidade desse ção ou recusa a fazer jus à diferença, ao detalhe, ao fenômeno do tempo.
tempo no teatro de Pina Bausch: "Ahistória aparece como perturbação, como
mosquitos no verão". " Mesmo a repetição mais mecânica, cotidiana, habitual e inteiramente estereoti-
Assim como na duração, na repe tição há uma 'cri~talizaçã o do tempo, uma padaencontra seulugar na obra dearte e com isso é sempreposta em relaçãocom
compressão e~ma negação mai~ ou menos sutis do de~ôrrerdo tempo. É certo outras repetições,certamentesoba condição deque dela se extraia uma diferença
queo.ritmo, a melodia, á estrutura visual-a retórica e a prosódia desde sempre em relação a essasoutras repetições. Pois nãohá outro problema estético a não ser
empreg~O;~ni a'repeti ção.e- !lâ.º há nenhum ritmo musical, nenhuma compo- o da inserção daartena vidacotidiana. Quanto mais nossa vidacotidiana aparece
sição de imagens, nenhuma ret-óri~~ eficaz;' nenhuma poesia, em suma, ne- estandardizada, estereotipada, submetJda a uma reprodução acelerada deobjetos
nhuma forma estética semuma repetição utilizada intencionalmente. Mas na de consumorrnàisdeve" arteligar-se a ela e dela arrancaressa pequena diferença
nova linguagem teatral a repetição adquire um significado diferente, mesmo [".l. Toda" arte tem suas próprias t écn icas de repetições lnterllgadas, cuja po tência
oposto: se antes ela servia para a estruturação, par áãconstruçâo de uma forma, crítíca e revolucionária pode alcançar o pontomais alto para nos levar das repe-
aqui ela serve justamente para a desestruturação e desconsiruç ão da fábula, do otições vazias do hábito para as repetições profundas da memória e então para as
slgníficadoe.da.totalidade formal. Se os procedimentos são repetidos de tal derradeiras repetiçõesda morte [".).6
modo que não mais são .vívenciados como parte de uma arquitetura cênica e
como estrutura da composição, suscita-se no receptor a impressão de que eles Imagem-tempo
seriam redund antes e sem sentido. Eles são apreendidos corno um decurso in-
findável, impossível de sintetizar, descontrolado e incontrolável. Vivenciamos No teatro dramátic o, a imagem desempenhava essencialmente o papel de
UÍ11 monótono fluxo de signos que se esvaziaram de seu caráter comunicativo .., _ un~ mero pano de fundo. Ainda que este, em determinados momentos e por
e já não podem ser apreendidos como parte de uma totalidade poética, cênica, causa do efeito da representação, fosse configurado de um módo extrema -
musical: versão pós-dramática negativa do sublime. mente encantador e impressionante, tornando-se assim prazeroso e valori-
Contudo, não há verdadeiramente nenhuma repetição no teatro. Já o mo- zado cornotal, o aspecto visual recuava perante o conflito representado, as
mente em que se dá a repetição é diferente daquele em que ocorre o fato ori- peripécias dram áticas, o choque emocional, as surpreendentes viradas da
ginal. Aquilo que já sev iu antes sempre é visto de um outro modo. O mesmo, , trama. O teatro pós-dramático engendra um espaço lmagético que combina
repetido, está inevitavelmente modificado: na repetição, o mesmo é o velho a teatr~lidadêtornada autônoma com uma Importante conquista da arte mo-
e o lembrado ; ele é esvaziado (já conh ecido) ou sobrecarregado (a repetição derna: a intensificação da perceptibilldade do espaço e da superfície píctórí-
confere sentido). A mudança de contexto, mesmo que mínima, dissolve a
identidade. Desse modo, a repetição pode gerar uma atenção permeada pela
I cos como tais. O pressuposto para que o teatro se apropriasse da dimensão da
lógica imagística estava dado com a autonomízação da experiência pict órica
lembrança do passado, uma atenção asmen?res diferenças. Não se trata do sig-
nificado do acontecimento repetido, mas do significadoda percepção repetida,
II na modernidade. As artes plásticas já haviam ousado fazer ode sua realidade
. . ~./
-'

310 ou não se trata do fato repetido, mas da própria repetição. A estética do tempo
I
i
6 Gilles Deleuze, Dlfferenz und Wlederilo/ung. Munique. 1992, pp. 346-47. • 311
'o o
!
material c.fator dominante de sua constituição, e com isso o receptor foi tam- movimento temporal, que sua visão "suplementá" (no caso de representações
bémTncumbido" de concebermediante o olhar a temporalídade da imagem, reais de objetosou figuras em movimento), repete ou mesmo cria (no caso de
e não simplesmente a temporalidade daquilo que é representado - de outro uma imagem não-objetiva ou abstrata). No caso do teatro as relações se esta-
modo, ele não chega ao prazer da experiência de ver que, por assim dizer, o belecem de um outro modo, pois movimento corporal, linguagem, som - a
espera na imagem. •teatralidade,em suma - já são em si mesmos tempo e decurso do tempo (sem
O efeito teatral de imobilidade produzido pelas estéticas da duração e da excluir o teatro extremamente estático). Na medida em que o teatro passa a
repetição tem a notável conseqüência de introduzir na percepção do teatro o combinar os fatores visuais e rítmicos com uma dramaturgia cênica, assume
foco na imagem-tempo, a específica disposição perceptiva para a contempla- a qualidade de um objeto cinético, que já não pode ser apreendido com os
ção das imagens. Ao ativar na recepção teatral essa disposição que antes só modos de ver habituais no teatro narrativo. Sob o signo da dramaturgia visual,
estavaem jogo nas artes plásticas, O teatro passa a fazerparte da problemática a percepção teatral não mais é direcionada para que o aparelhosensorial seja
da iemporalidade dos fatores visuais. Gottfried Boehm escreveu sobre a p~r­ (~'Iy.e.j,ª,ª_Uor Imagens em movimento, mas ativada, tal como a capacidade
cepção pictórica: dinâmica do olhar di'ante de um quadro, no sentido de produzir proces~os,
combinações e ritmos com base nos dados do palco,mas "sob direção própria"
Se pela visão (ou pela interpretação) dissociamos do nível pictórico umacena ou Na medida em que a semíótíca visual parece querer conter o tempo teatral e
um ambiente como "camada" ou "teormaterial", li.enoS concentramos nas coisas, transformar a ação que transcorre temporalmente em imagens depensamento,
em seu teor, em seu sentido, então suprimimos, ao menos emparte, ascondições o olhar do espectador é solicitado a dinamizar no ver a imobilidade prolon-
de representação. Mas [...] se aceitamos com a série dos objetos mais reconhecí- gada que se oferece à sua vivência da imagem. A conseqüência é uma oscilação
veis também o nível dos contextos pictóricos planlmétricos, então nos aproxima- do foco da percepção entre olhar-observação "temporalízante" e (t~compan,ha­
mos do fenômeno real, da imagem como campo simultâneo e como contihuum. rnento" cênico, entre'~ ati~id~d~de v~r e aconvlvência (maispassiva).
[...] O tempo representado e o tempo da representação j~ nãosão sepafados. 7 O teatro pós-dramático exerce assim um deslocamento da percep~ão
.'- ~ /'
teatral - para muitos provoçatíva, incompreensível, entediante -do deixar-
Dessemodo, se na teoria da arte a temporalidade veio a ser reconhecida corno se levar no fluxo da narração ]J~~a'~n1ã co'-rêãlizãção-c0nst-rutiya de todo o
uma estrutura essencialda configuraçãodas imagens, torna-se relevanteabor- complexo audiovisual do teatro. Chega-sea uma experiência do espaço eda
dar essetema também na teoria do teatro. Imagem cuja duração ecuja seqüência temporal são bem menosfixas.ra um
Com Boehm, sustentamos que a imagem, como "forma de relação'; sugere comprometimento temp;~(il'e,ntre a seqüência da ação/narração e aduração
uma "Imagem-tempo" que é peculiar apenas a ela. Elil apela ao sentido do tendencialm~~tenão-direcionada da contemplação do espaço e da imagem.
tempo do observador que apreenda, sinta e leve adiante o movimento nela Tal teatro de uma contemplação desacelerada, mais próxima da percepção
imobilizado e latente, que propriamente o "produza"A imagem representa um pictórica, se afasta ainda mais de seii Irmão mais popular, o cinema, na'me-
fator que a princípio parece "atemporal', mas o observador, por meio de seu dida em que não partilha sua inclinação para a fabulação, substituindo a li-
sentido do tempo, por meio da fantasia e da empatia; descobrena imagem o nhade tempo de uma trama pelaexperiência de um tempo teatral global que
se pauta pe1o~it1no. É somente ~or via da imersão nesse ritmo cênico'que se
7 Gottfried Boehrn, "Bild und Zeít" in Hannelore Patlik (org.), DasPhãnomen Zeit In Kunst chega à percepção de l1arrações1'c6rit~údísticas" residuais - freqüentemente
I
312 und wissenschaft. Weinheim, 1987, pp. 20 e 23. fragmentadas -, possíveis histórias, ternas, associações.

\1
Paul Valé ry fez a bela.observação de que n6s museus deveria haver uma gravações de atores em vídeo são trazidas para o palco, de modo que eles par-
cadeira diante de cada quadro. Na verdade, os museus tendem igualmente à ticipam da representação in absentia, o que há não é apenas um eco difuso do
apressada transformação da experiência visuál em mera informação que já ambiente de vida cotidianamente pautado pelas mídias. Por certo, também se
ocorre na reprodução em geral. Esse problema sugere a questão de saber se reflete a realidade do tempo estilhaçado, mas sobretudo o fato de que espaços
misturas de exposição e teatro não pass~~·ã~ a ter uma maior importância no temporais heterogêneos podem ser "conectados" sem esforço por meio das
futuro. A peculiaridade da experiência teatraL(que em geral a visão se aplica mídias eletrônicas. Nessa conexão se perde a identidade temporal das reali-
a imagens 'muito grandes - o teatro é sempre um .quadro enorme; o espaço dades individuais, que com a suposição de uma sincronicidade onipresente
teatral geralmente tem grandes dimensões. POr out;ô'lado, com a dilatação se tornam um componente de um tempo-espaço heterotópico, determinado
temporal da representação exorta-se a uma contemplação paciente, modifi- eletronicamente. Aquilo que permaneceria trivial, como mera demonstração
cada ac~da vezp or novas cçnstela ções. Assim, ao mesmo passo que a estética da comunicação midi ática, manifesta no âmbito do teatro o conflito latente
da duração se desprende da pressa dosprocessosdremétíc os, concretiza uma entre momento de vida e superfícies detemp o virtuais e eletrônicas.
qualidade de experiência visual que se interpõe entre o tempo teatral e a imo- Nos trabalhosteatraís.nltídamenre marcados pela influência das mídias
bilidade da imagem. O teatro também é uma galeria do futuro - assim como verifica-se o despedaçamento da ação cênica em estilhaços mínimos e hetero-
não se pode excluir que em certas modalidades (como o já discutido teatro da gêne.?s{à maneira do videod ipe - a exemplodas montagens do diretor alemão
leitura) ele possa se revelar como um refúgio da leitura atenta e lenta, como Leander Haussmann. Em muit os desses trabalhos, apresentados sobretudo
lnesperada reallzação da visão de Mallarrné do livro absoluto. dos anos 1990, o que se visa é apenas a diversão e o sucesso (em conformidade
com o ideal da indústria de entretenimento), mas também se verificam pro-
Estéticas da velocidade cessamentos convincentes da estética midi ática, Iohn Iesurun trabalha com o
princípio do seriado televisivo; em Iürgen Krus~ a inserção de música pop e
Em contraste com o teatro da lentidão, da imobilização e da repetição, outras de citações da mídia gera interessantes interpretações de obras dramáticas; o
formas teatrais pós-dramáticas buscam incorporar a velocidade do..tempo-da _ ' ,. , grupo dinamarquês Von Heiduck incorpora ilusão cinematográfica; as repre-
mídia e mesmo super á-la, Encontram-se aqui alusões à est ética do videoclipe, sentações de jovens realizadores de teatro como Ren é Pollesch, Tim Statfel e
citações da mídia, mistura de presença ao vivo e gravações e a segmentação Stefan Pucher se apóiam na velocidade da estética pop e das mídias.
do tempo teatral à maneira das séries televisivas. Esseestilo é particularmente A simultaneidade na própria ação cênica, que aqui se torna dominante,
configurado em trabalhos de jovens realizadores teatrais dos anos 1990, que é uma das principai s características da configuração temporal pós-dramá-
não se deixam desencorajar pela proxímldade com espetáculos multimídia e . tica. Ela pl:?~UZ velocidade: A conco~itância de atos de fala e de imagens de
com o show business, mas tomam o padrão midiático como material, que utili- vídeo gera a interferência de diversos ritmos temporais, estabelecendo uma
zam de modo mais ou menos satírico e na maior parte das vezes em andamento concorrência entre tempo corporal e tempo tecnológico. A incerteza quanto
acelerado. A mistura de ação ao vivo e de material pré-gravado promove a dis- à procedência de uma imagem ou um som - se é gerado no instante, transmi-
solução da homogeneidade do tempo, e com isso dissolve aquela ideologiaque tido diretamente ou pré-gravado - evidencia que o-tempo está fora dos eixos,
se deleita com o presente vivo no teatro, supostamente irredutível. sempre "saltando" entre lapsos temporais heterônomos. A falta de ugJ..te.tÍ1p~
Quando atores un em seus corpos com as vozes de outros, quando sua homogêneo priva a experiência da possibilidade de assegurar-se dacontinui-
314 fala se dirige a parceiros ausentes (visíveis apenas n~m rnónltor) ou quando dade e da identidade de seu objeto pela repetição, 315
teatro e memória

_ _----.....,
... _-.-..~.
..._•...

Memóriahistórica

Segundo Maurice Halbwachs, a memória coletiva - da qual fa~ parte a me- .


móría cultural>- certaíÜeu.te....$~çói!lp.õe.a partir de uma somáde-Jnemórias
individuais, mas é diferente da soma de lembranças individuais e é mais do
.' , que ela. ~a verdade, a existência de uma memória coletiva é um pressuposto
indispensável para" á'C(:mstituiçã"Qg~ m~mória individual. Somente a memó- .
ria coletiva dá forma, 'lugar, profundidad~ -;;;;;;;tfcfõ-àTr~m-emEJtaç~~ indi-
o
ylduaís. Algo_cQJ:l1..? provimento-ãfetiyô' deexperlênciascõletiças é ~iitão
necessário para-que ahistóría pessoal ~ ~ lembrança e' a experiência ~de um'
~., .
passado - possa ganharforma.. " .
O teatro é um espaço de m'~rnória e revela uma manifesta relação com ó
terna da hístoricidade, ainda mais agor;a, num tempo midiático, em que a
"liberdade" passa a aparecer idealmM't~·comoa.m*,C9fj1cleta desobrigação
do indivíduo. O teatro tem a vercom a memória, da qualé)7üstamente in-
" "
dissocíável.a idéia de algum titio de compromisso. Cada momento presente
-. \ . .'
que reconhece mostrar em si ",estígi()§..de suas- origens se encontra -. tanto
em seus traços bons.comõ-,Fliins-'::-;'?mo elo de uma corrente, sem a qual
não teria exi~tido. Apesar desse nexo de dFpendência e compromisso que 317
\ J
, \

necessariamente liga a consciência e também o iteatro à história; o teatro n ão seu asp ecto e seus gestos desp ertam inespe rad amente no observador a "lern-.
é h istória; assim com o não i representação diretamente política (que hoje em brançà' do (próprio) corpo. Isso está inserido estruturalmente na forma do
dia outras mídias lh e sub trae m). Heiner Müller gostava de observar que o teatro, já que ele tem como objeto, apesar de toda desmate rialização e "espi-
.acon tecimento m ais imp or tante da época elisabetan a, a derrota da Armada ritualização': a aparentemente inilud ível presença natur al do corpo humano -
em 1588, não aparece em nenhum drama daq uela época. do corpo teatral, que se diferencia radicalmente de tod os os corp os simulados,
Em nosso contexto, "mem óri a" não significa qualquer tipo de depósito de fotografados e reproduzidos. Por meio da recordação de um sofrimento, de
<,
informações e "lembrança" não é um procedimento no qual este ou aquele possibilidades desperdlçad as, de promessas não cumpridas que repousam
dado acumulado no dep ósito-m emória seja convocado-ao bel-prazer. Com o n os corpos e em seus afetos, o Eu olha p or cima do mu ro fronteiriço de sua
termo "pass ado" n ão sedesignam os assim chamados fatos da história. Quem identidade e se abre, mesmo que inconscientemente, para a sua história ge-
procura iIO teatr o os "conteúdos" culturai s de tempos ido s, segundo o hábito nérica, para a conexão comos outros,yara a dimensão da resp onsabilidade,
dos antepassados, nã~ -ú~~~ina opoléncíal de memóri~do teat ro, mas apenas que está ligad a à sua his tori cidade. Parece proveitoso, nesse conte xto, recor-
sua função de museu. Mas o museu não é o espaç o da memória do qual se dar o ccnc eltomarxlsta de "consciência genérica" [Gattungsbewusstsein].3Só
tr ata aqu i. O mus eu é um mei o - um meio de depósito. Em contrapartida, o discern ime nto de que o indivíduo é ao mesmo tempo uma criatura gené-
uma representação teatral não é nen hum meio para-alguma outra coisa - por rica .supera a auto-suficiência sempre limitada de um individu alismo atro -
exemplo, pa ra/urna consci ência hi stórica aguça da quando, ap ós a represen- fiarite, espasmó dico, e a absolutização de um dete rminado presentefetichista
tação, ti pessoa se encontra no vamente na ru a. A memória acontece de outra (visto eurocentricamente).
mane ira - a's~ber, "quando a abertura da vis~o se faz n o temp o ent re olhar e O teatro p ode significar 1,~ 1J'l bran ça de algo em suspenso, passado e futu ro, .
olha r" (Müller), quando algo não visto se torna quase visível entre imagem memória e antecipação, rup tu ra com a p resen ça sobrecarregad a de inform a-
e imagem, quando algo não ouvido se torna qua se audível entre som e SOI11, ção, consumo e "consciência': O teatro se torna significativo com o espaço de
qua ndo algo não sentido se torna quase perceptível entre as sensações. memória quando surpreende o espectador e rompe a proteção do encanto,
qu~ é também uma pr oteção diante do enfrentamento com com esse "outro
"--._- -

Lembrança dos corp os tempo" que não po de ser pensado sem o terror do desco nh ecido. Certa vez,
Walter Benjamin definiu o inferno como "o etern o retorno do novo': mas essa
': Aquém é além do saber e do "entendimento'; o teatro reali za um trabalho de definição pode mu ito bem qualificar o paraíso do homem pós-histórico, em
. memória voltado para os corpos, para os afetos, e só então para a consciên- cujo presente eterno florescem ent rete nimento, informação e consumo no
ela.' O reconhe cim ento de Proust de que as lembranças mai s valiosas talvez ciclo das ._-
modas.
- --
É toda via nesse "outro" tempo que tem lugar a experiência,
se situem no cotovelo, nãona memória ment al, torn ou-s e corrente. O corpo quando elementos da história indiv idual se encontram com os da h istória
é um local da memória , "um depósito para pens amentos e sentimentos à coletiva e surge um tempo-agora da lembrança, que é ao mesmo tempo me-
disposição",' e pode ser viven ciado como tal na realidade do teatro quando mória involu nt ariamente cintilante e antecipação. Nesses momentos da nã o-
compreensão, do choque, da percepção indizível, experimenta-se a exposição

VerGerald Siegmund, Theaterund Gediicntnis. Semiotische undpsychoana/ytische Untemt-


chutlgen zlIr Punktion des Dramas. Tüblngen, 199 6 . . 3 VerKarlheínz Barck,"Materialitât, Materialismus, performance". in Hans U. Gumbrecht e
318 2 Pierre Bourdleu, SozialerSinn. Kritik der theoretischn VemunjÍ..Jlrankfurt arnMain, 1987· Karl L. Pfelffer (orgs.), Materialltãt der Kommunlkation. Frankfurt am Maln, 1988. p. 123. 319
I
a um outro tempo, que nã o é simplesmente 'presente e que em sua multid í- na Trilogia dosdragões [La'trilogiedes dragons], igualm ente uma discussão em
mêÍ1~ionalidade talvez nem sej~ temp o num sentido claramente reconhecível. I torn o da memó ria política. Mencione-se ainda a instala ção de Rober t Wilson
De todo modo, a memória aqui é algo que segue a contrapelo da história, [na Bienal de Veneza de 1993) intitul ada Memória/Perda [Memory/Loss).
uma espécie de negação de seu cur so temporal. U~a "rernemoração" desse
tipo, na concepção de Benjamin, jamais seria conformista, mas "contrame - Tempo-culpa
m ória" na acepção de Fouc ault.
Certamente seria possível detectar a repetição dos mitos mesmo nas for- Não é nenhum acaso o fato de que o teatro funciona como espaço de memó-
mas de teatro radic ais da atualidade. Afinal, em todas as cult uras o teatro en- ria não só genericamente, mas sempre teve a ver com o passado e com as his-
trelaçou a afirmação da eternidade d ó mito com sua desmontagem. A cons- tórias dele provenientes de culpa e culpabilidade, histórias trágicas, cômicas,
ciência da tradição e as imagens aparentemente antiiluministas do mito são grotescas, tristes ou amargas: a culpa é a dimensão dramática por excelência.
uma dimensão do teatro que pode ser conciliada com a contramemória. As- .-"H á-m uitü .q]J.e permanecia em aberto uma avaliação que exige multo do pre-
sim , ressurgiram a narração supostamente épica e os grandes espaços míticos sente e do futuro. Um modo de agir deixava vestígios no futuro. Não é só na
dó passado em Robert Wilson (A floresta [lhe Forest]), Peter Brook (Maha- tragédia que a culpa é a lembrança de que o Eu não se base ia em si mesmo.
bharata), Ariane Mnouchkine (Os atridas) e Robert Lepage (Os sete afluentes No teatro pós-dramático, o próprio despedaçamento dessa experiê ncia está
do rio Ota [Les Sept btancnes de la riviére OtaJkentre ~ários outros. no centro, porque o teatro confia cada vez menos .ao.cãnon e dr amático tra-
dicional a capacidade de comunicar aquela dimensão tempor~ld~ obrigaçã o.
De sobrigação A comunicação entra em cena aqui como sua auto-intetrupção, resistindo
contr a fórmulas de entendimento sçci alequlllbradas e bem fuiiciona ls.Tarn-
É cert o que a vanguarda teatral do século xx se insur giu contra o fa,rdo'opres- bérn por isso o teat ro, em vez de reavaliar as l;i~tódas da culpa na forma dra-
siva do passado mediante afirmações radi cais do agora, revalorizando o pre- mática preserva da, vive o própr io momento teatral. .Co m isso, muitas vezes
sente e os impulsos futu ristas. Contra os poderes estabe'l~ddosda tradição, o parece que se pe rde a história no dup losentido da palavra: nã o se revela ou é
teatro mo derno perseguiu algo que poderia ser designa do com o um amplo mostrada como algo que se perdeu ou quese p-~rdé:·JY.lâs ·a büscade forma no
programa de desobrigação. No' entanto, a partir dos anos 1980, com a totali- teat ro recente oumais novo, que evlta a referência aos "gra~des" teinas da"his-
zação da sociedade midiática e a conversão de experiência em informação, t ória, da política e da moral, não é nad a além de busca - freq üentemen te sem .
a reflexão teórica e artística se volta com renovada inten sidade para a reme - consciência de si própria ::"' ·d ~. formas de representação teatral para ' a obri-
moração, No in ício dos anos 1990 podia-se constatar n o âmbito do teatro gação e a responsabilidade, queest ão inclu.ldas na dimensão da lemb rança.
diversas tentativas de explorar o tema da memória e da identidade histórica. Desse modo, as novas form as teatrais destacam de diversas formas ti presença
A reviravolta política mundial havia recolocado o tema na ordem do dia. Em do espectador; elas visam a reativação da participação dos espectadores, for-
1990, Christoph Nel e Michael Simon apresentaram em Frankfurt a montagem . mas pararrítuaís, estéticas agressivas de recusa, a abertura doprocedirnento
A memória se mistura na velocidade do esquecimento [Das Gedãchtnis misst teatral em direção à festa, o teat~o ~~mo situação ou a compreensão regional,
sich an der Geschwindigkelt des Vergessens], na qual materiais narrativo s polí- étnica , política. \ .'
ticos e privados se confundiam com intervenções cênicas. Na segunda met ade Essa tendência n ão excluí que .O tempo ;teatral negue utopicamente à
320 dos anos 1980, o 'Ihéâtre Repêre, sob a direção de Robert,Lepage, trabalhou violên cia do tempo que julgá os fatos. Ele ta!nbém pode fazer da libertação 321

\ '
I
do tempo-culpa um tema.Nas,ao.~tações -dé-P~teiii~~dke sobre A hora em
.: ....
que nãosàbíalnos nada uns'dos outros [Die -StuMe lÚw!r nicht-s::vn/ieinander
lVusste1'l ] encontra -se a utopia de unia observ:B-9ão atentaque contempla tudo,
mesmo o mínimo detalhe, é se-tornafelicidade porque pode ser sentida como
"substituta", como símbolo para-umapõsslvel óütra vida.4 Caso se sigam as
conside rações de Handke, o teatro não deve mostrar tanto O que ele sempre
. ........ " ,

mostrou, o tempo de uma história da culpa; mas-s-9bretudo-'algo que poderia


ser chamado de um espaço dá -inoc~ncia. Seria uini:e-atl,'ô utópico, no qual o
espectador veria "oladopessoa l do Il1:un<;l~_1esperto [..~] sem-os trilhos de sua Digressão sobre a unidade de tempo
histórfil".5'Essa.ap..;a.reúte negação da história pode ser lida como a tentativa da
. - '_ .-\. ~ - ~ ' _ . ' . .....
abertura de um outro olhar sõ·breã-histtrria,pàJ.'à:al.é.n} dodemônio da culpa.
Handke: "Nada aconteceu, É tamb ém não precisa acontecer nada, libertado
_/ ..-..... ..
da expectativa eu estava, e distante de qualquer ruiclb':6
• -- -" 0 ,/

Em-v ários aspectos, a. regra da unidade de tempo foi essencial para a tradíçãó
aristotélica do teatro dramático. Talvez elatenha sld ód'esde o lníclorelacionada
à unidade de um dia de processo e de um debate - certa vezAdorno chamoua
.::'; ::':' . -

tragédia antigade "debate sem sentença" Mesmo quando não era buscada uma
unidade de tempo exterior (comono teatro elisabetano, porexernplo),o teatro

---~- -1---
se encontrava sob o signo de um ideal de completude orgâiilca, que necessa-
riamente tinha conseqüências para a representação do tempo. Em contraste,
I
deve-se destacar aquelas dramaturgias que no século xx modificaram a com-
I
I preensão disso queé chamado de teatro. O conceito brechtíanc da "dramática

i
I
não-aristotélica" cunhado nos anos 1930, separava o teatro épiconão tanto das
regras clássicas do teatro dramático, mas sobretudo da finalidade'da "catarse"

I -
do espectador pelasensibilidade:

i Designamos umaj
dramática como "aristotélica" quando essa sensibilidade é derl-
vada dela, não importando se Com a utilização das regras introduzidas para isso
I por Aristóteles ou sem sua utilização. O peculiar ato-psíqulco da senstbllldade-é
realizado d:e modo inteiramente diverso no Curso dos sécul~s.l ._._/ ,/""
4 Peter Handke, tn« StUl1de dalVir nicnts vOl1einander lVusstell.Berlim, 1993, p, 32.· I
5 Ibld., p, 66. I
I
Bertold Brecht, in Werke, op, clt, V. 2.2., P.17I.
322 6 Ibld., p. 2.8.
II 323

r
i
A crítica. de Brecht não se aplicava tanto à tragédia antiga quanto às metas de demodo queescapam aocontemplador a unidade e a tot~lidade dacontemplação,
efeito do naturalismo e do e~ressionismo. Aomesmo tempo; tratava-sede legi- como se, por exemplo, uma criaturativesse o tamanho de dez mil está dios).'
timar, com um discurso vibrante, a nova forma teatral épica em contraponto
a um antípoda, cuja estatura evidentemente tinha de ser grande o suficiente: Qual é o sentido dessa comparação um tanto grotesca? Trata-se de evitar a
teatro épico versus teatro dramático, dramática não-aristotélica versus dra- confusão e da questão do "a um só tempo" (hama): a forma - beleza, harrno-
mática aristotélica, Brecht versus Aristóteles. , nia orgânica - tem de ser perceptível e apreensível de um só golpe,sem retar-
Faz parte do projeto do teatro épico a dramaturgia de saltos temporais, damento de tempo. Nó que diz respeito à ação, isso significa que sua lógica
que remete a uma realidade e a modos de proceder como descontinuidade: coerente e sua totalidade (holon} não devem escapar ao espectador. Desse
modo, diz o argumento, também a ação precisa ser condensada de modo que
o espectador moderno não deseja ser tutelado nemviolado (a saber, por "todos fique "bem observável" . (eusynopton) e ao mesmo tempo
\ . .. . . "bem memorizável"
os estados afetivos possíveis") , mas quer simplesmente obter material humano ' ( eum ne 111ó.~1_e uton) . S eín essa clara e abrangente visão da unidade lógica, nada
para ordená-lo porsi mesmo. Por isso, ele tambémadora ver o homem emsitua- de belo pode surgir. No sentido desse ideal de "visão de conjunto', a exten-
ções quenãosãoassimtãoclaras; por isso, não precisa nem das fundamentações são correta da ação dramática é definida de tal modo que o tempo deva bas-
lógicas nem das motivações psicológicas dovelho teatro. (...] As relaçõesentre os tar exatamente para possibilitar uma reviravolta, uma peripécia - em outras
homens de nossa época são obscuras. Port anto.io-teatro precisa encontraruma palavras, tempo para a lógica de uma reviravolta. O drama confere lógica e
form a para representar essa obscuridade da maneira mais clássica possível, ou estrutura à abundância e ao desordenarnento do ser (por isscêlêestá acima
seja, com serenidade épica.' da historiografia, que tão-somente relata acontecimentos caót~ços).É essen-
cialmente a unidade de tempo que deve conter a unidade dessa-Ióglcaa ser
Enquanto Brecht privilegia o salto tanto no nível lógico quantono' tem- apresentada sem confusão.Hígressão ou rupturã. ' .
poral , em AristÓteles a unidade de tempo é crucia~mente import ante para Um aspecto da concepção de unidade de tempo ,que fica apenas implícito
assegurar a unidade de ação como uma totalid ade 'coerente. Não deve em Aristótelesé este:na-medidaem que o tempo e a ação alcançam coerência
haver saltos ou digressões que possam obscurecer a clareza, confundir interna, contínuidade'sern falha; ~'~~~'t~t~ITdadê-dâvisã'o'de'contunto, uma
a compreensão. Antes, deve' impera r uma lógica ininterru ptame nte re- tal unidade estabelece um limite incisivo entre o dramae-o mundo '~~terior.
conhecível. É essencial nesse contexto a exposição da Poética segundo Ela assegura 'a estrutura fechada da tragédia. Lacunas e saitos no continuum
a qual a ação dramática precisa ter uma certa grandeza - no sentido da temporal interno terlamdeser pontos de irrupção para o tempo real externo.
extensão temporal. Aristóteles recorre a uma peculiar comparação da ação A coerência interna e a estruhira fechada em relação à realidade externa são
com um animal : aspectos complementares desse tempo teatral uniforme. O prazer estético '
não deve se dar sem ordenamento :... há que se evitar, por exemplo: o êxtase
Portanto, não pode ser bela nem uma criatura muito pequena (a contemplação ritual coletivo ou um procedimento "mímético" exuberante,que comporta o
se confunde quando seu objeto não está próximo de uma grandeza perceptível) risco de uma mistura -afetiva. ,Po~tanto, a concepção aristotélica da unidade
nem uma criatura muito grande (a contemplação não se efetiva de umas6 vez, do tempo dramático procura dellmltar uma esfera estética fechada com um

2 Ibld., p. 2. 3 Aristóteles, Poetik. Stuttgart, 1982, capo 7, p. 26. 325

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tempo artístico próprio e conceber urnaexperl ência do belo que o consti- e da confusão. A raião d~ regra é a afirmação da regra. É preciso evita~ a
tui como análogo da racionalidade. Essa analogia está a ~erviço da exigência confusão, a fantasia que vaga livremente, não dirigida ou regulada pelo pro-
de continuidade interna, coerência, simetria orgânicae visão de conjunto cesso dramático, a irrupção da recepção imaginada sabe Deus em que outros
tempora l. Por contraste, o claro reconhecimento está entre as mais elevadas mundos espaciaise temporais,
propriedades emocionais do teatro: compaixão' [eleós) e medo [phobos] são Caso a apreensão de maiores lapsos temporais seja imprescindível, deve
afetos intensos, e a catarse deve dominá-los mediante uma espécie de enqua- ser regulada de tal mo ~o que o tempo estendido seja situado entre os atos. A
" tematização do tempo real deve ser evitada mediante a ausência de qualquer
drarnento pelo lógos. .
A despeito de suas implicações filosóficas, a PoÚíêa.qe Aristóteles era um indicação de tempo precisa no texto falado. Os relatos sobre eventos que se
texto pragmático ed.esc,r!.~ivo.Na eramo.?:rna, suas observações-foram con- deram antes da ação cênica devem ser minimizados para não sobrecarregar
vertidasemregras normativas, as regras em preceitos, os preceitos em leis; o a memória e a potencialidade intelectual do espectador. Como o duplo mais
que era descrição t~;;"õ'ü~sepresc1'ição .. Durante. ó_funa~cimento, ainda riva- perfeito possível da realidade e ao mesmo tempo como instância de raciona-
lizavam uma concepção de arte platônica, orientada para ·0 furor poético, e lidade e coerênéiasugestívas, o teatro necessita da unidade de tempo, con-
uma concepção aristotélica, orientada para a razão e a regra. A linha aristo- centrando-se no presente e excluindo a multiplicidade de espaços temporais.
télica saiu-se vitoriosa e tornou-se determinante para as.idéias teatrais da era Ao ge,rár continuidade, a unidade deve torn ar imperceptível qualquer cisão
moder na, sobretudo no cl~ssicismo. Em seu Discurso sobre as três unidades entl'~ tempo fictício e tempo real. Afinal, qualquer ruptura na estrutura tem-
[Discours SUl' les trais unitésl, de 1600, Corneille afirma que o autor dramático poral traria consigo o perigo de que a diferença entre original e reprodução,
deve tentar àrcãnçar uma identidade entre o tempo representado e ó tempo entre realidade e imagem, se tornasse consciente e o espectador fosse irreme-
da representação teatral: Essa regra, esclarece ele, não provém somente da diavelmente reenviado ao se~tempo, o tempo real. Desse modo, ele poderia,
autoridade de Aristóteles, mas também, diretamente, da "razão natural": o sem controle, fantasiar, refletir ou mesmo devanear. .
"poema dramático" seria "uma imitação, ou melhor dizendo, um retrato das As estru turas tempor ais da tradição aristotélica não são simplesmen te
ações dos homens". Essa comparação logo se torna útil para o argt!!:Qe}~t~ um.arcabou ço inocen te e hoje em dia anti quado, mas componentes essen-
principal, já que a perfeição de um retrato se mede - "sem dúvida alguma" .:." , .' . " ciais de uma poderosa tradição. O teatro do presente ainda precisa perma-
: pela semelhança com o original. No que diz respeito à função da unidade de nentemente se afirmar contr a o efeito normativ o dessa tradição, por mais
"tempo, essa passagem funda menta o especial motivo pelo qual se aspira à que ninguém mais defenda a norma da unid ade de temp o num sentido
. identidade de tempo representado e tempo da representação: o "medo de cair formal. As concepções estéticas e dramatúrgicas dessa t,radição devem ser
no desregramento'; nos termos de Corneílle .' Não é a identidade pragmática interpretadas como definições e delimitações da recepção, como tentativa
e técnica do tempo representado e do tempo da representação que constitui o de estrutU:-~çãõ dos modos de fantasiar, pensar e sentir no teatro. A unidade
verdadeiro motivo da unidade de tempo, mas sim o medo do desregramento temporal torna-se assim um valor sintomaticamente importante. Os dois
aspec.tos complementares da unidad e de tempo - continuidade interna e
isolamento em relação à exterioridade - eram e até hoje são regras básicas
4 Pierre Cornellle, Discours sur les trois unltés, in CEuvres completes. Paris, 1963, p. 844.
não só do teatro mas também de outras formas de narração, con\o.f<1êIl..
A comparar com o significado central do conceito de "desregramento" na poética da mo-
dernidade desdeRimbaud, que promove o "desregramento de todos os sentidos" a um pro- mente comprovaria Uma breve consideração dos filmes hol1ywóo dianos
32.6 gramapoético, , com o ideal da "montagem invisível", 32.7
A tradição aristotélica da dramaturgia do tempo tinha por meta - assim
podemos resumir- nada .t;lenos que impedir a manifestação do tempo como
tempo. O tempo como tal devia permanecer reduzido a uma insignificante
condição da ação, devia permanecerimperceptível, e para tanto havia as devi-
das regras. Nada devedesviaro espectador do rumo dos acontecimentos dra-
máticos. O autêntico sentido da estét-ica temporalaristotélica não.é.estético, A
unidade de tempo no teatro aponta sobretudo para uma imagem fantasiada
do continuum. Oteatro deve espelhar e aprofundar o continuum socialde inte-
ração e comunicação, o continuum de um contexto sociossimbólico de ideais.
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valores e convenções. Inversamente, se o teatro tomar partido da ruptura
com esse continuum mais profundo, também a unidade de tempo irá cessar --.~,---

não só no drama, tomo tambémna realidadedo texto da performance.

