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DUNKER, C. I. L.- Autoridade e Alteridade. Interações (Universidade São Marcos). , v.I, 1998.

Autoridade e Alteridade

Christian Ingo Lenz Dunker

A pesquisa psicanalítica sobre a família possui uma tradição de proximidade com


a teoria crítica da cultura, especialmente aquela desenvolvida pela chamada Escola de
Frankfurt. Para ambas as correntes podemos dizer que há um grande problema teórico
comum, a saber: como se tornou possível o advento do sujeito. Para os frankfurtianos a
cena de aparição do sujeito é histórica, para os psicanalistas ela surge inicialmente como
mítica. Mítica uma vez que extraída de uma narrativa construída retrospectivamente para
dar conta da origem do sujeito. Mítica ainda pois deve levar em conta na sua elaboração a
narrativa familiar da qual ela será uma versão. Para a teoria crítica, por sua vez, a origem
do sujeito é histórica pois este só é compreensível a partir de certas condições sociais
muito precisas, consolidadas a partir do século XVII. Mito e história são maneiras
diferentes de engendrar a transmissão da cultura: o mito transmite perguntas sob forma de
respostas a história transmite respostas sob forma de perguntas.
No caso da psicanálise dizemos que sua teoria da constituição do sujeito inclui a
noção de mito pois foi nesta dimensão que Freud pode refletir sobre uma das principais
questões colocadas por seus pacientes, a saber: o que é um pai ? - e consequentemente o
que é preciso fazer para me constituir como sujeito a partir da condição de filho ? A
fidelidade ao pai em Elizabete Von R, o pai impotente em Dora, o pai endividado no
Homem dos Ratos, o pai deus-sedutor em Schreber, o pai reprovador da jovem
homossexual, enfim não há nenhum caso clássico na clínica freudiana em que o pai não
constitua o epicentro de um mito. Em certa medida o que Freud faz com isso é reinventar
um mito que possua paridade com todas estas versões, o mito de Édipo, que aliás, como
alguns helenistas mostraram, mantém uma forte diferença com o Édipo grego.
Mas o Édipo psicanalítico adquire uma pretensão universal ao se expressar na
forma de uma antropologia ficcional contida, por exemplo, em Totem e Tabu (1913). A
partir dela o Édipo não é mais uma contingência da cultura vienense da virada do século e
passa a ser o episódio constitutivo da civilização e da família, a primeira precedendo a
segunda. Não é mais o mito da origem de um sujeito mas o mito das origens do sujeito.

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Por exemplo, o pequeno Hans constitui-se como sujeito ao integrar o particular de sua
experiência ao universal da condição humana. O produto desta conjunção é o que
podemos chamar de um sujeito singular. Ele revive uma epopéia ancestral ao mesmo
tempo em que a torna única: eis aí uma definição de sujeito. Resta desta operação uma
pergunta: até que ponto a lei universal da castração é de fato universal, ou seja,
estruturante de todos os universos culturais e sociais, presentes no tempo e no espaço ?
Incidentalmente era esta a pergunta em pauta na grande polêmica entre
psicanálise e antropologia nas décadas de 40 e 50. Uma polêmica que gravitava, no seu
ponto crucial, sobre a universalidade da expressão paterna face à diversidade das culturas
humanas. Paralelamente à descoberta de que o que nós chamamos de pai poderia se
apresentar, em certas sociedades, nas formas mais diversas, do tio paterno ao avô por
exemplo, começa a ganhar força a decomposição teórica do conceito de pai. Percebe-se
que sob este termo Freud infiltrava noções distintas como as de castração, ideal de eu,
superego, consciência moral, pais na fantasia, pais no romance familiar, etc. É neste
quadro que Lacan, ainda na década de 50 propõe a distinção entre pai real, pai simbólico
e pai imaginário, separando assim as esferas particular, universal e mítica da paternidade.
Ora, o que este movimento teórico sinaliza é que, entre outras coisas, o histórico
pai freudiano estava em processo de desaparição e que o preço a pagar pela
universalidade do Édipo correspondia ao refinamento do conceito de sujeito. Lidas
empiricamente as teses freudianas eram insustentáveis, virtualmente etnocêntricas, seria
portanto necessário decidir o que formalmente delas poderia ser reabilitado. Este esforço
de formalização, retratado nos movimentos teóricos, aponta para a retomada da noção de
lei como um universal e ao mesmo tempo atesta a relatividade cultural de certas acepções
do pai em Freud. Digo que o histórico pai freudiano estava em processo de desaparição
pois penso num artigo de Lacan intitulado “Os Complexos Familiares na Formação do
Indivíduo”, de 1938, onde um dos principais escopos de suas considerações é o chamado
“declínio da imago paterna” verificado na cultura de sua época. Trabalhando sobre este
declínio Lacan constatou duas consequências:
a) que ao desinvestimento das imagens carregadas de afeto, que apresentam o pai
para a criança, corresponde o fortalecimento do caráter insensato e devastador do
superego;
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b) que a função paterna, constituinte do sujeito a partir do Édipo, se reduzia


