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Organizadores

Cássio Silveira Franco


Fortaleza - Ceará Raquel Coelho de Freitas
2018 Luiz Ramom Teixeira Carvalho
Liberta – Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas)
®2018 Copyright

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Ficha Técnica
Organizadores
Cássio Silveira Franco
Raquel Coelho de Freitas
Luiz Ramom Teixeira Carvalho

Ilustração
Wanderson Petrova

Capa
Wanderson Petrova

Coordenação de design
Jon Barros

Projeto gráfico e editoração eletrônica


Alex Keller
Juscelino Guilherme
Myard Gomes

Revisão Técnica e Ortográfica


Francisca Silva
Laura Maria Tavares Pereira
Larisse Pedrosa de Oliveira
José César Nogueira Cordeiro

Fotografia
Arquivo Seas
George Braga

Elaboração Ficha Catalográfica


Carmem Araújo

L695 Liberta / coordenação Cássio Silveira Franco, Raquel Coelho de Freitas, Luiz Ramom
Teixeira Carvalho. – Fortaleza : Gráfica LCR, 2018.
168 p. : il. ; 210 x 297 mm.

Obra idealizada e produzida pela Superintendência do Sistema Estadual de


Atendimento Socioeducativo do Estado do Ceará (SEAS) e pela Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), por meio do Núcleo de Estudos
Aplicados Direitos, Infância e Justiça (NUDIJUS).
Inclui trabalhos apresentados no Concurso de Redação 3., da Defensoria Pública
da União, com o tema “Mais Direitos e Menos Grades”.
Inclui referências bibliográficas.
ISBN: 978-85-7915

1. Direito à educação e à cultura. 2. Educação de adolescentes e jovens. 3. Arte


de adolescentes e jovens. 4. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. 5.
Ressocialização de adolescentes e jovens. 6. Socioeducandos. I. Franco, Cássio
Silveira. II. Freitas, Raquel Coelho de. III. Carvalho, Luiz Ramom Teixeira.
CDU: 37-053.6

GRÁFICA E EDITORA LCR


Tel. 85 3105.7900 | Fax. 85 3272.6069
Rua Israel Bezerra, 633 | Dionísio Torres | Fortaleza | CE
atendimento01@graficalcr.com.br | www.graficalcr.com.br
SUMÁRIO

07 • APRESENTAÇÃO
09 • PRÓLOGO
ARTIGOS
17 • Emancipação por Meio da Educação Cultural e Artística: Respostas a Três Pergun-
tas Fundamentais na Construção da Educação para o Sentido
25 • A Ressocialização por Meio das Artes aos Adolescentes e aos Jovens Autores de
Atos Infracionaisno Sistema Socioeducativo do Estado do Ceará
38 • A Educação e Sistema Socioeducativo: Desafios e Possibilidades

51 • IMAGEM VERBO
REDAÇÕES
57 • A.R.S.M.
59 • D.S.G.
61 • W.A.S.
63 • J.S.S.M.
65 • V.C.T.
67 • M.S.G.
69 • A.R.
71 • J.N.M.
73 • E.S.Q.
76 • F.W.S.B.
79 • D.C.C.
81 • A.A.L.O.
83 • A.A.S.C.
85 • L.F.S.S.
87 • S.W.S.
89 • F.W.A.S.
91 • A.W.C.S.
93 • F.V.S.
95 • I.A.S.
97 • M.A.O.B.
100 • A.B.S.F.
103 • D.N.A.
105 • F.A.N.L.
107 • M.Y.N.M.
109 • R.S.P.
111 • I.S.M.
113 • F.M.S.G.
115 • A.R.A.S.
117 • G.W.L.C.
119 • F.G.F.S.
121 • F.D.S.S.
124 • J.F.R.
127 • M.W.P.S.
129 • B.A.M.
131 • L.S.S.
133 • L.D.C.B.
135 • F.L.R.J.
137 • O.S.S.
139 • D.S.M.
141 • R.A.S.
143 • L.F.S.M.
145 • J.R.S.
148 • R.S.N.
151 • A.L.S.
153 • M.J.M.O.M.
155 • D.R.R.R.
157 • J.J.L.S.
159 • W.C.S.
161 • M.D.M.A.
163 • N.S.L.
165 • D.A.A.B.
“Não finquei
minhas raízes aqui,
é só um tempo
para florescer
Mundo afora.”
Wanderson Petrova
Artista Visual e Pesquisador
dor
“Arte,
educação
e medidas
socioeducativas.”
EMANCIPAÇÃO POR MEIO DA EDUCAÇÃO
CULTURAL E ARTÍSTICA: RESPOSTAS A
TRÊS PERGUNTAS FUNDAMENTAIS NA
CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO PARA O
SENTIDO1