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O corpo teatra I
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(: Olhares sobre o corpo
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! Em nenhuma outra forma de arte O corpo humano ocupa uma posição tão cen-
;. i tral quanto no teatro, com suarealidade vulnerável, brutal,eróticaou "sagrada':
l O teatro teve início quando um lndlvíduo se desligoudo coletivo e fez algo nó-
tável de si mesmo: o ímpulsionador, que fantasiaseu corpo,Talvez expondo um
I
" . . . -_., i-.---" cOtp? especialmente beloe forte, e relata atos heróicos (próprios); ou o corajoso,
! queousa sair da ~oletividade protetorae adentrar um outro espaço, além e diante
!
I do grupo.Esse outro âmbito permanece estranhó e inquietante,de modo que b
I
i palco conserva algo dó Hades: nele perambulam espíritos. O corpo do teatrõ é
sempreda morte. O palco é um outro mundo, com um - ou nenhum> tempo
próprio, ':.~anece ligado a ele um fator de medo inconsciente de dirigir um
olhar proibido e voyeurlstíco ao reine dos mortos. Umaintuição dopensamento
antigo associa. hybris e teatro. A hybris faz o ser humano sair dó coletivo para
á visibilidade. Ela' significa estar exposto ao perigo. O local que simboliza esse
risco é o palco. O homem da hybris - o homem como "mais do que ele mesmo">
tem e desperta em si uma espécie de distanciamento de si próprio, u"!p-a.-áÚl:o-
exaltação que é ao mesmotempo uma exaltação dos outros. Assim, elé~atrai para
si inveja, ciúme, desejo de vingança: ó preço de sobressair-se. 331
II
O corpo vivo é uma complexa r ede de pulsões, intensidades, pontos de I de jeito cômica), constitui o prazer teatral - e com freqüência mais do que a
!
I
energia e fluxos, na qual processos sensório-motores coexistem com lem- dramática oferecida. Mas antes da modernidad e a corporeidade só foi expres-
branças corporais acumuladas, codificações e choques. Todo corpo é diverso: ! samente tomada como tema em casos excepcionais, que confirmam a regra
corpo de trabalho, corpo de prazer, corpo de esporte, corpo públícoe pr i- de sua marginalização discursiva: o phallus das comédias antigas, a dor do
vado.' A concepção cultural sobre o que é "o" corpo está sujeita a flutuações ferimento de Filoctetes, os tormentos e a tortura do inferno no teatro cristão,
"dramáticas", e o teatro artic ula e reflete '~ssas concepções. Ele representa . a corcunda de Gloucester, a doença de Woyzeck, Com os modernos, a sexua-
corpos e ao mesmo tempo os tem como seu principal material de significa- l lídade, a dor e a doença, as deformações corporais, a juventude, a velhice, a
ção. Mas o corpo teatral não se contenta com essa função: ele é um valor sui I cor da pele (Wedekind, [ahnn) se tornaram temas "admitidos", O "casamento
generis. Não obstante, antes da modernidade a realidade física do corpo per- ! de homem e máquina" (Heiner Müller) começou nas vanguardas históricas,
maneceu geralmente incidental na teatro. Disciplinado, treinado e moldado ! com a junção do orgânico e do mecânico, e perdurou sob a influência das
I
para a função da significação, o corp o não era nem um problema nem um . " , - " '·h'ovas.tecnologias, passando a abarcar o corpo hu mano, que, conectado a sís-
tema autônomo do teatro dramático, ~o qual permaneceu sobretudo como I temas de informação, gera novos fantasmas no teatro pós-dramático.
uma espécie de "subentendido': Isso não é de surpreender, já que o drama se I Ao passo que na organização espacial do "Balé Triádico" de Schlemmer
constituiu essencialmente em função da abstração da densidade do material, i
!
ou na organização da superfície pictórica de Mondrian estava implícita a
da c,oncentração "dramática" em conflitos espirituais - em contraposição à : perspectiva de uma organização social utopicamente racional, as máquinas
predileção épica pelo detalhe concreto. Assim, a sexualidade aparece como tecnológicas de desejo e terror do teatro contemporâneo abandonam a via
amor; a dor e a degeneração como sofrimento e morte. (dramática) da utopia. Com isso, aparecem diversidades de u91 corpo tecni-
O novo teatro, inversamente, segue uma via que conduz da abstração pàra camenie infiltrado:asatrº,~~,~ imagens de corpos entre organismo e maquina-
a atração. Já Eisenstein discute esse tema quando fala da "montagem -de atra- ria; a graciosidade onírica da figura hu~a~a'ilo movimento em câmera lenta
ções': na qual "é difícil precisar onde termina o fascínio pela nobf~za do he- de Robert Wilson, cujo teatro se aproxima da leveza e graça das marionetes
rói (momento psicológico) e onde começa a sua sedu çãopes soal (isto é, sua kleístianas mediante a adaptação de uma técnica cinematográfica; a "comuta-
ação erótica sobre o esp ectadorl'? Nãoé o caso de detalhar aqui como se deu ção" do olhar entre presença ao vivo'~'~id'~oTmagéi1i doscorpos: o olhar sobre
essa metamorfose do corpo, que algo implicado lia tradição teatral dramática , as imagens corporais distanciado por procedlmentos.tecnol ógícos (~lose-up,
passa a tema nas vanguardas históricas e por fim a realidade determinante da blow-up). U~ motivo 11)-aiS profundo para esse esforço de deslocar a ênfase da
forma no teatro pós-dramático. Note-se apenas que a atração emanante de abstração para a atra çãopode ser encontrado na intenção de, com a corporel-
... '
atores, dançarinos e cantores desde sempre foi um elixir da vida das represen- dade teatral, contrapor-se à generalizada descorporização que separa o corpo
tações.A aparição corporal da estrela, com sua elegância e beleza (ou sua falta do desejo e do erotismo no desvio q~e passa pela sexualização totalmente'
superficial. Baudrillard escreve.
."'0_ ....

,,
Ver Roland Barthes, Die Lustam Text. Frankfurt am Main, 1986. Sem falar nada da reduplicarão genética, hoje em dia temos a ver COI~l uma re-
2 Sergej M. Eísensteln,"Montageder Attraktlonen" in Pranz-IosefAlbersmeier (org.), Texte
duplicação fractal das Imagens e dos modos de manifestação do corpo. (...] O
zurTneorie des Pilms. Stuttgart, 1979,p. 48. [Utilizou.;e·aqui a tradução de "Montagemde
atrações"publicada em IsrnailXavier (org.), A experiência dócinema. Rio de Janeiro: Graal, dose de um rosto é- t ão obsceilo q~~~to um/órgão sexual observado de perto. [...]
332 1983, pp. 187-98.J -, Procuramos o preench imento do de~ejo na artificialldade técnica do corpo e nos 333
I
. I ' . '
esforçamospara alcançar sua diversificação..em objetos pard ais, [,..) Hoje em dia interpretada por corpos teatrais vivos, em movimento, e convertida em uma
nãomais se trata deter um .corpo:masd~ estar c~ineCtado a um ~ÇWo: (,..] Mesmo cena, como no Marat de Peter Weiss e Peter Brook, em que a pintura de Da-
na boate, aspessoas se sentamno bare olha~ para a písta'de dançacomo oscon- vid é citada com atores agrupados em torno da figura de Marat. De imediato,
troladores devôo em seus aparelhos deradar diante da pista de pouso.' mesmo o "quadro"mais pleno de significado é transposto para além de qual-
quer possibilidade de interpretação, para a materialidade cegá, a representa-
Aliás, nessa paradoxal dessensualização pela presença contínua de imagens ção sensória,para o efêmero fogo de artifício dá ação teatral.
corporais sexualizadas O corpo mais uma v~z .setorna um portador de signi- Um quadro existe'como realidade aut ônoma; ele articula os elementos
ficados por excelência. O que se liga a eleem ter~às-qe graciosidade se torna e~ uma concentração síncrônica para, em cada caso, "produzir nos campos
imediatamente "signo de" (fitn ess, adequação, sucesso:~tatus etc.), É estreita 'desentranhados da matéria um excedente em termos de sentidc'" O teatro,
a via pela qual o teatro pode valorizar o corpo, entre a signifi~ação destituída em contrapartida, sempre apresenta os significados em uma extensão tem-
de sensualidade e uma corporeidade _c~n:z9 signo. poral, de modo que algo já desaparece tão logo quanto novos momentos se
~ - .. .. . _-
anunciam. A .cada. p\l;sso. dissolve-se a força instituidora de sentido da mol-
Imagem, teatro e sentido . dura, da articulação estética; as construções são permanent,emente abaladas
por essaoscilação. Tudo, inclusive o sentido maisprofundo, recai em um des-
A conseqüênci~ imediata da igualdade de direitos dos dois aspectos de sig- ' lccamento que suspende a doação de sentido, mudando com o imprevisível
níficação do corpo teatral- personagem incorporado e graciosidade livre de tumulto da physis. Aqui mais uma vez vem à tona o fato de que no procedi-
sentido do corpo incorporador - é que, teoricamente, o segundo reivindica mento do teatro em geral está implicada uma falta de arte que lhe é própria
validade própria por si só, de modo que a graciosidade também possa existir e especifica como forma artística, algo que não se encontra em uma obra de
no teatro sem a incorporação de sentido. A superação do corpo semântico artes plásticas mesmo quando ela põe em jogo Suas cam a~as pré-estéticas,
proporciona novas forças ao teatro moderno e ao teatro pós-dramático. Um sua mera materialidade.
fato peculiar do teatro recobra seus direitos: nele se aplica a fórmula "a sen-
sualidade subverte o sentido': Pode-se ilustrar essa circunstância m~ciiante á-o.... Dó agon à agonia
.comparação entre uma cena teatral e uma pintura que é nela citada. A fixação
de todos os dados sensíveis em uma pintura se oferece ao olhar como compo- o caráter sensórioda cena não é muito propicio ao sentido.O que acontecerá
sição estéticade tal maneira que cada detalhe, "eternizado" pela imobilização, quando a realidade em si mesma já "dessernantízada" do corpo na dor e no
pode ganhar uma plenitude de significado, por mais que se trate de coisas prazer (para Lacan, limitesinsuperáveis do discurso em geral) for eleitacomo
comuns (no quadro Marat em seu último suspiro (Marat à son dernter soupir] tema do têãtro] É justamente isso o que ocorre no teatro p ós-dram ático. Ele
de David,por exemplo. o punhal, as cartas, as penas, a água, a postura do mo- faz do próprio corpo e do processode sua observação um
objeto estético-tea-
ribundo etc.). Enquanto a pintura realiza uma metamorfose da sensualidade tral. É menos como significante do que como provocação que esse objeto
em sentido, comporta-se de uma maneira inteiramente diferente quando é .
vem à tona. Na religião artística dos antigos, o corpo
. belo havia sido, afinal, .
um tal valor. próprio, ainda que certamente 'como manifestação de sentido.
....; . /
Jean Baudrlllard, in Ars Electronic a( org.), Philosophien der neuenTechnologie. Berlim, 1989,
334 pp.1l6·19. 4 Go ttfr led Boehm, in idem. Was ist e/liBild? Mun ique. 1995. p. 38. 335
Depois ele t eve de significar o incorpóreo. Foi necessária a emancipação do espontânea, mas também uma "segunda colon ízação"a partir da qual se for-
teatro como uma dimensão.própria da arte para se compreender que o corpo, talecem sua expressividade, precisão, tensão e com isso sua presença. Barba
sem prolongar uma existência como significante, pode ser agenteprovocador literalmente subordina o drama - que tem lugar entre dramatis personae in-
de uma experiência livre de sentido, que não consiste na atualização de um corporadas - ao corpo orgânico:
real e de um significado,mas é experiência dopotendal. Ao designar apenas a
sua presença em uma auto-deixis, o corpo inaugura o prazer e omedo de um ·0 processo criati~o do ator podeser realizado com total dIstanciamento. Elepode
olhar dirigido ao vazio paradoxal dó possível: teatro do corpo é teatro do po- dividir seu corpo emdiversaspartes, remontá-lase assim, ao fazer queas diyersas
tencial que, na situação teatral, se volta para um imprevisível entre-as-corpos partes de seu corpo dialoguem, atingir efei tos dramáticos, uma situação de con- ,
e valoriza o potencial como privação ameaçadora - tal como Lyotard pensa o flito, introversão ou extroversão. Mediante uma dialética física, ele produz uma
conceito do sublime - , mas ao mesmo tempo como promessa. imagem que torna visíveis as tensões emotivas, conceituais e psicol ógicas,"
. O processo dramático se dá entre os corpos; o processo p ós-dramático.vro
corpo. No lugar do duelo inental que a morte física e o duelo sobre o palcoape- Punct um, antropofania
nas evidenciavam,aparecea dinâmica motora do corpo ou oseu impedimento:
forma ou deformidade, totalidade ou segmentação. Se o corpo dramático era Uma vez que o corpo pós-dramático se caracteriza por sua presença, e não por
o portador do agon, O corpo pós-dramático estabelece a imagem de sua ago- algo como sua capacidade de significar, torna-se consciente sua capacidade
nia. Isso interdita toda representação ou interpretação placidamente apoiada de perturbar e interromper toda semiose que possa provirda eStrutura, da
no corpo como mero intermediário. O ator precisa se colocar. Valere Novarlna dramaturgia e do sentido lingüístico. Por isso, sua presença é Jempre pausa
afirma: "O ator não é um intérprete, porque o corpo não é um instrumento" de sentido. Ele faz vir à tp!!ª-ªquilo. que Roland
._.
Barthes chamoude'''punctum''
'- -' " .

Ele refuta a idéia de "composição" de um personagem dramático pelo átor e acerca da fotografia. Trata-se do detalhe ocasional, da singularidade, de uma
sustenta, em contrário, que "é a decomposição do homem que sed·á sobre o qualidade não racionalizável no que é retratado, um momento indefinível. Ê
palco'" Em razão desse deslocamento, põe-se uma nova t~~~fa-P;~a as pessoas a esse punctum' queo teatro.pós-dram ático leva o espectador: à visualidade
de teatro formadas segundo o modelo europeu: elas precisam reaprender a li- opaca do corpo, à suapecullaridade não~~~~-ceiti.iãl, tâlvenrivial, qt!~..n ão se .
dar com o corpo a partir das experiências de outrasculturas teatrais. pode denominar, à idiossincrática gracío sídade de um a~dar, de um ge;tô, de
Eugenio Barba, que inicialmente havia trabalhado com Grotowski, estu- . uma postura, de ~·ma proporção corporal, de um ritmo de movimento, de um
dou a escola kathakali na índia e em 1964 fundou o Gdin Teatret. Posterior- rosto. Aliás, é um acaso notável qu~ Barthes, nesse contexto,tenha comentado
mente, fundou um laboratório teatral que pesquisava os fundamentos da in- justamente uma foto de Robert'Wilson (ao lado de Philip Glass): algo da "ma-
tensificação da presençacorporal dos atores no sentido de uma "antropologia gia" da pessoa parece ter-se transmitido ali pela foto.de Mapplethorpe a Bar-
teatral". Com suas palestras, oficinas e escritos, Barba se encontra entre os thes, que jamais escreveu sobre ot~~tr; 'de Wilson, mas fl\I.~..~9~i sobre <l~ Bob
mais influentes defensores de uma nova corporeidade do ator. Segundo ele, Wilson dotado de um punctum indefinível, a quem eu gostaria de conhecer'?
"" 'I
o corpo se apresenta como que "colonizado'; de modo que necessita de um
treinamento que compreende'não apenas sua libertação para uma expressão
6 Eugenio Barba e Iben Nagel Ra.s'Jllussen; Beinerkur;gen zum Schweigen der Schrift, org.
C. Falke e W. Ybema, FraiiiJ~~t~m MaiIl,,1983, P./39.
Valere Novarina, Le Théã tredes 'paroles. Paris, 1988, pp. 22 e 2 4 . 7 Rol and Barthes, DiehelleKammer. Frankfurt arnMain, 1989, p,66. 337
'. 1

"''.\'
I
No teatro pós-dramático, o çorpo "afeta" o espectador menos como infor-
mação do que como comunicação, Essa comunicaçãocorrespondesobretudo
ao modelo de um "contágio" pelo teatro, à-maneira dametáfora de Artaud
em "O teatro e a peste". A comunicação como contágiopor uma bactéria não
é transmissão de informação; antes, equivale a uma fusão e uma participação
rnírnétícas. Poder-se-ia dizer que a dinâmica que o drama mantinha corno
forma de procedimento é transposta para o corpo,para sua existência "banal".
Opera-se uma autodramatização da physis. O impulso.do teatro pós -drama-
tico de concretizara presença intensificada ("epifanias") do' corpo humano é Imagens corporais pós-dramáticas
uma buscada antropofania. Todavia,n o paradigma do teatro pós-dramático
. não pode haver ~~nhi.lJn"hümanismd',-caso se entg~~ 20m issoa afirmação
de qualquer tipo de ideal"do" ser humano. Trata-sesempre da manifestação de
".. ,
um homem individual determinado, singular e real, do caráter inconfundí-
,/
vel de.seus gestos, de sua vivência em um tempo.real.ido tempo limitado do .
teatro como jogo. Isso torna o particular absoluto, de um modo novo, insti- Dança
tuindo para a physis um equivalente da antiga teofania. Em contrapartida, o
corpo se recusâà r'eternidade" da existência fictícia na representação - eter- Não por acaso, é na dança q':l~ as novas imagens corporais podem ser consi-
nidade amb ígua, uma vei que se confunde com o reino dos mortos. A partir deradas de modo maisclaro. A dança é radicalmentecaracterizadapor aquilo
dessa posição fundamental surgem diversas imagens corporais, que em seu que se aplica ao teatro pós-dramático em geral: ela não formula sentido, mas
conjunto apontam para à realidade engendrada tão-somente no teatro. articula energia; não representa uma ilustração, mas umà ação. Tudo nela
_._------......__ ..• . -_. ... é gesto. Já se descreveu a transição da dança clássica para a moderna e em
seguida para a pós-moderna como um deslocamento que - para usar as ca-
tegorias da lingüística - partiu do campo semântico para O sintático e então
para o pragmático, isto é, O compartilhamento emocional de impulsos com os
espectadoresnassituações de comunicaçãodo teatro.Esse deslocamento vale
de modo g~para a manifestação do corpo no teatro pós-dramático. A rea-
lidadeprópria das tensões corporais, livre de sentido, toma o lugar da tensão
dramática. O corpo parece desencadear energias até então desconhecidas ou
secretas.Ele é exposto comosua própria mensagem e ao mesmotempo como
um el::mento profundamente estranho a si mesmo: o "próprio" é terra in.c..9.g-
nita - sejaporque que na crueldaderitual buscam-se às extremos dç.supcrtá-
vel, seja porque o elemento inusitado e estranho do corpo é levado à superfí-
de (à flor da pele): gesticulação impulsiva, turbulência e tumulto, convulsões 339
histéricas, desmembramento autístico dá forma, perda do equilíbrio, queda e gressão. Nessa ambigüidade de utopia e lamento, a dança mais uma vez é
deformação. A dança moderna criou uma expressão corporal capazde articu- exemplar para o dispositivo pós-dramático. Enquanto a edificação teórica
lar disposições extremamente espirituais. Na dança pós-moderna, retoma-se "responsável" se esforça para cumprir as normas da sociabilidade, o teatro
a mecânica e intensifica-se a fragmentação do vocabulário da dança. O que vai desabando freneticamente sobre si mesmo e sobre seus freqüentadores.
se enfatiza no corpo não é tanto a qualidade tradicional da serniose, ti uni- Ele não se permite recorrer à estrutura e à forma do drama como seguro
dade de um Eu dançante, mas sobretudo -ô potencial das diversas variações cultural para o ordenamento das contradições, ao rigor do discurso cama
gestuais possíveis do mecanismo corporal articulado. garantia para o "sentido" e a "ordem das coisas". Um "outro" associai entra
O teatro de dança de Pina Bausch é uma marcante e minuciosa explora- em jogo nessas formas do teatro. Elas podem terminar em quietude ou
ção do corpo, e mesmo sendo coreografia genial é muito mais do que apenas irromper em convulsão, em esgotamento. O desgaste é previsto. Em traba-
uma linguagem formal próxima ao balé. A começar pelas imagens cênicas, lhos como os de Meg Stuart pode-se perceber o ganho: numa estética que
quase sempre repletas de material real: folhagem, terra, água, flores. Assim asslmílae amplífica a linguagem de Pina Bausch, suas sessões de dança
como os objetos, os gestos corporais são perceptíveis como realidades antes abrem cosmos de sentimentos por meio do jogo (até O ridículo) com ges-
de toda significação, de modo que não mais conseguimos perceber efetiva- tos da melancolia e da solidão coletiva.
mente a realidadeexterior no percurso da visão, orientada cada vezmais para
o abstrato. O corpo sofre pela infância perdída-oteatro de dança a investiga Movimento em câmera lenta
novamente. Nessa autodramatização, a representação dramática de ações e
acontecimentos é substituída pela atualização de percepções corporais laten- Entreas imagens corporais que podem ser consideradas sintomáticas do tea-
tes. No lugar do drama como meio da complexae simbólica representação-de tro pós-dramático se i!ls_e"~_ a técnica do movimento em câmera -lenta, que
conflitos, encontra-se a vertigem corporal de gestos. / é encontrada em toda parte como desdobrã;m:i1to de Wilson. Essa técnica
Assim como privilegia a descontinuidade, a nova dança eleva os mem- não deve ser reduzida a um mero efeito visual exterior. Se o movimento
bros individuais do corpo acima de sua totalidade con·~ÚfütiV~. A renúncia do corpo é tão desacelerado que o tempo de seu decurso parece como que
ao corpo "ideal" em William Forsythe, Meg Stuart ou Wim Vandekeybus ampliado com uma lupa, também ~'~orpo--é fórçosamente-execsro em sua
não pode passar despercebida: nenhum traje que realce o corpo, a não ser concretude, como que focado pelalente de aumento de um observador e
com intenção irônica; posturas inusitadas, que não excluem as de cair, dar ao mesmo tempo "reç,~rtado" do coniinuum espaço-temporal tomo objeto
cambalhotas, deitar, sentar, contorcer-se, gestos como dar de ombros, in- artístico. A lupa do tempoisola um contorno de visibilidade empática do
serção de linguagem e voz, uma nova intensidade dos toques corporais. O espaço (campo de visão) e siriiult~neamente atrai o olhar irritado diante da
ritmo domina o espaçai aspectos negativos como peso, carga, dor e vio- tarefa incomum. A tensão corporal e mental do ator, que realiza movimen-
lência se antepõem à harmonia, que era preciosa para a tradição da dança. tos muito vagarosos, correspóndéa tensão do observador, que se dedica a
Em uma versão otimista, essa'vertigem destituída de sentido do palco pós- esse processo de percepção. A~duas tensões, juntas, fazem"o corpo se tor-
dramático constitui a afirmação nostálgica de uma utopia: na queda e na nar manifestação. Ao mesmo tempo, o aparelho motor é distanciado: cada
\ ' "

elevação, na dor e f10 erotismo provocante pergunta-se com Nietzsche pelo ação (modo de andar, de ficarparado, de se.levantar, de sentar etc.), embora
"deus dançarino", procura-se um ser anterior a toda determinação dialética, ainda reconhecível-é transfot~fHúia:em al~o como jamais se vira. O ato de
340 que - para formular com Georges Bataille - se encenano riso e na trans- andar se decompõe em erguer U1l1 pé, dobrar a perna, deslocar o centro 341
de gravidade, pousar cuidadosamente a sola do .Ré: a)ção" cêpica de andar a tendência de desembocar em um "sublime" soldadesco, têm uma história .
ganha a beleza do gesto puro, gratuito. ,, . altamente contraditória no século xx, na teoria do teatro e não apenas na
teoria da dança. Trata-se de temas não só das vanguardas progressistas, mas
, O gesto também das utopias teatrais conservadoras.' .
A estética escultural destaca-se nos trabalhos teatrais da SocietasRaffaello
Na reflexão de Giorgio Agamben sobre a m04erni,~ade à luz da perda da Íín- Sanzio, um dos fenômenos mais importantes do teatro experimental ltallano
'guagem gestual, o gesto é pensado no âmbito dos "inel ?s sem finalidade': A desde o inicio dos anos 1980. O grupo também pertence à modalidade do tea-
dança, por exemplo, é sobretudo gesto porque "consiste'ihte.!ramente em su- tro de projeto. Para cada trabalho se reúne um novo conjunto ern torno do
: port~re ,ex!bir o caráter rtledial dós movimentos corporais. O'gestó consiste núcleo do grupo, os irmãos Romeo e Claudia Castelluccí, Freqüentemente
em exibir uma medlalidade vem .tornar visível um meio como tal':1 Nessa des- são integradas pessoas com uma corporeídade diferente ou adoentada
crição, que segue Walter Benjamin, ; ~;;p-~: ~rtl seúmodo de ser gestual, se ("Cada corpo t~rf1 sua própria fábula'~' diz R0I11eo) . Na montagem da O~es­
manifesta como uma dimensão na qual tudo permanece como "potência" no téia (1995) feit~ pel~ g'rupo, abundam citações das artes plásticas. Um ator é
"ato", um "meio puro" (Mallarrn éj. O,gesto é ~guiló_ 3~e fica em suspenso em escolhido por ser comprido e delgado como uma figura de Gíacometti, um
cada ação voltada para um objetlvo: um excedente de potencialidade, a feno- outrõ; vestido e maquiado de branco, lembra esculturas de George Segal, às
menalidade de uma visibilidade conio que ofuscante, que ultrapassa o olhar vezes com posturas e gestos que lembram desenhos de Kafka. Clitemnestra
ordenadór - D-que se tornapossível porque nenhuma finalidade e nenhuma é representada por uma atriz que parece ser literalmente um monte de carne
reprodutibilidade enfraquece o real do espaço, do tempo e do corpo. O corpo pintado de vermelho, parada _ali em imobilidade fabulosa, como a ponto de
pós-dramático é, nesse sentido, um corpo do gesto. derreter. Como signo corporal, seu peso comunica seu poder, mas o que
predomina é á impressão sensorial crua, destitulda de qualquer interpreta-
Esculturas ção. Cassandra está encerrada dentro de uma estrutura de vidro cuja textura
deforma seus traços ao olhar do espectador, que crê assim estar diante de
.Um modo especial da presença corporal pós-dramática é a transformação do um quadro de Francis Bacon, O teatro se encontra aqui na mais estreita pro-
:ator em um Objeto-homem, uma escultura viva. Já na concepção da dança das ximidade com as artes plásticas. Certamente, não é à toa que na infância os
vanguardas históricas é possível observar aquela dualidade que volta a apa- Castel1uccis gostavam de se divertir montando "quadros vivos';'
'recer no teatro pós-dramático: a "conjunção de uma idéia vitallsta da dança, O elemento escultural e a iconografia multlfacetada se juntam aqui ao as-
concentrada na dinâmica de movimento, com uma imagem corporal estática, pecto ritual~.! atuação dos intérpretes: o ator como que cumpre a função da
orientada pela escultura antiga".2 Tanto a imagem corporal dinamizada, que necessária vitima sacriflcial no ritual de degradação e regeneração da repre-
termina em êxtase, quanto a imagem corporal estatuária, que não pode negar sentação teatral. Em Júlio César (1997), a transformação do ator em realidade

Giorgio Agamben, "Noten zur Geste", in [utta Georg-Lauer (org.), Posimoderne und Politik. Cf. Gaetano Blccari, Zufluch t des Geistes?Konservaliv-revolutionãre,faschistlsche undh a-
Tüblngen, 1992. pp. 97-10 7, p. 99 · tionalsozialistische Theaterdiskurse ill Deutschland und ItnlicIl1900-44 , Frankfurf~m Maln,
2 Gabriele Brandstetter, Tanz-Lekíilren. Kiirperbilder und Raumfiguren derAvangarde. Frank- 1998 (mírneo.).
4 Cf. Theater derZelt, maio/junho de 1996, p. 47.
342 furt am Main, 1995, p. 69·
corpo:al.exposta é ainda mais pronunciada. Quando aparece no palco uma No caso de Lauwers, os corpos dos atores freqüen-temente permanecem para-
pessóa realmente acometida por anorexia nervosa e sob risco de vida, cria-se dos por muito tempo enquanto eles encaram - de modo agressivo, relaxado,
no espectador um bloqueio para interpretar o significado da figura dessa pes- provocativo ou curioso - o público. Ou então alguém estremece em um choro
soa (que de fato veio a morrer antes mesmo da apresentação em Frankfurt, em claramente "mostrado" (não naturalista), mas consternante em razão de sua
1998); a voz de um ator operado da laringe choca pela sonoridade metálica do intensidade física.um choro que pára sem que a pessoa se mova. Ou os corpos
aparelho de emissão vocal. Romeo Castellucci declarou em uma-entrevista: .se expõem à apreciação em posturas notavelmente afetadas ou provocativas.
Pelo menos quando eles ficam em pedestais ou bases estreitas, que quase não
Nas Bumênides, Apolo intervém para defender Orestes. O ator que trabalha co- permitem nenhum movimen to, evidencia-se-o quanto os corpos dos atores se .
I
noscoepersonifica Apolo não tembraços. Eleseapresenta exatamente como uma encontram aqui em uma relação com estátuas. A escultura humana que estre-
escultura grega que perdeu os braços. Essa é a concepção que temos do corpo mece com vida, a figura plástica em movimento, entre a rigidez e a vivacidade,
clássico, a imagem de Apolo que está em nossa memória: um corpo perfeito, ab- - _·.Ie.,,ª_Ag_~_~~~ do olharvoyeutísta do espectador dirigido ao ator.
solutamente perfeito, que Justamente por isso personifica a idéia divina - uma O retorno do tema escultural no teatro dos anos 1980 e 90 acontece segundo
estátua, uma figu ra divina," presságios totalmente diferentes daqueles dos modernos clássicos. Do ideal se
passa a um tema do medo. O corpo não é mais exposto em função de sua ideali-
A entrada em cena do.mencionado ator sem braços, do rapaz com Síndrome de dade plástica, mas de uma dolorosa confrontação com a imperfeição. O encanto
Dm.vn .que representa Agamenon ou do autista que representa Horácio torna e a dialética estéticadas estátuas' de corpos clássicas consisternno fato de que o
experienciável - no limite da norma (e da suportabilidade) - o corpo "ínumano" ser humano vivo não pode concorrer com elas. A escultura é (também) o corpo
. /
Surgeassim uma cena de pesadelo na qu al os corpos escapama qualquer catego- ideal, que não envelhece, mas exerce atração visual como forma erótica (narra-
rização, mas ao mesmo tempo, de modo paradoxal, deixam entrever suabeleza tivas antigas relatam'ato~' alt~~~nteindecorosõsde apaixonados entusias~'a dos
mesmo na desfiguração. A Orestéia da 'Socíetas Raffael!o Sanzio recebeu a desig- por estátuas de Vênus). Em contrapartida, na instantaneidade da troca de olha-
nação de gênero "comédia orgânica': e de fato é comose un1"à""ca mmhada infernal res entre o público ea c_e!l~_ o corpo que envelhece e degenera (Mil Seghers)
dantesca em meio aos organismos, mas também uma percepção reprimida do experimenta, em seu cansaço ;~sgotãmêntó;lIhla exposição.desjltuída de beleza.
caráterorgânico fascinantementebelo, se convertessem em contemplação cênica. assim como o corpo obeso. "impe rfeítç" (Viviani de Muynck). O "e~tar 'exposto"
do ator não Efilt~àdo pelo papel e pelo drama. O cOrpo se aproxima doespecta-
o corpo, O sacrifício, o voyeur dor de modo amblvalente'e-arríeaçador - porque se recusa a se tornar substância
significativa ou ideal e passar para a'eternidade como escravo do sentido/ideal.
,Outras formas de transformação do ator em escultura são perceptíveis no De certa maneira, trata-se do retorno da fórmul a de dança de Mallarrné,
teatro de [an Lauwers e no teatro de dança de Saburo Teshigawara, que era a segundo a qual a dançarin a não ·t -de inodo algum uma mulher que dança,
princípio pintor e escultor e só veio para a dança nos anos 1980. Teshigawara . mas, como um poema sem autor, constelação de ressón ánõías, associações e
não representa emoções, mas as desperta por meio da imediatidade de sua figuras poéticas, abstração fascinante de todo o real, que deveria tornar pos-
presença corporal, que assume a qualidade de uma escultura em movimento. sível a percepção "simbolista':6\Aqui, em contrapartida, a partir da abstração
_. .J. -~ . . ' .