simbolicamente à função da alteridade.
Em outras palavras, ao declínio da imago paterna corresponde à ascenção da
autoridade não simbolizada, a autoridade narcísica, que pode-se extrair de uma leitura do
texto de Freud sobre as massas. Autoridade que Adorno e Horkheimer procuraram isolar,
no contexto da ascensão do nazismo, a sob o termo “personalidade autoritária”. Tal
autoridade, na convergência entre psicanálise e teoria crítica, mostra como característica
fundamental a recusa ou redução das formas possíveis de alteridade, recusa da diferença.
Em outras palavras, assim como a coesão de um grupo é fechada sobre a identificação de
seus elementos entre si, e destes com o líder, o outro, que se produz como estrangeiro,
bárbaro ou inumano, é tornad homogêneo em igual proporção. O outro, neste caso é
inverso e simétrico, e portanto, redutível ao mesmo sob o qual se consolida
Dois anos antes do artigo de Lacan aparece um texto de Max Horkheimer,
chamado “Autoridade e Família”. Esse texto fará história na tradição crítica. Marcuse se
apóia fortemente nele na sua reinterpretação da psicanálise bem como Lasch no seu
clássico “Cultura do Narcisismo”.
Neste escrito, Horkheimer mostra como na origem do sujeito moderno
encontramos uma disposição crítica à idéia de autoridade. A confiança na autoridade da
tradição deve ser substituída pela segurança na autonomia da razão, eis a plataforma
iluminista. Ponto nevrálgico desta operação é a idéia de que razão pode reunir em si a
universalidade, antes falsamente representada pela tradição, com a particularidade,
dimensão coextensiva à categoria nascente de indivíduo. Assim a autoridade se
individualiza no mesmo momento em que este indivíduo admite-se universal, pois tem
como atributo essencial a razão.
Gostaria de destacar que nesta passagem histórica a origem do sujeito associa-se à
recusa do outro como autoridade. Isso gera um problema: se a autoridade está no sujeito e
não no outro isso só ocorre porque o eu pode negar-se enquanto particular, porque pode
reconhecer-se outro de si mesmo. Daí a afirmação do texto de Horkeimer de que:
“Se a autoridade não é o outro, se de alguma forma deve incluir apenas uma
participação dentro da identidade, então não existe autoridade. “ (1974, p.248)

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É preciso notar a extrema convergência disto com as teses psicanalíticas que