Raquel Coelho de Freitas2


Luana Adriano3
Vanessa Marques4

A
suposta crise da modernidade mos, em, incessantemente, acreditar em algo
vivenciada atualmente instaura que desvela as potencialidades inerentes às
sentimentos de descrença nas trocas humanas, que fornecem terreno para o
relações humanas e desesperança na cons- florescer de porvires melhores.
trução de um comum a partir da construção Acreditamos, assim, na educação como
coletiva. Neste quadro, nós, pesquisadores e fundamento para a emancipação do sujeito,
pesquisadoras do direito à educação, insisti- em toda a sua complexidade. Isto não quer di-
zer que deixamos de estar cientes dos aprisio-
1 A Educação para o sentido é uma das teses que vêm em
sendo construídas no trabalho intitulado 10 Teses re- namentos que, não raro, cerceiam a educação
flexivas sobre a influência do meio e da cultura na formal na reprodução do mesmo e na resigna-
educação de crianças e adolescentes, apresentado por
Raquel Coelho de Freitas, no Seminário de Arte e Cultura ção ao que está posto. Mesmo com a profunda
do Sistema Socioeducativo, dia 23 de março de 2018, no e lúdica consciência deste cenário, persistimos
Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza-CE,
e que aqui é desenvolvido juntamente com as pesquisa- na defesa de que as respostas para os proble-
doras Luana Adriano e Vanessa Marques, do Grupo Direi-
to das Minorias e Fortalecimento de Cidadanias, da UFC.
mas estruturais estão em uma revolução para-
2 Professora Associada da Universidade Federal do Ceará. digmática na educação. Somos aqueles a quem
Doutora em Direito Público pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre em Direitos Humanos Ariano Suassuna chama de “realistas esperan-
Internacionais pela Harvard Law School. Especialista em çosos”, porque entendemos que a mudança,
Violência Urbana pela Universidade Federal de Pernam-
buco – UFPE. antes de possível, deve ser ardentemente dese-
3 Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, jada e exaustivamente fundamentada.
com pesquisas sobre os direitos das pessoas com defici-
ência. Advogada. Coordenadora do Projeto Arvore-Ser, Movidos por nosso desejo de mudar
Membro do Grupo Direito das Minorias e Fortalecimento
de Cidadanias (PGDIR). e de contribuir para futuros mais artísticos e
4 Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, culturalmente diversos, desenvolvemos este
com pesquisas sobre os direitos dos adolescentes em si-
tuação de rua. Membro do Núcleo de Estudos Aplicados ensaio, com respostas a três perguntas funda-
Direitos, Infância e Justiça (NUDIJUS) e Grupo Direito das
Minorias e Fortalecimento de Cidadanias (PGDIR).
mentais para uma revolução artística-cultural