344 Romeo Castelluccl, in lnjormatlonsblatt Theater derWel/. Dresden,16/06h996. 6 StéphaneMallarmé, ["Crayonné ali théâtre"], in cÉuvres completes. Paris. 1970, p. 304. 345
-.
" -.

da forma se destaca novamente a configuração concreta. Jogoperigoso, pois a A apresentação sem música da bailarina Louise Lescavalíer, do HumanSteps, .
' . \ .
fixação em escultura cria uma experiência de visão
I,
de outro
.
tipo: o performer
. e seu ato deforçano limitedo circenseradicalizam a imagem de propaganda
se equilibra no fio denavalha entre uma metamorfose em peça de exposição parafascista do corpo totalmentesaudável, capaz.realizadór, belo, robusto. Já
morta e sua auto-afirmação como pessoa. D~ certo modo, elese oferece e se Vandekeybus cria um teatro de dança do vigor físico, com corpos que caem
apresenta como uma vitima sacrificial: sem aproteção do papel. sem o forta- uns sobre os outros, batidas, pisadas, saltos arriscados e movimentos de cuja,
lecimento por meio da serenidade idealizante,d0.!~eal, o corp'o está também tensão O observador não pode escapar. A coreografia consiste essencialmente
'entregue, em
, sua fragilidade e aflição, como estímulõer
. , ótico e provocaçãoao em convuls ões do corpo dançante no chão, quedas, lutas corporais bastante
julgamento dos ?lhares que o avaliam. <, reaiseprovasde força. O artista (que também atuouem O poder das tolices tea-
Apartir d,essa posic;:ãá-de'vítima, porém, a imagem corporal escultórlca trais [De Macht der 1heaterlijke Dwaashedens , de Ian Fabre) pertenceàquela
pós-dramática se' converte em \.llIUlto de agressão e de questionamento do jovem geração teatral belgaqu e rapidamente alcançou reconhecimento in-
público. Na medida em que O ator o- ~n~~;a' con16 p-essoa vulnerável, indivi- ternaciona1 nos anos 1980, a exemplo de Roxane Huilmand, que causou sen-
dual, o espectador se torna consciente de uma realidadeque é ocultano teatro sação pela forçâ ~ 'expressividade de seudesempenho tI O solo Muram ento
tradicional, ainda que ela inevíta yelrnente faça parte da relação do olhar com (Mtiurwerkj, produzido também como filme [1987J, uma tempestade dan-
o "espetáculo":o ~to de ver que se apÚ'ca ci~ mõdo voyeüiístiCb ao ator exposto, çad:,db desespero e do protesto entre muros de pedra.
como se ele fosfe um objeto escultural. Nenhum ordenamento narrativo ou
dramatúrgicoserve aos observadores corno "desculpa" para encarar as pes- Ó corpo e as coisas
soas no palco. O espectador se encontrasobretudo na situação de um voyeur
que se torna consciente dessa realidade - mesmo de sua ambigüidade -, lia O corpo é um ponto de interseccçã o no qual, quando se observa mais deperto,
qual, ademais, é flagrado, por assimdizer, pela·técnica da confrontação acen- a fronteira entre vida e morte constantemente se torna tema e problema. Já
tuada, pelos olhares dirigidos diretamente ao público, pela frontalidade do que as coisas sempre são uma espéciede substituto para algo.diferente, enig-
ordenamento arrancada d~ segurança imaginária do voyeur. Ó títúl<nl:a-prk mático, que não conseguimos fixar facilmente compalavras, a estética teatral,
meira parte da Trilogia canto da serpente (Snakesong Trilogy] de Lauwers é assim que lhe damos atenção, se movena região de fronteira entre o âmbito
justamente"O voyeur" humano e O das coisas. Espíritos e fantasmas são a matéria'de que também
parece ser feito o mundo das coisas, que de modo enigmático não está sim-
Corpo-força plesmente morto. E já que, inversamente, o corpo vivo pode ser efetivamente
convertid9~"objeto': com freqüência se comparou o ator com o xamã, com
No teatro p ós-dram ático, principalmente na dança, um papel especial é de- o esportista, com a prostituta e com um manequim (isto é, boneco). Mesmo
sempenhado pelo corpo esportivo, atlético. Nas coreografias de Wim Van- que a mecânica corporal do dançarino se afaste daquela que é habitual no
dekeybus, na exaustiva mobilização do corpo em Einar Schleef, nas arrisca- homem, ele se,aproxima não só de uma esfera "mais elevada'; como também
das exposições esportivas de capacidades corporais da trupe canadense La La das coisas e de sua mecânica, entra em seu ,reino. (o "teatro de marionetes"
La Human Steps, espelha-se o fato de que, num cotidiano corporal cada vez de Kleist). Se a voz humana, mediante um artifício extremo, se afasta.tofal-
menos estruturado por atribuições de sentido, a força e a beleza dos corpos mente do habitualque conhecemos como ~atureza, transcende o lin:;íte para
346 se tornam um verdadeiro fetiche, a derradeira verdad~ -apareÍ1temente "certa': o mundo dos ruídosproduzidos pelas coisasmortas. O potencial de fantasiá 347
....'

das coisas.se torna novamente reconhecível por meio da aproximação do ho- com passarelas (que faz pensar no famoso palco de..o magnificente carnudo [Le
mern ao mundo das coisas. O teatro deKantor junta osmovimentos grotescos Cocu magnifioue, de Pernand Crommelynck] de Meyerhold), os atores percor-
e mecânicos do ser human~ e ofuncíonamento de aparelhos desatinados. riam sempreos mesmos caminhos, que levavam a confrontações em função dos
Na tradição do teatro dramático, o envolvimento do corpo no mundo das ritmos diferentes. A partir desse espaço de abstração "rnlnírnalísta" se produ-
coisas era reprimido; em seu poder mágico e em sua realidade concreta, o ziam situações quase dramáticas'? Mas no terreno das formas teatrais distanteso
mundo das coisas era prerrogativa das representações líricas e épl.ç!!§ - opois odo drama destaca-se sobretudoo assim chamado"teatrodo objeto'; que chegou a
o procedimento de abstração do paradigma dramático está estreitamente li- ter algum prestígio graças a artistas como Stuart Sherman, Christian Carrignon,
gado à exclusão do corpo da esfera do mundo corporal morto/vivo. Assim,já Iacques Templeraud e Peter Ketturkat. Um teatro-objeto de Iean-Píerre Larro-
no começo do teatro algumas coisas pertencem ao ator: uma arma, um bastão, che e Pascale Hanrot foi convidado para a edição de 1996 do festival Teatro do
uma fantasia, a máscara. Ele por sua vez se "objetifica'; por exemplo, ao fazer Mundo [Theater der WeltJ, em Dresden. Na Holanda, essas e outras pequenas
caretas (onde está o limite entre a careta e a máscara?) e ao fazer poses expr~s­ ......_
,
. formas
.... .. ---:::::--..,
~ .
de teatro recebem
,' .. .
atençãoespecial. Grupos COmO Théâtre Manarf e Vélo
1he ãtFeLievem ser mencionados.
O

sivas com seu corpo. O teatro joga - e isso constitui a permanente fascinação
do teatro de marionetes - com o reflexo, de modo que o ator torna a coisa viva Ainda que os aficionados dessas modalidades do teatro de figuras possamser
e com isso funciona ele mesmo como um instrumento, de certa forma dei- para si mesmos uma espécie bizarra,em sua práticase expressa algode essencial
xando-se dirigir pelas leis ocultas da mecânica (ou da graça). Decerto, a arte em relação ao corpo pós-dramático. Winnicottdesenvolveu o conceito do objeto
da cenografiapodia dedicar seus esforçosa tornar clara uma conexão entre as de transiçãoe demonstrou o oque propriamente nos fascina no objeto: o fato de
ações dos sujeitos e seu mundo de coisas, construções, objetos, mas o drama que ele se torna sujeito e com isso desperta a sensação de que o~ 6s-mesmos, em
se impõe soberanamente, sem se importar com esse envolvimento. Ao centrá - contrapartida, não seríamossimplesmente sujeitos vivos, mas, em-parte, objetos.
rio, ele com freq~ência alcança seus momentos involuntariamente mais ridí- É fascinante quandoseconfundeo limite, qual)i? o sujeito tende à"coisae a.coisa
culos quando dá espaço aos objetos (o lenço em Otelo, a limona~a~m Luisa à criatura viva, quando se perde a certeza de poder distinguircom segurança en-
Miller etc.), Apenas excepcionalmente ele lidou com temas-que representas- trevidae morte, entresujeito e objeto. O teatrocom bonecos, o bunraku e o teatro
sem de modo autêntico o fatídico ou mágico envolvimento da vida no mundo no qual Edward Gordon Craíg-propunha <l ::~'!permarionete" - o ator totalmente
das coisas. O teatro pós-dramático reanimou a interação do corpo humano e disciplinado, "sem al~a" - são um lugar privilegiadopara-ã experi ência .de tais
do mundo dos objetos, a afinidade entre boneco, marionete e corpo - temas transposições delimites. ~ categoría d ó "estranhamente familiar" (Unheilnlich] ,
teatrais que eram excluídos do teatro dramático e só podiam desfrutar de uma que desdeFreud se refere sobretudo a essaquestão da dissolução da fro~teira en-
existência à margem, no teatro infantil. tre o vivo e o não-vivo, p~àerJ.a contribuir para descrever a estética corporal do
No teatro pós-dramático, a "comunicação" do corpo mudo se emancipa do teatro pós-dramático sob esta perspectiva: o que é o meu Eu se ele Jáencontra
discursoverbal. Um fenômeno sintomáticodissofoi a manifestação, na segunda nele mesmoo estranho, o outro, o ,?~jet9 do qual pretendiase separar categórica-
metade dos anos 1970, do teatro demovimento, que se dedicava à busca de novas mente? Esse Eupareceentão desatinado; sua racionalidade~~~:m jogo.'
possibilidades expressivas não-literárias, com ênfasecorporal beirando a panto- I ,

mima, amplarenúncia à linguagem e referência à tradiçãoda comédia. Uma das 7 VerFrits Vogels, "Termlek: Dri ~ig zoeken" Ton éel Theatral (Holanda), n. 3, 198;, p. 30.
primeiras fi impactantes montagensnessa direção' foi Por um trizdo diabo [Doar 8 Ver Hans-Thíes Lehmann, "DasErhabene íst das Unhelrnllche" Merkur, setembro/outubro
heioog van dediabolo J, de Willemien Oosterveld, em 1976. Sobreuma estrutura de 1989. ' . _0 .- I o

349
Nas tradicionais formas, populares da' represent~ção com bonecos, assim Animais
corno nos mais avançados achados davanguar4a teatral, encontra-se um in-
'. ,. \ . ' ","

tenso fluxo do teatro do objeto, que inspira, ora de modo velado, ora de modo Por meio da antropornorfização das figuras de animais, o gênero da fábula
evidente, tanto velhas tradiçõe s quanto ex~~r1mentos ' recentes. Um teatro formula a doutrina dialética de que os homens se comportam como animais
que abre mão do modelo dramático é capa?_cle restituir às coisas o seu valor (por isso pode-se narrar algo a respeito de animais como se eles fossem hoc
e aos atores a experiência da coisificação, que se tornou estranha a eles. Ao , mens). O teatro pós-dramático vai tão longe na negação do antropomorfismo
mesmo tempo, esse teatro ganha um novo campo' . de atuação no âmbito das
,
imanente ao drama que em suas cenas se dá uma equivalência de corpos ani-
. máquinas, que, das grotescas máquinas de amor e morte de Kantor ao teatro mais e corpos humanos. O corpo mudo do animal se torna a quintessênciado
high-tech, estabelece uma ligação entre o homem, a mecânica e' a tecnologia. corpo humano oferecido em sacrifício. Ele transmite.uma dimensão mítica.
Heíner Müller referiu-seà-unidade de homem e máquina [corno] o próximo No entanto, O mito se refere a uma realidade em que predomina a luta muda
passo daevo'lução'?-De,fatQdu~nd~~cia dequea crescente tecnolcgização de vida e de morte e na qual o homem.mesmo e justamente quando se retira
se
faça o corpo deixar de ser um "destino" p~~~ t'railSfàr mar num aparelho que desse contexto-de-coação, sempre volta a ser desnorteado pela linguagem
pode ser conduzido e escolhido, num tecnocorpo programável, parece indicar que acabade adquirir. O corpo, que se torna quase mudo, q.ue suspira, grita
uma mutação antropolágtca cujqs primeiros abalos são registrados mais pre- e solta-ruídos animais, é a quintessência de uma realidade mítica para além
cisamente nas artes do que nos discursos p~1Íti~~~'-é)~rídiccis, que estão enve- ' do"drama humano. Na deformação e na .monstruosidade, no autismo e nos
lhecendo depressa. Um capítulo específico do teatro do objeto é constituído distúrbios da fala, os corpos humanos se aproximam do reino animal.
pelos grandes.celebraçõesteatrais COIÚ máquinas em lugar de atores humanos. No teatro pós-dramático declara-se o quanto a realidade do corpo hu-
Máquinas enormes eagressivas foram exibidas ao público pelo grupo Survi- mano tem afinidade com a dô corpo animal. No teatro de [an Fabre os aní- :
vai Research Laboratories: um tumulto de máquínas, vagões, guindastes que mais sé encontram em pé de igualdade com os atores; a presença de animais
cuspiam fogo, batiam-se ruidosamente ou eram dotados de estranhos braços sobre o palco, proibida no teatro dramático (elesdenunciam a ficçãopor sua
mecânicos - coisas que aparecem aqui como potencial estranho e destrutivo existência sem consciência), torna- se um.tema recorrente. No teatro de Wil-
da sociedade industrial. Formas lúdicas desse grande teatro, com dr~gáesvoà:'-"- " ,-- son- há uma legião de animais. Na montagem de Heiner Goebbels de Pai-
dores, grandes construções de papel machê, pessoas sobre pernas de pau gi- sagem narrativa [Narratíve Landscapes, de Michael Simon, era fascinante a
gantes e mecanismos de transporte peculiares, mostram uma versão idílica do co-presença de um cantor e de um cavalo no palco. Nas ações perforrnátícas
teatro de grande formato, no qual os objetos predominam . Aqui, a fantasma- de Ioseph Beuys havia Uni cavalo (ljigênia) ou a convivência com um caiote
geria da produção industrial com seus dem ônios: lá, o circo. Também como em uma jaula. Em uma entrevista, Romeo Castellucci, da Societas Raffaello
teatro-objeto o dispositivo pós-dramático inaugura novos modelos teatrais Sanzlo, dissê'sobre a já referida montagem da Orestéia:
entre a instalação, a arte cinética do objeto e a arte-paisagem.
Na primeira partehá dois cavalos pretos que passam ao fundo, quase invisíveis,
. '

atrás de Cassandra. São os cavalos da carruagem q)le a acompanha. No fundo,


ouve-se apenas o ruído dos cascos. [...] São sensações que não têm nenhurría
../
justificativa. São dois cavalos quenosacompanham na turnêe quevivém apenas
35 0 9 Heiner Müller, Heil1er Müller Material, org, FrankHõrnigk. qõttingen, 1989,P. 50. alguns segundos no.palco. [...). São segundos muito poderosos, nos quais a puta 351
\ . - -, ..•.
comunicação surge por meio da pr.esença dosanimais. Trata-se de um elemento seu elucidativo estudo sobre o teatro de Ian Pabre, Emil Hrvatin investigou
._adid~nal essencial, pois aqui a fábula está novamente em jogo, na medid a em que os diversos aspectos dessas "estratégias". 11 A agressão cometida nos corpos e
animais convivem com hom ens e também têm a palavra. 10 a uniformização, que nega ao corpo individual o prazer e a sensibilidade em
favor do corpo de trabalho ou de dança funcionallzante, convertem-se na
Ademais, em uma encenação para crianças sobre as fábulas de Esopo apare- visibilidade enfática do corpo individual subjugado pela formalização. Torna-
ciam centenas de animas vivos; em Hamlet,o único ator,representando Horá- se consciente o fato de que a formalização, fator incontornável mesmo da fi-
cio, andava de um lado para o outro com bichos de pelúcia e de plástico. gura estética que pareceinteiramente espontânea, como estrutura matemática
ou ornamental, acarretaao mesmo tempo efeitos estéticos índlvidualízantes."
Corpo estético versus corpo real O que tradicionalmente é descartad o ou reprimido - a frágil bailarina não "
deve deixarque se note qualquer vestígio do exerdcio extenuante - reaparece
A diferenciação entre a consideração estética (ou formal) e o prazer (ou ~~s­ quando se tornam-perceptíveis a fronteira da formalízação estética e, com
prazer) sensorial diz respeito inevitavelmente ao corpo. Forma, aqui, é tam- isso;'a fronteira entre o corpo estético e o real. Quando este "se acaba" pelo
bém prática de uma disciplina. A história do novo teatro também pode ser esforço, o real volta a se destacar da forma.
lida como uma história da tentativa de mostrar o corpo como forma bela e
ao mesmo tempo a proveniência de sua beleza i.ª-eal· a partir da violência da Dor, catarse
disciplina, portanto não simplesmente abolir a ilusão do teatro, mas torná-la
visível.Nessahistória, é preciso dar um lugar marcante ao teatro de Ian Fabre. O teatro sempre foi fascinado pela dor, ainda que ela, ao contrário do sofri-
No centro de seus grandes trabalhos se encontra um procedimento de fon;na- mento ideal, não tenha recebido tanta atenção tradicionalmeht<:.J1a estética.
lização geometrizantedo espaço do palco e dos corpos. Estes parecem funcio- e
Dor, violência, morte ' õs'senfirrie ntos dálprovenientes, medo e compaixão
nar como aparelhos mecânicos. De modo recorrente, diversos ato res fazem [eleos e phobos], encontravam-se desde a Antigüidade no "motivo do prazer
de maneira planejada as mesmas coisas (vestir-se, desplr-sa.. dan çar...), em
uma homogeneidade enfatizada serialmente. Mas no teatro, paradoxalmente, -
com assuntos'trágicos'. Hoje em dia, eleos e phobos são preferencialmente
traduzidos por lamentos e 'calafrios:'Na -PDética,-Arist6t~t~EJ?reSSupõe um
'

a serialidade, a repetição e a simetria despertam.para as mínimas diferenças maciço envolvimento do espectador no processo teatl-:al, 'c()m Intensos efeitos
dos corpos e para a aura do dançarino e do ator, sua figura e seu modo de se '. afetivos do Instante, ~orporalmente ~nanifestos. O teatro não é objeto de6b-
mover. A tentativa de perfeição faz do motivo de sua inalcançabilidade - a servação contemplativârantes, ele afeta o espectador por meio de um ataque
insuficiência e a fraqueza do corpo - uma experiência' . psicofísico - o que aliásco~trastà de modo peculiar com à construção racio-
Em O poder das tolices teatrais, quando os atores homens têm de erguer nal da forma trágica e seu caráter especialmente "filosófico': A tragédia deve
repetidamente as mulheres e carregá-las pelo palco, de modo que o esgota- ter como efeito no espectador a "catarse', unia "purificação" dessesestados de
mento físico do ator perturba, a partir de dentro, a simetria, e assim o "ma- lamentos e calafrios. O efeito ?1l mesmo a existência da'catarse é.posto em
terial" formado do corpo escapa da forma, o resultado é uma conversão, pre- dúvida hoje em dia. Adorno constata que ela,
vista conceitualmente, da percepção formal do corpo na percepção "real': Em "
i
11 EmIlHrvatln, [an Fabre: lad iscipirnidu chaos, le-chaos de ladiscipline. Bagnoiet,1994.
I
35 2 10 Castelluccl,op. clt. 12 Cf. Paul de Man, A//egorien desLesens, Frankfurt am Main, 1988, p. 2 14. 353

" I
~\'".,'.

como ação de purificação contra os afetos; está de acordo com a repressão. [...l. de outro modo seria insuportável. Mas ela também a cria inevitavelmente
A catarse aristotélica é ultrapassada como uma peça de mit?logia da arte, inade- à custa de formar (alterar) o seu objeto. Isso também vale quando ela, para
quada aosefeitos defato. (...] Indício dessa falsidade é a justificada dúvida deque compensar essadeficiência, "exagera" o feio.
o benfazejo efeito 'aristotélico já tenha ocorrido alguma vez; a substituição-pode O falsum predomina em toda parte. A imagem televisiva de uma favela já
tergerado instintos reprimidos." renega o corpo: a duração real, as horas, dias, meses, anos, gerações de quem
está ali. Sem uma referência de tempo, a abreviação da apresentação falsifica o
A atualidade duradoura da reflexão sobre a mimese e a catarse não se deve real. Fedor, peso,calor.: a imagem engana a respeito dessas coisas: Elaoferece à
. à idéia de efeito curativo da purgação. Isso ocorre d~"modo muito mais efe- percepção um encanto óptico. A empatiase torna empatiaimaginada e esta se
tivo, caso se queira acreditar incondision51IIl1ente nesse tipo de mecanismo torna a indiferença como reflexo do lado do receptor. No caso da dor, a repre-
de efeito, no caso.elas descargas de raiva no estádio de futebol, do medo e da sentação mimética se torna um problema. Elaparece nos tnostrar tudo no novo
agressividade nos th~Úle~;. ÓIntáesse'da temática ~(ml.~~~e e catarse" se deve mundo da mídia e no entanto engana totalmente a respeito do que torna invi-
sobretudo à estreita ligação que ela postula entre o teatro e O terror. sível; justamente'por íssohá um abismo intransponivel na imagem elétrica do
A estéticamidiática se apóia ou se compraz no desaparecimentonão tanto choque elétrico. Uma certa "anestesia" da arte em relação à dor.e ao sofrimento
do corpo à beirada morte quanto do corpo do tormento..O vídeo e a tele- . sempre/foiimanente a ela (e seria o caso de escrever a históriadessa anestesia),
visão transformam a Guerra do Golfo em estatística; o número aparece na masno mundo da mídia esse problema se radicalizade tal modo quea imitação
imagem eletrônica na frente do corpo. Quando o cinema de entretenimento incorre em mentira em um sentido moral. O teatropós-dramáticoresponde a
desdobra os ~feitos de poder do terror (e hor~or) visual, estabelece que não essa situação com um truque surpreendente: ele expõe a circunstância, antes
podemos tomar a dor do outro de modo direto em nossa percepção sub- latente, de que o teatro, comopr ática corporal,não só conhece a representação
jetiva ernpátíca, mas apenas registrar seus indícios. Na dor evidencia-se ao da dor mas também experimenta a dor,o corpo no trabalhode representar.
máximo a profunda ambigüidade da própria mimese, a representação como Na evocação do não-representável, isto é, da dor, deparamos um pro-
imitação. A grande conquista no campo estético é que a dor traz parao.horí-
zonte do sentimento e do pensamento realidades antes não percebidas. É em
função da mimese que nós apropriamos em um determinado âmbito de ex-
I
!
blema central do teatro: a exigência de tornar presente o ínapreens ível com o
auxílio do corpo, que é ele próprio memória da dor, já que a cultura, ao dis-
cipliná-lo, e a "dor como mais poderoso auxl1iar da mnemônica" (Nietzsche)
periências alheias e podemos torná-las familiares. Mas a mimese possibilita foram registradas nele. A mimese da dor significa a princípio que a tortura,
essa mediação mediante uma espéciede falsificação de seus objetos,Isso não o tormento, o sofrimento corporal e o terror -são imitados, sugeridos de ma-
acontece por acaso, mas necessariamente - a saber, por meio do recurso de neira enganosa,de modo que a sensação dolorosa surge na dor representada.
sua própria possibilidade.Ela não seria imitação caso não transformasseseu Mas o te~tro-pós-dramático conhece sobretudo a mimese na dor: quando o
objeto (uma imitação p'erfeita não poderia ser diferenciada do original: se- palco se iguala à vida, quando a banalidade realse despejanele,surge o medo
ria um original repetido). Por meio do abrandamento, do amortecimento, da quanto à integridade de quem atua. A transição da dorrepresentada para uma
redução do real que lhe são imanentes, a mimese cria uma percepção que dor experimentada na representação - essa é a novidade que se tornou, em
J sua amblgüidade moral e estética, o indicador pará a questão da represén-
13 'Iheodor w. Adorno, Ãsthetisch~ 'Iheorie, in Gesammehe Schriften, v.7. Frankfurt am Main,
I tação: ação corporal extenuante e arriscada sobre o palco (La La Lá Human
Steps); exercícios que dão a impressão de algo paramilitar (diversos teatros
354 1984, p. 354· .,
I 355
de dança, Einar Schleef); masoquismo (LaFura delsBaus), jogo moralmente se trataaqui do curto-circuito dessa postura (evidentemente, dor e diversão tam-
provocante c~m a ficção ou a realidade do horror (Jan Fabre); exibição de bém são os elementos que maisincitam a rivalidade e a luta encarniçada), mas
corpos doentes ou desfigurados. Um teatro do co rpo-dor leva a percepção a do reconhecimento de que as formas do teatro pós-dramático fazem de tudo
uma cisão:aqui, a dor representada; ali, o ato lúdico,.prazeroso, de sua repre- aquilo que era objetoda representação um fator do próprio procedimento de
sentação, que dá testemunho da dor, representação, e para tanto levam em conta de modo legítimo um empobreci-
Depois que artistas perforrnátlcos, já nos anos 1960, pretenderam reagir à .menta; uma trivialização e banalização dos objetos, a fim de obter uma refe-
insensibilidade com a realidade da dor, esse gesto alcançou há muito tempo rência à realidade. Por isso o teatro se encontra sempre à margem: já pronto a
o teatro. No fundo, COm isso radícalíza-se a mais antiga fórmula para o teatro desistir de ser arte para ser realidade, mas sempre recuandopara o significado
trágico: o esquiliano "aprender com o sofrer". A exposição dos traços dolorosos, diante desse último passo.
maquinais, horríveis na produção de aparências do Próprio teatro é uma novi-
dade. À mera ilustração, ao jogo infantil das máscaras e do massacre, responde ..._.. ,....CQrpo infernal
.....•. __.
-.