apresentei antes: a função paterna como alteridade constitutiva e o declínio da autoridade
em associação com o colapso do supereu. A afirmação parece antecipar o retrato feito por
Lasch (1983) da sociedade americana dos anos 70, baseada na incorporação da
autoridade como atributo da identidade. Isso se expressa na autoridade que a cultura da
época confere ao que é íntimo, particular, pessoal, a única substância aparentemente
dotada de realidade. Ser pai de si mesmo: seria esta a conjugação narcísica oferecida a
partir do ideário moderno e da mitologia freudiana ?
Antes de examinar este ponto façamos um pequeno balanço. O declínio da imago
paterna e a consequênte crise da família, como crise de sua função de socialização e
subjetivação, aparece como um diagnóstico datado: tem pelo menos 60 anos. Pior, tal
diagnóstico baseia-se numa sobreposição entre individualismo e narcisismo e entre
paternidade e autoridade, incorrendo portanto no risco de psicologizar o entendimento da
cultura.
Para refinar o problema cabe recorrer aqui às críticas de Otávio Souza (1991) ao
diagnóstico conservador de Lasch. Tal crítica se baseia em dois argumentos:
a) é inútil e contrário à ética psicanalítica apenas redescrever a cultura no
vocabulário psicanalítico se ao mesmo tempo não apresentarmos uma ação capaz de
transformá-la.
b) o uso do conceito de narcisismo em Lasch é pouco rigoroso pois este opõe
ideal de ego e narcisismo, desconhecendo que o ideal de ego é uma instância simbólica
que produz efeitos narcísicos, logo imaginários. Associar portanto a ascensão do
narcisismo ao declínio dos ideais não se sustenta do ponto de vista causal.
Ora, o ideal de eu é exatamente uma instância capaz de representar a alteridade
que confere ao sujeito seu atributo de divisão. O sujeito dividido entre o particular da fala
e o universal da língua corresponde à versão linguística do problema. O sujeito dividido
entre o ideal de eu e o eu ideal é por sua vez a versão do mesmo tema no plano das
identificações. O ideal de eu só permanece enquanto tal como irrealizado, toda forma de
positivação do ideal, seja na esfera do objeto, fantasia ou imagem é um decaimento
narcísico do mesmo. Isso porque o ideal do eu surge da negação de um particular,
determinado como pai, em sucessivos atos de nomeação. Negação portanto que não é
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apenas da figura paterna, mas do aspecto particular desta em sua relação com a
representação da lei. Negação que submete este pai à castração, posto que
simbolicamente o mortifica, ao mesmo tempo em que institui miticamente tal operação
como universal. Obtém-se assim um sujeito que não é nada mais que efeito desta
operação, dividido portanto pelas suas condições de execução.
Ampliando mais ainda esta divisão poderíamos supor que a psicanálise
reencontra aqui a antinomia entre família e sociedade. O sujeito se localizaria então neste
espaço de tensão irredutível entre o particular familiar e o universal social, tese aliás que
demonstramos viável a partir do texto de Freud sobre A Novela Familiar do Neurótico
(Dunker e Passos, 1998).
Se o argumento se sustenta isso significa que a função particularizante,
enraizadora do sujeito tem primazia sobre o que se pode denominar convencionalmente
de uma família. A família define-se assim como função capaz de particularizar formas de
interdição, estilos de gozo, modos do narcisismo e formações de ideais. A família não é
nem a gênese nem a condição da sociedade, mas seria melhor definida como a negação
desta. Os modos que são negados em seu particularismo são assim reabsorvidos na forma
de universais da cultura.
No entanto diversas formações da cultura contemporânea parecem,
insidiosamente, contradizer esta tese. Em primeiro lugar a colonização de atributos
familiares tradicionais por saberes anônimos oriundos da vida administrada, regulada e
homogeneizada. A desautorização dos pais, que se veêm impossibilitados de localizar a
autoridade num ato subjetivamente sustentado. O horror à autoridade de nossos tempos se
traduz no horror ao ato, à autoria ao compromisso com o imponderável de uma ato
particular cujo destino no universal torna-se imprevisível.
A cultura burocrática na família é um exemplo da colonização que estamos
abordando. Exercer a paternidade ou a maternidade é uma questão de autoria no entanto
há claros sinais de ela torna-se cada vez mais uma questão para atores, para boas ou más
representações de papéis. O autor, de onde emerge a noção de autoridade, corresponde à
uma forma de produção de particularidades, o ator, por sua vez, de onde emerge a noção
de papel, é via de regra, alguém que representa um texto, que do seu ponto de vista pode
ser anônimo. A cultura burocrática que aludimos anteriormente como infiltrada na
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família, não é apenas um sistema pra gerir os negócios humanos, mas é antes de tudo uma
ética. Uma ética onde a alteridade é anônima, onde a responsabilidade é diluída ao ponto
em que os atos se processam sem sujeito e onde a dimensão da verdade está excluída.
Adicionemos a este cenário social a forma reticular do desenvolvimento de
famílias atuais. Filhos de pais diferentes, convivendo em diferentes espaços com
diferentes estilos de vida. Transformações rápidas e sucessivas de modos de
agenciamentos humanos entre gêneros. Tipos inomináveis de relações, antes chamadas,
conjugais tais como: ficar, estar com, morar com, morar com de vez em quando, morar
com mas não se encontrar, casar com papel, casar sem papel, namorar de modo virtual,
namorar sem compromisso, namorar com compromisso parcial, namorar com dedicação
exclusiva; e posto que são inomináveis detenho-me apenas nas bordas do problema.
Uma descrição mais profunda dos cenários social e familiar a que estou aludindo
encontra-se de forma exaustiva em autores como Lipovetski, Baudrillard, Sennett,
Jameson, Maffesoli e de forma geral talvez seja o que de melhor os pensadores pós-
modernos podem nos oferecer: uma descrição coerente posto que descompromissada.
Mas o que importa, para voltar ao nosso argumento, é como tais modos de
agenciamento constituem novas formas de alteridade e de autoridade e se tais formas
preservam a contradição entre o particular e o universal própria para a constituição de
sujeitos. Penso que tal contradição permanece mas muda seu eixo de expressão: o
particular não é mais o indivíduo mas o estilo onde ele se inscreve, o universal não é mais
a massa mas o gênero com qual o estilo se diferencia. A alteridade não é mais o outro
indivíduo, mas o outro olhar, a outra voz, a outra tela. A autoridade não é mais dada pela
interiorização da lei mas pela imagem que a veicula. Imaginar que isso significa o fim da
utilidade da noção de sujeito, de mito ou de história, ou mesmo de família é apenas
desconhecer o ideal que perpassa nossos tempos.

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Bibliografia

Dunker, C.I.L. e Passos, M.C. - Família e subjetividade contemporânea, in Interações,


estudos e pesquisas em psicologia, Vol II jul/dez, 1997 n 4.
Horkheimer, M. - Autoridad e Família, in Teoria Crítica, Amorrortu, Buenos Aires, 1974.
Lacan, J. - Os Complexos Familiares na Formação do Indivíduo, Jorge Zahar, RJ, 1993.
Lasch, C. - A Cultura do Narcisismo, Imago, RJ, 1983.

Souza, O. - Reflexão sobre a extensão dos conceitos da prática psicanalítica, in Clínica do


Social, Escuta, SP, 1991.

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