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da educação. A arte dos sentimentos intradu- e, assim, ampliar a potencialidade de atividade
zíveis e a cultura da revelação do sujeito for- criativa.” (GUSTIN, 1999, p. 27).
necem os contornos das lentes que pautam, A superação dessa condição de neces-
neste trabalho, nossa visão da educação como sidade seria possível a partir do desenvolvi-
ferramenta de emancipação. Sob esta pers- mento da condição de autonomia, indispen-
pectiva, entendemos a construção do sentido sável à atuação do ser humano (individual e
como essencial no processo educacional. coletivo) no sentido de: “Criar e recriar con-
Estas respostas, contudo, não têm ca- dições que permitam a superação de seus
ráter de reprodução de dados objetivos; esta- sofrimentos graves, sua realização como ser
mos, sobretudo, a chamar, com nossas ques- típico na sociedade e, ao mesmo tempo, sua
tões, mais perguntas e, fundamentalmente, libertação dos constrangimentos internos e
mais mentes questionadoras. O desejo da externos.” (GUSTIN, 1999, p. 27).
mudança tem na criticidade seu combustível, Dentro de uma concepção correlata en-
e nosso papel nesta jornada parte, sem dúvi- tre necessidades e Direito, Gustin (1999, p.30)
das, do eterno questionar. indica que caberia ao último a preservação do
Portanto, passemos às respostas, para indivíduo em sua dignidade e autonomia, ou
que mais perguntas floresçam e mais realis- como “dono” de seus atos e de suas decisões,
tas esperançosos acreditem. além do reconhecimento do indivíduo como
portador de responsabilidade pessoal e social
– ou seja, de deveres que pressupõem respon-
1. Por que falar de educação sabilidade e autonomia (do sujeito).
para a emancipação? A autonomia representa, para o ser, a ca-
A Modernidade constituiu-se pela hete- pacidade de tomar as próprias decisões, de for-
rogeneidade de sociedades e pela consequen- mular objetivos e definir estratégias para atin-
te multiplicidade de racionalidades e códigos, gi-los (GUSTIN, 1999, p.31). Em termos restritos,
exigindo, pois, da Política, a sistematização da equivaleria à capacidade de ação e intervenção
ordem socioestatal e a limitação do poder, e, da pessoa ou do grupo sobre as condições de
do Direito, a constitucionalização dos direitos sua forma de vida - ao que Gustin (1999, p. 31)
fundamentais, com vistas à satisfação das ne- denomina de autonomia de ação.
cessidades humanas (individuais e grupais) Gustin (1999, p.31) identifica, ainda,
multifacetadas (GUSTIN, 2016, p. 31). outra esfera de autonomia, embora insepará-
As necessidades, desde a perspectiva veis, a qual denomina de autonomia crítica:
de Gustin (1999, p.24), seriam divididas em “que não se refere somente ao poder de ação
quatro suposições teóricas, quais sejam: a so- de um indivíduo, mas também e principal-
brevivência, a integração societária, a identi- mente, a seu poder de apreender e de orde-
dade e a maximização das competências co- nar conceptualmente seu mundo, sua pessoa
letivas e individuais de atividade criativa. e suas interações e de deliberar de forma
Assim, mais do que uma concepção ne- consciente sobre sua forma de vida”.
gativa, que representa falta ou ausência de algo, Assim, autonomia deve ser compre-
o reconhecimento das necessidades importa endida a partir de “uma natureza que se de-
no sentido de superação ou minimização de senvolva através da sociabilidade e que se
danos, devendo ser garantidas - aos indivíduos, realize nessa condição” (GUSTIN, 1999, p.31),
grupos ou coletividades - oportunidades aptas derivando, portanto, da interação: “É no de-
a permitir “capacidades efetivas de minimiza- senvolvimento psicossocial e através da co-
ção de danos, privações ou sofrimentos graves municação de valores e regras que se torna