o "teatro" - nome alegórico para toda arte que se propõe esse desafio - coma
recusa a informarsemcompromisso. Aopasso quea informação torna a dor ino- Em comparação com o teatro dos anos 1960 , que tinha' um otimismo corporal
fensiva, fazdela um efeitosensacional oua transfigura, na qualidade de elemento não-problemático, o corpo se tornou um campo de batalha real e discursivo.
do gesto exposto a dor se torna uma experiênciaAjstanciada da compreensão. O movimentofeminista abalou as imagens corporais, Os fantasmas e os clichês
Articular a dor, em vezde apenas reproduzi-la, e incluir nessa articulação a ação patriarcais, mas o novo paradigma da sexualidade livree libertada vão foi con-
derepresentar como dor significa, a partir de então,fazer teatro.Em comparação quistado por causa disso. É preciso constatar sobretudo uma im~gem corporal
com as representações da mídia, o terror representado no palco com recursos obscura, neobarroca. As desfigurações temporais, as sínuosídad ésespaclaís, as
teatraís convencionaisse torna ridículo e inverossímil. Masse o ato e a presença e
torções corporais õs'des[ôCãrõentõi;nâo têmlugar sob o signoda lnsurgência
do momentocorporal da própria representação aparecem emprimeiroplano,o e da disposição experimental revolucionária. O que ocorre é que o teatro re-
atodo teatro remete novamente ao seu real, que se perde nas-imagens, descobre a perda do mundo barroca, acompanha cativado as curvas do corpo
O teatro responde ora com a implicação terrorista (La Fura deis Baus): ora humano. Essa reviravnlta-pboeestãr-ligada
.
-eom.a.experlên cia.•...d~ que o ídea-
" -~

com hípematuralísmo e imagens de horror que geram reflexão por meio da pa- lizado corpo "bom" do Eros não desencadeou toda a liberação social.rna s fez
ródia ou do exagero e assim provocam uma empatiaquese diferencia da empatia o sexo se Inscrever predomlnanternenté no maquinismo do m~ndo dos pro-
resultante da percepção do cinemaou do vídeo (Reza Abdoh), ora na linha da dutos, aquietar e cont~nta(,suas supostas necessidades no campoda satisfação.
presença da performance, que pode assumir diversas formas, desde o relato pes- Coreógrafos criam mundosde.terror feitos de choques elétricos, relâmpagos
soal até a arte performática. Thomas Oberender aponta o' enfoque que está na luminosos,barulho insuportável e paredesmetálicassem saída (Teshigawara),
. base de grande partedo teatro contemporâneo, em especial o da jovem geração: delineiam panoramas inteiros de deprava ção moral e decadência do fim dos
"lidar com a verdade derradeira, que escapa a toda relativização - a verdade cor- tempos, atacam os nervos do público com cenários deslumbrantes e cruéis a
poral. Dor e diversão são as únicaspontes confiáveis entre doishomens': 14 Não partir do arsenal dos .demõníos: doentes sangrando, sexualidade exercida de
modo atormentado, corpos nus pingando de suor, pele. gordura e muscula-
14 Thamas Oberender, "Theater der Vergleíchgültlgung" Theater der Zeit, março/abril de 199 8,
tura. Eles tendem a image~s.iAfernâis·ae urnasoc iedade mais do que apenas
p.87. "doente de Aids": um~sociedade perdida e tondenada. 357
-,
t\",.
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Não é nenhum acaso o obstiri"ado retorno da metáfora do mundo como e realidade. Ele não oculta que o corpo está destinado a morrer; ao contrário, .
.
, \ - 0'

hospital e universo de loucura sem futuro, par a o qual não . parece restar ne- enfatíza esse fato.
nhuma outra alternativa que não igualmente catastrófico caminho de volta
ó Quando observamos.o novo teatro em busca das imagens da ameaça da
'para o isolamento solipsista. Como já emBeckett e em Müller, encontram-se rporte e da decadência, notamos que a Aids foi por muito tempo a sombria
pessoas em cadeiras de rodas em trabalhos de Tadashi Suzuki (como Dionísio palavra mágica: os doentes de Aids são os autênticos mortos-vivos, os novos
e Electra), que encena imagens infernais de p~ntu~as rigidamente formaliza- fantasmas, que estão cercados pela morte "no meio da vida': A Aids veio a ser
das como procissões. O grupo La Fura deis Baus la~çiH(público em cenários metáfora do estado de uma sociedade (ou um mundo) que não mais pode
claustrofobicamente fechados, demoníacos, de imagens do tormento que pa- realmente integrar a vida dos impulsos, já que esta não é mais parte dela,
recem inspiradas no "Inferno" de Dante: córpos nus mergulhados em água e mas uma alternativa a ela como sexo livre e espaço de fuga. Pouco antes de
óleo que pareceniTérver,·p endura<!.º~ jogados, maltratados; fogo saindo de sua morte em conseq üência da Aids, o ator Ron Vawteratuou em um retrato
toda parte; prisioneiros tortur ados e chicoteados, -tõ1't uradores que berram de dois homossexuais norte-americanos. Nas repentinas pausas em sua per-
ordens em meio a um barulho infernal de tambores, lamentos e gritos. Sem formance, nãó'~~ ;'-i bi"a ao certo se se tratava de momentos de esgotamento
qualquer explicação clara sobre q..<:ontexto e o sentido das ações auto-agres- representado ou real.
.sivas e assustadoras, o grupo constantemente ~nfõcããUnidade de violência e
/
Nós trabalhos de Reza Abdoh, que morreu prematuramente com Aids, os
I
enigma, cerne do teatro desde Édipo rei. Víolêncía ritual, dor, morte e nasci- espíritos mídiátícos, históricose teatrais constituíam uma simbiose de show e
mento são os temas. provocação, grand-guignol sangrento e tristeza abissal. Seu teatro era barroco:
sensualidade brutal e direta, busca de transcendência, anseio vital e confron-
Corpo decadente tação ·com a morte, advertência de um mundo sem sentido, no qual predo-
minam o frio, a dor, a doença, o tormento e a degeneração. Abdoh - que em
Fotos, Cinema e mídias mostram de um medo impiedosamente drástico a Citações de uma cidade devastada [Quotationsfrom a Ruineâ City] projetou
decadência, a violênciae a.dor corporais. Mas o mostrar e o perceber sãõse-«, '.., . no palco um radical e provocante panorama de depravações sexuais, morais
parados, não têm lugar no processo entre a imagem e o espectador. Em con- e políticas - criticava a tão louvada reflexão no teatro e se opunha veemen-
~rap artida,
o que é específico ao teatro pode ser esclarecido pela cena em flue temente ao "auto-espelhamento" generalizado. Para ele, tratava-se de uma
Brecht, na estréia da Peça didática de Baden [Das Badener LehrstiickJ, após mensagem talvez muito direta, à maneira norte-americana, de uma catártica
protestos do público diante de fotos chocantes de feridos de guerra, repetiu "celebração dos sentimentos'; " da qual faz parte a consciência sobre a morte
O procedimento com esta advertência: "Reconsideração da representação da como cQn.çli~o do corpo e de seu prazer. O que contava para elenão era á tão
mort e recebida com desprazer" 15 O mostrar é ele mesmo um processo so- comentado horror chocante de seu teatro - de fato, seu efeito era tranqüilo
cial. Ele está sujeito a uma mudança que atualiza o potencial latente desta em comparação com o dos filmes de terror -, mas o teatro como "lugar de
realidade social: o teatro dramático encasula á processo corporal nos papéis conferir forma a idéias, uma espécie de fórum para a troca de Idéias',"
representados; o teatro pós-dramático visa a demonstração pública do corpo
e de sua decadência num ato que não permite distinguir com segurança arte
16 Reza Abdoh, entrevista. Tneaterscurtft, n, 3, 1993, pp. 48-64. p. 58.
35 8 15 Bertold Brecht, in Werke, v. 3. Berlim/Welmar/Frankfurt am Maln,1993, p. 415. 17 Ibíd., p. 60 . 359
Espíritos o isolamento de Grotowskié um exemplo extremo, mas também autores
como Peter Handke e Boto Strauss tendem a afirmar a dimensão de uma ex-
o reconhecimento de que o teatro vive ao mesmo tempo da transcendência periência exclusiva, e mesmo no caso da iluminista Ariane Mnouchkine, em
do corpo e de suas limitações leva para além da verdade evidente de que O A cidade perjurada, ou o despertar das erinias [La Vil/e pC11jure ou le réveil des
corpo constitui o centro e a fascinação do teatro. A fascinação com o corpo, erinyes], peça de Hélene Cíxous, a cidade do mundo cai em desgraça e cor-
evidente na dança e na acrobacia, rnas também perceptível na concentração rupção e só pode esperar alguma salvação do pensamento - cristão - do per-
corporal e mental dos atores, sugere nada menos do que a idéia da possível dão. Na maioria das vezes, esse tema da afirmação do teatro como um lugar,
,espiritualização do corpo. Herbert Blau falou dessa dimensão espiritual do especial da meditação e do crescimento espiritual é algo semiconsciente ou,
teatro e traçou uma comparação com Phílíppe Petit, que balançavana corda- inconsciente,mas não raramente é também explícito. Por que o russo Anatoli '
bamba entre as torres do World Trade Center," Por meio da disciplina, seu Vassiliev e o holandês Gerardjan Rijnders, ambos diretores de destaque de '
corpo se torna quase espírito, manifestação corporal do incorpóreo. Essa dis- -seus._p-ª.í~~.s, tíverarna idéia de levar ao palco, num curto intervalo de tempo
ciplina é auxiliada pelo treinamento, e dada a credibilidade já metafísica que urn do outro, as Lamentações de Jeremias? Vassiliev declarou: "O caminho
ultimamente se liga às dimensões de experiência do treinamento corporal im- do materialismo está quase no fim". Procura-se, ao que parece, uma esferado
põe-se o pensamento de que aqui retoma a idéia primordial dos exercícios re- lamento, que Vassiliev também tornou predominante em seu Anfitrião (de
ligiosos. Assim como estes, o treinamento corporal e'o controle disciplinado Moliére]. Não é só por causa do espaço cênico cristão que o teatro se torna
prometem um contato com um nível de espiritualizaçãomais elevado. um lugar de oração: justamente o gesto do lamento abre oespaço espiritual.
Inspirados pela filosofia oriental, muitos artistas teatrais trabalham com Será que falta de fato o lugar no qual, em um formato grandJ' pode ressoar
pedras, plantas, chão e atmosfera em busca de uma forma de experiência o lamento que poderiaarticular o desconsolo e o desamparo sem esperança
"maisespiritual". Elespretendem se associar novamente à época esoté~.ic-á'que contrariando o otimismo prescrito?' - -'"
o teatro já havia vivenciado, Sãosintomáticas a aura ~a fama que envolveram Trata-se da busca de um perdido "tom elevado': que Handke formula
JerzyGrotowski, que na última fase de seu trabalho, desénvolvída em Ponte- como fator de uma ·n0v.a.~'~spiritualidade" e Strauss como nova capacidade
dera, no interior da Itália, praticava com seus poucos adeptos selecionados sensitiva. Na oração, no ritual,~o-~~r~ -eria-cõmTfhkação.de tipo comuni-
um intenso controle "espiritual" do corpo, cultivando um "teatro" cujos mé- tário, o teatrosegue O rastro de suas raízes religiosas e;'místicas': E'm' vez de
todos tinham algo de exercícios religiosos." Tão notável quanto essa inco- uma psicologia" de pouco fôlego, almejam-se grandes paixões e em última
mum escola teatral e sua prática é sua ressonância: a espantosa presença de instância a paixão. BàStante surpreendente: na era tecnológica, o teatro
Grotowski no pensamento das pessoas de teatro radicais, o respeito que sua continua a ser um lugar d~'inet~física mais sugestivo. Já que a realidade se
insistente aproximação do "sagrado" conquistou. Esse respeito demonstra a encontra diante de nossos olhos como abandonada pelos deuses, caracterl-
noção, com muita freqüência renegada no cotidiano teatral, de que mesmo zadá por uma falta não só de ser.mas mesmo de uma aparência não-trivial,
uma arte tão pragmaticamente envolvidano cotidiano como o teatro perde o evidencia-se a necessidade de buscar outros mundos, atoplas e utopias nas
seu valor quando é exercidasem uma tal busca "impossível': cifras do palco para-realízar.uma autêntica experiência do espiritual.
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18 HerbertBlau, Take up theBodies: Theater at the Vanishing Point. Chicago, 1982. [N.Jl.l
19 Ver Thornas Ríchards, Theaterarbeit mitGrotowskl anphysischen Handlungen. Berlim, 1996.
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Teatro e mídias
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Predom ínio das mídias?

Mesmo a modernidade clás,~-lca já se encontrava sob o signo de um intenso


",
, predomínio das imagens '(fotografia, cinema) e aó mesmo tempo da critica ao
efeito paralisante do consumo de imagens ilusórias sobrea complexidade lln-.
!
güístlca, a imaginação e a reflexão, Será que asimagens tirânl a força do enten-
- -._- -- - .-- '1' dimento, assim como, segundo a suspeita de 1h0111as Mann, a música enfra-
- . . -.'
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quece a racionalidade! Nãose deve recapitular aqui a longa tradição da crítica
~ sociedade de consumo e à' indústria cultural, desde o capítulo correspon-
dentena Di-alética do esdarecimento e a crítica situacionista de Guy Debord à
"sócíedade do espetáculo" até as teses de HerbertMarcuse e Jean Baudrillard
ou Paul y~. O fato de que essa tradiç~o une pensadores comumente asso -
ciados à modernidade e pensadores Incluídosentre os p ós-modernos suge-re "
que a "pés-rnodernldade'tdev éser entendida rtã? corno cesura histórica, mas
simplesmente como um olhar modificado sobre á modernidade, uma nova
relação com ela. Ao mesmo tempo, fica claro que o problema não pode ~er
evocado apenas por uma visão conservadora. Na civilização midiátiea: "pós-
moderna"a ímagem representa um meioextraordinariamente poderoso, mais
\ informativo do que à música, consumido maisrapidamente do quea escrita. 365
. "~
As imagenscinematográficas e depois as de vídeo conquistaram seu poder o hábito do consumo de imagens eletrônicas favorece exatamente essa redu-
graças à fascinação por elas suscitada, As imagens fotográficas em movimento çãoda idéia de comunicaçãoao modelo da emissão/recepçãode sinais para além
e depois eletrônicasatuam sobre a imaginação - e sobre o imaginário - de ma- do registro de responsabilidade e desejo. O dispositivotelem ático preenche in-
neira muito mais forte do que o corpo vivo presente no palco. Será que, na li- teiramenteo espaço mental com "informação". Se um usuário morre em um ter-
nha dos "imateriais': ele não se torna cada vez mais supérfluo?Tem grande im- minal do mundo de cabos de fibra óptica, para um outro usuário, em um outro
portância para o poder da simulação um procedimento que já se-destacou no terminal da rede, esse acontecimento em nada se diferencia de um distúrbio ou
século XIX : delegar o olhar humano a aparelhos. A visãose emancipa do corpo. uma queda !10 sistema. Aqui, o sujeito humano está voltadoprincipalmente para
Evidentemente, semprehouve"percepção por instrumentos" científica. Mas no a informação computadoríz ávele desse modo não constitui senão um prolon-
processo do desenvolvimento técnico nos séculos XIX e XX a "realidade da per- gamento - imperfeitoe sujeito a distúrbios - do dispositivo eletrônico. Em urna,
cepção sensorial" torna-se um problema, se não filosoficamente, pelo menos variante da bela fras e de Gertrude Stein - ''As pessoas vêm e vão e a conversa da ,
na vida mundana, já que campos cada vez mais amplos são conquistados pela . festa continua a mesma" (People come andgo, partytalk stays the same) - , aqui
"realidade da percepçãopor instrumentos" (Buckrninster Fuller).' Em todos os "usuári'~ ~ 'vêm e vão e a rede mundial continua a mesma': De modo paradoxal,
tipos possíveis de instrumentos, indicadores etelas, o quese vêsão signos mais essa novaconfiguração do alheamento se estabelecejustamentepelo fantasmada
ou menos abstratos;aspectos essenciais da realidade escapam dos sentidos cor- intimidade, pelo erro espontâneo de se considerar alguém contatado pela rede
porais: "O reino da percepçãosensorial se reduz á- um mínimo nicho ecológico uma pessoa próxima e acessível. Em contraste com essa falsa aparência de
em umImenso espectro de ondas mecânicas e eletromagn étícas'" acessibilidade, a presença·do outro como co-presença suscitaa experiência '
. No entanto, esse "nicho ecológico" da percepção imediata é ao mesmo de sua essencial inticessibilidade, de sua aura - "aparição única de uma distân-
tempo o campo de uma íntersubjetívldade que põe em' jogo a interação cia, PQr maispróxima que esteja" [na definição de Walter ~ eriJ.a min] .
entre os corpos, urna relação do encontro comum em uma situa ção t ; cial
que constitui um outro "tempo" entre sujeitos. No c,erne da atitude estética,
I Publiciza ção, experiência
mas sobretudo em toda idéia de "responsabilidade" - l~go~' tánto na atitude
ética quanto no cerne da afetividade em geral -, encontra-se a indisfarçável
I Afirmou-se: "Novas, experiências coletívas-são.feltasna realidade midiáticu"?
situação da "presença" do outro. Essa "presença" não pode ser definida sim- No entanto, a recepção de dados e ~nfo~mações dísponíveiscoletívamente não
plesmente pelo factum da percepção sensorial em si, mas está ligada a ele na constitui uma: experiência coletiva. Esta não acontecesimplesmente por meio
medida em que aí se põe em jogo a possível influência real de quem percebe de um repertório c'àml.l.J11 de fatos que podem ser citados coletivamente, de .
no objeto da percepção. A situação de influência virtual implica que o pro- gestos conhecidos pela coletí yldad e, mas apenas na conjunção de histórias co-
cedimento de emitir/receber sinais não pode ser dissociado do envolvimento letivas e individuais, a qual, por sua vez, está ligada a algum engajamento que
do sujeito comunicante no desejo,na responsabilidade e na obrigação. diga respeito ao sujeito da experiência em sua realidade de vida. O consumo,'
Ij o acúmulo e a distribuiçãode sinais de reconhecimento-cenhecidos, tais corno
os que a cultura rnidiática converte em padrões de comportamento, estão
Apud [oachím Krausse, ("Ephemerisierung. Wahrnehmung und Konstruktíon"], in Ber-
nhard ]. Dolzler e Ernsl Muller (orgs.), Wahrnehmung und Geschichte. Marklerungzur Ais- 1 ! .,' " .
thesis materíatts. Berlim, 1995, pp. 135-63, p. 162. 3 Gõtz Grossk1aus, Me dien·ZeiU'vfedi~n-Ra um . Zum Wandel der raum-zeítlicben Wahrneh-
2 lbld, :lI mung in derModerne, Frankfurt am Maln, 19~5. p. 108. 367

; ,
muito longe de efetivar essa experiência coletiva. À primeira vista, a comuni- .assim dizer, tenha de permanecer em aberto. De todo modo, o efeito estético .
cação de grupos pela internet parece'possibilitar iss'o. Grupos dê"ínterésse po- pode ter como ponto de partida uma tal "situaçãooscilante" da dúvida. A outra
dem se encontrare trocar suas experlências, más'trata-se d~ experiências prin- possibilidade do teatro m idi ático consiste, evidentemente, na exploração ar-
cipalmente privadas. Assim, formam-se grup_~~. de pessoas interessadas em tística da própria fascinação que provém dos efeitos midiáticos. Exemplos
determinados temas- por exemplo, de pessoas que sofreram acidentesde auto- disso são apresentados neste capítulo. É certo porém que o encanto do novo '
móvel. A internet é a generalização da subjetividade, não é nenhum campo está sujeito a um rápido desgaste, dentro e fora do teatro. Na 'medidaem que
para atos de comunicação que situem o sujeito 'no ~à1n~ de urna tomada de a sociedade midiática fez da surpresa uma norma, do choque um hábito, do
posição respons ável e responsabilizada. Pode-se portanto Insistir em designar .achado da variante uma regra, a surpresa não maissurpreende, o improvável
a Internetcorno mídia de massas, mas por seu conte údo ela é uma mídía pri- se torna provável, o "eterno retorno do mesmo" (Walter Benjamin) leva à um '
vada, quecoino tal-não.constltui nenhuma experiência coletiva. Desse modo, estado apenas aparente de percepção alerta, um estado que na verdade pode
as possibilidades da atitude estéticapâra cõmuniCà:rtais .experíências só po- ser uma espécie'de sonolência indiferente a tudo. .
dem estar em um desvio do dispositivo midi ático, não em seu emprego. Tornou-s e li~ t6poS da teoria do teatro de vanguarda o fato de que ele
À primeira vista, pode parecer que o futuro do teatro também estaria na analisa ed~sconstrói as condições da visão e da audição na sociedade midiá-
assimilação às-tecnologias da informação, nacirculaçãõàcelerada de imagens tica~, S~m levar em conta se essa convicção tem fundamento ou não, pode-se
e simulacros. A utilização de novas e velhas mídias audiovisuais - projeções, questionar se a auto-referencialldade dos trabalhos teatrais é realmente engen-
texturas sonoras, i!.uminações refinadas - , apoiadas por urna tecnologiacom- drada em primeira instância pelo p áthos da análise, que tem seu lugar sobre-
putacional avançada, certamente levou a um teatro high-tech que amplia cada tudo nos esforços teóricos. 4ptes , parece realista que se.manifesta aqui uma
vezmais as fronteiras da representação.Da arte performática radical ao grande . estética que busca a proximidade com a percepção artificialmente alterada. O
teatro estabelecido, constata-se uma crescente utilização de mídias eletrônicas. palco precisa se assemelhar ao mundo exterior para articular alguma experiên-
Com isso, a imagem habitual do teatro de texto perde ainda mais sua validade cia. Nesse sentido, podem ser consideradas como um reflexo da percepção
normativa e é substituída por uma prática intermidi ática e multimidiátkà-ãpa"- ·- --.i midiática fragmentada a sobreposição e a recorrente interrupção abrupta das
rentemente sem limites. Agora existem lado a lado: um teatro de imagens, que cenas e das ações. Assim como, no cotidiano, aprendemos com a televisão e
na,linha da tradição da "obra de arte total" adota todos os registros das mídias; o vídeo a nos contentar com um mínimo de continuidadee unidade, a segui-
um ritmo de percepção altamente intensificado, segundo o modelo da estética damente mudar o foco da atenção entre um momento de ação na tela da TV
de' vídeo; mera presença do ser humano, sempre parecendo "lenta" em termos e a realidade do dia-a-dia (ou uma outra emissora), também no novo teatro,
comparativos; o jogo com a experiência do conflito entre o corpo presente e a seja no cas.o-<l.o Wooster Group, de.lan Lauwers ou dos grupos 't Barre Land
manifestação imaterial de sua imagem dentro de uma mesma encenação. e Baktruppen, os atores alternam contatos (aparentemente) privados com re-
Seria o caso de averiguar 'se no teatro high-tech se dá a diluição do limite presentação, níveis de realidade diversoscom ~niversos de imagem. Quando
entre virtualidade e realidade ou se é criada a disposição de encarar toda O objeto é um .texto clássico da literatura dramática (como de preferência no
percepção com uma dúvida permanente. A hesitação dubitativa de Hamlet Wooster Group: O'Neill, Wilder, Miller, Eliot, Tchekhov),' destaca-se ai~da
(o espectro é um verdadeiro espectro?) talvez seja O antídoto para a trans- mais, pelo contraste, o efeito zap, a similaridade com a troca de can~is; '/
missão midiática, ainda que a possibilidade de um tal modo de percepção
368 da dúvida dilatória, de uma "estética da desconfiança" 'frós-bi'echtiana, por 4 VerDavidSavran, 'Ihe Wooster Gtoup: Breaking Rufes. NovaYork, 1988. 369
1
"
I

Interaç ão , que uma forma disfarçada da utilização solitária 'de um instrumento.' Além
disso, n óteatro, a reprodução - que com certeza só raramente desaparece por
o que constitui a verdadeira força propulsora da interrogação sobre a rela- completo - de coisas previamente dadas é sobreposta pelo daium sensorial
ção entre teatro e mídia não é o problema, com freqüência falsamente "dra- que se dá no e pelo momento do próprio teatro. Não é por acaso que, simul-
matizado': de que as aparentemente ilimitadas possibilidades de simulação taneamente à aparição e à ampliação de uma civilização rriidiática - simula-
de realidades por meio de tecnologias midiáticas deixem muito para trás ção de realidade, interação tecnológica -, o teatro até então essencialmente
as possibilidades de reprodu ção do teatro. O teatro já é per se uma arte dos "dramático" se submete à mudança estrutural descrita neste estudo. O predo-
signos, não da reprodução (uma árvore que parece verdadeira no palco per- mínio do drama e da ilusão migra para as mídias, enquanto a atualidade da
manece signo de árvore e não reprodução de uma árvore; uma árvore num representação se torna o novo traço dominante do teatro. Evidencia-se que a ',
filme pode até ter um sentido como signo, mas é antes de tudo reprodução chance do teatro pós-dramático não é a imitação da estética das mídias nem
fotográfica da árvore.) Ele não simula, mas permanece evidentemente como 'a simJJ,Ja.r2ío, mas b real e à reflexão. Como "máquinade imagem': sua possi-
uma realidade concreta do lugar, do tempo e dos homens que produz em bilidade específica de reprod ução da realidade, apesar de todas as ampliações
signos teatrais no teatro - e eles sempre são "signos de sígnos'" No teatro, o possíveis, permanece radicalmente limitada . Como "discurso", em contra -
mundo das coisas tem a característica denominação "acessórios": a realidade partida, ele realiza um procedimen to ínsubstítuível, que também lhe permite
ilusória aqui é "somente o mais necessário': objetos necessários para 'a repre- ignorar e superar os limites q~e o cinema e as mídi,as revelam.
. ...- - ....
senta ção. No entanto, o que realmente deve inquietar ; teatro é a tendência
de trans ição para uma interação de parceiros afastados entre si mediante Teatralidade e morte
recursos tecnológicos. Será que essa interação cada vez mais aperfei çoad a
disputará o lugar ,co,m o domínio das artes teatrais ao vivo, cujo princípio é a Em 1963, Roland B~~th~~-;;'~;e~~ueiú ' 'Literàtura e significação" [T.ltt érature et
participação? Frank Popper afirma: sígn íficatíon"]: "O que é o teatro? Uma espécie de máquina cibern ética" A afir-
mação soa tão clarividente Aécadas depois porque parece incluir o fator essen-
Nas obras da arte high-tech as interações técnicas são exploradas em seu nível cialda reação, da interação.'P~~ ~u-trõ-1ado; iiOUH;dambém umil)imitação nesse
máximo. Pelo m eno s em sua manifesta ção elas contêm elementos da perfeição. modo de concepção: no sentidoda conjuntura do ,pensàmento seiriiológico
[...] Mas a essên cia da arte high-tech também pode se apresentar nas tentativas de daquele período,' Barthes via o teatro como uma máquina de informação que
art istas de incluir Os espectadores no processo criativo," gera significado, o qu~l'é ~ecifrado pelo espectador mediante um ato cognitivo. .
Ocorre porém que a estrutura-decomunicação do teatro não tem seu centro no
De todo modo, não é exata a oposição que só se encontra aqui entre interação fluxo de informações, mas em um outro tipo de significação, que inclui amorte. .
(midiática) e participação direta: também na participação teatral há um fator A informação está fora da morte,para.'além da experi ência do tempo. Iáo teatro, '
interativo, e sem nenhuma participação a "inter"-ação não seria nada mais do na medida em que nele o emis~ or e o receptorenvelheceni'jtmtos, é uma espécie
de "insinuação da mortalidade"',.: no sentido da observação de Heíner Müller de
que O "moribú~do em potencial" constitui ~ especificidade do teatro.
5 Erika Fischer-Lichte, Semiotik desTheaters, v. I . Tüblngen, 1988, pp. 755. .: . .. -, '

,
6 Frank Popper, ["High Technology Art"], in Florlan Rõtzer (org.), DigitalerSchein,Asthetik , I
370 der elektronischen Medien. Frarikfurt am Maln, 1991, p. 257. 7 Cf.Mark Reaney, "VlrtualR ealltyon Stage" VR World, maio/junho de 1995. 371
i