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viável a uma pessoa o desenvolvimento da que, pela finalidade que lhe derem os oprimi-
autonomia crítica.” (GUSTIN, 1999, p.31). dos, será um ato de amor, com o qual se oporão
Assim, a autonomia de uma pessoa em ao desamor contido na violência dos opresso-
relação à outra se dá quando ela é capaz de res, até mesmo quando esta se revista da falsa
justificar suas escolhas e decisões por meio generosidade referida. (FREIRE, 1987, p.17).
de formas discursivas: “Ser autônomo é saber O conhecimento seria o meio de liber-
que se está agindo com um caráter autôno- tação, cabendo, portanto, à educação e ao
mo em relação aos valores e regras do outro” educador unir prática e teoria em busca de
(GUSTIN, 1999, p.32). A autonomia é, pois, uma educação orientada no sentido da supe-
uma necessidade humana de natureza social ração das necessidades e alcance da autono-
e que se desenvolve de forma dialógica. mia e da emancipação.
Considerando, então, a autonomia como
necessária à superação das necessidades indivi-
2. Por que defender a arte e a
duais e coletivas, bem como da perspectiva da
autonomia como emergente da interação e da
cultura para a emancipação?
sociabilidade, a educação - nos seus aspectos A partir da compreensão da educação
formais e informais - pode ser apontada como como substrato para a emancipação, deba-
elemento indispensável para formação de su- temo-nos com a essencialidade da educação
jeitos autônomos, emancipados. especificamente cultural e artística, estrutu-
Carvalho (2017, p. 45), ao reproduzir o rada neste trabalho como fundamental na
pensamento de Arendt, assinala que a educa- construção da emancipação do jovem. Para
ção - ou etapa formativa de iniciação ao mun- compreender o enfoque específico na edu-
do - teria, justamente, o caráter de introduzir o cação cultural e artística, é preciso destacar,
indivíduo numa comunidade política, e não de inicialmente, a cisão feita pela modernidade
encerrar o processo ou a capacidade de apren- entre razão e emoção, com uma valorização,
dizagem, muito menos fazer com que o indiví- no contexto da escola atual, de uma concep-
duo se encerre numa identidade definitiva. ção de racionalidade, em detrimento das emo-
ções, considerando a necessidade de referidas
A educação seria, portanto, justificável
entidades habilitarem “o sujeito a conhecer ra-
não apenas por seu caráter funcional ou por
cionalmente o mundo e a nele operar produti-
sua aplicação às demandas da vida, mas “por
vamente.” (DUARTE JÚNIOR, 1994, p. 33).
sua capacidade de se constituir como uma
experiência simbólica de relação com o mun- Nesse sentido, as experiências pessoais
do comum.” (CARVALHO, 2017, p.26). e os sentimentos do jovem, alocados discri-
cionariamente no campo da emoção, qua-
Desse modo, o sujeito privado da edu-
lificam-se como questões não direcionadas
cação seria o oprimido e sua tarefa seria a li-
no âmbito da aquisição do conhecimento,
bertação – a busca de sua autonomia:
cuja proposição destina-se prioritariamente
Quem, melhor que os oprimidos, se en-
à formação do ser produtivo. Restam, assim,
contrará preparado para entender o significado
no geral, à margem do processo educacional
terrível de uma sociedade opressora? Quem
formal, as experiências, as necessidades e os
sentirá, melhor que eles, os efeitos da opres-
sentimentos dos jovens, imperando uma per-
são? Quem, mais que eles, para ir compreen-
cepção de educação enquanto instrução, vol-
dendo a necessidade da libertação? Libertação
tada, pois, para a instrumentalização e fun-
a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis
cionalidade do jovem em uma ordem social
de sua busca; pelo conhecimento e reconhe-
previamente estipulada.
cimento da necessidade de lutar por ela. Luta