.\ 1
Na tecnologia de comunicação midíátíca, o hiato da computadorízação a cobaia tem a sensação de que seu cotovelo se estica, embora isso não acon-
separa os sujeitos uns dos outros d étal man eira que proximidâde e dístãn- teça; quando se permite a ela tocar seu nariz, ela tem a nítida sensação de que
cia se tornam fatores indiferentes. Em contrap àrtída, na 'medida em que o prolonga o nariz, como um Pin6quio virtual."
teat ro consiste em um tempo-espaço comum de mortalidade, ele formul a Se impulsos externos podem ser transmitidos para o corpo por compu-
corno arte performativa a necessidade de lidá!: com a morte, portanto com tador (cada um é seu próprio títere), pode -se pensar um horizonte em que
a vitalidade da vida. Seu tema é, para falar com Müller, o terror e a alegria algum dia impulsos de pensamento também possam ser transmitidos dire-
da transformação, ao passo que o cinema se caracteriza por assistir à morte. tamente pa~a outras pessoas. Parece lógico quando pessoas como Marvin
No fundo, { esse.aspecto do espaço-tempo comum da ~~halidade, com suas Minsky refletem exatamente sobre a possibilidade de "Inserir dados dire-
implicações éticas e te6ricas, que persiste como diferença categórica entre o tamente no cérebro do homem por meio do microcomputador': 10 De todo
teat ro e as mídias. modo, a generalizada exíst ência-mônada solipsista parece possível um passo
adiante no caminho, no qual "a diferença entre percepção e imaginação é (...]
Corpo midiático e tecnocorpo retraída; a percepção é írrealízada, a imaginação realizada". ti Esses potenciais;
que já não se reduzem a meras invenções sem conslst êncía.isão a indicação
Quando '0 artista perforrnático Stelarc (Stelios Arkadíou) considera que o de Up)"questionamento da identidade do corpo, respondido pelas artes com a
corpo humano tem de se adaptar às avançadas estruturas de informação do exposição do corpo como tal e com a estratégia da defesa avançando, de ma_o
computador, fQ.r.mula sobretudo a perspectiva virtual do discurso rnldiático, neira mais rápida do que a da tecnologia, para ordenar identidades sexuais e
que talvez seja a d~' mutação antropológica. Stelarc, por exemplo, instalou outras. É transposto o llmlar para uma época em que algo como a identidade
uma terceira mão no antebraço, que "é movida por contrações musculares corporal e mesmo mental não é mais garantida de maneira evidente. Não
traduzidas eletricamente de seu abdome e de suas pernas'" Trata-se da utopia são mais apenas fotografias híbridas que surgem, e sim mundos h íbridos de
de desenvolver evolutivamente o corpo de maneira intencional, dotar-lhe de vivência, aos quais se junta uma mistura de diversos organismos e sistemas
olhos artificiais e de novas funções ainda imprevisíveis. Por trás dessasteeno-c.; ..__ ., de pensamento que se interpenetram.
fantasias emerge um problema mais complexo e mais misterioso: a questão De fato, a substituiç ão de conceitos formais tradicionais por algoritmos
d~ identidade. Busca-se justamente transformar, por computador, sensações de computadorjâ está muito adiantada em muitos campos. Merce Cunnin-
corporais em informações, induzindo assim estímulos, impulsos e movimen- gham pode coreografar diretamente no monitor, usando um programa que
tos do próprio corpo em um outro (que reage, portanto, corno um boneco apresenta movimentos de dança feitos por figuras simples. William Forsythe
humano à sua "programaç~o") . É int eressante, nesse contexto, a indução ar-
tificial das sensações cinestésicas, com cujo auxílio localizamos as partes do
._----
e outros fazem experimentos com sistemas interativos. Os dançarinos, por
exemplo, regem o palco com o auxilio da luz computadorizada, já que seus
nosso corpo no espaço (sem um senso cinestésico, não poderíamos dirigir tnovimentos de dança acionam ou interrompem elementos musicais ou lumi-
muito bem as pontas de nossos dedos de olhos fechados). No cotovelo, os
sensores cínestésícos se encontram bem na superfície, de modo que é possível
gCf. ManfredWaffender (org.), Cyberspace. Ausflüge in virtuelle Wlrklichkeiten. Re!!J.beck,
realizar o seguinte experimento: esses sensores são estimulados, de modo que
~~~ /
10 Cf. Rõtzer (org.), op. clt., p. 65.
372 8 Arnd Wesemann, Medienzeitalter, conferência em Brernen, 30/0~hg96: . ' II Ibld., p. 67. 373
nosos. Ulrike Gabriel realiza UP1a performance intitulada Respiração (Breath] A luz passava por materiais transparentes e criava disposições complexas. No
na 'qual equivalentes gr áficos da.respiração de um saxofonista são projetados: caso do século XIX, é preciso mencionar o advento do panorama, do diorama
"O músico inspira: os polígonos ainda abstratos, quadriláteros que se tornam e de outras formas iniciais das"mídias de massa". O panorama é denominado por
figuras de mais lados, voam [...l. Agora parece que osaxofonísta está no meio Stephan Oettermann como"máquina de imagens': e não deve ter sido por acaso
de seus pulmões. Ele expira, sopra: os polígonosvoltam em sua direção, ace- que o "inventor alemão do panorama': [ohann Adam Breysíg, foi um "expe-
lerados, em forma modificada" 12 A paisagemóptica surgida assim; ao mesmo riente pintor de cenários e teórico da perspectiva" 13 Mesmo em fenômenos
tempo artificial e produzida pelo organismo, mostra uma relação de troca real contíguos ao teatro,como o "Eldophuslkon" [teatro mecânico em miniatura]?
entre o corpo vivo e a técnica digital, o que pode ser considerado sintomático inventado pelo homem de teatro Philip Iames de Loutherbourg [em 1781J, ~
das perspectivas do teatro pós. dramático. as iluminações artificiais de festas em torno de 1800, é possível perceber o",
quanto o teatro sempre esteve próximo das artes da máquina."
Máquina de ilusão . - . . . ..,_.... Dos/ ::tturistas aos experimentos da Bauhaus e ao palto de Piscator, o teatro
também era maquinaria que desfigura o corpo, cerca-o de efeitos, deforma-o
É uma questão saber se Os recursosde multimídia, na medida em que represen- para fazer dele "escultura cinética': para nele descobrir possibilidades escondi-
tam técnicas de ilusionismo, assinalam uma ruptura definitiva na hístóría do das (OskarSchlemmer), ou, de Servandoni a Moholy-Nagy, teatro sem lingua-
a
teatr? ou se a simultaneidade possibilitada com issoe incerteza sobre o status gem ou sem atoreshumanos.A maquinalidade no teatro diz respeito inclusive
de realidade do que é representado, ou seja, mostrado como ilusão, significam aos atores. Eles talvez fossem considerados corno estátuas falãntes, como uma
apenas uma novamodalidade do maquinárioda ilusão que O teatrojá conhecia. I espécie de autômatos. Diderot reconheceu o paradoxo de qu; o ator só pode
Imparcialmente, pode-se constatar que o teatro sempre foi também técnicae ,. produzir a impressão de vivacidade convincente como uma máquina fria.
tecnologia. Ele era. um "medium" no sentido de uma específica tecnoJogí~
. da 1 Portanto, o te~tro'~p~;~eita cle lmediãtofodas as novas técnicas e t~cnolo-
representação, da qual as mais novas.tecnologias midiáticasnão podem repre- gías, desde a perspectiva até a internet. A utilização das mídias técnicas moder-
. - " . / ' .
sentar nada além de um novo capítulo. O teatro de modo ãlgum mostrava o nas no teatro - fotografiaprojeções, aparelhos de som, cinema- , também em
homem ingenuamente, para além de toda arte técnica. Desdea mechané antiga associação com iluminações r~fi~'ad~s eoutras técnicas cênicas) começou logo
até o teatro high-tech contempo râneo, o' prazer no teatro sempre significou após a invenção dessas mídias. São.famosos os trabalhos multimídi~ de Pisca-
também prazer com uma mecânica, satisfação com o que dá certo, com a pre- tor na segunda-ni.et~_de dos anos 1920, como Inundação (Stul'mj1ut] e O co~er­
cisão maquinal. Desde sempre houve um aparato que simula a realidade com ciante deBerlim [De~I(aÚfmann von Berlin]. A inserçãode mídias.no teatro e
auxílio da técnicanão só do ator, mas também do maquinárioteatral. na performance se encontraem toda parte nos anos 1960, a exemplo do evento
Praticamente desde seu início, o teatro oferecia maquinaria cênica, tru- Nove noites [Nine Evenings] , organizado por Robert Rauschenberg em 1966,'e
ques de luzes e bastidores, transformações m ágicas. A tecnologia da cons- nos anos 1970, como em [oarí IóríáseUlríke Rosenbach, entre outros.Em 1979,
trução de imagens em perspectiva e os efeitos de luz desempenharam um r
,
I I

grande papel na tradição do teatro, No teatro barroco, a iluminação a vela


13 Cf. Blrgít Verwlebe, Sehsucht.Dos Panorama ais Mossenunierhaltung des 19. Iahrhunderts,
podia ser "regulada" ao se içar quebra-luzes deum grupo de velas para outro.
Bonn, 1993, pp.73 e 76. ! .'
14 Cf. íbld, Ver também Úlem~'{i~ht;p·iele. Vom ]y[ondscheintransparent zum Diorama. Stutt-
. , I

374 12. Wesemann, op. cít, gart, 1997. . . 375


0,.

Harisgünther Heyrne e WoIfVó~tell-apreserilaiam ;;h Colônia um HamJet com


recursos eletrônicos. Na encenação de'Cad Weber d~ Kaspar, de Pefe-rHandke,
eI11 1.973, foram instalados quinze monitores, de medo queo público assistia à
peça ao vivo, nas telasde tevê e emfilme. Chan:?ti-~e.<latenção para o fato de
'que.Handke estava trabalhando em Kaspar na"ipoca em que viu o Fra~lk,enstein
do Líving 'Theatre em sua turnê européia:" nos d~casos, trata: se de uma ex-
.,
periência de mundo "pré-verbal" e ao mesmo tempo da~enúncia deuma reàli-
. "-
dade .na qual. corpo e mente são dominados .pela tecnologia>
. Míd ias no teatro pós-dram ático
- --- - '- -
--- - ' --
._-....-
, .... . . "-

/
,
Nót'~atro pós-dramático, ou as mídias encontram um uso ocasional, que não .
define de modo fundamental a concepção de teatro (mero aproveitamento
"" ....
da mídia); ou servem como ~g?te da inspíra çõo para o teatro, sua estética ou
.I
i
i forma, sem que a técnica midl ática necessariamente desempenhe um grande
i papel nas próprias montagens; ousão constitutivas de certas formas de teatro.
i
i
Pôr fim, teatro e arte midiática podem se encontrar
. . n"a'forma
.
de viâeolnstalo-
i çõe~. É relativamente destituída de interesse a mera utilização do meio pará a
...._.-,..----1 representação "mais fiel", mais cheia de efeitos ou mais clara. Certamente há
uiú efeito quando rostos de atores são ampl íadós por meio de uma Imagem . .
de vídeo, mas a realidade teatral é definida pelo processo da cornunícação,
que não se altera de maneira fundamental pela mera adição de recursos. Só
quando
.
imagem de vídeo se encontra em urna
a-----:- .
relação complexa com a rea-
lidade corporal começa proprlarneníe uma esté~ica mídlática do teatro.

Utilização de ~ídias

Em CaUgula (1996), com base no texto de C~t11US, o grupo [holan.4~s]--H~·t


15 [une Schlueter, apudSigrid Bauschlnger, "Sprechteater und Theaterbíld. Peter Hankeauf der Zuidelijk, sob a direção de Ivo van Hove, deixa os aconteclmentos sobre um
amerlkanlschen Bühne', in Sigrid Bauschíngere Susan L. Cocalís (orgs:), Vo.m 11'0rl zum
palcoimensoserem filmados e ao mesmotempoprojetados em grande escala. 377
EUd. Das neue ih eaterin Deuischland und den USA. Berna, 1992; pjl': 39-58, pp, 47-48.
.1

Algo semelhante se dá em Fausto (1998). O tema "proximidade e distância do ção de Sínaí Peter de Arturo Ui, de Brecht, com o Haifa Theatre (1997), na qual
público em relação ao ator': é a~sim abordado. Em Koppen [1997), com base , o pavor do terrorismo, tal como é divulgado nas telas de TV, era confrontado
no filme Faces [1968), de [ohn Cassavetes, a questão da proximidade e da dis- .
i ' com as ominosas promessas de segurança de Arturo Ui. Um outro exemplo
!
tância é tematizada sem uma utilização direta de técnica visual midiática: o é oferecido por um dos mais marcantes projetos teatrais da década de 1990, o
público se posiciona em uma enorme quantidade de camas enormes (como épico teatral de Robert Lepage Os sete afluentes do rio ata [Les Sept branches
se as pessoas se aconchegassem confortavelmentediante do aparelho de tevê de la riviêre ata], no qual ele trabalhou com seu grupo Ex Machina de 1994 a
de casa). Os atores representam nos espaços intermediários, de modo que 1997· Há algo como uma viagem teatral político-histórica que se passa em Hi-
tem lugar uma espécie de "montagem aberta", e ao mesmo tempo há uma roshíma, Nova York, 1heresienstadt e Amsterdã entre a época do nazismo e a '
alternância pensada "cinematograficamente" de close-up e cenas a grande dis- atual,abordando temas políticos e a memória histórica entre osEstados Unidos,\
tância. Em lugar da troca de primeiro plano e plano geral, é a percepção que o Japão e a Alemanha. À maneira de um caleidoscópio, estilosde representação :
muda de plano: num momento ela está quase em contato com os atores, e J.1 o . .....:.sobretudo mídias são continuamente trocados, coma intenção, segundo o
momento seguinte talvez tenha de percorrer todo o espaço, porque a cena pr'ÓprloTepage, de "fazer um teatro que funcione segundo as regras do sonho':"
acontece em outro canto da sala. Aqui, o teatro tenta integrar a percepção do Teatro de câmara [Kammerspiel] realista, bunkaru e kabuki, teatro de sombrase
cinema e a da televisão e fazer com que se tenha consciênciadelas. estética cinematográfica hoJJywoodiana: sob uma ampla margem de manobra,
Érn uma coreografia de Hans van Manen, Uma dançarina é filmada por do videoclipe até o teatro tradicional, também como emprego de pri~cípios
um operador de câmera no palco, e simultaneamente com sua entrada em narrativosdo cínema.as mídias se convertem aqui em uma fantasia histórica e
cena a imagem é mostrada em uma grande projeção. Surgem tensões inte- onírica, Em uma entrevista, Lepage declarou:
I
ressantes entre o movimento, a imobilidade e o paralelismo - por exemplo, /

quando a dançarina pára em um lugar, quieta, mas o operador de c~.mÚa se Eu estava desconcerfáaõ-cofríolnodo como o mundo do cinema levouadiante
move depressa em torno dela, de modo que na tela se vê uma imagem muito a dramaturgia do teatro, como bons roteiros são divididos em cinco atos, e era
movimentada e inquieta. Por fim, a dançarina sai da sal'<rteafr~1 dançando, realmente possível se.ntir como o mundo do cinemaparece ter aprendido ou conti-
acompanhada pelo operador de câmera, e de repente o público se encontra nuado a tradição d~ c~~;trtiçaodrãiflática em Shakespeareou nos gregos e assim
como que abandonado, sozinho diante do palco-vazio e da grande imagem por diante . Mas acredito que no teatro, no teatro norte-americano a dral'nútica e as
. . • . . . ,: ._ " . _. J

de vídeo, na qual é possível acompanhar movimentos de dança no foyer (já estruturas dramáticassão marcadas pela televisãoe pela representação televíslva.!
<,
convertidos em imagens de memória). Trata-se aqui do peculiar vestigto da ........<,
...... ... .
presença. O que não se nota mais na televisão, isto ~.' o fato de que existe Inspiração nas mídias <,

uma pessoa real "atrás" da imagem (quando ela não é virtual), é evidenciado
sensorialmente pela seqüência de presença real e vestígio, de convivência do Outras formas teatrais não se caracterizam primordialmente pela aplicação
público com a dançarina, e em seguida de separação. de tecnologia rnidí átí ca, maspela insp íra ção na estétlca-das mídias, reco-
Muitos diretores usam mídiasem um ou outro casosem que issodefina seu t ,

.~
.estiloe- por exemplo, PeterSéllars em sua encen~ção de O mercador de Feneza. "
Robert Lepage, in material. de prograrna do festival Teatro do Mundo (Theater der WeJt).
No caso de um artista tratado como "pós-moderno'; simplesmente fazparte de Dresden, 1996. . .:
37 8 seu trabalho usar mídias. A dimensão políticadas mídias ~:ou clara na encena- 2 Idem, entrevista a Brigitte Fürle em 1993. Theaterschrift, janeiro de 1994, pp. 210 -23 .
I

379

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~\' '.
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nhecível na estética da encenação, Incluem-seaía vertiginosa alternânciade mídlátícas. Nem na tentativa de encontrar intensidade pela identificação ra-
imagens; o ritmo de conversação abreviado, aigag das,comédias televisivas, dica com o universo dos produtos da mídia e com suas ofertas de diversão,
alusões ao entretenimento trivial da televisão, a estrelas do cinema e da TV, que vão das drogas ao cinema, nem na tentativa consciente de se afastardes-
citações da culturapop, dos filmes de entretenimento e dos temas veiculados sas coisas, um Eu "autêntico" pode se liberar do discursomoldado pela mídia
pela publicidade midiática. Nessas formas.p redomina na maioria das vezes e das máscaras de comportamentovigentes. Na COJhicidade e no luto, eleestá
'um tom paródico e irônico, mas outras vezes há a simples adequação aos ligado, para a vida e,para a morte, na máquina de som e imagemdo universo
temas da mídia. Esses experimentos são pós-dramáticos na medida em que pop e midiático. Em tais trabalhos teatrais, que sabem extrair a poesia do
<,
os temas, gags ou nomes citados não são expostos'nos moldes de uma dra- ritmo do pop, do clipe e do zapping, acontece um trabalho de luto que avalia
maturgia coerente, mas s~rvem co~o frases em um ritmo'musical, como ele-· a história de um gesto "pós-moderno" de expressão de alheamento e agressi-
mento-sde uma..colagem de imagens. Em duas produções de 1992, Haraquiri vidade segundo a utilização das formas oferecidas pelas novas mídias.
em um encontro de -;;e~'tr{ióquos[Hàrakiri einer Ba~l.çJ1!.~dnertagung] e Bulevar Com razão, destacou-se como característica do desenvolvímento artístico
do terror [SplatterboulevardJ, Renê Pollesch mostrou como faz inteiramente "p ós-modernó"a tendência de que a realidade seja cadavez mais transmitida
sem drama, a partir de diálogos pontuais, um texto para o qual servem de mediante esquemas interpolados, atitudes e padrões de representação pré-fa-
modelo a screwball comedy e a sitcom [a "com édia.extravagante" no cinema e bricà dos, que se citam e se espelham reciprocamente. Schulte-Sasse observa:
a "comédia de situação" televisiva). Aqui, uma elaborada falta de gosto, uma
contínua recaída em um estado de alegriadesolada e apropriações midiáticas As imagens que definem a consciência humana sãoorganizadas segundo Os prin-
parodísticas 'geàimumaatmosfera de teatro pop. cípios deuma dramatur~i~ do espetáculo, isto é, no estilo das vinhetas carregadas
Em Totalmente de perto [Ganz nah dranJ, performance de Stefan Pucher emocional, sentimental e visualmente, cujo conteúdo vago, consciente, quase in-
realizada em Frankfurt junto com o grupo inglês Gob Squad, em 1996, o re- tercambiável, disfarça a dimensão ideológica dessas vlnhetas.'
pertório midiático que molda o discurso, o gestual e os padrões emocionais
da vida cotidiana era exposto de modo teatral. Grande parte da perfonné!nc.e Um tal jogo possibilita novas formas de configuração, mas também traz con-
consistia em auto-representação dos atores, em que a parcela dos elementos sigo - diante da fulminante trivialidade da imensa maioria de tais "imagens"
biográficos "reais" era difícil de descobrir. Também aqui há recepção paro- circulantes - a questionável dependência. De modo paradoxal, pela riqueza
d ístíca de atitudes e gestos moldados pela mídia na forma de fala dirigida de possibilidades arbitrarIamente disponíveis chega-se a um estreitamento do
diretamente ao público e de auto-representaçãode efeitoprivado.Em virtude repertório de temas e de universos de imagens. Tudo o que não é dado total-
do estilo negligente com que se estabelecem ligações entre os números indi- mente novo voltaa desaparecerimediatamente(e no entanto o que aconteceu
viduais, pelo fato de o público estar posicionado em vários blocos em torno antes d-;m1eontem, anteontem ou logo ontem é muito parecido). Se apenas
do palco e assim poder ser interpelado em grupos menores, e finalmente em o mais recentede hoje cedo servepara encontrar entendimento ou funcionar
razão de um DJ operando no meio do palco, o conjunto tem um espírito bá- como sinal de reconhecimento, resta então perguntar se a falta de todos os
sico muito próximo da festa e da danceteria. Acima do espelhamento do es-
pírito resignado da geração, as cenas tornam sensível, de uma maneira muito 3 ,Jochen Shulte-Sasse, "Von der s.chriftlichen zur eIektronischen Kultur", inHá n~ U. Gum-
"próxima'; a tristeza por baixo dos gestos indiferentes, a intuição do vazio que brecht eKarI L. Pfeiffer (orgs.), Materiaíitõ: derKommunikatlon. Frankfurt am Main, 1988,
380 surge quando a pessoa quase não pode mais renuhclara ó uso de atitudes pp. 429-54, p. 439· 381
espaços.de relação mais amplos impedirá toda expressão que pretenda esta- terial de documento organizado se apresentava aop úblíco diretamente como
belecer ligação com a história, com períodos anteriores, com a própria hist ó- instância centralizada. Isso seria quase impossível hoje em dia, porque um
ria do gênero humano. Aqui, sentimos despontar a lembrança do problema supernarrado r dessetipo não teria credibilidade política e porque as imagens
técnico de que muitos recursos de computador se.tornam ilegíveis em razão midi áticas multiplicadas, produzidas por coletivos artístico-tecnológicos, ul-
do progresso da tecnologia, porque não há mais aparelhos com os quais os trapassam estruturalmente a idéia de um autor individualmente responsável.
disquetes e programas, antiquados após um curto prazo,possam ser lidos. Se Como recurso de auto-reflexão problematizadora, as imagens eletrônicas no
toda expressão que pretende ganhar ao menos um pouco de profundidade teatro "pós-épíco'ldo Wooster Group se referem diretamente à realidade da
se referea períodos para além da vida individual, então a aceleração das modas vida e/ou ao processo teatral dos atores, citando material de imagem - em
e dos campos de relação apresenta um corte marcante:em algum momento as O macaco peludo (lhe Halry Ape, de Eugene O'Nelll] , por exemplo, uma luta '
mudanças se dão tão depressa que s óexisteainda em grupos muito pequenos de boxe na qual um branco luta com um negro - como extensão cognitiva do
um campo de conhecimento prévio a que se pode recorrer. a
. , p.~!.c:?!....~ão como documento. É lógico, por isso, quê técnica de vídeo revela
Nesse sentido, a dependência das mídias ameaça também todo teatro com a tendência de ser usada para a co-presença de imagem de vídeo e de ator
a falta de linguagem que, no interesse de sua capacidade de comunicação, a vivo, funcionando de maneira bem geral como auto-rejerencialidade do teatro
estética das mídias interioriza e aplica à encenação de dramas, de modo que tecnicamente transmitida.
resulta uma dramaturgia à la carte, que quase..não p r~tende mais construir O recurso do vídeo é um Jator central -no trabalho do Wooster Group.
grandes contextos de figuras, narrações ou temas. Contudo, ao que se pode Aqui, o teatro traz à tona suas possibilidades t écnicas, divididas-em elemen-
supor, o teatro só se dá conta de uma de suas chances de configuração no jogo tos individuais. A maquinaria teatral é v isível. O funcionamento técnico
de troca entre "situação"e mídias, e não por meio da adaptação. O dispo: ltlvo da montagem é exposto abertamente: cabos, aparelhos e instrumento s não
pós-dramático ofereceuma série de possibilidades,por meio dos pr~cedimen­ são escondidos co~ p~d~~:masintegracfos'iia representação corno ~'bjetos
tos da colagem e da montagem, de tomar consciênci a de um distanciamento de cena; 0,5 atores com freqüência imitam o comportamento pouco natu-
irônico em relação ao onipresente relato de notícias e Ii íst órías, mesmo que ral de apresentadores qeJ~vê. Em Anime-se! (Brace Up!], baseado em As três
para isso ele use os procedimentos m ídi áticos. irmãs, de Tchekhov, uma ~~'~radõra-(Ka:teValk) conduz.a apresenta ção, mas
também fala textos de personagens.que não são representados poroutros ato-
Mídias como fator constitutivo res, apresenta.atores ~or exemplo, a já idosa Beatri~e Roth, que representa
a mais nova das três írmãs) e dá indicações de cena. Durante a montagem,
Ao passo que em tempos anteriores as imagensfilmadas documentavam a rea- podem começar debates s~bre a' possibilidade de pular ou não urna deter-
lidade, a típica imagem de vídeo no teatrop6s-drainático não remete em pri- minada passagem. Em suma, o que se mostra é intermediário entre ensaio e'
meira instância ao exterior do teatro, mas circula dentro dele. Szondi aponta representação, torna visível e-proáuçõo do teatro e constantemente se dirige
que em Píscator os documentos - naquela época sobretudo fotográficos e ao público, corno na televisão. .' .
cinematográficos - se encontravam a serviço de uma instância totaJizadora É característica a.útllízaçâo ab vídeo para integrar atores ausentes: "Mí-
do narrador épico, de modo' que uma imagem cênica que mostrava seu perfil chael Kirby nãop ôde estar a~ui esta .~ ciite, mas nós o mostramos Cà!UCi ima-
em um tamanho monumental pode ser um emblema pará aquela tendência gem de vídeo"; "Umaatríz.é.v élha'demaíspara participar da turnê, mas nós a
• I
épica dos anos 1920: o aumento grandioso do Eu épico,.~ue por meio do ma- mostramos em vídeo" etc. Assim, são' destacados de passagemos ilusionismos 383

" ,
I ."
do teatro, a usual e no entanto descóncertante equivalência de presença em ator como entertainer que se dirige diretamente ao público como nas ficções
vídeo e presença ao vivo. O cotidiano da percepção não é há muito tempo pro- coletivas dos concertosde rock, a visibilidade da técnicaevidenciam que aqui
vido exatamente do mesmo modo como aparece e surpreende aqui no teatro? ocorre um jogo conscientecom a "presença" - sua extensão e sua modificação
artificiais. Consiste nisto a diferença qualitativa em relação ao show: como
Mídias teatralizadas procedimentos realizados conscientemente, as mídias não se reduzem a uma
produção de efeitos eafetos, mas apontam para uma instânci~ organízadora,
Com o auxílio de câmerasvisíveis, os moviJ11el1tQ~e as falas dos atores são re- o grupo de teatro, que estabelece um diálogo virtual com a consciência do
gistrados e reproduzidos paralelamente em monitores,:-mas freqüentemente espectador, um diálogo que, apesar de todas as camadas temporais da pre-
modificados, mais lentos ou acelerados, parados, combinados com material sença e da ausência, tem lugar no espaço-tempo do teatro. Nos seus melhores
pré-filmado. Assimv.pode surgir no espectador uma incerteza sobre quais momentos, o WoosterGroupa1cança dessa maneira a ligação (e uma lndefiní-
imagens são "reâlit(prbvenientes.da apr~s~!1taç~? a que'eleestá assistindo) e bilidade) entre á provocativa frontalidade em relação ao públicoe um encerra-
quais não são. O que ocorre aqui é uma intensífic-;Çãü euma desconstrução mento não metios'provocativo, quaseautista, no aparato técnico das mídias.
do teatro em vários nivei;. Por um lado, o teatro "vivo" é posto em suspen-
são e passa a ser uma Ilusão, uinefeito,deup:1~!11~.9.tl:~l1a de efeitos. Por outro A cená italiana
lado, experimenta-se na atmosfera intensa e vital do trabalho uma tendência
inversa: a tecnologia das mídias é teatralizada. O mecânico,a reprodução e a Desde os anos 1970, a cena italiana do novo teatro demonstrou intenso inte-
reprodutibilidade se tornam material de representação e devemservir da me- resse nas modalidades do te~tr6 high-tech, Cabe mencionar, entre outros, O
lhor maneira possível à atualidade do teatro, à representação, à vida. Um caso grupo Magazzini (antes 11 Carrozzone e Magazzini Criminali); os primeiros
especial nesse contexto é o uso do mi~rofone no teatro: de um modo peculiar, trabalhos da Societas Raffaello Sanzío (Rômulo é Remo, entre outros);o grupo,
ele enfatiza ao mesmo tempo a presença autêntica e sua intromissão tecnoló- Falso Movimento, que foi muito influenciado por Pasolini e mostra já no
gica. Os microfones são manuseados como seriam por cantores d~Jo..<:~~por nome - uma homenagem- ao filme Movimento emfalso [Falsche Bewegung],
um apresentador de show ou por jornalistas em entrevistas. Se o microfone'é- "'" ,..-- de Wim Wenders, com base em Peter Handke - o interesse "lntermidíáticc';
visível, enfatizá-se O fato de que os atores não se movem no espaço da ilusão, sobretudo no cinema. De modo geral, pode-se dizer que O movimento ita-
• mas falam diretamente ao público (eledeve poder ouvir tudo muito bem), en- liano - falava-se em cipós-vanguarda': "transvanguarda" e "nova espetacula-
, quanto o som vem das caixas. Para a música pop, com seu hábito do playback, ridade" - foi influenciado de modo especialmente marcante pelo cinema e
no qual não se canta ao vivo no momento da filmagem ou mesmo no próprio produziu um intenso trabalho de pesquisa e desenvolvimento no setor do
show, eis um tema espinhoso: o que é "genuíno" na apresentação de um Can- vídeo, Nosmelhores trabalhos nessa direção, a mídla não serve apenas à gera-
tor pop se a sua atuação representa uma mistura indissolúvel de efeitos reais e ção de efeitos espetaculares, mas se conecta de tal maneira com a açãovivano
simulados? Por que a voz individual ainda deveria ter um status privilegiado palco que surgem novasmodalidadesda dramaturgia visual. Trabalha-se com
(inclusive financeiramente) e soar como se fosse "verdadeira"? Por que ela câmeras e monitores de vídeo móveis, com telas que continuamente abrem
deveria soar como se fosse ao vivo? novasjanelas para outros espaços, COm procedimentos refinados pelos'qú'ais
No teatro, esse efeito rnídiático acabou se tornando estrutural: a enfati- os atores parecem entrar e sair de espaços em vídeo, como se a materialidade
zada e consciente alternância de voz natural e voz an:~lifiçada, a posição do do corpo não importasse. O espaço não é mais subordinado ao ordenamento
da perspectiva e da separação de interior e exteríon.ele se torna um espaço dançantes multiplicados por eles, em parte despedaçados, invisíveis direta-
"virtual" ou espiritual,no qual as coordenadas temporais se tornam oscilantes mente. Eles parecem tão semelhantes nos diversos reflexos indiretos que por
junto com as espaciais. O procedimento do chroma key, com o qual imagense muito tempo - até o final, no caso de alguns espectadores - não se sabe ao
maquetes são projetadas, faz o espaço tridimensional se tornar cada vez mais .certo se o que se vê é um único corpo duplicado de algum modo pelos refle-
real.A estética do filme e do videoclipe é integrada ao palco. xos ou doisou mais corpos. Como,além disso, só sepode enxergaras imagens
Nos anos 1980 e início dos 90, Giorgio Barberio Corsettie o StudioAzzurro corporais refletidas obliquamentedos movimentos de dança que ocorrem evI-
fizeram furor com uma série de trabalhos nOS quais coreografias acrobáticas, dentemente atrás da parede, ainda há, junto com os reflexos multiplicadosdo
partes do palco e monitores móveis geravam uma superação do espaço eucli- espelho, peculiares encurtamentos, fragmentações e deformaçõesópticas, que
I
diano. Em meados dos anos 1970 Corsetti havia fundado o grupo La Gaia se combinamcom figuras luminosas sem forma, de aparência psicodélica.
Scíenza, que posteriormente dissolveu para fundar a Compagnia Theatrale Nesseespetáculo, que tira o corpo vivo da vista e ao mesmo tempo terna-
di Giorgio Barberio Corsetti. Houve um trabalho em conjunto com o Studio . -" __ tiza
._.- •...
_--._~
a visão
..
do corpo, ouve-se de alto-falantes a voz do ator Thomas 'Ihierne,
.Azzurro, que se especializou no uso de recursos audiovisuais, da fotografia ao que recita um texto do autor russoVenedikt Ierofejev, no qual se trata, ao que
filme e ao vídeo, Nó teatro midiático de Corsetti, figuras humanas parecem parece, exclusivamente de vodka e de bebedeira. Quando, ao final, os dois
passear de cabeçapara baixo, arrastar seus corpos segmentados segundo cor- dançarinos - são realmente dois, e gêmeos -:- vêm para a frente da parede
tes d~ tela por uma série de monitores expostos.já que cada monitor mostra para agradeceros aplausos, nada parece mais óbvio. No entanto, elesestavam
apenas uma parte do corpo. Os atores agem durante um tempo em sincronia ali presentes de uma maneira tão fragmentada que apergunta sobre a repre-
com sua imagemem filmemostrada paralelamente, para de repente "cairpara sentaçãose torna labiríntica. No que consistea presença? O que se oferece ao
fora do filme"; objetos, monitores e atores posicionados em longas gangorras público senão uma presença que se espaiha? Parece ser assi~, mas o que se
parecem agir contra a lei da gravidade. Em comentárioscríticos desses-traba- experimenta émuito mãTs queIsso: a presençanão é o efeitosimplesmenteda