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Referida convolação em ser produtivo promoção da alienação e a substituição da
atende ainda aos ideais de uma classe econo- experiência por um substitutivo, falso e apa-
micamente dominante, que estrutura os ter- rentemente próximo. Com essa substituição
mos de fornecimento da educação segundo da experiência legítima por um simulacro de
os interesses pertinentes à manutenção de experiência, acrítica e reprodutiva dos papéis
estruturas de legitimação da ordem social sociais designados, provoca, para o jovem, a
que avaliza sua dominação. Para referidas “sensação de não despertar diante do poder
camadas, “não interessa que as pessoas ela- do existente, de ter que capitular à sua frente”,
borem a sua visão de mundo, a partir da re- paralisando “até os movimentos que impelem
alidade concreta onde vivem”, dado que “se ao conhecimento.” (ADORNO, 1996, p. 405).
cada um começasse a formular o seu pensa- Há, nesta semiformação, um adestra-
mento de acordo com a sua situação existen- mento dos educandos, treinados para não cul-
cial pode ser que descobrisse determinadas tivar senso crítico que os permita compreen-
verdades que o fizessem lutar pela alteração der suas próprias vivências. Duarte Júnior, ao
desta situação.” (DUARTE JÚNIOR, 1994, p. 35). descrever este cenário, aponta: “a campainha
Portanto, a manutenção desta perspec- toca, os alunos se sentam e passam a escrever
tiva de oposição entre a emoção e a razão, um sem-número de palavras, cuja significação
entre a experiência e o pensamento, fornece não compreendem bem, cuja significação está
as bases para sujeitos colonizáveis e não ques- distante de sua vida cotidiana. As palavras dei-
tionadores de sua condição do mundo. Neste xam de ser símbolos (...) para se tornarem qua-
ponto, mencionada cisão tende à minoração se que meros sinais.” (1994, p. 25).
da criação de sentido no conhecimento adqui- É neste sentido que a educação cultu-
rido por meio da educação, que deve ser - mais ral defendida almeja a valorização da experi-
do que um conteúdo apreendido, desvincula- ência do jovem, a partir de um acolhimento
do de uma motivação - um saber a partir do dos saberes levados à sala de aula, que trans-
qual o jovem possa compreender e ressignifi- cendem a estrutura escolar e intermediam
car suas experiências pessoais e coletivas. a condição do sujeito como componente
Portanto, em contraposição a este ce- de uma comunidade. Destarte, promover
nário, propõe-se uma perspectiva educacio- uma educação cultural significa considerar
nal fundamental para um desvencilhamento o mundo real no qual os sujeitos estão inse-
da ilusória fragmentação entre razão e emo- ridos, levando em consideração a criação de
ção, religando-se o trato destas no âmbito da substrato para compreensão das vivências
educação, o que demanda uma reestrutura- experienciadas por cada um, às quais será
ção do ensino escolar de maneira a endere- atribuído um sentido próprio, peculiar. A
çar a totalidade das dimensões inerentes à partir dessa perspectiva, aponta-se que “na
formação do sujeito. Esta ruptura conduz à educação joga-se com a construção do senti-
defesa de uma educação cultural e artística, do - do sentido que deve fundamentar nossa
definidas separadamente para fins de com- compreensão do mundo e da vida que nele
preensão de seus objetivos. vivemos.” (DUARTE JÚNIOR, 1994, p. 75).
Discorrendo inicialmente sobre a edu- Noutro liame, a educação artística vol-
cação cultural, destaquemos que, conforme ta-se para a vivência daquilo que não se tem
aponta Adorno, jamais pode a educação dis- oportunidade de conhecer na vivência coti-
sociar-se da cultura, dado que, quando dela diana, forjando-se, a partir do aprimoramen-
desvencilhada, conduz a uma “semiformação” to da compreensão e do processo de produ-
(1996, p. 389-390). Nesta semiformação, há a ção artística, as bases para a construção de