lhos surgem com'freqüência as palavras-chave
. .
"lirismo" e "estrutura musical" percepção, mas do desejo de ver, A subtração desperta na consciência o que
(em vez de dramático-narrativa). Com o auxílio da tecnologia-têmlugar aqui na verdade a perceps,~~ do corpo "presente" já era: alucinação de um outro
novaspossibilidades da elaboração cênica de textos. Nos trabalhos de Corsetti corpo ausente, imago, guarnedâãi1amesmamedida_p.orA~sejo e rivalidade
com base em Kafka, a transposição de fronteiras entre teatro, cinema e arte e assim aberta a todas as formasde representaçãodos conflitosmortais e das
midiática abre novos tipos de reflexões cênicasda identidade. prornessãsde felicidade do Eros. Emostra-se o que a percepção do corpo
presente também é.não percepção de presença, mas consciência de presença,
Presença virtual confirmação sensorial no-fundo não necessitada nem capaz citada. É evi-
dente que tal teatro é ainda menos propício à reprodução pelo cinema ou
O teatro tambémpode gerar "espaços virtuais" com seus próprios recursos, pela televisão do que as encenaçõestradlclonaísNão por causa da beleza da '
a exemplo dos trabalhos de Helena Waldmann, que nos anos 1990 se desta- presençaviva, mas porque na imagem são niveladas ascamadas e as tensões
cou por uma série de "ordenamentos da visão" teatrais muito inventivas. Na entre presença física, imaginaria e mental nas quais tudo se baseia aqui.
I
performance Vodkn côncava -[Wodka konkav], ~ público se posiciona diante
de uma parede. Sobre ela há vários grandes espelhos com curvascôncavas.
Quando começa a representação, aparecem lá no alto, nos espelhos, corpos
\.

·,,\1
, \

Iesurun de Iesurun eles se encontram entre imagens de um tamanho descomunal,


, . \ .
que funcionam como instâncias de controle, como em Sono profundo [D eep
Uma parede como barreira para a visão tamb ém desempenhava um papel Sleep], em que grandes telas foram construídas nas duas extremidades do
central em Tudo que emerge deve convergir [EJúything that rises must con- palco comprido. Ou então ficam inteiramente separados do público em ter-
verge] (1989-90 ), de Iohn Iesurun, Uma parede.branca de um lado e preta do I1l0~ físicos, como em Calor opressivo [Blue Heat]; em que os atores represen-
,' outro dividia toda a área quadrada em que se dava a representação. O pú- tam em espaços não acessíveis ao público, atrás do palco, de modo que este
blico sentava em dois lados, um diante do o~tro; .~cima da parede divis6ria permanecevazio. Aqui o teatro parecerenegar sua especificidade, na medida
.se encontravam, para cada um dos dois lados, cinco"Ínopitores. A decoração em que se converte em uma situação completamente midiátíca, sem contato
cenográfica dos dois lados consistia simplesmente em ~ina mesa.grande e visual direto entre atores e público.Mas O reconhecimento da realidademen-
uma peque.na,ligadas coma parede, cadeifasde escrit6rio e, etil' ~a:da campo tal da percepção recíproca também é possível aqui, já que a falta do contato
de representa ção; uma -câmera.Asc ârneras filmavam seções da área da re- visual diretose contrapõeà noção de que nesse teatro tudo se eilcontravirtual-
presentação que os espectadores não pediamver põrCãüsa da parede. Assim, mente alcanç,ável: '- ..... ..
o público simultaneamente observava uma parte da representação de modo
imediato e a outra parte apenas transmitida pela . P!_~j ~erão em vídeo. O que Comuta ções
acontece então? ' . .
Os campos separados, que s ó podiam ser vistos diretamente por "sua" Hoje em dia, O teatro com mídias também pode ser compreendido como um
parte do p úblico.serevelam, nos textos dos atores falados em velocidadever- lugar de treinamento, no qual os indivíduos exercitam o modo como afir-
tigínosa, como dois acampamentos -reinos ou países. Aqui, ao que parece,há mam uma segurança, uma resistência pessoal e uma autoconsclêncla diante
um rei; ali, uma rainha. Um tradutor se perdeu e é procurado: o tema da co- de sua convivência com as estruturas tecnol6gicas e sua dependência delas.
municação e de sua dificuldade vem à tona. Mas tudo isso permanece como Um efeitocolateral desse teatro mldl ático é o fato de que os espectadores se
interpretação, fragmento, possívelinício de uma hist ória. O mais iml2.~~.~~~.e.. tornam conscientes da situação dos atoresreais (mais do que dos personagens
não é a história, mas o jogo com a percepção, que permite a experiência con- por elesrepresentados) e de certo modo também se unem a eles, os "parceiros"
creta de que a fascinação se prende à in:agem do monitor, portanto àqullo que vivos do público, contra o poder das imagens midiáticas. Trata-se do poder
n~o se vê "realmente'; ao vestígio em vídeo daquilo que se dá atrás da parede. de fascinação das imagens. O que fascina é a estética da comutaçao. Sons,evo-
O'olhar procura - não se pode deixar de notar conscientemente- as imagens. luções, movíméntos, imagens são articulados eletronicamente em conexões
D'e maneira Intencional, é preciso constantemente buscar o caminho para a que são ligadas e desligadas, de modo que em vez de corpos humanos indívl -
percepção direta, muito menos fascinante, das pessoas, cujo olhar repercute dualízadoserri'úm ambiente tecnol ógico surge um "agenciamento" (Deleuze)
nas imagens. O espectador observa sua observaçãoenquanto diante dele uma serial e muito rápido a ser codificado, uma comutação de elementos hetero-
imagem de vídeo concorre com a presença viva de um ator. gêneos (membros do corpo, som, imagem de vídeo, fala, redes de luz, câmera,
Esse modo de representação também cria para os atores uma situação microfone, monitores, máquinas...), que pode aparecer corno mimese da rea-
singular: eles falam com eles "mesmos" como Imagem de vídeo, precisam lidade totalmente eletróníca, . » : ,/

interagir com essa imagem de maneira precisa, construir um "contato" com O "teatro cinematográfico" de Jesurun é exemplar para o novo te'~~ro com
388 o parceiro, possibilitado apenas pela técnica do vídeo. Em 0l:ltros trabalhos mídias. Ele parece comprovar o que [o psic ólogo alemão Hugo] Münster-
berg designava em 1916 como "psicotécníca" Subjetividade e tecnologia se Vídeoinstalação
torfiarn inseparáveis. A pO,ssib!lidade muito próxima da "comutação" tecno-
logicamente direta de estímulos imag étí cos com o sistema nervoso central se Esse campo deve ser mencionado porque ganhou uma importância especial
tornou um dos temas preferidos do discurso midiático. Encontra-se aí uma para a "situação" dó teatro por sua posição limítrofe entre o teatro e as artes
tese essencial: "A psicot écnica conecta psicologia e técnica midiática sob o plásticas. É evidente que instalações de vídeo ou performáticas de Gary HiIl
pressuposto de que todo aparato psíquico também é técnico e vice-versa"! ou Bill VIola se aproximam de um procedimento teatral. Muitas dessas ins-
Certamente é verdade que muitos mecanismos de percepção, a começar pela talações são interativas. No início dos anos 1960, Nam Iune Paik concebeu
atenção, têm seu "correlato tecnol ógico';' e que isso só pode ser assim porque um concerto para piano que deveria ser tocado ao mesmo tempo em Nova·
é inerente aos órgãos do corpo uma certa "artíficialidade", algo de técnico. York e Xangai: em uma das cidades a mão esquerda e na outra a direit a: em\
Não obstante, resta a questão de uma diferença que some no discurso enfático T V Participação [Participation T V] I e n, de 1963 e 1966, o observador de um

das mídias. Se os gestos da interrupção reflexiva, da reflexão, do "espírito': são .monítor a coresgera todo tipo de linhas em uma imagem por meio de sua voz
considerados como algo antiquado e dispensável em relação ao registro sem [capt~dâpor microfone]." O que é em geral chamado de "interativo" é primi-
demora das informações, a perspicácia versada tecnologicamente ameaça se tivo e sobretudo de uma comicidade tocante. Adultos podem se divertir como
converter em ideologia, na apoteose do funcionamento cego. crianças ao pôr esculturas cinéticas em movimento mediante seus próprios
Àlgo diferente se.dá na reflexão estética acerca das novas tecnologias. No ruídos corporais, vozes e passos. Mas há exemplos profundos e complexos da
teatro. midiático de Iesurun, á princípio parece que se trata tão-somente de combinação de teatro e vídeo, que abrem novaspossibllidàdes-Assim, deve-se
freq üências, vibrações, conexões e ritmos temporais computadorizáveis, e pen~ar em instalações teatrais em que o contato direto inexiste, é impedido ou
não de personagens individualizados, Contudo, essa impressão engana. Esse . atrapalhado (os atores s~ encontram em um espaço inacessíveiaº~ .espectado­
teatro desperta ~ lembrança de padrões narrativos tanto tradicionais q~anto res e não podem s~r'rec~heados diretamente,mas apenas de modo~~édiado
modernos. No fundo, continuamente se faz a tentat~~a de contaralgo, Mas o - e fragmentário), ou em instalações nas quais a tecnologia midiática se presta
suposto - "drama" aparece fragmentado e filtrado porpãdrões e esquemas a urna intensificação "monstruosa" da percepção dos corpos. Em uma insta-
triviais, histórias de horror e de suspense, filmes de entretenimento, quadri- lação interativa do Studk;A~zurro· -éom' o' título-Coro,..p.esS9.as dormindo sãb
nhos e seriados de T V. Através da desagregação e do isolamento (com efeito projetadas no chão e começam a.se jnexer quando. Q visitante "pisa nel as"
de monólogo) das rápidas "máquinas de falar", uma outra experiência - tris- A videõin~tàlaçã? tamb ém se aproxima do processo teatral pelo fato de
teza, isolamento, silêncio - é dolorosamente perceptível.Nessa estética a mi- que a tem poralídadeest á inscrita nela. A diferença de uma pintura, que à
mese tem lugar na lógica das novas mídias, no sentido daquilo que Adorno noite está a salvo no museu 'e.pode sonhar com seu próximo observador, que
denomina "mimese no endurecido e petrificado" As imagens midiáticas são reconhece suas belezas duradou ras, a videoinstalação não tem nenhum "sen-
um veículo da frieza necessária à articulação estética - assimilação à frieza tido" imanente, nenhuma existência fora do momento da própria experiência
para poder se desviar dela. da visão, nenhuma manifestação para além do encontró.BmOs adormecidos
[lh e Sleepers,1992J..de Viola, dispõem-se no chão sete tonéis abertos cheios
d'água com monitores instal~dos em cada um deles, nos quais se vêem rostos
I .

4 Friedrich A. Klttler, Gramophon, Fi/m, 1)'pelVriter. Berllm, 1986, p; 238,


I
390 Ibld., p. 2 4 1, 6 Cf. Edith Decker, Paik Video. Colônia, 1988, pp. 173 e 64-65. 391
..
I
de pessoas dormindo. A observação de pessoas dormindo em uma quietude Ponto de contato'centrai da dança e das assim chamadas novas mídias é aqui tam-
como a dos mortos, atravésdaágua, converte-se para os espectadores em bém a imagem docorpo, parao qual a pele humana serve como superfície deproje-
uma busca incerta por sinais de vida (que de fato aparecem aqui e ali). Justa- çãocomo uma tela, O espaço assume com issoo papeldeumlugar noqualseencon-
mente a duplicação das barreiras entre as pessoas que vêem e as que são vis- tram as imagensque as pessoas têm umas das outras. A diferenciaçãousual entre o
tas (a imagem e a água) suscítaodesejode despertar para a vida as imagens. reale ovirtual éassiminteiramente superada; a imagempermanecelrnagern.'
Esse efeito é fortalecido pelo fato de que o espaço escuro só é iluminado pela
peculiar radiância dos monitores na água. As'ca.beças de pessoas dormindo Assim como o teatro de dançamultimidiático (Plan K, da Bélgica), a combi-
'.'
..... representam - esta é a questão ~ apenas o ponto de iJartJdapara uma experiên- nação de vídeo e dança - inclusive a "vldecdança" concebida para a repro-
cia do observador. Elas não constituem uma obra solidificada. Na verdade, o dução em vídeo - logrou se converter em uma modalidade especialmente
in~·tante .<ia visão, fator deuma estética d8·espanto, é organizado segundo con- criativa do teatro atual.
dições determinadas, criadasartíficlalmente.. Trata-se daexperiência do outro Gary Hill acredita que só a linguagem atinge o interior, enquanto a maio-
dormindo,.quieto, morto, muito perto; trata-se do'~õrpo,e portanto também ria das Imagenspassa por nós com tanta superficialidade quanto as impres-
do corpo do observador nesse momento. sões ao olharmos pela janela do carro em movimento." A linguagem não
O~ trabalhos de Violacomprovam a tese.de .qp.~ .ºstemas da situação e do. desempenha diretamente um papel em todas as suas instalações, mas sem-
ritual, que "sé impõem ao teatro pós-dramático, também são relevantes nas pré parece estar presente como problema. Assim corno BillViola, Hill pode
artes plástica; avan çadas, Quando ele fala de sua tentativa de conferir à arte ser inserido na história de uma estética do estranhamento: "Sou apenas um
uma função; uma base na vida, esclarece de imediato que isso não deve acon- perturb ador que está totalmente mergulhado em si mesmo, uma espécie de
tecer no sentido do embele zam ento ou da diversão nem mediante respostas espírito que se movímentacomo um morcego através da. floresta e do portão .
Ou teses concernentes a questões sociais. Ele se refere a "uma função da arte de uma imensa casa de hóspedes"10 A videoinstalação interativa Navios com-
num sentido originário, no sentido de um ritual. A arte pode servir para en- pridos [Tall Ships, 1992], talvezo trabalho mais conhecidodeHíll, foi descrita
sinar alguma coisa na sua vida, ou seja, para aprofund á-la" . co.mo uma espécie de "casa mal-assombrada' na qual "algo" circula: .
Mente expandida [$played Mind Out, 1998], um trabalho em conjunto ci; ·-·- ·· ·
artista de vídeo Gary Hill e da coreógrafa MegStuart, sonda as possibilidades A instalação é umespaço semelhantea uma caverna oua umsubterrâneo - muito
: do confronto de vivência ao vivo e de imagens de vídeo. As costas nuas de escuro, demodo que ao entrarpode-se facilmente esbarrar em outra pessoa que
. uma dançarina aparecem imensamente ampliadas como imagem de vídeo . 'já se encontra no espaço. A partir de umponto nãovisível, imagens de doze pes-
em uma tela no fundo do palco. Por meio da imagem, a pele se converte em soas são projetadas nasparedes, umadelas na parede aofinal do corredor, deuns
uma realidade teatral aflitiva, sendo experimentada em sua degeneração e dezoitõ"mctros decomprimento.Quando algu ém seaproxima de umaimagem e
transitoriedade. A imagem de vídeo não se reduz à informação; a superfície permanecedepé emfrente dela, deuma pessoa sentadamais atrás,por exemplo,
do corpo, movida e apertada pela mão da dançarina, torna-se uma paisagem- esta reage, levanta-se, movimenta-se em direção a quem está ali e fica por um
corpo em uma presença fisicamente irrecusável. Gerald Siegmund escreve:
8 Gerald Slegmund, in Frankfurter Allgemetne Zeitung, 28/0111998.
9 Gary HI1l, in Katalog Stede/ijk MIIseum AmsterdamlKunsthalle Wiel1, 1993, p. 162..
392 7 Bill Viola, in Kata/og Salzburger Kunsiverein, 1994, p. 135. 10 Ibíd., p. 159. 393
tempo parada encarando a pessoa de alguma·maneira. Quando essa pessoa sai Nos trabalhos de vídeo de Gary Hill, a consciência sobre o próprio modo
-QÚ fica muito tempo de p ~, a i~lagem se vira, volta para o local original e senta- de percepção é gerada por uma "díficulta ção da visão'," que provoca a ati-
se. Caso a pessoa esteja indo embora e resolva voltar, a imagem que estava se vidade intensificada da visão. Totalmente em contraposição à tendência no
retirando retoma e aproxima-senovamente paraencararquem está alipor mais fundo iconoclasta, como foi apontado, das imagens usuais Ilus órias da símu-
algum tempo." la ção," o caráter icônico mantém aqui seu direito próprio. Ao passo que a
simulação perturba o lcôníco, na medida em que conduz de modo simples e
Corno recurso a uma técnica engenhosa (imagens de vídeo são projetadas em transparente àquílo que é representado, aqui a imagem afirma sua autonomia
uma parede escura por meio de uma lente, sem moldura; uma certa impreci- como parceira de jogo do olhar. Mastrata-se de um olhar com o corpo inteiro.
são das imagens intensifica O aspecto fantasmagórico), esseespaço apresenta Na instalação, surge um palco próprio para o visitante, que experimenta COlÍl
um mundo de sombras. Logo se faz Urna associação com almas que retor- seu corpo o espaço da imagem, encontra-se no meio dele. Isso corresponde
nam do mundo dos mortos e buscam contato com os vivos. O conceítoda . "··- ~2.j á 'discutido fenômeno do espaço teatral integrado. Hans Belting afirma
obra tem afinidade com a performance, pela maneira como tudo só existe que "o setor espacial escuro" da videoinstalação se diferencia tanto da sala
por meio da participação do espectador. A princípio, o observador perde as de cinema quanto da tela de TV. Seu espaço "tamb ém é o palco para o nossa
coordenadas: não se oferece a ele nem um contraponto claramente definido - movimento no espaço, quê pode ser expresso com mais beleza pela palavra
imagem ou objeto, como na cinema ou diante•.de Uma pintura - , nem um francesa déambuler [dearnbular] do que pela palavra alemã herumgehen [cír-
espaço unificador dó encontro, como no teatro. Entre o real e o ilusório, en- cular]'.!' A temática da imagem virulenta no trabalho devídeo - a dialética
contramo-nos em uma caverna de algum modo platônica, uma senda de de..- imaginação e projeção - retoma para o observador: "Movemo-nos nesse
.,
Orfeu, um mundo de espíritos e sombras. 'tem lugar uma dissolução das espaço corporalmente, como nOS movemos no-mundo corno.eWa.ço: aí se en-
molduras, o que deixa o acontecimento (ou sua falta) Inteiramente a .é~rgo contra a superio~id~de-dê'ümiliútâlaç'âó"sobre um monitor, no qualtodas as
. "
da percepção do observador, que desencadeia o procedimento e~úma dinâ- imagens terminam no enquadramento':IS Ao mesmo tempo, por meio dessa
mica espaço-temporal. Suaação se torna um componenté'da .rebra" Ao passo "arte rnídlátíca filos ófica', a presença corporal e os nossos próprios passos se
.que as imagens imaginárias ganham corpo, os outros observadores, percebi- convertem, sob ascondl ções 'd6"qiiestíonã mento-do.atc.dever, em "metáforas.
dos nas sombras, perdem a consistência. A aproximaçãode sombras e corpos de movimentos inteiramente diferentes, quedecorrem.em nossa conscí êncla,
reais assim obtida faz dessa instalação, como um reino da transição entre os [...] O espaç'o' da i~stalação se converte em um sí~bolo daquele 'lugar das
níveis da realidade, uma metáfora do mundo de sombras real do teatro. Pois imagens' que nós mesmos somos': 16
<,
o que se destaca em tais trabalhos é a pergunta acercada identidade diante do ' ......
fato de serobservado. Servisto constitui aquele terreno da co-presença que é o
cerne do teatro. Assimcomo as enormes superfícies pictóricas de um Barnett 12 Gottfrled Boehm, "Zeitlgung. AnÍ1ahê~ungen an Gary Hill'; in Theodora Fischer (org.),
Newman, mas de outra maneira, essa videoínstalação tem o efeito de uma Gary HiI/. Arbeitam Video. Basiléia,1995, pp. 26-42, p. 26.
pergunta dirigida ao observador (espectador) sobre o que é sua presença, sua 13 Cf. idem "DieBildfrage", in Idem (org.), Was ist einBild? Munique, 1994. p. 336.
14 Hans Belting, "Gary Hill und das Alphabet der Bilder", in Vlscher (org.), op•. clt., pp. 43-70,
relação com outros, o modo de ser de sua "comunicação"
p.63.
._0.- .
15 Ibíd.,p. 64.
394 11 Ibid., p. 172. 16 Ibid.•pp. 65e 64. 395 .

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Representação e representabllídade
" - .... -... ..
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( Im~~ens eletrônicas como descarga

o teatro mídíátíco coloca a seguinte questão para O espectador: diante da op-


.~..; :,.

ção de. "absorver" algoreal ou algoimaginário,pôr que a imagem eo que mais.


o fascina? O que afinal constitui a atração mágica que conduz o olhar para a
ímagerni Uma resposta possíveleque a imagem eextraviadada vida real,que
...... _-------_._._'
.. . .- .._.. à aparênciada.imagemse prende algo de libertação que dá prazer ao olhar, A
imagemliberta o desejo das penosas "outrascircunstâncias"dos corpos reais,
elevando-os a sonhos.

Televisão, videocassete, equipamento de vídeo, vídeogames e computadores se

'----
combinam através de suas interfaces em um sistema que constitui umoutro
,

mundo fechado em si mesmo. Essé sistema ificorpora o espectador/usuário em


uma esfera espacialmente descentralizada, temporalmente indeterminada ecorno
que "sem corpos". (...] Além disso, asmídias eletrônicas não são experimentadas
como umaprojeção fechada e configurada (COrilO'O cinema], mas antes como
. /'
transferência dispersa. [...] Quem vive nesse metamundo - longe de ~~das-ás re-
ferências a um mundo "real" - sente-se a princípio descarregado dos pesos es-
pirituais e físicos. [...) Ó isolamento do Instante [...] leva a uma"presentíficação" 3.97
I
absoluta{na qual o sistema "passado/presente/futuro" não tem mais sentido ai- Em contrapartida, a presença do corpo real é sempre envolvida por um
.gum) e também altera o caráter do espaço. [...] Descorporlficação eum efeito es- sopro do desapontamento (produtivo). Segundo Hegel, ela remete à tristeza
sencial do espaço eletrônico. E~sa "presentificação" eletrônica não tem nem um que envolve as estátuas de divindades da Anti güi dade: sua presença total-
ponto de vista nem um campode visão.' mente completa e perfeita não permi te qualquer transcendência da mater íalí-
dade a um interior espiritual insuficiente. De modo semelhante, pode-se dizer
Diante desse predomínio tão sedutor dos mundos imagéticos virtuaís , como acerca do teatro que nada mais vem após o corpo. Chegamos. Não se pode
pode se sustentar um a prática que se recusa a essa "descarga"? No mo delo estar nem vir a ser mais presen te. Em toda fascinação com o corpo vivo per-
reduzido da situação teatral, de que maneira se pode fazer da nature za da manece esse "resíduo" 'apenas desejado, para o qual não ganhamos nenhum'
próp ria visão o objeto de uma percepção consciente, visão da visão? Como se acesso, algo para além do enquadramento, um pano de fundo . à olhar per-
torn a possível que a disposição do observador-sujeito, da maneira como ele manece diante da visibilidade do corpo real como o homem de Kafka "diante
se percebe nó curso da tecnologia mídiátíca, seja ela mesma observada? Urna .. . . -....da lei"; Não há nada além desse único portal e não se pod e atravessá-lo por-
resposta paradoxal é: em uma outra versão do virtu al. q~-;oôb} eto do desejo semp re está no pano de fundo, nunca per tence ao
Por esta rem apena s "ali" em meio a corpos, os corpo s teatrais não são modo de ser da prese nça. Desse modo , no teatro o corpo é significante (não
apreensíveis por nenhum vídeo. Nessa incerteza e nesse aband ono, eles con- objeto) do desejo. Já a imagem eletrônica é puro primeiro plano. Ela desperta
servam um pens amento própri o: atualizam (e apelam para a) experiência uma visão completa, voltada para O primeiro plano. Já que nenhum a meta
corporal. E armazenam futuro, pois lembram de quando o desejo não está aparece na consciência como "pano de fundo" da imagem, nenhuma falta apa-
satisfeito e não pode ser satisfeito. Aí se encontra a altern ativa às imagens ele- rece. A imagem eletrônica carece defalta, e por isso meramente cond uz até a
trônicas: arte com o processo teatral que efetivamente comporta a dimensão próxima imagem, na qual mais uma vez nada "perturba'; nad~.i~1?ede que se
virtual, a dimensão do desejo e do não-saber. "Teatro" é em primei:CJ Iíigar, aproveite a plen ítudeda Iinagern,
antropologicame nt e, um comportamento (atuar, mos trar-s e, desempen har
papéis, reunir-se, assistir como um participar virtu~i oiirealx'em segundo Representabílidade, ftestino
- ..
- . ~ .~

lugar é uma situação e só então, em última instância, representação. Imagens


midiáticas são em primeira e última instância representação. A imagem como Uma figura entra no palco. Ela. in}eressa porq~e a moldura do palco, da en-
representação cert amente nos oferece muito, sobretudo a sensação de estar a cenação, daa ção , da constelação visual da cena a expõe. O interesse peculiar
caminho de alguma outra coisa. Som os os caçadores do tesouro perdido. Na com que ela é ~bs~r\raqaçonsiste na curiosidade em relação a um esc1are-,
imagem, estamos sempre na pista de um segredo, mas em cada momento já cimento iminente (e au~ent~).· O interesse inquieto somente é ~anÚdo en-
"satisfeitos'; porque preenchidos pela imagem. O motivo disso é que a imagem quanto ao menos um resíduo dessa "pergunta" é conservado. Contudo, em
eletrônica atrai pelo vazio. O vazio não oferece nenhuma resistência. Nada sua presença a figura é ausente Dever-se-la dizer "virtual"? Ela permanece '
pod e 110 S bloquear, interromp er. A imagem eletrônica é ídolo (não simples - teatral apenas no ritmo e na medida da incerteza quemant ém o ato de per-
mente ícone), cepção em um movimento de 'busca, A dim ensão do não -saber na percepção
teatral - cada figura é um"oráculo -coristróisua virtualidade constitutiva.
Vivian Sobchak, "The Scene of the Screen'; in Hans U. Gum brecth e-Karl L. Pfeltfer (orgs.), Para o olhar teatral, ocorpo.sobreópalco se 'conv erte em uma "imagem" num
Matertalitõt der Kommunlkatlon. Frankfur t am Main, 1988, pp . 416-?-8, p.426. outro sentido da palavra -não em urna imag em eletrônic a, como a que e 399

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discutida aqui, mas em imagem 1?-9Se~tido em qiífM~~-imdahl compreende ter inesquecível de aconteclmentos que eles também deveriam ser chamados
esse termo. Em uma "suposiç ão radical': como destaca Bernhard Waldenfels, de inesquecíveis se todas as pessoas os tivessemesquecido, que corresponde à
ele postula a "possibilidade de um estabelecim ent o de reaÍidade na própria sua essência não serem esquecidos. Mesmo assim, diz Benjamin, eles seriam
visão" e fala de imagem no sentido ernpátíco, como a oportunidade pela qual objeto de uma outra recordação, que o filósofo considera como a recordação
.se dá uma visão que é conduzida ao invisível:-- de Deus. Em um sentido parecido, a representabilidade é uma dimensão es-
sencial do teatro. O que a tragédia antiga já tornava possível era o pensamento
Mas talvez a imagem também seja uma forma de r~presentação de alguma outra de que era preciso que àvida humana fosse inerente algocorno uma coerência
<;
. coísa, ouseja, o modelo deconcepção deuma realidade queescapa aqualquer apreen- inacessível.ao saber dos próprios homens, uma configuração, um contexto -
são.imediata ou definitiva,coin base na q~al eJise,modelo é interpretado como algo representável, visível apenas a partir de um ponto de vista que os homens não
de visívelrernbora .essa realidade não tenha nenhuma aparência visível," podem assumir: o ponto devista dos "deuses", Apesar da casualidade que o
. '. -"- .. .• '. - . ~

.. . _-.. homem partilha com todas as criaturase situações- não negada, ao contrário,
Na "imagem" assim compreend ida trata-se da "experiência de uma insupe- apontada de modo'ext remo - , apesar de sua imersão em chaos e tyche ["caos"
rável impotência da disposição" Essa formulação ajuda a compreender com e "fortuna"], não se deveria excluir de sua existência como criatura falante, as-
mais precisão a eliminação da representação no teatro-que providencia que à sim afÍrma o discurso da tragédia antiga, a representabilidade neste sentido: a .
visão não seja enganada pela ilusão da disponibilidade do visível que se coloca vida nunca chega a conseguir essa representação,mas na medida em que ela é
I na imagem eletr6nica. É inerente ao olhar teatral interessado a expectativa de articulada teatralmente demonstra-se sua representabJlidade. A vida não está
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-l que "um dia" eie 'en i ergue o outro. Mas esse olhar hão apreende sempre espa- "dada" em momento algum, nunca é um "dado" porqu e, falando com BenJa-
lJ....

-o
LL ços cada vez mais irreais; seu trajeto circula sobre si mesmo, aponta para den- min, corresponde à sua essência ser representada em uma outra esfera. As
tro, para o esclarecimento e a visibilidade da forma que no entanto permanece imagens da mídia, em contrapartida, não são nada á/ém de dados. No teatro,
um enigma. Por isso, tal olhar é acompanhado pelo sentimento da falta, não da o ator é a perturbação da imagem. Imagens eletrônicas, por sua vez, evocam
fi
if) satisfação. A esperança não se satisfaz porque a plenitude insiste na pergunta" ,_ a imagem do preenchimento, do fantasma, do "contato imediato" com o que
na curiosidade, na expectativa; na ausência, na lembrança,'não na realidade -..._... . é desejado. No teatro, o que é percebido não está dado, mas apenas dá, chega,
"presente" do objeto. A forma teatral tem uma realidade apenas da chegada, não remetido à réplica de coro e público em um "circuito incandescente" (Heiner
di presença. Levando em conta a meta virtual - .íl "representação" (na) da ple- Müller), no qual os significantes sempre são apenas utilizados e tudo se en-
nitude - , denominamos esse modo de ser da forma teatral representabilidade. carrega de ir além deles: elesvão daquilo que é representado para o ator, deste
Mas as imagens eletrônicas, que superam o vazio,satisfazem o desejo, renegam para os espectadores e daí de volta para o ator. A representabilidade é inerente
o limite, são nesse sentido a realização da representação. a esse pr'~~-esso temporal e permanece em tensão inconciliável com todas as
O ensaio de Walter Benjamin sobre a tradução define "traduzibilidade" representações que pretendem se sustentar e que ela atravessa.
como a lneludível determina ção de certos textos, que também valeria caso es- Pode causar estranheza o fato de que nesse ponto está em jogo aquele
ses escritos nunc a fossem traduzidos. No mesmo texto, afirma-se sobre o cará- truque teatral que talvez seja o mais antigo, ao qual se dá o nome de destino.
Mas de fato parece propícia ao teatro a fórmula segundo a qual desti~.9é--aírta
outra palavrapara a representabilidàde. A imagem eletr6nica, compreendida
2 Bernhard Waldenfe1s, Sinneschwellen. Studien zur Phnnomenotogie des Fremden 3. Frank-
como o campo da representa ção, não é senão a cont ínua reiteração da falta 401
400 furt arn Main, 1999, p. 139.
de destino.A representabílídade, como experiência ao mesmo tempo estética formadona figura apenas esboçadade possibilidade indefinida, abandonando
e ética, é manifestação do destino, tema príncípal do teatro trágico. Mas se assim o campo da concepção e transformando toda forma percebida no indí-
o teatro dramático seguiu '0 padrão do destino antigo nos moldes de uma cio de algo desaparecido, O "teatro" converte a mais simples representação da
narração, do desenrolar de uma.fábula, no teatro pós-dramático chega-se a morte em virtualidade inimaginável. Em contrapartida, a imagem eletrônica
uma articulação que não se baseia na trama, mas na manifestação do corpo: permite e consegue que se veja mesmo o impossível. Nenhuma cavidade de
o destino fala aqui a partir dos gestos, não a partir do mythos. -_o uma outra realidade; apenas o real. É possível que há muito tempo nos encon-
Aristóteles exigia - e seguindo ele quase toda a teoria do teatro - que a tremos no caminho para as imagens; diante dos olhos nada além de variações
tragédia fosse um todo, tendo começo, meio e fim. Evidentemente essa era da falta de destino db objeto de desejo, comunicação virtual. Não se sabe, pois
uma concepção paradoxal, pois na realidade, e também na realidade narrada, mesmo esse destino não aparece emnenhuma representação possível, más
não há nenhum começo,nada que, segundo Aristóteles, não tenha quaisquer apenas terá sido. Heiner Müller: "Assim como está não {l'.
pressupostos, e também não há nenhum fim, nada que não tenha conseqü ên-
cia alguma. Contudo, o que Aristóteles expressa em sua formulação apenas
aparentemente óbvia não é nada menos do que a fórmula abstrata para a lei
de toda representação. O todo com começo,meio e fim é a moldura. Mas é em
vão que cada representação precisa afirmar esse.enquadramento, O de~tino
(ou representabílídade) o transcende no mesmo sentido em que a vida hu-
mana transcende a vida biológicapor meio da plenitude, do aprofundamento
"

e da diversificação das imagens dessa vida. Portanto, a representabilídade.I él


de movimento da realidade teatral, não se opõe de modo algum à noção de
que só se pode tratar da realidade humana sob a condição de qu~ ela perma-
neça não-representavel. '. -. . / .
A imagem midiática possui representabilidade como matem~ticidade a "

princípio ilimitada. Não se coloca aqui à questão sobre uma representabilí- ...:
' -

dade constitutiva, que permaneça sempre virtual. O meio se restringe a um


circuito de disposições matemáticas, dados e pressupostos reunidos. A repre-
sentação é aqui a transferência para informação. Em A condição pós-moderna,
Lyotard afirmou que, sob as condições das tecnologias de comunicação gene-
ralizadas. tudo aquilo que não pode assumir a forma da informação é excluído
do conhecimento da sociedade. Esse destino poderia caber ao teatro, uma vez
,,
que "teatro" no sentido enfático e de tipo ideal, tal como é discutido aqui, de
fato transmuta justamenteao inverso toda informação em alguma outra coisa,
em virtualidade. Converte. até mesmo a representação em manifestação da
. 40 ~
402 representabilidade, O que o espectador realmente vê diante dele já está trans-

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Teatro pés-dramátlco e política

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( A Investigação do teatro pós-dramático não tinha por objetivo empreender


uma derivação das novas configurações teatrais a partir das relações sociais.
Essas derivações costumam ser por demais redutoras quando.se lida com
unia matéria queremonta a Ur:h~Úonga história - e aindà ni~is quando se trata
do presente, em que as amplas análises da situação mundial se mostram ex-
tremamentepretensiosas e contraditórias. No entanto,em uma realidadeque
--------- .. _.•... ~_ ..
seeil~ontra tão saturada de conflitos sociais e políticos, guerras civis, miséria,
opressão e Injustiça social, parece oportuno propor aqui algumas considera-
ções bastante gerais sobre 6 modo como se pode pensar a relação do teatro
pós-dramático com o âmbito político.
São políticas as questões que concernemao poder social. Questõesde po-
der foram por muito tempo concebidas 110 domínio do direito, 'com seus fenó-
menos-limite:revolução, anarquia, guêrra, estado de exceção, Uma vez que a
sociedade (apesar das manifestas tendências de juridicização de todos os cam-
°
pos da vida) cadavez mais organiza "poder" como mlerofíslcâ, como uma
rede em que mesmo a elite política dirigente quase não tem mais poder real
sobre os processos polítlco-econôrnícos - para 'não falar das personalidades"
individuais -, o conflito político tende a escapar aapreensão imediafá [Ans-
chauung] e arepresentação cênica. Quase não mais se encontram p.arta-vozes 407
de pos i~ôes de direito como adversários políticos. Nessas circunstâncias, a Company ainda podiam esperar um efeito político com a illistura de teatro
única coisa que ganha algo como uma apreensibilidade direta é a interrupção documentário, ritual e happening em USj1 o mesmo vale para os trabalhos
dos comportamentos normatizados, jurídicos, políticos, portanto o não-polí- teatrais coletivos de David Hare ou Howard Brenton nos anos 1970. Mas de
° °
tico: o terror, a anarquia, o delírio, desespero, riso, a revolta, o associai - e um modo geral já passou o tempo do teatro como um lugar em que confli-
inserida aí, de modo latente, a negação fanática ou fundament alista de crité- tos de valores sociais fundamentais eram exibidos e tematizados. Quando jo-
rios racionais, universais é imanentes para a ação em geral. É porém na ima- vens autores ingleses como Mark Ravenhill (Comprar e trepar [Shopping and
nência desses critérios que se baseia, desde Maqulavel, a separação moderna Pucking, 1996]) escrevem novas peças mais políticas, com recurso à descrição
do âmbito político como campo de argumentação autônomo. realista do meio, quando Jo Fabian faz um teatro de dança mais político (Ufs-
que & bandeiras (Whisky & Flags, 1994]), quando artist as discutem em tra-
De manifestos balhos teatrais de alto nível a história judia-alemã recente (Andrea Morein),
.. . . ....• olhando-se mais de perto isso não muda nada no quadro geral. Nos melhores
Caso se considere o teatro como urna prática pública, com um efeitopúblico, -" ~~~Õ""~;-támbém aqui os temas políticos são sobrepostos por dolorosas sonda-
é inegávela noção de que quase todas as funções designadas como "políticas" gens da própria alma-.
desapareceram.Ele não é mais, como na Antigüidade, centro de uma pólis, lu- A "eficácia", o efeito político real - um critério pelo qual o teatro com pre-
gar de sua autocompreensão; o teatro, que se tornou assunto de urna minoria, tensão política tem de ser medido corno ação política -, está em questão em
também já não pode ser um "teatro nacional': que fortaleceria uma "identi- todas as formas do teatro diretamente político. Pode-se mesmo questionar se
dade" cultural e histórica. O teatro com o objetivo de propaganda específica convicções políticas foram significativamente formadas ou alteradas no flores-
ou auto-afirmação política de cJasse (como nos anos 1920) está ultrapassado cimentodo agitprop e da revisãopolítica, das peças didáticas'.e.d? teatro de tese
sociológica e politicamente; o teatro corno veículo de esclareclmento-sobre durante a Repúbifca ifeWeimaiNa'maiorparte das vezes,o teatro político não
abusos da sociedade dificilmente se sustenta em face das mídias e da im- passava de um ritual de confirmaçãopara aqueles que já estavam convencidos.
prensa, mais rápidas e mais atualizadas. Na maioria 'd as"vezeSí'ú~a peça que Hoje em dia; numaépoca em que o discurso político ocupa todos os âmbitos,
foi escrita e publicada para depois ser encenada só chega ao palco quando os não é diferente ~,pei~-h1enõs 'nos -países da Europa ~entral. É difícil avaliar
temas públicos já mudaram. É uma exceção quando o teatro desempenha o a partir daqui como funcionam politicamente, em contextos inteiramente di-
papel de uma instância social de crítica, de um palanque para uma relação di- ferentes. o Grupo de Teatro Ma~un~í~~ do Br~~ii, o 'Market Theatrede [oa-
ferente com o âmbito público. A liberalização nos países orientais tamb ém ti- nesburgo ~ muito~eat!os latino-americanos, africanos ou asIáticos. Parece ser
rou dele grande parte do seu público, que só diante da çensura da imprensa e certo apenas que na Európa.central essasformas quase não têm ~enhuma base
da televisãohavia valorizado o teatro como urna outra esferapública. Mesmo de efeito, embora em alguns casos fascinem o público por seu humor e.sua
o teatro como lugar em que se luta pelos interesses da minoria se torna ob- vitalidade (cornoa encenação parisiense da peça Woza Albertl por Peter Brook,
soleto quando cada minoria encontra seus temas abordados em publicações com atores do Market Theatre),
especiaisa cada semana. Nó teatro alemão há urna-certa tradição do "jornalismo" político teatral
. Por certo, há casos em que o teatro, como um meio de reunião pública, que pode continuar a se"confirmar corno tal. POdeI11 servir de 'exemplo as
! . .
ainda pode veicular urna percepção aguçada acerca da injustiça, deman-
. ', I
40 8 dando tolerância e compreensão, Em 1,966, Peter Brook e ~ Roya!Shakespeare Sobreo titulo dessa encenação, ver a nota 21 na p. 168.

'0 \1
""""
sessões de teatro de dança de Iohann Kresnik sODi':ep~;sonalidades políti- uma cultura dominante. Subsiste na comunicação intercultural uma arnbigüí- _
cas conhecidas (tais como Rosa Luxemburgo, Prida 'Kahlo, Ulrlke Meinhof dade latente na medida em que as formas de expressão cultural ainda sejam
e Ernst Jünger). Trata-se de manifestos politicos da:lçados, te-atro de dança ca- formas de uma cultura politicamente dominante ou oprímldaentre as quais
racteristicamente visual-com tese.-Corno essesmanifestospor vezes tendem a não se dá simplesmente "comunicação".
um moralismo fácil, certamente pode-se contestârseu valor político (o valor Em vez de perseguir a miragem de uma "nova síntese comunicativa trans-
artístico não está em discussão aqui), mas o teatro de manifesto franco e reso- cultural por meio da performance", parece mais honesto meramente cons-
- "-
luto representa uma legítima possibilidade de provocaçãopolítica quando ar- tatar, com Andrzej Wírth, a utilização dos mais diversos modelos e emble-
_gumenta com recursos teatrais. Os documentos coreográficos sem frivolidade mas culturais através da paisagem teatral internacional, mas sem esperar da
de Kresnik costumam suscitarintensas po lêmicas, e nessesentido funcionam interculturalidade um novo lugar teatral que faça as vezes da esfera pública
"politicamente'; No eIH~_nto, esse teatro de intenção política tamb ém se encon- política. Para usar os termosde Wirth, aqui setrata mais de "íconofilía" do
tra diante do problema que AdornOidentificava nas peçasde -Rolf Hochhuth: que de "Interculturalídade'" Como confirmação involuntária do nosso ceti-
uma fixação em nomes próprio s, em personalidades conhecidas, falsifica a cismo quantoà-idéiado teatro intercultural pode-se mencionar um ensaio do
realidade propriamente política que se mostra em estruturas, complexos de próprio Pavis, que em duas das três encenações ali analisadas - Rei Lear de
poder e normas de comportarnento.ríão nos expoentes-dapolítíca, De todo RobertWilson (Frankfurt, 1990), A Tempestade de Peter Brcok (Paris, 1.990)
modo, parece se confirmar a avaliação geral de que as possibilidades autênti- e Médida pormedida de Peter Zadek (Paris, 1991) - não pôde constatar uma
cas do teatro cons,istem em um recurso muito mais indireto a temas polí ticos. efetiva comunicação intercultural, sendo que seus argumentos para justificar
a avaliação positiva da encenação intercultural de A Temp estade de Brook
Teatro intercultural também não são muito convincentes.'
O conceitode "lnterculturalldade" deveria despertar mais a dúvida política
Alguns vêem a dimensão política do teatro em uma vocação "intercultural" do que geralmente é o caso. Ele é preferível ao conceito ainda mais questío -
Essa possibilidade não será aqui refutad a por completo - mas defensores.L; - - - . _ •• -
, o
nável de "multículturalísmo" que privilegia mais o isolamento recíproco e a
da dinâmica intercultural corno Patríce Pavís, Richard Schechner e mesmo auto-afirmação agressiva de identidades culturais de grupos do que O ideal
Peter Brook não foram veementemente criticados por autores indianos por urbano de influ ência mútua, mas também se colocam questões aqui. Não se
escamotearem nas atividades interculturais uma apropriação desrespeitosa e encontram de modo algum "culturas" como tais, mas artistas concretos, for-
superficial ou até uma exploração imperialista da cultura do outro!' O célebre mas de arte, trabalhos teatrais. E a troca Interartlstlca absolutamente não-se
Mahabharata de Brook - assim como um outro conceituado exemplo do tea- dá no sentido de uma representação cultural: Wole Soyinkanão elabora como
tro intercultural, O gospel em Colono [7he Gospel ai Colonus], de Lee Breuer, representante da cultura africana um texto de Brecht como representante da
que combinava a tradição teatral greco-européia com tradições afro-ameri-
canas e cristãs - recebeu não só assentimentos, mas também duras criticas Andrze] Wirth,"lnterkulturalitãt und Ikonophlllaim neuenTheater',in Slgrld Bauschinger
e Susan Cocalls (orgs.), Vom Wortzum B/ld. Das neueTheater in Deutschland undden USA.
como um exemplo de tratamento patriarcal de urna cultura oprimida por
Berna. 1992, pp, 233-43. •
4' Patrice Pavls, "Wilson, Brook, Zadek: Ein Interkulturelles Zusamentreffen] ", I!\ Erik~-Fls­
2 Cf. [por exemplo] GautamDasgupta, "The Mahabharata: Peter Brooks'Orientalism.... Per- cher-Líchte e Harald Xander (orgs.), Welttheater. Nationaltheater. Lokaltheater? Burop ãis-
o formingArts[ournal, v. la, n, 3, 1987. pp. 9-16. ches Theater amEnde des 2 0. lohrhunderts, Tübíngen, 1993, pp. 179-201. 411
cultura européia.' Sem levar em conta a questão do que seja "a" cultura afri- Encontra-se um outro exemplo em Pronteirama [Borderalrm), trabalho
camí (ou européia, ou alemã), o ~ue vale é o fato de que a maioria dos artistas teatral de Guíllerrno Gómez-Peüa e Roberto Sinfuentes de 1995· A partir de
se posiciona a cada momento com urna certa estranheza também etn relação à sua experiência da zona de fronteira entre os Estados Unidos e o México,
sUa "própria"cu ltura, tendo nela uma atitude dissidente, desviante, marginal. os artistas desenvolveram um estilo teatral próprio a fim de dar expressão à
Um bom exemplo de teatro intercultural, com suas possibilidades e seus experiência "Intercultural" de opressão e marginalização, combinando mú-
problemas, é dado por um trabalho com um título deveras barroco,.Oscon - sica, televisão, rádio, cinema e literatura. Migrações, tentativas de transpor a
testadores aborlgenes confrontam a proclamação da República Australiana fronteira, criminalidade, racismo e xenofobia são traduzidos em uma forma
em 26 dejaneiro de 2001 com a produção teatral A missão, de Heiner Müller, teatral que entremeia - com desenvoltura surpreendei1te - talk show, esporte,
apresentado etn Weimar em 1996. O projeto foi montado pela primeira vez paródia cinematográfica, manifestação de rua, atmosfera de casa noturna:e
em Sydney. Após difíceis preparativos, que duraram muitos anos, a idéia do pop agressivo. Uma performance anterior [de Gômez-Peüa e Coco Fusco),
germanista Gerhard Físcher, que leciona na Austrália, foi por fim realizada: Dois ameríndios não descobertos visitam a Espanha [Two Undtscovered Ame-
montar um texto do autor aborígene Mudrooroo [7he Aboriginal Protesters ;i~di;ns Visit Spain, 1992], obteve reconhecimento ínternacional.'
Confront the Deci áration of the Australian Republic with the Production of
The Commission by Heiner Müller], escrito por iniciativa de Fischer, que A representação, a medida e a transgressão
mostra como a intenção de um grupo de atores.dos aborígenes de encenar
A missão [Der Auftrag], um dos textos mais importantes de Müller, com obje- Em face da dificuldade de desenvolver formas adequadas, 4~ teatro político,
tivos políticos levou a conflitos ainda mais intensos. A consciência política há um retorno t anto disseminado quanto questionável a uma falaciosa moral
dos atores e a visão profundamente cética do autor europeu - que no entanto imediata, supostamente desvinculada das ambigüidades di:> mundo político.
sempre manifestousua simpatia política pelo "TerceiroMundo" - se mostram Isso favorece avoliadãldéía do espetáculo teatral con~iderâd6' como "ins-
muito afastadas entre si.A peça de Müller, que tem por subtítulo ,"~ec~rdação tituição moral" - que no entanto sempre padecerá com o fato de não poder
de uma revolução': gira em torno da história de três ~mrssátios' da França re- acreditar em símesrna. Por outro lado, o teatro pode desconstruir o espaço
volucionária na Jamaica, que são incumbidos de ali atiçar a revolta dos autóc- do discurso político~m' recursos ·artísticos,.~x.P9:.sua concepção autoritária
tones contra à dominação colonial. A peça termina com a traição e o fracasso latente, na medida em que esse discurso estabelece tes-e,:o piniâp, ordena-
da revolução, lhas levanta a questão da permanente opressão de raças e clas- mento,'lei,tàtalidade orgânica do corpo político. Issose dá por meloda des-
ses de maneira implacável. A encenação de Noel Tovey em Sydneyse tornou montagem das ~~i'teZ(.as discursivas do âmbito político, do desrnascaramento
um acontecimento político-teatral justamente pela demonstração da distân- da retórica, da abertura'de"um medo de representação a-tético. Sea dimensão
cia quase intransponívelentre autor e realizadoresteatrais. A peça de Mudroo- política do teatro não deve ser totalmente excluída, é preciso constatar antes
roo mostra como o grupo de teatro acaba por se decidir majoritariamente de tudo que a questão .do teatro-político se transforma radicalmente sob as
contra a representação do texto de Müller (que no entanto é apresentado pra- condições da sociedade da Inforrna ção.Jvlostrar indivjduos politicamente
ticamente na íntegra no decorrer dos ensaios mostrados na peça), oprimidos no palco não torna O teatro polftico. E se o mundo político e seus
aspectos sensacionais servem como meros efeitos de divertimento, então o

Ver Alain Patrice Nganang, Interku/turalitiit und Bearoeltung: Untersuchung zu Soyinka ulld
412 Brechi. Munique. 1998. 6 Ver Erika Plscher-Líchte, 7he Sho;p and tl16 Gaze of7heatre. Iowa, 1997, pp. 22) ss,

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teatro talvez seja político - mas unicamente-no mau sentido do estabeleci- são pertinentes no horizonte aparentemente ilimitado do capitalismo multi- ,
mento (no mínimo inconsciente) das relações. nacional" Desse modo, não mais poderia haver' nenhuma política artística
Não é pela tematização direta do politicoque o't~a,tro se torna político, mas "transgressiva", mas apenas "resistente", Sem levar em conta qu~ a diferença
pelo teor implícito de seu modo de representação. (Aliás, isso implica não só talvez fosse reduzida em uma análise mais atenta do que termos "transgres-
determinadas formas, mas também um modod êtraba lhar específico. Mal se sivo" e "resistente" sígníficam na discussão americana, cabe aqui contra-argu-
falou disso neste estudo, mas mereceria uma investigação à parte saber ern que mentar que o fator transgressívo ainda é essencial para a compreensão de
medida O teor político do teatro também pode estar(tih<!amentadà no modo toda arte, não só da arte política; A arte privilegiaacima de tudo, mesmo na
cornoele é feito.) O teatro,não como tese, mas como prátici,' representa exem- "criação coletiva'; o individual, aquilo que permanece Imponderável mesmo
, plarrnente uma ligação de_elementos he_ter9gêJ}.~.9~ que simboliza-ir utopia de em relação à melhor lei, em cujo âmbito se pretende calcular até o imprevisí-
uma "outra'vida": tra!:!.~!ho espiritual, artístico e corporal, atividadeindividual vel. Na arte fala sempre o Fat;'ér'de Bre:ht:
e coletiva são aqui conciiiad~s. 'ÃssTiri;e le pode- afirmar- -tttlJ~~rática de resis-
t ênciaj á pelo fato de dissolver a coisificação de ações e trab~lhos~niprociutos, . / " --"-
Mas vocês contam a"fração
objetos e informações. Na medida em que o teatro impõe seu caráter de acon- Doque'e resta a fazer e à põem na conta.
tecimento, manifesta a alma do produto morto, o trabalho-artístico vivo,para o iytá; não faço isso! Contem!
qual tudo permanece-Imprevisível e está para ser inventado. Portanto, o teatro , 'Contem com osdezcentavos de perseverança de Fatzer
é virtualmente político segundo a concepçãode sua prática. Ea queda diária deFatzer!
Iulia Kristeva destaca que o elemento político é aquilo que dá a medida. Avaliem meti abismo,
O elemento político está sob a lei da lei, e não pode senão impor um ordena- Ponham cinco no imprevisto,
menta, uma regra, um pod er que vale para todos, urna medida geral.' A lei Conservemdetudo o que há emmim
sociossimbólica é a medida geral e o âmbito político é o campo de sua con- Apenas o que é útllpara vocês.
firmação, seu fortalecimento, sua garantia, sua adaptação ao curso mutável; '_ _. .O resto é Fatzer."
das coisas, Por isso, há um abismo insuperável entre o âmbito político, que dá
a regra, e a arte, que é sempre, digamos simplesmente, exceção - é exceção a o próprio teatro não teria surgido sem o ato híbrido pelo qual um indivíduo
toda regra, afirmação do que não pode ser regrado até mesmo na própria re- se desgarra do coletivo e aspira ao desconhecido,a uma possibilidade Inima-
gra. Como atitude estética, o teatro é impensável sem o fator da transgressão ginável, sem a coragem para uma transgressão dos limites, de todos oslimites
do prescrito. Opõe-se a isso um argumento onipresente na discussão norte- do coletiYº-,J~.ão haveria teatro algum sem autodramatização, sem exagero,
americana, segundo o qual- sob o diagnóstico de que haveria um "desrnoro- sem hipercaracterização, sem a exigência de atenção para esse corpo singular,
namento da velha oposição estrutural entre o cultural e o econômico com os sua voz, seu movimento, sua presença e aquilo que-ele tem a dizer. É certo
processos simultâneos de mercantilização do primeiro e de simbolização do que na origem da prática social do teatro também se encontra a auto-ence-
segundo" - uma "política vanguardista da transgressão" se torna impossível nação intencional e racional dos xamãs, che~es e príncipes, que manifes~!11
na medida em que os limites culturais que ela poderia transgredir "não mais
Hal Poster, Recordings: Art, Spectade, Cultural Po/ltlcs. Seattle, 1995, p. 145·
7 JuBa Kristeva, "Polltiquede la llttérature" in Polylogue. Paris. 1977,pp:J.3-21.- -' 9 Bertold Brecht, In Werke, v. 10. Berlim/Weimar/Frankfurt am Maln, 1993, p. 495·
sua posição especial na coletividade por meio de um gestual e de um vestuá- Embora os fazedores políticos raramente saibam o que instituem, acomo-
rio-eiágerados - o teatro c~mo .efeito de poder. Ao mesmo tempo, porém, o dam-se em uma certeza de que em todo caso instituem algo, uma certeza de
teatro é uma prática em e com um material de significação que não cria orde- que aquilo que fazem é de todo modo um fazer. Mesmo não sabendo o que
namentos de poder, mas introduz a novidade e o caosna percepçãoordenada essas ações slgnificam, alimentam a ilusão de que se trata de algo "significa-
e ordenadora. O teatro pode ser político como abertura do procedimento tivo". Não é assim com o teatro, que sequer produz um objeto, que é enganoso
logocêntrico, no qual predomina a identificação - abertura em favor- de uma como ação, que ilude mesmo ao subverter a ilusão e mesmo então s ó é "real"
prática que não teme a suspensão da função de designação. de uma maneira ambígua, quando se aproxima do real em sua fuga da falsa
aparência. O teatro impõe a toda representação a dúvida sobre o fato de algo
Arte ad-forrn áticat ter sido representadoou não; a cada ato a incerteza quanto ao fato de se tratar
ou não de um ato; a cada tese, cada posição, cada obra, cada sentido uma.in-
Neste ponto abre-se a possibilidade de propor uma reflexão ligada à filosofia determinação eum potencial cancelamento. ' O teatro talvez não possa saber
da linguagem e ao mesmo tempo política, considerando-se a questão do tea- s;aciZalgo, se produz algum efeitoe se significa alguma coisa. Por isso - sem
tro políticosob uma outra óptica. Quando se vê o elemento políticodo teatro levar em conta o lucrativo e ridículo entretenimento de massa do musical-,
.como força de oposição, corno contraposição e ação - ela mesmo política _, ele faz cada vez menos e produz cada vez menos significado, pois na proxi-
em vez de reconhecê-lo corno uma não-ação e como interrupção da lei, o que midade do ponto zero (na imobilidade, no silêncio dos olhares) algo talvez
ele de fato é, há um movimento em falso no esquema. Se o ato de lidar com possa acontecer: um agora. Performativo indefinido, arte.ad-form átíca.
. signos lingüísticos foi determinado pela teoria dos atos de fala COmo perfor- Quando -se trata da diferenciação evidente (impossível) de teatro e per-
mativo, o teatro não é um ato 'p erform atívo no sentido pleno da palavra. EI~ formance, constantemente vem à tona o pensamento de tima oposição entre
apenas age comose fosse. O teatro nunca é tese. mas forma de articulação a performance cOmo-uma ação "real"e teatro como o ca;npo' da ficção, das
que escapa ao tético e ao ativo em geral, Seria possível tomar emprestado o ações "comose': campo no qual se entende alguma coisae os limites são cla-
conceito de "ad-formatívo" [Afformativ], elaborado num'üi.ifrô'contexto,1O e ros. Alguns chegam mesmo a afirmar que a performance estaria no mesmo
designar o teatro como arte "ad-formátrca" [afformance art] a fim de sugerir nível do ato terrpriti;>fAmoos·têm..lugar no teI1fp~ real, histórico; os perfor-
essecaráter de certo modo nâo-performatlvopr óximo à performance." mets agem como elesmesmos e ao mesmo tempo assumem um valor slmb ó-
licO etc. Àinda que aceitemos ~lg~mas revelad6~as 's emelhanças estruturais
entre te;rorism'O-e-..performance, permanece determinante esta diferença:
lO Werner Hamacher, 'Afformatlv, Streík';in Chrlstiaan Hart Nibbrig (org.), Was heisst "Dars-
a performance não ~(;oqe como meio para um outro objetivo (político), e
te/len"? Frankfurt am Maín, 1994. pp.340-71. nesse sentido ela é justamente "ad-formatíva" ou seja, não é simplesmente
11 Os neologismos Afformativ e afformance (respectivamente em alemãoe em inglês) são for- . .. na ação terrorista trata-se de .um ób-
um ato performativo: em contrapartida,
mados com o prefixo de origemlatina "ad-" com acepção de "em direçãoa, próximo a" jetivo político ou de alguin outro tipo (s'eja qual for-o [nlgamento a seu res-
(comosublinhao autor). que nessaslínguas se torna"af-" antesde palavras latinas iniciadas .
peito). O ato terrorista éirítencíonal, é performance, um ato e uma intenção
por "f" (nã
n o se t rata portanto do prefixo de origem grega "a-'; com acepção de "privação,
negação"). Assim. o temvx afformance art, gerado a partlr de performanceart. (corrente-
no campo' da lógicade ;neios e fim.
mente traduzido como "arte"performãtlca"), teria como uni possível correspondente em _. . ..
L-
.
. '
416 português a forma"arte ad-formátlca" [N.!!.] 12 Arthur J. Sabbatiní, "Terrorísrn, Perform': High Performance, v.9, n, 2, pp. 29-33.
-.
\ ,
Drama e sociedade um ~lhar,de toda uma situação. Com isso, ele também dá uma possível res-
i, posta ao fastio da torrente cotidiana de fórmulas artificiais de intensificação.
Embora a questão do caráter político do estético' diga respeito'às artes em To~nou-se insuportávela dramatizaçãoinflacioriáriadesensações diárias que
geral e a todas as formas teatrais, impõem-se entre'a estética pós-dramática embota os sentidos.Nã~ se trata de realçar, mas de aprofundar um dado,uma
e u~la possível dimensão política do teatro relações que repercutem já nas situação. Em termos políticos: trata-se ao mesmo tempo do destino dos erros
indagações em torno disso. Há teatro político sem narração ou sem fábula da imaginação dramãtíca,
no sentido brechtiano? O que seria teatro pol ítico após"e sem Brecht? Para Há décadas, o ensaio de Althusser sobre Bertolazzi e Brecht evidenciou ,
representar o âmbito político, o teatro depende da fábul~como veículo de como um teatro político pode ser compreendido: de tal maneira que a fan-
,representação do mundo (como muitos acreditam)? Se o trabalho artístico tasmagoria 'dramática do sujeito se quebrava contra o muro im6vel de um
do teatro faz parte daqueles "modos de prcduzír 6 mundo" ["ways of world- "outro" tempo do social. o que é vivenciado e/ou estilizado como "drama" não
making"] (Nelson Goo-dmãn)que-'ainda trazemconsígop potencial da re- passa da enganosaatribuiçãode perspectivaa acontecimentos como ações. O
flexão, poderia parecer um. paradoxo que O teatro deixasse sem combate um aconteclmentoé interpretado como um fazer: essaé a fórmula de Nietzsche
ponto forte, consagrado pela tradição: o drama. Formas e gêneros sempre para a mitíficação. Essafórmula também caracteriza a percepção da realidade
oferecem po~si_bilidades de compreensão sobre a experiênciacoletiva, não só do indivíduo em sua ilusão natural, sua ideologia "eterna" de unia percepção
sobre a particular - fqrmas artísticas são padrões coagulados de experiências espontaneamente antropomorfizadora. Quase s6 a existência de terroristas e '
coletivas. Como é possível funcionar um theatrum mundi sem as possibili- a sensação das experiências individuais em revoluções políticas continuam a
dades de ficcíonalí zação dramática,sem a riqueza ligada a ela de jogo entre criar a necessidade de uma certa plausibilidade da articulação da realidade
dramatis petsonae fictícios, mas de algum modo percebidos corno quase reais, como.drama, na maior parte-dasvezes como melodrama, enfatizando assim
e atores reais? os mínimos espaços de atuação restantes para as formas de ação do homem
De fato, poder-se-ia temer que a dissolução do c ânone das formas levasse individual. A experiência da cisao, vista por Althusser como cerne do teatro
necessariamente ao despovoamento de grandes domínios da Interrogação.soz,... político, atinge assim o nervo da política como tema do teatro. No caso de
bre a experiência humana, Mas o panorama do teatro pós-dramático mostra Brecht, Althusser mostrou comoo teatro épicose apropriadaalteridade de dois
que a preocupação é infundada, que o novo dá vida de modo mais acertado tempos: de um lado, o tempo não-dialético e massivo dó processo histórico e
à essência e às possibilidades específicas do teatro. Na medida em que no social, impalpável e inapreensívelpara o indivíduo; de outro, a trama temporal
teatro mais recente não é representada uma figura fictícia (em sua eternidade da vivência subjetiva - o melodrama. Nessesentido,ainda hoje parecepossível
imaginária, Hamlet), mas é exposto o corpo do ator em sua temporalidade, rea- a política d~ um teatro que propicieaos espectadores a experiência dasilusões
parecem, certamente de uma maneira nova, os temas da mais antiga tradição do' sujeito e ~ realidade heterogênea dos processos sociais como relação de
teatral: enigma, morte, decadência, despedida, velhice, culpa, sacrifício, tra- uma falta de relação, como discrepância e "alterídade"
gicidade ~ Eros. No tempo real do palco, a morte pode aparecer como uma Para dizer a verdade, quase todas as formas parecem mais adequadas do
saída de cena: não como uma tragédia fictícia, mas como um gesto cênico que a ação l ógico-causal, com a sua atribUiç,ão de proveniência dos acont:ci-
"pensado como morte", Contudo, o gesto mais simples conserva todo o peso mentos às decisões dos individuas, Drama e sociedade não combínamMas
da fundamental experiência "cotidiana" da despedida, Õ teatro pós-dramá- se o teatro dramático perde o chão de modo tão "dramático': isso pode ser
tico se aproximou do trivial e do banal, da sírnplícldade de um encontro, de uma Indicação de que a forma de vivência está no caminho de volta para a
própria realidade à qual essa forma corresponde, A questão dos fundamentos capacidade de uma sociedade de constituir uma coesão. t ia dispõe de um
para-o retorno e a não-obviedade da representação dramática não pode ser quadro de solidariedade que possibilita a constante tematiza ção de sua di"
abordada nem muito menos resolvida aqui. Convém apenas apresentar algu- nâmica conflituosa patente e latente. Profundid ade, abrangência, precisão e
mas reflexões sobre isso. " coerência da tematização do conflito mostram como ele está assentado na so-
Uma primeira tese poderia ser esta: se o drama moderno tem como base lidariedade ou na unidade'simbólica mais profunda da sociedade - o quanto
, o homem lançado em uma relação inter-humana, o teatro pós-dramático se de drama ela pode supor tar, por assim dizer. Sob essa perspectiva, caberia
baseia em um homem para o qual, assim parece, mesmo os maiores conflitos ponderar queo drama se torna o cerne de um entretenimento de massa mais
nélo querem aparecer como drama. A forma de representação "drama" está ou menos banal, r~duzido 'à mera ação, e desaparece cada vez mais na forma
preparad a, mas roda no vazio quando deve dar forma à realidade experi- artística mais complexa do teatro inovador.
mentada (para além das ilusões melodramáticas). Certamente ainda se pode Aqui deve ficar em suspenso se os processos rituais da crise e da reconci-
reconhecer em um ou outro momento da luta dos detentores do poder um~ liação analisados porBateson, Goffman, Turn er e outros descrevem os pro-
"dramatlcidade', mas logo se evidencia que a decisão acerca das questões reais " '~essõs sociais com precisão do ponto de vista antropológico e sociológico.
se dá em blocos de poder: elas não são decididas por protagonistas, que são De todo modo, o retraimento da representação dramática na consciência da
intercambiáveis na prosa das relações burguesas. Além disso, o teatro parece sociedade e dos artistas é inegável, e demonstra que com esse modelo não
renunciar à idéia de um começo e um fim . Ele está" próximo do pensamento mais se dá conta da experiência. O enfraquecimento do impulso do drama
de que a catástrofe (ou o divertimento) poderia continuar da mesma maneira. pode ser constatado, não importando o motivov-seja-porque está desgastado
Noções'científicas de um universo que se expande e se retrai ritmicamente, a e como conciliação diz sempre "o mesmo': seja porque supõe um modo de