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um sentido intraduzível e mutável, pream- configuração peculiar de cada uma, de ma-
bular à própria concepção de si construída neira que sustentamos a impossibilidade de
autonomamente por um sujeito. Isto porque existência de uma educação artística apar-
há, na educação artística, a noção de que os tada da educação cultural e vice-versa. Des-
processos de produção artística e criação tarte, em não se visando o propugnado por
pelos jovens constituem-se no horizonte do uma, cai por terra, igualmente, as condições
que “não pode ser dito” (FAVARETTO, 2010, p. de possibilidade de logro do almejado por
232), de forma a se simbolizar e tornar con- outra. A educação cultural e artística consa-
creto, “visível, palpável, essa dimensão intan- gra-se, assim, pela mutualidade dos termos
gível do saber humano que é o sentimento” que a predicam e pela essencialidade da exis-
(LINS, 2011, p. 14). Assim é que a educação tência conjunta de ambos no atingimento de
artística não visa efetivamente ao “produto uma educação para o sentido, fundamental à
final obtido”, tendo por norte o processo de emancipação do educando.
criação, pelo qual “o educando deve elaborar
seus próprios sentidos em relação ao mundo
à sua volta.” (DUARTE JÚNIOR, 1994, p. 73).
3. Qual o projeto de uma educa-
Sublinhe-se que esta educação artísti-
ção cultural e artística para a
ca não está voltada somente para a apreen- emancipação?
são da arte enquanto conteúdo, vez que “a O primeiro passo é assentar que “crian-
experiência da arte e a sua possível função na ças e adolescentes possuem saberes construí-
educação não está na compreensão e nem no dos e marcados em suas vivências, quer sejam
adestramento artístico, formal, perceptivo, boas ou ruins. Por sua vez, as crianças e os jo-
embora possa conter tudo isto” (FAVARETTO, vens também deixam suas marcas por onde
2010, p. 232). Assim é que, apesar de o apri- passam (BRONFENBRENNER, 1996; WAN-
moramento das habilidades de percepção DERLEY, 2010; MARTINS, SZYMANSKI, 2004).
artística e de conceitos fundamentais à pró- E é nessa troca dialética que esses saberes
pria história da arte configurar-se como fun- precisam ser identificados e ressignificados,
damental na educação artística, o saber-fazer onde a família e a escola despontam como os
envolvido na produção artística do jovem principais referenciais de desenvolvimento e
perfaz-se essencial na construção da emanci- construção desses saberes (SANTIAGO, 2018;
pação do sujeito, que passa a ter na arte um YUNES e cols, 2001). É no locus familiar que as
campo profícuo de expressão e formação de crianças e jovens direcionam suas primeiras
sua particular visão de mundo. vivências e construção de afetos e conheci-
Assim é que a perspectiva da educação mentos. E mesmo quando a casa torna-se a
artística e cultural propõe-se a fundamentar um rua, ou uma instituição, esses saberes são le-
processo “que envolve a criação de um sentido vados juntamente com eles, e, muitas vezes,
para a vida” (DUARTE JÚNIOR, 1994, p. 72), emer- substituídos pelos novos saberes que a rua
gente da cultura peculiar inerente à experiência ou a instituição oferece-lhes no dia-a-dia.
de cada jovem e de sua relação com a ressignifi- Isso rompe, de certo modo, com a com-
cação proporcionada pela produção artística. preensão formal da educação como sendo o
Destaque-se que, a despeito de refe- processo contínuo de formação por meio do
rida divisão, considera-se o entrelaçamento aprendizado de técnicas, conceitos e conteúdos
entre estas como precípuo não apenas para oferecidos no currículo oficial de uma sociedade.
o atingimento integral dos fins de emanci- Na educação formal, a margem de autonomia
pação que as animam, mas também para a deixada à esses aprendizes fica restrita ao dire-