teoria do caos e a teoria do jogo desdramatizaram ainda mais a realidade. // 'agir que não é mais reconhecido em parte alguma, sejaainda porque pinta
Uma outra reflexão sobre o desaparecimento do impulso dramático p'óde uma lmagem obsólêfãdõs conflitos sociais e pessoais. Se p-õ'r"üiüinomento
se apoiar nas teses de Richard Schechner." Ele enfalíza que o, móéÍ~l o do suspendemos todas as nossas reservas e tent amos considerar o teatro pós-
"drama'; entendido no sentido de [Victor] Turner COrno "drama's~cial", com dramático como -uma expressão das estruturas sociais atuais, O resultado é
sua seqüência de ruptura da norma social, crise, reconciliação ("redressive ' uma imagem sO'll1brià: Edifícil'evitara-susp.eHª!i.~g~le a sociedade não pode
action") e reintegração, portanto restabelecimento do continuum social, apre- ou não quer suportar representações complexas e aprofundadas de conflitos
senta o modelo de um conflito e de seu domínio, o que no fim das contas se dllacerantes,,Ela representa parasi'me'sma a~õri;édía de uma sociedade que
baseia em uma coesão social abrangente. A estrutura seqüencial da "perfor- supostamente não.mais apresenta tais conflitos. A estética teatral também
mance" no sentido mais amplo, que serve de base à teoria da performance espelhasem querer aigo.Qesse sentido. Vem à tona uma certa paralisia do dís-
cultural na antropologia do teatro, consiste nas fases da reunião, da própria curso público sobre os fundamentos da sociedade. Não há nenhuma questão
performance e da dispersão. Nesse quadro precisamente fixado, ela oferece atual que não seja exaustivamente "verbalizada", em infindáveis comentários,
a imagem de uma encenação do conflito, que é cercado por um espaço da programas especiais, talk shows, enquetes, entrevistas,..,",_mas não há nenhum
solidariedade e primordialmente por ele possibilitado. Pode-se assumir esse sinal de que a sociedade disponha da capacidade de "dramatizar", mesmo que
ponto de vista e inferir que a presença do draI?a comprova justamente a de maneira incerta, suasiquestões fundamentais e seus fundamentos, embora
eles estejam fortemeriteàbalados; O teatro pós-dramático também é um tea-
420 13 Richard Schechner, Performance Theory. Nova York, 1988, pp. 166 55., tro em uma época das imagens de cobflito omitidas.

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Sociedade do espetáculo e teatro tudo, essapromessaconsoladoracomporta uma ameaça igualmente clara, embora
ao mesmo tempo nãoexpressa: "Permaneça ai onde você está. Pois sevocêse mo-
É evidente que o recuo do dramático não significa ó mesmo qu'e' o recuo do verisso poderáfacllmente resultar emintervenção,seja ela humanitária ou não".15
teatral. Ao contrário, a teatralização perpassa toda a vida social, a começar
pelastentativas individuais de gerar/forjar por meio 'd~ ~oda um Eu público: Reconhece-se aqui que a dissociação - continuamente repetida e reforçada -
culto da auto-representação e da autornanifesta ção mediante sinais da moda .de acontecimento e espectador conduz a um esvaziamento do ato da comu-
e outros que devem atestar um modelo de Eu (na maiori~ 'd~s vezes empres- nicação justamente por intermédio do noticiário. A consciência de estar co-
tado) diante de um grupo ou mesmo da multidão anônima. À~' lado da cons- nectado com ,o s outras "na linguagem': em meio à própria comunicação, e
trução exteti o~ do individuo se encontra a autpdemqn stração de ide"ntidades com isso ter urna obrigação, ser responsável, recua em favor de uma comu-
específicas de grupos ou.de g~r:~~êíes, que por falta de discursos" programas, nicação como troca de informação. A fala é, por princípio, fala responsável
ideologias ou utopias se representam '~omõ-feiiôriieriósorganizados de modo (a declaração "Eu te amo" não é nenhuma informação, mas uma ação, um
teatral. Caso se acrescentem a isso a propaganda, a auto-encenação do mundo engajamento)..Jáás mídías-transformam o dom dos signos em informação e
dos negócios e a teatralidade da auto-representação midiátíca da política, assim di~solvem~ por meio do hábito e da repetição, o sentimento de que o
parece se cumprir o .que Guy Debord viudespontarcomo sõciedade do espe- ato de/emitir signos envolve o emissor e o receptor em uma situação comum
táculo. O dado fundarn éntal da sociedade ocidental é que todas as experíên- em melo à linguagem. É esse o verdadeiro motivo pelo qual, como freqüen-
, cias hum anas (vida, erotismo, sorte, reconhecimento...) estão associadas a temente lamentamos, a ficção e a realidade se confundem . Não é porque nos
mercadorias, ou seja, ~~ seu
consumo Ou às ua posse, e nãb a um discurso. A enganamos sobre o fato de q~~ .num caso se trata de algo inventado e no
isso corresponde precisamente a civilização da imagem, que sempre aponta outro de uma notícia, mas porque o modo do processo de significação se-
tão-somente para uma sucessão de imagens. A totalidade do espetáculo é a para coisa e signo, referência e situação da produção do signo. O incontrolá-
"teatralização" de todos os campos da vida social. vel grau de realidade das imagens deslocaliza os acontecimentos divulgados
Na medida em que a sociedade parece mais e mais se libertar da privação' pela mídia e ao mesmo tempo institui comunidades de valores de especta- .
de suas necessidades mediante o cont ínuo crescimento econômico, incorre dores que recebem as imagens isolados em seus apartamentos , de modo que
ao mesmo tempo num a total dependê ncia desse crescimento, portant o dos se dá um distanciamento radical entre a apresentação sempre renovada de
recursos' pol1ticos para assegur á-lo." Mas para isso é imprescindível a defi- corpos vitimados, feridos, mortos por catástrofes (isoladas, reais Ou fictícias)
nição dos cidadãos como espectadores - uma definição que ganha cada vez e O espectador passivo: a soldagem de percepção e ação, mensagem recebida e
mais plausibilidade na sociedade midi ática, Em um texto acerca dos efeitos
da mídia no campo da política, Samuel Weber afirma: '-
responsabilidade , é dissolvida. Encontram o-nos dentro de um espetáculo
no qual só podemo s observar - teatro tradicion al ruim. Sob essas condições,
o teatro pós-dramático tenta 'escapar da multiplicação das "imagens", nas
Se permanecemos espectadores, se permanecemos bravamente ali onde estamos, quais afinal de contas se baseiam todos os espetáculos; ele se torna "írnper-
diante do aparelho de TV, as catástrofes permanecerão sempre no exterior, serão
sempre "objetos" para um "sujeito" - essa é a promessa impllcita da mídia. Con-
15 Samuel Weber, "Humanítãre lntervention lm Zeitalter der Medlen, Zur Frage e1nú hete-
rogenen Politik", in Hans-Peter Iãck e Hannelore pfeil (orgs.), Palitiken des Anderen, v. 1.
14 Cf. GuyDebord, DieGeseIlschaft des Spektakels. Berlim, 1996, p. 40. Frankfurt am Main, 1995, pp. 5-27, p. 26. 423
turbável', "estático"ofereceimagens_sem referência e deixa o dramático para entre a imagem e a recepção da imagem. Essa descontinuidade é constante-
as imagens de violência e conflito das mídias, quando não se apropria delas mente confirmada pela técnica da circulação midiática de signos. Parece que
para fazer paródias. são indivíduos a dar as notícias, mas são coletivos, que por sua vez agem ape-
-, nas comofunções da midia, não se servem realmente da mídia. O que acontece
Política da percepção, estética da responsabilidade um instante após o outro é o desaparecimento do vestígio, a negação da auto-
referência dos signos. Assim, chega-se a um "fracionamento" velado da lingua-
O teatro se vale de um aprofundamento reflexivo dos temas políticos. Seu en- gem. Por um lado, a mídia dispensao emissor de qualquerligação com o que é
gajamento político não se encontra nos temas, mas nas formas de percepção. emitido e ao mesmo tempo oculta ao receptor a percepçãoda circunstânciade
No teatro alemão, essa noção pressupõe a superação daquilo que Peter von que a participaçãona linguagemtambém faz dele, o receptor, responsável pela
Becker certa vez chamou de "síndrorneLessíng-Schlller-Brecht-es';" Mas con- mensagem. O truque tecnológico e as dramaturgias tradicionais asseguram, à
vém igualmente evitar a asserção fácil de que o político é apenas um aspecto 0 •• , . , -
maneira das fábulas, uma defesa contrao temor de quem faz e de'quem con-
superficial da arte ou, ao contrário, de que toda arte seria "de algum modo" --Sãine; afantasía de poder que é inerente à reprodução e ao registro das mídias:
política: quer o lado político seja considerado inteiramente ausente da arte, dispor de todas as realidades, mesmo as mais inacessíveis, com toda calma e
quer sejavisto coma elementogeral dela,deixa de ser interessante. No entanto, pode~ ordená-Ias sem ser atingido por elas. Quanto maior o horror da imagem
por sua prática o teatro é uma arte do social por excelência. Assim,na medida reproduzida, mais irreal se torna a sua versão. Horror rima com conforto. Em
em que sua análisese aplicaa uma realidade definidapoliticamente, não pode contrapartida, o "estranhamente familiar" [Unhêimlich],qll~preud encontrava
se dar por satisfeita com uma despolítízação. Mas aqui a política se funda no na mistura de significante e significado, é descartado.
modo de ser da utilização dos signos. A política do teatro é uma política da per- Seria um absurdo esperar do teatro que ele pudesse contrapor uma alter-
cepção. Sua definição começa com a advertência de que o modo da perct;,pção nativa efícazaõpredomínío-maeíçodessas estruturas. Mas-é possível propor
não deve ser separado da existência do teatro em um mundo da vida domi- a questão de uma tese ou uma antítese polítlca no campo do próprio uso
nado pelas mídias, que modelam maciçamentetodas às percepções. dos signos. Faz parte da estrutura da percepção transmitida pelas mídias que
A imagemtransmitida em umátimo e aparentementefiel à realidadesugere entre as lmagensíndlvídueís recebídaamassobretudo entre a recepção e a
o reai que ela mesma torna acessível, suavizae enfraquece. Produzidalonge de emissão, não seexperimente nenhuma conexão':~;~humàrelação de enun-
sua observação, recebida longe de sua proveniência, a imagem inscreve uma ciação e resposta. Ésó por meio de uma fJolTiíca da percepção, cujo nome
indiferença em tudo o que é mostrado. Entramos em contato (mediatizado) também poderiâ-se.z estética da responsablltdede, que o teatro é capaz de rea-
com tudo e ao mesmo tempo nos sentimos desconectados da profusãode fatos gir a isso. Em vez daâu~~idade enganosamente tranqüllízadora de aqui eali,
e ficções sobre os quaissomos informados. As mídiasdr~matizam os conflitos interior e exterior, essa prática pode ter como centro a inquietante implica-
políticos incessantemente, mas a profusão das informações, ligada à dissolução ção recíproca de atores e espectadores nageração teatral de imagem, tornando
de qualquer posiçãopolíticasobre os fatos claramentereconhecível, produz na novamente visíveis os fios arrebentados' entre a percepção e a experiência
onipresença da imagem eletrônica uma desconexão (negada em vão pelos in- . própria. Talexperiência não-seria apenas estética,mas também ético-política.
sistentes gestos de apelodas mídias) entre a reprodução e o que é reproduzido, Todo à resto, inclusivea demonstração política realizada com-perfeição, não
escaparia do díagnóstíco _deBaudi'ill~l'd; segundo o qual só temos a ver com
424 16 Peter von Becker, in 'Iheater Heute, janeiro de 1990, p. 1. simulacros que circulam. / 4
;, . ... .....

Estética do risco própnasfaflíç ões" uma vez que modelava neles a constância, a força estóica
I. . da paciência. Lessing (e com ele o Iluminismo) via o teatro como um estabe-
No sentido de uma política da percepção do teatro, é evidente que não conta
I . lecimento para o aprendizado do sentimento da compaixão, compreendido
aqui a tese (ou antítese)nem a posição e o engajamento políticos (que perten- como requisito social. Mesmo Brechtatribuía ao teatro (sempensar em. aban-
cem ao campo da política real e não da: reproduzida), mas justamente a atí- doná-lo às"velhas" emoções)a tarefa de elevar os sentimentos "aum patamar
tudefundamental da faltade consideração por toda durabilidadee afirmação - mais alto" e encorajar..sentimentos como o amor pela justiça e a indignação
em outras palavras, o ato de lidar também com o-tabu, O teatro continua a com a injustiça. Na época da racionalização, do ideal do cálculo, da generali-
ter a ver com ele." Se o tabu é visto como uma forma 'a·e.J;'~ação socialmente zada racionalidade do mercado, cabe ao teatro O papel de, por meio de uma
enraizada, que antes de qualquer elaboração racional consideradetermina- estética do risco, lidai' com afetos extremos, que sempre incluem a possibili-
das realidades, comportamentos ou reproduções como "intocáveis'; ígn óbeís, dade da dolorosa quebra dotabu, Essa quebra ocorre quando os espectado-
inaceitáveis,p'o'rtarito'comoumafeto ªD.ç~ri.o!_a todaavaliação racional,então res são expostos ao problema de reagir àquilo que se passa diante deles de .
está correta a observação, feita muitas vezes, de q~~-õtã15u quase desapare- modo que não frials exista a distância segura'que parece garantir a diferença
ceu no curso da racionalização, da desmit íficação e do desencantamento do estética entre a sala e o palco. Justamente essa realidade do.teatro, o fato de
mundo. Em vez de propor um debate .que nãocabe ~.<J.~i, arriscamos fazer que elé pode brincar com tais limites, o predestin á a atos e ações nos quais
uma simplificação: a sociedade atual não conhece nada - ou quase nada - não!se formula uma realidade "ética" ou mesmo uma tese ética; antes, surge
I
sobre o que não possa discutir racionalmente. Mas e se essa racionalização uma situação na qual O espectador é confrontado com o medo abissal, com a
anestesiaraté mesmo os reflexos humanos urgentemente necessários, que em vergonha e também com a irrupção da agressividade. Mais uma vezfica claro
um momento decisivo poderiam ser a condição para reagir a tempo? Hoje que o teatro não ganha sua re-alidade estética e ético-política pelo viés da co- .
em dia, será que o desprezo pelos estímulos espontâneos (por exemplo, em rnunícação, das teses e das informações, sempre artificiais - em suma, por
relação ao meio ambiente, aos animais, ao clima, à frieza social) em favor de seu conteúdo no sentido tradicional. Ao contrário, faz parte da concepção do
uma racionalidade econômica de metas já não levou a desastres eviden~~~ ... tea~ro engendrar um terror, uma violação de sentimentos,uma desorientação
0_-...- _
e irremediáveis? A luz dessa observaç ão do declínio progressivo da reação que, por meio de procedimentos supostamente "amorais'; "antissoclais" "cí-
afetiva imediata, ganha importância crescente uma cultura dos afetos, o "trei- nicos'; faça o espectador se deparar com sua própria presença sem tirar dele
namento" de uma emocionalidade não atrelada a considerações racionais o humor, o choque do reconhecimento, a dor, a diversão, que são os motivos
pr évias. Não basta apenas o Esclarecimento(aliás, mesmo no século XVIII ele pelos quais nos encontramos no teatro.
foi acompanhado pela poderosa torrente dos sentimentos). Cada vez mais,
será uma tarefa das práticas "teatrais'; no sentido mais abrangente, produzir
situaçõeslúdicas em que a afetividadeseja liberada.
O fato de que O teatro tem a capacidade de realizar um determinado "trei-
namento" emocional já tinha sido uma concepção do barroco. Opitz chegou
a definir como tarefa da tragédia que elapreparasse os espectadores para suas ....
....
~

17 Cf. Hans -'Ihl es Lehmann, "I'Bsth étique du risque" I:Artdu Théâtre;~. 7, ~.~7, pp. 35-44·
.....-....

[ndlce onomástico
(tomcoletivos teatrais em Itállco]

Artaud, Antonln, 8, 11, 21,47, 49-5°, 58-59,


Abdoh, Reza, 150, 356, 359 .
80,102,105,129,140,246,258,260,338
Abramovic, Marina, 23 2
'Artm'll1?!'Hans Carl, 161
Achternbuscb. Herbert, 214
. ' . . ~ " -'_.- .....
Acker, Kathy,.253
Adamov, Arthur,86
Bacon, Francis [filósofo], 6 3
Adorno, Theodor Wiesengrund. 8-u. 24, Bacon.Francis [pintor), 343
_ ~ker, Bobby, 231 '-.: - -- -- - -".
32, 35-36,5 8~59;'!!9, 17 0, 176"77; 195-96,
...... Ba'kiruppen, 29, 20;, 369
..~., 238, 323, 353-54, 390,410
- .
.. ...... .. " ,...
/

Agambeli,Giorgib,342
Banu, Georges, 124, 126
Barba, Eugenio, 28, 3 0~ ; 336-37
Alllaud, Óllfes;i§2 ' "'- - .
.. · ·-Barlach ..E!'m.t..107
Akkó Theaier, 29 "-
Althusser, Lou ís, 21,297, 4 17 .
Barnes, Djuna. zTi' --~ -.. . .'''_.
..Barthes:1tõlanél; i9. '45~47, 182. ; 47, 259,
~--;:

Andersen•.Ha"hs-Christian. 186
308-09,332.337,37'1
Anderson. Laurle, :h 9
" .
Angi!lus'Novus, 29. 204,254, :/-80 Bataille, Georges, 340
Antoine, André, So, 17 6 ' <," Bateson,Gregory, 421
Baty, Gaston, 46
Appia, Adolphe, 147
BaudeIaire, Charles, i41'
Aragon, Louls,110
Baudrillard,.J.e-.e.l1, 196-97, 333-34, 365, 425
Aristóteles, 56, 63-65, 69, 98, 114, 273, 288,
303,323- 26, 353,.402. . í : I Bauer, WolfgaÍ1g~ ~97, 215'
Bausch, Plna, 28.248, 277-78, 309-10,
Arntzen, Kn.u.t Ove,'3
8-39 'I
Arroyo, Eduardo, 127 34° -41 4
..
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I
Bayer, Konrad, 161 Büchner, Georg,,62,7 8, 129, 215, 290 Decorte, ]an, 254 Foreman, Richard, 28, 48-49, 1°3-04, 192 ,
Bayerdõrfer, Hans-Peter, 97-98 " Builde;sAssociaÚon, The, 29 Dehlholm, Kirsten, 39 Forsythe, WllIlam,28,146,309, 340,373
Beck,[ulian, 300 Burden, Chrls, 2;8, 232 Deleuze, Gilles, 21, 82,139, 149,211,259, Foucault,Michel,141,320
,,
Becker, lochen, 186 305,311,389 Freitas, Iole de, 228
Becker, Peter von, 62, 422 .... Cage, Iohn, 85,149, 152, 250,304 Derrida, Iacques, 8, 21, 100,246, 254, 261 Freud, Sigmund, 132, 140,145, 148, 191,
Beckett, Samuel, 32,51, 62, 85, 118, 126, 149, ..Cairlois, Reger; 59 Díderot, Denis, 375 349,4 25
164, 205,250, 298-301, 358 Calvino, Italo, 178 Dito' Dito, 202 . Freyer, Achím, 28,123, 272
Bellmer, Hans, 58,108 Camus, Albert,'85,377 Doesburg, The~ van, 160 Prlsch, Max, 87,198, 268-69
Belting,Hans, 395 Caravaggio, Michelangelo Merisi da, 237 Dood Pard, 202 Frye, Northrop, 213
Bene, Carmelo, 21 Carrignon, Christian, 349' Dorst, Tankred, 132 Fuchs, Elinor,103; 134
Benjamin, Walter, 77-78, 124, 126, 146, 214, Cassavetes, Iohn, 378 Dort, Bernard, 46, 80, 245 Fuchs, Georg,76-77> 83
235, 238, 261, 304, 309, 319-20, 342, 367, Cast~lIuc~Ctlaudla, 343 Dostoiévskl,Fiódor Mlkhailovitch.uõy Fuller,Buckrninster, 366
369,400-01 . ..Castelluccí,Rorneo, 343 Ducharnp, Marcel, 108, 173, 250 Fura deis Baus, La,29,207,224, 257,356,358
Bennet, David, 277 Castorf,F~~k, '; 8','iSõ-;-i 03-04 Dullin, Charles,46 . ' Fusco, Coco, 413
Berghaus, Ruth, 274 Cate, Rítsaer tten, 41 Duras, Marguerite,'214
Bergson, Henri, 287, 296 Celan, Paul, 149 Dürrenmatt, Friedrich, 87, 198, 215 Gabriel; Ulrike,374
Berliner Ensemble, 46" 8? . "'Cézanne, Paul, 104' 0_- Dv 8 Physiéal Theaire, 29 Gadamer, Hans-Georg, 172
Berry, Chuck, 85 Chagall,Marc, 127 Gaia Sclenza, La,224
(
Bertolazzi, Carlo, 21, 417 Chopin, Henry, 250 Edison, ThomasAlva,132 Genet, Jean, 32, 116, 180,2°9, 304
Beuys,[oseph, 351 Christo [Iavachevj .Bõ , Einsteln, Albert, 50, 132 Genette, Gérard, 200
Blerbaurn, Otto [ullus, 101 Cíxous, Hélene, 361 Eliot,T. S., 116, 273, 369 Giacometti, Alberto, 116, 343
BiIledstofteater, 38 Claudel, Paul, 84, 95,176 Epigonentheater zlv,183 Ginkas, Karna,267
Blau, Herbert, 219, 360 Clever,Edith, 191, 208, 257 Esopo, 352 Glass, Phllíp, 337
Blurn, Léon, 127 Cohn, Roy, 209 Ésquílo, 98, 126, 205 Gob Squad, 29, 201,380
Blumenberg, Hans, 296 Comediants, Eis, 207 Esslin,Martin, 56, 87-88, 208 Goebbels, Heiner, 28, 143-44, 152, 189-90,
Boehrn, Gottfried, 312, 335, 395 Corneílle, Píerre, 251, 299, 326. ExMachina,379 2°9, 251, 277> 309, 351
Bohrer, Karl Helnz, 237-40 Corsetti, Gíorgío Barberio, 28, 248, 386 Goethe, lohann Wolfgang von, 45, 62, n
Borie,Monlque, 96, 116, 118, 122 Corvin, Michel, 35 Fabbri, Marisa, 208 117, 127, 13 2, 195, 254, 279
Bread andPuppet, 187 Coupeau, ]acques, 147 Fabian,Io, 409 Goetz, Ralnald, 20, 29
Brentano, Bernhard von, 127, 277 Craíg, Edward Gordon, 80, 84, 97,102, 122, Fabre, [an, 22,28, 41,148, 160-62, 164, 168, Gotfman, Irvlng, 172,419
Brenton, Howard, 409 191, 349 181, 187,193,2°7,223,229,25 7,271,306 , Goldberg, Roselee, 223-24, 229
Breton, André, 108, 110 Cricot 2, 121 . 309, 34i\ 351-53...356 Górnez-Peüa, Guillerino, 411
Breuer,Lee, 223, 410 Cunníngham, Merce, 85, 152, 192, 373 Falso Movimento, 29, 4 ~ , 223, 385 Goodman, Nelson, 416
Breysig, Johann Adam, 375 Fassbinder, Rainer Werner, 197, 289 Górkl, Maksírn, 113
Brinkrnann, RolfDleter, 277 Daguerre, Louís, 130 Paulkner, WilIiam, 251 Gosch,lürgen, 274
Broch, Herrnann, 208 Dalí, Salvador, 108 Finter, Helga, 250,259-60 Gray, Spaldíng, 41, 181
Brock, Bazon, 29,191 Dante [AlighieriJ, 90, 156, 358 Fischer, Gerhard, 184, 395, 409-10 Greef Hugo de, 40
Brcok, Peter, 28,37, 85,109, 147, 151,168, David, Iacques-Louís,109, 277, 334-35, 369, Plscher-Líchte,Erlka, 53, 83,156, 166-67, . Gregory, André, 185
191,293,307,320,335,408-11 4°7 ' 228, 370, 411, 413 Grotowskl, ]erzy,28, 47, 109,164,185, 248,
Brueghel, Pieter, 144 Debord, Guy, 8, 172, 365; 422 Forced Bntertalnment, 29 265-66,336,360-61 431
Grüber, KlausMlchael,28, 94. 117, 122- 27. Hübner, Kurt, 86 Kaprow, Allan, 85 Lepage, Robert, 28, 2.09, 3°7, 320 , 379
129, 208;' 214, 266, 27i, 277, 306 Hullmànd, Roxane, 347 Keersrnaeker, Anne Teresa de, 28 Lescavalier, Loulse, 347
Grüfiberg, Karl, 203 Huppert, Isabelle, 2.08 Kerkhoven, Marianne van, 139 Lesslng, Gotthold Ephraím, 30, 114-15, 163.
Gründgens, Gustav, 85 Huysmans, [orls-Karl,188 Ketturkat, Peter,349 42.4, 427
Grupo de Teatro Macunalma, 409 Kírby, Míchael, 56, 93-94, 99, 192, 224-25. Lessing, Theodor, 280-81
Guattari, Pellx, 149 Ibsen, Henrik, 10 , 78, 166, 202. 383 Levínas, Emmanuel, 2.56
Gumbrecht, Hans Ulrich, 225, 235-36, 319, 381 Iden, Peter,90 Kirchner, Alfred, 186 Llssítzky, EI [Lazar Markovic], 248
Imdahl, Max, 162, 400 Kittler, Friedrich, 255-56, 390 Living 'Iheaire, 47,104, 171, 208, 22.5, 248,
Haija Theatre, 379 Innes, Christopher, 36-37 Klein, Yves, 86'. 376
Halbwachs, Maurice, 317 Ionesco,Eugêne, 32,85-87 Kleist, Heinrich von, 51,126, 191, 208, 347- Lorenz, Renate, 160, 186
Hamacher, Werner, 414 Kloke, Eberhard, 282 Loutherbourg, Phllip Iarnes de. 375
Handke, Peter, 29, 49. 51, 53, 91,126, 149. Jacoby, Wílhelm, 204 Kluge, Alexander, 77. 240, 306 Luxemburgo, Rosa, 410
215. 250,322., 361, 376, 385 [ahnn, Hans Henny, 333 Knap, En, 28 Lyotard, Iean-Prançoís, 8, 18, 58-59, 129,
Hanrot, Pascale, 349 Jaime (rei). 133 ." KQek,.Paul, 151=5; 148, 157,2.39, 336, 402.
Hare, David, 409 Iakobson, Rornan, 124 Kokoschka, Oskar, 107
Hauptmann, Gerhart, 2.17. 2.79 [andl, Ernst, 250 Kott, [an, 211 Maatschapplj Diseordia, 2.9, 191, 2.57
Haussmann, Leander, 28,102., 315 [ansen, Tom, 209 Krejca, Otornar, 218 Madame Curie [Marle Curie), 132
Hebbel, Chrístian Friedrich, 40. 78 [arry; Alfred, 93 Kresnik, Iohann, 150. 4 10 Maeterllnck, Maurice, 94-98. 103. 214
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 2.3, 55, [aspers, Karl, 172' Krísteva, [ulía, 49, 157, 2.46'4 7, 414 Magazzini, 2.9, 385
65-71, 295, 399 [aurní naux, Cath érine , 251 Kroetz, Franz Xaver, 197, 2.81 Mallarrné, Stéph'';;1,;,"94 -95, 98, 104,116,
Heidegger, Martin, 171, 2.47 Ielínek, Elfriede, 20, 29,32. . Kruse, Iürgen, 28, 150-51, 274, 315 140, 149. 154, 16i;i, 188, 209, 2.54, 314,
-/
Hemlngway,Ernest, 183-84 Jerofejev, Venedlkt, 387 Kubrick, Stanley, 88 . 342,3 45
Henrichs, Benjamin. 2.1 4 [esurun, Iohn, 28, 193-94,22.3, 259-69"/2}6, Kuhn, Hans Petéi,'i ió"-" ' . Malle, Louis, 185
Hensel, Georg, 119, 12.3, 277 315,388 '9 ° Mama. La, 104
Hertlíng, Nele;40 [etelová, Magdalena,189 La La La Human Steps, 150, 346-47, 355 Manen, Hans van, 378
Het Zuldelljk, 377 foglars, Eis, 207 '" - . . •' Lablche, Eugêne, i26...•- "._. . ._'" .•.•. Mann, Thomas, 177> 365
Heyme, Hansgünther, 376 '. Jonas, Ioan, 132,375 Lacan, Iacques, 254, 256, 335 ·· lVfa"iithey;·A.xel"2.8,J90, 272-74
HiIl,Gary, 391-93, 395 Iourdheull, Jean. 192 Laermans, Rudi, 251 Mapplethorpe, Robert.337-
Hitchcock, Alfred, 193 [ouvet, Louís, 46, 191 Lampe; Juttit, 208, 257 Marcuse, Herbert, 365
Hochhut, Rolf 89, 4 10 [oyce, [ames, 152, 208 Lang, Elke, 277 Market Theatre, 4 09
-"' .
Hoffmann, Iutta, 2.17 [udson Poets Theatre, 104 Langer,Susanne, 173 Marranca, Bonnie, 104
Hoffmann, Reinhild, 28 Jünger, Ernst, 408 Larroche, [ean-Plerre, 349 <,... . Marthaler, Chrlstoph, 217-18, 278,306,309
Hofmannsthal, Hugo von, 98 Laub, Míchael, 39, 148 Mata Hari [Margaretha G. Zelle), 137-
Hõlderlin, Friedrich, 123,126 Kafka, Franz, 85, 177, 2.4 8'49. 343, 386, 399 Laufs, Carl, 204 Matzat, Wolfgang,22.6
Hoílandia, 2.9, 151-52., 2.14, 257, 281 Kahlo, Prída, 410 Lautréamont [Isídore Ducasse], 109 MayrõckenPríederíke, 250
Hõrlsch, [ochen, 147 Kaíser, Georg, 107 Lauwers, [an, 22, 28, 183-85, 187~88, 209, McLuhan, Marshall, 147
Horn, Rebecca, 40 Kandinski, Wasslli, 160 251, 257,2.74-75, 344'46,p69 Meinhof, Ulrík eaio
Hotchner, Aaron Edward, 183 Kant, Immanuel, 137-38, 2.97 LeCompte,Elísabeth, 223 , Merigel, Uwe, 2.8, 173
Hove, Ivo van, 377 Kantor, Tadeusz, 13, 28, 96, 117'22, 129, 131, Lenin, Vladimir IlltchUlia nbv,229: Menke, Christoph, 65'69, 71
432 Hrvatín, Emll, 28,353 2.17,309, 348, 350 Lenz, Iakob, 78, 217 Merleau-Ponty, Maurice, 172.

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. ·...\ 1
' ~"
"

I
Pucher, Stefan. aç, 201,315,380 Schwitters, Kurt, 86, 152
Meyerhold, Vsevolod, 27, 102, 248, 349 ,Novarina, Valere, 336
Purcarete, Silviu, 28 Segal, George, 343
Miller,Arthur, 278,3 48,369
O'Neill,Eugene, 209, 383' Pynchon, Thomas, 178 Seghers, Mil, 345 .
Minetti, Bernhard, 127, 186, 208
Oberende;, Thornas, 356' Sellars,Peter, 31,378
Minks, Wilfried, 86
Racine,Jean, 52, 78, 299 Sernprún, Jorge, 127
Minsky, Marvin, 373 Odin Teairet, 336
Oosterveld, Wlllemien, 348 Rainer, Arnulf, 230 Serap ícnstheater, 29, 156
Mnouchkine, Ariane, 151, 156, 224, 271,
Opítz, Martin, 426 Rauschenberg, Robert, 86, 375 Serban, Andrel, 109, 214
307;320, 361
Oppenheim.Mereti i oê Ravenhíll,Mark, 409 Serreau, Geneviéve, 35
Moholy-Nagy, Laszlo, 375
Orlan, 232-33 ' <, ... . . . . . Ray, Man, 108 Servandoni, Giovanni Niccolo, 375
Moliêre, Jean, 10, 191,361
Régnier, Henr! de, 98-99 Shakespeare, William, 78-80, 97,163, 179,
Mondrian, Piet,333
Paík, NarnIune, 391 " Remote Control Production, 39 191-92, 2°3, 211, 254,2 75, 294, 379
Monk, Meredíth, 28, 150
Pandur, Tomaz, 28, 156 Rijnders,GerardJan, 214, 361 She ShePop, 20 1
Mor eau, [eanne, '108, 2?7 "
- - - -~ ... Rimbaud, Arthur, 188, 326 . Sherman, Stuart, 349
Morein, Andréa, 409 " . --Pane, Gina., 228
Panizza, Oskar, 101- - . Robichez, )acques, 176 ShowcaseBeat /e Mot, 20 1
Mozart, Wolfgang Arnadeus, 31
Pasolíní, Pier Paolo, 214,385 Ronconi, Luca,'i~'8 , 266" Siegmund, Gerald, 186, 318. 392-93
Mudrooroo, 410
Rosenbach, Ulríke, 375 . Simon, Míchael, 29, 189-9°, 277, 320, 351
Mühl, Otto, 29, 229 Pav!s, Patrice, 35,290, 295,307, 4 10-11
People Sh6w, 41 . ,...- Roth.Beatríce, 383 Slnfuentes, Roberto, 413
Mukarovskylan, 115, 165,.212
Perceval, Luk, 254
Royá"! Shakespeare Company, 408 -09 Smals,Wies, 40
Müller, Heiner, 12-14, 2~, 29, 32-34, 49-51,
Ruckert, Pelíx, 201 Smith, [ulian Maynard, 2° 9, 282
62, 77.81, 96, 115-16, 118-19, 133-34, Performance Group, The, 171
Rudolph, Niels-Peter, 53 Societas Raffaello Sanzio, 29", 146,186,253,
145, 171, 189, 192~io:1.", 204-05, 209, Peter, Sinai, 379
Petit, Philippe, 360
Rü hrn, Gerhard, 161 , 344. 385
216, 239-4° ,247-48,251,254,277,29 8,
Soylnka, Wole, 411-12
300 -01, 310, 318, 333, 350, 358, 371-72, Peyrnann, Claus, 123
Peyret, jean-Pran çols, 192 Sacks, Oliver, 19 1 Squat Tlieatre, 29, 171
401, 403, 412
Sarrazac, Iean-Píerre, 198 Staffel, Tim, 315
Münsterberg, Hugo, 389-90 Pfister, Manfred, 91, 212
Sartre, Jean-Paul, 85, 172 Stalin, Josef 132
Musset,Alfred de, 290 Picasso, Pablo, 149
Sayre, Henry, 253 Stanislávski, Constantln, 84, 245, 255
Muynck, Viviani de, 345 Pichai,André, 183
Schechner, Richard, 28, 31-32, 86, 108, 115, Statlon HouseOpera, 29, 282
Mysina, Oksana, 267 Pirandello, Luigi, 80
127, 165, 180, 230-31, 293, 410, 420 Stein,Gertrude, 80, 102-05. 134, 249,307,367
Piscator, Erwin, 375,382
Schiller, Friedrich, 45, 62, 78, 123, 186,195, Stein, Peter, 86,90, 123-24, 218, 271
Nancy, [ean-Luc, 40, 236 Pitoéff Georges, 46
215, 217, 236, 424 Steiner, Georg, 240
Needcompal1Y, 41. 183-84 Plan k,393
Schlnkel, KarlFriedrich, 130 Steinwachs, Ginka, 20
Negt, Oskar, 306 Platão, 191, 246
Schleef, Elnan-ez, 28. 58, 117.125, 159-60, Stelarc [Stellos Arkadíon], 372
Neher, Carola, 127 Poe, Edgar AlIan, 277
216-17,229 ,248,257,279,294.3°6,309, Stella, Frank, 161
Nekrosius, Eimuntas, 28, 153 Pollesch,René, 29, 197, 201, 315, 380
346,356 Stockhausen, Karlheinz, 152, 303
Nel, Chrlstoph, 28, 191, 282, 320 Pollock, [ackson, 55
Schlemmer,Oskar,333, 375 Stoppard, Tom. 294
Newman, Barnett, 55, 173, 394 Ponge, Francis, 149
Schlingensief,Chrlstof 204 Storch, Wolfgang, 144. 279. 282
Níetzsche, Friedrich, 191,280-81, 297,340, Popper,Frank, 370
Schnltzler, Arthur, 208 Stõtzner, Ernst, 251 "'.... ....
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355,4 19 Poschmann, Gerda, 20, 89 ...


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Schrõder, [ohannes Lothar, 230 Stramrn, August, 32 ./'

Nightingale, Florence, 132 Presley, Elvis, 85


Schulte-Sasse, Iochen, 381 Strauss, Botho, 51, 113, 183,361
Nitsch, Herrnann, 29, 229 Primavesí, Patrlck, 7~, 124,146
Schwab, Werner, 20; 196-97 Strehler,Gíórgío, 191. 201 435
Noelte, Rudolf 123 Proust, Marcel, 177-78; 262";'318
f34
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. . ......-- . -.'
....~ .-

I
i"
117, 122, 127-34, 141, 148, 151, 15 6, 159, Woolf Vlrgínia,208
Strlndberg,August, 78,107 Ulay [Frank Uwe Laysiepen], 40
180, 192-93,2 08-11, 223,.248, 250,255, Wooster GriJup, .29, 41,171, 209, 274, 369,
Strornbergr'Iom, 40 Unilowskl, Zbignlew,119
./,'.- 257,259, 271-74, 298,303-°4, 307-09, 383, 385
Stuait , Meg, 28, 340-41, 349,392 . Utítz, Emil, 115
.320-21, 333, 337, 341, 35 1, 411 Wysocki, ÇJis~la von, 190
Studio Azzurro, 386,391
Sturrn, Dleter, 90 Valéry,Paul, 314 ~ ~.
Wlnnicott, Donald Woods, 349
Wirth, Andrzej, 48-51, 411
. Yeats, Willlam Butler, 98
Sulzer,[õhann Georg, 98 Valk, Kate, 383
Witkiewicz, Staníslaw Ignacy, 80, 102,
Survi!,al Research Laboratorles, 29, 135 Va~.9ogh,.vi nce nt, 164 .
104-06 Zadek, Peter, 86,248,411
Suver Nuver, 29 Vandekeybus, Wim, 150, 34Õ;"346~47
Wónder,Erichvrêç, 272 Zlnder, David, 109
Suzukí, Tadashí, 28,358 Varopoulou, Helene, 146, 150, 153
wondratschek, Wolf, '277 Zischler, Hanns, 208
Swinarski, Konrad, 85 Vassiliev, Anatoli, 28, 214, 361
Syberberg, Hans-Iürgen, 28, 125, 191, 208 Vawter, Ron, 209, 359
Szeíler,[osef, 204' 05 VéliJ 'Iheaite, 349
Szondi, Peter, 8-10, 24, 45-47, 61,79,95, Verdí, Gíuseppe, 278
!
98-99, l7.9, 213-14,382 vtctorta, 29,150, 197,3°4 - .- . ~ --- . -- ----
Víebrock, Anna, 272,278, 298
' t BarreLand, 202, 369 Vínaver, Michel, 197 - _.--"
Tairov, Alexander, i24 Viola, Bill, 391-93 '-···--· " -S- S· oT?F'LC~
-",-' _..
I 318060
Viríllo,'Paul, 365 \_._ - --- -=--. , .. ,-es - Tombo: _.- -
Tardieu, Jean, 88 :j I61b, Florestan ~~~~?~.._. _.-_....._ ..- '.
Tchekhov, Anton, 84, 114; 123, 127, :l.18, 255, Vítez, Anfulne, 80 iI L..---ã'-:-OOAÇÁO{ F..A P ES ~ . _ .-.- _'-'0' .. . .. .
I Aqulsl ç~: _ _ .----'-, : .,. ,--""'"7':'
Vitória [rainha], 13 2, 304 \. .. o ' • - Proc. 05/546QO.:~ -:"'--- .
369,383
Vítrac, Roger,109 -·-------JRC.o~~.!~~;!.1!!t:P9-.
Teatro Due, 29
;~:F.~'..- .. _.._...- _
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Templeraud, [acqu es, 349 Von Helduck, 149, 186,315 .. '
Terzopoulos, 'Iheodoros, 28, 15 8 Vostell, Wolf, 376
Teshigawara, Saburó, 28, 146,148, 344,357
'Iheater Antigane, 202 Wagner,Richard, .1,l6, 141, z:"8ó
Théâtre de la Complicité, 29 Wal~enfels,Bern h;~d~'i2iC162, 460 ".
--- ~ ~

Théãtre du Radeau, 29,148, 257 . " Waldmann, Helena, 29,386 "


--_. ... ......- ---_o
'Ihéãtre du Soleil,266,.291' 92 Weber,-Carl,376 ' . - .,;" ..

Weber, Samuel, 422-23 " . ....


Thééltre Manarf, 349
'Ihéôtre Repere, 326 .1
Webern, Anton, 88
Thlerne, 'Ihornas, 387 Wedekind, Frank, 1°7, 333
Toller, Ernst, 107 Welss, Peter, 85,90, 189, 335
Tovey, Noel, 410 Wenders, Wiin, 385
Trolle, Lothar, 197 Wlens, Wolfgang, 210
Turner, Victor, 57, 420-21 . Wigman, Mary, 107'
Turrini, Peter, 197 Wilde, Oscar,i88, 294 1 1

1\vombly,CY, 55 Wilder, Thornton, 103, 289, 294, 369 .\


Wilms, André, 251
Wilson, Robert, 12-14, 22,28,47-49,
_.. 'L .-.;._. '.
51-52,80, 87, 94-96, 103-04, 106, 110,
436
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