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cionamento oferecido pelos ensinamentos ofi- a partir da sua própria inteligência e da sua
ciais, os quais, muitas vezes, não correspondem curiosidade. Esse método construído a partir
às demandas subjetivas que todo ser humano de estímulos oriundos dos alunos substituiria
em formação apresenta e almeja explorar. o método da explicação.
O modelo formal tradicional não inves- Então, chega-se ao segundo passo, onde
te na compreensão de que cada ser humano a emancipação de Ranciére parece não ser su-
em formação possui saberes que podem ser ficiente como método. O jovem aluno não se
importantes instrumentos no próprio pro- emancipa apenas a partir da sua curiosidade
cesso formal de educação. Essa compreen- e inteligência que possam explorar todo o co-
são dos saberes internos encontra-se mais nhecimento de uma matéria. Esses estímulos
enfatizada no modelo de educação informal. parecem muito individuais; parecem perten-
Diante da real necessidade de se reformu- cer a um projeto republicano de igualdade
lar o modelo tradicional, muitas teorias são individual, de acesso. Para a emancipação na
apresentadas em resposta às demandas das educação, de fato, ocorrer, é preciso que a
novas gerações por maior participação no educação tenha estímulos não só externos,
modelo educacional formal, pelo conjunto mas internos também, que envolvam todos
de experiências que crianças e jovens têm a os seus sentidos até construir a autonomia do
contribuir, com todos os saberes adquiridos querer e realizar. Neste intuito, é preciso que
antes mesmo de ingressarem nele. a educação seja direcionada para um sentido.
Uma delas chama atenção pela sua pro- Os melhores estímulos externos e inter-
posta de emancipação individual construída a nos para a educação estão concentrados no
partir da curiosidade e estímulo que o aluno sentido real que o aprendizado com as relações
possa expressar. Esse método contrapõe-se e o ambiente apropriado possam oferecer às
ao modelo de educação tradicional por desa- crianças e jovens. Esse sentido está muito asso-
fiar um novo compromisso entre professor e ciado à capacidade de compreender os contex-
aluno. O modelo tradicional, em que o mes- tos históricos e sociais em que estão inseridos, e
tre transmite seus conhecimentos e verifica se as reais possibilidades de intervenção para mo-
o aluno aprendeu, é conhecido na teoria de dificação desses contextos. Cada vez mais os jo-
Jacques Rancière (2007), como o princípio do vens encantam-se com o seu protagonismo ju-
embrutecimento. O professor embrutecedor é venil aberto nos modelos educacionais, e com
aquele que se mantém distante do seu aluno, o seu potencial transformador para si e para os
e busca diariamente novas formas de ensino outros. É preciso que a escola e os adultos com-
e novos conhecimentos para fazê-lo entender preendam essa nova dinâmica de aprendizado
o que não sabe. E continua a checar com no- e favoreçam, com metodologias apropriadas, a
vas metodologias e técnicas, se, realmente, a inclusão dos saberes informais.
aprendizagem ocorreu. Nessa metodologia, o A educação para o sentido significa
aluno não possui nenhum protagonismo no que as crianças e os jovens precisam encon-
seu aprendizado, nem o seu exercício ocorre trar nela não apenas elementos que façam
de modo democrático, participativo. parte da sua praxis diária, mas também lhes
Por isso é que surge o princípio da estimulem um querer, uma satisfação, uma
emancipação, em que o professor pode en- realização própria que lhes traga a certeza
sinar qualquer coisa, ainda que desconheça o de pertencimento nas relações comunitárias
assunto, desde que o aluno esteja emancipa- e de poder onde realizam os aprendizados.
do, isto é, que o professor emancipe o aluno, A educação para o sentido requer partici-
estimulando-o a construir o conhecimento pação com resultados construídos nessa

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dialética de dar e receber conhecimento, de nexão entre educação e emancipação, media-
agir politicamente com exercícios de cida- da pela condição de autonomia. A autonomia,
dania que façam brotar nos jovens a certeza vista aqui como condição de superação das
de serem partícipes do todo, pelas muitas necessidades humanas, revela-se como fruto
transformações possíveis a realizar. Na edu- da educação, que desenvolvida através dos
cação para o sentido, os jovens precisam de processos de introdução do indivíduo na co-
espaços para suas realizações próprias. munidade política, não se propõe a encerrar
Por fim, o terceiro passo está em compre- a capacidade de aprendizagem ou o próprio
ender que a arte precisa estar inserida nesses es- indivíduo em uma identidade definitiva.
paços. Mas não de forma subsidiária ou acessória, O segundo questionamento foi posto
e, sim, de forma estrutural na cadeia de estímulos. em torno da arte e da cultura para emancipa-
Pois é por meio dela que os jovens expressam sen- ção. Num primeiro instante, discutiu-se como
timentos e pensamentos mais profundos, secretos a oposição entre a emoção e a razão, entre a
e ocultos, que nem eles mesmos conhecem. A arte experiência e o pensamento, e a própria cisão
faz com que esses sentimentos sejam transfor- entre os processos de educação formal e não
mados em formas e expressões compreensíveis formal fornecem as bases para sujeitos coloni-
e aprimoradas de uma linguagem mais confor- záveis e não questionadores de sua condição
tável, íntima e fluida para crianças e jovens. Por no mundo. Em seguida, passou-se a exprimir
sua vez, a arte também permite que o diálogo a educação como um meio através do qual se
possa ser realizado com os outros mesmo no pode compreender e ressignificar experiên-
silêncio de suas formas. cias pessoais e coletivas, buscando formas de
Em seu aspecto emancipador, a arte ensino direcionadas à totalidade das dimen-
surge como instrumento valorizador do re- sões inerentes à formação do sujeito.
pertório de ideias, valores e saberes dos jo- Por fim, buscou-se apresentar três pro-
vens, por contribuir para ativar a sua sensi- postas reflexivas para um projeto da educação
bilidade, produzir subjetividade, reflexões e cultural e artística para a emancipação e, por-
autoconhecimento. A arte surge, neste con- tanto, para o sentido. Partindo-se do princípio
texto, como componente fundamental para do embrutecimento, através do qual o profes-
o fortalecimento da personalidade e identi- sor se mantém distante do aluno, e o aluno não
dade do jovem; estimulando-o a compreen- integra o processo de conhecimento de modo
der-se como sujeito de direito à cultura, onde colaborativo, alcança-se o princípio da eman-
pode realizar-se como profissional e, desse cipação - dando conta de que o aprendizado
modo, inserir-se no circuito cultural e político emancipado partiria de um estímulo do profes-
de sua comunidade. (LEITE, 2018) sor, portanto, externo ao aluno, para que este
pudesse construir conhecimento a partir da sua
própria inteligência e da sua curiosidade.
Considerações Finais
Todavia, a dependência exclusiva de
A partir da perspectiva da realidade es- estímulo externo revela-se insuficiente para
perançosa, este ensaio buscou responder três que a emancipação ocorra de fato, por isso,
perguntas voltadas para as relações entre a torna-se necessário, para tal fim, que o aluno,
arte, a cultura e a educação. Entre escritos, internamente, desenvolva seus sentidos até
arte e revelação dos sujeitos, a educação foi construir a autonomia do querer e realizar. Os
sendo pautada sob o viés da emancipação, estímulos necessários para tanto seriam os
revelando suas nuances. do mundo real - os da vida em comunidade,
Em primeiro lugar, questionou-se a co- os das relações familiares, e os dos desejos

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próprios - realizáveis através da combinação dades humanas, autonomia e o direito à in-
de estímulos internos e externos, onde a arte clusão em uma sociedade que se realiza na
e da cultura tornam-se fortes instrumentos interculturalidade e no reconhecimento de
capazes de resgatar e ressaltar nos jovens uma justiça do bem-estar. In: GRINOVER, Ada
suas ideias, valores e saberes; de ativar sua Pellegrini; ALMEIDA, Gregório Assagra de;
sensibilidade e de produzir subjetividade, re- GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; LIMA, Pau-
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